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ESTUDO DA PRODUÇÃO DE HIDROGÊNIO A PARTIR DO

GLICEROL: REUSO DE REJEITOS DA PRODUÇÃO DE


BIODIESEL

E. P. FERREIRA3, M. F. MOURA4, R. S. ROCHA5 e S. C. NASCIMENTO6, E. J. MELO2, J. I. S.


SILVA1
1,2,3,4,5,6
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Institudo de Ciência e Tecnologia
e-mail para contato: eduardo.ferreira@live.com

RESUMO – A grande preocupação com o meio ambiente e as condições finitas das fontes
energéticas não renováveis tornam importante o desenvolvimento de novas tecnologias
vinculadas a fontes de energia limpas e renováveis. O glicerol, principal resíduo da
produção de biodiesel, é um subproduto abundante e com diferentes aplicações na
indústria. Com este trabalho abordou-se a análise de uma planta industrial para a
produção de hidrogênio a partir do glicerol, por meio da reforma em fase líquida, em um
reator de leito fixo, gerando valor agregado à matéria-prima utilizada. Observou-se uma
boa produtividade no processo, impactando em baixos gastos energéticos e geração de
resíduos menos poluentes quando comparado as rotas de reforma mais tradicionalmente
utilizados na indústria.

1. INTRODUÇÃO
Dentre as inúmeras alternativas de substituição dos combustíveis de origem fóssil, o biodiesel
tem papel de destaque. Biodiesel é um combustível biodegradável, não tóxico e pouco poluente,
produzido a partir de óleos vegetais extraídos de diversas matérias-primas, que pode ser usado em
motores a diesel (LAI, 2014). Ao fim da sua rota de produção, aproximadamente 10% de todo o
produto final é constituído por glicerol, que após um processo de purificação pode ser reutilizado
(FROZZA, 2014).

Devido à essa significativa quantidade de glicerol formado pela obtenção de biodiesel e às


diferentes possibilidades de aplicações desse subproduto na indústria, são crescentes os estudos de
rotas de utilização desse composto (MACHADO, 2012). Uma dessas rotas que tem chamado a
atenção é a sua utilizção como matéria-prima na obtenção de hidrogênio (ALMEIDA, 2011).

Atualmente 95% do hidrogênio é produzido a partir de combustíveis provenientes de fontes


não-renováveis (PÉREZ, 2014). O processo mais utilizado na indústria para produção de hidrogênio a
partir do glicerol é a reforma a vapor do gás natural, alcançando metade da produção mundial
(MANFRO, 2013). O principal fator dessa ampla utilização é o baixo custo, o que torna as outras
alternativas pouco viáveis. Porém, tem como desvantagem a emissão de gases poluentes e a utilizaçao
de elevadas temperaturas em seu processo (ALMEIDA, 2011).

O processo de reforma em fase líquida, ou em inglês Aqueous Phase Reforming (APR), produz
hidrogênio gasoso através de reação catalítica dos reagentes em estado líquido (água e glicerol) em
condições de pressões elevadas e baixas temperaturas (OLIVEIRA, 2014).

As pressões de operação (geralmente entre 15 e 50 bar) facilitam o emprego dos processos de


purificação dos gases obtidos, tais como tecnologias de membranas ou adsorção (PSA); as baixas
temperaturas diminuem a incidência de reações indesejáveis de decomposição; e finalizando trata-se
de um processo razoavelmente simples, sendo desnecessária a utilização de multi-reatores
(ALVARADO, 2011).

O processo apresentado pela reforma em fase líquida do glicerol é composto por duas etapas.
Inicialmente ocorre a desidrogenação do glicerol, que é um processo endotérmico (ΔH = +250 kJ.mol-
1
) e corresponde a decomposição desse composto por meio da quebra das ligações da molécula. A
clivagem das ligações C-C pode originar, além dos produtos requeridos, concentrações satisfatórias
de monóxido de carbono que podem reagir e formar produtos indesejáveis. Já a quebra de ligações
C-O fornece a formação de álcool intermediário que, ao reagir na superfície do catalisador, produzirá
hidrocarbonetos (ALMEIDA, 2011).

As equações envolvidas em cada uma das etapas da reforma, bem como a equação geral estão
apresentadas a seguir:

C3H8O3 (l)  4H2(g) + 3CO(g) (1)

CO(g) + H2O(g)  CO2(g) + H2(g) (2)

C3H8O3 (l) + 3H2O(l)  7 H2(g) +3 CO2(g) (3)

Segundo Pérez (2014), estudos em cima dos catalisadores utilizados para a reforma líquida do
glicerol foram feitos desde que esta rota foi apontada ao longo dos anos, indicando os metais de
transição suportados como melhores resultados.

Mediante esta revisão bibliográfica, o presente trabalho tem por fim propor uma rota para
produção de hidrogênio a partir do glicerol proveniente de uma planta química de produção de
biodiesel, utilizando para isso o processo de reforma aquosa com catalizador a base de Pt suportada
em Puralox®.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
O diagrama PFD, juntamente com os balanços de massa e energia das correntes do processo
desenvolvido para a obtenção de hidrogênio a partir do glicerol serão detalhados nesse tópico. Os
cálculos do presente trabalho foram desenvolvidos por método analítico utilizando o software Excel
2016.

2.1. Diagrama PFD


O diagrama PFD foi feito utilizando o sofware Edraw Max, conforme a Figura 1.

Figura 1 – Diagrama PFD da rota química para produção de hidrogênio a partir do glicerol, utilizando
para isso o processo de reforma aquosa com catalizador a base de Pt suportado em Puralox®.
2.2. Balanços de Massa
Uma simbologia específica foi utilizada com a finalidade de elucidar os passos e cálculos
realizados para o balanço de massa do processo de produção de hidrogênio:

FCO2 = vazão molar de CO2 (mol.h-1);


FH2 = vazão mássica de hidrogênio (mol.h-1);
FG = vazão mássica de glicerol (mol.h-1);
Fw = vazão mássica de água (mol.h-1);
FMet = vazão mássica de hidrocarbonetos (mol.h-1);
rA= taxa de reação para produção de hidrogênio (mol.min-1.gcatalizador-1);
Δw= massa de catalisador (kg).

Correntes 01, 02 e 03: Segundo estudos de Liu et al. (2006) e Shabaker et al. (2004), para
uma melhor produção, a condição ideal de operação para o processo de APR do glicerol para
produção de hidrogênio é alcançada utilizando-se 10% de glicerol e 90% de água na corrente de
alimentação do reator de reforma catalítica. Empregando-se uma menor vazão de água acarreta
em um maior consumo de energia para aquecer-se a mistura aquosa.

Baseando-se no trabalho de Fonseca et al. (2015), a vazão de glicerol utilizada neste


trabalho será de 0,5903 kmol.h-1, correspondendo assim a corrente 02. Esse resultado implica na
utilização de uma vazão de 27,1845 kmol.h-1 de água, que corresponde a corrente 01.

A corrente 03 é constituída pela soma das correntes 01 e 02 após passarem pelo


misturador (MX01). Adotando-se ausência de perdas mássicas, tem-se que sua vazão é de 27,777
kmol.h-1.

Corrente 04: A equação de balanço de massa pode ser apreciada conforme a Equação 4.

(FG + Fw) = (FCO + FCO2 + FH2+ FMet ) - r A w (4)

Lehnert e Claus (2008) realizaram estudos onde demonstraram que uma maior atividade
catalítica para APR do glicerol é dada pela utilização de catalizador de Pt suportada em Puralox, com
uma taxa de reação para produção de hidrogênio de rH2=7,6.10-3 mol.min-1.g-1cat , 45% de conversão
de glicerol e seletividade de hidrogênio de 85%. Determinaram que havia na corrente de saída do
reformador, além do hidrogênio, CO (0,2 mol%), CO2 (32 mol%) e metano (3,3 mol%).

Esses resultados foram obtidos nas condições de 250º C e 20 bar de pressão e serão utilizados
para o desenvolvimento desse trabalho. A concentração de CO, por ser mínima comparada as outras,
foi desconsiderada.
Corrente 05: Desconsiderando perdas de massa durante a troca térmica, tem-se o balanço de
massa para o trocador de calor 1(TC01) dado pela Equação 5. O fluido frio utilizado para a troca
térmica foi a água, proveniente do TQ03, resfriando a corrente 04 para temperatura ambiente (25 ºC).

(FCO2 + FH2+ FMet ) = ( FCO2 + FH2+ FMet ) (5)

Correntes 06 e 07: Segundo Mártin e Grossmann (2014), na temperatura ambiente (25ºC) e


pressão de 4,5 bar, o recheio de sílica em gel utilizado na coluna de adsorção 1 (LF01) e as zeólitas
5A utilizadas no recheio da coluna de adsorção 02 (LF02) adsorvem 100% de hidrocarbonetos e 95%
de CO2, nessa ordem. O balanço de massa para as correntes 06 e 07 é dado pelas Equações 6 e 7,
respectivamente.

dFMet
 ( Fco2  FH 2  FMet )  ( FCO 2  FH 2) (6)
dT

dFCO 2
 (FCO2  FH2) - (FH2) (7)
dT

2.3. Balanços de Energia

Os valores de Cp para as substâncias envolvidas neste trabalho foram calculados segundo


Cheric (2016) por meio da Equação 8.
T
Cp , i   ( A  BT  CT 2  DT 3  ET 4 )dT i= w, G, Met, CO2, H2. (8)
To

Reator de Reforma (RE01): O balanço de energia para o reformador é dado pela Equação
9.

(QMet + QCO2 + QH2) - (QG + Qw) = ∆HRE01 (9)

Onde ∆HRE01 é a variação de entalpia para o reator. As expressões de calor para cada uma
das substâncias envolvidas foram calculadas pela Equação 10, sendo TRE01= 250 oC.

Qi = [Fi.Cpi .(TRE01 – TAmb)] i = Met, CO2, H2, G, W. (10)


Trocador de calor (TC01): O balanço de energia no trocador de calor casco e tubos em
contracorrente foi realizado considerando-se a corrente de gás como sendo a fonte quente, a uma
temperatura de 250 oC, e a água a fonte fria, a uma temperatura de 25 oC. Considerando que não há
troca de calor com o ambiente externo, o balanço de energia é dado pela Equação 11.

(QH2O) – (QCO2 + QH2 + Q Met) = ∆HTC01 (11)

Colunas de adsorção: O acúmulo de energia para as duas colunas de adsorção LF01 e LF02 foi
negligenciado devido às baixas quantidades de acúmulo de material.

6. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os valores para os balanços de massa e energia calculados para o processo estudado nesse
trabalho estão apresentados nas Tabela 1 e Tabela 2, respectivamente.

A proposta da utilização do catalisador de Pt suportado em Puralox® mostrou-se eficiente para


a produção de hidrogênio através do processo de reforma em fase aquosa, produzindo uma corrente
molar final de 17,70 kmol.h-1 (Tabela 1).

Tabela 1 – Valores das vazões molares (kmol.h-1) para as correntes dos componentes utilizados na
planta química do processo de reforma em fase aquosa do glicerol para produção de hidrogênio de
acordo com o balanço de massa.

Correntes Vazão (kmol.h-1)


FG Fw FMet FCO2 FH2
01 - 27,187 - - -
02 0,59 - - - -
03 0,59 27,187 - - -
04 - - 0,874 8,743 17,706
05 - - 0,874 8,743 17,706
06 - - - 8,743 17,706
07 - - - 0,44 17,706

A vazão de CO foi desprezível e negligenciada, tornando o processo mais sustentável do ponto


de vista ambiental. A vazão de CO2 removida na coluna de adsorção pode ser reutilizada em outros
tipos de processos a partir de seu beneficiamento.
Tabela 2 – Valores para as variações de entalpia ∆H (kJ kmol-1) para os esquipamentos utilizados na
planta química do processo de reforma em fase aquosa do glicerol para produção de hidrogênio.

Equipamentos ∆H (kJ kmol-1)

RE01 -64505118,57

46361264,11
TC01

LF01 -

LF02 -

De acordo com os dados observados na Tabela 2, o balanço energético do processo sugere um


elevado consumo de energia que pode ser otimizado e reduzido.

6. CONCLUSÃO

Conclui-se que a produção de hidrogênio a partir do glicerol proveniente de uma indústria de


biodiesel, utilizando o processo de reforma em fase aquosa com o catalisador Pt suportada em
Puralox® foi satisfatória.

As quantidades de CO foram mínimas com relação aos demais produtos, mostrando que o
processo APR tornam-se importantes e necessários para redução de gases poluentes.

O balanço material e energético do processo podem ser otimizados para maximização da


produção de hidrogênio.
7. REFERÊNCIAS

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do glicerol em fase líquida. Dissertação. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Brasil, 2011.

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