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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA - CAMPUS I
CENTRO DE EDUCAÇÃO - CEDUC
LICENCIATURA EM HISTÓRIA

BONNIERK NATHSON DE LIMA DINIZ

A RESISTÊNCIA DE OFICIAIS DA WEHRMACHT CONTRA O NACIONAL-


SOCIALISMO

Campina Grande-PB
2020
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BONNIERK NATHSON DE LIMA DINIZ

A RESISTÊNCIA DE OFICIAS DA WEHRMACHT CONTRA O NACIONAL-


SOCIALISMO

Monografia apresentada à Coordenação do


Curso de História da Universidade Estadual da
Paraíba, como requisito parcial à obtenção do
título de graduado em História.

Área de concentração: História e Narrativa

Orientador: Prof. Dr. Juvandi de Souza


Santos

Campina Grande-PB
2020
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A painho e mainha pela dádiva da vida, dedico.


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AGRADECIMENTOS

Este trabalho não seria possível sem a participação efetiva de pessoas que
contribuíram e foram indispensáveis na minha formação enquanto acadêmico. Edmund
Burke nos diz que “ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode
fazer um pouco”, bem, talvez uma das coisas mais difíceis da vida seja materializar na
escrita os agradecimentos de maneira que eles não deixem lacunas, contudo, eles precisam
ser narrados. Hoje, presto minha reverência para algumas pessoas que tornaram este
momento possível.
Minha gratidão à Renata, minha primeira e perfeita bibliotecária, que me acolheu
com tanta gentileza e generosidade quando ainda não sabia percorrer os corredores e fazer
buscas nas estantes da biblioteca do município onde nasci. Ela foi uma mulher que me
ensinou a amar inexoravelmente os livros. Meu muito obrigado por tudo que você fez pela
minha vida. Minha dívida com você, Renata, é incalculável!
Gratidão também para com todas pessoas que deixaram marcas significativas em
minha vida e que me incentivaram para que nunca desistisse dos meus estudos. Vocês me
ensinaram das mais distintas formas. Enfim, Peter Jarvis explica. Aos meus companheiros
de jornada – Virgílio Borges, Minelle Kardinally, Laura Guimarães, Ricardo Freitas e
Esildo Filho – obrigado pela amizade e pela lealdade. Meus sinceros agradecimentos!
Desejo-lhes muita paz, saúde e sabedoria para viver cada dia em plenitude de vida!
Agradeço aos meus companheiros de armas pelos oito anos experienciados dentro
do Exército Brasileiro. Deveras, foram anos de muito aprendizagem. Se minha paixão pela
História se revelava nos anos anteriores à 2005, foi em 2006 que meu desejo de ser um
historiador se tornou mais vivo em meu íntimo. Foi nas FFAA que conheci homens com
profunda devoção à História e que me ensinaram a amar a História antes mesmo de entrar
na universidade. Enfim, deixo minha gratidão, especialmente, pelas vidas do coronel
Klaus Erich Klein e do tenente-coronel Cândido Renato Carolino Rodrigues (in memoriam).
Continuamente, registro meus sinceros agradecimentos aos professores do
Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba. Entre eles, incluo José
Adilson Filho, Ofélia Barros, Cleófas Lima Alves de Freitas Júnior, Luíra Freire Monteiro,
Ramsés Nunes e Silva, Hilmaria Xavier Silva, Anselmo Ronsard Cavalcanti, Emerson
Macêdo, Roberto Muniz, Iordan Queiroz Gomes, José Pereira de Souza Júnior,
Alberto Edvanildo Sobreira Coura, Auricélia Lopes Pereira, Carlos Cirino, Maria de
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Lourdes Lopo Ramos (Babi) e José do Egito Negreiros Pereira. Vocês são profissionais de
excelência! Enquanto viver, carregarei em minhas memórias cada um de vocês! Desejo
que o Criador ilumine a vida de vocês com muita sabedoria e paz!
Expresso, também, a minha gratidão à banca examinadora pela aceitação do
trabalho e pelas críticas construtivas que foram de fundamental importância para a
continuidade de minhas pesquisas/estudos e, sem a qual, não poderia ver onde estou
errando e como posso dar outro rumo neste trabalho, razão pela qual os conselhos advindos
de pessoas que tem notória perícia no campo da história se faz tão importante. Que o
Criador possa abençoar cada um de vocês grandemente e que possamos nos encontrar em
outros momentos para socializar o conhecimento!
Neste trabalho, esforcei-me e dediquei-me ao máximo para honrar uma antiga
dívida com meus mestres. Bem, qualquer que sejam as nuances que esta monografia
apresente, imputo a falha apenas a minha pessoa e não ao meu orientador, Juvandi de
Souza Santos. Professor Juvandi, o senhor foi como um pai para mim. Aprendi muito com
o senhor, muito mesmo! Obrigado por ter me instigado a insistir nesta pesquisa. Tudo que
posso falar é muito obrigado e penso que ainda é muito pouco por tudo que o senhor fez
pela minha vida! Eu tenho muito orgulho de ter sido aluno de um profissional tão
dedicado, inteligente e humano como todos nós! Lhe desejo, mestre, que o senhor seja
muito feliz e que nunca falte sobre a tua vida a sabedoria e a paz que excede todo o
entendimento!
À minha noiva, meu obrigado por todo carinho e pela tua atenção. Sou muito
grato a Ele por tua vida e por Ele ter me presenteado com a companhia/amizade/amor de
uma mulher incrível. Por fim, deixo a minha reverência para meus pais. Agradeço também
ao meu irmão que, mesmo com seu jeito lacônico de ser, consegue falar e apoiar com um
simples olhar. Vocês são o melhor presente que alguém poderia receber. Obrigado pelas
suas críticas, advertências e amor! Amo vocês com todas as minhas forças!
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“Todos se voltarão agora contra nós,


cobrindo-nos de injúrias. Minha convicção,
contudo, permanece inabalável (...) Fizemos o
que era justo. Hitler não é só o arqui-inimigo
da Alemanha; é também o arqui-inimigo do
mundo. Daqui a poucas horas estarei diante
de Deus, respondendo pelos meus atos e
faltas. Creio que poderei sustentar, com a
consciência limpa, tudo o que fiz na luta
contra Hitler.” (General Henning von
Tresckow)
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RESUMO

O presente trabalho tem como proposta analisar a resistência de oficiais da Wehrmacht contra
o nacional-socialismo, investigando, a priori, a razão pela qual uma parcela dos militares das
Forças Armadas da Alemanha articularam pela via diplomática e militar um continuum de
ações/operações que culminaram com um atentado contra Adolf Hitler, em 20 de julho de
1944. Ressalta-se que será abordado, especialmente, um recorte historiográfico que
compreende o final da primeira década do século XX até os anos de 1945. Para tais fins,
julga-se necessário indicar a configuração da Reischwehr e da Wehrmacht posteriormente as
ratificações da Conferência de Paris, assinalando, ademais, o processo de reorganização
político ideológico radicado no seio da sociedade alemã entre os anos de 1933-1945 e, por
fim, indicando como os círculos da resistência alemã [especialmente em torno dos círculos do
Mittwochsgesellschaft e do Kreisauer Kreis] saíram de uma situação de oposição residual, e
passaram a ser um movimento que quase alterou o destino político da Alemanha no transcurso
da Segunda Guerra Mundial. Continuamente, para fins teórico-metodológicos, pauta-se
sistematicamente pela utilização de uma pesquisa de caráter qualitativo do tipo bibliográfico,
utilizando como fontes: artigos, livros, periódicos, etc., a partir das proposições de autores
como Stéphane Courtois (2005), Joaquim Fest (2005; 2006), Eric Voegelin (2007), William
L. Shirer (2008), Norman Davies (2009), Ian Kershaw (2010), Peter Longerich (2013), David
B. Dennis (2014), Margaret Olwen MacMillan (2014), Zygmunt Bauman (2014), além de
outros autores que trabalham no campo da história, filosofia e sociologia que foram de
relevância fundamental para o equacionamento problema historiográfico que rememora a
dívida que temos com todos àqueles que lutam contra o processo de desumanização do
homem.
Palavras-Chave: Nacional-Socialismo. Wehrmacht. Alemanha. Guerra.
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ABSTRACT

This paper aims to analyze the resistance of Wehrmacht officers against National Socialism,
investigating, a priori, the reason why a portion of the military of the Armed Forces of
Germany articulated a continuum of actions diplomatic and military, operations that
culminated in an attack against Adolf Hitler, on July 20, 1944. It is noteworthy that a
historiographical section that covers the end of the first decade of the twentieth century until
the years 1945 will be addressed, in particular. For this purpose, it is necessary to indicate the
configuration of the Reischwehr and the Wehrmacht afterwards the ratifications of the
Conference of Paris, noting, moreover, the process of ideological political reorganization
rooted within German society between the years 1933-1945 and, finally, indicating how the
circles of German resistance [especially around the circles of the Mittwochsgesellschaft and
Kreisauer Kreis] they emerged from a situation of residual opposition, and became a
movement that almost changed Germany's political destiny in the course of the Second World
War. Continuously, for theoretical and methodological purposes, it is systematically guided
by the use of a qualitative research of the bibliographic type, using as sources: articles, books,
periodicals, etc., based on the proposals of authors such as Stéphane Courtois (2005), Joaquim
Fest (2005; 2006), Eric Voegelin (2007), William L. Shirer (2008), Norman Davies (2009),
Ian Kershaw (2010), Peter Longerich (2013), David B. Dennis (2014), Margaret Olwen
MacMillan (2014), Zygmunt Bauman (2014), in addition to other authors working in the field
of history, philosophy and sociology who were of fundamental relevance to the equation of
the historiographic problem that recalls the debt we owe to all those who struggle against the
process of dehumanization of man.
Keywords: National Socialism. Wehrmacht. Germany. War.
10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10
2 PRELÚDIO: UMA GUERRA TERMINA E NASCE UMA REPÚBLICA ... 14
2.1 O Tratado de Versalhes e a formação do Reichswehr ....................................... 21
3 O NSDAP E SUA IDEOLOGIA .......................................................................... 26
3.1 Em busca da ordem ............................................................................................... 36
3.1.1 Imersão Ideológica ................................................................................................. 41
4 O ENSAIO: PRINCÍPIOS DE UMA CONSPIRAÇÃO .................................... 47
4.1 Unentschlossenheit ................................................................................................. 62
5 WALKÜKE: A AÇÃO FINAL .............................................................................. 80
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 96
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 101
ANEXOS ................................................................................................................ 105
10

1 INTRODUÇÃO

No dia 07 de maio de 1945, na cidade de Reims, França, sob a chancela do Presidente


do Reich – o almirante Karl Dönitz – o general Alfred Josef Ferdinand Jodl assinava a
rendição incondicional da Alemanha e a consequente desmobilização Wehrmacht após longos
anos de hostilidades contra as Forças Aliadas no transcurso da Segunda Guerra Mundial. Sob
este ato, na madrugada do dia 07, às 2:41h, no Quartel-General de David Dwight Eisenhower
ficavam estabelecidas as diretrizes para o cessar das operações em todo Teatro de Operações
da Europa. A data definida para o fim de todas operações militares alemãs seria o dia 08 de
maio, precisamente às 23:01, de acordo com o fuso horário da Europa Central, conforme
assinala o historiador inglês, Ian Kershaw (2015), na obra O fim do Terceiro Reich: A
destruição da Alemanha de Hitler, 1944 -1945.1
Não bastassem as cenas dantescas produzidas por uma guerra convencional que
claramente cravou rastros de destruição pelos mais diversos lugares do continente europeu,
emergia em escala acelerada, em consequência do processo de desocupação alemã e a
contínua revelação de inúmeros arquivos secretos e dados reais que faziam menção aos países
que estavam sob seu domínio alemão, outro fator de ordem moral: o assassinato sistemático
de milhões de pessoas. A Endlösung der Judenfrage2 implementada pela alta cúpula nazista
na Conferência de Wanssee, punha em xeque a noção de progresso da Era Moderna e
colocaria em ascensão aquilo que o polonês Zygmunt Bauman (2011) definiria como
“assassinato categórico”.
Destarte, qual seria a justificativa para o assassinato sistematizado de milhões de
pessoas? Judeus, cristãos, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, entre outros grupos
minoritários, todos foram pesados em uma altiva balança que os condenou ao extermínio.
Absolutamente nada pode justificar isso. As ideias do nacional-socialismo cegaram uma
nação, não em sua totalidade, devemos evidenciar isso, mas a história mostra-nos o risco de

1
É importante frisar que os soviéticos não aceitaram de todo a capitulação assinada pelo general Jodl, sendo
necessária uma segunda proposta de capitulação, desta feita, que viesse realçar ainda mais as medidas que
visavam uma rendição incondicional aos moldes soviéticos. Próximo da noite de 9 de maio, o
Generalfeldmarschall Wilhelm Bodewin Johann Gustav Keitel assinava o documento que selava o destino da
Wehrmacht. Ver KERSHAW, Ian. O fim do Terceiro Reich: A destruição da Alemanha de Hitler, 1944 -194
[recurso eletrônico] / Ian Kershaw ; tradução Jairo Arco e Flexa — 1ª ed. — São Paulo : Companhia das Letras,
2015.
2
O termo em alemão refere-se à “Solução Final da Questão Judaica”. Para uma análise mais pormenorizada das
ações pensadas contra os judeus em Wansee, ver LONGERICH, Peter. Henrich Himmler: Uma biografia / Peter
Longerich; tradução Angelika Elizabeth Köhnke, Christine Röhrig, Gabriele Ella Elisabeth Lipkau, Margit
Sandra Bugs. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.
11

recorrermos a vendas ideológicas que nos cegam para o problema do mal em sua forma
absoluta; do totalitarismo e da consequente instrumentalização da morte pela via política e da
cegueira moral que condena indiscriminadamente os seres humanos ao nihil, problemas que
foram enfrentados [entre tantos pensadores] por Leszek Kołakowski (1990), Eric Voegelin
(2007), Hannah Arendt (2012; 2016), Zygmunt Bauman (2014), Étienne Borne (2014),
Vladimir Tismăneanu (2017), autores que alertaram-nos para o múnus dos historiadores
perante o nosso tempo e o risco/perigo que reside no processo em que as pessoas começam
relegar o passado ao esquecimento.
Ademais, nossa proposta com o presente trabalho conflui para a abertura de um espaço
de discussão dentro da História Contemporânea que garanta para os historiadores a
possibilidade de uma discussão quanto à real responsabilidade de cada indivíduo ante o risco
de insurgência do totalitarismo. Ante o exposto, avultamos que o presente trabalho abordará,
especialmente, um recorte historiográfico que compreende o final da primeira década do
século XX até os anos de 1945, tendo em sua gênese a seguinte inquirição: de que forma uma
parcela de oficiais da Wehrmacht se opuseram as pretensões de Adolf Hitler quando de sua
ascensão ao poder na Alemanha?
Esta questão surge da tentativa de identificar as estratégias adotadas por diversos
oficiais alemães contra a elite dirigente do Partido Nazista no âmbito da Wehrmacht. Logo,
para um profícuo entendimento deste caso, é necessário indicarmos a configuração da
Reichswehr e da Wehrmacht, posteriormente as ratificações da Conferência de Paris mediante
a assinatura do Tratado de Versalhes, analisando, igualmente, o processo de reorganização
político ideológico radicado no seio da sociedade alemã entre os anos de 1933-1945, e por
fim, apontar, especialmente, as estratégias empregadas por oficiais da Wehrmacht contra o
nacional-socialismo.
Continuamente, para fins teórico-metodológicos, nos pautamos sistematicamente pela
utilização de uma pesquisa de caráter qualitativo do tipo bibliográfico, com ênfase no
desenvolvimento de um sólido diagnóstico e para equacionamento do problema
historiográfico da presente pesquisa, partindo de proposições de autores como Stéphane
Courtois (2005), Joaquim Fest (2005; 2006), William L. Shirer (2008), Norman Davies
(2009), Ian Kershaw (2010), Peter Longerich (2013), David B. Dennis (2014), Margaret
Olwen MacMillan (2014), além de outros autores que trabalham no campo da história,
filosofia e sociologia, e que foram primordiais para o desenvolvimento deste trabalho.
Por fim, o leitor encontrará nas páginas seguintes os tópicos: 2 – Prelúdio: uma guerra
termina e nasce uma república – onde se verifica como a busca por um telos dentro da
12

sociedade moderna europeia acaba por ser frustrada com a Grande Guerra que culminou com
a derrota/desmembramento do império alemão, sendo esse processo, especialmente para os
alemães, bastante traumático/humilhante vide a consequente complexidade
política/econômica, social e militar dos anos de 1919 que acompanha o nascimento da
turbulenta República de Weimar. Paralelamente, destacamos o nascimento da Reischwehr que
com a incisiva participação do general Hans Von Seectk, que burlando as cláusulas de
Versalhes, muito antes da ascensão do nazismo, foi o arquiteto da moderna Wehrmacht,
criando a oportunidade para que o Exército assumisse apenas o papel “guardião” da nova
república, com vistas a apenas atividades profissionais militares legais e secretas,
contribuindo e impulsionando inexoravelmente outros oficias da Reichswehr para promover o
rearmamento da Alemanha no transcorrer dos anos de 1919-1933.
No terceiro tópico – O NSDAP e a sua ideologia – analisa-se [através da
decomposição da continuidade temporal] o nascimento do Partido Nacional-Socialista dos
Trabalhadores Alemães (NSDAP) que emerge durante a década de 20, período de ascensão de
ideologias por toda Europa que serviram como horizonte de referência mimética para os
membros do NSDAP, mostrando que transformações políticas eram viáveis por meio de
golpes de estado. Neste caso, isto culmina com o fracasso do golpe nazista em 8 de novembro
de 1923, revolta sufocada pelas unidades da Reischwehr de Munique, terminando com a
prisão de lideranças nazistas. Contudo, mostramos como a 20 de dezembro de 1924, as coisas
começam a mudar para os nazistas, com o processo de reabilitação do partido e seu
crescimento político exponencial que vai culminar com a chegada dos nazistas ao poder em
1933 e com a consequente e gradativa disseminação da ideologia nazista na sociedade alemã
através da arquitetação de uma Weltanschauung que fora criada para fins de construção de
uma nova memória coletiva e consequente obliteração menmômica da tradição judaico-cristã.
Continuamente, no quarto tópico – O ensaio: princípios de uma conspiração contra a
liderança nazista - constata-se a grande aderência das ideias do nacional-socialismo entre os
militares da Reischwehr, que vai confluir para que eles façam um juramente de fidelidade a
Hitler, em 1935, durante a reabilitação das forças armadas alemãs com a criação da
Wehrmacht, em uma clara afronta a Liga das Nações. Posteriormente, depois de cinco anos
com os nazistas no poder, se tornara claro para uma parcela dos generais mais antigos que
tinham flertado o regime, que as ressonâncias na política externa de Hitler poderiam arrastar a
Alemanha para um estado de guerra, algo que evocava a indisfarçada preocupação entre os
militares que tinham lutado em frentes distintas na Grande Guerra. Em busca do Lebensraum,
verificamos que Hitler acende uma tensão entre os generais mais antigos do alto escalão da
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Wehrmacht, período em que vemos a crise Blomberg-Fritsch com a remoção dos oficias
generais de primeiro escalão que poderiam se constituir em um entrave na cadeia de comando
que irão deixar o caminho livre para Hitler anexar a Áustria e reclamar os Sudetos, territórios
perdidos depois de Versalhes, culminando com a crise dos Sudetos, momento em que
precisamente em dia 4 de agosto 1938, uma figura de proa antinazista, o general Beck – Chefe
do Estado-Maior do Exército – apela para a consciência dos principais oficiais generais e do
dever deles perante a História, ante a conjuntura política, durante o período em que surge em
cena o Mittwochsgesellschaft (Clube da Quarta-Feira) com a prerrogativa de derrubar o
regime com a fatídica chance do dia 28 de setembro de 1938.
Por fim, no quinto tópico – Valküre: a ação final – [avançando no fluxo do tempo
narrativo] percebe-se que, depois dos anos de triunfo da blitzkrieg, o curso da guerra muda
para a Alemanha e os núcleos civil e militar começam a ampliar da rede de conspiradores para
causar a queda do regime. Próximo do fim da guerra, a rede se reúne grupos do
Mittwochsgesellschaft e do Kreisauer Kreis (Círculo Kreisau) com uma solução possível para
o destino dos alemães: a Operação Valquíria. Em uma última cartada contra a liderança da
resistência alemã, percebemos a dramática luta e desesperada luta dos núcleos de
conspiradores para colocar em curso a Operação Valquíria que culmina com a ousada e
frustada ação do coronel Claus von Stauffenberg, em 20 de julho de 1944, na Prússia Oriental,
para eliminar Hitler e salvar a Alemanha de um desastre total. Enfim, esse trabalho é a
história de pessoas que corajosamente ousaram enfrentar o regime nazista e lutaram
inexoravelmente pela liberdade e pela dignidade humana.
14

2 PRELÚDIO: UMA GUERRA TERMINA E NASCE UMA REPÚBLICA

Entre os anos de 1914-1918, o mundo conheceu aquela que seria nomeada como “A
Guerra para acabar com todas as guerras.” A ordem mundial entre as grandes potências
europeias se desequilibrava a despeito do estágio de euforia e da ideia de progresso provocado
pelos avanços da modernidade que transitaram dos decênios finais do século XIX e traziam
para o século XX o conceito da belle époque, onde o avanço da civilização europeia estaria
em direção a futuro áureo conectado a um destino de êxitos sobre êxitos, sem fim à vista. A
Primeira Guerra Mundial aniquilou tal devaneio.
Posteriormente ao atentado que levou à morte o herdeiro3 do trono do Império Austro-
Húngaro, em 23 de junho de 1914, na cidade de Sarajevo, Bósnia-Herzegovina, as nações
europeias que, há muito estavam em um clima de tensão geopolítica exacerbada, reuniram
seus exércitos para uma campanha militar que teria consequências nefastas para as décadas
seguintes que seriam experienciados por milhares de cidadãos, de acordo a historiadora
canadense, Margaret Olwen MacMillan (2014), provocando uma ruptura nas relações
geopolíticas na Europa.
Foi nos campos de batalha da Europa que os exércitos da Tríplice Entente4 lutaram
implacavelmente contra a Tríplice Aliança5. A princípio, as pretensões operacionais alemãs,
em 1914, de pôr fim ao conflito por meio da implementação do Plano Schlieffen6, foram por

3
É essencial destacar que não podemos, de maneira alguma, incorrermos no erro de achar que o assassinado do
arquiduque da Áustria, Franz Ferdinand Karl Ludwig Joseph Maria von Österreich-Este, foi a causa exclusiva
para eclosão das hostilidades entre as nações da Europa. Para tanto, estudos historiográficos sobre os anos que
antecederam ao conflito estão à disposição nas obras desenvolvidas por FERGUSON, Niall. O horror da guerra :
uma provocativa análise da Primeira Guerra Mundial [recurso eletrônico] / Niall Ferguson ; tradução Janaína
Marcoantonio. – I. ed. – São Paulo: Planeta, 2014; e também em SONDHAUS, Lawrence, 1958- A Primeira
Guerra Mundial [recurso eletrônico] / Lawrence Sondhaus ; tradutor Roberto Cataldo. – São Paulo : Contexto,
2013.
4
Inglaterra, França, Rússia assinaram o acordo que forjaria a Tríplice Entente. Posteriormente, países como
Japão, Estados Unidos da América e Itália se juntariam no esforço de guerra ao lado da Entente. Igualmente,
outros países como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Brasil, Portugal e etc., dispuseram uma parcela modesta
de efetivos militares para lutarem na Grande Guerra. Ver MACMILLAN, Margaret. A Primeira Guerra
Mundial...que acabaria com as guerras / Margaret MacMillan; tradução Gleuber Vieira – 1ª ed. – São Paulo :
Globo Livros, 2014.
5
A Tríplice Aliança era formada pelo Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e a Itália. Contudo, no ano de
1915 a Itália desfalca a Aliança e deserda para ser mais um integrante da Tríplice Entente.
6
Alfred Graf von Schlieffen (1833-1913) foi o homem por trás do plano que colocaria a França de joelhos
durante a Primeira Guerra. O marechal-de-campo von Schlieffen não viveu para ver sua estratégia posta em
prática, todavia, o seu plano de causar o colapso das forças adversas em uma provável guerra no Oeste da
Europa, foi aplicado pelo general Helmuth Johannes Ludwig von Moltke. A ideia partia do princípio de tentativa
de contornar o território francês flanqueando e direcionando unidades alemãs pelo território belga com o objetivo
de impor uma derrota definitiva nos ingleses e franceses, criando, assim, a oportunidade para que os alemães
15

“água abaixo” e fizeram que os anseios da Aliança por uma vitória no Front Oeste [em cerca
de um mês] se arrefecesse. Os anos seguintes mostraram os horrores da guerra em sua forma
mais alarmante. Os campos de batalha se demudavam – quer os combates se estendesse para
Verdun, Somme, Passchendaele, Caporetto ou Amiens – porém, os resultados sempre
revelavam o inferno e a insanidade da guerra. Obviamente que a guerra não se restringiu,
apenas, ao continente europeu. Além da Europa, quatro outros Teatros de Operações
integravam o conflito. Continentes como África e Ásia, também, experimentaram a sandice da
guerra que migrava sob os impérios. No entanto, para o historiador sueco, Niall Ferguson
(2016), apesar da guerra transpor os limites continentais da Europa, ela foi primordialmente
decidida na Europa Ocidental.
Depois de quatro anos de conflito e de uma perca inigualável, até aquele momento, de
vidas humanas de ambos os lados, em novembro de 1918 as tentativas alemãs de selar o
destino de seus inimigos foram anuladas pela ampla superioridade material e bélica que a
Entente adquirira significativamente desde a entrada dos EUA no conflito em 1917. A Grande
Guerra terminaria, após uma série de assinaturas em armistícios apartados que culminariam e
teriam como maior referência o caso da notável rendição alemã selada pelo Armistício de
Compiègne, assinado por Matthias Erzberger7 na presença do marechal Ferdinand Foch e
outros signatários, que deveria colocar um ponto final nas hostilidades.
Nesse contexto, fortuitamente, militares como Hinderbung e Lundendorff lavaram as
mãos e agiram para na elaboração de arranjo de um álibi para a derrota alemã: para que
reponsabilidade da capitulação alemã não recaísse sobre os ombros do Estado-Maior Imperial,
ela seria deixada para o governo republicano recém implantado. Assim, entre anos entre a
1918 e 1939, o mito da Dolchstoss8 seria propagado enquanto retórica, sobretudo pelos
nacional-socialistas quando ascendessem ao poder, para afiançar que as condições pela
derrota alemã foram decididas no front interno: nos bastidores políticos. Uma falácia, visto
que o próprio general Erich Lundendorff, tinha confidenciado tanto a Paul von Hindeburg
quanto ao Kaiser que a situação alemã, que caso a guerra não acabasse depois da Batalha de
Amiens, só se deterioraria e, dessa forma, era necessário por fim as operações militares em

voltassem seus efetivos para o front oriental, já que o Império Alemão estava lutando tanto no front ocidental e
oriental. Todavia, a incursão que levaria um mês acabou por prolongar um conflito por longos anos.
7
Representante titular da delegação alemã enviada em nome do governo provisório para assinar a rendição
alemã, que tem seu fim programado para às onze horas do dia 11 de novembro de 1918.
8
A famosa “punhalada nas costas” foi um termo designado para denunciar os “responsáveis” pela derrota alemã,
chamados pejorativamente de “criminosos de novembro”.
16

curso.9 Com o término da guerra, a configuração geográfica europeia se modificara


exacerbadamente. A historiadora Margaret MacMillan (2014) profere que:

Quatro grandes impérios tinham se desmantelado: a Rússia, que dominara diversos


povos, desde os poloneses a oeste aos georgianos no leste; a Alemanha com seus
territórios na Polônia e além-mar; a Áustria-Hungria, o grande Império
multinacional do centro da Europa; e o Império Otomano, que ainda englobava
pedaços do território europeu, além da Turquia de hoje e da maior parte do Oriente
Médio árabe. Os bolcheviques tinham assumido o poder na Rússia, sonhando com a
criação de um novo mundo comunista e que a revolução desencadeara uma sucessão
de outras na Hungria, na Alemanha ou, mais tarde, na China. (MACMILLAN, 2014,
p. xx).

O mundo nunca mais seria o mesmo, e uma das maiores expressividades desta
mutação no pós-guerra encontraria fortes reflexos na Alemanha. O destino da Alemanha era
ambíguo: esperança e incertezas dominavam seus pilares políticos. Não tardaria para que o
antigo regime – uma autocracia militarista liderada pelos Hohenzollern – se transformasse
drasticamente. No dia 7 de novembro de 1918, em Munique, Alemanha, exatamente na região
da Baviera, o escritor judeu Kurt Eisner,10 líder socialdemocrata, reunido com uma série de

9
Em O Horror da Guerra, o historiador Niall Fergunson (2014) afirma que “[...] não foi a superioridade tática
dos Aliados que pôs fim à guerra: foi uma crise de moral alemã, e isso só em parte pode ser atribuído à
influência exógena da infantaria e da artilharia dos Aliados. O ponto crucial a ser observado é que os alemães
que continuaram lutando ainda se mostraram mais aptos para matar o inimigo. Foram os alemães que escolheram
se render – ou desertar, evadir ou protestar – que acabaram com a guerra. Sem dúvida, sua decisão foi
influenciada pela melhoria na capacidade de combate do inimigo; os acontecimentos de 8 de agosto fora de
Amiens foram de fato “a maior derrota que o Exército alemão havia sofrido desde o início da guerra”. 126 Mas o
que tornou as coisas realmente sombrias foi a admissão de derrota por parte do Alto-Comando alemão. Em 10 de
agosto, Ludendorff entregou ao Kaiser seu pedido de renúncia, admitindo que “o espírito guerreiro de algumas
divisões deixa muito a desejar”. Embora não tenha aceitado o pedido de Ludendorff, Guilherme II respondeu
com atípico realismo: “Vejo que precisamos fazer um balanço, estamos à beira da [in]solvência. A guerra precisa
acabar”. [...] Mas hoje está claro que Ludendorff, exausto e doente, estava reagindo de forma exagerada. Assim
como a guerra da Alemanha havia começado com um ataque de nervos (o de Moltke), também terminava com
um: o de Ludendorff. Cansado e enfermo depois do fracasso de suas ofensivas, Ludendorff concluiu, de maneira
precipitada, que o Exército ruiria se ele não garantisse um armistício; parece mais provável que seu desejo de um
acordo de paz causou a ruína. [...] Foi Ludendorff quem deu a punhalada fatal nos alemães, e foi pela frente, não
pelas costas. Para adaptar a frase de Ernst Jünger (embora ele estivesse se referindo a Langemark, com um
significado bem diferente): “Os alemães depararam com uma força superior: eles depararam consigo mesmos”.
Ver FERGUSON, Niall. Op. cit., pp. 315-316. É evidente que tanto Hindenburg quanto Ludendorff repetiriam
esta mentira, o que de fato foi verificado quando Ludendorff, nos anos posteriores a guerra, confidencio essa
falácia para o Chefe da Missão Militar Britânica em Berlim, o general-de-divisão Malcolm.
10
Em 1917, Kurt Eisner passou a integrar as fileiras do Partido Socialdemocrata Independente da Alemanha
(Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands) que utilizava a sigla de USPD. Eisner seria morto no
trajeto para o Parlamento da Baviera pelo conde Anto Arco-Valley, um oficial e direitista, que retornara da
guerra. Sobre o episódio, o historiador alemão Joaquim Fest (2005) conta que “em 21 de fevereiro, no momento
em que se dirigia ao Landtag, em companhia de dois de seus colaboradores, para entregar sua demissão, foi
abatido em plena rua por um balaço nas costas desferido por um jovem de 22 anos, o Conde de Anto von Arco-
Valley. Foi uma ação absurda, inútil e catastrófica.” Mencionado em FEST, Joaquim. Hitler / Joaquim C. Fest ;
tradução Analúcia Teixeira Ribeiro... [et al]. 2.ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, p. 116. Horas depois,
dentro do salão do Landtag, Alois Lindner, membro da extrema-esquerda, atirava no ministro Auer. A Baviera
mergulhou num caos e em maio de 1919, unidades dos Freikorps entraram na cidade e eliminaram uma
quantidade elevada de opositores revolucionários de esquerda, instaurando a posteriori, um governo social
17

sectários políticos, tomava a Sede do Parlamento, e anunciava para todos a criação do “Estado
Livre da Baviera”, que passaria a ser regida pelos parâmetros republicanos, sem o aval do
chanceler imperial Max von Baden, ainda que ocupasse o cargo de chanceler por pouco
tempo. (FEST, 2005)
O cenário político alemão se tornaria ainda mais complexo. É verdade que não
somente os sociais-democratas desejavam a destituição do Kaiser, mas, similarmente, os
generais pressionaram-no, informando a respeito perca de seu prestígio junto as tropas. Em
Berlim, após uma série de episódios que iam da tentativa de um amotinamento da frota da
Marinha imperial em 191711 até as conturbações provocadas por Conselhos de marinheiros,
soldados e operários se ajuntaram, em 8 de novembro de 1918, aos milhares de trabalhadores,
numa uma greve coordenada para forçar a abdicação do Kaiser Wilhelm II.
Foi nesse contexto que o Estado-Maior Imperial, pressionado pelo fluxo dos
acontecimentos, emitiu diretamente pelo general Wilhelm Gröner, uma petição pela renúncia
do Kaiser Willhelm II. Em face dramática posição em que se encontrava e do cenário caótico,
Willhelm II renuncia e parte para o exílio político em Doorn, Holanda. Semelhantemente,
renuncia o Chanceler Max von Baden que apesar estabelecer uma série de reformas com o
intuito de garantir a continuidade do governo sob a égide de um regime monarquista
parlamentar, não obtém no Reichstag a força e o apoio necessário para sua permanência no
cargo, posição esta que é deixada para Friedrich Ebert que ocupava a liderança do
Sozialistische Partei Deutschlands (Partido Socialista da Alemanha).
Na tarde do dia 9 de novembro de 1919, no Reichstag, uma grande parcela da ala
progressista, centrista e dos social-democratas – liderados por Friedrich Ebert12 e Philipp
Scheidemmann – tentavam, emergencialmente, reelaborar a ideia de uma de monarquia aos
moldes ingleses, desde que eles conseguissem o apoio de outros setores partidários da
esquerda na Alemanha. Tentativa que não foi possível, pois com o desenrolar dos
acontecimentos, aqueles homens sabiam que a ideia da provável revolução defendida pela
Liga Espartaquista [tal qual os bolcheviques implementaram na Rússia czarista] agora estava
prestes a acontecer, o que não deixava de ser visto com receio por estes homens que
precisavam agir prontamente para o estabelecimento de um regime republicano para
apaziguar os ânimos da população contrariada com o regime que tinha perdido uma guerra e

democrata, sob a liderança de Johannes Hoffmann e logo, depois, um regime direitista liderado por Gustav von
Kahr.
11
Vide WILLIAMSON, Gordon. A Polícia secreta de Hitler: a atuação da SS na Segunda Guerra Mundial /
Gordon Williamson; tradução Roberson Melo. – São Paulo: Editora Escala, 2009, p. 11.
12
Com a saída do Chanceler Max von Baden, Friedrich Ebert assumiria sua posição do Príncipe, como
chanceler, a partir do dia 09 de novembro de 1918 até o dia 11 de fevereiro de 1919.
18

que estava enfraquecido o suficiente para não fazer frente as ameaças que pairavam àquela
época. Precisamente neste contexto, William L. Shirer (2008) relata que:

A revolução, porém, estava no ar, em Berlim. A capital foi paralisada por uma greve
geral. Pouco abaixo da ampla Unter den Linden, a poucos quarteirões do Reichstag,
os espartaquistas, chefiados pela socialista esquerdista Rosa Luxemburgo e por Karl
Liebknecht, preparavam-se em sua cidadela, no palácio do Kaiser, para proclamar
uma república soviética. Quando tal notícia chegou aos ouvidos dos socialistas que
se encontravam no Reichstag, mostraram-se consternados. Alguma coisa precisava
ser feita imediatamente para frustrar o golpe dos espartaquistas. Scheidemann teve
uma idéia. Sem consultar os camaradas, correu à janela que dava para a Königsplatz,
onde se reunira grande multidão, estivou a cabeça para fora, e por sua própria conta,
como se tal idéia acabasse de lhe passar pela mente, proclamou a república! O
fabricante de selas Ebert ficou furioso. Tinha esperado, de algum modo, salvar a
monarquia Hohenzollern. E assim nasceu a república alemã, como por um golpe de
mágica. Se os próprios socialistas não eram republicanos resolutos, dificilmente se
poderia esperar que os conservadores o fossem. (SHIRER, 2008, pp. 84-85)

Foi assim, de maneira tragicômica, aventureira e em um período de crise, que a


República de Weimar nasceu. A República de Weimar fora declarada em Berlim em 9 de
novembro de 1918, emergindo circunstancialmente entre outros fatores, para,
primordialmente, dispor ordem no cenário caótico que acometia as cidades alemãs nas
primeiras semanas de novembro, momento em que a polarização política crescia
assustadoramente na Alemanha, nação que estava praticamente submersa em um oceano
reacionário e revolucionário.
O historiador alemão, Joaquim Fest (2005) descreve os episódios das semanas de
novembro, e conta que por toda Alemanha, “desertores percorriam as ruas caçando os oficiais.
Eles os detinham, agrupavam e, com sarcasmos e insultos, arrancavam-lhes patentes,
condecorações e distintivos. Foi um ato de tardia revolta contra o regime deposto, [...].”
(FEST, 2005, p. 82) As consequências de tais atitudes não tardariam para que fossem sentidas
pelos partidários da ordem legalista e por várias camadas do oficialato alemão que voltara da
guerra e que reagiria a estes episódios de forma implacável.
Ameaçados pela possibilidade de uma Revolução Alemã coordenada por Rosa
Luxemburgo e por Karl Liebknecht, os social-democratas buscaram o apoio do Exército para
sobrepujar as posições de forças revolucionárias. Divergências que antes se faziam sentidas
no parlamento alemão em Berlim, seriam postas de lado em face da perspectiva de uma
“Revolução” que poderia colocar um ponto final na proclamada e frágil República de
Weimar. Ainda no período noturno do dia 9, uma ligação direta do Quartel-General Supremo,
localizado no território Belga, efetivada pelo general Wilhelm Gröner, estabelecia com recém
nomeado Chanceler do Império Alemão, Friedrich Ebert, uma relação de interesses mútuos
19

dos militares com os social-democratas para colocar fim nas tensões instigadas pelos
espartaquistas. (SHIRER, 2008)
No período em que assumira o cargo de destaque no cenário político alemão, o
governo de Friedrich Ebert promoveu naqueles dias turbulentos acordos tácitos com a cúpula
do Exército e similarmente com os operários de seu país, dando garantias alguns
trabalhadores grevistas por intermédio de uma série de reformas seriam implementadas com o
intuito de atender os interesses da classe trabalhadora alemã que assentiu e retornou as
atividades provocando modesto equilíbrio para a condução das ações do novo governo
republicano. No fim das contas, o governo não implementaria de todo as reformas prometidas
– como a nacionalização fabril – dando razões para que os conselhos operários da Alemanha
se articulassem novamente.
Assim, no mês de dezembro de 1918, entre os dias 16 e 21, se realizou o 1º Congresso
Soviético da Alemanha. Nele, representantes dos Conselhos de Soldados e Trabalhadores
estipulavam, entre algumas de suas reivindicações, a nacionalização do parque industrial
alemão; a deposição do general Hindenburg e que o Exército fosse desmobilizado para o
surgimento de provável guarda civil, que ficaria intrinsecamente subordinada aos
representantes dos conselhos, e etc. Para a cúpula do exército imperial isto era impensável.
Logo, a 23 de dezembro de 1918, novo clima de tensão tomariam as ruas de Berlim. William
L. Shirer (2008) narra:

Dois dias antes do Natal, a Divisão da Marinha do Povo, agora sob o controle dos
comunistas espartaquistas, ocupou a Wilhelmstrasse, invadiu a chancelaria e cortou
os fios telefônicos. A linha secreta ligada ao quartel-general do exército, porém,
continuou a funcionar, e Ebert pediu socorro. O exército prometeu libertar o governo
por meio da guarnição de Potsdam, mas, antes que ela pudesse chegar, os
marinheiros revoltosos recolheram-se a seus alojamentos, nos estábulos do palácio
imperial, ainda em poder dos espartaquistas. Os espartaquistas, tendo à frente Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburgo, os dois agitadores mais eficientes da Alemanha,
continuaram a lutar por uma república soviética. Seu poder armado em Berlim
aumentava. Na véspera do Natal, a Divisão da Marinha rechaçara facilmente uma
tentativa, por parte das tropas regulares de Postdam, no sentido de expulsá-la dos
estábulos imperiais. Hindenburg e Gröner fizeram pressão junto a Ebert para que
honrasse o pacto estabelecido entre eles e suprimisse os bolchevistas. Isto o líder
socialista estava mais do que disposto a fazer. (SHIRER, 2008, p. 87)

Assim, o duelo de forças entre as forças governamentais republicanas e as forças


revolucionárias de esquerda (espartaquistas) estava lançado. Inspirados no movimento
revolucionário bolchevique de 1917, os espartaquistas apostaram alto demais. O exército
imperial alemão tinha sido a pouco desmobilizado, mas o Chanceler Ebert, em 27 de
dezembro, nomeara a emblemática figura de Gustav Noske para o cargo de
20

Reichswehrminister (Ministro da Defesa). Nosk já era conhecido dos militares por ter
asfixiado, com êxito, uma rebelião de marinheiros em Kiel nos primeiros dias do mês de
novembro, rebelião debelada com a utilização de unidades do Freikorps.13
No mês de janeiro de 1919, entre os dias 10 e 17, nas proximidades de Berlim,
unidades dos Freikorps e forças regulares, sob o comando de Noske e do general Walther
Karl Friedrich Ernst Emil Freiherr von Lüttwitz, reuniram-se para lutar contra a Liga
Espartaquista que tinha, no interior da capital alemã, tomado os escritórios de um órgão do
Partido Social-Democrata, e consequentemente, se recusavam a desocupá-lo. Mais uma vez
irrompe uma luta entre forças antagônicas, e desta vez o Exército e a Freikorps estavam
decididos a acertar as contas com os revoltosos. Em menção desta questão, o historiador
militar, Gordon Williamson (2009) afirma:

[...] A princípio, o governo de Ebert relutava em interferir e parecia disposto a adotar


uma abordagem conciliadora e negociar uma solução pacífica para o protesto.
Entretanto, uma grande força das Freikorps foi reunida [...] e quando os rebeldes se
recusaram a evacuar o prédio ocupado, entrou em ação contra eles. Lutas sangrentas
de rua irromperam quase imediatamente, assim que as Freikorps agiram contra os
rebeldes com selvageria desenfreada. (WILLIAMSON, 2009, p. 14)

Dessa vez, a ferocidade do Freikorps14 se mostrou decisiva para a desgraça dos


revoltosos que foram acossados durante aquela semana. O episódio passou a ser chamado
pelos alemães de Semana Sangrenta. Nas ações em Berlim, os líderes espartaquistas – Rosa
Luxemburgo e Karl Liebknetch – foram presos e assassinados de maneira sórdida, por
homens do corpo de oficias da Divisão de Cavalaria de Guarda, o que [por sua vez] faria com
que os ânimos dos elementos revolucionários esquerdistas na capital alemã fossem refreados.
Quando a luta cessou, houve uma série de eleições pelas mais variadas cidades da Alemanha
“para escolha dos membros da Assembléia Nacional, que deveria elaborar a nova

13
Os Freikorps eram unidades paramilitares de veteranos da Grande Guerra que tinham sido desmobilizados
após o armistício com os franceses, unindo-se, logo depois, em propósito contra os revolucionários de esquerda
que tentavam minar o governo de Friedrich Ebert. A respeito ver WILLIAMSON, Gordon. Op. cit., pp. 12-15.
14
Similarmente a luta de elementos da esquerda revolucionária, elementos reacionários de extrema direita
contrários a democracia republicana, também, figurariam na tentativa de desestabilização da República de
Weimar. Niall Ferguson (2014) assevera que: Outras unidades irregulares combateram “centenas” de
espartaquistas e comunistas nas grandes cidades alemãs: houve tentativas de putsch por parte da direita ou da
esquerda todos os anos entre 1919 e 1923. A Maioria Socialista usou unidades Freikorps contra a extrema
esquerda em 1919; um ano depois, eles precisaram mobilizar um “Exército Vermelho” de trabalhadores no Ruhr
para impedir um golpe de conservadores militares conduzido por Wolfgang Kapp, o líder do extinto Partido da
Pátria. Em 1921, os comunistas realizaram a “Ação de Março” em Hamburgo; em 1922, houve uma torrente de
assassinatos por extremistas de direita (entre as vítimas, estava Walther Rathenau); e, em 1923, tanto a esquerda
quanto a direita tentaram golpes (respectivamente, o Aufstand de Hamburgo e o Putsch de Munique). O nível de
violência nas áreas urbanas da Alemanha é difícil de quantificar: basta dizer que, em 1920, estimava-se que
havia 1,9 milhão de fuzis e 8.452 metralhadoras em situação de posse ilegal; a desmobilização não havia
incluído o desarmamento. Ver FERGUSON, Niall. Op. cit., p. 382.
21

constituição.” (SHIRER, 2008, p. 88) Agora, mediante as articulações políticas de diversos


setores partidários da Alemanha, Friedrich Ebert15 seria alçado à presidência da República de
Weimar. Ebert seria o primeiro presidente da nova república, e sua missão não seria nada
fácil.

2.1 O Tratado de Versalhes e a formação do Reichswehr

Subitamente ao fim da Grande Guerra, no plano das relações internacionais, durante o


transcurso dos meses iniciais de 1919 dos encontros realizados na Conferência de Paris
(1919)16, a priori, ficaram situadas as condições para todas as nações derrotadas na guerra, e
esta seria uma conferência arranjada pelos países vencedores. Apesar disso, o presidente
americano, Woodrow Wilson alimentava esperanças para o futuro das nações derrotadas. Em
Uma Breve História dos Estados Unidos, o historiador James West (2016)17 afirma que os
ideais wilsonianos previam, para as nações perdedoras, um acordo de “paz entre iguais”, mas
esta não era bem a intenção dos ingleses e franceses.
Os franceses defendiam com extremada severidade a ideia de fragmentação do estado
alemão, além de reparações indenizatórias amplas, com o viés de minar a força política,
militar e econômica da Alemanha. Tal ideia era vista com desconfiança pelos ingleses, que
entendiam ser do interesse francês a sua ascensão a categoria de potência de primeira ordem
no continente. Desta forma, apesar dos intentos de uma nova ordem mundial baseada em
ideais democráticos, os frutos da Conferência de Paz de Paris mostraram ser outros: uma série
de tratados que fariam com que os derrotados ficassem perplexos.18
Niall Ferguson (2016) avalia que: “[...] depois que tudo foi traçado e assinado, parecia
só uma outra versão da velha história familiar: ao vencedor, o espólio.” (FERGUSON, 2016,

15
Friedrich Ebert iniciaria seu mandato como presidente à 11 de fevereiro de 1919 e continuaria no comando da
república até 28 de fevereiro de 1925, quando faleceu, sendo substituído em seu cargo por Paul Ludwig Hans
Anton von Beneckendorff und von Hindenburg. Outro detalhe importante deste período é a gama de novos
partidos que começavam a se formar com o ajuntamento de outras agremiações políticas, como foi o caso do
Partido Democrático que concedeu filiação em suas fileiras para elementos extremos esquerda vinculados aos
liberais. Similarmente, os conservadores reuniram forças para a criação do Partido Nacional Popular Alemão.
Havia ainda o Partido Popular Alemão, da ala direita, entre outros como o Partido dos Trabalhadores Alemães
(Deutsche Arbeiterpartei – DAP).
16
Em 18 de janeiro de 1919, tinham início as negociações que se prologariam e até o mês de junho de 1919,
quando, finalmente, no dia 28, seria assinado o Tratado de Versalhes.
17
Ver DAVIDSON, James West. Uma breve história dos Estados Unidos / James West Davidson; tradução
Janaína Marcoantonio. – 2. ed. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2016.
18
Da série de tratados assinados, se destacam: O Tratado de Versalhes (1919); O tratado de Saint-Germain
(1919); O Tratado de Trianon (1920); O tratado Neuilly (1919) e o Tratado de Sèvres (1920).
22

p. 328) O Tratado de Versalhes, rubricado na Sala dos Espelhos, era a prova definitiva da
assertiva supracitada, e provaria que os alemães amargariam duramente as imposições dos
vencedores, a diktat,19 que teria implicações cruciais para o futuro do vencido império
alemão. O historiador alemão, Joaquim Fest (2005), nos apresenta as injunções do Tratado:

As condições de paz do Tratado de Versalhes acentuaram mais ainda o


ressentimento. [...] Foi no plano psicológico, bem mais do que no aspecto material,
que as cláusulas do tratado tiveram efeitos traumatizantes e geraram, da esquerda
para a direita, em todos os setores e partidos, a consciência de uma indelével
humilhação. [...] Figurava como a ofensa mais grave o Artigo 228, que exigia a
entrega de certo número de oficiais alemães nominalmente designados para serem
julgados por tribunais militares aliados. E havia sobretudo o famoso Artigo 231, que
imputava exclusivamente à Alemanha a responsabilidade moral da guerra. As
contradições e desonestidades eram por demais evidentes nos 440 artigos do tratado,
no qual os vencedores se arvoraram a padre eterno do mundo e apresentavam suas
legítimas reivindicações como a forma de expiar os pecados, lá, onde, na realidade,
os interesses estavam em jogo. (FEST, 2005, pp. 84-85)

Em 7 de maio de 1919 as notícias chegavam à Alemanha sobre os termos do Tratado,


os termos de Versalhes que retiravam controle dos alemães a Alsácia-Lorena, como pequenas
parcelas do território belga, dinamarquês que tinham sido tomados durante em guerras
anteriores; a Prússia Oriental também era separada do território alemão. Assim, a cicatriz de
Versalhes seria notória no campo econômico e social, porque [dentre as nações derrotadas] a
República de Weimar teria que arcar com todos os danos infligidos aos países vencedores. No
entanto, no campo militar o impacto de Versalhes foi ainda maior.
Por força do Tratado, a Alemanha perdia autonomia para o desenvolvimento de aviões
de guerra, carros de combates blindados, submarinos e a marinha ficava restrita à
impossibilidade de produção de navios com mais de dez toneladas. William L. Shirer (2008)
considera que as reparações em pagamento chegavam a cifra aos bilhões de dólares em
marcos-ouro.20 Não obstante os ingleses fossem a primeira potência marítima, nem isso fez
com que eles deixassem de espoliar os navios da marinha de guerra e da marinha mercante
alemã que tinham escapado dos embates na Grande Guerra e que agora deveriam ser
entregues pela dívida alemã contraída por intermédios das indenizações requeridas pelas
autoridades da Tríplice Aliança em Paris.

19
Palavra alemã que designava a “imposição” do Tratado de Versalhes pelas potências vencedoras na guerra.
20
De fato, houve nos anos de 1922, uma solicitação do governo alemão aos ingleses e franceses quanto a questão
de uma flexibilização nos prazos de indenização reclamados em Versalhes. Os franceses se negaram a negociar
e em reação, tomaram no mês de janeiro de 1923 a região do vale do Ruhr, na Alemanha, rica em minério de
ferro e carvão, o que fez com que gradativamente a economia alemã entrasse em declínio vertiginoso. Ver
SHIRER, William L. Op. cit., pp. 99-97.
23

Com dissolução do antigo exército imperial após a Conferência de Paris em 1919,


coube ao general Hans von Seeckt21 – assessor da delegação alemã para os assuntos militares
em Versalhes – ser o arquiteto para reestruturar as novas e reduzidas forças armadas alemãs,
que passariam a ser designadas como Reichswehr. Hans von Seeckt que teve o intento de
fazer com que um exército derrotado ressurgisse das cinzas da derrota. Ele se deparou com as
devidas e rígidas restrições quanto a circunscrição das forças armadas alemães, já que estas
não deveriam ultrapassar o efetivo de 100 mil homens. Por seu intermédio a Reichswehr
formaria os novos componentes do recém-criado Exército Alemão, por meio dos quadros de
4.000 oficiais permitidos que seriam a forja para primar pela excelência qualitativa da nova
força militar da República de Weimar.
Neste período inicial, o general Seeckt volta suas atenções para o desenvolvimento de
uma relação diplomática com a casta política de Weimar; em especial com Gustav Noske seu
Reichswehrminister (Ministro da Defesa), de maneira que com arrojo e traquejo ele atraiu
para si a cordialidade e respeito da alta esfera política alemã. Sir Basil Liddell Hart (1980)
afiança que,

Seeckt manteve todo o Exército fora da política e, por sua aparente lealdade ao novo
regime republicano, em uma época crítica, lhe foi mais fácil encobrir o
desenvolvimento de seus projetos militares, bem como as veladas atividades
políticas a que se entregavam numerosos oficiais da velha escola. [...] assegurou-se
de que os quadros na nova “Reichswehr” fossem constituídos de oficiais e
graduados que possuíam experiência de guerra. Objetivava fazer daquela pequena
força [...] corpo de instrutores e líderes qualificados, capazes de servir de núcleo
para uma rápida expansão, no momento oportuno. A instrução desses elementos foi
conduzida em alto nível e dentro de novas bases, de modo a adquirirem espírito
profissional e destreza mais intensos do que o grande exército do passado tivera.”
(HART, 1980, p. 25)

O fato de Seeckt ter feito com que o Exército ficasse a parte das decisões políticas
nacionais assumindo apenas o papel “guardião” da nova república, com vistas a apenas
atividades profissionais militares, foi uma cartada que beneficiou a curto prazo a Reichswehr
e suas atividades secretas, mas que a longo prazo provaria ser fatal e retiraria de cena a

21
Nos anos iniciais da Primeira Guerra Mundial, Seeckt alçou o posto de tenente-coronel fazendo parte do
Estado-Maior Imperial, mas sua atuação na Primeira Guerra chegou ao ápice quando no ano de 1915, no Front
Oriental, sob o comando do marechal-de-campo von Mackensen. O historiador militar Liddell Hart (1980)
assevera: [...] Seeckt caracterizava-se como a inteligência tranquila que guiou o hussardo, o “beau sabreur”
marechal-de-campo von Mackensen, na mortífera ruptura de Gorlice, na Polônia, que dividiu os exércitos russos
– golpe do qual jamais se recuperaram completamente. Foi lá que Seeckt introduziu o método de ataque que
continha o germe da moderna tática de infiltração, lançando as reservas nos pontos fracos e penetrando tão a
fundo quanto possível, em vez de aplicar o antigo método de tentar avançar uniformemente e empregar as
reservas para eliminar os pontos de resistência.” Ver LIDDELL HART, Basil Henry. O Outro Lado da Colina:
Ascensão e queda dos generais alemães, com seus depoimentos acerca dos acontecimentos militares de 1939-
1945; Tradução de Luiz Paulo Macedo Carvalho e Haroldo Carvalho Neto. – Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1980, p. 24.
24

possibilidade de protagonismo político quando da ascensão de Hitler, de grande parte dos


generais nos anos posteriores, e que, a muito custo [no caso daqueles que se oporiam ao
nazismo], tardariam a denunciar e agir contra as políticas expansionistas e radicais do
Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei (Partido Nacional-Socialista dos
Trabalhadores Alemães).
Continuamente, no planejamento formulado por Seeckt dentro do Estado-Maior da
Reichswehr, fazia-se necessário que as cláusulas de Versalhes fossem burladas, isto porque, o
desenvolvimento e treinamento de táticas bélicas, especialmente no que concerne ao emprego
de blindados e de aviação de guerra, era restrito pelos dispositivos legais e jurídicos criados
pelo Tratado de Versalhes, de tal modo, que técnicos militares da Alemanha secretamente se
deslocaram para países como a URSS22, Japão, entre outros países.
Ad interim, contatos foram estabelecidos com os russos, entre os anos de 1927 até o
ano de 1933, Werner Eduard Fritz von Blomberg, Kurt Gebhard Adolf Philipp Freiherr
von Hammerstein-Equord , Heinrich Alfred Hermann Walther von Brauchitsch, August
Wilhelm Heye , Eric von Manstein e outros, fizeram parte de uma série de oficiais de alta
patente que utilizariam essas visitas para transmissão de informações fortuitas para a
Inteligência da Reischwehr, de maneira que o Ministério recebesse relatórios das condições
operacionais e logísticas russas. De fato, as ações do general Hans von Seeckt foram cruciais
para a Reichswehr. Nesse tempo, no campo tático, uma mudança na doutrina militar alemã era
desenvolvida: a forma a prezar pela mobilidade e velocidade de unidades especiais que
poderiam reconfigurar os combates em detrimento da inércia e imobilidade que tinha sido
fatal para o exército imperial alemão no Front Oeste durante a Primeira Guerra.
Seeckt avançava em uma nova concepção operacional, demonstrando
antecipadamente que ele estava à frente do seu tempo sendo um dos precursores do que no
22
No caso dos soviéticos, o historiador inglês Barry Leach (1975) assevera: “O General von Seeckt começou a
expressar desejos de intercambiar com a Rússia em janeiro de 1920. O malogro da ofensiva soviética contra a
Polônia, naquele ano, fez com que os russos desejassem obter ajuda alemã. A primeira medida, tomada em abril
de 1921, efetivou-se no campo da cooperação econômica. Significativamente, os negociadores alemães foram
dirigidos pelo Major Oskar Ritter von Niedermayer, oficial reformado do Estado-Maior Geral e íntimo
colaborador de Seeckt. À medida que os contatos se desenvolviam, formou-se um Grupo ‘R’ Especial no
Truppenamt para cuidar dos acordos econômicos e militares secretos, mas as reuniões reais com os russos foram
realizadas no apartamento do Coronel Kurt von Schleicher, em Berlim. Em novembro de 1922, o Ministro da
Defesa deu ordens para que o Chefe do Truppenamt, General Otto Hasse, se responsabilizasse pela coordenação
de todos os projetos na Rússia. Um escritório, denominado Zentrale Moskau, foi organizado na capital soviética,
e seu pessoal era formado de oficiais ‘reformados’ do Estado-Maior Geral. A tarefa desses oficiais era
supervisionar o pessoal alemão nos centros de treinamento russos ou funcionar como adidos às unidades do
Exército Vermelho. Ficou também estabelecido que oficiais graduados germânicos visitariam regularmente os
colegas russos, para criar uma relação harmoniosa entre os dois exércitos. [...] O estabelecimento de indústrias de
armamento e de centros de treinamento na Rússia, resultantes da ‘política oriental’, deu aos alemães a sensação
de fuga aos ‘grilhões de Versalhes’, [...].” Ver LEACH, Barry. História Ilustrada da 2ª Guerra Mundial – Estado-
Maior alemão – 05 – Política em Ação. Rio de Janeiro: Editora: Renes, 1975. pp. 28-29.
25

futuro viria a ser a Blitzkrieg, divergindo, com razão pericial, da doutrina militar francesa que
prezava pela preponderância de “fogo e movimento”, sendo o primeiro aspecto o principal
elemento do pensamento de grande parte dos oficias de alta patente do exército francês. A
visão seeckteriana sobre o futuro da guerra alertava para o valor da rapidez, mobilidade e
flexibilidade de contingentes militares menores, no entanto, com denotada qualidade de força,
mostrando que era possível que a junção de forças distintas cooperasse entre si.
No ano de 1926, após uma controversa animosidade com o Presidente Paul von
Hindenburg23, o general von Seeckt pressionado pelo Ministro da Defesa Otto Karl Gessler,
deixa suas funções no Reichswehr, para o general August Wilhelm Heye. O feito foi o
suficiente para que Heye esquadrinhasse oportunidades furtivas para dar continuidade (ao
longo de quatro anos) as propostas de expansão do programa de rearmamento e recomposição
do novo exército. Foi nesse período que Heye ganhou o apoio de importantes oficiais como
general Kurt von Schleicher e o general Wilhelm Gröner e de uma gama oficiais menor
patente como o tenente-coronel von Bonin.
No início da década de 1930, nova substituição é efetivada na Reischwehr, sendo
notada quando o Presidente da República de Weimar nomeou o general Kurt von
Hammerstein como Chefe do Estado-Maior Geral da Reischwehr, que seguiu a política de
revitalização do Exército Alemão com o intuito de formar 42 divisões, muito embora, ele
fosse um militar profundamente devotado a República de Weimar, não nutrindo nenhuma
simpatia e não escondendo, de seus pares, asco pela ideologia nacional-socialista que crescia
dia após dia na Alemanha, o que o levou a propor a Hindenburg que os militares do
Reischwehr saísse de sua situação apolítica, e que posturas mais rígidas fossem tomadas
contra os nacional-socialistas, proposta essa que foi abortada. Erro de cálculo ou não, os
generais pagariam caro por terem iniciado algo que violava claramente as determinações de
Versalhes e logo perceberiam que seus planos seriam utilizados por um antigo cabo que tinha
entrado para a política.24

23
O Feldmarechal von Hindenburg fora eleito presidente da República de Weimar a 26 de abril de 1925,
acontecimento que pôs o Presidente a par dos feitos realizados por Seecket.
24
A segurança e a procrastinação de von Hindenburg em tomar alguma atitude era pautada pela sua vitória
contra Adolf Hitler, nas eleições de 1932, e por achar que controlaria o “Cabo da Boemia” como bem
entendesse, algo que ele imaginara e setores do exército também acreditavam.
26

3 O NSDAP E SUA IDEOLOGIA

Em uma trama nos bastidores da política alemã, no dia 30 de janeiro de 1933, Adolf
Hitler, Führer do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP),
conseguia chegar ao posto de Chanceler da República de Weimar, depois de uma série de
negociações escusas com Alfred von Papen25, e em acertos realizados com Otto von Meissner
e Oskar von Hindenburg e outras figuras notáveis do cenário político da Alemanha, na
Chancelaria do Reich. Este fato histórico nos evoca a seguinte inquirição: como foi possível
que esta realização política do NSDAP fosse crível? Bem, para compreendermos isto,
precisaremos retroceder alguns anos num momento em que a história de um antigo cabo do
exército imperial se funde com a história de um partido irrelevante que acabara de nascer.
Não podemos negar que Adolf Hitler tinha ascendido de modo meteórico, em um
período curto de tempo, a um alto posto na vida política de uma maneira nunca antes vista na
no período weimariano. Hitler era um veterano da Primeira Guerra. Lutara em importantes
batalhas no conflito que sacudiu a Europa e fora condecorado com a Cruz de Ferro de 1ª e 2ª
Classe. No pós-guerra, pertenceu ao Birô de Imprensa e Publicidade do Departamento
Político do 2º Regimento de Infantaria, em Munique, que o designou para realizar missões
investigativas em reuniões políticas consideradas subversivas durante os meses turbulentos
que se seguiu a formação da nova república.
Na obra O Carisma de Hitler, o historiador Laurence Rees (2013) assinala que em
decorrência de suas funções, Hitler, descobriria em setembro de 1919, o Partido dos
Trabalhadores Alemães (Deutsche Arbeiterpartei – DAP), que dava seus primeiros passos em
reuniões realizadas na cervejaria Sterneckerbräu. Foi precisamente naquele local que o
austríaco se desvinculava de sua missão inicial proposta pela sua unidade e percebeu que
naquela sala de reuniões havia um afinamento de ideias que correspondiam precisamente as
suas, fazendo com que este partisse para a política, a pedido de Anton Drexler. Àquela época,
o Partido dos Trabalhadores Alemães, como tantas organizações partidárias, fazia simples
reuniões em locais bastante atípicos com a presença de homens como Diertrich Eckhart, Ernst
Röhm e Karr Harrer, principais personagens do círculo inicial que dera forma ao DAP. Em
01 de abril de 1920, os dirigentes do Partido dos Trabalhadores Alemães modificariam seu

25
De 01 de junho de 1932 à 17 de novembro de 1932, Papen assumiu o cargo de Chanceler, quando renunciou
seu posto, para que o general Kurt von Schleicher assumisse seu lugar por um brevíssimo espaço de tempo
período. Schleicher, precursor de Hitler, seria vítima do regime nazista durante o expurgo contra os líderes da
S.A.
27

nome para Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP). Assim, nos
meses seguintes, o número de associados cresceria exponencialmente, com a adesão de mais
membros por intermédio das articulações de engajamento de Adolf Hitler rente às principais
lideranças do NSDAP.
Este fato é singular porque verifica-se, neste contexto histórico, que a década de 20 era
um período de ascensão de ideologias por toda Europa, que tinham no comunismo e no
fascismo suas maiores representações, entretanto, o fascismo italiano, por meio das ações de
Benito Mussolini na Itália, foi o maior horizonte de referência mimética para os membros do
NSDAP, mostrando que transformações políticas por meio de golpes de estado eram viáveis.
Na obra Europa na Guerra, o historiador Norman Davies (2009) mostra-nos como se
constituem os pilares que sustentam o fascismo e de como eles solapam as estruturas de um
estado democrático. Norman Davies (2009) assevera que:

O fascismo, que começou como o nome do movimento de Mussolini na Itália, logo


se tornou um rótulo genérico para todos os grupos políticos inspirados pelo exemplo
de Mussolini: os nacional-socialistas na Alemanha, a Falange do general Franco na
Espanha, o ONR na Polônia, A Ustashe na Croácia, A Guarda de Ferro Na Romênia,
o Cruz de Flechas na Hungria, os rexistas na Bélgica, a Action Française na França e
os “Camisas-Pretas de sir Oswald Mosley na Grã-Bretanha. Graças à rivalidade com
o comunismo, é frequentemente classificado como “ala de ultradireita” ou “extrema
direita”. Na verdade, ele recorria a uma estranha mistura de elementos de direita e de
esquerda e em geral atraía socialistas desiludidos ou, como o próprio Mussolini, ex-
marxistas. Revolucionário radical, com o objetivo de suplantar os interesses
especiais de tribunais, aristocracia, clero e empresários, o discurso fascista falava
sobre mobilizar e libertar as massas. Era extremamente nacionalista e militarista,
com a intenção de atingir seus objetivos por meio da coerção. Acreditava na ditadura
de um Estado com partido único, em métodos policiais repressivos, em propaganda
bombástica e no culto ao Duce/Führer/Caudilho, ou “Líder”. Junto com o
comunismo, ao qual se assemelhava em muitos aspectos, era o exemplar fundador
do totalitarismo. (DAVIES, 2009, pp. 59-60)

Sob esta perspectiva, a linha política trilhada pelo NSDAP era apenas uma cortina de
fumaça lançada para obtenção de seus objetivos pragmáticos previamente estabelecidos de
tomada e perpetuação no poder. Isto é claramente visível quando notamos a tentativa de
tomada do poder pelos nacional-socialistas em 1923, que inspirados na marcha exitosa de
Benito Mussolini sobre Roma no ano anterior, tentaram arregimentar forças contra a
República de Weimar.26

26
1923 foi um ano de novas turbulências políticas na República de Weimar. Em face da retomada dos
pagamentos indenizatórios aos países vencedores na Grande Guerra, uma nova onda de movimentos de extrema
direita, exacerbadamente insatisfeito com as medidas governamentais tentaram articular a tomada do poder na
Alemanha. O movimento liderado pelo major Buchrucker, um antigo membro do Estado-Maior e nacionalista
ferrenho, é um deles. As unidades regulares da República anteciparam o empreendimento de Buchrucker que
seria preso por alta traição. De igual modo, no mesmo período, outras insurreições comunistas entraram ação nas
28

Logo, seria da Baviera que viria a principal ameaça aos ideais democráticos da
república. Unidades das “ligas patrióticas” foram reunidas em 1923 por Ernest Röhm.27
Boatos sobre um novo putsch circulavam por toda Alemanha. O general von Seeckt estava em
posse de notícias advindas de Munique: os nacional-socialistas da Baviera tramavam junto ao
governo bávaro uma revolução antirrepublicana. Não obstante, o general alertou a Gustav von
Kahr, ao general Otto von Lossow e o coronel Hans von Seisser – principais líderes locais em
Munique – que, caso ocorresse uma insurreição na Baviera com apoio dos nacional-
socialistas, a revolta contra a república terminaria mau para todos, especialmente para os
nazistas. Terminou.
No dia 8 de novembro de 1923, Hitler adentra dentro da cervejaria Bürgerbräukeller,
e proclama uma revolução nacional, junto com uma série de outros partidários do NSDAP, no
episódio que ficou conhecido como o “Putsch da Cervejaria.” Nesse ínterim, as unidades de
Ernst Röhm tomaram apenas um ponto chave na cidade – o Ministério da Guerra. As
autoridades achavam que Seectk tinha blefado quando, este, afiançou que sufocaria qualquer
tentativa de rebelião contra a República e, para isso, usaria as unidades do comandante da
guarnição de Munique, sob o comando do general Jakob Ritter von Danner. Na tentativa de
tomada de Munique, parte dos efetivos paramilitares do NSDAP [sob o comando de Ernest
Röhm] foram cercados pelas tropas da Reischwehr de Munique. A tentativa de golpe militar
dos nazistas mau começara e já teria seu fim na dramática manhã seguinte.
Próximo das doze horas, marchando no centro de Munique em deslocamento ao
Ministério da Guerra, Hitler ao lado de Lundendorff, Scheubner-Richter, Rosenberg, Ulrich
Gräf, mais uma coluna de aproximadamente 3 mil homens, partiram para livrar Röhm do
cerco e tomar Munique definitivamente.

Para atingir o Ministério da Guerra e libertar Röhm, Hitler e Lundendorff levaram


sua coluna pela estreita Residenzstrasse que, passando justamente pela
Feldherrnalle, desembocava na espaçosa Odeonsplatz. No fim da ruela um
destacamento da política de aproximadamente cem homens, armados de
mosquetões, bloqueava o caminho. Ocupava um lugar estratégico e desta vez não
deram passagem. [...] Jamais ficou demonstrado qual dos lados atirou primeiro: um
culpa o outro. [...] Seja como for, um tiro foi disparado e imediatamente uma
saraivada de balas zunia de ambos os lados, lavrando naquele momento a sentença
do destino e das esperanças de Hitler. Scheubner-Richter tombou mortalmente
ferido. Göring caiu com um ferimento na coxa. Dentro de sessenta segundos a
fuzilaria cessou mas a rua já estava juncada de corpos, muitos outros estavam
feridos [...].” (SHIRER, 2008, pp. 111-112)

regiões Turíngia, Hamburgo, Ruhr e Saxônia, movimentos que não tardaram para serem sufocados pelas
unidades da Reischswehr.
27
União Trabalhista das Ligas Patrióticas Combatentes (Arbeitsgemeinschaft der Vaterländischen
Kampfverbäde), a União Combatente da Alemanha (Deutscher Kampfbund) SHIRER, William. Op. cit., p. 98.
29

Todos os principais líderes nazistas seriam presos – especialmente Hitler e Ernest


Röhm e, posteriormente, Ruldolf Hess28. o general Luddendorff, e Hermam Göring, seriam a
exceção desse episódio, não foram devidamente penalizados, obtendo a inocência, tendo
todos estes escapado do rumo que Hitler seguiu após o veredito. No entanto, o principal golpe
foi no NSDAP: este seria dissolvido. Todavia, ninguém contava que o austríaco de Braunau
reverteria o julgamento de 24 dias, a seu favor. Ele atraiu para si a reponsabilidade dos
acontecimentos e contou com a assertividade de seu antigo amigo, Franz Gürtner, ministro da
justiça da Baviera, que abrandou sua pena, que juridicamente deveria ser muito pior. Hitler
deveria ter recebido prisão perpetua, esta era a pena para todos que tentavam alterar por meios
violentos a Constituição de Weimar. Teve a seu contento um arrefecimento de sua penalidade
por alta traição em 01 de abril de 1924: 5 anos de detenção na fortaleza militar de Landsberg
am Lech.
O julgamento transformou o líder de extrema direita em uma figura de projeção
nacional. Hitler passou, ainda mais, a ser visto por inúmeras pessoas como um fervoroso
nacionalista; outros o achavam um demagogo, como era o caso do general von Lossow que
pós o julgamento tinha passado a odiá-lo e outros oficiais generais que como Seecket tinha
debelado a insurreição nazista. Em Landsberg, recluso, ele deu vida narrativa de Mein Kampf
(Minha Luta), livro que antecipava suas pretensões geopolíticas, exacerbava um profundo
antissemitismo, mostrando quais seriam os rumos da Alemanha quando ele retornasse a
política alemã. Em Mein Kampf, Hitler mostrava seu devotado ódio aos judeus seria o
sustentáculo de sua Weltanschauung – que forjaria uma nova ideologia que transcenderia a
Alemanha e cruzaria o mundo, logo depois de sua utopia de conquistar Lebensraum (Espaço
Vital) para as futuras gerações da raça nórdica ariana.
Não passara 6 meses, quando a 20 de dezembro de 1924, uma ordem prematura de
libertação emitida pelo corte suprema da Baviera decidia pela libertação de Hitler. Fora da
prisão, notando que precisaria modelar seu discurso de forma conciliadora com as autoridades
governamentais. Fest (2005) assevera:

Assim, para levar a bom termo sua ambição intacta de conquistar o poder, era
preciso não só dispor de um partido militante, dirigido de forma ditatorial, mas
também reconquistar a perdida confiança das instituições poderosas e aprender a
lição do 9 de novembro. Política não consistia apenas em dominar pela força,

28
Na obra A missão secreta de Rudolf Hess, o historiador Martin Allen (2007) comenta que “um dos fatos
significativos sobre o Putsch de Munique de 1923 é que foi um divisor de águas na relação entre Hess e Hitler.
Hess ganharia proeminência como o nazista leal que seguiria com seu Führer para a prisão de Landsberg, Perto
de Munique, para um ano de confinamento após o fracasso do golpe [...].” Ver ALLEN, Martin. A missão
secreta de Rudolf Hess / Martin Allen; tradução Marcia Regis. – Rio de Janeiro: Record, 2007.
30

abandonar-se à embriaguez do triunfo e à agressão – tinha dois aspectos que lhe


destinavam, de agora em diante, um papel de outro gênero. Era essencial apresentar-
se, ao mesmo tempo, como revolucionário e defensor do regime vigente, dar a
impressão de agir ao mesmo tempo como extremista e como moderado, ameaçar a
ordem e apresentar-se como seu protetor, violar a lei e exigir-lhe o restabelecimento
– tudo isso da maneira mais verossímil possível. Não é certo que Hitler jamais se
tenha dado conta do que sua tática tinha de paradoxal teoricamente, mas, na prática,
quase todo seu esforço foi no sentido de aplica-la. (FEST, 2005, p. 245)

Agora, Hitler elevava seu tom de apaziguamento com o foco no reestabelecimento do


NSDAP e de seu jornal – o Völkischer Beobachter – na esfera jurídico-política legal. Por
intermédio de uma série de negociações com Heinrich Held, ministro-presidente da Baviera,
Hitler obtivera, por fim, suas reivindicações para retomada legal das atividades do NSDAP.
Nos meses que sucederam sua libertação, Hitler e seus correligionários mais próximos
lutaram contra com as rixas políticas dentro do partido; captaram recursos para o Partido por
intermédio de membros contribuintes; fundaram a Juventude Hitlerista, a BundDeutsche
Mädel e a N.S Frauenschaffen; reestruturaram a Sturmabteilung (S.A.) e criaram a
Schtzstaffel (S.S.) que em sua gênese era uma unidade reservada, primordialmente, para a
proteção de Hitler. Além disso, no seio das estruturas do partido eram criadas uma série de
departamentos com o intuito de criar-se um Estado dentro de um Estado para o momento em
que os nacional-socialistas assumissem o poder. Tudo estava previamente programado para a
tomada de poder sob a sombra da via constitucional.
Através dos seus discursos, Hitler tinha transformado um pequeno partido em uma
grande força política na Alemanha, atraindo milhares de seguidores. Logicamente, Hitler era
meramente um orador entre tantos outros oradores de destaque no partido. Porém, seu
diferencial estava evidenciado pela maestria em galgar a posição de maior articulador e
arrojado organizador no interior do NSDAP, contudo, nas extensões para além do partido,
ainda faltava conquistar a maior parte da audiência cativa de significativa parcela população
alemã.
Em 1929, Hitler soube utilizar como ninguém a queda da Bolsa de Nova York a seu
favor. A Alemanha que já adquirira uma certa estabilidade econômica e passava a integrar a
Liga das Nações – graças aos feitos do ministro do Exterior, Gustav Stresseman – passava
novamente por uma situação caótica: as grandes industriais e inúmeras empresas alemãs
sentiram o peso da quebra do Crack da Bolsa; milhões ficaram desempregados; bancos faliam
graças a falta de capital estrangeiro advindo via fluxo de empréstimos dos EUA. Nesse
período crucial, Hermann Müller era o Chanceler da Alemanha, não demorando muito para
ser substituído por Henrich Brüning, que teria seu período marcado por grandes dificuldades
31

junto ao Reichstag, devido as suas intenções de levar adiante reformas econômicas que não
encontrariam quorum no parlamento alemão.
Assim, Brüning solicitara a Hindenburg convocação para novas eleições em 14 de
setembro de 1930. A ideia de Brünning era ter um governo de coalizão, mas seu tiro saiu pela
culatra. William L. Shirer (2008) diz que contrariando expectativas de Brünning, “nesse dia, a
votação do Partido Nazista subiu a 6.409.600, cabendo-lhe 107 cadeiras no Parlamento e
fazendo-o saltar da condição de nono e menor para segundo maior partido do Reichstag.”
(SHIRER, 2008, p. 193) Os nacional-socialistas cresciam expressivamente.
Hitler seguia percorrendo a Alemanha fazendo alianças com banqueiros, magnatas da
indústria e empresários das mais diversas localidades da Alemanha. Estes homens,
obviamente, pensavam que quando os nazistas chegassem a poder poderiam ter seus
interesses consentidos. No mais, esses diálogos com os grandes nomes da elite econômica
alemã se constituíam num paradoxo para o discurso nacional-socialista, em face de que,

Hitler [...] começou a conhecer os homens que na Alemanha possuíam o dinheiro,


dizendo-lhes mais ou menos o que eles queriam ouvir. O partido necessitava de
grandes somas para financiar as campanhas eleitorais, pagar as contas de sua
propaganda intensa e ampla, cobrir as folhas de pagamento de centenas de
funcionários em tempo integral, sustentar os exércitos privados das S.A e S.S., que
no final de 1930 atingiam a mais de cem mil homens, força maior que o Reichswehr.
Os homens de negócios e os banqueiros não foram as únicas fontes financeiras – o
partido arrecadava somas consideráveis em contribuições, tributos, coletas e nas
vendas de seus jornais, revistas e livros –, mas eram as dos homens de negócios as
maiores. E quanto mais dinheiro davam aos nazistas, menos tinham para os outros
partidos conservadores que até então apoiavam. O partido tinha de manobrar entre
os dois lados. Devia permitir a Stresser, a Goebbles e ao maníaco Feder seduzirem
as massas com o grito de que os nacional-socialistas eram verdadeiramente
socialistas e contra magnatas do dinheiro. Por outro lado, o dinheiro para manter o
partido devia ser obtido jeitosamente daqueles que o possuíam com abundância.
(SHIRER, 2008, pp. 200-201)

Arregimentando seguidores com um discurso nacionalista, anticapitalista, os líderes do


NSDAP seguiam aspirando não apenas pela escuta da classe trabalhadora alemã, mas
sobretudo, pelos jovens oficias do Reischwehr. Não era segredo que nos anos anteriores ao
crack da Bolsa de Nova York, elementos das fileiras do NSDAP tinha se infiltrado dentro das
fileiras das forças armadas, mesmo que, desde 1927, o recrutamento de nazistas fosse
proibido no exército. Apesar disto,

[...] no início de 1930 tornou-se claro que a propaganda nazista fazia progresso no
exército, sobretudo entre os oficiais jovens, muitos deles atraídos pelo fanático
nacionalismo de Hitler e pelas perspectivas que ele oferecia de um exército
restaurado em sua antiga grandeza, no qual teriam oportunidades, agora impossíveis
em tão pequena força militar, de atingir os postos mais elevados. A infiltração
nazista nas forças armadas tornou-se tão séria a ponto de compelir o general Gröner,
32

novo ministro da Defesa, a publicar uma ordem do dia, a 22 de [janeiro de 1930, que
lembrava uma advertência semelhante feita pelo general von Seeckt ao exército na
véspera do Putsch da cervejaria, sete anos antes. Os nazistas, declarou, estão ávidos
pelo poder. (SHIRER, 2008, p. 195)

Na primavera de 1930, Hitler ao lado de Hans Frank – advogado de três jovens


tenentes acusados de alta traição por disseminação da ideologia nazista em uma guarnição do
Exército em Ulm – faziam parte de um icônico julgamento como testemunha de defesa dos
oficiais, na Corte Suprema de Leipzing. Nesse julgamento, Hitler ratificou sua posição em
relação ao exército: que de modo algum conspirava contra este, e que chegaria um dia em que
a Reichswehr daria vida a um grande exército do povo alemão. Surpreendente é que após
Leipzing, inúmeros jovens oficiais passaram a compactuar com os postulados de Hitler. “A
cegueira política dos oficiais do exército alemão, que no final das contas provou ser tão fatal
para eles, começara a crescer e a manifestar-se.” (SHIRER, 2008, p. 199)
Por conseguinte, 1931 e 1932 foram anos emblemáticos e que ofereceram aos
nacional-socialistas maiores oportunidades para ganharem espaço na política alemã, por outro
lado, designadamente, 1932 seria um ano singular e desesperador para as expectativas dos
membros do NSDAP. Agora, em uma nova eleição presidencial, Hindenburg e Hitler
disputavam o cargo mais elevado da Alemanha. Apesar de avançada idade, em 1925,
Hinderburg já tinha mostrado sua força, vencendo as eleições contra os seus opositores
nazistas, sociais-democratas e liberais.
Agora, apesar do crescimento dos nazistas durante a década de 20, o marechal de
campo Hinderburg teria mais um duelo, isto porque para vencer os nacional-socialistas, a
esquerda alemã se articulou com outras alas partidárias de esquerda, unindo-se com partidos
antagonistas, em um esforço coletivo para garantir a vitória do velho marechal. 29 Por fim,
apesar dos lugares-tenentes do NSDAP – Gregor Strasser, Goebbels, Rudol Hesss e etc., –
promoverem uma ampla propaganda por todo país, no dia 13 de março de 1932, cerca de
18.651.497 alemães tinha manifestado prioridade pela permanência de Hindenburg na
presidência. Adolf Hitler, recebeu 11.339.446 votos. Foi um choque para os nazistas pela não
obtenção da maioria dos votos válidos, logo, novas eleições deveriam transcorrer.30
A 23 de abril de 1932, Hitler recebera a expressiva soma de 13.418.547 votos, no
entanto não foi suficiente para vencer o marechal que vencia a eleição com um total de

29
Nessa eleição, os comunistas alemães recriminaram os sociais-democratas pelo apoio a Hinderburg, e
lançaram seu canditado – Ernst Thälmann. Similarmente, Theodor Düsterberg, um fervoroso nacionalista de
direita, concorreu juntamente com os pleiteantes.
30
Nas eleições Hinderburg atingiu o percentual de 49,6% e Hitler 30,1%. Ver SHIRER, William L. Op. cit., pp
p. 219.
33

19.359.983 votos computados, tendo desta feita vencido as eleições de forma absoluta. Deve
se reconhecer que a grande maioria do povo alemão optou por rejeitar os nacional-socialistas.
No cenário pós eleição, apesar da vitória de Hindenbung, a posição dos ocupantes do cargo de
chanceler seria atacada. Um período de transição abruptas verificou-se: o primeiro a sair da
Chancelaria foi Brünning, por meio de uma trama política provocada pelo general Kurt von
Schleicher e por elementos nacional-socialistas de denotada influência que tentaram e
conseguiram minar sua posição. Em 30 de maio de 1932, logo após o pedido de renúncia por
enviado por Hindenburg, Brünning é retirado do governo. Em seguida, a saída de Brunning
abriu caminho para entrada de Franz von Papen na Chancelaria, por indicação de Hindenburg.
Entretanto, há muito estava em curso nos meandros da política alemã uma conspiração
contra Papen. Schleicher que se tornara Ministro da Defesa, a 01 de junho de 1932, acreditava
que mantinha o poder das negociações políticas em suas mãos. (FEST, 2005). A idée fixe do
Ministro da Defesa era: efetivar um governo que deixasse de lado a Constituição e governasse
por meio de decretos presidenciais, com vistas ao derretimento, a posteriori, do Reichstag.
Tanto para Schleicher quanto para Hitler, isso não poderia soar melhor. Assim, Schleicher e
Hitler trabalhariam [ainda de modo ambíguo] nos bastidores da política alemã para atingir
seus objetivos. Uma coisa é certa, o cargo de chanceler não era apenas vislumbrado pelo
Führer nacional-socialista, haja vista que não era menos verdade que o general Kurt von
Schleicher intentava não apenas permanecer no cargo de Ministro da Defesa, mas alçar
também o posto de Chanceler.
Por fim, o destino final de Papen já era esperado. A 17 de novembro de 1932, após a
sua péssima atuação e pelas conspirações traiçoeiras do general Schleicher, ele renuncia.
Agora, que o seu caminho ficara livre, Schleicher pensara estar acima de qualquer trama,
tendo uma errônea ilusão de que poderia domar os nacional-socialistas, tanto quanto fora com
Brünning e com Papen31. Agora, o ar de Berlim estava intoxicado de intrigas e tramas que se
tornaram comuns. Finalmente, em 02 de dezembro de 1932, Hindenburg nomearia o general
Kurt von Schleicher como Reichskanzler da República de Weimar.
Durante seu mandato como chanceler, Kurt von Schleicher procurou dividir os
nacional-socialistas. Schleicher, sorrateiramente colocou Gregor Strasser, um dos lugares-

31
Durante a permanecia de Papen na Chanceleria do Reich, a Alemanha viveu períodos de muita animosidade
entre forças da S.A e comunistas. Nas ruas alemães inúmeros combates renhidos entre nazistas e comunistas, se
verificaram no mês de junho, levando a baixas a ambos os lados. Havia ainda, documentos apreendidos pelas
repartições do governo diziam respeito a um possível coup d’état por parte da S.A. A iminência de uma guerra
civil beirava a realidade. Vale dizer que, não apenas o NSDAP tinha o seu grupo de paramilitares, mas,
semelhantemente, os socialdemocratas também tinham seu equivalente a S.A: a Reichsbanner.
34

tentes do NSDAP contra Hitler, quando ofereceu a este cargo de vice chanceler. Desse modo,
as notícias demorariam a chegar aos principais líderes do NSDAP, que se reuniriam com
Strasser para tratar das conversações de um dos principais líderes do movimento. O
historiador William L. Shirer (2008) descreve o episódio do mês de dezembro de 1932:

No dia 7, Hitler e Strasser tiveram uma conversa no Kaiserhof, que degenerou numa
tremenda disputa. Hitler acusou seu principal lugar tenente de tentar apunhala-lo
pelas costas, afastá-lo de sua liderança e dividir o movimento nazista. Strasser negou
acaloradamente a acusação, jurou que tinha sido leal, mas acusou Hitler de levar o
partido à destruição. Aparentemente deixara de dizer certas coisas que cresciam em
seu íntimo desde 1925. De volta a seu quarto, no hotel Excesior, disse-as todas numa
carta a Hitler, terminando com sua renúncia a todos os cargos no partido. A carta,
que chegou a Hitler no dia 8, segundo o diário de Goebbels, caiu “como uma
bomba”. (SHIRER, 2008, p. 243)

Não fosse suficiente essas rupturas no NSDAP, a situação financeira do partido


começava a declinar. Enquanto, a situação parecia caótica no meio da liderança nazista, um
antigo personagem da chancelaria republicana aparecia para se aliar a Hitler e se vingar do
tratamento que o tinham-no submetido: Franz von Papen. Não era segredo que o antigo
chanceler faria pacto com o próprio inferno para destituir o homem que o retirou
maquiavelicamente do poder. Em conversa com Hitler, Papen garantia que tanto ele quanto o
filho do presidente – Oscar von Hindenburg – poderiam aconselhar o presidente da república
para que destituísse o apoio a permanência do Chanceler Schleicher no cargo, justamente por
este não contar com um governo de coalizão no Reichstag, o que se constituía com uma pedra
no sapato dos últimos ocupantes da liderança na Chancelaria. Assim, com denotado apoio de
partidos do centro, Hitler e Papen poderiam minar a jornada política do novo chanceler,
causando a demissão do general Schleicher, impopular no Reichstag, e isso aconteceu.
Papen preparou o processo de transição e de destituição de Schleicher com o possível
objetivo de orquestrar a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha e garantir para si as benesses
do líder nazista. Ademais, Papen articulou para que os remanescentes dos industriais
reticentes da Alemanha Ocidental investissem maciçamente no partido que estava em ruínas
pelos gastos com as campanhas políticas que se seguiram nos anos anteriores. Assim, com
novos investimentos financeiros o NSDAP teria fôlego e autonomia suficiente para lidar com
o déficit de gastos envolvendo seu pessoal.
O conluio Papen-Hitler surtiu efeito. Nova renuncia ocorreu a 28 de janeiro de 1933.
Schleicher renuncia aos cargos cumulativos de ministro da Defesa e de Chanceler. O cargo de
Ministro da Defesa, agora passava para as mãos do general von Blomblerg (que parte
imediatamente para a Chancelaria para, sob juramento, ser nomeado ministro da Defesa e
35

devotar a fidelidade a república que dava seus últimos passos). Em Berlim circulavam boatos
da iminência de um possível golpe por parte do Exército – os rumores davam conta de que o
comandante-em-chefe do exército, o general von Hammerstein e o antigo chanceler
Scheleicher, juntamente com a guarnição de Potsdam se reuniriam para um Putsch face a
ameaça da chegada de Hitler na Chancelaria, mas tal acontecimento não chegou as vias de
fato.
Apesar em reuniões anteriores Hindenburg, ter demonstrado inúmeras vezes que não
tinha nenhuma afeição por Hitler, o velho presidente teve que rever sua antipatia para com o
“Cabo da Boemia” e para com o NSDAP, algo que foi em muito influenciado pelas
recomendações de Oscar von Hindenburg, Franz von Papen, e em seguida, pelo próprio
Hitler que dava falsas garantias ao velho presidente que manteria a Alemanha sob a luz da
constituição; além de garantir evitar uma possível guerra civil com seus opositores e de jamais
colaborar para a implementação de um estado ditatorial, o que se mostrou nos anos seguintes
uma falácia.
Enquanto isso, os elementos partidários da esquerda alemã poderiam ter se agrupado
para vetar as pretensões do NSDAP, mas não o fizeram a tempo. Sociais-democratas e
comunistas há muito continuavam em suas trocas de recriminações mútuas. O curso da
história alemã poderia ser modificado com a união de todos os setores partidários contrários
ao partido nazista, caso houvesse disposição destes grupos políticos antagônicos reunindo-se
em uma forte coalisão, criando, assim, pela via legal, condições adversas para os nazistas?
Pelo menos, não teriam chegado de forma tão fácil ao poder. Aliando relatos de testemunhas
da época assomadas as suas impressões sobre a chegada de Hitler ao poder, o historiador
britânico Laurence Rees (2013) profere que:

A indicação de Hitler a chanceler, no entanto, não foi vista por todos como um
divisor de águas na história da Alemanha. “A princípio, nós não o levávamos a
sério”, conta Herbert Richter, veterano da Primeira Guerra e alguém que até então
havia sido imune ao carisma de Hitler, “porque no primeiro governo de Hitler, os
nazistas nem eram maioria”. Richter sentia “já que Hitler estava cercado de pessoas
bastante sensatas”, portanto, “eles não podiam causar tantos danos”. Quanto a Josef
Felder, político socialista, ele relembra que “nós acreditávamos que ainda
poderíamos controlá-lo (Hitler), através do parlamento, uma insânia total!” E mesmo
depois que ele testemunhou o abismo ao qual Hitler conduziu a Alemanha, von
Papen ainda se recusava a aceitar a inteira responsabilidade por seu julgamento
equivocado catastrófico ao providenciar para que Hitler chegasse a chanceler. Ele
escreveu que Hitler se tornou chanceler “através dos processos normais
democráticos” e que “ainda parecia sensato supor que o encarregado pelo governo
fosse adotar uma postura diferente”, em lugar daquela, “de um chefe de Estado
irresponsável”. Mas para os que acreditavam na liderança carismática de Adolf
Hitler, esse momento foi de imenso significado. Em seus discursos de eleição, Hitler
dissera abertamente que desprezava a democracia e queria eliminá-la. Dessa forma,
36

para os partidários nazistas isso não foi apenas uma mudança no governo, mas o
começo de uma mudança nos sistemas políticos. (REES, 2013, p. 66)

3.1 Em busca da ordem

Em busca de sua ordem, os nazistas dariam entrada no processo de reorganização


político ideológico que seria radicado no seio da sociedade alemã entre os anos de 1933-1945.
O cenário governamental tornou-se gradualmente favorável para os nacional-socialistas a
partir de 27 de fevereiro de 1933, quando o Reichstag foi incendiado, e o crime diretamente
associado ao comunista holandês Marinus van der Lubbe que, logo depois do incidente, foi
preso. Shirer (2008) afiança que:

No dia posterior ao incêndio, 28 de fevereiro, ele [Hitler] persuadiu o presidente


Hindenburg a assinar um decreto “pela proteção do povo e do Estado”, suspendendo
as sete seções da Constituição que garantiam as liberdades individuais e civis.
Apresentando como “medida defensiva contra os atos de violência dos comunistas
que punham em perigo o Estado”, o decreto estabelecia que: Restrições à liberdade
pessoal, ao direito de livre manifestação de opinião, inclusive à liberdade de
imprensa; aos direitos de reunião e associação; as violações das comunicações
privadas telefônicas, telégrafos e postais; e autorizações para buscas domiciliares,
ordens para confisco, bem como à propriedade, são também permissíveis além dos
limites legais prescritos em outras circunstâncias. Adicionalmente, o decreto
autorizava o governo do Reich a assumir o controle total dos Estados da federação,
quando necessário, e impunha a sentença de morte para certos números de crimes,
incluindo “graves perturbações da paz” por pessoas armadas. (SHIRER, 2008, pp.
265-266)

Estava modelada a narrativa que daria vida ao programa de supressão das liberdades
individuais alemãs, pois os mais fervorosos nazistas como Herman Göring, Heinrich
Himmler, Paul Joseph Goebbels e Hitler utilizariam o episódio para riscar do mapa qualquer
oposição política ao NSDAP, proporcionando aos nacional-socialistas de configurarem a sua
ideologia, criando os mecanismos necessários para que o NSDAP se tornasse um grupo
monolítico em busca da ordem e que fizesse a Alemanha se tornar gradativamente em um
Estado totalitário. Mais tarde, com o consentimento de ampla maioria do Reichstag, o
parlamento subscreveria o Gesetz zur Behebung der Not von Volk und Reich – o Ato de
Autorização (Lei para a eliminação do perigo contra o povo e Reich) – que de forma legal
fazia com que os partidos até então existentes entregassem a Hitler a autoridade constitucional
exclusiva, assim, o parlamento alemão seria mais uma entidade figurativa e irrelevante.
Nesse período, inúmeras redações de jornais comunistas foram fechadas e muito
menos possível era as reuniões que ajuntassem comunistas. Até mesmo reuniões de
37

sociaisdemocratas e o Partido do Centro sofreram pressões por parte de membros agressores


das S.A. Nesse momento, cerca de 4 mil burocratas do estado, entre comunistas, liberais e
sociaisdemocratas foram presos, fazendo com que uma aura de terror se espalhasse pela
Alemanha; interventores indicados pelos nazistas assumiam pontos chaves da burocracia
estatal alemã, aparelhando tribunais, repartições públicas e etc., e, posteriormente,
construindo e sistematizando a construção de campos de concentração que receberiam pouca
ou nenhuma interferência de autoridades fora de sua jurisdição.
Os pormenores da instauração de um ambiente de terror por homens como Heinrich
Himmler e Hermann Göring na Alemanha são observados em Himmler: uma biografia. Na
obra, o historiador Peter Longerich (2013) exprime:

Os meios de poder que os nazistas empregavam desde janeiro de 1933 para


combater e aterrorizar seus adversários, e que só foram reunidos em um sistema
fechado de modo gradativo, eram basicamente os seguintes: o controle do aparato
policial; a separação da Polícia Política do aparato policial geral e sua
instrumentalização de acordo com os objetivos do novo governo: a nomeação de
homens da SA e SS como policiais auxiliares; a chamada custódia preventiva (i.e., a
prisão de pessoas por tempo indeterminados e sem qualquer controle judicial), bem
como a instalação de inúmeros campos de prisioneiros, nos quais os verdadeiros e os
supostos inimigos do novo regime se encontravam à mercê de uma tirania
desenfreada. [...] Em 22 de fevereiro [1933], Göring delegou à SA e à SS as funções
de polícia auxiliar. As duas organizações imediatamente aproveitaram esse fato para
agir de modo independente (e não só como órgão de apoio do departamento
policial): prendiam oponentes verdadeiros ou supostos aos milhares e os mantinham
em campos de prisioneiros instalados provisoriamente e que operavam ou por
reponsabilidade própria ou por ordem de autoridades do Estado que deixavam a
guarda dos prisioneiros por conta da SA ou da SS. (LONGERICH, 2013, pp. 158-
159)

Em poucos meses no poder, os nacional-socialistas tinham essencialmente conquistado


seus objetivos iniciais. Paralelamente, Hitler procurava apoio junto a cúpula da Reichswehr,
que nutria certa desconfiança com o novo líder. Desde o dia 3 de fevereiro de 1933, uma
parcela dos oficiais superiores – almirantes e generais (comandantes dos principais Distritos
Militares da Alemanha) – reuniram-se à noite, na residência do general von Hammerstein,
comandante-em-chefe do exército, após terem sido convocados para uma reunião pelo
Ministro da Reichswehr, o general von Blomberg.
Presente na reunião, Hitler lhes assegurava um futuro de expectativas brilhantes para
as forças armadas alemãs e de que a expansão secreta do programa de reabilitação bélica da
Alemanha seguiria em curso. A fora isso, o novo chanceler dava garantias de que poria fim, às
pretensões das S.A de Ernest Rohm de ultrapassar a atribuição do Exército e de lhes substituir
38

como força militar da Alemanha. (FEST, 2006) O historiador Barry A. Leach32 (1975)
comenta o episódio.

A maioria dos generais encarou o discurso de Hitler como uma tentativa vulgar de
conquistar seu apoio com promessas de expansão militar. Não obstante, o perigo de
uma reação violenta por parte da França, ou da Polônia, ou de ambas, era bastante
real para alarmar os Generais von Fritsch e Fromm. O Chefe do Truppenamt,
General Adam, partilhava da preocupação desses generais e, um mês depois, quando
os poloneses começaram a reforçar suas guarnições na fortaleza Westerplatte, perto
de Danzig, ele declarou: “No momento não podemos realizar uma guerra. Temos de
fazer de tudo para evita-la, mesmo que nos custe uma derrota diplomática”.
(LEACH, 1975, p. 36)

Por outro lado, muitos jovens dos novos quadros formados pela Reichswehr seguiam
calorosamente acolhendo o discurso do nacional-socialismo, ainda que este fosse carregado
de elementos antissemíticos. Deste modo, cada vez mais, o nacional-socialismo ganhava lugar
nas consciências dos jovens oficiais.
No dia 17 de maio de 1933, Hitler discursou no Reichstag, onde evocava os princípios
de uma política externa pautada pela paz e o diálogo com as nações e pelo restabelecimento
de igualdades de tratamento para a Alemanha quanto ao desenvolvimento de sua indústria
bélica. Em 14 de outubro 1933, diante dos desarranjos na Conferência para o Desarmamento,
realizado em Genebra, Suíça, Hitler determinava a saída da Alemanha das negociações e,
posteriormente, por intermédio de um plebiscito nacional, ratificava medidas que fariam com
que a Alemanha abandonasse a Liga das Nações, feito apoiado pela maior parte da população
alemã descontente com as condições de tratamento dispensadas a Alemanha pelos países da
Liga.
O tempo corria e o ano 1934, Hitler percebia que precisaria das lideranças da
Reichswehr para garantir a estabilidade durante seu governo. Todavia, como ele conseguiria o
apoio de significativa parte dos oficiais alemães? Obviamente, ele falaria a linguagem dos
militares que há muito vinham se preocupando com as ações desordenadas das S.A. Para fins
de continuidade e rápida expansão do programa de rearmamento das forças armadas, Hitler
estabeleceu em 04 de abril de 1934, o Conselho de Defesa do Reich, durante o período que
tornara-se evidente a tensão existente entre a liderança das S.A e elementos da alta cúpula do
Exército que chamavam atenção do novo chanceler.

32
O Doutor e historiador britânico, Barry Leach é um dos grandes estudiosos da história militar alemã, tal qual
Sir Liddell Hart. Além disso, Leach pertenceu as fileiras das forças armadas britânicas e esteve na década de 50
adido junto ao Bundeswehr, lugar que foi de fundamental importância para seu despertado interesse pela história
militar alemã. Cf. BARNETT, Correlli (org.). OS GENERAIS DE HITLER. [recurso eletrônico] Jorge Zahar
ed., 3ª Edição, Rio de Janeiro, 2001.
39

Para se ter uma ideia, em 1930, a S.S e a S.A totalizavam uma força de mais de
100.000 homens que ultrapassavam os quadros da Reichswehr, e em 1934, a S.A. era uma
organização que já tinha mais de 2 milhões de membros, e ameaçavam provocar um putsch
contra o Exército e contra o governo NSDAP, dando cabo de uma “segunda revolução”
comandada pelo seu Chefe do Estado-Maior, Ernest Röhm e outros líderes radicais da S.A.
Deveras, o temor do Exército não era de todo infundado.
Até mesmo o vice-chanceler von Papen, tinha discursado na universidade de Marbug,
em 17 de junho de 1934, recriminando o estado de violência impetrado pelas S.A. Neste caso,
as negociações secretas entre Hitler e a cúpula do Exército e da Marinha continuavam sendo
realizadas durante o mês de abril de 1934, com vista à contenção da ameaça das S.A., e
também, para garantir que Hitler tivesse o aval dos militares para suceder Hindenburg na
presidência do Reich após o seu falecimento. A 16 de maio de 1934, o pacto Deustchland era
assinado e dava as devidas garantias para que Hitler substituísse o velho general.
Apesar disto, no dia 21 de junho de 1934, o presidente Hindenburg dava o ultimatum a
Hitler para que as tensões, que tinham incorrido nos últimos meses à face de um possível
golpe da S.A, fossem resolvidas. Hindenburg também advertia o jovem chanceler que
decretaria lei marcial por toda Alemanha e passaria o comando da nação para o Alto
Comando do Exército. Em linhas gerais, Hindenburg eximia o Exército de uma ação frente à
S.A arranjando para que os generais lavassem as mãos, deixando a tarefa do expurgo para as
unidades de homens como Heinrich Himmler e Herman Göring – que há muito já vinham
tramando um complot contra Röhm e inimigos de esquerda e direita na Alemanha –
utilizassem as unidades policiais da Schutzstaffel (SS) e da Geheime Staatspolizei (Gestapo)
para eliminar seus inimigos.
Em 30 de junho de 1934 um grande expurgo dentro das fileiras da S.A e do NSDAP é
realizado. “Em Berlim sob a direção de Himmler e Göring, cerca de 150 líderes da SA foram
cercados e fuzilados por pelotões de tiro na Escola de Cadetes de Lichterfelde.” (BUTLER,
2008). Ernest Röhm é executado, assim como uma série de inúmeros líderes e da S.A. Nesse
ato, aproveitando o caos instaurado pela “correção”, agentes da S.S trataram de assassinar os
generais Kurt von Bredow e Schleicher (o antigo general e chanceler que era uma incógnita
para os planos nazistas) e de um dos mais importantes homens do NSDAP – Gregor Strasser.
Todos mortos num claro acerto de contas.

Em 2 de julho, Hitler anunciou em formalmente o fim da “ação limpeza”. [...] Com a


SA ainda em choque e incerteza, o expurgo em massa de seus membros começou
sob seu novo comandante, o fiel hitlerista Viktor Lutzer. Em um ano, o tamanho da
40

SA foi reduzido em mais de 40%. Muito líderes subordinados foram demitidos em


audiências disciplinares. As estruturas montadas por Röhm – os alicerces de seu
poder dentro da organização – foram sistematicamente desmanteladas. A SA foi
transformada em pouco mais do que um órgão de esportes e treinamentos militares.
Para quem ainda alimentava ideias alternativas, a reação implacável de Hitler
deixara uma mensagem inconfundível.” (KERSHAW, 2010, p. 345)

Sob o subterfúgio da Lei para a Defesa de Emergência do Estado, Hitler recebia o


reconhecimento do líder das Forças Armadas, o general von Blomberg. Definitivamente,
agora o poder se apresentava para Hitler de uma outra forma. Agora, praticamente mais nada
se defrontaria contra os objetivos do entourage nacional-socialista, especialmente quando a 2
de agosto de 1934, o presidente Hindenburg faleceu aos 87 anos. Agora, os cargos de
Chanceler e Presidente são mimetizados e Hitler se torna deveras o Führer da Alemanha, a
partir da efetivação da Lei sobre o Chefe de Estado do Reich Alemão.

A lei significava que, com a morte de Hindenburg, Hitler se tornaria


automaticamente comandante supremo das Forças Armadas. Desse modo,
desaparecia a possibilidade de o Exército apelar ao presidente do Reich, atropelando
o chefe do governo. Isso não causou preocupação à liderança da Reichswehr. De
qualquer modo, Blomberg e Reichenau estavam decididos a ir adiante. Queriam
explorar o momento para atar Hitler mais de perto às Forças Armadas. Era o que
imaginavam, mas o malfadado passo que deram teve o efeito exatamente oposto.
Como deixou claro depois, foi sem nenhuma solicitação de Hitler e sem consulta-lo
que ele e Reichenau inventaram um juramento de lealdade incondicional à pessoa do
Führer, a ser feito por todos oficiais e soldados das Forças Armadas, [...] O
juramento significava que a distinção entre lealdade ao Estado e lealdade a Hitler
desaparecia. A oposição tornava-se mais difícil. Para aqueles que mais tarde
hesitaram em participar de uma conspiração contra Hitler, o juramento oferecia
também uma desculpa. Longe de criar uma dependência de Hitler em relação ao
Exército, o juramento, derivado de ambições mal concebidas na liderança do
Exército se acorrentou ao Führer. (KERSHAW, 2010, p. 350)

Notadamente, notória parte dos generais começavam a se inebriar com o carisma de


um líder que prometia unificar a Alemanha e reparar os danos sofridos nos anos anteriores.33

33
O juramento é citado na clássica obra Ascensão e queda do Terceiro Reich, volume I: triunfo e consolidação.
O juramento que fora formulado pelo Major-General Walter von Reichenau (um devotado nazista), revelava o
seguinte postulado: “Faço perante Deus este sagrado juramento de que renderei incondicional obediência a Adolf
Hitler, Führer do povo e do Reich alemão, supremo comandante das forças armadas, e de que estarei pronto
como um corajoso soldado a arriscar minha vida a qualquer momento por este juramento.” SHIRER, William L.
Op. cit., p. 308. Cabe destacar que na observação do historiador militar Correlli Douglas Barnett (2011): “O
Exército voltou às boas graças um mês depois quando, ao falecer Hindenburg, reconheceu Hitler como
comandante-chefe supremo das Forças Armadas e lhe prestou um juramento pessoal (que Reichenau redigira),
comprometendo-se a servi-lo lealmente “até a morte”. Rundstedt presidiu pessoalmente a cerimônia de
juramento nas divisões do 1º Grupo de Exércitos e compareceu, juntamente com Blomberg, Fritsch e outros
generais e almirantes graduados, como convidados de honra, ao comício anual do Partido Nazista em
Nuremberg, em setembro de 1934. Mais cedo naquele ano, Eugen Ott, um tenente-coronel que servia no
Ministério da Defesa, ouvira Rundstedt e Schleicher “descomporem Hitler de uma maneira pavarosa”.7 No seu
depoimento nos julgamentos por crimes de guerra em Nuremberg, Rundstedt, que com freqüência menosprezara
em particular Hitler e os nazistas, sustentou que sempre fora contra o nazismo, mas que não pudera fazer isso
41

Reconhecidamente e de caráter público, o emblemático juramento selaria as relações


interpessoais dentro do seio da Reichswehr. De um modo geral, muitos militares estavam
confiantes quanto à possibilidade prosperidade e de um futuro de nova nação em que todos
alemães poderiam se orgulhar de ajudar a construir. Por outro lado, uma quantidade irrisória
de generais antinazistas – como Luwidg von Beck – acreditavam que era um equívoco que os
militares jurassem lealdade não a Constituição ou mesmo o Estado, mas a figura de Adolf
Hitler. Entretanto, à época, os membros da Reichswehr estavam muito engajados com
aspectos técnicos de suas atividades militares dentro do ministério para perceberem os efeitos
morais que adviriam do juramento. (LEACH, 1975)

3.1.1 Imersão Ideológica

Desde à chegada do NSDP ao poder, o cenário não poderia ser mais perfeito para o
entourage nazista. Em suas mãos, a liderança nacional-socialista teria o controle do rádio e
imprensa, portanto, nada poderia ser mais favorável aos seus desígnios. A verdade é que,
quando da ascensão ao poder, os nacional-socialistas promoveram uma a disseminação de
componentes ideológicos que eram diluídos pelos espaços de produção cultural da Alemanha
com fins de promoção dos projetos de homens como Henrich Himmler, Alfred Rosenberg,
Joseph Gobbels, Walter Darré, expoentes da elite nazista que pretendiam erradicar a
moralidade judaico-cristã, cunhando uma nova moral, nazificada, justificada nas proposições
pseudocientíficas do darwinismo social e antigos mitos nórdicos, com o aval gradativo do
Führer alemão.
Na nova ordem instaurada pelos nazistas, nem todos encontrariam seu lugar ao sol. No
caso de Himmler, Peter Longerich (2013) nos dá uma descrição caótica de seus ideais de
reestabelecimento de uma nova moralidade baseada magma da doutrina nacional-socialista:

Quando se analisam mais de perto esses discursos e materiais, percebe-se que, para
o mundo imaginário ideológico de Himmler, parece ter sido fundamental a ideia de
que havia uma raça superior nórdica ou germânica que, como povo líder da “raça
branca” e, assim, também representante de toda a humanidade, travava uma batalha
milenar contra inimigos de raças inferiores. Essa situação de conflito culminaria em
uma disputa final entre os povos de raça superior, isto é, os “germanos”, e seus

abertamente porque “um soldado não pode participar de atividades políticas”. Ver BARNETT, Correlli. Os
Generais de Hitler. [Recurso Eletrônico] Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, pp. 210-211
42

adversários de raça inferior, drasticamente expressado: em uma “batalha entre


humanos e sub-humanos”. Com o surgimento do nazismo sob a liderança do hábil
Hitler, pela primeira vez na história oferecia-se a chance única de vencer essa
batalha. Se isso não fosse possível, a inexorável consequência seria o fim da raça
germânica, ou seja, da raça branca. [...] Era preciso estar devidamente preparado
para a iminente batalha épica a ser travada entre “humanos e sub-humanos”. À SS
caberia sobretudo um papel nisso: ela atuaria como vanguarda na superação do
cristianismo e no restabelecimento do estilo de vida “germânico”. No entender de
Himmler, essa era a verdadeira missão da Schtzstaffel; a essa incumbência ela devia,
em última análise, sua identidade e razão de ser. O cristianismo lhe parecia tão
perigoso porque a moralidade sexual dessa religião ia contra a desejada revolução
biológica de Himmler e o princípio de misericórdia cristão se opunha aos seus
anseios de intransigência e rigor no trato com os sub-humanos. A troca desses
princípios cristãos por virtudes “germânicas” era a premissa para poder travar e
vencer a luta contra os “subhumanos” e conquistar o futuro. (LONGERICH, 2013,
pp. 269; 271)

Ao lado de Himmler, o Ministro da Propaganda, Joseph Gobbels, tornou-se um dos


principais articuladores para colocar todos os agentes burocráticos do seu ministério para
disseminar a doutrina nazista nos meios de comunicação de massa, o que por sua vez era
relativamente fácil, haja vista de que o regime, a 22 de setembro de 1933, colocava a sua
disposição um aparato legal – a lei de Câmara de Cultura do Reich – com uma claro traçado
ideológico.
Com a mídia alemã de joelhos, Goebbels fez o que lhe aprove. Censurou a imprensa e
canalizou grande parte de suas ideias para utilizar o rádio e o Völkischer Beobachter, jornal
que ascendeu vertiginosamente durante o governo do NSDAP, como influente elemento de
propaganda nazista34. Além disso, imponentes reuniões do Partido Nacional-socialista foram
capturadas e divulgadas por meio do cinema, um feito notório para época que ficou registrado
em uma das muitas das reuniões do NSDAP que eram realizadas na cidade de Nuremberg. A
captura dos encontros da liderança nazista com a população alemã que de Nuremberg se
transformou no filme O triunfo da Vontade (1934), da cineasta Leni Riefenstahl, que
mostrava a imponência da nova ordem política instaurada sob a liderança do NSDAP.35
Em 1934, juntamente com o Dr. Goebbels, Bernhardt Rust – Ministro da Ciência,
Educação e Cultura Popular do Reich – seguia com profundas modificações nas grades
curriculares das escolas e universidades alemãs, visando objetivamente a aderência dos
integrantes de tais espaços a causa do NSDAP. Docentes eram praticamente obrigados a
filiar-se a Liga dos Professores Nacional-Socialistas e levar aos docentes a caminhar em

34
Como sugere o historiador americano, David B. Dennis (2014) sobre as tentativas de reconfiguração da
mentalidade alemã efetivada pelo Völkischer Beobachter. Ver DENNIS, David B. Desumanidades:
interpretações nazistas da cultura ocidental/David B. Dennis; tradução João Barata. – São Paulo: Madras, 2014.
35
Cf. O Triunfo da Vontade. Direção e produção: Leni Riefenstahl. Alemanha, 1936, DVD, 130 min.
Distribuição: Wonder Multimidia.
43

direção a obliteração mnemônica, renegando contribuições de intelectuais judeus e ou que


fossem de outras nacionalidades que não exalavam o mesmo teor de ideias dos teóricos
nazistas.
Mas por debaixo da imponência das reuniões nacional-socialista, se “escondia” um
profundo ressentimento para todos elementos que estariam de fora de seu projeto quiliástico e
teleológico. O próprio Hitler não escondia da população alemã quem faria parte desse reino
milenar e quem não se encaixaria na nova ordem ideologia alemã elevada as últimas
consequências: judeus, eslavos, russos, e outros tantos grupos étnicos do Leste europeu,
agora, estariam classificados como uma anomalia - Untermenschen.
Não é difícil de entender que categorizando os seres humanos como raças inferiores,
relativizando a moralidade, os nazistas poderiam impor sua política de limpeza étnico-política
dos “elementos impuros” que não se ajustavam aos seus ideais, e na Alemanha quem mais
sofreria com essas restrições, a despeito de outras considerações sobre a diversidade das
minorias, seriam os judeus.36
Continuando, desde 1 de abril de 1933, leis contra a comunidade judaica já tinham
sido postas em execução: os judeus perderiam os cargos nas universidades, no serviço público
e até mesmo sua autonomia, caso quisessem, exercer uma profissão liberal. Era uma
erradicação de todos elementos não ajustados aos pseudos-padrões raciais alemães. Apesar de
ser no mínimo absurdo, como no ano de 1935 as Leis de Nuremberg foram disseminadas ao
ponto de erradicar, aos poucos, os direitos de cidadanias dos judeus e da possibilidade deles
de estabelecerem laços sociais com a comunidade alemã, pois o antissemitismo,
principalmente depois da ascensão do NSDAP ao poder, começava a se alastrar na Alemanha
e, deveras, já era um dos principais sustentáculos ideológicos do regime.
Contudo, milhares de judeus conseguiram, neste período, antevir a sistematização da
perseguição que se seguiria nos anos seguintes e emigraram antes que os sérios pogroms
começassem a ser implementados. O relato de migração de inúmeros e notáveis judeus e
membros da comunidade acadêmica alemã foi abordado na significativa obra HITLER’S
GIFT – SCIENTISTS WHO FLED NAZI GERMANY (2000), de Jean Medawar e David Pyke,
publicada no Brasil pela editora Record, no ano de 2010, com o título O presente de Hitler:

36
O caso dos judeus é um dos problemas que foram tratados de maneira incisiva na obra Modernidade e
Holocausto, escrita pelo sociólogo polonês, Zygmunt Bauman. 36 O sociólogo polonês não está sozinho nessa
tarefa. De maneira similar, filósofos como Vladimir Tismăneanu (2017), Hannah Arendt (2008), Eric Voegelin
(2007), entre outros, abordaram, cada um a seu modo, as aporias da modernidade.
44

cientistas que escaparam da Alemanha nazista37. Sinteticamente a obra é um importante


estudo sobre o período de ascensão do NSDAP e que descortinam o processo de demissão em
massa acadêmicos de judeus da Alemanha e da Áustria, fato que acabariam levando que
muitos homens partissem em busca de refúgio em países como Inglaterra e Estados Unidos da
América.
Neste trabalho, os autores expõem como houve uma perseguição clara aos membros
participantes de universidades germânicas inclusive a saída de importantes acadêmicos, como
Ernest Gombrich e Nicholas Prevsner, dois renomados historiadores da arte. David Pyke
(2010) diz:

A acolhida do povo britânico aos refugiados antinazistas veio de um espírito


generoso. Também gerou enormes benefícios para o país. Vinte dos cientistas
refugiados mais tarde ganharam o prêmio Nobel e mais de cinqüenta se tornaram
membros associados da Real Sociedade. Quase todos os trabalhadores iniciais em
energia atômica eram britânicos ou refugiados judeus europeus. Nas artes, e
especialmente na música, a contribuição alemã foi enorme. Conseqüentemente, o
lucro da Grã-Bretanha foi grande. Sir Peter Medawar costumava dizer que os três
maiores ingleses que conheceu eram Ernst Gombrich, Max Perutz e Karl Popper –
respectivamente, historiador da arte, biólogo e filósofo –, todos de Viena. Assim, o
que começou como um gesto de altruísmo – o resgate de acadêmicos alemães
refugiados – tornou-se um empreendimento altamente lucrativo. A Alemanha perdeu
e nós ganhamos o maior tesouro intelectual já transferido de um país para o outro.”
(PIKE, 2010, p. 19)

De todo modo, os nacional-socialistas estavam tão cegos com sua ideologia que
acabaram perdendo significativa parte dos mais capazes talentos da ciência alemã, vide o
destacado caso de Albert Einstein que renunciou a sua cidadania alemã em face da
perseguição impingida pelos nazistas contra acadêmicos judeus, e que ganhou repercussão na
imprensa internacional. No mais, outros judeus permaneceram na Alemanha e, assim, optaram
pela recusa em se retirar de seus lugares de origem, afinal, antigos veteranos judeus que há
muito viviam na Alemanha e tinham se sacrificado na Grande Guerra, tinham esperança de
que estariam protegidos do fundamentalismo ideológico que começava a ganhar vulto nas
consciências de muitos alemães totalmente devotados ao nacional-socialismo ou que estavam
aderindo ao NSDAP.
Os judeus não eram os únicos a serem encalçados nos primeiros anos do governo
nazista. Nem mesmo os cristãos escaparam das perseguições e prisões, apesar de que por

37
Ver MEDAWAR, J. S. O presente de Hitler / Jean Medawar e David Pyker; tradução de Antonio Nogueira
Machado. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2010.
45

intermédio do cardeal Eugênio Pacelli38, nos primórdios da administração nazista, o Vaticano


tinha firmado um acordo tácito com as autoridades alemãs: o governo nacional-socialista
garantia à Igreja a liberdade de culto e sua autonomia religiosa na Alemanha, muito embora
isto não se consagrasse na realidade. O fato é que o acordo com a cúria romana não foi de
todo cumprido pelos nacional-socialistas. Não demorou muito para que inúmeros religiosos
alemães experimentassem uma profunda desilusão com as promessas de Hitler. Até mesmo
dentro da esfera de atribuição da Igreja Católica alemã e entre os protestantes, os agentes do
nacional-socialismo agiam no sentido de eliminar a presença judaica de tais meios,
sedimentando e diluindo aspectos doutrinários e ideológicos do nazismo na teologia cristã.
Na dimensão religiosa dos protestantes alemães, com apoio dos nazistas, destacou-se
figura do Bispo protestante Ludwig Müller que reunia, sob sua liderança, várias igrejas
protestantes da Alemanha. Mas nem todos se dobraram. Isto era demais para opositores do
NSDAP como Niemöeller e Dietrich Bonhöeffer, que não viam de bom grado a ampla
interferência do governo nacional-socialista dentro das igrejas da Alemanha. Estes homens,
corajosamente se opuseram nazificação das igrejas protestantes alemãs e criaram a Igreja
Confessional e uma Liga de Emergência dos Pastores, com o intuito de frear os absurdos de
uma agremiação religiosa sob um mesmo signo: a hankencruz.
Em fins de 1935, assinala um período de cassada aos opositores dos intentos de
Müller, bispo do Reich. Se os nazistas não conseguiam agremiar a maior parte dos
protestantes, começariam a prender seus opositores, e foi o que aconteceu. As S.A. e a
Gestapo, prenderam milhares de pastores da Igreja Confessional. Logo, líderes cristãos em
toda Alemanha deveriam, tal qual os líderes do exército, jurar fidelidade ao Führer, assim
como aos ideais doutrinais de raça, sangue e solo recomendados por Alfred Rosenberg, isto
sem falar e além de uma postura reverencial para com o Mein Kampf.
No desenrolar do novo cenário político da Alemanha, o anseio/desejo da comunidade
judaica alemã por um abrandamento [nos anos seguintes] pós medidas antissemitas da Leis de
Nuremberg, foi por água abaixo no ano de 1938, destacadamente na noite dos dias 9 e 10 de
setembro. Um pogrom contra os judeus chocaria o mundo: quando cerca de 100 judeus seriam
assassinados no episódio conhecido como Kristallnacht. Ademais, sinagogas, lojas e
residências seriam atacadas e, algumas inclusive, incendiadas. (DAVIES, 2009)

38
Eugênio Pacelli, seria eleito como sumo pontífice da igreja Católica Romana. Para saber mais sobre a relação
entre o Vaticano e o NSDAP, ver GODMAN, Peter. O Vaticano e Hitler : a condenação secreta / Peter Godman ;
tradução Evandro Ferreira e Silva ; revisão da tradução Marcelo Brandão Cipolla. – São Paulo : Martins Fontes,
2007.
46

Pode-se ver que mesmo com os claros sinais de segregação e antissemitismo na esfera
vida de milhões de alemães, a política restauração econômica nacional-socialista fluía para
que a Alemanha retomasse seu crescimento, mascarando o drama social experienciado por
milhares de pessoas que não se vincularam ao regime. Continuamente, a polícia econômica do
Dr. Schacht (economista do Reich) era conhecida como Wehrwirtschaff, fazendo que a maior
parte do setor industrial da Alemanha se crescesse através solidificação de uma economia de
guerra, que beneficiava indiscutivelmente a Wehrmacht, afora o fato de que, depois de mais
de mais de anos de governo republicano, os índices de desemprego, agora, caiam
drasticamente.
Agora, a nazificação da cultura acontecia a largos passos e após cinco anos, a mudança
de mentalidade e a arquitetura da memória coletiva do povo alemão estava posta em curso.
Depois de cinco anos no poder, se tornara evidente para parcela de alemães dentro da Alta
Comando cúpula da Wehrmacht e que calorosamente tinham flertado com Hitler, que as
ressonâncias na política externa de Hitler poderiam arrastar a Alemanha para um estado de
guerra. Seria possível reverter esse quadro?
47

4 O ENSAIO: PRINCÍPIOS DE UMA CONSPIRAÇÃO

A história da ascensão do nacional-socialismo na Alemanha entre os anos de 1920 até


o seu fatídico fim, no ano de 1945, é usualmente representada no imaginário popular, e, por
que não dizer nos interiores do meio acadêmico brasileiro, a partir de estereótipos que
assinalam que toda uma nação foi alvo de um engano: todos eram nazistas – civis e militares.
Nada mais equívoco e tal ideia unida a esse imaginário é dissonante do real, haja vista que
não apenas milhares de pessoas tinham, especialmente na década de 30, sido enviados para os
campos de concentração, afora uma gama de outros homens e mulheres das mais distintas
camadas da sociedade alemã que, mesmo com a ascensão do Nationalsozialistische Deutsche
Arbeiterpartei (NSDAP), puseram suas vidas e de seus familiares à risca e não tiveram receio
de abertamente declararem sua oposição ao regime.
Sob este prisma, inúmeras pessoas foram destinadas à morte, caso verificado pela
morte do líder religioso Dietrich Bonhöeffer, vítima do regime, mas destacado e ferrenho
opositor da arquitetura da obliteração mnemômica de Adolf Hitler e da cúpula do Partido
Nazista. Não obstante, haveria casos de oposições e resistência aos planos de Hitler e do
NSDAP no interior da Wehrmacht? Seria possível que existissem homens que conspirassem
contra o regimente nacional-socialista?
Essencialmente é importante assinalar que, nos estágios iniciais do governo do
NSDAP, grande parte dos altos oficiais alemães emprestaram seu prestígio à liderança nazista
se comprometendo e arriscando a apoiar um regime que prometera laurear a expansão da
Reichswehr que, no ano de 1934, triplicara seu efetivo; efetivara o programa de construção de
submarinos alemães e navios de guerra com o consentimento do almirante Erich Johann
Albert Räeder; e, em seu estágio finais, tinham dado partida na composição da Liga dos
Esportes Aéreos – comandada por Herman Göring, ministro da aviação civil – que seria o
embrião do que mais tarde ficaria conhecida como a Luftwaffe.
Não podemos nos esquecer que a política armamentista de Hitler, cada vez mais, se
distanciava das ultrajantes imposições do Tratado de Versalhes. Seu marco simbólico teria
com maior referência o dia 16 de março de 1935 – momento em que, declaradamente, Adolf
Hitler estabelecia o retorno da conscrição militar na Alemanha. É William L. Shirer (2008),
testemunha ocular da celebração realizada no dia seguinte, quem nos concede o relato a seguir
48

de quando milhares de alemães se congratularam e jubilaram pela virada na política externa


alemã:
Domingo, 17 de março, foi um dia de festas e regozijo na Alemanha. Os grilhões de
Versalhes, símbolo da derrota e da humilhação da Alemanha, haviam sido
quebrados. Não importava o quanto o alemão pudesse ter ojeriza a Hitler e a seu
governo de banditismo; tinha de admitir que o Führer cumprira aquilo que nenhum
governo republicano jamais ousara tentar. Para a maioria dos alemães, a honra
nacional fora restaurada. Naquele domingo se celebrava também o Dia dos Heróis
Mortos na Guerra. Fui à cerimônia, ao meio-dia, na Ópera do Estado e lá
testemunhei uma cena que a Alemanha não via desde 1914. Todo o andar inferior
era um mar de uniformes militares, os desaparecidos uniformes cinzentos com os
capacetes pontiagudos do antigo exército imperial, junto das vestimentas do novo
exército, incluindo o uniforme azul-celeste da Luftwaffe, que poucos tinham visto
antes. [...] a cerimônia era oficialmente dedicada a honrar os mortos de guerra da
Alemanha, mas transformou-se numa celebração jubilosa pela morte do Tratado de
Versalhes [...]. Os generais, era visível suas faces, estavam imensamente contentes.
(SHIRER, 2008, pp. 381-382)

Hitler prosseguia em direção a um imponente processo de reabilitação das Forças


Armadas, mesmo se arriscando a provocar os antigos inimigos da Alemanha, muito embora,
quando se dirigia em declarações ao mundo, anunciava, em seus meetings no Reichstag, seu
desejo pela paz, justiça e igualdade entre as nações. A retórica de Hitler acabou levando para
que países como Inglaterra e França apostassem em uma flexibilidade no trato das questões
internacionais que envolvessem a Alemanha como um país que parecia renascer das cinzas da
Grande Guerra. Assim, ingleses e franceses deram arbítrio para que a Alemanha não se
sufocasse com sanções econômicas ou de caráter militar.
O jogo político de Hitler era ousado. Em 1935, ele agenciou uma reformulação na
Reichswehr mediante a secreta publicação da Lei de Defesa que ampliava a conscrição militar
e configurava o nome da Reichswehr para Wehrmacht. Ininterruptamente, a nova instituição
teria como Comandante-em-chefe o General von Werner Eduard Fritz von Blomberg, que
posteriormente alçaria o posto de marechal-de-campo. Similarmente, “o nome camuflado de
Truppenamt foi abandonado e seu chefe, o general Beck, obteve o título de chefe do Estado-
maior geral.” (SHIRER, 2008, p. 383)
Com a nova configuração, as novas Forças Armadas da Alemanha ultrapassariam
automaticamente as restrições de Versalhes e abrigariam em seu quadro: o Exército (Heer),
sob o comando do General Werner Thomas Ludwig Freiherr von Fritsch39, como resultado da

39
Na elucidativa obra OS GENERAIS DE HITLER, o historiador Robert O’neill (2010) fala sobre o processo de
transição no comando do Exército Alemão, aludindo para o fato de que “ao saber, em fins de 1933, da queda
iminente de Hammerstein, Fritsch hesitou, antes de aceitar a nomeação. Imaginara que o posto que ocupava seria
o último antes da aposentadoria e pouco desejo sentia de herdar os problemas de seu antecessor. Concordou
apenas depois de consultar seu mentor e ex-comandante do Exército, general Hans von Seeckt. No dia 3 de
janeiro de 1934, iniciou o processo de receber o posto das mãos de Hammerstein e, no dia 1º de fevereiro,
49

saída do General Freiher Kurt von Hammerstein-Equord; a Marinha (Kriegsmarine) ficaria


sob comando do Almirante Erich Johann Albert Raeder; e por fim, a Aeronáutica (Luftwaffe),
sob o controle inconteste de Hermann Wilhelm Göring, ás aviação imperial alemã na Grande
Guerra e que, como observamos, pertencente ao alto círculo da elite do NSDAP.
Em pouco tempo, Hitler havia, oficialmente, elevado a Wehrmacht a uma posição de
destaque entre as instituições da Alemanha, o que claramente ia na contramão dos ideais das
Liga das Nações. Logo, o líder alemão ficava praticamente livre manobrar a Wehrmacht em
direção aos seus objetivos políticos, vide que ainda em 1935, Mussolini invadiria a Abssínia,
afrontando a Liga das Nações e dando razão para que a Alemanha caminhasse sob a sombra
de intervenções em localidades subtraídas do antigo império alemão por meio do Tratado de
Versalhes.
Desse modo, em 1935, Blomberg recebeu a missão de Hitler para que pusesse em
execução a operação Schulung para captura do território da Renânia que tinha ficado
geograficamente apartado do território alemão após a Conferência de Paris. Os generais, entre
eles Werner Thomas Ludwig Freiherr von Fritsch e Ludwig Beck, discordavam da ação e
tinham ciência de que caso houvesse uma reação francesa ante aos planos alemães, os efetivos
alemães estavam perdidos. Eles estavam corretos. Porém, a operação levada à contento no dia
7 de março de 1936.
Devemos ter ciência de que Hitler aproveitara oportunidade da incursão bélica de
Mussolini à Abissínia, que havia atormentado a inerte Liga das Nações, utilizando o episódio
como uma cortina de fumaça para suas ações para recuperar a Renânia. Naquele tempo, se o
exército francês quisesse retirar suas divisões da Linha Maginot, as pretensões de Führer
alemão ruiriam como um castelo de cartas, mas nada foi feito. “Certo de que os franceses não
marchariam, ele [Hitler] grosseiramente rejeitou todas as sugestões do vacilante Alto-
Comando para retroceder.” (SHIRER, 2008, p. 394)
Percebemos que a resiliência de Hitler diante de momentos de crise da Renânia foi
decisiva quando analisamos a continuidade de seu plano em direção a ocupação da Renânia,

tornou-se o novo comandante-chefe do Exército, “contra os desejos do Führer e de Blomberg”, conforme


escreveria quatro anos depois. Ver O’NEILL, Robert. Fritsch, Beck e o Führer In: BARNETT, Correlli. (org.).
OS GENERAIS DE HITLER. Jorge Zahar Ed., 3ª Edição, Rio de Janeiro, 2001. O historiador Shire (2008)
rememora seu contato, na ocasião, com o Comandante do Exército. Shirer comenta: A 1º de março de 1935, dia
em que a Alemanha tomou conta do Sarre, estive perto de Fritsch na tribuna de revista, em Saarbrüken, por
algum tempo antes do desfile começar. Embora mal me conhecesse, salvo como um dos muitos correspondentes
americanos em Berlim, lançou uma viva torrente de observações sarcásticas a respeito das S.S., do partido e de
vários líderes nazistas, de Hitler para baixo. Não disfarçava seu desprezo por todos eles. Cf. SHIRE, William L.
Op. cit., p. 421.
50

que por fim daria plausibilidade ao Chanceler para que novas iniciativas de recuperação e
tomada de novos territórios fossem iniciadas nos anos sucessivos. Em seguida, Hitler tratou,
logo após a ocupação da Renânia, para que novos discursos de aclamação a paz mundial
fossem imediatamente propagados no Reichstag, ainda que nos bastidores da política alemã
sua ideia fosse outra.

No discurso ao Reichstag em que sustentou sua operação, ele aproveitou de maneira


ao mesmo tempo demagógica e magistral as contradições, as angústias, os anseios
pela paz da Alemanha e de toda a Europa; evocou largamente “o horror da ditadura
comunista internacional do ódio,” o perigo oriental que a França atirava para dentro
da Europa. Pleiteou que se arrancasse “ao domínio do contra-senso e da paixão
todos os conflitos que opõem os povos e os estados e que fossem submetidos à luz
calma de um ponto de vista mais elevado.” Quanto aos detalhes, justificou sua
decisão mostrando que, segundo a concepção jurídica alemã, o tratado de assistência
franco soviético devia ser considerado um rompimento do Tratado de Locarno, pois
era incontestavelmente dirigido contra a Alemanha. (FEST, 2006, p. 585)

No início, a ocupação da Renânia modificou apenas as relações de força reais das


potências europeias. Grande parte dos historiadores militares concordam que, esta seria a
última oportunidade que as democracias ocidentais teriam para conter os planos de Hitler,
sem que houvesse uma deflagração bélica de grande porte. Em 1935, a nascente Wehrmacht
não tinha capacidade bélica e logística para o caso de uma incursão militar anglo-francesa ao
território alemão. (DAVIES, 2009)
A postura de Hitler continuava sendo emblemática. Por um lado lograra êxito em sua
política externa antecipando-se as reações na Liga das Nações e agindo a contra a opinião de
maior parte do seus generais, ainda assim, sua fama de líder inconteste não tardaria a ser posta
em caso a partir do momento alguns oficiais do Exército Alemão começaram a duvidar do
Führer que, a partir de então, vinha ganhando cada vez mais força política à medida em que
ele avançasse em suas pautas. Shirer (2008) explana.

[...] o golpe bem-sucedido de Hitler na Renânia deu-lhe uma vitória mais estonteante
e mais funesta em suas terríveis conseqüências do que seria percebido na época.
Internamente, ele fortaleceu a popularidade e o poder, [...] Assegurou sua
ascendência sobre os generais, que vacilaram e fraquejaram no clímax da crise,
enquanto ele permanecera firme. (SHIRER, 2008, p. 395)

A partir do momento que renegaram Tratado de Versalhes e depois a ocupação da


Renânia, Hitler alocou a Wehrmacht ficou praticamente em estado de planejamento contínuo
para a iminência de uma reação por parte ou do Império Britânico, da França ou mesmo da
Rússia soviética. Na política externa, os próximos passos de Hitler foi em fornecer apoio
51

bélico à Espanha, após o pedido de ajuda de Francisco Franco. A Alemanha promoveria o


envio de diversos materiais bélicos (entre blindados, peças de artilharia, técnicos e
especialistas militares) à Espanha de Franco, quando da eclosão da Guerra Civil Espanhola
(1936-1939).
A guerra civil proporcionou um oportuno momento para caminho para que a Legião
Condor da Luftwaffe utilizasse o cenário litigioso para testar operacionalidade de caças e
bombardeiros da nova Força Aérea alemã na Espanha. No entanto, a maior ajuda ao governo
fascista de Franco veio de Benito Mussolini. Nesse momento que o ponto de convergência foi
manifestado nas relações exteriores entre Alemanha e Itália. “Foram essas circunstâncias que
levaram ao aparecimento do eixo Roma-Berlim. [...] Em Berlim, a 21 de outubro, Ciano e
Neurath assinaram um protocolo secreto que estabelecia uma política comum para Alemanha
e a Itália em assuntos estrangeiros.”40 (FEST, 2008 p. 400)
Nesse ínterim; no dia 5 de novembro de 1937, Hitler realizava uma importantíssima
reunião em Berlim com os principais líderes da Wehrmacht e do governo. Seis estavam
presentes na ocasião: O Ministro do Exterior, Konstantin Freiherr von Neurath; o almirante
Räder; o marechal-de-campo von Blomberg; o general von Fritsch; Herman Göring; e o
coronel Hossbach, ajudante-de-ordens do Führer. O historiador William L. Shirer (2008)
assinala que o coronel Hossbach, tomou nota da reunião e que nos anos posteriores à Segunda
Guerra foram apresentados como documentos no Julgamento de Nuremberg.

A reunião começou às 16:15h e durou até às 20:30h, sendo que Hitler foi quem mais
falou. O que tinha para dizer, iniciou, era fruto de “exaustiva deliberação e das
experiências de quatro anos e meio de poder”. [...] “O objetivo da política alemã”,
disse, “é tornar firme e preservar a comunidade racial e engrandecê-la. Trata-se, por
conseguinte, de uma questão de espaço (Lebensraum)”. Os alemães, expôs, tinham
“o direito de um maior espaço vital que os demais povos (...) O futuro da Alemanha
achava-se, portanto, inteiramente condicionado à solução do problema de
necessidade de espaço”. Onde? Não em algumas remotas colônias da África ou da
Ásia, mas no coração da Europa, “nas proximidades imediatas do Reich”. [...] Dois
países “insufladores de ódio”, afirmou Hitler, se colocavam no caminho da
Alemanha: a Inglaterra e a França. Esses países se opunham a qualquer
fortalecimento futurou da posição da Alemanha.” (SHIRER, 2008, p. 409)

Ainda na reunião, Hitler elencou a Rússia soviética como uma iminente ameaça, tal
qual as democracias ocidentais da Europa. Assim, cenários de hipotéticos conflitos com essas
nações ou como elas possivelmente reagiriam frente a expansão do programa armamentista

40
Gian Galeazzo Ciano e Konstantin Freiherr von Neurath foram os homens mais importantes para a formação
do acordo que daria forma ao Eixo. A 25 de novembro de 1937, Hitler designava Joachim von Ribbentrop para
concretizar o pacto anti-Comintern junto com o Japão.
52

alemão foram traçados pelo líder alemão, não sem que alguns generais começaram a objetar a
posição de Hitler em relação a política externa. Sobre isso, o historiador Joaquim Fest (2006)
assevera que:

Alguns participantes ficaram estupefatos com essas declarações de Hitler, e o relato


de Hossbach indica que a discussão a seguir “teve momentos muito ácidos.”
Neurath, Blomberg e Fritsch, principalmente, opuseram-se aos projetos de Hitler e
alertaram com vigor para os riscos de uma guerra com as potências ocidentais. Se
Hitler convocara seus colaboradores para lhes transmitir sua impaciência e, como
disse a Göring antes da reunião, para “botar fogo nos pés” de Blomberg e Fritsch,
descontente com o ritmo do rearmamento do exército, logo tomou consciência de
uma divergência de opiniões tal que chegava a parecer uma diferença de princípios.
(FEST, 2006, p. 628)

Apesar do ineditismo dos discursões provocadas no meeting, o plano de incursão


contra essas nações não era novo. Na verdade, a proposição de levar a Alemanha a uma
guerra de conquista, o ideal de galgar o “espaço vital” estava posta claramente no Mein
Kampf. Nas semanas seguintes, von Neurath, que saíra da reunião assolado com as
implicações de uma guerra futura, partiu em busca do apoio do general Beck (chefe do
Estado-Maior do Exército) e von Fritsch (Comandante do Exército). Seu objetivo era claro:
em conluio, ambos tentariam dissuadir Hitler de uma postura irredutível e violenta na
condução da geopolítica alemã.
Assim, “ficou combinado que Fritsch faria nova objeção a Hitler no próximo
encontro, tecendo-lhe as considerações militares que tornavam seu plano desaconselhável.”
(SHIRER, 2008, p. 414). Beck que também havia ficado a par da fatídica reunião por
intermédio do coronel Hossbach, permaneceu em suas funções como segundo em comando no
exército. A 9 de novembro de 1937, Neurath e general von Fritsch partiram para um encontro
na Chancelaria do Reich com Hitler. Apenas Fritsch conversou com Hitler, e, ao final, seu
intento foi inócuo. Já Neurath, que tentara similar audiência, teve seu pedido negado, “no
intervalo, Hitler, numa decisão súbita, saiu de Berlim e retirou-se em Berchtesgaden.
Visivelmente irritado, recusou-se a ver o ministro do Exterior [...]”. (FEST, 2006, p. 628)

Só em meados de janeiro [1938] o abatido Neurath foi capaz de conseguir um


encontro com o líder. “Nessa ocasião procurei mostrar-lhe [Neurath testemunhou
mais tarde em Nuremberg] que sua política conduziria o mundo à guerra, e que eu
não tomaria parte nela (...) Chamei sua atenção para o perigo de guerra e para as
graves advertências dos generais (...) E quando, apesar de todos meus argumentos,
ele continuava a manter suas opiniões, disse-lhe que teria de encontrar outro
ministro do Exterior (...).” Embora Neurath não soubesse na ocasião, foi o que
precisamente Hitler decidiria fazer. Dentro de 15 dias ele comemoraria o quinto
aniversário de sua ascensão ao poder e pretendia marcá-lo com limpeza interna, não
apenas no Ministério do Exterior, mas no exército, as duas cidadelas da “reação” das
classes superiores das quais ele intimamente desconfiava, sentido que jamais o
53

haviam aceito nem realmente compreendido seus objetivos e até se antepunham,


como Blomberg, Fritsch e Neurath revelaram na noite de 5 de novembro, à
realização de suas ambições. (SHIRER, 2008, p. 415)

A maré dos entusiastas do governo parecia arrefecer. No mês de dezembro de 1937, o


renomado e ambicioso ministro da economia do Reich, Hjalmar Horace Greeley Schacht,
pediria demissão de seu cargo, após a sua oposição contra a tentativa de uma implementação
definitiva de uma economia de guerra para Alemanha. Schacht acabou sendo substituído por
Hermann Göring, que logo depois cedeu sua breve posição para Walther Funk.
Parecia que alguns homens do círculo do poder na Alemanha, próximos à Hitler, não
reagiam ao carisma do Führer ou estariam prevendo a bancarrota que seriam os anos finais da
guerra? O cenário para o homem mais poderoso da Alemanha não parecia promissor. Além
disso, “a oposição manifestada por Blomberg, Fritsch e Neurath às suas sugestões exigia uma
urgente solução do problema.” (FEST, 2006, p. 629) A solução acabou por se concretizar
rapidamente. Uma série de “escândalos” solapou a Wehrmacht quando expôs não apenas seu
comandante, mas o comandante do Exército. Coincidência ou não, Hitler tratou de aproveitar
os acontecimentos em seu favor.
O primeiro homem a cair foi o marechal-de-campo von Blomberg.41 O caso foi tratado
com esmero na conceituada obra THE OTHER SIDE OF HILL (1948), do renomado
historiador militar inglês, Basil Henry Liddell Hart. A referida obra foi traduzida e publicada
no Brasil pela Biblioteca do Exército, no ano de 1980, com o título O OUTRO LADO DA
COLINA : Ascensão e queda dos generais alemães, com seus depoimentos acerca dos
acontecimentos militares de 1939-194542; e de forma mais sintética pelo historiador Rupert

41
Tudo começou quando o Marechal do Reich casou com uma certa Fraulein Gruhn. Gruhn também havia sido
secretária de Blomberg. O historiador inglês Ian Kershaw (2006) particulariza o cerimonial, afirmando que o
casamento ocorreu debaixo de notório segredo. No casamento, estivera presente a alta cúpula do NSDAP,
inclusive o próprio Hitler e Göring que foram testemunhas do matrimônio que ocorreu no dia 12 de janeiro de
1938. O casamento repercutiu de forma modesta nos jornais de Berlim, mas nas semanas seguintes a vida do
Comandante da Wehrmacht mudou radicalmente.
42
THE OTHER SIDE OF HILL (1948) surgiu após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o então capitão
do exército inglês, Sir Basil Liddell Hart teve a oportunidade de ser um dos primeiros militares a entrevistar uma
série de oficiais de alta patente da Wehrmacht por um certo período de tempo. A preocupação de Hart era que tão
logo se estabelecesse o contato com os oficiais generais, os depoimentos/testemunhos, fossem depressa
classificados e transmutados em narrativa histórica, isto em virtude do temor daquele historiador de que as
memórias dos generais caíssem no esquecimento. Os depoimentos apreendidos por Hart são indiscutivelmente
esclarecedores para o entendimento da conjuntura evolutiva do Exército alemão nos anos que antecederam à
guerra, ao passo que Hart tem uma preocupação quanto ao confronto dos testemunhos obtidos e a verificação
junto aos arquivos documentais não apenas dos Aliados, mas das fontes do Eixo. Mesmo com os cruzamentos
dos dados obtidos, Liddell Hart pontuava a necessidade de todas as facetas do maior conflito da história humana
serem analisados. Igualmente, com a utilização da consulta de testemunhos do “outro lado da colina”, a narrativa
militar alemã acerca da guerra não haveria de ser menosprezada, atentando apenas para uma visão única dos
fatos históricos, o que, para o historiador militar, implicaria em um silenciamento do passado de singulares
personagens que estiveram intimamente ligados aos principais momentos da história alemã entre os anos de 1920
54

Butler (2008) em A GESTAPO : A história da polícia secreta de Hitler : 1933-1939, que narra
a sordidez dos atos de Reinhard Heydrich, um dos homens envolvidos nos bastidores da trama
para destituir Blomberg no período em que se seguiu o trâmite matrimonial.

[...] a polícia de Berlim logo apresentou a Göring arquivos e fotografias revelando


que Erna von Blomberg tinha sido prostituta profissional, posando para revistas
pornográficas; se necessário, Heydrich forneceria os arquivos. Von Blomberg foi
forçado a renunciar e a se retirar para Capri com sua noiva. (BUTLER, 2008, p. 46)

Assim, em fins de janeiro de 1938, Göring, que tinha obtido os documentos


comprometedores da esposa do marechal de campo, apresentou-os ao próprio Hitler. Ao
final, dado o escândalo, Blomberg cairia em desgraça e nunca mais retornaria ao Exército,
nem mesmo quando a guerra contra a Polônia teve início.43 Blomberg não saíra sem antes
recomendar que Göring assumisse o comando das formas armadas da Alemanha. O
historiador Liddell Hart (1980) assinala que “investigações norte-americanas de pós-guerra
indicam que Himmler a colocara no gabinete de Blomberg para lhe armar uma cilada.”
(HART, 1980, p. 39). Agora, o caso Blomberg abria uma nova oportunidade para novas
discursões na Chancelaria do Reich e a crise na Wehrmacht estava só estava começando. Ian
Kershaw (2010) assinala que:

Na mesma noite de 24 de janeiro, ainda sob o choque da notícia acerca do passado


de Frau Blomberg [...], Hitler lembrou da suspeita de um possível escândalo dois
anos antes, envolvendo o chefe do Exército, general Von Fritsch. Na época, verão de
1936, Himmler lhe apresentara uma ficha que levantava suspeitas de que Fritsch
fora chantageado por um michê de Berlim chamado Otto Schmit, no fim de 1933.

a 1945. O Outro Lado da Colina de Liddell Hart está distante de ser uma apologia da Wehrmacht, mas pretende
fazer justiça a ideias estereotipadas, errôneas e equivocadas sobre as atuações dos oficiais-generais alemães no
período que antecede a Segunda Guerra Mundial e no transcorrer dela.
43
Verificamos duas posições controversas dos historiadores acerca da reação de Blomberg após a denúncia e
escândalo envolvendo ele e sua esposa. Em das mais das mais responsáveis biografias sobre Hitler, o inglês Ian
Kershaw (2010) elucida que “presumindo que Blomberg ignorasse o passado nebuloso de sua mulher e na
esperança de abafar a questão e evitar um escândalo público, Göring tratou de persuadir o marechal de campo a
anular imediatamente o casamento. Para o espanto e desgosto de Göring e Hitler, Blomberg negou-se a fazê-lo.
Na manhã de 27 de janeiro, Hitler teve sua última audiência com Blomberg. Começou de forma acalorada, mas
ficou mais calma e terminou com Hitler oferecendo a Blomberg a perspectiva de reintegrar-se, tudo esquecido
com Hitler oferecendo a Blomberg a perspectiva de reintegrar-se e, tudo esquecido, se a Alemanha se envolvesse
numa guerra. Um dia depois, Blomberg foi embora: atravessou a fronteira da Itália para iniciar um ano de exílio,
[...].” Cf. KERSHAW, Ian. Op. cit., p. 426. Entretanto, o historiador William L. Shirer (2008) diz que “o
marechal-de-campo parece ter ficado esmagado pelas revelações acerca de sua mulher e propôs divorciar-se dela
imediatamente. Göring explicou, delicadamente, que isso não seria suficiente. O próprio comando do exército
exigia sua renúncia.” A convergência no relato de Kershaw (2006) e Shirer (2008) a respeito dos momentos que
anteciparam sua saída é notada a partir do momento em que William L. Shire afirma que “Blomberg escreveu
em suas memórias não publicadas que Hitler, em seu encontro final, prometeu-lhe “com a maior ênfase”, que lhe
seria dado o supremo comando das forças armadas na eventualidade da guerra. Como tantas outras promessas de
Hitler, esta não foi mantida. O nome do marechal-de-campo foi riscado para sempre das listas do exército, [...]
Ao regressar à Alemanha, Blomberg, junto com a mulher, instalou-se na peque vila bávara de Wiesse, onde
viveu em completa obscuridade até o fim da guerra.” Vide SHIRER. Op. cit., pp. 420 – 421.
55

Hitler recusara-se a acreditar nas alegações, rejeitara de imediato uma investigação,


dissera que não queria ouvir falar mais no assunto e mandara destruir o arquivo.
Agora, disse a Himmler que queria o arquivo “reconstruído” com urgência. A
reconstrução não apresentou dificuldades, pois, contrariando as ordens expressas de
Hitler, Reinhard Heydrich, chefe da Polícia de Segurança, guardara a pasta num
cofre. Em poucas horas, às 2h15 de 25 de janeiro, a ficha estava sobre a escrivanhia
de Hitler. (KERSHAW, 2006, p. 426)

Kershaw (2010) acredita que Hitler teria pedido está ficha Himmler pensando numa
possível indicação de von Fritsch ao comando da Wehrmacht e para tanto, queria novamente
se resguardar de um novo e eventual escândalo. Em contrapartida, outros historiadores
admitem a possibilidade de um conluio provocado sordidamente por membros seletos da elite
dirigente do NSDAP, com o intuito de destituir o comandante do Exército que era
efetivamente contra as finalidades agressivas e expansionistas da política externa de Hitler.
E inegável que Werner von Fritsch fosse um oficial renomado, mas não era nem de
longe um partidário e muito menos entusiasta do regime nazista, haja vista que ele era
reconhecidamente um homem contrário aos nazistas, e sobretudo, Fritsch, assim como Beck,
ficara em alerta após a emblemática reunião com Hitler, ocorrida no dia 5 de novembro de
1937. Continuamente, no dia 25 de janeiro, um dossiê comprometedor da Gestapo sobre
Fritsch era entregue por Herman Göring a Hitler. Shirer (2008) nos diz que:

[...] Himmler e seu mais importante auxiliar, Heydrich, chefe da S.D., o Serviço de
Segurança das S.S., [...] pretendia provar que o general von Fritsch fora culpado de
delitos homossexuais, de acordo com a seção 175 do Código Criminal Alemão, e
que estivera dando dinheiro, sob chantagem, a um ex-sentenciado, desde 1935, para
silenciar a respeito do assunto. (SHIRER, 2008, p. 422)

Naquele mesmo dia, o coronel Hossbach, um homem profundamente devotado as


antigas tradições prussianas e que não acreditava nas mentiras esboçadas na ficha mostrada ao
Führer, decidiu levar ao conhecimento do comandante-em-chefe do Exército o ocorrido,
contrariando a ordem expressa de Hitler de não relatar o “escândalo” para outros oficiais,
afinal, [para ele] a honra do Exército alemão estava em xeque. Após o encontro com Fritsch,
Hossbach que retornara a presença a Chancelaria e informou ao líder alemão que tinha dado
saber o ocorrido. Além tudo, Hossbach solicitara a Hitler uma audiência para que o
comandante do Exército desse as devidas explicações, o que, por fim, acabou sendo
concedido.
A audiência solicitada por Fritsch aconteceu na presença de Hitler, Göring, Himmler
no interior da biblioteca da Chancelaria. Hitler “foi direto ao ponto. Queria simplesmente a
verdade. Se Fritsch admitisse sua culpa, ele estava disposto a guarda silêncio sobre o assunto
56

e manda-lo para longe da Alemanha.” (KERSHAW, 2006, p. 428) A tensão na biblioteca


aumentou quando, em seguida a entrega da ficha que tinha sido trazida por Göring e fora
entregue a Fritsch. Nesse ínterim, Hans Schmidt, o suposto homem envolvido no escândalo
entrou na sala e teve oportunidade de falar e produziu uma narrativa falaciosa sobre o general.
Schmidt que tinha uma série de passagens pela polícia, revelou que tinha o hábito de extorquir
homens envolvidos com o homossexualismo. Ian Kershaw (2010) ressalta que:

O general repetiu várias vezes, de forma fria e serena, que jamais vira aquele homem
em sua vida e deu a Hitler sua palavra de honra que não tinha nada a ver com aquilo.
Hitler havia esperando, assim contou aos seus generais alguns dias depois, que
Fritsch jogasse a ficha aos seus pés. Seu comportamento contido não impressionou.
De sua parte, Fritsch achou difícil que Hitler e Göring mantivessem suas suspeitas e
ignorassem a palavra de honra de um oficial alemão de alto escalão. A verdade, [...]
era que Hitler havia perdido a fé em Fritsch. (KERSHAW, 2010, p. 428)

A reunião prosseguiu com a solicitação de Hitler para que Fritsch renunciasse. O


comandante do Exército recusou a oferta e solicitou um julgamento por um tribunal militar
para que as coisas se esclarecessem. Em face das circunstâncias, o Hitler requereu que Fritsch
se afastasse em licença sem delimitação de tempo, para que as coisas se organizassem per si.
Em seguida ao fatídico encontro de Fritsch na Chancelaria, o Comandante do Exército
decidiu relatar todo o caso para o Chefe do Estado-Maior Geral, o coronel-general Ludwig
Beck.44 No entanto, Beck já havia recebido as informações do suposto escândalo de Fritsch do
próprio Hitler. Foi Beck que, ante aos apelos e considerações do Comandante do Exército,
decidiu ir de encontro ao líder alemão para que este concedesse a oportunidade de defesa do
general Fritsch diante de um julgamento militar para fins de apuração dos fatos. O caso que
foi arrastado para o julgamento em uma corte militar de honra. Assim,

Uma investigação preliminar dirigida pelo exército em colaboração com o


Ministério da Justiça estabeleceu, rapidamente, que o general von Fritsch fora vítima
inocente de uma conspiração da Gestapo, de iniciativa de Himmler e Heydrich.
Constatou-se que o ex-setenciado Schmidt havia, na verdade, apanhado um oficial
do exército [...] nas sombras da estação de Postsdam, e lhe havia constantemente
extorquido dinheiro durante anos. Mas seu nome era Frish e não Fritsch. Era um
oficial de cavalaria reformado por invalidez e classificado na relação do exército
como Rittmeister von Frisch. Disto sabia a Gestapo. Prendera, porém, Schmidt e

44
William L. Shire (2008) argumenta com veemência que “alguns historiadores ingleses relataram que Beck
insistiu com ele para realizar imediatamente um golpe militar contra o governo de Hitler, mas Fritsch recusou.”
Chama-nos a atenção a relevância que Shirer (2008) atribui ao historiador Wolfgang Förster, homem
responsável por escrever a biografia - Ein General kämpft gegen den Krieg (1949), sem tradução para o
português - do General Beck. Shirer (2008) narra a ótica de Föster, afirmando que “alguns dias depois, quando já
era em tarde, Fritsch e seus associados mais próximos, Beck sendo um deles, pensaram seriamente em
contramedidas militares, ao serem reformados Blomberg [...] e mais 16 antigos generais e 44 outros transferidos
para comandos secundários. Mas abandonaram logo tão perigosas idéias.” SHIRER, William. Op. cit., p. 424.
57

ameaçara-o de morte, a menos que acusasse o comandante-em-chefe do exército.


(SHIRER, 2008, p. 425)

Reconhecidamente, se havia uma possibilidade da classe mais antiga do alto escalão


do Exército alemão por contra a parede o líder da S.S., Heinrich Himmler e o comandante da
Luftwaffe, era agora. Novamente o ar da capital do Reich alemão se era toda rumores: o
Reichstag poderia ser alvo de um golpe por parte do exército. Então, por qual motivo os
militares não agiam? Em O Outro Lado da Colina, o general Edgar Röhricht (1980), oferece
o subterfúgio para o Exército, comentando a volta forçada da conscrição no interior da
Luftwaffe e da Heer que trazia em seu bojo uma consequente onda de jovens oficiais
conectados com os ideais nacional-socialista, assim, para Röhricht (1980),

Estes, particularmente os mais jovens, traziam consigo suas idéias políticas. As


características do corpo de oficiais modificavam-se e o partido começava a ganhar
terreno dentro do Exército. [...] Com a volta da conscrição, perdeu todo o Exército
seu caráter de instrumento nos conflitos internos. Enfraqueceu-se ainda mais com a
organização da Luftwaffe, orientada desde a criação por princípios nacional-
socialistas. Por essa razão, a Luftwaffe, com segundas intenções, apossou-se da
Flak, decisão essa que privou o Exército de todos os meios de defesa antiaérea. O
campo de ação do Exército nas lutas internas tornava-se cada vez menor. [...].”
(RÖHRICHT, 1980. p. 102)

Com a percepção do tempo histórico e por intermédio das fontes que temos hoje,
podemos constatar que a ação não foi levada às últimas consequências. Porém é inegável que
nesse período a tensão se estabelecia na alta liderança política do NSDAP. Ininterruptamente,
discursões na Chancelaria seguiam sobre como Hitler contornaria a crise Blomberg-Fritsch.
Em face disso, Hitler chamou o general Wilhelm Bodewin Johann Gustav Keitel e outros
militares para debaterem por quais modos eles poderiam implementar uma reorganização no
quadro de comando da Wehrmacht. Assim, “o Ministério da Guerra foi extinto e em seu lugar
criado o OKW, Alto-Comando da Wehrmacht, [...] sob a chefia de Wilhelm Keitel45: [...].”
(FEST, 2006, p. 630)
Precisamente em 4 de fevereiro de 1938, Hitler assumia o controle efetivo da
estratégia militar alemã. Assumira o Alto-Comando da Wehrmacht (OWK), juntamente com

45
De acordo com Liddell Hart (1980) “Hitler explorou o choque moral sofrido pelo quadro de oficiais
aproveitando a oportunidade para assumir o comando-supremo das forças armadas alemãs. Isto preparou o
caminho para que Hitler controlasse definitivamente a estratégia, permitindo ao mesmo tempo que Himmler se
fortificasse. O general Keitel, cujas intrigas debilitaram o processo maciço dos generais contra o tratamento
dispensado a Fritsch, foi designado sucessor de Blomberg, mas com “status” inferior, e, a partir daí, só
conseguiu manter-se no cargo por subserviência a Hitler. Um soldado de maior reputação, o general von
Brauchitsch, que não integrava o grupo reacionário nem o partido nazista, recebeu o comando do Exército. Ver
HART, Liddell. Op. cit., p. 20.
58

seu lacaio, Keitel, um oficial de talento, mas soberbamente simpatizante do NSDAP. “[...]
Hitler, ‘inserindo-se’ entre os líderes da Wehrmacht, dividiu os chefes militares para
enfraquecer sua estrutura.” (HART, 1980, p. 103)
A desculpa da reforma ministerial foi um duro golpe nos oficiais generais que ainda se
ressentiam pela saída de Fritsch e que perderem, pela oscilação e falta de coesão na esfera do
pensamento, oportuno momento para tomar uma atitude enérgica contra e desferir um golpe
decisivo contra a liderança do NSDAP. Ao povo alemão, na época, foi-lhes dito que o general
von Blomberg e o general von Fritsch tiveram que renunciar aos cargos por fatores
relacionados à saúde.

Assim, Fritsch foi afastado de uma vez e para sempre, antes de seu julgamento por um
tribunal militar de honra que, Hitler sabia, o isentaria de culpa. Isto afigurou-se
particularmente ultrajante para os antigos generais, mas nada poderiam fazer a
respeito, pois foram remetidos para o refugo pelo mesmo decreto. Dezesseis deles,
incluído os generais von Rundstedt, von Leeb, von Witzleben, von Kluge e von Kleist,
foram destituídos de seus comandos, e 44 outros, considerados menos entusiastas em
sua devoção ao nazismo, foram transferidos. (SHIRER, 2008, p. 426)

Com a saída de Fritsch, o Comando do Exército alemão passaria as mãos do general


Walther von Brauchitsch46. A escolha de novo general para o Exército, freava os ânimos dos
generais mais antigos que ainda se ressentiram com a saída de Fritsch. Brauchitsch não era de
todo odiado pela casta dos oficiais generais e ainda carregava consigo algo do ímpeto de um
Fritsch para fazer frente aos alvos de Hitler, assim pensavam muitos dos que partiram para os
comandos secundários.
Se acharmos que a “reorganização” se limitou a Wehrmacht, estaríamos incorrendo em
erro. Àqueles que fizeram frente a política expansionista, sairiam do caminho do chanceler
alemão. Foi desta forma que Konstantin Hermann Karl Freiherr von Neurath, Ministro do
Exterior, foi removido e substituído por Ulrich Friedrich Wilhelm Joachim von Ribbentrop,
homem que se afinava e tinha um alinhamento muito mais acoplado aos intentos do programa
de expansionista alemão nos anos de 1938-1945.47 Nem mesmo Herbert von Dirksen e Ulrich

46
O julgamento de Von Fritsch terminaria no dia 18 de março de 1938. Ao final, o general obteria absolvição
pelas acusações a ele imputadas. Em seu papel como antigo Comandante do Exército alemão, Fritsch sentiu na
obrigação de reaver sua honra, em uma cartada final. O historiador Shirer (2008) diz que “o general deposto, que
se recusara a levantar o dedo acusador para Himmler no tribunal, agora adotava um gesto final inócuo. Desafiou
o chefe da Gestapo para um duelo. O desafio, formulado de perfeito acordo com o velho código de honra militar
pelo próprio general Beck, foi entregue ao general von Rundstedt, como o oficial do exército mais antigo, para
transmiti-lo ao chefe das S.S. Mas faltou coragem a Rundstedt, que o deixou no bolso durante semanas e
terminou esquecendo-o.” Cf. SHIRER, William L. Op. cit., p. 472.
47
Apesar do seu afastamento, Neurath continuou com contatos com a liderança nazista sendo nomeado
posteriormente Reichsprotektor da Boêmia e Morávia durante o período posterior a ocupação da
Tchecoslováquia.
59

von Hassel, ambos diplomatas de renome, escaparam, sendo destituídos de seus cargos; o
primeiro sendo removido da embaixada alemã em Tóquio; e o segundo e retirado da
embaixada em Roma. William L. Shirer (2008) comenta as mudanças enérgicas do atípico
dia.

O 4 de fevereiro de 1938 assinala a mais importante reviravolta na história do


Terceiro Reich, um marco no caminho para a guerra. Naquela data, a revolução
nazista, pode-se dizer, foi completada. Os últimos conservadores que estavam no
caminho de Hitler, atrapalhando o curso que ele há muito determinara, uma vez que
a Alemanha estivesse suficiente armada, foram destituídos. Blomberg, Fritsch e
Neurath foram colocados nos postos por Hindenburg e pela velha escola dos
conservadores, para agir como freio dos excessos nazistas, mas na luta pelo controle
da política externa e econômica, e do poder militar da Alemanha, eles demonstraram
não ser competidores para Hitler. (SHIRER, 2008, p. 428)

Assim, essas transições de Comando realizadas na Wehrmacht foram essencialmente


positivas, sob a perspectiva dos líderes nacional-socialistas, para os novos direcionamentos da
política externa alemã. Sem Blomberg, Fritsch e Neurath, Hitler cuidaria de anexar a Áustria
para expansão do seu Reich. Agora com o Duce italiano ao seu lado, o chanceler alemão
poderia investir diplomaticamente contra Kurt Alois Josef Johann Edler von Schuschnigg,
Chanceler da Áustria. Também seria a oportunidade perfeita para lançar a cortina de fumaça
para soterrar o caso Blomberg-Fritsch definitivamente. Afinal, Hitler sabia que nem todos
generais tinham se dobrado ante o seu “carisma”.
A fim de sondar a posição de Schuschnigg, Hitler designou Alfred von Papen para
mediar as conversações em Berchtesgaden. Apesar da digna recepção que recebeu em sua
recepção no Ninho da Águia, no dia 12 de fevereiro de 1938, Schuschnigg provou
amargamente a semântica da radicalização nazista. Na manhã daquele dia, ouviu, de um
Hitler confuso e blefante, uma série de insultos e inverdades acerca do Áustria e de sua
relação com a Alemanha. Schuschnigg reafirmava o caráter do tratado realizado em 1936
entre Alemanha e Áustria. A reunião se alongou com Hitler insistindo em sua retórica
inflamada para intimidar o chanceler austríaco, finalizando o “diálogo” apenas quando o
meeting foi encerrado por ocasião do almoço.
Pela tarde, Schuschnigg que vinha acompanhado de Guido Schmidt – homem
responsável pela subscretaria do Exterior da Áustria – recebia um ultimatum assinado por
Hitler. O documento foi entregue por Joaquim von Ribbentrop juntamente com von Papen. Os
termos apresentados chocou os visitantes: era uma intimação direta para que os líderes
políticos da Áustria entregassem o poder aos nacional-socialistas austríacos, concedendo de
60

“mãos beijadas” a soberania da Áustria. Aquilo soava dissonante ante ao que Papen tinha
garantido em seu contato anterior com o Chanceler da Áustria.
Antes a fatídica tarde terminasse, Schuschnigg seria mais uma vez chamado a
presença de Hitler para ser pressionado, não sem antes ouvir ameaças acerca de uma possível
incursão militar contra o território austríaco pela Alemanha, e por fim, terminaria assinando o
documento, todavia informou a Hitler que, para fins legais e em última instância, o Presidente
da Áustria, Wilhelm Miklas, deveria assentir com o documento. Em linhas gerais, o
historiador Kershaw (2010) comenta que o ultimatum deveria:

[Por] fim a todas restrições à atividade nacional-socialista na Áustria, anistia para


todos os nazistas presos, nomeação de [Seyss Inquart] para o Ministério do Interior,
com controle sobre as forças de segurança, designação de outro simpatizante nazista,
Edmund Glaise-Horstenau (um ex-arquivista militar e historiador), para ministro da
Guerra, e medidas para começar a integração do sistema econômico, austríaco ao da
Alemanha. As exigências deveriam ser cumpridas até o dia 15 de fevereiro – prazo
determinado pelo importante discurso de Hitler sobre política externa marcado para
20 de fevereiro. (KERSHAW, 2010, p. 437)

Na sequência, em discurso no Reichstag, no dia 20 de fevereiro de 1938, Hitler


apelava pela unificação da Áustria e de seus “irmãos de raça” com a Alemanha. Na Áustria
Schuschnigg corria contra o tempo, depois de ter conversado com Miklas e Mussolini (que à
época era protetor da Áustria) para implementar um plebiscito junto à população. O plebiscito
deveria ocorrer no dia 13 de março de 1938. Hitler, que soubera da articulação do chanceler
austríaco e de uma possível tentativa de nomeação de Otto de Habsburgo na liderança da
Áustria.
Desse modo, em Berlim, alguns chefes militares eram chamados, entre os dias 9 e 10
de março, para se apresentarem na Chancelaria do Reich. O encontro surpreendeu homens
como homens como o comandante do Distrito Militar de Munique, o general Eugen Siegfried
Erich Ritter von Schobert; o general von Rathenau e o marechal-de-campo Herman Göring.
Para sintetizar a gravidade da situação, Hitler informara aos seus chefes miliares que decidira
por ocupar o território austríaco, isso não sem causar uma certa surpresa nos seus generais.
(FEST, 2006) Hitler levou ao conhecimento deles que o Caso Otto, codinome para operação
de anexação da Áustria fosse posto em curso.
Um fato curioso sobre esse episódio da história alemã, foi que o general Beck tomou
conhecimento pelo general Keitel de que a operação deveria ser executada e este, reagira
objetando apenas que não havia nenhum planejamento do Estado-Maior Geral nesse sentido.
61

O informe que seguia para estes homens era que o exército alemão devia agir o mais rápido
possível. Logo, o responsável pelo planejamento das ordens a nível geral serem emitidas para
unidades da Luftwaffe e três corpos do exército seriam esboçadas pelo general Eric von
Manstein. Similarmente, Hitler, que assumiria pessoalmente o OKW, controlaria o fluxo da
operação/invasão que estaria fixada para março de 1938. (KERSHAW, 2010) Pode-se dizer
que o Führer alemão não tomaria a iniciativa antes de informar a Benito Mussolini seus
passos diplomáticos e intenções na questão austríaca. Joachim Fest (2006) comenta que:

De início, Mussolini pareceu ser o único em quem o ataque a Viena poderia


despertar velhas alergias e causar uma aproximação com os ingleses. Em
consequência, na tarde de 10 de março, Hitler enviou o Príncipe Philippe de Hesse a
Roma com uma carta manuscrita em que tratava da conjuração austríaca contra o
Reich, da repressão de uma maioria animada de espírito nacionalista e de uma
guerra civil. Sendo “filho da terra austríaca”, não quis continuar assistindo a tudo
sem agir, continuou, e decidiu restabelecer a lei e a ordem em seu país natal: “O
senhor não agiria de outro modo, Excelência, se o destino da Itália estivesse em
jogo.” Garantiu a Mussolini sua fiel amizade e jurou [...] que jamais tocaria na
fronteira de Brenner. (FEST, 2006, pp. 633-634)

É impressionante o quanto Hitler impingia meias verdades na carta enviada. Não é


segredo que o governo de Miklas-Schuschnigg era notoriamente uma mimese do fascismo
italiano, mas as considerações do chanceler alemão sobre uma iminente guerra civil na
Áustria não passavam de uma confabulação exacerbada. O fato é que uma incorporação do
território austríaco ao Terceiro Reich era condição sine qua non com fator de adição de
recursos humanos e econômicos para o conflito que viria em 1939.
O que teria começado com uma ideia de coesão da união monetária a pedido de
Herman Göring quando assumira a pasta da economia, acabou por ser tornar, conforme
salienta Kershaw (2010), no “solapamento do Estado austríaco por dentro mediante uma
combinação de infiltração e agitação, apoiada pela intimidação alemã, a tática de pressão, em
vez da conquista armada, [...].” (KERSHAW, 2010, p. 439). Göring agiu na condução forçada
dos acordos com a Chancelaria em Viena. Schuschnigg não suportou. Temendo uma guerra
civil ou mesmo uma incursão alemã, às 15 horas e 30 minutos, Schuschnigg recusa seu cargo,
era tarde do dia 11 de março de 1938. Seu último pronunciamento ao povo austríaco é emitido
à noite pelo rádio.
Todavia, na noite do dia 11 de março de 1938, Hitler ordenava que a Wehrmacht se
deslocasse para o interior da Áustria, era 8h45. Nem mesmo o reticente Miklas resistiu antes
os informes. A meia noite, marcava-se o ponto de virada na história austríaca, dado o
consentimento de Miklas frente ao ultimatum deliberado em Berchtesgaden. O Presidente
62

austríaco tornava Seyss Inquart Chanceler da Áustria. A verdade era que Seyss se tornaria
mais uma marionete da Chancelaria em Berlim. No dia 13 de março de 1938, Adolf Hitler,
Führer da Alemanha, entrava na Áustria. O historiador Ian Kershaw (2010), biógrafo do
Chanceler da Alemanha, narra o momento de sua chegada em Linz, na Alta Áustria.

Seus guarda-costas abriram caminho em meio à multidão para que ele pudesse
chegar a pé à prefeitura. Sinos repicaram; a multidão extasiada gritava “Heil”; Seß-
Inquart mal conseguia se fazer ouvir em suas palavras introdutórias. Hitler parecia
profundamente comovido. Lágrimas escorreram por seu rosto. Em seu discurso, da
sacada da prefeitura de Linz, disse às massas, que o interrompiam constantemente
com aclamações arrebatadas, que a Providência o havia escolhido para devolver sua
terra natal ao Reich alemão. Eles eram testemunha agora de que ele cumprira sua
missão. (KERSHAW, 2010, p. 444)

Com esse cenário adverso, Miklas capitula. Bruscamente, o destino da Áustria e da


Alemanha seriam forçadamente entrelaçados. O arranjo definitivo para o Anschluss seria
obtido por Wilhelm Stuckart, homem do Ministério do Interior alemão que em consonância
com o Ministro da Justiça, Wilhelm Frick, elaboraria a Lei para Reunião da Áustria com o
Reich Alemão, e não apenas isso, “imediatamente, o Exército austríaco jurou obediência a
Hitler.” (KERSHAW, 2010, p. 445.) A 14 de março, Adolf Hitler dirigiu-se a multidão de
aproximadamente 250 mil ouvintes que se ajuntavam na Heldenplatz. Imerso em uma nova
conjuntura política, Hitler assina a Lei que tornaria a Áustria província do Terceiro Reich, e
isso, sem derramamento de sangue e com a imobilidade das democracias ocidentais –
Inglaterra e França.

4.1 Unentschlossenheit

Na política externa da Alemanha, “os métodos – que o Exército, o Ministério do


Exterior e outros viam com desconfiança – eram hitleristas.” (KERSHAW, 2008, p. 448).
Como sabemos, desde a reunião do dia 5 de novembro de 1937, Hitler tinha dado e
antecipado para os principais comandantes militares da Alemanha sua posição quando ao
destino da Tchecoslováquia. Os olhos de Hitler voltaram-se para a região dos Sudetos, onde
uma minoria alemã de um pouco mais de 3 milhões de Sudetos seriam parte do álibi para uma
63

nova anexação territorial que seria reivindicada através do chamado Fall Grün – Caso Verde
– operação destinada a incorporação do território da Tchecoslováquia.
Na realidade, o território da Tchecoslováquia não apenas serviria para expansão do
espaço vital alemão, mas, assim como a Áustria, traria para o Reich uma somatória de
recursos indispensáveis no campo bélico, a despeito que até mesmo homens como Göring
receassem com alguma reação por parte da Inglaterra e França caso alguma hostil na
diplomacia alemã fosse tomada. Ele não foi o único. Foi essa sombra de incerteza quando ao
destino da Alemanha que começou a preocupar, em especial, homens como o almirante
Wilhelm Canaris, emblemático chefe da Inteligência Militar Alemã e os generais Beck e
Halder.
Na nova conjuntura política que se desenrolava, destacava-se o Ministro do Exterior –
Joachim von Ribbentrop – homem que acreditava ser este o um momento mais oportuno para
apoiar Hitler em uma agressão contra a Tchecoslováquia, já que tivera seu papel ofuscado por
Herman Göring no período da crise austríaca. Contudo, o historiador Ian Kershaw (20100
comenta que “apesar de toda a influência de Ribbentrop, não há dúvida de que a crise que
levou a Europa à beira da guerra no verão de 1938 foi instigada e dirigida pelo próprio
Hitler.” (KERSHAW, 2010, pp. 450-452)
Agora chegara a vez da Tchecoslováquia. Hitler acreditava mais uma vez que as
potências da Europa Ocidental nada fariam. Os franceses estavam muito preocupados com
seus problemas internos ante a renúncia de seu primeiro-ministro, Camille Chautemps. Já os
ingleses apostaram alto nas conclusões amistosas de Chamberlain (primeiro-ministro) que
lutava por uma melhoria nas relações da Inglaterra com a Alemanha. Ambos países
empalideceram diante da crise austríaca e não ousaram em usar a força militar contra as ações
alemãs. Além disso, Hitler estava convicto de que “os recalcitrantes generais alemães, depois
do êxito do Anschluss [...] não mais se oporiam ao seu caminho. Se tivesse quaisquer dúvidas
a respeito, elas foram sanadas pelo desenlace do assunto Fritsch.” (SHIRER, 2008, p. 471)
Próximo do final do mês de março, Hitler, Rudolf Hess, Joachim Ribbentrop e Konrad
Henlein – líder do Partido Sudeto Alemão (uma versão mimetizada do NSDAP), seriam os
precursores de uma crise que atingiria profundamente o governo de Edvard Beneš, líder da
Tchecoslováquia. Henlein seria o “Seyss Inquart tcheco” que minaria um “acordo” entre
Hitler e Beneš.

Para acertá-lo Henlei partiu velozmente para Berlim, uma quinzena depois da
anexação da Áustria e, a 28 de março, conferenciara a portas fechadas com Hitler,
por três horas, estando presentes também Ribbentrop e Hess. As instruções de
64

Hitler, como revela um memorando do Ministério do Exterior, diziam que “o Partido


Sudeto devia fazer exigências inaceitáveis ao governo tcheco”. Eis como o próprio
Henlein resumiu os pontos de vista do Führer: “Devemos continuar exigindo tanto,
de modo a que jamais possamos ser atendidos.” Dessa forma, a situação da minoria
alemã na Tchecoslováquia era simplesmente um pretexto, como Dantzig seria um
ano mais tarde em relação à Polônia, para Hitler semear a discórdia na terra
cobiçada, miná-la, confundindo e desorientando seus amigos e encobrindo os
verdadeiros propósitos. (SHIRER, 2008, p. 477)

É inegável que a crescente liderança de Hitler nos assuntos relacionados à política


externa alemã surtira efeitos no francês Édouard Daladier e no inglês Neville Chamberlain.
Ambos, “pareciam acreditar sinceramente, como a maioria da opinião mundial, que tudo que
Hitler desejava era justiça para seus conterrâneos na Tchecoslováquia.” (SHIRER, 2008, p.
477.) Esse foi um dos fatores preponderantemente importantes para que Hitler obtivesse no
exterior um certo espaço de manobra durante o mês de maio de 1938.

A posição internacional cada vez mais periclitante da Tchecoslováquia foi ainda


agravada pela fragilidade interna do país, o que terminou por muito a ajudar Hitler.
O governo tcheco estava diante de uma situação impossível, não somente pelo
clamor dos alemães dos Sudetos, mas pelos projetos de autonomia dos eslovacos.
Enfraquecida por dentro e por fora, a única democracia sobrevivente dos acordos do
pós-guerra estava prestes a ser abandona por seus “amigos” e devorada por seus
inimigos. (KERSHAW, 2010, p. 456)

Apesar dos esforços diplomáticos a crise só se agravava. No dia 20 de maio de 1938,


setores da inteligência tcheca e inglesa relatavam a seus respectivos governos a concentração
de tropas alemãs na região de fronteira. Os alemães negavam. O clima entre ambos países não
era dos melhores, “tiroteios ocorreram nos Sudetos. E durante todo o mês de maio a guerra de
propaganda do dr. Goebbels – fabricando relatos incríveis do “terro tcheco” contra os Sudetos
alemães – tinha se intensificado.” (SHIRER, 2008, p. 482). Assim, a possibilidade de uma
agressão por parte da Alemanha contra a Tchecoslováquia foi seguida de uma série de
medidas que levaram o governo em Praga a emitir o sinal de mobilização de uma parcela
significativa de seu efetivo militar – aproximadamente de 180 mil homens foram postos em
alerta.
A mobilização tcheca, embora parcial, deixou Hitler furioso; e sua fúria não foi
aplacada pelos despachos do Ministério do Exterior em Berlim, a ele chegados em
Obersalzberg, informando das constantes notas dos embaixadores britânico e
francês, prevenindo que a agressão alemã contra a Tchecoslováquia significaria a
guerra europeia. (SHIRER, 2008, p. 482)

Contundo, se havia um certo temor por parte da Inglaterra, França e da


Tchecoslováquia que, nas horas que sucederam este dia frenético, haveria a possibilidade de
guerra, a Inglaterra não dava sinais claros a Hitler de que se envolveria neste conflito, mas
65

mesmo assim os riscos de uma guerra localizada. Porém no dia 23 de maio uma nova
reviravolta: o Führer alemão sabia que seus passos eram, agora, demasiadamente arriscados e
precisava agir com cautela caso não quisesse provocar um conflito. Precisava que as nações
confiassem em suas nobres intenções com a região dos Sudetos.
Hitler advertiu o Ministério do Exterior para emitir considerações ao embaixador
tcheco em Berlim de que não existia nenhuma postura hostil do governo alemão contra a
Tchecoslováquia e muito menos alguma concentração de unidades militares alemães na
fronteira. As potências ocidentais, inclusive o governo moscovita, descansaram achando que
desta vez as reivindicações alemãs cessariam, muito embora, aquilo fosse um simulacro
discursivo. “Mas Hitler ficou ultrajado com a perda de prestígio da Alemanha.” (KERSHAW,
2010, p. 459). O Führer alemão tinha dado um passo atrás, em vista da mobilização das
forças armadas da Tchecoslováquia, contudo, ele estava longe de deixar de lado a questão dos
Sudetos alemães.
Ante o recuo na questão tcheca, Hitler optou por convocar no dia 28 de maio de 1938
a cúpula da Wehrmacht. Assim, os comandantes das três forças – Marinha, Exército e
Aeronáutica – fizeram-se presentes. Hitler deixava claro para os presentes que eles deveriam
providenciar os planos para uma ação decisiva contra a Tchecoslováquia. Na nova
modificação implementada para o Caso Verde, Hitler deixava clara suas intenções bélicas.
Joaquim Fest (2006) explana a retórica ofensiva utilizada no meeting por Hitler.

Em tom de exasperação manifesta, diante de um mapa, expôs sua idéia de acabar


com a Tchecoslováquia; e se a antiga diretriz militar para a Operação Verde
começava pela frase: “Não é minha intenção esmagar a Tchecoslováquia por uma
ação militar num futuro imediato sem que haja uma provocação,” em sua nova
forma ele dizia: “É minha decisão irreversível arrasar a Tchecoslováquia pelas armas
num futuro imediato.” (FEST, 2006, p. 640)

Os pormenores da reunião foram suficientemente claros para os presentes,


notadamente para o Chefe do Estado-Maior Geral, que ficara profundamente chocado com a
decisão de Hitler. Foi nesse cenário que “a oposição aos grandiosos planos de agressão do
Führer foi encabeçada pelo general Ludwig von Beck, [...] que daí por diante assumiria a
liderança de tal resistência, do Estado-maior geral, [...].” (SHIRER, 2008, p. 485).
Certamente, esse dia marcaria o ponto de inflexão na carreira de Beck como ferrenho e
declarado opositor de Hitler e do NSDAP.
É inegável que o general tenha participado do processo de reabilitação do exército
alemão, no entanto, Beck previra que a Alemanha se encaminharia para uma guerra caso
66

Hitler continuasse testando os limites da Inglaterra, França e até mesmo da União Soviética.
Uma coisa era a volta da conscrição e o enfrentamento as duras cláusulas que os vencedores
impuseram em Versalhes, mas levar adiante o Caso Verde, era por demais surreal para Beck e
outros generais – seria o passo final para a conflagração de uma nova guerra na Europa para
qual a Alemanha não estava preparada. Joaquim Fest (2006) nos diz que o “chefe do Estado-
Maior do Exército, mais do que qualquer outro, tentou impedir os projetos belicistas de
Hitler.” (FEST, 2006, p. 648)
Os alertas de Beck constavam nos memorandos enviados, desde o dia 21 de abril de
1938, para o Comandante do Exército Alemão, o general von Brauchitsch. Para Beck, uma
ação alemã contra o estado tcheco provocaria uma reação massiva por parte da União
Soviética, Inglaterra e Rússia, assomando ao fato de uma iminente e soberba ajuda logística
dos Estados Unidos para estes países. O historiador militar Barry Leach (1975) considera que:

Para fazer tal afirmação Beck tinha se baseado nos relatórios dos Adidos Militares
Alemães, especialmente os do General Barão Gery von Schweppenburg e do seu
sucessor em Londres, Coronel Freiherr von Bechtolscheim. Os Adidos Militares
eram oficiais do Estado-Maior Geral escolhidos por apresentarem qualidades de
tato, sociabilidade e competência militar. (LEACH, 1975, p. 61)

A apreensão de Beck retornava para a memória traumática dos alemães que tinham
vivido um conflito em duas frentes e estava às portas de uma nova guerra. Agora, a reunião no
final de maio causara uma profunda ressonância no íntimo de Beck, e com a data da
preparação para execução do Caso Verde marcada com data limite para o dia 1 de outubro.
Beck decidiu agir, pois “a partir dessa data, Hitler estaria decidido ‘a explorar todas as
oportunidades políticas favoráveis’ a fim de alcançar seu objetivo. Era uma decisão pela
guerra – se preciso fosse, mesmo contra as potências ocidentais.” (KERSHAW, 2010, p. 459)
Dias depois, Beck sabendo o que precisava ser feito, emitiria mais memorandos
tecendo duras críticas ao Caso Verde e admoestando e prevendo, para o Comandante do
Exército, um cenário sombrio para a Alemanha. Enquanto isso, em uma nova Diretiva emitida
para a Wehrmacht entre os dias 18 de junho e 7 de julho de 1938, Hitler transmitia uma série
de orientações que aludiam que apenas utilizaria força militar contra a Tchecoslováquia caso
estivesse plenamente convencido de que a França e a Inglaterra não intervissem, mas, de igual
modo, considerava a possibilidade de retaliação contra estes países caso isto acontecesse.
Nesse meio tempo, Beck percebera, que seus memorandos entregues ao Comandante
do Exército não chegavam a Hitler. A insatisfação de Beck levou-o a escrever um último
memorando. Evocando sua consciência, o Chefe do Estado-Maior do Exército alemão
67

advertia Hitler a não agir com a força das armas na questão dos Sudetos. William L. Shirer
(2008) declara:

Beck levou seu memorando pessoalmente a Brauchitsch, argumentando,


verbalmente, com novas propostas para unificar a ação de parte dos generais do
exército, caso Hitler se mostrasse recalcitrante. Especificamente, propôs que, nessa
hipótese, todos os generais resignassem imediatamente. E pela primeira vez no
Terceiro Reich levantou-se uma questão que mais tarde voltaria assiduamente aos
julgamentos de Nuremberg: deveria um oficial obediência a alguém mais que ao
Führer? Em Nuremberg dezenas de oficiais desculpavam-se de seus crimes de
guerra, respondendo negativamente. Tinham obedecido ordens, diziam. Mas Beck, a
16 de julho, defendeu uma opinião diferente, [...]. Havia limites, afirmou, no
juramento de fidelidade de alguém ao supremo comandante, quando a consciência, o
conhecimento e a responsabilidade proibiam de cumprir uma ordem. (SHIRER,
2008, p. 489)

A estratégia de Beck era clara: todos os generais deveriam resistir as tratativas bélicas
de Hitler, deixando seus cargos. Assim, se tornaria inviável para Hitler comandar sozinho a
máquina de guerra alemã.

Não somente, insistia, deviam os generais ir à greve para que Hitler iniciasse uma
guerra, mas também ajudar a aniquilar o Terceiro Reich. [...] Um Estado e sua
sociedade dirigidos pela lei deviam ser restaurados. Beck resumiu seu programa de
reformas: “Pelo Führer, contra a guerra, contra a direção dos chefes, paz com a
Igreja, liberdade de expressão para a opinião, e fim ao terror da Tchecoslováquia;
[...]”. (SHIRER, 2008, p. 489)

É impressionante a postura do general diante de um Estado em que o espectro da


Gestapo ameaçava a todos que se opusessem ao nacional-socialismo. Todavia, Beck não
retroagiu. No dia 4 de agosto 1938 decidira se encontrar com os mais antigos generais do
quadro de oficiais do Exército Alemão, onde ele levaria ao conhecimento destes homens seu
último memorando. “A insistência de Beck, pareceu, enfim, convencer Brauchitsch, que
presidiu uma reunião de generais; [...].” (FEST, 2006, p. 649).
No encontro, após as exposições feitas por alguns generais – momento em que a
grande maioria dos presentes levantaram considerações com base num relatório preocupante
acerca de um cenário de litigioso – a reação dos presentes era uníssona: era evidente a
incapacidade da Alemanha de vencer uma guerra em duas frentes, mas logo, o general Ernst
Bernhard Wilhelm Busch e o general Walter Karl Ernst August von Reichenau (um oficial
totalmente comprometido com o regime nazista) apresentaram objeções ao intento de Beck.
Busch questionava a interferência de generais em assuntos políticos, cabendo aos militares
apenas questões pertinentes ao seu dever enquanto profissionais; e Reichenau, “falando ‘a
68

partir de seu conhecimento pessoal do Führer’, advertiu contra a ideia de generais se


aproximarem individualmente de Hitler com tal argumento; [...].” (KERSHAW, 2010, p. 461)
Semelhantemente, os generais von Rundstedt e Erich von Manstein, que se faziam
presentes na ocasião, aconselhavam prudência a Beck. Teriam eles medo da Gestapo; de
perderem seus postos ou acreditavam que seus esforços seriam em vão? Por fim, o meeting
terminara sem progresso, mas não sem que o inanimado Comandante do Exército enviasse o
memorando de Beck a Hitler por intermédio de seu ajudante de ordens. Ao saber do conteúdo
do memorando, Hitler insurgiu-se com indisfarçável indignação. Kershaw (2010) comenta.

Hitler reagiu com uma medida heterodoxa: convocou para uma reunião no Berghof
em 10 de agosto não a liderança militar, mas um seleto grupo de oficiais seniores de
segundo escalão, aqueles que poderiam esperar uma promoção rápida caso houvesse
um conflito armado. Evidentemente, esperava obter influência sobre os chefes
militares por intermédio de seus subordinados. Mas ficou desapontado. Sua arenga,
que durou várias horas, não conseguiu convencer a plateia – que conhecia bem o
conteúdo do memorando de julho de Beck. A crise de confiança entre Hitler e o alto
escalão do Exército havia atingido um grau sério. Ao mesmo tempo, os oficiais
reunidos estavam divididos entre si, alguns dos quais assumindo uma posição cada
vez mais crítica a Beck. (KERSHAW, 2010, p. 461)

Em Obersalzberg, no interior do Berghof, foi o oficial mais antigo entre os presentes –


o general Gustav Anton von Wietersheim, Chefe do Estado-Maior do exército do Ocidente
(criado para fazer frente a um possível ataque das potências ocidentais contra o território
alemão em um crível cenário de guerra caso o Caso Verde fosse posto em curso) – que ousou
confrontar Hitler afirmando que em caso de um ataque contra a Tchecoslováquia, as poucas
divisões alemãs postas na frente ocidental seriam aniquiladas em face a um ataque do exército
britânico e francês. Mesmo com as considerações do general Wietersheim, Hitler mantinha-se
irredutível. “Como disse Manstein perante o tribunal de Nuremberg em 1946, essa foi a
última reunião em que Hitler permitiu qualquer dúvida ou discussão por parte dos militares.”
(SHIRER, 2008, p. 491)
Dias após o infausto encontro, Hitler solicitou a presença dos principais comandantes
militares da Wehrmacht em Jüterbog, durante uma solenidade militar, onde informou-os mais
uma vez de sua decisão de agir contra a Tchecoslováquia. O líder alemão estava inflexível.
Nesse cenário desanimador, Beck apelou, em um último ato, tentando convencer o
Comandante do Exército de seu dever perante a História. Seu esforço é inócuo. Dada a
fraqueza de Brauchitsch e de tantos outros oficiais generais, em 18 de agosto de 1938, Beck
renuncia seu posto como Chefe do Estado-Maior Geral.
69

Ao mesmo tampo em que vibrara com a saída de seu ferrenho opositor, Hitler cuidara
de que a saída do general não fosse noticiada na imprensa alemã, certo de que não houvesse
especulações internacionais sobre divergências dentro da cúpula do exército alemão. No lugar
do antigo general, Hitler nomeou o general Franz Halder, homem que vinha da linhagem de
antigos militares da região da Bavária. Halder tinha sido indicado por Beck, antes de sua saída
do Estado-Maior, “[...] Beck recomendou-o a Brauchitsch como seu sucessor, pois estava
convencido de que Halder compartilhava de suas opiniões.” (SHIRER, 2008, p. 493). Beck
estava certo? Teria Halder culhões para conduzir uma conspiração contra o Führer da
Alemanha?

4.1.1 Antes que uma guerra aconteça

Depois de mais de quatro anos de governo do N.S.D.A.P, ficara claro, particularmente


para os integrantes do Estado-Maior Geral do Exército alemão quais eram de fato os planos de
Hitler não apenas para Alemanha, mas para a Europa. Com a saída do general Beck e a
consequente chegada do general Franz Halder, marcava-se o período paradoxal para alguns
oficiais alemães: deveriam generais alemães quebrarem o juramento de fidelidade ao Führer e
levar as últimas consequências um ato contra as principais lideranças do nacional-socialismo?
Se os militares hesitavam, esta não era uma questão que assolava o coração de Carl
Friedrich Goerdeler, prefeito de Leipzig. Goerdeler seria um dos maiores opositores civis na
Alemanha, um dos principais elementos civis numa conspiração para destituir Adolf Hitler do
poder. Logo, Shirer (2008) nos apresenta um dos maiores arquirrivais chanceler alemão.

Conservador e monarquista de coração, protestante devoto, capaz, enérgico e


inteligente, mas também discreto e teimoso, rompeu com os nazistas em 1936 por
causa do anti-semitismo e do rearmamento febril; demitindo-se de ambos os cargos,
dedicou-se de corpo e alma à luta de oposição a Hitler. Um de seus primeiros passos
foi viajar para França, Inglaterra e Estados Unidos em 1937, para, prudentemente,
preveni-los do perigo da Alemanha nazista. (SHIRER, 2008, p. 494)

Depressa, homens como Goerdeler viriam a integrar o corpo de membros do


Mittwochsgesellschaft, conhecido como Clube da Quarta-Feira. O Mittwochsgesellschaft foi
um círculo composto, incialmente, por 16 intelectuais “que se reuniam semanalmente para
70

discutir filosofia, história, arte, ciência e literatura e que, à medida que o tempo passava – ou
se esgotava –, se constituiu num dos centros da oposição.” (SHIRER, 2008, p. 494)
Com o passar do tempo, Goedeller buscou uma aproximação do
Mittwochsgesellschaft com antinazistas dentro da Wehrmacht.48 Para isso, ele tentou
estabelecer ligações com o general von Hammerstein (antigo Comandante do Exército) para
que o general influenciasse oficiais generais dentro do Exército que poderiam destituir Hitler
do poder. Com demasiada cautela, era preciso aumentar a rede da resistência. Similarmente,
Rabian von Schlabrendorff vinha, há muito, mantendo ligações com o coronel Hans Oster,
ajudante de ordens do almirante Wilhelm Franz Canaris (Chefe da Inteligência Militar –
Abwehr).
O centro de resistência considerou seriamente que apenas com o apoio moral, suporte
material e logístico do Exército é que um levante contra o regime nazista obteria êxito, e por
fim, antes que uma ação contra a liderança do NSDAP fosse executada, Berlim deveria estar
sob o comando de um comando de área que fizesse parte da conspiração. Esse era o grande
entrave para Mittwochsgesellschaft: eles teriam que contar com homens em lugares
estratégicos e, neste caso, dois dos oficiais generais antinazistas Hammerstein e Beck estavam
fora de postos chave no Exército. Até mesmo o novo chefe do Estado-Maior Geral, o general
Franz Halder – que estava ciente da conspiração – não tinha o comando das forças militares.
(LEACH, 2001)
Vale salientar que os conspiradores não confiavam de todo no comandante do Exército
para participação direta no complot contra o regime nazista, a não ser que todas as peças
estivessem arranjadas numa última hora, todavia, para sorte deles, através de contatos com os
militares antinazistas, o círculo de conspiradores logo pode descobrir que poriam contar com
o apoio do general conde Erich von Brockdorff-Ahlefeld, que tinha sob seu comando
unidades blindadas da guarnição de Potsdam; e também com o suporte do general Erwin von
Witzleben – comandante do Distrito Militar de Berlim, o III Wehrkreis – setor que
compreendia a capital do Reich e suas imediações. Assim, para prosseguimento do plano, o

48
Obviamente que Goerdeler não estava só. Ao seu lado estavam homens como o conde Helmuth von Molke; o
conde Albrecht Bernstorff; Julius Leber, Wilhelm Leuschner e Jakob Kaiser, líderes sindicais; Hjalmar Horace
Greeley Schacht e Johannes Popitz, um renomado economista (ambos receberam condecorações notáveis por
seus feitos na economia alemã durante os primeiros anos do governo de Hitler); Karl Ludwig Freiherr von und
zu Guttenber; Bernd Gisevius e Arthur Nebe; Ulrich von Hassell, destacado diplomata alemão; Ewald von
Kleist; Rabian von Schlabrendorff; Dietrich Bonhöeffer, e o general Beck. Joaquim Fest (2006) considera que
“agora se juntavam pela primeira vez homens de todas as procedências políticas, [...].” Cf. FEST, Joaquim. Op.
cit., 2006, p. 646.
71

general Franz Halder admitiu aos conspiradores que emitiria um alerta de ação tão logo
recebesse o aviso de ataque a Tchecoslováquia por parte do Alto Comando da Wehrmacht.

O plano dos conspiradores, que continuava evoluindo no fim de agosto, era prender
Hitler assim que consumasse a ordem de ataque à Tchecoslováquia e arrastá-lo
perante um de seus próprios Tribunais do Povo, sob a acusação de que procurara
temerariamente atirar a Alemanha numa guerra europeia e que, por conseguinte, não
estava mais em condição de governar. Entrementes, num prazo curto haveria uma
ditadura militar, a que se seguiria um governo provisório presidido por algum
eminente civil. E no devido tempo seria formado um governo democrático
conservador. (SHIRER, 2008, p. 497)

Enquanto o círculo Mittwochsgesellschaft e a ala de militares conspiracionistas


intentavam desencadear um duro golpe no governo nacional-socialista, Hitler compartilhava,
em fins de agosto, sua posição quanto a uma futura incursão contra o estado tcheco. O líder
alemão esperava só a melhor oportunidade para agir e isto dependia do posicionamento dos
diplomatas das potências ocidentais. Nesse contexto, quanto as decisões que imanavam em
meetings da cúpula do NSDAP em Obersalzberg, no Berghof, Ian Kershaw (2010) assevera
que “as pessoas comuns [...] não tinham a menor ideia do plano de agressão. As semanas de
propaganda contra os tchecos, [...] haviam dado a impressão de que a questão tinha a ver com
a perseguição desprezível da minoria alemã, [...].” (KERSHAW, 2010, p. 463)
Mas isto não era um excludente para que significativa parte dos alemães deixassem de
notar a tensão que resultaria de um provável desentendimento entre Alemanha e as potências
ocidentais. Em fins de julho de 1938, sondando a posição de Moscou, o embaixador alemão
Friedrich-Werner von der Schulenburg “avisava Berlim de que a União Soviética
‘dificilmente viria em socorro de um estado burguês, isto é, a Tchecoslováquia.” (SHIRER,
2008, p. 498). No lado ocidental da Europa, durante os meses de julho e agosto, o governo
britânico emitia notificações ao seu embaixador em Berlim de que apoiava um plebiscito tal
qual foi realizado na Áustria.
Dessa vez, o plebiscito deveria finalmente colocar a questão dos Sudetos em pauta e
para isso, Londres enviara Walter Runciman para negociar com o governo tcheco, em uma
clara manifestação de que o governo britânico queria colocar um ponto final na crise entre
alemães e tchecos. Nessa ocasião, Hitler procurava não apenas tirar proveito da posição da
diplomacia anglo-francesa, mas também procurava garantir a neutralidade e até mesmo apoio
de nações circunvizinhas ao território tcheco. Logo, ele manteve negociações com o
Ministério do Exterior da Polônia, na pessoa do coronel Józef Beck; e do estadista/almirante
72

húngaro, Miklós Horthy de Nagybánya. Para Hitler, era imperativo que estes estados dessem
garantias de que nada fariam para não acirrar a crise internacional.
Similarmente, a 30 de agosto, o gabinete britânico coagia o governo do presidente
Edvard Beneš: “ou aceitavam o programa de Henlein para dar autonomia aos alemães dos
Sudetos dentro do Estado tchecoslovaco, [...] ou estariam perdidos. Em 5 de setembro, o
Presidente Edvard Beneš , [...] cedeu à pressão.” (KERSHAW, 2010, p. 464). Precisamente
no dia 5 de setembro, Edvard Beneš reuniu-se com as principais lideranças dos Sudetos
deixando claro que estes tinham sido atendidos em suas reivindicações, mas isto era o
contrário das aspirações de Hitler e de Henlein que precisavam de um pretexto para provocar
uma incursão e consequente anexação de todo território da Tchecoslováquia e não apenas dos
Sudetos. “A 7 de setembro, Henlein, por instruções da Alemanha, rompeu todas as
negociações com o governo tcheco. Dera a desculpa esfarrapada de uma alegada violência da
polícia tcheca em Moracská Ostrava.” (SHIRER, 2008, p. 507)
Durante a crise, a Wehrmacht seguia com seus preparativos para a data limite
estabelecida por Hitler – 01 de outubro de 1938, o afamado Dia X. Precisamente no início de
setembro, o chanceler alemão reuniu mais uma vez a liderança do Alto Comando da
Werhmacht – primeiro no dia 3, no Berghof; e, logo depois, na cidade de Nuremberg, no
transcurso da noite do dia 9 para 10 de setembro de 1938, onde se encontravam Keitel,
Brauchitsch e Franz Halder. Na reunião, com exceção de Keitel, os generais deixaram suas
impressões acerca do Caso Verde.
Os pormenores da discussão de Hitler com os generais do Exército foram narrados no
diário do general Alfred Josef Ferdinand Jodl, Chefe do Estado-Maior da Wehrmacht, diário
apresentado como prova para as condenações deste general em Nuremberg, anos depois. Nele,
Jodl [embebido pela ideologia nacional-socialista] exprimia sua insatisfação com esses
homens que eram arrogantes, vacilantes e incapazes de ver o talento político e reconhecer a
liderança de Hitler. Ainda, foi Jold que recebeu do general von Stülpnagel (integrante do
Estado-Maior do Exército e envolvido até o pescoço com os conspiradores) uma solicitação
para que Alto Comando da Wehrmacht emitisse um aviso para dar ciência [com horas de
antecedência] ao Exército sobre a mobilização, reforçando as solicitações anteriores de
Halder, algo natural dada as circunstâncias operacionais, mas que ocultava a evidência de que
Halder e Stülpnagel precisavam da informação para alertar os conspiradores.
Agora, faltava um último acerto para os conjurados: garantias de que “Inglaterra e a
França iriam à guerra contra a Alemanha, caso Hitler cumprisse sua resolução de atacar a
Tchecoslováquia.” (SHIRER, 2008, p. 503) Desde o dia 18 de agosto, os conspiradores já
73

tinham enviado Ewald von Kleist a Londres que foi recebido por Sir Robert Vansittart e,
depois, por Winston Churchill.49 Kleist informou a estes homens da data provável de um
ataque da Alemanha contra a Tchecoslováquia e que alguns generais do Exército alemão
estavam dispostos a agirem contra Hitler, no entanto, dependiam das garantias da Inglaterra
no sentido de que o governo britânico cessasse com sua política “apaziguadora” com a
Alemanha.50
No entanto, Fest (2006) comenta que ainda que informações sobre as verdadeiras
intenções de Hitler chegassem à Londres e Paris, os gabinetes não estavam nenhum pouco
abertos a darem ouvidos a um grupo de conspiradores que poderiam abrir caminho para um
futuro governo de a la bolchevique, conforme apontava o general francês Gamelin.

Isto causara consternação no campo dos conspiradores. Contavam com o retorno de


Hitler, do congresso do partido em Nuremberg, no dia 14 e, segundo Kordt,
planejavam realizar o Putsch nesse dia ou no dia seguinte. Mas o Führer não
regressou à capital. Em vez disso, foi para Munique e no dia 14 prosseguiu para
Berchtesgaden, onde esperava a visita do primeiro ministro inglês no dia posterior.
Havia sólidos fundamentos para o sentimento de completa frustação entre os
conspiradores. (SHIRER, 2008, p. 536)

O plano dos conspiradores só poderia funcionar com a iminente presença de Adolf


Hitler em Berlim. Em 15 de setembro, Chamberlain viaja a Berchtesgaden, para se encontrar
com Hitler. William L. Shirer (2008) informa-nos que os homens envolvidos na trama, a esse

49
Em Churchill – a life [Churchill – uma vida], o historiador britânico Martin Gilbert49 (2016) narra o episódio
envolvendo Kleist e Chruchil relatando que “em 19 de agosto, Churchill recebeu em Chartwell um oficial do
exército alemão, o major Ewald von Kleist, que fazia parte de um grupo de oficiais antinazistas que se opunham
a um ataque alemão à Tchecoslováquia. Von Kleist pediu a Churchill uma carta que pudesse mostrar aos seus
companheiros. “Tenho certeza de que a travessia da fronteira da Tchecoslováquia pelo exército ou pela aviação,
em força, significará a possibilidade de uma guerra mundial”, escreveu Churchill. “Tenho tanta certeza quanto
tive no final de julho de 1914 de que a Grã-Bretanha marcharia ao lado da França, e agora é certo que os Estados
Unidos são fortemente antinazistas. Essa guerra, se começar, conduzirá, como a última, a um final muito
amargo, e não devemos considerar o que suceder nos primeiros meses, mas onde estaremos no final do terceiro
ou quarto ano.” Ver GILBERT, Martin. Churchill: uma vida, volume 2 / Martin Gilbert; tradução de Vernáculo
Gabinete de tradução. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2016, p. 59.
50
Em posse de uma carta com as considerações de Churchill a respeito do futuro caótico da Europa, Ewald von
Kleist retornou para a Alemanha para mostra-la aos principais líderes militares do movimento conspiratório em
Berlim. Os esforços dos conspiradores por um apoio dos britânicos continuram. Halder, Beck, Hammerstein,
Canaris, Oster e outros, tentaram advertir no dia 21 de agosto e em 2 de setembro de 1938 das intenções hostis
de Hitler, enviando, especialmente em setembro, o tenente-coronel Hans Böhm-Tettelbach. Böhm-Tettelbach
deveria manter contato, na Inglaterra, com o Ministério da Guerra e persuadi-lo. Sua missão foi em vão. A
última cartada/apelo diplomático enviada aos britânicos pelos conspiradores foi entregue através de Theoror
Kordt, homem que integrava o Ministério do Exterior de Joaquim von Ribbentrop. Como o diplomata alemão,
Theodor Kordt estava adido na embaixada alemã em Londres e fora cooptado para o movimento insurreto. Kordt
buscou ligações, a 5 de setembro, com lorde Halifax, através de Sir Horace Wilson e “lá, informou
inopinadamente [...] que Hitler planejava ordenar a mobilização geral para 16 de setembro, que o ataque à
Tchecoslováquia fora fixado o mais tardar para 1º de outubro, [...].” Theoror Kordt, continuamente, fez o mesmo
pedido de Ewald von Kleist quanto a uma intervenção britânica e francesa que dariam o aval para que os
generais agissem. Cf. SHIRER, William. Op. cit., 2008, p. 506.
74

tempo, já tinham do seu lado Paul Schmidt51para informa-los dos detalhes da reunião. O
encontro, que foi realizado sem a presença de nenhum diplomata tcheco, foi marcado pela
insistência de Hitler em que os Sudetos se integrassem ao Reich alemão em virtude das óbices
que os 3 milhões de pessoas experienciavam sob o governo de Beneš, após a revolta ocorrida
no território reivindicado por Hitler, que acabou por fazer com que o governo Tcheco
debelasse o foco de resistência dos Sudetos com a disposição de tropas na região que
pusessem em vigor lei marcial.
Hitler seguia advertindo o ministro inglês que ainda que as potências ocidentais não
aceitassem suas reivindicações, optaria pelo uso da força contra os tchecos. Fest (2006)
afiança que Hitler “[...] prosseguiu, afirmando que ‘poderia ser determinante que a Inglaterra
estivesse pronta a admitir uma secessão do território dos Sudetos com base no direito de
autodeterminação dos povos.” (FEST, 2006, p. 442) A reunião findou com o dado de que um
plebiscito poderia evitar o risco de uma guerra. Com a saída do ministro inglês e com
consciência do que se passara na reunião, Theodor Korld levou os informes ao conhecimento
do coronel Hans Oster; “nessa mesma noite [...] ficou resolvido prosseguir com os planos
assim que Hitler regressasse a Berlim.” (SHIRER, 2008, p. 537)52
Chamberlain retornou a Londres para levar a pauta abordada com Hitler para
conhecimento do gabinete inglês, ao passo que Hitler decidiu por se resguardar de qualquer
ação militar contra os tchecos. De fato, ele acreditava que a questão dos Sudetos seria a
última reivindicação de Hitler, Churchill não pensava assim, ele considerava que o império
britânico pagaria caro por sua postura de conciliação com a Alemanha. (GUILBERT, 2016)
Em 22 de setembro, com posse de um plano anglo-francês, Chamberlain tem um
segundo encontro com Hitler, em Godesberg, no interior do Hotel Peterserg. Dessa vez, Hitler
apresentou ao Primeiro-Ministro um plano modificado dada a turbulência que se originara nos
Sudetos e que fora reprimida com o uso da força por Beneš. O encontro foi ratificado por

51
Paul Schmidt, [secretamente fazia parte do círculo restrito de conspiradores], era o encarregado naquele dia de
fazer as traduções no diálogo que seria estabelecido entre Hitler e Chamberlain.
52
É imperativo considerar que a situação da Tchecoslováquia se tornava ainda mais delicada em face de que no
dia 21 de setembro o governo polonês solicitava, tal qual a Alemanha, que fosse realizado um plebiscito em
Teschen, distrito que continha, dentro do território tcheco, uma considerável minoria polonesa.
Semelhantemente, o governo húngaro, após uma série de pressões alemãs para que fizessem parte da “partilha do
território tcheco”, chegava a um consenso de que deveriam juntar-se aos poloneses, em suas reivindicações
territoriais. Era óbvio que as feridas da última Grande Guerra ainda estavam abertas. A esse tempo, unidades
militares polonesas e húngaras estavam postas nas abrangências dos seus respectivos territórios de fronteira.
Com a tensão no ar, a ideia de uma guerra, pelo menos para as principais autoridades da Europa não era
descartada, ainda mais, quando Lord Ruciman que saíra de Praga como enviado especial britânico para a questão
dos Sudetos, retornou a Inglaterra e “até concordava nesse momento com o perigo de agressão de um Estado
tcheco remanescente contra a Alemanha nazista, [...] suas fantásticas recomendações aparentemente causaram
profunda impressão ao gabinete britânico e serviram à intenção de Chamberlain de ir ao encontro das exigências
de Hitler.” Ver SHIRER, William. Op. cit., p. 515.
75

novas exigências de Hitler. Chamberlain não se demorou muito no Peterserg, a reunião não
lhe agradara.53 No dia 23 de setembro, o ministro inglês “escreveu uma carta a Hitler. Ele
submeteria as novas exigências alemãs aos tchecos, mas não julgava que pudessem aceitá-las.
[...] ele não tinha dúvida de que os tchecos resistiriam violentamente [...].” (SHIRER, 2008, p.
521)
Chamberlain se encontraria mais uma vez com Hitler na noite do dia 23 de setembro a
título de evitar um conflito a qualquer custo. A conversa se desenrolou com a demarcação
visível em um mapa entregue a Chamberlain com a sequência da fala de Hitler sobre toda
população tcheca deveria começar uma retirada da região. O apelo não era atoa, existe uma
justificativa militar camuflada. O historiador militar Norman Davies (2009) pontua que, ante a
iminência de um ataque alemão, “na época, não era nem um pouco certo que o bem equipado
exército tcheco fosse facilmente desalojado das suas fronteiras montanhosas bastante
fortificadas.” (DAVIES, 2009, p. 165)
Enquanto os dois líderes ocidentais discutiam, um informe chegara à Chancelaria do
Reich informando que Beneš tinha mobilizado as forças armadas ante o risco de uma incursão
alemã. William L. Shirer (2008) pontua que a sala, [...] ficou num silêncio mortal. Então
Hitler falou: “Agora, naturalmente, todo o assunto está resolvido. Os tchecos não pensam
ceder nenhum território à Alemanha.” (SHIRER, 2008, p. 521) A conversa de Hitler com o
ministro inglês ultrapassou a noite do dia 23 e adentrou na madrugada. Notadamente,
Chamberlain estava profundamente consternado e não deixou de relatar ao líder alemão sua
desesperança após fazer tanto esforço por uma solução pacífica e conciliadora para ambos
países. Hitler tergiversou e considerou uma data viável – 01 de outubro – para que os tchecos
cedessem em suas novas reivindicações.
Paralelamente, o governo tcheco tinha ciência das novas reivindicações alemães e
apelavam aos franceses e ingleses que rejeitassem as reivindicações de Adolf Hitler, mas não
apenas isto, que dessem a palavra de que se moveriam suas unidades militares que já tinham
sido mobilizadas no dia 24 de setembro para que adotassem medidas efetivas caso a
Tchecoslováquia fosse atacada, porém, os franceses esperavam o envolvimento de unidades

53
Assim, o Primeiro-Ministro inglês retornou para sua hospedagem no Hotel Dreesen, mas ainda manteve
contato, a posteriori, com o Joaquim von Ribbentrop. O ministro do exterior alemão deu a conhecer a
Chamberlain que, imperativamente, Hitler exigia a retirada completa do exército tcheco da região dos Sudetos, o
que era compreensível haja vista o maquiavelismo hitlerista de solapar furtivamente um dos maiores bastiões
defensivos da Tchecoslováquia que se localizava na região de fronteira com a Alemanha. Ian Kershaw (2010)
considera que os pedidos de Hitler na ótica de Chamberlain correspondiam a um ultimato e quando da volta do
Ministro à Inglaterra, todavia, Chamberlain lutava para que um conflito fosse evitado a todo custo.
76

militares britânicas num conflito futuro com a Alemanha, e foi exatamente esse um dos
motivos da inércia dos franceses.
Não estaríamos errados em afirmar que para acentuar os temores de uma nova guerra,
nos entre os dias 25, 26 e 27 de setembro, enviados especiais do governo francês e inglês
seguiam ponderando o impasse gerado pelo memorando de Hitler e procurando atenuar os
efeitos da crise, como foi o caso da visita de Sir Horace John Wilson que tinha por fim
promover uma conciliação entre os interesses tchecos e alemães na questão dos Sudetos. Até
mesmo o presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, fizera no dia 26 um pedido para
que o líder alemão colaborasse com a paz e que Hitler poderia ser culpabilizado por causar
uma conflagração bélica na Europa.
O cenário para Hitler parecia começar a se modificar, a medida em que, nos dias
posteriores ele soube da mobilização, por meio do adido militar alemão na França, e de que as
forças armadas francesas postaram 65 divisões na fronteira com a Alemanha. Segundo os
dados disponibilizados através do adido militar alemão em Praga, a mobilização das forças
militares da Tchecoslováquia era estimada em aproximadamente casa dos 800 mil homens. Os
ingleses também mobilizaram suas forças armadas em conformidade ao estado de emergência
que fora posto em curso durante aqueles dias.
Joaquim Fest (2006) comenta que “em Londres cavavam abrigos contra os ataques
aéreos e esvaziavam os hospitais; a população parisiense em massa abandonava a cidade.”
(FEST, 2006, p. 646). Daí a pressão de Chamberlain para forçar que o governo tcheco
aceitasse o plano alemão, dizendo que o destino dos Sudetos era inevitável. Isso foi o
suficiente para que Hitler enviasse uma carta por meio do telégrafo próximo do fim da noite
do dia 27. A carta era endereçada ao Primeiro-Ministro inglês, e nela Hitler amenizara seu
tom, considerando todos os esforços do governo inglês para o reestabelecimento da paz e
responsabilizando o governo de Beneš pela provável eclosão de uma guerra com a Alemanha.
Continuamente, enquanto a população da Europa começava a experimentar o clima de
tensão, próximo ao fim da manhã do dia 28 de setembro de 1938, o embaixador francês
François-Poncet e o embaixador italiano se dirigiram à Wilhelmstrasse para tratar da crise. Na
Chancelaria do Reich, o Premier da França procurava a todo custo manter um diálogo
conciliador com Hitler. Poncet chegara para audiência com Hitler às 11 horas e 15 minutos do
dia 28 de setembro de 1938. Em seu diálogo, o Premier “advertiu Hitler de que ele não
conseguiria manter localizado um conflito militar com a Tchecoslováquia, mas poria a Europa
em chamas.” (KERSHAW, 2010, 475.) As informações de Poncet davam conta dos riscos da
77

Alemanha em dar um passo final em direção à guerra. O embaixador queria a todo custo
evitar um conflito maior se originasse com a invasão alemã ao território tcheco.
Nesse ínterim, a janela operacional para Mittwochsgesellschaft e para os militares
conspiradores se abrira no dia 28 de setembro, dia lembrado como a Quarta-Feira Negra. Os
conjurados estavam agora envoltos à sombra do Chefe do Estado-Maior do Exército, o
general Franz Halder; do almirante Willhelm Canaris e do coronel Hans Oster – homens que
sabiam que precisavam agir, porquanto o tempo era crucial e, acima disso, oportuno. Joaquim
Fest (2006) alerta-nos que “seus esforços antes visavam apenas a impedir a guerra mas o
radicalismo com que Hitler rumava para um conflito armado levou-os considerar a
possibilidade de um atentado ou de uma revolução.” (FEST, 2006, p. 646)
As condições para o desencadeamento da operação para derrubar Hitler do poder
agora poderia ter sido posta em execução, pois o líder alemão, agora, além de estar em
Berlim, tinha dado um ultimatum ao governo tcheco. William L. Shirer (2008) comenta a
partir do testemunho obtido de Theoror Kordt, informando-nos que com os conspiradores
militares traçaram definitivamente o momento da operação para o dia 29 de setembro de
1938, a partir do momento em que o Coronel Hans Oster, da Abwehr, obtivera uma cópia da
carta de Hitler a Chamberlain.
A “carta-cópia” fora obtida e entregue na manhã do dia 28 de setembro pelo coronel
Hans Oster. Oster tratou de levar o manuscrito ao general von Witzleben que, depois,
repassaria ao general Halder. A partir de então, estes homens apostaram todas suas fichas na
crença de que o Comandante do Exército, von Brauchitsch aderisse ao movimento. Pelo
menos assim o pensaram. O general “Witzleben telefonou a Brauchitsch do gabinete de
Halder dizendo-lhe que tudo estava preparado e pedindo que dirigisse a revolta. Mas o
comandante estava cauteloso.” (SHIRER, 2008, p. 538)
Não é certo cairmos no determinismo histórico atribuindo a inércia dos conspiradores
unicamente em vistas da postura hesitante do Comandante do Exército. Brauchitsch sabia das
negociações do governo alemão junto às potências ocidentais, e, conforme alguns
conspiradores apontavam, sabia também sobre as idas e vindas de Chamberlain e de tantos
diplomatas à Alemanha o que, na visão dele, era um entrave para um golpe no meio de um
processo de negociação da paz.
Contudo, a grande maioria dos civis e militares conspiradores achavam que o
momento havia chegado e eles deveriam antecipar a operação ao dia 28. Ainda durante a
manhã da Quarta-Feira Negra, Halder se encontrara com o comandante do III Wehrkreis, o
general von Witzleben. O plano dos conspiradores visava a tomada e conseguinte ocupação
78

dos centros nevrálgicos e estratégicos do NSDAP. De acordo com Fest (2006) o von
Witzleben acreditava que o plano de levar Hitler a julgamento e depois, declara-lo como
louco, após a perícia de uma junta médica, era inviável. O general era mais pragmático: Hitler
devia morrer. Para isso, Witzleben decidiu confiar secretamente a Friedrich Wilhelm Heinz
fizesse um levantamento de homens que se engajassem no assalto à Chancelaria. Fest (2006)
pontua que:

Assim, tudo estava preparado muito mais cuidadosamente e provavelmente com


melhores perspectivas de êxito do que nunca. O grupo de choque de Heinz, munido
de armas e explosivos, pronto para agir, esperava nos alojamentos de Berlim; todas
as medidas militares e policiais estavam preparadas, a ocupação da rádio precisa e os
anúncios à população redigidos. O sinal de ataque, conforme decidira Halder, seria o
exato momento em que Hitler desse a ordem de marcha contra a Tchecoslováquia.
Todo mundo esperava. (FEST, 2006, p. 650)

As unidades de Witzleben e de Halder estavam à espera da mensagem do indeciso


Brauchitsch que tinha ido à Chancelaria por volta das 12:00h para avisar aos conspiradores da
decisão de Hitler. A resposta não tardou a vir. Brauchitsch enviou um mensageiro para dar
conhecimento aos conspiradores que Benito Mussolini seria o mediador em uma Conferência
pela paz que seria realizada em Munique. “A notícia estourou literalmente como uma bomba.
Cada um dos conspiradores percebeu imediatamente que, assim, o fundamento do seu plano
de ação ruía.” (FEST, 2006, p. 651)
Definitivamente, o plano não foi levado à contento. As perguntas entre os
historiadores não cessam: por que a operação não foi levada a efeito, já que os conspiradores
tinham, sobretudo, as guarnições de Berlim sob o comando de Witzleben? Teria a carta de
Hitler a Chamberlain e as consequentes apelos de diplomata ingleses e franceses contribuído
para um impasse na hora decisiva, causando desânimo nos conspiradores? Afinal, nem os
britânicos e, muito menos, os franceses se comprometeram em fazer uma intervenção externa
contra a Alemanha e apoiar em estrito o plano daqueles homens. Seria os riscos de uma
desenfreada guerra civil ou o receio do fracasso do plano ante uma oposição ferrenha por
parte dos jovens oficias e uma represália conjunta da Gestapo, SS e da Lufftwaffe?
Fest (2006) comenta que o plano dos militares/civis “fracassou porque não levaram em
conta o fato de que a Inglaterra no fundo sempre esteve pronta, através de concessões, a
deixar a Hitler uma oportunidade to be a good boy, [...].” (FEST, 2006, p. 651) Outras
respostas similares para estas questões foram trazidas à tona nos anos do pós-guerra [nos
Julgamentos em Nuremberg] por homens como o general Franz Halder, pelo Georg Thomas e
tantos outros que se defenderam alegando que Hitler parecia estar um passo à frente, além de
79

contar com a política de apaziguamento posta em curso pela Inglaterra e representada pela
força intempestiva de Neuville Chamberlain. Ninguém pode negar o nível de tensão a que os
conspiradores estavam submetidos vide o risco que era inerente a qualquer um que ousasse
afrontar o regime nazista.
Em 29 de setembro de 1938, reuniam-se em Munique as principais lideranças políticas
da Europa no encontro mediado pelo Duce italiano. Hitler, Ribbentrop, Chamberlain,
Daladier, o conde Ciano e etc., estiveram presentes, menos os tchecos e os soviéticos (que
tinham um tratado de assistência com a Tchecoslováquia) e seriam excluídos do episódio. Isso
foi primordialmente letífero para a delegação tcheca, conforme solicitação do líder alemão,
deveria ficar de fora da mesa de negociações. Por fim, o momento das discussões foi selado
com o nefasto Acordo de Munique. Mussoline, Daladier e Chamberlain saíram do encontro e
foram saudados como responsáveis da paz mundial. (KERSHAW, 2010; MILZA, 2011)
O custo de Munique foi impensável para todo povo da Europa, ainda que ingleses,
franceses, italianos e alemães “festejassem” a forçada paz; Munique também foi um golpe
fatal no ânimo da resistência alemã que se resignou vendo Hitler ganhar o status de gigante
dentro e fora da Alemanha, quando ele passou a ter, principalmente no âmbito das relações
internacionais, um crescimento exponencial do seu prestígio, não obstante, o preço fosse o
retalhamento da Tchecolováquia. Hitler não era ingênuo ao que se passava ao seu redor,
mostrando seu desprezo por uma parcela dos mais antigos oficiais generais que ainda se
agarravam no ceticismo e tentavam por limites as suas ambições, mas, mostrou-lhes que sua
política expansionista não terminaria com a entrega dos Sudetos. Era preciso mais e foi o que
aconteceu.
Nos meses seguintes, o Führer alemão deu ordem a Wehrmacht para total ocupação do
território tcheco, jogando no lixo o Tratado de Munique e desfazendo todo esforço que os
líderes das potências ocidentais tinham gastado para preservar a paz; em seguida ele avançou,
pressionando os poloneses (aliados de ingleses e franceses) para lhe entregarem o “Corredor
polonês”, Danzig; renunciou o Acordo Naval com a Inglaterra; fez um acordo secreto com
Stalin e logo depois, quebrou o Tratado de Não Agressão realizado com a Polônia, quando
decidiu invadir o território polaco na madrugada de 01 de setembro de 1939. Era 4 horas e
trinta minutos, e a Europa acordaria para uma realidade aterradora.
80

5 WALKÜKE: A AÇÃO FINAL

Na Alemanha de 1930-1941, [para a maioria dos fanáticos nazistas] Hitler seria a


figura arquetípica do herói institucionalizado – puro, irrepreensível, o homem eleito e servido
pela Providência, e que carregaria em suas mãos o destino da Alemanha a um tempo idílico e
jamais visto na história humana: o Reich de Mil Anos. Os anos de 1939-1942 pareciam
confirmar a invencibilidade da Wehrmacht, até que os mais duros revezes vieram e a guerra
mudou seu curso, fazendo a e Alemanha pagar muito caro por ter dado o primeiro passo em
direção a uma guerra de proporções globais.
Agora, no verão de 1944, com a perca de territórios sucessivos no Front Oriental e
tomada do Norte da África pelos Aliados, além da crescente perda de parcelas do território
italiano, a Alemanha começava a ficar encurralada, ao mesmo tempo, a resistência fanática de
Hitler – vide a campanha russa – prometia ceifar ainda mais a vida de milhares de militares
alemães que, ainda, estavam presos em um juramento de fidelidade. Diante deste cenário,
num primeiro momento, núcleos de conspiradores que há muito se desiludiram com o regime,
estavam dispostos a gastar todas as suas fichas para derrubar Hitler do poder, acreditando que
podiam persuadir notáveis figuras de oficiais generais do Exército Alemão para que agora os
oficiais generais tomassem uma posição.
Naturalmente, os núcleos de conspiradores civis e militares começavam a tecer
maiores contatos. Assim, os grupos de oposição ao Führer alemão foram aumentando suas
forças para uma desencadear uma ação que causasse uma débâcle do regime nazista antes que
os exércitos aliados chegassem na Alemanha. Agora, a rede de conspiradores em torno antigo
Mittwochsgesellschaft ganhava cada vez mais fôlego pela persistência de homens como Carl
Goerdeler (pertencente a ala civil) e o general Beck – antigo chefe do Estado-Maior do
Exército, tido como figura de proa da resistência ao nazismo, considerados por muitos como o
maior opositor de Hitler dentro da ala militar.
Estes homens sabiam da necessidade de captarem aliados para a causa homens em
postos chaves. Desse modo, eles continuaram adicionando as ramificações com as inúmeras
redes de opositores na Alemanha. Emerge nesse período a importante figura do general
Henning von Trescow, que como muitos dos quadros dos conspiradores, nos anos iniciais do
regime foram simpatizantes das promessas idílicas de Hitler para o futuro da Alemanha.
Entretanto, se desencantou a medida que percebera a natureza do regime nazista, além do fato
de quando a guerra teve seu início, soubera dos inúmeros crimes de guerra praticados pela
81

liderança nazista, voltando sua esperança para uma ação militar contra Hitler que poderia ser
desencadeada pelo Ersatzheer – o Exército da Reserva. Tresckow, sem sombra de dúvidas,
seria um dos principais homens na Wehrmacht que não mediria esforços junto ao núcleo de
conspiradores de Berlim para efetivar uma tentativa de tomada do poder já durante o mês de
março de 1943.
Notavelmente, uma ação militar contra Hitler e contra as principais lideranças do
NSDAP não era uma coisa para amadores. A grande questão para aqueles que intentavam
derrubar Hitler tocava no ponto de como furar o esquema de segurança do líder nazista?
Todos sabiam que um planejamento desse tipo levaria tempo. Daí a necessidade de que a
resistência alemã tivesse homens nos lugares exatos para que soubessem de todos os passos
do Führer alemão, o que tinha ficado mais difícil desde que um civil, George Elser, quase
conseguiu matar Hitler em 1938, no interior da Bürgerbraukeller. Agindo como um lobo
solitário, Else deixou um artefato explosivo programado para detonar durante o discurso anual
de Hitler com seus camaradas do partido, no 8 de novembro de 1938, contudo, Hitler saíra a
tempo da comemoração, antes que o explosivo detonasse matando e ferindo pessoas presentes
no recinto.
Porém, as tentativas de eliminação de Hitler continuaram no ano em que os alemães
sofreram uma penosa derrota com revés em Stalingrado. Houve uma nova janela de
oportunidade para prisão de Hitler no Quartel General do Grupo de Exército B – na ocasião os
generais Hans Speidel e Hubert Lanz – envolvidos na conspiração – dariam voz de prisão ao
líder nazista, mas a agenda de Hitler o salvara. O ato não foi a contento, mas abriu o caminho
para uma sequência de ações no ano de 1943.
É verdade que a rede de informantes dos conspiradores [há um certo tempo] estavam
a par das oportunidades para executar uma ação a partir dos informes de uma provável visita
de Hitler ao Quartel-General do Grupo de Exércitos Centro – local onde havia dissidência
dentro do oficialato – o que lhes garantia a ideia e a preparação para um plano efetivo. Ian
Kershaw (2010) pontua que, no dia 13 de março de 1943, os conspiradores pretendiam alvejar
Hitler durante uma visita sua em Smolensk, momento oportuno para o início da Operação
Clarão. No entanto, “esse plano foi abandonado, uma vez que havia uma clara possibilidade
de matarem, junto com Hitler, o marechal von Kluge, comandante do Grupo de Exército do
Centro, e outros oficiais superiores.” (KERSHAW, 2010, p. 857).
Contudo, após a saída de Hitler do QG em Smolensk, o general Trescow dissimulou
explosivos em garrafas de conhaque enviou por intermédio do conde Fabian von
Schlabrendorff – que fazia parte do Mittwochsgesellschaft e também era oficial e antigo
82

conspirador, integrando o Exército da Reserva servindo com Trescow – para que o general
Heinz Brandt [integrante do Estado-Maior que partiria no voo de volta na comitiva junto com
Hitler] levasse o simulacro de encomenda destinada ao coronel Hellmuth Stieff no
Oberkommando des Heeres (Alto-Comando do Exército). O simulacro continha um
detonador, que fora acionado por Schlabrendorff com tempo de detonação estimado em 30
minutos. Deveria detonar no ar, no entanto, durante o voo, o que era esperado pelos
conspiradores não ocorrera: o artefato falhou.
Em outra ocasião, houve uma tentativa de missão suicida pelo coronel Freiherr von
Gersdorff, quando levou consigo explosivos para detonação enquanto Hitler, Keitel e Göring
estivessem visitando a Heidengedenktag, uma cerimônia realizada no dia 21 de março de
1943 em Berlim de 1943, em alusão a Dia de Memória dos Heróis. No dia, Hitler ficou menos
tempo do que o previsto, tendo tempo para salvar-se do atentado que aconteceria em minutos.
(EVANS, 2010). Em todos esses casos, o ano de 1943 nos dá a ideia de um continuum de
tentativas de para matar Hitler e por fim na guerra.
Enquanto corriam tentativas de eliminação de Hitler e suas consecutivas falhas a
Gestapo começava a sondar e a efetuar prisões de elementos da oposição. Era impossível que
uma oposição que ganhava vulto não despertasse atenções. (BUTLER, 2008.) Desde a prisão
em 1942 de um agente da Abwehr – chamado Schmidthuber – a Gestapo estava fazendo um
levantamento dos principais conspiradores através das informações obtidas de Schmidthuber
que delatara o envolvimento do pastor Dietrich Bonhöeffer, Josef Müller e Hans von
Dohnanyi e coronel Hans Oster numa rede de conspiração contra Hitler. No encalço dos
conspiradores, em 1943, “novas descobertas dos agentes de Himmler puseram completamente
fora de ação, em poucos meses, a Abwehr e seu chefe Canaris.” (SHIRER, 2008, p. 545.)
Apesar de tudo, agora cada vez ficava mais claro que os conspiradores estavam
dispostos a sacrificar tudo para eliminar Hitler e erradicar o NSDAP. Essa sede aumentou
ainda mais quando as conexões do Mittwochsgesellschaf com vários outros círculos da
resistência ao nazismo se acirraram, fato notado pela aproximação entre o grupo em torno de
Beck e o Kreisauer Kreis (Círculo de Kreisau), que desde os anos 40, tinha sido liderado pelo
conde Helmuth James von Moltke e pelo conde Peter Yorck von Wartenburg, grupo de
intelectuais composto por homens das mais das faces políticas diversas que nutriam um
ressentimento contra a moral nacional-socialista. (EVANS, 2010).
Nesse tempo os conspiradores haviam ganhado para sua causa o conde Claus Schenk
von Stauffenberg, o homem que marcaria definitivamente a ação de oposição ao nazismo.
Stauffenberg nascera em uma família aristocrata na região da Suábia. Fruto da geração de
83

oficiais mais jovens, vira a ascensão do nacional-socialismo com uma certa simpatia ante a
sua forte retórica contra o Tratado de Versalhes e a favor da reabilitação das forças armadas
da Alemanha, ainda que não fosse um antissemita. Embora fosse um entusiasta nos primeiros
anos vitoriosos da Blitzkrieg, em 1942, assim como tantos outros oficiais, logo viria a
perceber no Front Oriental as horrendas atrocidades executadas pelos Einsatzgruppen contra
prisioneiros de guerra, judeus e outros grupos étnicos que fariam reavaliar sua posição em
relação ao nacional-socialismo. (EVANS, 2010) Em 1943, atuando na 10º Divisão Blindada
do Africa Korps, fora ferido gravemente, perdendo o olho direito, a mão direita e dois dedos
da mão esquerda. (FEST, 2006).
Foi durante o seu período de convalescença em Munique que um importante general
antinazista, Friedrich Olbricht, examinou a possibilidade de Stauffenberg pertencer não
apenas ao quadro da Repartição Geral do Exército Alemão, mas do movimento que tiraria a
vida de Hitler e que negociaria abriria o caminho para a negociação da rendição junto aos
Aliados. Apresentado ao movimento insurreto, Stauffenberg agiria como um catalisador para
os diversos círculos de conspiradores, que apesar das animosidades políticas e intenções
posteriores a um possível coup d'État, pensavam em executar uma operação que garantisse a
Alemanha uma rendição digna no pós guerra.
De fato, a presença do coronel na causa dos conspiradores deu novo ânimo.
Retornando ao serviço ativo junto ao Estado-Maior do Exército, “começou logo a praticar
com os três dedos de sua mão sã, com duas pinças, a maneira de fazer explodir uma das
bombas de fabricação inglesa, da Abwehr.” (SHIRER, 2008, p. 551). Além de Stauffenberg,
os conspiradores conseguiram o apoio do marechal-de-campo von Witzleben, antigo
participante do complot em 1938. Ademais, os conspiradores já contavam com oficiais
generais comprometidos com a causa insurreta, vide:

O general Stieff, chefe da Seção de Organização do OKW; o general Eduard


Wagner, primeiro chefe do serviço de Intendência do exército; o general Erich
Fellgibel, chefe de Transmissões no OKW; o general Fritz Lindemman, chefe da
divisão do Material Bélico; o general Paul von Hase, chefe do Kommandantur de
Berlim (que podia fornecer tropas para a tomada de Berlim); e o coronel Freiherr
von Roenne, chefe da Seção de Exércitos Estrangeiros, com o chefe do pessoal, o
capitão conde von Matuschka. (SHIRER, 2008, pp. 551-552)

Nesse ponto, todos que faziam parte do movimento conspiratório sabiam que
precisavam de oficiais estratégicos na cadeia de comando da Wehrmacht e na rede de
insurgentes para uma operação pudesse obter êxito. Foi nesse contexto que a figura notória do
marechal Erwin Rommel emergiu nos diálogos travados entre os conspiradores. Por
84

intermédio dos contatos com o general Karl Henrich von Stulpanagel, o general Alexander
von Falkenhausen e pela notória articulação do general Hans Speidel (influente e renomado
Chefe do Estado-Maior de Rommel e fiel a causa insurreta), Rommel fora coaptado para o
movimento, motivo? Rommel era o comandante do Grupo de Exércitos B no front oeste e
como figura de prestígio entre a população alemã poderia evitar uma guerra civil. 54
Quando o destino da Alemanha parecia se estilhaçar em caos ante a iminência invasão
do seu país, o jovem marechal do Reich decidiu por tomar parte na conspiração, mesmo com
o desagravo de algumas figuras militares entre os conspiradores que viam sua chegada com
uma certa desconfiança e desacreditavam em certa medida sua postura. Certo é que Rommel
desejava empregar seus esforços para manter contato com os Aliados e conseguir um
armistício e um julgamento de Hitler perante um tribunal militar formado após o
desencadeamento da Operação Valquíria (Unternehmen Walküre). Sua posição poderia até lhe
garantir um contato com os Aliados, mas o seu plano era demasiado utópico. Os Aliados não
cederiam para um armistício que contemplasse uma paz em separado.
Contuto, a despeito dos nomes do alto oficialato alemão, nenhum homem foi tão
decisivo quanto Stauffenbenrg. Desde o mês de setembro de 1943, o coronel buscou

54
Nenhum general alemão foi tão admirado, aclamado e homenageado por inimigos e por seus soldados quanto
Erwin Rommel. No ano de 1941, todos os grandes generais da Wehrmacht tiveram seus nomes ofuscados pelo de
Rommel. Seus feitos no Teatro de Operações alemão no Norte da África tornaram-no conhecido no mundo, era
chamado de Raposa do Deserto, mas não apenas seu engajamento e brilhantismo enquanto comandante do Africa
Korps fizeram com que sua fama se sobressaísse. A propaganda alemã precisava de destacadas figuras militares
para continuar alimentando o esforço de guerra, e neste caso, o antigo comandante da guarda pessoal de Hitler,
servia a este intento e aos interesses de Joseph Goebells, que escolheria em dois generais como personificação da
maestria das condução das operações em lugares distintos: “Rommel, na África, seria o herói do sol e Dietl, na
Finlândia, o da neve.” Cf. HART, Liddell. Op., cit., p. 67. Claro que a escolha de um general da estirpe de
Rommel não se fez de modo aleatório. Durante a Primeira Guerra Mundial em uma investida exitosa contra o
exército italiano na região do Caporetto, em 1917, fez com que ele fosse laureado com Pour le Mérite, a mais
elevada condecoração alemã da época. No período entre guerras, Rommel não laureou êxito em sua empreitada
para o núcleo do Estado-Maior Geral alemão, mas isso não minou suas atividades na recomposição do novo
exército alemão. Em 1929, na cidade de Dresden, por cerca de 4 anos, Rommel foi instrutor da Escola de
Infantaria e chegou, nos anos posteriores, a publicar um livro que abordava táticas e operações de infantaria.
Hart assinala que “esta obra encantou Hitler, ávido leitor de literatura militar, levando-o, em 1938, escolher
Rommel para o comando do batalhão que o escoltaria na marcha rumo ao território dos Sudetos. Hitler
Encontrou em Rommel um reconfortante soldado não-ortodoxo com o qual podia discutir novas idéias militares.
Ao eclodir a guerra, foi nomeado comandante do quartel-general pessoal de Hitler, o que naturalmente aumentou
o contato entre eles e suas oportunidades. Cf. HART, Liddell. Op., cit., p. 68. Próximo do entourage de Adolf
Hitler e percebendo as amplas possibilidades da blitzkrieg e do efetivo emprego de blindados, no decorrer da
campanha polonesa de 1939, Rommel solicita [durante a guerra] ao líder alemão o comando de uma divisão,
pedido este atendido, quando recebeu o comando da famosa 7ª Divisão Panzer. Assim, o jovem (general), antigo
defensor ferrenho das unidades de infantaria, passou ao estudo esmerado de obras de autores ingleses e alemães
que mostravam a dimensão e poder de unidades blindadas para no futuro da guerra. Foi no território francês que
Rommel usou ao máximo as potencialidades da blitzkrieg, avançando implacavelmente no território francês de
forma tão ousada e rápida, causando uma ruptura na linha defensiva francesa, que sua 7ª Divisao foi chamada de
Gespensterdivision (Divisão Fantasma) e, posteriormente, na Campanha da África alcançou fama na Alemanha
comandando o Afrika Korps na campanha africana. Ver também REZENDE FILHO, Cyro. Rommel: a raposa do
deserto / Cyro Rezente Filho. – 1. ed., 2ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2015.
85

especialmente junto aos generais Henning von Tresckow e Friedrich Olbricht, uma maneira
de aplicar um golpe letal na liderança nazista de forma a garantir o apoio [especialmente] do
Exército. Para isso, os conspiradores tinham a Valküre (Valquíria) – plano desenvolvido por
Olbricht e que posteriormente fora revisado para que Hitler fizesse uso do Exército da
Reserva em uma possível guerra/desordem civil.

Em meados de outubro, Trescow já tinha um projeto elaborado. Previa um ataque


pela 18ª Divisão de Artilharia do Grupo de Exércitos Centro, não somente contra
Hitler, mas também contra Himmler, Göring e Ribbentrop, a ser realizado em seus
respectivos quartéis-generais, na Prússia Oriental. [...] O objetivo da Valquíria, que
fora o de proteger o regime, transformava-se agora numa estratégia para acabar com
ele.” (KERSHAW, 2010, pp. 862-863)

Mas o plano de Tresckow fora modificado após o general ter sido retirado de sua
posição no Grupo de Exércitos do Centro, o que implicava que a operação deveria partir
efetivamente da Reserva do Exército em Berlim, mas mesmo assim, agora, Valquíria consistia
[em síntese] num plano bem elaborado para tomar o controle dos principais centros
nevrálgicos de Berlim e de outros Distritos Militares e, posteriormente, eliminar toda e
qualquer oposição das S.S. de Himmler; garantir a prisão de toda liderança nazista; garantir a
ocupação dos campos de concentração e preparar o terreno para o processo de transição
política. As ordens para começar Valquíria foram todas datilografadas para serem expedidas
no início do levante, elas seriam, caso Hitler não morresse, a prova definitiva da participação
de uma gama de oficiais e soldados da Wehrmacht e de membros da sociedade civil alemã
que estariam cometendo crime de alta traição e quebrando o juramento de fidelidade a Adolf
Hitler.
Em Berlim, promovido a Chefe do Estado-Maior do Exército do Interior, no dia 01 de
junho de 1944, Stauffenberg teria uma posição chave que lhe conferiria a oportunidade para
dar ciência ao general Friedrich Fromm (seu comandante imediato) das suas intenções. Mas
não apenas isto, agora o coronel Stauffenberg teria a oportunidade de estar presente nas
reuniões com Hitler, ainda mais agora por causa da ampla necessidade da Wehrmacht para
recomposição dos seus quadros de militares em virtude do elevado número de baixas na
guerra.
Stauffenberg, que neste tempo assumira parte das operações, contatou o capitão Axel
von dem Bussche, um homem que estava disposto a se lançar em um ataque suicida contra
Hitler, mas o plano que tinha sido elaborado pelos conspiradores redundou em nada, face aos
desencontros de Bussche com Hitler, e posteriormente, após ter sido vítima de um gravíssimo
86

ferimento no front russo. Assim, Bussche ficara impossibilitado de fazer algo. Um outro
oficial – Ewald Heinrich von Kleist – também procuraria uma oportunidade para tirar a vida
de Hitler durante uma visita do líder alemão a uma apresentação de uniformes no mês de
fevereiro de 1944, contudo, tal visita foi cancelada.
Nova oportunidade surgira quando, a 11 de março de 1944, o capitão Eberhard von
Breitenbuch, membro do Estado-Maior do Grupo de Exércitos Centro, que servia como
ajudante de campo do marechal Busch, visitou, o Berghof para participar [com seu
comandante] de uma conferência com o Hitler. “Breitenbunch declara-se disposto a atirar na
cabeça de Hitler. Sua pistola Browning estava no bolso de sua calça e pronta para ser
disparada assim que se aproximasse do Führer.” (KERSHAW, p. 864). Todavia, mais uma
vez o plano fracassou em virtude de que os ajudantes de campo, na ocasião, não tiveram
permissão para entrada no recinto onde Hitler estava. Por isso, os conspiradores creditavam
que a única maneira de eliminação do líder nazista só poderia ter êxito em reuniões, momento
em que de fato a presença de Hitler era indispensável, principalmente em suas conferências
realizadas junto com o corpo de oficiais do Estado-Maior do Exército e do Alto Comando da
Wehrmacht.
No decorrer do mês de junho, o Dia D – 06 de julho de 1944 – marcou o ponto
decisivo para os Aliados na guerra. Os conspiradores ainda lutavam para receber alguma
resposta das lideranças aliadas, muito embora ela não viesse, a não ser o pedido de rendição
incondicional. A medida em que os objetivos dos oficiais conspiradores confluíam para o
nada, seria Stauffenberg que daria a cartada final. Creditavam esses homens que pelo menos a
honra de parte da população alemã e de uma parte do Exército seria preservada.55
Com o acesso livre para conferências com Hitler, Stauffenberg levaria a contento o
plano da Valkíria. No dia 06 e 07 de julho de 1944, o coronel compareceria a conferências no
Berghof. Em ambas ocasiões o Stauffenberg carregava consigo explosivos para detonação na
sala de reuniões de Hitler, mas a falta de algumas lideranças nazistas como Himmler e
Göring, fez com que o plano fosse abortado. Naqueles dias, para os conspiradores, era

55
Com o front oeste quase entrando em colapso, os marechais Erwin Rommel e von Rundstedt e o general Hans
Spedeil chegaram em no Quartel-General avançado do OWK em Margival, França, nos dias 17 de junho e 20 de
junho de 1944, em Obersalzberg, para uma conferência de emergência com o Führer. Foi nessa ocasião, que
destemidamente Rommel falou para Hitler sobre a impossibilidade da Wehrmacht vencer os Aliados e alertou
que Hitler pusesse fim à guerra. Dias depois da última visita realizada, o marechal von Rundstedt foi removido
de seu cargo, sendo substituído pelo marechal von Kluge. Posteriormente, no dia 15 de julho, Rommel escrevia
uma dura carta a Hitler explicitando que os soldados alemães em todo Teatro de Operações Ocidental lutavam
com heroísmo, mas que o combate chegaria ao fim e, acrescentava para Hitler, que era seu dever deixar isso bem
claro enquanto comandava um Grupo de Exércitos. O fato é que Rommel confidenciou a Speidel que caso Hitler
não aceitasse seu apelo ele agiria de alguma forma. (KERSHAW, 2010; REZENDE FILHO, 2015.)
87

imperativo que o Chefe das S.S. também fosse eliminado junto com Hitler. A 15 de julho de
1944, Stauffenberg participaria de mais uma reunião. Fest (2006) assevera que:

Em 15 de julho, nova tentativa fracassou, porque Stauffenberg não teve


oportunidade de armar a bomba antes da conferência. Tanto a 11 como a 15 de
julho, as tropas previstas para a ocupação de Berlim tinham entrado em prontidão;
nas duas vezes fora necessário adiar a operação e apagar todas as suspeitas. Dois
dias depois da última tentativa, a 17 de julho, os conspiradores foram informados de
que era iminente a prisão de Goerdeler. Contrariamente ao que acontecera com
Leber, Teichwein, Moltke ou Bonhoeffer, não se tinha absoluta certeza de que
Goerdeler resistiria por muito tempo aos interrogatórios da Gestapo. Para
Stauffenberg essa notícia foi o impulso final para entrar em ação. (FEST, 2006, p.
797)

Logo, militares e civis que se integravam àqueles que queriam derrubar a cúpula do
NSDAP do poder sabiam que corriam contra o tempo para salvar o destino da Alemanha.
Após tantos reveses, no dia 20 de julho de 1944, o coronel Stauffenberfg partiria pela manhã
do aeroporto de Rangsdorf juntamente com Werner von Haeften (seu ajudante-de-ordens)
para a reunião com o Alto Comando da Wehrmacht. “Tornava-se ele, agora, o homem-chave
da conspiração, e a única probabilidade de êxito pesava-lhe sobre os ombros.” (SHIRER,
2008, p. 571). Enquanto isso, o general Beck articulava os procedimentos preliminares da
Operação Valquíria na capital do Reich.
Stauffenberg chegara após um voo pela manhã e passaria por um complexo esquema
de segurança até chegar às onze horas e trinta minutos na primeira reunião que era dirigida
pelo marechal Wilhelm Keitel. Com o término da primeira reunião, Stauffenberg pedira para
trocar uma peça de sua roupa, desta forma o coronel teria um curto espaço de tempo para
armar os explosivos que estavam no interior de uma pasta conduzida pelo tenente Haeften
para serem acionados em momento oportuno. A próxima conferência marcada para às doze
horas e trinta minutos a ser realizada no Lagebaracke e não no abrigo subterrâneo.
(KERSHAW, 2010)
Contudo, Stauffenberg fora interpelado pelo pedido brusco do ajudante-de-ordens de
Keitel que gritara para que o coronel partisse o mais rápido possível para a reunião, enquanto
que o marechal o aguardava inquieto na sala de conferências. Nesse meio tempo Stauffenberg
armou apenas uma carga dos dois explosivos que levaria consigo para a reunião e que deveria
ser acionada em menos de dez minutos. Esse seria um dos primeiros erros daquele dia.
Antes de entrar na sala de conferências, acompanhado de marechal Keitel,
“Stauffenbeg deteve-se um momento no vestíbulo para dizer ao sargento-ajudante,
encarregado da mesa de ligações telefônicas, que esperava um chamado urgente de seu
escritório em Berlim, [...].” (SHIRER, 2008 p. 578). O coronel entrou na sala quando a
88

reunião já estava em curso. Hitler estava presente juntamente com o Estado-Maior da


Wehrmacht. Enquanto o general Heusinger – Chefe de Operações do Exército relatava a
caótica situação do front leste, Keitel apresentava Stauffenberg a Hitler. O coronel após
receber os cumprimentos de Hitler, sentou-se em um lugar próximo do Chefe do Estado-
Maior da Luftwaffe, o general Günther Korten que estava próximo do Generalmajor Heinz
Brandt.
Naquele momento, Stauffenberg procurou deixar a maleta o mais perto possível de
Hitler e, depressa, saiu da sala de conferências. Nesse meio tempo, os presentes observavam
atentamente a explanação de Heusing sobre a condução das operações no Teatro de
Operações Oriental. Hitler, inclinado, analisava o mapa de operações sobre uma robusta mesa
de carvalho. Na saída de Stauffenberg, o coronel Heinz Brandt removera para perto de si a
maleta deixada pelo Chefe do Estado-Maior, medida que lhe custou a vida.
Aproximadamente por volta das 12 horas e 42 minutos, enquanto Keitel sentira a falta
de Stauffenberg que deveria para informar sobre as condições do Exército da Reserva assim
que Heusinger finalizasse sua explanação, o detonador na maleta foi acionado e uma forte
explosão atingiu a sala de conferências. A explosão foi ensurdecedora. A esse tempo, o
coronel Stauffenberg já estava em contato com o general Fellgiebel, “que devia agora
telefonar aos conspiradores avisando-os que o atentado havia sido bem sucedido e cortar
depois as comunicações [...].” (SHIRER, 2008, p. 581) Apressados, em veículo motorizado,
Hafften e Stauffenberg passaram por todos os bloqueios da segurança da Toca do Lobo com o
subterfúgio de que tinham autorização do capitão Leonhard von Möllendorf para voltar para
Berlim.
Assim, Stauffenberg e Hafften seguiram espetacularmente da pesada segurança do
Führerhauptquartiere em direção ao aeroporto. Era 15 horas e 45 minutos da tarde quando
Stauffenberg chegou em Berlim, no aeroporto em Tempelhof, talvez por receio de que a S.S.
lhe prendesse, pois àquela altura o chefe das S.S. já tinha indícios do envolvimento do coronel
no atentado. Sem demora, Stauffenberg partiria imediatamente em direção à Bendlerstrasse
para encontrar-se com o general Olbricht para saber se, depois das três horas transcorridas,
Valquíria tinha sido posta em andamento na capital. Para seu desagravo, não. Os
conspiradores não agiram, pois, a ligação do general Fellgibell [que eles a tanto esperavam]
não precisara claramente se Hitler tinha sido morto. “Era tudo. Não havia detalhes. Não ficava
claro se a bomba explodira, se Stauffenberg fora preso, nem mesmo se estava vivo.”
(KERSHAW, 2010, p. 869)
89

Assim, a primeiras horas que se seriam cruciais para os conspiradores após a ligação
de Fellgibel, foram momentos de inércia. Em Berlim, o general Olbricht e o general Hoepner
(oficial-general que caíra em desgraça junto a Hitler após a campanha de inverno na Rússia e
que agora fazia parte do complot) decidiram em conjunto não agir até que o chefe do Estado-
Maior chegasse. Quanto ao marechal von Witzleben, este ainda conferenciava em Zossen com
o general Eduard Wagner, membro ativo da conspiração. Wagner era o intendente que
garantiria o fornecimento de apoio logístico para as operações do Exército Alemão nas
primeiras horas da revolta.
Às 16 horas e 30 minutos quando chegara à Bendlerstrasse (QG dos conspiradores),
Stauffenberg informou aos presentes sobre a explosão e que Hitler no mínimo havia ficado
muito ferido. Olbricht informara-lhe que Fromm, o Comandante do Exército da Reserva,
ligara para Keitel que estava no Alto Comando da Wehrmacht pedindo informações a respeito
dos últimos acontecimentos na Toca do Lobo, ao passo que Keitel lhe informara que havia
ocorrido um atentado, mas que Hitler estava vivo. Neste caso, todos os conspiradores sabiam
que não podiam contar com o apoio de Fromm. A despeito desses detalhes, Stauffenberg
decidiu levar adiante a Operação Valquíria. Era imperativo que o regime fosse deposto e ele
estava disposto ir até as últimas consequências, afinal, todos estavam comprometidos. Ordens
deveriam ser emanadas paras as unidades, na oportunidade, “Beck concordou com ele. Pouca
diferença lhe fazia, disse, estar o déspota vivo ou morto. Deviam ir em frente e destruir seu
nefasto governo.” (SHIRER, 2008, p. 590).
Stauffenberg e Olbricht ainda partiriam para a sala do general Fromm que lá se
encontrava. O impassível e oportunista oficial disse que recebera a informação de Keitel que
Hitler estava vivo. Stauffenbeg desmentiu o marechal e afirmou para Fromm que presenciara
a explosão e que seria impossível que os homens presentes naquela reunião estivessem vivos.
Nesse momento, Olbritch informou a Fromm que ordens em nome do Comandante do
Exército da Reserva tinham sido emitidas. Foi o bastante para Fromm explodir em
recriminações acusando-os de quebra da cadeia de comando. Impassível, Fromm solicitou que
o coronel Stauffenberg tirasse sua própria vida.
Shirer (2008) pontua que, ademais, Fromm deu ordem de prisão para o coronel Mertz
von Quirnhehein (Chefe do Estado-Maior de Olbricht) – oficial que ousadamente emitira a
primeira e a segunda ordem [em nome do marechal-de-Campo von Witzleben] que foram
telegrafadas para os comandantes militares de área. A mensagem “[...] começava assim: ‘O
Führer, Adolf Hitler, está morto.’ Atônito, Fromm, que previra a desgraça da insurreição e
que queria logo se livrar de qualquer culpa também, dá ordem de prisão para os presentes,
90

contudo, “Stauffenberg lhe disse que, ao contrário, era ele, Fromm, que estava detido.”
(KERSHAW, 2006, p. 870). Houve confronto entre os militares que estavam no recinto e
rapidamente Fromm foi posto sob a custódia e vigilância do major Ludwig von Leonrod.
Não obstante, os procedimentos para a execução de Valquíria estavam condenados
desde o início. Em Berlim, o único lugar sob controle dos conspiradores [até então] era o
Quartel-General do Exército da Reserva. Mal terminara a luta com Fromm, um oficial da S.S.
chegara com ordem de prisão para o coronel Stauffenberg; similarmente, o Comandante do
Distrito Militar de Berlim-Brandemburgo, o general von Kortzfleich chegara querendo saber
o que se passava com Fromm. Ambos oficiais foram presos. A essa altura, Berlim estava em
um caos absoluto. Era o sinal de que o motim estava fadado ao fracasso, muito embora, as
primeiras ordens operacionais da Operação Valquíria começaram a ser a postas em execução.
Stauffenberg, também, acionara a rede dos conspiradores na França através do Chefe
do Estado-Maior do general von Stülpnagel, o tenente-coronel Cäser von Rofacker. (HART,
1980; BUTTLER, 2008). Similarmente, o general Paul von Hase (membro da conspiração
desde 1938 e parente do pastor luterano Dietrich Bonhöeffer) levou ao conhecimento do
major Otto Remmer os informes a respeito do assassinato de Hitler e a tentativa de tomada do
poder pelas S.S. Depressa, o general Hase emitiu ordens para o Major Otto Remmer:

Instruiu-o para que isolasse os ministérios, na Wilhelmstrasse, e o escritório central


de segurança das S.S., no distrito próximo à Estação Anhalt. Por volta das 17:30h,
Remer, agindo com presteza, cumpriu o que lhe haviam ordenado e tornou a voltar à
Unter de Linden a fim de receber novas instruções. (SHIRER, 2008, p. 593)

As ordens não demorariam a vir: agora, a missão de Remmer era prender a principal
nazista que ficara em Berlim no 20 de julho – Joseph Goebbels, o fanático nazista, ministro da
Propaganda de Hitler. Com a missão de prender Goebbels, Remmer chegara ao Ministério da
Propaganda que, a esta altura já estava em contato com a Toca do Lobo, uma clara falha do
general Fellgibel que, no mínimo, deveria ter explodido a central de comunicações para que
isolassem a cadeia de comando de Hitler, muito embora, falha ainda mais fatal foi a dos
conspiradores que não cortaram as comunicações da central telefônica de Berlim.56 A cena
que se seguiu mudou todo rumo da Operação Valquíria.

56
Falha fatal também dos conspiradores foi a não tomada do quartel-general da Gestapo que ficava na Prinz
Albrechtstrasse. Outro gravíssimo erro, entre tantos daquele fatídico dia, foi a não disponibilidade dos blindados
para a causa dos conspiradores. O coronel Wolfgang Gläsemer, longe de compactuar com os conspiradores
decidira após franca conversa com o general Olbrich não participar do Putsch. Assim, como o general
Kortzfleisch que havia sido detido horas antes, o coronel sofreu o mesmo destino. Desse modo, os conspiradores
91

Remmer que chegara com a ordem de prisão para Goebbels informara-o sob a morte
de Hitler. Goebbels oportunamente garantiu que Hitler estava vivo e que o oficial lembrasse
do juramento que todos oficiais fizeram ao líder alemão. Rapidamente, para que se
esclarecesse a situação, Goebbels colocou o major Remmer em contato com o próprio Hitler,
que havia sobrevivido com alguns ferimentos do atentado na Toca do Lobo. Foi assim que
tudo mudou. Remmer que dias antes tinha sido homenageado com a Cruz de Cavalheiro com
Folhas de Carvalho (uma notória honraria para poucos oficias da Wehrmacht) concedida pelo
próprio Hitler, ouvira diretamente do Führer alemão que ele, como comandante do Batalhão
de Guardas Grossdeutschland, receberia ordens diretas de Goebbels e de Himmler e que
deveria eliminar toda e qualquer oposição levantada pelo círculo de conspiradores que estava
à volta do coronel von Stauffenberg.
A mensagem que Remmer ouvira era clara e ele não demorou para partir depressa e
debelar a rebelião dos conspiradores. “Para aqueles que ainda hesitavam, a notícia da
sobrevivência de Hitler foi uma informação vital. Entre oito e nove horas da noite, o cerco ao
bairro do governo foi levantado.” (KERSHAW, p. 874). Depressa, Remmer deslocou
unidades para o quartel-general dos conspiradores. Os céus desabaram para os insurretos
quando às 18 horas e 30 minutos a rádio da capital circulava a notícia de que Adolf Hitler
estava vivo.
A notícia que deixou atônito muitos dos opositores do regime, foi seguida por uma
série de contrainformações e contramedidas emitidas pelos conspiradores para os
comandantes do Exército Alemão, já que a extensão operativa de Valquíria estava em curso
em outros distritos militares. (BUTLER, 2008.) Em Viena, Paris e Praga, unidades da
Exército prenderam lideranças das S.S. e do partido nazista. Era notório que em outros
distritos Valquíria fora bem sucedida, mas em Berlim não. Por volta das 20 horas e 20
minutos, o marechal Keitel na Toca do Lobo percebendo o que estava acontecendo, decidiu
reparar o curso dos eventos. Anunciou através das redes de comunicação que Himmler agora
se tornava o Comandante do Exército da Reserva. No mínimo Keitel imaginara que Fromm
estava comprometido com os insurretos, afinal, não fora seu próprio chefe de Estado-Maior
que promovera um atentado em Rastenbug?
Em Berlim, morosamente o marechal-de-campo von Witzleben chegara tardiamente
para assumir seu posto como chefe interino da Wehrmacht. Antes das oito daquela noite,
Witzleben em posse das últimas informações operacionais sentira qual seria o destino da

ficaram sem um homem chave para poder mobilizar os tanques de que tanto precisavam. Gläsemer, ainda fugiria
naquela noite e partiria com ordens para retirados blindados de Berlim, fora do alcance dos conspiradores.
92

conspiração. Recriminou duramente os oficiais que não levaram Valquíria a contento levando
a operação ao consequente fracasso. Seu último ato foi [covardemente] abandonar Beck,
Olbrich, Stauffenberg e os demais militares amotinados a própria sorte no quartel-general do
Exército da Reserva. Àquela altura a operação já estava condenada per si, ainda mais quando
nova notícia chegara aos amotinados: o general Hase fora preso. Ian Kershaw (2006) afirma
que:

À noite, o grupo de conspiradores no Bendlerblock, o prédio do Alto-Comando da


Wehrmacht na Bendlestraße, era praticamente o que restava do levante. O batalhão
de guardas de Remer cercava o edifício. Unidades blindadas fiéis ao regime
aproximavam-se do centro de Berlim. Comandantes de tropas não estavam mais
dispostos a ouvir as ordens dos conspiradores. Até mesmo oficiais mais antigos
recusavam-se a obedecer às ordens deles no próprio Bendlerblock, lembrando-lhes
do juramento que haviam feito a Hitler, o qual ainda era válido com a notícia de sua
sobrevivência veiculada pela rádio. (KERSHAW, 2006, p. 875).

Às 22 horas e 30 minutos oficiais – o tenente-coronel Franz Herber e o Tenente


coronel Bodo von der Heyde – que já tinham percebido o rumo da conspiração e o destino que
os aguardavam adentraram no QG armados dando voz de prisão para Olbricht, Beck e
Stauffenberg e os demais militares amotinados. Stauffenberg tentou fugir e foi ferido em seu
braço com o um tiro. Cenário caótico para os conspiradores. Na mesma noite, o general
Friedrich Fromm seria liberto.
Em posse do controle do QG, Fromm fez com que os principais líderes do complot
contra Hitler no Bendlerbock – Olbricht, Hoepner, Beck, Haeften, Stauffenberg e o coronel
Albrecht Mertz von Quirnheim Mertz – fossem levados para uma sala. Fromm sabia que
precisava tomar medidas urgentes para limpar seu nome de qualquer ligação com aqueles
oficiais, pois seria obviamente um dos vários militares que seriam condenados por fugir da
sua obrigação para sufocar a resistência dos militares conspiradores. O general Fromm
determinou que todos os conspiradores entregassem suas armas, menos a Beck, a quem
concedeu a oportunidade de pôr fim a sua própria vida.57Ao general Hoepner, Fromm garantiu
o direito do militar apresentar suas justificativas perante um tribunal militar, mas os demais
não chegaram ter o mesmo pedido, tendo apenas a oportunidade de escreverem rapidamente
uma carta para seus familiares.
“Fromm saiu da sala e ficou sabendo que uma unidade do batalhão de guarda havia
entrado no pátio do Bendlerblock. Sabia também que Himmler, o novo comandante designado

57
O general Beck efetuara em si dois disparos: o primeiro atingiu-o de raspão; o segundo disparo atingiu sua
cabeça provocando um grave ferimento. Fromm vendo a situação do seu velho companheiro, solicitou que um
militar presente no recinto tirasse a vida do seu antigo comandante. Cf. KERSHAW, Ian, Op. cit, p. 867.
93

para o Exército da Reserva, estava a caminho.” (KERSHAW, 2010, p. 876). Evocando uma
corte marcial em nome de Hitler, Fromm determinou que Olbricht, Stauffenberg, Mertz e
Haeften fossem sentenciados à morte. Stauffenberg em ato de extraordinária coragem moral
afirmou a Fromm que aqueles homens nada tinham a haver com a conspiração e que tinham
seguido suas ordens. Era um último pedido em vão pela vida dos que tinham lutado ao seu
lado. Fromm não o atendeu. Todos, com exceção de Hoepner, foram levados para um pátio
onde um pelotão de fuzilamento estava posto sob as luzes de faróis de veículos motorizados.
O primeiro a ser executado foi o general Olbricht. Depois o coronel Stauffenberg. Na
hora exata de sua execução foi livrado pelo seu ajudante de ordens – o Tenente Haeften – que
se jogou em sua frente. O historiador Ian Kershaw (2010) relata que “Stauffenberg foi
imediatamente colocado de novo sobre o monte de areia. Quando os tiros foram disparados,
ouviu-se ele gritar: ‘Viva a sagrada Alemanha.’ Segundos depois, Mertz von Quirnheim foi
executado também.” (KERSHAW, 2010, p. 876). Para mascarar sua posição ante a
conspiração, Fromm emitira um telegrama para o Alto Comando da Wehrmacht afirmando
que a rebelião fora sufocada, mas já era tarde demais. As unidades do recém promovido, Otto
Remer e outra unidade das S.S. sob o comando de Otto Skorzeny extinguiram as execuções de
outros envolvidos no golpe de Estado. Fromm queria apagar seus rastros, mas ele seria
implicado junto com os demais na revolta daquele dia.
Perto de 1 hora da madrugada de 21 de julho, em cadeia nacional, Hitler falara através
do rádio. Narrara o atentado e como milagrosamente escapou do atentado contra sua vida
(houvesse Stauffenberg colocado o outro explosivo, possivelmente a Providência a que tanto
evocava e a quem dizia tê-lo salvo do atentado, não o teria protegido). Hitler continuou seu
discurso falando sobre a pequena parcela de oficias ambiciosos e sem escrúpulos que não
representavam a essência das Forças Armadas da Alemanha e que liquidaria efetivamente
cada participante da conspiração.
Assim, a maior rebelião já travada em onze anos contra o governo fora posta em xeque
em poucas horas. O que se seguiu foi uma onda de prisões e execuções contra membros do
oficialato da Wehrmacht envolvidos na conspiração – especialmente do exército alemão –,
algo que Himmler queria a muito, vide sua animosidade contra o Exército. Na realidade, o
desejo do líder das S.S. era sobrepor a Wehrmacht, conforme pontua o historiador Peter
Longerich (2013). Não bastasse o terror da própria guerra, agora os tentáculos da Gestapo e
das S.S. se ampliariam para a caça às bruxas, razão pela qual o historiador alemão Joaquim
Fest (2006) assevera que “na mesma noite foi desfechada uma onda de prisões de grande
94

amplitude e dirigida contra todos os suspeitos, tivessem ou não parte no fracassado complô.”
(FEST, 2006, p. 800).

Em 21 de julho, foi formada a Comissão Especial na central da Gestapo, no Amt IV


do RSHA, composta por 11 grupos possivelmente com até quatro centros homens.
Durante os dias seguintes, a comissão efetuou entre seiscentas e setecentas prisões e
conseguiu esclarecer com relativa rapidez e de modo abrangente a sequência dos
eventos e a tentativa de golpe de Estado – [...]. (LONGERICH, 2013, p. 701).

No Terceiro Reich era óbvio o destino de todos aqueles que tinham participado na
conspiração. Para os militares envolvidos, um “Tribunal de Honra” foi criado para expulsão
de todos da Wehrmacht para que os envolvidos fossem julgados e condenados à morte em um
tribunal civil. O historiador Joachim Fest (2006) assinala que o tribunal sob a presidência do
marechal von Rundstedt, Keitel, o coronel-general Heinz Guderian e mais cinco militares,
“expulsou, ignominiosamente e sem ouvi-los, uma primeira leva de vinte e dois oficiais, entre
os quais um marechal e oito generais.” (FEST, 2006, pp. 801-802).
Uma segunda onda de prisões seguiu as semanas seguintes com o desencadeamento de
uma outra grande operação promovida por Himmler em que aproximadamente 5 mil pessoas
foram presas. (EVANS, 2010). Com base numa ideia de vendeta aos moldes do nacional-
socialismo, os familiares de todos os envolvidos na resistência contra Hitler deveriam ser
perseguidos, para que não restasse nenhum grupo familiar que ameaçasse a segurança do
Reich. Todos os familiares dos conspiradores deveriam ser perseguidos. Fest (2006) ressalta
que:

[...] o mesmo aconteceu com as famílias de Goerdeler, von Tresckow, von Seydlitz,
von Lehndorff, Schwerin von Schwanenfeld, York von Wartenburg, von Moltke,
Oster, Leber, von Kleist e von Haeften e muitas outras. Ameaçou-se o marechal
Rommel de fulminar sua família com a acusação de co-responsabilidade ideológica
caso ele se recusasse a se suicidar. Os generais Burgdorff e Maisel, que lhe
transmitiram as ordens de Hitler, levaram, ao mesmo tempo, uma ampola contendo
veneno. Meia hora depois, entregavam seu cadáver a uma clínica de Ulm, proibindo
qualquer autópsia.” (FEST, 2006, p. 803.)

Considere-se que a perseguição nazista foi além: os militares envolvidos, além de


terem sido presos, foram brutalmente torturados pela Gestapo que procurava lançar luz sobre
a redes clandestinas de conspiradores. Por isso, envolvidos como estavam no complot, os
generais Henning von Trescow, Eduard Wagner, Günther von Kluge, outros oficiais
decidiram tirar suas vidas, e apenas alguns homens conseguindo escapar, como foram os
95

casos de Fabian von Schalabrendorff e de Hans Bernd Gisevius, tendo ambos sobrevivendo à
guerra.
A 7 e 8 do mês de agosto de 1944, os principais oficiais destituídos de seus lugares na
Wehrmacht, em estado deplorável, despidos de uniformes e em trajes civis surrados,
adentraram para o Julgamento em Berlim, em ato desonroso no chamado Tribunal do Povo
que era presidido pelo fanático juiz nazista, Roland Freisler. Presentes como réus naquele
julgamento de fachada, estavam: o marechal-de-Campo von Witzleben, os generais von
Fellgibel, von Hase, Hoepner, Stieffe e outros oficiais como Klausing, Bernardis Hagen, e o
ousado conde Peter York von Wartenburg, primo do coronel Stauffenberg. (SHIRER, 2008;
KERSHAW, 2010). Todos os conspiradores julgados foram sentenciados ao enforcamento na
prisão de Plotzensse.
O julgamento e a execução foram filmados para Hitler e para, posteriormente, serem
exibidos nos círculos de oficiais da Wehrmacht, servindo como um lembrete do destino de
todos aqueles que ousassem se revoltar contra o regime nazista. Os julgamentos do Tribunal
do Povo continuaram até o ano de 1945, mesmo com a guerra se aproximando do fim. Todos
envolvidos no complot de 20 de julho seriam vistos como traidores por muitos em uma
Alemanha embebida pelo fanatismo político que tinha se enraizado na consciência coletiva de
inúmeros alemães que ainda acreditavam nas promessas de Hitler e da propaganda alemã.
Tola esperança.
96

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história da resistência dos oficiais da Wehrmacht contra Hitler é ambígua. Ela


guarda contradições, indecisões e ações que foram tomadas tardiamente quando a maré da
guerra prometia engolir toda a Alemanha. No entanto, é inegável que grupos de oposição se
levantaram na Alemanha não apenas contra Hitler, mas também contra a lideranças do partido
nazista, revelando um profundo descontentamento com o descarrilamento moral e o destino
que a guerra impunha à Alemanha.
Como vimos, num primeiro momento, a ascensão do nacional-socialismo e a
consequente retomada acelerada do programa de reabilitação da Wehrmacht fez com que
significativa parte dos militares alemães, e quando não, da própria população alemã visse os
primeiros anos da ascensão de Hitler com uma certa simpatia, ainda que os nacional-
socialistas não tivessem ganhado os corações alemães em sua totalidade, claro, significando
obviamente que houvesse aversões e animosidade contra o Nationalsozialistische Deutsche
Arbeiterpartei (NSDAP) no seio da sociedade alemã.
Verificamos que, ao assumiu o cargo de Chanceler, em 30 de janeiro de 1933, Adolf
Hitler viveu seu sonho idílico e apostou todas as suas fichas nos proponentes explicitados em
Mein Kampf: esse primeiro momento marca uma virada na postura alemã em sua política
interna e externa. Hitler também fez uso de sua retórica, conclamando novos tempos de
grandeza para o povo alemão. Sua visão de mundo estava na ideia da criação do Terceiro
Reich, este seria precedido pela instauração de uma nova ordem que traria para a Alemanha
uma era de altivez indescritível e perduraria por mil anos.
Em seus discursos, Hitler alertou para as restrições de Versalhes e elencou a obrigação
da Alemanha se livrar das amarras impostas pelas nações vencedoras na Grande Guerra e
recriminou radicalmente todos aqueles – “criminosos de novembro” – que tinham contribuído
para que a eles houvessem sido derrotados no conflito, responsabilizando-os pela rendição
alemã, deixando, assim, livre o horizonte para um novo conflito décadas depois, algo que
valida o que está posto em Rematar Clausewitz, obra do antropólogo/historiador René Girard
quanto a ascese mimética. Nesse ponto, Girard (2012) assinala que “começamos a perceber
que o fim de um conflito é sempre apenas aparente, e deixa aberta a possibilidade de retornar
de modo ainda mais violento.” (GIRARD, 2011, p. 53)
97

Continuamente, ninguém pode negar que muitos dos militares se dobraram cativados
ante a perspectiva de que os anos de humilhação causados por Versalhes seriam devolvidos
com o reestabelecimento do orgulho alemão. Além disso, constatamos a tentativa de
construção uma nova memória coletiva e por meio de uma weltanschauung conectada aos
proponentes ideológicos de sádicos homens Himmler, Goebbels, Rosenberg e outros homens
pertencentes ao entourage nazista.
Naquele momento, a classe de oficias, especialmente dos generais mais antigos do
Exército que se apoiaram no lastro das decisões de Hans von Seeckt, que na década de 20 [há
muito] ampliava “nas sombras” o programa de treinamento/conscrição e produção de armas
da Reichswehr, torpemente viram na ascensão de Hitler uma oportunidade para elevação do
status das forças armadas alemãs e o resgate da moral perdida com a derrota na Grande
Guerra. Afastando-se cada vez mais dos assuntos políticos, deixando-os para o NSDAP e
concentrando-se nos assuntos técnicos e administrativos de seus cargos, os generais
permitiram que os militares fizessem um juramento de fidelidade incondicional a Hitler e não
a Alemanha, inebriados pela euforia política que projetava novos ares para o futuro dos
alemães. Assim, os generais cometeram seu primeiro erro de cálculo.
Porém, a medida que a natureza do regime se manifestava nas prisões de opositores
políticos e consequente prisões/mortes em campos de concentração; em progons contra
judeus; e na retórica belicista e antissemita, além do processo de obliteração mnemônica da
tradição judaico cristã, como aponta os estudos do cientista político e sociólogo, Vladimir
Tismăneanu (2017), que revela [em parte] a razão pela qual muitos dos oficias mais antigos
[que tinham aplaudido com ânimo] começassem a tentar [ainda que de forma residual e
gradativa] frear os intentos do líder nazista, principalmente no caso da anexação da Áustria e
da Tchecoslováquia.
Não obstante, era notório que o regime nazista não permitia dissidências de
pensamento, sendo que todos os militares que tentaram de alguma forma frear a política de
externa de Hitler foram tirados de cena. É o que nos revela as tramas envolvendo os casos dos
generais Blomberg e Fritsch; a saída do general Beck, considerado um dos patronos da
oposição a Hitler e que evocou [com insucesso] a consciência e o dever dos generais para
abandonaram suas posições no regime; e a consequente substituição dos generais mais
antigos, cerca de 16 antigos generais e outros 44 mais jovens que foram mobilizados para
comandos de área secundários, sendo substituídos por oficiais afinados com os postulados do
regime; e por fim, o devotado núcleo de intelectuais que uniram-se ao corpo de membros do
Mittwochsgesellschaft e do Kreisauer Kreis e que seriam os figuras importantes no início do
98

processo de crescimento dos diversos núcleos de conspiradores durante o processo de


reorganização político ideológico da Alemanha sob o controle dos nazistas.
Ninguém há que negar que em 1938 havia uma divisão na liderança do Exército
Alemão, ano que poderia ter sido oportuno/decisivo para uma débâcle contra Hitler e seu
regime, mas a grande oportunidade para a queda do regime nacional-socialista antes da
Conferência de Munique foi perdida, fazendo com que a indecisão dos generais garantisse
duros dias pela frente para significativa parte dos grupos de oposição na Alemanha, deixando
para que aqueles homens se articulassem durante a guerra, tornando a tarefa da resistência
ainda mais densa e perigosa, além de que todos os conspiradores [se quisessem êxito]
deveriam se manter longe dos holofotes da Gestapo.
É evidente que o Acordo Munique foi um balde de água fria em muitos dos generais
que a exemplo de Halder pouco fizeram para que em 1939 a Polônia fosse invadida, ainda que
a aproximação da guerra e durante a própria guerra, ferrenhos opositores do nazismo lutassem
na Wehrmacht ficando praticamente entre a opção de deporem àquele aquém tinham jurado
lealdade ou ajudar a mover e comandar uma das maiores forças militares da história moderna
durante a guerra mais destrutiva da história humana. A balança pesou contra os núcleos de
conspiradores, ainda mais, quando Hitler atingiu suas vitorias mais vibrantes pela via
diplomática e depois militarmente na Campanha do Oeste, causando a resignação de maior
parte dos oficias generais que ora ficaram deslumbrados com o gênio militar do Führer e com
sua posição diante do juramento prestado a sua pessoa, ainda que os grupos de oposição ainda
estivessem rastejando na lama para fazer algo.
Entretanto, ainda que de forma paradoxal, o que historiadores como Liddell Hart
(1980), Robert O’Neill (2001), Joaquim Fest (2006), Ian Kershaw (2010), Richard J. Evans
(2010), Peter Longerich (2013), assinalam-nos é que, não fossem pelas atitudes de alguns
generais e comandantes militares de área que modificaram e atenuaram inúmeras ordens, os
óbices experienciados pelas populações que viveram sob a ocupação alemã no transcurso da
guerra teriam sido mais aterradores, muito embora isto não significasse que a grande maioria
dos generais alemães fossem remidos de seus atos/responsabilidade no cenário bélico, haja
vista que é notória a existência de crimes de guerra por parte de integrantes da Wehrmacht e,
nesse ponto, grande parcela dos generais alemães devem ser amplamente criticados e
responsabilizados quando fizeram “vista grossa” as inúmeras impetrações criminosas dos
nazistas – cometidas nas ações levadas ao extremo pelos Einsatzgruppen no Front Leste
durante o período da guerra; ou quando da Solução Final de Himmler – pela ausência, com
99

raras exceções, de ação efetiva para protestarem e resistirem contra políticas arbitrárias nas
áreas militares, promovidas pelos agentes ocupação nacional-socialismo.
Mas, isso não foi um impeditivo para que, nos anos durante a guerra, àqueles que
acreditavam na derrubada do regime não se recalcitrassem e continuassem fazendo
articulações meticulosas com inúmeros grupos opositores que desejavam colocar ponto final
no domínio nazista, na desordem moral e nas atrocidades cometidas contra os judeus através
dos assassinatos categóricos que foram explicitados Zygmunt Bauman (2011) quando referiu-
se aos unwerts lebens. Fatos que incontestavelmente tingiam a consciência de muitos dos
conspiradores de culpa e forçavam-nos tomarem uma posição diante da realidade sádica
experienciada por eles. Nesse ponto, o que percebemos foi que a despeito das divergências
quanto ao tipo de ação a ser feita, ambos círculos de oposição/conspiradores buscaram unir
forças para tentar manter contatos com os Aliados, algo que não tivera êxito ou resposta
decisiva, não o levando a contento. Assim, aqueles homens decidiram escolher seguir seu
próprio rumo: tomando a iniciativa para promover ações que dessem cabo no Führer alemão.
O 20 de julho de 1944 revela-nos o ápice de uma série de tentativas para pôr fim ao
regime nazista, algo que quase foi conseguido pela decisão de homens como Ludwig August
Theodor Beck, Carl Goerdeler, Dietrich Bonhöeffer, Hans Oster, Wilhelm Franz Canaris,
Henning von Trescow, Friedrich Olbricht , Claus von Stauffenberg, Werner Karl von Haeften,
Rabian von Schlabrendorff, Julius Leber, Albrecht Mertz von Quirnheim Mertz, Hans
Speidel, Günther von Kluge, Hans Dohanyi, Hasso von Erzodorf e tantos outros que, segundo
a proposição conceitual do austríaco Eric Voegelin (2007), tentaram domar o presente e lutar
contra o processo de desumanização que entorpeceu a consciência de todos àqueles que se
cingiram mimeticamente com a retórica nacional-socialista.
Não negamos que houvessem as intenções mais obtusas dos participantes das
tentativas de deposição/assassinato de Hitler. Também é evidente que a resistência alemã
envolveu civis, mas foram [decisivamente] os militares que levaram as ações militares até as
últimas consequências e posteriormente, do veredicto do julgamento, sofreram com a pecha
de traidores, ambiciosos e oportunistas. Contudo, em seus julgamentos [mesmo alquebrados]
muitos daqueles homens – não deixariam de seguir com elevado senso de honra, a exemplo
do primo de Stauffenberg, o conde Peter Yorck, que afirmara no julgamento realizado pelo
juiz Freisler que jamais seria um nazista e que não pensaria em concordar com a ideia de
justiça do nacional-socialismo que viam os judeus como párias. A postura de Yorck revela-
nos sua convicção de si e de sua decisão ante o destino da Alemanha, assinalaria sua posição
100

contrária a um estado totalitário, como o era o Terceiro Reich, que obrigavam os homens a
renunciarem à moral e as obrigações para com Deus.
Nos dias hodiernos, passados mais de 76 anos desde o atentado do 20 de julho, esses
homens [tidos à época como traidores] figuram no panteão de heróis da Alemanha. A última
celebração em homenagem aos membros da resistência alemã foi realizada no ano de 2019 no
pátio do Bendlerblock, que fica nas proximidades do parque Tiergarten em Berlim. Na
oportunidade, Angela Merkel, chanceler da República Federal da Alemanha, rendeu
homenagem aos participantes da insurreição e ressaltou a importância para os presentes e,
notadamente, para os 400 militares do Bundeswehr que prestariam juramento militar na
solenidade.
Merkel (2019) afiançou que os participantes da resistência ao nacional-socialismo
agiram com elevado patriotismo e consciência, mesmo com o risco de perderem tudo, deram
suas vidas, enquanto muitos alemães permaneceram em silêncio. Daí a raison d’être de nossa
investigação, para não incorrermos erroneamente na ideia generalizante de que todos os
membros da Wehrmacht defenderam cegamente a Adolf Hitler e o nacional-socialismo, sendo
esta perspectiva absurda per si, ainda que pensemos que os números dos opositores não
fossem amplos.
É verdade, que o debate sobre o papel dos conspiradores ainda é controverso/difuso
dentro da Alemanha e requer uma investigação muito mais densa, no entanto, discorrer sobre
a história da resistência dos oficiais da Werhmacht contra o nacional-socialismo foi a cellular
mater da nossa preocupação historiográfica, pensada e articulada para que não incorrêssemos
no erro de uma conjectura e desenvolvimento de uma narrativa não pautada no real e
desprovida de contato com as diversas camadas do momento histórico vivido pelos alemães
que lutaram contra o processo de desumanização do homem e que ousaram enfrentar o mal
em seu tempo.
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ANEXOS

Anexo 1 – Merkel discursa no Bendlerblock. A cerimônia foi realizada em alusão ao


75º aniversário do movimento de resistência alemã para homenagear os participantes
da resistência contra Hitler.

Fonte: Bundesregierung/Steins

Anexo 2 – General Ludwig August Theodor Beck - Figura de proa na


resistência militar contra Hitler.

Fonte: Gedenkstätte Deutscher Widerstand


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Anexo 3 – Stauffenberg em Rastenburg, na Prússia Oriental. Na imagem ele se


encontra [à esquerda] enquanto observa Hitler. Era 15 julho de 1944.

Fonte: Gedenkstätte Deutscher Widerstand

Anexo 4 – Pátio no Bendlerbock que abriga um lugar de memória para as vítimas da


resistência alemã.

Fonte: Bundeswehr/Jonas Weber

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