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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
DOUTORADO EM MÚSICA – EXECUÇÃO MUSICAL – CLARINETA

O “TOQUE” DA CLARINETA: UM ESTUDO REALIZADO EM TRÊS


BANDAS DE MÚSICA DA REGIÃO DO SALGADO – PA

JACOB FURTADO CANTÃO

SALVADOR
2009

i
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
DOUTORADO EM MÚSICA - EXECUÇÃO MUSICAL - CLARINETA

O “TOQUE” DA CLARINETA: UM ESTUDO REALIZADO EM TRÊS


BANDAS DE MÚSICA DA REGIÃO DO SALGADO – PA

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Música


da Escola de Música da Universidade Federal do Bahia,
como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em
Música.
Orientador: Dr. Joel Luis da Silva Barbosa

SALVADOR

2009

ii
Cantão, Jacob Furtado,
O “Toque” da clarineta: um estudo realizado em três bandas de música
CDD - 22 “Rodrigues dos Santos”, “31 de Agosto” e “União Vigiense” da Região do
Salgado – PA / Jacob Furtado Cantão — 2009
xx, 186 fls. il.
Orientador, Joel Luis da Silva Barbosa.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Escola de Música,
Programa de Pós-Graduação em Música, Salvador, 2009.
1. Clarineta. 2. Clarineta – Instrução e estudo. 3. Clarineta com banda.
4. Bandas (Música) – Salgado, Região (PA). I. Título.
ed. 788.62098115

iii
© Copyright by
Jacob Furtado Cantão
Novembro, 2009

iv
v
Dedicado ao meu Pai (in memorium) Esdras de Melo Cantão, Vigiense,
pescador, homem simples de um caráter irretocável e a todas as pessoas
que dedicaram suas vidas ao ensino e a prática da clarineta nas bandas de
música do Estado do Pará.

Jacob Cantão.

vi
AGRADECIMENTOS

A Deus digno de louvor e adoração;


A Joel Barbosa, meu professor, orientador e um firme incentivador deste trabalho;
A minha mulher, Luci Novaes e Filhos Felipe e Vitor Cantão;
A Capes pela concessão da bolsa-PICDT, e a constante compreensão do Onorino,
Ângela e Rose da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós–Graduação da Universidade Federal
do Pará;
A Lia Braga, diretora adjunta do Instituto de Ciência das Artes e a Maria Lucia da Silva
Uchôa, minha colega e Diretora da Escola de Música da Universidade Federal do Pará;
A Alda Oliveira por estimular meu senso crítico de pesquisa;
Aos colaboradores e informantes Bruno Daniel, Wanelson Batista, Hédrios Raiol,
Marleno Silva, Alexandre Cardoso pela cooperação nos trabalhos de campo, obrigado
pela confiança depositada na minha pessoa;
Aos meus colegas, Marcos Cohen, Claudionor Amaral; Natanael Santos, Josicley Silva
e Jaílson Raulino pela importante participação neste trabalho;
Aos mestres, Delson Brito, Marcio Cardoso, Jose Vale e Marinaldo Silva, pela
generosidade com que sempre me recebiam, compartilhando seus ensinamentos comigo;
Aos clarinetistas e componentes das bandas: Rodrigues dos Santos, 31 de Agosto e
União Vigiense que não mediram esforços para cooperar com esta pesquisa;
Ao colega Judson Brito pelos momentos de reflexões que se reverteram em informações
valiosas no tratamento deste trabalho;
Aos professores de Educação Física Rômulo dos Santos e Nhandesangela Viana pela
colaboração na área de orientação postural e preparo cardio-respiratório.
Ao meu irmão Esdras Cantão que acreditou no meu trabalho e me trouxe forças para
prosseguir neste projeto;
A todas as pessoas que direta e indiretamente contribuíram para este estudo.

vii
RESUMO

Esta pesquisa tem como objeto de estudo a execução da clarineta em três bandas:

Rodrigues dos Santos, 31 de Agosto e União Vigiense, localizadas na região do Salgado, no

Estado do Pará. Ela descreve a maneira de se tocar clarineta nestas bandas. A metodologia

empregada foi a de multicaso. O estudo apresenta os contextos geográfico, histórico e

cultural dos municípios, as infra-estruturas física, administrativa e pedagógica das bandas, o

processo de transmissão de conhecimento oral da música, o ensino da clarineta e a maneira de

tocar dos clarinetistas. Os dados aqui apresentados foram obtidos através de trabalho de

campo, incluindo observações, entrevistas e gravações audiovisuais.

Cinco clarinetistas profissionais avaliaram as características de execução mediante a

gravação individual de trechos do repertório da banda executado por 15 clarinetistas. As

variáveis avaliadas foram timbre, afinação, intensidade e articulação. Quanto à técnica

instrumental, analisou-se principalmente posição de mãos e embocadura destes mesmos

clarinetistas.

Depois de analisar os dados, chegou-se a resultados que demonstram evidências de

uma maneira particular de tocar clarineta. Por apresentar características diferentes das

recomendadas pelos modelos acadêmicos de técnica e de execução musical, denominou-se

essa maneira particular de se tocar de “O toque da clarineta”. Isso demonstra que no Brasil,

mais precisamente no Pará, a execução da clarineta se mostra como um mosaico e não como

um fato estático e igual nas diferentes regiões.

Em seguida, o estudo faz considerações sobre o modelo acadêmico da técnica e

execução da clarineta e o “toque da clarineta” encontrado no estudo no sentido de refletir

sobre uma provável necessidade de re-significar os valores de ensino, aprendizagem e

viii
execução da clarineta. O estudo amplia a discussão de como abordar pedagogicamente a

clarineta em um contexto cultural tradicional respeitando suas características essenciais.

Os resultados delineiam que a execução atual desses clarinetistas é parte das

características essenciais dessa tradição musical dessas três bandas e que devem ser

considerada como uma maneira particular de execução e não como um conjunto de elementos

da localidade. Além disso, elas apontam para a necessidade de aprofundar a compreensão do

ensino instrumental de banda em seu próprio contexto cultural.

ix
ABSTRACT

This study focus on the clarinet performance in three bands: Rodrigues dos Santos, 31

de Agosto and União Vigiense, located in the Salgado area of the State of Pará, Brazil. It

describes the manner of clarinet playing in these bands and employed the multicase method.

The study presents the geographic, historic and cultural contexts of the cities, the physical,

administrative and pedagogic infra-structures of the band, the process of oral transmission of

the music knowledge, the clarinet teaching and the clarinetists’ manner. The data were

obtained through field work with observations, interviews, audiovisual recordings.

Five professional clarinetists evaluated the playing characteristics of 15 clarinetists of

the bands through their individual recordings of music passages of the band repertoire. They

evaluates the variables of tone, dynamic, intonation and articulation. The analyses of the

instrumental technique included mainly hand position and embouchure of the same

clarinetists.The analyses of the data demonstrated evidences of a peculiar way of clarinet

playing. For presenting different characteristics of the recommended model by academic

clarinetists, this manner of playing was called “The clarinet´s toque” – the Portuguese word

“toque” having double meanings: playing and touch. These findings show that the manner of

clarinet playing in Brazil is a mosaic.It is not static and alike in the different regions.

Afterwards, the study makes a reflection on the academic model of the clarinet

technique and performance and on the "the clarinet toque" founded in the bands, considering

a likely need of re-signifying the values of teaching, learning and perform clarinet. The

findings enlarge the discussion on pedagogic approaches of the clarinet in traditional

contexts, respecting their essential characteristics.

x
The results delineated that those clarinetists' current manner of playing is part of the

essential characteristics of these bands' tradition and it should be considered as a peculiar way

of playing and not as a group of deficiencies of the locality. Besides, the results point out the

necessity of deepening the understanding of the instrument teaching of the bands in its own

cultural context.

xi
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ....................................................................................................vii

RESUMO..... ................................................................................................................... viii

ABSTRACT ....................................................................................................................... x

LISTA DE ILUSTRAÇÕES .......................................................................................... xiv

LISTA DE GRÁFICOS.................................................................................................. xiv

LISTA DE TABELAS ..................................................................................................... xv

GLOSSÁRIO ................................................................................................................... xx

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I

1.REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................... 05

1.1 A Técnica da Clarineta......................................................................... 05


1.1. 1 A postura do corpo e posição das mãos e dedos.................... 07
1.1. 2 Embocadura ........................................................................... 10
1.1. 3 Respiração ............................................................................. 15
1.1. 4 Sonoridade ............................................................................. 17
1.1. 5 Articulação............................................................................. 19
1.2 Música e Cultura ................................................................................. 21
1.3 Bandas e Clarinetista no Pará ............................................................. 22

xii
CAPÍTULO II

2. METODOLOGIA .............................................................................................. 26
2.1 Procedimentos metodológicos ....................................................... 28
2.2 Coleta de Dados ............................................................................. 30

2.2.1 Dados de Técnica Instrumental e Sonoridade ................... 31

2.2.2 Avaliação Verbal da Sonoridade ....................................... 32

2.3 Análise e Interpretação de Dados .................................................. 34

CAPÍTULO III

3. AS TRÊS BANDAS ............................................................................................ 36


3.1 Considerações iniciais ................................................................... 36
3.2 A Região e os Municípios ............................................................. 38
3.2.1 São Caetano de Odivelas .................................................. 38

3.2.2 Vigia de Nazaré ................................................................ 40

3.3 Histórico das Bandas ..................................................................... 42


3.3.1 Sociedade Artística Beneficente Rodrigues dos Santos ..... 42

3.3.2 Clube Musical 31 de Agosto .............................................. 45

3.3.3 Clube Musical União Vigiense ........................................... 49

3.4. Organização .................................................................................. 52


3.4.1 As Diretorias ..................................................................... 52

3.4.2 Os Regentes ...................................................................... 54

3.4.3 Os Monitores .................................................................... 57

3.4.4 Os Componentes da Banda ............................................... 59

3.4.5 Os Alunos e iniciantes ...................................................... 63

xiii
3.5 As Atividades Artísticas - "Funções" ............................................ 67
3.6. Educação e Musicalização ............................................................ 71
3.7. Processos de Ensino e Aprendizagem da Clarineta ...................... 79
3.7.1 Iniciação à Clarineta na Rodrigues dos Santos ................ 80

3.7.2 Iniciação à Clarineta na 31 de Agosto .............................. 82


3.7.3 Iniciação à Clarineta na União Vigiense .......................... 87

3.7.4 Acessórios Musicais ......................................................... 92

3.7.5 Iniciação à Clarineta: Considerações Gerais .................... 98

CAPÍTULO IV

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ............................................ 103


4.1 Características de Execução dos Clarinetistas nas Três Bandas .... 103

4.1.1 Postura do Corpo e Posição das Mãos e Dedos ............... 103

4.1.2 Embocadura ..................................................................... 109

4.1.3 Respiração ....................................................................... 114

4.1.4 Articulação....................................................................... 117

4.1.5 Sonoridade ....................................................................... 122

4.2 Discussão ..................................................................................... 131

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 134

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 136

xiv
ANEXO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

Figura 1: Mapa dos Municípios ........................................................... 42


Figura 2: Salão de Ensaio - Banda Rodrigues dos Santos ................... 45
Figura 3: Salão Multifuncional da Banda 31 de Agosto ..................... 46
Figura 4: Salão de Ensaio da Banda União Vigiense .......................... 51
Figura 5: Braz Guilherme .................................................................... 72
Figura 6: Braçadeira/Pressilha ............................................................. 92
Figura 7: Palhetas cortadas .................................................................. 93
Figura 8: Palheta raspada ..................................................................... 93
Figura 9: Palhetas ainda em uso .......................................................... 94
Figura 10: Palheta feita de cana de café .............................................. 96
Figura 11: Angulação-Clarineta/corpo do instrumentista de 55° ...... 103
Figura 12: Movimento de Hiper-Extensão nas falanges ................... 105
Figura 13: Posição do polegar .......................................................... 105

Figura 14: Angulação- Clarineta/corpo do instrumentista de 40° ..... 106


Figura 15: Movimento de Contração Isométrica ............................... 106
Figura 16: Angulação- Clarineta/corpo do instrumentista de 20° ..... 107
Figura 17: Embocadura em forma de "U" ......................................... 110
Figura 18: Embocadura Semi-rígida.................................................. 110
Figura 19: Mento com retrognatismo e enrugado ............................. 111
Figura 20: Área do mento (queixo) com enrugamento...................... 112
Figura 21: Bolsa de ar na maça do rosto ........................................... 112
Figura 22: Boquilhas com marcas de dentes ..................................... 113

xv
GRÁFICOS

Gráfico 1: Articulação da Clarineta - Rodrigues dos Santos ............. 118


Gráfico 2: Articulação da Clarineta - 31 de Agosto .......................... 119
Gráfico 3: Articulação da Clarineta - União Vigiense ...................... 120
Gráfico 4: Timbre da Clarineta - Rodrigues dos Santos .................... 124
Gráfico 5: Afinação da Clarineta- Rodrigues dos Santos .................. 125
Gráfico 6: Intensidade da Clarineta - Rodrigues dos Santos ............. 125
Gráfico 7: Timbre da Clarineta - 31 de Agosto ................................. 126

Gráfico 8: Afinação da Clarineta - 31 de Agosto .............................. 126


Gráfico 9: Intensidade da Clarineta - 31 de Agosto .......................... 127
Gráfico 10: Timbre da Clarineta - União Vigiense ........................... 128
Gráfico 11: Afinação da Clarineta - União Vigiense ........................ 128
Gráfico 12: Intensidade da Clarineta - União Vigiense ..................... 129

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Monitores das Bandas .......................................................... 58


Tabela 2: Número de Componentes .................................................... 63

Tabela 3: Relação do número de alunos matriculados e de evasão


escolar .................................................................................................. 65

Tabela 4: Números de alunos de Clarineta .......................................... 66


Tabela 5: Horários das aulas práticas e teóricas por Banda ................ 78
Tabela 6: As fases de ensino de Clarineta nas três bandas .................. 91

Tabela 7: Quadro comparativo do ensino da Clarineta na cidade e


no interior .......................................................................................... 101

xvi
ANEXOS
Anexo A - Fotos ................................................................................ 144
Anexo B - Questionário ..................................................................... 149
Anexo C - Entrevista ......................................................................... 152
Anexo D - Ficha de Avaliação .......................................................... 153
Anexo E - Transcrições das Entrevistas ............................................ 154

Anexos F - Partituras ......................................................................... 167


Dobrado "Pequenino" (clarineta) - Manuscrito ................................. 168
Dobrado "Pequenino" (clarineta) - Editado ....................................... 169
Dobrado "Saudade da minha terra" (clarineta) - Manuscrito ............ 170
Dobrado "Saudade da minha terra" (clarineta) - Editado .................. 171
Dobrado "22 de Novembro" (clarineta) - Manuscrito ....................... 173
Dobrado "22 de Novembro" (clarineta) - Editado ............................. 174
Dobrado "4 dias de viagem" - Manuscrito ........................................ 175
Dobrado "4 dias de viagem" - Editado .............................................. 176
Dobrado "Frei Ambrósio" ................................................................ 177
Pouti-Porri do Folclore Odivelense - Manuscrito............................. .178
Pouti-Porri do Folclore Odivelense - Editado ................................... 180
Hino "Maria de Nazaré" (clarineta) ................................................... 183
Hino "Virgem de Nazaré" (Clarineta) ............................................... 184
Hino "O povo de Deus" (clarineta) Manuscrito ................................ 185
Hino "O povo de Deus" (clarineta) Editado ...................................... 186

xvii
Anexo G - Vídeos e Áudios (Vide CD anexo)
Faixa 01 - Bater a lição
Faixa 02 - Sapatilhas artesanais
Faixa 03 - Afinação durante o ensaio de banda (Vídeo)
Faixa 04 - Movimento de Hiper-extensão (Vídeo)
Faixa 05 - Movimento de contração isométrica (Vídeo)
Faixa 06 - Posição dos dedos (Vídeo)
Faixa 07 - Respiração (Vídeo)

Faixa 08 - Banda Rodrigues dos Santos - Pouti - Porri do


Folclore Odivelense (Àudio).
Faixa 09 - Banda 31 de agosto - Procissão (Vìdeo)
Faixa 10 - Banda União Vigiense - Ensaio (Vídeo)

Faixa 11 - Bandas da Região do Salgado em desfile - Dobrado "Frei


Ambrósio" - (Áudio)

Faixa 12 - Sujeito 1 - Rodrigues dos Santos (Vídeo)


Faixa 13 - Sujeito 2 - Rodrigues dos Santos (Vídeo)
Faixa 14 - Sujeito 3 - Rodrigues dos Santos (Vídeo)
Faixa 15 - Sujeito 4 - Rodrigues dos Santos (Vídeo)
Faixa 16 - Sujeito 5 - Rodrigues dos Santos (Vídeo)

Faixa 17 - Sujeito 1 - 31 de Agosto (Vídeo)


Faixa 18 - Sujeito 2 - 31 de Agosto (Vídeo)
Faixa 19 - Sujeito 3 - 31 de Agosto (Vídeo)
Faixa 20 - Sujeito 4 - 31 de Agosto (Vídeo)
Faixa 21 - Sujeito 5 - 31 de Agosto (Vídeo)

Faixa 22 - Sujeito 1 - União Vigiense (Vídeo)


Faixa 23 - Sujeito 2 - União Vigiense (Vídeo)
Faixa 24 - Sujeito 3 - União Vigiense (Vídeo)

xviii
Faixa 25 - Sujeito 4 - União Vigiense (Vídeo)
Faixa 26 - Sujeito 5 - União Vigiense (Vídeo)

xix
GLOSSÁRIO

Abafado: Termo local usado para referir-se a vedação dos orifícios do instrumento pelo uso
de pequenos botões chamados de sapatilhas ou abafadores.

Apitar: Guinchar

Bater ou bater a lição: Leitura rítmica. Esta prática é feita com a voz pronunciando os nomes
das notas, sem entoá-las, e com o movimento das mãos realizando diferentes diagramas para
cada fórmula de compasso.

Fôlego: capacidade de soprar ou reter o ar nos pulmões.

Força na embocadura: Expressão que significa a capacidade que o aluno tem de extrair um
som, na concepção local “bom”, “forte” e “alto”.

Função: é um compromisso da banda que geralmente é remunerado.

Mecânica: Termo muito usado no interior do Estado para se referir à destreza motora, ou seja,
a habilidade nos movimentos dos dedos. Mecânica está relacionada também a expressão
“estudo de mecanismo” encontrada nos métodos de clarineta.

Musicalização: significa o aprendizado dos nomes das notas na pauta, dos nomes e valores
das figuras e os principais signos musicais, isto é, conhecer os rudimentos elementares da
gramática e musical que é chamada, na banda, de “teoria musical”.

Pegar embocadura: Refere-se ao período de adaptação que cada indivíduo realiza ao tentar
extrair um som de um determinado instrumento. Essa adaptação individual tem suas
particularidades como a musculatura labial, formato do rosto e o aspecto psicológico.

Tirar: Na região, se usa a expressão “tirar uma música” para se referir ao aprendizado da
execução das notas de uma música no instrumento.

Traves: são as linhas verticais que se formam nos cantos da boca. O músculo que é
solicitado e sofre essa contração é o orbicular da boca e o bucinador.

xx
1

INTRODUÇÃO

A clarineta, um instrumento de origem européia, se estabeleceu na Amazônia desde a

metade do século XIX1 e se incorporou às bandas militares e civis, orquestras e outras

manifestações populares. No interior do Estado, sua atividade assumiu diferentes maneiras do

“fazer musical” revelando abordagens sonoras e particularidades na execução, fato este que a

individualiza dos padrões de execução praticado na academia. O estilo de execução, a

sonoridade e a transmissão do ensino da clarineta no interior do Pará são questões pouco

estudadas. Esta constatação motivou o pesquisador a verificar quais os valores e conceitos

musicais constituídos em seu ambiente, como e porque os clarinetistas paraenses tocam assim.

Portanto, é provável que as características musicais dos clarinetistas em toda a sua dimensão

estão possuídas também de significados sonoros e de um dimensionamento a ser descrito,

analisado e interpretado. Os conceitos dos instrumentistas locais e a relação e significado da

sua forma de tocar com o contexto social trazem à reflexão a questão do surgimento de um

estilo de execução que se estabeleceu ao longo de décadas. Independente da discussão se esta

forma de tocar está correta ou não, considerando a ótica acadêmica instrumental ou a prática

de execução musical, ela é uma prática que possui seus valores culturais e sociais.

A maneira de se tocar clarineta nas bandas do interior pode ter algumas peculiaridades

que devem ser investigadas, para isso levantaram-se alguns questionamentos: é possível que o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
"
Salles (1983, 20-37) cita Theodoro Braga, Vieira (1900), a chronica da companhia de Jesus (1909) onde
se conclui que os primeiros instrumentos introduzidos na Amazônia foi a Trombeta, Tuba, Tromba ou trompa.
Há registros de pífano, gaita, desde o século XVII. A charamela também é citada até o final do século XVIII. A
fabricação de clarinetas em Portugal data de 1807, de acordo com Freitas (1946). O modelo Português de Banda
que vigoraria no Brasil está indicado na portaria de 16.12.1815 na qual consta a presença de clarinetistas.! No
Pará, de acordo com o Arquivo Nacional, seção de manuscritos, Cód. IG 1 -14 (1853-1866) há uma relação de
instrumentos da Banda de Música do Arsenal de Guerra, então existentes, que estavam “em mau estado” entre
eles, constam 6 clarinetas em si bemol. É provável que estes instrumentos já circulassem no Pará, alguns anos
anteriormente. !
!
2

estilo de execução da clarineta na banda seja decorrente do processo de ensino e

aprendizagem instrumental? Até que ponto a qualidade e as condições dos instrumentos

interferem na sonoridade da clarineta? O repertório e sonoridade da banda são determinantes

para influenciar a sonoridade da clarineta? De que maneira?

Partindo destas perguntas, a pesquisa investigou a seguinte questão: Como é a maneira

de se tocar a clarineta nas bandas de música da Região do Salgado2? Essas considerações

podem apontar uma provável re-significação dos valores de ensino, aprendizagem e execução.

É possível que este conhecimento possa dar alguma base para ampliar a discussão de como

agir pedagogicamente em um processo cultural tradicional sem impactá-lo de maneira a

perder suas características essenciais? Até que ponto a execução atual desses clarinetistas são

características essenciais dessa tradição musical e não devem ser impactadas com processos

pedagógicos externos? Portanto, estas questões tornam esta pesquisa relevante para a área de

execução, educação musical e compreensão da música em um determinado contexto cultural.

Os resultados da pesquisa podem nos oferecer dados para compreender como se

“toca” clarineta no Brasil e confirmar que a execução da clarineta se mostra como um

mosaico e não como um fato estático semelhante em todo o país. Do ponto de vista de

transmissão de conhecimento oral, os resultados podem ser utilizados entre as bandas e

professores das escolas de música, dando subsídios norteadores de como entender e

desenvolver uma abordagem pedagógica instrumental que compreenda as particularidades

sonoras desenvolvidas nestas bandas ou melhore, caso a direção da banda busque uma

mudança de sonoridade.

Com relação às bandas, essa troca de conhecimento vai possibilitar o fortalecimento

delas ou melhorias na instrução musical. Entre os professores das escolas de música, os


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!2! Região litorânea do Pará muito conhecida pela sua atividade pesqueira. O termo salgado deve-se ao
processo de salgar o peixe para mantê-lo armazenado e pronto para ser comercializado em Belém, já que nas
décadas passadas não havia a infra-estrutura de refrigeração.
3

resultados podem servir de elementos norteadores para compreender que existem outras

formas de prática musical com metodologias próprias para desenvolver habilidades que não

obedecem necessariamente às regras acadêmicas. Em diferentes contextos, essas formas de

prática musical devem ser entendidas não como um problema, mas como uma alternativa de

inserção da música na vida do ser humano.

A Região do Salgado concentra uma significativa atividade instrumental com mais de

13 bandas de música e aproximadamente 90 clarinetistas. Desta região foram selecionadas

três bandas: A Banda da Sociedade Artística Beneficente Rodrigues dos Santos, do Município

de São Caetano de Odivelas, conhecida como “Rodrigues” e duas bandas do Município de

Vigia de Nazaré: a Banda Clube Musical 31 de Agosto, conhecida como “31”, e a do Clube

Musical União Vigiense, também chamada de “União”. A distância entre os dois municípios

é de aproximadamente 12 km.

Para a realização da pesquisa, adotou-se o estudo multicaso usando a descrição

detalhada para compreender aspectos técnicos e musicais da execução de clarinetistas de três

corporações. Como indicado por esta metodologia, foi levando em consideração o próprio

contexto social dos instrumentistas. Para sistematizar a apresentação da pesquisa, este

trabalho foi organizado em quatro capítulos.

O primeiro capítulo apresenta a revisão de literatura sobre as técnicas da clarineta,

cultura musical e as bandas e clarinetistas no Pará. A fundamentação teórica da pesquisa é

baseada nas vertentes conceituais de professores-clarinetistas-profissionais sobre a técnica da

clarineta e discutida a partir de fontes diversas ajustadas à contextualização do assunto. !

O segundo capítulo abrange a fundamentação da metodologia e os procedimentos

adotados para estabelecer rigor científico. Faz referência sobre a técnica de investigação e

relata as etapas percorridas. É feita também uma abordagem de análise e sistematização sobre
4

os dados coletados para justificar a escolha metodológica. Explica os procedimentos adotados

para a coleta de dados e descrimina as duas categorias de variáveis, a técnica de se tocar e a

sonoridade dos clarinetistas. Apresenta o parecer dos cinco avaliadores sobre os aspectos

sonoros e como esta ocorreu.

O terceiro capítulo traz uma trajetória da ambientação onde ocorreu a pesquisa. Parte

da descrição dos municípios fazendo uma abordagem histórica sobre as três bandas. Descreve

a estrutura organizacional das corporações estudadas assim como as atividades artísticas que

fazem parte das suas atividades culturais. Conclui com um relato sobre suas abordagens

educacionais e finaliza com seu ensino de clarineta.

O quarto capítulo apresenta o resultado da análise dos dados sobre as técnicas de

execução da clarineta nas bandas. A análise destacou as características individuais dos

clarinetistas e as características predominantes em cada banda. Depois de considerar a

fundamentação teórica, os conceitos dos músicos locais, a análise dos avaliadores e a

interpretação dos dados, se chegou a determinadas características que podem responder a

indagação central da pesquisa: “Como é a maneira de se tocar a clarineta nas bandas de

música da Região do Salgado?”.

Surge a discussão sobre as características encontradas. Alguns posicionamentos são

colocados para justificar a necessidade de se compreender e refletir sobre este modo de tocar.

Estas características não são encontradas no modelo de ensino acadêmico, o que leva o

pesquisador a propor que este modo de tocar seja denominado de o “toque” da clarineta por

apresentar particularidades de execução.

A conclusão apresenta considerações sobre os achados deste estudo e faz indicações

para futuras pesquisas.


5

_______________________________________CAPÍTULO 1

REVISÃO DE LITERATURA

Este estudo teve como objetivo compreender a técnica (maneira) de se tocar a clarineta

por clarinetistas de três bandas paraenses. Este capítulo apresenta os estudos realizados sobre

a tradição das bandas de música no Estado do Pará, sobre a presença de clarinetistas no

mesmo Estado e sobre a técnica de execução da clarineta. Considerando especificamente o

objeto da pesquisa, foram analisados e discutidos os trabalhos sobre técnica da clarineta

produzida por clarinetistas e pedagogos do instrumento. Considerando os clarinetistas, a

banda, com suas atividades musicais e pedagógicas, e os contextos cultural e social em que

ambos se inserem, buscou-se entender a relação entre eles revendo algumas linhas de

pensamento com base na etnomusicologia.

1.1 A TÉCNICA DA CLARINETA

Segundo Abbagnano (2007, 1106) “Técnica é um conjunto de processos ou operações

aptos para dirigir eficazmente uma atividade qualquer.” Ferreira (2004) definiu a técnica

como “a maneira, jeito ou habilidade especial de executar ou fazer algo.” Dentro do contexto

musical, Pino (1980: 64-65), ao se referir à técnica, evidencia que o assunto ainda é mal

compreendido pelos clarinetistas que a colocam longe de suas prioridades, sobretudo no que

se refere ao uso da língua na articulação instrumental. Acrescenta também que é preciso

perceber a importância desses elementos estarem vinculados ao auto-controle e coordenação

para a realização do fazer musical:

Talvez técnica seja mais bem considerada, então, como


sendo a maneira pela qual, mãos, dedos e língua, agindo
6

sobre o exterior da clarineta, coordenam suas ações com


as do ar e da embocadura. Em outras palavras, técnica
realmente não é nada mais do que controle e controle,
realmente, não é nada além de coordenação! Ter uma boa
técnica significa que você deve adequar o controle de você
mesmo, do seu instrumento e da música que você está
tocando.3 [todos os textos em inglês deste trabalho são
tradução minha]

Entendemos que os aspectos da técnica na clarineta são constituídos de vários

elementos, porém neste estudo vamos considerar a contribuição da postura do corpo, posição

das mãos e dedos, embocadura e respiração.

As diversas maneiras de se tocar clarineta foram analisadas e descritas por importantes

clarinetistas que ensinam, pesquisam e atuam como performers. Eles tratam cada aspecto da

técnica com a intenção de instruir alunos e professores nos principais conceitos do mesmo.

Entre os estudos sobre a técnica da clarineta destacam-se os textos de Stein (1958), Stubbins

(1954), Pino (1980), Weston (1982), Mazzeo (1990), Colwell (1992), Pay (in Lawson, 1995),

Lawson (1995), Reffeldt (1994), Klug (1997), Kycia (1999) e diversos artigos e teses. Para a

maioria dos estudiosos, os fatores que se relacionam com a técnica são: embocadura,

respiração, destreza dos dedos, a qualidade do instrumento, acessórios (palheta, boquilha e

braçadeira), e a parte relacionada a sonoridade: articulação, afinação,dinâmica e timbre. De

maneira geral, a questão técnica permanece como uma preocupação constante de estudiosos.

Pino (1980, 51-52) classifica três sistemas indispensáveis para se tocar clarineta que

são: “sistema de som-gerador, sistema técnico e o cérebro ou o sistema computadorizado.”

Para ele uma boa técnica é a coordenação do sistema som-gerador (músculos responsáveis

pela corrente de ar, traquéia, embocadura, palheta e boquilha), com o sistema técnico (chaves,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
3
Perhaps technique is best thought of, then, as being the manner in which hands, fingers, and tongue, acting
upon the exterior of the clarinet, coordinate their actions with those of the air and embouchure. In other words,
technique is really nothing more than control, and control is really nothing more than coordination! To have
good technique means that you must adequate control of yourself, your instrument, and the music you are
playing.
7

posição das notas, língua, braços e dedos) são os elementos que contribuem para a realização

musical. A expressividade, fraseado, qualidade do som, precisão motora e a fidelidade às

intenções do compositor completam o pensamento de Pino sobre técnica.

Para Stubbins (1974, 192-193) a técnica básica para se tocar a clarineta é definida em

três dimensões: controle respiração-embocadura, destreza dos dedos e articulação. Ele

comenta que “o som inicial é controlado pela embocadura e respiração; a técnica se preocupa

com a manipulação do mecanismo, facilmente descrita como posição das mãos; e a língua que

se refere à articulação.”4 Para ele é impossível estudar esses elementos sem a existência de

uma conexão entre essas três dimensões citadas.

1.1.1 POSTURA DO CORPO E POSIÇÃO DAS MÃOS E DEDOS

Em virtude de suas implicações no resultado da performance musical, a postura do corpo

e a posição das mãos e dedos são abordadas por professores e instrumentistas como elemento

essencial no ensino do instrumento (Klug, 1997, 60). A postura de segurar a clarineta não diz

respeito apenas à maneira de se ajustar ao instrumento, mas também de desenvolver uma

conscientização corporal. Enquanto não existe esta conscientização, os músculos podem ser

levados a uma exposição de estresse e conseqüentemente isso provoca tensão. Fisiologistas e

fisioterapeutas concordam que qualquer postura que se configura num ponto inicial de

estresse pode levar a tensão. O pescoço, braços, mãos e dedos do instrumentista podem ser

afetados diretamente pela tensão, o que dificulta sua movimentação. Portanto, professores e

clarinetistas recomendam insistentemente, tocar o mais natural possível. O cuidado com a

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!4! The tone being controlled by the embouchure and the breath; the technique being concerned with the
manipulation of the mechanism, easily described as hand-position; and the tongue which is concerned with the
articulation#
8

postura contribui para diminuir o estado de estresse e melhorar o desempenho da execução

musical.

Segundo Stubbins (ibid., 193), a técnica que se preocupa com a manipulação do

mecanismo é descrita como posição das mãos. A posição mais natural dos dedos não é plana e

estendida, mas ligeiramente encurvada. Colwell (1992, 248), observa que “para se obter uma

boa postura para segurar o instrumento é fundamental o uso e posicionamentos dos dedos e

das mãos”.

Segundo Klug (1997, 17), a mão esquerda é responsável por 60% do mecanismo da

clarineta e apresenta mais problemas do que a mão direita. Além de não ter apoio. O polegar

esquerdo trabalha com a chave de registro e com o anel do orifício na parte inferior do

instrumento (Weston, 1980, 41). A seqüência das notas realizadas dentro de uma determinada

passagem musical, que envolva o anel do orifício na parte inferior da clarineta e a chave de

registro, dependerá da precisão e sincronismo deste polegar. O indicador esquerdo tem o

contato com duas importantes chaves 10 e 11 (tabela de dedilhados do Método Completo para

Clarineta H. Klosè), correspondente às chaves sol# e o lá. Sobre a posição do indicador

esquerdo e direito, Stubbins (1954, 214-215) enfatiza: “o dedo indicador esquerdo deveria

tocar a chave do sol # com a ponta da articulação superior da segunda junta e a chave do LÁ

natural próximo à chave do sol # deveria ser tocada com o canto interior da primeira junta

deste mesmo dedo”. O dedo indicador direito deve ser um pouco inclinado em direção às

chaves laterais de forma que a junta do dedo possa acionar essas chaves.

O polegar direito se encaixa no apoiador do instrumento que fica na parte inferior do

mesmo, neste sentido Colwell (1992, 250-251) comenta que: “o polegar direito deve ser

firme, mas não deve empurrar o clarinete na boca. Marcas profundas de dentes na boquilha

indicam pressões excessivas do polegar direito”. Este polegar tem a função de ser o ponto de
9

apoio da clarineta e a embocadura com o polegar esquerdo, apenas ajudando a equilibrar o

instrumento. A posição do polegar direito no apoiador da clarineta é, segundo Stein (1958,

30), “a meio caminho entre a articulação de fim e a unha”. Pino (1980, 67) recomenda colocar

o polegar no apoiador “próximo a lateral da primeira junta”.

Os dedos mínimos desenvolvem uma importante função na área inferior do

instrumento. Para Stubbins (1954, 215), “as pontas dos dedos mínimos, de ambas as mãos,

deveriam tocar as pontas das chaves.” As mãos devem trabalhar de forma a possibilitar a

liberdade no movimento dos dedos e eliminar movimentos desnecessários. Pay (in Lawson

1999, 119) recomenda movimentos pequenos dos dedos quando necessário e movimentos

maiores quando isso não significa uma atitude danosa para a execução. Existem clarinetistas

de grande capacidade que realizam trechos musicais sem levantar demasiadamente os dedos,

com movimentos em curtas distâncias, porém há outros que podem ser tão fluentes quantos

esses, e que utilizam grandes movimentos. Outros clarinetistas já procuram observar o

cuidado que se deve ter com a naturalidade dos movimentos dos dedos. Por isso, a posição é

de fundamental importância para a técnica da clarineta, neste sentido Stubbins (1974, 212)!

explica:

Todo esforço para assumir uma posição confortável e


natural deveria ser feito. . . . Uma posição deficiente pode
ser descrita como uso antinatural das mãos e uma
distorção da flexibilidade e da curva natural dos dedos.5

!!Os posicionamentos corretos das mãos e dedos em relação ao sistema de chaves e

orifícios da clarineta são decisivos para facilitar o sincronismo e a manipulação durante a

execução.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
5
Every effort to assume a comfortable and natural position should be made. ...!A poor hand-position can
generally be described as an unnatural use of the hands and a distortion of the natural curve and flexibility of the
fingers.
10

1.1.2 EMBOCADURA

No século XX ocorreu uma gradual mudança na técnica de se tocar clarineta. Antes os

instrumentistas tocavam com a palheta sob o lábio superior e, depois, substituíram esta

maneira por outra forma: tocar com a palheta sobre o lábio inferior. Segundo Shackleton

(1980, 436-437), durante o século XIX, boa parte da Europa já adotava esse estilo de tocar

que se tornou posteriormente um padrão universal. Há dois tipos de encaixe da boquilha na

boca: a embocadura dupla (os lábios superiores e inferiores são ligeiramente dobrados, sem

colocar dentes superiores na boquilha) e a embocadura simples (apenas os lábios inferiores

são dobrados internamente e os dentes superiores ficam sobre a boquilha). Ainda no século

XIX, segundo Kycia (1999, 36), a embocadura dupla6 era muito popular na França. Weston

(1980, 20), ao se referir à embocadura dupla comenta:

No início, a embocadura era dupla, isto quer dizer,


ambos os lábios eram comprimidos em cima dos dentes.
Os dentes não poderiam ter contato com a boquilha, pois
ela era feita de madeira e poderia danificá-la. A madeira
também era um meio insatisfatório, porque tendia a rachar
e deformar, arruinando assim os trilhos laterais da
boquilha. Foram feitas muitas experiências com outros
materiais e na década de 1870 a ebonite foi escolhida para
ser um substituto satisfatório. Agora não havia nenhuma
razão para continuar o desconforto nos lábios superiores,
quando tocando com ela comprimindo os dentes.7

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
6
No Pará até as décadas de 1970, o pesquisador ainda observava que alguns músicos do interior tocavam
com a embocadura dupla.
7
In the early days embouchure was always double lip, that is to say both lips were tucked over the teeth.
The teeth could not have been allowed in contact with mouthpieces of the time, for the latter were made of wood
and this would have become damaged. Wood was an unsatisfactory medium in other ways too, for it tended to
crack and warp, thus ruining the lay. Many experiments were therefore made with other materials and in the
1870s ebonite was found to be a suitable substitute. Now there was no reason to continue the top lip’s discomfort
when playing with it tucked over the teeth.
11

Weston (1980, 21) diz que “Carl Baermann8 foi um dos primeiros a adaptar-se a

embocadura simples, mostrando agora, que era possível, com maior resistência ter

confiabilidade no controle de som que se tornava extraordinariamente melhorado.”9 Hoje, a

embocadura dupla continua sendo usada, porém por uma minoria. Já a embocadura simples é

preferida pela maioria dos clarinetistas. A embocadura da clarineta, como a de outros

instrumentos de sopro, apresenta suas dificuldades. Pino (1980, 134-135) defende que o

relaxamento e o fluxo de ar devem estar bem estabelecidos ou nenhuma embocadura, boa ou

má, será de qualquer uso. A definição do termo embocadura feita por Pino (ibid., 53) retrata a

particularidade da corrente de ar:

O que é uma embocadura, e que trabalho ela faz? Uma


embocadura não é nada mais do que a entrada
adequadamente amoldada e reforçada pela qual a corrente
de ar tem que passar para ser devidamente recebida pelo
instrumento. Este é o motivo porque a embocadura da
clarineta é diferente dos outros instrumentos de sopro e
porque embocaduras diferem uma das outras. Diferentes
instrumentos de sopro requerem diferentes entradas de
corrente de ar.10

No entender de Stein (1958) “o coração do clarinetista são os lábios e os músculos

faciais”, esses componentes anatômicos recebem o nome de embocadura. Ensinar

corretamente como essa embocadura funciona pode facilitar o desenvolvimento do ato de

tocar. O fato de não entender esse mecanismo acarretará no surgimento de vários problemas.

Por isso Stein (ibid., 12) afirma que:

Embocadura – o lábio e os músculos faciais laterais


requeridos para tocar - é o coração do ato de se tocar
clarineta. Quando a embocadura começa a funcionar
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
8
Carl Baermann, famoso clarinetista e pedagogo alemão, nasceu em 1810 e faleceu em 23 de maio de 1885.
9
Carl Baermann was one of the first to adopt this single lip embouchure, pointing out that as greater
endurance was now possible reliability of tone control was improved enormously.
10
What is an embouchure, and what job does it do? An embouchure is nothing more than the properly
shaped and reinforced doorway through which the airflow must pass to be properly received by the instrument.
This is why the clarinet embouchure is different from that of the other wind instruments, and why the
embouchures differ from one another. Different wind instruments require different airflow doorways.
12

corretamente, o caminho está limpo para o sucesso do


início do som (articulação), do seu desenvolvimento e da
resposta do mesmo em geral. Uma embocadura defeituosa
resultará inevitavelmente em problemas na performance.11

A busca por possuir uma embocadura apropriada é uma preocupação do professor em

relação aos seus alunos e deles mesmos.

Para Stein (ibid. 12), essa busca, quando devidamente supervisionada, pode auxiliar na

formação de uma embocadura que desenvolve a autoconfiança do aluno, caso contrário, esta

confiança se transforma em um vício de apertar a boquilha com os dentes; chamada pelo autor

de “mordida mandibular.” Neste sentido ele diz que:

A pressão da mordida é um hábito vicioso que reduz


imediatamente a amplitude de vibração da palheta que,
conseqüentemente, limita a flexibilidade do som. Isso
espalha também tensão rapidamente para outras áreas da
execução. Uma vez utilizada esta "mordida", é quase
impossível de romper com o vício sem ter que re-aprender
completamente os hábitos de embocadura.12

Bonade, o fundador da escola americana de clarineta, citado por Kicia (1999, 38)

recomenda não apertar os lábios superiores nem inferiores, evitando morder no momento de

tocar. Weston (1982, 55) afirma que embocadura significa o controle das mandíbulas, lábios e

dos músculos laterais da face. A combinação entre esses elementos proporciona uma melhoria

na produção sonora e explica:

A palavra embocadura aplicada a um instrumento de


sopro significa a posição e controle das mandíbulas, lábios
e músculos circunvizinhos na produção do som. Uma boa
embocadura resultará numa boa qualidade de som e de

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
11
The lip and surrounding facial muscles required in performing- is the heart of clarinet playing. When the
embouchure begins to function correctly, the way is cleared for success in tonal entrance (tonguing), tone
development and response in general. A faulty embouchure will inevitably result in laying problems.
12
Biting pressure is a vicious habit in that it immediately shortens amplitude of reed vibration which, in
turn, limits flexibility of tone. It also spreads tenseness rapidly to other playing areas. Once used, this “bite” is
almost impossible to break away from without re-learning embouchure habits completely.
13

afinação. Estes são fatores de equilíbrio e o sucesso na


produção se estenderá ao outro.13

Klug (1997) fala sobre o “ponto de controle na boquilha”14 que, segundo ele, é o local

exato onde os dentes devem estar apoiados na boquilha evitando prejudicar o movimento da

palheta. Este ponto contribui para a formação da embocadura.

Weston (ibid., 20) destaca também que “A afinação dos sons é controlada pelo grau de

pressão de mandíbula contra a palheta.” A pressão deve ser controlada durante o tempo que o

instrumentista executa o seu instrumento e a pressão não pode ser diretamente na ponta da

palheta, mas somente no meio da boquilha. Pay (apud Lawson 1999, 117) faz citação do

controle da embocadura ao afirmar “temos que compensar com nossa embocadura a

afinação.”

No século XX, estudiosos passaram a explorar os instrumentos de sopro e introduzir

inúmeras possibilidades acústicas15 como quarto de tom, acordes e microtons. O desenho

acústico da clarineta moderna permitiu que fosse possível realizar algumas experiências

acústicas (sons múltiplos, microtons). A técnica da clarineta também se expandiu neste novo

mundo fazendo surgir uma nova técnica de clarineta, entretanto para Richards (1992, iii) nada

disso seria possível se essa nova tendência não tivesse uma fundamentação robusta na técnica
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
13
The word embouchure applied to a wind instrument denotes the position and control of the jaws, lips and
surrounding muscles in tone production. Given a good embouchure, good quality tone and good intonation will
result. These are balancing factors and the successful production of one will give the other.
14
“Control point on the mouthpiece” - expressão utilizada por Howard Klug (1997, 51).
15
Segundo Richards (1992), em 1960 Bruno Bartolozzi publicou, em Milão (Itália), um trabalho
significante de possibilidades acústicas para vários instrumentos entre eles, a clarineta. O problema é que a
experiência foi realizada com o sistema “Full-Boehm System”, pouco utilizado por clarinetistas fora da Itália. A
crítica a esse trabalho é também a sua natureza empírica que domina grande parte da investigação, sem levar em
consideração os princípios da acústica. Outro estudo importante ocorreu por volta dos anos 70 por Phillip
Rehfeldt, com a obra New Directions for Clarinet. É o primeiro trabalho mais abrangente para os instrumentistas
que utilizam o sistema padrão Boehm. A obra The clarinet of the twenty-first century, de Richards, expande e
difere dos trabalhos anteriores por: 1) organizar os sons múltiplos de acordo como esses sons são produzidos e
como são formados (princípios acústicos), classificando 463 sons múltiplos; 2) dividir os microtons em
intervalos menores de quarto de tons, apresentando 478 categorias de alturas; 3) comparar e classificar os
timbres dos sons simples (não múltiplos) e as posições alternativas de dedilhados. 4) apresentar 103 exemplos
musicais; e 5) discutir o conhecimento histórico e acústico da clarineta, os métodos e exercícios para os
clarinetistas atingir novas técnicas, e a teoria da técnica dos dedos como base para explorações posteriores.!
14

tradicional básica que, segundo ele, é focada no controle da embocadura e na digitação. Não

há unanimidade ou um padrão único quanto ao formato da embocadura. Cada professor, de

acordo com o seu ponto de vista, julga o que considera mais favorável. Para Stein (1958, 12),

os passos preliminares para a base da embocadura são assim descritos:

Comece fechando os lábios e mantendo-os simplesmente


juntos enquanto se baixa a mandíbula com suavidade
aproximadamente 3/8 de uma polegada. Note isto,
mantendo a linha no centro. O lábio inferior, em
particular, parece elevar-se e ir-se diretamente para cima,
curvando-se externamente além dos dentes inferiores, em
vez de enrolar-se sobre eles.16

Stein recomenda ao aluno confirmar se o mento17 (queixo) está esticado para baixo e

se os lábios inferiores seguem em direção oposta. Os lábios em volta da abertura da boca

devem permanecer flexíveis. Klug (1997, 51) diz que “uma boa embocadura é composta de

músculos que distendam em direções opostas.” A embocadura pode ser descrita de inúmeras

maneiras. O formato de embocadura, segundo Pino (1985, 134-135), deve seguir o

arredondamento dos músculos em volta dos lábios. Os cantos da boca e os músculos da “maçã

do rosto” (bochecha) devem ser atraídos em direção aos lados da boquilha. O resultado desta

ação é denominado “formato oval vertical.”

Outro detalhe referente à embocadura é que alguns clarinetistas passam a desenvolver,

de maneira natural ou por falta de orientação, uma bolsa de ar. Uns na “maçã do rosto”

(bochecha da face) outros na parte superior e inferior dos lábios.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
16
Begin by closing the lips and holding them easily together while gently lowering the jaw approximately
3/8 of an inch. Notice that in keeping the line in the center. The lower lip in particular seems to rise and reach
directly upward, bending outward past the lower teeth instead of lapping over them.
17
Anat. Porção inferior e média da face, saliente, e que se localiza abaixo do lábio inferior: Novo
Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.11

!
!
15

O ângulo formado pela distância entre a clarineta e o corpo do instrumentista durante o

ato de tocar é um importante dado que afeta a embocadura (Pino 1980, 67; Colwell 1992, 248;

Kycia 1999, 30-32). O ângulo está relacionado à postura do clarinetista tanto sentado quanto

em pé e este detalhe técnico é de extrema importância no aprendizado, pois se não for bem

orientado, poderá causar problemas físicos e de execução musical que acompanhará o aluno

durante toda a sua vida. Dizer qual o ângulo mais adequado para o aluno é uma questão que

deve ser visto individualmente, pois o tamanho e formato da boca e dos dentes afetam a

maneira de segurar a clarineta. Segundo Colwell (1992, 248), cada estudante tem hábitos de

postura, formação de dentes e estrutura de lábios diferentes.

Quanto ao ângulo, Bonade (apud Kycia, 1999, 30) recomenda que “a boquilha deveria

ser posta no lábio inferior e sobre uma polegada e meia da ponta da palheta, a um ângulo de

45º.” Pino (1980, 67) propõe um ângulo entre 35º e 40º. Stubbins (1954, 212) recomenda que

a postura para segurar a clarineta não pode ser menos de 30º e nem mais de 60º, a distância

satisfatória é manter um ângulo de aproximadamente 45º graus do corpo. Ângulo,

embocadura e postura se inter-relacionam como um sistema que deve ser trabalhado em

harmonia.

A embocadura envolve a adaptação da boquilha na boca e o processo de

condicionamento físico e muscular. Não só a boca e a pressão de ar são importantes como

também a angulação dos braços.

1.1.3 RESPIRAÇÃO

Os fisiologistas classificam que a respiração é uma atividade que envolve duas ações:

inspirar e expirar. Essa categorização é citada por clarinetistas ao explicarem os mecanismos e

função da respiração na atividade instrumental (Weston 1982, 52-53; Pino 1980, 47-48).
16

Segundo Souchard (1989) a inspiração, responsável pela entrada de ar nos pulmões, ocorre

pela contração da musculatura do diafragma e dos músculos intercostais. O diafragma abaixa

e as costelas elevam-se, promovendo o aumento da caixa torácica, a redução da pressão

interna força o ar a entrar nos pulmões. Ainda segundo o mesmo autor, a expiração, que

promove a saída de ar dos pulmões, ocorre pelo relaxamento da musculatura do diafragma e

dos músculos intercostais. O diafragma eleva-se e as costelas abaixam o que diminui o

volume da caixa torácica. O diafragma e os músculos intercostais são dois importantes

músculos da respiração.

Kycia (1999, 44) relata a abordagem pedagógica da respiração feita por Bonade onde

o mesmo explica o processo da inalação e exalação da seguinte maneira:

Como se inala, o diafragma relaxa para baixo e o corpo


superior inteiro se expande como um balão. Inalação
incorreta envolve uma respiração que só amplia o tórax
superior. Se a área de diafragma também não se expande,
então o instrumentista não está inalando corretamente.
Quando a pessoa exala, o ar é empurrado no clarinete,
poderosamente para notas agudas, e menos vigorosamente
para sons leves. O instrumentista deveria sentir os
músculos perto do diafragma que ajuda expelir o ar.
Usando corretamente o apoio de respiração é essencial
para o clarinetista tocar bem18.

Segundo Kycia (1999), Bonade dizia que o apoio da respiração envolvia duas ações:

inalação e exalação. Ao inalar, o diafragma de uma pessoa relaxa para baixo e a parte o corpo

superior do corpo se expande como um balão. Quando a pessoa exala, o ar é empurrado em

direção ao tubo da clarineta. O instrumentista deveria sentir os músculos perto do diafragma

que ajuda expelir o ar. Usando apoio de respiração, ainda segundo Bonade, o som da clarineta

sai com firmeza, caso contrário, o som sai fraco.


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
18
As one inhales, the diaphragm relaxes downward and the whole upper body expands like a balloon.
Incorrect inhalation involves taking in a breath that only expands the upper chest. If the diaphragm area does not
expand, too, then the player is not inhaling correctly. When one exhales, the air is pushed into the clarinet,
powerfully for loud notes, and less forcefully for soft tones. The player should feel the muscles near the
diaphragm helping to expel the air. Using correct breath support is essential to good clarinet playing.
17

Stubbins (1954, 193) comenta que o fundamento de se tocar clarineta envolve uma

ação física abrangendo o som, a técnica e a articulação e que “o som inicial é controlado pela

embocadura e respiração”. Os clarinetistas e pedagogos concordam que a respiração é um

elemento fundamental e que o conhecimento da utilização do diafragma e do músculo

intercostal contribui para controlar o ar, melhora a embocadura e, consequentemente a

qualidade do som (Pino 1980, 47-48; Klug 1997, 56; Pay apud Lawson 1995, 108-109). A

respiração em música, porém, pode ter outra utilização, a respiração no fraseado musical.

Schulueter19 defende que “a respiração é a base de toda a atividade de execução e pode

interferir na afinação, na articulação e na qualidade do som”. Klug (1997, 56) menciona que o

modo como usamos o ar pode ter grande influencia na emissão de um bom som, na

musicalidade da execução, na conexão entre o legato e os intervalos e nas respostas rápidas

de staccato.

1.1.4 SONORIDADE

A expressão “sonoridade” refere-se ao conjunto de atributos que constituem o som. A

sonoridade da clarineta pode ser compreendida através das leis da acústica ou pelo enfoque

resultante das práticas dos clarinetistas, mediante o julgamento da sua percepção,

procedimento escolhido para este trabalho.

Ao se referir sobre as características do som, Henrique (2002, 169) observa que sua

classificação não é rigorosa, pois fundi características psicológicas e físicas. Sobre esse

assunto, ele explica:

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
19
Charles Schulueter, professor e trompetista americano. Palestra proferida no dia 01 de junho de 2009, em
Belém para a classe de trompete e trompa dentro da Programação do Festival Internacional de Música do Pará
promovido pela Fundação Carlos Gomes.
18

O estudo e análise do som é feito por aparelhagem


adequada, com a qual se realizam medições rigorosas das
suas características físicas. Por outro lado, o som provoca
no ouvido humano determinadas sensações auditivas,
entre as quais estão as denominadas características
psicológicas. Enquanto que as primeiras são expressas por
um valor numérico determinado por aparelhos, sendo,
portanto, independentes do ouvinte, as psicológicas são
subjetivas e a sua apreciação varia, ou pode variar, de
pessoa para pessoa.

Nattiez (1984, 219) define som como “uma sensação regular e periódica de

vibrações”. O som é um conjunto de atributos musicais analisado por Menezes (2004, 94)

como “Uma totalidade de aspectos” que passou a ser suscetível de uma decomposição em

parâmetros ou atributos distintos. No campo da acústica, tradicionalmente os atributos

musicais foram classificados em altura, duração, intensidade e timbre.

Henrique (2002, 862), ao fazer um detalhamento da percepção sonora, afirma que:

“altura é a característica psicológica que está relacionada diretamente com a freqüência do

estímulo e traduz a sensação auditiva que nos permiti ordenar os sons do grave ao agudo.”

Para Wisnik (1989, 18) “as freqüências sonoras se apresentam basicamente em duas grandes

categorias: as durações e as alturas”. Já Menezes (2004, 96) destaca que “dentre todos os

atributos do som, a percepção da freqüência, designada geralmente por altura, é

indubitavelmente o mais fundamental.”

Dentro da estrutura sonora, o timbre é uma propriedade complexa de qualificar. The

Havard brief dictionary of music (1960, 305) define o timbre como “uma qualidade particular

do som emitido por um instrumento ou voz. Para Menezes (2004, 95-199) o timbre é definido

da seguinte forma:

Ao contrário do que vemos nos livros de acústica,


afirmamos que o som possui como parâmetros específicos
a altura, a intensidade e a duração, e que o timbre não
constitui um parâmetro do som, mas consiste antes na
19

resultante dos demais parâmetros inter-relacionados entre


si. . . O timbre é, assim, um elemento composto, e não,
como em geral se tem como certo, um elemento
componente do som.

Para Henrique (2002, 871-872) “timbre é uma característica subjetiva do som que nos

permite diferenciar dois sons de alturas e intensidades iguais.” Como decorrência desta

subjetividade, músicos usam expressões que representam determinadas analogias com outras

sensações como: sons estridentes, redondos, aveludados, brilhantes entre outras adjetivações.

Loureiro (2001), em seu trabalho sobre a variação do timbre da clarineta, diz que:

O conceito de timbre torna-se ainda mais impreciso


quando consideramos que num mesmo instrumento
musical, o intérprete pode produzir timbres diferentes,
dependendo da altura da nota e da maneira como é tocada.
. . Apesar dos instrumentos acústicos tradicionais
oferecerem possibilidades de produzir e controlar com
precisão uma vasta gama de timbres, não existe para este
atributo um sistema de classificação de seus estados de
evolução ao longo do tempo.

A sonoridade da clarineta esta diretamente relacionada à técnica de se tocá-la,

formação física do clarinetista, acessório utilizado (instrumento, boquilhas, palhetas e

presilha) e o meio onde ele vive.

1.1.5 ARTICULAÇÃO

A articulação é o meio pelo qual se articula um ou uma seqüência de sons. Em

fonética, compreende o funcionamento fisiológico dos órgãos da fala. Nos níveis de capitação

dos fatos fônicos, distinguem-se a fonética articulatória (ao nível da emissão), a fonética

acústica (ao nível da transmissão), e a fonética auditiva (no plano da Recepção), (Greimas e

Courtés, 1979, 25).


20

Para Mazzeo (1990, 69) existem muitas formas de se tocar a clarineta, quase todos os

clarinetistas usam a língua para iniciar o som, porém, alguns não a usam. Nesta pesquisa, a

abordagem de execução vai considerar o uso da língua em forma de “ataque” para auxiliar o

som junto com o ar, neste sentido Stubbins (1954, 208) explica:

Articulação no clarinete é produzida pela ação da língua


contra a palheta que produz uma obstrução momentânea
da vibração da palheta como também uma interrupção do
fluxo de ar, e assim produz conseqüente um intervalo de
silêncio.20

Pino (1980, 82-83) faz referência sobre o uso do termo “ataque” dizendo que

clarinetistas experientes e professores usam o termo para descrever a ação do inicio do som

através da língua. Ele aconselha usar o termo “tonal entrance” (início do som) e complementa

“Airflow is what causes tonal entrance” (a corrente de ar é o que causa a entrada do som).

A articulação inclui ataque de notas com e sem uso de língua, ligaduras, acentos,

staccato, portato e tenuto, cada uma produzida com diferentes forças da língua e pressão do

ar. A preparação para o início do som é um fator crucial. Larry Bocaner, citado por Kycia

(1990), salienta que primeiro vem o ar e depois a intervenção da ponta da língua na ponta da

palheta (Lawson 1995, 128; Bonade apud Kycia 1999, 50). A articulação ocorre com a

movimentação da língua para frente, em direção a ponta da palheta, e o recuo da mesma. Para

auxiliar o entendimento da articulação utilizam-se sílabas. Em geral, professores e pedagogos

divergem quanto à sílaba a ser utilizada. Há uma variedade muito grande de sílabas como “ti”,

“te”, “ta”. Já alguns preferem “du” enquanto outros “tu”. Pay (apud Lawson 1999, 128)

entende que a sílaba “du” é mais elegante e explica que a respiração, embocadura, dedos e

língua devem ser trabalhados de forma coordenada com a articulação para controlar o

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
20
Articulation on the clarinet is produced by the action of the tongue against the reed which produces a
momentary stoppage of the vibration of the reed as well as an interruption of the air-stream, and thus produces a
consequent interval of silence.
21

ataque,21 peso e níveis dinâmicos das notas. Estes elementos são fundamentais para auxiliar

no estilo e caráter da música. Há outras categorias de articulação como o stacatto duplo,

triplo e o frulatto que não serão abordados neste trabalho. A importância de articulação está

também relacionada à contribuição da compreensão do fraseado musical.

1.2 MÚSICA E CULTURA

Segundo Queiroz (2004, 100) “desde o surgimento da antropologia cultural, em

meados do século XVIII, os estudos relacionados à cultura têm sido fundamentais para o

entendimento do homem e suas relações com o mundo em que vive.” O antropólogo

americano Allan Merriam, com a obra Anthropology of Music em 1964, estabelece um marco

na musicologia em que reforça a necessidade da junção de métodos de pesquisa antropológica

com a musicológica. Para ele, o conceito de música é resultado dos processos

comportamentais humanos provenientes do compartilhamento de valores, atitudes e crenças

de um determinado contexto cultural, “é um fenômeno humano que só existe em termos de

interação social”. A música não pode ser definida apenas como som, “envolve o

comportamento de indivíduos e grupos de indivíduos, e sua organização particular exige o

consentimento social das pessoas que decidem o que pode e não pode ser.” (Merrian, ibid.,

27). Outro ponto interligado pelo contexto, diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem

que, assumem formas distintas e apresenta particularidades que caracterizam o seu próprio

fazer musical (Merrian,1964; Blacking, 1973; e Netll, 1983). A cultura tem formas de

transmitir e compreender sua própria música.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
21
A articulação e o uso da sílaba caracterizam o início do som no instrumento.
22

Blacking (1973, 62), ao verificar os processos de composição e a habilidade dos

nativos Venda, observa que a produção musical destes é resultado não apenas do fator cultural

ou da sociedade, mas também do pensamento humano e diz que:

A música é uma síntese de processos cognitivos que estão


presentes na cultura e no corpo humano. . . Por ser a
música humanamente organizada, ela exprime aspectos da
experiência dos indivíduos em sociedade.

Fazendo uma analogia com as atividades musicais nas bandas, observa-se a relevância

do contexto cultural. Neste universo temos uma rede de parentesco familiar, o gosto por

determinados repertórios, a maneira de transmissão de conhecimento musical e a função da

banda na comunidade. Tais aspectos e categorias trazem sentidos e significados cujos

conceitos são utilizados, nesta pesquisa, para compreender o universo da música, dos

clarinetistas e de sua atuação nas bandas. Não isolamos nesta pesquisa, o fazer musical de seu

contexto cultural. Música e cultura são elementos absolutamente necessários para ampliar o

nosso olhar sobre outras formas de performance musical que não seja exatamente um padrão

pré-estabelecido nas escolas formais e nos conservatórios.

1.3 BANDAS E CLARINETISTAS NO PARÁ

A literatura sobre a música no Pará, escrita por jornalistas e historiadores, entre eles

Baena (1883), Braga (1919), Hurley (1933), Rocque (1978), Furtado (1978;1980 ) e Ildone

(1991), faz uma abordagem geral sobre as manifestações culturais e musicais, além de

identificar alguns dos importantes músicos. No entanto, não tratam da execução e técnica da

clarineta.

Até o presente momento tudo que se sabe sobre bandas no Pará, de maneira mais

concreta, é resultado de um estudo exaustivo do historiador e antropólogo Vicente Salles que


23

entre vários artigos e livros publicou a obra Sociedade de Euterpe (1985). Esta obra faz uma

abordagem histórica das bandas civis e militares na capital e no interior do estado, citando

importantes mestres e instrumentistas assim como o repertório. Na mesma obra, encontramos

32 citações de clarinetistas paraenses e estrangeiros que atuaram no Pará. Esta obra é

importante a partir do momento que resgata um passado de intenso movimento instrumental.

Apenas uma observação se faz necessária à obra Sociedade de Euterpe, ela não relata a

atividade dos músicos evangélicos22 tanto do interior do Pará como da capital. A Igreja

Evangélica Assembléia de Deus de Belém tornou-se a primeira igreja evangélica que adotou o

uso de banda dentro do serviço litúrgico23. Desde o final da década de 1930, as igrejas

evangélicas contribuíram para incentivar a prática instrumental, especialmente de

instrumentos de sopro. Esse modelo propagou-se pelo interior do Estado à medida que as

igrejas iam sendo implantadas nas cidades do interior.

Outra obra importante de Vicente Salles é “Música e Músicos no Pará” (1970). Este

trabalho reúne biografias de figuras que se destacaram no cenário artístico paraense durante os

quatro séculos de música no Pará. O livro também menciona a biografia resumida de 31

mestres de banda e doze clarinetistas, além de fazer citação de uma comédia regional

intitulada “Por causa de um clarinete” (ibid., 236).

Outra referencia é a pesquisa de Uchoa (2003) que em sua dissertação de mestrado faz

uma abordagem biográfica sobre a vida e a obra do mestre de banda Oscar Santos, músico
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
22
A Igreja Evangélica Assembléia de Deus em Belém do Pará foi fundada em 1911 pelos Missionários
Suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren. Considerada igreja-mãe em todo o Brasil. Em 18 de março de 1936 já
contava com uma pequena orquestra formada de 2 flautas, 1 clarineta, 1 piston, 2 violino e 1 bandolin. A igreja
contrata um professor de música para lecionar a gramática musical. A idéia deu bons resultados. Nos anos 40, a
orquestra dá lugar à banda de música. A utilização de uma banda no culto transforma-se num fato inédito jamais
visto no Pará. Tal acontecimento influenciou muitos jovens evangélicos na capital, no interior e nos outros
estados que passaram a adotar práticas musicais semelhantes, centradas no ensino da música e na formação de
bandas. A partir dos anos 60 muitas igrejas evangélicas do interior investiram em pequenas escolas e na criação
de bandas.
!!!!!!!!23! Em 1910, chegou a Vigia de Nazaré como Vigário o Padre Alcides Batalha Paranhos, se aproximou e
reorganizou a banda 31 de agosto. Ele estabeleceu a orquestra de coro para acompanhar as missas solenes e as
ladainhas. A orquestra era formada de 7 músicos de sopros todos componentes da 31 de agosto (Neves, 2008).!
24

paraense que desenvolveu uma intensa atividade de ensino musical em Macapá e em alguns

municípios do Pará. Compôs inúmeras músicas para banda e outras formações instrumentais.

Cardoso (2006) realizou uma pesquisa em que descreve “As transformações ocorridas

no ensino musical na Banda de Ponta de Pedras-Marajó-Pará.” É uma pesquisa que já aponta

uma mudança de ensino musical e instrumental percebida por meio de suas observações e

experiências como instrumentista. Ele faz um relato geral de como era e como é desenvolvido

o ensino de música nesta cidade. O pesquisador não trata especificamente do ensino de um

determinado instrumento e sim descreve as atividades musicais na banda.

Neves e Silva (2008) fazem um levantamento histórico da Banda 31 de Agosto,

apontando fatos que marcaram a vida da banda no município e do trabalho musical de seus

ilustres mestres. Costa e Silva (2008) abordam o contexto histórico do compositor e regente

Serafim dos Anjos Raiol Filho e seu trabalho no Clube Musical União Vigiense. Esta

pesquisa mostra a importância da produção composicional de banda produzido por alguns

talentosos músicos e mestres do passado.

O único estudo específico sobre a clarineta no Estado do Pará é a dissertação “A

presença da clarineta na dança do Carimbó de Marapanim-Pa” (Cantão, 2004). Esta pesquisa

inicia-se apresentando o carimbó em seu contexto histórico-cultural com sua música, dança,

texto e grupos instrumentais. Segue-se descrevendo também aspectos e estilos pessoais de

execução de três clarinetistas. Depois, considera os aspectos históricos da clarineta no Pará e a

formação dos clarinetistas que atuam nesta dança. A análise aponta que embora haja

diferenças na performance dos clarinetistas, observa-se um grande número de semelhanças

que indica aspectos comuns na execução da clarineta nesta manifestação. Por fim, o trabalho

demonstra como a prática instrumental da clarineta no carimbó está ligada à banda.


25

Como leitura complementar duas pesquisas realizadas sobre bandas fora do estado do

Pará mereceu atenção do pesquisador. A primeira é a dissertação de mestrado “Uma proposta

de análise do papel formador expresso em bandas com enfoque no ensino da clarineta”,

pesquisa desenvolvida no Rio de Janeiro por Alves (1999). Este trabalho faz um panorama

estatístico sobre as atividades de ensino da clarineta em bandas do Rio de Janeiro, objetivando

evidenciar a importância destas instituições musicais no cenário deste estado. A segunda é a

dissertação “A banda de Música: retratos sonoros brasileiros”. Nesta, Pereira (1999) faz uma

abordagem histórica apresentando um estudo sobre onze bandas paulistas, enfocando os

aspectos pedagógicos, históricos, administrativos, estruturais, funcionais, de recursos

humanos e materiais.
26

_________________________________CAPÍTULO 2

METODOLOGIA

Para investigar como se toca a clarineta nas bandas estudadas, utilizou-se o método de

multicaso em decorrência da participação de três corporações musicais como parte integrante

da pesquisa.

A abordagem de natureza qualitativa teve um enfoque descritivo do objeto e suas

variáveis. A pesquisa qualitativa considera que há uma relação dinâmica entre o mundo do

objeto e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido apenas por números, entende

que o ambiente natural é a fonte direta para a coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-

chave, segundo Bogdan (1982, 27-29). A abordagem qualitativa adotada por pesquisadores

educacionais (Creswell, 2007, 202) tem sido freqüentemente utilizada em estudos voltados

para a compreensão da vida humana em grupos, na sociologia, antropologia, psicologia,

dentre outros das ciências sociais.

Pesquisas de natureza qualitativa envolvem uma grande variedade de materiais

empíricos, que podem ser estudos de caso, experiências pessoais, histórias de vida, produções

e artefatos culturais, interações, enfim, materiais que descrevam a rotina e os significados da

vida humana em grupos (César, 2007). Casey (1992, 115) afirma que “junto com a pesquisa

filosófica, experimental e histórica, o estudo descritivo é um dos modos de pesquisa

tradicional das ciências sociais” e defende que a descrição é fundamental para a ciência.

Autores como Bogdan (1982), Lehfeld (1986) e Casey (1992) enfatizam no estudo descritivo

o uso de coletas de dados, questionários, entrevistas, técnica de observações sistemática e

análise de dados. Nesta pesquisa, as técnicas citadas fazem parte deste estudo não para

explicar o fenômeno descrito embora, em muitos casos, essa possibilidade possa existir. O
27

modelo descritivo busca determinar “o que é” analisando as tendências e as relações

envolvidas na pesquisa e suas variáveis existentes. Para Chizzotti (2005, 79) “o objeto não é

um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam

em suas ações”.

Segundo Yin (2005, 32), um estudo de caso é “uma investigação empírica que

investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, quando os limites

entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. De acordo com o autor, o

estudo de caso possui duas variações, o estudo de caso único ou estudo de casos múltiplos ou

multicaso (ibid., 60-61). Existem duas questões fundamentais na utilização do estudo

multicaso: a primeira refere-se ao critério de amostragem que não se baseia em incidência de

fenômenos e sim no interesse do caso em relação ao fenômeno e nas variáveis potencialmente

relevantes; a segunda refere-se ao número de casos relacionados à certeza de que se quer ter e

não a critérios estatísticos relacionados a níveis de significância (Cesar, 2007, 3). Dentro deste

pensamento, a estratégia metodológica adotada desenvolveu-se na forma de estudo multicaso,

uma vez que se identificou e caracterizou, em mais de uma unidade organizacional, o maior

número possível de informações detalhadas sobre a história e a problemática referente às

variáveis selecionadas.! No estudo multicaso, a tendência não é fazer necessariamente

comparações e sim traçar relações mais gerais, porquanto cada caso se caracteriza por suas

próprias particularidades (Stake, 1994). De acordo com Yin (2005, 26), a preferência pelo uso

do estudo de caso deve ser dada quando do estudo de eventos contemporâneos, em situações

nos quais os comportamentos relevantes não podem ser manipulados, mas é possível se fazer

observações diretas e entrevistas sistemáticas.

Sobre a utilização do método de estudo de casos, nota-se alguns preconceitos como a

manipulação das informações pelo pesquisador para se beneficiar dos resultados; o não
28

fornecimento de bases para generalizações científicas (Casey, 1992, 116) e a grande

quantidade de documentos e relatórios que não permite uma análise objetiva do fenômeno

estudado. Porém, segundo Yin (2005, 29-30) e Fachin (2001, 147), essas questões podem

estar presentes em qualquer método de investigação desde que o pesquisador não tenha

habilidade nem treinamento suficiente para realizar estudo de natureza científica, portanto

esses preconceitos não são específicos do método de estudo de caso.

2.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A região do salgado possui 15 bandas e, destas, 13 atuam regularmente e duas se

mantém com dificuldades. Das 13 bandas, três foram escolhidas para este estudo: Rodrigues

dos Santos do município de São Caetano de Odivelas; União Vigiense e 31 de Agosto, ambas

do município de Vigia de Nazaré. Os critérios da escolha se basearam em quatro aspectos: 1)

a concentração de clarinetistas nas bandas; 2) a banda como importante ambiente de

transmissão de conhecimento instrumental, 3) a importância da banda para a comunidade

como um dos meios de expressão cultural e artístico, e 4) a proximidade entre as localidades

viabilizando a pesquisa de campo. Os dados apontaram para um total de 29 clarinetistas

atuantes nas três bandas. 15 sujeitos integraram a amostragem, sendo cinco sujeitos

participantes por banda. A escolha de cinco sujeitos se deve ao fato de serem membros fixos,

efetivos e que são modelos para os demais clarinetistas iniciantes. As ações da pesquisa e se

concentraram nas sedes das bandas. Os sujeitos não foram isolados de sua banda, pois este é o

contexto no qual eles aprendem, praticam, executam e se relacionam entre si.

Realizou-se um levantamento de campo para observar os fatos, tal como ocorrem

espontaneamente por meio dos processos de observação, entrevistas e questionários,

utilizando os seguintes equipamentos: câmera digital, gravador MD e filmadora. O registro


29

visual pode comprovar determinadas “verdades” e fatos passados oralmente ou por meio da

palavra escrita e que não condizem realmente com os fatos, (Bogdan, 1982, 103).

Os contatos ocorreram em momentos diferentes nas sedes das bandas, sistematizados

em três fases: na primeira, estabeleceram-se os contatos com as lideranças musicais; na

segunda, observou-se o ambiente e a rotina de ensino na sede das bandas; e na terceira fase,

analisou-se a maneira de se tocar clarineta. A pesquisa foi realizada entre 2006 e 2009. Foi

solicitado autorização de todos os sujeitos que participaram da pesquisa, no sentido de

divulgar os dados da mesma neste trabalho. O pesquisador não atuou nem tocando nem

orientado os clarinetistas, assim, não exerceu influencia sobre o grupo, mantendo apenas o

caráter sistemático da pesquisa dentro das recomendações metodológicas expostas por

Marconi & Lakatos (2006, 277). A atitude adotada se enquadra na característica de

participante como observador e se detém, tão somente, em descrever e analisar a questão da

pesquisa, sua natureza, freqüência, causas e relações - abordagem referendada por Cervo &

Bervian. (apud Gonçalves, 2005, 91). O pesquisador manteve contatos com os regentes

Marcio Cardoso e Wanelson Batista de São Caetano de Odivelas e Delson Brito, José Vale,

Marinildo Silva do município de Vigia de Nazaré. Os regentes, músicos clarinetistas e

familiares atuaram como informantes.

Para subsidiar a discussão da pesquisa realizou-se um levantamento bibliográfico

sobre o tema proposto. Neste levantamento, constatou-se a escassez de estudos referentes ao

tema específico da pesquisa no interior do Estado do Pará. Há apenas um estudo referente a

este tema e nenhum outro estudo referente à maneira de se tocar clarineta em outra parte do

país foi encontrado. A literatura regional trouxe informações históricas e do contexto social

das bandas, porém nenhum dado sobre a técnica de se tocar clarineta e seu uso nas bandas.
30

2.2 COLETA DE DADOS

A fim de compreender o contexto do objeto de estudo (a maneira de tocar clarineta

nessas bandas), foram observados os aspectos geográficos, históricos, de infra-estrutura física,

organização administrativa, pedagogia musical e a população envolvida. A coleta de dados foi

dividida em duas categorias de variáveis, a técnica de se tocar e a sonoridade dos clarinetistas.

A primeira compreende postura do corpo, posição das mãos e dedos, embocadura, respiração

e articulação. A segunda inclui timbre, afinação e intensidade. Um dos critérios de escolha das

variáveis do primeiro grupo baseou-se nos fundamentos da técnica instrumental, conforme

indicados pela bibliografia revisada. O outro foi que as variáveis do primeiro grupo fazem

parte do ensino instrumental utilizados pelos regentes e monitores de banda. Da mesma

maneira, os critérios para a escolha das variáveis do segundo grupo foram determinados pelas

características básicas da produção do som do instrumento, observado em campo.

As técnicas de coleta foram observações sistemáticas, entrevistas, questionários,

fotografias e gravações de áudio e áudiovisual. As observações verificaram situações como as

aulas de clarineta, treinamento instrumental individual e a atuação dos clarinetistas na

corporação. Para isso, estabeleceu-se um roteiro de visitação às bandas para a coleta de dados.

Foi aplicado um questionário com 22 perguntas abertas destinadas aos clarinetistas iniciantes

e membros da banda. Já as entrevistas foram destinadas aos monitores e regentes. Durante as

entrevistas o respondente indicava outras fontes de informações. Utilizou-se uma entrevista

composta de um roteiro com 10 questões geradoras, a fim de diminuir a perda de dados da

pesquisa.
31

2.2.1 DADOS DE TÉCNICA INSTRUMENTAL E DE SONORIDADE

! Os registros fotográficos e audiovisuais tiveram como objetivo documentar aspectos da

técnica instrumental, do ambiente e do contexto social. Verificou-se a posição e o ângulo dos

braços, dedos, as diversas formas de embocadura, o espaço físico e as condições do

instrumental e acessório.

Para coletar os dados referentes à sonoridade dos clarinetistas foram utilizadas

gravações de trechos e execução de músicas do repertório de cada corporação. A gravação foi

em áudio e audiovisual. Convém observar que houve vários registros do som dos clarinetistas

tocando junto com suas respectivas bandas e uma gravação em áudio reunindo todas as

bandas da região do Salgado. O pesquisador teve o cuidado de, em vários momentos, registrar

o som da banda tanto nas apresentações como nos ensaios. Tais gravações possibilitaram

reconhecimento da sonoridade das bandas. A gravação individual dos clarinetistas serviu para

se obter uma compreensão das características individuais dos sujeitos.

Os sujeitos foram escolhidos pelo regente de cada corporação, sendo cinco

clarinetistas por banda. Foi levado em consideração o período de prática instrumental, a

qualidade dos acessórios utilizados e do instrumento.

A escolha das músicas ficou a critério de cada banda. A coleta de dados da sonoridade

dos clarinetistas da Banda Rodrigues dos Santos baseou-se em trecho gravado e executado do

dobrado “Pequenino” (Anexo F, pág. 168), onde os cinco sujeitos executaram a parte do

“canto”. As gravações foram realizadas por dois sujeitos experientes com idade entre 18 e 27

anos e três menos experientes com idade de 14 a 18 anos. Na União Vigiense escolheu-se o

trecho do dobrado “Saudade da minha terra” (Anexo F, pág. 170), executada por dois sujeitos

experientes com idade de 18 a 30 anos e três sujeitos menos experientes com idade de 16 a 19

anos. A banda 31 de Agosto optou pela execução do trecho do dobrado “22 de Novembro”
32

(Anexo F, pág. 172). Esta gravação contou com dois sujeitos experientes com idade entre 25 e

28 anos e três menos experientes com idade entre 15 e 18 anos. Todos os 15 sujeitos

escolhidos são os mais representativos em suas bandas. As 15 gravações foram organizadas

de tal forma a não identificar a que banda os sujeitos pertenciam. Por isso, os mesmos foram

representados por números de 1 a 15. Essas gravações foram examinadas por cinco

avaliadores. Após avaliá-las, eles responderam a um questionário com quatro perguntas

referentes à articulação, sonoridade (timbre), afinação e intensidade.

Participaram como avaliadores quatro clarinetistas profissionais paraense e um

paraibano. Os paraenses são: Marcos Jacob Cohen, mestre em clarineta (Missouri University

– USA) e primeiro clarinetista da Orquestra Sinfônica de Brasília-DF; Claudionor Amaral,

bacharel em clarineta, professor de clarineta do Instituto Carlos Gomes e claronista da

Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz – PA; Natanael Santos, técnico em instrumento pela

Escola de Música da UFPa e luthier, graduado em Licenciatura Plena em Música pela

Universidade Estadual do Pará e clarinetista da Banda da Guarda Municipal; Josiclei Silva,

bacharel em clarineta pela Universidade Estadual do Pará, graduado em licenciatura pela

mesma universidade e membro da banda da Guarda Municipal; e Jailson Raulino, doutor em

clarineta pela Universidade Federal da Bahia e professor de clarineta da Universidade Federal

do Pernambuco. É importante ressaltar que os avaliadores tiveram de alguma forma

experiência e contato direto com bandas deste a sua formação musical.Todos, portanto são

conhecedores da prática de banda.

2.2.2 AVALIAÇÃO VERBAL DA SONORIDADE

A coleta de dado referente à avaliação da sonoridade pelos avaliadores foi feita através

de medições verbais. De acordo com Fuks (1993, 49), “o uso de adjetivos na descrição de

sons pode ser considerado espontâneo e apresenta boa uniformidade nas apreciações de
33

indivíduo para indivíduo, abrindo caminho para as medições verbais do timbre”. Helmholtz

(1954) adotou a sistemática da utilização de meios verbais para descrever sons complexos,

sugerindo termos como: brightness (brilho), sweetness (doçura), fullness (plenitude) etc.

Outros estudos examinaram o tema como os de Grey (1975), Jost (1967) e Campbell (1988).

Segundo Jost (1967 apud Fuks, 1993, 50), as dimensões verbais referentes à volume e

densidade são as mais importantes no timbre da clarineta.

Os termos utilizados para classificar e identificar a sonoridade da clarineta, dentro da

prática clarinetística acadêmica, são signos verbais e escritos que carregam valores,

significados, conceitos, crenças e historia de uma cultura musical. Essa cultura se dá onde

ocorre o aprendizado deste instrumento (escolas formais de música) e nos ambientes da

prática profissional dos clarinetistas (orquestra, grupo de música de câmara etc). Por meio

destes termos, os praticantes dessa cultura se entendem, constroem seus conhecimentos

(técnicos e de performance musical), se formam, se transformam e executam seus repertórios

musicais. Eles também são utilizados por pesquisadores na literatura sobre técnica, execução,

organologia e história da clarineta.

Sendo assim, este estudo limitou-se em fazer uma descrição da “maneira como se toca

a clarineta” através de uma análise perceptiva do pesquisador e dos avaliadores e não de uma

análise acústica. O objetivo não foi realizar uma análise espectral da sonoridade da clarineta e

sim congregar esforços para entender que a constituição desta “maneira” de tocar é resultado

de um conjunto de fatores com características particulares.

A análise acústica não seria por si mesma suficiente para entender os significados da

maneira de se tocar clarineta dentro do contexto cultural estudado. Entretanto, ela é uma das

ferramentas básicas para se compreender a sonoridade, por isso, referências provenientes

desta análise são citadas neste trabalho. Um exemplo seria analisar espectralmente a afinação.
34

Em vista do problema acústico de afinação da clarineta e da baixa qualidade dos instrumentos

e acessórios que os sujeitos da pesquisa usam, a deficiência no controle da afinação é óbvia.

Portanto, analisar espectralmente a afinação destes clarinetistas seria encontrar o óbvio, sérios

problemas de afinação. Esses problemas foram detectados pelos avaliadores.

A junção das duas análises (perceptiva/subjetiva e acústica) seria ideal, entretanto, não

há nas localidades pesquisadas estúdios ou laboratórios equipados que atendesse os critérios

da análise acústica. Garcia (2005) enfatiza que é preciso ter muito cuidado com o controle do

processo de captação/gravação, pois uma pequena diferença no posicionamento de microfone

ou calibragem da mesa de som pode gerar resultados espectrais totalmente diferentes. Garantir

um mínimo de ruídos ambientais é fundamental para esse tipo de análises.

A outra questão seria o deslocamento desses indivíduos para o centro de acústica da

Universidade Federal do Pará. O fato de retirar esses sujeitos do seu contexto traria também

uma perda de dados por não ser aquele local o ambiente onde é produzido o fenômeno sonoro,

o que contradiria a metodologia da pesquisa. Optou-se por realizar gravações em áudio e

vídeo no seu contexto sócio-cultural, ou seja, no local de ensaio das bandas, inclusive

considerando as interferências sonoras externas como barulhos de motos, automóveis,

propaganda móvel, som nas ruas da rádio comunitária, pois é nesse ambiente que ocorre o

ensino, aprendizado e a prática instrumental desses sujeitos.

2.3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS

Os dados referentes à maneira de se tocar clarineta destes músicos foram selecionados,

categorizados e organizados a fim de serem analisados. Com os dados identificados,

organizados e descritos, realizou-se uma discussão interpretativa dos mesmos levando em

consideração os argumentos da fundamentação teórica.


35

Os parâmetros adotados para analisar a sonoridade e a articulação foram extraídos dos

avaliadores em decorrência das avaliações. Já a avaliação sobre os aspectos da técnica foi

feita apenas pelo pesquisador que analisou fotos, vídeos e fatos presenciados in loco (pesquisa

de campo observando as execuções e aulas). Os 15 sujeitos avaliados na variável sonoridade

também foram avaliados na variável de técnica instrumental.

Quanto à análise da técnica instrumental, analisou-se a posição das mãos e a forma

como o aluno segura o instrumento e a existência ou não de tensão excessiva neste

posicionamento. Da embocadura verificaram-se os formatos utilizados e a colocação do

instrumento em relação a ela, referindo-se ao ângulo de posicionamento da boquilha na boca.

No que se refere à respiração, a análise verificou-a enquanto técnica de se tocar e não como o

clarinetista faz uso dela no fraseado do texto musical.

Quanto à articulação, as análises concentraram-se em verificar a inteligibilidade, a

dificuldade, a intensidade do ataque (articulação pesada pelo uso excessivo de língua) e a

forma de articular (língua ou garganta).

Devido à natureza da pesquisa, todas as características encontradas referem-se apenas

à região onde a pesquisa foi realizada e não aos outros municípios do Estado do Pará.
36

___________________________________CAPÍTULO 3

AS TRÊS BANDAS

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Estado do Pará tem cerca de 1.248.042 km2 de extensão, representa 16,66% do

território brasileiro, é dividido em 143 municípios, com aproximadamente seis milhões de

pessoas. As bandas de música no Pará são partes integrantes da cultura deste Estado. No

interior, assistir uma banda representa a oportunidade que a população tem de apreciar a

música instrumental e o empenho dos músicos em mostrar sua arte. Tal acontecimento leva a

população a se interessar pela música, o que provoca a procura pela aprendizagem

instrumental. A banda contribui para expandir a tradição musical através do seu próprio

discurso sonoro.

Até pouco tempo se acreditava que devido às transformações culturais aliadas as

dificuldades financeiras, as bandas seriam paulatinamente extintas. Ao invés de desaparecer

as bandas passaram por processos de mudanças. O que presenciamos atualmente é uma

instituição procurando seu espaço e se adequando às mudanças sociais. A inserção da

presença feminina e a presença de componentes cada vez mais jovens, contrastam com as

décadas passadas que tinham em seus quadros, instrumentistas adultos e do sexo masculino.

Se no início do século XX as bandas foram segundo Mammì (1999) “um dos agentes

principais” da difusão da musica popular brasileira, nos tempos atuais a banda tenta manter

essa tradição. A nova geração de instrumentistas tenta conciliar o repertório tradicional com

as músicas que são tocadas nos meios de comunicação mantendo desta forma uma

identificação com o passado e com o presente. Do ponto de vista cultural, a banda continua a
37

promover a tradição musical popular brasileira ao valorizar seus dobrados, sambas, chorinhos,

maxixes, frevos, carimbós e músicas que tocam na mídia: sertanejo, forró e brega24.

A própria função da banda no interior mudou. Antes a banda atendia toda uma

atividade cultural do município, agora ela se expande para outro campo – a educação

inclusiva. O foco não está apenas no ensino musical visando à banda, mas nas aulas de música

para as pessoas que vão ou não ser profissionais da música.

Uma das regiões que se destaca como celeiro de boas bandas e formadora de bons

instrumentistas é a região do Salgado. Localizado no nordeste paraense se verifica uma

concentração de grupos musicais que surgiram como conseqüência da ação das missões

religiosas, da presença militar e da atividade comercial, em particular, a produção de pescado

e de caranguejos que deu origem a vários povoados, vilas e cidades, atraindo um grande

número de imigrantes nordestinos. Historicamente São Caetano de Odivelas pertenceu ao

Município de Vigia de Nazaré até 1935. Essa ligação política refletiu na relação musical entre

as bandas. Segundo informa Bruno Daniel:

São Caetano e Colares por [terem sido] ser antes parte de


Vigia teve [ tiveram] esse contato muito próximo com o
músico. A 31 mandava buscar músicos em Colares e São
Caetano. Eles iam fazendo esse intercâmbio sem
perceberem que eles estavam fazendo esse intercâmbio e
iam divulgando o mesmo estilo de um lugar para o outro e
continua até hoje. Quem sabe se daqui a alguns anos possa
ser que haja uma diferença grande, mas hoje não tem.25
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
24
Termo utilizado por muitos, inicialmente de maneira pejorativa, para designar a chamada música
romântica popular sendo apreciado tanto pelas camadas populares como por outras classes sociais. Um dos
representantes deste estilo é o cantor Reginaldo Rossi. O brega em sua forma mais autêntica tornava-se uma das
principais forças musicais em Belém do Pará. Depois de Alípio Martins e Beto Barbosa (que ajudou a propagar o
fenômeno da Lambada pelo país no fim dos 80), uma geração influenciada por Reginaldo Rossi tomou a cidade
em bailes e festas, com uma série de músicas de sucesso que não ultrapassaram as barreiras regionais: caso do
Melô do Papudinho de Roberto Villar e do Melô do Ladrão, de Wanderley Andrade#! Edilson Moreno, Anormal
do Brega, Adilson Ribeiro, Cléo Soares, Kim Marques, Alberto Moreno e Cris Oliveira eram outros dos artistas
que movimentavam a vida noturna de Belém no fim dos anos 90 com seu Brega Calipso.(Dicionário Cravo
Albin da Música Popular Brasileira, versão eletrônica).
!!!!!!!25 Bruno Daniel, entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, Vigia de Nazaré, Pa, 06 de março de
2008.
38

3.2 A REGIÃO E OS MUNICIÍPIOS

A microrregião do Salgado é uma das regiões do estado brasileiro do Pará pertencente à

mesorregião Nordeste Paraense. Possui uma área total de 5.784,561 km!. Sua população

estimada em 2006 pelo IBGE em 238.830 habitantes está dividida em onze municípios,

Colares, Curuçá, Magalhães Barata, Maracanã, Marapanim, Salinópolis, São Caetano de

Odivelas, São João da Ponta, São João de Pirabas, Terra Alta e Vigia de Nazaré.

Seus onze municípios possuem quinze bandas26 com dezenove escolas de música e dois pólos

de iniciação musical (um na Vila Cipoteua, Município de Marapanim, e outro no Município

de Magalhães Barata).27

Dentro do planejamento estratégico do Governo Ana Júlia, as cidades de Vigia de

Nazaré e São Caetano de Odivelas estão classificadas como região metropolitana do Guamá28,

não perdendo, contudo a categorização de região do Salgado.

3.2.1 SÃO CAETANO DE ODIVELAS

Distante a 94 km de Belém, São Caetano de Odivelas é o nome dado a uma fazenda

pelos jesuítas na qual está erguida a cidade de São Caetano, (Braga 1919, 529). Braga afirma

que “a denominação de Odivelas foi imposta pelo Governador Mendonça Furtado quando em

1757 deu-lhe o predicamento de lugar”. A origem do município está relacionada com a


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
26
Banda “Lauro Sodré” do Município de Curuçá, “Clube Musical Luiz Gama” do Município de Colares;
Banda Clube Musical “Eládio Almeida” do Município de Maracanã; Banda Musical “Santa Cecília”, Banda
Perseverança e Clube Musical “União Marapaniense” ambas pertencentes ao Município de Marapanim; Banda
de música municipal de Salinópolis; Banda musical “Rodrigues dos Santos” e Milícia Odivelense de São
Caetano de Odivelas; Banda Municipal de São João de Pirabas, Banda musical “União Vigiense”, Banda
Musical “31 de Agosto”, Banda Musical Portosalvense 25 de Dezembro, Banda do Clube Musical “Lira Nova”
pertencentes ao Município de Vigia de Nazaré; e Banda Musical “Dr. Dionízio Bentes”de São João da Ponta. O
Municípios de Terra Alta ainda não possui atividade musical.
27
As escolas de música estão assim distribuídas: Curuçá (1), Maracanã (1), Salinópolis (1), São João da
Ponta (1), São João de Pirabas (1), São Caetano de Odivelas (2), Colares (1), Vigia de Nazaré (5) e Marapanim
(6) perfazendo 19 escolas de música. Várias escolas estão em fase de implantação.
28
Em Julho de 2007, o Governo do Estado do Pará por meio da Secretaria de Estado de Integração regional
apresentou um estudo de planejamento estratégico no qual o Estado do Pará foi dividido em doze regiões.
39

exploração e implantação de uma fazenda pelos missionários da Companhia de Jesus durante

a época Colonial, na região do Rio Mojuim, município de Vigia, Zona do Salgado, (ibid., 529;

Roque 1980, 245). Em 1833, a fazenda chegou à categoria de Freguesia e em 1872, assumiu a

condição de Vila de São Caetano, oportunidade em que o seu território tornou-se desanexado

da área patrimonial do município de Vigia. Ainda em 1872, com a promulgação da Lei nº

707, de 5 de novembro, São Caetano aparece na categoria de Município (Braga, 530). Em

1895, por força de dispositivos contidos na Lei nº 324, de 6 de julho, a sua sede municipal

obteve o título de Cidade, ( ibid., 529; Ferreira, 2003, 624). Em 1930, o município de São

Caetano teve sua área anexada à dos municípios de Curuçá e Vigia.

Em 1933, pelo Decreto Estadual nº 931, de 22 de março, São Caetano aparece como

subprefeitura de Vigia. Em 1935, mediante as disposições contidas na Lei Estadual nº 8, de 31

de outubro, sua condição de município tornou-se restabelecido. Entretanto, não se encontram

especificações sobre se o seu desmembramento ocorreu, de forma integral, dos municípios de

Curuçá e Vigia. Hoje, o município de São Caetano de Odivelas acha-se configurado por três

distritos: o distrito-sede (São Caetano de Odivelas), Perseverança e Pererú. Dado a forte

presença portuguesa no Pará é razoável dizer que a origem do nome São Caetano está

relacionada com Portugal. O nome São Caetano é uma freguesia do Município de Cantanhede

(Portugal) e Odivelas é uma cidade portuguesa do Distrito de Lisboa. Pelo menos 17

localidades do Pará receberam os mesmos nomes de regiões portuguesas29.

São Caetano de Odivelas é conhecido como a terra do caranguejo. Segundo Furtado

(1993, 27), é o principal município produtor de caranguejos da região. O crustáceo é um dos

suportes da economia local e da cadeia alimentar juntamente com o peixe e outros recursos

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
29
Sousel, Portel, Óbidos, Vizeu, Porto de Mós, Soure, Melgaço, Vila do Conde, Santarém, Ourém,
Bragança, Almeirim, Alter do Chão, Chaves, Oeiras, Faro e Alenquer.
40

alimentares de manguezais como: mexilhões, siris, caracas (da família dos balanídeos) e turus

(da família dos teredinídeos).

A sede municipal apresenta as seguintes coordenadas geográficas: 00º 44'33'' de

latitude sul e 48º 01'03'' de longitude a oeste de Greenwich. Os limites são ao norte o Oceano

Atlântico, a leste os municípios de Curuçá, São João da Ponta e Terra Alta, e ao sul e oeste o

município de Vigia. O censo de 2000 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) confirmava uma população de 15.595 habitantes.

3.2.2 VIGIA DE NAZARÉ

Alguns autores acreditam que Vigia seja a mais antiga de todas as cidades da

Amazônia, tendo sido fundada por Francisco Caldeira Castelo Branco durante sua expedição

de conquista do Grão-Pará, em 06 de janeiro de 1616, seis dias antes da fundação de Belém.

Segundo o historiador José Ildone, os primeiros moradores de Vigia de Nazaré foram os

índios Tupinambás, que ergueram no local a aldeia Uruitá, no tupi-guarani: Uru = cesto; Ita =

pedras, ou seja, “cesto de pedras”, as mesmas informações são reforçadas por Rocque (1992).

Ildone, (apud Ernesto Cruz) nos informa que “as terras da aldeia Uruitá foram doadas por

D.João V, entre os anos de 1645 e 1654, ao fidalgo português D. José Gomes dos Álamos, a

quem se deve a colonização do povoado”. (Ildone 1991, 12; Ferreira, 2003, 675). Nessa antiga

aldeia, o governo colonial construiu um posto fiscal para proteger, fiscalizar e vigiar as

embarcações que abasteciam Belém, evitando o contrabando. A prática de vigiar o posto

originou o nome do município, (Braga, 553; Rayol, 1970). Em 1693, concederam à Vigia,

foro de Vila e em 25 de agosto de 1734 o seu território, concedido por carta de Sesmaria,

tornou-se Município. Com a expulsão dos jesuítas pela Lei Pombalina, uma Carta Régia de 11

de junho de 1761 transformou Vigia em paróquia secular. No dia 2 de outubro de 1845, a Lei
41

Provencial número 252 elevou Vigia a categoria de cidade. Em 1871, Vigia passou a

categoria de Comarca por meio da Lei Provincial n. 6774 (Rocque, 1978, 256; Ferreira, 2003,

675-676). Em 1889, com a Proclamação da República, Vigia fez sua adesão ao novo regime e

partiu para uma nova fase de sua história. !

Quanto à economia, o Município está vinculado, apesar da diminuição do pescado, à

produção pesqueira que é um dos suportes da economia local e forma a base da cadeia

alimentar juntamente com outros recursos dos manguezais.

A sede municipal apresenta as seguintes coordenadas geográficas: Latitude 00º51'30"

sul e uma longitude 48º08'30" oeste, estando a uma altitude de 6 metros. Os limites são ao

norte o Atlântico e São Caetano de Odivelas, leste: São Caetano de Odivelas e Castanhal; sul:

Santo Antônio do Tauá; e oeste: Colares e Baía do Marajó. O censo de 2000 realizado pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmava uma população de

40.176,00 de habitantes.

A cidade, palco de fatos importantes da história paraense teve filhos ilustres entre eles

intelectuais, poetas, artistas e escritores. Não é em vão que é considerada por seus habitantes e

admiradores como uma importante referência artística e cultural, pois tem uma das mais ricas

culturas do Estado. A festa de Nossa Senhora de Nazaré é o círio mais antigo do Pará e traz

grande comoção à população Vigiense sempre acompanhada de diversas bandas de música

além da existência de monumentos e Igrejas do século XVIII. Vigia de Nazaré possui duas

bandas em destaque o Clube Musical 31 de Agosto e o Clube Musical União Vigiense. O círio

da cidade é notável e conhecido em todo o Estado do Pará o que contribui para dar destaque

as duas corporações musicais. As antigas “retretas”30 são revividas nos quinze dias de festas,

fazendo com que os músicos se sintam valorizados e! estimulados pela comoção da fé católica

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
30
Apresentação musical da banda na praça ou no coreto.
42

que toma conta das ruas da cidade e pela importância que a organização da festa dá as duas

bandas

Fig.1 - Mapa de localização dos municípios de Vigia e São Caetano de Odivelas - PA


Fonte: Google Maps Brasil

3.3 HISTÓRICO DAS BANDAS

3.3.1 SOCIEDADE ARTÍSTICA BENEFICENTE RODRIGUES DOS SANTOS

Segundo o documento elaborado pela diretoria, a banda Rodrigues dos Santos nasceu

do trabalho e apoio do músico Odivelense José Cezarino das Chagas, em 24 de fevereiro de

1881. Cezarino tocava requinta e se destacou pela insistência na criação de uma atividade

musical. Em homenagem a ele, a banda recebeu o nome de banda Cezarino das Chagas. Em
43

1886, o Sr. Cel. João Rodrigues dos Santos, político Monárquico, depois republicano, muito

influente na sociedade odivelense, começou a colaborar financeiramente com a entidade.

Acharam justo colocar o nome da sociedade artística beneficente Rodrigues dos Santos pelos

relevantes serviços que o Sr. Cel Rodrigues dos Santos prestou a esta instituição musical.

A existência de associações musicais em São Caetano de Odivelas é registrada pelo

historiador Theodoro Braga na qual cita que neste município há “várias associações musicaes

e beneficentes” Braga (1919, 531). Segundo nos informa Baena (1883, 12) há uma citação

sobre a atividade instrumental da banda desde o século XIX, mediante um levantamento feito

para o ministério da justiça das Províncias do Pará, quando faz referencia ao Município e

freguesia de São Caetano de Odivelas. O documento registra a presença de “uma

Philarmonica”, provavelmente a Cezarino das Chagas. Segundo o professor e atual regente

Cardoso31, entre as décadas de 60 e 80 a corporação atravessou um período decadente a ponto

de ser extinta. Nesta época, ela contava com 9 componentes e era chamada carinhosamente de

Jeep, referência ao veículo pequeno, forte e adequado para transpor as dificuldade das

estradas. A banda conseguiu se erguer graças ao empenho e a dedicação dos músicos, Manoel

Marcílio Fernandes, trompetista, e Lucilo Queiroz Pinheiro, tubista. Em 1982, a banda já

contava com mais de 15 componentes e participou do Encontro de corporações realizado em

Belém pela Fundação Nacional de Arte e Secretaria de Cultura do Estado do Pará (Secult).

Nesta época, outro músico importante da banda se destaca o mestre Silvano de Souza Garça,

compositor de sambas e dobrados, estimado pelos grupos populares como os bois de

máscaras, para os quais ele fez várias composições. Seus dobrados mais tocados são Um

Amigo, Pequenino e um Círio Novo, além de um número de composições de cordão de

pássaros e missas que estão registradas em uma coletânea sob a guarda de sua esposa, Dona

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
31
Marcio Cardoso, entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, Belém, PA, 18 de Abril de 2006.
44

Arcelina Garça. Em 1993, assumiu a presidência da banda o sargento músico da Polícia

Militar, Paulo Roberto Melo da Silva, que organizou a escola de música com o nome de

professor Roger Mares de Albuquerque. Para assumir a direção da escola e da banda, Paulo

Roberto convidou o professor Cardoso.32

Em 1996, a banda assinou um convênio para participar do Projeto de Interiorização.33

Este projeto trouxe benefícios segundo a diretoria. A banda recebeu flautas doces para o

curso de iniciação musical, cursos de capacitação de monitores, curso de prática de banda e

cursos de manutenção de instrumentos musicais, além de materiais didáticos. Ainda segundo

o mesmo documento, o convênio trouxe uma nova visibilidade no cenário musical do estado,

o que levou a banda a ser freqüentemente convidada para participar dos eventos culturais na

capital e no interior. A banda se destacou nos Encontros de Banda da região do Salgado, no

projeto Pôr-do-sol da Secult, nas festividades do Círio de Nazaré em Belém e Vigia, além de

receber inúmeros convites de outros municípios. A agremiação também conta com corpo de

associados e os sócios colaboradores. De dois em dois meses a diretoria se reúne para

prestação de contas e levantar questões sobre os projetos futuros.

A sede da sociedade que é o local de ensaio da banda. Ela começou a ser reformada e

ampliada em 2007 e foi concluída no dia 28 de Fevereiro de 2009. Sua estrutura física é uma

das melhores do nordeste paraense. A escola é formada por um salão para ensaio, uma sala de

musicalização, três pequenas salas para treinamento individual de alunos (sendo estas salas

um avanço em matéria de organização), uma sala de instrumentos, uma secretaria, uma copa e

um banheiro. Possuem vinte e cinco estantes, um arquivo com o repertório da banda, um

quadro magnético e um quadro com o retrato dos presidentes e regentes da banda. A sede

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
32
São raros os documentos que registram a passagem de outros regentes e presidentes como: Manoel
Marcílio, trompetista e regente da banda, Hélio Macedo e José Vandir, ambos presidente da Rodrigues.
33
Projeto de revitalização das bandas do Governo do Estado do Pará gerenciado pela Fundação Carlos
Gomes (FCG).
45

também é eventualmente alugada para eventos promocionais e aniversários com objetivo de

angariar recursos.

Fig.2 - Salão de ensaios da Rodrigues dos Santos em construção

A Rodrigues dos Santos é composta dos seguintes grupos: banda principal, banda de

iniciantes, grupo de flauta doce, quinteto de saxofone, grupo de chorinho, grupo de clarinetes

e banda carnavalesca. Em fevereiro de 2008 a banda completou 128 anos de lutas para

preservar a mais antiga instituição artística e cultural do Município.

3.3.2 CLUBE MUSICAL 31 DE AGOSTO

A origem das bandas em Vigia é documentada na obra de Salles (1985) quando este se

refere ao mapa que descreve a composição militar na Vigia na época da Cabanagem. Salles

(ibid., 125) comenta:

Não há notícias da existência de bandas de música. Esta só


aparece no mapa de 14 de março de 1836, assinado pelo
major Francisco Sérgio de Oliveira, comandante militar da
Vigia e Distritos na época da Cabanagem, mapa esse que
enumera a força ali localizada: 766 homens. Havia, no
batalhão de infantaria, banda de música constituída de
um mestre e dez músicos. [grifo nosso]
46

Podemos perceber que a banda de música enviada para o interior nesta época era

constituída de poucos membros em relação ao efetivo da capital, que seria entre 17 a 25

membros. Da origem da banda militar, os documentos citam duas bandas civis cujas origens

são imprecisas. Segundo o historiador José Ildone (1991, 36), em 1876 duas “bandinhas”

musicais existentes na Vigia entravam em decadência, a Sebo de Holanda, formada por

crianças e a 7 de Setembro que foram paulatinamente extintas. Ao se referir a Comarca de

Vigia no relatório feito em 1883 sobre as comarcas do Pará, Antonio Baena (ibid., 11) cita “. .

.duas philarmonicas – 31 de Agosto e Sete de Setembro”. O histórico oficial do Clube Musical

31 de Agosto diz o seguinte:

Após a decadência das bandinhas de música de Vigia de


Nazaré compostas pela “Sebo de Holanda (formada por
crianças brancas) e pela bandinha “7 de SETEMBRO”
(formada por adultos). Surgiu a iniciativa de fundi-las e
formar o Clube Musical 31 de Agosto em 26 de Agosto de
1876, tendo à frente o vigário Monsenhor Mâncio Caetano
Ribeiro a quem se atribui à formação desta nova banda,
apoiada pelo Senador Francisco de Moura Palha.

Salles (ibid., 125) comenta que para manter a banda fundou-se o Clube Musical e

Beneficente 31 de Agosto. O grupo recebeu esse nome em homenagem a data da adesão da

Vigia à independência do Brasil. Francisco Rezende tornou-se o seu primeiro regente. Fazia

parte desta nova banda Isidoro de Castro Assumpção (Vigia 1858 - Belém 1925), compositor

do dobrado “Saudade de Minha Terra” que, segundo Ildone (ibid, 37), é o mais famoso e

conhecido do Brasil. Outro nome de destaque na história da 31 de Agosto, o padre e músico

Alcides Paranhos, organizou definitivamente a banda. Segundo Salles (1985), em 1910, o

Padre Alcides Batalha da Silva Paranhos, mestre de capela e diretor do coro do Seminário

Arquidiocesano de Belém, teve a missão de ir para Vigia e, posteriormente, entusiasmou-se


47

com a banda 31 de Agosto. Acredita-se que muitos músicos foram instruídos pelos padres

interessados no processo de catequização e por mestres de bandas civis e militares.

Em 1976 o grupo participou na capital do I Concurso de Bandas do Estado do Pará e

conquistou a premiação máxima. No ano de 1977 recebeu de prêmio um instrumental

completo e, neste mesmo ano, participou do I Campeonato Nacional de Bandas, realizado no

Rio de Janeiro e promovido pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), FUNARTE e

Rede Globo de televisão. Ainda hoje é comentado pelos músicos à apresentação da banda no

programa da TV Globo chamado Concertos para Juventude, na qual, a mesma executou o

dobrado vigiense Saudade da Minha Terra de Isidoro de Castro.

Em 1984, o Instituto Nacional de Música, tendo como diretor Edino Krieger, faz

ciente a direção do Clube Musical 31 de Agosto que o dobrado Saudade da Minha Terra

passava a fazer parte do 1º Inventário Nacional de Música. Este dobrado fez parte de uma

seleção de 1.500 músicas que integraria o levantamento da memória musical das bandas

brasileiras. Participaram da comissão julgadora Bruno Kiefer, Lindemberg Cardoso, Guerra

Peixe e Altamiro Carrilho entre outros. Na carta circular de 20 de Agosto a comissão informa

que:

Julgaram o dobrado Saudade da Minha Terra como uma


das composições mais valiosas do passado da região norte
e que a partir desse momento irá deixar de ser um
patrimônio esquecido e circunscrito a uma região.

Houve muita comemoração em Vigia de Nazaré com este fato, pois o dobrado já havia

sido gravado por algumas bandas no sul e sudeste do país sem identificação do autor ou dando
48

como autoria outras pessoas, gerando dúvidas quanto ao seu autor34. Esse documento veio

fazer jus a quem realmente merecia - Isidoro de Castro de Assumpção.

Nos anos 90 a banda assinou convênio com a Fundação Carlos Gomes35 com a

finalidade de participar do Projeto de Interiorização. Ainda segundo a diretoria da 31 de

Agosto, esse convênio possibilitou a participação do grupo em encontros de bandas, cursos e

em eventos culturais na capital. O clube musical, nas décadas passadas, contava com a ajuda

financeira dos associados, mas com o passar dos tempos e por vários motivos, os

cooperadores foram diminuindo, e hoje eles não ajudam mais.

Entre as três bandas pesquisadas, a sede da 31 de Agosto é que tem o maior espaço

para ensaio com um salão amplo contendo um quadro com pauta musical, várias cadeiras,

duas mesas, um suporte com água mineral, um pequeno palco, uma imagem da Santa Cecília

(padroeira dos músicos), alguns diplomas de premiação da banda, uma sala para guardar

algumas estantes, os instrumentos, arquivo e um pequeno banheiro. Este salão é

multifuncional sendo seu espaço utilizado para várias atividades como: cerimônias, bazares,

festas dançantes, aniversários, eventos promocionais e culturais que ajudam na manutenção da

sede, além das aulas de música e ensaios da banda.

Em 2009 a banda completou 134 anos de existência, como presente recebeu da

Associação Vigiense para a Promoção Sociocultural a reforma da sede: iluminação, forro,

ventiladores de teto e um painel com as fotos dos músicos ilustres da 31 de Agosto, entre eles,

o Mestre Silvino Pinheiro, músico e regente homenageado pelos seus relevantes serviços

prestados ao clube musical.


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
34
A primeira gravação foi do disco Odeon n. 120.739, dezembro de 1931, com a banda do 10º R.I. do
Exército, Porto Alegre. A segunda gravação é da Favorite Record n. I-454078. Em 1942, a Banda do Corpo de
Bombeiros do Rio de Janeiro gravou o dobrado pelo selo RCA Vitor sob o n. 80.014. A última gravação foi
realizada em 1961 pelo Corpo Musical da Guarda Civil do Estado de S. Paulo por meio do disco Chantecler n.
78.0742B que registra como compositor o Sr. Luís Evaristo Bastos. Finalmente um projeto da Fundação Banco
do Brasil retomou a gravação em 1990. Encarte do Disco “banda de Música de ontem e de sempre”.
35
A Fundação Carlos Gomes foi criada em 28 de julho de 1986 e é a Instituição Governamental responsável
pela política cultural e musical do Estado do Pará.
49

Fig. 3 - Salão multifuncional da 31 de Agosto

A agremiação é composta pelos seguintes grupos: banda principal, banda de iniciantes

e banda carnavalesca, também participa do famoso bloco “Gurijubal”. Hoje, a “31” recebe

uma ajuda da Fundação Carlos Gomes que mantém quatro monitores com uma ajuda de custo

de um salário mínimo. Em 2008 teve ajuda da Assembléia Legislativa do Estado do Pará que

destinou recursos para a manutenção da Banda.

3.3.3 CLUBE MUSICAL UNIÃO VIGIENSE

O clube musical União Vigiense surgiu em 13 de maio de 1916, de acordo com

documentos da diretoria, tendo a frente o comerciante e músico Constâncio Gaia. É registrado

como primeiro regente o sr. Tertuliano Zacarias Palheta. Ildone (1991) relata que alguns

músicos descontentes resolveram se afastar da banda 31 de Agosto e passaram a ensaiar

separadamente. Com a ajuda de um grupo de comerciantes conseguiram adquirir alguns

instrumentos e assim surgiu a União Vigiense.


50

Em 1930, Fenelon Cleofas e Serafim dos Anjos Raiol Filho36 reformularam os

estatutos da banda. Neste período, Serafim Raiol, compositor e regente, tornou-se um baluarte

da banda. A “União”, como é conhecida pela comunidade, alcançou respeito na comunidade

vigiense. Nos anos 70, a banda participou do II Encontro de Bandas do Pará. Em 1978, sob a

regência do mestre Damácio Siqueira Lopes, a “União” participou do II campeonato Nacional

de Bandas em Brasília, promovido pela Fundação Nacional de Arte (FUNARTE). Em 1990,

assinou convenio com a Fundação Carlos Gomes e, por 10 anos, recebeu atenção e incentivo

do Projeto de Interiorização.

O projeto introduziu na banda a musicalização por intermédio da flauta doce e

promoveu master class com os professores da Universidade de Missouri (USA) Holly

Copland (sax) e Barry Ford (trompete), além de Olieg Vladimirouvich Adriev (clarinetista

russo), Gabriel Gallo e Daniel Parriello (saxofonistas argentinos). Esses professores estavam

de visita o Pará a convite da Fundação Carlos Gomes e alguns chegaram a trabalhar no

Instituto Estadual Carlos Gomes37 (IECG) em Belém. O convênio permitiu um intercâmbio

com outras entidades e artistas, possibilitando ao público vigiense assistir bons espetáculos

instrumentais e melhorar o nível técnico da banda. Visitaram também a sede da banda os

maestros Barry Ford (USA), Andi Pereira (Porto Alegre), Ricardo Cabreira (Colômbia), Zen

Obara (Japão) e Martin Bergeé (USA). Em 1997, a banda representou a região amazônica no

Concurso Rotary de Bandas de Música realizado em Brasília sob a regência de José Maria

Vale.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
36
Clarinetista e regente da “União”. Compôs inúmeros dobrados entre eles, “Fé, esperança e caridade”
(Silva, 2008, 43).
37
Ligado a Fundação Carlos Gomes (FCG), o Instituto desenvolve intenso trabalho de educação musical na
área instrumental e vocal, alem de abrigar o curso técnico e bacharelado em música. O Instituto anteriormente
era chamado de Conservatório Carlos Gomes é considerada a terceira instituição oficial mais antiga de ensino da
música no Brasil, criado em 24 de fevereiro de 1895.
51

Entre os anos de 1990 a 2006, o mestre Vale, como é conhecido, prestou relevantes

serviços à “União”. Vale, natural de Vigia, estudou regência com o mestre Sami, da banda 31

de agosto. Tornou-se 1º sargento músico da Polícia Militar e estudou no Instiuto Carlos

Gomes. Freqüentou inúmeros cursos, festivais e seminários. Em Belém, participou de cursos

de regência com Zen Obara (Japão), Ana Pinto Coelho (MG), Luis Oliveira Maia (PA) e

curso de formação de banda com os professores Martin Bergue (USA) e Joel Barbosa (SP).

Em 2006, Vale se desligou da “União” para desenvolver outros projetos musicais no

município de Vigia, entre eles, a formação de uma banda e o grupo de Jazz Vigiense.

Fig. 4 - Salão de ensaio da União Vigiense

O espaço físico pouco extenso da sede da banda e a falta de instrumentos são as

maiores dificuldades que a escola enfrenta. O espaço é constituído de dois compartimentos.

Um salão de ensaio. Neste salão tem-se na parede central uma galeria de fotos de importantes

mestres que dirigiram a União e na parede oposta, alguns instrumentos que estão pendurados.

O segundo compartimento é composto de uma pequena sala multifuncional, pois funciona a

parte administrativa, sala de musicalização e a prática instrumental. Neste compartimento há

uma mesa com computador, um arquivo, instrumentos, estantes e um banheiro. A sede desde
52

a sua fundação ainda não passou por uma ampliação por isso a atual diretoria está trabalhando

na futura ampliação da mesma. Hoje, devido à demanda de alunos, os instrumentistas de

madeira estudam em uma sede alugada, o Esporte Clube Luzeiro. O ensaio da banda

principal, da banda de iniciantes e dos estudos individuais de instrumentos de metais ocorre

na sede da “União”.

A União Vigiense é composta dos seguintes grupos: banda principal, banda “B”

(iniciantes), grupo de flauta doce, quarteto de saxofone, quarteto de metais, grupo de chorinho

e banda carnavalesca. São oferecidos também os cursos de musicalização, prática

instrumental, oficina de violão e informática aplicada à editoração de partituras. A agremiação

conta com um bloco carnavalesco chamado “os sobreviventes do frevo.”

A “União” recebe ajuda da FCG que mantém quatro monitores. Em 2008 a banda

contou com uma ajuda financeira da Assembléia Legislativa do Estado do Pará que, através

de projetos, beneficiou a agremiação com recursos para compra de instrumentos e de matérias

de consumo.

3.4 ORGANIZAÇÃO

3.4.1 AS DIRETORIAS

A organização administrativa é formada por integrantes da banda, regentes, ex-

componentes, comerciantes, funcionários municipais e profissionais liberais, e cada

agremiação possui uma constituição diferente. A faixa etária dos membros da diretoria se

alterna entre 30 a 50 anos#!

A diretoria da “Rodrigues” é composta de um presidente, um vice-presidente, um

regente, dois secretários, um tesoureiro, um diretor de patrimônio e um representante de

relações públicas. Já a banda de 31 Agosto tem na sua diretoria um presidente, um vice-

presidente, dois secretários, um tesoureiro. A composição da União Vigiense segue o seguinte


53

modelo: um presidente, um vice-presidente, um regente, dois secretários, dois tesoureiro, um

departamento de relações publicas, um arquivista e quatro professores, como podemos

constatar na ata da assembléia geral da banda, datada de 15 de janeiro de 2007. Atualmente,

na “31” assim como na “Rodrigues”, o regente acumula também o cargo de presidente.

Nas três bandas a reunião da diretoria é mensal, porém quando necessário pode haver

uma convocação extraordinária. De dois em dois anos ocorre eleições para a presidência,

neste período o regente pode ou não ser substituído#!!

As bandas possuem regulamentos que norteiam as ações da direção, dos membros da

banda e dos filiados. No estatuto da 31 de Agosto lemos como uma das finalidades:

“incentivar e desenvolver entre seus associados a cultura artística da música”.

No capítulo III do estatuto lemos: “Dos deveres e diretos sociais. São deveres dos

sócios efetivos; artigo 7º a) pagar pontualmente as suas mensalidades estipuladas pela

diretoria; artigo 8º a) comparecer em todos os ensaios e tocatas para [os quais] que forem

[foram] previamente avisados pelo regente”. A assembléia geral tem por finalidade segundo

o estatuto estabelecido no artigo 14º, “eleger a diretoria; apreciar relatórios, balanços,

autorizar a alienação, vendas ou permutas de bens móveis ou imóveis”. Lemos no artigo 15º,

“à diretoria cabe conjuntamente: cumprir e fazer cumprir os presentes estatutos; exigir a

prestação rigorosa de contas a quem convier; ocupar o cargo pelo espaço de dois anos, com

direito à reeleição”. No capitulo VII temos: “da diretoria e sua competência: convocar,

presidir e suspender se necessário às reuniões; nomear ou demitir o regente ou o mestre da

banda, quando houver necessidade”.

A diretoria da “União” é assim constituída Presidente, Vice-Presidente, Secretário,

Tesoureiro, Relações Públicas e o Regente da Banda que exerce o cargo por nomeação.

Exercem os cargos as seguintes pessoas: Hédrios Frank Silva Raiol-Presidente, Marinildo


54

Pereira da Silva-Vice-Presidente e Regente, Kelso Palheta Monteiro-Secretário. De acordo

com Silva (2008), em 04 de março de 2008, o estatuto do Clube Musical União Vigiense foi

atualizado de acordo com o Novo Código Civil. Tendo como Capítulo l- Da denominação e

fins: Conforme o estatuto do Clube Musical União Vigiense:

Art. 1º - O Clube Musical União Vigiense, fundado na Cidade de Vigia de Nazaré, em

13 de maio de 1916, é uma associação civil de direito privado sem fins lucrativos ou

econômico, apartidária, livre e sem discriminação, com sede no Fórum em Vigia/Pa,

personalidade jurídica e patrimônio próprios e duração por tempo indeterminado.

Art. 2º - São fins principais do Clube Musical União Vigiense § 1º- Primar pela

Educação e o desenvolvimento da cultura musical entre associados e comunidade; § 2º-

Manter uma Escola de Música; § 3º - Manter uma Banda Musical com a mesma denominação

social, ou seja, Clube Musical União Vigiense; § 4º- Promover, dentro de suas possibilidades

o engrandecimento social e cultural da Vigia.

3.4.2 OS REGENTES

Antes de fazer uma abordagem sobre os regentes é interessante verificar que alguns

nomes eram utilizados para designar o responsável musical pela banda como mestre,

maestro, professor ou regente. O emprego da palavra “mestre” é muito comum no Brasil e

caracteriza uma pessoa que é perita numa determinada ciência ou arte. Este termo é também

peculiar no meio musical e significa uma pessoa que é líder e professor de música em sua

comunidade. O termo “mestre” tem sido substituído pela palavra professor, o próprio

dirigente da banda é mais conhecido, entre os alunos iniciantes, como professor de teoria ou

de prática instrumental. A palavra “mestre” é usada pelos membros da 31 de Agosto,

segundo o professor de clarineta, Daniel. Em São Caetano de Odivelas a situação é diferente,

Batista, monitor da Rodrigues dos Santos, nos informa que a designação “mestre” continuou
55

persistindo pela imposição dos professores de música, que décadas passadas, obrigavam os

alunos a chamá-los de mestre, “atualmente tudo é mais flexível”. Em São Caetano de

Odivelas “quem dirige a banda é o professor Marcio e não o mestre ou maestro Marcio”,

conclui. Já na “União”, Silva, atual dirigente da banda, esclarece que regente é o termo mais

usado pelos membros da banda.

Nos anos 80, segundo Jairo Wilkson, ex-componente da banda e clarinetista, a União

Vigiense era dirigida pelo músico mais adiantado, neste caso o trompetista, que ia pra frente

dava um sinal e todos começavam a tocar. Para finalizar, uma marcação do bumbo indicava o

término da música. Wilkson ainda se lembra:

Na minha época não tinha essa coisa de mestre ou regente,


era o mais adiantado, na época o primeiro trompete que
ficava na frente e contava um, dois, três e a música
começava. Pra terminar o bumbo dava a chamada. Poderia
ser qualquer música. Todos sabiam quando a música ia
finalizar.38

O perfil do regente de banda apresenta os seguintes aspectos: foi aprendiz; tem

habilidades, em alguns instrumentos, possui conhecimento básico dos instrumentos de banda,

apresenta um relativo domínio da gramática musical e sabe exercer a função de líder. Nas

três corporações pesquisadas, o regente acumula a função de presidente, portanto além das

responsabilidades musicais, o regente exerce o cargo de administrador.

O líder desempenha as mais importantes funções na banda: manter o grupo unido,

gerenciar a escola de música e contribuir para a formação de outros jovens instrumentistas.

Ele planeja, organiza, seleciona o repertório, trata dos contratos ou funções39 do grupo e

decide se a banda pode ou não se apresentar, além do trabalho com serviços burocráticos,

acertos de cachês, busca de ajuda e financiamento em outras instituições, elaboração de


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
38
Jairo Wilkson, entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, Belém, Pará, 18 de Junho de 2008.
39
!O termo função significa no contexto local os compromissos que a banda assume.
56

projetos, reuniões com os pais, representação com a banda em reuniões políticas e

participação na diretoria. É um trabalho que devido às condições econômicas requer muito

empenho e dedicação.

O regente tem na liderança uma de suas características preponderantes. Ele ensina,

passa o ritmo dos dobrados [treina a parte de leitura rítmica] e, em alguns casos, explica

sobre a articulação e a forma de começar e terminar a música. Ele tem que provar sua

capacidade de controlar o grupo nos ensaios, nos desfiles, nas procissões, em fim, no

comando de uma ação musical. Brito, regente da 31 diz que:

Não adianta um mestre estar na frente da banda e não ter


pulso para comandar os subordinados dele. Tem que ter
poder de comandar. Não adianta só ter ele na frente sendo
mandado por outros e ficar sentado. Qual vai ser a moral
dele na frente? Nenhuma.40

Portanto, o regente tem que ter pulso para se impor perante o grupo e liderar seus

comandados. Esta forma de pensar tem uma ligação com a concepção militar que quase

sempre esteve presente nas agremiações e na formação das bandas civis do Pará.

Nas bandas selecionadas, o conhecimento profissional dos três regentes é semelhante.

São músicos que tiveram sua formação na própria banda e passaram muitos anos envolvidos

nas atividades musicais. Hoje eles buscam melhorar a sua qualificação profissional por meio

de cursos e oficinas. O atual regente da “União”, Marinildo Pereira da Silva, trompetista, é

graduando no Curso de Licenciatura Plena em Música da Universidade Estadual do Pará -

campus avançado - Vigia. É membro do conjunto de “choro” da União Vigiense, professor de

teoria, de prática instrumental e de aulas de informática direcionada à editoração de partituras.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
40
Delson Brito, entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, Vigia de Nazaré, Pa, 14 de novembro de
2006.!
57

Já o regente da Rodrigues dos Santos”, Cardoso, é formado pelo curso “Mestres de Banda”41

da Fundação Carlos Gomes. Cardoso, que é clarinetista, tem participado de alguns cursos de

regência, manutenção de instrumentos e prática de banda. Brito, clarinetista, militar, segue a

tradição da família que tem prestado relevantes serviços à banda 31 de Agosto. Estudou

clarineta no Instituto Estadual Carlos Gomes (IECG) e fez cursos de monitor e de prática de

banda. É professor de teoria e prática instrumental.

Nas décadas passadas, as enormes dificuldades e o isolamento de muitos municípios

levavam os regentes a agirem como verdadeiros desbravadores musicais. Não havia

alternativa se não enfrentar os desafios e ensinar música mesmo com tantas limitações de

material. As ferramentas mais eficazes eram as posições das notas no instrumento e as escalas

musicais. Com muitas dificuldades e a colaboração de músicos e amigos, a tarefa do regente

tem sido recompensada pelo reconhecimento da comunidade e das autoridades.

3.4.3 OS MONITORES

Com a implantação do Projeto de Interiorização em 1990, o termo monitor começou a

ser usado com mais freqüência no interior. O Projeto visava revitalizar as bandas e apoiar a

abertura de novas escolas de música no Estado do Pará em parceria com as Prefeituras. Cada

banda tem um número de monitores que são mantidos pelo projeto de interiorização da

Fundação Carlos Gomes quanto pela banda. A aquisição das bolsas de monitorias está

vinculada ao convênio firmado entre a FCG, prefeitura e agremiação. A contrapartida das

prefeituras com apoio das agremiações é implantar uma escola de música, na qual a Fundação

se compromete com envio de material didático e ajuda de custo dos monitores. O número de

monitores, dependendo da necessidade da agremiação musical, pode ser modificado por


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
41
O curso fazia parte do Projeto de Interiorização iniciado em 2003. Esteve sob a orientação do Prof.
Benjamim Melo Monteiro, oficial da Aeronáutica, regente de banda e clarinetista. Trabalhou no Instituto Carlos
Gomes ministrando aulas para mestres de vários Municípios do Pará. O curso foi temporariamente suspenso.
58

intermédio de uma solicitação de ampliação do quadro de monitores, acompanhada de

relatório sobre as atividades musicais que justificam tal pedido. Essa solicitação é analisada

pela coordenação do Projeto Música Interior e depois é dado o parecer da equipe técnica da

FCG. Antonio Carlos Braga, superintendente da Fundação Carlos Gomes empossado em

2007, manteve as bolsas de monitoria das bandas conveniadas com a FCG. Em 2007 o projeto

passou a se chamar Música Interior.

O projeto criou também um curso para monitor em Belém no Instituto Carlos Gomes.

Atualmente existem duas categorias; os que freqüentam o curso em Belém e recebem

orientações de gramática musical e os monitores das bandas do interior que são

instrumentistas escolhidos pela diretoria para trabalhar com o ensino musical e instrumental.

Os monitores recebem uma bolsa da Fundação Carlos Gomes no valor de um salário mínimo,

ou recebem uma ajuda de custo da própria agremiação. O monitor de banda é um aprendiz

que se destaca musicalmente, demonstra dedicação, presta serviço orientado pela direção da

escola ou pelo regente de banda, ajuda o iniciante na prática instrumental e pode conduzir os

ensaios de naipe. Segundo Brito, o monitor ao trabalhar com os naipes vem contribuindo

muito para o crescimento técnico e numérico das bandas. A faixa etária dos monitores vai de

16 a 25 anos de idade. O quadro abaixo mostra o número de monitores nas três bandas até o

ano de 2008.

CORPORAÇÃO MONITORES FUNÇÕES

Um monitores de sax-horn e trompete; um de


bombardino, trombone e tuba; um de clarineta e
Rodrigues dos Santos 06
saxofone; um de bateria e percussão; um de
musicalização e um de flauta doce. Todos
remunerados pela FCG
31 de Agosto 04 Um monitor de trompete, um de trombone, um de
saxofone e um de clarineta, pagos pela FCG.
Dois monitores de palheta e dois de metais pagos
União Vigiense 05 pelo convenio “Música Interior” (FCG) e um
monitor de musicalização e corda (violão, baixo e
guitarra) pago pela direção da escola de música.
Tabela 1- Monitores das bandas
59

3.4.4 OS COMPONENTES DA BANDA

No interior, há um ciclo de vida do instrumentista que atua na banda: ele começa

aprendendo teoria musical e leitura rítmica, em seguida inicia a prática no instrumento, e

depois passa a ser aprendiz. O ingresso do instrumentista na banda é oficialmente realizado

com uma cerimônia no qual o músico é apresentado para a sociedade como integrante do

grupo. Esta cerimônia conta com a participação de autoridades do município e com a presença

dos familiares. Durante a cerimônia, os novos componentes fazem um juramento de

responsabilidade e no final se apresentam tocando com a banda. A “31” não realiza essa

cerimônia, já a “União” faz uma conclusão do curso de flauta doce.

Nas décadas passadas, os integrantes eram pessoas adultas, os assuntos, interesses, o

círculo de amizade, o gosto por determinados repertórios e tudo que se relacionava à banda

estava diretamente ligado à idade dos músicos. Os jovens também participavam da banda,

porém tinham algumas restrições quanto ao horário, local e repertório, segundo os

depoimentos colhidos em Vigia de Nazaré, entre os componentes mais antigos.

Os aprendizes tinham determinadas limitações como não poder viajar e não tocar em

determinadas ocasiões. Hoje, ocorre uma renovação no perfil do componente da banda, pois a

sua maioria é formada de jovens de ambos os sexos. Vale ressaltar que a inserção da presença

feminina42 veio somar e levou a diretoria a adotar um ajuste de conduta para receber esses

novos componentes.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
42
A primeira mulher a fazer parte da banda Rodrigues dos Santos foi Lucimar Cavalcante, clarinetista que
atuou na banda de 1995 a 1999, segundo Marcio Cardoso.
60

Os atuais componentes da banda passam por um momento especial de transição entre

os músicos das décadas passadas e a nova geração de jovens iniciantes. Há por essa razão

alguns conflitos entre os jovens e os mais “antigos”, como a escolha da roupa e de repertório

que sempre causam algum tipo de discussão. Brito salienta que alguns integrantes jovens já

não querem tocar dobrados. Na gestão do professor Vale, a “União” diminuiu a freqüência de

tocar dobrado, substituíram-se os dobrados por arranjos de música popular brasileira e

arranjos com temas de músicas eruditas, conhecidos pelos integrantes como “clássicos”. Com

a saída do professor Vale, o seu substituto Marinildo Silva continuou com o repertório atual,

porém voltou a “colocar na estante” dobrados de compositores vigienses. Cardoso, regente da

“Rodrigues”, acrescenta que na banda é unânime o gosto pelo repertório popular já que o

repertório “clássico” não faz parte do contexto cultural. Batista, graduado em música pela

Universidade Estadual do Pará e monitor da “Rodrigues”, afirma que:

O gosto pelo popular vem da vivência no interior, pois lá


não se tem o violoncello ou o violino, o que torna o
repertório da música clássica muito distante do que nós
tocamos.43

A questão da escolha do repertório entre os componentes mais antigos e mais jovens

tem sido contornada pelos regentes por intermédio da execução de dobrados, música popular

e “clássica”.

Os componentes da banda aprendem desde cedo que existem regras de

comportamentos e, destes, alguns que são tolerados e outros não. A quebra das regras

significa o desligamento da banda, portanto pela necessidade dos jovens conviverem juntos,

todos preferem respeitar essas normas para manter seu círculo de amizade. Tal situação

facilita os trabalhos na banda. Segundo Brito, o convívio constante dos componentes na sede

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
43
Wanelson Batista, entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, Belém, Pa, dia 10 de junho de
2008.!
61

da agremiação com objetivo de estudar e ensaiar estabelece uma relação em comum “é como

se fosse uma grande família”.

No interior, a banda tem um destaque cultural na cidade e ser membro de uma

determinada agremiação musical é provar que a pessoa adquiriu certo respeito e habilidade

musical perante a comunidade. Ser componente da banda representa também um grau de

distinção (status social) entre os demais alunos. Essa distinção gera uma disputa entre eles,

que se estabelece no convívio diário. É o momento que alguns tentam conquistar respeito

pela forma de tocar um dobrado de memória ou um chorinho que impressione os demais, pela

dificuldade de destreza manual. A competição estabelece uma hierarquia entre os

componentes da banda, apesar da competição, uma atitude oposta é notada: a solidariedade.

De maneira natural uns ajudam os outros, ou seja, quem sabe mais ajuda quem sabe menos.

Alguns componentes chegam à banda ou por influência da família ou pela busca da

profissionalização. Raybert Ataíde, componente da Rodrigues dos Santos, fala com emoção

ao relembrar que ao estudar música queria realizar um sonho de sua mãe:

Entrando na banda daria alegria para a minha mãe. Era


tudo que ela queria me ver tocando na banda e aprendendo
uma profissão. Foi o que fiz e assim realizei o sonho de
minha mãe.44

Este depoimento de Ataíde mostra a participação da família no direcionamento de uma

possível profissão. Silvana Saraiva, mãe de um componente novato nos dá a seguinte opinião:

A minha experiência é muito positiva pelo fato dele estar


lá. Ele está aprendendo coisas boas, que é o lado social
que o Marcio faz; que é muito bom. As crianças ou os
adolescentes que ele prepara, ele está preparando para a
vida, está preparando para o mundo e o objetivo que eu
tenho é justamente o futuro do meu filho. Eu me preocupo
muito com isso. Por mais que isso não venha servir daqui

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
44
Raybert Ataíde, entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, Belém, PA, 5 de setembro de 2006.!
62

a dez anos como profissão pra ele, mas no momento está


sendo muito válido.45

Além da influencia familiar, os componentes são atraídos pela vontade de tocar um

instrumento, pela motivação de conviver em grupo e fazer novas amizades. Hoje muitos

integrantes da banda visualizam trabalhar nas forças armadas, atuar na rede de ensino

municipal, na escola de música ou em outros ofícios. Enquanto isso, a banda é um corpo que

dá visibilidade para esses jovens, reforçam as relações sociais e promovem uma possível

melhoria de vida.

Outro aspecto a se ressaltar é que nem todos os componentes da banda moram na

cidade. Muitos vêm de localidades e vilas próximas e são provenientes de classes populares

com situação econômica, geralmente, desfavorável. Quanto à escolaridade houve uma

significativa mudança nos últimos anos. Alguns jovens estão concluindo o ensino médio e

tem a possibilidade de prestar vestibular para música em Vigia de Nazaré. Os instrumentistas

estão aproveitando a implantação do curso de graduação, Licenciatura Plena em Música, para

futuramente atuarem nas escolas de música ou na rede municipal de ensino fundamental.

Há uma renovação anual dos componentes das bandas. A cada começo de ano os

regentes avaliam quem sai e quem fica na banda. Muitos precisam viajar para Belém para

prestar o vestibular. Outros acompanham a família em mudanças para outras localidades.

Alguns músicos vão prestar concursos nas bandas militares e uma parte abandona a música.

Percebe-se que mesmo com a saída de membros da banda, o número de componentes

continua estabilizado e as vezes, aumenta devido a existência da escola de música. Segundo

Cardoso, regente da “Rodrigues”, o que mantém a banda é principalmente o trabalho da

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
45
Silvana Saraiva, entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, São Caetano de Odivelas, PA, 26 de
fevereiro de 2006.
63

escola de música que gera novos membros. Tal idéia é compartilhada por Silva, regente da

“União”. Comentando sobre a entrada e saída (baixa) de clarinetistas, Cardoso declara:

Todos os anos nós temos entrada e saída de componentes.


Isso é constante mais o número é pequeno, dois ou três
componentes. A escola não pode parar, porque se parar
não há novos componentes para substitui os que saíram.
Alguns meninos vão para Belém se alistar outros ficam
nas forças armadas. Hoje temos músicos no exército e na
aeronáutica.46

Brito, presidente e regente da 31 de Agosto concorda com seus colegas e explica:

Se não fosse o trabalho de base da escola de música, a


banda tinha caído [parado]. A banda é só formada de
jovens, quando eles vão pegando 17 ou 18 anos se alistam
e vão embora. A banda vai crescendo mas vai perdendo
músico e se não fosse esse trabalho feito na escola, a gente
não tem como repor as peças que vão saindo. A gente
prepara e o exército leva, a marinha leva, a policia leva, a
aeronáutica leva. Os músicos já saem daqui preparados e
essas instituições não vão ter trabalho nenhum.

Fica claro que a banda possui um relativo corpo estável e que a cada ano há uma

alteração nos quadros de seus membros. Em média a banda perde de três a cinco membros por

ano e uma quantidade igual ou maior ingressa na banda. No quadro abaixo apenas a “União”

apresentou uma diminuição de membros em 2008, em virtude da saída do professor Vale.

Muitos músicos resolveram abandonar a “União” para fazer parte da nova banda de música

criada pelo professor Vale.

Relação das Componentes Componentes Componentes


Bandas em 2007 em 2008 em 2009
RODRIGUES DOS SANTOS 40 48 51
31 DE AGOSTO 40 48 65
UNIÃO VIGIENSE 75 60 48
Quadro 2 - Número de componentes

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
46
Marcio Cardoso entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, São Caetano de Odivelas, PA, 18 de
Dezembro de 2008.!
64

3.4.5 OS ALUNOS INICIANTES

Os alunos, na sua grande totalidade, são jovens com faixa etária entre oito a dezesseis

anos, geralmente filhos de pescadores, lavradores, músicos, funcionários públicos, pequenos

comerciantes e de profissionais liberais. Muitos se deslocam de outras vilas ou localidades

distantes dos municípios. Eles ingressam na escola por iniciativa própria, alguns são

motivados por amigos e outros são encaminhados pelos familiares. Os pais acreditam que eles

vão aprender na banda uma profissão e se afastarão dos perigos da “rua.” Nos municípios

paraenses praticamente não há atividades recreativas ou artísticas. A vida desde cedo se torna

para muitos jovens sem interesse o que deixa esses adolescentes em constante processo de

vulnerabilidade social. Ser aluno da escola de música é, portanto, uma das poucas opções que

atraem o interesse de familiares e de jovens a cada ano.

Na escola de música, todos passam por três etapas de aprendizado: musicalização,

treinamento de leitura rítmica e prática instrumental. Na musicalização eles aprendem os

rudimentos da gramática musical. Para o treinamento da leitura métrica é utilizado o Método

de Divisão Musical Paschoal Bona (1970) ou exercícios elaborados pelos regentes. As

avaliações são efetuadas logo após o aluno passar a lição, principalmente, a da leitura métrica

feita individualmente na presença do professor. Walber Silva, monitor da 31 de Agosto, relata

que quando o aluno é chamado para realizar a leitura métrica e sente alguma dificuldade, o

professor pede para ele “parar, voltar para treinar mais um pouco” e retornar, em seguida, até

concluir a lição. A prática instrumental inicia com a flauta doce47 e é um processo de transição

para a introdução dos instrumentos de banda. Quando a flauta foi implantada, os resultados

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
47
União Vigiense e Rodrigues dos Santos adotaram o uso de flauta doce na década de 1990, já a 31 de
Agosto mais recentemente (2008).
65

foram excelentes devido à aceitação, o valor e a praticidade. No entanto Hédrios Rayol faz o

seguinte comentário:

A gente começou a observar que muitos alunos ficavam


desestimulados, flauta doce é uma coisa e o instrumento
[de banda] já é outra. O instrumento já tem aquela questão
mais delicada e mais meticulosa com relação à
embocadura, principalmente com relação à embocadura.
Um aluno desse pega uma flauta doce hoje em dia e
começa a tocar aquelas musiquinhas e tal.. Quando ele
começa um instrumento desse a concepção dele ele é a
mesma coisa de tocar flauta doce, quando ele vai ver
[experimentar] fica desestimulado. . . Aquela coisa toda.
Então a gente começou a perceber uma evasão. Então
resolvemos durante a musicalização mostrar, a cada
semana, um instrumento diferente e como se toca.

O que desestimula também os alunos é a falta de instrumentos que não é suficiente

para o número de alunos existentes na escola. Os meninos desistem da música porque são

obrigados a dividir um instrumento com dois ou três alunos e isso gera uma desmotivação. Os

regentes Cardoso, Silva e Brito concordam que o maior problema que os alunos enfrentam é a

falta de instrumentos. Para diminuir esse problema, a banda 31 de Agosto, às vezes compra o

instrumento e depois repassa para o aluno pagar do jeito que for possível, comenta Brito.

O quadro abaixo mostra que as duas escolas de música de Vigia, União Vigiense e 31

de Agosto tiveram uma diminuição de matriculas devido a falta de infra-estrutura como falta

de espaço e investimentos para pagamento dos monitores. Já a Rodrigues dos Santos de São

Caetano de Odivelas duplicou o número de matriculas em decorrência da ampliação e

restauração de sua sede.

NÚMERO DE ALUNOS MATRICULADOS E DESISTENTES

ANO MATRICULADOS DESISTENTES


RODRIGUES DOS SANTOS
2007 48 06
2008 60 10
2009 120 17
66

31 DE AGOSTO
2007 32 04
2008 40 05
2009 30 03
UNIÃO VIGIENSE
2007 150 15
2008 170 15
2009 110 10
Tabela 3 - Relação do número de alunos matriculados e de evasão escolar.

Os dados do quadro n.3 são de responsabilidade da própria diretoria que forneceu

esses dados. Para diminuir a evasão de alunos, a “União” vem utilizando uma estratégia de

motivação. Hédrios Raiol, presidente da “União” e monitor de clarineta comenta que os

alunos são convidados a assistir os ensaios da banda para terem uma noção do papel de cada

instrumento e de, simultaneamente, observar como se dão na prática os conceitos aprendidos

nas aulas de teoria. A 31 de Agosto tem o cuidado de não perder o controle e manter a

qualidade de ensino. Como o número de evasão não é muito significativo, a preocupação é

como resolver a falta de instrumento de sopro para tanta gente.

O número de alunos de clarineta também é limitado pela disponibilidade de

instrumentos. Certamente se houvesse um número maior de instrumentos a quantidade de

instrumentistas aumentaria. O quadro abaixo demonstra a importância da escola de música

como mantenedora da própria existência da banda. No final de cada ano há uma saída natural

de componentes da banda. A escola investe na formação de novos alunos como podemos

observar nesta estatística entre 2007 até 2009.

ALUNOS DE CLARINETA MATRICULADOS NAS ESCOLAS

ESCOLA DE MÚSICA 2007 2008 2009

RODRIGUES DOS SANTOS 07 09 13


31 DE AGOSTO 10 08 12
UNIÃO VIGIENSE 13 09 09
Tabela 4 - Números de alunos de clarineta por banda
67

Os alunos aprendem também a conviver com a rígida disciplina imposta pelos

regentes. Para ser um bom aluno é preciso obedecer e trazer as lições prontas. Apesar de

tantas dificuldades, os alunos conseguem paulatinamente formar uma grande família, o que

possibilita uma motivação maior para enfrentar as adversidades. Larissa, aluna de clarineta

diz que:

Eu não gostava de música e aí me fizeram um convite:


Você quer participar, faz uma experiência. Eu realmente
não queria vim, mas depois que eu entrei, comecei a
encontrar amigos aqui e comecei a me apaixonar de uma
forma tão especial pelo clarinete e aí até hoje não consigo
mais sair. É a minha vida.48

O que motiva a procura pela música não é apenas o gosto pela banda ou pela música, a

rede de parentesco, muito menos pelos instrumentos que são poucos e com muitos anos de

uso. O que motiva é o círculo de amizade que vai se estabelecendo entre os jovens. Interesses

em comum, gosto em comum, objetivos parecidos, idades próximas. Esses detalhes vão

fortalecer e despertar o interesse musical.

3.5 ATIVIDADES ARTÍSTICAS - “FUNÇÕES”

As bandas possuem um calendário de atividades que incluem carnavais, festas juninas,

comemorações cívicas, eventos esportivos, procissões religiosas, cerimônias fúnebres,

alvoradas e solenidades dentro e fora do Município. Esses compromissos assumidos mediante

contrato são chamados de “funções” ou “tocata”. Quando a banda não está completa e existe

um trabalho a fazer, os músicos chamam de “viração”. A sede da banda também é um ponto

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
48
Larissa Cristina Moraes Rabelo, entrevistada pelo autor, gravação em fita de áudio, Vigia de Nazaré, PA,
18 de Fevereiro de 2008.
68

de referência para quem procura contratar um instrumentista para “tocar” nas festas populares

como a manifestação do boi, quadrilha e pássaros juninos.

Cada banda tem sua agenda anual de atividades artísticas na qual observam-se pontos

em comuns como o carnaval, procissões religiosas e as apresentações natalinas, além de

eventos específicos da comunidade e de convites de outros municípios.

O Círio da Vigia de Nazaré, um dos mais tradicionais e importantes do Pará, acontece

no segundo domingo de Agosto e tem hoje, a participação de seis bandas da Região do

Salgado incluindo a “Rodrigues”. Brito, regente da “31”, fala sobre a participação da banda

no Círio da Vigia de Nazaré: “os ensaios são diretos, sexta de manhã, sábado de manhã e à

tarde e quando for necessário. Temos muitas apresentações”. As homenagens à padroeira se

estendem por quinze dias, neste período, a “31” e a “União” “se revezam nos festejos da

quadra Nazarena com muita devoção e música”. Terminado os festejos do mês de agosto,

segue um período de poucas apresentações, Brito explica: “Agora parou os ensaios porque

não tem nada pra gente, já se esgotaram os períodos de festas.” A banda mantém apenas um

dia de ensaio que acontece aos sábados pela manhã. Neste período, geralmente, os músicos

mais experientes são dispensados e os mais novos continuam ensaiando. No mês de abril, a

procissão do Senhor Morto, durante a semana santa, contagia a população e tem a

participação das bandas que executam hinos religiosos.

Como já é tradição, no mês de dezembro a banda organiza os festejos natalinos para a

comunidade e para os pais dos alunos, com a participação dos alunos de flauta doce. É um

momento de confraternização e agradecimento pelos trabalhos musicais realizados no ano.

Em janeiro, organiza-se um pequeno grupo instrumental chamado de “bandinha” para

tocar nos bailes de carnaval. O repertório deste período é composto por “marchinhas”, frevos
69

e sambas. No ano de 2007, duas bandinhas de carnaval foram formadas; uma com 12 músicos

e outra com 10. Sobre os instrumentos que fazem parte dessa bandinha, Brito comenta:

A banda “leva” teclado, baixo, guitarra, bateria completa -


um conjunto completo. Temos ainda dois trombones, dois
trompetes e dois ou três saxofones. Não entra a clarineta
porque os outros instrumentos “puxam” mais. Aí a gente
só usa os trombones, trompetes e os saxes. A clarineta já é
um instrumento mais “baixo” porque, você sabe, o
carnaval precisa de um som “mais pesado” e a clarineta
tem um som mais “leve.” Aí não vai destacar tanto. Eu
vejo por esse lado.49

Apesar da não utilização da clarineta, como afirma Brito, os clarinetistas participam

desses grupos tocando saxofone. O mesmo ocorre na orquestra que acompanha a

manifestação do boi de máscaras50, grande festejo da cidade de São Caetano de Odivelas

muito apreciado no mês de junho.

A orquestra que acompanha o boi de máscaras é formada por um trompete, um

trombone, um saxofone alto e um tenor, uma caixa e um bumbo. Às vezes o saxofonista

também é um clarinetista. Quase todos os instrumentistas que tocam na orquestra são da

banda Rodrigues dos Santos.

A banda Rodrigues dos Santos dirigido por Cardoso está sempre viajando para outros

municípios vizinhos, o que motiva bastante os componentes. Cardoso, comentando sobre os

compromissos na cidade ou nos outros municípios afirma que:

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
$%
!Delson Brito, entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, Vigia de Nazaré, Pa, 14 de novembro de
2006.!
50
É uma variação do boi-bumbá, única no Brasil. Este boi não apresenta a tradicional narrativa de “Catirina
e Pai Francisco”. Retrata a cultura popular local dentro do contexto dos festejos de São João com toda tradição
amazônica e a força da identidade do povo paraense. Existem pelo menos vinte bois de máscaras tanto na cidade
como nas vilas. Segundo Hélio Pereira Filho, brincante do boi de máscaras, há seis grupos em São Caetano: Boi
Tinga, Boi Faceiro, Garrote, Mascote, Novilho, Resolvido e 14 grupos nos interiores, a saber: Caribu, Alce,
Bode, Touro, Zebra, Leão, Boi do Aê, Boi do Pererú, da Boa Vista, da Ponta, do Cabo Pomeri, da Ilha, do
Madeira, da Espanha, todos de localidades próximas. Em 2007 o Boi Tinga completou 70 anos.
70

No mês de agosto é o Círio, depois vem o aniversário da


banda e da cidade (. . .) Quando os pedidos começam a
chegar na banda, sempre formo dois ou três conjuntos,
inclusive utilizamos os clarinetes e tubas algumas vezes.
Vamos tocar em Mosqueiro no réveillon (2007) com um
grupo de 12 a 15 pessoas. Para o carnaval o pessoal dos
blocos já procurou a banda, temos alguns contratos para
tocar em São Caetano e em outros Municípios. ‘Pinta’
[aparece] um contrato para tocar numa cidade, em outra
cidade e aí eu vou dividindo os grupos”. (grifo meu)

Além do calendário de atividades da banda, a “Rodrigues”, tem feito apresentações no

Município para divulgar a importância da música e mostrar os resultados do ensino musical, o

que acontece também com as “31” e a “União”. A “União” participa ativamente do carnaval

de Vigia, considerado um dos mais!concorridos e famosos no Estado do Pará segundo o jornal

O Liberal51. Entre os compromissos da “União” está a participação no bloco “Cabras Surdos”

que é puxado pela “fanfarra” - bandinha de carnaval. Em 2008, o bloco “Os Sobreviventes do

Frevo” criado pelos diretores da agremiação, teve como objetivo reviver e manter os antigos

carnavais frente as mudanças introduzidas pelos “trios-elétricos”. 52

A “União” tem se destacado na região, pelas suas inúmeras viagens realizadas, durante

a década de 1970, 80 e 90, a Brasília-DF (1978/1997) e Salvador-BA (1998) - para divulgar e

representar as bandas do Pará. Entre os anos de 2002 a 2005 tornou-se a anfitriã de quatro

Encontros de Bandas da região do Salgado.53 Os Encontros reuniam dezesseis bandas e

centenas de músicos. Faziam parte os seguintes cursos: prática de banda, regência,

manutenção de instrumentos e prática instrumental. Os ministrantes eram Radegundis Feitosa

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
51
Jornal O Libera, edição de 14.12.2008, caderno: atualidades.
52
Caminhão equipado com potentes caixas de som cujo objetivo é reproduzir música ao vivo, que é
executada em um palco sobre o veículo por um conjunto de instrumentos elétricos, percussivos além de cantores
com a finalidade de “puxar” uma multidão de foliões.
53
Evento promovido pela Secretaria Especial de Promoção Social e Fundação Carlos Gomes com apoio da
Secretaria de Educação, Instituto de Arte do Pará, Funtelpa e Detran.
71

(UFPB) Joel Barbosa (UFBA), Wilton Matos (FCG), Jacob Cantão (FCG/UFPA), Ayrton

Benk (UFPB), Ricardo Cabreira (Colômbia), Andi Pereira (Porto Alegre) e Bejamin Monterio

(FCG). Da Universidade de Missouri (EUA) visitaram Vigia, Martin Bergee, Holly Copland e

Berry Ford, além da visita de inúmeros grupos artísticos como Quinteto Brasil e Quarteto de

Trombone da Universidade da Paraíba

À noite, acontecia a apresentação das bandas que se transformava numa verdadeira

confraternização entre músicos e era uma oportunidade para se apreciar a performance

musical dos instrumentistas e das bandas. A população se fazia presente e prestigiava as

apresentações fortalecendo a cultura musical local.

As inúmeras atividades das três bandas são formas de expor o lado artístico dos

músicos e contribui para dar visibilidade, oportunidades e convites para atuarem em outros

eventos. Este ciclo de atividades e compromissos é que mantém as bandas atuando nos

municípios, motiva os instrumentistas e aumenta a participação destas agremiações na vida

cultural da cidade.

3.6 EDUCAÇÃO E MUSICALIZAÇÃO

O processo educacional nas bandas envolve aspectos sociais e musicais. As três

bandas, objeto desta pesquisa, não fogem à declaração de Salles (1985, 11) ao dizer que:

A banda de música é pois o conservatório do povo e é, ao


mesmo tempo nas comunidades mais simples, uma
associação democrática, que consegue desenvolver o
espírito associativo e nivelar as classes sociais.

Iniciando-se pelos aspectos sociais, o “conservatório do povo” tem uma função que

vem a cada ano ganhando força, a inclusão social. Nas décadas passadas, o ofício de ensinar

música não se resumia apenas na formação profissional, atingia todas as classes sociais e
72

promovia a responsabilidade social de forma discreta. Hoje, os inúmeros problemas e mazelas

sociais são muito visíveis, pois cresce o abuso a crianças e adolescentes, há uma proliferação

de delinqüência em virtude da falta de programas sociais e da má distribuição de rendas.

Neste contexto social, a escola de música da “Rodrigues” é um exemplo de educação

inclusiva. A escola atende pessoas da comunidade em situação de risco ou com necessidades

especiais, das quais citamos o Braz Guilherme, 32 anos, portador da Síndrome de Down que

foi recebido de braços abertos na escola, e desde 1998 faz parte da banda tocando com o seu

saxofone de plástico. Ele atua como instrumentista em todas as atividades e funções da

banda.

Fig. 5 - Braz Guilherme

Este “conservatório do povo” promove música e bem estar ao cidadão, e tem

consciência que a melhor forma de diminuir os danos psicológicos é promover uma educação

que acolha pessoas com ou sem dependência ou deficiência. Sánchez (2005, 10) reforça a

idéia de que “a educação inclusiva é antes de tudo uma questão de direitos humanos”.
73

Cardoso lembra como a banda tem um significado especial em sua vida e, da mesma

forma, ele acredita que um dos objetivos principais da escola é a formação do cidadão, neste

sentido comenta:

Comecei aos 12 anos na escolinha e pude continuar os


estudos pelo convênio que a Fundação tem com as escolas
do interior do estado. . . A banda movimenta a cidade,
temos um calendário de eventos, mas a função principal
da escola é formar cidadãos. Como professor, eu passo por
dificuldades, mas é muito gratificante.54

As atividades pedagógico-musicais são realizadas nas sedes das bandas. O processo de

ensino-aprendizagem musical e instrumental engloba a parte teórica (musicalização) e a parte

prática (ensino instrumental). O termo “musicalização” vem das escolas de música de Belém

que, segundo a professora Itacy Silva começou a ser empregado na década de 1970. Os

músicos do interior em contato com os professores do conservatório incorporaram algumas

terminologias e passaram a utilizá-las em seus municípios. Em Belém o termo vem sendo

paulatinamente substituído por iniciação musical, preparatório ou educação musical. Nas

bandas pesquisadas, o termo musicalização significa o aprendizado dos nomes das notas na

pauta, dos nomes e valores das figuras e os principais signos musicais, isto é, conhecer os

rudimentos elementares da gramática musical que é chamada, na banda, de “teoria musical”.

Aprendendo isso, o aluno inicia o treinamento da leitura rítmica. Portanto, a musicalização

não significa os processos de educação musical baseados em experiências sonoras partindo do

intuitivo para se chegar ao conceitual. Também não evolvem atividades como composição e

improvisação. Estas podem ocorrer no processo de aprendizagem de forma natural.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
54
Marcio Cardoso, entrevistado por Juliana Oliveira in “Música de Raiz”. Revista Latitude. Ano I nº3,
maio de 2008. Belém-Pa.!
74

A leitura rítmica é conhecida como “divisão” ou “divisão musical”. A sua prática é

chamada pelos professores de “bater” ou “bater a lição” e eles orientam os alunos

individualmente. Esta prática é feita com a voz pronunciando os nomes das notas, sem entoá-

las, e com o movimento das mãos realizando diferentes diagramas para cada fórmula de

compasso. Um exemplo pode-se ser verificado no Vídeo n.1 anexado neste trabalho. O aluno

assimila visualmente e auditivamente a maneira de realizar o exercício e passa a praticá-lo.

Ele utiliza o Método Completo para Divisão Pasquale Bona (1970)55 ou lições elaboradas

pelos professores baseadas em semibreves, mínimas, colcheias e semicolcheias. É feita com

menos freqüência a utilização dos exercícios para treinar com os alunos, o solfejo entoando as

alturas das notas. As lições são usadas também para treinar o nome das notas, os valores das

figuras e servem para o ensino da flauta doce e do instrumento de banda. A musicalização

dura em média de seis a oito meses, culminando com uma avaliação de “teoria”, “divisão

musical” e flauta doce para definir os alunos aptos a ingressarem na fase posterior.

A segunda fase do ensino se refere à prática instrumental. As aulas de instrumento são

coletivas, divididas por categorias: madeiras e metais. Cada categoria, automaticamente, se

transforma nos futuros naipes madeiras e metais da banda. Os monitores das madeiras vão

orientar os alunos de clarineta, saxofones e flauta transversal, enquanto os monitores de

metais vão trabalhar com os alunos de trompete, sax-horn, trombone, bombardino e tuba.

No início, o monitor faz uma abordagem geral sobre postura, posições das notas e

embocadura. Também, neste período, ele fica a disposição dos alunos para esclarecer

quaisquer dúvidas. As aulas baseiam-se em escalas, arpejos e leitura de repertório, seguindo

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
55
Pasquale Bona nasceu em Cerignola no dia 3 de novembro de 1808 e morreu em Milão no dia 2 de
dezembro de 1878. Foi um compositor e teórico musical italiano. Em 1838 fixou-se em Milão onde ensinou
canto, teoria musical e teoria (desde 1838), e canto harmônico feminino (1851) e canto masculino (desde 1859)
no Conservatório Real.
75

os mesmos conteúdos e maneiras de se trabalhar das aulas de flauta doce, embora

acrescentando algumas músicas novas.

Os procedimentos que orientam os exercícios de flauta doce, tais como contar quatro

tempos antes de cada exercício e executar as escalas maiores usando as seguintes figuras:

semibreve, mínimas e semínimas, também são utilizadas nas aulas de clarineta. Estes

exercícios anteriormente praticados na flauta são revistos nas aulas de clarineta. Depois de

dois a três meses de prática em naipes, os alunos passam a fazer parte da banda de iniciantes

(termo utilizado na 31 de Agosto e Rodrigues dos Santos) ou banda B (termo utilizado na

banda União Vigiense). Nesta fase, os alunos vão treinar e decorar os hinos religiosos com o

objetivo de participar do círio ou de outras festividades religiosas, atuando junto com a banda

principal. Assim, os alunos exercitam o que aprenderam na escola de música, dando

significado funcional para a música dentro do seu município.

Em São Caetano de Odivelas, a escola de música “Roger Mares de Albuquerque” da

Rodrigues dos Santos, conta com 160 alunos matriculados (levantamento de 2008). É cobrada

uma taxa mensal de 15,00 reais, porém a diretoria oferece bolsas para quem não tem

condições de pagar.

As aulas de teoria (gramática musical) e flauta doce ocorrem três vezes por semana

(segunda, quarta e sexta-feira) em dois turnos, manhã e tarde. As aulas dos instrumentos de

palhetas (clarineta, saxofone alto e saxofone tenor) e metais (trompete, bombardino, trombone

e tuba) são realizadas duas vezes por semana (terças e quintas) também em dois turnos,

manhã e tarde. Para oferecer cursos de todos esses instrumentos, a escola conta com sete

monitores, dos quais seis recebem ajuda de custo da FCG. Além dos instrumentos de banda, a

escola oferece também o curso de violão popular. A duração da aula teórica e instrumental é
76

de uma hora e meia. Os ensaios da “Rodrigues” ocorrem as segundas, quartas e sextas-feiras

à noite. A banda dos iniciantes ensaia aos sábados pela manhã.

A cidade de Vigia de Nazaré conta com três escolas de música: “31”, “União” e a

escola Maestro Vale. Esta última antes vinculada à “união” tornou-se uma escola particular.

Há também um projeto do município chamado “música nas escolas” sob a coordenação do

regente José Maria Vale. Em 2001, a Universidade Estadual do Pará – UEPA implantou na

Vigia de Nazaré o curso de licenciatura em música por conta do grande número de músicos de

banda observados nesta região. Com a inclusão da licenciatura, alunos, monitores, professores

e regentes passaram a ter maiores oportunidades de qualificação musical e,

conseqüentemente, de trabalho. Membros da “31” e da “União” estão entre os graduados da

primeira turma formada em 2005.

A escola de música da “31” possui 70 alunos (levantamento de 2008). Cada aluno

paga uma taxa mensal de R$ 15,00, referente à manutenção da corporação, porém

dependendo da situação o aluno pode ficar isento desta taxa. As aulas de teoria ocorrem duas

vezes por semana (terça e quinta-feira). Já as aulas de instrumento de palheta e metais

concentram-se ás segundas, quartas e sextas-feiras.

Entre 2007 e 2008, a direção da banda foi sentindo que o ensino já estava ficando

muito ultrapassado e que seria necessário reformulá-la. Neste sentido foi elaborado um

projeto pelo professor Daniel56 com apoio de Brito. O título do projeto foi - “A furiosa vai à

forra” e tem uma explicação: por tocar exclusivamente hinos e dobrados, a banda era

chamada, por alguns músicos de Vigia de Nazaré, de charanga ou furiosa. Para responder a

estas provocações a banda partiu para uma ação que resultou neste título. Para entender como

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
56
Bruno Daniel, entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, Vigia de Nazaré, PA, 23 de novembro
de 2007.
77

era a instrução musical praticado na banda, Daniel procurou conversar com alguns membros

idosos da banda para entender como era o ensino nas décadas anteriores e concluiu:

Se naquele tempo era assim e hoje continua assim, então


precisamos inovar. Devemos buscar inovações e
melhorias para o corpo educacional da 31 a fim de
alcançar melhor qualidade tanto técnica como sonora no
ensino da música, tomando como ponto de partida bases
imprescindíveis ao bom desempenho de uma banda
musical.57

Daniel dividiu o projeto em duas etapas. A primeira para treinar os professores e

monitores e a segunda para desenvolver o projeto na prática. Sobre a primeira etapa, ele

explica a necessidade dos professores passarem por uma adaptação e se adequarem à idéia do

que para ele “é uma tomada de conhecimento e de aprendizagem entendida segundo as novas

formas de pensar e agir ante os novos tempos de estudos e inovações musicais desta região”.

Daniel comenta que o objetivo da nova estrutura foi “criar situações de aprendizagem;

adequar o desenvolvimento dos músicos de melhor qualificação; possibilitar a compreensão

da música em diversos níveis tais como clássico, popular, erudito e desenvolver o habito de

estudo de métodos”. Este projeto está sendo testado mesmo contrariando alguns músicos da

“31” que não concordam com essas mudanças. Delson entende a resistência inicial, mas acha

que é a hora de mudar e esclarece “queremos melhorar o nosso ensino e, por isso, estamos

procurando melhorar a qualidade de ensino da música na nossa banda”.

Já na União Vigiense, segundo o seu atual presidente, Raiol, a demanda de pessoas

interessadas por música já chegou a 400 alunos, o que tornou inviável por falta de infra-

estrutura. Vale, o então regente e professor da “União”, em virtude desta situação, sugeriu um

espaço alternativo para atender as aulas de “musicalização”, deixando a sede da banda

exclusivamente para a prática instrumental. Assim sendo, alugou-se uma casa que passou a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!57 Bruno Daniel, entrevistado pelo autor, gravação em fita de áudio, Vigia de Nazaré, PA, 18 de Janeiro de
2008.!
78

funcionar como escola entre os anos de 2002 a 2006. Em 2007, Vale deixa a direção da

banda “União”, e cria a sua própria escola denominada Escola de Música Maestro Vale58

formando mais tarde uma banda e uma big band.

A escola da “União” seguiu seus trabalhos na sede da banda e temporariamente na

sede do Clube Luzeiro, alugada para as aulas de música em 2008. De acordo com Marinildo

Silva, a escola cobra uma taxa mensal de quinze reais (15,00) e conta com um total de 140

alunos (dados de 2008) distribuídos nos seguintes cursos: musicalização (teoria/flauta doce)

com 100 alunos; curso de cordas que incluem violão, guitarra e contrabaixo elétrico com 30

alunos e, finalmente, percussão (bateria, caixa e bumbo) com 10 alunos. As turmas

funcionam em dois turnos: manhã e tarde.

A direção da escola encontra alguns obstáculos como a falta de espaço físico e a

dificuldade do pagamento das mensalidades59. Raiol diz que, “às vezes, a mãe quer matricular

mais de um filho, porém não tem condições de pagar,” neste caso, ele procura ajudar, isenta

um filho ou diminui o valor da mensalidade, porém a escola tem despesas e essa situação gera

um desconforto para a escola e para os pais.

Segue a distribuição das atividades teóricas e práticas desenvolvidas nas três bandas.

BANDAS DE AULAS PRÁTICA ENSAIOS DA BANDA


MÚSICA TEORICAS INSTRUMENTAL
RODRIGUES DOS Segunda, quarta e Terça, quinta e Principal: Segunda, quarta e sexta.
SANTOS Sexta feira Sábado. Iniciantes: sábado
Banda Principal: sexta no final da
tarde, sábado a tarde e às vezes no
Terça e quinta Segunda, terça e
31 DE AGOSTO domingo quando há necessidade.
Quinta
Banda de iniciantes: sábado de
manhã.
De segunda a sexta. Principal: Terça quinta e sábado a
Segunda, quarta e
UNIÃO VIGIENSE Ensaio geral no tarde
sexta.
sábado
Tabela 5 - Horários das aulas práticas e teóricas por banda.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
58
Em 2008 já atendia 150 crianças oferecendo os seguintes cursos: musicalização, flauta doce e prática
instrumental. Em 2008 o professor Vale criou o grupo instrumental Vigia Jazz Band e a Banda de música do
Instituto de Arte formada com ex-integrantes da União Vigiense.
!!!!!!!!!!59!Segundo a direção a inadimplência é alta e prejudica as atividades da banda. Muitos alunos desistem de
estudar música por falta de pagamento. Em 2009 foi cancelado o convênio com o Clube Luzeiro.!
79

Desde os anos de 1990, algumas transformações foram notadas quanto ao ensino

instrumental nas bandas do interior, principalmente na União Vigiense. O projeto de

revitalização das bandas promovida pelo Governo do Estado do Pará e Fundação Carlos

Gomes (FCG), que recebeu o nome de Projeto de Interiorização, aproximou o Instituto Carlos

Gomes das bandas do Salgado, possibilitando oportunidades inéditas de intercâmbio musical

para regentes e instrumentistas.

Desde 2003, professores paraenses e estrangeiros, a convite da FCG, começaram a

visitar Vigia de Nazaré. Além disso, o Instituto Estadual Carlos Gomes passou a abrir vagas

para alunos de outros municípios do Pará. Essa troca de experiências possibilitou a

identificação de alguns talentosos instrumentistas que passaram a morar em Belém e

freqüentar os cursos do Instituto Carlos Gomes. Em 2005, a então diretora artística da FCG,

Ana Maria Peixoto, fez a seguinte declaração:

Quando a gente percebe que um músico se destaca, ele é


encaminhado para os cursos oferecidos no Conservatório
Carlos Gomes em Belém.60

Essa mudança trouxe conseqüências no processo de ensino musical. Os clarinetistas,

saxofonistas e flautistas começaram a receber orientação musical e conviver com outras

formas de conjuntos musicais como orquestra, banda sinfônica, grupos de câmaras, quartetos

e quintetos de sopro. A União Vigiense neste aspecto foi privilegiada por receber,

periodicamente, visitas de instrumentistas e regentes brasileiros e estrangeiros,

principalmente, na década de 90. As outras bandas da região não foram contempladas com

estas visitas.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
60
“Vigia reúne 600 músicos de bandas”. Amazônia Hoje: Caderno Show. Belém: 20 de setembro de 2005,
pág 8.
80

3.7 PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZADO DA CLARINETA

Durante a pesquisa de campo, observou-se que o ensino instrumental segue uma

dinâmica de trabalho com características particulares, geradas pelo contexto cultural, com

influencia na maneira de ensinar, executar e escolher o repertório.

As primeiras orientações de clarineta são dadas em aulas coletivas com orientação

sobre postura, posição das mãos, respiração, embocadura e posição das notas. A explanação

da aula é oral e a transmissão de conhecimento vem sendo repassada de geração em geração.

O foco principal da orientação é soprar o instrumento e emitir o som. A prática do

instrumento é o momento mais esperado pelos alunos.

Segundo Ildone (1991: 32) o ensino da música já era citada no Compêndio das Eras,

de Monteiro Baena, em que os padres Mercedários da Vigia se comprometiam em dar aulas

de “ler, escrever e cantar, e mais, de língua latina, filosofia, teologia e solfa. . .” Solfa era o

estudo da música e da arte de cantar as notas musicais. Entre os anos de 1780 e 1783 há uma

reclamação da Câmara do Município ao Governador José de Menezes quanto a demora do

ensino educacional (ensino formal). Não se tem documentos explicando com detalhes como

aconteceu esse ensino, apenas citação da existência de aulas de música para meninos

aprendizes dentro do colégio dos padres.

O que se pode afirmar é que hoje existe um ensino instrumental baseado na posição

das notas no instrumento, nas escalas, na leitura rítmica e no treinamento do repertório. Tal

metodologia vem sendo utilizada há décadas por mestres e regentes.

Por volta de 1960, o mestre de banda (regente) ensinava todos os instrumentos e a

parte teórica. A partir da década de 1990, esse modelo começou a mudar com a utilização da

flauta doce, facilitando a aprendizagem instrumental, e presença do monitor. A flauta doce


81

como recurso pedagógico para facilitar a aprendizagem instrumental e a figura do monitor

com provável conhecimento para ensinar a teoria musical e a parte instrumental.

A metodologia utilizada atualmente segue etapas consecutivas que são semelhantes

nas três bandas, como musicalização (conhecimento rudimentar de teoria musical e divisão

métrica), prática instrumental (flauta doce, escolha do instrumento e período de adaptação) e a

prática de banda. A transmissão de conhecimento pode ser confirmada de acordo com

descrição feita em cada localidade, como se verifica em seguida.

3.7.1 INICIAÇÃO À CLARINETA NA RODRIGUES DOS SANTOS

A adaptação ao instrumento na “Rodrigues” inicia após ser concluída a fase de

musicalização. O aluno escolhe o instrumento de sua preferência e tem a oportunidade de

experimentá-lo na escola durante um mês e meio. Segundo Batista, monitor de clarineta,

depois de definido o instrumento, segue o início da prática instrumental que é dividida em três

níveis, de acordo com a elaboração feita por ele com a cooperação do regente Cardoso.

O primeiro nível é de “adaptação.” A clarineta é apresentada ao aluno que

independente da qualidade do instrumento, da boquilha ou da adequação da palheta deve,

naquele momento “tirar”!61 um som. Segundo Batista, “o importante é experimentar soprar, às

vezes não importa como.” São ensinados, a principio, cinco notas, do “SOL3 descendo até a

nota DÓ3”.

A iniciação ao instrumento, na visão do aluno, é sempre trabalhosa. Os alunos

enfatizam, de acordo com os depoimentos colhidos na área, que a maioria encontra

dificuldades no início dos estudos. Leandro Cardoso Dias, aluno de clarineta, diz: “Quando eu

comecei tinha muita dificuldade, mas com o tempo eu fui me interessando mais e aprendendo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
61
Na região, se usa a expressão “tirar uma música” para se referir ao aprendizado da execução das notas de
uma música no instrumento. Essa execução concentra nos dedilhados e ritmos das notas sem, necessariamente,
considerar os aspectos de articulação.
82

mais coisas. Hoje estou na banda e estou gostando de tocar meu instrumento.”62 O regente da

banda elabora as primeiras lições usando semibreves, mínimas e semínimas. Natan Ferreira

Cardoso, 14 anos, estudando música há três anos afirma: “as lições são os métodos mais

utilizados em São Caetano.”63Outros métodos usados são: Método para Clarineta Domingos

Pecci e o Da Capo de Joel Barbosa.

Na fase da adaptação o aluno é orientado a ter uma postura para segurar o instrumento

e conhecer as posições das notas nos registro médio, grave e depois agudo. O monitor explica

a importância das notas longas para melhorar o som, tornando-o “bom, forte e alto”.

Posteriormente, é feita uma avaliação pelo regente ou monitor que usa a sua experiência para

definir se o aluno tem “força na embocadura e se [o aluno] dá [possui aptidão] para a

clarineta,” explica Cardoso. Caso contrário, ele deve experimentar outros instrumentos.

No segundo nível, segundo Batista, trabalha-se mais a questão “técnica, respiração e

aprimoramento de leitura métrica”. Os alunos são motivados a tocar duos, trios, escalas e

exercício de técnica baseado no método de Fritz Kroepsch64. Neste nível são introduzidas as

primeiras músicas: hinos religiosos e dobrados de nível fácil. No final de cada mês, Batista

realiza recitais-palestras fazendo uma abordagem histórica dos instrumentos e

conscientizando alunos e familiares sobre a importância da arte musical. Como ferramenta de

avaliação, Batista, leva em consideração a freqüência às aulas e a participação dos alunos nos

recitais.

O terceiro nível é a pré-banda. Os alunos trabalham o repertório de nível fácil

constituído de hinos religiosos e dobrados fácies, visando o preparo destes instrumentistas

para o ingresso na banda principal. A prática instrumental coletiva e individual envolve


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
62
Resposta extraída do questionário produzido pelo pesquisador e utilizado em São Caetano de Odivelas na
data de 16 Fevereiro de 2006.
63
Resposta extraída do questionário produzido pelo pesquisador e utilizado em São Caetano de Odivelas na
data de 16 Fevereiro de 2006.
64
167 Exercícios de Fritz Kroepsch, vol1.
83

também o uso dos métodos Domingos Pecci e Kroespch. Como o objetivo é tocar na banda,

Cardoso planejou a formação de uma turma chamada de “banda de iniciantes”. A prática

instrumental é dividida em dois momentos: treinamento individual (estudo de escalas maiores

e menores) e ensaio de naipe (repertório da banda). Em geral, tanto as escalas quanto o

repertório devem ser decorados. O repertório faz parte do ensino da clarineta e, como

complementação, o aluno interessado busca conhecer outras músicas, de diversas formações,

como concertos para clarineta e orquestra, duos, trios, e choros. Os alunos também têm acesso

a CDs de música erudita, música popular brasileira e jazz.

3.7.2 INICIAÇÃO À CLARINETA NA 31 DE AGOSTO

Na cidade da Vigia, o início do aprendizado instrumental também é denominado de

“adaptação”. Nesta fase são trabalhadas a posições das notas, escalas diatônicas e cromáticas,

postura, informações gerais de embocadura e noção de respiração. O tempo de adaptação ao

instrumento é, em média, de três a seis meses, dependendo da facilidade ou da dificuldade de

cada aluno.

Guiliane Fernandes, aluna de clarineta da 31 de Agosto, diz que “logo no começo

como qualquer iniciante é difícil, mas agora tudo está ótimo. Mas ainda existem desafios”65.

Thiago Pinheiro da Silva, outro aluno de clarineta da “31”, reforça a colocação sobre as

dificuldades enfrentadas no início da aprendizagem instrumental dizendo: “foi um pouco

difícil, mas agora estou controlando mais a clarineta e aperfeiçoando o som”.66 Extrair o som

do instrumento é um dos momentos mais difícil e traumático para os alunos. Brito comenta

que “os alunos ficam ansiosos para tocar qualquer melodia, como acontece na flauta doce,

quando não conseguem, começam a ficar nervosos, com mãos geladas”. Os alunos apertam
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
65
Respostas extraídas do Questionário produzido pelo pesquisador e utilizado em Vigia de Nazaré na data
de 20 Março de 2006.
66
Respostas extraídas do Questionário produzido pelo pesquisador e utilizado em Vigia de Nazaré na data
de 20 Março de 2006.
84

muito a boca e os dedos no instrumento, outros ficam com a marca dos orifícios na polpa dos

dedos. Brito aconselha o aluno a gravar a posição das notas, o som do instrumento e não

mexer muito a boca. É comum o aluno “se mexer [mover] e a posição da boquilha sair do

lugar e começa a apitar [guinchar] o instrumento”. Os monitores concordam que é preciso

muita paciência e tranqüilidade porque o início é trabalhoso.

Depois de concluir a parte referente à musicalização, os alunos escolhem o

instrumento que vão tocar por meio de um teste. O aluno recebe orientação de como soprar e

segurar o instrumento. Durante duas semanas, ele permanece treinando na sede da banda

aparentemente sozinho, entretanto neste período, ele conta com o apoio do monitor e de

outros instrumentistas que estão sempre à disposição para ajudá-lo. Depois é submetido a uma

avaliação na qual o regente ou o professor observa se ele tem condições de continuar no

instrumento. Caso o regente perceba que ele se adaptou ao instrumento, a escolha está

definida, ao contrário, o aluno é aconselhado a experimentar outro instrumento. O critério é a

facilidade do aluno “tirar” o som. Brito, regente da 31 de Agosto explica que os alunos

chegam com suas preferências por um determinado instrumento, mas nem sempre essa

preferência é confirmada. Brito faz questão de frisar que, seja qual for o motivo de

desistência, incentiva o aluno a não interromper os estudos da música, mesmo que ele

demonstre uma insatisfação por ser classificado em um instrumento diferente da sua

preferência.

O passo seguinte é o da “adaptação.” O monitor trabalha com o aluno três

fundamentos: embocadura, postura e escalas. Brito enfatiza que os iniciantes são obrigados a

fazer notas longas por quinze minutos todos os dias para “se adaptar ao som, pegar

embocadura e melhorar a sonoridade”. Depois segue os métodos: Nabor Pires Camargo,

Hyacinthè Klosé e Método Completo de Divisão Musical Paschoal Bona. As lições são
85

usadas para o treinamento de leitura e das posições das notas na região grave e média. Na

seqüência, vem a escala maior e menor em várias tonalidades

Vencida estas fases o aluno inicia a leitura do repertório da banda. Brito explica que

cada aluno pode apresentar facilidades e dificuldades de execução. Em poucos meses um

aluno pode tocar um determinado “dobrado”, enquanto que outro pode encontrar muitas

dificuldades. Brito complementa que “tem alunos que pegam logo e não tem muitas

dificuldades.” Os alunos ficam nesta fase, aproximadamente, seis meses e vão se

familiarizando com o repertório da banda e com as escalas, até surgir à oportunidade de entrar

na banda. Mesmo após se tornarem integrantes da banda, continuam recebendo orientação

instrumental com o chefe de naipe por mais ou menos um ano. Essa orientação é basicamente

de leitura rítmica das músicas. Os alunos trabalham, nesta fase, os métodos Klose e Kroespch

e são orientados a decorar os dobrados. Desta forma, os alunos seguem adquirindo habilidades

e desenvolvendo a parte da leitura e da “mecânica.”67 Para quem está determinado a aprender

um instrumento, segundo os componentes da banda, uma das dificuldades é a chamada

“mecânica.” Algumas expressões ouvidas nas bandas são: “tenho pouca mecânica”, “estou

com o dedo duro” ou “o que os músicos almejam é melhorar a mecânica, a divisão, decorar as

músicas do modo mais rápido, como diz o pessoal, o modo”. Tais expressões são comuns no

interior do Pará e retratam os verdadeiros objetivos do instrumentista: conseguir, encontrar

um modo, uma maneira, de resolver a dificuldade de execução.

De maneira geral, a 31 de Agosto conta com três monitores de clarineta, Brito e Daniel

para atender os iniciantes e Marleno Silva68, clarinetista e chefe de naipe, para os mais

adiantados. Daniel, monitor dos alunos iniciantes, tem a tarefa de ensinar embocadura,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!67 Termo muito usado no interior para se referir à destreza motora, ou seja, a habilidade nos movimentos
dos dedos.
68
Por motivos internos, Marleno Silva e Renan Altamir Santos foram desligados da corporação em 2009.
Os dois eram os clarinetistas mais experientes da banda.
86

respiração, postura, posição das notas. Quanto à atividade diária de ensinar, Daniel relata

sobre as dificuldades enfrentadas:

O que prevalece é a velha teoria do dom onde umas


pessoas possuem facilidade mais do que outras. Cabe a
nós professor arranjar uma forma de ensinar essas pessoas
com facilidades e aquelas outras que tem dificuldades. Na
verdade, o professor de música não é um, é vários.
[Desempenha várias funções]. (grifo meu)

Daniel comenta que o professor ou o monitor ensina, incentiva, motiva, toca, ajuda e

dá conselhos musicais e pessoais. Perguntado sobre como se adquiri à técnica da clarineta,

Daniel responde: “É difícil falar em técnica. O termo técnica aqui pra gente é pouco usado. O

que a gente emprega é não sei tocar, estou aprendendo a tocar e já sei tocar.”

A citação nos ajuda a compreender que, neste caso, não interessa o termo técnica e sim

a intenção real do aluno em tocar um instrumento. Tudo converge para a praticidade e se

concretiza em quem consegue tocar e quem não consegue. Para Daniel, outra questão é a

sonoridade do clarinetista de banda que não deve ser comparada com a ensinada nas Escolas

de música em Belém, pois segundo ele, devemos entender que:

O som do clarinete é resultado da prática de tocar em


coletividade, do convívio dos alunos na sede, nos ensaios,
nas apresentações e nas procissões. É algo cultural. É o
nosso jeito de tocar. Esse estilo só pode sofrer mudança se
algum professor da comunidade trazer uma outra idéia de
som e influenciar tanto os iniciantes quantos os
clarinetistas da banda.69

A citação resume o pensamento musical que predomina na 31de Agosto. O jeito de

tocar dos clarinetistas destas bandas é, sem dúvida, resultado da somatória de fatores que

envolvem as explicações orais dos monitores, a percepção, a repetição e o treino. Todos esses

fatores são baseados na dinâmica cultural. Em 2007, Daniel convidou os clarinetistas da


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
69
Entrevista concedida ao pesquisador na cidade de Vigia de Nazaré em 10 de Abril de 2007.
87

banda para assistir o concerto da Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz (OSTP) na praça

matriz. No dia seguinte o monitor conversou sobre a apresentação da OSTP e ouviu dos

clarinetistas locais o seguinte comentário:

Gostamos de ouvir a orquestra e todos os instrumentos,


violinos, trompetes, trompas, trombones, cellos, menos o
som do clarinete que achamos esquisito e muito diferente
do som que conhecemos.

Julian Monteiro comentou que: “O som do clarinete que eu vi [ouvi] não era o som do

clarinete que eu ouço na banda”. Julielson Passos, outro aluno diz que: “ouvi mais não parecia

som de clarinete”.

As colocações dos alunos fortalecem a idéia de que o ambiente de ensaio da banda é um

dos fatores que influenciam na sonoridade dos clarinetistas. A presença de uma orquestra com

uma sonoridade de clarinete diferente pode trazer muitos significados. Existe uma hierarquia

que aponta que o som correto da clarineta é o som produzido na orquestra e que isso significa

um conhecimento superior aos clarinetistas da banda?

Daniel teve que dizer que por se tratar de orquestra se exigia um som diferente, com

palhetas, boquilhas e instrumental diferenciado e acrescentou: “não quer dizer que o nosso

som daqui da terra seja pior ou inferior aos deles”. Ele explicou ao pesquisador a questão do

som da clarineta relembrando que quando ele ia ouvir o som de clarineta em CD, ele achava

que não tinha o som da clarineta, ele se achava inferior. Ele ouvia falar de boquilhas boas,

palhetas ótimas, mas ele não tinha nada disso e comenta:

Comecei a prestar atenção de que não era só eu que tinha


esse som, eram todos. Foi isso que se criou aqui, foi isso
que sempre teve aqui . . o som da clarineta na orquestra é
muito bom, o som tocado na banda também é bom, o que
devemos evitar é o preconceito.
88

Tal citação reforça que dentro do processo de ensino e aprendizagem, o som da clarineta é

resultado do que é produzido e ouvido na sede da banda, nos treinos, nos ensaios, e por fim do

envolvimento dos clarinetistas com o repertório da banda.

3.7.3 INICIAÇÃO À CLARINETA NA UNIÃO VIGIENSE

Na “União” o ensino instrumental tem particularidades. Na fase da musicalização os

alunos são orientados a experimentar todos os instrumentos da banda e tornar essa escolha a

mais natural possível. Eles podem exercitar os instrumentos de madeira e de metais todos os

dias. Terminado a musicalização, o aluno já tem um instrumento de sua preferência, isto

porque segundo Alexandre Lobato, quando o aluno passa da flauta doce para um instrumento

de palheta, ele sente uma dificuldade, principalmente com a embocadura. Decorrido um ou

dois meses de experimentação, o monitor ou o regente realiza um teste para formalizar ou não

a escolha.

O passo seguinte é a fase do treinamento com o instrumento. Nesta fase, os alunos vão

receber orientação sobre notas longas, escala cromática, escalas maiores e menores. Eles

aprendem primeiro as notas sol3, fa3, mi3, re3 e do3 da mão esquerda e depois as notas

graves da mão direita (sib, lá, sol, fa). Lobato diz que a aprendizagem tem que ser rápida

porque todo ano muitos músicos saem da banda. Segundo Monteiro, a cada ano que passa, a

banda vai absorvendo, cada vez mais, alunos, e os membros experientes da banda vão se

evadindo. Atualmente a banda é formada por 60% de alunos, uma estatística bem diferente

dos anos de 1990, quando a União Vigiense era formada por vários músicos experientes.

Os métodos usados para os iniciantes são: o método de Escalas elaborado por

Monteiro e o Método do H. Klosé, do qual ele aproveita os exercícios de mecânica. Para os

clarinetistas que estão na banda, Monteiro usa o mesmo método de escalas ampliando, apenas,

a extensão dos registros para duas oitavas e os 167 Exercícios de Fritz Kroepsch, vol.1.
89

O Método elaborado por Monteiro não é editado. É organizado em dois níveis que ele

chamou de “book 1” e “book 2”. No “book 1” temos exercícios de notas longas, escala

natural em várias tonalidades, variações de escalas, estudo cromático, intervalos, arpejos e

pequenas melodias. Já no “book 2” encontramos estudo de aquecimento, variações de escalas

cromáticas, arpejos, inversões e estudo em intervalos de terças. Os exercícios de escalas são

para três níveis de execução como explica Monteiro:

As escalas são divididas em três fases. Pra quem está


começando, a gente passa primeiro uma oitava com as
notas mais graves pra pegar mais apoio e mais resistência,
aí depois duas oitavas pra começar a pegar resistência nos
agudos e depois a fase dele [se referindo ao aluno mais
adiantado] que a gente já passa toda a extensão do
instrumento indo até a nota mais aguda que se possa tirar
na escala.70

Os monitores Monteiro, Lobato, Raiol afirmam que os alunos estudam mais escalas,

notas longas e lições para o desenvolvimento dos mesmos. Depois eles seguem para os

ensaios de naipes. Caso o aluno tenha dificuldade em executar uma passagem, o professor

pode ajudá-lo no final dos ensaios de naipes. Os três monitores concordam que os alunos

precisam “caminhar” sozinhos e Raiol reafirma a sua posição:

“A gente deixa eles se virarem um pouco, pra eles


irem andando um pouco com as suas próprias pernas” e
para não ficarem dependendo toda hora do professor,
evitando assim, frases como: “estou esperando o professor
para ele vim me ensinar”.71

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
70
Entrevista concedida ao pesquisador na cidade de Vigia de Nazaré em 20 de Novembro de 2008.
71
Entrevista concedida ao pesquisador na cidade de Vigia de Nazaré em 20 de Novembro de 2008.
90

Lobato diz que “a pessoa tem que dar um jeitinho até chegar [treinar sozinho até

consegui vencer as dificuldades de execução]”.

O ensino da clarineta é baseado nos ensaio de naipes, entretanto, existem os estudos

individuais de métodos e lições. Quanto as dificuldade no ensino da clarineta, Lobato

confirma que a falta de palheta é o que mais dificulta as aulas e Monteiro aponta como uma

das maiores dificuldades do aluno a maneira de colocar as mãos no instrumento dizendo que:

Quando um aluno vai pegar [estudar] um exercício que a


rapidez é maior, então ele tem muitas dificuldades nesses
[nos] dedos indicadores porque ele sempre tem o costume
de levantar esses dedos. Esse movimento é desnecessário.
Quando se vai tocar uma passagem com muita velocidade,
o ideal é não levantar muito os dedos e deixando, assim, a
mão no formato mais circular, deixando os dedos mais
livre, para ter mais agilidade.72

Outro detalhe observado por Monteiro é que o aluno não deve “deixar os dedos retos

ou quebrados nas articulações porque tudo [isso] vai atrapalhar na mecânica”.

A posição dos dedos, segundo Monteiro, é importantíssima porque na hora da música,

o aluno não vai ter tempo de posicionar os dedos, ou seja, as mãos devem estar sempre

prontas para tocar, a qualquer momento, todas as chaves do instrumento.

As aulas de clarineta são realizadas em salão aberto e não em salas fechadas. Há por

isso, a propagação de vários ruídos externos: veículos, barcos, carros de propaganda e rádio

comunitária. No meio deste ambiente é que acontece o ensino e o aprendizado instrumental da

“União”.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
72
Entrevista concedida ao pesquisador na cidade de Vigia de Nazaré em 20 de Novembro de 2008.

!
91

Na União vigiense, os alunos são orientados pelo professor Monteiro a “esticar o

queixo para tirar a pressão da garganta”. Também recomenda fazer uma leve pressão nos

cantos da boca. Ele pede ainda para relaxar os lábios, não dobrar muito os lábios inferiores

para dentro da boca, deixar os dentes superiores apoiados na boquilha, não apertar a palheta,

não colocar muita força dos dentes inferiores nos lábios para evitar os indesejáveis “apitos”. É

desta forma que Monteiro ensina embocadura.

Os clarinetistas que eram antes orientados a puxar os cantos dos lábios, hoje são

orientados a fechar bem os cantos dos lábios. Eles recebem orientações sobre a importância

do posicionamento da mão direita para facilitar a manipulação digital. Na Rodrigues dos

Santos há uma preocupação neste sentido, segundo Cardoso, corrigir a posição das mãos e

dedos é um trabalho árduo, pois mesmo explicando aos alunos, alguns esquecem as

orientações.

Para Monteiro, o posicionamento da mão e do polegar direito, em alguns casos, deve

direcionar-se levemente para frente deixando o dedo mínimo melhor posicionado. Na

pesquisa de campo, a orientação dos monitores quanto à mão direita sempre esteve ligada à

indicação básica de que o polegar direito é o apoio principal do instrumento. Muitos destes

alunos empurram a clarineta contra a boca sobrecarregando os punhos e dificultando o

movimento da musculatura dos dedos. Neste sentido, Stein (1958, 28) alerta para as falhas

encontradas no posicionamento das mãos e dos dedos observando que: “tensão indevida no

corpo . . . é susceptível de ser transmitida aos punhos, mãos e dedos. Inversamente, áreas

relaxadas influenciam outras áreas beneficamente”.73

Concluindo segue uma síntese das fases do ensino da clarineta nas três bandas.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
73
Undue tenseness in the body, such as hard embouchure or neck muscles, is likely to be transmitted to the
wrists, hands, and fingers. Conversely, relaxed areas influence other areas beneficially.
92

RODRIGUES DOS SANTOS 31 DE AGOSTO UNIÃO VIGIENSE

1. PERÍODO DE ADAPTAÇÃO

Escolha do instrumento: feita pelo Escolha do instrumento: “fazer o A escolha do instrumento: ocorre
aluno, ele treina com o instrumento teste”. Ocorre depois da durante a musicalização mediante
um mês e meio antes da confirmação musicalização mediante uma uma avaliação realizada pelo
da escolha. avaliação. regente.
Duração da adaptação: De três a Opção de escolha: Feita pelo Opção de escolha: Do aluno e a
seis meses. regente, o aluno poderá trocar de avaliação o habilita.
Ensino coletivo. instrumento posteriormente. Ele O aluno treina com o instrumento
Fundamentos: postura, embocadura treina com o instrumento de duas a um mês antes da definição desta
e escalas. Notas usadas: SOL3 ao três semanas antes da definição da escolha.
DÓ3. escolha. Duração da adaptação: dois
Exercícios: lições elaboradas pelo Duração da adaptação: de três a meses.
regente ou monitor. Figuras musicais seis meses. Ensino coletivo.
usadas: semibreve, mínimas e Ensino coletivo. Fundamentos: postura,
semínimas. Fundamentos: postura, embocadura embocadura e escalas. Notas
e escalas. Notas longas. longas.
Avaliação: baseado na freqüência e
Exercícios: baseados em escalas e Exercícios: baseados em escalas.
participação dos alunos nas aulas.
hinos religiosos e dobrados de nível
fácil.

2. PRÁTICA INSTRUMENTAL

Pré-banda: treinamento individual e


ensaio de naipe.
Fundamentos: técnica, respiração e Métodos: Coletânea exercícios de
Métodos: Coletânea de métodos
aprimoramento de leitura métrica. escalas e intervalos organizados
organizados a partir de algumas
Métodos: Domingos Pecci, pelos monitores da banda em dois
lições do Nabor Pires, H. Klosé,
Kreopsch e lições elaboradas pelo volumes. Treino de hinos e de
Pascoal Bona distribuídos pela
regente. música popular brasileira
direção da banda.
Repertório: hinos religiosos, música (chorinho e samba).
Treino de hinos e de música popular
popular brasileira como dobrados, Ensaio de naipe
brasileira (chorinho e samba).
sambas, carimbó, chorinho e arranjos Ensaio geral com a banda.
Repertório: hinos religiosos,
de música clássica. Os alunos são Repertório: hinos religiosos,
música popular brasileira com
incentivados a tocarem duos e trios e música popular brasileira e
destaque para dobrados e sambas.
participam de recitais. arranjos de música clássica.
Avaliação: baseado na freqüência e
participação dos alunos nos recitais.
3. PRÁTICA DE BANDA

Leitura de repertório Leitura de repertório


Leitura de repertório
Ensino coletivo iniciando com os Ensino coletivo iniciando com os
Ensino coletivo iniciando com os
naipes das madeiras e depois com a naipes das madeiras e depois com a
naipes das madeiras e depois com a
banda completa. banda completa.
banda completa.
Tempo: seis meses. Tempo: seis meses
Tempo: seis meses
O repertório da banda se O repertório da banda se
O repertório da banda é um dos
transforma em referencial de transforma em referencial de
referenciais de técnica. Partindo das
técnica. Partindo das dificuldades técnica. Partindo das dificuldades
dificuldades de leitura ou de execução,
de leitura ou de execução, o aluno de leitura ou de execução, o aluno
o aluno supera suas limitações na
supera suas limitações na execução supera suas limitações na execução
execução musical.
musical. musical.
Tabela 6 - As fases de ensino da clarineta nas três bandas
103

________________________________________CAPÍTULO 4
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Depois de classificar e organizar os dados em categorias buscou-se interpretar essas

informações para atingir os objetivos da pesquisa. As informações foram geradas a partir da

análise de 15 sujeitos membros clarinetistas das três bandas (cinco de cada banda estudada).

Essa análise possibilitou a descrição da técnica de execução da clarineta demonstrando

evidencias de fatos representados por semelhanças, diferenças e particularidades de execução.

Os dados encontrados são relevantes para compreender e responder a questão do estudo. As

categorias analisadas estão divididas em postura do corpo e posição das mãos e dedos,

embocadura, respiração, sonoridade (timbre, afinação, e intensidade) e articulação. Outros

fatores observados se mostraram determinantes para a complementação dos resultados: o

contexto cultural e a sonoridade da banda. Os 15 sujeitos foram os mesmos que participaram

tanto da avaliação sobre a técnica quanto sobre a sonoridade.

Os elementos como sonoridade, articulação, afinação e intensidade foram analisadas

por cinco clarinetistas profissionais que exerceram a função de avaliadores e examinaram

gravações de trechos executados individualmente pelos 15 sujeitos. Foi levado em

consideração o período de prática instrumental, a experiência na banda, e a qualidade dos

acessórios utilizados (instrumento, boquilha e palheta).

4.1 CARACTERÍSTICAS DE EXECUÇÃO DOS CLARINETISTAS NAS TRÊS


BANDAS

4.1.1 POSTURA DO CORPO E POSIÇÃO DAS MÃOS E DEDOS

Os apoios da clarineta no corpo estão na boca, na mão e no ombro. Em decorrência

deste fato, a questão postural interfere na execução e possibilita uma posição confortável para
104

o desempenho instrumental. Klug (1997, 60), Colwell e Goolsby (1992, 258), concordam que

tanto a angulação da clarineta em relação ao corpo quanto o posicionamento das mãos e dedos

são relevantes para estabelecer uma boa postura e facilitar a execução da clarineta.

Entre os cinco sujeitos representantes da banda Rodrigues dos Santos, observou-se que

a angulação entre a clarineta e o corpo do instrumentista está assim distribuída: Dois sujeitos

apresentaram uma angulação de aproximadamente 40º e três uma angulação de 55º. O que nos

permiti afirmar que a angulação predominante, nesta banda, tende a ser um pouco aberta com

a clarineta distante do corpo. Este conjunto de angulação segue em parte as recomendações de

clarinetistas profissionais como Pino (1980, 67, 138), Stubbins (1954, 212) e Klug (1997, 60),

que é de 30º a 45º. !

!55º!

Fig. 11 – Angulação Clarineta/Corpo do instrumentista de 55º


!
Na figura 11, o eixo de rotação látero-lateral do ombro de um desses cinco

clarinetistas eleva o cotovelo para frente ampliando sua angulação. Também a posição da

cabeça do indivíduo está um pouco curvada. A posição está afetando o ângulo da boquilha em

relação aos dentes, atingindo aproximadamente 90º. Bonade (apud Kycia, 1999, 30)

recomenda que “a boquilha deveria ser posta sobre o lábio inferior e a uma polegada e meia

da ponta da palheta, a um ângulo de 45º.” Stubbins (1954, 212) recomenda que a postura para

segurar a clarineta não pode ser menos de 30º e nem mais de 60º, a distância satisfatória é
105

manter um ângulo de aproximadamente 45º graus do corpo. Pino (1980, 67) propõe um

ângulo entre 35º e 40º.

A angulação da figura 11 provoca uma tensão no trapézio (musculatura das costas)

que pode deixar a musculatura dos ombros, braços menos relaxada. Caso ele corrija essa

posição, mas mantenha o mesmo ângulo de entrada da clarineta na embocadura, o instrumento

ficaria aproximadamente 90º em relação ao corpo. Seria necessário corrigir a posição da

cabeça, mantendo o olhar para o horizonte, e diminuir o ângulo entre a clarineta e os dentes.

Pino recomenda que a cabeça e o pescoço do aluno devem estar relaxados, bem como seus

ombros, cotovelos, punhos e dedos. Ele orienta que a cabeça deve estar ereta. (1980, 138).

Entre os sujeitos da Rodrigues dos Santos, o posicionamento das mãos e dedos está

relacionado com seus tamanhos, com a força da polpa dos dedos aplicada na clarineta e com a

qualidade do material manipulado por essas mãos, neste caso, geralmente, instrumentos em

mal estado de conservação e com vazamento. Este fato foi observado pelo avermelhamento

das extremidades da unha, in loco e em fotos, enquanto eles tocavam. Durante a

aprendizagem instrumental, os instrumentos cedidos aos alunos são geralmente com muitos

anos de uso. Por isso, em muitos casos, ao utilizar um instrumento com vazamento, o iniciante

é obrigado a pressionar com força as polpas dos dedos contra os orifícios e anéis do

instrumento para diminuir possíveis vazamentos. O clarinetista se acostuma com essa pressão,

mesmo que futuramente venha a usar um instrumento bem abafado82. Em decorrência desses

fatos 80% dos sujeitos da Rodrigues dos Santos apresentaram hiper-extensão nas falanges

distal83, uns nos dedos da mão direita, outros nos da mão esquerda, principalmente o médio e

anelar, como podemos observar no Vídeo n.4, anexado a este trabalho. Para Pino (ibid., 138),

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
82
Na região da pesquisa se usa o termo abafado para se referir à vedação dos orifícios do instrumento pelo
uso de pequenos botões chamados de sapatilhas ou abafadores.
83
A estrutura óssea dos dedos é composta de três falanges. A 1ª falange, mais próxima da mão, é chamada
de proximal (FP), a 2ª média (FM) e a 3ª de distal (FD).
106

os dedos deveriam estar em um formato arredondado e sem muita pressão contra os orifícios.

Portanto o ideal seria um movimento isotônico dos dedos arredondados e não esticados ou

quase retos.

Fig. 12 – Movimento de Hiper-Extensão nas falanges

Foi observado também a angulação da posição do polegar esquerdo em relação à

clarineta. Apenas três dos cinco sujeitos da Rodrigues dos Santos apresentam posições

semelhantes à recomendada pelos professores clarinetistas profissionais. Stubbins (1954, 212)

afirma que a posição correta deste dedo deveria formar um “X” em relação à posição do

indicador esquerdo. Ou seja, estes dedos juntamente com a clarineta deveriam formar um

triângulo eqüilátero (Ver a Figura n.13). O polegar forma um ângulo de 45º em relação ao

eixo vertical inferior do instrumento e o indicador em relação ao superior.

!!P!

!!!I!

Fig. 13 – Posição do polegar


P = Polegar, I = Indicador
107

Na banda 31 de Agosto, dois sujeitos apresentaram uma angulação de 30º e três

sujeitos uma angulação de aproximadamente 40º entre o instrumento e seu corpo. Esta

angulação segue as recomendações de clarinetistas profissionais como Pino (1980, 67, 138),

Stubbins (1954, 212) e Klug (1997, 60), que é de 30º a 45º.!

40º!

Fig. 14 – Angulação Clarineta/Corpo do instrumentista de 40º

Quanto à movimentação dos dedos, podemos afirmar que 90 % dos sujeitos da 31 de

Agosto tocam com os dedos menos encurvado, portanto, mais reto e com hiper-extensão nas

falanges distal dos dedos médio e anelar da mão esquerda. Foi observado também que 30%

dos sujeitos apresentavam uma contração isométrica84 no dedo mínimo da mão esquerda,

como podemos observar no Vídeo n.5, anexado a este trabalho.

Fig. 15 – Movimento de Contração Isométrica


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
84
Quando um músculo contrai-se e produz força sem alteração macroscópica no ângulo da articulação.
!
108

O posicionamento do polegar esquerdo em relação à clarineta teve o seguinte

resultado: três sujeitos apresentaram uma angulação de aproximadamente 45º e dois de 15º.

Já o posicionamento do indicador esquerdo, responsável pelas notas FA#, SOL#3 e

LÁ, foi assim observado: Três deles apresentam um posicionamento dos dedos no formato de

X conforme recomendado por Stubbins (1954, 212), e dois com angulação de 80º. Esta

angulação distancia as mãos do corpo superior da clarineta dificultando a ação mais rápida do

indicador esquerdo nas chaves próximas. A angulação de 45º é mais fechada e aproxima as

mãos do corpo do instrumento tornando mais fácil a ação do indicador nas chaves. Sendo

assim, três deles apresentam um posicionamento desses dedos no formato de X conforme

recomendado por Stubbins (1954, 212).

Na União Vigiense, dos cinco sujeitos analisados três apresentaram uma angulação

entre 20º e dois de 30º. Portanto, a predominância, neste contexto foi do uso de ângulo

fechado. Esta angulação predominante não corresponde às especificações recomendadas pelos

clarinetistas profissionais, a que mais se aproxima é a de Klug (1997, 60) que indica um

ângulo de 30º a 45º.

!!20º!

Fig. 16 – Angulação Clarineta/Corpo do instrumentista de 20º

Sobre as posições dos dedos verificou-se que, apesar das recomendações dos

monitores sobre a forma arredondada dos dedos (Vídeo n.6), 40% dos sujeitos apresentaram
109

os dedos retos com tendência a hiper-extensão nas falanges distal dos dedos médio e anelar da

mão esquerda. Observou-se também que o angulo do indicador esquerdo predominante foi de

45º. O posicionamento do polegar esquerdo predominante é de 40º. Sendo assim, eles

apresentam uma posição entre, estes dedos, próxima do formato do X, proposto por Stubbins.

4.1.2 EMBOCADURA

!Fazer uma abordagem sobre embocadura é levar em consideração que cada pessoa

tem seu próprio formato de rosto, de arcada dentária, de lábios e de mento (queixo),

principalmente se estes tiverem possíveis deformidades faciais,85 e que o conjunto desses

elementos também é único em cada um. Esses fatores, junto com o período de “adaptação” ao

instrumento, com ou sem orientação de um professor, levam a acomodação do instrumentista

a um determinado formato de embocadura. Não foi considerada a relação entre o aspecto

psicológico dos clarinetistas e suas embocaduras. Certamente, frente às dificuldades ou

facilidades da tarefa de se produzir determinados sons em um instrumento, o aspecto

psicológico atua e concorre na formação da embocadura.

A pesquisa de campo evidenciou que nenhum clarinetista das três bandas pesquisadas

usa embocadura dupla. Segundo Pino (1980, 59) embocadura dupla é aquela em que o lábio

superior é colocado entre a boquilha e os dentes em vez de colocar os mesmo diretamente na

boquilha, a mesma definição é compartilhada por Weston ( 1982, 20).

Os dados demonstraram também que, em função das particularidades físicas de cada

um, cada clarinetista tem uma embocadura peculiar. A fim de facilitar o estudo, as

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!! 85 Retrognatismo (queixo pequeno para dentro ou pouco desenvolvido) e Prognatismo (queixo grande para
fora).
110

embocaduras simples86 encontradas foram agrupadas e classificadas em três formatos

principais: 1) embocadura em “forma de U” ou oval vertical, 2) embocadura semi-rígida ou

quase flácida e 3) embocadura com enrugamento por tensão. Foi também observado que

alguns alunos e clarinetistas apresentavam enrugamento no mento e formação de bolsa de ar

na maça do rosto. O aparecimento destas duas formas se deve a reação natural dos músculos

da face ante a ação de soprar o instrumento. Quando a musculatura não está devidamente

tensa formam-se as bolsas de ar no mento ou na maçã do rosto. Um dos motivos que levam

um clarinetista a enrugar o mento é sua intenção, consciente ou não, de diminuir a distância

entre a palheta e a boquilha para facilitar a produção do som. Ele utiliza a força dos músculos

e da mandíbula, muitas vezes associada a do mento, para carregar a palheta para mais

próximo da boquilha, ou seja, ele realiza uma “força de carregamento” para por a palheta em

vibração.

A embocadura em forma de “U” ou oval vertical recebe este nome quando o mento

adquire este formato ao soprar. Pino (1980, 135) recomenda aos alunos que pense no formato

oval vertical para dar controle e segurança para a musculatura da boca e influenciar de

maneira positiva a formação da embocadura. Este tipo de embocadura foi observada em seis

dos 15 sujeitos analisados, dois da Rodrigues dos Santos, dois da União Vigiense e dois da 31

de Agosto. Considerando os cinco sujeitos cada banda, pode-se afirmar que este tipo de

embocadura representa 40% dos indivíduos analisados.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
86
Nos anos de 1970, tanto na capital como no interior do Estado, existiam duas maneiras de formar a
embocadura para soprar o instrumento: 1) a embocadura dupla caracterizada pelos lábios superiores e inferiores
levemente dobrados em direção à parte interna da boca; e 2) a embocadura simples com dentes superiores
apoiados na boquilha e os lábios inferiores levemente dobrados. Este último modelo se fixou no Estado do Pará e
o primeiro caiu em desuso.
111

Fig. 17 – Embocadura em formato de “U”

Na Figura 17, podemos observar uma das características da embocadura em forma de

“U” que são as “traves”. Elas são as linhas verticais que se formam nos cantos da boca. O

músculo que é solicitado e sofre essa contração é o orbicular da boca e o bucinador (Lossow,

1990, 159). Não se pode afirmar que a embocadura em formato de “U” é o modelo ideal. O

formato “U” é recomendado por Klug (1975), Pino (1980) e Stein (1982).

A embocadura semi-rígida ou quase flácida apresenta a musculatura em torno da boca

pouco esticada. Entre os sujeitos analisados três são da “União”, dois da 31 de Agosto e um

da Rodrigues dos Santos. Portanto, 40% dos sujeitos utilizam este formato, sendo a maioria

da União Vigiense.

Fig. 18 – Embocadura semi-rígida

A embocadura com enrugamento por tensão é caracterizada pela contração dos

músculos do mento. O enrugamento do mento pode também se dar na embocadura semi-

rígida. Contudo, nesta terceira classificação incluímos apenas aquelas onde o enrugamento do

mento se dá por tensão muscular e que geram força de carregamento excessivo. Alguns
112

fatores contribuem para o aluno adquirir essa forma, entre eles estão os que dificultam a

produção do som: a boquilha muito aberta, a dureza excessiva da palheta e a falta de pressão

de ar suficiente para soprar o instrumento. Devido o recuo do mento, o aluno ao tentar emitir

o som provoca a contração involuntária desses músculos.

Entre os analisados apenas dois sujeitos da Rodrigues dos Santos apresentaram este

formato, se forem considerados apenas os indivíduos da Rodrigues dos Santos, isto representa

40%. As figuras 19 e 20 são exemplos de embocaduras com enrugamento do mento por

tensão.

Fig. 19 – Mento com retrognatismo e enrugado

A boquilha muito dentro da boca foi registrada em três sujeitos da “Rodrigues”,

representando 60%. Segundo Bonade, os dentes superiores devem estar apoiados na boquilha

aproximadamente à meia polegada (12,7 mm) de sua ponta. Nas Figuras 19 e 20, pode-se

notar que a boquilha se encontra demasiadamente dentro da boca.

Na Figura 20, os cantos da boca estão bem fechados tencionando o músculo orbicular,

contudo o mento está contraído e empurrando os lábios contra a boquilha. Apesar disso, pode-

se observar a formação das “traves”.


113

!
Fig. 20 – Área do mento (queixo) com enrugamento

Também foi notada na pesquisa de campo a embocadura com a formação de uma

bolsa de ar na maçã do rosto como podemos observar na Fig. 21

Fig. 21 – Bolsa de ar na maçã do rosto

Lossow (1990, 159) diz que “ a compressão das bochechas pode também forçar o ar

entre os lábios, o que contribui para a origem do nome do músculo (bucinador é a palavra

latina para trombeteiro)”. Entende-se então que o músculo bucinador da figura 21 está com

uma posição abduzida por utrapassar o eixo mediano do rosto.

Nas três bandas, todos os sujeitos apóiam os dentes superiores na boquilha. Alguns

clarinetistas exageram na pressão tanto dos maxilares como das mandíbulas chegando a

formam marcas de mordidas dos dentes na boquilha como se observa na figura 22. Bonade, o

fundador da escola americana de clarineta, citado por Kicia (1999, 38) recomenda não apertar
114

os lábios superiores nem inferiores contra a boquilha e palheta, evitando morder no momento

de tocar. Eles devem apenas estar rígidos.

Fig. 22 – Boquihas com marcas de dentes

4.1.3 RESPIRAÇÃO

Segundo Stubbins (1958, 200-202), “Respiração é o processo de trocar gases gerados

no corpo por gases externos que são requeridos”. Ele comenta que o corpo vibracional do

instrumento é ativado pela respiração do executante que, por sua vez, é a energia inicial capaz

de estabelecer a coluna de ar que gera, através do mecanismo da embocadura, palheta e

boquilha, a vibração necessária para produzir o som. O domínio da respiração requerido para

tocar é maior do que o requerido para manter as funções orgânicas do corpo. Primeiramente, o

ato de tocar requer que o aluno acostume a soprar constantemente. Isto exige muito mais força

que o simples ato de exalação. Depois, ele demanda o controle do sopro (da quantidade e da

velocidade do ar) para obter as diferentes nuances do som.

Apesar da importância da respiração como fundamento essencial para o executante, este

assunto foi pouco observado no processo de ensino aprendizagem durante a pesquisa de

campo. Quando o aluno pergunta como é que se sopra o instrumento, a resposta quase sempre

é “colocando a boquilha na boca até se acostumar”.


115

Na 31 de Agosto, os monitores falam da respiração usando o termo “sopro” ou

“fôlego” (capacidade de soprar ou reter o ar nos pulmões). Eles dizem que os alunos precisam

respirar bem para realizar um determinado exercício de escalas ou notas longas, sem explicar

como ela se dá. Nesta concepção a respiração é uma atividade física que não necessita de

explanação ao aprender o instrumento, apenas de prática. Concordando com esta concepção,

Dra. Janete Kagarice, trombonista e pedagoga da Universidade do Texas, em recente palestra

proferida em Belém durante o 87Encontro Regional de Trombone explicou que a respiração e

emissão do som têm que ser feita de maneira natural sem nenhum tipo de preparo especial ou

de teorias fisiológicas. As evidencias colhidas na pesquisa de campo parece apontar para esta

tendência.

O indivíduo, através da ação de tocar ou da realização de exercícios de notas longas,

vai naturalmente se adequando às necessidades de manter um determinado fluxo de ar que

compense tanto a oxigenação que ele necessita quanto a necessidade de manter a coluna de ar

funcionando. Portanto, na 31 de Agosto, a respiração tem apenas a função de atividade física

e não uma relação com o tratamento fraseológico da música.

Na banda Rodrigues dos Santos o tema respiração segue os mesmos procedimentos que

se verifica na 31 de Agosto. Respiração passa a ser uma experiência individual e não uma

resultante do ensino do instrumento. Não ocorre o ensino específico dela (teórico ou prático),

o que se dá é apenas sua prática direta ao instrumento. É o ato de experimentar o instrumento

ou soprar na boquilha, pela primeira vez, que exige do aluno uma inspiração mais

contundente dos pulmões. A respiração, mesmo com raras explicações aos alunos, vai sendo

trabalhada indiretamente ao praticar o instrumento. De qualquer maneira, Stubbins (1958,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
87
A palestra foi realizada em 20 de fevereiro de 2009 no Instituto Estadual Carlos Gomes e envolveu
principalmente assuntos relacionados às pesquisas da Dr. Janete Kagarice cujo conteúdo refere-se aos problemas
físicos e musculares da embocadura.!
116

202) confirma que “respirar é um processo involuntário que pode ser modificado por ação

voluntária”.

Ao contrário, na União Vigiense, os alunos recebem noções sobre o mecanismo de

respiração (Vídeo n.7). Durante uma aula de clarineta, o monitor de clarineta Monteiro faz

questão de detalhar como deve ser a respiração para se tocar a clarineta. Ele faz as seguintes

demonstrações:

Não puxe o ar para cima, esqueça o peito de vocês agora.


A gente vai respirar para baixo, para o diafragma. Segura
[o ar] e vai soltando gradativamente. Conforme tu [você]
vai soltando [-o], o que vai controlar o ar de vocês
[controlá-lo] (a quantidade de ar que vai sair) é o
diafragma. Vocês não podem pegar, assim, [de qualquer
maneira] e encher o diafragma e soltar só de uma vez, e
vai embora a barriga. Não. Ele vai controlar, vai secando
conforme você vai soltando o ar. Se você vai soltar mais
rápido o ar, vai secar mais rápido, se você controlar um
pouco mais, vai demorar mais para esvaziar o diafragma.

Apesar de falhas nas declarações acima, o que o monitor quer explicar está de acordo

com os princípios de respiração defendidos pelos especialistas. Ele deseja demonstrar a

respiração diafragmática e seu controle. Para isso, ele informa que não se devem suspender os

ombros (respiração superior) ao inalar e que os músculos da barriga devem controlar o sopro

(a expiração). Contudo, há equívocos fisiológicos quanto ao que é o músculo diafragma e

sobre seu funcionamento.

Weston (1982, 51-52) defende que o controle da coluna de ar depende do conhecimento

dos processos físicos e que o gerador de energia para a respiração é o diafragma. Em seu

compedium, citado por Kycia, Bonade escreveu: “o som do clarinetista deve vir do

diafragma”. O uso do diafragma como músculo essencial à respiração instrumental e o


117

controle do som são bastante detalhados por Stubbins (1954), o mesmo acontecendo com

Stein (1958), Pino (1980), Weston (1982), Pay (1995), Klug (1997) e Kycia (1999).

Pode-se concluir que nas bandas visitadas, a variante respiração ocorre de maneira

espontânea. Muitos dos clarinetistas respiram mais pelas necessidades fisiológicas do que

pelos aspectos musicais.

4.1.4 ARTICULAÇÃO

Os dados coletados na pesquisa de campo possibilitaram concluir que a articulação é

um assunto pouco abordado pelos monitores de clarineta e regentes. As poucas vezes que o

pesquisador observou alguma explicação sobre o assunto foi no início da adaptação do aluno

ao instrumento - quando o regente ou monitor referia-se à emissão das notas através do

“ataque de língua” - e durante alguns ensaios das bandas. Raramente o regente ou monitor dá

uma atenção maior para esse tipo de fundamento. Na prática, os alunos entendem a

articulação como sendo o som “batido” (termo local) ou o ligado. Como mencionado na

revisão de literatura, no tópico sobre articulação, Pino (1980, 82-83) faz referência sobre o

uso do termo “ataque” dizendo que clarinetistas experientes e professores usam o termo para

descrever a ação do inicio do som através da língua. Ele prefere o termo “tonal entrance”

(início do som) e completa “Airflow is what causes tonal entrance” (a corrente de ar é o que

causa o início do som). O que faz gerar o som é a corrente de ar e não a língua. Por isso, o

termo ataque para ele parece muito forte.

Nas bandas, a emissão do som se confunde com o ataque do som, com o golpe curto

feito pelo contato da língua na palheta. Os regentes e monitores ensinam que se deve usar a

língua para golpear a palheta, afirmando que isso facilita a emissão do som, sendo um

impulso dado para a nota não falhar. Esta maneira se transformou em uma prática de
118

execução. Apesar das explicações dos regentes e monitores, nota-se que o uso da língua nem

sempre é uma regra, alguns clarinetistas usam a garganta. Tanto a Escola de Música da

Universidade Federal do Pará como o Instituto Estadual Carlos Gomes recebem alunos do

interior do Estado. Os professores destas instituições admitem que boa parte dos clarinetistas

do interior faz uso excessivo da língua e outros o uso de garganta.

Como mencionada na Metodologia, este estudo optou por analisar a variável articulação

a partir dos termos da prática da clarineta em vez da utilização da análise espectral, com a

participação de avaliadores clarinetistas. A prática de clarineta usa termos próprios para se

referir aos diferentes tipos de articulação. Esses termos são utilizados na literatura

especializada, como no caso de Goolsby (1992, 265) ao mencionar as expressões “heavy,

harsh tonguing” (articulação pesada e rude). Ele salienta que um dos problemas mais

freqüentes de articulação “é o uso desta articulação pesada”.

Quanto à avaliação, os avaliadores discorreram sobre a seguinte proposição: “Descreva

a articulação quanto à clareza e outros aspectos que considere relevante”. Os termos utilizados

por eles e que foram incorporados nos parâmetros de análise foram: a clareza de articulação

das notas ligadas e separadas, e a dificuldade de realizar tal articulação88. Em relação à forma

de articular foram utilizados os termos de ataques de “língua” ou “garganta”. Esses termos

foram considerados por serem usual na pedagogia acadêmica. Alguns avaliadores fizeram

referências sobre as prováveis causas da dificuldade de articular como: o pouco tempo de

experiência instrumental dos sujeitos, as condições desfavoráveis dos acessórios usados, a

deficiência respiratória e a falta de controle da embocadura. Houve muito pouca menção do

termo “pesado” em relação à articulação ou ataque.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
88
!Entenda-se clareza como o modo de pronunciação do som.
119

Os resultados sobre a variável articulação em relação a cada banda estão detalhados

abaixo. Antes de apresentá-los, é importante relembrar que são cinco clarinetistas por banda.

Cada clarinetista gravou um trecho de uma música, gravando o que foi sugerido pelo seu

regente ou o que desejava. Cada gravação foi avaliada cinco vezes por cinco avaliadores,

totalizando 25 avaliações para cada banda.

Em relação à Rodrigues dos Santos, 48% das avaliações (ou 12 das 25 avaliações)

indicam que os clarinetistas apresentam clareza nas articulações das notas ligadas e separadas,

enquanto que 52% (13 delas) demonstram que eles têm dificuldades de articulação. Seis

avaliações notaram o uso de ataque de língua, uma o ataque de garganta, três alternância entre

ataques de garganta e língua, e 15 nada mencionaram.

60 !
Articulação
52%!
50 ! 48%!

40 !
Rodrigues
dos Santos
30 ! CLAREZA (NOTAS
LIGADAS E SEPARADAS)!

DIFICULDADE
20 ! DE ARTICULAÇÃO!

10 !

0 !
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3!SUJEITO 4! SUJEITO 5! %!

Gráfico 1 – Articulação da clarineta

!
Já na banda 31 de Agosto, 28% das avaliações são do parecer que há clareza de

articulação nas notas ligadas e separadas, enquanto 72% dizem haver dificuldade de

articulação. As notas separadas nos registros agudos foram uma das dificuldades observadas

em 20% das avaliações. Alguns avaliadores citaram que as dificuldades encontradas poderiam
120

ser causadas pelas condições inadequadas dos instrumentos, boquilha, palhetas ou pelo pouco

tempo de experiência dos sujeitos.

80 !
Articulação 72%!
70 !

60 !
31 de Agosto
50 !
CLAREZA (NOTAS
LIGADAS E SEPARADAS)
40 ! !
DIFICULDADE DE
ARTICULAÇÃO
30 ! 28% !

20 !
!

10 ! !

0 !
SUJEITO 1!SUJEITO 2! SUJEITO 3!SUJEITO 4!SUJEITO 5! %!

Gráfico 2 – Articulação da clarineta

Observou-se também que em alguns trechos musicais, as notas ligadas eram realizadas

independentes da indicação gráfica de ligadura na partitura. Um exemplo notado foi de um

trecho musical sem ligadura que o sujeito executa de maneira ligada. O mesmo ocorria

quando havia uma seqüência de notas de curta duração, ou rápidas. Os sujeitos experientes

realizavam este recurso da ligadura. Os sujeitos menos experientes demonstraram falta de

habilidade para articular com a língua, mesmo que o fraseado musical não fosse rápido. Há,

portanto, uma deficiência em sincronizar a língua com a movimentação dos dedos.

Conclui-se que, na 31 de Agosto, a exigência e cobrança da forma de articular não é a

preocupação principal, mas sim a simples necessidade de executar as alturas e ritmos corretos

das notas. Uma outra explicação às dificuldades e ausência de esmero na articulação é a

evasão dos clarinetistas ainda em formação. Eles deixam a banda com pouco tempo de

treinamento, não tendo tempo suficiente para se dedicar a articulação. O mesmo ocorre com
121

os outros instrumentos. Consequentemente, o maestro não tem como exigir uma articulação

de mais qualidade do grupo musical.

Na União Vigiense, 56% das avaliações indicaram clareza na articulação e 44%

dificuldade na mesma, sendo desses, 24% nos registros agudos. Os fatores que implicaram

neste resultado foram o grau da dureza da palheta, habilidade instrumental de dois sujeitos (4

e 5) e o pouco tempo de prática de três sujeitos.

60 !
Articulação !
50 !
44%!

40 !
União Vigiense
30 ! CLAREZA (NOTAS
LIGADAS E SEPARADAS)

DIFICULDADE DE
! ARTICULAÇÃO

10 ! !

!
0 !
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3! SUJEITO 4 SUJEITO 5! %!

Gráfico 3 – Articulação da clarineta

Nas três bandas, os alunos aprendem graficamente a diferença entre notas ligadas e

separadas. Os clarinetistas sabem identificar um trecho ligado (com ligadura) ou articulado na

partitura. A dificuldade é diferenciar essa execução na prática. Para eles, muito mais

importante do que a articulação é a capacidade de “tirar” uma música. Havendo ou não notas

separadas ou ligadas, cada clarinetista deve procurar encontrar um jeito de usar a língua ou a

garganta, ser prático e obter resultados. O trecho musical executado por sujeitos da mesma

banda pode ter diferentes procedimentos para articular. As 15 gravações anexadas neste

trabalho comprovam este fato.


122

4.1.5 SONORIDADE

Daniel Segundo, clarinetista e monitor da “31”, a sonoridade da clarineta ouvida nas

bandas nasce e se desenvolve na própria localidade. Os clarinetistas locais não sabem explicar

como é esse som, afinal pra quê explicar? O músico de banda tem uma facilidade de

perceber e identificar, de acordo com os seus conceitos, o que “soa como som de clarineta” e

o que “não soa [como som da clarineta]”. Os regentes orientam os iniciantes a “parar”

(prestar atenção) e “escutar o som” (observar a execução) dos clarinetistas mais experientes,

aqueles que se destacam no instrumento. São eles que se tornam o padrão de referência. Ter

um som forte é uma das qualidades exigida e apreciada. Ter um som fraco já “não soa como

clarinete”. A orientação é ter um som “forte” e “alto”. Quem não consegue atingir este

objetivo é aconselhado a experimentar outro instrumento. Os regentes trabalham a sonoridade

dos instrumentos que eles acham aceitável, de acordo com um padrão que se estabeleceu há

décadas. Mesmo hoje, com a possibilidade da internet e a facilidade de acessar um número

expressivo de gravações de clarineta, a sonoridade cultivada nas bandas sofre pouca

interferência.

Cinco avaliadores analisaram as diferentes variantes do parâmetro sonoridade por

meio de suas próprias habilidades de percepção auditiva. Esses são clarinetistas, professores

deste instrumento com formação acadêmica e atuam ou têm atuado em orquestra e em escolas

de música. As avaliações mostraram algumas discordâncias no detalhamento e gosto quanto à

sonoridade dos 15 sujeitos. De maneira geral, o que se pôde concluir é que o resultado sonoro

em relação à uniformidade entre os registros e estabilidade de projeção depende de uma

combinação de fatores como: a técnica de se tocar, a transmissão do conhecimento oral, a

interferência da sonoridade da banda no estilo de execução musical dos clarinetistas, e a

qualidade do material utilizado. Os acessórios (instrumento, boquilha e palheta)


123

influenciaram, em parte, a qualidade sonora dos clarinetistas. A gradação de dureza das

palhetas, predominando as palhetas de número 3 com bastante tempo de uso, em média de

quatro a seis meses, teve um peso considerável no timbre da clarineta. Dos sujeitos, 30%

apresentaram pouca experiência instrumental e um curto período de atuação na banda. Este

fato implicou em resultados sonoros diferentes se comparados com os sujeitos experientes.

Classificar o som da clarineta gera discussões, principalmente, quando se quer usar

determinadas terminologias para definir o timbre do instrumento. É comum ouvir expressões

como: boa sonoridade, som escuro, brilhante ou estridente. Garcia (2005) diz que:

Alguns harmônicos (os pares, se consideramos a


fundamental como o 1º harmônico) são menos favorecidos
em seu espectro sonoro. Entretanto, ao contrário do que
comumente se fala sobre as características sonoras do
instrumento, isto só é verdadeiro em seu primeiro registro.
No segundo registro, a clarineta já apresenta também os
harmônicos pares, como uma flauta, por exemplo. . . a
partir do 12º som a estrutura espectral muda radicalmente,
com a introdução dos novos harmônicos. Essa
característica causa uma grande dificuldade para os
clarinetistas conseguirem uma passagem homogênea entre
os registros.

Para analisar o timbre da clarineta dos 15 sujeitos os termos usados pelos avaliadores

foram estridente/nasal, boa sonoridade, com estabilidade de projeção e sem estabilidade de

projeção. A literatura da clarineta também utiliza termos e adjetivação para se referir a

sonoridade da clarineta. Goolsby (1992, 259-261), ao se referir-se ao timbre (tone quality) da

clarineta, utiliza termos como: “an edge, or bite sound” (som perfurante ou cortante), “a

large, full sound” (som cheio e encorpado), “good tones” (bom som), “tone is. . .thin and

small. . .sweet and pleasing” (som é. . . fino e pequeno. . .doce e agradável) e também “small,

flaccid tone” (som pequeno e flácido).


124

Quanto à variável afinação, os avaliadores empregaram alguns termos específicos da

área como: afinação intervalar, dificuldade de entonação intervalar e diferença de afinação

entre os registros. Alguns avaliadores observaram que a falta de controle de afinação estava

relacionada com o pouco tempo de estudo dos sujeitos, a gradação da rigidez da palheta, a

falha na dosagem da força de carregamento, a questão do controle da respiração e a baixa

qualidade do instrumento. Os parâmetros usados nas tabelas de dados foram: controle de

afinação e dificuldade de afinação.

Ainda quanto à questão da afinação, Pino (1980, 114) afirma que “Clarinetas, como

outros instrumentos de sopro, são impossíveis de tocar perfeitamente afinado a toda hora e em

todos os registros do instrumento.”89 Ainda referindo-se a questão da afinação, o mesmo autor

diz que:

. . . Tal clarineta teria um registro grave maravilhosamente


afinado, mas os registros médios e agudos estariam
desafinados porque eles estão baseados no uso dos
parciais superiores da série harmônica e cada um deles
tem sua própria tendência intratável de ser alto ou baixo.90

No que se referem à intensidade, os avaliadores analisaram os indivíduos com as

expressões: intensidade constante, mesmo nível de intensidade, pouca variação de dinâmica,

ênfase em algumas notas. Os parâmetros usados na tabela de dados foram: realce nas notas e

sem variação de intensidade. Como determinante indireto destes resultados observa-se que o

volume da banda e o repertório influenciam nesta maneira de tocar.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
89
Clarinets, like other wind instruments, are impossible to play perfectly in tune at all times and in all
registers of the instrument.
!!!!90!Such a clarinet would have a beautifully pitched low register, but the middle and high registers would be out
of tune because they are based on the use of the upper partials of the harmonic series, each one of which has its
own cantankerous tendency to go sharp or flat.!!

!
125

Para a avaliação sobre o timbre da clarineta dos cinco sujeitos da Rodrigues dos

Santos, os avaliadores usaram termos específicos. Os de maior incidência foram incorporados

aos parâmetros da avaliação: boa qualidade e estridente/nasal. Os avaliadores, em 20% de

suas avaliações da Rodrigues dos Santos, consideraram que os sujeitos tocam com

estabilidade de projeção, enquanto que em 80% delas, declararam que os clarinetistas

possuem som estridente/nasal. Portanto, pode-se afirmar que de acordo com os resultados

obtidos, o timbre da clarineta, nesta banda, é estridente/nasal.

90 ! ! !!!!!!!!!!!!!!!!!
Timbre
80%!
80 !

70 !

60 ! Rodrigues
dos Santos
50 !
ESTRIDENTE /
NASAL!
40 !
ESTABILIDADE
30 ! DE PROJEÇÃO

20%!
20 ! !

10 !

0 !
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3! SUJEITO 4! SUJEITO 5! %!

Gráfico 4 – Timbre da clarineta

Pode ser que o timbre tenha tido essas características em conseqüência do

posicionamento da boquilha em demasia dentro da boca, que é um procedimento encontrado

nesta banda. Seus lábios inferiores se posicionam bem próximo à abraçadeira, dificultando a

flexibilidade da força de carregamento.

Quanto à variável afinação da Rodrigues dos Santos, os avaliadores, em 48% de suas

avaliações, detectaram uma intenção de controlar a afinação e, em 52%, dificuldades de

afinação. A dificuldade de afinação observada entre os registros foi em 32% das avaliações,

principalmente, no registro agudo, com notas geralmente baixas. 12% das avaliações

indicaram dificuldade na afinação intervalar. Como interferência maior nestes dados, os


126

avaliadores apontaram deficiência na respiração, posicionamento da embocadura e baixa

qualidade do instrumento e acessórios. 56% das avaliações não comentaram sobre os motivos

de tais dificuldades.

60 !

Afinação 52%!
50 ! 48%!

40 !
Rodrigues
dos Santos
30 ! CONTROLE DE
AFINAÇÃO
!DIFICULDADE
20 ! DE AFINAÇÃO

10 !

!
%!
0
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3! SUJEITO 4! SUJEITO 5!
!

Gráfico 5 – Afinação da clarineta

Quanto à intensidade, chegou-se aos seguintes resultados: 76% das avaliações

apresentaram uma “intensidade constante”, enquanto que 20% demonstraram que há realce

em determinadas notas. Apenas 4% delas apontaram contraste de dinâmica.

80 ! ! 76%!
Intensidade
70 !

60 !
Rodrigues
50 ! dos Santos
INTENSIDADE
40 ! CONSTANTE!
REALCE DE NOTAS!
30 !
CONTRASTE
DE DINÂMICA!
20 ! 20%!

10 !
4%!
0 !
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3! SUJEITO 4! SUJEITO 5! %!

Gráfico 6 – Intensidade da clarineta


127

Na 31 de Agosto, as análises apresentaram os seguintes resultados: 36% das

avaliações indicam que os sujeitos têm boa sonoridade e 64% que eles não possuem

estabilidade de projeção mesmo apresentando uma boa sonoridade em um dos registros. O

registro agudo foi o mais citado com termos: “um pouco aberto” ou “sem controle focal”.

70 ! !
64%!
Timbre
60 !

50 !

40 ! 31 de Agosto
36%!
ESTABILIDADE DE
PROJEÇÃO!
30 !
SEM ESTABILIDADE
DE PROJEÇÃO!
20 !

10 !

0 !
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3! SUJEITO 4! SUJEITO 5! %!

Gráfico 7 – Timbre da clarineta

A variável afinação teve a seguinte avaliação. 60% delas apontaram controle de

afinação e 40% deficiência no controle de afinação.

70 ! !
Afinação 60%!
60 !

50 !

40%!
40 ! 31 de Agosto
CONTROLE DE AFINAÇÃO!
FALTA DE CONTROLE
30 ! DE AFINAÇÃO!

20 !

10 !

0 !
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3! SUJEITO 4! SUJEITO 5! %!

Gráfico 8 – Afinação da clarineta


128

Quanto à intensidade, 64% das avaliações verificaram uma intensidade constante, 20%

realce em algumas notas e 16% intenção de realizar contraste de dinâmica. Segundo os

avaliadores, esta tendência pode ser explicada pela falta de apoio na respiração e pela dureza

da palheta. Um aspecto que chamou a atenção foi a ênfase dada com crescendo súbito nos

finais das notas longas, principalmente, nas notas graves localizadas nos fins das frases.

70 ! !
64%!
Intensidade
60 !

50 !

31 de Agosto
40 !
INTENSIDADE
CONSTANTE!
30 ! REALCE DE NOTAS!

CONTRASTE
20%! DE DINÂMICA!
20 !
16%!

10 !

0 !
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3! SUJEITO 4! SUJEITO 5! %!

Gráfico 9 – Intensidade da clarineta

Em relação à variável timbre da União Vigiense, 52% das avaliações demonstraram

uma boa sonoridade e 48% uma sonoridade sem estabilidade. Desta última porcentagem

predominava o timbre de som mais aberto ou brilhante principalmente no registro agudo. Vale

ressaltar que a qualidade dos instrumentos utilizados pelos indivíduos da “União” é superior

às demais banda.
129

60 !

Timbre 52%!
50 ! 48%!

40 !
União Vigiense
30 ! ESTABILIDADE
DE PROJEÇÃO!

SEM
20 ! ESTABILIDADE!

10 !

0 !
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3! SUJEITO 4! SUJEITO 5! %!

Gráfico 10 – Timbre da clarineta

Já quanto à variável afinação, 72% das avaliações revelaram que os sujeitos possuem

controle de afinação e 28 % que eles apresentam falta de controle de afinação, sendo que 24%

dessas referem-se a problemas de afinação entre registros. Foi verificado, na maioria das

vezes, que as notas do registro agudo estavam baixas.


80 !

Afinação 72% !
70 !

60 !

50 !
União Vigiense
40 ! CONTROLE DE AFINAÇÃO!

28%! FALTA DE CONTROLE


30 ! DE AFINAÇÃO!

20 !

10 !

0 !
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3! SUJEITO 4! SUJEITO 5! % !

Gráfico 11 – Afinação da clarineta

!
130

Quanto à intensidade, 88% das avaliações indicaram intensidade constante em suas

execuções, 8% apresentaram controle de intensidade com nuanças de dinâmica e 4% ênfase

em algumas notas.
100 !
Intensidade 88%!
90 !

80 !

70 !

60 ! União Vigiense
INTENSIDADE
50 ! CONSTANTE!
REALCE DE
40 ! NOTAS!
CONTRASTE
30 ! DE DINÂMICA!

20 !
8%!
10 !
4%!
0 !
SUJEITO 1! SUJEITO 2! SUJEITO 3! SUJEITO 4! SUJEITO 5! %!

Gráfico 12 – Intensidade da clarineta


!

Alguns fatores implicaram nestes resultados. São eles as condições do instrumento, o

grau de rigidez da palheta, deficiência na pressão de ar, o pouco tempo de experiência da

maioria dos sujeitos, a técnica instrumental e a influência da sonoridade da banda no estilo de

execução musical dos clarinetistas. A intensidade constante sem variação de dinâmica não

significa que os músicos desconheçam as indicações de dinâmica. Ao considerar que a função

da banda remete a um repertório específico para ser executado nas ruas, compreende-se então

que a dinâmica não é usual. Geralmente os músicos são aconselhados a tocar sempre na

dinâmica forte. Há exceções, principalmente quando a banda é convidada para fazer uma

programação em outro ambiente, obrigando os regentes a mudarem o repertório para tocar

outro estilo de música.

!
93

3.7.4 ACESSÓRIOS MUSICAIS

O ensino da clarineta apresenta grandes dificuldades para quem deseja ser um

instrumentista no interior, mas revela um universo surpreendente de superação que poucos são

capazes de enfrentar. A aprendizagem instrumental é muito mais difícil do que se imagina.

As dificuldades mais comuns das bandas são as condições desfavoráveis dos

acessórios, boquilhas, palhetas e braçadeiras, o sucateamento dos instrumentos e o número

insuficiente de instrumentos. Há um confronto entre a falta de material e a vontade de tocar na

banda. Por isso, os alunos se submetem a tocar com instrumentos de dez a quinze anos de uso

sem a devida conservação e manutenção. Quando os acessórios são danificados, os

clarinetistas sempre encontram um “jeitinho” para resolver o problema. Algumas presilhas se

tornam bem originais, como se pode observar na ilustração (figura 6).

Fig. 6 - Braçadeira/presilha

Muitos instrumentos são manuseados com vazamentos, alguns funcionam com liga ou

com elásticos, outros com palhetas com muito tempo de uso e quebradas. Os instrumentos

são, em sua maioria, da marca Weril, porém há alguns chineses e outros poucos Yamaha,

Selmer e atualmente os da marca Júpter. As clarinetas em geral são instrumentos com muitos

anos de uso. A banda “União Vigiense” é a que possui o maior número de clarinetas das

marcas Yamaha e Selmer, YCLII e 10S, respectivamente, ambos modelos estudantis.


94

Nas bandas predominam as boquilhas Rico W5 e Bentley, mas há também algumas

Vandorem B45. As palhetas mais utilizadas são Rico Royal números 2" e 3, além de algumas

da Vandoren. Estas palhetas são utilizadas pelo período de seis a oito meses, chegando

mesmo a ficarem saturadas. Quando, por algum motivo, a ponta da palheta é danificada,

costuma-se cortar e lixar para ser reaproveitada. (ilustrações 7 e 8).

Fig. 7 - Palhetas cortadas

Fig. 8 – Palheta raspada

Durante a pesquisa de campo, observou-se que muitas palhetas comerciais estavam

quebradas ou eram palhetas com vários meses de uso. É visível a má condição de algumas

palhetas ainda em uso, como mostra a ilustração 9. A condição sócioeconômica dos

instrumentistas das bandas dificulta a aquisição de palhetas. Dificilmente o clarinetista tem

condições de comprar ou testar palhetas novas, quando aparece uma palheta , na maioria das

vezes, é porque um colega ou um amigo conseguiu de alguém. Testar a dureza da palheta,

mediante as necessidades, é algo que se torna menos importante. Há um esforço das bandas
95

em comprar palhetas novas. Custear palhetas para doze a quinze clarinetistas está fora da

realidade das bandas. Portanto, os alunos vão se ajustando a realidade do município.

Fig. 9 - Palhetas ainda em uso.

A palheta deixa de ser uma ferramenta facilitadora da execução para se tornar um

desafio na produção do som, quase um obstáculo. A palheta quebrada, por exemplo, tende a

se tornar dura e requer, normalmente, mais esforço para ser posta em vibração. A palheta

necessita de uma força de carregamento para atingir a vibração, o executante usa a mandíbula

para apertar ou afrouxar, apertando, a parte livre da palheta tende a diminuir a entrada de ar

próximo a ponta da boquilha, o que dificulta o seu movimento de vibração. Com este

procedimento, sua gama de vibração fica menor e, conseqüentemente, ocorrem interferências

na afinação, no timbre e na articulação. Além disso, o clarinetista pode machucar o lábio

inferior com tal técnica.

A qualidade dos acessórios e do instrumento pode facilitar ou dificultar a emissão do

som. Os danos podem interferir na execução, prejudicando o desenvolvimento da


96

aprendizagem. Os acessórios inadequados podem fazer com que os alunos adquiram vícios na

técnica de se tocar. Em 2008, entre as três bandas, apenas a banda Rodrigues dos Santos

recebeu um kit instrumental do programa nacional de apoio às bandas de música do

Ministério da Cultura. Devido às grandes dificuldades de acesso ou compra de instrumentos,

surgiram os profissionais (luthier) que consertam instrumentos de sopro.74 Nos anos 70 para

resolver a falta de sapatilhas, por exemplo, os músicos usavam a ova de aranha, ooteca75. Para

colar as sapatilhas ou renovar o encouraçamento76 usavam o “pes” (grude de peixe). Também

era comum usar o óleo de Mutamba77, segundo informação do senhor Caetano Néri Cardoso,

clarinetista e ex-componente da 31 de Agosto, que em 2006 contava com 88 anos. Ainda

segundo seu Caetano, o óleo era usado para consertar a clarineta, lubrificar as chaves e molhar

a sapatilha para “deixar o som macio e fácil de sair.” Quando alguma chave da clarineta era

danificada só havia duas decisões a tomar: ou vedar o orifício ou refazer artesanalmente a

chave quebrada. Hoje as sapatilhas (botão utilizando para vedar) são restauradas com

plásticos ou fita veda-rosca78 (também conhecida como fita de pvc), conforme demonstrado

no Vídeo n.2 anexado a este trabalho.

Em virtude da histórica dificuldade em adquirir acessórios para instrumentos, regentes

e músicos passaram a construir artesanalmente abafadores, chaves de instrumento e palhetas.

Na “microrregião do salgado” as palhetas eram feitas de pé de café ou mesmo de taboca

(bambu). Na década de 1990 não se ouvia mais falar nesta prática.! Jairo Wilkson, clarinetista

e ex-membro da “União” afirma que:


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
74
Rosendo Costa, clarinetista (Marapanim/Belém), Natanael Santos, clarinetista (São Caetano de
Odivelas/Belém), Aguinaldo Raiol (Vigia/Belém),
75
É um invólucro feito de seda pela aranha fêmea para armazenar os ovos a fim de fertilizá-los logo após o
acasalamento.
76
Termo utilizado pelos músicos para se referir a troca da sapatilha.
77
Uma espécie de arvore da família das Guazuma clomifolia sterculiaceae.
78
A fita veda-rosca (politetrafluoretileno) é uma fita, geralmente branca usada na vedagem de tubulações de
líquidos ou gases. Por ser composta de uma material bastante estável, pode ser usada para isolar uma variedade
grande de materiais. É uma fita vedante não sinterizada, à base de resina de P.T.F.E. (PoliTretraFluorEtileno)
100%. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Veda_rosca).
97

Não havia palheta. Eu tinha um “toco” [palheta muito


cortada] de palheta muito duro. Tinha o Dito, chamado de
“RÉ-Colher”, ele tinha um RÉ sustenido feito com o cabo
da colher. Ele fazia a palheta do galho do café. Eu fui lá
com ele e pedi que ele me ensinasse como fazer uma
palheta. Ele respondeu: - tudo bem, é muito fácil. Ele
cortou o galho, raspou e disse: agora lixa e toca. O som
era muito feio mais era melhor do que o “toco” que eu
tinha. 79

Infelizmente até hoje há depoimentos que comprovam a dificuldade de se conseguir

palhetas, quer pela falta delas no comércio local ou por seu custo elevado. Por isso, no

interior, a solução para a falta delas era, e talvez seja ainda hoje, fazê-las artesanalmente. Em

2006 o pesquisador conseguiu na região do salgado uma palheta de sax feita de cana de café

como mostra a ilustração abaixo.

Fig. 10 – Palheta feita de cana de café

A qualidade dos acessórios e do instrumento pode facilitar ou dificultar a emissão do

som. É comum serem utilizados para execução instrumentos com vazamento ou sem

conservação. Como conseqüência, nota-se uma série de transtornos como guincho,

dificuldades em realizar uma determinada de passagem, e interferências na técnica, como

apertar a embocadura e os dedos, gerando tensões desnecessárias. Isso afeta diretamente o


!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
79
Entrevista concedida ao pesquisador na cidade de Belém do Pará em 18 de Junho de 2008.
98

resultado sonoro e pode desestimular o aluno ou dificultar a continuação de seus estudos, caso

queira se tornar um clarinetista profissional.

O instrumentista, sem alternativa, vai se acostumando com essa situação. Na União

Vigiense, os professores Lobato e Monteiro procuram diminuir esses problemas usando a

criatividade. Quando o instrumento está com vazamento, eles refazem os abafadores com uso

de saco plástico para conter a saída do ar. A limitação de materiais não é determinante para

forçar a estagnação dos trabalhos musicais nessas bandas. A vontade de tocar supera todas as

barreiras e mantém viva a atividade instrumental. Um exemplo disso é o fato dessas bandas

existirem a mais de cem anos (Rodrigues dos Santos 128 anos, completados em 2009; 31 de

Agosto, 133 anos e União Vigiense com 93 anos), e possuírem um alto número de

participantes interessados em fazer parte de sua corporação.

3.7.5 INICIAÇÃO À CLARINETA: CONSIDERAÇÕES GERAIS

Algumas informações em relação ao processo de iniciação a clarineta foram extraída

do questionário aplicado aos alunos iniciantes. Por meio da avaliação deste questionário foi

possível observar que a totalidade dos alunos considera a passagem la3-si3 como sendo a

mais difícil da clarineta, e as mais fáceis: la2-sib2 (20%), do3-re3 (40%), re3-mi3 (20%) e

mi3-fa3 (20%). Com relação à dificuldade ao! soprar pela primeira vez o instrumento, 95%

responderam que a dificuldade estava em “tirar o som da clarineta” e 5% afirmaram não ter

encontrado dificuldade. Quanto aos registros que mais agradavam e que menos agradavam:

80% responderam que não se agradam do registro agudo e 20% do registro médio, enquanto

que 90% indicaram sua preferência pelo registro grave e 10% pelo registro médio.

Ao descrever o processo de iniciação, observa-se que a orientação da prática

individual não é uma atividade exclusivamente isolada. Ela é compartilhada entre professores,
99

monitores e instrumentistas. O ensino volta sua atenção, principalmente, para os rudimentos

de teoria musical e das bases da técnica instrumental. A aprendizagem é mais abrangente, pois

tem no repertório um aliado importante que se transforma em novos desafios e descobertas. A

cada repertório conhecido, há a possibilidade de encontrar um trecho musical diferente, uma

nota no registro agudo que nunca foi experimentado. Quando há uma passagem no trecho

musical que o aluno desconhece, geralmente ele pede para um clarinetista experiente

demonstrar como se toca, então o aluno vê como se faz, ouve, memoriza e repete inúmeras

vezes aquele som percebido. O aluno desenvolve a prática individual vendo e ouvindo outros

clarinetistas que são referenciais ou modelos. Da mesma forma ocorre com a prática em

grupo. Ataíde80, clarinetista da Rodrigues lembra as palavras do professor Cardoso ao orientar

os alunos com a seguinte observação: “quando tiver alguém tocando melhor do que você pare

e escute o som”. O treinamento da clarineta continua nos ensaios de naipes e nos ensaios da

banda. A complementação do estudo da clarineta ocorre de forma espontânea e depende dos

ensaios de naipes, do repertório, dos ensaios da banda e do seu interesse em aprender uma

música nova. Perguntado sobre como se adquire a técnica da clarineta, Renner Pinto, com 11

anos experiência na banda “União” e monitor da mesma responde: “nós nos espelhamos uns

nos outros”.81

Outro aspecto que contribui para o crescimento do músico é o costume de decorar as

músicas. Essa prática promove não apenas o desenvolvimento da memorização, mas também

do desempenho instrumental e da percepção musical. Observa-se que a concepção sonora do

clarinetista se forma muito em decorrência da imitação do som produzido pelos outros

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
80
Depoimento concedido ao autor em 22 de Junho de 2007, na sede da banda em São Caetano de Odivelas-
Pa.
&"
!!!!! !Depoimento concedido ao autor em 12 de Julho de 2008, na sede da banda em Vigia de Nazaré - Pa.
!
100

clarinetistas e pela sonoridade da banda. Em suma, se repete o que se ouve dentro de um

determinado ambiente musical.

O aprendizado da clarineta nas três bandas não se restringe ao ensino do professor,

mas ao todo, à banda: as aulas, os ensaios e os colegas. Tudo se transforma em conhecimento.

O repertório tem um objetivo tanto artístico como pedagógico. À medida que o professor o

utiliza como meio de treinamento de leitura rítmica e melódica, ele auxilia no

desenvolvimento instrumental e também nos princípios de afinação (Vídeo n.3). O repertório

é composto por hinos, dobrados e música brasileira (samba e chorinho). Os hinos são

utilizados por serem de fácil leitura. Os dobrados são colocados numa fase mais adiantada e

requer um maior controle da respiração, da emissão do ar e da habilidade de digitação, às

vezes isso não é seguido à risca. Por falta de componentes, o aluno é convidado a preencher

uma vaga existente e ingressa na banda.

O aluno que segue todos os períodos e seqüências de treinamento passa a conhecer as

possibilidades do instrumento, familiarizando-se e desenvolvendo as habilidades de execução.

No decorrer do processo de execução, outras notas vão surgindo e posições novas vão sendo

introduzidas. Isso ocorre em relação ao repertório ou às músicas que ele tem acesso. Pequenas

melodias vão sendo “tiradas de ouvido”, o que vai ampliando o gosto do aluno pelo

instrumento.

Uma música nova traz muitas informações, tais como uma tonalidade nova, um

dedilhado ainda não conhecido e/ou um trecho rítmico-melódico diferente. O interesse de

aprender melodias novas determina e impulsiona o clarinetista a vencer os desafios de

execução. O processo de aprendizagem não é interrompido pelo ingresso do aluno na banda,

pelo contrário, como membro da banda o aluno continua seu treino nos ensaios de naipes,

tendo como repertório as músicas da banda. Assim ele pode encontrar uma passagem difícil,
101

um ritmo novo, uma articulação ainda não experimentada, e treinar para vencer o desafio,

solicitando o auxílio de outros quando necessário. Segundo o professor Bruno, “há alunos que

aprendem rápido e outros encontram dificuldades”. Há alunos com certa habilidade

praticando o instrumento há oito meses como também é possível encontrar clarinetistas com

cinco anos de instrumento com dificuldades de execução. O tempo de prática pode ou não

significar um domínio relativo do instrumento.

Há uma tendência dos alunos de clarineta comparar o ensino desenvolvido nas bandas

com o ensino acadêmico oferecido em Belém. A União Vigiense, através de seu regente

buscou se aproximar da instrução musical acadêmica por decisão de seu regente José Maria

Vale. A explicação está no fato que ele, sargento músico da Polícia Militar teve contato com

outros repertórios de banda quando atuava como membro da banda sinfônica da Polícia

Militar do Estado do Pará. Vale estudou no Instituto Carlos Gomes participou de inúmeros

cursos de regência e se formou no curso técnico. Ele teve um longo contato com diferentes

grupos de sopros e percussão da Fundação Carlos Gomes entre os anos de 1980 a 2002. Nos

anos de 1990, Vigia era uma referencia de boa música instrumental no interior sendo visitada

por Maestros e instrumentistas de nível internacional a convite da Fundação Carlos Gomes. A

banda se acostumou a receber essas visitas. Muitos músicos da “União” passaram a estudar

no Instituto Carlos Gomes. Como conseqüência desta aproximação entre a banda e o ensino

instrumental realizado no Instituto Carlos Gomes, a sonoridade começou a mudar. Os músicos

conheceram diferentes métodos e técnicas. Os clarinetistas passaram a absorver em parte o

que era ensinado em Belém, porém mantiveram uma maneira particular de ensino. O que não

mudou foi a função da banda no município, que continuava tocar nas retretas e acompanhar

procissões.
102

As duas outras bandas, Rodrigues dos Santos e 31 de Agosto continuaram com sua

metodologia de ensino instrumental local. O quadro abaixo resume algumas características

fundamentais para se entender às diferenças entre o ensino da clarineta acadêmico e o ensino

instrumental da banda.

Ensino da clarineta na cidade de Vigia e São


Ensino da clarineta em Belém do Pará
Caetano de Odivelas.

Objetivos: Fazer parte da banda. Estudar e se desenvolver no instrumento.

A aprendizagem é mais individual e se


A aprendizagem é mais coletiva e se completa na
completa nas fases seguintes. A prática
banda.
coletiva ocorre posteriormente.

O aluno vence as dificuldades técnicas a


O aluno vai se deparando com as dificuldades técnicas
partir da leitura de métodos e peças.
ao executar o repertório da banda.
Essa exigência depende do professor e não
Ênfase em decorar música para tocar nas procissões.
de uma situação.

As apresentações são, na maioria das vezes,


Volume de som acentuado devido as apresentações ao em ambientes fechados ou sonorizados. O
ar livre sem apóio de sonorização. volume de som é mais controlado.

Tocar em grupo desde o início.


Estudo individualizado.

A situação social obriga o aluno a fazer da música uma


meta de profissão desde cedo objetivando ser músico A música como profissão vem através de um
militar, um monitor de instrumento ou de teoria processo lento e gradual.
musical.
Tabela 7- Quadro comparativo do ensino da clarineta na cidade e no interior
131

4.2 DISCUSSÃO

Apesar das avaliações dos 15 sujeitos serem realizadas de forma individual percebe-se

que o modo de tocar não é um resultado unidimensional e sim uma conseqüência proveniente

da interação de vários fatores. Esses fatores identificados são: as aulas, os ensaios, as

apresentações da banda, o som e o repertório da mesma, a transmissão de conhecimento oral,

o aprendizado de cada um nesse contexto, a técnica de se tocar e as condições dos acessórios

utilizados (instrumento, boquilha, palheta e braçadeira).

Em geral não há muita diferença de sonoridade entre os iniciantes, as diferenças

ocorrem mais adiante. Os iniciantes têm uma maneira semelhante de tocar, embora já se pode

observar algumas características próprias. Eles trazem traços identitários de execução

musical. Por fim, cada clarinetista tem suas características pessoais de tocar (toque) e certas

características são comuns com outros de sua banda, contudo pode não ser as mesmas de

outra banda.

Ao analisar as avaliações das três bandas emitidas pelos avaliadores, elas revelaram os

seguintes aspectos em comum: a diferença de timbre nos diferentes registros do instrumento,

a dificuldade de articulação, a pouca variação de intensidade e a falta de controle na afinação.

Estes aspectos não podem ser considerados um problema dentro do contexto estudado. Essas

avaliações refletem o olhar de clarinetistas-avaliadores de uma prática distinta da qual eles

avaliam. São alheios a esta tradição musical. São clarinetistas de uma prática, tanto

pedagógica quanto artística, centrada no repertório de concerto e não na tradição de bandas.

Os resultados encontrados formam um conjunto de características que constituem

uma identidade própria de timbre, articulação, intensidade, afinação e execução/técnica. Essa

identidade própria contradiz a concepção acadêmica de execução da clarineta, pois esta

pressupõe timbres uniformes entre os registros, articulação clara e homogênea em todos os


132

registros, contraste de intensidade e, controle da afinação, independente da natureza acústica

do instrumento e aprimoramento dos fundamentos técnicos da clarineta, como embocadura,

respiração, postura e qualidade dos acessórios. As características próprias de uma maneira de

se tocar revelam uma identidade de se tocar, permitindo considerar a existência do “toque” da

clarineta na banda.

Todos os elementos encontrados na avaliação dos avaliadores poderiam se transformar

numa conclusão inequívoca se não fosse o fato de que a banda não está a serviço do universo

cognitivo que menospreza uma experiência cultural significativa. As avaliações

demonstraram claramente a tendência dos avaliadores em avaliar de acordo com o modelo

acadêmico de execução da clarineta. Em contrapartida, não se pode ignorar ou excluir uma

outra forma de execução além desta, mesmo que essa não atenda aos critérios acadêmicos.

Acredito que esta forma particular de execução encontrada neste estudo seja, tanto quanto o

acadêmico, na verdade, um “toque de clarineta” que levou décadas para se amalgamar em um

dado contexto cultural.

A pergunta que se faz no meio clarinetístico acadêmico é: esses clarinetistas de banda

são considerados clarinetistas? O que nos parece é que há uma falta de aceitação deste

“toque” de clarinete. Então o que eles são? Será que são “clarineteiros”? Ou possuem sons

sem perfis? No nosso entender, são anônimos excluídos que só ganham respeito quando

passam por um período de “reciclagem” (ou reaprendizagem) para se ajustar à técnica,

sonoridade e características de execução acadêmicas. Essa reciclagem chega a ser

constrangedora para o clarinetista de banda, pois tudo o que ele acredita ser verdadeiro e

correto (e confia nisso) é subjugado e descaracterizado como incorreto e errado do ponto de

vista de uma concepção sonora trabalhada academicamente. O que se discuti não é o fato de

impedir que qualquer clarinetista das bandas possa ter acesso ou contato com a execução aqui
133

chamada de acadêmica, mas sim que esse “toque” da clarineta possa ser respeitado por ter

metodologia e aplicabilidade eficazes com função, valores e significados na cultura popular

desta região amazônica.


134

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito desta pesquisa foi descrever a maneira de se tocar clarineta nas três

bandas: Rodrigues dos Santos, 31 de Agosto e União Vigiense. Os dados analisados

mostraram que existe uma maneira particular de tocar nestas bandas representado pela forma

de realizar a articulação; pelo timbre nasal, estridente e aberto com sons não homogêneo entre

os registros; na afinação aproximada sem preocupação com as exigências acústicas e sim com

a vontade de tocar; e na intensidade quase sempre igual. Esses elementos caracterizam o

“toque” da clarineta.

Este “toque” sempre existiu à margem da pesquisa, sem aceitação, e mesmo assim

produziu experiências musicais que revelaram jovens talentosos “na surdina” da doce vida da

região do salgado. Muitos não concordam que o “toque” da clarineta seja um estilo de

execução e sim um conjunto de erros, falhas e deficiências. Alheios a essa discussão, os

clarinetistas das bandas continuam sua saga, tocando e tocando, cultivando a arte na

comunidade, pois o tempo é tão curto que não há tempo para pensar em comprar um

instrumento de boa qualidade, de aprimorar a sua sonoridade, de encontrar uma palheta

adequada à sua força de carregamento, de estudar todas as lições dos métodos indicados, pois

alguma coisa está passando neste momento e não espera – é a banda.

A banda não é só o início do processo (aprendiz do instrumento), é o meio (aprendiz

na banda) e fim ao credenciar o aluno como “integrante da banda”. É neste contexto que a

banda, acolhedora do processo de ensino e aprendizagem se transforma numa força

imprescindível para a formação do jovem instrumentista divulgando a diversidade cultural e

instrumental.
135

Por fim, os resultados analisados possibilitaram compreender, em parte, como se

“toca” clarineta na região do Salgado e confirmar que a execução deste instrumento no Brasil,

e principalmente no Pará, se mostra como um mosaico e não como um modelo estático

semelhante em todo o país. Como contribuição, este estudo pode ser utilizado entre as bandas

e por professores das escolas de música, dando subsídios norteadores de como entender e

desenvolver uma abordagem pedagógica instrumental que respeite as particularidades sonoras

desenvolvidas nestas bandas. A troca deste conhecimento vai possibilitar o fortalecimento

delas ou melhorias na instrução musical.

Como sugestão para as próximas pesquisas recomenda-se: a) pesquisar sobre a

contribuição do repertório de banda no desenvolvimento da execução musical e na divulgação

da música popular; b) analisar a abordagem instrumental em outras regiões do Pará; c)

pesquisar sobre a presença dos clarinetistas em outras manifestações populares e a relação

deles com a banda; d) realizar um levantamento etnográfico da clarineta em outros

Municípios do Pará; e e) Desenvolver um projeto de pesquisa que viabilize a fabricação

artesanal de palhetas de clarineta a partir de testes com madeiras cultivadas na Amazônia.


136

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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143

ANEXOS
144

Anexo A – Fotos

Fig 23. Clarinetistas da Banda Rodrigues dos Santos

Fig 24. Clarinetistas da “31” e o pesquisador


145

Fig. 25 – Clarinetistas da União Vigiense

Fig. 26 – Banda Rodrigues dos Santos em frente a sua nova sede


146

Fig. 27 – Banda União Vigiense em frente a sua Sede, com o Regente Marinildo à esquerda

Fig.28 – Banda 31 de Agosto em desfile


147

Fig. 29 – Encontro de Clarinetistas - Região do Salgado.

Fig. 30 – Os clarinetistas e o pesquisador


148

Fig. 31 – Encontro de Bandas da região do Salgado – Pa


(Regência: Jacob Cantão)
149

Anexo B

QUESTIONÁRIOS PARA OS INICIANTES E MEMBROS DA BANDA.

NOME: ____________________________________

TEMPO DE ESTUDO NO INSTRUMENTO______

NOME DA BANDA__________________________

IDADE:_____

PROF._____________________________________

1. Comente como você aprendeu a soprar o instrumento?

2. O que você aprendeu primeiro: a posição das notas ou a soprar o instrumento?

3. Você sentiu dificuldade ao soprar a clarineta pela primeira vez?

4. Qual o registro da clarineta que você mais gosta, e por que?

5. Qual o registro da clarineta que você menos gosta, e por que?

6. Qual a passagem mais difícil da clarineta?

7. Qual é a passagem mais fácil?

8. Você treina seu instrumento apenas nos ensaios da banda?


150

9. Você costuma treinar seu instrumento individualmente? Caso a resposta seja sim, por
quanto tempo, quantas vezes por semana e o que você treina, métodos, lições do
Bonna ou as músicas da banda?

10. Você recebeu orientação sobre a embocadura? Caso a resposta seja sim, comente.

11. Qual a sua maior dificuldade com relação a embocadura?

12. Você gosta do seu som na clarineta? Você já pensou sobre isso? Comente.

13. Você costuma tocar exercícios com notas curtas e ligadas frequentemente? Comente

14. Você já tocou exercício com indicação de dinâmica? Comente

15. Você recebeu alguma orientação de como afinar o seu instrumento? Caso sua resposta
seja sim, explique.

16. Que tipo de repertório você toca?

17. Que tipo de repertório você gosta?

18. O instrumento que você utiliza é seu ou da banda? Cite a marca do instrumento,
boquilha e numeração de palheta que você usa.
151

19. Alguém da sua família é músico?

20. Você está cursando que série na escola?

21. Qual a sua religião?

22. Os seus pais o incentivaram a estudar música?

23. O que você gosta mais? Tocar clarineta ou fazer parte da banda?
152

Anexo C
ENTREVISTA COM OS REGENTES E MONITORES.

!
1. Qual o objetivo do ensino de música na sua banda?

2. Como é o ensino da clarineta?

3. Como você fala sobre embocadura, postura e respiração para o iniciante?

4. Você considera a “mecânica” importante?

5. Os alunos utilizam métodos? Quais

6. Quais as qualidades para ser um bom clarinetista? Por quê?

7. Os alunos aprendem primeiro, dobrados, hinos ou lições? Explique

8. Como é organizado o ensaio da banda?

9. Quantos alunos de clarineta começaram este ano e quantos desistiram?

10. O que motiva os alunos a permanecerem na banda?

!
153

Anexo D
Ficha de Avaliação

AVALIADOR: _______________________________________________

Data: _____/____/_____

INDIVÍDUO Nº____

1. Descreva a sonoridade do clarinetista

2. Descreva a articulação quanto à clareza e outros aspectos que considere relevante

3. Comente a afinação do clarinetista

4. Comente aspectos de intensidade


!

Comentários gerais:
154

Anexo E

Transcrições das entrevistas realizadas junto aos regentes, monitores e


instrumentistas das bandas de Vigia de Nazaré e São Caetano de Odivelas

______________________________Márcio Cardoso
PRESIDENTE, REGENTE E MONITOR DE CLARINETA DA RODRIGUES DOS SANTOS!

Pesquisador: Marcio, qual o objetivo do ensino da música na sua banda? A escola tem

como objetivo primeiramente formar o músico, o profissional da música e depois, dentro

deste processo de ensino, ajudar na formação na educação pra que no futuro ele seja uma

pessoa de bem, quer dizer um trabalho sócio-cultural educacional. Agente procura fazer este

trabalho pra que no futuro o músico seja tanto profissional quanto uma pessoa de bem.

Pesquisador: Como é o ensino da clarineta? Vem de todo um processo de musicalização,

passa pela flauta doce, depois da flauta doce, os meninos vão pegar o instrumento e aí eles

vão fazer um teste, depois a gente faz um período de um mês de adaptação, com embocadura

pra vê se ele tem aptidão para tocar clarineta e depois deste processo a gente começa então o

estudo da escala, da clarineta e depois a gente vai pro processo das outras escalas assim

sucessivamente até chegar na banda de música.

Pesquisador: Como você fala sobre embocadura, postura e respiração para o iniciante?

A gente faz um trabalho da seguinte forma: a forma de colocar a boquilha na boca, de sentar,

de pegar no instrumento, a posição correta do instrumento e tudo mais. A gente tem algumas

dificuldades porque é . . . alguns formatos dos lábios, da embocadura ser diferente em relação

a isso porque os meninos fazem assim . . . é um queixo um pouco mais pra baixo, mais

redondo, isso é uma dificuldade muito grande. Na escola a gente faz o que pode né! Mais a

gente faz o trabalho desta forma, ensinando a maneira correta de pegar no clarinete.
155

Pesquisador: Você considera o ensino da mecânica importante? Professor (pesquisador),

muito importante. A gente faz o trabalho de mecânica com as escalas. Pega primeiro a escala

do clarinete (notas do registro grave, médio e agudo) e depois com as outras escalas

(sustenidos e bemóis, maiores e menores) a gente faz um trabalho assim. A gente considera

importante sim, porque o músico de clarineta exige bastante a mecânica e aí a gente faz um

trabalho sério com a mecânica.

Pesquisador: Os alunos utilizam métodos? Utilizam. Nós começamos com . . . depois das

escalas, tanto da clarineta quanto das escalas, a gente faz um trabalho com o método Nabor

Pires, que é um método bem simples pra iniciante, depois a gente faz o trabalho com D

método Domingos Pecci até chegar no kroespch, que é um método bem mais avançado.

Pesquisador: Quais as qualidades para ser um bom clarinetista? Além da dedicação dele

no instrumento, tem de se dedicar e estudar bastante, tem uma boa mecânica, uma boa

respiração, ter uma boa postura e ter uma boa disciplina.

Os alunos aprendem primeiro, dobrados, hinos ou lições? Eles estudam primeiro as lições

com pequenas melodias depois eles vão pros hinos religiosos e depois os dobrados, que já é

uma fase que eles estão próximos de entra na banda de música.

Como é organizado o ensaio da banda? Nós ensaiamos duas vezes na semana toda a banda,

mas além do ensaio da banda nós dividimos os naipes: em metais e palhetas, e nós ensaiamos

em dias diferentes: só metais [e] outro dia só palhetas, com [tocando] a música que nós vamos

ensaiar. A gente faz esse processo pra que na hora do ensaio a gente não tenha dificuldade

tanto de divisão métrica. . . vamos só concertar dinâmica, esses negócios todos [detalhes

musicais].

O que motiva os alunos a permanecerem na banda? Só o fato de eles estarem na banda já

é um grande motivo pra eles, pra continuarem estudando, mas principalmente as viagens que
156

a banda faz. A banda sempre viaja pra apresentações, não só aqui na nossa cidade, mas fora,

em outras cidades do estado, como na capital também, isso é um grande motivo pra que eles

continuem na banda, e o fato também de poder um dia. . . a média de idade é 14 a 15 anos. . .

de um dia poderem seguir a carreira profissional mais a diante na capital, nas forças armadas.

_______________________________Delson Brito

PRESIDENTE, REGENTE E MONITOR DE CLARINETA DA 31 DE AGOSTO

Qual o objetivo do ensino de música na sua banda? Educar as crianças para uma

sociedade melhor e um futuro melhor pra eles.

Como é o ensino da clarineta? Nós começamos com as lições básicas, escalas, até

chegar na partitura.

Como você fala sobre embocadura, postura e respiração para o iniciante?

Primeiramente, antes de cada aula, fazemos dez minutos de notas longas pra que o som

possa sair melhor, respiração, compasso por compasso . . . ter uma preparação suficiente

no instrumento, assim que é o nosso trabalho.

Você considera a “mecânica” importante? Com certeza, eu uso bastante escala

cromática, exercícios com colcheias e semicolcheias.

Os alunos utilizam métodos? Sim, o Klosé.

Quais as qualidades para ser um bom clarinetista? O estudo, tem que estudar o

suficiente pra dominar o instrumento deles.

Os alunos aprendem primeiro, dobrados, hinos ou lições? Primeiro as lições, parte dos

métodos, e a cada momento que eles vão se aperfeiçoando eles vão pegando lições mais

difíceis até chegar no dobrado porque se torna mais fácil pra eles, a partir do dobrado as

músicas já estão num nível mais elevado


157

Como é organizado o ensaio da banda? Primeiramente a gente prepara as músicas por

naipe, pra depois a gente chegar no ensaio, porque se jogar a música sem nem estudar

torna-se difícil e trabalhoso.

O que motiva os alunos a permanecerem na banda? A nossa participação com eles, de

ver cada um deles, de apresentar música, de ter um futuro melhor, um meio de vida

melhor na sociedade e é com esses conceitos que a gente vai trabalhando.

Tô [estou] trabalhando primeiro com eles [alunos de clarineta], pra tirar o som do

instrumento. . . só quero que tu tire o som . . . pra eu ir vendo [ouvindo]. . . Aperta aqui,

faz o FÁ, aí tira. . . até eles chegar[em] a tirar [tocar] a escala natural [seqüência diatônica

do FÁ3 ao MI2], aquela grave [registro chalemeau] depois eu passo pra média [registro

médio]. . . só pra eles tirarem [tocarem] o som. . . tirou o som [tocou a nota] dessa

posição, não esquece essa posição, pra não dá [dar] mais trabalho, porque eles mexem

[tiram o dedo do lugar] e não tira mais [eles não conseguem emitir o som]. Aí começa a

apitar o instrumento, não! Isso daí não é assim [está errado]. Você quer vê prof.

[pesquisador] a mão deles chega gela! Fica fria, é porque eles ficam muito nervosos, né! .

. . aí eu digo: calma que vocês vão quebrar o instrumento, fica a marca do instrumento

[nos dedos], não é assim [desta forma] é assim [ele mostra como deve fechar os orifícios].

Aí eles vão se soltando, começam a levantar, a soprar [ficar mais relaxados e andar pelo

espaço da escola], aí eles vão até que. . .

O primeiro dia é . . . ainda mais aqueles que querem logo chegar tocar e tirar, aí

não conseguem e ficam agoniados [aflitos]. . . tem que ter bastante paciência. Se não fosse

esse trabalho a banda tinha caído. . . [teria dificuldades para funcionar]. Vamos dizer,

vamos supor a banda é de jovens, pegando os 17 anos eles vão se alistando e vão embora
158

[se transferem para Belém] quer dizer quem vai ficar no lugar deles se não tivesse a

escola? Antes [décadas anteriores] a banda era formada de músicos de São Caetano,

Colares, Mocajatuba e os que estivessem aqui. Tocar em cima da hora [convidar a banda

para se apresentar sem aviso prévio] significava pegar um taxi e ir até São Caetano pegar

reforços. Hoje não temos mais essa despesa. Os músicos são formados pela própria escola.

___________________________________________Bruno Daniel

MONITOR DE CLARINETA DA 31 DE AGOSTO

O som do clarinete é resultado da prática de tocar em coletividade, do convívio dos

alunos na sede, nos ensaios, nas apresentações e nas procissões. É algo cultural. É o nosso

jeito [maneira] de tocar. Esse estilo só pode sofrer mudança se algum professor da

comunidade trazer [trouxer] uma outra idéia de som e influenciar tanto os iniciantes quantos

os clarinetistas da banda. A Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz veio tocar em Vigia e pedi

para os meus alunos de clarinete assistirem. No outro dia os comentários foram: “Gostamos

de ouvir a orquestra e todos os instrumentos, violinos, trompetes, trompas, trombones, cellos,

menos o som do clarinete que achamos esquisito e muito diferente do som que conhecemos”.

Eu expliquei que por se tratar de orquestra se exigia um som diferente, com palhetas,

boquilhas e instrumental diferenciado, isso não quer dizer que o nosso som daqui da terra seja

pior ou inferior aos deles. Eu achava que não tinha o som da clarineta, eu me achava inferior.

Eu ouvia falar de boquilhas boas, palhetas ótimas, mas não tinha nada disso. Comecei a

prestar atenção de que não era só eu que tinha esse som, eram todos. Foi isso que se criou

aqui, foi isso que sempre teve [houve] aqui. . . o som da clarineta na orquestra é muito bom, o

som tocado na banda também é bom, o que devemos evitar é o preconceito.


159

Eu percebi quando fazia os cursos em Belém que eles ensinavam uma coisa [um

assunto sobre técnica de clarineta] que era como se fosse uma outra coisa [não entendia

daquela forma], eles não partiam do que a gente sabia [como ensinávamos a maneira de

tocar], eles partiam do que eles sabiam. Era difícil pra mim compreender porque tinha que

contrariar tudo aquilo que eu tinha aprendido. Agora se tivesse um estudo que partisse daqui

[nossa realidade] pra chegar nesse ponto [o que é ensinado em Belém] seria bacana. Só que a

maioria vem pra conflitar com isso aqui. . . não é questão do som ser mais bonito, mais

brilhante, é uma coisa mesmo que nasce no lugar. O nosso primeiro maestro Menezes dizia:

“soprem alto porque o clarinete é um instrumento baixo [tem pouco volume de som quando

comparado com os instrumentos de metais] e vocês têm que soprar alto pra poder aparecer o

som de vocês. Se for pra ficar piano eu não quero”.

Pesquisador: E nas outras bandas como funciona? São Caetano e Colares por ser

antes [terem sido] parte de Vigia, teve [tiveram] esse contato muito próximo com o[s]

músico[s]. A “31” mandava buscar músicos em Colares e São Caetano. Eles iam fazendo esse

intercâmbio, sem perceberem que eles estavam fazendo esse intercâmbio e iam divulgando o

mesmo estilo de um lugar para o outro e continua até hoje. Quem sabe se daqui a alguns anos

possa ser que haja uma diferença grande, mas hoje não tem.

Pesquisador: E a técnica? . . . Nós não usamos o termo “técnica” o que a gente fala é

“sabe tocar, ta [está] aprendendo tocar ou não sabe tocar”.


160

______________________________Kelso Monteiro

SECRETÁRIO E MONITOR DE CLARINETA DA UNIÃO VIGIENSE!

Qual o objetivo do ensino de música na sua banda? ... além de ser uma profissão, do

pessoal ter uma profissão com música, tentar ter uma carreira. . . as pessoas vão mais pro lado

militar, uma parte também pela parte financeira de ter uma profissão e ter um lugar no

mercado de trabalho e a parte também educacional, cultural e o trabalho social aqui da cidade,

em relação aos jovens.

Como é o ensino da clarineta? A gente tenta fazer o ensino básico, pelo menos tentar fazer

um ensino com um pouco de técnica também, esse é o grande diferencial assim . . . com a

banda . . . de algumas outras, além de ensinar o básico mas também pensar em ensinar um

pouco mais de conhecimento pros alunos, um pouco mais de técnica, de digitação, de estudo,

procurando algo mais e não ficar como banda de música de interior.

Como você fala sobre embocadura, postura e respiração para o iniciante? A embocadura,

a gente explica muito sobre resistência, aquilo que vai proporcionar ao aluno pra ele conseguir

tocar no futuro, eu falo pra eles que sem resistência eles não vão conseguir tocar, não adianta.

. . a embocadura... acho que é importante a formação do som, a idéia do que é o som da

clarineta, pra ter mais resistência, respiração, a sonoridade é isso que vai proporcionar

embocadura... você precisa de um bom desenvolvimento pra tocar

Você considera a “mecânica” importante? Eu cobro bastante deles a parte de mecânica. Eu

utilizo um pouco os exercícios de mecânica do Klóse e escalas.

Os alunos utilizam métodos? Eu utilizo muito partes de métodos que eu mesmo organizei

como ‘Book 1’ e ‘Book 2’ com bastante escalas arpejos, escalas e exercícios de intervalos.

Quais as qualidades para ser um bom clarinetista? Disciplina, vontade e um pouco de

paciência.
161

Os alunos aprendem primeiro, dobrados, hinos ou lições? Aprendem primeiro a parte de

mecânica, escalas, aí já começa a pegar nos hinos porque vem o círio das crianças e a gente

coloca eles pra tocar e já faz os hinos com eles.

Como é organizado o ensaio da banda? Agora a gente está trabalhando muito por naipe

porque o regente tá ocupado né! Antigamente não dava muito certo né! Geralmente a gente

faz esses ensaio de naipe com os alunos só pra dar aquela pincelada primeiro ai pra poder

chegar no ensaio da banda.

O que motiva os alunos a permanecerem na banda? A vontade de tocar na banda mesmo!

Porque ai vem o círio das crianças e todos já querem pegar as partituras da banda.

Os alunos estudam mais escalas, notas longas e lições. Se o aluno sente dificuldade de

execução nos ajudamos, porém o aluno precisa “se virar” [resolver seus problemas de

execução]. A gente deixa eles se virarem um pouco, pra eles irem andando um pouco com as

suas próprias pernas para não ficarem dependendo toda hora do professor.

Uma das maiores dificuldades do aluno é a maneira de colocar as mãos no

instrumento. Quando um aluno vai pegar um exercício que a rapidez é maior, então ele tem

muitas dificuldades nesses [nos] dedos indicadores porque ele sempre tem o costume de

levantar esses dedos. Esse movimento é desnecessário. Quando se vai tocar uma passagem

com muita velocidade, o ideal é não levantar muito os dedos e deixando, assim, a mão no

formato mais circular, deixando os dedos mais livre, para ter mais agilidade.

O aluno não deve deixar os dedos retos ou quebrados nas articulações porque tudo

[isso] vai atrapalhar na mecânica. A posição dos dedos é importantíssima porque na hora da

música, o aluno não vai ter tempo de posicionar os dedos, ou seja, as mãos devem estar

sempre prontas para tocar, a qualquer momento, todas as chaves do instrumento. !!


162

A minha recomendação sobre a embocadura é esticar o queixo para tirar a pressão

da garganta fazendo uma leve pressão nos cantos da boca. Isso com os lábios relaxados em

dobrar muito os lábios inferiores para dentro da boca. Deixe os dentes superiores apoiados na

boquilha, não aperte a palheta, nem coloque muita força dos dentes inferiores nos lábios para

evitar os apitos.

______________________________Hédrios Frank da Silva Raiol

PRESIDENTE E MONITOR DE CLARINETA DA UNIÃO VIGIENSE!

A sede da Banda é um ponto de visitação importante pra quem chega em Vigia.

Muitos vêem para conhecer a parte arquitetônica das igrejas, das ruas. Ninguém vem pra ver a

prefeitura. Na parte cultural é obrigatório as caravanas de Colégios de Belém passarem na

“União”. Alunos da Unama [Universidade da Amazônia] e Ufpa [Universidade Federal do

Pará] vem pra vê a parte história aquela coisa toda. . . os pontos turísticos da Vigia. E na parte

de cultura, tem as bandas de música que são centenárias. Vigia tem aquela tradição né. . .As

pessoas vem na sede e pedem pra tocar música. Aí vem a questão do repertório, eles

perguntam que estilo de música a gente toca e a gente responde que tocamos do popular ao

erudito, mas também a gente trabalha com a música regional, música que está sendo tocada no

cotidiano. Então a gente faz uma mesclagem de repertório pra agradar a todos. . .então a gente

toca um samba, um choro e leva na descontração. Então o pessoal sai da banda e diz: poxa

legal o trabalho de vocês. Aí eles perguntam: - com relação ao apóio, o que vocês tem? – Aí a

gente coça a cabeça. . .música todo mundo gosta mais o nosso apoio! A cidade fica conhecida,

a cultura fica conhecida e a gente..!

Pesquisador: fale sobre a escola. A gente começou a observar que muitos alunos ficavam

desestimulados, flauta doce é uma coisa e o instrumento [de banda] já é outra. O instrumento
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[clarineta] já tem aquela questão mais delicada e mais meticulosa com relação à embocadura,

principalmente com relação à embocadura. Um aluno desse pega [possui] uma flauta doce

hoje em dia e começa a tocar aquelas musiquinhas e tal.

Quando ele começa um instrumento desse a concepção dele ele é a mesma coisa de

tocar flauta doce, quando ele vai ver [experimentar] fica desestimulado. . . Aquela coisa toda.

Então a gente começou a perceber uma evasão. Então resolvemos durante a musicalização

mostrar, a cada semana, um instrumento diferente e como se toca.

______________________________Jairo Wilkens da Costa Souza

CLARINETISTA E EX-INTEGRANTE DA UNIÃO VIGIENSE

O meu contato com o instrumento foi através do Batista que era um saxofonista que

tocava no conjunto do meu pai e no conjunto do Pinduca. Eu ficava olhando ele montar o

clarinete aí uma vez meu pai disse – você vai aprender música. Me ensinou o violão, eu disse:

eu não gosto deste instrumento. Eu tentei a bateria e depois a guitarra e eu não gostei. Meu pai

me disse – você não tem talento. Aí eu passei a trabalhar no conjunto carregando os

instrumentos e equipamentos. Um dia o Batista deixou a clarineta em casa. Eu montei o

instrumento e daí eu tirei a primeira nota e disse “essa é minha voz, esse vai ser o meu

instrumento”. O meu pai me colocou numa escola da prefeitura (projeto Erac) com o

professor Paulo Coutinho, estudei um ano, e o professor falou: o teu filho não tem talento. Eu

não desistir sempre perguntava para o Batista as posições das notas e o Batista ia me

ensinando. Meu pai me colocou na banda e quando eu dei por mim eu estava tocando na

“União”. O prof. Marcus Vinicius (clarinetista) foi um dos meus instrutores por que ele já

estava lá. A banda precisava de músicos, eu entrei pra fazer número. Eles ensaiavam na forma
164

de roda. Um dia o Prof. Marcus resolveu passar para o saxofone e eu tive que me virar no

instrumento.

Procurei métodos mais existia um grande problema: não havia palheta. Eu tinha um

“toco” [pedaço] de palheta muito duro. Tinha o Dito, chamado de “RÉ-Colher”, ele tinha um

RÉ sustenido feito com o cabo da colher. Ele fazia a palheta do galho do café. Eu fui lá com

ele e pedi que ele me ensinasse como fazer uma palheta e ele disse: “tudo bem é muito fácil”.

Cortou, raspou e disse: “agora lixa e toca”, o som era muito feio, mas era melhor do que o

“toco” que eu tinha. Depois eu procurei o Prof. Benjamin, fui estudar com ele. Eu já sabia ler

um pouquinho, tocava escalas de MI bemol, mas não sabia o que era MI bemol nem RÉ

sustenido. Comecei a vim de Vigia para Belém de carona nos caminhões que transportavam

verduras e pagava as aulas com um quilo de Gurijuba [peixe da região]. Foi ele que me

introduziu como segurar o instrumento, me deu uma palheta e uma boquilha. Daí eu fui

desenvolvendo pouco a pouco.

Eu desenvolvi na verdade ouvindo o que ele tocou. Alguém me deu um concerto de

Mozart (Disco do Karl Lasten) e eu fui escutando, escutando e assimilando aquele timbre. O

meu pai me deu um disco do Paulo Moura, Beny Goodman e Paquito de Rivera. Aquilo foi

sendo assimilado. Aprendi mais a tocar de ouvido com um material (palheta) muito duro, com

a posição dos dedos de qualquer jeito, e fui desenvolvendo até me matricular no conservatório

e estudar com o prof. russo Olig Adrianev. Aí comecei a saber [entender] como é a verdade [

outra maneira de tocar]. Mais mesmo assim com problemas de embocadura, devido a palheta

muito dura, com aquela coisa que o som fica bonito com a palheta dura.

Pesquisador: Jairo, se você fosse ensinar hoje os meninos de Vigia como você

ensinaria a parte técnica? Por exemplo, a embocadura? Isso seria fácil. Eu percebo que

eles têm o mesmo problema que eu tinha. Primeiro que a gente não tem noção do ângulo da
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clarineta em relação ao queixo. Essa preocupação não existe. O que a gente quer é tocar.

Outro problema é a noção que a gente tem de apertar [a boca] para tirar a nota aguda fácil. É

fácil quando a gente toca forte. Os jovens querem tocar rápido, estão cheios de informações,

se a embocadura já está feita daquele jeito, a gente não pode dizer que está errado, se não a

pessoa se confunde e acaba estragando [a aprendizagem]. O clarinete é um instrumento que

pode fazer você desistir muito fácil, ele guincha, você não consegue fazer a passagem do lá

para o si, você vai tocar no agudo, o RÉ é muito difícil, então eles vão para o sax, que em

termos de banda é mais fácil.

Eu estou tentando esquecer os problemas que eu tenho de raiz [embocadura e

sonoridade], por isso eu investir em equipamentos, procurei materiais próximo daquilo que eu

precisava, material duro e boquilhas mais fechadas pra eu tocar mais relaxado. A minha

iniciação eu não sabia o que era escala. O Rosendo [clarinetista do exército e luthier] foi quem

me deu as primeira noção realmente de som.

Pesquisador: como você vê o interesse de jovens pela música na Vigia? A banda de

música ainda é educação.

_____________________________Marinildo Pereira da Silva

REGENTE DA UNIÃO VIGIENSE!

Um dos mestres que passaram mais tempo na frente da banda foi Serafim Raiol. Ele

não saiu da Vigia. Ele era comerciante e na época trabalhou como oficial de justiça. Hoje

você encontra muito repertório, naquela época não tinha. Os mestres tinham que fazer o

repertório mesmo, tinha que compor. Ele nasceu em 1896 e morreu em 1962 e compôs

dobrados, valsas, marcha fúnebre, cantigas de roda e músicas sacras. Por causa do Padre
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Alcides Paranhos que tomava conta da 31 de Agosto, eles faziam aquela disputa. Enquanto o

padre fazia uma composição, ele [Serafim Raiol] fazia duas, três. Ele pegava o violão, quando

fechava o comercio, a energia ia embora cedo, aí ele ficava. . . pegava uma lamparina, um

tinteiro com aquelas canetas [ de pena] e o papel do próprio comercio que ele embrulhava pão

aí fazia a composição dele até altas horas da madrugada. A gente vê que os dobrados que ele

fazia era meio melancólico. Ele jogava muito a melodia para as palhetas, clarineta, sax.

Colocava a clarineta para tocar no grave, ficava muito bonita. Eu consegui resto de partitura

dele. Algumas músicas dele eu encontrei em São Caetano de Odivelas, lá com o Márcio.

Existiam sete bandas no município de Vigia. Antigamente São Caetano era distrito de Vigia,

assim como Colares.

No período da decadência a banda ficou sem sede e se mudava de um lugar para o

outro, aí você sabe que nesse negócio de muda pra cá [lugar] e pra lá [outro local] se perde

muito material, e se perdeu. Na sede 5 de Agosto [antiga sede beneficente onde funcionou por

um tempo a escola de musica da “União”] tinha muito material, fizeram uma faxina, uma

fogueira e queimaram muitas partituras, eu ainda trouxe algumas comigo.

Sobre o ensino do clarinete, ele utilizava o desenho com as posições do clarinete e o

ABC musical. Do clarinete e dizia essa é a tal nota, esse era o recurso que tinham na hora, não

tinha outro. Desenhava o instrumento no quadro. Em 1918 ele começou a estudar clarineta na

banda, dois anos depois começou a trabalhar como professor e regente da banda.
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Anexos F

Partituras
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Anexo G - Vídeos e Áudios (Vide CD Anexo)

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