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Parecer Técnico de Contestação de um


Laudo Pericial Sobre Insalubridade por
Frio
por Heitor Borba | maio 16, 2015

Parecer Técnico de Contestação de um Laudo Pericial Sobre Insalubridade por Frio


– Por Heitor Borba

Cada vez mais as empresas recorrem aos Assistentes Técnicos Periciais na busca de
defesa em reclamações trabalhistas relacionadas à insalubridade, periculosidade e
acidentes de trabalho, impedindo a farra dos Peritos em relação à concessão indevida
[1]
de benefícios.

O Assistente Técnico Pericial deve ser indicado nos autos no prazo previsto na lei, para
orientação técnica da empresa, acompanhamento da perícia, estudo do Laudo Pericial e
elaboração da peça de defesa, conhecida como Contestação ou Parecer Técnico.

Os honorários do Assistente Técnico Pericial variam em decorrência do grau de


dificuldade da assessoria. O valor mínimo cobrado é de um salário mínimo por perícia.

A perícia abaixo é referente à reclamação de ex-funcionário de um supermercado sobre


insalubridade por exposição ao frio, em câmaras frigoríficas.

Trata-se de mais uma peça da defesa, por mim elaborada, entregue ao advogado da
empresa para composição do processo e análise por meio do magistrado e que obteve
sucesso. O magistrado, analisando o Laudo Pericial e a argumentação constante da
Contestação, desconsiderou o Laudo Pericial que concedia insalubridade ao
trabalhador e bateu o martelo em favor da Contestação, que negava o benefício. Mais
um Laudo Pericial que foi derrubado.

Interessante que a defesa por mim utilizada na Contestação se encontra numa das
[2]
edições do HBI na íntegra. Bastava o perito ter lido o meu artigo e utilizado a
argumentação constante do mesmo para minhas chances de sucesso serem bastantes 2
reduzidas. Mas o Perito não leu o meu artigo (ainda bem) e deu no que deu.

Vamos ao Parecer Técnico Contestatório do Laudo Pericial:

***************************************************************
RECLAMANTE: A J S

Contestação do Laudo Pericial emitido pelo Perito do Trabalho Engenheiro de


Segurança do Trabalho M A L C.

I – DA ARGUMENTAÇÃO UTILIZADA PELO PERITO

Em análise a argumentação utilizada pelo Perito para caracterização da insalubridade


percebe-se total falta da fundamentação legal conferida pela CLT (Arts. 189, 190 e 200),
[3] [4] [5]
NR-15 e Súmula 460 do STF:

No item “6.1” do Laudo, encontramos a citação:

“6.1 RISCOS FÍSICOS: FRIO: Durante 1 (um) mês.”


o
As temperaturas citadas referem-se as temperaturas das câmaras de congelados (-18
o
C) e das câmaras de refrigerados (> 6 C). Verificamos que as câmaras frigoríficas não
constituem postos de trabalho fixo do Reclamante, situação essa que perdurou apenas
por um mês, quando tirou as férias de um trabalhador que adentrava nas câmaras
frigoríficas, para serviços de armazenagem e retirada de alimentos. Apenas por senso
comum constatamos que não se trata de atividades de grande repetição ou de grande
demanda de tempo em relação a jornada de trabalho. Não há necessidade de
permanência no interior da câmara, mas apenas quando da necessidade de realização
dos serviços, pois não existe trabalhador exclusivo das câmaras.

No item “7.2” letra “a” do Laudo o Perito cita alguns EPI fornecidos ao Reclamante, como
botas de PVC, luvas impermeáveis e respirador e a atividade do Reclamante que era de
arrumação e limpeza do Supermercado, a exceção de um mês que necessitou adentrar
as câmaras.

No item “9” há uma conclusão arbitrária e completamente subjetiva em virtude da total


ausência quanto a definição da real exposição do trabalhador ao agente nocivo frio, ou
seja, não houve dimensionamento da exposição do trabalhador ao agente nocivo.

II – DO DIMENSIONAMENTO DA EXPOSIÇÃO DO TRABALHADOR (RECLAMANTE)


[6]
O Anexo 09 da NR-15 aparenta ser subjetivo. Daí, peritos e advogados fazem a festa
e concluem conforme seus interesses.

O fato é que apenas o texto do Anexo 09 não oferece condições para conclusão de
Laudos confiáveis, obrigando o avaliador a lançar mão de outros recursos para
consolidar a sua conclusão. 2
[6]
O texto do Anexo 09 não diz muita coisa:

“NR 15 – ATIVIDADES E OPERAÇÕES INSALUBRES


ANEXO N.º 9 – FRIO

1. As atividades ou operações executadas no interior de câmaras frigoríficas, ou em locais


que apresentem condições similares, que exponham os trabalhadores ao frio, sem a
proteção adequada, serão consideradas insalubres em decorrência de laudo de inspeção
realizada no local de trabalho.”
[3]
No entanto, o artigo 253 da CLT lança alguma luz sobre o assunto:

“Para os empregados que trabalham no interior das câmaras frigoríficas e para os que
movimentam mercadorias do ambiente quente ou normal para o frio e vice-versa, depois de
1 (uma) hora e 40 (quarenta) minutos de trabalho contínuo, será assegurado um período de
20 (vinte) minutos de repouso, computado esse intervalo como de trabalho efetivo.

Parágrafo único – Considera-se artificialmente frio, para os fins do presente artigo, o que for
inferior, nas primeira, segunda e terceira zonas climáticas do mapa oficial do Ministério do
Trabalho e Emprego, a 15ºC (quinze graus), na quarta zona a 12ºC (doze graus), e nas
quinta, sexta e sétima zonas a 10ºC (dez graus).”

O mapa oficial do Ministério do Trabalho e Emprego foi definido pela Portaria 21, de
[7]
26/12/ 1994. Nessa Portaria, mais luz é lançada sobre o assunto:

“Art. 2º Para atender ao disposto no parágrafo único do art. 253 da CLT, define-se como
primeira, segunda e terceira zonas climáticas do mapa oficial do MTb, a zona climática
quente, a quarta zona, como a zona climática subquente, e a quinta, sexta e sétima zonas,
como a zona climática mesotérmica (branda ou mediana) do mapa referido no art. 1º desta
Portaria.”

Então:

Ou seja:

Tempo de trabalho máximo permitido = 1 hora e 40 minutos;

Tempo de descanso = 20 minutos;

Ambiente artificialmente frio, temperaturas (T): 2


o a a a
T < 15 C nas 1 , 2 e 3 zonas climáticas (quente);
o a
T < 12 C na 4 zona climática (sub quente);

o a a a
o a a a
T < 10 C, nas 5 , 6 e 7 zonas climáticas (mesotérmicos brando e mediano);

Ilustrando:

TABELA DAS ZONAS CLIMÁTICAS

Comparando a cor da região do mapa correspondente a área da cidade de Barreiros


(área circulada da figura acima), local onde se encontra localizada a empresa onde o
Reclamante laborou, com a da tabela abaixo, constatamos que corresponde a faixa da
a a a
1 , 2 e 3 zonas climáticas (quente úmido – terceira cor do mapa abaixo, de cima para
o
baixo), conforme indicado pela seta na figura (Quente, média > 18 C em todos os
meses, úmido, 1 a 2 meses secos), sendo considerado artificialmente frio temperaturas
o
abaixo de 15 C:

2
Conforme Mapa Brasil Climas:

MAPA BRASIL CLIMAS


[8]
Para visualizar o Mapa com detalhes acesse:
2
ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas_tematicos/mapas_murais/clima.pdf
Simulando a situação real de exposição ocupacional do Reclamante, temos:

O Reclamante se encontrava exposto ao agente frio de modo intermitente nos serviços


de reposição e retirada dos produtos no interior das câmaras;

As exposições máximas ao frio (permanência do Reclamante dentro da câmara


frigoríficas) possuíam duração máxima de 40 minutos e realizadas por no máximo 4
vezes ao dia, a intervalos superiores a 120 minutos ou 2 horas (40/120 = 5/15);

Ou seja, após cada 40 minutos de trabalho contínuo no interior das câmaras repousava
um mínimo de 120 minutos, realizando as atividades de arruação e limpeza do 2
Supermercado no ambiente quente ou normal;

A CLT estabelece que para cada 100 minutos de trabalho haja um período de descanso
mínimo de 20 minutos, ou 100/20 = 50/10 = 25/5 > 5/15, ou seja, as exposições ocorrem
dentro do intervalo mínimo previsto na CLT, não havendo exigência quanto ao uso de
EPI para exposições dentro do limite de tolerância prescrito na Lei;

Em analogia com o risco físico ruído, não há necessidade de indicação do EPI para
eliminação da insalubridade tendo-se em vista não haver nocividade a ser eliminada.
Em todos os casos de agentes nocivos possuidores de limites de tolerâncias definidos
na NR-15, cujas exposições ocorrem abaixo desses limites, não há exigência legal
quanto a utilização de EPI como critério para eliminação de uma insalubridade
inexistente. Para o frio não é diferente, pois não há exposições acima dos limites de
tolerância e a proteção individual fornecida é eficaz para redução das exposições
ocorridas pelo Reclamante.

Análise:

A insalubridade deve ser caracterizada em função de três fatores:

1) Tempo de exposição contínua em função do tempo de descanso (> 100/20) –


Atende;
o
2) Temperatura da câmara ou do ambiente artificialmente frio (>15 C) – Não atende;

3) Proteção eficaz para frio (Jaqueta com capuz, máscara para proteção da respiração
tipo invanhoé/balaclava, calça, botas, meias e luvas) – Não exigido para exposições
abaixo dos limites de tolerância – Atende;

4) Para exposições aos produtos químicos (cáusticos) utilizados na limpeza das


instalações, cuja única via de penetração no organismo é a cutânea, o EPI deve impedir
o contato entre o agente nocivo e o trabalhador por meio da utilização de botas e luvas
impermeáveis – Atende.

III – DA CONCLUSÃO

Considerando que:

a) Não há exposições contínuas ao agente nocivo superiores ao limite de tolerância


estabelecido que é de 100 minutos de exposição para cada 20 minutos de descanso;

b) Não há exposições acima dos limites de tolerância e por esse motivo a atividade
não apresenta nocividade ao Reclamante, mesmo sem a utilização de EPI mais eficazes
que os citados no Laudo;

c) O Laudo foi elaborado parcialmente e não aborda todos os aspectos da legislação


aplicável;
2
d) O Laudo não apresenta de forma empírica a real exposição do trabalhador,
demonstrando como as exposições foram dimensionadas;

e) O perito, propositalmente ou não, desconsiderou o Art. 253 da CLT, corroborado


com a Portaria 21, de 26/12/1994, dispositivos legais essenciais para fundamentação
desse tipo de Laudo;

f) A ação nociva dos produtos químicos (cáusticos) utilizados pelo Reclamante na


limpeza das instalações (item “6.3” do Laudo) é neutralizada pelas botas de PVC e luvas
de látex (item “7.2”, “a” do Laudo), tendo-se em vista que a única via de penetração no
organismo desses agentes nocivos é a cutânea e os EPI fornecidos são impermeáveis;

Concluímos que as exposições ocupacionais ao frio sofridas pelo Reclamante não se


encontram acima dos níveis permitidos e a ação dos produtos cáusticos utilizados é
cem por cento neutraliza pelo uso dos EPI fornecidos, devendo a atividade ser
caracterizada como salubre, não fazendo o Reclamante jus ao adicional de
insalubridade conforme exaustivamente demonstrado nesta contestação.

***************************************************************

O Laudo Pericial pode induzir o magistrado a emitir sentenças erradas, lesando a


empresa inclusive em processos futuros. Para isso, basta que o advogado do
reclamante futuro considere a sentença anterior e formate a defesa na mesma linha de
pensamento utilizada fraudulentamente pelo Perito responsável (ou irresponsável).

Devemos levar em conta também que a indicação de Assistentes Técnicos


despreparados pode até prejudicar a empresa, seja por ação ou omissão, motivada
pelo desconhecimento da função.

Para o exercício da função de Assistente Técnico Pericial, confiança, experiência e


conhecimento específico se sobrepõem a títulos. Verdade essa ainda desconhecida por
muitas empresas.

Webgrafia:

[1] Atuação dos Assistentes Técnicos Periciais

https://heitorborbasolucoes.com.br/tecnicos-em-seguranca-estao-mais-atuantes-em-
pericias-trabalhistas/

[2] Edição do HBI com a Contestação (Artigo exposições ocupacionais ao frio)

http://heitorborbainformativo.blogspot.com.br/2014/11/heitor-borba-informativo-n-75-
novembro.html

[3] CLT

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
2
[4] NR-15

http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A47594D040147D14EAE840951/NR-
15%20(atualizada%202014).pdf
[5] Súmula 460 do STF

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?
servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_401_500

[6] Anexo 09 da NR-15

http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BE914E6012BEF3F94D3513D/nr_15_anexo
9.pdf

[7] Portaria 21, de 26/12/ 1994

http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812C12AA70012C12D8C07F6B06/p_19941226
_21.pdf

[8] Mapa Brasil Climas do IBGE

ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas_tematicos/mapas_murais/clima.pdf

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COMENTÁRIOS DO HBS

2 Comentários
Paulo Roberto no 25 de janeiro de 2024 a partir do 11:01
Quero deixar minhas considerações a respeito desse tema complexo.
Parabenizar ao Heitor Borba, pelo grandioso trabalho, muito técnico
com embasamento coerente e sólido, para mim é uma aula de grande
valia, tendo em vista a bagagem de base usadas na defesa.

Responder

Heitor Borba no 25 de janeiro de 2024 a partir do 15:13


Obrigado, Paulo. Sucesso.

Responder

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