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Acordes e afetos

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Jose Fornari
University of Campinas
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Acordes e Afetos - Musicologia na Mídia 5/2/20 16:02

in musicologia, teoria musical

Acordes e Afetos
José Fornari (Tuti) – 8 de maio de 2019

fornari @ unicamp . br

Vimos no artigo anterior o processo de formação das tríades maiores e


menores a partir da série harmônica e como isto pode ter influenciado a
constatação de estados afetivos que estes acordes remetem aos ouvintes.
Poderia-se argumentar que, apesar da tríade menor apresentar um
menor intervalo entre a fundamental e a terça, esta apresenta em contra-
partida um intervalo maior entre sua terça e a sua quinta, o que em ter-
mos intervalares faria com que esta se equivalesse à tríade maior. Ocorre
que perceptualmente a quinta na tríade age como uma nota que embasa,
sustenta e valida a tonalidade determinada pela sua fundamental, en-
quanto que a terça da tríade age como o agente de caracterização, que de-
termina se o modo deste acorde é maior ou menor. Como experimento
para constatar este fato, é interessante utilizar novamente o já citado ger-
ador de tons puros (versão online no link https://www.szynalski.-
com/tone-generator/) pra criar uma tríade onde a terça tem a relação in-
tervalar ainda menor do que o intervalo de terça menor, de razão 6/5.
Este acorde “hiper menor” tem o intervalo de 7/6 que equivale ao interva-
lo entre o sétimo e o sexto harmônico da série harmônica (lembrando que
o intervalo da terça maior justa é dado pela razão 5/4). No exemplo do
artigo anterior, para uma fundamental de 1000Hz, a terça maior equivale
ao intervalo de frequência (5/4)*1000=1250Hz. A terça menor equivale à

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(6/5)*1000=1200Hz e este intervalo, ainda menor que a terça menor, a


(7/6)*1000 ~ 1166,67Hz. Se o ouvinte iniciar por escutar esta tríade
(1000, 1166,67, 1500Hz) e depois passar para a tríade menor (1000,
1200, 1500Hz) perceberá que esta última (que é de fato a tríade menor)
escutada nesta sequência será percebida pelo ouvinte como se fosse a
tríade maior, despertando assim a mesma constatação afetiva de alívio,
descomplicação e leveza que a tríade maior apresenta em relação à
menor. O arquivo de áudio abaixo demonstra esse efeito, iniciando com o
intervalo de quinta (fundamental e quinta, ou seja, 1000 e 1500Hz) e de-
pois inserindo a a terça “hyper-menor” (1166,67Hz), seguida pela terça
menor (1200Hz) e maior (1250Hz).

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Este experimento nos leva a perceber a grande influência do nosso refer-


encial cognitivo na maneira como escutamos e entendemos o contexto
afetivo musical. No entanto, existem estudos etnomusicológicos que de-
screvem grupos culturais onde os ouvintes não compartilham da mesma
constatação afetiva do modo menor que a maioria dos ouvintes encultur-
ados pela música ocidental possuem. Alguns povos ao redor do mundo,
tais como os que habitam áreas do sudeste europeu (península balcâni-
ca), partes do norte africano e também no oriente médio, não tendem a
constatar o modo menor como remetendo à melancolia, solenidade ou
“ruminação mental”. Isto nos leva a concluir que o fator cultural é tam-
bém um elemento fundamental para determinar no ouvinte a constatação
afetiva dos modos musicais, como é o caso dos modos maior e menor. Ex-
istem estudos estatísticos de musicologia sistemática que afirmam que na
cultura ocidental, grande parte da produção musical (entre 65 a 75%, de-
pendendo do gênero musical) é feita em modo maior. David Huron e
colegas constataram que o ouvinte ocidental típico, ao escutar uma melo-
dia pela primeira vez, tende a interpretá-la como se esta fosse em modo
maior, até que este tenha uma constatação inquestionável de que a melo-

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dia é de fato em modo menor (por exemplo, a ocorrência de um intervalo


de terça menor com a fundamental), onde somente a partir deste mo-
mento, este ouvinte típico da cultura ocidental mudará sua interpretação
melódica para o modo menor. A relação entre os intervalos e as tríades
maior e menor forma a base da música tonal européia, que se amalg-
amou, segundo Joshua Albrecht, por volta do século 16 DC, a partir dos 7
modos gregos (explicados no roteiro 17) de onde descendem os 2 princi-
pais modos musicais da atualidade: o maior e o menor.

No entanto, existem outros dois tipos de tríades que podem ser geradas a
partir de intervalos consecutivos de terças. A tríade criada a partir de 2
intervalos de terça menor é chamada de “tríade diminuta” e a tríade for-
mada a partir de 2 intervalos de terça maior é chamada de “tríade
aumentada”.

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O que se percebe é que, para o ouvinte enculturado na tradição musical


européia, a tríade diminuta soa ainda mais melancólica do que a tríade
menor, chegando mesmo a representar sentimentos extremos como o de
“tragédia” ou “terror”. Isto se deve ao fato de que esta tríade apresenta 2
terças menores e estes intervalos juntos geram, entre as notas extremas
desta tríade, o já mencionado “intervalo do diabo”; o trítono. O trítono é
um intervalo de 6 semitons (por exemplo, entre F e B) que representa em
si uma grande tensão, Iniciando com a nota F, a nota B superior (que com
esta forma um trítono) equivaleria ao 11oharmônico de F. Interessante
notar que o trítono é simétrico, ocorrendo exatamente no meio da escala
cromática (ou seja, o intervalo de 6 semitons dos 12 semitons que com-
põem a oitava). Assim, se iniciarmos o trítono a parir de B, este também

o
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formará um trítono com seu F superior e este equivalerá a seu 11ohar-


mônico. Este intervalo musical representa uma distância cognitiva muito
grande entre ambas as notas que formam este intervalo. Por este motivo
o trítono normalmente representa uma tensão que pede por uma res-
olução, ou seja, um rearranjo de suas notas constituintes de modo a mini-
mizar esta tensão, por exemplo, deslocando ambas as notas um semitom
em sentidos contrários, por exemplo, de F e B (trítono) indo para E e C
(que é o intervalo de sexta menor, ou terça maior invertida), ou de F e B
indo para F# e Bb (intervalo de terça maior). O arquivo de áudio abaixo
demonstra essas duas resoluções, na ordem em que são citadas acima.

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No caso da tríade aumentada, tem-se 2 intervalos consecutivos de terça


maior. Por exemplo, em C-E-G#, tem-se a terça maior entre C e E e outra
terça maior entre E e G#. Apesar deste ser, em teoria, um acorde com
menor tensão que a tríade diminuta, este surpreendentemente tem mais
tensão harmônica do que a tríade maior equivalente: C-E-G. A razão dis-
so está no fato mencionado acima, de que o intervalo de quinta entre as
notas extremas da tríade maior e menor (C e G), embasam a fundamental
como tonalidade predominante do acorde (no caso do exemplo, C). Este
intervalo de quinta com a fundamental da tonalidade é chamado de
“dominante”. No caso da tríade aumentada, o intervalo entre as suas no-
tas extremas (C e G#) é uma sexta menor, equivalente à uma terça maior
invertida (G# e C). No exemplo de tríade aumentada: C-E-G#, não se tem
o embasamento da tonalidade da fundamental devido à falta da domi-
nante de C. A tríade aumentada é simétrica e a inversão da ordem de suas
notas componentes também incorre em outra tríade aumentada (por ex-
emplo, C-E-G#, E-G#-C e G#-C-E, são todas tríades aumentadas). O ar-

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quivo de áudio abaixo demonstra estas 3 inversões da tríade aumentada.

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Referências:

[1] Joshua Albrecht, David Huron. “On the Emergence of the Major-Mi-
nor System: Cluster Analysis Suggests the Late 16th Century Collapse of
the Dorian and Aeolian Modes” Proc. 12th International Conference on
Music Perception and Cognition. Thessaloniki, Greece. July 2012.

[2] Huron, D., Kinney, D., & Precoda, K. (2006). Influence of pitch height
on the perception of submissiveness and threat in musical passages. Em-
pirical Musicology Review, Vol. 1, No. 3, pp. 170-177.

Como citar este artigo:

José Fornari. “Acordes e Afetos”. Blogs de Ciência da Universidade Estad-


ual de Campinas. ISSN 2526-6187. Data da publicação: 8 de maio de
2019. Link:
https://www.blogs.unicamp.br/musicologia/2019/05/08/19/

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José Fornari (Tuti)


fornari@unicamp.br | Website

Pesquisador, carreira Pq-B do NICS / UNICAMP. Professor pleno


da Coordenadoria de Pós-graduação do Instituto de Artes da
UNICAMP. Pós-doc em Cognição Musical na Universidade Jy-
vaskyla, Finlândia. Visitante escolar no CCRMA / Stanford Uni-
versity. Doutorado e Mestrado na FEEC / UNICAMP. Formado
em Música popular (piano) e Engenharia elétrica na UNICAMP.

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