Você está na página 1de 7

Ministério Público

Gabinete do Subprocurador-Geral
LUCAS ROCHA FURTADO

Excelentíssima Senhora Ministra-Presidente do Tribunal de Contas da União

Com fundamento no art. 81, inciso I, da Lei nº 8.443/1992, e no art. 237,


inciso VII, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, o Ministério Público
junto ao TCU vem oferecer

REPRESENTAÇÃO

com o propósito de que essa Corte de Contas, pelas razões a seguir expostas, no
cumprimento de suas competências constitucionais de controle externo de natureza
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública
Federal, decida por adotar as providências necessárias para averiguar suspeita de
superfaturamento na compra da vacina Covaxin, contra a covid-19, adquirida pelo
Governo Federal por intermédio da empresa privada Precisa Medicamentos junto ao
fabricante indiano Bharat Biotech, suspeita essa que pode resultar em contratação
da compra por um possível preço de até 1.000% (mil por cento) maior que o preço
usual do fármaco, conforme denunciado na imprensa, situação que vem sendo
investigada pela CPI da Pandemia no Senado Federal.

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade, informando o código 68338211.


TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ministério Público
Gab. do Subprocurador-Geral
LUCAS ROCHA FURTADO

- II -

Ainda no mês de fevereiro deste ano, tive a oportunidade de apresentar


representação a esse Tribunal de Contas da União, quando o Governo Federal deu
início aos procedimentos para a aquisição da vacina indiana, no sentido de que a Corte
de Contas acompanhasse e avaliasse a decisão do Governo Federal Brasileiro com
relação à aquisição de R$ 1,614 bilhão da vacina Covaxin, medicamento que na
época ainda aguardava autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) para realizar os estudos clínicos da fase 3 no Brasil, e ainda não tinha eficácia
comprovada para aplicação de doses no país.
Trouxe naquela época, ao conhecimento do TCU, que o Ministério da Saúde
assinara contrato para compra de 20 milhões de doses da Covaxin, pelo valor de R$
1,614 bilhão.
Alertei, citando especialistas em epidemiologia, que ao tempo em que o
Brasil já havia dispensado várias vezes a compra da vacina mais usada no mundo e já
então registrada pela Anvisa (a vacina da Pfizer), bem como não havia se movido o
governo Bolsonaro para a compra do imunizante da Janssen, ao mesmo tempo fechava
um acordo no valor de mais de 1,6 bilhões de reais para a polêmica aquisição da vacina
indiana.
Assinalei que o Governo Federal e o Ministério da Saúde, mais uma vez
nesse episódio, tinha dado as costas para as recomendações técnicas da comunidade
científica e de respeitadas instituições internacionais baseadas em criteriosos estudos.
Fiz observar que a aquisição de vacinas ainda não testadas atrasaria ainda
mais a vacinação dos brasileiros e colocaria em risco da vida de milhões de brasileiro
(situação que infelizmente se confirmou, ao termos já ultrapassado a trágica marca de
mais de 500 mil mortos por covid-19).
Enfatizei que tínhamos diversas opções de vacinas já com testes de eficácia
finalizados e questionei se, em detrimento da aquisição de imunizantes que não
possuíam comprovações cientificas, o certo seria aplicar os recursos públicos de forma
eficiente e buscando a efetividade na proteção dos brasileiros.
Destaquei a alarmante situação de o governo federal criticar a aquisição de
vacinas já aprovadas para uso no Brasil e que já haviam passado por todas as fases de
testes e depois optara pela aquisição de vacina até então sem eficácia comprovada – a
Covaxin -, mesmo com opções comprovadamente eficazes já a época disponíveis no
mercado.

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade, informando o código 68338211.


TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ministério Público
Gab. do Subprocurador-Geral
LUCAS ROCHA FURTADO

O Presidente da República inclusive ameaçou vetar uma possível lei


negociada no Congresso que facilitaria a compra de milhões de doses da vacina da
Pfizer/BioNTech e outras fabricantes1.
Diante da possibilidade que antevi, de enorme prejuízo iminente, não só para
o erário, mas sobretudo para o atendimento público de saúde no Brasil, solicitei ao
TCU que adotasse medida cautelar no sentido de se determinar ao Ministério da Saúde
a suspensão da compra da Covaxin, devendo os recursos públicos disponíveis serem
utilizados para a aquisição de vacinas com eficácia comprovada, já existentes no
mercado.
A mencionada representação foi autuada sob o nº TC-006.681/2021-2 e teve
a cautelar indeferida.
Pois bem, como não é raro acontecer no âmbito do atual governo, o que
parecia ser uma situação grave, vem se revelando ainda pior. Não se pode nunca
duvidar da capacidade do governo vigente nos surpreender!
Além de todos os problemas que apontei em fevereiro deste ano, soma-se
agora a suspeita de superfaturamento que pode ser de até 1.000% na aquisição do
imunizante indiano e os nada ortodoxos procedimentos adotados para a intermediação
da compra da Covaxin.
É o que nos revela a seguinte matéria publicada no UOL
(https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/agencia-estado/2021/06/22/preco-que-o-
governo-pagou-por-vacina-indiana-covaxin-foi-1000-mais-alto.htm), ao reproduzir
informações do site o Estado de São Paulo:
Preço que o governo pagou por vacina indiana Covaxin foi 1000% mais alto.
Documentos do Ministério das Relações Exteriores mostram que o governo comprou a
vacina indiana Covaxin por um preço 1.000% maior do que, seis meses antes, era
anunciado pela própria fabricante. Telegrama sigiloso da embaixada brasileira em Nova
Délhi de agosto do ano passado, ao qual o Estadão teve acesso, informava que o
imunizante produzido pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em 100 rúpias (US$
1,34 a dose).
Em dezembro, outro comunicado diplomático dizia que o produto fabricado na Índia
"custaria menos do que uma garrafa de água". Em fevereiro deste ano, o Ministério da
Saúde pagou US$ 15 por unidade (R$ 80,70, na cotação da época) — a mais cara das
seis vacinas compradas até agora.
A ordem para a aquisição da vacina partiu pessoalmente do presidente Jair Bolsonaro
(sem partido). A negociação durou cerca de três meses, um prazo bem mais curto que o
de outros acordos.
No caso da Pfizer, foram quase onze meses, período em qual o preço oferecido não se
alterou (US$ 10 por dose). Mesmo mais barato que a vacina indiana, o custo do produto

1Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2021/02/24/bolsonaro-diz-que-decisao-


sobre-pfizer-e-de-extrema-responsabilidade.htm>. Acesso em 26.02.2021.
3

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade, informando o código 68338211.


TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ministério Público
Gab. do Subprocurador-Geral
LUCAS ROCHA FURTADO

da farmacêutica americana foi usado como argumento pelo governo Bolsonaro para
atrasar a contratação, só fechada em março deste ano.
Diferentemente dos demais imunizantes, negociados diretamente com seus fabricantes
(no País ou no exterior), a compra da Covaxin pelo Brasil foi intermediada pela Precisa
Medicamentos.
A empresa virou alvo da CPI da Covid, que na semana passada autorizou a quebra dos
sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário de um de seus sócios, Francisco
Maximiano. O depoimento do empresário na comissão está marcado para amanhã.
Os senadores querem entender o motivo de o contrato para a compra da Covaxin ter sido
intermediado pela Precisa, que em agosto foi alvo do Ministério Público do Distrito
Federal sob acusação de fraude na venda de testes rápidos para covid-19. Na ocasião, a
cúpula da Secretaria de Saúde do governo do DF foi denunciada sob acusação de ter
favorecido a empresa em um contrato de R$ 21 milhões.
A Precisa tem como sócia uma outra empresa já conhecida por irregularidades
envolvendo o Ministério da Saúde - a Global Gestão em Saúde S. A. Ela é alvo de ação
na Justiça Federal do DF por ter recebido R$ 20 milhões da pasta para fornecer
remédios que nunca foram entregues. O negócio foi feito em 2017, quando o ministério
era chefiado pelo atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros
(Progressistas-PR), do Centrão. Passados mais de três anos, o ministério diz que ainda
negocia o ressarcimento.
Em depoimento ao Ministério Público, um servidor do Ministério da Saúde aponta
"pressões anormais" para a aquisição da Covaxin. O funcionário relatou ter recebido
"mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões" fora de seu horário de
expediente, em sábados e domingos. Esse depoimento está em poder da CPI.
O servidor assegurou que esse tipo de postura não ocorreu em relação a outras vacinas.
O coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde do Ministério
da Saúde, Alex Lial Marinho, foi apontado como o responsável pela pressão.
O interesse do Brasil na Covaxin foi registrado formalmente em carta de Bolsonaro ao
primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em 8 de janeiro. Na ocasião, o brasileiro
informou ter incluído o imunizante no Plano Nacional de Imunização.
Acordo Quatro dias depois, a Bharat Biotech anunciou em seu site que havia assinado
um "acordo com a Precisa Medicamentos para fornecimento de Covaxin para o Brasil".
Segundo o anúncio da empresa, o embaixador do País na Índia, André Aranha Corrêa
do Lago, havia expressado o interesse do governo brasileiro em adquirir o imunizante
indiano.
Nos meses anteriores, a embaixada brasileira havia feito uma verdadeira "pesquisa de
mercado" dos imunizantes indianos disponíveis para a venda. Um telegrama enviado por
Lago em 31 de agosto do ano passado detalhava cinco iniciativas relativas a vacinas no
país asiático. Uma delas era a Covaxin, que usa uma versão inativada do vírus Sars-
CoV-2, tecnologia menos avançada do que a usada pela Pfizer.
Quatro meses depois, em dezembro, o ministro-conselheiro da embaixada Breno
Hermann relatou uma conversa com Lisa Rufus, relações públicas da Bharat Biotech, na
qual ela citou que "uma dose da Covaxin custará 'menos que uma garrafa de água'".
O valor da vacina foi tópico de outro telegrama, em 15 de janeiro. Dessa vez, o
embaixador dizia ao Itamaraty que o governo indiano vinha sendo criticado pelo preço
que havia pagado pela Covaxin (US$ 4,10).
O Ministério da Saúde fechou o contrato para a aquisição de 20 milhões de doses da
Covaxin por R$ 1,6 bilhão em 25 de fevereiro, antes mesmo de assinar com a Pfizer e
4

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade, informando o código 68338211.


TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ministério Público
Gab. do Subprocurador-Geral
LUCAS ROCHA FURTADO

com a Janssen, por US$ 10 a dose em ambos os casos. As duas fabricantes já concluíram
os testes de seus imunizantes, enquanto os estudos de fase 3 da vacina indiana - a última
etapa - ainda estão incompletos.
Detalhes do contrato foram contados pelo sócio da Precisa ao embaixador do Brasil na
Índia em um encontro em março. Segundo Maximiano, além das 20 milhões de doses, o
Ministério da Saúde tem a opção de compra de outras 12 milhões de unidades.
"Maximiano frisou que, ainda que tenha sido a Precisa Medicamentos a assinar contrato
com o governo brasileiro, o pagamento, que, segundo os termos do contrato, só poderia
ocorrer após licenciamento da vacina no Brasil, será feito diretamente pelo Ministério
da Saúde à companhia indiana", aponta o relato do embaixador. Ao pedir as quebras de
sigilo do empresário, porém, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirma que a
Precisa receberá R$ 500 milhões pelo negócio.

Pela gravidade dos temas, destaco os seguintes pontos da matéria acima


reproduzida:
a) o suposto sobrepreço de 1.000% (mil por cento);
b) a ordem para a aquisição da vacina supostamente superfaturada teria
partido pessoalmente do presidente Jair Bolsonaro e a negociação teria durado cerca
de três meses, um prazo bem mais curto que o de outros acordos;
c) diferentemente dos demais imunizantes, negociados diretamente com seus
fabricantes (no País ou no exterior), a compra da Covaxin pelo Brasil foi intermediada
por uma empresa privada: a Precisa Medicamentos;
d) em depoimento ao Ministério Público, um servidor do Ministério da Saúde
apontou "pressões anormais" para a aquisição da Covaxin. O funcionário relatou ter
recebido "mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões" fora de seu
horário de expediente, em sábados e domingos. Esse depoimento está em poder da CPI;
e) o empenho pessoal do presidente da República na concretização do
negócio, situação que não foi observada para a compra de outros imunizantes, na
medida em que Sua Excelência teria enviado uma carta ao primeiro-ministro da Índia,
Narendra Modi, em 8 de janeiro. Na ocasião, o presidente Bolsonaro teria informado
ao premier indiano ter incluído o imunizante no Plano Nacional de Imunização;
f) a informação de membro da CPI da Pandemia (senador Randolfe
Rodrigues) que teria afirmado que a empresa Precisa receberia R$ 500 milhões pelo
negócio.
A meu ver, todas essas circunstâncias se revelam de extrema gravidade e
estão a exigir a pronta investigação do Tribunal de Contas da União.
Com efeito, considerando que o tema está sob investigação criteriosa da CPI
da Pandemia2, inclusive com pedidos de quebras de sigilo das empresas privadas

2 https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2021/06/cpi-da-pandemia-vai-investigar-a-compra-da-vacina-covaxin
5

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade, informando o código 68338211.


TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ministério Público
Gab. do Subprocurador-Geral
LUCAS ROCHA FURTADO

envolvidas e da convocação de depoimento do servidor do Ministério da Saúde que


relatou as pressões atípicas para a agilização da contratação possivelmente
superfaturada, faz-se necessário a imediata atuação da Corte de Contas para averiguar
as possíveis irregularidades na compra da vacina Covaxin.
Ressalto que a Lei 10.001/2000 determina a prioridade nos procedimentos a
serem adotados pelo Ministério Público e por outros órgãos a respeito das conclusões
das comissões parlamentares de inquérito, conferindo-lhes preferência.
Assim, nada mais adequado ao interesse público e à proteção do erário e da
saúde dos brasileiros, que o TCU empreenda as ações necessárias a apoiar as
investigações em curso pela CPI da Pandemia, podendo inclusive compartilhar das
informações já coligidas e que vierem a ser obtidas por aquele órgão investigativo,
além do fato de que a matéria aqui exposta encontra-se evidentemente na esfera de
atribuição do controle externo.
Por fim, é de se observar que este Ministério Público junto ao TCU possui
legitimidade para formular representações a esse Tribunal, que os fatos foram
apresentados em linguagem clara e objetiva e estão acompanhados, em anexos, das
informações referenciadas nesta peça.

- III -

Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal


de Contas da União, com fulcro no artigo 81, inciso I, da Lei nº 8.443/1992, e no art.
237, inciso VII, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, requer ao
Tribunal, pelas razões acima aduzidas, que conheça desta representação para que, no
cumprimento de suas competências constitucionais de controle externo de natureza
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública
Federal:

a) decida por adotar as providências necessárias para averiguar suspeita de


superfaturamento na compra da vacina Covaxin, contra a covid-19,
adquirida pelo Governo Federal por intermédio da empresa privada
Precisa Medicamentos junto ao fabricante indiano Bharat Biotech,
suspeita essa que pode resultar em contratação da compra por um
possível preço de até 1.000% (mil por cento) maior que o preço usual
do fármaco, bem como as demais irregularidades que circunscrevem
todo o processo de negociação e formalização do contrato de compra,
conforme relatado nesta representação e nas investigações que vêm sendo
empreendidas pela CPI da Pandemia no Senado Federal sobre o tema;

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade, informando o código 68338211.


TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ministério Público
Gab. do Subprocurador-Geral
LUCAS ROCHA FURTADO

b) avalie a oportunidade e conveniência de se atuar conjuntamente em uma


força-tarefa com os demais órgãos envolvidos, especialmente com a
Polícia Federal e com o Ministério Público Federal, a fim de esclarecer
minuciosamente os fatos; e
c) solicite à CPI da Pandemia no Senado Federal o compartilhamento das
informações coligidas sobre o tema.

Propõe-se, ademais, encaminhar cópia da presente representação à


Procuradoria-Geral da República, à Polícia Federal e ao relator da CPI da Pandemia no
Senado Federal.

Ministério Público, 24 de junho de 2021.

(assinado eletronicamente)
Lucas Rocha Furtado
Subprocurador Geral

Para verificar as assinaturas, acesse www.tcu.gov.br/autenticidade, informando o código 68338211.

Você também pode gostar