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TRIBUNAL FEDERAL
em face do Sr. Jair Messias Bolsonaro, Presidente da República1, com endereço no Palácio
da Alvorada, Zona Cívico-Administrativa - Brasília, DF, 70150-903, pelos motivos e fatos a
seguir aduzidos:
DOS FATOS
O querelado publicou, em suas redes sociais Facebook e Twitter, vídeo do Querelante
falando sobre a compra de vacinas com os comentários: “- Olha quem queria comprar a
Covaxin sem licitação e sem a certificação da ANVISA. - O Sen Randolfe negociou, em
1
Razão pela qual, por força da alínea “b”, inciso I, do art. 102 da Constituição Federal, é da competência desse
Egrégio Tribunal o processamento do feito.
05/abril/2021, até mesmo a quantidade de vacinas: 20 milhões. - Randolfe, Omar e Renildo
Calheiros (irmão de Renan), via emendas, tudo fizeram para que governadores e prefeitos
pudessem comprar as vacinas a qualquer preço, com o Presidente da República pagando a
conta, obviamente. - Com planos frustrados restou ao G-7 da CPI acusar ao Governo do que
eles tentaram fazer.”2
2
Link das postagens nas redes sociais: https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1417177895743729673 e
https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/.
É notória a tentativa recente do Sr. Presidente da República de desviar o foco da
CPI da Pandemia - da qual o ora Querelante é Vice-Presidente -, ofendendo a reputação
de seus integrantes. Com efeito, o próprio Querelante vem sofrendo inúmeros ataques
ilegais recentes - inclusive com a utilização de termos homofóbicos -. Contudo, a postagem
de hoje do Sr. Presidente da República passou de quaisquer limites de uma já elastecida
razoabilidade da liberdade de expressão do Chefe do Executivo. Liberdade essa que, mesmo
sendo pedra de toque no Estado democrático, encontra naturais limites para que se evitem
excessos. E o presente caso é emblemático do excesso de expressão.
Diz-se isso porque é o caso da vacina indiana Covaxin vem recebendo notória atenção
da opinião pública e da CPI da Pandemia. E isso tão somente por um gravíssimo fato: o
fantasma - bastante concreto - da corrupção e do privilégio aos interesses nada republicanos
na referida contratação. Fala-se de uma vacina cara, adquirida por meio de procedimento com
indícios de fraude, realizada com intermediária suspeita, que não recebeu amplo aval da
Anvisa e que, ao que tudo indica no bojo da investigação parlamentar, contou com o
patrocínio a interesses pessoais em detrimento dos públicos (prevaricação), além de uma série
de outros potenciais tipos penais enquadráveis à hipótese. Ou seja, trata-se de uma
contratação espúria e sem observância das balizas legais e constitucionais. E, com o
holofote dado ao caso pela imprensa e pela CPI da Pandemia, praticamente todo
brasileiro sabe que houve algo de muito errado na contratação.
Dentro desse escopo, é fato notório que o Querelante se reuniu, sim, publicamente -
porque não tinha nada a esconder; pelo contrário, queria mostrar aos quatro ventos que o
Governo Federal nada estava fazendo para a aquisição tempestiva das vacinas tão essenciais à
imunização dos brasileiros -, com quase todos os fabricantes de vacina contra o coronavírus.
Teve inúmeras reuniões com o Instituto Butantan (Coronavac), com a Fiocruz (AstraZeneca),
com a Pfizer, com a Jhonson & Jhonson (Janssen), com a União Química e o Fundo Soberano
Russo (Sputnik) e com a própria Precisa Medicamentos e Bharat Biontech (Covaxin).
Por sua vez, o ponto dois - contratação com respeito às balizas legais - é,
naturalmente, atribuível ao próprio Governo Federal, responsável pelo fazimento do contrato.
Órgãos de controle, inclusive o próprio Congresso Nacional (art. 71, § 1º, da Constituição),
têm também assento relevante no bojo da aferição da legitimidade da contratação, mas esse
controle tende a ser, principalmente durante a pandemia, diferido. E a CPI, enquanto
autoridade investigativa parlamentar, vem exercendo muito bem esse papel de externar, a
posteriori à contratação, os seus tantos problemas, inclusive de índole penal.
Com efeito, o que se diz aqui - e que é bastante óbvio - é que crimes ocorridos no bojo
da contratação são de responsabilidade do Poder Executivo Federal e de eventuais
interlocutores mais diretos de outros Poderes, que efetivamente influenciaram os rumos do
ajuste. Nessa linha, o Querelante não teve qualquer espécie de influência na contratação, além
de uma mera súplica cidadã para que, se viável cientificamente, a vacina Covaxin fosse
contratada, de modo legal, mais rapidamente. E, para além de quaisquer justificativas para a
inexistência de qualquer capacidade do Querelante de influir nos rumos da contratação, uma é
bastante caricata: o Querelante, por ser ferrenho opositor ao Governo Federal, não tem
qualquer espécie de trânsito no Palácio do Planalto ou no Ministério da Saúde - o atual
Presidente da República inclusive já desferiu agressões físicas contra o Querelante.
Contudo, à revelia de todo esse escorço fático - que é hialino e notório -, o Sr. Jair
Bolsonaro insiste em sua onda de geração massiva de desinformação, querendo vincular
indevidamente a imagem do Querelante aos inúmeros crimes e irregularidades perpetrados no
bojo da aquisição da vacina Covaxin.
DO DIREITO
Salta aos olhos o fato de que a conduta aqui narrada constitui difamação. Determina o
Código Penal:
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua
reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Existe um estudo muito famoso feito pela Universidade de Stanford nos Estados
Unidos, que resultou na “teoria da janela quebrada”.
O carro que estava na periferia foi rapidamente depredado, roubado e as peças que
não serviam para venda foram destruídas. O carro que estava na área nobre da cidade
permaneceu intacto. Mas isso os pesquisadores já poderiam prever. O que eles queriam
mesmo comprovar era um outro fenômeno. Com isso, prosseguiram quebrando as janelas do
carro que estava abandonado em um bairro rico e o resultado foi o mesmo que aconteceu na
periferia: o carro passou a ser objeto de furto e destruição. Com isso, chegaram os
pesquisadores, precipitadamente (talvez intencionalmente), à conclusão de que o problema da
criminalidade estava no desenvolvimento das relações sociais e na natureza humana.
A base teórica dessa constatação veio com a Teoria das Janelas Quebradas,
desenvolvida na escola de Chicago por James Q. Wilson e George Kelling. Explica que, se
uma janela de um edifício for quebrada e não for reparada, a tendência é que vândalos
passem a arremessar pedras nas outras janelas e posteriormente passem a ocupar o edifício e
destruí-lo.
O que quer dizer que a desordem gera desordem, que um comportamento anti-social
pode dar origem a vários delitos. Por isso, qualquer ato desordeiro, por mais que pareça
insignificante, deve ser reprimido. Do contrário, pode ser difusor de inúmeros outros
crimes mais graves.
Sem uma concreta justiça, que venha a punir desde uma difamação até o mais vil
dos atos criminosos, resvala na sociedade a sensação de impunidade que resulta em
delitos mais graves, pela difusão da desordem social.
Ademais, no presente caso o delito deve ser sancionado com a causa de aumento de
pena ao triplo, conforme o artigo 141, § 2º, do CP, por ter sido cometido na internet - uma das
publicações já conta, por exemplo, com mais de 50 mil interações:
DOS PEDIDOS
A. A concessão de medida liminar, inaudita altera pars, para a remoção, em até 12h
contadas da intimação, das redes sociais do Presidente da República, da referida
publicação que tenta imbricar o Querelante às ações não republicanas no bojo da
contratação da vacina Covaxin, bem como a proibição de novas publicações nesse
sentido, sob pena, no primeiro caso, de multa horária de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
e, no segundo caso, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por evento de descumprimento;
B. A concessão de medida liminar, inaudita altera pars, para a publicação, em até 12h
contadas da intimação, nas redes sociais do Presidente da República, de retratação
em relação à publicação falaciosa, a ser veiculada com o seguinte texto: “São
FALSAS as alegações de que o Senador Randolfe Rodrigues queria comprar a vacina
Covaxin sem licitação e sem a certificação da ANVISA e que negociou a quantidade
de vacinas.”, com proibição de exclusão de referida publicação de retratação, sob
pena de multa horária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), aplicáveis também por evento
de descumprimento da obrigação de não apagamento;
C. A CITAÇÃO do Querelado, no endereço já declinado no preâmbulo desta peça, para
apresentar sua defesa, querendo, e acompanhar a presente demanda até o final da
decisão, sob pena de confissão e revelia;
D. A instrução processual de estilo, com a necessária produção probatória que se
entender pertinente;
E. E, ao final desta, depois de confirmada judicialmente a autoria e materialidade do
delito dos autos, seja o Querelado condenado, julgando-se procedente a presente
queixa-crime, nas penas cominadas no art. 139, do Código Penal, como também
seja a pena máxima em concreto aplicada, com a causa de aumento de pena ao
triplo, do art. 141, § 2º, do CP.
F. Requer ainda a fixação de valor mínimo de INDENIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS
SOFRIDOS PELO QUERELANTE, nos termos do art. 387, inciso IV, do Código de
Processo Penal, na importância de R$ 35.000,00 (TRINTA E CINCO MIL REAIS), a
serem prontamente revertidos a pessoas em situação de vulnerabilidade.
Protesta provar o alegado, por todos os meios de prova admitidos em Direito inseridos nesta
exordial, como também especialmente pela juntada posterior de documentos, ouvida do
noticiado, depoimentos de testemunhas eventualmente arroladas, perícias, diligências e tudo
mais que se fizer necessário para a prova real no caso “sub judice”.
A CONDENAÇÃO DO QUERELADO.
ADVOGADO
OAB