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Campina Grande-PB
2020
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Campina Grande-PB
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AGRADECIMENTOS
Este trabalho não seria possível sem a participação efetiva de pessoas que
contribuíram e foram indispensáveis na minha formação enquanto acadêmico. Edmund
Burke nos diz que “ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode
fazer um pouco”, bem, talvez uma das coisas mais difíceis da vida seja materializar na
escrita os agradecimentos de maneira que eles não deixem lacunas, contudo, eles precisam
ser narrados. Hoje, presto minha reverência para algumas pessoas que tornaram este
momento possível.
Minha gratidão à Renata, minha primeira e perfeita bibliotecária, que me acolheu
com tanta gentileza e generosidade quando ainda não sabia percorrer os corredores e fazer
buscas nas estantes da biblioteca do município onde nasci. Ela foi uma mulher que me
ensinou a amar inexoravelmente os livros. Meu muito obrigado por tudo que você fez pela
minha vida. Minha dívida com você, Renata, é incalculável!
Gratidão também para com todas pessoas que deixaram marcas significativas em
minha vida e que me incentivaram para que nunca desistisse dos meus estudos. Vocês me
ensinaram das mais distintas formas. Enfim, Peter Jarvis explica. Aos meus companheiros
de jornada – Virgílio Borges, Minelle Kardinally, Laura Guimarães, Ricardo Freitas e
Esildo Filho – obrigado pela amizade e pela lealdade. Meus sinceros agradecimentos!
Desejo-lhes muita paz, saúde e sabedoria para viver cada dia em plenitude de vida!
Agradeço aos meus companheiros de armas pelos oito anos experienciados dentro
do Exército Brasileiro. Deveras, foram anos de muito aprendizagem. Se minha paixão pela
História se revelava nos anos anteriores à 2005, foi em 2006 que meu desejo de ser um
historiador se tornou mais vivo em meu íntimo. Foi nas FFAA que conheci homens com
profunda devoção à História e que me ensinaram a amar a História antes mesmo de entrar
na universidade. Enfim, deixo minha gratidão, especialmente, pelas vidas do coronel
Klaus Erich Klein e do tenente-coronel Cândido Renato Carolino Rodrigues (in memoriam).
Continuamente, registro meus sinceros agradecimentos aos professores do
Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba. Entre eles, incluo José
Adilson Filho, Ofélia Barros, Cleófas Lima Alves de Freitas Júnior, Luíra Freire Monteiro,
Ramsés Nunes e Silva, Hilmaria Xavier Silva, Anselmo Ronsard Cavalcanti, Emerson
Macêdo, Roberto Muniz, Iordan Queiroz Gomes, José Pereira de Souza Júnior,
Alberto Edvanildo Sobreira Coura, Auricélia Lopes Pereira, Carlos Cirino, Maria de
6
Lourdes Lopo Ramos (Babi) e José do Egito Negreiros Pereira. Vocês são profissionais de
excelência! Enquanto viver, carregarei em minhas memórias cada um de vocês! Desejo
que o Criador ilumine a vida de vocês com muita sabedoria e paz!
Expresso, também, a minha gratidão à banca examinadora pela aceitação do
trabalho e pelas críticas construtivas que foram de fundamental importância para a
continuidade de minhas pesquisas/estudos e, sem a qual, não poderia ver onde estou
errando e como posso dar outro rumo neste trabalho, razão pela qual os conselhos advindos
de pessoas que tem notória perícia no campo da história se faz tão importante. Que o
Criador possa abençoar cada um de vocês grandemente e que possamos nos encontrar em
outros momentos para socializar o conhecimento!
Neste trabalho, esforcei-me e dediquei-me ao máximo para honrar uma antiga
dívida com meus mestres. Bem, qualquer que sejam as nuances que esta monografia
apresente, imputo a falha apenas a minha pessoa e não ao meu orientador, Juvandi de
Souza Santos. Professor Juvandi, o senhor foi como um pai para mim. Aprendi muito com
o senhor, muito mesmo! Obrigado por ter me instigado a insistir nesta pesquisa. Tudo que
posso falar é muito obrigado e penso que ainda é muito pouco por tudo que o senhor fez
pela minha vida! Eu tenho muito orgulho de ter sido aluno de um profissional tão
dedicado, inteligente e humano como todos nós! Lhe desejo, mestre, que o senhor seja
muito feliz e que nunca falte sobre a tua vida a sabedoria e a paz que excede todo o
entendimento!
À minha noiva, meu obrigado por todo carinho e pela tua atenção. Sou muito
grato a Ele por tua vida e por Ele ter me presenteado com a companhia/amizade/amor de
uma mulher incrível. Por fim, deixo a minha reverência para meus pais. Agradeço também
ao meu irmão que, mesmo com seu jeito lacônico de ser, consegue falar e apoiar com um
simples olhar. Vocês são o melhor presente que alguém poderia receber. Obrigado pelas
suas críticas, advertências e amor! Amo vocês com todas as minhas forças!
7
RESUMO
O presente trabalho tem como proposta analisar a resistência de oficiais da Wehrmacht contra
o nacional-socialismo, investigando, a priori, a razão pela qual uma parcela dos militares das
Forças Armadas da Alemanha articularam pela via diplomática e militar um continuum de
ações/operações que culminaram com um atentado contra Adolf Hitler, em 20 de julho de
1944. Ressalta-se que será abordado, especialmente, um recorte historiográfico que
compreende o final da primeira década do século XX até os anos de 1945. Para tais fins,
julga-se necessário indicar a configuração da Reischwehr e da Wehrmacht posteriormente as
ratificações da Conferência de Paris, assinalando, ademais, o processo de reorganização
político ideológico radicado no seio da sociedade alemã entre os anos de 1933-1945 e, por
fim, indicando como os círculos da resistência alemã [especialmente em torno dos círculos do
Mittwochsgesellschaft e do Kreisauer Kreis] saíram de uma situação de oposição residual, e
passaram a ser um movimento que quase alterou o destino político da Alemanha no transcurso
da Segunda Guerra Mundial. Continuamente, para fins teórico-metodológicos, pauta-se
sistematicamente pela utilização de uma pesquisa de caráter qualitativo do tipo bibliográfico,
utilizando como fontes: artigos, livros, periódicos, etc., a partir das proposições de autores
como Stéphane Courtois (2005), Joaquim Fest (2005; 2006), Eric Voegelin (2007), William
L. Shirer (2008), Norman Davies (2009), Ian Kershaw (2010), Peter Longerich (2013), David
B. Dennis (2014), Margaret Olwen MacMillan (2014), Zygmunt Bauman (2014), além de
outros autores que trabalham no campo da história, filosofia e sociologia que foram de
relevância fundamental para o equacionamento problema historiográfico que rememora a
dívida que temos com todos àqueles que lutam contra o processo de desumanização do
homem.
Palavras-Chave: Nacional-Socialismo. Wehrmacht. Alemanha. Guerra.
9
ABSTRACT
This paper aims to analyze the resistance of Wehrmacht officers against National Socialism,
investigating, a priori, the reason why a portion of the military of the Armed Forces of
Germany articulated a continuum of actions diplomatic and military, operations that
culminated in an attack against Adolf Hitler, on July 20, 1944. It is noteworthy that a
historiographical section that covers the end of the first decade of the twentieth century until
the years 1945 will be addressed, in particular. For this purpose, it is necessary to indicate the
configuration of the Reischwehr and the Wehrmacht afterwards the ratifications of the
Conference of Paris, noting, moreover, the process of ideological political reorganization
rooted within German society between the years 1933-1945 and, finally, indicating how the
circles of German resistance [especially around the circles of the Mittwochsgesellschaft and
Kreisauer Kreis] they emerged from a situation of residual opposition, and became a
movement that almost changed Germany's political destiny in the course of the Second World
War. Continuously, for theoretical and methodological purposes, it is systematically guided
by the use of a qualitative research of the bibliographic type, using as sources: articles, books,
periodicals, etc., based on the proposals of authors such as Stéphane Courtois (2005), Joaquim
Fest (2005; 2006), Eric Voegelin (2007), William L. Shirer (2008), Norman Davies (2009),
Ian Kershaw (2010), Peter Longerich (2013), David B. Dennis (2014), Margaret Olwen
MacMillan (2014), Zygmunt Bauman (2014), in addition to other authors working in the field
of history, philosophy and sociology who were of fundamental relevance to the equation of
the historiographic problem that recalls the debt we owe to all those who struggle against the
process of dehumanization of man.
Keywords: National Socialism. Wehrmacht. Germany. War.
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10
2 PRELÚDIO: UMA GUERRA TERMINA E NASCE UMA REPÚBLICA ... 14
2.1 O Tratado de Versalhes e a formação do Reichswehr ....................................... 21
3 O NSDAP E SUA IDEOLOGIA .......................................................................... 26
3.1 Em busca da ordem ............................................................................................... 36
3.1.1 Imersão Ideológica ................................................................................................. 41
4 O ENSAIO: PRINCÍPIOS DE UMA CONSPIRAÇÃO .................................... 47
4.1 Unentschlossenheit ................................................................................................. 62
5 WALKÜKE: A AÇÃO FINAL .............................................................................. 80
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 96
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 101
ANEXOS ................................................................................................................ 105
10
1 INTRODUÇÃO
1
É importante frisar que os soviéticos não aceitaram de todo a capitulação assinada pelo general Jodl, sendo
necessária uma segunda proposta de capitulação, desta feita, que viesse realçar ainda mais as medidas que
visavam uma rendição incondicional aos moldes soviéticos. Próximo da noite de 9 de maio, o
Generalfeldmarschall Wilhelm Bodewin Johann Gustav Keitel assinava o documento que selava o destino da
Wehrmacht. Ver KERSHAW, Ian. O fim do Terceiro Reich: A destruição da Alemanha de Hitler, 1944 -194
[recurso eletrônico] / Ian Kershaw ; tradução Jairo Arco e Flexa — 1ª ed. — São Paulo : Companhia das Letras,
2015.
2
O termo em alemão refere-se à “Solução Final da Questão Judaica”. Para uma análise mais pormenorizada das
ações pensadas contra os judeus em Wansee, ver LONGERICH, Peter. Henrich Himmler: Uma biografia / Peter
Longerich; tradução Angelika Elizabeth Köhnke, Christine Röhrig, Gabriele Ella Elisabeth Lipkau, Margit
Sandra Bugs. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.
11
recorrermos a vendas ideológicas que nos cegam para o problema do mal em sua forma
absoluta; do totalitarismo e da consequente instrumentalização da morte pela via política e da
cegueira moral que condena indiscriminadamente os seres humanos ao nihil, problemas que
foram enfrentados [entre tantos pensadores] por Leszek Kołakowski (1990), Eric Voegelin
(2007), Hannah Arendt (2012; 2016), Zygmunt Bauman (2014), Étienne Borne (2014),
Vladimir Tismăneanu (2017), autores que alertaram-nos para o múnus dos historiadores
perante o nosso tempo e o risco/perigo que reside no processo em que as pessoas começam
relegar o passado ao esquecimento.
Ademais, nossa proposta com o presente trabalho conflui para a abertura de um espaço
de discussão dentro da História Contemporânea que garanta para os historiadores a
possibilidade de uma discussão quanto à real responsabilidade de cada indivíduo ante o risco
de insurgência do totalitarismo. Ante o exposto, avultamos que o presente trabalho abordará,
especialmente, um recorte historiográfico que compreende o final da primeira década do
século XX até os anos de 1945, tendo em sua gênese a seguinte inquirição: de que forma uma
parcela de oficiais da Wehrmacht se opuseram as pretensões de Adolf Hitler quando de sua
ascensão ao poder na Alemanha?
Esta questão surge da tentativa de identificar as estratégias adotadas por diversos
oficiais alemães contra a elite dirigente do Partido Nazista no âmbito da Wehrmacht. Logo,
para um profícuo entendimento deste caso, é necessário indicarmos a configuração da
Reichswehr e da Wehrmacht, posteriormente as ratificações da Conferência de Paris mediante
a assinatura do Tratado de Versalhes, analisando, igualmente, o processo de reorganização
político ideológico radicado no seio da sociedade alemã entre os anos de 1933-1945, e por
fim, apontar, especialmente, as estratégias empregadas por oficiais da Wehrmacht contra o
nacional-socialismo.
Continuamente, para fins teórico-metodológicos, nos pautamos sistematicamente pela
utilização de uma pesquisa de caráter qualitativo do tipo bibliográfico, com ênfase no
desenvolvimento de um sólido diagnóstico e para equacionamento do problema
historiográfico da presente pesquisa, partindo de proposições de autores como Stéphane
Courtois (2005), Joaquim Fest (2005; 2006), William L. Shirer (2008), Norman Davies
(2009), Ian Kershaw (2010), Peter Longerich (2013), David B. Dennis (2014), Margaret
Olwen MacMillan (2014), além de outros autores que trabalham no campo da história,
filosofia e sociologia, e que foram primordiais para o desenvolvimento deste trabalho.
Por fim, o leitor encontrará nas páginas seguintes os tópicos: 2 – Prelúdio: uma guerra
termina e nasce uma república – onde se verifica como a busca por um telos dentro da
12
sociedade moderna europeia acaba por ser frustrada com a Grande Guerra que culminou com
a derrota/desmembramento do império alemão, sendo esse processo, especialmente para os
alemães, bastante traumático/humilhante vide a consequente complexidade
política/econômica, social e militar dos anos de 1919 que acompanha o nascimento da
turbulenta República de Weimar. Paralelamente, destacamos o nascimento da Reischwehr que
com a incisiva participação do general Hans Von Seectk, que burlando as cláusulas de
Versalhes, muito antes da ascensão do nazismo, foi o arquiteto da moderna Wehrmacht,
criando a oportunidade para que o Exército assumisse apenas o papel “guardião” da nova
república, com vistas a apenas atividades profissionais militares legais e secretas,
contribuindo e impulsionando inexoravelmente outros oficias da Reichswehr para promover o
rearmamento da Alemanha no transcorrer dos anos de 1919-1933.
No terceiro tópico – O NSDAP e a sua ideologia – analisa-se [através da
decomposição da continuidade temporal] o nascimento do Partido Nacional-Socialista dos
Trabalhadores Alemães (NSDAP) que emerge durante a década de 20, período de ascensão de
ideologias por toda Europa que serviram como horizonte de referência mimética para os
membros do NSDAP, mostrando que transformações políticas eram viáveis por meio de
golpes de estado. Neste caso, isto culmina com o fracasso do golpe nazista em 8 de novembro
de 1923, revolta sufocada pelas unidades da Reischwehr de Munique, terminando com a
prisão de lideranças nazistas. Contudo, mostramos como a 20 de dezembro de 1924, as coisas
começam a mudar para os nazistas, com o processo de reabilitação do partido e seu
crescimento político exponencial que vai culminar com a chegada dos nazistas ao poder em
1933 e com a consequente e gradativa disseminação da ideologia nazista na sociedade alemã
através da arquitetação de uma Weltanschauung que fora criada para fins de construção de
uma nova memória coletiva e consequente obliteração menmômica da tradição judaico-cristã.
Continuamente, no quarto tópico – O ensaio: princípios de uma conspiração contra a
liderança nazista - constata-se a grande aderência das ideias do nacional-socialismo entre os
militares da Reischwehr, que vai confluir para que eles façam um juramente de fidelidade a
Hitler, em 1935, durante a reabilitação das forças armadas alemãs com a criação da
Wehrmacht, em uma clara afronta a Liga das Nações. Posteriormente, depois de cinco anos
com os nazistas no poder, se tornara claro para uma parcela dos generais mais antigos que
tinham flertado o regime, que as ressonâncias na política externa de Hitler poderiam arrastar a
Alemanha para um estado de guerra, algo que evocava a indisfarçada preocupação entre os
militares que tinham lutado em frentes distintas na Grande Guerra. Em busca do Lebensraum,
verificamos que Hitler acende uma tensão entre os generais mais antigos do alto escalão da
13
Wehrmacht, período em que vemos a crise Blomberg-Fritsch com a remoção dos oficias
generais de primeiro escalão que poderiam se constituir em um entrave na cadeia de comando
que irão deixar o caminho livre para Hitler anexar a Áustria e reclamar os Sudetos, territórios
perdidos depois de Versalhes, culminando com a crise dos Sudetos, momento em que
precisamente em dia 4 de agosto 1938, uma figura de proa antinazista, o general Beck – Chefe
do Estado-Maior do Exército – apela para a consciência dos principais oficiais generais e do
dever deles perante a História, ante a conjuntura política, durante o período em que surge em
cena o Mittwochsgesellschaft (Clube da Quarta-Feira) com a prerrogativa de derrubar o
regime com a fatídica chance do dia 28 de setembro de 1938.
Por fim, no quinto tópico – Valküre: a ação final – [avançando no fluxo do tempo
narrativo] percebe-se que, depois dos anos de triunfo da blitzkrieg, o curso da guerra muda
para a Alemanha e os núcleos civil e militar começam a ampliar da rede de conspiradores para
causar a queda do regime. Próximo do fim da guerra, a rede se reúne grupos do
Mittwochsgesellschaft e do Kreisauer Kreis (Círculo Kreisau) com uma solução possível para
o destino dos alemães: a Operação Valquíria. Em uma última cartada contra a liderança da
resistência alemã, percebemos a dramática luta e desesperada luta dos núcleos de
conspiradores para colocar em curso a Operação Valquíria que culmina com a ousada e
frustada ação do coronel Claus von Stauffenberg, em 20 de julho de 1944, na Prússia Oriental,
para eliminar Hitler e salvar a Alemanha de um desastre total. Enfim, esse trabalho é a
história de pessoas que corajosamente ousaram enfrentar o regime nazista e lutaram
inexoravelmente pela liberdade e pela dignidade humana.
14
Entre os anos de 1914-1918, o mundo conheceu aquela que seria nomeada como “A
Guerra para acabar com todas as guerras.” A ordem mundial entre as grandes potências
europeias se desequilibrava a despeito do estágio de euforia e da ideia de progresso provocado
pelos avanços da modernidade que transitaram dos decênios finais do século XIX e traziam
para o século XX o conceito da belle époque, onde o avanço da civilização europeia estaria
em direção a futuro áureo conectado a um destino de êxitos sobre êxitos, sem fim à vista. A
Primeira Guerra Mundial aniquilou tal devaneio.
Posteriormente ao atentado que levou à morte o herdeiro3 do trono do Império Austro-
Húngaro, em 23 de junho de 1914, na cidade de Sarajevo, Bósnia-Herzegovina, as nações
europeias que, há muito estavam em um clima de tensão geopolítica exacerbada, reuniram
seus exércitos para uma campanha militar que teria consequências nefastas para as décadas
seguintes que seriam experienciados por milhares de cidadãos, de acordo a historiadora
canadense, Margaret Olwen MacMillan (2014), provocando uma ruptura nas relações
geopolíticas na Europa.
Foi nos campos de batalha da Europa que os exércitos da Tríplice Entente4 lutaram
implacavelmente contra a Tríplice Aliança5. A princípio, as pretensões operacionais alemãs,
em 1914, de pôr fim ao conflito por meio da implementação do Plano Schlieffen6, foram por
3
É essencial destacar que não podemos, de maneira alguma, incorrermos no erro de achar que o assassinado do
arquiduque da Áustria, Franz Ferdinand Karl Ludwig Joseph Maria von Österreich-Este, foi a causa exclusiva
para eclosão das hostilidades entre as nações da Europa. Para tanto, estudos historiográficos sobre os anos que
antecederam ao conflito estão à disposição nas obras desenvolvidas por FERGUSON, Niall. O horror da guerra :
uma provocativa análise da Primeira Guerra Mundial [recurso eletrônico] / Niall Ferguson ; tradução Janaína
Marcoantonio. – I. ed. – São Paulo: Planeta, 2014; e também em SONDHAUS, Lawrence, 1958- A Primeira
Guerra Mundial [recurso eletrônico] / Lawrence Sondhaus ; tradutor Roberto Cataldo. – São Paulo : Contexto,
2013.
4
Inglaterra, França, Rússia assinaram o acordo que forjaria a Tríplice Entente. Posteriormente, países como
Japão, Estados Unidos da América e Itália se juntariam no esforço de guerra ao lado da Entente. Igualmente,
outros países como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Brasil, Portugal e etc., dispuseram uma parcela modesta
de efetivos militares para lutarem na Grande Guerra. Ver MACMILLAN, Margaret. A Primeira Guerra
Mundial...que acabaria com as guerras / Margaret MacMillan; tradução Gleuber Vieira – 1ª ed. – São Paulo :
Globo Livros, 2014.
5
A Tríplice Aliança era formada pelo Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e a Itália. Contudo, no ano de
1915 a Itália desfalca a Aliança e deserda para ser mais um integrante da Tríplice Entente.
6
Alfred Graf von Schlieffen (1833-1913) foi o homem por trás do plano que colocaria a França de joelhos
durante a Primeira Guerra. O marechal-de-campo von Schlieffen não viveu para ver sua estratégia posta em
prática, todavia, o seu plano de causar o colapso das forças adversas em uma provável guerra no Oeste da
Europa, foi aplicado pelo general Helmuth Johannes Ludwig von Moltke. A ideia partia do princípio de tentativa
de contornar o território francês flanqueando e direcionando unidades alemãs pelo território belga com o objetivo
de impor uma derrota definitiva nos ingleses e franceses, criando, assim, a oportunidade para que os alemães
15
“água abaixo” e fizeram que os anseios da Aliança por uma vitória no Front Oeste [em cerca
de um mês] se arrefecesse. Os anos seguintes mostraram os horrores da guerra em sua forma
mais alarmante. Os campos de batalha se demudavam – quer os combates se estendesse para
Verdun, Somme, Passchendaele, Caporetto ou Amiens – porém, os resultados sempre
revelavam o inferno e a insanidade da guerra. Obviamente que a guerra não se restringiu,
apenas, ao continente europeu. Além da Europa, quatro outros Teatros de Operações
integravam o conflito. Continentes como África e Ásia, também, experimentaram a sandice da
guerra que migrava sob os impérios. No entanto, para o historiador sueco, Niall Ferguson
(2016), apesar da guerra transpor os limites continentais da Europa, ela foi primordialmente
decidida na Europa Ocidental.
Depois de quatro anos de conflito e de uma perca inigualável, até aquele momento, de
vidas humanas de ambos os lados, em novembro de 1918 as tentativas alemãs de selar o
destino de seus inimigos foram anuladas pela ampla superioridade material e bélica que a
Entente adquirira significativamente desde a entrada dos EUA no conflito em 1917. A Grande
Guerra terminaria, após uma série de assinaturas em armistícios apartados que culminariam e
teriam como maior referência o caso da notável rendição alemã selada pelo Armistício de
Compiègne, assinado por Matthias Erzberger7 na presença do marechal Ferdinand Foch e
outros signatários, que deveria colocar um ponto final nas hostilidades.
Nesse contexto, fortuitamente, militares como Hinderbung e Lundendorff lavaram as
mãos e agiram para na elaboração de arranjo de um álibi para a derrota alemã: para que
reponsabilidade da capitulação alemã não recaísse sobre os ombros do Estado-Maior Imperial,
ela seria deixada para o governo republicano recém implantado. Assim, entre anos entre a
1918 e 1939, o mito da Dolchstoss8 seria propagado enquanto retórica, sobretudo pelos
nacional-socialistas quando ascendessem ao poder, para afiançar que as condições pela
derrota alemã foram decididas no front interno: nos bastidores políticos. Uma falácia, visto
que o próprio general Erich Lundendorff, tinha confidenciado tanto a Paul von Hindeburg
quanto ao Kaiser que a situação alemã, que caso a guerra não acabasse depois da Batalha de
Amiens, só se deterioraria e, dessa forma, era necessário por fim as operações militares em
voltassem seus efetivos para o front oriental, já que o Império Alemão estava lutando tanto no front ocidental e
oriental. Todavia, a incursão que levaria um mês acabou por prolongar um conflito por longos anos.
7
Representante titular da delegação alemã enviada em nome do governo provisório para assinar a rendição
alemã, que tem seu fim programado para às onze horas do dia 11 de novembro de 1918.
8
A famosa “punhalada nas costas” foi um termo designado para denunciar os “responsáveis” pela derrota alemã,
chamados pejorativamente de “criminosos de novembro”.
16
O mundo nunca mais seria o mesmo, e uma das maiores expressividades desta
mutação no pós-guerra encontraria fortes reflexos na Alemanha. O destino da Alemanha era
ambíguo: esperança e incertezas dominavam seus pilares políticos. Não tardaria para que o
antigo regime – uma autocracia militarista liderada pelos Hohenzollern – se transformasse
drasticamente. No dia 7 de novembro de 1918, em Munique, Alemanha, exatamente na região
da Baviera, o escritor judeu Kurt Eisner,10 líder socialdemocrata, reunido com uma série de
9
Em O Horror da Guerra, o historiador Niall Fergunson (2014) afirma que “[...] não foi a superioridade tática
dos Aliados que pôs fim à guerra: foi uma crise de moral alemã, e isso só em parte pode ser atribuído à
influência exógena da infantaria e da artilharia dos Aliados. O ponto crucial a ser observado é que os alemães
que continuaram lutando ainda se mostraram mais aptos para matar o inimigo. Foram os alemães que escolheram
se render – ou desertar, evadir ou protestar – que acabaram com a guerra. Sem dúvida, sua decisão foi
influenciada pela melhoria na capacidade de combate do inimigo; os acontecimentos de 8 de agosto fora de
Amiens foram de fato “a maior derrota que o Exército alemão havia sofrido desde o início da guerra”. 126 Mas o
que tornou as coisas realmente sombrias foi a admissão de derrota por parte do Alto-Comando alemão. Em 10 de
agosto, Ludendorff entregou ao Kaiser seu pedido de renúncia, admitindo que “o espírito guerreiro de algumas
divisões deixa muito a desejar”. Embora não tenha aceitado o pedido de Ludendorff, Guilherme II respondeu
com atípico realismo: “Vejo que precisamos fazer um balanço, estamos à beira da [in]solvência. A guerra precisa
acabar”. [...] Mas hoje está claro que Ludendorff, exausto e doente, estava reagindo de forma exagerada. Assim
como a guerra da Alemanha havia começado com um ataque de nervos (o de Moltke), também terminava com
um: o de Ludendorff. Cansado e enfermo depois do fracasso de suas ofensivas, Ludendorff concluiu, de maneira
precipitada, que o Exército ruiria se ele não garantisse um armistício; parece mais provável que seu desejo de um
acordo de paz causou a ruína. [...] Foi Ludendorff quem deu a punhalada fatal nos alemães, e foi pela frente, não
pelas costas. Para adaptar a frase de Ernst Jünger (embora ele estivesse se referindo a Langemark, com um
significado bem diferente): “Os alemães depararam com uma força superior: eles depararam consigo mesmos”.
Ver FERGUSON, Niall. Op. cit., pp. 315-316. É evidente que tanto Hindenburg quanto Ludendorff repetiriam
esta mentira, o que de fato foi verificado quando Ludendorff, nos anos posteriores a guerra, confidencio essa
falácia para o Chefe da Missão Militar Britânica em Berlim, o general-de-divisão Malcolm.
10
Em 1917, Kurt Eisner passou a integrar as fileiras do Partido Socialdemocrata Independente da Alemanha
(Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands) que utilizava a sigla de USPD. Eisner seria morto no
trajeto para o Parlamento da Baviera pelo conde Anto Arco-Valley, um oficial e direitista, que retornara da
guerra. Sobre o episódio, o historiador alemão Joaquim Fest (2005) conta que “em 21 de fevereiro, no momento
em que se dirigia ao Landtag, em companhia de dois de seus colaboradores, para entregar sua demissão, foi
abatido em plena rua por um balaço nas costas desferido por um jovem de 22 anos, o Conde de Anto von Arco-
Valley. Foi uma ação absurda, inútil e catastrófica.” Mencionado em FEST, Joaquim. Hitler / Joaquim C. Fest ;
tradução Analúcia Teixeira Ribeiro... [et al]. 2.ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, p. 116. Horas depois,
dentro do salão do Landtag, Alois Lindner, membro da extrema-esquerda, atirava no ministro Auer. A Baviera
mergulhou num caos e em maio de 1919, unidades dos Freikorps entraram na cidade e eliminaram uma
quantidade elevada de opositores revolucionários de esquerda, instaurando a posteriori, um governo social
17
sectários políticos, tomava a Sede do Parlamento, e anunciava para todos a criação do “Estado
Livre da Baviera”, que passaria a ser regida pelos parâmetros republicanos, sem o aval do
chanceler imperial Max von Baden, ainda que ocupasse o cargo de chanceler por pouco
tempo. (FEST, 2005)
O cenário político alemão se tornaria ainda mais complexo. É verdade que não
somente os sociais-democratas desejavam a destituição do Kaiser, mas, similarmente, os
generais pressionaram-no, informando a respeito perca de seu prestígio junto as tropas. Em
Berlim, após uma série de episódios que iam da tentativa de um amotinamento da frota da
Marinha imperial em 191711 até as conturbações provocadas por Conselhos de marinheiros,
soldados e operários se ajuntaram, em 8 de novembro de 1918, aos milhares de trabalhadores,
numa uma greve coordenada para forçar a abdicação do Kaiser Wilhelm II.
Foi nesse contexto que o Estado-Maior Imperial, pressionado pelo fluxo dos
acontecimentos, emitiu diretamente pelo general Wilhelm Gröner, uma petição pela renúncia
do Kaiser Willhelm II. Em face dramática posição em que se encontrava e do cenário caótico,
Willhelm II renuncia e parte para o exílio político em Doorn, Holanda. Semelhantemente,
renuncia o Chanceler Max von Baden que apesar estabelecer uma série de reformas com o
intuito de garantir a continuidade do governo sob a égide de um regime monarquista
parlamentar, não obtém no Reichstag a força e o apoio necessário para sua permanência no
cargo, posição esta que é deixada para Friedrich Ebert que ocupava a liderança do
Sozialistische Partei Deutschlands (Partido Socialista da Alemanha).
Na tarde do dia 9 de novembro de 1919, no Reichstag, uma grande parcela da ala
progressista, centrista e dos social-democratas – liderados por Friedrich Ebert12 e Philipp
Scheidemmann – tentavam, emergencialmente, reelaborar a ideia de uma de monarquia aos
moldes ingleses, desde que eles conseguissem o apoio de outros setores partidários da
esquerda na Alemanha. Tentativa que não foi possível, pois com o desenrolar dos
acontecimentos, aqueles homens sabiam que a ideia da provável revolução defendida pela
Liga Espartaquista [tal qual os bolcheviques implementaram na Rússia czarista] agora estava
prestes a acontecer, o que não deixava de ser visto com receio por estes homens que
precisavam agir prontamente para o estabelecimento de um regime republicano para
apaziguar os ânimos da população contrariada com o regime que tinha perdido uma guerra e
democrata, sob a liderança de Johannes Hoffmann e logo, depois, um regime direitista liderado por Gustav von
Kahr.
11
Vide WILLIAMSON, Gordon. A Polícia secreta de Hitler: a atuação da SS na Segunda Guerra Mundial /
Gordon Williamson; tradução Roberson Melo. – São Paulo: Editora Escala, 2009, p. 11.
12
Com a saída do Chanceler Max von Baden, Friedrich Ebert assumiria sua posição do Príncipe, como
chanceler, a partir do dia 09 de novembro de 1918 até o dia 11 de fevereiro de 1919.
18
que estava enfraquecido o suficiente para não fazer frente as ameaças que pairavam àquela
época. Precisamente neste contexto, William L. Shirer (2008) relata que:
A revolução, porém, estava no ar, em Berlim. A capital foi paralisada por uma greve
geral. Pouco abaixo da ampla Unter den Linden, a poucos quarteirões do Reichstag,
os espartaquistas, chefiados pela socialista esquerdista Rosa Luxemburgo e por Karl
Liebknecht, preparavam-se em sua cidadela, no palácio do Kaiser, para proclamar
uma república soviética. Quando tal notícia chegou aos ouvidos dos socialistas que
se encontravam no Reichstag, mostraram-se consternados. Alguma coisa precisava
ser feita imediatamente para frustrar o golpe dos espartaquistas. Scheidemann teve
uma idéia. Sem consultar os camaradas, correu à janela que dava para a Königsplatz,
onde se reunira grande multidão, estivou a cabeça para fora, e por sua própria conta,
como se tal idéia acabasse de lhe passar pela mente, proclamou a república! O
fabricante de selas Ebert ficou furioso. Tinha esperado, de algum modo, salvar a
monarquia Hohenzollern. E assim nasceu a república alemã, como por um golpe de
mágica. Se os próprios socialistas não eram republicanos resolutos, dificilmente se
poderia esperar que os conservadores o fossem. (SHIRER, 2008, pp. 84-85)
dos militares com os social-democratas para colocar fim nas tensões instigadas pelos
espartaquistas. (SHIRER, 2008)
No período em que assumira o cargo de destaque no cenário político alemão, o
governo de Friedrich Ebert promoveu naqueles dias turbulentos acordos tácitos com a cúpula
do Exército e similarmente com os operários de seu país, dando garantias alguns
trabalhadores grevistas por intermédio de uma série de reformas seriam implementadas com o
intuito de atender os interesses da classe trabalhadora alemã que assentiu e retornou as
atividades provocando modesto equilíbrio para a condução das ações do novo governo
republicano. No fim das contas, o governo não implementaria de todo as reformas prometidas
– como a nacionalização fabril – dando razões para que os conselhos operários da Alemanha
se articulassem novamente.
Assim, no mês de dezembro de 1918, entre os dias 16 e 21, se realizou o 1º Congresso
Soviético da Alemanha. Nele, representantes dos Conselhos de Soldados e Trabalhadores
estipulavam, entre algumas de suas reivindicações, a nacionalização do parque industrial
alemão; a deposição do general Hindenburg e que o Exército fosse desmobilizado para o
surgimento de provável guarda civil, que ficaria intrinsecamente subordinada aos
representantes dos conselhos, e etc. Para a cúpula do exército imperial isto era impensável.
Logo, a 23 de dezembro de 1918, novo clima de tensão tomariam as ruas de Berlim. William
L. Shirer (2008) narra:
Dois dias antes do Natal, a Divisão da Marinha do Povo, agora sob o controle dos
comunistas espartaquistas, ocupou a Wilhelmstrasse, invadiu a chancelaria e cortou
os fios telefônicos. A linha secreta ligada ao quartel-general do exército, porém,
continuou a funcionar, e Ebert pediu socorro. O exército prometeu libertar o governo
por meio da guarnição de Potsdam, mas, antes que ela pudesse chegar, os
marinheiros revoltosos recolheram-se a seus alojamentos, nos estábulos do palácio
imperial, ainda em poder dos espartaquistas. Os espartaquistas, tendo à frente Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburgo, os dois agitadores mais eficientes da Alemanha,
continuaram a lutar por uma república soviética. Seu poder armado em Berlim
aumentava. Na véspera do Natal, a Divisão da Marinha rechaçara facilmente uma
tentativa, por parte das tropas regulares de Postdam, no sentido de expulsá-la dos
estábulos imperiais. Hindenburg e Gröner fizeram pressão junto a Ebert para que
honrasse o pacto estabelecido entre eles e suprimisse os bolchevistas. Isto o líder
socialista estava mais do que disposto a fazer. (SHIRER, 2008, p. 87)
Reichswehrminister (Ministro da Defesa). Nosk já era conhecido dos militares por ter
asfixiado, com êxito, uma rebelião de marinheiros em Kiel nos primeiros dias do mês de
novembro, rebelião debelada com a utilização de unidades do Freikorps.13
No mês de janeiro de 1919, entre os dias 10 e 17, nas proximidades de Berlim,
unidades dos Freikorps e forças regulares, sob o comando de Noske e do general Walther
Karl Friedrich Ernst Emil Freiherr von Lüttwitz, reuniram-se para lutar contra a Liga
Espartaquista que tinha, no interior da capital alemã, tomado os escritórios de um órgão do
Partido Social-Democrata, e consequentemente, se recusavam a desocupá-lo. Mais uma vez
irrompe uma luta entre forças antagônicas, e desta vez o Exército e a Freikorps estavam
decididos a acertar as contas com os revoltosos. Em menção desta questão, o historiador
militar, Gordon Williamson (2009) afirma:
13
Os Freikorps eram unidades paramilitares de veteranos da Grande Guerra que tinham sido desmobilizados
após o armistício com os franceses, unindo-se, logo depois, em propósito contra os revolucionários de esquerda
que tentavam minar o governo de Friedrich Ebert. A respeito ver WILLIAMSON, Gordon. Op. cit., pp. 12-15.
14
Similarmente a luta de elementos da esquerda revolucionária, elementos reacionários de extrema direita
contrários a democracia republicana, também, figurariam na tentativa de desestabilização da República de
Weimar. Niall Ferguson (2014) assevera que: Outras unidades irregulares combateram “centenas” de
espartaquistas e comunistas nas grandes cidades alemãs: houve tentativas de putsch por parte da direita ou da
esquerda todos os anos entre 1919 e 1923. A Maioria Socialista usou unidades Freikorps contra a extrema
esquerda em 1919; um ano depois, eles precisaram mobilizar um “Exército Vermelho” de trabalhadores no Ruhr
para impedir um golpe de conservadores militares conduzido por Wolfgang Kapp, o líder do extinto Partido da
Pátria. Em 1921, os comunistas realizaram a “Ação de Março” em Hamburgo; em 1922, houve uma torrente de
assassinatos por extremistas de direita (entre as vítimas, estava Walther Rathenau); e, em 1923, tanto a esquerda
quanto a direita tentaram golpes (respectivamente, o Aufstand de Hamburgo e o Putsch de Munique). O nível de
violência nas áreas urbanas da Alemanha é difícil de quantificar: basta dizer que, em 1920, estimava-se que
havia 1,9 milhão de fuzis e 8.452 metralhadoras em situação de posse ilegal; a desmobilização não havia
incluído o desarmamento. Ver FERGUSON, Niall. Op. cit., p. 382.
21
15
Friedrich Ebert iniciaria seu mandato como presidente à 11 de fevereiro de 1919 e continuaria no comando da
república até 28 de fevereiro de 1925, quando faleceu, sendo substituído em seu cargo por Paul Ludwig Hans
Anton von Beneckendorff und von Hindenburg. Outro detalhe importante deste período é a gama de novos
partidos que começavam a se formar com o ajuntamento de outras agremiações políticas, como foi o caso do
Partido Democrático que concedeu filiação em suas fileiras para elementos extremos esquerda vinculados aos
liberais. Similarmente, os conservadores reuniram forças para a criação do Partido Nacional Popular Alemão.
Havia ainda o Partido Popular Alemão, da ala direita, entre outros como o Partido dos Trabalhadores Alemães
(Deutsche Arbeiterpartei – DAP).
16
Em 18 de janeiro de 1919, tinham início as negociações que se prologariam e até o mês de junho de 1919,
quando, finalmente, no dia 28, seria assinado o Tratado de Versalhes.
17
Ver DAVIDSON, James West. Uma breve história dos Estados Unidos / James West Davidson; tradução
Janaína Marcoantonio. – 2. ed. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2016.
18
Da série de tratados assinados, se destacam: O Tratado de Versalhes (1919); O tratado de Saint-Germain
(1919); O Tratado de Trianon (1920); O tratado Neuilly (1919) e o Tratado de Sèvres (1920).
22
p. 328) O Tratado de Versalhes, rubricado na Sala dos Espelhos, era a prova definitiva da
assertiva supracitada, e provaria que os alemães amargariam duramente as imposições dos
vencedores, a diktat,19 que teria implicações cruciais para o futuro do vencido império
alemão. O historiador alemão, Joaquim Fest (2005), nos apresenta as injunções do Tratado:
19
Palavra alemã que designava a “imposição” do Tratado de Versalhes pelas potências vencedoras na guerra.
20
De fato, houve nos anos de 1922, uma solicitação do governo alemão aos ingleses e franceses quanto a questão
de uma flexibilização nos prazos de indenização reclamados em Versalhes. Os franceses se negaram a negociar
e em reação, tomaram no mês de janeiro de 1923 a região do vale do Ruhr, na Alemanha, rica em minério de
ferro e carvão, o que fez com que gradativamente a economia alemã entrasse em declínio vertiginoso. Ver
SHIRER, William L. Op. cit., pp. 99-97.
23
Seeckt manteve todo o Exército fora da política e, por sua aparente lealdade ao novo
regime republicano, em uma época crítica, lhe foi mais fácil encobrir o
desenvolvimento de seus projetos militares, bem como as veladas atividades
políticas a que se entregavam numerosos oficiais da velha escola. [...] assegurou-se
de que os quadros na nova “Reichswehr” fossem constituídos de oficiais e
graduados que possuíam experiência de guerra. Objetivava fazer daquela pequena
força [...] corpo de instrutores e líderes qualificados, capazes de servir de núcleo
para uma rápida expansão, no momento oportuno. A instrução desses elementos foi
conduzida em alto nível e dentro de novas bases, de modo a adquirirem espírito
profissional e destreza mais intensos do que o grande exército do passado tivera.”
(HART, 1980, p. 25)
O fato de Seeckt ter feito com que o Exército ficasse a parte das decisões políticas
nacionais assumindo apenas o papel “guardião” da nova república, com vistas a apenas
atividades profissionais militares, foi uma cartada que beneficiou a curto prazo a Reichswehr
e suas atividades secretas, mas que a longo prazo provaria ser fatal e retiraria de cena a
21
Nos anos iniciais da Primeira Guerra Mundial, Seeckt alçou o posto de tenente-coronel fazendo parte do
Estado-Maior Imperial, mas sua atuação na Primeira Guerra chegou ao ápice quando no ano de 1915, no Front
Oriental, sob o comando do marechal-de-campo von Mackensen. O historiador militar Liddell Hart (1980)
assevera: [...] Seeckt caracterizava-se como a inteligência tranquila que guiou o hussardo, o “beau sabreur”
marechal-de-campo von Mackensen, na mortífera ruptura de Gorlice, na Polônia, que dividiu os exércitos russos
– golpe do qual jamais se recuperaram completamente. Foi lá que Seeckt introduziu o método de ataque que
continha o germe da moderna tática de infiltração, lançando as reservas nos pontos fracos e penetrando tão a
fundo quanto possível, em vez de aplicar o antigo método de tentar avançar uniformemente e empregar as
reservas para eliminar os pontos de resistência.” Ver LIDDELL HART, Basil Henry. O Outro Lado da Colina:
Ascensão e queda dos generais alemães, com seus depoimentos acerca dos acontecimentos militares de 1939-
1945; Tradução de Luiz Paulo Macedo Carvalho e Haroldo Carvalho Neto. – Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1980, p. 24.
24
futuro viria a ser a Blitzkrieg, divergindo, com razão pericial, da doutrina militar francesa que
prezava pela preponderância de “fogo e movimento”, sendo o primeiro aspecto o principal
elemento do pensamento de grande parte dos oficias de alta patente do exército francês. A
visão seeckteriana sobre o futuro da guerra alertava para o valor da rapidez, mobilidade e
flexibilidade de contingentes militares menores, no entanto, com denotada qualidade de força,
mostrando que era possível que a junção de forças distintas cooperasse entre si.
No ano de 1926, após uma controversa animosidade com o Presidente Paul von
Hindenburg23, o general von Seeckt pressionado pelo Ministro da Defesa Otto Karl Gessler,
deixa suas funções no Reichswehr, para o general August Wilhelm Heye. O feito foi o
suficiente para que Heye esquadrinhasse oportunidades furtivas para dar continuidade (ao
longo de quatro anos) as propostas de expansão do programa de rearmamento e recomposição
do novo exército. Foi nesse período que Heye ganhou o apoio de importantes oficiais como
general Kurt von Schleicher e o general Wilhelm Gröner e de uma gama oficiais menor
patente como o tenente-coronel von Bonin.
No início da década de 1930, nova substituição é efetivada na Reischwehr, sendo
notada quando o Presidente da República de Weimar nomeou o general Kurt von
Hammerstein como Chefe do Estado-Maior Geral da Reischwehr, que seguiu a política de
revitalização do Exército Alemão com o intuito de formar 42 divisões, muito embora, ele
fosse um militar profundamente devotado a República de Weimar, não nutrindo nenhuma
simpatia e não escondendo, de seus pares, asco pela ideologia nacional-socialista que crescia
dia após dia na Alemanha, o que o levou a propor a Hindenburg que os militares do
Reischwehr saísse de sua situação apolítica, e que posturas mais rígidas fossem tomadas
contra os nacional-socialistas, proposta essa que foi abortada. Erro de cálculo ou não, os
generais pagariam caro por terem iniciado algo que violava claramente as determinações de
Versalhes e logo perceberiam que seus planos seriam utilizados por um antigo cabo que tinha
entrado para a política.24
23
O Feldmarechal von Hindenburg fora eleito presidente da República de Weimar a 26 de abril de 1925,
acontecimento que pôs o Presidente a par dos feitos realizados por Seecket.
24
A segurança e a procrastinação de von Hindenburg em tomar alguma atitude era pautada pela sua vitória
contra Adolf Hitler, nas eleições de 1932, e por achar que controlaria o “Cabo da Boemia” como bem
entendesse, algo que ele imaginara e setores do exército também acreditavam.
26
Em uma trama nos bastidores da política alemã, no dia 30 de janeiro de 1933, Adolf
Hitler, Führer do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP),
conseguia chegar ao posto de Chanceler da República de Weimar, depois de uma série de
negociações escusas com Alfred von Papen25, e em acertos realizados com Otto von Meissner
e Oskar von Hindenburg e outras figuras notáveis do cenário político da Alemanha, na
Chancelaria do Reich. Este fato histórico nos evoca a seguinte inquirição: como foi possível
que esta realização política do NSDAP fosse crível? Bem, para compreendermos isto,
precisaremos retroceder alguns anos num momento em que a história de um antigo cabo do
exército imperial se funde com a história de um partido irrelevante que acabara de nascer.
Não podemos negar que Adolf Hitler tinha ascendido de modo meteórico, em um
período curto de tempo, a um alto posto na vida política de uma maneira nunca antes vista na
no período weimariano. Hitler era um veterano da Primeira Guerra. Lutara em importantes
batalhas no conflito que sacudiu a Europa e fora condecorado com a Cruz de Ferro de 1ª e 2ª
Classe. No pós-guerra, pertenceu ao Birô de Imprensa e Publicidade do Departamento
Político do 2º Regimento de Infantaria, em Munique, que o designou para realizar missões
investigativas em reuniões políticas consideradas subversivas durante os meses turbulentos
que se seguiu a formação da nova república.
Na obra O Carisma de Hitler, o historiador Laurence Rees (2013) assinala que em
decorrência de suas funções, Hitler, descobriria em setembro de 1919, o Partido dos
Trabalhadores Alemães (Deutsche Arbeiterpartei – DAP), que dava seus primeiros passos em
reuniões realizadas na cervejaria Sterneckerbräu. Foi precisamente naquele local que o
austríaco se desvinculava de sua missão inicial proposta pela sua unidade e percebeu que
naquela sala de reuniões havia um afinamento de ideias que correspondiam precisamente as
suas, fazendo com que este partisse para a política, a pedido de Anton Drexler. Àquela época,
o Partido dos Trabalhadores Alemães, como tantas organizações partidárias, fazia simples
reuniões em locais bastante atípicos com a presença de homens como Diertrich Eckhart, Ernst
Röhm e Karr Harrer, principais personagens do círculo inicial que dera forma ao DAP. Em
01 de abril de 1920, os dirigentes do Partido dos Trabalhadores Alemães modificariam seu
25
De 01 de junho de 1932 à 17 de novembro de 1932, Papen assumiu o cargo de Chanceler, quando renunciou
seu posto, para que o general Kurt von Schleicher assumisse seu lugar por um brevíssimo espaço de tempo
período. Schleicher, precursor de Hitler, seria vítima do regime nazista durante o expurgo contra os líderes da
S.A.
27
nome para Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP). Assim, nos
meses seguintes, o número de associados cresceria exponencialmente, com a adesão de mais
membros por intermédio das articulações de engajamento de Adolf Hitler rente às principais
lideranças do NSDAP.
Este fato é singular porque verifica-se, neste contexto histórico, que a década de 20 era
um período de ascensão de ideologias por toda Europa, que tinham no comunismo e no
fascismo suas maiores representações, entretanto, o fascismo italiano, por meio das ações de
Benito Mussolini na Itália, foi o maior horizonte de referência mimética para os membros do
NSDAP, mostrando que transformações políticas por meio de golpes de estado eram viáveis.
Na obra Europa na Guerra, o historiador Norman Davies (2009) mostra-nos como se
constituem os pilares que sustentam o fascismo e de como eles solapam as estruturas de um
estado democrático. Norman Davies (2009) assevera que:
Sob esta perspectiva, a linha política trilhada pelo NSDAP era apenas uma cortina de
fumaça lançada para obtenção de seus objetivos pragmáticos previamente estabelecidos de
tomada e perpetuação no poder. Isto é claramente visível quando notamos a tentativa de
tomada do poder pelos nacional-socialistas em 1923, que inspirados na marcha exitosa de
Benito Mussolini sobre Roma no ano anterior, tentaram arregimentar forças contra a
República de Weimar.26
26
1923 foi um ano de novas turbulências políticas na República de Weimar. Em face da retomada dos
pagamentos indenizatórios aos países vencedores na Grande Guerra, uma nova onda de movimentos de extrema
direita, exacerbadamente insatisfeito com as medidas governamentais tentaram articular a tomada do poder na
Alemanha. O movimento liderado pelo major Buchrucker, um antigo membro do Estado-Maior e nacionalista
ferrenho, é um deles. As unidades regulares da República anteciparam o empreendimento de Buchrucker que
seria preso por alta traição. De igual modo, no mesmo período, outras insurreições comunistas entraram ação nas
28
Logo, seria da Baviera que viria a principal ameaça aos ideais democráticos da
república. Unidades das “ligas patrióticas” foram reunidas em 1923 por Ernest Röhm.27
Boatos sobre um novo putsch circulavam por toda Alemanha. O general von Seeckt estava em
posse de notícias advindas de Munique: os nacional-socialistas da Baviera tramavam junto ao
governo bávaro uma revolução antirrepublicana. Não obstante, o general alertou a Gustav von
Kahr, ao general Otto von Lossow e o coronel Hans von Seisser – principais líderes locais em
Munique – que, caso ocorresse uma insurreição na Baviera com apoio dos nacional-
socialistas, a revolta contra a república terminaria mau para todos, especialmente para os
nazistas. Terminou.
No dia 8 de novembro de 1923, Hitler adentra dentro da cervejaria Bürgerbräukeller,
e proclama uma revolução nacional, junto com uma série de outros partidários do NSDAP, no
episódio que ficou conhecido como o “Putsch da Cervejaria.” Nesse ínterim, as unidades de
Ernst Röhm tomaram apenas um ponto chave na cidade – o Ministério da Guerra. As
autoridades achavam que Seectk tinha blefado quando, este, afiançou que sufocaria qualquer
tentativa de rebelião contra a República e, para isso, usaria as unidades do comandante da
guarnição de Munique, sob o comando do general Jakob Ritter von Danner. Na tentativa de
tomada de Munique, parte dos efetivos paramilitares do NSDAP [sob o comando de Ernest
Röhm] foram cercados pelas tropas da Reischwehr de Munique. A tentativa de golpe militar
dos nazistas mau começara e já teria seu fim na dramática manhã seguinte.
Próximo das doze horas, marchando no centro de Munique em deslocamento ao
Ministério da Guerra, Hitler ao lado de Lundendorff, Scheubner-Richter, Rosenberg, Ulrich
Gräf, mais uma coluna de aproximadamente 3 mil homens, partiram para livrar Röhm do
cerco e tomar Munique definitivamente.
regiões Turíngia, Hamburgo, Ruhr e Saxônia, movimentos que não tardaram para serem sufocados pelas
unidades da Reischswehr.
27
União Trabalhista das Ligas Patrióticas Combatentes (Arbeitsgemeinschaft der Vaterländischen
Kampfverbäde), a União Combatente da Alemanha (Deutscher Kampfbund) SHIRER, William. Op. cit., p. 98.
29
Assim, para levar a bom termo sua ambição intacta de conquistar o poder, era
preciso não só dispor de um partido militante, dirigido de forma ditatorial, mas
também reconquistar a perdida confiança das instituições poderosas e aprender a
lição do 9 de novembro. Política não consistia apenas em dominar pela força,
28
Na obra A missão secreta de Rudolf Hess, o historiador Martin Allen (2007) comenta que “um dos fatos
significativos sobre o Putsch de Munique de 1923 é que foi um divisor de águas na relação entre Hess e Hitler.
Hess ganharia proeminência como o nazista leal que seguiria com seu Führer para a prisão de Landsberg, Perto
de Munique, para um ano de confinamento após o fracasso do golpe [...].” Ver ALLEN, Martin. A missão
secreta de Rudolf Hess / Martin Allen; tradução Marcia Regis. – Rio de Janeiro: Record, 2007.
30
junto ao Reichstag, devido as suas intenções de levar adiante reformas econômicas que não
encontrariam quorum no parlamento alemão.
Assim, Brüning solicitara a Hindenburg convocação para novas eleições em 14 de
setembro de 1930. A ideia de Brünning era ter um governo de coalizão, mas seu tiro saiu pela
culatra. William L. Shirer (2008) diz que contrariando expectativas de Brünning, “nesse dia, a
votação do Partido Nazista subiu a 6.409.600, cabendo-lhe 107 cadeiras no Parlamento e
fazendo-o saltar da condição de nono e menor para segundo maior partido do Reichstag.”
(SHIRER, 2008, p. 193) Os nacional-socialistas cresciam expressivamente.
Hitler seguia percorrendo a Alemanha fazendo alianças com banqueiros, magnatas da
indústria e empresários das mais diversas localidades da Alemanha. Estes homens,
obviamente, pensavam que quando os nazistas chegassem a poder poderiam ter seus
interesses consentidos. No mais, esses diálogos com os grandes nomes da elite econômica
alemã se constituíam num paradoxo para o discurso nacional-socialista, em face de que,
[...] no início de 1930 tornou-se claro que a propaganda nazista fazia progresso no
exército, sobretudo entre os oficiais jovens, muitos deles atraídos pelo fanático
nacionalismo de Hitler e pelas perspectivas que ele oferecia de um exército
restaurado em sua antiga grandeza, no qual teriam oportunidades, agora impossíveis
em tão pequena força militar, de atingir os postos mais elevados. A infiltração
nazista nas forças armadas tornou-se tão séria a ponto de compelir o general Gröner,
32
novo ministro da Defesa, a publicar uma ordem do dia, a 22 de [janeiro de 1930, que
lembrava uma advertência semelhante feita pelo general von Seeckt ao exército na
véspera do Putsch da cervejaria, sete anos antes. Os nazistas, declarou, estão ávidos
pelo poder. (SHIRER, 2008, p. 195)
29
Nessa eleição, os comunistas alemães recriminaram os sociais-democratas pelo apoio a Hinderburg, e
lançaram seu canditado – Ernst Thälmann. Similarmente, Theodor Düsterberg, um fervoroso nacionalista de
direita, concorreu juntamente com os pleiteantes.
30
Nas eleições Hinderburg atingiu o percentual de 49,6% e Hitler 30,1%. Ver SHIRER, William L. Op. cit., pp
p. 219.
33
19.359.983 votos computados, tendo desta feita vencido as eleições de forma absoluta. Deve
se reconhecer que a grande maioria do povo alemão optou por rejeitar os nacional-socialistas.
No cenário pós eleição, apesar da vitória de Hindenbung, a posição dos ocupantes do cargo de
chanceler seria atacada. Um período de transição abruptas verificou-se: o primeiro a sair da
Chancelaria foi Brünning, por meio de uma trama política provocada pelo general Kurt von
Schleicher e por elementos nacional-socialistas de denotada influência que tentaram e
conseguiram minar sua posição. Em 30 de maio de 1932, logo após o pedido de renúncia por
enviado por Hindenburg, Brünning é retirado do governo. Em seguida, a saída de Brunning
abriu caminho para entrada de Franz von Papen na Chancelaria, por indicação de Hindenburg.
Entretanto, há muito estava em curso nos meandros da política alemã uma conspiração
contra Papen. Schleicher que se tornara Ministro da Defesa, a 01 de junho de 1932, acreditava
que mantinha o poder das negociações políticas em suas mãos. (FEST, 2005). A idée fixe do
Ministro da Defesa era: efetivar um governo que deixasse de lado a Constituição e governasse
por meio de decretos presidenciais, com vistas ao derretimento, a posteriori, do Reichstag.
Tanto para Schleicher quanto para Hitler, isso não poderia soar melhor. Assim, Schleicher e
Hitler trabalhariam [ainda de modo ambíguo] nos bastidores da política alemã para atingir
seus objetivos. Uma coisa é certa, o cargo de chanceler não era apenas vislumbrado pelo
Führer nacional-socialista, haja vista que não era menos verdade que o general Kurt von
Schleicher intentava não apenas permanecer no cargo de Ministro da Defesa, mas alçar
também o posto de Chanceler.
Por fim, o destino final de Papen já era esperado. A 17 de novembro de 1932, após a
sua péssima atuação e pelas conspirações traiçoeiras do general Schleicher, ele renuncia.
Agora, que o seu caminho ficara livre, Schleicher pensara estar acima de qualquer trama,
tendo uma errônea ilusão de que poderia domar os nacional-socialistas, tanto quanto fora com
Brünning e com Papen31. Agora, o ar de Berlim estava intoxicado de intrigas e tramas que se
tornaram comuns. Finalmente, em 02 de dezembro de 1932, Hindenburg nomearia o general
Kurt von Schleicher como Reichskanzler da República de Weimar.
Durante seu mandato como chanceler, Kurt von Schleicher procurou dividir os
nacional-socialistas. Schleicher, sorrateiramente colocou Gregor Strasser, um dos lugares-
31
Durante a permanecia de Papen na Chanceleria do Reich, a Alemanha viveu períodos de muita animosidade
entre forças da S.A e comunistas. Nas ruas alemães inúmeros combates renhidos entre nazistas e comunistas, se
verificaram no mês de junho, levando a baixas a ambos os lados. Havia ainda, documentos apreendidos pelas
repartições do governo diziam respeito a um possível coup d’état por parte da S.A. A iminência de uma guerra
civil beirava a realidade. Vale dizer que, não apenas o NSDAP tinha o seu grupo de paramilitares, mas,
semelhantemente, os socialdemocratas também tinham seu equivalente a S.A: a Reichsbanner.
34
tentes do NSDAP contra Hitler, quando ofereceu a este cargo de vice chanceler. Desse modo,
as notícias demorariam a chegar aos principais líderes do NSDAP, que se reuniriam com
Strasser para tratar das conversações de um dos principais líderes do movimento. O
historiador William L. Shirer (2008) descreve o episódio do mês de dezembro de 1932:
No dia 7, Hitler e Strasser tiveram uma conversa no Kaiserhof, que degenerou numa
tremenda disputa. Hitler acusou seu principal lugar tenente de tentar apunhala-lo
pelas costas, afastá-lo de sua liderança e dividir o movimento nazista. Strasser negou
acaloradamente a acusação, jurou que tinha sido leal, mas acusou Hitler de levar o
partido à destruição. Aparentemente deixara de dizer certas coisas que cresciam em
seu íntimo desde 1925. De volta a seu quarto, no hotel Excesior, disse-as todas numa
carta a Hitler, terminando com sua renúncia a todos os cargos no partido. A carta,
que chegou a Hitler no dia 8, segundo o diário de Goebbels, caiu “como uma
bomba”. (SHIRER, 2008, p. 243)
devotar a fidelidade a república que dava seus últimos passos). Em Berlim circulavam boatos
da iminência de um possível golpe por parte do Exército – os rumores davam conta de que o
comandante-em-chefe do exército, o general von Hammerstein e o antigo chanceler
Scheleicher, juntamente com a guarnição de Potsdam se reuniriam para um Putsch face a
ameaça da chegada de Hitler na Chancelaria, mas tal acontecimento não chegou as vias de
fato.
Apesar em reuniões anteriores Hindenburg, ter demonstrado inúmeras vezes que não
tinha nenhuma afeição por Hitler, o velho presidente teve que rever sua antipatia para com o
“Cabo da Boemia” e para com o NSDAP, algo que foi em muito influenciado pelas
recomendações de Oscar von Hindenburg, Franz von Papen, e em seguida, pelo próprio
Hitler que dava falsas garantias ao velho presidente que manteria a Alemanha sob a luz da
constituição; além de garantir evitar uma possível guerra civil com seus opositores e de jamais
colaborar para a implementação de um estado ditatorial, o que se mostrou nos anos seguintes
uma falácia.
Enquanto isso, os elementos partidários da esquerda alemã poderiam ter se agrupado
para vetar as pretensões do NSDAP, mas não o fizeram a tempo. Sociais-democratas e
comunistas há muito continuavam em suas trocas de recriminações mútuas. O curso da
história alemã poderia ser modificado com a união de todos os setores partidários contrários
ao partido nazista, caso houvesse disposição destes grupos políticos antagônicos reunindo-se
em uma forte coalisão, criando, assim, pela via legal, condições adversas para os nazistas?
Pelo menos, não teriam chegado de forma tão fácil ao poder. Aliando relatos de testemunhas
da época assomadas as suas impressões sobre a chegada de Hitler ao poder, o historiador
britânico Laurence Rees (2013) profere que:
A indicação de Hitler a chanceler, no entanto, não foi vista por todos como um
divisor de águas na história da Alemanha. “A princípio, nós não o levávamos a
sério”, conta Herbert Richter, veterano da Primeira Guerra e alguém que até então
havia sido imune ao carisma de Hitler, “porque no primeiro governo de Hitler, os
nazistas nem eram maioria”. Richter sentia “já que Hitler estava cercado de pessoas
bastante sensatas”, portanto, “eles não podiam causar tantos danos”. Quanto a Josef
Felder, político socialista, ele relembra que “nós acreditávamos que ainda
poderíamos controlá-lo (Hitler), através do parlamento, uma insânia total!” E mesmo
depois que ele testemunhou o abismo ao qual Hitler conduziu a Alemanha, von
Papen ainda se recusava a aceitar a inteira responsabilidade por seu julgamento
equivocado catastrófico ao providenciar para que Hitler chegasse a chanceler. Ele
escreveu que Hitler se tornou chanceler “através dos processos normais
democráticos” e que “ainda parecia sensato supor que o encarregado pelo governo
fosse adotar uma postura diferente”, em lugar daquela, “de um chefe de Estado
irresponsável”. Mas para os que acreditavam na liderança carismática de Adolf
Hitler, esse momento foi de imenso significado. Em seus discursos de eleição, Hitler
dissera abertamente que desprezava a democracia e queria eliminá-la. Dessa forma,
36
para os partidários nazistas isso não foi apenas uma mudança no governo, mas o
começo de uma mudança nos sistemas políticos. (REES, 2013, p. 66)
Estava modelada a narrativa que daria vida ao programa de supressão das liberdades
individuais alemãs, pois os mais fervorosos nazistas como Herman Göring, Heinrich
Himmler, Paul Joseph Goebbels e Hitler utilizariam o episódio para riscar do mapa qualquer
oposição política ao NSDAP, proporcionando aos nacional-socialistas de configurarem a sua
ideologia, criando os mecanismos necessários para que o NSDAP se tornasse um grupo
monolítico em busca da ordem e que fizesse a Alemanha se tornar gradativamente em um
Estado totalitário. Mais tarde, com o consentimento de ampla maioria do Reichstag, o
parlamento subscreveria o Gesetz zur Behebung der Not von Volk und Reich – o Ato de
Autorização (Lei para a eliminação do perigo contra o povo e Reich) – que de forma legal
fazia com que os partidos até então existentes entregassem a Hitler a autoridade constitucional
exclusiva, assim, o parlamento alemão seria mais uma entidade figurativa e irrelevante.
Nesse período, inúmeras redações de jornais comunistas foram fechadas e muito
menos possível era as reuniões que ajuntassem comunistas. Até mesmo reuniões de
37
como força militar da Alemanha. (FEST, 2006) O historiador Barry A. Leach32 (1975)
comenta o episódio.
A maioria dos generais encarou o discurso de Hitler como uma tentativa vulgar de
conquistar seu apoio com promessas de expansão militar. Não obstante, o perigo de
uma reação violenta por parte da França, ou da Polônia, ou de ambas, era bastante
real para alarmar os Generais von Fritsch e Fromm. O Chefe do Truppenamt,
General Adam, partilhava da preocupação desses generais e, um mês depois, quando
os poloneses começaram a reforçar suas guarnições na fortaleza Westerplatte, perto
de Danzig, ele declarou: “No momento não podemos realizar uma guerra. Temos de
fazer de tudo para evita-la, mesmo que nos custe uma derrota diplomática”.
(LEACH, 1975, p. 36)
Por outro lado, muitos jovens dos novos quadros formados pela Reichswehr seguiam
calorosamente acolhendo o discurso do nacional-socialismo, ainda que este fosse carregado
de elementos antissemíticos. Deste modo, cada vez mais, o nacional-socialismo ganhava lugar
nas consciências dos jovens oficiais.
No dia 17 de maio de 1933, Hitler discursou no Reichstag, onde evocava os princípios
de uma política externa pautada pela paz e o diálogo com as nações e pelo restabelecimento
de igualdades de tratamento para a Alemanha quanto ao desenvolvimento de sua indústria
bélica. Em 14 de outubro 1933, diante dos desarranjos na Conferência para o Desarmamento,
realizado em Genebra, Suíça, Hitler determinava a saída da Alemanha das negociações e,
posteriormente, por intermédio de um plebiscito nacional, ratificava medidas que fariam com
que a Alemanha abandonasse a Liga das Nações, feito apoiado pela maior parte da população
alemã descontente com as condições de tratamento dispensadas a Alemanha pelos países da
Liga.
O tempo corria e o ano 1934, Hitler percebia que precisaria das lideranças da
Reichswehr para garantir a estabilidade durante seu governo. Todavia, como ele conseguiria o
apoio de significativa parte dos oficiais alemães? Obviamente, ele falaria a linguagem dos
militares que há muito vinham se preocupando com as ações desordenadas das S.A. Para fins
de continuidade e rápida expansão do programa de rearmamento das forças armadas, Hitler
estabeleceu em 04 de abril de 1934, o Conselho de Defesa do Reich, durante o período que
tornara-se evidente a tensão existente entre a liderança das S.A e elementos da alta cúpula do
Exército que chamavam atenção do novo chanceler.
32
O Doutor e historiador britânico, Barry Leach é um dos grandes estudiosos da história militar alemã, tal qual
Sir Liddell Hart. Além disso, Leach pertenceu as fileiras das forças armadas britânicas e esteve na década de 50
adido junto ao Bundeswehr, lugar que foi de fundamental importância para seu despertado interesse pela história
militar alemã. Cf. BARNETT, Correlli (org.). OS GENERAIS DE HITLER. [recurso eletrônico] Jorge Zahar
ed., 3ª Edição, Rio de Janeiro, 2001.
39
Para se ter uma ideia, em 1930, a S.S e a S.A totalizavam uma força de mais de
100.000 homens que ultrapassavam os quadros da Reichswehr, e em 1934, a S.A. era uma
organização que já tinha mais de 2 milhões de membros, e ameaçavam provocar um putsch
contra o Exército e contra o governo NSDAP, dando cabo de uma “segunda revolução”
comandada pelo seu Chefe do Estado-Maior, Ernest Röhm e outros líderes radicais da S.A.
Deveras, o temor do Exército não era de todo infundado.
Até mesmo o vice-chanceler von Papen, tinha discursado na universidade de Marbug,
em 17 de junho de 1934, recriminando o estado de violência impetrado pelas S.A. Neste caso,
as negociações secretas entre Hitler e a cúpula do Exército e da Marinha continuavam sendo
realizadas durante o mês de abril de 1934, com vista à contenção da ameaça das S.A., e
também, para garantir que Hitler tivesse o aval dos militares para suceder Hindenburg na
presidência do Reich após o seu falecimento. A 16 de maio de 1934, o pacto Deustchland era
assinado e dava as devidas garantias para que Hitler substituísse o velho general.
Apesar disto, no dia 21 de junho de 1934, o presidente Hindenburg dava o ultimatum a
Hitler para que as tensões, que tinham incorrido nos últimos meses à face de um possível
golpe da S.A, fossem resolvidas. Hindenburg também advertia o jovem chanceler que
decretaria lei marcial por toda Alemanha e passaria o comando da nação para o Alto
Comando do Exército. Em linhas gerais, Hindenburg eximia o Exército de uma ação frente à
S.A arranjando para que os generais lavassem as mãos, deixando a tarefa do expurgo para as
unidades de homens como Heinrich Himmler e Herman Göring – que há muito já vinham
tramando um complot contra Röhm e inimigos de esquerda e direita na Alemanha –
utilizassem as unidades policiais da Schutzstaffel (SS) e da Geheime Staatspolizei (Gestapo)
para eliminar seus inimigos.
Em 30 de junho de 1934 um grande expurgo dentro das fileiras da S.A e do NSDAP é
realizado. “Em Berlim sob a direção de Himmler e Göring, cerca de 150 líderes da SA foram
cercados e fuzilados por pelotões de tiro na Escola de Cadetes de Lichterfelde.” (BUTLER,
2008). Ernest Röhm é executado, assim como uma série de inúmeros líderes e da S.A. Nesse
ato, aproveitando o caos instaurado pela “correção”, agentes da S.S trataram de assassinar os
generais Kurt von Bredow e Schleicher (o antigo general e chanceler que era uma incógnita
para os planos nazistas) e de um dos mais importantes homens do NSDAP – Gregor Strasser.
Todos mortos num claro acerto de contas.
33
O juramento é citado na clássica obra Ascensão e queda do Terceiro Reich, volume I: triunfo e consolidação.
O juramento que fora formulado pelo Major-General Walter von Reichenau (um devotado nazista), revelava o
seguinte postulado: “Faço perante Deus este sagrado juramento de que renderei incondicional obediência a Adolf
Hitler, Führer do povo e do Reich alemão, supremo comandante das forças armadas, e de que estarei pronto
como um corajoso soldado a arriscar minha vida a qualquer momento por este juramento.” SHIRER, William L.
Op. cit., p. 308. Cabe destacar que na observação do historiador militar Correlli Douglas Barnett (2011): “O
Exército voltou às boas graças um mês depois quando, ao falecer Hindenburg, reconheceu Hitler como
comandante-chefe supremo das Forças Armadas e lhe prestou um juramento pessoal (que Reichenau redigira),
comprometendo-se a servi-lo lealmente “até a morte”. Rundstedt presidiu pessoalmente a cerimônia de
juramento nas divisões do 1º Grupo de Exércitos e compareceu, juntamente com Blomberg, Fritsch e outros
generais e almirantes graduados, como convidados de honra, ao comício anual do Partido Nazista em
Nuremberg, em setembro de 1934. Mais cedo naquele ano, Eugen Ott, um tenente-coronel que servia no
Ministério da Defesa, ouvira Rundstedt e Schleicher “descomporem Hitler de uma maneira pavarosa”.7 No seu
depoimento nos julgamentos por crimes de guerra em Nuremberg, Rundstedt, que com freqüência menosprezara
em particular Hitler e os nazistas, sustentou que sempre fora contra o nazismo, mas que não pudera fazer isso
41
Desde à chegada do NSDP ao poder, o cenário não poderia ser mais perfeito para o
entourage nazista. Em suas mãos, a liderança nacional-socialista teria o controle do rádio e
imprensa, portanto, nada poderia ser mais favorável aos seus desígnios. A verdade é que,
quando da ascensão ao poder, os nacional-socialistas promoveram uma a disseminação de
componentes ideológicos que eram diluídos pelos espaços de produção cultural da Alemanha
com fins de promoção dos projetos de homens como Henrich Himmler, Alfred Rosenberg,
Joseph Gobbels, Walter Darré, expoentes da elite nazista que pretendiam erradicar a
moralidade judaico-cristã, cunhando uma nova moral, nazificada, justificada nas proposições
pseudocientíficas do darwinismo social e antigos mitos nórdicos, com o aval gradativo do
Führer alemão.
Na nova ordem instaurada pelos nazistas, nem todos encontrariam seu lugar ao sol. No
caso de Himmler, Peter Longerich (2013) nos dá uma descrição caótica de seus ideais de
reestabelecimento de uma nova moralidade baseada magma da doutrina nacional-socialista:
Quando se analisam mais de perto esses discursos e materiais, percebe-se que, para
o mundo imaginário ideológico de Himmler, parece ter sido fundamental a ideia de
que havia uma raça superior nórdica ou germânica que, como povo líder da “raça
branca” e, assim, também representante de toda a humanidade, travava uma batalha
milenar contra inimigos de raças inferiores. Essa situação de conflito culminaria em
uma disputa final entre os povos de raça superior, isto é, os “germanos”, e seus
abertamente porque “um soldado não pode participar de atividades políticas”. Ver BARNETT, Correlli. Os
Generais de Hitler. [Recurso Eletrônico] Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, pp. 210-211
42
34
Como sugere o historiador americano, David B. Dennis (2014) sobre as tentativas de reconfiguração da
mentalidade alemã efetivada pelo Völkischer Beobachter. Ver DENNIS, David B. Desumanidades:
interpretações nazistas da cultura ocidental/David B. Dennis; tradução João Barata. – São Paulo: Madras, 2014.
35
Cf. O Triunfo da Vontade. Direção e produção: Leni Riefenstahl. Alemanha, 1936, DVD, 130 min.
Distribuição: Wonder Multimidia.
43
36
O caso dos judeus é um dos problemas que foram tratados de maneira incisiva na obra Modernidade e
Holocausto, escrita pelo sociólogo polonês, Zygmunt Bauman. 36 O sociólogo polonês não está sozinho nessa
tarefa. De maneira similar, filósofos como Vladimir Tismăneanu (2017), Hannah Arendt (2008), Eric Voegelin
(2007), entre outros, abordaram, cada um a seu modo, as aporias da modernidade.
44
De todo modo, os nacional-socialistas estavam tão cegos com sua ideologia que
acabaram perdendo significativa parte dos mais capazes talentos da ciência alemã, vide o
destacado caso de Albert Einstein que renunciou a sua cidadania alemã em face da
perseguição impingida pelos nazistas contra acadêmicos judeus, e que ganhou repercussão na
imprensa internacional. No mais, outros judeus permaneceram na Alemanha e, assim, optaram
pela recusa em se retirar de seus lugares de origem, afinal, antigos veteranos judeus que há
muito viviam na Alemanha e tinham se sacrificado na Grande Guerra, tinham esperança de
que estariam protegidos do fundamentalismo ideológico que começava a ganhar vulto nas
consciências de muitos alemães totalmente devotados ao nacional-socialismo ou que estavam
aderindo ao NSDAP.
Os judeus não eram os únicos a serem encalçados nos primeiros anos do governo
nazista. Nem mesmo os cristãos escaparam das perseguições e prisões, apesar de que por
37
Ver MEDAWAR, J. S. O presente de Hitler / Jean Medawar e David Pyker; tradução de Antonio Nogueira
Machado. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2010.
45
38
Eugênio Pacelli, seria eleito como sumo pontífice da igreja Católica Romana. Para saber mais sobre a relação
entre o Vaticano e o NSDAP, ver GODMAN, Peter. O Vaticano e Hitler : a condenação secreta / Peter Godman ;
tradução Evandro Ferreira e Silva ; revisão da tradução Marcelo Brandão Cipolla. – São Paulo : Martins Fontes,
2007.
46
Pode-se ver que mesmo com os claros sinais de segregação e antissemitismo na esfera
vida de milhões de alemães, a política restauração econômica nacional-socialista fluía para
que a Alemanha retomasse seu crescimento, mascarando o drama social experienciado por
milhares de pessoas que não se vincularam ao regime. Continuamente, a polícia econômica do
Dr. Schacht (economista do Reich) era conhecida como Wehrwirtschaff, fazendo que a maior
parte do setor industrial da Alemanha se crescesse através solidificação de uma economia de
guerra, que beneficiava indiscutivelmente a Wehrmacht, afora o fato de que, depois de mais
de mais de anos de governo republicano, os índices de desemprego, agora, caiam
drasticamente.
Agora, a nazificação da cultura acontecia a largos passos e após cinco anos, a mudança
de mentalidade e a arquitetura da memória coletiva do povo alemão estava posta em curso.
Depois de cinco anos no poder, se tornara evidente para parcela de alemães dentro da Alta
Comando cúpula da Wehrmacht e que calorosamente tinham flertado com Hitler, que as
ressonâncias na política externa de Hitler poderiam arrastar a Alemanha para um estado de
guerra. Seria possível reverter esse quadro?
47
39
Na elucidativa obra OS GENERAIS DE HITLER, o historiador Robert O’neill (2010) fala sobre o processo de
transição no comando do Exército Alemão, aludindo para o fato de que “ao saber, em fins de 1933, da queda
iminente de Hammerstein, Fritsch hesitou, antes de aceitar a nomeação. Imaginara que o posto que ocupava seria
o último antes da aposentadoria e pouco desejo sentia de herdar os problemas de seu antecessor. Concordou
apenas depois de consultar seu mentor e ex-comandante do Exército, general Hans von Seeckt. No dia 3 de
janeiro de 1934, iniciou o processo de receber o posto das mãos de Hammerstein e, no dia 1º de fevereiro,
49
que por fim daria plausibilidade ao Chanceler para que novas iniciativas de recuperação e
tomada de novos territórios fossem iniciadas nos anos sucessivos. Em seguida, Hitler tratou,
logo após a ocupação da Renânia, para que novos discursos de aclamação a paz mundial
fossem imediatamente propagados no Reichstag, ainda que nos bastidores da política alemã
sua ideia fosse outra.
[...] o golpe bem-sucedido de Hitler na Renânia deu-lhe uma vitória mais estonteante
e mais funesta em suas terríveis conseqüências do que seria percebido na época.
Internamente, ele fortaleceu a popularidade e o poder, [...] Assegurou sua
ascendência sobre os generais, que vacilaram e fraquejaram no clímax da crise,
enquanto ele permanecera firme. (SHIRER, 2008, p. 395)
A reunião começou às 16:15h e durou até às 20:30h, sendo que Hitler foi quem mais
falou. O que tinha para dizer, iniciou, era fruto de “exaustiva deliberação e das
experiências de quatro anos e meio de poder”. [...] “O objetivo da política alemã”,
disse, “é tornar firme e preservar a comunidade racial e engrandecê-la. Trata-se, por
conseguinte, de uma questão de espaço (Lebensraum)”. Os alemães, expôs, tinham
“o direito de um maior espaço vital que os demais povos (...) O futuro da Alemanha
achava-se, portanto, inteiramente condicionado à solução do problema de
necessidade de espaço”. Onde? Não em algumas remotas colônias da África ou da
Ásia, mas no coração da Europa, “nas proximidades imediatas do Reich”. [...] Dois
países “insufladores de ódio”, afirmou Hitler, se colocavam no caminho da
Alemanha: a Inglaterra e a França. Esses países se opunham a qualquer
fortalecimento futurou da posição da Alemanha.” (SHIRER, 2008, p. 409)
Ainda na reunião, Hitler elencou a Rússia soviética como uma iminente ameaça, tal
qual as democracias ocidentais da Europa. Assim, cenários de hipotéticos conflitos com essas
nações ou como elas possivelmente reagiriam frente a expansão do programa armamentista
40
Gian Galeazzo Ciano e Konstantin Freiherr von Neurath foram os homens mais importantes para a formação
do acordo que daria forma ao Eixo. A 25 de novembro de 1937, Hitler designava Joachim von Ribbentrop para
concretizar o pacto anti-Comintern junto com o Japão.
52
alemão foram traçados pelo líder alemão, não sem que alguns generais começaram a objetar a
posição de Hitler em relação a política externa. Sobre isso, o historiador Joaquim Fest (2006)
assevera que:
41
Tudo começou quando o Marechal do Reich casou com uma certa Fraulein Gruhn. Gruhn também havia sido
secretária de Blomberg. O historiador inglês Ian Kershaw (2006) particulariza o cerimonial, afirmando que o
casamento ocorreu debaixo de notório segredo. No casamento, estivera presente a alta cúpula do NSDAP,
inclusive o próprio Hitler e Göring que foram testemunhas do matrimônio que ocorreu no dia 12 de janeiro de
1938. O casamento repercutiu de forma modesta nos jornais de Berlim, mas nas semanas seguintes a vida do
Comandante da Wehrmacht mudou radicalmente.
42
THE OTHER SIDE OF HILL (1948) surgiu após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o então capitão
do exército inglês, Sir Basil Liddell Hart teve a oportunidade de ser um dos primeiros militares a entrevistar uma
série de oficiais de alta patente da Wehrmacht por um certo período de tempo. A preocupação de Hart era que tão
logo se estabelecesse o contato com os oficiais generais, os depoimentos/testemunhos, fossem depressa
classificados e transmutados em narrativa histórica, isto em virtude do temor daquele historiador de que as
memórias dos generais caíssem no esquecimento. Os depoimentos apreendidos por Hart são indiscutivelmente
esclarecedores para o entendimento da conjuntura evolutiva do Exército alemão nos anos que antecederam à
guerra, ao passo que Hart tem uma preocupação quanto ao confronto dos testemunhos obtidos e a verificação
junto aos arquivos documentais não apenas dos Aliados, mas das fontes do Eixo. Mesmo com os cruzamentos
dos dados obtidos, Liddell Hart pontuava a necessidade de todas as facetas do maior conflito da história humana
serem analisados. Igualmente, com a utilização da consulta de testemunhos do “outro lado da colina”, a narrativa
militar alemã acerca da guerra não haveria de ser menosprezada, atentando apenas para uma visão única dos
fatos históricos, o que, para o historiador militar, implicaria em um silenciamento do passado de singulares
personagens que estiveram intimamente ligados aos principais momentos da história alemã entre os anos de 1920
54
Butler (2008) em A GESTAPO : A história da polícia secreta de Hitler : 1933-1939, que narra
a sordidez dos atos de Reinhard Heydrich, um dos homens envolvidos nos bastidores da trama
para destituir Blomberg no período em que se seguiu o trâmite matrimonial.
a 1945. O Outro Lado da Colina de Liddell Hart está distante de ser uma apologia da Wehrmacht, mas pretende
fazer justiça a ideias estereotipadas, errôneas e equivocadas sobre as atuações dos oficiais-generais alemães no
período que antecede a Segunda Guerra Mundial e no transcorrer dela.
43
Verificamos duas posições controversas dos historiadores acerca da reação de Blomberg após a denúncia e
escândalo envolvendo ele e sua esposa. Em das mais das mais responsáveis biografias sobre Hitler, o inglês Ian
Kershaw (2010) elucida que “presumindo que Blomberg ignorasse o passado nebuloso de sua mulher e na
esperança de abafar a questão e evitar um escândalo público, Göring tratou de persuadir o marechal de campo a
anular imediatamente o casamento. Para o espanto e desgosto de Göring e Hitler, Blomberg negou-se a fazê-lo.
Na manhã de 27 de janeiro, Hitler teve sua última audiência com Blomberg. Começou de forma acalorada, mas
ficou mais calma e terminou com Hitler oferecendo a Blomberg a perspectiva de reintegrar-se, tudo esquecido
com Hitler oferecendo a Blomberg a perspectiva de reintegrar-se e, tudo esquecido, se a Alemanha se envolvesse
numa guerra. Um dia depois, Blomberg foi embora: atravessou a fronteira da Itália para iniciar um ano de exílio,
[...].” Cf. KERSHAW, Ian. Op. cit., p. 426. Entretanto, o historiador William L. Shirer (2008) diz que “o
marechal-de-campo parece ter ficado esmagado pelas revelações acerca de sua mulher e propôs divorciar-se dela
imediatamente. Göring explicou, delicadamente, que isso não seria suficiente. O próprio comando do exército
exigia sua renúncia.” A convergência no relato de Kershaw (2006) e Shirer (2008) a respeito dos momentos que
anteciparam sua saída é notada a partir do momento em que William L. Shire afirma que “Blomberg escreveu
em suas memórias não publicadas que Hitler, em seu encontro final, prometeu-lhe “com a maior ênfase”, que lhe
seria dado o supremo comando das forças armadas na eventualidade da guerra. Como tantas outras promessas de
Hitler, esta não foi mantida. O nome do marechal-de-campo foi riscado para sempre das listas do exército, [...]
Ao regressar à Alemanha, Blomberg, junto com a mulher, instalou-se na peque vila bávara de Wiesse, onde
viveu em completa obscuridade até o fim da guerra.” Vide SHIRER. Op. cit., pp. 420 – 421.
55
Kershaw (2010) acredita que Hitler teria pedido está ficha Himmler pensando numa
possível indicação de von Fritsch ao comando da Wehrmacht e para tanto, queria novamente
se resguardar de um novo e eventual escândalo. Em contrapartida, outros historiadores
admitem a possibilidade de um conluio provocado sordidamente por membros seletos da elite
dirigente do NSDAP, com o intuito de destituir o comandante do Exército que era
efetivamente contra as finalidades agressivas e expansionistas da política externa de Hitler.
E inegável que Werner von Fritsch fosse um oficial renomado, mas não era nem de
longe um partidário e muito menos entusiasta do regime nazista, haja vista que ele era
reconhecidamente um homem contrário aos nazistas, e sobretudo, Fritsch, assim como Beck,
ficara em alerta após a emblemática reunião com Hitler, ocorrida no dia 5 de novembro de
1937. Continuamente, no dia 25 de janeiro, um dossiê comprometedor da Gestapo sobre
Fritsch era entregue por Herman Göring a Hitler. Shirer (2008) nos diz que:
[...] Himmler e seu mais importante auxiliar, Heydrich, chefe da S.D., o Serviço de
Segurança das S.S., [...] pretendia provar que o general von Fritsch fora culpado de
delitos homossexuais, de acordo com a seção 175 do Código Criminal Alemão, e
que estivera dando dinheiro, sob chantagem, a um ex-sentenciado, desde 1935, para
silenciar a respeito do assunto. (SHIRER, 2008, p. 422)
O general repetiu várias vezes, de forma fria e serena, que jamais vira aquele homem
em sua vida e deu a Hitler sua palavra de honra que não tinha nada a ver com aquilo.
Hitler havia esperando, assim contou aos seus generais alguns dias depois, que
Fritsch jogasse a ficha aos seus pés. Seu comportamento contido não impressionou.
De sua parte, Fritsch achou difícil que Hitler e Göring mantivessem suas suspeitas e
ignorassem a palavra de honra de um oficial alemão de alto escalão. A verdade, [...]
era que Hitler havia perdido a fé em Fritsch. (KERSHAW, 2010, p. 428)
44
William L. Shire (2008) argumenta com veemência que “alguns historiadores ingleses relataram que Beck
insistiu com ele para realizar imediatamente um golpe militar contra o governo de Hitler, mas Fritsch recusou.”
Chama-nos a atenção a relevância que Shirer (2008) atribui ao historiador Wolfgang Förster, homem
responsável por escrever a biografia - Ein General kämpft gegen den Krieg (1949), sem tradução para o
português - do General Beck. Shirer (2008) narra a ótica de Föster, afirmando que “alguns dias depois, quando já
era em tarde, Fritsch e seus associados mais próximos, Beck sendo um deles, pensaram seriamente em
contramedidas militares, ao serem reformados Blomberg [...] e mais 16 antigos generais e 44 outros transferidos
para comandos secundários. Mas abandonaram logo tão perigosas idéias.” SHIRER, William. Op. cit., p. 424.
57
Com a percepção do tempo histórico e por intermédio das fontes que temos hoje,
podemos constatar que a ação não foi levada às últimas consequências. Porém é inegável que
nesse período a tensão se estabelecia na alta liderança política do NSDAP. Ininterruptamente,
discursões na Chancelaria seguiam sobre como Hitler contornaria a crise Blomberg-Fritsch.
Em face disso, Hitler chamou o general Wilhelm Bodewin Johann Gustav Keitel e outros
militares para debaterem por quais modos eles poderiam implementar uma reorganização no
quadro de comando da Wehrmacht. Assim, “o Ministério da Guerra foi extinto e em seu lugar
criado o OKW, Alto-Comando da Wehrmacht, [...] sob a chefia de Wilhelm Keitel45: [...].”
(FEST, 2006, p. 630)
Precisamente em 4 de fevereiro de 1938, Hitler assumia o controle efetivo da
estratégia militar alemã. Assumira o Alto-Comando da Wehrmacht (OWK), juntamente com
45
De acordo com Liddell Hart (1980) “Hitler explorou o choque moral sofrido pelo quadro de oficiais
aproveitando a oportunidade para assumir o comando-supremo das forças armadas alemãs. Isto preparou o
caminho para que Hitler controlasse definitivamente a estratégia, permitindo ao mesmo tempo que Himmler se
fortificasse. O general Keitel, cujas intrigas debilitaram o processo maciço dos generais contra o tratamento
dispensado a Fritsch, foi designado sucessor de Blomberg, mas com “status” inferior, e, a partir daí, só
conseguiu manter-se no cargo por subserviência a Hitler. Um soldado de maior reputação, o general von
Brauchitsch, que não integrava o grupo reacionário nem o partido nazista, recebeu o comando do Exército. Ver
HART, Liddell. Op. cit., p. 20.
58
seu lacaio, Keitel, um oficial de talento, mas soberbamente simpatizante do NSDAP. “[...]
Hitler, ‘inserindo-se’ entre os líderes da Wehrmacht, dividiu os chefes militares para
enfraquecer sua estrutura.” (HART, 1980, p. 103)
A desculpa da reforma ministerial foi um duro golpe nos oficiais generais que ainda se
ressentiam pela saída de Fritsch e que perderem, pela oscilação e falta de coesão na esfera do
pensamento, oportuno momento para tomar uma atitude enérgica contra e desferir um golpe
decisivo contra a liderança do NSDAP. Ao povo alemão, na época, foi-lhes dito que o general
von Blomberg e o general von Fritsch tiveram que renunciar aos cargos por fatores
relacionados à saúde.
Assim, Fritsch foi afastado de uma vez e para sempre, antes de seu julgamento por um
tribunal militar de honra que, Hitler sabia, o isentaria de culpa. Isto afigurou-se
particularmente ultrajante para os antigos generais, mas nada poderiam fazer a
respeito, pois foram remetidos para o refugo pelo mesmo decreto. Dezesseis deles,
incluído os generais von Rundstedt, von Leeb, von Witzleben, von Kluge e von Kleist,
foram destituídos de seus comandos, e 44 outros, considerados menos entusiastas em
sua devoção ao nazismo, foram transferidos. (SHIRER, 2008, p. 426)
46
O julgamento de Von Fritsch terminaria no dia 18 de março de 1938. Ao final, o general obteria absolvição
pelas acusações a ele imputadas. Em seu papel como antigo Comandante do Exército alemão, Fritsch sentiu na
obrigação de reaver sua honra, em uma cartada final. O historiador Shirer (2008) diz que “o general deposto, que
se recusara a levantar o dedo acusador para Himmler no tribunal, agora adotava um gesto final inócuo. Desafiou
o chefe da Gestapo para um duelo. O desafio, formulado de perfeito acordo com o velho código de honra militar
pelo próprio general Beck, foi entregue ao general von Rundstedt, como o oficial do exército mais antigo, para
transmiti-lo ao chefe das S.S. Mas faltou coragem a Rundstedt, que o deixou no bolso durante semanas e
terminou esquecendo-o.” Cf. SHIRER, William L. Op. cit., p. 472.
47
Apesar do seu afastamento, Neurath continuou com contatos com a liderança nazista sendo nomeado
posteriormente Reichsprotektor da Boêmia e Morávia durante o período posterior a ocupação da
Tchecoslováquia.
59
von Hassel, ambos diplomatas de renome, escaparam, sendo destituídos de seus cargos; o
primeiro sendo removido da embaixada alemã em Tóquio; e o segundo e retirado da
embaixada em Roma. William L. Shirer (2008) comenta as mudanças enérgicas do atípico
dia.
“mãos beijadas” a soberania da Áustria. Aquilo soava dissonante ante ao que Papen tinha
garantido em seu contato anterior com o Chanceler da Áustria.
Antes a fatídica tarde terminasse, Schuschnigg seria mais uma vez chamado a
presença de Hitler para ser pressionado, não sem antes ouvir ameaças acerca de uma possível
incursão militar contra o território austríaco pela Alemanha, e por fim, terminaria assinando o
documento, todavia informou a Hitler que, para fins legais e em última instância, o Presidente
da Áustria, Wilhelm Miklas, deveria assentir com o documento. Em linhas gerais, o
historiador Kershaw (2010) comenta que o ultimatum deveria:
O informe que seguia para estes homens era que o exército alemão devia agir o mais rápido
possível. Logo, o responsável pelo planejamento das ordens a nível geral serem emitidas para
unidades da Luftwaffe e três corpos do exército seriam esboçadas pelo general Eric von
Manstein. Similarmente, Hitler, que assumiria pessoalmente o OKW, controlaria o fluxo da
operação/invasão que estaria fixada para março de 1938. (KERSHAW, 2010) Pode-se dizer
que o Führer alemão não tomaria a iniciativa antes de informar a Benito Mussolini seus
passos diplomáticos e intenções na questão austríaca. Joachim Fest (2006) comenta que:
austríaco tornava Seyss Inquart Chanceler da Áustria. A verdade era que Seyss se tornaria
mais uma marionete da Chancelaria em Berlim. No dia 13 de março de 1938, Adolf Hitler,
Führer da Alemanha, entrava na Áustria. O historiador Ian Kershaw (2010), biógrafo do
Chanceler da Alemanha, narra o momento de sua chegada em Linz, na Alta Áustria.
Seus guarda-costas abriram caminho em meio à multidão para que ele pudesse
chegar a pé à prefeitura. Sinos repicaram; a multidão extasiada gritava “Heil”; Seß-
Inquart mal conseguia se fazer ouvir em suas palavras introdutórias. Hitler parecia
profundamente comovido. Lágrimas escorreram por seu rosto. Em seu discurso, da
sacada da prefeitura de Linz, disse às massas, que o interrompiam constantemente
com aclamações arrebatadas, que a Providência o havia escolhido para devolver sua
terra natal ao Reich alemão. Eles eram testemunha agora de que ele cumprira sua
missão. (KERSHAW, 2010, p. 444)
4.1 Unentschlossenheit
nova anexação territorial que seria reivindicada através do chamado Fall Grün – Caso Verde
– operação destinada a incorporação do território da Tchecoslováquia.
Na realidade, o território da Tchecoslováquia não apenas serviria para expansão do
espaço vital alemão, mas, assim como a Áustria, traria para o Reich uma somatória de
recursos indispensáveis no campo bélico, a despeito que até mesmo homens como Göring
receassem com alguma reação por parte da Inglaterra e França caso alguma hostil na
diplomacia alemã fosse tomada. Ele não foi o único. Foi essa sombra de incerteza quando ao
destino da Alemanha que começou a preocupar, em especial, homens como o almirante
Wilhelm Canaris, emblemático chefe da Inteligência Militar Alemã e os generais Beck e
Halder.
Na nova conjuntura política que se desenrolava, destacava-se o Ministro do Exterior –
Joachim von Ribbentrop – homem que acreditava ser este o um momento mais oportuno para
apoiar Hitler em uma agressão contra a Tchecoslováquia, já que tivera seu papel ofuscado por
Herman Göring no período da crise austríaca. Contudo, o historiador Ian Kershaw (20100
comenta que “apesar de toda a influência de Ribbentrop, não há dúvida de que a crise que
levou a Europa à beira da guerra no verão de 1938 foi instigada e dirigida pelo próprio
Hitler.” (KERSHAW, 2010, pp. 450-452)
Agora chegara a vez da Tchecoslováquia. Hitler acreditava mais uma vez que as
potências da Europa Ocidental nada fariam. Os franceses estavam muito preocupados com
seus problemas internos ante a renúncia de seu primeiro-ministro, Camille Chautemps. Já os
ingleses apostaram alto nas conclusões amistosas de Chamberlain (primeiro-ministro) que
lutava por uma melhoria nas relações da Inglaterra com a Alemanha. Ambos países
empalideceram diante da crise austríaca e não ousaram em usar a força militar contra as ações
alemãs. Além disso, Hitler estava convicto de que “os recalcitrantes generais alemães, depois
do êxito do Anschluss [...] não mais se oporiam ao seu caminho. Se tivesse quaisquer dúvidas
a respeito, elas foram sanadas pelo desenlace do assunto Fritsch.” (SHIRER, 2008, p. 471)
Próximo do final do mês de março, Hitler, Rudolf Hess, Joachim Ribbentrop e Konrad
Henlein – líder do Partido Sudeto Alemão (uma versão mimetizada do NSDAP), seriam os
precursores de uma crise que atingiria profundamente o governo de Edvard Beneš, líder da
Tchecoslováquia. Henlein seria o “Seyss Inquart tcheco” que minaria um “acordo” entre
Hitler e Beneš.
Para acertá-lo Henlei partiu velozmente para Berlim, uma quinzena depois da
anexação da Áustria e, a 28 de março, conferenciara a portas fechadas com Hitler,
por três horas, estando presentes também Ribbentrop e Hess. As instruções de
64
mesmo assim os riscos de uma guerra localizada. Porém no dia 23 de maio uma nova
reviravolta: o Führer alemão sabia que seus passos eram, agora, demasiadamente arriscados e
precisava agir com cautela caso não quisesse provocar um conflito. Precisava que as nações
confiassem em suas nobres intenções com a região dos Sudetos.
Hitler advertiu o Ministério do Exterior para emitir considerações ao embaixador
tcheco em Berlim de que não existia nenhuma postura hostil do governo alemão contra a
Tchecoslováquia e muito menos alguma concentração de unidades militares alemães na
fronteira. As potências ocidentais, inclusive o governo moscovita, descansaram achando que
desta vez as reivindicações alemãs cessariam, muito embora, aquilo fosse um simulacro
discursivo. “Mas Hitler ficou ultrajado com a perda de prestígio da Alemanha.” (KERSHAW,
2010, p. 459). O Führer alemão tinha dado um passo atrás, em vista da mobilização das
forças armadas da Tchecoslováquia, contudo, ele estava longe de deixar de lado a questão dos
Sudetos alemães.
Ante o recuo na questão tcheca, Hitler optou por convocar no dia 28 de maio de 1938
a cúpula da Wehrmacht. Assim, os comandantes das três forças – Marinha, Exército e
Aeronáutica – fizeram-se presentes. Hitler deixava claro para os presentes que eles deveriam
providenciar os planos para uma ação decisiva contra a Tchecoslováquia. Na nova
modificação implementada para o Caso Verde, Hitler deixava clara suas intenções bélicas.
Joaquim Fest (2006) explana a retórica ofensiva utilizada no meeting por Hitler.
Hitler continuasse testando os limites da Inglaterra, França e até mesmo da União Soviética.
Uma coisa era a volta da conscrição e o enfrentamento as duras cláusulas que os vencedores
impuseram em Versalhes, mas levar adiante o Caso Verde, era por demais surreal para Beck e
outros generais – seria o passo final para a conflagração de uma nova guerra na Europa para
qual a Alemanha não estava preparada. Joaquim Fest (2006) nos diz que o “chefe do Estado-
Maior do Exército, mais do que qualquer outro, tentou impedir os projetos belicistas de
Hitler.” (FEST, 2006, p. 648)
Os alertas de Beck constavam nos memorandos enviados, desde o dia 21 de abril de
1938, para o Comandante do Exército Alemão, o general von Brauchitsch. Para Beck, uma
ação alemã contra o estado tcheco provocaria uma reação massiva por parte da União
Soviética, Inglaterra e Rússia, assomando ao fato de uma iminente e soberba ajuda logística
dos Estados Unidos para estes países. O historiador militar Barry Leach (1975) considera que:
Para fazer tal afirmação Beck tinha se baseado nos relatórios dos Adidos Militares
Alemães, especialmente os do General Barão Gery von Schweppenburg e do seu
sucessor em Londres, Coronel Freiherr von Bechtolscheim. Os Adidos Militares
eram oficiais do Estado-Maior Geral escolhidos por apresentarem qualidades de
tato, sociabilidade e competência militar. (LEACH, 1975, p. 61)
A apreensão de Beck retornava para a memória traumática dos alemães que tinham
vivido um conflito em duas frentes e estava às portas de uma nova guerra. Agora, a reunião no
final de maio causara uma profunda ressonância no íntimo de Beck, e com a data da
preparação para execução do Caso Verde marcada com data limite para o dia 1 de outubro.
Beck decidiu agir, pois “a partir dessa data, Hitler estaria decidido ‘a explorar todas as
oportunidades políticas favoráveis’ a fim de alcançar seu objetivo. Era uma decisão pela
guerra – se preciso fosse, mesmo contra as potências ocidentais.” (KERSHAW, 2010, p. 459)
Dias depois, Beck sabendo o que precisava ser feito, emitiria mais memorandos
tecendo duras críticas ao Caso Verde e admoestando e prevendo, para o Comandante do
Exército, um cenário sombrio para a Alemanha. Enquanto isso, em uma nova Diretiva emitida
para a Wehrmacht entre os dias 18 de junho e 7 de julho de 1938, Hitler transmitia uma série
de orientações que aludiam que apenas utilizaria força militar contra a Tchecoslováquia caso
estivesse plenamente convencido de que a França e a Inglaterra não intervissem, mas, de igual
modo, considerava a possibilidade de retaliação contra estes países caso isto acontecesse.
Nesse meio tempo, Beck percebera, que seus memorandos entregues ao Comandante
do Exército não chegavam a Hitler. A insatisfação de Beck levou-o a escrever um último
memorando. Evocando sua consciência, o Chefe do Estado-Maior do Exército alemão
67
advertia Hitler a não agir com a força das armas na questão dos Sudetos. William L. Shirer
(2008) declara:
A estratégia de Beck era clara: todos os generais deveriam resistir as tratativas bélicas
de Hitler, deixando seus cargos. Assim, se tornaria inviável para Hitler comandar sozinho a
máquina de guerra alemã.
Não somente, insistia, deviam os generais ir à greve para que Hitler iniciasse uma
guerra, mas também ajudar a aniquilar o Terceiro Reich. [...] Um Estado e sua
sociedade dirigidos pela lei deviam ser restaurados. Beck resumiu seu programa de
reformas: “Pelo Führer, contra a guerra, contra a direção dos chefes, paz com a
Igreja, liberdade de expressão para a opinião, e fim ao terror da Tchecoslováquia;
[...]”. (SHIRER, 2008, p. 489)
Hitler reagiu com uma medida heterodoxa: convocou para uma reunião no Berghof
em 10 de agosto não a liderança militar, mas um seleto grupo de oficiais seniores de
segundo escalão, aqueles que poderiam esperar uma promoção rápida caso houvesse
um conflito armado. Evidentemente, esperava obter influência sobre os chefes
militares por intermédio de seus subordinados. Mas ficou desapontado. Sua arenga,
que durou várias horas, não conseguiu convencer a plateia – que conhecia bem o
conteúdo do memorando de julho de Beck. A crise de confiança entre Hitler e o alto
escalão do Exército havia atingido um grau sério. Ao mesmo tempo, os oficiais
reunidos estavam divididos entre si, alguns dos quais assumindo uma posição cada
vez mais crítica a Beck. (KERSHAW, 2010, p. 461)
Ao mesmo tampo em que vibrara com a saída de seu ferrenho opositor, Hitler cuidara
de que a saída do general não fosse noticiada na imprensa alemã, certo de que não houvesse
especulações internacionais sobre divergências dentro da cúpula do exército alemão. No lugar
do antigo general, Hitler nomeou o general Franz Halder, homem que vinha da linhagem de
antigos militares da região da Bavária. Halder tinha sido indicado por Beck, antes de sua saída
do Estado-Maior, “[...] Beck recomendou-o a Brauchitsch como seu sucessor, pois estava
convencido de que Halder compartilhava de suas opiniões.” (SHIRER, 2008, p. 493). Beck
estava certo? Teria Halder culhões para conduzir uma conspiração contra o Führer da
Alemanha?
discutir filosofia, história, arte, ciência e literatura e que, à medida que o tempo passava – ou
se esgotava –, se constituiu num dos centros da oposição.” (SHIRER, 2008, p. 494)
Com o passar do tempo, Goedeller buscou uma aproximação do
Mittwochsgesellschaft com antinazistas dentro da Wehrmacht.48 Para isso, ele tentou
estabelecer ligações com o general von Hammerstein (antigo Comandante do Exército) para
que o general influenciasse oficiais generais dentro do Exército que poderiam destituir Hitler
do poder. Com demasiada cautela, era preciso aumentar a rede da resistência. Similarmente,
Rabian von Schlabrendorff vinha, há muito, mantendo ligações com o coronel Hans Oster,
ajudante de ordens do almirante Wilhelm Franz Canaris (Chefe da Inteligência Militar –
Abwehr).
O centro de resistência considerou seriamente que apenas com o apoio moral, suporte
material e logístico do Exército é que um levante contra o regime nazista obteria êxito, e por
fim, antes que uma ação contra a liderança do NSDAP fosse executada, Berlim deveria estar
sob o comando de um comando de área que fizesse parte da conspiração. Esse era o grande
entrave para Mittwochsgesellschaft: eles teriam que contar com homens em lugares
estratégicos e, neste caso, dois dos oficiais generais antinazistas Hammerstein e Beck estavam
fora de postos chave no Exército. Até mesmo o novo chefe do Estado-Maior Geral, o general
Franz Halder – que estava ciente da conspiração – não tinha o comando das forças militares.
(LEACH, 2001)
Vale salientar que os conspiradores não confiavam de todo no comandante do Exército
para participação direta no complot contra o regime nazista, a não ser que todas as peças
estivessem arranjadas numa última hora, todavia, para sorte deles, através de contatos com os
militares antinazistas, o círculo de conspiradores logo pode descobrir que poriam contar com
o apoio do general conde Erich von Brockdorff-Ahlefeld, que tinha sob seu comando
unidades blindadas da guarnição de Potsdam; e também com o suporte do general Erwin von
Witzleben – comandante do Distrito Militar de Berlim, o III Wehrkreis – setor que
compreendia a capital do Reich e suas imediações. Assim, para prosseguimento do plano, o
48
Obviamente que Goerdeler não estava só. Ao seu lado estavam homens como o conde Helmuth von Molke; o
conde Albrecht Bernstorff; Julius Leber, Wilhelm Leuschner e Jakob Kaiser, líderes sindicais; Hjalmar Horace
Greeley Schacht e Johannes Popitz, um renomado economista (ambos receberam condecorações notáveis por
seus feitos na economia alemã durante os primeiros anos do governo de Hitler); Karl Ludwig Freiherr von und
zu Guttenber; Bernd Gisevius e Arthur Nebe; Ulrich von Hassell, destacado diplomata alemão; Ewald von
Kleist; Rabian von Schlabrendorff; Dietrich Bonhöeffer, e o general Beck. Joaquim Fest (2006) considera que
“agora se juntavam pela primeira vez homens de todas as procedências políticas, [...].” Cf. FEST, Joaquim. Op.
cit., 2006, p. 646.
71
general Franz Halder admitiu aos conspiradores que emitiria um alerta de ação tão logo
recebesse o aviso de ataque a Tchecoslováquia por parte do Alto Comando da Wehrmacht.
O plano dos conspiradores, que continuava evoluindo no fim de agosto, era prender
Hitler assim que consumasse a ordem de ataque à Tchecoslováquia e arrastá-lo
perante um de seus próprios Tribunais do Povo, sob a acusação de que procurara
temerariamente atirar a Alemanha numa guerra europeia e que, por conseguinte, não
estava mais em condição de governar. Entrementes, num prazo curto haveria uma
ditadura militar, a que se seguiria um governo provisório presidido por algum
eminente civil. E no devido tempo seria formado um governo democrático
conservador. (SHIRER, 2008, p. 497)
húngaro, Miklós Horthy de Nagybánya. Para Hitler, era imperativo que estes estados dessem
garantias de que nada fariam para não acirrar a crise internacional.
Similarmente, a 30 de agosto, o gabinete britânico coagia o governo do presidente
Edvard Beneš: “ou aceitavam o programa de Henlein para dar autonomia aos alemães dos
Sudetos dentro do Estado tchecoslovaco, [...] ou estariam perdidos. Em 5 de setembro, o
Presidente Edvard Beneš , [...] cedeu à pressão.” (KERSHAW, 2010, p. 464). Precisamente
no dia 5 de setembro, Edvard Beneš reuniu-se com as principais lideranças dos Sudetos
deixando claro que estes tinham sido atendidos em suas reivindicações, mas isto era o
contrário das aspirações de Hitler e de Henlein que precisavam de um pretexto para provocar
uma incursão e consequente anexação de todo território da Tchecoslováquia e não apenas dos
Sudetos. “A 7 de setembro, Henlein, por instruções da Alemanha, rompeu todas as
negociações com o governo tcheco. Dera a desculpa esfarrapada de uma alegada violência da
polícia tcheca em Moracská Ostrava.” (SHIRER, 2008, p. 507)
Durante a crise, a Wehrmacht seguia com seus preparativos para a data limite
estabelecida por Hitler – 01 de outubro de 1938, o afamado Dia X. Precisamente no início de
setembro, o chanceler alemão reuniu mais uma vez a liderança do Alto Comando da
Werhmacht – primeiro no dia 3, no Berghof; e, logo depois, na cidade de Nuremberg, no
transcurso da noite do dia 9 para 10 de setembro de 1938, onde se encontravam Keitel,
Brauchitsch e Franz Halder. Na reunião, com exceção de Keitel, os generais deixaram suas
impressões acerca do Caso Verde.
Os pormenores da discussão de Hitler com os generais do Exército foram narrados no
diário do general Alfred Josef Ferdinand Jodl, Chefe do Estado-Maior da Wehrmacht, diário
apresentado como prova para as condenações deste general em Nuremberg, anos depois. Nele,
Jodl [embebido pela ideologia nacional-socialista] exprimia sua insatisfação com esses
homens que eram arrogantes, vacilantes e incapazes de ver o talento político e reconhecer a
liderança de Hitler. Ainda, foi Jold que recebeu do general von Stülpnagel (integrante do
Estado-Maior do Exército e envolvido até o pescoço com os conspiradores) uma solicitação
para que Alto Comando da Wehrmacht emitisse um aviso para dar ciência [com horas de
antecedência] ao Exército sobre a mobilização, reforçando as solicitações anteriores de
Halder, algo natural dada as circunstâncias operacionais, mas que ocultava a evidência de que
Halder e Stülpnagel precisavam da informação para alertar os conspiradores.
Agora, faltava um último acerto para os conjurados: garantias de que “Inglaterra e a
França iriam à guerra contra a Alemanha, caso Hitler cumprisse sua resolução de atacar a
Tchecoslováquia.” (SHIRER, 2008, p. 503) Desde o dia 18 de agosto, os conspiradores já
73
tinham enviado Ewald von Kleist a Londres que foi recebido por Sir Robert Vansittart e,
depois, por Winston Churchill.49 Kleist informou a estes homens da data provável de um
ataque da Alemanha contra a Tchecoslováquia e que alguns generais do Exército alemão
estavam dispostos a agirem contra Hitler, no entanto, dependiam das garantias da Inglaterra
no sentido de que o governo britânico cessasse com sua política “apaziguadora” com a
Alemanha.50
No entanto, Fest (2006) comenta que ainda que informações sobre as verdadeiras
intenções de Hitler chegassem à Londres e Paris, os gabinetes não estavam nenhum pouco
abertos a darem ouvidos a um grupo de conspiradores que poderiam abrir caminho para um
futuro governo de a la bolchevique, conforme apontava o general francês Gamelin.
49
Em Churchill – a life [Churchill – uma vida], o historiador britânico Martin Gilbert49 (2016) narra o episódio
envolvendo Kleist e Chruchil relatando que “em 19 de agosto, Churchill recebeu em Chartwell um oficial do
exército alemão, o major Ewald von Kleist, que fazia parte de um grupo de oficiais antinazistas que se opunham
a um ataque alemão à Tchecoslováquia. Von Kleist pediu a Churchill uma carta que pudesse mostrar aos seus
companheiros. “Tenho certeza de que a travessia da fronteira da Tchecoslováquia pelo exército ou pela aviação,
em força, significará a possibilidade de uma guerra mundial”, escreveu Churchill. “Tenho tanta certeza quanto
tive no final de julho de 1914 de que a Grã-Bretanha marcharia ao lado da França, e agora é certo que os Estados
Unidos são fortemente antinazistas. Essa guerra, se começar, conduzirá, como a última, a um final muito
amargo, e não devemos considerar o que suceder nos primeiros meses, mas onde estaremos no final do terceiro
ou quarto ano.” Ver GILBERT, Martin. Churchill: uma vida, volume 2 / Martin Gilbert; tradução de Vernáculo
Gabinete de tradução. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2016, p. 59.
50
Em posse de uma carta com as considerações de Churchill a respeito do futuro caótico da Europa, Ewald von
Kleist retornou para a Alemanha para mostra-la aos principais líderes militares do movimento conspiratório em
Berlim. Os esforços dos conspiradores por um apoio dos britânicos continuram. Halder, Beck, Hammerstein,
Canaris, Oster e outros, tentaram advertir no dia 21 de agosto e em 2 de setembro de 1938 das intenções hostis
de Hitler, enviando, especialmente em setembro, o tenente-coronel Hans Böhm-Tettelbach. Böhm-Tettelbach
deveria manter contato, na Inglaterra, com o Ministério da Guerra e persuadi-lo. Sua missão foi em vão. A
última cartada/apelo diplomático enviada aos britânicos pelos conspiradores foi entregue através de Theoror
Kordt, homem que integrava o Ministério do Exterior de Joaquim von Ribbentrop. Como o diplomata alemão,
Theodor Kordt estava adido na embaixada alemã em Londres e fora cooptado para o movimento insurreto. Kordt
buscou ligações, a 5 de setembro, com lorde Halifax, através de Sir Horace Wilson e “lá, informou
inopinadamente [...] que Hitler planejava ordenar a mobilização geral para 16 de setembro, que o ataque à
Tchecoslováquia fora fixado o mais tardar para 1º de outubro, [...].” Theoror Kordt, continuamente, fez o mesmo
pedido de Ewald von Kleist quanto a uma intervenção britânica e francesa que dariam o aval para que os
generais agissem. Cf. SHIRER, William. Op. cit., 2008, p. 506.
74
tempo, já tinham do seu lado Paul Schmidt51para informa-los dos detalhes da reunião. O
encontro, que foi realizado sem a presença de nenhum diplomata tcheco, foi marcado pela
insistência de Hitler em que os Sudetos se integrassem ao Reich alemão em virtude das óbices
que os 3 milhões de pessoas experienciavam sob o governo de Beneš, após a revolta ocorrida
no território reivindicado por Hitler, que acabou por fazer com que o governo Tcheco
debelasse o foco de resistência dos Sudetos com a disposição de tropas na região que
pusessem em vigor lei marcial.
Hitler seguia advertindo o ministro inglês que ainda que as potências ocidentais não
aceitassem suas reivindicações, optaria pelo uso da força contra os tchecos. Fest (2006)
afiança que Hitler “[...] prosseguiu, afirmando que ‘poderia ser determinante que a Inglaterra
estivesse pronta a admitir uma secessão do território dos Sudetos com base no direito de
autodeterminação dos povos.” (FEST, 2006, p. 442) A reunião findou com o dado de que um
plebiscito poderia evitar o risco de uma guerra. Com a saída do ministro inglês e com
consciência do que se passara na reunião, Theodor Korld levou os informes ao conhecimento
do coronel Hans Oster; “nessa mesma noite [...] ficou resolvido prosseguir com os planos
assim que Hitler regressasse a Berlim.” (SHIRER, 2008, p. 537)52
Chamberlain retornou a Londres para levar a pauta abordada com Hitler para
conhecimento do gabinete inglês, ao passo que Hitler decidiu por se resguardar de qualquer
ação militar contra os tchecos. De fato, ele acreditava que a questão dos Sudetos seria a
última reivindicação de Hitler, Churchill não pensava assim, ele considerava que o império
britânico pagaria caro por sua postura de conciliação com a Alemanha. (GUILBERT, 2016)
Em 22 de setembro, com posse de um plano anglo-francês, Chamberlain tem um
segundo encontro com Hitler, em Godesberg, no interior do Hotel Peterserg. Dessa vez, Hitler
apresentou ao Primeiro-Ministro um plano modificado dada a turbulência que se originara nos
Sudetos e que fora reprimida com o uso da força por Beneš. O encontro foi ratificado por
51
Paul Schmidt, [secretamente fazia parte do círculo restrito de conspiradores], era o encarregado naquele dia de
fazer as traduções no diálogo que seria estabelecido entre Hitler e Chamberlain.
52
É imperativo considerar que a situação da Tchecoslováquia se tornava ainda mais delicada em face de que no
dia 21 de setembro o governo polonês solicitava, tal qual a Alemanha, que fosse realizado um plebiscito em
Teschen, distrito que continha, dentro do território tcheco, uma considerável minoria polonesa.
Semelhantemente, o governo húngaro, após uma série de pressões alemãs para que fizessem parte da “partilha do
território tcheco”, chegava a um consenso de que deveriam juntar-se aos poloneses, em suas reivindicações
territoriais. Era óbvio que as feridas da última Grande Guerra ainda estavam abertas. A esse tempo, unidades
militares polonesas e húngaras estavam postas nas abrangências dos seus respectivos territórios de fronteira.
Com a tensão no ar, a ideia de uma guerra, pelo menos para as principais autoridades da Europa não era
descartada, ainda mais, quando Lord Ruciman que saíra de Praga como enviado especial britânico para a questão
dos Sudetos, retornou a Inglaterra e “até concordava nesse momento com o perigo de agressão de um Estado
tcheco remanescente contra a Alemanha nazista, [...] suas fantásticas recomendações aparentemente causaram
profunda impressão ao gabinete britânico e serviram à intenção de Chamberlain de ir ao encontro das exigências
de Hitler.” Ver SHIRER, William. Op. cit., p. 515.
75
novas exigências de Hitler. Chamberlain não se demorou muito no Peterserg, a reunião não
lhe agradara.53 No dia 23 de setembro, o ministro inglês “escreveu uma carta a Hitler. Ele
submeteria as novas exigências alemãs aos tchecos, mas não julgava que pudessem aceitá-las.
[...] ele não tinha dúvida de que os tchecos resistiriam violentamente [...].” (SHIRER, 2008, p.
521)
Chamberlain se encontraria mais uma vez com Hitler na noite do dia 23 de setembro a
título de evitar um conflito a qualquer custo. A conversa se desenrolou com a demarcação
visível em um mapa entregue a Chamberlain com a sequência da fala de Hitler sobre toda
população tcheca deveria começar uma retirada da região. O apelo não era atoa, existe uma
justificativa militar camuflada. O historiador militar Norman Davies (2009) pontua que, ante a
iminência de um ataque alemão, “na época, não era nem um pouco certo que o bem equipado
exército tcheco fosse facilmente desalojado das suas fronteiras montanhosas bastante
fortificadas.” (DAVIES, 2009, p. 165)
Enquanto os dois líderes ocidentais discutiam, um informe chegara à Chancelaria do
Reich informando que Beneš tinha mobilizado as forças armadas ante o risco de uma incursão
alemã. William L. Shirer (2008) pontua que a sala, [...] ficou num silêncio mortal. Então
Hitler falou: “Agora, naturalmente, todo o assunto está resolvido. Os tchecos não pensam
ceder nenhum território à Alemanha.” (SHIRER, 2008, p. 521) A conversa de Hitler com o
ministro inglês ultrapassou a noite do dia 23 e adentrou na madrugada. Notadamente,
Chamberlain estava profundamente consternado e não deixou de relatar ao líder alemão sua
desesperança após fazer tanto esforço por uma solução pacífica e conciliadora para ambos
países. Hitler tergiversou e considerou uma data viável – 01 de outubro – para que os tchecos
cedessem em suas novas reivindicações.
Paralelamente, o governo tcheco tinha ciência das novas reivindicações alemães e
apelavam aos franceses e ingleses que rejeitassem as reivindicações de Adolf Hitler, mas não
apenas isto, que dessem a palavra de que se moveriam suas unidades militares que já tinham
sido mobilizadas no dia 24 de setembro para que adotassem medidas efetivas caso a
Tchecoslováquia fosse atacada, porém, os franceses esperavam o envolvimento de unidades
53
Assim, o Primeiro-Ministro inglês retornou para sua hospedagem no Hotel Dreesen, mas ainda manteve
contato, a posteriori, com o Joaquim von Ribbentrop. O ministro do exterior alemão deu a conhecer a
Chamberlain que, imperativamente, Hitler exigia a retirada completa do exército tcheco da região dos Sudetos, o
que era compreensível haja vista o maquiavelismo hitlerista de solapar furtivamente um dos maiores bastiões
defensivos da Tchecoslováquia que se localizava na região de fronteira com a Alemanha. Ian Kershaw (2010)
considera que os pedidos de Hitler na ótica de Chamberlain correspondiam a um ultimato e quando da volta do
Ministro à Inglaterra, todavia, Chamberlain lutava para que um conflito fosse evitado a todo custo.
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militares britânicas num conflito futuro com a Alemanha, e foi exatamente esse um dos
motivos da inércia dos franceses.
Não estaríamos errados em afirmar que para acentuar os temores de uma nova guerra,
nos entre os dias 25, 26 e 27 de setembro, enviados especiais do governo francês e inglês
seguiam ponderando o impasse gerado pelo memorando de Hitler e procurando atenuar os
efeitos da crise, como foi o caso da visita de Sir Horace John Wilson que tinha por fim
promover uma conciliação entre os interesses tchecos e alemães na questão dos Sudetos. Até
mesmo o presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, fizera no dia 26 um pedido para
que o líder alemão colaborasse com a paz e que Hitler poderia ser culpabilizado por causar
uma conflagração bélica na Europa.
O cenário para Hitler parecia começar a se modificar, a medida em que, nos dias
posteriores ele soube da mobilização, por meio do adido militar alemão na França, e de que as
forças armadas francesas postaram 65 divisões na fronteira com a Alemanha. Segundo os
dados disponibilizados através do adido militar alemão em Praga, a mobilização das forças
militares da Tchecoslováquia era estimada em aproximadamente casa dos 800 mil homens. Os
ingleses também mobilizaram suas forças armadas em conformidade ao estado de emergência
que fora posto em curso durante aqueles dias.
Joaquim Fest (2006) comenta que “em Londres cavavam abrigos contra os ataques
aéreos e esvaziavam os hospitais; a população parisiense em massa abandonava a cidade.”
(FEST, 2006, p. 646). Daí a pressão de Chamberlain para forçar que o governo tcheco
aceitasse o plano alemão, dizendo que o destino dos Sudetos era inevitável. Isso foi o
suficiente para que Hitler enviasse uma carta por meio do telégrafo próximo do fim da noite
do dia 27. A carta era endereçada ao Primeiro-Ministro inglês, e nela Hitler amenizara seu
tom, considerando todos os esforços do governo inglês para o reestabelecimento da paz e
responsabilizando o governo de Beneš pela provável eclosão de uma guerra com a Alemanha.
Continuamente, enquanto a população da Europa começava a experimentar o clima de
tensão, próximo ao fim da manhã do dia 28 de setembro de 1938, o embaixador francês
François-Poncet e o embaixador italiano se dirigiram à Wilhelmstrasse para tratar da crise. Na
Chancelaria do Reich, o Premier da França procurava a todo custo manter um diálogo
conciliador com Hitler. Poncet chegara para audiência com Hitler às 11 horas e 15 minutos do
dia 28 de setembro de 1938. Em seu diálogo, o Premier “advertiu Hitler de que ele não
conseguiria manter localizado um conflito militar com a Tchecoslováquia, mas poria a Europa
em chamas.” (KERSHAW, 2010, 475.) As informações de Poncet davam conta dos riscos da
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Alemanha em dar um passo final em direção à guerra. O embaixador queria a todo custo
evitar um conflito maior se originasse com a invasão alemã ao território tcheco.
Nesse ínterim, a janela operacional para Mittwochsgesellschaft e para os militares
conspiradores se abrira no dia 28 de setembro, dia lembrado como a Quarta-Feira Negra. Os
conjurados estavam agora envoltos à sombra do Chefe do Estado-Maior do Exército, o
general Franz Halder; do almirante Willhelm Canaris e do coronel Hans Oster – homens que
sabiam que precisavam agir, porquanto o tempo era crucial e, acima disso, oportuno. Joaquim
Fest (2006) alerta-nos que “seus esforços antes visavam apenas a impedir a guerra mas o
radicalismo com que Hitler rumava para um conflito armado levou-os considerar a
possibilidade de um atentado ou de uma revolução.” (FEST, 2006, p. 646)
As condições para o desencadeamento da operação para derrubar Hitler do poder
agora poderia ter sido posta em execução, pois o líder alemão, agora, além de estar em
Berlim, tinha dado um ultimatum ao governo tcheco. William L. Shirer (2008) comenta a
partir do testemunho obtido de Theoror Kordt, informando-nos que com os conspiradores
militares traçaram definitivamente o momento da operação para o dia 29 de setembro de
1938, a partir do momento em que o Coronel Hans Oster, da Abwehr, obtivera uma cópia da
carta de Hitler a Chamberlain.
A “carta-cópia” fora obtida e entregue na manhã do dia 28 de setembro pelo coronel
Hans Oster. Oster tratou de levar o manuscrito ao general von Witzleben que, depois,
repassaria ao general Halder. A partir de então, estes homens apostaram todas suas fichas na
crença de que o Comandante do Exército, von Brauchitsch aderisse ao movimento. Pelo
menos assim o pensaram. O general “Witzleben telefonou a Brauchitsch do gabinete de
Halder dizendo-lhe que tudo estava preparado e pedindo que dirigisse a revolta. Mas o
comandante estava cauteloso.” (SHIRER, 2008, p. 538)
Não é certo cairmos no determinismo histórico atribuindo a inércia dos conspiradores
unicamente em vistas da postura hesitante do Comandante do Exército. Brauchitsch sabia das
negociações do governo alemão junto às potências ocidentais, e, conforme alguns
conspiradores apontavam, sabia também sobre as idas e vindas de Chamberlain e de tantos
diplomatas à Alemanha o que, na visão dele, era um entrave para um golpe no meio de um
processo de negociação da paz.
Contudo, a grande maioria dos civis e militares conspiradores achavam que o
momento havia chegado e eles deveriam antecipar a operação ao dia 28. Ainda durante a
manhã da Quarta-Feira Negra, Halder se encontrara com o comandante do III Wehrkreis, o
general von Witzleben. O plano dos conspiradores visava a tomada e conseguinte ocupação
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dos centros nevrálgicos e estratégicos do NSDAP. De acordo com Fest (2006) o von
Witzleben acreditava que o plano de levar Hitler a julgamento e depois, declara-lo como
louco, após a perícia de uma junta médica, era inviável. O general era mais pragmático: Hitler
devia morrer. Para isso, Witzleben decidiu confiar secretamente a Friedrich Wilhelm Heinz
fizesse um levantamento de homens que se engajassem no assalto à Chancelaria. Fest (2006)
pontua que:
contar com a política de apaziguamento posta em curso pela Inglaterra e representada pela
força intempestiva de Neuville Chamberlain. Ninguém pode negar o nível de tensão a que os
conspiradores estavam submetidos vide o risco que era inerente a qualquer um que ousasse
afrontar o regime nazista.
Em 29 de setembro de 1938, reuniam-se em Munique as principais lideranças políticas
da Europa no encontro mediado pelo Duce italiano. Hitler, Ribbentrop, Chamberlain,
Daladier, o conde Ciano e etc., estiveram presentes, menos os tchecos e os soviéticos (que
tinham um tratado de assistência com a Tchecoslováquia) e seriam excluídos do episódio. Isso
foi primordialmente letífero para a delegação tcheca, conforme solicitação do líder alemão,
deveria ficar de fora da mesa de negociações. Por fim, o momento das discussões foi selado
com o nefasto Acordo de Munique. Mussoline, Daladier e Chamberlain saíram do encontro e
foram saudados como responsáveis da paz mundial. (KERSHAW, 2010; MILZA, 2011)
O custo de Munique foi impensável para todo povo da Europa, ainda que ingleses,
franceses, italianos e alemães “festejassem” a forçada paz; Munique também foi um golpe
fatal no ânimo da resistência alemã que se resignou vendo Hitler ganhar o status de gigante
dentro e fora da Alemanha, quando ele passou a ter, principalmente no âmbito das relações
internacionais, um crescimento exponencial do seu prestígio, não obstante, o preço fosse o
retalhamento da Tchecolováquia. Hitler não era ingênuo ao que se passava ao seu redor,
mostrando seu desprezo por uma parcela dos mais antigos oficiais generais que ainda se
agarravam no ceticismo e tentavam por limites as suas ambições, mas, mostrou-lhes que sua
política expansionista não terminaria com a entrega dos Sudetos. Era preciso mais e foi o que
aconteceu.
Nos meses seguintes, o Führer alemão deu ordem a Wehrmacht para total ocupação do
território tcheco, jogando no lixo o Tratado de Munique e desfazendo todo esforço que os
líderes das potências ocidentais tinham gastado para preservar a paz; em seguida ele avançou,
pressionando os poloneses (aliados de ingleses e franceses) para lhe entregarem o “Corredor
polonês”, Danzig; renunciou o Acordo Naval com a Inglaterra; fez um acordo secreto com
Stalin e logo depois, quebrou o Tratado de Não Agressão realizado com a Polônia, quando
decidiu invadir o território polaco na madrugada de 01 de setembro de 1939. Era 4 horas e
trinta minutos, e a Europa acordaria para uma realidade aterradora.
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liderança nazista, voltando sua esperança para uma ação militar contra Hitler que poderia ser
desencadeada pelo Ersatzheer – o Exército da Reserva. Tresckow, sem sombra de dúvidas,
seria um dos principais homens na Wehrmacht que não mediria esforços junto ao núcleo de
conspiradores de Berlim para efetivar uma tentativa de tomada do poder já durante o mês de
março de 1943.
Notavelmente, uma ação militar contra Hitler e contra as principais lideranças do
NSDAP não era uma coisa para amadores. A grande questão para aqueles que intentavam
derrubar Hitler tocava no ponto de como furar o esquema de segurança do líder nazista?
Todos sabiam que um planejamento desse tipo levaria tempo. Daí a necessidade de que a
resistência alemã tivesse homens nos lugares exatos para que soubessem de todos os passos
do Führer alemão, o que tinha ficado mais difícil desde que um civil, George Elser, quase
conseguiu matar Hitler em 1938, no interior da Bürgerbraukeller. Agindo como um lobo
solitário, Else deixou um artefato explosivo programado para detonar durante o discurso anual
de Hitler com seus camaradas do partido, no 8 de novembro de 1938, contudo, Hitler saíra a
tempo da comemoração, antes que o explosivo detonasse matando e ferindo pessoas presentes
no recinto.
Porém, as tentativas de eliminação de Hitler continuaram no ano em que os alemães
sofreram uma penosa derrota com revés em Stalingrado. Houve uma nova janela de
oportunidade para prisão de Hitler no Quartel General do Grupo de Exército B – na ocasião os
generais Hans Speidel e Hubert Lanz – envolvidos na conspiração – dariam voz de prisão ao
líder nazista, mas a agenda de Hitler o salvara. O ato não foi a contento, mas abriu o caminho
para uma sequência de ações no ano de 1943.
É verdade que a rede de informantes dos conspiradores [há um certo tempo] estavam
a par das oportunidades para executar uma ação a partir dos informes de uma provável visita
de Hitler ao Quartel-General do Grupo de Exércitos Centro – local onde havia dissidência
dentro do oficialato – o que lhes garantia a ideia e a preparação para um plano efetivo. Ian
Kershaw (2010) pontua que, no dia 13 de março de 1943, os conspiradores pretendiam alvejar
Hitler durante uma visita sua em Smolensk, momento oportuno para o início da Operação
Clarão. No entanto, “esse plano foi abandonado, uma vez que havia uma clara possibilidade
de matarem, junto com Hitler, o marechal von Kluge, comandante do Grupo de Exército do
Centro, e outros oficiais superiores.” (KERSHAW, 2010, p. 857).
Contudo, após a saída de Hitler do QG em Smolensk, o general Trescow dissimulou
explosivos em garrafas de conhaque enviou por intermédio do conde Fabian von
Schlabrendorff – que fazia parte do Mittwochsgesellschaft e também era oficial e antigo
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conspirador, integrando o Exército da Reserva servindo com Trescow – para que o general
Heinz Brandt [integrante do Estado-Maior que partiria no voo de volta na comitiva junto com
Hitler] levasse o simulacro de encomenda destinada ao coronel Hellmuth Stieff no
Oberkommando des Heeres (Alto-Comando do Exército). O simulacro continha um
detonador, que fora acionado por Schlabrendorff com tempo de detonação estimado em 30
minutos. Deveria detonar no ar, no entanto, durante o voo, o que era esperado pelos
conspiradores não ocorrera: o artefato falhou.
Em outra ocasião, houve uma tentativa de missão suicida pelo coronel Freiherr von
Gersdorff, quando levou consigo explosivos para detonação enquanto Hitler, Keitel e Göring
estivessem visitando a Heidengedenktag, uma cerimônia realizada no dia 21 de março de
1943 em Berlim de 1943, em alusão a Dia de Memória dos Heróis. No dia, Hitler ficou menos
tempo do que o previsto, tendo tempo para salvar-se do atentado que aconteceria em minutos.
(EVANS, 2010). Em todos esses casos, o ano de 1943 nos dá a ideia de um continuum de
tentativas de para matar Hitler e por fim na guerra.
Enquanto corriam tentativas de eliminação de Hitler e suas consecutivas falhas a
Gestapo começava a sondar e a efetuar prisões de elementos da oposição. Era impossível que
uma oposição que ganhava vulto não despertasse atenções. (BUTLER, 2008.) Desde a prisão
em 1942 de um agente da Abwehr – chamado Schmidthuber – a Gestapo estava fazendo um
levantamento dos principais conspiradores através das informações obtidas de Schmidthuber
que delatara o envolvimento do pastor Dietrich Bonhöeffer, Josef Müller e Hans von
Dohnanyi e coronel Hans Oster numa rede de conspiração contra Hitler. No encalço dos
conspiradores, em 1943, “novas descobertas dos agentes de Himmler puseram completamente
fora de ação, em poucos meses, a Abwehr e seu chefe Canaris.” (SHIRER, 2008, p. 545.)
Apesar de tudo, agora cada vez ficava mais claro que os conspiradores estavam
dispostos a sacrificar tudo para eliminar Hitler e erradicar o NSDAP. Essa sede aumentou
ainda mais quando as conexões do Mittwochsgesellschaf com vários outros círculos da
resistência ao nazismo se acirraram, fato notado pela aproximação entre o grupo em torno de
Beck e o Kreisauer Kreis (Círculo de Kreisau), que desde os anos 40, tinha sido liderado pelo
conde Helmuth James von Moltke e pelo conde Peter Yorck von Wartenburg, grupo de
intelectuais composto por homens das mais das faces políticas diversas que nutriam um
ressentimento contra a moral nacional-socialista. (EVANS, 2010).
Nesse tempo os conspiradores haviam ganhado para sua causa o conde Claus Schenk
von Stauffenberg, o homem que marcaria definitivamente a ação de oposição ao nazismo.
Stauffenberg nascera em uma família aristocrata na região da Suábia. Fruto da geração de
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oficiais mais jovens, vira a ascensão do nacional-socialismo com uma certa simpatia ante a
sua forte retórica contra o Tratado de Versalhes e a favor da reabilitação das forças armadas
da Alemanha, ainda que não fosse um antissemita. Embora fosse um entusiasta nos primeiros
anos vitoriosos da Blitzkrieg, em 1942, assim como tantos outros oficiais, logo viria a
perceber no Front Oriental as horrendas atrocidades executadas pelos Einsatzgruppen contra
prisioneiros de guerra, judeus e outros grupos étnicos que fariam reavaliar sua posição em
relação ao nacional-socialismo. (EVANS, 2010) Em 1943, atuando na 10º Divisão Blindada
do Africa Korps, fora ferido gravemente, perdendo o olho direito, a mão direita e dois dedos
da mão esquerda. (FEST, 2006).
Foi durante o seu período de convalescença em Munique que um importante general
antinazista, Friedrich Olbricht, examinou a possibilidade de Stauffenberg pertencer não
apenas ao quadro da Repartição Geral do Exército Alemão, mas do movimento que tiraria a
vida de Hitler e que negociaria abriria o caminho para a negociação da rendição junto aos
Aliados. Apresentado ao movimento insurreto, Stauffenberg agiria como um catalisador para
os diversos círculos de conspiradores, que apesar das animosidades políticas e intenções
posteriores a um possível coup d'État, pensavam em executar uma operação que garantisse a
Alemanha uma rendição digna no pós guerra.
De fato, a presença do coronel na causa dos conspiradores deu novo ânimo.
Retornando ao serviço ativo junto ao Estado-Maior do Exército, “começou logo a praticar
com os três dedos de sua mão sã, com duas pinças, a maneira de fazer explodir uma das
bombas de fabricação inglesa, da Abwehr.” (SHIRER, 2008, p. 551). Além de Stauffenberg,
os conspiradores conseguiram o apoio do marechal-de-campo von Witzleben, antigo
participante do complot em 1938. Ademais, os conspiradores já contavam com oficiais
generais comprometidos com a causa insurreta, vide:
Nesse ponto, todos que faziam parte do movimento conspiratório sabiam que
precisavam de oficiais estratégicos na cadeia de comando da Wehrmacht e na rede de
insurgentes para uma operação pudesse obter êxito. Foi nesse contexto que a figura notória do
marechal Erwin Rommel emergiu nos diálogos travados entre os conspiradores. Por
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intermédio dos contatos com o general Karl Henrich von Stulpanagel, o general Alexander
von Falkenhausen e pela notória articulação do general Hans Speidel (influente e renomado
Chefe do Estado-Maior de Rommel e fiel a causa insurreta), Rommel fora coaptado para o
movimento, motivo? Rommel era o comandante do Grupo de Exércitos B no front oeste e
como figura de prestígio entre a população alemã poderia evitar uma guerra civil. 54
Quando o destino da Alemanha parecia se estilhaçar em caos ante a iminência invasão
do seu país, o jovem marechal do Reich decidiu por tomar parte na conspiração, mesmo com
o desagravo de algumas figuras militares entre os conspiradores que viam sua chegada com
uma certa desconfiança e desacreditavam em certa medida sua postura. Certo é que Rommel
desejava empregar seus esforços para manter contato com os Aliados e conseguir um
armistício e um julgamento de Hitler perante um tribunal militar formado após o
desencadeamento da Operação Valquíria (Unternehmen Walküre). Sua posição poderia até lhe
garantir um contato com os Aliados, mas o seu plano era demasiado utópico. Os Aliados não
cederiam para um armistício que contemplasse uma paz em separado.
Contuto, a despeito dos nomes do alto oficialato alemão, nenhum homem foi tão
decisivo quanto Stauffenbenrg. Desde o mês de setembro de 1943, o coronel buscou
54
Nenhum general alemão foi tão admirado, aclamado e homenageado por inimigos e por seus soldados quanto
Erwin Rommel. No ano de 1941, todos os grandes generais da Wehrmacht tiveram seus nomes ofuscados pelo de
Rommel. Seus feitos no Teatro de Operações alemão no Norte da África tornaram-no conhecido no mundo, era
chamado de Raposa do Deserto, mas não apenas seu engajamento e brilhantismo enquanto comandante do Africa
Korps fizeram com que sua fama se sobressaísse. A propaganda alemã precisava de destacadas figuras militares
para continuar alimentando o esforço de guerra, e neste caso, o antigo comandante da guarda pessoal de Hitler,
servia a este intento e aos interesses de Joseph Goebells, que escolheria em dois generais como personificação da
maestria das condução das operações em lugares distintos: “Rommel, na África, seria o herói do sol e Dietl, na
Finlândia, o da neve.” Cf. HART, Liddell. Op., cit., p. 67. Claro que a escolha de um general da estirpe de
Rommel não se fez de modo aleatório. Durante a Primeira Guerra Mundial em uma investida exitosa contra o
exército italiano na região do Caporetto, em 1917, fez com que ele fosse laureado com Pour le Mérite, a mais
elevada condecoração alemã da época. No período entre guerras, Rommel não laureou êxito em sua empreitada
para o núcleo do Estado-Maior Geral alemão, mas isso não minou suas atividades na recomposição do novo
exército alemão. Em 1929, na cidade de Dresden, por cerca de 4 anos, Rommel foi instrutor da Escola de
Infantaria e chegou, nos anos posteriores, a publicar um livro que abordava táticas e operações de infantaria.
Hart assinala que “esta obra encantou Hitler, ávido leitor de literatura militar, levando-o, em 1938, escolher
Rommel para o comando do batalhão que o escoltaria na marcha rumo ao território dos Sudetos. Hitler
Encontrou em Rommel um reconfortante soldado não-ortodoxo com o qual podia discutir novas idéias militares.
Ao eclodir a guerra, foi nomeado comandante do quartel-general pessoal de Hitler, o que naturalmente aumentou
o contato entre eles e suas oportunidades. Cf. HART, Liddell. Op., cit., p. 68. Próximo do entourage de Adolf
Hitler e percebendo as amplas possibilidades da blitzkrieg e do efetivo emprego de blindados, no decorrer da
campanha polonesa de 1939, Rommel solicita [durante a guerra] ao líder alemão o comando de uma divisão,
pedido este atendido, quando recebeu o comando da famosa 7ª Divisão Panzer. Assim, o jovem (general), antigo
defensor ferrenho das unidades de infantaria, passou ao estudo esmerado de obras de autores ingleses e alemães
que mostravam a dimensão e poder de unidades blindadas para no futuro da guerra. Foi no território francês que
Rommel usou ao máximo as potencialidades da blitzkrieg, avançando implacavelmente no território francês de
forma tão ousada e rápida, causando uma ruptura na linha defensiva francesa, que sua 7ª Divisao foi chamada de
Gespensterdivision (Divisão Fantasma) e, posteriormente, na Campanha da África alcançou fama na Alemanha
comandando o Afrika Korps na campanha africana. Ver também REZENDE FILHO, Cyro. Rommel: a raposa do
deserto / Cyro Rezente Filho. – 1. ed., 2ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2015.
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especialmente junto aos generais Henning von Tresckow e Friedrich Olbricht, uma maneira
de aplicar um golpe letal na liderança nazista de forma a garantir o apoio [especialmente] do
Exército. Para isso, os conspiradores tinham a Valküre (Valquíria) – plano desenvolvido por
Olbricht e que posteriormente fora revisado para que Hitler fizesse uso do Exército da
Reserva em uma possível guerra/desordem civil.
Mas o plano de Tresckow fora modificado após o general ter sido retirado de sua
posição no Grupo de Exércitos do Centro, o que implicava que a operação deveria partir
efetivamente da Reserva do Exército em Berlim, mas mesmo assim, agora, Valquíria consistia
[em síntese] num plano bem elaborado para tomar o controle dos principais centros
nevrálgicos de Berlim e de outros Distritos Militares e, posteriormente, eliminar toda e
qualquer oposição das S.S. de Himmler; garantir a prisão de toda liderança nazista; garantir a
ocupação dos campos de concentração e preparar o terreno para o processo de transição
política. As ordens para começar Valquíria foram todas datilografadas para serem expedidas
no início do levante, elas seriam, caso Hitler não morresse, a prova definitiva da participação
de uma gama de oficiais e soldados da Wehrmacht e de membros da sociedade civil alemã
que estariam cometendo crime de alta traição e quebrando o juramento de fidelidade a Adolf
Hitler.
Em Berlim, promovido a Chefe do Estado-Maior do Exército do Interior, no dia 01 de
junho de 1944, Stauffenberg teria uma posição chave que lhe conferiria a oportunidade para
dar ciência ao general Friedrich Fromm (seu comandante imediato) das suas intenções. Mas
não apenas isto, agora o coronel Stauffenberg teria a oportunidade de estar presente nas
reuniões com Hitler, ainda mais agora por causa da ampla necessidade da Wehrmacht para
recomposição dos seus quadros de militares em virtude do elevado número de baixas na
guerra.
Stauffenberg, que neste tempo assumira parte das operações, contatou o capitão Axel
von dem Bussche, um homem que estava disposto a se lançar em um ataque suicida contra
Hitler, mas o plano que tinha sido elaborado pelos conspiradores redundou em nada, face aos
desencontros de Bussche com Hitler, e posteriormente, após ter sido vítima de um gravíssimo
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ferimento no front russo. Assim, Bussche ficara impossibilitado de fazer algo. Um outro
oficial – Ewald Heinrich von Kleist – também procuraria uma oportunidade para tirar a vida
de Hitler durante uma visita do líder alemão a uma apresentação de uniformes no mês de
fevereiro de 1944, contudo, tal visita foi cancelada.
Nova oportunidade surgira quando, a 11 de março de 1944, o capitão Eberhard von
Breitenbuch, membro do Estado-Maior do Grupo de Exércitos Centro, que servia como
ajudante de campo do marechal Busch, visitou, o Berghof para participar [com seu
comandante] de uma conferência com o Hitler. “Breitenbunch declara-se disposto a atirar na
cabeça de Hitler. Sua pistola Browning estava no bolso de sua calça e pronta para ser
disparada assim que se aproximasse do Führer.” (KERSHAW, p. 864). Todavia, mais uma
vez o plano fracassou em virtude de que os ajudantes de campo, na ocasião, não tiveram
permissão para entrada no recinto onde Hitler estava. Por isso, os conspiradores creditavam
que a única maneira de eliminação do líder nazista só poderia ter êxito em reuniões, momento
em que de fato a presença de Hitler era indispensável, principalmente em suas conferências
realizadas junto com o corpo de oficiais do Estado-Maior do Exército e do Alto Comando da
Wehrmacht.
No decorrer do mês de junho, o Dia D – 06 de julho de 1944 – marcou o ponto
decisivo para os Aliados na guerra. Os conspiradores ainda lutavam para receber alguma
resposta das lideranças aliadas, muito embora ela não viesse, a não ser o pedido de rendição
incondicional. A medida em que os objetivos dos oficiais conspiradores confluíam para o
nada, seria Stauffenberg que daria a cartada final. Creditavam esses homens que pelo menos a
honra de parte da população alemã e de uma parte do Exército seria preservada.55
Com o acesso livre para conferências com Hitler, Stauffenberg levaria a contento o
plano da Valkíria. No dia 06 e 07 de julho de 1944, o coronel compareceria a conferências no
Berghof. Em ambas ocasiões o Stauffenberg carregava consigo explosivos para detonação na
sala de reuniões de Hitler, mas a falta de algumas lideranças nazistas como Himmler e
Göring, fez com que o plano fosse abortado. Naqueles dias, para os conspiradores, era
55
Com o front oeste quase entrando em colapso, os marechais Erwin Rommel e von Rundstedt e o general Hans
Spedeil chegaram em no Quartel-General avançado do OWK em Margival, França, nos dias 17 de junho e 20 de
junho de 1944, em Obersalzberg, para uma conferência de emergência com o Führer. Foi nessa ocasião, que
destemidamente Rommel falou para Hitler sobre a impossibilidade da Wehrmacht vencer os Aliados e alertou
que Hitler pusesse fim à guerra. Dias depois da última visita realizada, o marechal von Rundstedt foi removido
de seu cargo, sendo substituído pelo marechal von Kluge. Posteriormente, no dia 15 de julho, Rommel escrevia
uma dura carta a Hitler explicitando que os soldados alemães em todo Teatro de Operações Ocidental lutavam
com heroísmo, mas que o combate chegaria ao fim e, acrescentava para Hitler, que era seu dever deixar isso bem
claro enquanto comandava um Grupo de Exércitos. O fato é que Rommel confidenciou a Speidel que caso Hitler
não aceitasse seu apelo ele agiria de alguma forma. (KERSHAW, 2010; REZENDE FILHO, 2015.)
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imperativo que o Chefe das S.S. também fosse eliminado junto com Hitler. A 15 de julho de
1944, Stauffenberg participaria de mais uma reunião. Fest (2006) assevera que:
Logo, militares e civis que se integravam àqueles que queriam derrubar a cúpula do
NSDAP do poder sabiam que corriam contra o tempo para salvar o destino da Alemanha.
Após tantos reveses, no dia 20 de julho de 1944, o coronel Stauffenberfg partiria pela manhã
do aeroporto de Rangsdorf juntamente com Werner von Haeften (seu ajudante-de-ordens)
para a reunião com o Alto Comando da Wehrmacht. “Tornava-se ele, agora, o homem-chave
da conspiração, e a única probabilidade de êxito pesava-lhe sobre os ombros.” (SHIRER,
2008, p. 571). Enquanto isso, o general Beck articulava os procedimentos preliminares da
Operação Valquíria na capital do Reich.
Stauffenberg chegara após um voo pela manhã e passaria por um complexo esquema
de segurança até chegar às onze horas e trinta minutos na primeira reunião que era dirigida
pelo marechal Wilhelm Keitel. Com o término da primeira reunião, Stauffenberg pedira para
trocar uma peça de sua roupa, desta forma o coronel teria um curto espaço de tempo para
armar os explosivos que estavam no interior de uma pasta conduzida pelo tenente Haeften
para serem acionados em momento oportuno. A próxima conferência marcada para às doze
horas e trinta minutos a ser realizada no Lagebaracke e não no abrigo subterrâneo.
(KERSHAW, 2010)
Contudo, Stauffenberg fora interpelado pelo pedido brusco do ajudante-de-ordens de
Keitel que gritara para que o coronel partisse o mais rápido possível para a reunião, enquanto
que o marechal o aguardava inquieto na sala de conferências. Nesse meio tempo Stauffenberg
armou apenas uma carga dos dois explosivos que levaria consigo para a reunião e que deveria
ser acionada em menos de dez minutos. Esse seria um dos primeiros erros daquele dia.
Antes de entrar na sala de conferências, acompanhado de marechal Keitel,
“Stauffenbeg deteve-se um momento no vestíbulo para dizer ao sargento-ajudante,
encarregado da mesa de ligações telefônicas, que esperava um chamado urgente de seu
escritório em Berlim, [...].” (SHIRER, 2008 p. 578). O coronel entrou na sala quando a
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Assim, a primeiras horas que se seriam cruciais para os conspiradores após a ligação
de Fellgibel, foram momentos de inércia. Em Berlim, o general Olbricht e o general Hoepner
(oficial-general que caíra em desgraça junto a Hitler após a campanha de inverno na Rússia e
que agora fazia parte do complot) decidiram em conjunto não agir até que o chefe do Estado-
Maior chegasse. Quanto ao marechal von Witzleben, este ainda conferenciava em Zossen com
o general Eduard Wagner, membro ativo da conspiração. Wagner era o intendente que
garantiria o fornecimento de apoio logístico para as operações do Exército Alemão nas
primeiras horas da revolta.
Às 16 horas e 30 minutos quando chegara à Bendlerstrasse (QG dos conspiradores),
Stauffenberg informou aos presentes sobre a explosão e que Hitler no mínimo havia ficado
muito ferido. Olbricht informara-lhe que Fromm, o Comandante do Exército da Reserva,
ligara para Keitel que estava no Alto Comando da Wehrmacht pedindo informações a respeito
dos últimos acontecimentos na Toca do Lobo, ao passo que Keitel lhe informara que havia
ocorrido um atentado, mas que Hitler estava vivo. Neste caso, todos os conspiradores sabiam
que não podiam contar com o apoio de Fromm. A despeito desses detalhes, Stauffenberg
decidiu levar adiante a Operação Valquíria. Era imperativo que o regime fosse deposto e ele
estava disposto ir até as últimas consequências, afinal, todos estavam comprometidos. Ordens
deveriam ser emanadas paras as unidades, na oportunidade, “Beck concordou com ele. Pouca
diferença lhe fazia, disse, estar o déspota vivo ou morto. Deviam ir em frente e destruir seu
nefasto governo.” (SHIRER, 2008, p. 590).
Stauffenberg e Olbricht ainda partiriam para a sala do general Fromm que lá se
encontrava. O impassível e oportunista oficial disse que recebera a informação de Keitel que
Hitler estava vivo. Stauffenbeg desmentiu o marechal e afirmou para Fromm que presenciara
a explosão e que seria impossível que os homens presentes naquela reunião estivessem vivos.
Nesse momento, Olbritch informou a Fromm que ordens em nome do Comandante do
Exército da Reserva tinham sido emitidas. Foi o bastante para Fromm explodir em
recriminações acusando-os de quebra da cadeia de comando. Impassível, Fromm solicitou que
o coronel Stauffenberg tirasse sua própria vida.
Shirer (2008) pontua que, ademais, Fromm deu ordem de prisão para o coronel Mertz
von Quirnhehein (Chefe do Estado-Maior de Olbricht) – oficial que ousadamente emitira a
primeira e a segunda ordem [em nome do marechal-de-Campo von Witzleben] que foram
telegrafadas para os comandantes militares de área. A mensagem “[...] começava assim: ‘O
Führer, Adolf Hitler, está morto.’ Atônito, Fromm, que previra a desgraça da insurreição e
que queria logo se livrar de qualquer culpa também, dá ordem de prisão para os presentes,
90
contudo, “Stauffenberg lhe disse que, ao contrário, era ele, Fromm, que estava detido.”
(KERSHAW, 2006, p. 870). Houve confronto entre os militares que estavam no recinto e
rapidamente Fromm foi posto sob a custódia e vigilância do major Ludwig von Leonrod.
Não obstante, os procedimentos para a execução de Valquíria estavam condenados
desde o início. Em Berlim, o único lugar sob controle dos conspiradores [até então] era o
Quartel-General do Exército da Reserva. Mal terminara a luta com Fromm, um oficial da S.S.
chegara com ordem de prisão para o coronel Stauffenberg; similarmente, o Comandante do
Distrito Militar de Berlim-Brandemburgo, o general von Kortzfleich chegara querendo saber
o que se passava com Fromm. Ambos oficiais foram presos. A essa altura, Berlim estava em
um caos absoluto. Era o sinal de que o motim estava fadado ao fracasso, muito embora, as
primeiras ordens operacionais da Operação Valquíria começaram a ser a postas em execução.
Stauffenberg, também, acionara a rede dos conspiradores na França através do Chefe
do Estado-Maior do general von Stülpnagel, o tenente-coronel Cäser von Rofacker. (HART,
1980; BUTTLER, 2008). Similarmente, o general Paul von Hase (membro da conspiração
desde 1938 e parente do pastor luterano Dietrich Bonhöeffer) levou ao conhecimento do
major Otto Remmer os informes a respeito do assassinato de Hitler e a tentativa de tomada do
poder pelas S.S. Depressa, o general Hase emitiu ordens para o Major Otto Remmer:
As ordens não demorariam a vir: agora, a missão de Remmer era prender a principal
nazista que ficara em Berlim no 20 de julho – Joseph Goebbels, o fanático nazista, ministro da
Propaganda de Hitler. Com a missão de prender Goebbels, Remmer chegara ao Ministério da
Propaganda que, a esta altura já estava em contato com a Toca do Lobo, uma clara falha do
general Fellgibel que, no mínimo, deveria ter explodido a central de comunicações para que
isolassem a cadeia de comando de Hitler, muito embora, falha ainda mais fatal foi a dos
conspiradores que não cortaram as comunicações da central telefônica de Berlim.56 A cena
que se seguiu mudou todo rumo da Operação Valquíria.
56
Falha fatal também dos conspiradores foi a não tomada do quartel-general da Gestapo que ficava na Prinz
Albrechtstrasse. Outro gravíssimo erro, entre tantos daquele fatídico dia, foi a não disponibilidade dos blindados
para a causa dos conspiradores. O coronel Wolfgang Gläsemer, longe de compactuar com os conspiradores
decidira após franca conversa com o general Olbrich não participar do Putsch. Assim, como o general
Kortzfleisch que havia sido detido horas antes, o coronel sofreu o mesmo destino. Desse modo, os conspiradores
91
Remmer que chegara com a ordem de prisão para Goebbels informara-o sob a morte
de Hitler. Goebbels oportunamente garantiu que Hitler estava vivo e que o oficial lembrasse
do juramento que todos oficiais fizeram ao líder alemão. Rapidamente, para que se
esclarecesse a situação, Goebbels colocou o major Remmer em contato com o próprio Hitler,
que havia sobrevivido com alguns ferimentos do atentado na Toca do Lobo. Foi assim que
tudo mudou. Remmer que dias antes tinha sido homenageado com a Cruz de Cavalheiro com
Folhas de Carvalho (uma notória honraria para poucos oficias da Wehrmacht) concedida pelo
próprio Hitler, ouvira diretamente do Führer alemão que ele, como comandante do Batalhão
de Guardas Grossdeutschland, receberia ordens diretas de Goebbels e de Himmler e que
deveria eliminar toda e qualquer oposição levantada pelo círculo de conspiradores que estava
à volta do coronel von Stauffenberg.
A mensagem que Remmer ouvira era clara e ele não demorou para partir depressa e
debelar a rebelião dos conspiradores. “Para aqueles que ainda hesitavam, a notícia da
sobrevivência de Hitler foi uma informação vital. Entre oito e nove horas da noite, o cerco ao
bairro do governo foi levantado.” (KERSHAW, p. 874). Depressa, Remmer deslocou
unidades para o quartel-general dos conspiradores. Os céus desabaram para os insurretos
quando às 18 horas e 30 minutos a rádio da capital circulava a notícia de que Adolf Hitler
estava vivo.
A notícia que deixou atônito muitos dos opositores do regime, foi seguida por uma
série de contrainformações e contramedidas emitidas pelos conspiradores para os
comandantes do Exército Alemão, já que a extensão operativa de Valquíria estava em curso
em outros distritos militares. (BUTLER, 2008.) Em Viena, Paris e Praga, unidades da
Exército prenderam lideranças das S.S. e do partido nazista. Era notório que em outros
distritos Valquíria fora bem sucedida, mas em Berlim não. Por volta das 20 horas e 20
minutos, o marechal Keitel na Toca do Lobo percebendo o que estava acontecendo, decidiu
reparar o curso dos eventos. Anunciou através das redes de comunicação que Himmler agora
se tornava o Comandante do Exército da Reserva. No mínimo Keitel imaginara que Fromm
estava comprometido com os insurretos, afinal, não fora seu próprio chefe de Estado-Maior
que promovera um atentado em Rastenbug?
Em Berlim, morosamente o marechal-de-campo von Witzleben chegara tardiamente
para assumir seu posto como chefe interino da Wehrmacht. Antes das oito daquela noite,
Witzleben em posse das últimas informações operacionais sentira qual seria o destino da
ficaram sem um homem chave para poder mobilizar os tanques de que tanto precisavam. Gläsemer, ainda fugiria
naquela noite e partiria com ordens para retirados blindados de Berlim, fora do alcance dos conspiradores.
92
conspiração. Recriminou duramente os oficiais que não levaram Valquíria a contento levando
a operação ao consequente fracasso. Seu último ato foi [covardemente] abandonar Beck,
Olbrich, Stauffenberg e os demais militares amotinados a própria sorte no quartel-general do
Exército da Reserva. Àquela altura a operação já estava condenada per si, ainda mais quando
nova notícia chegara aos amotinados: o general Hase fora preso. Ian Kershaw (2006) afirma
que:
57
O general Beck efetuara em si dois disparos: o primeiro atingiu-o de raspão; o segundo disparo atingiu sua
cabeça provocando um grave ferimento. Fromm vendo a situação do seu velho companheiro, solicitou que um
militar presente no recinto tirasse a vida do seu antigo comandante. Cf. KERSHAW, Ian, Op. cit, p. 867.
93
para o Exército da Reserva, estava a caminho.” (KERSHAW, 2010, p. 876). Evocando uma
corte marcial em nome de Hitler, Fromm determinou que Olbricht, Stauffenberg, Mertz e
Haeften fossem sentenciados à morte. Stauffenberg em ato de extraordinária coragem moral
afirmou a Fromm que aqueles homens nada tinham a haver com a conspiração e que tinham
seguido suas ordens. Era um último pedido em vão pela vida dos que tinham lutado ao seu
lado. Fromm não o atendeu. Todos, com exceção de Hoepner, foram levados para um pátio
onde um pelotão de fuzilamento estava posto sob as luzes de faróis de veículos motorizados.
O primeiro a ser executado foi o general Olbricht. Depois o coronel Stauffenberg. Na
hora exata de sua execução foi livrado pelo seu ajudante de ordens – o Tenente Haeften – que
se jogou em sua frente. O historiador Ian Kershaw (2010) relata que “Stauffenberg foi
imediatamente colocado de novo sobre o monte de areia. Quando os tiros foram disparados,
ouviu-se ele gritar: ‘Viva a sagrada Alemanha.’ Segundos depois, Mertz von Quirnheim foi
executado também.” (KERSHAW, 2010, p. 876). Para mascarar sua posição ante a
conspiração, Fromm emitira um telegrama para o Alto Comando da Wehrmacht afirmando
que a rebelião fora sufocada, mas já era tarde demais. As unidades do recém promovido, Otto
Remer e outra unidade das S.S. sob o comando de Otto Skorzeny extinguiram as execuções de
outros envolvidos no golpe de Estado. Fromm queria apagar seus rastros, mas ele seria
implicado junto com os demais na revolta daquele dia.
Perto de 1 hora da madrugada de 21 de julho, em cadeia nacional, Hitler falara através
do rádio. Narrara o atentado e como milagrosamente escapou do atentado contra sua vida
(houvesse Stauffenberg colocado o outro explosivo, possivelmente a Providência a que tanto
evocava e a quem dizia tê-lo salvo do atentado, não o teria protegido). Hitler continuou seu
discurso falando sobre a pequena parcela de oficias ambiciosos e sem escrúpulos que não
representavam a essência das Forças Armadas da Alemanha e que liquidaria efetivamente
cada participante da conspiração.
Assim, a maior rebelião já travada em onze anos contra o governo fora posta em xeque
em poucas horas. O que se seguiu foi uma onda de prisões e execuções contra membros do
oficialato da Wehrmacht envolvidos na conspiração – especialmente do exército alemão –,
algo que Himmler queria a muito, vide sua animosidade contra o Exército. Na realidade, o
desejo do líder das S.S. era sobrepor a Wehrmacht, conforme pontua o historiador Peter
Longerich (2013). Não bastasse o terror da própria guerra, agora os tentáculos da Gestapo e
das S.S. se ampliariam para a caça às bruxas, razão pela qual o historiador alemão Joaquim
Fest (2006) assevera que “na mesma noite foi desfechada uma onda de prisões de grande
94
amplitude e dirigida contra todos os suspeitos, tivessem ou não parte no fracassado complô.”
(FEST, 2006, p. 800).
No Terceiro Reich era óbvio o destino de todos aqueles que tinham participado na
conspiração. Para os militares envolvidos, um “Tribunal de Honra” foi criado para expulsão
de todos da Wehrmacht para que os envolvidos fossem julgados e condenados à morte em um
tribunal civil. O historiador Joachim Fest (2006) assinala que o tribunal sob a presidência do
marechal von Rundstedt, Keitel, o coronel-general Heinz Guderian e mais cinco militares,
“expulsou, ignominiosamente e sem ouvi-los, uma primeira leva de vinte e dois oficiais, entre
os quais um marechal e oito generais.” (FEST, 2006, pp. 801-802).
Uma segunda onda de prisões seguiu as semanas seguintes com o desencadeamento de
uma outra grande operação promovida por Himmler em que aproximadamente 5 mil pessoas
foram presas. (EVANS, 2010). Com base numa ideia de vendeta aos moldes do nacional-
socialismo, os familiares de todos os envolvidos na resistência contra Hitler deveriam ser
perseguidos, para que não restasse nenhum grupo familiar que ameaçasse a segurança do
Reich. Todos os familiares dos conspiradores deveriam ser perseguidos. Fest (2006) ressalta
que:
[...] o mesmo aconteceu com as famílias de Goerdeler, von Tresckow, von Seydlitz,
von Lehndorff, Schwerin von Schwanenfeld, York von Wartenburg, von Moltke,
Oster, Leber, von Kleist e von Haeften e muitas outras. Ameaçou-se o marechal
Rommel de fulminar sua família com a acusação de co-responsabilidade ideológica
caso ele se recusasse a se suicidar. Os generais Burgdorff e Maisel, que lhe
transmitiram as ordens de Hitler, levaram, ao mesmo tempo, uma ampola contendo
veneno. Meia hora depois, entregavam seu cadáver a uma clínica de Ulm, proibindo
qualquer autópsia.” (FEST, 2006, p. 803.)
casos de Fabian von Schalabrendorff e de Hans Bernd Gisevius, tendo ambos sobrevivendo à
guerra.
A 7 e 8 do mês de agosto de 1944, os principais oficiais destituídos de seus lugares na
Wehrmacht, em estado deplorável, despidos de uniformes e em trajes civis surrados,
adentraram para o Julgamento em Berlim, em ato desonroso no chamado Tribunal do Povo
que era presidido pelo fanático juiz nazista, Roland Freisler. Presentes como réus naquele
julgamento de fachada, estavam: o marechal-de-Campo von Witzleben, os generais von
Fellgibel, von Hase, Hoepner, Stieffe e outros oficiais como Klausing, Bernardis Hagen, e o
ousado conde Peter York von Wartenburg, primo do coronel Stauffenberg. (SHIRER, 2008;
KERSHAW, 2010). Todos os conspiradores julgados foram sentenciados ao enforcamento na
prisão de Plotzensse.
O julgamento e a execução foram filmados para Hitler e para, posteriormente, serem
exibidos nos círculos de oficiais da Wehrmacht, servindo como um lembrete do destino de
todos aqueles que ousassem se revoltar contra o regime nazista. Os julgamentos do Tribunal
do Povo continuaram até o ano de 1945, mesmo com a guerra se aproximando do fim. Todos
envolvidos no complot de 20 de julho seriam vistos como traidores por muitos em uma
Alemanha embebida pelo fanatismo político que tinha se enraizado na consciência coletiva de
inúmeros alemães que ainda acreditavam nas promessas de Hitler e da propaganda alemã.
Tola esperança.
96
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Continuamente, ninguém pode negar que muitos dos militares se dobraram cativados
ante a perspectiva de que os anos de humilhação causados por Versalhes seriam devolvidos
com o reestabelecimento do orgulho alemão. Além disso, constatamos a tentativa de
construção uma nova memória coletiva e por meio de uma weltanschauung conectada aos
proponentes ideológicos de sádicos homens Himmler, Goebbels, Rosenberg e outros homens
pertencentes ao entourage nazista.
Naquele momento, a classe de oficias, especialmente dos generais mais antigos do
Exército que se apoiaram no lastro das decisões de Hans von Seeckt, que na década de 20 [há
muito] ampliava “nas sombras” o programa de treinamento/conscrição e produção de armas
da Reichswehr, torpemente viram na ascensão de Hitler uma oportunidade para elevação do
status das forças armadas alemãs e o resgate da moral perdida com a derrota na Grande
Guerra. Afastando-se cada vez mais dos assuntos políticos, deixando-os para o NSDAP e
concentrando-se nos assuntos técnicos e administrativos de seus cargos, os generais
permitiram que os militares fizessem um juramento de fidelidade incondicional a Hitler e não
a Alemanha, inebriados pela euforia política que projetava novos ares para o futuro dos
alemães. Assim, os generais cometeram seu primeiro erro de cálculo.
Porém, a medida que a natureza do regime se manifestava nas prisões de opositores
políticos e consequente prisões/mortes em campos de concentração; em progons contra
judeus; e na retórica belicista e antissemita, além do processo de obliteração mnemônica da
tradição judaico cristã, como aponta os estudos do cientista político e sociólogo, Vladimir
Tismăneanu (2017), que revela [em parte] a razão pela qual muitos dos oficias mais antigos
[que tinham aplaudido com ânimo] começassem a tentar [ainda que de forma residual e
gradativa] frear os intentos do líder nazista, principalmente no caso da anexação da Áustria e
da Tchecoslováquia.
Não obstante, era notório que o regime nazista não permitia dissidências de
pensamento, sendo que todos os militares que tentaram de alguma forma frear a política de
externa de Hitler foram tirados de cena. É o que nos revela as tramas envolvendo os casos dos
generais Blomberg e Fritsch; a saída do general Beck, considerado um dos patronos da
oposição a Hitler e que evocou [com insucesso] a consciência e o dever dos generais para
abandonaram suas posições no regime; e a consequente substituição dos generais mais
antigos, cerca de 16 antigos generais e outros 44 mais jovens que foram mobilizados para
comandos de área secundários, sendo substituídos por oficiais afinados com os postulados do
regime; e por fim, o devotado núcleo de intelectuais que uniram-se ao corpo de membros do
Mittwochsgesellschaft e do Kreisauer Kreis e que seriam os figuras importantes no início do
98
raras exceções, de ação efetiva para protestarem e resistirem contra políticas arbitrárias nas
áreas militares, promovidas pelos agentes ocupação nacional-socialismo.
Mas, isso não foi um impeditivo para que, nos anos durante a guerra, àqueles que
acreditavam na derrubada do regime não se recalcitrassem e continuassem fazendo
articulações meticulosas com inúmeros grupos opositores que desejavam colocar ponto final
no domínio nazista, na desordem moral e nas atrocidades cometidas contra os judeus através
dos assassinatos categóricos que foram explicitados Zygmunt Bauman (2011) quando referiu-
se aos unwerts lebens. Fatos que incontestavelmente tingiam a consciência de muitos dos
conspiradores de culpa e forçavam-nos tomarem uma posição diante da realidade sádica
experienciada por eles. Nesse ponto, o que percebemos foi que a despeito das divergências
quanto ao tipo de ação a ser feita, ambos círculos de oposição/conspiradores buscaram unir
forças para tentar manter contatos com os Aliados, algo que não tivera êxito ou resposta
decisiva, não o levando a contento. Assim, aqueles homens decidiram escolher seguir seu
próprio rumo: tomando a iniciativa para promover ações que dessem cabo no Führer alemão.
O 20 de julho de 1944 revela-nos o ápice de uma série de tentativas para pôr fim ao
regime nazista, algo que quase foi conseguido pela decisão de homens como Ludwig August
Theodor Beck, Carl Goerdeler, Dietrich Bonhöeffer, Hans Oster, Wilhelm Franz Canaris,
Henning von Trescow, Friedrich Olbricht , Claus von Stauffenberg, Werner Karl von Haeften,
Rabian von Schlabrendorff, Julius Leber, Albrecht Mertz von Quirnheim Mertz, Hans
Speidel, Günther von Kluge, Hans Dohanyi, Hasso von Erzodorf e tantos outros que, segundo
a proposição conceitual do austríaco Eric Voegelin (2007), tentaram domar o presente e lutar
contra o processo de desumanização que entorpeceu a consciência de todos àqueles que se
cingiram mimeticamente com a retórica nacional-socialista.
Não negamos que houvessem as intenções mais obtusas dos participantes das
tentativas de deposição/assassinato de Hitler. Também é evidente que a resistência alemã
envolveu civis, mas foram [decisivamente] os militares que levaram as ações militares até as
últimas consequências e posteriormente, do veredicto do julgamento, sofreram com a pecha
de traidores, ambiciosos e oportunistas. Contudo, em seus julgamentos [mesmo alquebrados]
muitos daqueles homens – não deixariam de seguir com elevado senso de honra, a exemplo
do primo de Stauffenberg, o conde Peter Yorck, que afirmara no julgamento realizado pelo
juiz Freisler que jamais seria um nazista e que não pensaria em concordar com a ideia de
justiça do nacional-socialismo que viam os judeus como párias. A postura de Yorck revela-
nos sua convicção de si e de sua decisão ante o destino da Alemanha, assinalaria sua posição
100
contrária a um estado totalitário, como o era o Terceiro Reich, que obrigavam os homens a
renunciarem à moral e as obrigações para com Deus.
Nos dias hodiernos, passados mais de 76 anos desde o atentado do 20 de julho, esses
homens [tidos à época como traidores] figuram no panteão de heróis da Alemanha. A última
celebração em homenagem aos membros da resistência alemã foi realizada no ano de 2019 no
pátio do Bendlerblock, que fica nas proximidades do parque Tiergarten em Berlim. Na
oportunidade, Angela Merkel, chanceler da República Federal da Alemanha, rendeu
homenagem aos participantes da insurreição e ressaltou a importância para os presentes e,
notadamente, para os 400 militares do Bundeswehr que prestariam juramento militar na
solenidade.
Merkel (2019) afiançou que os participantes da resistência ao nacional-socialismo
agiram com elevado patriotismo e consciência, mesmo com o risco de perderem tudo, deram
suas vidas, enquanto muitos alemães permaneceram em silêncio. Daí a raison d’être de nossa
investigação, para não incorrermos erroneamente na ideia generalizante de que todos os
membros da Wehrmacht defenderam cegamente a Adolf Hitler e o nacional-socialismo, sendo
esta perspectiva absurda per si, ainda que pensemos que os números dos opositores não
fossem amplos.
É verdade, que o debate sobre o papel dos conspiradores ainda é controverso/difuso
dentro da Alemanha e requer uma investigação muito mais densa, no entanto, discorrer sobre
a história da resistência dos oficiais da Werhmacht contra o nacional-socialismo foi a cellular
mater da nossa preocupação historiográfica, pensada e articulada para que não incorrêssemos
no erro de uma conjectura e desenvolvimento de uma narrativa não pautada no real e
desprovida de contato com as diversas camadas do momento histórico vivido pelos alemães
que lutaram contra o processo de desumanização do homem e que ousaram enfrentar o mal
em seu tempo.
101
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Fonte: Bundesregierung/Steins