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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES, brasileiro, divorciado, Senador da


República, portador da Carteira de Identidade nº 050360, expedida pela SSP-AP, inscrito no
CPF sob o nº 431.879.432-68, Título de Eleitor nº 001331132526, Zona 2ª, Seção 56ª,
endereço eletrônico: sen.randolferodrigues@senado.leg.br, telefone: (96) 3225-2296, com
domicílio profissional na Avenida Almirante Barroso, 2957, Alvorada, Macapá - AP, CEP:
68906-535, vem à elevada presença de Vossa Excelência, por meio de seu advogado (dados
no rodapé e na procuração anexa), com fulcro nos artigos 30, 41 e 44, todos do Código de
Processo Penal, bem como nos artigos 100, § 2º e 139, ambos do Código Penal, para propor a
presente

QUEIXA CRIME POR DIFAMAÇÃO

em face do Sr. Jair Messias Bolsonaro, Presidente da República1, com endereço no Palácio
da Alvorada, Zona Cívico-Administrativa - Brasília, DF, 70150-903, pelos motivos e fatos a
seguir aduzidos:

DOS FATOS
O querelado publicou, em suas redes sociais Facebook e Twitter, vídeo do Querelante
falando sobre a compra de vacinas com os comentários: “- Olha quem queria comprar a
Covaxin sem licitação e sem a certificação da ANVISA. - O Sen Randolfe negociou, em

1
Razão pela qual, por força da alínea “b”, inciso I, do art. 102 da Constituição Federal, é da competência desse
Egrégio Tribunal o processamento do feito.
05/abril/2021, até mesmo a quantidade de vacinas: 20 milhões. - Randolfe, Omar e Renildo
Calheiros (irmão de Renan), via emendas, tudo fizeram para que governadores e prefeitos
pudessem comprar as vacinas a qualquer preço, com o Presidente da República pagando a
conta, obviamente. - Com planos frustrados restou ao G-7 da CPI acusar ao Governo do que
eles tentaram fazer.”2

2
Link das postagens nas redes sociais: https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1417177895743729673 e
https://www.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/.
É notória a tentativa recente do Sr. Presidente da República de desviar o foco da
CPI da Pandemia - da qual o ora Querelante é Vice-Presidente -, ofendendo a reputação
de seus integrantes. Com efeito, o próprio Querelante vem sofrendo inúmeros ataques
ilegais recentes - inclusive com a utilização de termos homofóbicos -. Contudo, a postagem
de hoje do Sr. Presidente da República passou de quaisquer limites de uma já elastecida
razoabilidade da liberdade de expressão do Chefe do Executivo. Liberdade essa que, mesmo
sendo pedra de toque no Estado democrático, encontra naturais limites para que se evitem
excessos. E o presente caso é emblemático do excesso de expressão.

Diz-se isso porque é o caso da vacina indiana Covaxin vem recebendo notória atenção
da opinião pública e da CPI da Pandemia. E isso tão somente por um gravíssimo fato: o
fantasma - bastante concreto - da corrupção e do privilégio aos interesses nada republicanos
na referida contratação. Fala-se de uma vacina cara, adquirida por meio de procedimento com
indícios de fraude, realizada com intermediária suspeita, que não recebeu amplo aval da
Anvisa e que, ao que tudo indica no bojo da investigação parlamentar, contou com o
patrocínio a interesses pessoais em detrimento dos públicos (prevaricação), além de uma série
de outros potenciais tipos penais enquadráveis à hipótese. Ou seja, trata-se de uma
contratação espúria e sem observância das balizas legais e constitucionais. E, com o
holofote dado ao caso pela imprensa e pela CPI da Pandemia, praticamente todo
brasileiro sabe que houve algo de muito errado na contratação.

É evidente, contudo, que, por uma basilar questão constitucional de separação de


Poderes, a competência para o gerenciamento da referida contratação é atribuível ao Poder
Executivo Federal, mais especificamente, o Ministério da Saúde, com eventual interlocução
com uns e outros parlamentares federais da base do Governo no Congresso.

À exceção disso, é absolutamente inverídico e falacioso pretender atribuir a


responsabilidade pelas ilegalidades no bojo da contratação a qualquer outro personagem,
sobretudo o Querelante, que é notório opositor ao Governo Federal - ocupa, inclusive, o
cargo de Líder da Oposição no Senado Federal.

Dentro desse escopo, é fato notório que o Querelante se reuniu, sim, publicamente -
porque não tinha nada a esconder; pelo contrário, queria mostrar aos quatro ventos que o
Governo Federal nada estava fazendo para a aquisição tempestiva das vacinas tão essenciais à
imunização dos brasileiros -, com quase todos os fabricantes de vacina contra o coronavírus.
Teve inúmeras reuniões com o Instituto Butantan (Coronavac), com a Fiocruz (AstraZeneca),
com a Pfizer, com a Jhonson & Jhonson (Janssen), com a União Química e o Fundo Soberano
Russo (Sputnik) e com a própria Precisa Medicamentos e Bharat Biontech (Covaxin).

O Querelante tentou, sim, trazer o máximo de vacinas à população brasileira. Ante a


postura negacionista e passiva do Governo Federal - que ficou muito clara na CPI da
Pandemia, à exceção do caso Covaxin, que contou com um interesse inédito do Governo
Federal -, o Querelante acreditou que poderia, sim, enquanto Senador da República, auxiliar
na imunização dos brasileiros.

E certamente ajudou a desenrolar entraves com a Coronavac - principalmente por


meio desse Eg. Tribunal no bojo da ADPF nº 754, que contou com a exímia condução do
Ministro Ricardo Lewandowski - e, principalmente, com a Pfizer, para suprir a tão alegada
impossibilidade jurídica das cláusulas contratuais - que a CPI, mais uma vez, demonstrou
ser uma farsa do Governo para retardar a aquisição do imunizante.

E pretendia ajudar, sim, na aquisição da Covaxin, desde que ela se demonstrasse


cientificamente viável (do ponto de vista de segurança e eficácia) e, obviamente, que a
contratação se desse no bojo da mais estreita legalidade. O primeiro ponto é naturalmente de
competência da Anvisa, órgão técnico do mais absoluto grau de capacidade e zelo por sua
missão institucional. Qualquer pedido, sempre público, do Querelante para que a Anvisa
apressasse sua análise foi no mais estrito sentido republicano, quase como a súplica de um
cidadão que vê seus irmãos morrerem pela falta de imunizantes tempestivos - afinal, já foram
quase 550 mil vidas perdidas, muitas das quais poderiam ser salvas se o Governo Federal
tivesse investido antes em ciência, e não em interesses não republicanos.

Por sua vez, o ponto dois - contratação com respeito às balizas legais - é,
naturalmente, atribuível ao próprio Governo Federal, responsável pelo fazimento do contrato.
Órgãos de controle, inclusive o próprio Congresso Nacional (art. 71, § 1º, da Constituição),
têm também assento relevante no bojo da aferição da legitimidade da contratação, mas esse
controle tende a ser, principalmente durante a pandemia, diferido. E a CPI, enquanto
autoridade investigativa parlamentar, vem exercendo muito bem esse papel de externar, a
posteriori à contratação, os seus tantos problemas, inclusive de índole penal.

Com efeito, o que se diz aqui - e que é bastante óbvio - é que crimes ocorridos no bojo
da contratação são de responsabilidade do Poder Executivo Federal e de eventuais
interlocutores mais diretos de outros Poderes, que efetivamente influenciaram os rumos do
ajuste. Nessa linha, o Querelante não teve qualquer espécie de influência na contratação, além
de uma mera súplica cidadã para que, se viável cientificamente, a vacina Covaxin fosse
contratada, de modo legal, mais rapidamente. E, para além de quaisquer justificativas para a
inexistência de qualquer capacidade do Querelante de influir nos rumos da contratação, uma é
bastante caricata: o Querelante, por ser ferrenho opositor ao Governo Federal, não tem
qualquer espécie de trânsito no Palácio do Planalto ou no Ministério da Saúde - o atual
Presidente da República inclusive já desferiu agressões físicas contra o Querelante.
Contudo, à revelia de todo esse escorço fático - que é hialino e notório -, o Sr. Jair
Bolsonaro insiste em sua onda de geração massiva de desinformação, querendo vincular
indevidamente a imagem do Querelante aos inúmeros crimes e irregularidades perpetrados no
bojo da aquisição da vacina Covaxin.

E as publicações de hoje são o ápice desse movimento, ao tentarem ligar a


imagem do Querelante à compra fraudulenta: sem licitação (como se alguma vacina
tivesse sido licitada), sem aprovação da Anvisa (como se alguma vacina pudesse ser
adquirida sem a aprovação da Anvisa, ou, no mínimo, de autoridade sanitária
internacional equivalente) e com negociação de quantitativo mesmo após o contrato
firmado com o laboratório, que data de fevereiro de 2021.

Tudo isso dentro de um cenário em que o brasileiro sabe que a contratação da


Covaxin está cheia de problemas - inclusive afetos à corrupção, que o brasileiro vê como
o principal problema do País -, que o brasileiro não coaduna com contratações diretas
indevidas, sem licitação (mesmo que nenhuma vacina tenha sido licitada), e que o
brasileiro confia na ciência (isso é, acredita na aferição técnica da Anvisa). Ou seja, as
falácias do Presidente vão a fundo na mentalidade do brasileiro.

Assim, é de se perguntar: qual a finalidade do Presidente da República, senão a


mera ofensa, leviana e falsa, à reputação do Querelante? Com a devida vênia, nenhuma,
razão por que o Presidente da República não merece ter sua conduta chancelada por
esse Egrégio Tribunal, pelos fundamentos jurídicos que passam a ser sucintamente
expostos.

DO DIREITO

Salta aos olhos o fato de que a conduta aqui narrada constitui difamação. Determina o
Código Penal:
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua
reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

A agressão solidificada no termo traduzido como “negociou”, ao afirmar que o


requerente estaria negociando inclusive a quantidade de vacinas “sem licitação” em 05 de
abril de 2021, quando em verdade o próprio Governo Federal assinou o contrato para 20
milhões de doses da Covaxin em 25 de fevereiro, portanto mais de um mês antes de o
requerente gravar o vídeo utilizado na postagem.

Trata-se de uma clara tentativa de desqualificar, mediante falsas narrativas, membros


da CPI da Pandemia e opositores políticos, que vêm investigando e informando à população
sobre ilicitudes perpetradas pelo Governo Federal, incluindo possíveis focos de corrupção,
conforme amplamente divulgado nos meios de comunicação.

O Querelado induz que o requerente estaria insistindo na compra de vacinas com


meios e fins duvidosos, de modo que deve ser imediatamente rechaçado, pois “uma mentira
dita mil vezes torna-se verdade”.

Existe um estudo muito famoso feito pela Universidade de Stanford nos Estados
Unidos, que resultou na “teoria da janela quebrada”.

No final da década de 60, Em 1969, na Universidade de Stanford (EUA), o Prof.


Phillip Zimbardo resolveu dar início a uma curiosa experiência. Deixou dois automóveis
idênticos abandonados em bairros diferentes do Estado de Nova York, um em bairro nobre e
outro na periferia.

O carro que estava na periferia foi rapidamente depredado, roubado e as peças que
não serviam para venda foram destruídas. O carro que estava na área nobre da cidade
permaneceu intacto. Mas isso os pesquisadores já poderiam prever. O que eles queriam
mesmo comprovar era um outro fenômeno. Com isso, prosseguiram quebrando as janelas do
carro que estava abandonado em um bairro rico e o resultado foi o mesmo que aconteceu na
periferia: o carro passou a ser objeto de furto e destruição. Com isso, chegaram os
pesquisadores, precipitadamente (talvez intencionalmente), à conclusão de que o problema da
criminalidade estava no desenvolvimento das relações sociais e na natureza humana.

A base teórica dessa constatação veio com a Teoria das Janelas Quebradas,
desenvolvida na escola de Chicago por James Q. Wilson e George Kelling. Explica que, se
uma janela de um edifício for quebrada e não for reparada, a tendência é que vândalos
passem a arremessar pedras nas outras janelas e posteriormente passem a ocupar o edifício e
destruí-lo.

O que quer dizer que a desordem gera desordem, que um comportamento anti-social
pode dar origem a vários delitos. Por isso, qualquer ato desordeiro, por mais que pareça
insignificante, deve ser reprimido. Do contrário, pode ser difusor de inúmeros outros
crimes mais graves.

Sem uma concreta justiça, que venha a punir desde uma difamação até o mais vil
dos atos criminosos, resvala na sociedade a sensação de impunidade que resulta em
delitos mais graves, pela difusão da desordem social.

Ademais, no presente caso o delito deve ser sancionado com a causa de aumento de
pena ao triplo, conforme o artigo 141, § 2º, do CP, por ter sido cometido na internet - uma das
publicações já conta, por exemplo, com mais de 50 mil interações:

Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um


terço, se qualquer dos crimes é cometido:
§ 2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades
das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em
triplo a pena.
DA RELAÇÃO COM O EXERCÍCIO DO CARGO

Há de se destacar que o fato imputado nesta queixa-crime não é estranho às funções


presidenciais, uma vez que a publicação do comentário nas redes sociais ocorreu ontem, na
constância do mandato do querelado, e relaciona-se a ações do Governo Federal na compra
de vacinas para a COVID-19.

O querelado afirma que o querelante negociou a compra de vacinas, informando


inclusive a quantidade, e ainda que, via emendas, tudo fez “para que governadores e prefeitos
pudessem comprar as vacinas a qualquer preço, com o Presidente da República pagando a
conta, obviamente”. Reafirma-se que o querelante não possui qualquer espécie de influência
na contratação, e que crimes ocorridos no bojo da contratação são de responsabilidade do
Poder Executivo Federal e de eventuais interlocutores mais diretos de outros Poderes, que
efetivamente influenciaram os rumos do ajuste.

DOS PEDIDOS

Pelo exposto, passa a Requerer:

A. A concessão de medida liminar, inaudita altera pars, para a remoção, em até 12h
contadas da intimação, das redes sociais do Presidente da República, da referida
publicação que tenta imbricar o Querelante às ações não republicanas no bojo da
contratação da vacina Covaxin, bem como a proibição de novas publicações nesse
sentido, sob pena, no primeiro caso, de multa horária de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
e, no segundo caso, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por evento de descumprimento;
B. A concessão de medida liminar, inaudita altera pars, para a publicação, em até 12h
contadas da intimação, nas redes sociais do Presidente da República, de retratação
em relação à publicação falaciosa, a ser veiculada com o seguinte texto: “São
FALSAS as alegações de que o Senador Randolfe Rodrigues queria comprar a vacina
Covaxin sem licitação e sem a certificação da ANVISA e que negociou a quantidade
de vacinas.”, com proibição de exclusão de referida publicação de retratação, sob
pena de multa horária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), aplicáveis também por evento
de descumprimento da obrigação de não apagamento;
C. A CITAÇÃO do Querelado, no endereço já declinado no preâmbulo desta peça, para
apresentar sua defesa, querendo, e acompanhar a presente demanda até o final da
decisão, sob pena de confissão e revelia;
D. A instrução processual de estilo, com a necessária produção probatória que se
entender pertinente;
E. E, ao final desta, depois de confirmada judicialmente a autoria e materialidade do
delito dos autos, seja o Querelado condenado, julgando-se procedente a presente
queixa-crime, nas penas cominadas no art. 139, do Código Penal, como também
seja a pena máxima em concreto aplicada, com a causa de aumento de pena ao
triplo, do art. 141, § 2º, do CP.
F. Requer ainda a fixação de valor mínimo de INDENIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS
SOFRIDOS PELO QUERELANTE, nos termos do art. 387, inciso IV, do Código de
Processo Penal, na importância de R$ 35.000,00 (TRINTA E CINCO MIL REAIS), a
serem prontamente revertidos a pessoas em situação de vulnerabilidade.

Protesta provar o alegado, por todos os meios de prova admitidos em Direito inseridos nesta
exordial, como também especialmente pela juntada posterior de documentos, ouvida do
noticiado, depoimentos de testemunhas eventualmente arroladas, perícias, diligências e tudo
mais que se fizer necessário para a prova real no caso “sub judice”.

Nestes termos, pede e espera,

A CONDENAÇÃO DO QUERELADO.

Brasília-DF, 20 de julho de 2021.

ADVOGADO
OAB

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