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especial pressões e angústias do mundo corporativo

A DANÇA DA
GARRAFA: ASSÉDIO
MORAL NAS
ORGANIZAÇÕES
Cada vez mais a rivalidade e a competição entre funcio-

nários são incentivadas no ambiente corporativo.

Brincadeiras e rituais aparentemente inocentes podem

acabar atingindo a dignidade do trabalhador, com gra-

ves consequências emocionais. As empresas não estão

isentas de responsabilidade, e devem manter políticas de

prevenção e combate a tais práticas

Roberto Heloani, professor da FGV-EAESP,


roberto.heloani@fgv.br

O
clima de intensa competição lentos, abusivos e humilhantes no
e rivalidade nos ambientes ambiente de trabalho: em nome da
corporativos tem passado a competição interna e das metas a
exigir um novo tipo de tra- serem cumpridas, o relacionamento
balhador. Para conquistar e manter entre indivíduos torna-se desrespeito-
um emprego, cada vez mais é necessá- so. E, não poucas vezes, a própria
rio ser detentor não só de competên- organização é complacente com o
cias técnicas mas também de um forte erro, o insulto e o abuso.
espírito competitivo e de agressivida- Esse clima permissivo facilita o sur-
de. Essa situação muitas vezes leva à gimento de ofensas, até mesmo sádi-
emergência de comportamentos vio- cas, justificadas, por exemplo, para

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quadro 1
As quatro categorias de assédio moral nas empresas
punir os profissionais que não atingi- Tipo de Assédio Descrição
ram suas metas. Procedimentos “ino- Isolamento Ignora-se a presença do trabalhador, impossibi-
centes” ou “brincadeiras” que, na ver- litando o diálogo; se tenta falar, é interrompido;
a comunicação com ele é feita por escrito; seu
dade, acabam por constituir-se em
pedido de entrevista é negado pela direção
práticas institucionalizadas de assédio
Dignidade violada Gestos de desprezo e insinuações desdenho-
moral. Como exemplos comumente sas para com a vítima; rumores sobre sua sani-
observados em empresas brasileiras, é dade mental; zombarias caricaturais sobre seu
possível citar situações vexatórias ou aspecto físico, nacionalidade, crenças religio-
sas ou convicções políticas; atribuição de tra-
obscenas, como a “dança da garrafa”, balhos degradantes; injúrias
ou insultos como o de obrigar funcio-
Atentado às condições Não transmitir informações úteis para a realiza-
nários a vestir-se de mulher ou de trabalho ção de tarefas; contestar sistematicamente deci-
maquiar-se como tal; fazer flexões sões tomadas pelo trabalhador; criticar seu tra-
balho de maneira injusta ou exagerada; privá-lo
recebendo xingamentos; aceitar ser do acesso aos instrumentos de trabalho; retirar
chicoteado ou ganhar chicotes de pre- o trabalho que lhe compete; dar sempre novas
sentes do chefe; vestir camisetas com tarefas, muitas inferiores às suas competências;
pressioná-lo para que não faça valer os seus
dizeres ofensivos; usar como pingente direitos; agir de modo a impedir que obtenha
uma tartaruga ou âncora visível à dis- promoção; atribuir à vítima, contra a vontade
dela, trabalhos perigosos; dar instruções
tância, sugerindo que aquele trabalha- impossíveis de executar
dor é “lento” ou afundará a empresa;
Violência verbal. Ameaças de violência física que podem
entre muitos outros. São rituais, enfim, física e sexual chegar à agressão; empurrões e gritos; invasão
que atingem a dignidade do trabalha- de privacidade por meio de telefonemas ou
dor e podem colocar em risco a sua cartas; espionagem e estragos em bens
pessoais; agressões sexuais
integridade emocional e profissional. Fonte: pesquisa Marie-France Hirigoyen

ANATOMIA DO ASSÉDIO quadro 2


A pesquisadora e psicanalista france- Quem pratica o assédio
O chefe assedia
sa Marie-France Hirigoyen, em trabalho
o subordinado 58%
publicado em 2002, classifica o assédio
Chefe e colegas
moral em quatro categorias: isolamento,
assediam o funcionário 29%
dignidade violada, atentado às condi-
ções de trabalho e violência verbal, física Assédio entre colegas 12%
e sexual (ver quadro 1). Tais modalida- O subordinado
des, convém salientar, podem acontecer assedia o chefe 1%
de maneira combinada, tornando o ata- Fonte: pesquisa Marie-France Hirigoyen

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especial pressões e angústias do mundo corporativo

A DANÇA DA GARRAFA: ASSÉDIO


MORAL NAS ORGANIZAÇÕES

que mais contundente e rápido: os chefe (ver quadro 2). Qualquer que seja mesmo, no limite, a cometer suicídio.
agressores usam de diferentes estraté- a direção do assédio, porém, seu proces- O fato é que todos perdem quando
gias, objetivando sempre o enfraqueci- so é ardiloso e bloqueia psiquicamente a ocorre esse tipo de violência no
mento e a anulação da vítima. capacidade de defesa da vítima, o que ambiente de trabalho. As empresas não
A maior parte dos casos de assédio provoca mudanças em sua autoestima. devem fechar os olhos para o proble-
moral – 58%, segundo a pesquisadora A perda do autoconceito e a predomi- ma, e muito menos utilizar o cômodo e
– origina-se na relação entre chefe e nância do sentimento de inutilidade triste expediente de tentar responsabili-
subordinado, ao passo que 29% são minam sua dignidade e autorrespeito. zar as vítimas por sua ocorrência,
praticados por chefes e colegas, 12% Esse cenário hostil induz o assediado a invertendo o nexo causal. A informa-
acontecem somente entre colegas, e cometer erros, à desestabilização e à ção é um antídoto eficaz e deve ser
uma pequena porcentagem (1%) cor- “corporização” das emoções, o que pode acessível a todos na organização.
responde ao subordinado que vitima o levá-lo a contrair graves doenças e, até Divulgando casos e conscientizando os
trabalhadores – do chão da fábrica até
o alto escalão – sobre a gravidade de
tais situações, é possível esperar uma
significativa redução de ocorrências.
Nesse sentido, vale citar o site www.
assediomoral.org, que o autor deste arti-
go ajudou a fundar em 2001. Com o
objetivo de dar visibilidade ao tema,
subsidiar estudiosos com dados sobre o
assunto e auxiliar vítimas de assédio
com informações que podem ser úteis

a l h o m arcados para a resolução do problema, o site já


ab
b i e n t es de tr teve, desde seu lançamento, cerca de
A m
n s a f a c ilitam o dois milhões de acessos. Inúmeras histó-
e
c o m p e tição int rias de assédio estão ali documentadas,
por a mentos das quais aproximadamente 95% chega-
o m p o r t
r g i m e nto de c ram até o site por iniciativa de seus
s u
e h u m ilhantes próprios protagonistas.

l e n t o s , abusivos
vio RESPOSTA ORGANIZACIONAL
Como já foi dito, o clima de competi-
ção e rivalidade entre funcionários, mui-

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u m p r oblema
seja
tas vezes incentivado pelas próprias Embora t r abalho
o d o
no mund
empresas, incita a violência nos ambien-
r e s e n t e
p violência
tes de trabalho. O assédio moral é uma
o c a s , a
s as ép
das principais faces dessa violência, e as
organizações não estão isentas de suas em toda
responsabilidades.
c e n d o de modo
s
Uma política eficaz de prevenção e de
vem cre
combate deve ser abrangente e assumir
n a a t u a lidade
cial
substan
um múltiplo caráter: administrativo,
jurídico e psicológico. Portanto, é funda-
mental que diversos grupos organizacio-
nais sejam envolvidos na definição e na
criação de instrumentos para se lidar
com as ocorrências.
Em específico, várias ações são possí- É preciso ter claro, porém, que os Para saber mais:
veis, como a constituição de um comitê códigos de conduta e de ética não
multidisciplinar formado por pessoas isentam a empresa de suas responsa-
que gozem de credibilidade dentro da bilidades em caso de ocorrência de
organização (médicos, psicólogos, assis- assédio moral, especialmente quan-
tentes sociais, sindicalistas); a dissuasão do outras medidas não foram toma-
de ocorrências, deixando clara a sua das e/ou a organização foi conivente
Assédio moral no trabalho
reprovação pelo código de conduta da ou negligente. Por isso, é correto livro de Maria Esther de Freitas,
empresa; a criação de ferramentas para reafirmar que, quanto maior o com- Roberto Heloani e Margarida Barreto
Editora Cengage Learning, 2008.
denúncia e apuração, como caixa de promisso de todos, mais a organiza-
sugestões ou plataformas informatizadas ção poderá orgulhar-se de ter feito o
para denúncia anônima; a utilização de que é moralmente certo, economica-
metodologias lúdicas, como o teatro, mente mais barato e legalmente mais
para popularização do tema no ambien- justo. E, finalmente, vale a pena
te de trabalho; o uso de cartilhas e da advertir que escutar a vítima é fun-
intranet para mensagens explicativas damental, pois humaniza e propicia Assédio moral:
sobre o tema e indicações de como pro- um melhor entendimento do proces- a violência perversa
no cotidiano
ceder caso uma pessoa seja vítima ou so gerador do sofrimento psíquico, livro de Marie-France Hirigoyen
testemunhe a ocorrência do fenômeno; permitindo superar a dor imposta Editora Bertrand, 2002.
entre outras possibilidades. pelas condições laborais. ■

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