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Harmonia I – CMU0230

Prof. Dr. Paulo de Tarso Salles – ECA/USP

AULA 1 – DISPOSIÇÃO, DOBRAMENTO E INVERSÃO DE TRÍADES

Inicialmente iremos conhecer os elementos “estáticos” do sistema tonal, ou seja, as


estruturas harmônicas apreciadas fora de seu contexto musical, como conceitos. Em um
momento posterior, ao longo do primeiro semestre, iremos estudar os aspectos “dinâmicos”,
relacionados a aplicação musical desses conceitos, realizando harmonizações, encadeamentos
propostos e elaborando melodias elementares de caráter diatônico.

A TRÍADE

A tríade é a unidade harmônica padrão da música tonal e se constitui na superposição de


terças, gerando um ciclo denominado pelos seus componentes, que são: fundamental, terça e
quinta. As tríades maior e menor têm o intervalo de quinta justa em comum (7 semitons de
distância em relação à fundamental) e diferem pelas terças maior (4 semitons) e menor (3
semitons). A tríade diminuta é derivada da tríade menor, com o intervalo de quinta rebaixado (6
semitons); a tríade aumentada deriva da maior, com o intervalo de quinta elevado (8 semitons).

Assim, considerando como referência a nota Dó como uma classe de altura de valor igual
a zero (0), temos a seguinte distribuição intervalar e de classes de altura entre os quatro
diferentes tipos de tríade (Quadro 1):

Maior Aumentada Menor Diminuta


Quinta 7 8 7 6
Terça 4 4 3 3
Fundamental 0 0 0 0
Quadro 1: intervalos a partir da fundamental Dó (0) nos quatro tipos de tríade.

Exemplo 1: representação geométrica das tríades maior e menor, em um “mostrador de relógio”.

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Exemplo 2: representação geométrica das tríades aumentada e diminuta, em um “mostrador de relógio”.

Pode-se notar, pela representação geométrica, que as tríades maior e menor são
intervalarmente assimétricas e que guardam relação de inversão entre si, a tríade maior no
padrão “4+3” e a menor no padrão “3+4”. Em oposição, as tríades aumentada e diminuta
apresentam simetria intervalar: “4+4” para a aumentada e “3+3” para a diminuta.

Os parâmetros “disposição”, “dobramento” e “inversão” afetam o equilíbrio sonoro do


acorde. A disposição trata do espaçamento entre vozes adjacentes do acorde, regulando sua
distância máxima e mínima para obtenção de resultados que possam garantir com maior
probabilidade que todas as vozes possam ser ouvidas sem grande dificuldade, desde que estejam
em seus âmbitos mais favoráveis. Os dobramentos (da fundamental, da quinta ou da terça) irão
contribuir para efeitos variáveis que vão do reforço das propriedades acústicas da fundamental
(que será priorizado inicialmente) até sua flexibilização em versões mais ambíguas. As inversões
também incidem sobre aspecto semelhante ao do dobramento, tendo adicionalmente o papel de
oferecer maior variedade com relação à independência melódica entre as vozes, que será
discutida mais adiante em nosso curso.

DISPOSIÇÃO DAS TRÍADES

A disposição da tríade pode ser fechada ou aberta. A tríade fechada (Ex. 3) significa que
entre as vozes adjacentes não há espaço para outras notas pertencentes a essa tríade. Assim,
acima da fundamental sempre virá a terça; acima da terça vem a quinta; e acima da quinta vem
a fundamental, formando um ciclo “fechado” (Ex. 5, à esquerda).

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Exemplo 3: tríade de Dó maior em disposição fechada em várias possibilidades

A tríade em disposição aberta quer dizer que a ordem crescente, característica da


disposição fechada, foi alterada, sofrendo uma permutação (Ex. 4). Isso afeta o ciclo triádico, de
modo que acima da fundamental vem a quinta, deixando vazio o espaço da terça; acima da quinta
vem a terça, deixando vazio o espaço da fundamental; acima da terça vem a fundamental,
deixando vazio o espaço da quinta (Ex. 5, à direita).

Exemplo 4: tríade de Dó maior em disposição aberta em várias possibilidades

Exemplo 5: diagrama, disposições fechada e aberta, com as sequências possíveis para as notas de uma tríade (sentido
horário). A cor cinza indica os vazios da disposição aberta.

TRÍADES A 4 VOZES: DOBRAMENTOS

Ao fazer exercícios a 4 vozes, deve-se dobrar uma das notas da tríade. Inicialmente,
daremos preferência ao dobramento da fundamental (oitava). As 4 vozes são: baixo (B),
tenor (T), contralto (A) e soprano (S). Nesse caso, a classificação da disposição aberta ou fechada
não considera a distância entre baixo e tenor. A disposição aberta ou fechada é determinada
pelo espaçamento entre tenor, contralto e soprano. Se o baixo estiver muito distante ou até
mesmo em uníssono com o tenor, isso nada afeta em relação à disposição e sua classificação.

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Exemplo 6: tríade de Dó maior com a fundamental no baixo, em disposições fechada e aberta.

A presença da fundamental do acorde no baixo é chamada de “posição fundamental”.


Quando o baixo não é a fundamental do acorde, diz-se que o acorde está em “inversão”.
Inicialmente vamos escrever os acordes na posição fundamental e com dobramento de oitava;
depois isso será flexibilizado.

EXERCÍCIO 1

Completar as tríades a 4 vozes em posição fundamental, com dobramento de oitava.


Observa a disposição indicada (aberta ou fechada):

INVERSÃO DAS TRÍADES

Pode haver dois tipos de inversão em uma tríade: 1) terça no baixo (primeira inversão)
e 2) quinta no baixo (segunda inversão). Quando os acordes estão na posição fundamental, os
intervalos formados a partir do baixo são terça (3ª) e quinta (5ª) (ver os Ex. 3, 4 e 5). Mas quando
há inversão, surgem intervalos diferentes, como a quarta e a sexta.

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EXERCÍCIO 2

Desse modo, quando uma tríade está em primeira inversão (terça no baixo), surge o
intervalo característico de sexta; a segunda inversão (quinta no baixo), gera os intervalos de
quarta e sexta. As inversões, somadas com possibilidades de dobramento além da fundamental,
geram disposições de acordes mais complexas, como é o caso da disposição mista (Ex. 7 e 8).

Exemplo 7: tríade de Lá menor em primeira inversão, com diversos dobramentos.

Exemplo 8: tríade de Lá menor em segunda inversão, com diversos dobramentos.

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EXERCÍCIO 3

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INVERSÕES, CIFRAS E CAMPO HARMÔNICO

Na aula passada vimos a estrutura intervalar das tríades e nos concentramos nas tríades
maiores e menores. A tríade diminuta será abordada na aula 3 e a tríade aumentada quando
tratarmos do modo menor. Por enquanto vamos continuar investigando as tríades “perfeitas”
(maior e menor), ou seja, as que têm o intervalo de quinta justa.

CIFRAS DAS INVERSÕES

Vimos que as tríades invertidas apresentam intervalos diferentes, de sexta (primeira


inversão) e de sexta e quarta (segunda inversão), enquanto a posição fundamental apresenta
intervalos de terça, quinta e oitava. A indicação dos intervalos pode ser padronizada, de modo
que não é necessário indicar as duplicações nem reproduzir a ordem exata de aparição dos
intervalos nas cifras numéricas. Veja o exemplo abaixo e faça o exercício.

EXERCÍCIO 4

No Exercício 4, escreva o nome de cada acorde.

TONALIDADE E CAMPO HARMÔNICO MAIOR

Cada tonalidade é baseada em uma escala maior ou menor. As tríades construídas sobre
as notas dessas escalas geram o chamado campo harmônico da tonalidade, ou seja, o conjunto de
acordes que caracteriza essa tonalidade. O conceito de tonalidade parte de uma hierarquia onde
as notas da escala e os acordes do campo harmônico são posicionados em torno do primeiro grau
(I), chamado de tônica.

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Existem vários sistemas de classificar os acordes do campo harmônico e os graus da


escala. Vamos dar atenção inicialmente ao método graduado, também conhecido como harmonia
tradicional, onde os graus são indicados por algarismos romanos; mais adiante vamos conhecer
o método funcional, pensado em funções harmônicas, desenvolvido por Hugo Riemann (final do
séc. XIX). Também iremos ver noções básicas de cifrado de música popular, pelos sistemas
adotados em songbooks.

OS GRAUS DA ESCALA E O CAMPO HARMÔNICO MAIOR

Os graus melódicos da escala têm nomenclatura própria, com alguns pontos em comum
(tônica, subdominante e dominante) com a harmonia funcional, que será discutida mais tarde. O
sistema numérico com o sinal ^ acima do número foi desenvolvido por Heinrich Schenker (no
início do séc. XX) para nomear os graus melódicos é muito usado nos Estados Unidos. Os graus
harmônicos derivam do sistema de baixo cifrado usado até o século XVIII. Há várias
nomenclaturas por autores diferentes; Schoenberg, Piston, Hindemith, por exemplo, usam letras
maiúsculas para todos os graus, com sinais adicionais peculiares a cada autor. Vamos usar o
sistema desenvolvido por Gottfried Weber (1832) que adota a diferenciação entre acordes
maiores e menores pelo uso de letras maiúsculas e minúsculas nos algarismos romanos
(Exemplo 9).

Exemplo 9: graus melódicos e harmônicos no modo maior.

Quando as tríades estão em posição fundamental, basta indicar a que grau da escala essa
fundamental está relacionada. A cifra não identifica se a disposição é aberta ou fechada, nem os
dobramentos; mas indica a ocorrência de inversão. O objetivo principal é localizar a tríade em

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relação a tonalidade em que ela está inserida, atribuindo o grau da escala e assinalando quando
a fundamental não está presente no baixo.

A identificação das tríades em todas as tonalidades, nos campos harmônicos maior e


menor, requer familiaridade com escalas maiores e menores, especialmente as armaduras de
clave. O sistema harmônico é pensado sobre esses conceitos: escalas, intervalos e tríades.
Espera-se que os alunos ingressantes já tenham domínio sobre esses tópicos, mas se houver
dúvidas não deixem de me consultar, porque será muito difícil acompanhar o desdobramento da
teoria sem uma base sólida. Se você precisa de mais de 30 segundos para saber qual é a armadura
de clave de uma tonalidade qualquer e indicar sem titubear qualquer um dos graus dessa escala,
então será necessário um treinamento mais intenso para adquirir essa capacidade, e reduzir ainda
mais esse tempo!

Façamos um teste: tente resolver todo o exercício (da letra “a” até “l”) abaixo em menos
de 6 minutos, deixe os materiais (lápis, borracha) à mão, acione o cronômetro e comece!
Coloque os acidentes (sustenidos e bemóis) ao lado das notas, quando necessário.

EXERCÍCIO 5

Quem conseguiu solucionar entre 4 e 5 minutos está bem, mas ainda dá para aperfeiçoar!
Os que resolveram o exercício em menos de 4 minutos estão preparadíssimos, parabéns!

Se você não conseguiu realizar o exercício no tempo sugerido, ou não sabe como fazer
isso, não desanime! Por favor, me procure, porque é possível aprender esse conteúdo em poucas
semanas. A primeira sugestão é continuar praticando. Por exemplo: use o mesmo exercício acima
como modelo e desloque os graus para a esquerda, de modo que a letra A se alinhe com o IV, a

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letra b com o vi, etc., levando o iii para a letra L. Isso vai gerar outras combinações para que você
possa praticar mais. Refaça o procedimento mais vezes.

Outro treino interessante é praticar a escrita de campos harmônicos. Por enquanto,


vamos nos concentrar no modo maior.

EXERCÍCIO 6

CIFRAS GRADUADAS E INVERSÕES

O sistema graduado (harmonia tradicional) adota o procedimento visto acima, contando


os intervalos formados a partir do baixo. Na posição fundamental, os intervalos resultantes são,
invariavelmente: terça, quinta e oitava (lembrar que o dobramento está limitado
temporariamente à fundamental). Nesse caso, a cifra não precisa indicar nada além do grau.
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A primeira inversão é indicada pelo número 6 e a segunda inversão por 4. A cifra não

precisa reproduzir a ordem em que as notas ocorrem na pauta musical.

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EXERCÍCIO 7

Não coloque a armadura de clave, ponha os acidentes ao lado das notas, onde for
necessário.

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TRÍTONO, ACORDES COM SÉTIMA E MODO MENOR

As tríades podem ser consideradas como resultado de superposição de


terças: por exemplo a tríade de Dó maior tem a terça Dó-Mi e a terça Mi-Sol,
resultando em Dó-Mi-Sol. Os acordes com sétima são tétrades (acordes com quatro
sons) e o intervalo de sétima também pode ser interpretado como o acréscimo de
mais uma terça. Em “Dó maior com sétima maior”, a terça adicional seria Sol-Si,
resultando em Dó-Mi-Sol-Si (Exemplo 1).

Exemplo 1: superposição de terças na tríade e na tétrade de Dó.

CAMPO HARMÔNICO COM SÉTIMA (TÉTRADES)

O campo harmônico de Dó maior com as tétrades resulta em padrões que


devem ser analisados com cuidado.

Exemplo 2: tétrades no campo harmônico de Dó maior.

Os acordes de I e IV são maiores e têm a sétima maior; os acordes de ii, iii e vi


graus são menores e têm sétima menor. O acorde de vii°7 é meio-diminuto
(diminuto com sétima menor) e contém o intervalo de trítono (Si-Fá). Assim, o
acorde de V7 (em destaque no Exemplo 2) reúne características de todos os demais,
porque é maior, tem sétima menor e contém o trítono.

Esse conjunto de características do V7 o classificam de maneira especial


entre os acordes com sétima, como acorde de sétima de dominante. O acorde meio-
diminuto, sobre o sétimo grau da escala maior, pertence a essa mesma espécie.

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O TRÍTONO

O intervalo de trítono (3 tons ou 6 semitons) reúne as notas do IV e do VII


graus da escala maior (4 e 7). O sétimo grau é a sensível tonal, levando à tônica por
semitom por movimento ascendente; em oposição, o quarto grau é a sensível modal,
conduzindo para a terça (que determina o modo, maior ou menor) por semitom (ou
tom inteiro, no modo menor) em movimento descendente (Exemplo 3) 1.

Exemplo 3: o trítono na escala maior e suas resoluções harmônicas.

Além da resolução melódica, o trítono também sugere resolução harmônica,


ao soar simultaneamente. Nesse caso, a resolução harmônica é consequência dos
movimentos melódicos 7 → 1 e 4 → 3. Esse poder resolutivo é uma das
características mais notáveis dos acordes de sétima de dominante, dando
direcionalidade para a harmonia.

EXERCÍCIO 8

1A resolução por tom inteiro, no modo menor, é uma espécie de resolução deceptiva, pela expectativa
do semitom.

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EXERCÍCIO 9

MODO MENOR

O modo menor apresenta maiores possibilidades cromáticas do que o modo


maior, por causa do uso alternado de três escalas (Exemplo 4), com possibilidades
melódicas e harmônicas ampliadas.

A escala menor guarda relação com a maior, por meio do intervalo de terça
menor, ou seja, Lá menor é a tonalidade relativa de Dó maior (Lá-Dó = 3ª menor).
Por causa disso, as tonalidades relativas compartilham a mesma armadura de clave.

Exemplo 4: as três espécies de escala menor.

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Devido a essa variedade escalar, o campo harmônico menor apresenta


maiores possibilidades de acordes. O campo harmônico menor apresenta a tríade
aumentada como III (escalas harmônica e melódica) e tríade diminuta como ii
(escala antiga); outra tríade diminuta ocorre como vi da escala melódica (Exemplo
5). Outro aspecto importante é o acorde de dominante que apresenta a variedade
menor (v da escala antiga) e maior (V das escalas harmônica e melódica), num total
de 13 acordes diferentes.

Exemplo 5: tríades do campo harmônico de Lá menor.

EXERCÍCIO 10

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INVERSÃO DOS ACORDES COM SÉTIMA

O acorde com sétima tem a possibilidade de uma terceira inversão, com a


sétima no baixo. As cifras assinalam os intervalos mais característicos obtidos a
partir do baixo.

Exemplo 5: inversões do V7 em Dó maior.

EXERCÍCIO 11

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AULA 4 – HARMONIA FUNCIONAL E COMPARAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS DE CIFRAS

Enquanto a harmonia graduada aborda os acordes de uma tonalidade a partir


da posição de suas fundamentais na escala e no campo harmônico, a harmonia
funcional (desenvolvida por Hugo Riemann em 1893) trata de agrupar acordes
relacionados entre si por pelo compartilhamento de díades e pertencimento a uma
das “famílias” de funções harmônicas: tônica (T), subdominante (S) e dominante (D).

A harmonia funcional é mais difundida nos países germânicos e disseminou-


se no ensino de teoria musical do Brasil por meio de Hans Joachim Koellreutter
(especialmente nos estados de Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia). O movimento
neorriemanniano, surgido nos Estados Unidos nos anos 1980 realizou uma releitura
da teoria das funções de Riemann, enfatizando sua representação geométrica, como
será visto mais adiante, ainda nesta aula.

A teoria originalmente proposta por Riemann incorporava elementos


controversos fundados no dualismo, conceito que supõe a existência (jamais
comprovada cientificamente) de uma “série harmônica inferior”, em sentido inverso
dos parciais harmônicos conhecidos. Os teóricos Hermann Grabner e Wilhelm Maler
retiraram as referências ao dualismo e definiram alguns termos que se tornaram de
uso comum, como por exemplo os acordes antirrelativos. O livro de Koellreutter,
Harmonia Funcional (1986) baseia-se em Maler.

FUNÇÕES PRINCIPAIS (PRIMEIRA LEI TONAL): VIZINHOS DE QUINTA

Uma tonalidade, seja ela maior ou menor, é fundada nas funções harmônicas
principais, três acordes cujas fundamentais têm distância de quinta justa
(ascendente) entre si (Exemplo 6). Os acordes têm um som em comum.

Exemplo 6: as funções principais nos modos maior e menor.

Vê-se que no modo maior as funções principais correspondem às três tríades


maiores do campo harmônico. No modo menor, as alterações das escalas harmônica
e melódica geram versões maiores das tríades de subdominante e dominante.

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Mantém-se o padrão adotado com os algarismos romanos (graus da escala), onde as


letras maiúsculas indicam tríades maiores e as minúsculas correspondem às tríades
menores.

INVERSÕES NAS CIFRAS DE FUNÇÕES HARMÔNICAS

As inversões não indicam mais o intervalo entre baixo e as demais notas do


acorde. Na cifra funcional, a inversão mostra qual nota do acorde (terça ou quinta)
foi colocada no baixo (Exemplo 7). Na posição fundamental as cifras permanecem
como mostrado no Exemplo 6.

Exemplo 7: inversões indicadas por cifras funcionais.

FUNÇÕES SECUNDÁRIAS (SEGUNDA LEI TONAL): VIZINHOS DE TERÇA

As funções secundárias são as demais tríades do campo harmônico, com


exceção do sétimo grau (que será abordado na próxima aula). São acordes cujas
fundamentais estão a uma terça de distância da fundamental dos acordes de função
primária. Esses acordes têm dois sons em comum.

Exemplo 8: funções secundárias nos modos maior e menor.

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As funções relativas têm o mesmo significado visto em relação às escalas


maiores e menores, ou seja um acorde maior terá uma função relativa menor
correspondente situada na fundamental terça abaixo. A função “antirrelativa” é
simetricamente oposta, terça acima. Se o acorde for menor, as funções relativa e
antirrelativa trocam de direção (relativo acima, antirrelativo abaixo).

As letras maiúsculas e minúsculas seguem indicando se o acorde é maior ou


menor: “a” indica o antirrelativo menor; “A” o antirrelativo maior; “r” o relativo
menor, “R” o relativo maior.

As funções “Da” (antirrelativa menor da Dominante) e “sA” (antirrelativa


maior da subdominante, ver Exemplo 8) foram marcadas com asteriscos (*) porque
apresentam notas que não pertencem ao campo harmônico original. Esses acordes
são alterados porque as funções relativas e antirrelativas só podem ser representadas
por tríades maiores ou menores, excluindo tríades aumentadas ou diminutas.

No modo maior, ocorre correspondência entre Sa e Tr; Ta e Dr. Em uma


análise harmônica, a classificação mais adequada será determinada de acordo com
o contexto.

EXERCÍCIO 12

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EXERCÍCIO 13

CIFRAS POPULARES

As cifras populares não têm padronização rígida, mas geralmente adotam a


nomenclatura anglo-saxônica, que designa letras maiúsculas para os acordes: A (Lá),
B (Si), C (Dó), D (Ré), E (Mi), F (Fá), G (Sol). Quando a letra vier desacompanhada,
trata-se de uma tríade maior, por exemplo: E = Mi maior. A tríade menor é indicada
por um “m” minúsculo: Fm = Fá menor. Inversões são indicadas com auxílio de uma
barra, após a qual vem a nota colocada no baixo: C/E = Dó maior com Mi no baixo.

Além das tríades, as dissonâncias são indicadas como no quadro abaixo


(Exemplo 9). Nesse sistema de cifras é necessário especificar o tipo de intervalo
(maior, menor, etc.) acrescentado, por meio de sinalizações específicas.

6; b6 Sexta maior; sexta menor


7; 7M (ou maj7, ou 7+) Sé tima menor; sé tima maior
9; #9; b9 Nona maior; nona aumentada; nona menor
#11 ou 11+ Dé cima-primeira aumentada
#12 ou 12+ Dé cima-segunda aumentada
13; b13 Dé cima-terceira maior; dé cima-terceira menor
sus; sus4; sus2 Apojatura; quarta substituindo a terça; segunda
substituindo a terça
add9 Acorde com acré scimo de nona maior
Exemplo 9: indicação de dissonâncias no cifrado popular.

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REPRESENTAÇÃO GEOMÉTRICA DA TONALIDADE: A TONNETZ

O termo “tonnetz”, em alemão, significa “rede de sons” e é utilizado para


representar ciclos de notas (mais precisamente “classes de altura”, porque
independem de uma frequência específica).

Em uma tonnetz triádica, a sequência de notas nas linhas horizontais é gerada


por um ciclo de quintas justas. A diagonal partindo de cima (da classe de altura “Dó”)
para baixo, à esquerda, gera um ciclo de terças maiores; a outra diagonal, partindo
de cima para baixo, à direita, forma um ciclo de terças menores (Exemplo 10).

Exemplo 10: ciclos intervalares na tonnetz triádica.

Originalmente, a tonnetz é limitada às tríades maiores e menores,


representando o universo tonal das funções principais e secundárias vistas acima
(Exemplo 11). Essa representação visual permite observar com clareza as
transformações que mapeiam uma função harmônica em outra.

Exemplo 11: a tonnetz triádica.

Assim, as tríades de Dó maior e Dó menor podem ser localizadas e


representadas da seguinte maneira em uma tonnetz (Exemplo 12), onde a tríade
maior é um triângulo com ponta para cima e a tríade menor com ponta para baixo.

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Exemplo 12: tríades de Dó maior e Dó menor na tonnetz.

As funções primárias e secundárias podem ser representadas da seguinte


maneira na tonalidade de Dó maior (Exemplo 13):

Exemplo 13: funções primárias e secundárias em Dó maior.

O modo menor pode ter mais de uma representação, devido a variedade de


escalas. A escala antiga (eólia) resulta numa tonnetz com dominante menor
(Exemplo 14), enquanto a escala harmônica tem dominante maior (Exemplo 15).

Exemplo 14: funções primárias e secundárias em Lá menor eólio.

Exemplo 15: funções primárias e secundárias em Lá menor harmônica.

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EXERCÍCIO 14

Construa uma tonnetz com as funções principais e secundárias nas


tonalidades indicadas, usando o esquema gráfico abaixo. Coloque as notas nos
círculos e a cifra funcional nos triângulos.

a) Lá maior.

b) Si menor eólio.

c) Fá menor harmônico.

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Aula 4 - Harmonia funcional e cifras populares.

Tópicos

• Funções principais
• Funções secundárias
• Inversões nas funções
• Cifrado popular
• A Tonnetz
• Exercícios 12 a 14.

Observação: as cifras de Harmonia Funcional foram abrasileiradas por Koellfeutter:


Tr = relativa menor da tônica; Sr = relativa menor da subdominante; Dr = relativa menor da
dominante.
No livro de Diether de La Motte, as cifras mantêm os nomes no idioma alemão: Parallelen
Durklänge (P), acordes relativos maiores e Parallelen Molklänge (p), acordes relativos
menores, e também Gegenkläng (contra-acorde ou acorde antirrelativo), que pode ser
abreviado como “G” (antirrelativo maior) ou “g” (antirrelativo menor). Essa nomenclatura
também é usada pelo Sibelius.
Koellreutter usa apenas cifras com letras maiúsculas, usando o sinal ° para indicar que uma
função é em modo menor.
O quadro abaixo mostra as cifras que vamos usar e sua correspondência com a nomenclatura
em alemão, vista no livro de De La Motte:
Idioma
Função Português Alemão
relativo menor da Tônica maior Tr Tp
relativo menor da Subdominante maior Sr Sp
relativo menor da Dominante maior Dr Dp
antirrelativo menor da Tônica maior Ta Tg
antirrelativo menor da Subdominante maior Sa Sg
antirrelativo menor da Dominante maior Da Dg
Relativo maior da tônica menor tR tP
Relativo maior da subdominante menor sR sP
Relativo maior da dominante menor dR dP
Antirrelativo maior da tônica menor tA tG
Antirrelativo maior da subdominante menor sA sG
Antirrelativo maior da dominante menor dA dG
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AULA 5 – ACORDE DIMINUTO E ENCADEAMENTO SIMPLES DE TRÍADES.

TÓPICOS

• Acorde diminuto: cifras e estrutura.

• Encadeamento de tríades, na posição fundamental e com dobramento


de oitava.

• Exercícios 15 e 16.

TRÍADE DIMINUTA

A tríade diminuta raramente ocorre em música popular (onde é mais comum


o acréscimo da sétima nesse tipo de acorde), mas a forma de cifrá-la poderia ser
Xdim. Por exemplo: Adim = Lá diminuto (tríade).

Quando empregada em harmonizações a quatro vozes, costuma-se dobrar a


terça da tríade diminuta, porque a fundamental e a quinta formam o trítono e deve-
se evitar o dobramento de notas dissonantes.

De acordo com o método graduado (em algarismos romanos), trata-se de


uma tríade cuja fundamental é o sétimo grau no campo harmônico maior ou menor
harmônica. A tríade diminuta também ocorre como segundo grau do modo menor
(eólio ou harmônico) (Exemplo 16).

Exemplo 16: tríades diminutas nos campos harmônicos maior e menor.

Em harmonia funcional, uma função harmônica não representa os graus do


campo harmônico, mas seu parentesco com as funções primárias. No modo maior, a
tríade diminuta é assinalada por sua proximidade com o acorde de sétima da
dominante, do qual é uma versão sem fundamental (Exemplo 17). Essa função
costuma ser chamada “dominante com sétima sem a fundamental”.

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Exemplo 17: função de dominante em Dó maior: tríade, com sétima e sem fundamental.

TÉTRADE DIMINUTA

A tétrade diminuta (acorde de sétima diminuta) tem dois tipos: a) com sétima
menor, chamado de “meio-diminuto”; b) com sétima diminuta, chamado de
“diminuto”. Novamente, a notação graduada considera a fundamental do VII grau
dos campos harmônicos maior e menor. É comum o modo maior usar o acorde com
sétima diminuta do modo menor, por empréstimo modal (4ª lei tonal), indicado com
o sinal de rebaixamento b7.

Exemplo 18: acordes de vii°7 nos modos maior e menor.

Em música popular, mas também na cifra graduada, o acorde de sétima


diminuta é associado ao símbolo °. O significado desse sinal está associado com a
simetria desse acorde, onde cada inversão se converte numa nova fundamental, até
retornar ao estado inicial, gerando um ciclo (Exemplo 19a/19b).

Exemplo 19a: inversões, enarmonia e simetria do acorde diminuto.

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Exemplo 19b: simetria do acorde de sétima diminuta.

O acorde meio-diminuto, devido ao intervalo de sétima menor, perde essa


propriedade simétrica. Sua assimetria é simbolizada pelo círculo cortado Ø. Em
harmonia funcional, a tétrade diminuta continua sendo interpretada como extensão
da dominante com sétima. Assim, trata-se de um acorde sem fundamental, com
sétima e nona. A sétima diminuta corresponde à nona menor da dominante
(tipicamente nos acordes diminutos); a sétima menor corresponde à nona maior da
dominante (nos acordes meio-diminutos). Essa distinção não requer sinalização
adicional na cifra funcional, em relação à armadura de clave da tonalidade; no
entanto, quando ocorre empréstimo modal, é necessário que a cifra indique se a
nona foi rebaixada (>) ou aumentada (<) (Exemplo 20a). O empréstimo modal será
estudado mais detalhadamente no próximo semestre (quarta lei tonal).

Exemplo 20a: dominante sem fundamental com nona, nos modos maior e menor.

Exemplo 20b: tétrades no modo menor harmônico: funções diminutas e suas associações.

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O campo harmônico da escala menor harmônica (Exemplo 20b) apresenta as


duas espécies de tétrades diminutas, o meio-diminuto como segundo grau e o
diminuto como sétimo grau. Além da relação com a dominante, a harmonia funcional
assinala a semelhança da tétrade diminuta com a subdominante, especialmente no
campo harmônico menor. O acorde meio-diminuto como segundo grau da escala
menor harmônica é compreendido funcionalmente como derivação da
subdominante, o que é ainda mais perceptível em suas inversões. Até mesmo a
tríade de segundo grau é compreendida como uma versão da subdominante
(Exemplo 21).

Exemplo 21: acorde diminuto com função de subdominante (modo menor).

Por causa dessa ambiguidade entre as funções de dominante e


subdominante, o acorde diminuto é cifrado por De La Motte com o símbolo sDV (DE
LA MOTTE, 1998, p 86-90). As cifras funcionais usadas aqui são suficientes para
indicar esses casos, embora possa haver situações em que as duas interpretações
sejam possíveis.

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EXERCÍCIO 15

ENCADEAMENTO DE TRÍADES

Até aqui vimos aspectos “estáticos” da harmonia, mais relacionados com a


classificação e estrutura dos acordes. Agora veremos como colocar essas noções de
maneira um pouco mais prática, realizando pequenas progressões harmônicas.

Inicialmente usaremos acordes em posição fundamental com dobramento de


oitava. As regras básicas que serão apresentadas a seguir têm por objetivo controlar
o processo de encadeamento, para garantir independência e equilíbrio na condução
das vozes. Depois, essas regras podem ser flexibilizadas, a fim de possibilitar a
realização de melodias mais interessantes, especialmente no soprano e no baixo.

ENCADEAMENTO: REGRA SIMPLES

1) Acordes com um som em comum.

Esse tipo de enlace harmônico ocorre quando as fundamentais (no baixo) dos
acordes estão à distância de quarta ou quinta.

a. O baixo se move para a fundamental do acorde seguinte.

b. A nota em comum permanece na mesma voz em que estava no


primeiro acorde.

c. As demais notas se movem para a nota que falta no acorde


seguinte (com dobramento da fundamental), fazendo o
movimento mais curto. Evita-se o cruzamento de vozes.

2) Acordes com dois sons em comum.

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As fundamentais (no baixo) estão à distância de terça ou sexta.

a. O baixo se move para a fundamental do acorde seguinte.

b. As notas em comum permanecem nas mesmas vozes em que


estavam no primeiro acorde.

c. A nota faltante no acorde seguinte (com dobramento da


fundamental), é alcançada pelo movimento mais curto. Evita-se o
cruzamento de vozes.

3) Acordes sem nota em comum.

Fundamentais com distância de segunda ou de sétima (acordes adjacentes).

a. O baixo se move para a fundamental do acorde seguinte.

b. As demais vozes se movem para as notas do acorde seguinte (com


dobramento da fundamental), fazendo o movimento mais curto
em direção contrária ao baixo. Evita-se o cruzamento de vozes.

Exemplo 22: encadeamentos entre dois acordes com 1, 2 e 0 notas em comum.

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EXERCÍCIO 16

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AULA 6 – MOVIMENTOS ENTRE AS VOZES, FLEXIBILIZAÇÃO DAS REGRAS BÁSICAS

TÓPICOS

• Tipos de movimento entre as vozes:


o Paralelo
o Direto
o Oblíquo
o Contrário
• Encadeamento de tríades, com dobramento de quinta ou terça.
• Encadeamento de tríades, usando inversões.
• Exercícios 17 a 20.

TIPOS DE MOVIMENTO ENTRE AS VOZES NOS ACORDES

Em um encadeamento de acordes prevalece a noção de quatro movimentos


melódicos independentes, ao invés de um “bloco” de notas. Privilegia-se a
independência e o equilíbrio na transição de um acorde para outro. A finalidade das
regras simples vistas na aula passada é garantir que os movimentos melódicos
tenham a maior diversidade possível (Exemplo 23), com a movimentação pelo
“caminho mais curto” (dando preferência aos graus conjuntos em relação aos saltos)
garantindo a preservação da distância entre as vozes, que afeta o equilíbrio acústico.
A direção das hastes serve para diferenciar voz aguda e grave, escritas em um
pentagrama compartilhado entre duas vozes; isso deve ser observado com atenção
nos exercícios.

Exemplo 23: tipos de movimento entre duas vozes.


O movimento paralelo (23a) ocorre quando vozes se movimentam com o
mesmo intervalo entre elas. Terças, quartas e sextas paralelas não têm restrição,
mas deve ser evitada a ultrapassagem (assinalada no exemplo acima) que ocorre
quando uma voz salta além da nota da outra voz – no caso o Fá da voz inferior é mais

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alto que o Mi da voz superior. O movimento direto (23b) é quando as vozes


caminham na mesma direção, porém com intervalos diferentes. No movimento
oblíquo (23c), uma das vozes fica parada, enquanto a outra se movimenta; no
movimento contrário, as vozes seguem direções opostas (23d). O cruzamento entre
vozes, assinalado com * (23e), deve ser evitado nos exercícios, embora seja um
recurso comum na escrita coral e orquestral.

As consonâncias perfeitas (uníssono, quinta e oitava justas) não devem


ocorrer em movimento paralelo ou direto entre duas vozes, porque isso reduz a
sensação de independência entre elas. Evitar uníssonos, quintas e oitavas justas,
paralelas ou diretas, é portanto um passo essencial para aquisição de técnica de
escrita. Esse tipo de movimento, associado com tais intervalos, deve ser reservado
como um elemento estilístico e/ou expressivo 1 . Não há qualquer restrição com
relação ao movimento paralelo ou direto entre outros intervalos além de uníssono,
quinta e oitava justa.

Exemplo 24: quintas e oitavas paralelas ou diretas.


Quintas e oitavas paralelas (24a; 24c) devem ser evitadas por completo,
assim como os uníssonos. Quintas e oitavas diretas não devem ser atingidas por
meio de salto (24b; 24d). Chama-se a isso de quintas e oitavas “paralelas ocultas”
(em 24b também ocorre ultrapassagem).

A saída a partir desses intervalos, ou chegada a eles, é aceitável se uma das


vozes se movimenta por grau conjunto (25a); também são aceitas sucessões
alternadas entre quintas justas e diminutas (25b).

Exemplo 25: movimentos aceitáveis de quintas.

1Cabe lembrar que a validade desse critério depende do estilo musical. No rock, por exemplo, é dada
maior importância ao volume e ressonância; assim, os movimentos de quintas paralelas são mais
desejáveis nesse caso. Há situações excepcionais em que até mesmo em Mozart e Beethoven são
encontrados movimentos de quintas justas paralelas.

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Os casos abaixo mostram situações com quintas e oitavas em encadeamentos


a quatro vozes (Exemplo 26). Quintas e/ou oitavas paralelas ocorrem em 26a; 26c;
26e. Esses encadeamentos foram refeitos (26b, 26d, 26f) para demonstrar a eficácia
das regras simples na prevenção de paralelismos indesejados. Basicamente, a
aplicação dos conceitos de “som comum” e “movimento mais curto” são decisivas,
ou então o conceito de “movimento contrário ao baixo”, quando não houver som
comum.

Exemplo 26: encadeamentos a quatro vozes com paralelismos de quinta e oitava justa e suas versões
corrigidas. Tonalidade de Dó maior.

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EXERCÍCIO 17

EXERCÍCIO 18

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FLEXIBILIZAÇÃO DAS REGRAS

Até agora os exercícios seguiam estritamente as regras básicas da aula


passada, garantindo o controle da condução das vozes sem riscos em relação aos
paralelismos de quinta ou oitava, bem como na manutenção do espaçamento
equilibrado em cada acorde. Isso, no entanto, resulta em linhas melódicas
monótonas, especialmente na parte do soprano. Outro aspecto importante que irá
motivar pontualmente o abandono das regras básicas é a necessidade de evitar
movimentos melódicos indesejáveis como salto de trítono ou de segunda aumentada
(comum no modo menor harmônico). Algumas soluções permitem resultados com
melhor acabamento musical, flexibilizando as normas 2 porém, é necessário
observar o controle geral em relação ao equilíbrio e independência. Grosso modo,
temos três alternativas para as regras básicas.

SOLUÇÃO 1 – NÃO MANTER O SOM COMUM

A quebra dessa norma deriva principalmente da busca por uma melodia mais
interessante na voz do soprano. Todavia, mesmo o soprano deve privilegiar o
movimento por grau conjunto, reservando os saltos para situações específicas, como
preservação do âmbito vocal ou para evitar monotonia.

Com a mesma fundamental mantida no baixo, o encadeamento pode variar


nas vozes superiores (27a; 27b) ou até mesmo mudar da disposição aberta para a
fechada e vice-versa (27c; 27d). Quando as fundamentais fazem um salto de terça
também é possível alternar entre disposição aberta e fechada, por meio de uma
permutação cuidadosa que evite quintas e oitavas ocultas (27e; 27f). Se o baixo salta
uma quarta ou quinta justa, pode-se renunciar ao som comum em algumas
combinações intervalares sem gerar quintas e oitavas paralelas, mas não é possível
variar a disposição aberta e fechada (27g; 27h). Quando o baixo se move por grau
conjunto, há possibilidade de alternar entre a disposição aberta e fechada, em
algumas combinações que não resultam no paralelismo de quinta e oitava (27i; 27j).

2Walter Piston batizou como “regras práticas” e oferece algumas sugestões para ir além delas na
obtenção de resultados musicalmente mais interessantes (PISTON, 1987, p. 28-29, em inglês; 1998,
p. 26-27, em espanhol). Iremos nos basear em muitas dessas sugestões.

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Em todas essas situações, deve-se ter bastante critério e não descuidar, fazendo uma
checagem de todos os pares de vozes envolvidas.

Exemplo 27: formas mais flexíveis de encadeamentos.


Assim, verifique se não ocorrem movimentos melódicos prejudiciais à
condução das vozes. Os saltos são admitidos desde que a voz que salta não
ultrapasse a altura da voz vizinha (28a; 28d); as quintas e oitavas paralelas ou
diretas permanecem interditadas como anteriormente (28b; 28c). A distância entre
vozes adjacentes (com exceção entre tenor e baixo) não deve ultrapassar uma oitava
(28e; 28f); nestes exemplos também ocorre ultrapassagem entre vozes.

Exemplo 28: movimentos desaconselháveis ocorrentes pela renúncia ao som comum.

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SOLUÇÃO 2 – DUPLICAÇÃO DA QUINTA OU DA TERÇA DA TRÍADE

Até este ponto, as tríades recebiam dobramento exclusivo da fundamental


(oitava). A duplicação da quinta ou da terça pode gerar – desde que ocasionalmente
– maior variedade na movimentação harmônica e melódica. Em certas situações,
isso será crucial para evitar um movimento paralelo de quinta ou oitava, em outras,
poderá render uma melodia mais expressiva. O dobramento da oitava, portanto,
será ainda o mais aconselhado e essa “solução” deve ser compreendida como uma
exceção pontual.

O dobramento da terça na relativa é comum, quando for precedida pela


dominante (29a); deve-se evitar dobrar a terça no acorde com função de dominante
(29b); o dobramento de quinta ou terça não tem restrições fora do âmbito da
dominante (29c; 29d). Há ocasiões em que a quinta pode ser suprimida, triplicando
a fundamental (29e), mas a terça sempre deve estar presente.

Exemplo 29: duplicação de terça e quinta; omissão da quinta.

SOLUÇÃO 3 – INVERSÕES

Até aqui, os acordes estavam “obrigatoriamente” em posição fundamental.


Isso resulta em linhas de baixo onde predominam os saltos, resultantes do
movimento entre as fundamentais. As inversões têm a finalidade de possibilitar uma
flexibilidade maior para a linha do baixo, promovendo maiores alternativas de
alternância entre graus conjuntos e saltos.

Na Sonata para piano em Dó maior, K545, de Mozart, vemos os compassos


iniciais (30a), onde a ressonância e sustentação das notas do baixo resulta na
sonoridade registrada abaixo (30b). Percebe-se que as inversões proporcionam
movimento de grau conjunto na linha do baixo, oferecendo liberdade para a melodia
dando homogeneidade ao acompanhamento (figuração conhecida como “baixo de

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Alberti”). Na linha inferior em 30b, vemos como seria a linha do baixo sem o uso de
inversões, com saltos que soariam como um complemento desnecessário e
desgracioso, fazendo perder o equilíbrio de todo o acompanhamento e prejudicando
a leveza e simplicidade da melodia.

Exemplo 30a: Mozart, Sonata para piano em Dó maior, K545, I, Allegro.

Exemplo 30b: comparação entre os baixos da versão original e de uma possível versão sem inversões.
No modo menor, há que se evitar movimentos melódicos de segunda
aumentada, decorrentes do uso da escala harmônica (31b). Em certas disposições,
as vozes podem ser conduzidas satisfatoriamente, com o auxílio das regras básicas
(31a); o dobramento da terça (31c) contribui para evitar o movimento melódico
indesejado de 2ª menor, recorrente no enlace entre VI e V (31b; 31c). O uso de
tríades diminutas pode gerar problemas nos modos maior e menor, quando a
posição fundamental das tríades leva ao movimento por salto de trítono no baixo
(31d); para evitar essa situação, pode-se inverter o acorde diminuto (31e) ou o
acorde seguinte (31f). O enlace entre o ii° e V se beneficia com a renúncia ao som
comum (31i), evitando o movimento melódico de segunda aumentada (31g) ou de
trítono (31h).

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Exemplo 31: problemas e soluções de condução de vozes no modo menor.


Há exceções notáveis, como a melodia dos violinos na Sinfonia nº 40 em Sol
menor, de Mozart, onde se ouve o salto de segunda aumentada (Fá#→ Mib) no
compasso 8 (Exemplo 32).

Exemplo 32: Mozart, Sinfonia nº 40, I, Molto Allegro, c. 6-9.

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EXERCÍCIO 19

EXERCÍCIO 20

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AULA 7 – ENCADEAMENTO DE ACORDES COM SÉTIMA E COM INVERSÕES.

TÓPICOS

• Encadeamento de acordes com sétima


o Resolução do trítono
o Acorde D7 completo e incompleto
• Encadeamento de acordes diminutos com sétima
o Meio-diminuto (sétima de sensível)
o Diminuto (sétima diminuta)
• Exercícios 21 a 24
• Relação de inversão entre os acordes meio-diminuto e sétima de dominante
• Definições do conceito de “inversão”

ENCADEAMENTO DE ACORDES COM SÉTIMA

Os acordes de sétima de dominante (V7) e os acordes diminutos com sétima


(vii°7) requerem tratamento especial, devido a presença do trítono (Exemplo 33). A
resolução do trítono requer movimentos melódicos coordenados de 7→ 1 e 4→ 3,
sendo tipificada pelo enlace entre dominante e tônica (V7→ I ou vii°7→ I).

No acorde de dominante com sétima a resolução só é necessária quando as


notas do trítono estão no soprano (33a; 33f) ou no baixo (em inversão). Quando o
trítono está nas vozes internas (contralto e tenor), frequentemente é deixado sem
resolução (33b; 33g). A resolução requer cuidado para não gerar a quinta paralela
(33c); seria melhor que o soprano descesse, triplicando a fundamental e omitindo a
quinta. Outra situação comum é quando determinada distribuição das notas no
acorde não permite que a resolução do trítono resulte em um acorde completo (33d;
33h; 33i); isso pode ser ajustado suprimindo a quinta do acorde de dominante,
substituído pelo dobramento da oitava (33e); ou suprimindo a quinta do acorde de
tônica, com triplicação da fundamental (33d; 33i).

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Exemplo 33: tratamento do trítono no enlace entre V7 e I ou V7 e i.

As inversões, em geral, levam à resolução do trítono (Exemplo 34). O caso


mais específico é a terceira inversão, que gera o acorde de tônica em primeira
inversão (34c; 34f).

Exemplo 34: inversões e resoluções da dominante com sétima nos modos maior e menor.

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Vemos, em Bach (Exemplo 35), como o critério de resolução ou não resolução


do trítono é determinado por sua ocorrência no soprano ou nas vozes internas.
Nesse fragmento pode-se observar como o dobramento de oitavas é predominante,
assim como o movimento por melódico por grau conjunto e demais “regras
práticas”. As inversões são aplicadas para dar variedade melódica à linha do baixo,
alternando saltos e graus conjuntos.

Exemplo 35: Bach, coral nº 5 “An Wasser flüssen Babylon”.

Cuidado adicional deve ser tomado quando um acorde de dominante com


sétima resolve na tônica em primeira inversão (Exemplo 36). Nesse caso, a resolução
do trítono leva ao dobramento da terça na tônica (36a), gerando ambiguidade entre
as notas Dó e Mi no papel de “fundamental” na resolução. Assim, é melhor evitar o
movimento 4→ 3, para não reforçar a terça da tônica (36b; 36c) 1.

Exemplo 36: resolução da dominante com sétima em tônica na primeira inversão.

1Walter Piston (1998, p. 240-241, em espanhol; 1987, p. 249-250, em inglês) observa a oitava direta
resultante, mas esse movimento é atenuado pelo grau conjunto (4→ 3). Em minha opinião, o
problema reside na ambiguidade entre terça e fundamental como alvo principal da resolução. A
sensível modal é reforçada pelo movimento no baixo e pode ser confundida com a sensível tonal.

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EXERCÍCIO 21

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ACORDE DE SÉTIMA DIMINUTA

O acorde de sétima diminuta é originário do modo menor harmônico, onde se


situa como sétimo grau da escala e do campo harmônico. No entanto, esse acorde é
frequentemente empregado com função de dominante no modo maior, sendo o caso
mais comum de empréstimo modal. O acorde de sétima diminuta possui dois
trítonos!

Na função de dominante, esse acorde tem sua resolução regular sobre a tríade
da tônica, ou sua tétrade. Costuma-se resolver os dois trítonos, sem preocupação
com as duplicações inerentes a esse procedimento, resultando em terças e/ou sextas
(Exemplo 37).

No modo menor (37a; 37b) as cifras não necessitam de sinais adicionais, pois
refletem alterações presentes na armadura de clave; mas no modo maior as cifras
precisam indicar o empréstimo junto ao modo menor. Nesse caso, a cifra graduada
(37c) emprega o sinal de rebaixamento da sétima (b7) e a cifra funcional usa o sinal
> para indicar o mesmo efeito, sobre a nona da dominante (lembrar que o acorde é
considerado “sem fundamental” para essa função).

Exemplo 37: resoluções do acorde de sétima diminuta nos modos menor e maior.

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EXERCÍCIO 22

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O ACORDE MEIO-DIMINUTO

Também conhecido como acorde de sétima de sensível 2 , o acorde meio-


diminuto pode ser interpretado como inversão da dominante com sétima (Exemplo
38), se movermos os intervalos no sentido oposto da fundamental.

Exemplo 38: inversão de Si meio-diminuto, gerando Dó# maior com sétima menor.
A operação no exemplo anterior estabelece um eixo a partir da nota Si (classe
de altura 11), que pode ser representado geometricamente no grafo circular
(mostrador de relógio), onde se pode visualizar a inversão em torno do eixo e as
somas entre as classes de altura em seu redor (Exemplo 39).

Exemplo 39: inversão do acorde meio-diminuto e eixo de simetria resultante.

Ver animação, disponível no Moodle e no Google Classroom.

A resolução do acorde meio-diminuto adota o movimento de 7→ 1 e 4→ 3


para o trítono, na função de dominante (Exemplo 40a-e). Devido a sua assimetria, as
inversões do meio-diminuto soam de fato como alterações no baixo. Na segunda
inversão, o baixo deverá sempre realizar o movimento 4→ 3, de modo a resolver o
trítono em um acorde em primeira inversão (40c). A terceira inversão tem

2 Ver Zamacóis (v. II, 1984, p. 73).

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movimento do baixo mais livre, podendo ir para a quinta (40d) ou fundamental


(40e) do acorde de tônica. No modo menor, o trítono não é resolvido na progressão
do ii°7 para o V, caracterizando o uso do meio-diminuto como representante da
subdominante (40f, 40g); pode haver o enlace com a dominante com sétima (40h),
onde o som comum pode ser mantido.

Exemplo 40: resolução do acorde meio-diminuto, como dominante e subdominante.

O VII NO MODO MENOR EÓLIO

No modo menor eólio o VII é uma tríade maior, cuja função mais frequente é
servir como dominante individual para o III (Exemplo 41). Na notação graduada isso
pode ser indicado como V/III (quinto grau em relação ao terceiro) e na funcional é
usado (D). Naturalmente, esse acorde pode receber a sétima (41b). Mais adiante
veremos as dominantes e subdominantes individuais que podem ser aplicadas a
todas as funções (terceira lei tonal).

Exemplo 41: a dominante individual no modo menor eólio.

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EXERCÍCIO 23

EXERCÍCIO 24

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OS TIPOS DE INVERSÃO

Em teoria musical, o conceito de “inversão” tem pelo menos três


interpretações diferentes (Exemplo 42):

a) permutação aplicada às notas de um acorde, que faz com que a


fundamental deixe de estar no baixo;

b) complementaridade de um intervalo em relação à oitava;

c) espelhamento, mudando o sentido de todos os intervalos em um acorde,


melodia ou série, a partir de um eixo.

Exemplo 42: definições do conceito de “inversão”.

A inversão por complementaridade (42b) costuma ser medida por intervalos


diatônicos, cuja soma numérica é 9 (1+8, 2+7, 3+6 e 4+5) e os intervalos alternam
entre os pares maior/menor e aumentado/diminuto, enquanto o intervalo justo não
se altera. Outra maneira de estabelecer a complementaridade é a adoção dos 12
semitons da oitava como referência. Assim, a soma de um intervalo e seu
complementar, medidos em semitons, será 12 (1+11, 2+10, 3+9, 4+8, 5+7, 6+6).

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AULA 8 – DOMINANTES E SUBDOMINANTES INDIVIDUAIS (3ª LEI TONAL)

TÓPICOS

• Dominante secundária
• Subdominante secundária
• Representação na Tonnetz
• Exercícios 25 a 28

DOMINANTE SECUNDÁRIA (INDIVIDUAL)

O acorde de dominante (V) é empregado em progressões e cadências


especialmente com finalidade de preparar a chegada à tônica. A presença da sensível
(7) e o salto ascendente de quarta (ou descendente de quinta) no baixo são aspectos
que reforçam essa tendência. Quando a dominante tem acréscimo da sétima, o
trítono resultante torna essa sensação ainda mais evidente.

Qualquer acorde do campo harmônico pode ser valorizado por sua própria
dominante, criando polos secundários. Esse recurso amplia cromaticamente o
campo harmônico inicial (Exemplo 43). No entanto, deve-se evitar movimentos
cromáticos (por exemplo Fá→ Fá#) em vozes diferentes, situação que recebe o nome
de falsa relação cromática.

Os acordes de dominante sem fundamental, o relativo (Dr) e o antirrelativo


(Da) também são considerados da mesma região (ou família) da dominante
secundária. Além disso, são possíveis combinações com acordes da região da
subdominante secundária, como na progressão ii-V-I (Exemplo 43, c. 6-7).

O princípio de inserção de dominantes “secundárias” é comum no processo


de modulação (5ª lei tonal). Mas a ocorrência pontual de dominantes individuais é
insuficiente para caracterizar modulação, que requer confirmação por meio da
repetição da cadência (três ou quatro vezes) e permanência estável na nova tônica.
Modulações “passageiras” não são consideradas como modulações genuínas, mas
polarizações.

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Exemplo 43: progressão com dominante primária e dominantes secundárias.

Outra aplicação, de caráter prático, das dominantes e subdominantes


secundárias é na realização de arranjos e rearmonizações. As três versões a quatro
vozes para o início de “Asa Branca” (Exemplo 44) mostram como as funções
principais podem ser incrementadas com dominantes secundárias, que podem
indicar outras soluções para harmonizar a melodia. Em 44b, o acorde de tônica é
transformado na dominante da subdominante já no primeiro compasso; a tônica é
substituída pelo seu relativo (c. 3), que também recebe sua dominante individual.
Em 44c a densidade harmônica é tão grande que é recomendável reduzir o
andamento para um bom efeito; a subdominante é substituída pelo seu relativo (c.
1-2), função enfatizada por uma progressão ii°-V7-i. Nos c. 3-4 a ênfase recai sobre
o relativo da tônica, preparada duas vezes pelo seu próprio vii°7.

Exemplo 44a: “Asa Branca”, harmonizada com acordes das funções principais.

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Exemplo 44b: “Asa Branca”, rearmonizada com dominantes secundárias.

Exemplo 44c: “Asa Branca”, rearmonizada com grande densidade de dominantes secundárias e
substituições às funções principais.

Áudio disponível no Moodle e Google Classroom.

ACORDES DE TERCEIRA LEI TONAL NA TONNETZ

A representação em uma tonnetz (Exemplo 45) permite visualizar a expansão


das possibilidades cromáticas de uma tonalidade no modo maior. As tríades maiores
têm suas dominantes e subdominantes da mesma espécie, enquanto as tríades
menores têm dominantes maiores.

Exemplo 45: acordes de terceira lei tonal em uma Tonnetz.


Vídeo disponível no Moodle e Google Classroom.

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EXERCÍCIO 25

EXERCÍCIO 26

EXERCÍCIO 27

Harmonize a melodia abaixo (“Boi da cara preta”), usando apenas acordes da


primeira e segunda leis tonais na versão 1. Faça outra harmonização, usando
também subdominantes e dominantes individuais onde for conveniente. Coloque
cifras populares sobre cada acorde e cifras graduada e funcional abaixo da pauta.

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EXERCÍCIO 28

Faça a análise harmônica do coral nº 1 de Bach (ed. Breitkopf). Use cifras


graduada e funcional, escritas abaixo das pautas. Escreva cifras populares sobre
cada acorde. Não se esqueça de identificar a tonalidade, ao início.

Áudio disponível no Moodle e Google Classroom.

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AULA 9 – CADÊNCIAS E NOTAS ESTRANHAS ÀS TRÍADES

CADÊNCIAS

• Autêntica Perfeita (CAP)

• Autêntica Imperfeita (CAI)

• Plagal (Plag.)

• Semicadência (Semicad.)

• Deceptiva (de engano) (Dec.)

• Frígia (Frig.)

NOTAS ESTRANHAS ÀS TRÍADES

• Nota de passagem (p)

• Bordadura (b)

• Apojatura (ap)

• Retardo (ou suspensão) (r)

• Escapada (e)

• Antecipação (ant)

• Pedal (ped)

• Exercícios 29 a 31

CADÊNCIAS

A expressão “cadência” significa, literalmente, a ação de “cair”. O sentido


musical dado a esse termo é associado com “repouso”, “estabilidade”. Em
comparação com a linguagem, equivale ao uso de pontuações (vírgulas, pontos, etc.)
que organizam o discurso escrito ou falado. As frases musicais, portanto, são
delimitadas por cadências com poder de conclusão variável. A identificação das
cadências é crucial para a performance, de modo que o/a intérprete possa transmitir
o conteúdo expressivo da música.

As cadências têm efeito conclusivo, relacionado à sua estrutura interna e com


a tonalidade principal. Assim, há cadências mais conclusivas e outras menos. Uma
cadência consiste geralmente em uma passagem envolvendo dois acordes,

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posicionados ao final de uma frase musical. Os fatores que determinam seu caráter
mais ou menos incisivo dependem principalmente do movimento realizado pelo
baixo e pelo soprano.

TIPOS DE CADÊNCIA

Cadência autêntica perfeita e imperfeita

A cadência autêntica perfeita (CAP) é a mais conclusiva dentre todos os tipos


de cadência (Exemplo 46a; b). Ela é tipificada pelo salto de quarta ascendente (ou
quinta descendente) no baixo, com o soprano concluindo com a tônica (ou a
fundamental do acorde conclusivo). Os graus envolvidos em uma CAP são V-I (ou V-
i) na posição fundamental (sem inversões) e ambos os acordes podem ou não ter
acréscimo de sétima ou outras notas dissonantes.

Se o soprano não concluir na tônica (ou na fundamental do acorde final), mas


o baixo realizar o mesmo salto de quarta (ou quinta), temos uma cadência autêntica
imperfeita (CAI). A presença de inversão, seja no acorde de dominante ou no de
tônica, ou em ambos, também caracteriza a CAI (Exemplo 46c-f).

Exemplo 46: cadência autêntica perfeita (CAP) e cadência autêntica imperfeita (CAI).

Cadência plagal

Quando o acorde de tônica é preparado pela subdominante, temos a cadência


plagal. Em geral, ambos acordes estão na posição fundamental (Exemplo 47). Seu
caráter é menos conclusivo que a CAP e a CAI.

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Exemplo 47: cadência plagal.

Semicadência

A semicadência é quando a frase conclui na dominante, deixando a resolução


tonal em aberto (Exemplo 48). No geral, é caracterizada pelas funções T-D. Seu
caráter é inconclusivo. Como a semicadência é posicionada ao final de uma frase,
não deve ser confundida como possível função de dominante do acorde seguinte.

Exemplo 48: semicadência.

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Cadência deceptiva (ou “de engano”)

A cadência deceptiva é quando a dominante (com ou sem sétima) não resolve


na tônica, mas repousa inesperadamente em outra função, geralmente a relativa
(modo maior, Exemplo 49a) ou antirrelativa (modo menor, Exemplo 49b). Nesses
casos, costuma-se dobrar a terça do acorde de chegada. Essa cadência tem boa força
conclusiva, mas é empregada com finalidade de causar surpresa no ouvinte.

Exemplo 49: cadência de engano (ou deceptiva).

Cadência frígia

A cadência frígia ocorre quando há um movimento descendente de semitom


no baixo, em direção ao acorde de chegada. É encontrada com frequência no
repertório barroco, especialmente em movimentos lentos no modo menor, na
passagem iv6-V, como no final do segundo movimento do Concerto de Brandemburgo
nº 3 de Bach (Exemplo 50).

Exemplo 50: cadência frígia.

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NOTAS ESTRANHAS ÀS TRÍADES

A harmonia tonal não é limitada apenas ao universo triádico. Outros


intervalos frequentemente ocorrem, sendo tradicionalmente considerados
dissonâncias e submetidos a um tratamento melódico-harmônico que implica na
resolução em uma consonância. No entanto, a música do final do séc. XIX já apresenta
grande flexibilidade com relação à necessidade de resolução da dissonância; no séc.
XX fala-se até mesmo em sua emancipação. Vamos proceder didaticamente,
considerando o conceito tradicional de dissonância e as fórmulas convencionais de
tratamento melódico. Há uma tipologia determinada pela teoria do Contraponto,
desde o séc. XV, que se tornou a base da música tonal.

Um conceito importante para o estabelecimento de critérios de tratamento


das dissonâncias é a definição de tempo forte e tempo fraco (Exemplo 51). As
dissonâncias geralmente são posicionadas no tempo fraco, com exceção da
apojatura.

Exemplo 51: tempos fortes e fracos.

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Nota de passagem (p)

A nota de passagem se situa no tempo fraco do compasso (Exemplo 52),


preenchendo o espaço entre duas consonâncias com movimento por grau conjunto.
As notas de passagem podem ocorrer em sequência, o que às vezes altera a relação
entre tempos fortes e fracos (52b; 52c).

Apenas dissonâncias são classificadas como notas de passagem. A


identificação deve ser feita próximo à nota, colocada mais para cima se ocorrer na
voz aguda (soprano ou tenor) e mais para baixo, se ocorrer na voz grave (contralto
ou baixo).

Exemplo 52: nota de passagem.

Apojatura (ap)

A palavra “apojatura” significa “apoio”, indicando a localização no tempo


forte (é o único caso de dissonância posicionada propositalmente no tempo forte).
A apojatura resolve melodicamente, por grau conjunto, em uma consonância
(Exemplo 53); o movimento de resolução é descendente na maioria dos casos, mas
ocasionalmente pode ser ascendente (53d).

É comum, quando ocorrem apojaturas duplas, a exploração de sua função


cadencial, como um falso acorde de tônica em segunda inversão – na verdade uma
apojatura sobre a dominante (53d); outro uso frequente é como um falso acorde de

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subdominante em segunda inversão, resolvendo sobre a tônica; ou resolvendo na


subdominante (53b).

Os acordes com quinta no baixo devem ser investigados com relação ao


acorde seguinte, de modo a esclarecer se se trata de acorde apojatura ou não.

Exemplo 53: apojaturas.


Bordadura (b)

A bordadura se assemelha à nota de passagem, porém retorna ao ponto de


partida (Exemplo 54), imitando o gesto de manusear a agulha, ao bordar. Pode ser
ascendente ou descendente e usa movimento por grau conjunto.

Exemplo 54: bordaduras.


Retardo (ou suspensão) (r)

O retardo equivale a uma apojatura preparada por prolongamento da nota


anterior, consonante no ponto de origem, mas tornando-se dissonante após seu
prolongamento. Com isso, retarda a consonância de resolução, deslocando-a para o
tempo fraco, em movimento por grau conjunto (descendente, na maioria das vezes).
Alguns teóricos chamam de “apojatura com preparação”.

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O retardo se caracteriza pelo uso da ligadura ou do ponto de aumento. Quando


um ponto de aumento é utilizado (53a), o retardo é indicado no espaço vazio de seu
prolongamento, no ponto onde se torna dissonante.

Exemplo 55: retardos.


Escapada (e)

Não há consenso sobre a fórmula melódica que caracteriza uma escapada. Em


geral, o termo pode ser aplicado a uma dissonância atingida ou abandonada por
salto, ao invés do movimento por grau conjunto que predomina no tratamento das
demais dissonâncias (Exemplo 56). O gesto é semelhante ao da bordadura, com dois
movimentos seguidos em direção contrária, um em direção à dissonância, outro em
direção à resolução. Em 56a, a dissonância é atingida por grau conjunto ascendente
e abandonada por salto; em 56b ocorre o oposto: chega-se na dissonância por salto
descendente e sai-se dela por grau conjunto. Em 56c a voz do tenor atinge a
dissonância por salto ascendente e resolve por grau conjunto descendente; em 56d
a dissonância é atingida por grau conjunto descendente e resolve por salto
ascendente.

Exemplo 56: escapadas.

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Antecipação (ant.)

A antecipação é uma dissonância que antecipa a chegada à consonância por


meio de uma fórmula rítmica, onde a nota dissonante tem a menor duração
(Exemplo 57).

Exemplo 57: antecipações.

Nota pedal (ped)

Recurso harmônico que consiste em sustentar uma nota que alterna a


condição de consonância e dissonância durante toda uma progressão, gerando
tensão (Exemplo 58). Geralmente está no baixo (58a), mas pode ocorrer em
qualquer voz (58b). O pedal não é indicado nas cifras, mas escrito por extenso e com
sinalização de sua duração, por meio de uma chave.

Exemplo 58: pedal.

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EXERCÍCIO 29

EXERCÍCIO 30

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EXERCÍCIO 31

Analisar o Coral nº 3 de Bach com cifra funcional. Identifique a tonalidade,


escrevendo-a no início da análise. Assinale as cadências, usando as abreviaturas
convencionalizadas neste tópico (CAP, CAI, Semicad., Plag., Dec., Frig.). Identificar as
dissonâncias com as abreviaturas utilizadas anteriormente (p, b, e, ap, ant, ped, r),
posicionadas próximo às notas, de acordo com a voz onde ocorrem.

Áudio disponível no Moodle e Google Classroom.

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