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FLUMINENSE
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
RESENHA INDIVIDUAL
NITERÓI
2023
As maneiras como as sociedades lidam com seu passado são caracterizadas por
dinamismo, fluidez e, por vezes, contradições. Essas abordagens variam
conforme os grupos sociais, culturais e políticos envolvidos no processo, sendo
permeadas por traumas, tabus e ressentimentos. A interseção entre história e
memória torna-se complexa, especialmente ao abordar um passado
compartilhado, sobretudo quando há processos políticos em andamento e muitos
dos protagonistas ainda estão vivos e atuantes.
É importante reconhecer que a memória é uma construção cultural subjetiva,
enquanto a história é uma operação intelectual regida por convenções científicas.
Apesar de distintas, essas duas formas de representar o passado frequentemente
se entrelaçam e podem gerar confusão. Não se pode afirmar que uma seja
superior à outra, uma vez que ambas desempenham papéis significativos na
compreensão e interpretação do passado.
A complexidade dessa relação é evidente no estudo dos regimes militares na
América Latina. No artigo “Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes na
construção da memória sobre o regime militar brasileiro”, o autor Marcos
Napolitano aborda questões teóricas relacionadas à memória de períodos
conflituosos e violentos. Em seguida, ele propõe uma perspectiva abrangente
sobre a construção social da memória em torno do regime militar brasileiro.
A superação de conflitos políticos marcados por extrema violência tem
demandado uma revisão histórica, ações reparatórias e autocrítica por parte dos
Estados resultantes desses processos, juntamente com o reconhecimento do
direito à memória das vítimas, especialmente após a Segunda Guerra Mundial.
Observa-se que o conflito ou a divergência de opiniões e identidades não são,
por si só, o cerne do problema; entretanto, as formas como são abordados pela
sociedade podem degenerar em violência amômica. Embora um Estado tenha o
direito legal de se defender quando atacado por grupos insurgentes, essa defesa
deve ser conduzida com absoluto respeito aos direitos humanos fundamentais.
A violência contra opositores políticos tornou-se inaceitável nos alicerces das
democracias contemporâneas, e quando direcionada a grupos étnicos ou
religiosos que, em princípio, não representam uma oposição ativa à ordem
política, a gravidade do problema se intensifica. O genocídio associado ao
extermínio de judeus nos campos de concentração nazistas, conforme definido
pelas Nações Unidas, exemplifica essa violência e a memória subsequente que
se formou, causando uma ruptura nos padrões de recordação de conflitos.
As formas de memória adotadas por Estados democráticos originados de regimes
ditatoriais concentram-se na construção da verdade a partir da perspectiva das
vítimas, representadas pelos sobreviventes, e na denúncia dos crimes cometidos
pelo Estado. A complexidade aumenta ao considerar o nazismo, onde a extrema
violência estatal, aliada à derrota incontestável das potências fascistas na
Segunda Guerra, facilita a reconstrução da memória de maneira ético-moral
clara, identificando com nitidez a avareza política nos processos relacionados aos
regimes militares latino-americanos.
Ao substituir ditaduras, as democracias enfrentam o desafio, além das questões
jurídicas, de lidar com dois estatutos da verdade na reconstrução da memória. Há
uma dimensão jurídica inquestionável voltada para a elucidação de crimes,
localização dos corpos de desaparecidos políticos, e outra dimensão histórica
guiada pelo imperativo de narrar e analisar a violência a ser superada,
conciliando as demandas éticas e metodológicas da historiografia com a função
pedagógica de construir uma nova convivência democrática. Como Martin
Carrapós observa sobre os desaparecidos políticos: "A história não os registrou
pelo que fizeram, mas pelo que foi feito com eles: sequestrados, assassinados,
escamoteados, desaparecidos", e esses dois estatutos de verdade se
entrelaçam. Portanto, enquanto não se souber "o que foi feito com eles",
persistirá uma lacuna de verdade que contaminará a narrativa histórica como um
todo.
Uma análise desse período destaca que a política de memória se fortaleceu, mas
o revisionismo também ganhou espaço. Esta análise ressalta a problematização
da resistência da memória e conclui que isso aprofundou o estudo da direita e o
apoio militar, gerando uma versão brasileira que utilizava a violência política
como forma de expressão. Apesar das complexidades, a política de memória do
Estado pós-ditadura permanece contraditória. Os governantes, cuidadosos para
evitar serem rotulados como revanchistas, procuraram manter-se dentro da
tradição, evitando rupturas na liberdade de punição dos torturados. No entanto,
desenvolveram políticas de resgate por parte dos militares, promoção de
memórias privadas e implementação de políticas públicas.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS