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O eterno ciclo das quintas

Article · March 2019

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Jose Fornari
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O eterno ciclo das quintas - Musicologia na Mídia 5/2/20 16:04

in musicologia, teoria musical

O eterno ciclo das


quintas
José Fornari (Tuti) – 27 de março de 2019

fornari @ unicamp . br

A música, como a maioria das pessoas conhece, entende e aprecia, é


baseada numa organização melódica que descende do “ciclo das quintas”.
Mais do que uma convenção socialmente aceita ou psicologicamente
amalgamada, o ciclo das quintas é um fenômeno físico tão presente e sig-
nificativo na natureza acústica que moldou a evolução e o desenvolvimen-
to tanto do sistema auditivo quanto do cérebro.

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Representação do ciclo das quintas (em sentido horário)


com as respectivas armaduras de claves. Fonte:
https://www.adultpianolesson.com/learn-the-sharp-scales-in-the-
circle-of-fifths-in-3-easy-steps/circle-keysigs/

Conforme mencionado anteriormente, Pitágoras, no século 6 AC, é con-


siderado o organizador da escala musical. Esta é conhecida como escala
pitagórica ou “justa”, e é fundamentada no ciclo das quintas; um fenô-
meno acústico observado de diversas formas e em diversas situações. A
frequência de ressonância de uma coluna de ar dentro de um tubo, ou
mesmo a frequência de ressonância gerada por uma corda retesada ao ser
estimulada mecanicamente (por exemplo, percutida por uma baqueta,
pinçada pelos dedos ou por palhetas ou roçada por um arco). Quando es-
timulados (tubo ou corda) estes normalmente emitem um som audível. A
peculiaridade deste som em relação à outros, como por exemplo, o som

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de uma pedra caindo no chão, é que o som de uma corda retesada apre-
senta uma clareza tonal parecida com o som que a voz humana pode ger-
ar; normalmente representados pelas vogais. Chamaremos aqui estes
sons de “sons tonais” em contraste aos demais, que não possuem uma
clareza suficiente de tonalidade, de “sons não tonais”.

Sinais periódicos e aperiódicos. Fonte:


https://www.phon.ucl.ac.uk/courses/spsci/iss/week3.php

O que diferencia um som tonal de um som não tonal é a sua periodici-


dade. Havendo suficiente repetição de um padrão infinitesimal no tempo
(abaixo de 0,05 segundos, ou seja, 50 ms), estabelece-se uma regulari-
dade da repetição das variações de pressão acústica que a audição
percebe como tonalidade. Esta é expressa na forma de uma “frequência
fundamental” ou simplesmente chamada de “fundamental” do som gera-
do, que se mantêm suficientemente constante para ser percebida pela au-
dição através do processo tonotópico da audição (artigo anterior). Ao ob-
servar as componentes em frequência de um som (artigo anterior), vemos
que a fundamental é normalmente a frequência mais grave e muitas vezes
a de maior amplitude. No caso de uma corda retesada, a fundamental

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equivale ao modo de vibração principal, ou seja, quando toda a corda vi-


bra em um único modo. O mesmo serve para a vibração da coluna de ar
num tubo. Isto pode ser observado através de um aparato conhecido
como Tubo de Kundt (em homenagem à August Kundt). Este permite vi-
sualizar as ondas acústicas de forma longitudinal, como de fato ocorrem
ao se propagarem na atmosfera, diferente do padrão de vibração trans-
versal observado nas cordas retesadas. Estas, apesar de vibrarem trans-
versalmente, também geram ondas acústicas longitudinais pela com-
pressão e expansão do ar que o movimento da corda (e normalmente
também de uma caixa de ressonância a esta acoplada, como é o caso do
corpo de um violão) gera no ar ao seu redor.

Representação transversal das variações periódicas de pressão (acima) que


compõem as ondas longitudinais acústicas (abaixo). Fonte: http://hyperphysics.-
phy-astr.gsu.edu/hbase/Sound/tralon.html

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Mr. H Explains the Kundt's Tube

No caso de uma corda ou coluna de ar dentro de um tubo, este sistema


poderá entrar em diferentes modos de vibração estacionária que irão ger-
ar variações regulares de pressão acústica. Desse modo, vê-se que a corda
pode vibrar em diferentes modos superiores cujas frequências são múlti-
plos inteiros da sua frequência fundamental. Pela característica física do
comprimento da corda retesada (ou do tubo) o segundo modo de vi-
bração terá necessariamente a metade do comprimento de onda do modo
fundamental e assim terá o dobro da frequência da sua fundamental. Da
mesma maneira, o terceiro modo de vibração terá que ter o triplo da fre-
quência da fundamental, e assim por diante. Essas frequências dos mod-
os de vibração são muitas vezes chamadas de “harmônicos”. Assim, num
som tonal, o primeiro harmônico é sua fundamental e tem frequência F.
O segundo harmônico tem frequência 2.F. O terceiro, 3.F e assim
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sucessivamente.

Modos estacionários de vibração e respectivos harmônicos do uma corda


retesado. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Overtone.jpg

Por um processo psicoacústico conhecido como “fusão tonal”, em


condições normais todos estes harmônicos são percebidos pela audição
como um único som tonal, ao invés de serem percebidos como sons inde-
pendentes. O mesmo ocorre com o som das vogais na fala humana. A
diferença entre, por exemplo, um “a” e um “i” está nas diferentes ampli-
tudes destes harmônicos que correspondem a uma diferença de timbre
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suficientemente perceptível para que seja possível à maioria dos ouvintes


reconhecer com facilidade as diferentes vogais, mesmo que estas sejam
entoadas com a mesma fundamental (na mesma tonalidade, ou altura
musical) e pela mesma pessoa.

As diferentes componentes em frequência que con-


stituem as vogais. Fonte: http://hydrogen.physik.uni-
wuppertal.de/hyperphysics/hyperphysics/hbase/mu-
sic/vowel.html

Os harmônicos de um som tonal são assim organizados em frequências


que obedecem a sequência: F, 2F, 3F, 4F, 5F. Estes foram usados por
Pitágoras para organizar a primeira escala musical. Vale lembrar no en-
tanto que muito antes de Pitágoras escalas musicais seguindo este padrão
físico já eram utilizadas, só que de um modo mais intuitivo e menos for-
malizado. É atribuída a Pitágoras a formalização matemática para a cri-
ação da escala musical baseada no fenômeno acústico dos harmônicos.
Ainda a relação entre harmônicos e as notas de uma escala musical tenha
sido formalizada por Pitágoras no século 6AC, a relação entre as pro-

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priedades físicas da corda retesada e a sua tonalidade só foram formal-


izadas no século 18 DC, por Brook Taylor (1685-1731). Taylor estabeleceu
a seguinte fórmula: Fn = (n/2L).(T/d)^(1/2) ; onde: Fn=frequência do n-
ésimo harmônico, n=número do harmônico, L=comprimento da corda
retesada (m), T=força que retesa a corda (N), d=densidade linear da cor-
da (kg/m3).

Pythagorean scale on a sononmeter: the perfect ?fth

Considerando uma corda retesada afinada na nota Lá (A4=440Hz) o seu


harmônico fundamental terá a frequência de 440Hz. O seu segundo har-
mônico terá o dobro desta frequência, ou seja, 880Hz, que equivale à
tonalidade de Lá, só que uma oitava acima; A5. O seu terceiro harmônico
terá frequência fundamental de 3*440=1320Hz que equivale à nota E5,
ou seja, o quinto grau da escala de Lá. Seguindo este raciocínio, o quarto
harmônico terá frequência de 1760Hz que equivale à nota Lá (A6) e o
quinto harmônico terá 2200Hz equivalendo aproximadamente (depen-
dendo da escala musical utilizada) à nota C#7, o terceiro grau da escala
de Lá. O sexto harmônico terá 2640Hz que é próximo de E7, novamente o
quinto grau de Lá. Esta série de harmônicos, conhecida simplesmente por
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“série harmônica”, em teoria extende-se infinitamente, se distanciando


das notas estabelecidas de todas as escalas musicais. A relação harmônica
mais importante, utilizada para a construção da escala musical é a dos
primeiros 3 harmônicos, que estabelece a criação do chamado “ciclo das
quintas”.

Referências:

[1] The Human Auditory System: Fundamental Organization and Clinical


Disorders

edited by Gastone G. Celesia, Gregory Hickok. Chapter 2: Petr Janata.


Neural basis of music perception. 2015

https://books.google.com.br/books?
id=DXdLBAAAQBAJ&pg=PA696&lpg=PA696&dq=cir-
cle+of+fifths+human+cochlea&source=bl&ots=P9awMQxr8s&sig=AC-
fU3U2BYKhDO5y56xrXFNbM2TFSi15fww&hl=en&sa=X&ved=2ah-
UKEwiZ8ZyQ2_HgAhVJEbkGHQB4A6MQ6AEwCHoE-
CAIQAQ#v=onepage&q=circle%20of%20fifths&f=false

[2] Francisco Bocafoli. “Cordas vibrantes”. Física e Vestibular. http://fisi-


caevestibular.com.br/novo/ondulatoria/acustica/cordas-vibrantes/

[3] Physics of musical notes. Frequencies for equal-tempered scale, A4 =


440 Hz.

Como citar este artigo:

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José Fornari. “O eterno ciclo das quintas”. Blogs de Ciência da Universi-


dade Estadual de Campinas. ISSN 2526-6187. Data da publicação: 27 de
março de 2019. Link:
https://www.blogs.unicamp.br/musicologia/2019/03/27/13/

José Fornari (Tuti)


fornari@unicamp.br | Website

Pesquisador, carreira Pq-B do NICS / UNICAMP. Professor pleno


da Coordenadoria de Pós-graduação do Instituto de Artes da
UNICAMP. Pós-doc em Cognição Musical na Universidade Jy-
vaskyla, Finlândia. Visitante escolar no CCRMA / Stanford Uni-
versity. Doutorado e Mestrado na FEEC / UNICAMP. Formado
em Música popular (piano) e Engenharia elétrica na UNICAMP.

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