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Nas palavras de Pedra (2020, p.

39), a discriminação que envolve


identidade de gênero e orientação
sexual anula o valor dessas
pessoas. A precariedade das
vivências trans torna suas vidas
"menos valiosas" e até a luta por
direitos transforma-se em fonte de
discriminação. A
heteronormatividade [2] e a
hierarquização fazem com que
alguns indivíduos sejam
consideráveis perdíveis, como se
não fossem dignos de
sensibilização.
O ministro pondera ainda que o
argumento de que a presença de
uma mulher trans no banheiro
feminino poderia causar
constrangimento às demais
mulheres presentes, não tem
cabimento, "tendo em vista que as
situações mais íntimas ocorrem em
cabines privativas, de acesso
reservado a uma única pessoa. De
todo modo, a mera presença de
transexual feminina em áreas
comuns de banheiro feminino, ainda
que gere algum desconforto, não é
comparável àquele suportado pela
transexual em um banheiro
masculino".

Neste sentido, ainda de acordo com


o relator, o Estado deveria adotar
uma postura ativa contra o
preconceito e a intolerância,
protegendo a existência das
pessoas, inclusive, no presente
caso, por meio da afirmação do
direito de serem tratadas
socialmente em consonância à sua
identidade de gênero.

Após um pedido de vistas


formulado pelo ministro Luiz Fux, o
julgamento do Recurso
Extraordinário nº 845.779 foi
suspenso, que ao se manifestar
sobre o seu pedido de vista na
sessão plenária de 19 de novembro
de 2015, aduziu preocupações
como: "Imagina como ficaria um pai
conservador que tem uma filha,
sabendo que ela está na escola e
qualquer pessoa que alegue que
possui o gênero idêntico ao dela vai
poder frequentar o mesmo banheiro
que a sua filha?".
O argumento utilizado pelo ministro
é completamente equivocado e
divorciado da realidade, não tendo
qualquer base empírica para ser
utilizado. O que se observa é que
este argumento tem apenas um
grande poder retórico, porque faz
com que todos passem a avaliar a
situação sob o prisma do medo.
Não há nenhuma evidência de que a
utilização de banheiros por
transexuais conforme a sua
identidade aumenta o risco de
mulheres sofrerem assédio, por
outro lado, há comprovação de que
transgêneros sofrem assédio e
agressão ao utilizarem banheiros.

Conclusão
Quando se trata de questões de
gênero e sexualidade, a inércia e a
omissão do Congresso Nacional
delimitam um silêncio eloquente.
Mesmo diante do clamor público em
busca de respostas efetivas, os
anseios de pessoas LGBT, quando
trazidos ao centro do debate,
assemelham-se um diálogo de
surdos.
A luta por direitos pela comunidade
LGBT vem sendo travada a anos, e
ao que parece, os avanços não têm
sido a passos largos. As demandas
LGBT são muito básicas e
fundamentais, podemos citar, a
busca pelo direito de mulheres
trans utilizarem o banheiro
feminino, direito ao uso do nome
social, a possibilidade de alteração
dos registros em conformidade a
sua identidade de gênero. A
exclusão e a violência vivenciada
por essas pessoas desde muito
cedo, lhes prejudicam a construção
de uma autoimagem positiva e da
autoestima.
É insofismável que o voto proferido
pelo relator Barroso, no julgamento
do RE 845.779/SC, objeto deste
artigo, representa um ponto de
inflexão na prática jurisdicional
brasileira. Seja pela sapiência do
voto proferido, seja pelo relevante
recado de tolerância enquanto
ímpar aceitação do outro que traz e
pela inovação da concretização
normativa operada em matéria de
direito.
Como todo paradigma, porém, é
natural que o voto desperte
debates quanto a determinados
aspectos decisórios. Lidar com
parte das complexidades ensejadas
pela decisão será ofício da
Academia. O que se espera dos
paradigmas não é apenas um ganho
de justiça, mas um acréscimo de
racionalidade na cultura jurídica,
que depende da possibilidade do
conhecimento transparente de seus
fundamentos.

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