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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Escola de Música
Cursos de Licenciatura em Música
Professor: Agostinho Lima

A polifonia: dos seus primórdios da polifonia à música do século XIII

Para Grout (1997, p. 96-96) as mudanças sociais, econômicas e culturais ocorridas


no século XI, como a conquista de terras incultas, o aumento da população, o nascimento
das cidades modernas, a primeira cruzada; o ressurgimento cultural, as primeiras traduções
do grego e do árabe, os primórdios das universidades, da filosofia escolástica. O
desenvolvimento da literatura em língua vernácula e a separação entre as igrejas do Oriente
e Ocidente foram muito importantes para o desenvolvimento da civilização europeia.
Nesse período ocorreram algumas mudanças no campo da música, que
possibilitaram o desenvolvimento do canto polifônico, quais sejam:
1. A composição começou a substituir a improvisação enquanto forma de criação de
peças musicais. Começa a surgir a ideia de compor cada melodia de uma vez por
todas. Criação começa a se distinguir de execução.
2. A invenção da notação musical. Torna possível escrever a música de uma forma
definitiva. O interprete passa a mediar o compositor e o público.
3. A música começa a ser mais conscientemente estruturada e sujeita a certos princípios
ordenadores: modos, regras de ritmos, consonância.
4. A polifonia começa a substituir a monofonia. A nossa música se especializou nessa
técnica, mais que outras do mundo.
Do, sol, do, mi, do, - quinta, quarta, terça, sexta,
• Não houve um corte brusco com o passado. Improvisação e monofonia continuaram a
existir. No século XI começam a ser dados os primeiros passos no sentido de um
sistema musical novo e diferente.

Para Massin (1997, p. 186) os primeiros registros do canto polifônico aparecem em


manuscritos que tratam exclusivamente da música sacra. E o termo polifonia, usado para
designar a escrita vertical, só aparece na “Suma da Música”, no século XIV.
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1. Os primórdios da polifonia.

Os primeiros documentos que fazem referência a um processo de canto a mais de


uma voz na música litúrgica datam do século IX. Tratados como o De Divisione Naturae, o
De Harmonica Institutione de Regino de Prum e o Música Enchiriadis, (Manual de
Música), de autoria desconhecida, registram os incipientes processos de canto onde há a
superposição de vozes (Música Enchiriadis - Grout). Se os tratados abordam esse assunto é
porque isso já acontecia há mais tempo na prática das igrejas.

Esta prática era designada como organum, canto organizado a mais de uma voz, e se
desenvolve no âmbito da música religiosa. Procedimentos iniciais na prática de organum
consistiam na colocação da voz organal, em oitavas, quartas e quintas paralelas, abaixo da
voz principal – o cantochão. Este tipo de organum ainda não é composição polifônica. Nele
se utilizam procedimentos de canto, com caracteres de improvisação, que exigiam dos
cantores certa habilidade para cantar em movimento paralelo. O próximo passo na história é
a composição polifônica com a colocação da voz organal acima da voz principal
(cantochão); e o uso de diversos tipos de movimentos paralelo, contrário e oblíquo – isso
no final do século XI.
No século XII começa a ser composto um novo tipo de organum, principalmente
nos monastérios de São Marcial de Limoges (França) e Santiago de Compostela (Espanha).
Sua principal característica consistia na colocação de várias notas na voz organal, contra
uma cada nota da voz principal, o cantochão. A denominação desse tipo de composição é
organum melismático. Um primeiro momento desse tipo de construção polifônica
consistia mais no uso de ornamentações na voz organal, como se pode observar no
organum “Jubilemus, exultemus”, da Aquitania. E no organum, da Escola de São Marcial,
“Laude Jocunda Melos” (04.1).
Com o aumento da duração de cada uma das notas da voz principal, a do cantochão,
esta voz passa a consistir numa sucessão de alturas sonoras sem um contorno, movimento
ou direcionalidade claramente perceptíveis; mantém, dá sustentação ao canto da voz
organalis; a voz organalis, em estilo melismático, agora se configura como uma melodia
particular e independente da voz principal, como se observa no “Benedicamus Domino”,
organum de São Marcial (04.2). Grout observa que “A voz mais grave, uma vez que
sustentava ou mantinha a melodia principal, passou a ser denominada tenor, do latim
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tenere, ‘manter’, continuando este termo a ser usado para designar a voz inferior de uma
composição polifônica até a segunda metade do século XV” (GROUT, 1997, p. 101).

2. Os modos rítmicos.

O que possibilitou um avanço na composição de organa foi a concepção, pelos


compositores e teóricos, dos modos rítmicos, nos séculos XI e XII. As vozes superiores das
organa não são mais estruturadas de duração livre, mas em modos rítmicos. Esta
modificação na estruturação rítmica de cada linha melódica imprime um contraste entre
esse tipo de melodia e as melodias do cantochão.
A organização das vozes em modos rítmicos é o primeiro passo em direção à
música mensurada, medida, na qual se estabelecem durações relativas entre os sons. Isto
possibilita que as vozes possam ser organizadas com uma maior independência rítmica e
melódica, pois é possível ordenar melhor o movimento de cada uma em relação às outras.

Donald Grout observa que na música polifônica desta época se “indicava padrões
rítmicos diferentes por meio de certas combinações de notas e especialmente de grupos de
notas (...). [E que] Os modos I e V eram os mais frequentemente usados na prática”
(GROUT, 1997, p. 103).
A prática da mensuração na polifonia pode, também, advir de incorporações de
elementos da música profana desta época, principalmente a música de danças. A ordenação
da música polifônica necessita de uma métrica regular que sirva como referência para o
movimento rítmico das vozes, algo já presente na música profana de dança.

2. Escola de Notre-Dame.

Léonin (c. 1159- c. 1201) é tido como o primeiro compositor de igreja de Notre-
Dame. Compunha organa a duas vozes, duplum. E Pérotin (C. 1170 – 1236), seu sucessor,
ampliou este procedimento composicional compondo organa a duas, três e quatro –
duplum, triplum, quadruplum, respectivamente. A polifonia da escola de Notre-Dame foi o
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ápice do desenvolvimento do canto a várias vozes que vai do século IX até o final do século
XIII. Este período musical é denominado por muitos autores como o da Ars Antiqua.
Outra modificação importante na composição de organa foi a introdução da
cláusula. No século XII era costume cantar diversas notas contra uma da melodia do
cantochão, o que fazia com que cada nota aumentasse consideravelmente de duração. Com
Léonin, além da continuidade dada a esta prática, passa-se a estruturar em modos rítmicos
as sílabas ou palavras contidas na voz principal.
Ou seja, quando as vozes organais estavam em um trecho do cantochão que era
originalmente silábico, utilizava-se a técnica de aumento da duração dos sons na voz
principal (a voz tenor), mas quando se chegava em um trecho que o cantochão era
originalmente melismático, realizava-se o procedimento contrário: organizavam a melodia
da voz principal nos mesmos moldes rítmicos das vozes superiores.
As cláusulas consistiam, inicialmente, em seções compostas no meio de um
organum. Mas, posteriormente, passaram a ser compostas como peças musicais
independentes. Uma cláusula era normalmente realizada sobre uma sílaba de uma palavra,
ou sobre uma palavra do texto do cantochão. A palavra sobre a qual a clausula era
organizada dava o nome a esta – cláusula “dominus”, “Nostrum”, “la”, “lu”, etc.

3. Gêneros musicais.

. Moteto.

Derivado de mot, pequena palavra. É um tipo de composição que se origina da


cláusula com a diferença que na segunda voz (agora chamada de motetus) é colocado um
novo texto literário, religioso, profano ou do próprio compositor. Desta forma, assim como
na prática dos tropos e seqüências que consistia em adicionar textos a cantos melismáticos,
esta voz que portava uma melodia melismática passa a comportar um canto silábico.
Na sua organização a duas ou mais vozes o moteto vem a ser a principal forma de
composição polifônica sacra até o renascimento musical, no século XVI. Inicialmente os
motetos tinham um caráter predominantemente religioso.
Os textos utilizados nas vozes dos motetos eram, muitas vezes, diferentes. A
politextualidade consiste numa das características marcantes dos motetos nos séculos XIII e
XIV. A essa época tornaram-se comuns os motetos com textos seculares.
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Com o moteto, as vozes superiores passam a adquirir mais importância na trama


polifônica e o tenor, mesmo recebendo o mesmo tratamento das outras vozes, é quase que
exclusivamente utilizado como sustentação e nele continua a ser colocado o canto firme
original.

. Conductus.

Gênero musical sacro ou profano. No caso do conducto profano, a melodia-base


colocada na voz tenor é criada pelo compositor ou retirada de algum texto secular,
enquanto no sacro o canto-firme é retirado do repertório litúrgico. Por consistir numa
música destinada à condução, à procissão como se refere o próprio termo, o conductus
apresenta uma estrutura onde predomina a disposição de nota-contra-nota; há uma maior
semelhança entre as melodias das vozes e a ordenação vertical da música e o canto silábico
são mais evidentes. Diferentemente do moteto, no conductus o texto é único para todas as
vozes e a sua apresentação ocorre simultaneamente em todas elas.

. Hoqueto.

No hoqueto “... o fluir da melodia é interrompido pela inserção de pausas,


geralmente, de forma que as notas ausentes sejam cantadas por outra voz, repartindo-se,
assim, a melodia entre as diversas vozes. O efeito sonoro é de um ‘soluço’”, ochetuss em
latim. Surge nos finais do século XIII, mas é tipo de música mais freqüente no século XIV.

4. Caracteres gerais da arte antiga.

É neste período que se desenvolve a polifonia, alguns procedimentos


composicionais como o organum, a cláusula e gêneros como o moteto e o conductus. É o
período da estruturação do sistema de modos rítmicos e de grandes desenvolvimentos na
técnica de notação musical – isto advindo das necessidades de um sistema que pudesse
servir como base para a leitura e registro das músicas mensuradas e polifônicas.
Em relação ao estilo musical deste período pode-se afirmar que a busca de um
carácter objetivo e de um “... equilíbrio dos elementos musicais no âmbito de uma sólida
estrutura formal” (Grout: 1997, p. 109), são aspectos preponderantes. O cantochão ainda é
utilizado como material básico para a composição; as melodias se desenrolam em uma
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tessitura ainda restrita, e a textura se apresenta de modo preponderantemente


linear/horizontal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Mário de. Pequena História da Música. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
GROUT, Donald e Palisca, Claude. História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 1997.
KIEFER, Bruno. História e significado das formas musicais. Porto Alegre: Ed.
Movimento, 1981.
MASSIN, Jean e Brigitte. História da música ocidental. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1997.

Alleluia, justus ut palma

Aleluia, os justos florescem como a palmeira


E devem se multiplicar como o cedro.

Laude Jocunda melos. “Com alegria e louvor, a assembléia, canta a melodia”.

Haec Dies

Este é o dia
que o Senhor fez;
regozijemo-nos e
somos felizes por isso.
Louvai ao Senhor
porque ele é bom:
por sua misericórdia
benignidade
para sempre.

Viderunt omnes
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Viderunt omnes fines terre salutare Dei nostri:


jubilate Deo omnes terra.

Notum fecit dominus salutare suum:


ante conspectum gentium revelavit iusticiam suam.

Todos os confins
Todos os confins da terra viram a salvação do nosso Deus:
cantam alegremente a Deus, toda a terra.

O Senhor deu a conhecer a sua salvação:


Ele revelou a Sua justiça aos olhos das nações.

Sederunt príncipes.

Os governantes estavam sentados no conselho,


E falaram contra mim;
e os meus inimigos me perseguiram.

Motet: Gaudeat devotio fidelium, Clausula 'Nostrum'. “Deixai a devoção dos fiéis ser
apresentada em júbilo”. Partitura.

Moteto: “Ave maria, fons letitie”. “Ave Maria, fonte de alegria” (tenor clausula 'la')

Alleluia pascha nostrum, christus immolatus es.

Aleluia.
Aleluia, nossa Páscoa, Cristo foi sacrificado por nós;
portanto, vamos manter a festa, não com o velho fermento, o fermento da malícia e do mal,
mas com os pães ázimos da sinceridade e da verdade. Aleluia. Cristo ressuscitado dos mortos
não morre mais;
a morte já não tem domínio sobre ele. Ele morreu para o pecado, de uma vez por todas;
mas a vida que ele vive, ele vive para Deus. Assim, também, considerai-vos mortos para o
pecado,
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e vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor. Aleluia. Cristo ressuscitou dentre os mortos,
as primícias dos que dormem. Por uma vez por um homem veio a morte,
por um homem veio também a ressurreição dos mortos. Pois como em Adão todos morrem,
assim também em Cristo todos serão vivificados. Aleluia.

Léonin, Moteto texto duplo - Salve, O radians stella - (Clausula nostrum). “Salve,
segurança dos homens / estrela brilhante/ Nossa. Partitura

Motet, “O mitissima Virgo Maria/ Virgo Virginum/haec dies” – “Ó dulcissima Virgem


Maria/ Virgem das Virgens/ Este é dia”

Conductus, “Ave, virgo virginum” “Salve, virgem das virgens”.

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