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Travestis e Mulheres Transexuais no Voleibol: (Im)Possibilidades de inserção e

reconhecimento no esporte de alto rendimento em Campo Grande (MS)

Mestrado em Antropologia Social

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

Campus Cidade Universitária

Faculdade de Ciências Humanas


Linha de Pesquisa: Identidade, cultura e poder

Andrey Monteiro Borges

Julho 2017
Campo Grande –MS
1. ANTECEDENTES E JUSTIFICATIVA DO PROBLEMA A SER ABORDADO

“Após 15 anos no time masculino, Mikaella mudou de lado e é a primeira trans no


vôlei”1, "Jogadora transexual de vôlei ganha aval para disputar torneio no Paraná” 2, “Na
Itália, transexual quebra barreiras e joga entre as mulheres” 3, estas manchetes se referem a
jogadoras de vôlei em diferentes localidades (Campo Grande – Mato Grosso do Sul,
Curitiba – Paraná, no Brasil, e – na Itália). Juntas, anunciam o foco deste estudo, isto é,
parte das novas experiências no campo das travestis e mulheres transexuais
contemporâneas. O voleibol é tomado aqui como o lugar da experiência que pretendemos
analisar, isto é, o lugar da formação do sujeito, “lugar de contestação”, de posições de
sujeito e subjetividades diferentes e diferenciais – inscritas, reiteradas ou repudiadas. Essa
formação do sujeito e a experiência são processos que, do ponto de vista da agência, não
desaparecem com o “eu” e o “nós”, antes, o que desaparece é a noção de que essas
categorias são unificadas, fixas e já pré-existentes, quando, na verdade, são modalidades
de múltipla localidade, continuamente marcadas por práticas culturais e políticas
cotidianas (BRAH, 2006).
O que ocorre e pode ser observado em alguns times e competições de voleibol
feminino em Campo Grande, portanto, é parte de experiências que têm podido ser
identificadas em outras regiões, no entanto, há especificidades que merecem ser
identificadas, compreendidas e analisadas. Elas, sabidamente, compõe a cena generificada
do esporte na capital de mato grosso do Sul e apresentarão contribuições importantes para
os estudos sócio-antropológicos na região e no país.
O gênero sendo pensado a partir das travestis e mulheres transexuais no voleibol
nos permite entende-lo nos termos de Judith Butler, afinal, ele

1
MACIULEVICIUS, Paula. Após 15 anos no time masculino, Mikaella mudou de lado e é a primeira trans no
vôlei. Disponível em: < https://www.campograndenews.com.br/lado-b/comportamento-23-08-2011-08/apos-
15-anos-no-time-masculino-mikaella-mudou-de-lado-e-e-a-1a-trans-no-volei>. Acesso em: 22 jul. 2017.
2
BRUM, Adriana. Jogadora transexual de vôlei ganha aval para disputar torneio no Paraná. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2017/03/1867803-jogadora-transexual-de-volei-ganha-aval-para-
disputar-torneio-no-parana.shtml>. Acesso em: 23 jul. 2017.
3
RODRIGUES, João Gabriel. Na Itália, transexual quebra barreiras e entre as mulheres. Disponível em: <
http://globoesporte.globo.com/volei/noticia/na-italia-transexual-brasileira-quebra-barreiras-e-joga-entre-as-
mulheres.ghtml>. Acesso em: 23 jul. 2017.
[...] nem sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente nos
diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções
com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de
identidades discursivamente constituídas. Resulta que se tornou
impossível separar a noção de “gênero” das intersecções políticas e
culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida (2016, p.21).

Bem como neste trabalho o gênero será abordado também como um processo de
incorporação prostético (PRECIADO, 2002), pois

Há que se pensar gênero no marco de produção de um aglomerado de


materiais sintéticos, como a pílula anticoncepcional, o silicone, o vestido,
a arquitetura e os códigos de publicidade, a pornografia, os espaços
sociais e suas divisões, a divisão dos corpos em órgãos sexuais e
funcionais (PEREIRA, 2012, p. 375).

Os sujeitos trans, aqui entendidos como travestis e mulheres transexuais, possuem


traços em comum, bem como há diferenciações que, segundo Vencato, “já estão marcadas
na apresentação visual desses sujeitos, e acabam ainda mais sublinhadas caso observadas
suas práticas sociais” (2003, p.190-191). Contudo, reforço que a forma como é
problematizada e visibilizada a diversidade identitária neste estudo corrobora a noção de
identidade de Avtar Brah:

Ela é uma multiplicidade relacional em constante mudança. Mas no curso


desse fluxo, as identidades assumem padrões específicos, como num
caleidoscópio, diante de conjuntos particulares de circunstâncias pessoais,
sociais e históricas (2006, p. 371).

Estes padrões específicos referidos pela autora, considerando contato prévio com a
bibliografia e o próprio campo de estudos, podem ser experienciados, inclusive, pela
mesma pessoa, considerando o manejo identitário da categoria travesti e mulher transexual
em diferentes contextos, como no de competições entre times de voleibol feminino em
Campo Grande. Feita essas considerações, é possível identificar, ainda que sob rasura, a
mulher transexual como uma pessoa que nasce assignada como sendo do sexo masculino,
mas que não corresponde a sua autoidentificação enquanto mulher ao longo da sua
experiência de vida, o que leva muitas delas buscarem a cirurgia de redesignação sexual.
Em suma, é desta maneira que as pessoas transexuais estão sendo trabalhadas na literatura
acadêmica no campo das Ciências Sociais, bem como nos movimentos sociais. Porém, é
preciso pensar naquelas pessoas transexuais que não queiram e/ou possam fazer uma
cirurgia de redesignação sexual, afinal, nem todas se dispõem de tempo, dinheiro e
paciência para isso. Não o bastante, ainda é preciso passar pelos processos judiciais de
retificação do nome masculino (VENCATO, 2003).
Sobre esses dois campos, tanto o médico, como o jurídico, segundo Tiago Duque
(2016), não se trata de reconhece-los como sendo absolutamente distintos e não
comunicáveis, antes, como campos de legitimidades socioculturais que se retroalimentam.
Segundo ele, “Contemporaneamente, quando o assunto é integilibidade e reconhecimento no campo
do gênero e da sexualidade, não é possível afirmar onde inicia um e termina o outro” (2016, p.127).
Mas, para além destes dois campos, as pessoas transexuais se submetem nas palavras de
Vencato, “as constantes negociações que precisam fazer para, digamos, ter alguma
aceitabilidade numa sociedade que não tem como característica principal o respeito à
diferença” (2003, p.204).
As travestis, por sua vez, procuram (de forma continua e cotidianamente) romper
com os traços/excessos masculinos que insistem em aparecer. Por isso, elas tentam ao
máximo aproximar-se de um modelo hegemônico do que é um corpo feminino por meio
de “processos de construção corporal”. Esses processos variam conforme a situação
financeira das travestis podendo ser frugal ou sofisticado (VENCATO, 2003).
As travestis são ainda quase sempre associadas à prostituição de rua, a vida noturna
e a comportamentos agressivos (VENCATO, 2003). Como Duque descreve em sua
pesquisa com travestis adolescentes,

As travestis são relegadas ao campo desvalorizado do feminino e, por se


tratarem de homens que abdicaram do privilégio da masculinidade, têm
sua identidade associada a um desvio de caráter que excede o vergonhoso
e se aproxima do estigmatizável, motivo de escárnio e objeto de reações
violentas. Assim, o interesse por pessoas do mesmos sexo cria a vergonha
que se sofre, geralmente, em segredo, ao se sentir um estranho em um
mundo apresentado como heterossexual, mas o rompimento das normas
de gênero, por sua expressão pública, torna as travestis sujeitas a reações
mais violentas e, no limite, estigmatizadoras do que as vivenciadas por
outros homo-orientados como gays ou lésbicas (2011, p.141).

Mesmo com as diferenças aqui descritas entre travestis e mulheres transexuais, é


comum, como já foi apontado, elas podem se auto-referir ora transexuais, ora travesti, ora
mulher em contextos totalmente diferentes. Isso resulta numa construção de identidade
raramente centrada em categorias fixas e permanentes (VENCATO, 2003). Talvez essa
fluidez, flexibilidade de as vezes “passar por” não travesti ou não mulher transexual seja,
como Duque (2016) aponta, uma estratégia de sobrevivência diante das violências, de
todas as ordens, de uma sociedade extremamente preconceituosa em termos de gênero e
sexualidade. Não por acaso, segundo Lima (2013), aquelas e aqueles que ousam transitar
os gêneros inteligíveis vivem principalmente a marginalidade e a prostituição.
Gêneros inteligíveis são definidos por Butler como

Aqueles que, em certo sentido, instituem e mantêm relações de coerência


e continuidade entre sexo, gênero, prática sexual e desejo. Em outras
palavras, os espectros de descontinuidade e incoerência, eles próprios só
concebíveis em relação as normas existentes de continuidade e coerência,
são constantemente proibidos e produzidos pelas próprias leis que buscam
estabelecer linhas causais expressivas de ligação entre o sexo biológico, o
gênero culturalmente constituído e a “expressão” ou “efeito” de ambos na
manifestação do desejo sexual por meio da prática sexual (2016, p. 43-
44).

Portanto, em nossa sociedade, a norma que se estabelece, historicamente, remete ao


homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão, e essa passa a ser a
referência que não precisa mais ser nomeada. Serão os "outros" sujeitos sociais que se
tornarão "marcados", que se definirão e serão denominados a partir dessa referência. Desta
forma, mesmo a mulher não transexual é representada como "o segundo sexo", enquanto
gays e lésbicas são descritos como desviantes da norma heterossexual (LOURO, 2000).
Parte do efeito das dissidências de gênero diante da norma que legitima a continuidade
entre sexo, gênero, prática sexual e desejo, exposto anteriormente, faz com que as pessoas
que o gênero não está em consonância com o sexo assignado ao nascimento,
precisam/demandem tratamento. Mais que tratamento, precisam ser banidas, afinal,
“Estamos diante de um poderoso discurso que tem como finalidade manter os gêneros e as
práticas eróticas prisioneiras à diferença sexual” (BENTO e PELÚCIO, 2012, p.579). De
modo mais abrangente, a sociedade produz esse processo e, então, constrói os contornos
que demarcam as fronteiras entre aquelas/es que representam aquilo que é tido como
“natural”, “normal” ou “referências”, que estão de acordo com os padrões culturais, e
aquelas/es que ficam fora deles, às suas margens.
Segundo Viana e Mezzaroba (2013), por esse motivo, do ponto de vista
socioeconômico, vale ressaltar que muitas pessoas, principalmente as que têm menos
acessibilidade a oportunidades, as que vivem às margens, que seriam ditas como as de
classes sociais menos favorecidas, vêem no esporte um meio de ascensão social e
profissional. Parece ocorrer o mesmo como o gênero e a raça/cor.
Com os campeonatos, de forma geral, sendo televisionados e patrocinados por
empresas de grande porte, fica notória a ascensão do esporte de alto rendimento como uma
oportunidade de profissão em que, em muitos casos, o necessário é apenas ter habilidades
o suficiente para se destacar em alguma modalidade esportiva.
Para De Rose et all:

O esporte é uma atividade competitiva que envolve esforço físico


vigoroso ou o uso de habilidades motoras relativamente complexas, por
indivíduos cuja participação é motivada por uma combinação de fatores
intrínsecos e extrínsecos. A competição esportiva exige dos atletas uma
dedicação intensa (muitas vezes exclusiva, dependendo do nível do
atleta), com o objetivo de se obter o melhor desempenho, em busca de
resultados traduzidos em vitórias pessoais e/ou coletivas. (2001, p. 25-30)

É considerado esporte de alto rendimento aquele que tem como objetivo a busca
por vitória em competições, sejam elas intermunicipais, interestaduais, nacionais ou até
mesmo mundiais, como exemplo as Olimpíadas. Para tanto é necessário que haja árduos
treinamentos que são realizados (de forma geral) diariamente, cumprindo cargas horárias
de seis a oito horas por dia, passando assim dos limites dos seus próprios corpos (VIANA e
MEZZAROBA, 2013).
Segundo Camargo e Rial (2009), as competições do sistema esportivo seguem um
padrão heteronormativo, pois são divididas em equipes femininas e masculinas, compostas
por atletas homens, mulheres não transexuais e pessoas não travestis, além das/os
competidoras/es buscarem um alto desempenho nos termos do padrão masculino exigido.
Tratando-se destes jogos de alto rendimento, o trabalho aqui busca entender como
se é possível a inserção e reconhecimento das travestis e mulheres transexuais no voleibol,
uma vez que em 2016 foi bastante noticiada pela mídia (Jornais Estadão 4 e CNN Español5,
por exemplo) a divulgação do COI (Comitê Olímpico Internacional - referência mundial

4
ZUCCHI, Gustavo. COI muda regra e permite atletas trangêneros na olímpiada. Disponível em:
<http://esportes.estadao.com.br/noticias/jogos-olimpicos,coi-muda-regra-e-permite-atletas-transgeneros-nas-
olimpiadas,10000053822>. Acesso em: 12 mar. 2017.
5
CNN. Atletas transgénero podrán competir en Río 2016 sin cirugía de reasignación. Disponível em:
<http://cnnespanol.cnn.com/2016/01/26/atletas-transgenero-podran-competir-en-rio-2016-sin-cirugia-de-
reasignacion/#0>. Acesso em: 12 mar. 2017.
no que se diz respeito a esporte), por meio de um relatório “IOC Consensus Meeting on
Sex Reassignment and Hyperandrogenism November” (2015), informações sobre as
mudança nas diretrizes para a participação de atletas transgêneros nas Olímpiadas. Passou-
se a exigir apenas que as mulheres transexuais tenham a taxa de hormônio masculino
(testosterona) regulada, isto é, abaixo de 10 nanomol por litro de sangue durante os 12
últimos meses e perante todo período da competição. Além disso, que elas sejam
devidamente reconhecidas pelo gênero feminino, diferente do decreto anterior cujas
mulheres transexuais só poderiam participar de jogos femininos se tivessem feito à cirurgia
de redesignação sexual.
Mesmo com esse documento publicado pelo COI, existem muitas barreiras que as
travestis e as mulheres transexuais enfrentam ao tentar uma vaga em um time feminino,
pois apenas um decreto de nível mundial não bastou para que o preconceito e estigmas em
relação às suas experiências identitárias sejam desconstruídos.

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Analisar como se dá a inserção de travestis e mulheres transexuais no voleibol


feminino de alto rendimento em Campo Grande - MS.

2.2. Objetivos Específicos

 Analisar a inserção de travestis e mulheres transexuais nas equipes de voleibol feminino de


alto rendimento em Campo Grande;
 Analisar a forma como se dão os processos de identificação e diferenciação de travestis e
mulheres transexuais nas equipes de voleibol feminino de alto rendimento em Campo
Grande;
 Analisar como se dá o processo de reconhecimento no meio esportivo, isto é, para além
das quadras (torcida e comissão técnica), de travestis e mulheres transexuais participantes
das equipes de voleibol feminino de alto rendimento em Campo Grande;
 Analisar como se dá a materialização do corpo feminino de travestis e mulheres
transexuais jogadoras em equipes de voleibol feminino de alto rendimento em Campo
Grande.

3. REVISÃO DA LITERATURA

Por um longo período da minha vida tive a oportunidade de jogar vôlei e vivenciar
este esporte de maneira competitiva, bem como para fins de lazer. Entre um e outro jogo
conheci muitas pessoas e sempre, com um olhar questionador e inquieto, observava
jogadoras travestis e transexuais em quadra jogando em times mistos e/ou masculinos e
nunca em times femininos.
Essas inquietações e questionamentos me acompanharam durante toda a minha
graduação em Educação Física Licenciatura, mas ainda de forma obscura, principalmente
pelo curso tratar as questões de gênero e sexualidade no esporte com um certo
determinismo biológico e naturalizado.
Após algum tempo tive a oportunidade de participar de um Grupo de Estudos o
qual me foi apresentado outras maneiras de pensar sobre gênero e sexualidade que não
fosse a que me havia sido apresentada na graduação.
Neste Grupo de Estudos o meu interesse em estudar gênero, sexualidade e esporte
foi provocado, principalmente, por ter conhecido autoras como Guacira Lopes Louro
(2000), Judith Butler (2003), Avtar Brah (2006), Berenice Bento e Larissa Pelúcio (2012)
bem como o autor Paul B. Preciado (2002), que me proporcionaram todo o aparato teórico
utilizando da abordagem pós-estruturalista e da teoria queer para pensar sobre gênero de
forma fluida, performática, não natural, não patologizante e entender que só é possível
estudar gênero de forma intersecionada com os outros marcadores sociais de diferença.
Portando, usufruindo deste e destas autor e autoras, busquei produções mais
especificas que pensassem sobre travestis e transexuais. Dentre várias e vários autores e
autoras, destaco Ana Paula Vencato (2003) que me possibilitou pensar travestis e
transexuais como identidades não fixas e não permanentes, contribuindo assim para os
estudo de Tiago Duque (2011 e 2016) o qual viabilizou o meu entendimento sobre, mais
especificamente, as travestis e a passabilidade e não passibilidade destes mesmos sujeitos
trans.
Pedro Paulo Pereira (2012) e Maria Lúcia Chaves Lima (2013) também foram
importantes nessa construção de aporte teórico, pois por meio dele e dela, bem como de
todo o conjunto de autores e autoras já citados e citadas, foi possível começar a
compreender esses sujeitos através de intersecções e suas construções corporais.
Uma vez iniciadas as buscas e encontros de aportes teóricos no que diz respeito a
gênero, sexualidade e outros marcadores sociais de diferenças, me empenhei em pesquisar
autores/autoras que me propiciassem entender e melhor teorizar sobre o esporte. Foi
quando me deparei com Dante Jr. De Rose, Silvia Despachamps e Paula Korsakas (2001)
que muito me ajudaram a pensar o esporte de maneira ampla, fazendo com que eu
buscasse obras que fossem mais especificas tratando de esporte de alto rendimento. Foi
quando tive o a contribuição de Danielle Freire W. Viana e Cristiano Mezzaroba (2013),
bem como de Carmem Rial e Wagner Xavier Camargo (2009), que para além de pensar
sobre o esporte de alto rendimento, me deram subsídios para entender os sujeitos que
vivem nas margens e que têm o esporte como um meio de ascensão social e profissional, e
também como é constituído o sistema esportivo.
Por fim, compreendo que o melhor método para entender e viabilizar minha
pesquisa é o método etnográfico tanto online como off-line, o qual tenho como referência
o autor José Guilherme C. Magnani (2009), Richard Miskolci (2011) e as autoras Adriana
Amaral, Geórgia Natal, Luciana Viana (2008).

4. METODOLOGIA

Visando entender a inserção de travestis e mulheres transexuais no voleibol de alto


rendimento na cidade de Campo Grande, será utilizada como principal método de pesquisa
a etnografia. Conforme Magnani, a compreendo como

[...] uma forma especial de operar em que o pesquisador entra em contato


com o universo dos pesquisados e compartilha seu horizonte, não para
permanecer lá ou mesmo para atestar a lógica de sua visão de mundo, mas
para, seguindo-os até onde seja possível, numa verdadeira relação de
troca, comparar suas próprias teorias com as deles e assim tentar sair com
um modelo novo de entendimento ou, ao menos, com uma pista nova,
não prevista anteriormente (2009, p. 135).
.
Juntamente com as observações, serão realizadas entrevistas semi-estruturadas
com, principalmente travestis e mulheres transexuais de equipes femininas de vôlei, mas
não apenas com essas interlocutoras. Considerando os objetivos deste estudo, também
entrevistaremos atletas não travestis e atletas não mulheres não transexuais, além de
membros da comissão técnica e torcida. Essa pesquisa, portanto, terá abordagem analítica
qualitativa que, segundo Dalfovo et all, “Não é traduzida em números, na qual pretende
verificar a relação da realidade com o objeto de estudo, obtendo várias interpretações de
uma análise indutiva por parte do pesquisador” (2008, p.6).
O contexto sócio-cultural é a cidade de Campo Grande, capital de Mato Grosso do
Sul. No entanto, a realidade observada e também onde se darão as interações não se refere
apenas ao ambiente off-line, mas também será feita uma pesquisa de campo no ambiente
online, ou seja, uma etnografia virtual (online) das mídias digitais sendo elas jornais
online, redes sociais, vídeos e todas as informações que se encontram publicamente no
ambiente virtual dessas jogadoras transexuais e/ou travestis.

Etnografia virtual (online), é um método que vem sendo mais usado na área de
Antropologia e Ciências Sociais (AMARAL, NATAL, VIANA, 2008). Isso consiste em
investigar os espaços online e interagir com as interlocutoras que acessam essas
tecnologias, as quais Richard Miskolci chamou de “mídias digitais”. Segundo ele,

a rearticulação entre público e privado tem consequências éticas para


as pesquisas com o uso de mídias digitais. Em contextos off-line,
entrevistas definem mais claramente que as falas colhidas serão
utilizadas em um trabalho científico e, em uma etnografia, a
aproximação com os sujeitos de pesquisa costuma ser paulatina, a
partir da esfera pública e adentrando aos poucos na intimidade. Nas
mídias digitais, diferentemente, costuma-se criar contato no privado de
forma que a relação investigador/a-colaborador/a de pesquisa permite
mais rapidamente acesso à intimidade, uma aparente vantagem que não
deixa de criar embaraços e, sobretudo, dilemas éticos. (2013, p. 17)

Além da etnografia on-line, também utilizarei da internet para fazer parte das
entrevistas, sabendo que:

Em contextos off-line, entrevistas definem mais claramente que as falas


colhidas serão utilizadas em um trabalho científico e, em uma etnografia,
a aproximação com os sujeitos de pesquisa costuma ser paulatina, a partir
da esfera pública e adentrando aos poucos na intimidade. Nas mídias
digitais, diferentemente, costuma-se criar contato no privado de forma
que a relação investigador/a-colaborador/a de pesquisa permite mais
rapidamente acesso à intimidade, uma aparente vantagem que não deixa
de criar embaraços e, sobretudo, dilemas éticos (MISKOLCI, 2011, p.19).

Ainda que o contexto de interesse seja Campo Grande, em termos metodológicos,


para melhor compreender as especificidades, ou, até mesmo identificar possíveis
características comuns entre travestis e mulheres transexuais em equipes de voleibol de
alto rendimento em Mato Grosso do Sul e outras regiões, será feito um levantamento on-
line para mapear onde, além de Campo Grande/MS, estão situadas essas atletas. O
possível contato com suas histórias via imprensa e contato pessoal está no horizonte
metodológico deste estudo. Não se trata de ampliar o foco do estudo, antes, trazer
informações que possam favorecer a melhor análise da experiência local.
A forma de abordagem das/os participantes para as entrevistas será como
comumente se dá nas pesquisas etnográficas, seja off-line ou on-line. A partir da interação
nos espaços de sociabilidade, identificarei diferentes perfis de interlocutoras/es e as/os
convidarei para participar da pesquisa. As entrevistas serão realizadas com pessoas com
idade igual ou superior a 18 anos e será respeitada todas as exigências éticas de pesquisas
com seres humanos, mesmo quando não há riscos graves na participação dos mesmos,
sendo elas: participação voluntária; assinatura de consentimento livre e esclarecido;
confidencialidade das informações e do próprio entrevistado; caso autorizada a gravação, a
sua guarda será de responsabilidade deste pesquisador e após cinco anos será descartada;
não divulgação ou entrega a terceiros das informações reunidas e liberdade para não
responder todas as perguntas.
As entrevistas serão realizadas em espaço reservado da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul para evitar qualquer constrangimento. No entanto, parte caso não
aceitem dar a entrevista em um espaço da instituição de ensino em que este pesquisador
está vinculado, também será dada a oportunidade de cada entrevistada/o escolher outro
lugar que não o da universidade para que a entrevista possa ser realizada com o devido
cuidado e proteção.
Além disso, faz parte da metodologia deste projeto a apresentação de resultados
parciais e finais em eventos da área, não apenas para publicizar os resultados, mas também
agregar críticas e ponderações à forma de interpretar os dados. Ao longo do percurso do
trabalho de campo, assim como quando da elaboração dos textos a serem enviados para a
publicação e da versão final da dissertação, os resultados serão apresentados e discutidos
também em atividades acadêmicas nos Grupos de Estudos em que participo, ambos
certificados pela UFMS e CNPq.

5. ATIVIDADES E CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO

Cronograma de Atividades de Pesquisa


(24 meses - abril de 2017 a março de 2019)

10 º
11 º
12 º
13 º
14º
15º
16º
17º
18º
19º
20º
21º
22º
23º
24º








Descrição das ações

Pesquisa Bibliográfica X X X X X X X X X X X X X X X X X X X
Etnografia X X X X X X X X X
Entrevistas X X X X X X X X
Transcrição das
X X X X X
entrevistas
Atividades mensais

Análise dos dados X X X X X X


Apresentação dos
resultados (parciais e/ou X X X X X
finais) em eventos
Escrita e envio de texto
X X X X
para publicação

Banca de Qualificação X

Banca de Defesa X

Relatório Final X X

6. RESULTADOS ESPERADOS, PRODUTOS E AVANÇOS

O Ministério do Esporte, por meio do Plano Nacional do Esporte, prevê que

A partir da Comissão de Reformulação do Esporte Brasileiro (1985) e


principalmente da Constituição Federal de 1988, o Esporte brasileiro,
pelo menos teoricamente e parcialmente em termos de prática, é
entendido sob o pressuposto do direito de todos ao esporte e as formas de
exercício deste direito são o esporte educacional, o esporte escolar, o
esporte-lazer e o esporte de rendimento (2001, p.7)

Mas, para que o esporte seja um direito à todos (as), segundo o Plano Nacional do
Esporte (2001), ainda há uma desigualdade na “prática esportiva feminina” que precisa ser
enfrentada. Por isso é necessário que haja estudos que perpassam a realidade profissional
dentro dos esportes de rendimento com as mulheres, inclusive travestis e mulheres
transexuais, para que se tenha visibilidade e melhor entendimento do processo de inserção,
uma vez que, aos olhos da população em geral e da legislação, o esporte é um meio de
inclusão, ascensão social e profissional, logo, também pode contribuir para que travestis e
mulheres transexuais consigam sair de diferentes contextos de vulnerabilidades.
Sobre a realidade de preconceito, discriminação e violência (vulnerabilidades) que
vivem os sujeitos trans no Brasil, segundo os dados de uma pesquisa publicada em
novembro de 2016, pela ONG Transgender Europe (TGEu), o Brasil é o país que mais
mata travestis e transexuais no mundo. Segundo TGEu, são praticamente 868 mortes em
2016. Ainda se tratando de índices de violência, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB),
em uma pesquisa feita em 2014, o Mato Grosso do Sul é o estado mais violento da região
Centro-Oeste para a população LGBT. Nesse sentido, a importância dessa pesquisa se
destaca, particularmente em nossa região, por investigar essas questões relacionada as
travestis e as mulheres transexuais no esporte, principalmente o de alto rendimento.
Além disso, do ponto de vista teórico, considerando o pouco acúmulo nacional e
internacional de pesquisas sócio-antropológicas sobre travestis e mulheres transexuais no
voleibol de alto rendimento, este estudo também se faz necessário pelas contribuições que
trata para a área de estudos de gênero e sexualidade, tanto na região, como no país. Sua
importância se dá, ainda, pela contribuição para melhor entendimento quanto às travestis e
mulheres transexuais e suas (im)possibilidades dentro do esporte sul-mato-grossense,
contribuindo para o conhecimento sistematizado dessa realidade, gerando dados que
podem inspirar a criação e/ou efetivação de políticas públicas na região.

7. IMPACTOS E BENEFÍCIOS ESPERADOS PARA MATO GROSSO DO SUL

Por meio do decreto do Comitê Olímpico, Mato Grosso do Sul, mais


especificamente Campo Grande, já possibilitou que uma jogadora transexual participasse
de um campeonato municipal jogando em um time feminino. Essa participação nos faz
refletir sobre as im(possibilidades) de inserção, uma vez que a transexual entrou para jogar
na posição de líbero passadora, e não na posição em que estava habituada, saída de rede
(atacante).
Exponho aqui essa situação para enfatizar a importância desse projeto para entender
como se dá essa inserção, bem como os limites dessas possibilidades em um campeonato
onde o binarismo masculino x feminino ainda é uma constante, mostrando que mesmo que
haja “espaços” para as pessoas trans ainda há um controle a respeito do que é
predeterminado para as performances femininas sobre seus corpos e isso se alastra, claro,
para as mulheres transexuais e travestis.
Dito isso, destaco ainda, que é preciso uma discussão que vá para além das quadras
em nosso Estado, uma vez que já está ocorrendo estes processos de inserção, ainda que de
forma restrita, porém precisamos nos ater a estes novos acontecimentos para que, de uma
forma ou de outra, possamos conseguir trazer maior inclusão e acesso à essas pessoas
trans, possibilitando novas oportunidades e possibilidades para elas, consequentemente as
tirando das margens onde são lançadas diariamente pela sociedade e diminuindo os altos
índices de mortalidade de travestis e transexuais no Mato Grosso do Sul.
Por fim, realço a relevância dessa pesquisa, especificamente na área de Antropologia
Social, pois ainda são escassos os estudos nesta área, principalmente no que se diz respeito
ao centro-oeste, especialmente em Mato Grosso do Sul, principalmente por ser, como já
dito, o Estado que mais tem violência contra as pessoas trans no Brasil.
É preciso buscar pesquisar, politizar, viabilizar, reconhecer as lutas destas pessoas
por oportunidades, igualdades a partir do que podemos produzir em nosso Estado.

8.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Adriana; NATAL, Geórgia; VIANA, Luciana. “Netnografia como Aporte


Metodológico da Pesquisa em Comunicação Digital”. Revista Sessões do Imaginário, v.
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