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CFMV

A Revista CFMV é editada quadrimestralmente pelo Conselho Federal de


Medicina Veterinária e destina-se à divulgação de trabalhos técnico-científicos
(revisões, artigos de educação continuada, artigos originais) e matérias de inte-
resse da Medicina Veterinária e da Zootecnia.

A distribuição é gratuita aos inscritos no Sistema CFMV/CRMVs e aos órgãos


públicos. Correspondência e solicitações de números avulsos devem ser envia-
das ao Conselho Federal de Medicina Veterinária no seguinte endereço:

SIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140


Brasília–DF – CEP: 71205-060
Fone: (61) 2106-0400 – Fax: (61) 2106-0444
Site: www.cfmv.gov.br – E-mail: cfmv@cfmv.gov.br

A Revista Cfmv é indexada na base de dados Agrobase.

Revista CFMV. – v.18, n.55 (2012)


Brasília: Conselho Federal de Medicina Veterinária,
2012

Quadrimestral

ISSN 1517 – 6959

1. Medicina Veterinária – Brasil – Periódicos.


I. Conselho Federal de Medicina Veterinária.

AGRIS L70
CDU619(81)(05)
Sumário
4 Editorial

5 Entrevista | Helvécio Miranda Magalhães Júnior

7 Medicina Veterinária Legal

20 Perfil

22 Destaques

26 Suplemento Científico

69 Ensino da Medicina Veterinária

72 Medicina Preventiva

75 Administração Rural

78 Publicações

79 Agenda

80 Opinião | Guilherme Teixeira Goldfeder - Ao especialista estará reservado


maior sucesso profissional?
Editorial

A Medicina Veterinária Legal


O Regulamento da Profissão Médico Veterinária laudos, informações e pareceres em relação a
nos seus capítulos II e XII prevê como atribuição profis- animais e produtos de origem animal, visando ao
sional peritagem e o relacionamento com a justiça. estabelecimento da justiça. As principais áreas de
A Medicina Veterinária Legal é o conjunto de atuação do perito médico veterinário são ambiente,
conhecimentos médicos veterinários destinados a alimentos, maus-tratos, clínica, patologia, avaliação
servir ao direito e atuar cooperando na elaboração, de rebanhos, seguro animal, saúde pública, bem-
auxiliando na interpretação e colaborando na estar e proteção animal.
execução dos dispositivos legais no seu campo de Nossa reportagem principal aborda temas re-
ação de medicina veterinária aplicada. lacionados ao ensino da especialidade e fornece
Como perito, o médico veterinário aplicará os dados sobre a forma de elaboração de laudos pe-
seus conhecimentos técnico-científicos em pro- riciais, enfatizando a relação do profissional com
cedimentos judiciais e extrajudiciais, elaborando a justiça.

ERRATA: Matéria: Biodiversidade, Saúde Ambiental e o Médico Veterinário, nº 54, pág. 10, está correto: Durante a “Rio-
92” foram elaborados o Documento do Rio ou Carta da Terra, assinado pelos chefes de Estados presentes ao evento,
e a Agenda 21 (plano de ações para mudança do modelo de desenvolvimento e recuperação ambiental do Planeta).

EXPEDIENTE
CONSELHO FEDERAL DE Conselheiros Efetivos CONSELHO EDITORIAL
MEDICINA VETERINÁRIA Adeilton Ricardo da Silva Presidente
SIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140 CRMV-RO nº 002/Z Eduardo Luiz Silva Costa
Brasília–DF – CEP: 71205-060 CRMV-SE nº 0037
Fone: (61) 2106-0400 José Saraiva Neves
CRMV-PB nº 0237 Antônio Felipe Paulino
Fax: (61) 2106-0444
de Figueiredo Wouk
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cfmv@cfmv.gov.br CRMV-DF nº 0594
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de Carvalho Filho
DIRETORIA EXECUTIVA Editor
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Presidente Ricardo Junqueira Del Carlo
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CRMV-GO nº 0272 CRMV-SP nº 2236 Jornalistas Responsáveis
Vice-Presidente Conselheiros Suplentes Flávia Tonin
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CRMV-SE nº 0037 CRMV-TO nº 0019 Flávia Lobo
Secretário-Geral MTB nº 4.821/DF
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Antônio Felipe CRMV-AC nº 0007
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Paulino de Figueiredo Wouk
José Helton Martins de Sousa Duo Design Comunicação
CRMV-PR nº 0850
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Tesoureiro Impressão
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CRMV-ES nº 0093 CRMV-AP nº 0073

Heitor David Medeiros


CRMV-MT nº 0951

Nivaldo de Azevedo Costa


CRMV-PE nº 1051

OS ARTIGOS ASSINADOS SÃO DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO REPRESENTANDO, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CFMV.

4 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Entrevista

HELVÉCIO MIRANDA
MAGALHÃES JÚNIOR
Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (1985), especializa-
ção em Epidemiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1994), doutorado em Saúde
Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (2005) e residência médica pelo Instituto de
Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (1987). Possui experiência na gestão de
atividades e projetos de saúde pública no estado de Minas Gerais e no município de Belo Ho-
rizonte. Entre 2007 e 2009, presidiu o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde
(Conasems). Desde janeiro de 2011 é Secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.

1. O que são os Núcleos de Apoio à Saúde da elemento de qualificação da saúde da família,


Família (Nasf) e como são constituídos? por isso, já pactuamos novos critérios nos quais
Os Núcleos de Saúde da Família são equipes qualquer município que tenha mais que duas ESFs
multiprofissionais, vinculadas a um conjunto de poderá ter um Nasf, chegando a mais de 4.400 mu-
equipes de Saúde da Família, cujo objetivo é ampliar nicípios do Brasil. Os recursos federais destinados
a capacidade clínica e sanitária das Equipes de Saúde ao financiamento dos Nasfs são oriundos do Bloco
da Família (ESF), especialmente pela prática do apoio de Financiamento da Atenção Básica, que é uma
matricial em saúde, que objetiva assegurar retaguar- prioridade desta gestão. O Ministério da Saúde
da especializada às equipes e profissionais encarre- repassa recursos aos estados e municípios, por
gados da atenção a problemas de saúde. meio do Fundo Nacional de Saúde (que é o órgão
que atua como gestor financeiro, na esfera federal,
2. Quais os critérios para implementação de dos recursos do SUS) aos fundos estaduais ou mu-
um Nasf? Qual a origem dos recursos financeiros? nicipais de saúde, para financiamento de ações.
Os critérios anteriores limitavam muito os mu- Esses recursos são divididos por blocos. Os Nasfs
nicípios que podiam contar com esse importante recebem recursos do bloco da Atenção Básica, que

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Entrevista

tanto individuais quanto coletivas,


Áreas com alta prevalência sempre sintonizadas com as caracte-
rísticas de cada território.
de zoonoses e áreas rurais são
exemplos de lugares potenciais de 7. Como o Ministério tem atuado
nas questões estratégicas para a
inserção do veterinário eliminação da raiva humana trans-
mitida por cão em todo o território
brasileiro?
A Secretaria de Vigilância em Saú-
também engloba os recursos para os programas de do Ministério da Saúde, disponi-
como Saúde da Família, Agentes Comunitários de biliza nas unidades de saúde/hospitais a vacina
Saúde, Saúde Bucal, entre outros. antirrábica humana e o soro antirrábico para os
5.564 municípios. Além disso, o Sistema Único
3. Como é atualmente e como será definida a de Saúde oferta atendimento pela rede básica
ampliação das especialidades profissionais que da saúde em 100% das pessoas acidentadas
poderão passar a atuar nos Nasfs? O que mudará por agressões de animais suspeito - doentes
na nova Política Nacional de Atenção Básica? (raiva); disponibiliza a vacina antirrábica animal
Atualmente, a maior parte das profissões de para os Estados e Municípios para realização de
saúde e algumas especialidades médicas podem campanha anual de vacinação em animais (cães e
estar inseridas nos Nasfs. A nova política, lançada gatos); tem pactuação com os municípios para o
em setembro de 2011, prevê a possibilidade, mas cumprimento de cobertura vacinal canina acima
não a obrigatoriedade, de ampliar e incluir geriatra, de 80%; tem pactuação com os municípios para
médico do trabalho, clínico (internista), sanitarista, o monitoramento da circulação viral por meio do
médico veterinário e arte-educador nos Nasfs, além envio de amostras do sistema nervoso central de
de manter os outros que já podem fazer parte. cães para diagnóstico de raiva; faz a investigação
epidemiológica e bloqueio de foco em casos de
4. Qual a contribuição que se espera do Mé- raiva animal (animais domésticos), em até 72
dico Veterinário após sua inclusão como membro horas; disponibiliza informações sobre prevenção,
da equipe? vigilância e controle da raiva disponíveis no site
Espera-se que o veterinário, quando a sua pre- do Ministério da Saúde: www.saude.gov.br/svs e
sença for indicada, ajude a ampliar a capacidade publicou a revista Sesinho com o tema “ Controle a
da Atenção Básica na identificação e intervenção Raiva”, com distribuição nacional.
sobre riscos associados (direta ou indiretamente) à
presença de animais nos territórios, nas chamadas 8. Que políticas o Ministério tem implantado
Zoonoses, além de sua participação nos processos em relação às funções dos Centros de Controle de
de saúde coletiva. Zoonoses?
A Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério
5. Como se dará a inclusão do profissional da Saúde, vem conduzindo o processo de reestur-
Médico Veterinário? turação das políticas de vigilância das zoonoses,
Assim como os outros profissionais, é importante visando normatizar as ações operacionais, não só
que o veterinário seja incorporado nos Nasfs em locais dos Centros de Controle de Zoonoses (CCZs), ca-
onde há evidente necessidade dessa profissão, não nis municipais e Centros de Vigilância Ambiental
sendo necessário em todos os contextos. Áreas com (CVAs), mas de forma geral dos serviços de vigilância
alta prevalência de zoonoses e áreas rurais são exem- e controle das zoonoses, doenças transmitidas por
plos de lugares potenciais de inserção do veterinário. vetores, agravos causados por animais peçonhentos
e agravos de risco de transmissão de zoonoses. Da
6. No que se refere à prevenção e vigilância das mesma forma, o processo visa à normatização da es-
zoonoses, aquelas de importância para a saúde truturação física dessas unidades. Atualmente, o pro-
pública estão integradas com a atenção básica? cesso se encontra em fase final de discussão, visando
Sim. Fazem parte do escopo de ações da Aten- à publicação de uma normatização, bem como de
ção Básica, dentre outras, as práticas de vigilância, manuais operacionais e de estruturação física.

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Medicina Veterinária LegaL

O Ensino de Medicina
Veterinária Legal
no Brasil
Introdução
Medicina Veterinária Legal é uma especialidade Quadro 1
que usa conhecimentos médico-veterinários para
esclarecer questões do mundo jurídico (Merck, 2007; Lei nº. 5517, de 23 de outubro de 1968
Munro e Munro, 2008; Marlet, 2011). A utilização 99 trata do exercício da profissão do Médico Veterinário;
dos conhecimentos médico-veterinários em questões 99 estabelece competência legal para o médico veterinário
judiciais não é, como se imagina, recente. No Brasil, ela realizar perícias em:
está prevista na legislação de forma expressa desde  animais, identificação, defeitos, vícios, doenças, aci-
1933, quando o exercício da profissão Médico Veteri- dentes
nária foi regulamentado pelo Decreto nº. 23.133, de 09  e exames técnicos em questões judiciais;
de setembro de 1933. Nessa ocasião, tal decreto esta-  perícias, exames e pesquisas reveladoras de fraudes ou
beleceu como função privativa do médico veterinário operações dolosas em animais inscritos em competições
a realização de perícias em questões judiciais em que  desportivas e em exposições pecuárias;
animais estejam envolvidos (Decreto nº. 23.133/33,  perícias para fins administrativos, de crédito e de seguro;
artigo 11, b). Essa matéria foi ampliada e publicada em  exames tecnológicos e sanitários em produtos indus-
forma de Lei, a de nº. 5517, de 23 de outubro de 1968 triais de origem animal.
(Quadro 1). Desde então, o uso dos conhecimentos
médico-veterinários pela Justiça aumentou paulati-
namente, passando a ser aplicado em questões rela-
cionadas à saúde pública, à defesa do consumidor, à especialmente na área cível, promoveu os primeiros
defesa da fauna, entre outras. cursos para essa área, sob a coordenação do renoma-
Nos anos 1980, a demanda por exames periciais do Prof. Dr. José Maria Marlet, em 1996. Esse curso
direcionados às Instituições de Ensino Superior (IES), repetiu-se em 1997 e em 2000, nesse último em
particularmente à FMVZ/Unesp Botucatu, havia parceria com o CRMV-SP.
crescido tanto que o Prof. Dr. Enio Pedone Bandarra O Conselho Nacional de Educação (CNE), por
percebeu a necessidade de reunir em uma única meio da Câmara de Educação Superior, lança mão da
disciplina os conhecimentos médico-veterinários e Resolução CNE/CES nº 1, de
os conhecimentos jurídicos, necessários à realização 18 de fevereiro de 2003,
de perícias. Assim, em 1989, o visionário Dr. Bandarra
criou a disciplina Medicina Legal Veterinária, ministra-
da pela primeira vez na Faculdade de Medicina Vete-
rinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista,
em Botucatu. Ele também deu grande contribuição shutterstock
para o desenvolvimento da Patologia Forense (Ban-
darra e Sequeira, 1999a, b). De fato, nesse núcleo
foram formados diversos pesquisadres e professores
universitários que vêm ampliando esse tema nas mais
variadas IES espalhadas pelo Brasil.
Também em São Paulo, o Instituto de
Medicina Social e Criminologia (Imesc), sentindo
a carência de peritos médicos veterinários,

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Medicina Veterinária LegaL

na qual prevê as Diretrizes Curriculares Nacionais trânsito nacional e internacional de animais; Tráfico
dos Cursos de Graduação em MedicinaVeterinária. internacional de animais; Maus-tratos aos animais e
Nessa, tendo em vista o disposto no art. 9º, do § danos ao meio ambiente; Realização de exames peri-
2º, alínea c, da Lei nº 9.131, de 25 de novembro de ciais por Médicos Veterinários; Elaboração de laudos,
1995, e com fundamento no Parecer CNE/CES nº pareceres técnicos e demais documentos judiciais e
105/2002, homologado em 9 de abril de 2002, esta- Ética em Perícias (Maiorka, et al. 2007).
belece como medida a ser implantada “o ensino de
Medicina Veterinária Legal”, devido ao fato de ser ne- Especialista em Medicina
cessário a esse profissional possuir habilidade para Veterinária Legal
realização de Perícias (Quadro 2) CNE-2003. O CFMV adota o seguinte conceito de especialis-
ta: “especialista” é o profissional que se consagra com
particular interesse e cuidado a certo estudo; pessoa
que se dedica a um ramo de sua profissão, com habi-
Quadro 2 lidade ou prática especial em determinada coisa; co-
nhecedor; perito” (CME, 2008a, p. 62). O desenvolvi-
RESOLUÇÃO CNE/CES nº1, 18 de fevereiro mento da Medicina Veterinária Legal em todo o País
de 2003. levou o Conselho Federal de Medicina Veterinária,
Diretrizes Curriculares Nacionais dos em 2003, a estabelecer a Medicina Veterinária Legal
Cursos de Graduação em Medicina Veterinária como uma nova especialidade (Resoluções CFMV nº.
Art. 4º A formação do Médico Veterinário tem por objetivo dotar o 756, de 17 de outubro de 20031).
profissional dos conhecimentos para desenvolver ações e resultados
(...) além das seguintes competências e habilidades gerais: O Exercício da Medicina
XI - realizar perícias, elaborar e interpretar laudos técnicos em todos Veterinária Legal
os campos de conhecimento da Medicina Veterinária; O exercício da Medicina Veterinária Legal ocorre
XIII - relacionar-se com os diversos segmentos sociais e atuar em durante a realização de pesquisas, perícias e pare-
equipes multidisciplinares na defesa e vigilância do ambiente e do ceres e geralmente as pesquisas são realizadas nas
bem-estar social; IES. Quanto às perícias e pareceres, o médico vete-
rinário atua segundo os conhecimentos que possui
e na forma em que é chamado a participar de um
processo judicial.
A Disciplina Medicina
Veterinária Legal O Conhecimento Especializado
A disciplina Medicina Veterinária Legal tem por Para que o médico veterinário atue em proces-
objetivos a abordagem dos aspectos básicos de sos judiciais, ele deve comprovar que possui os co-
legislação, além de mostrar as áreas de atuação da nhecimentos inerentes à sua profissão, advindos
Medicina Veterinária Legal, além capacitar o profis- do curso de graduação, por meio da apresentação
sional para nela atuar. O programa dessa disciplina de seu registro profissional junto ao Conselho Re-
deve contemplar conteúdo curricular que inclua: gional de Medicina Veterinária (CRMV).
noções de Direito e Criminalística; Identificação e Existem, no entanto, casos em que os conheci-
genealogia; Avaliação e identificação de animais e mentos advindos da graduação não são suficientes
rebanhos; Verificação de parentesco; Tanatologia para auxiliar na solução da questão judicial que se
e Traumatologia Forense; Patologia Forense; Toxi- apresenta. Nessa hipótese, é preciso que o médico ve-
cologia Forense; Exames laboratoriais em perícias; terinário seja um especialista na área de conhecimen-
Identificação de fraudes e imperícias; Arbitragem de to da matéria em questão (CME, 2008a, b). A partir de
valores e custos de produção pecuária; Inventários; 2009, o médico veterinário comprova que é um espe-
Normas relativas aos produtos de origem animal e cialista na área, por meio de seu registro de especialis-
funcionamento de estabelecimentos veterinários ta no CFMV, de acordo com a Resolução CFMV nº 935.
e correlatos; Normas relativas à produção, testes, Detendo os conhecimentos necessários para
armazenamento, comercialização e controle de auxiliar na solução da questão judicial, o médico ve-
medicamentos de uso animal; Legislação e exames terinário pode ser chamado a participar no processo
de determinação de resíduos de medicamentos em como perito ou como assistente técnico. Ele atua
produtos de origem animal; Normas relativas ao como perito quando é chamado ao processo pelo

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juiz ou autoridade policial, e atua como assistente tituições é difícil, muitas vezes as requisições de
técnico quando é contratado por uma das partes en- exames são direcionadas a clínicas e hospitais ve-
volvidas no processo. terinários particulares. Vale ressaltar que o médico
veterinário não pode deixar de realizar o exame
O Perito Médico Veterinário pericial requisitado na esfera penal, a não ser que
Perito é um auxiliar da Justiça, devidamente com- apresente uma forte razão para tanto (artigos 277
promissado, estranho às partes, portador de um co- e 278 do CPP3).
nhecimento técnico altamente especializado e sem Na esfera judicial civil a situação é diferente. O juiz
impedimentos ou incompatibilidades para atuar no nomeia o médico veterinário para atuar como perito
processo (Aranha, 2004). louvado e o remunera por esse trabalho (CPC, artigo
Existem dois tipos de peritos: os peritos oficiais e 33)4. Independentemente da esfera judicial, penal ou
os peritos louvados (São Paulo, 2007). A principal civil em que o médico veterinário atue como perito, é
diferença entre os peritos oficiais e louvados é o fundamental que ele trabalhe de forma ética e impar-
vínculo empregatício com o Estado. O Estado tem cial para que o juiz possa fundamentar sua sentença
a missão de disponibilizar um conjunto de peritos no laudo pericial (Aranha, 2004). Essa matéria é
para atuar na esfera penal. Esse conjunto de peri- abordada e se encontra expressa no Código de Ética
tos está reunido em um órgão oficial de perícia, o da profissão, publicado na Resolução CFMV nº 722, de
Instituto de Criminalística. Para integrar-se a ele, o 16 de agosto de 2002, sendo encontrada no Capítulo
médico veterinário, assim como qualquer cidadão XII – Das Relações com a Justiça (Quadro 3). Ademais,
que possui nível universitário, deve submeter-se a para que o juiz fundamente a sentença judicial no
um concurso público e, se aprovado, torna-se um laudo pericial do médico veterinário, é necessário
servidor público que exerce cargo e função de peri- que ele confie nos resultados e conclusões apresen-
to oficial (Aranha, 2004). tadas nesse documento judicial. Essa confiança e fé
Há, ainda, a figura do Médico Legista, que tam- pública emanam do registro do profissional no siste-
bém adentra a carreira via concurso público, sendo ma CRMV-CFMV.
essa atividade exclusiva aos Médicos que realizam
atividades junto ao Instituto Médico Legal (IML).
Ainda inexiste esta figura na Medicina Veterinária, sen-
do os exames necroscópicos, em sua grande maioria, Quadro 3
realizados em IES, ou laboratórios privados.
Ocorre que, em razão da grande demanda de RESOLUÇÃO CFMV nº 722, de 16 de agosto
exames periciais e do contínuo desenvolvimento de 2002
da ciência, nem sempre o Instituto de Criminalística Capítulo XII - Das Relações com a Justiça:
pode atender às requisições de exame, por não pos- O médico veterinário na função de perito deve guardar segredo
suir peritos oficiais capacitados ou equipamentos profissional, sendo-lhe vedado:
suficientes para realizar a perícia. Nesses casos, a I - deixar de atuar com absoluta isenção, quando designado para
legislação penal prevê a nomeação de peritos louva- servir como perito ou auditor, assim como ultrapassar os limites das
dos para atuarem no caso (CPP, artigo 159, § 1º)2. suas atribuições;
A nomeação de médicos veterinários como II - ser perito de cliente, familiar ou de qualquer pessoa cujas rela-
peritos louvados na esfera penal é relevante, pos- ções influam em seu trabalho;
to que ela supre grave deficiência do Instituto de III - intervir, quando em função de auditor ou perito, nos atos profissio-
Criminalística na área de perícias médico legais nais de outro médico veterinário, ou fazer qualquer apreciação em pre-
veterinárias. A despeito da importância da atua- sença do interessado, devendo restringir suas observações ao relatório.
ção do médico veterinário como perito louvado na
esfera penal, não há forma de o representante do
Estado (Juiz de Direito ou Delegado de Polícia) que
requisita a perícia, remunerar esse profissional. Os Conselhos Federal e Regionais de Medicina
Por esse motivo, muitas vezes as requisições de Veterinária constituem uma autarquia que “têm
exames periciais são direcionadas a outras insti- por finalidade orientar e fiscalizar o exercício da
tuições governamentais, tais como faculdades e profissão de médico veterinário em todo o territó-
órgãos especializados; mas, especialmente longe rio nacional” (artigo 13, caput, do Regulamento da
dos grandes centros, em que o acesso a essas ins- Profissão do Médico Veterinário e dos Conselhos

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Medicina Veterinária LegaL

de Medicina Veterinária, aprovado pelo Decreto profissionais que atuam nesta área. Esse conjunto
nº 64.704, de 17 de junho de 1969). O registro pro- de circunstâncias permite concluir que há necessi-
fissional ou de especialista no CRMV indica que o dade de formação específica desses profissionais
médico veterinário está sob o manto da regulamen- para atender a essas demandas sociais. Outro fato
tação do CFMV, fato que confere segurança ao juiz de extrema relevância é a necessidade de formação
para utilizar o laudo como prova. docente adequada para introduzir e difundir o en-
sino da matéria em todo o território nacional. Esse
Assistente técnico é um ponto a ser explorado e normatizado em um
médico veterinário futuro próximo.
Para atuar como assistente técnico em um pro- Na atualidade, a relação homem x animal, espe-
cesso judicial, o médico veterinário deve ser con- cialmente em relação aos animais de companhia,
tratado por uma das partes envolvidas no processo. tem modificado os conceitos de ética em relação à
Sua função é acompanhar o processo e realizar constatação de maus-tratos contra essas espécies. O
trabalhos e pesquisas úteis à comprovação das ale- tratamento adequado dessas questões exige conhe-
gações da parte contratante (Aranha, 2004; Mar- cimentos específicos e estudos que apontem solu-
let, 2009). Sendo assim, o assistente técnico deve ções para essa problemática (Marlet e Maiorka,
ser uma pessoa de confiança de seu contratante. 2010). Da mesma forma em relação aos animais de
O assistente técnico não precisa ter compromisso produção, selvagens, exóticos e em relação ao meio
com a imparcialidade, como ocorre com o perito. ambiente (Marlet, 2011).
No entanto, a parcialidade do trabalho realizado No contexto de Um mundo uma Saúde, o Médico
por esse profissional não o libera de sua obrigação Veterinário a cada dia assume um papel de maior
de atuar dentro dos limites impostos pelo Código relevância. A importante atuação pode ser vista em
de Ética Profissional (Resolução CFMV nº 722). saúde pública, pela perícia em produtos de origem
animal e vigilância sanitária (Palermo-Neto, 2003).
Considerações finais Assim como em perícias ligadas aos crimes contra a
A Medicina Veterinária Legal é uma especiali- fauna (Oliveira, 2003). Nessa situação, a atuação do
dade que muito contribui com a sociedade, pois Médico Veterinário, quer seja no combate aos crimes
disponibiliza os conhecimentos médico - veteri- contra animais selvagens, ou aos danos ao meio am-
nários à Justiça, ao mesmo tempo em que oferece biente, é um vasto campo a ser explorado (Marlet,
novas oportunidades ao profissional. Os avanços da 2009). Por tudo que foi exposto, torna-se evidente
ciência e o desenvolvimento de especialidades exi- que essas atividades desenvolvidas pelos Médicos
gem o aperfeiçoamento constante. A isso se soma Veterinários nessa especialidade tem um papel de
também o fato do aumento constante de deman- suma importância, com realização de perícias que
das judiciais envolvendo animais, bem como os fundamentam a ação da Justiça.

Notas
1. A Resolução CFMV nº 756, de 17 de outubro de 2003, foi revogada pela Resolução CFMV nº 935, de 10 de dezembro de 2009.

2. Código de Processo Penal, artigo 159 do CPP. “O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de
diploma de curso superior. § 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso
superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”.

3. Código de Processo Penal, artigo 277. “O perito nomeado pela autoridade será obrigado a aceitar o encargo, sob pena de multa de cem
a quinhentos mil-réis, salvo escusa atendível. Parágrafo único. Incorrerá na mesma multa o perito que, sem justa causa, provada imedia-
tamente: a) deixar de acudir à intimação ou ao chamado da autoridade; b) não comparecer no dia e local designados para o exame; c) não
der o laudo, ou concorrer para que a perícia não seja feita, nos prazos estabelecidos.” Código de Processo Penal, artigo 278. “No caso de não-
comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá determinar a sua condução.”

4. Código de Processo Civil, artigo. 33. “Cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que houver indicado; a do perito será paga
pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz. Pará-
grafo único - O juiz poderá determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor corres-
pondente a essa remuneração. O numerário, recolhido em depósito bancário à ordem do juízo e com correção monetária, será entregue ao
perito após a apresentação do laudo, facultada a sua liberação parcial, quando necessária.”

10 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Dados dos Autores

Paulo César Maiorka


Médico Veterinário, CRMV-SP 6928; Professor Livre Docente; Membro da Comissão Nacional de Ensino de
Medicina Veterinária – CFMV; Departamento de Patologia – FMVZ /USP.

Endereço de correspondência:
Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87, Cidade Universitária
São Paulo /SP - Brasil
CEP: 05508-270
Fone: 55(11)3091-1375
Fax: 55 (11)3091-7829
E-mail: maiorka@usp.br

Elza Fernandes Marlet


Médica Veterinária, CRMV-SP 5765; Bacharel em Direito; Doutora em Patologia Experimental e Comparada –
FMVZ/USP; Perita Criminal e Professora de Criminalística do Instituto de Criminalística – Superintendência da
Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo
E-mail: emarlet@bol.com.br

Referências Bibliográficas
ARANHA, A. J. Q. T. C. Da prova no processo MAIORKA, P.C., GÓRINAK, S.L., SPINOSA, OLIVEIRA, M.A. A importância de perícia na
penal. São Paulo: Saraiva, 2004. 326 p. H.S., PALERMO-NETO, J. 2007. Universidade elucidação dos crimes cometidos contra
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Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 11


Medicina Veterinária LegaL

shutterstock
Elaboração de Laudo
Pericial em Medicina
Veterinária
Introdução Veterinário e a Justiça. Por esse motivo, eles devem
A perícia é um exame realizado por um especialista, ser redigidos em linguagem formal, utilizando,
com vistas ao fornecimento de subsídios técnicos e quando necessário, termos técnicos apropriados, de
científicos que sirvam como prova e elemento de con- modo que seu conteúdo seja facilmente compreen-
vicção para o Juiz, o Promotor, o Delegado de Polícia e dido pelo leitor.
os Advogados (França, 2008), que possibilita à Justiça O laudo pericial difere do parecer técnico pelas
fundamentar a decisão a ser tomada com base em ava- formalidades estabelecidas pelo Código de Processo
liação criteriosa, elaborada por indivíduo capacitado, Penal (CPP) para cada um deles1. Há mais formalida-
de conduta ilibada e com fé pública. Esse documento des estabelecidas para o laudo pericial que para o
oficial deve prover as conclusões do perito sobre a parecer técnico, por esse motivo, trataremos especi-
perícia levada a efeito, procedidas da sua respectiva ficamente da redação de laudos, e os critérios adota-
fundamentação. Segundo Marques (2000) o perito“res- dos para eles poderão ser adaptados para a redação
ponderá aos quesitos das partes e do Juiz, com o que de pareceres.
atingirá a perícia os seus fins e objetivos”.
Com a crescente demanda por perícias que en-
volvem animais, a saúde pública, ou o meio ambiente Redação de laudos
(Marlet, 2009; Sampaio, 2010), o Médico Veteri- Laudo pericial é um documento oficial, elabora-
nário vem sendo solicitado inúmeras vezes a prestar do por um ou mais peritos, em que deve estar des-
perícias, as quais estão previstas na Lei nº 5.517, de crito detalhadamente tudo o que foi examinado, os
23 de outubro de 1968. Em situações de maus-tratos, resultados obtidos, as conclusões a que chegaram,
– o que vem sendo bastante debatidas na sociedade e a resposta aos quesitos formulados (Mirabete,
atualmente – onde acontece o ferimento ou a morte 2008; artigo 160, caput, do CPP).
de animais, a participação dos Médicos Veterinários é O laudo tem por finalidade fornecer subsídios cien-
essencial e está garantida por força de Lei. Assim como tíficos, técnicos e artísticos, que servem como elemen-
em situações em que há suspeita de erro médico, ou tos de convicção para as autoridades policiais e judiciá-
de erro de procedimento, em que animais estejam rias acerca do fato ocorrido; daí a necessidade de que as
envolvidos a perícia por veterinário é indispensável informações nele contidas sejam claras e devidamente
(Marlet, 2011). fundamentadas (Tochetto, 2010). A clareza e a ade-
quada fundamentação das informações apresentadas
Laudo Pericial e Parecer Técnico no laudo conferem a ele a credibilidade necessária
O laudo pericial e o parecer técnico são documen- para que seja aproveitado como meio de prova pela
tos utilizados como forma de diálogo entre o Médico Justiça (Aranha, 2004; Capez, 2005). O valor do laudo

12 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


pericial como meio de prova decorre em grande parte que há longa data ele discute o tema (CREMESP, 2008),
do fato de ele ser baseado em conhecimentos técnicos, bem como do Instituto de Criminalística, órgão oficial
artísticos e científicos (Espíndula, 2007). responsável pela elaboração de perícias criminais
O perito também deve colher e trabalhar os dados (CPP, artigo 159), e do Departamento de Patologia da
utilizando metodologia adequada. A principal diferen- FMVZ/USP, responsável pela realização inúmeras ne-
ça entre o trabalho do perito e do pesquisador é o fato cropsias por solicitação judicial.
de o perito não escolher o tema, e nem a abrangência
do estudo que ele deve realizar. Reis (2005) preconiza
o planejamento das ações a serem desenvolvidas du- Posicionamento do Instituto
rante a perícia, mediante o estudo prévio do caso e o Médico Legal
estabelecimento de condutas, baseadas em métodos A Medicina Legal está presente no Brasil desde
científicos que induzam a um raciocínio sistemático, tal o período colonial, mas como no final do século XIX
qual ocorre com a pesquisa científica. A adoção dos mé- ainda não havia peritos oficiais para auxiliar a Justiça,
todos científicos na elaboração de perícias demonstra as perícias eram elaboradas por médicos nomeados
um trabalho criterioso do perito, o que confere credi- que muitas vezes não eram especialistas na área, oca-
bilidade ao laudo pericial, tanto frente à Justiça, como sionando a emissão de laudos imperfeitos. Em vista
frente à comunidade científica (Marlet, 2011). dessa situação, o governo federal publicou o Decreto
Ainda segundo Reis (2005), a verdade e a justiça nº. 4.864, de 15/6/1903, que estabelecia normas para
são alcançadas por meio da ciência. Sendo assim, a a conclusão de laudos de perícias médicas e sugeria a
normatização dos laudos periciais pode aumentar a adoção de um protocolo para a realização de exames
credibilidade do documento, uma vez que facilita a necroscópicos semelhante ao protocolo estabelecido
compreensão do caminho adotado pelo perito para por Rudolf Virchov, renomado patologista. O valor
chegar à conclusão de seu exame, bem como facilita dessas normas foi reconhecido publicamente por
ao perito a escolha do modo como ele pode apresen- nomes de grande importância, como de Locard 2 e
tar as informações em seu laudo. Lombroso3 (Marlet, 1995), mas elas ainda não fo-
ram suficientes para resolver o problema da emissão
de laudos médicos imperfeitos, o que levou à edição
Necessidade de do Decreto nº. 6.440, de 30 de março de 1907, que
normatização de laudos adequava o protocolo de exames necroscópicos
A normatização visa apresentar de forma clara (Ancillotti e Prestes, 2009).
e eficiente os laudos periciais médico-veterinários Em São Paulo, o Instituto Médico Legal (IML) foi
a serem utilizados pela Justiça, mas não como uma criado oficialmente em 1886, por meio da Lei nº. 18,
armadura rígida que impeça os movimentos criativos de 7 de abril de 1886 (CREMESP, 2008; Ancillotti;
de seu autor, mas de modo a facilitar o diálogo entre Prestes, 2009). Após uma série de mudanças, o IML
o médico veterinário, a polícia e a Justiça (CREMESP; passou a integrar a Superintendência da Polícia Téc-
2008; Tochetto, 2010). nico-Científica (SPTC) em 1998 (CREMESP, 2008). Ao
Há grande variedade de casos médico-veteriná- ser integrado à SPTC, o IML passou a ser administrado
rios legais, que ensejam laudos periciais com conteú- por médicos legistas que fizeram um diagnóstico pre-
dos bastante distintos, como nos casos de um laudo ciso da situação das perícias médicas no Estado de São
necroscópico, ou mesmo de um laudo de identifica- Paulo: ainda não havia uma orientação técnica uni-
ção animal ou de um produto de origem animal. Cada forme para a realização das perícias médicas. Sendo
tipo de exame pericial enseja uma forma de laudo assim, em cada região do estado, os médicos legistas
a ser normatizada de acordo com as necessidades fundamentavam seus laudos em literatura científica
específicas do caso. Este artigo aborda um tipo especí- distinta, o que resultava em laudos distintos para cada
fico de laudo pericial: o laudo de exame necroscópico região. Ficou evidente a necessidade de normatização
relacionado a crimes contra a fauna. No entanto, os dos procedimentos periciais médico legais (CREMESP,
critérios aqui apontados podem servir como ponto 2008). Sensível à demanda dos próprios médicos le-
de partida para a redação de laudos de outras modali- gistas pela normatização de procedimentos, o Conse-
dades de exames periciais médico-veterinários legais. lho Regional de Medicina (Cremesp), por meio de sua
Essa abordagem não pode, contudo, prescindir da Câmara Técnica de Medicina Legal, em parceria com
exposição do posicionamento do Instituto Médico os peritos oficiais do Instituto Médico Legal de São
Legal a respeito da normatização de laudos, uma vez Paulo elaborou o Manual Técnico-operacional para os

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Medicina Veterinária LegaL

Médicos-Legistas do Estado de São Paulo, editado em área, deve procurar distribuir seu conteúdo de modo
2008. Esse manual tem por objetivos normatizar tanto a torná-lo claro, preciso e coerente. As perícias que
os procedimentos como a linguagem utilizada nos envolvem animais vêm sendo mais solicitadas a cada
laudos, a fim de melhorar a comunicação dos médi- dia a esse órgão, por isso há necessidade de os laudos
cos legistas entre si, e desses com a polícia e a Justiça. médico-veterinário também seguirem uma metodo-
Vale, porém, destacar que a normatização de pro- logia clara e normatização.
cedimentos e linguagem esbarrou em divergências
conceituais de autores distintos.
Posicionamento
do Departamento de
Posicionamento do Patologia da FMVZ/USP
Instituto de Criminalística A FMVZ/USP conta com um serviço de necropsia
O Instituto de Criminalística “Perito Criminal Dr. desde os primórdios de sua criação. Seus primeiros
Octávio Eduardo de Brito Alvarenga” (IC) da Supe- registros datam de 1936; atualmente, esse serviço é
rintendência da Polícia Técnico-Científica de São denominado Serviço de Patologia Animal e funciona
Paulo, atento à qualidade de seus laudos, elaborou no Departamento de Patologia. Os exames necroscó-
manuais de procedimentos a fim de orientar os peri- picos realizados pelo serviço são requisitados a partir
tos criminais de todo o Estado de São Paulo, nas dife- do Hospital Veterinário da instituição, clínicas veteri-
rentes áreas. Esses manuais de procedimentos foram nárias particulares, e por parte da Polícia Civil, entre
estabelecidos por diretores de núcleos do IC e pela Co- outros. Estudo recente demonstra que grande parte
missão de Planejamento Estratégico do Ceap, a partir desses foi solicitada pela Justiça e estão relacionados a
de normas e técnicas consagradas pela Criminalística casos de crimes de maus-tratos (Marlet & Maiorka,
brasileira (Moraes e Monteiro, 2005; CEAP, 2009). 2010). Os casos relacionados aos crimes de maus-
Os procedimentos preconizados abrangem desde tratos a animais têm crescido em importância e visibi-
o exame pericial, registro de dados e coleta de amos- lidade, em função do desenvolvimento da legislação
tras até a elaboração de laudos periciais. Não é possí- e do clamor social para a coibição dessa modalidade
vel ao Instituto de Criminalística adotar um único mo- de crime (Marlet & Maiorka, 2010; Merck, 2007).
delo padrão de laudo, devido à imensa variedade de Contudo, o aproveitamento dos laudos de exames pe-
perícias que elabora; mesmo entre as perícias de um riciais pela polícia e a Justiça depende do atendimen-
mesmo tipo, como no caso do atendimento de locais to a formalidades legais (CPP, Livro I, Título VII, Capítulo
de crime contra a pessoa ou de acidentes de trânsito, II), e de apresentarem informações de forma clara para
existe grande variedade de situações e dados a serem leitores com qualquer tipo de formação acadêmica,
registrados e relatados no laudo pericial. Alguns tipos e não apenas para outros médicos veterinários (Reis,
de perícia, como as realizadas em laboratórios, que 2005; CREMESP, 2008). A normatização dos laudos
adotam uma metodologia mais uniforme em seus necroscópicos de animais pode evitar a omissão de
exames, a normatização dos laudos é uma tarefa mais formalidades legais, bem como adequar o conteúdo e
simples (Espíndula, 2007; Monteiro e Moraes, a linguagem do laudo à sua principal finalidade: forne-
2005; CEAP, 2009). cer subsídios científicos que sirvam como elementos
Mesmo não sendo possível a adoção de um mo- de convicção para a polícia e a Justiça acerca do fato
delo rígido para a elaboração de laudos, posto que ocorrido (Tochetto, 2010).
não existem dois exames periciais absolutamente
iguais, os manuais de procedimentos disponibiliza-
dos pelo IC oferecem rico subsídio para todos os peri- Redação de laudo
tos criminais do Estado, cada um em sua região e área pericial de exame necroscópico
de atuação (Monteiro e Moraes, 2005; CEAP, 2009). Ao iniciar a elaboração de um laudo pericial, há
Diversos autores da Criminalística propõem modelos que se ter em mente que ele é um documento desti-
de laudos dividindo-os em partes a fim de facilitar nado à esfera judiciária, e deve atender às formalida-
a apresentação de seu conteúdo. Não há consenso des estabelecidas pela lei. Diferente de um resultado
quanto à melhor forma de se apresentar o laudo. Mas de exame laboratorial que se destina à prática médica,
há consenso quanto à necessidade de o laudo ser cla- o laudo é um termo empregado especificamente para
ro, preciso e coerente (Monteiro e Moraes, 2005). a esfera judicial. Na esfera judiciária penal, os disposi-
Sendo assim, a normatização de laudos, em qualquer tivos legais que tratam da elaboração de laudos são

14 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


os artigos 159, § 1º4; 1605, 1656, 1707, 1768, 1809 e 18110 rio, auxiliar de necropsia, digitador, entre outros), a
do Código de Processo Penal (CPP). Esses artigos esta- definição da divisão de trabalhos e a preparação dos
belecem providências, tais como o número de peritos, equipamentos necessários (Reis, 2005). A equipe
que devem ser de no mínimo dois, que devem assinar pericial deve ser bem integrada entre si e com os
o laudo, o prazo para emiti-lo, e, quanto ao conteúdo, laboratórios, a fim de otimizar o exame e aumentar a
exigem a descrição minuciosa do exame realizado, qualidade do laudo pericial (Bittencourt, 2010).
resposta aos quesitos formulados por autoridades Nesse sentido, Reis (2005) e Merck (2007) alertam que
ou partes, e aposição da rubrica dos peritos relatores a adoção de protocolos de remessa de amostras para
em fotografias, desenhos e esquemas utilizados para os laboratórios facilita a comunicação e evita que as
ilustrar lesões em cadáveres ou materiais examinados amostras sejam misturadas com amostras de outros
em laboratórios. casos, contaminadas ou mesmo fraudadas (Figura 1).
Resta uma grande margem de liberdade para o pe- A cadeia de custódia das amostras enviadas ao labora-
rito elaborar seu laudo, tanto no tocante à escolha da tório deve ser documentada e mencionada no laudo
técnica pericial a ser utilizada, como no tocante à dis- pericial (Pereira, 2010).
posição do conteúdo e à linguagem utilizada (Almei- arquivo do autor

da et al., 2006). Diversos autores da área criminalística


sugerem formas de apresentar o conteúdo dos laudos,
segundo a modalidade de perícia realizada. O cuidado
de apresentar um tipo de laudo para cada modalidade
de perícia vem do fato de que cada modalidade de
perícia realiza exames distintos, que não podem ser
descritos da mesma maneira. O laudo referente a um
exame de local de maus-tratos a animais, por exemplo,
apresenta conteúdo distinto de um laudo de exame
necroscópico (Marlet, 2011; Tochetto, 2010).
A literatura nacional sobre criminalística ainda não
apresenta sugestão para a normatização de laudos
de exames necroscópicos de animais. No exterior,
autores como Merck (2007) e Munro & Munro (2008)
abordam os cuidados a serem adotados quando da
elaboração de um laudo pericial criminal em casos
de maus-tratos. A proposta de um modelo de laudo
para os exames de necropsia de animais não visa
restringir o conteúdo do laudo pericial, ao contrário,
ela visa orientar o perito quanto à forma mais clara de
apresentar a perícia realizada; mas o conteúdo do lau- Figura 1. Frascos coletores universais podem ser usados para preservação
do deve estender-se tanto quanto o perito entender de conteúdo, amostras biológicas ou objetos colhidos durante a necropsia a
serem encaminhados para exames ou juntados ao processo. Deve haver iden-
necessário para alcançar uma conclusão categórica
tificação relativa à instituição proveniente, número de registro da necropsia
de seu exame, possibilitando, inclusive, a utilização e identificação do animal. Para preservação da cadeia de custódia devem ser
de conhecimentos científicos recém-desenvolvidos acondicionadas em sacos plásticos, lacrados, e registrados com o número de
(Reis, 2005). Ainda segundo Bandarra (2009): “Ao lacre. Este número de lacre deve ser registrado com descrição do material
contido, data, local, destinação a ser dada e assinatura de por parte de quem
emitir um laudo... seja por designação judicial ou... for retirar a amostra.
para quaisquer outras finalidades,... ter em mente que
documento técnico possui valor legal e que poderá A interpretação dos dados é o principal ponto
ser aprovado, contestado, ou questionado, e eventu- de diferenciação de um resultado de um exame com
almente rechaçado.” finalidade de auxiliar a prática médica. Nesse tipo de
resultado de exame, a linguagem técnica, ou jargão, é
comumente utilizado, pois se destina a outro médico
Etapas que antecedem a veterinário. Já no laudo, a linguagem deve ser clara e
elaboração de laudos evitar o uso excessivo de jargão, tendo em vista que o
As primeiras providências a serem tomadas são leitor a quem se dirige é o Poder Judiciário. A utilização
a constituição da equipe pericial (médico veteriná- de termos que possam ser compreendidos e a defini-

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 15


Medicina Veterinária LegaL

ção clara de causas e consequências relacionadas às Preâmbulo


lesões encontradas facilita o entendimento por parte Preâmbulo é a primeira parte do laudo; nele são
dos policiais, delegados, promotores, advogados e indicados o título do documento, hora, data e local
juízes que recebem o laudo. da perícia, nome do perito relator, nome e órgão a
A análise prévia do objeto de exame evita descui- que pertence o requisitante da perícia, a natureza da
dos capazes de destruir vestígios. A perfeita coleta de infração penal em apuração e os números que a iden-
dados relativos ao objeto de exame deve ser rápida, tificam (B.O, I.P. e processo judicial). Essas informações
pois “o tempo que passa é a verdade que foge”11, e prestam-se a situar o leitor do laudo no contexto da
deve ser completa, porque muitas vezes os dados perícia realizada: quando, onde, por que, por quem e a
não coletados naquele instante não podem ser re- quem foi solicitada a perícia em questão (Fiker, 2005).
cuperados posteriormente, como ocorre em exames
de necropsias ou locais de crime não preservados Objetivo do Exame
(Monteiro e Moraes, 2005). Assim, é importante O capítulo objetivo do exame no laudo indica a
que a coleta de dados seja sistematizada e conferida, finalidade da perícia requisitada (CPP, artigo 176)12. O
para que o perito disponha de todas as informações objetivo da perícia é indicado na requisição de exames
necessárias à sustentação de sua conclusão no laudo e orienta o trabalho do perito; por isso, ao ser trans-
pericial (Reis, 2005; CREMESP, 2008). Após colhidos, crito para o corpo do laudo, o objetivo da perícia per-
os dados referentes ao exame de necroscopia devem mite que o leitor entenda qual a finalidade do exame
ser descritos, interpretados e relacionados entre pericial realizado (Tochetto, 2010). As necropsias
si. A representação dos dados por meio de anexos médico-legais podem ter por finalidade: identificar
fotográficos (Figura 2), esquemas, análises comple- o cadáver; determinar a causa médica da morte; au-
mentares, entre outros recursos existentes, facilita xiliar na determinação da causa jurídica da morte; e,
a descrição dos trabalhos periciais desenvolvidos, estabelecer a provável data da morte (Ancillotti e
quando da elaboração do laudo (Almeida et al., Prestes, 2009). De posse desse conhecimento, o pa-
2006; CREMESP, 2008). A somatória dos dados obti- tologista pode iniciar o exame necroscópico mesmo
dos e interpretados encaminha para conclusão; caso que o objetivo da perícia não esteja expresso na requi-
isso não ocorra, o perito deve procurar sanar as dúvi- sição de exames (Fiker, 2005). O objetivo da perícia
das remanescentes para, então, encerrar a pesquisa e pode ser expresso por meio de perguntas formuladas
elaborar seu laudo (Reis, 2005; CREMESP, 2008). pelo requisitante, que recebe o nome técnico de que-
sitos (Almeida et al., 2006). Os quesitos indicam quais
arquivo do autor pontos a autoridade requisitante visa esclarecer com a
perícia. Tratando-se de um laudo da esfera criminal,
os quesitos procuram esclarecer pontos que ajudem
a autoridade policial a entender e comprovar o fato
que está sob investigação (Aranha, 2004). Apesar
de as autoridades requisitantes disporem de liberda-
de para formular quesitos, é comum elas adotarem
quesitos previamente formulados e próprios para
cada modalidade de crime. Esses quesitos podem ser
encontrados, por exemplo, no Manual Operacional do
Policial Civil (SÃO PAULO, 2007).

Figura 2. Ilustrações por meio de fotografias devem Histórico


seguir um padrão determinado pelo perito, e juntadas na forma O histórico é um capítulo destinado a narrar
de anexos ao laudo. Todas as imagens devem ser identificadas, conter régua, resumidamente os fatos ocorridos, que levaram à
e acompanhadas de legendas com descrição do que é identificado em cada
imagem, bem como assinatura do perito. necessidade da perícia (Fiker, 2005). Ele deve conter
informações policiais e médico-legais. Pode ser feito
uso e citação da cópia do documento policial de
Partes Constituintes requisição, e a cópia juntada aos anexos do laudo. A
de um Laudo Pericial inclusão de um capítulo destinado ao histórico do
O laudo é dividido em partes, e apresentado nesta caso, certamente facilitará a discussão do caso pelo
sequência ordenada: perito e a sua compreensão pelo leitor.

16 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Objeto do Exame elementos que servem de fundamento para a con-
Esse segmento destina-se à descrição do corpo clusão. Por isso, muitas vezes a discussão exige a
de delito a ser examinado. Corpo de delito, no pre- utilização de vocabulário técnico pericial preciso. Na
sente estudo, é o animal a ser submetido ao exame discussão, os resultados das análises complementa-
necroscópico. O animal deve ser descrito de forma res são colocados no contexto do exame de necrop-
minuciosa, clara, precisa e fartamente documen- sia, de forma encadeada, mostrando o raciocínio
tada, com informações acerca de sua espécie, raça, desenvolvido pelo perito até alcançar a conclusão
pelagem, idade, sinais particulares, tais como mar- (Reis, 2005).
cas e números, entre outras, de maneira a tornar
indubitável a identificação do animal (CPP, artigo Conclusão do Laudo
160, caput13). Na conclusão o perito apresenta, de forma
direta e objetiva, um resumo da discussão contida
Dos exames no capítulo anterior e as consequências lógicas a
O capítulo dos exames destina-se à descrição fiel que chegou. Sendo assim, a conclusão pode conter
e minuciosa do exame necroscópico (CPP, artigo 160, mais informações que as solicitadas ao perito por
caput). Como o exame a ser descrito é complexo, o meio da requisição de exame. Os quesitos contidos
Cremesp recomenda que a descrição do exame ne- na requisição de exame e as respectivas respostas
croscópico seja dividida em exame externo e exame podem ser integrados ao capítulo Conclusão, o
interno, a fim de que todas as alterações encontradas que facilita ao leitor a localização da informação de
possam ser devidamente documentadas (CPP, arti- que necessita (Reis, 2005). Muitas vezes, o exame
gos 165 e 170; CREMESP, 2008)14. pericial não é conclusivo, mesmo assim, o capítu-
A doutrina recomenda que, além da descrição e da lo Conclusão deve fazer parte do laudo, a fim de
ilustração dos achados necroscópicos, o laudo apre- expressar o resultado do trabalho pericial. Caso o
sente esquemas, figuras ou outros meios disponíveis, a perito entenda que não é adequado denominar
fim de facilitar a compreensão do leitor, inclusive no que de Conclusão o capítulo de um laudo pericial cujo
diz respeito à localização dos achados necroscópicos exame não levou a um resultado conclusivo, ele
relatados, ou seja, sua situação em relação ao todo, de pode adotar outra denominação para esse capítulo,
modo semelhante ao utilizado pelo IML (Reis, 2005). tal como Considerações Finais. Diversos peritos do
Isso porque, caso o leitor não seja médico veterinário, Instituto de Criminalística adotam essa postura15.
ele pode não estar familiarizado com à nomenclatura
própria utilizada pelos patologistas (Merck, 2007). Fecho ou encerramento
No segmento Fecho é citado o número de folhas
Análises complementares que constituem o laudo, bem como relaciona os ane-
Além do exame necroscópico propriamente dito, xos: número de fotografias, desenhos, documentos,
podem ser necessárias análises complementares (CPP, entre outros (Fiker, 2005). Ao final, a citação do nú-
artigo 159, § 7º) que permitam o seguro estabeleci- mero de folhas, as quais devem ser todas rubricadas
mento da causa mortis do animal (Tochetto, 2010). e a última assinada pelos peritos, também deve ser
Essas análises complementares podem ser realiza- citada a existência de uma cópia idêntica que será
das a partir de amostras colhidas durante o exame guardada pelo perito. O fecho confere segurança ao
necroscópico. As amostras podem ser constituídas laudo, pois o extravio de qualquer folha ou anexo do
por tecidos animais, enviados a exame anátomo e laudo que esteja ali relacionado, pode ser facilmente
histopatológico; por materiais extraídos por pun- percebido (Tochetto, 2010).
ções aspirativas enviadas para exames citológicos;
conteúdo gástrico, sangue ou outros tecidos envia- Anexos
dos para exame toxicológico. Também podem ser re- Anexos ao laudo podem ser desenhos, fotogra-
alizadas radiografias visando localizar fraturas e outras fias legendadas, resultados de análises complemen-
lesões e ainda fragmentos metálicos, que podem ter tares e quaisquer outros documentos que ilustrem
feito parte integrante de instrumentos de crime. ou tenham sido utilizados para a elaboração do
laudo (Reis, 2005). Todos os anexos devem ser rubri-
Discussão cados pelos peritos signatários. Outros documen-
A discussão é o capítulo do laudo em que são tos, tais como resultados de exames laboratoriais,
apresentados, e cientificamente discutidos, os radiografias, carteira de vacinação, entre outros,

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 17


Medicina Veterinária LegaL

apesar de não fazerem parte integrante do laudo, de terminologia de patologia e traumatologia


podem acompanhá-lo como anexos, pois oferecem forense apropriada aumenta a credibilidade e a
elementos para a fundamentação do exame necros- aceitação do laudo. Assim como a utilização de
cópico (Reis, 2005; Espíndula, 2007). ilustrações, por meio de fotografias, esquemas e
desenhos, enriquecem e auxiliam na compreensão
Considerações Finais Quanto do conteúdo a ser exposto pelo perito. O apro-
ao Laudo Pericial e À Medicina veitamento do laudo pelas autoridades policiais
Veterinária Legal e judiciárias depende de seu valor como meio de
A normatização dos laudos periciais de exames prova (Aranha, 2004; Capez, 2005). Segundo
necroscópicos pode aumentar a credibilidade des- Reis (2005), a verdade e a justiça são alcançadas por
se documento, uma vez que facilita a compreensão meio da ciência. A Medicina Veterinária Legal é a
do caminho adotado pelo perito para chegar à ciência responsável pela atuação em perícia com
conclusão de seu exame. A utilização de linguagem animais, meio ambiente, saúde pública e os produ-
clara, indicação de nexo de causalidade, aplicação tos de origem animal.

Notas
1. Código de Processo Penal brasileiro. Laudo pericial: artigos160, 165, 169, 170, 178, 179, 180, 181, entre outros. Parecer: artigos 159, § 5º, II.

2. Edmond Locard (1877 - 1966) formulou um princípio básico da Ciência Forense, o Princípio Troca de Locard, segundo o qual, qualquer coi-
sa ou pessoa que entre em um local, tanto deixa como leva deste local, alguma coisa, que pode ser aproveitada pela criminalística (CASTRO
JUNIOR; LISITA; MOURA; PINTO, 2009}.

3. Lombroso é um médico italiano que viveu entre 1835 e 1909 e é um dos fundadores da Criminologia.

4. Código de Processo Penal, artigo. 159. “O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma
de curso superior. § 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior
preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.”

5. Código de Processo Penal, artigo 160. “Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e
responderão aos quesitos formulados. Parágrafo único. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 dias, podendo este prazo ser
prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos.”

6. Código de Processo Penal, artigo 165. “Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao laudo
do exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente rubricados.”

7. Código de Processo Penal, artigo 170. “Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova
perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.”

8. Código de Processo Penal, artigo 176. “A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência.”

9. Código de Processo Penal, artigo 180. “Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as declarações e res-
postas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a
autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos.”

10. Código de Processo Penal, artigo 181. “No caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradi-
ções, a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo. Parágrafo único. A autoridade poderá tam-
bém ordenar que se proceda a novo exame, por outros peritos, se julgar conveniente.”

11. Ditado tradicionalmente utilizado pela Criminalística, de autoria desconhecida.

12. Código de Processo Penal, artigo 176. “A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência.”

13. Código de Processo Penal, artigo 160, caput. “Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examina-
rem, e responderão aos quesitos formulados.”

14. Código de Processo Penal, artigo 165. “Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao laudo
do exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente rubricados”. Art. 170. “Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão
material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou
microfotográficas, desenhos ou esquemas.”

15. Fonte: Núcleo de Documentoscopia do Instituto de Criminalística.

18 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Referências Bibliográficas
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CREMESP, 2008. Iowa, Blackwell Publishing, 2007, 327p. biental. Campinas: Millennium, 2010. 325 p.

Dados dos Autores

Elza Fernandes Marlet Comparada – FMVZ/USP, Perito Criminal – Instituto


de Criminalística Santo André /SP
Médica Veterinária, CRMV- SP 5765, Bacharel em Direi-
to, Doutora em Patologia Experimental e Comparada E-mail: peritoalberto@uol.com.br
– FMVZ/USP. Perita Criminal e Professora de Crimina-
lística do Instituto de Criminalística - Superintendência Silvana
da PolíciaTécnico-Científica do Estado de São Paulo Lima Górniak
Médica Veterinária, CRMV - SP 3990, Profes-
sora Titular FMVZ/USP, Membro da Comissão
Mista de Especialidades – CFMV, Assessora
Endereço para correspondência: para Farmacovigilância e Toxicologia Veteri-
Departamento de Patologia - FMVZ /USP nária – CFMV
Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87 Cidade E-mail: gorniak@usp.br
Universitária / 05508-270 São Paulo /SP - Brasil
Fone: (11)3091-1375 / Fax: (11)3091-7829 Paulo
E-mail: emarlet@bol.com.br César Maiorka
Médico Veterinário, CRMV-SP 6928, Professor Livre
Alberto Soiti Yoshida Docente FMVZ/USP, Membro da Comissão Nacio-
Médico Veterinário, CRMV- SP 6908, Bacharel em nal de Ensino de Medicina Veterinária – CFMV
Direito, Mestrando em Patologia Experimental e E-mail: paulomaiorka.cnemv@cfmv.gov.br

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 19


Perfil

Frederico Lieberknecht:
“É essencial ser apaixonado
pelo que se faz”
Por Flávia Lôbo Gonçalves - Jornalista CFMV / MTB nº 4.821/DF

Frederico Lieberknecht nasceu em Província de Ciências da Saúde de Porto Alegre, recebi também
Santa Fé, na Argentina, durante a Primeira Guerra vários prêmios e homenagens”.
Mundial. Morou na Alemanha até os nove anos de No apartamento aconchegante do Médico
idade, quando veio morar no Brasil. O Médico Vete- Veterinário, localizado no centro de Porto Alegre,
rinário naturalizado brasileiro, de pai alemão e mãe Lucila Lieberknecht, 87 anos, sua companheira há
russa, comemora, em julho de 2012, 98 anos. Saudá- 67 anos, acompanhava atenta à entrevista e, de
vel, otimista e com um pique de dar inveja a muitos vez em quando, interrompia-o com histórias ines-
jovens, ele relata: “conheci a solidão e a fome aos dez quecíveis. “Fala, Frederico! Conta o que você fez antes
anos. Logo depois de perder minha mãe, deixamos do nosso casamento”. Lieberknecht respondeu: “Três
(eu e minha família) a Europa para viver no Brasil. dias antes do meu casamento, contraí antraz por via
Meu pai era médico, e foi trabalhar em uma pequena cutânea. Eu estava injetando uma dose do bacilo em
cidade do Rio Grande do Sul. Para que eu conseguis- um cavalo, para produzir anticorpos, quando o ani-
se estudar, ele me enviou a um internato alemão em mal se assustou. Tomei um banho da cultura do bacilo
Porto Alegre. Aos domingos, eu era o único aluno no rosto e nos braços. Minha preocupação imediata
que não tinha família na cidade, e, pior, nem comida. foi desinfetar as partes atingidas. Em seguida, voltei
O dinheiro era escasso. Certo dia, arranjei uma vara ao trabalho”. Horas depois, quando estava fazendo
de pau e combinei com as empregadas da escola de sangria em outro cavalo, o professor sentiu uma
deixarem os pães expostos em uma parte no jardim picada de mosca no braço esquerdo. “Vi sair da
pela manhã para que eu pudesse pescá-los. E foram minha pele uma gota igual ao líquido que eu havia
assim todos os meus domingos! Com muita luta e injetado no cavalo. Nesse momento, percebi que
esforço, aprendi a ser forte. Acho que, por isso, tenho estava contaminado”, recorda. No outro dia, os
vivido muito. Acredito também que quem come sintomas confirmavam as suspeitas de Lieberk-
pouco, como eu como, vive mais”. necht. O braço tinha uma pústula (elevação da
A carreira de Lieberknecht foi incentivada por epiderme que contém pus), a mão estava inchada
um colega cujo pai era fazendeiro. “No curso de Ve- e um vergão indicava infecção. “Fiz uma cauteri-
terinária da Faculdade de Agronomia e Veterinária zação e tomei o soro anticarbúnculo para uso ve-
do Rio Grande do Sul (UFRGS) éramos dois alunos:
arquivo Frederico Lieberknecht

eu e esse meu amigo. Se eu não fosse o primeiro da


turma, claro, seria o segundo,” brinca Lieberknecht,
com um sorriso no rosto. “Sou o primeiro de três gera-
ções de Médicos Veterinários na família. Iniciei minha
carreira em clínica de pequenos animais; um filho e
um neto seguiram esse caminho. Eu resolvi trabalhar
em laboratório, influenciado pelo Médico Veterinário
Desidério Finamor, catedrático de doenças infec-
cionas da UFGRS; dediquei 45 anos da minha vida à
microbiologia e lecionei essa matéria em faculdades
de Veterinária e Medicina. Participei da fundação
da Faculdade Católica de Medicina do Rio Grande Dr. Frederico Lieberknecht recebendo diploma na cerimônia de
do Sul, hoje conhecida por Universidade Federal de colação de grau

20 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


“Se não fosse o primeiro aluno da turma de Medicina Veterinária, seria
o segundo. Éramos somente dois estudantes no curso”

arquivo CFMV

terinário, que eu mesmo elaborei”. Em função


disso, teve uma reação alérgica, seguida de
febre alta. Mesmo assim, decidiu se casar uma
semana depois. “Saí do casamento direto para
o hospital.” Lieberknenecht passou a receber
penicilina por via subcutânea, de três em três
horas, e a infecção cedeu. “Foi a penicilina que
me salvou”, conta.
Portador do CRMV–RS nº58, Frederico Lie-
berknecht foi presidente do Conselho Regio-
nal de Medicina Veterinária do Rio Grande do
Sul de 1975 a 1978. “Ninguém sabe, mas eu já
discuti até com o presidente do País, à época,
sobre a profissão”.
“A Medicina Veterinária mudou muito em
um século. Meus professores eram alemães e
traziam conhecimentos, técnicas e equipamen-
tos importados da Europa. Hoje, o Brasil não
deixa a desejar a nenhum outro país. E, além Frederico Lieberknecht e esposa
disso, a Medicina Veterinária atual está tão avan-
çada quanto a Medicina humana”, comenta. “Na Ao perguntar sobre um conselho que ele daria
minha época de recém-formado, éramos poucos aos Médicos Veterinários, o professor foi incisivo: “os
profissionais. A maior dificuldade que encontrei profissionais devem dar mais valor ao cliente do que
durante a carreira de clínico em pequenos animais ao dinheiro. É essencial ser apaixonado pelo que faz”.
foi falta de tecnologia e equipamentos adequados E sobre o futuro da Medicina Veterinária, disse “é ne-
para alguns procedimentos. Mas minha paixão cessário melhorar a qualidade no ensino, intensificar
sempre foi lecionar. Tive que parar de trabalhar há a fiscalização profissional e a inspeção de produtos
18 anos. Sinto falta”. de origem animal”.

Conheça mais sobre Frederico Lieberknecht

Data de nascimento: 31/7/1914 O que não pode faltar no seu


cardápio: Frutas e verduras.
Local: Província de Santa Fé – Argentina
Gosto muito, mas como
Um herói: Desidério Finamor – Médico Veterinário pouco.
e professor catedrático de doenças infecciosas da
O que não fica fora da sua
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
bagagem: meu cachorro
Uma frase: Persistência, estudo e trabalho.
Música favorita: Clássica
Sua ideia de felicidade: É para isso que eu vivo!
Livro favorito: Gosto de ler
Para ser feliz!
notícias
Se não fosse Médico Veterinário, seria... Médico.
Escritor favorito: Os Frederico Lieberkn
echt
Última vez que chorou: Não me lembro. Acho que que escrevem sobre
nunca chorei. microbiologia.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 21


Destaques

WORKSHOP DEFINE UMA SÓ VOZ PARA A MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA

A Gestão 2011/2014 do Conselho Federal de “Foram cinco dias de convívio intenso com
Medicina Veterinária (CFMV), presidida por Bene- discussões, aprendizados e definições para o
dito Fortes de Arruda, reuniu todos os membros de futuro da Medicina Veterinária e Zootecnia. As
Comissões, conselheiros e Diretoria Executiva do conclusões serão utilizadas em benefício das
CFMV de 27 de fevereiro a 1º de março, em Goiás. duas profissões. Nosso objetivo foi alcançado.
O Objetivo do encontro, sob o título de “Única Voz”, Com a participação de todos, formou-se um
foi a definição das metas para o cumprimento das grupo coeso, com uma só voz; focado em metas,
diretrizes do planejamento estratégico do CFMV. missão e valores do CFMV e no fortalecimento
das classes”, avaliou o presidente.
Ao longo do encontro, houve
grande interação entre Comis-
sões, Conselheiros e Diretoria Exe-
cutiva. Além de palestras sobre o
funcionamento e o regimento do
Sistema CFMV/CRMVs e o plane-
jamento estratégico do Conselho,
os participantes, por meio de tra-
balhos e estudos de casos, enfren-
taram vários desafios como: defi-
nição de metas para as Comissões;
unificação dos discursos para a
Medicina Veterinária e Zootecnia;
e fortalecimento, identidade e re-
conhecimento da importância das
Diretoria do CFMV, conselheiros e corregedores reunidos em Goiás. profissões para a sociedade.

CFMV PREOCUPA-SE COM a VENDA INDISCRIMINADA DE Produtos VETERINÁRIOS

O Conselho Federal de Medicina Veterinária veterinários”. Ele enfatiza que o CFMV conta com
(CFMV) espera avançar, nos próximos anos, na apoio da indústria e também dos profissionais de
regulamentação para a aquisição de Medicina Veterinária.
produtos da linha veterinária no mer- Segundo o presidente, a pre-
cado nacional e a obrigatoriedade ocupação com o uso desregulado
do receituário veterinário para implica em possível contamina-
alguns produtos. ção dos alimentos e subprodutos
De acordo com o presiden- de origem animal. “Essas ocor-
te do CFMV, Benedito Fortes rências já afetaram até a nossa
de Arruda, o Conselho espera economia com a paralisação de
retomar as conversas com o Mi- exportações para alguns paí-
nistério da Agricultura Pecuária ses por encontrarem resíduos na
e Abastecimento, como, também, carne”. Ele acredita que, com maior
avançar nos entendimentos que exis- controle e com supervisão do Médico
tem com o Ministério da Saúde para “que Veterinário problemas como esses serão evita-
consigamos obter uma portaria interministerial dos. Além disso, o consumidor interno terá ainda
de regulamentação para aquisição de produtos melhor padrão de qualidade de seus produtos.

22 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


COOPERAÇÃO E VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL DERAM O TOM À CERIMÔNIA DE
POSSE DO PRESIDENTE, DA NOVA DIRETORIA E DOS CONSELHEIROS DO CFMV

Tomaram posse no dia 16 de dezembro de


2011, em Brasília, a nova diretoria e conselheiros
efetivos e suplentes do Conselho Federal de Me-
dicina Veterinária (CFMV). Benedito Fortes de Ar-
ruda foi reconduzido à presidência da entidade.
Durante a cerimônia, Arruda agradeceu
o apoio de todos e destacou, em seu discurso
de posse, a relevância da ética, da união entre
o Conselho Federal e os Conselhos Regionais
e convidou os profissionais a caminharem
juntos em busca de realizações. “Vamos con- Diretoria Executiva do CFMV, gestão 2011/2014 – Da direita para a es-
quistar espaços e solidificar posições. Vamos querda: Tesoureiro Amilson Pereira Said, Vice-Presidente Eduardo Luiz
Silva Costa, Presidente Benedito Fortes de Arruda e Secretário-Geral
engrandecer, fortalecer e demonstrar a impor- Antônio Felipe Paulino de Figueiredo Wouk
tância do trabalho dos Médicos Veterinários
e Zootecnistas à humanidade. O progresso é vamos acompanhá-lo e sejamos protagonistas
como o tempo. Não é possível pará-lo. Então, das transformações”.

Ministério da Educação oferece 169 bolsas de residência em Medicina


Veterinária para as instituições de ensino federais

residência multiprofissional e em área profis-


sional da saúde aos Médicos Veterinários das
universidades federais de seis estados.
As residências são orientadas pelos princípios
e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Os
programas terão padrões semelhantes aos da
residência médica, com duração de dois anos e
uma carga horária semanal de 60 horas. O valor da
bolsa é de R$ 2.384,82.
O apoio do CFMV ao MEC foi registrado em
reunião, em 14 de março, no Ministério. Jeanne
Fernando Leandro dos Santos, membro da CNRMV/CFMV e Jeanne Lilia-
ne Marlene Michel, coordenadora-geral de Residência em Saúde do MEC Liliane Marlene Michel, coordenadora-geral de
Residência em Saúde do MEC e Fernando Leandro
Depois de liderar, por anos, a defesa da dos Santos, membro da Comissão Nacional de
residência em Medicina Veterinária, o pleito Residência em Medicina Veterinária do CFMV, na
do Conselho Federal de Medicina Veterinária ocasião representante do presidente do Conselho,
(CFMV) foi atendido. O Ministério da Educação Benedito Fortes de Arruda, discutiram e definiram
(MEC) concedeu, inicialmente, 169 bolsas de ações sobre o assunto.

Médicos Veterinários e Zootecnistas


Cadastrem-se em www.cfmv.gov.br e recebam semanalmente, em seu endereço eletrônico, notícias do CFMV.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 23


Destaques

CFMV PARTICIPA DO FÓRUM PERMANENTE DO MERCOSUL PARA TRABALHO EM SAÚDE

Em 31 de janeiro deste ano, o Conselho Federal plataforma foi criada pela Universidade Aberta
de Medicina Veterinária (CFMV) deu sua contri- do SUS (Unasus) para “ser” um banco de dados dos
buição na 26ª reunião do Fórum Permanente do profissionais da área de saúde (como o Lattes), e
Mercosul para Trabalho em Saúde, o grupo que está sendo desenvolvida para agilizar o processo
trata das profissões ligadas à saúde no Mercocul. O de habilitação dos interessados em trabalhar nos
evento foi realizado no auditório da Secretaria de países-membros do Mercosul”, diz. Assim que
Vigilância Sanitária em Saúde, em disponibilizada na plataforma do
Brasília, e o presidente do Mercosul, o interessado em tra-
CFMV, Benedito Fortes balhar fora do país de origem,
de Arruda, foi represen- deverá se cadastrar na Arou-
tado pelo conselheiro ca. Em seguida, as informa-
efetivo do CFMV, o ções serão enviadas ao
Médico Veterinário Conselho de Classe para
Marcello Roza. validação. Os dados fica-
De acordo com rão disponíveis para consulta
Roza, esse último no Brasil, Argentina, Paraguai,
encontro foi dedica- Uruguai e Venezuela. Segundo

shutterstock
do basicamente ao Marcello Roza, a Arouca será
debate sobre a opera- lançada, provavelmente com o
cionalização da plata- início do acordo de livre circula-
forma Arouca. “Esta ção no Mercosul.

CFMV E REPRESENTANTES DAS AMÉRICAS ESTABELECEM COMPETÊNCIAS


MÍNIMAS DO MÉDICO VETERINÁRIO

Em 16 e 17 de fevereiro de 2012, o Conselho Fe- abordando, principalmente, o que já tem sido


deral de Medicina Veterinária (CFMV) participou da feito pelo Conselho, ao longo dos últimos anos,
reunião da Federação Panamericana de Faculdades por meio da CNEMV e CNRMV. Durante a reunião,
e Escolas de Ciências Veterinárias, em Lima, Peru. também nos interamos sobre o que vem acon-
O presidente do CFMV, Benedito Fortes de tecendo nas Instituições de Ensino Superio (IES)
Arruda, foi representado no evento pelos Médi- dessas nações”, diz o presidente do CFMV, Bene-
cos Veterinários Benedito Dias de Oliveira Filho, dito Fortes de Arruda.
presidente da Comissão Nacional de Residência Maria Isabel Vieira
em Medicina Veterinária e João Carlos Pereira da
Silva, membro da Comissão Nacional de Ensino
da Medicina Veterinária do CFMV. O objetivo da
reunião foi discutir e definir, entre os participan-
tes de diversos países das Américas, as compe-
tências mínimas dos profissionais nos países. Ao
final do encontro, os 40 participantes chegaram
a um consenso e redigiram um documento com
essas definições (em fase de finalização).
“Os objetivos do CFMV, no evento, foram
trocar experiências e contribuir para o ensino da
Medicina Veterinária nos países das Américas,
Banner do evento

24 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


ALUNOS DE MEDICINA VETERINÁRIA DA UFG VISITAM O CFMV

Em 11 de janeiro deste ano, um grupo de alu- passou a ser um órgão consultivo do Ministério
nos da Universidade Federal de Goiás (UFG) veio de Educação (MEC) para abertura e renovação
a Brasília para conhecer o Conselho Federal de de novos cursos. O Brasil tem um terço (1/3) dos
Medicina Veterinária (CFMV). Eles foram recebi- cursos de Medicina Veterinária do mundo. Preo-
dos, em nome do presidente do CFMV, Benedito cupamo-nos com a qualidade do ensino e com a
Fortes de Arruda, pelo presidente em exercício e valorização e treinamento dos docentes”.
vice- presidente, Eduardo Luiz Silva Costa, Arquivo CFMV

o secretário-geral, Antônio Felipe Paulino


de Figueiredo Wouk, e por colaboradores
do Conselho
O vice-presidente apresentou o Con-
selho aos alunos, deu boas-vindas em
nome do presidente do CFMV e falou
sobre a instituição, sua função social,
estrutura, missão, visão, finalidades e
poderes. Costa também discorreu sobre
o panorama da Medicina Veterinária no
Brasil e a composição das leis que regem
a profissão.
O secretário-geral do CFMV explicou
como funcionam as comissões do CFMV,
acreditações de universidades e progra- Alunos da UFG com o vice-presidente do CFMV, Eduardo Costa (à esquerda), e o
mas de residência. “Em 2010, o Conselho secretário-geral, Felipe Wouk (ao centro).

SESSÃO PLENÁRIA DO CFMV ACENDE A DISCUSSÃO SOBRE O ABATE HUMANITÁRIO


Arquivo CFMV

do bem-estar animal para a comunidade, o


CFMV convidou a Sociedade Mundial de Prote-
ção Animal (WSPA) para dar sua contribuição ao
evento com palestra sobre “abate humanitário”.
Para Benedito Fortes de Arruda, presidente do
CFMV, a questão do bem-estar animal é uma
demanda mundial, e cabe aos profissionais pro-
mover a diferença e estabelecer melhorias.
“Há uma sinergia muito grande entre a WSPA
e o CFMV. Queremos estabelecer parcerias com o
Conselho”, diz Charli Ludtke, Médica Veterinária e
gerente de Animais de Produção da WSPA.
Luiz Rossi, diretor da WSPA e Benedito Fortes de Arruda, “O CFMV tem realizado trabalhos em prol do
Presidente do CFMV bem-estar dos animais por meio de suas Comis-
sões de Ética e Bem-Estar Animal (Cebea) e Nacio-
De 13 a 15 de dezembro, ocorreu na sede nal de Ensino da Medicina Veterinária (CNEMV).
do Conselho Federal de Medicina Veterinária Preocupamo-nos com a questão. Vamos verificar
(CFMV ) a última Sessão Plenária da gestão como o CFMV poderá trabalhar em parceria com a
2008/2011. Atento à importância da questão WSPA”, afirma o presidente do Conselho.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 25


SuplementoCientífico
Estudo retrospectivo dos diagnósticos citológicos no
Hospital Veterinário de Uberaba
Tatiane Furtado de Carvalho / Joely Ferreira Figueiredo Bittar
Humberto Eustáquio Coelho / Ricardo Lopes da Cruz

Tratamento clínico das feridas em equinos. Revisão de literatura


Cíntia Ferreira / Maristela Silveira Palhares
Ubiratan Pereira de Melo / José Monteiro da Silva Filho

Prevalência da infecção por Ascaris Suum e achados macro e microscópicos


em fígados de suínos abatidos na região metropolitana de Recife e Zona
da Mata de Pernambuco
Alessandra Santos d’Alencar / Márcia Paula Oliveira Farias / Marilene Maria de Lima
Fernando Leandro dos Santos / Leucio Câmara Alves / Maria Aparecida da Glória Faustino

Enfermidades cirúrgicas do aparelho reprodutor masculino equino: aspectos


clínicos e terapêuticos
Cássia Maria Molinaro Coelho / Olízio Claudino da Silva / Luiz Antônio Franco da Silva
Rogério Elias Rabelo / Camila França de Paula Orlando / Isadora Lopes Franco de Araújo

REVISTA DO CFMV - Brasília - DF - Ano XVIII - N° 55 - 2012


CONSELHO FEDERAL DE Tesoureiro Comitê Científico
MEDICINA VETERINÁRIA Amilson Pereira Said da Revista CFMV
SIA – Trecho 6 – Presidente
Editor da Revista CFMV
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Secretário-Geral
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26 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


ESTUDO RETROSPECTIVO DOS
DIAGNÓSTICOS CITOLÓGICOS
NO HOSPITAL VETERINÁRIO
DE UBERABA
RETROSPECTIVE STUDY OF CYTOLOGICAL DIAGNOSES IN
THE VETERINARY HOSPITAL OF UBERABA
Resumo
O exame citológico é um importante método de diagnóstico de desordens neoplásicas, hiperplásicas, infla-
matórias e degenerativas. O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência das neoplasias diagnosticadas
pelo exame citológico em cães atendidos no Hospital Veterinário de Uberaba, no período de 2006 a 2009. Dos
250 registros provenientes da rotina do Laboratório de Anatomia Patológica, 33,6% (84/250) foram diagnós-
ticos de neoplasias de células redondas, seguidos pelas neoplasias de células epiteliais e mesenquimais com
9,6% (24/250) e 6,8% (17/250), respectivamente. As neoplasias mistas representaram 4,8% (12/250) dos diag-
nósticos, e as neoplasias benignas representaram 4% (10/250). O diagnóstico citológico de outros processos
de disfunção celular representou 41,2% (103/250).

Palavras-chave: citologia, diagnósticos e neoplasias

Abstract
Citologic exam is an important disorders diagnosis method of neoplasia, hiperplasia inflammation
and degenerations. The aim of this study was determined the prevalence of diagnosed neoplasias by
cytological examination in dogs examinated at Veterinary Hospital of Uberaba. There were 250 recor-
ds examination from pathological laboratory routine, which 33,6% were neoplastic round cells; 9,6%
were epithelial tumors cells, 6,8% were mesenchymal tumors cells, 4,85% were mixed tumors, and 4%
were benign neoplasm. The diagnosis of the processes of cellular dysfunction accounted for 41,2%.

Keywords: cytology, diagnostics, neoplams

INTRODUÇÃO brasileira, esse método diagnóstico foi emprega-


A citopatologia é empregada desde o século do a partir do século XX, ganhando algum incre-
XIX (Castillo et al., 1988; Carvalho, 1993), mento no final da década de 1980 (Silveira, 1988;
quando Papanicolau iniciou suas pesquisas sobre Guedes et al., 1997).
citologia esfoliativa, tendo estabelecido, em 1928, Além da determinação da origem celular e
o diagnóstico de carcinoma uterino a partir da diagnóstico de diversos tumores, a citologia é
secreção vaginal de mulheres (Boon et al., 1982; também utilizada na diferenciação de processos
Felizzola, 1995). Dentro da Medicina Veterinária inflamatórios ou hiperplásicos, no estabeleci-

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 27


Suplemento Científico

mento do prognóstico, na identificação de metás- MATERIAL E MÉTODOS


tase tumoral e no monitoramento da involução Foram analisados exames citológicos realiza-
de neoplasmas, submetidas a terapia antineoplá- dos pelo serviço de Patologia Animal do Hospital
sica e da recidiva local (Magalhães et al., 2001; Veterinário de Uberaba, no período de 2006 a
Wellman, 1996). 2009, provenientes de cães e gatos atendidos pelo
O diagnóstico citopatológico pode ser reali- serviço de Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais
zado com ou sem aspiração, raspados, “imprints” do HVU. As informações foram classificadas quan-
de lesões, esmagamento de tecidos, análise de to a sua origem em neoplasias cutâneas epiteliais,
lavados traqueobrônquicos e líquidos cavitários mesenquimais e arredondadas. Um grupo à parte
(Raskin e Mayer, 2003). foi classificado como “outros”, incluindo nesse os
As principais vantagens do exame citológico processos inflamatórios, não neoplásicos e diag-
são a rapidez (Guedes et al., 1997), a simplicidade nósticos inconclusivos.
e o baixo custo, pois não envolve equipamentos
sofisticados. Quando usada a técnica de punção
aspirativa com agulha fina (PAAF), a coleta do ma- RESULTADOS E DISCUSSÃO
terial é pouco invasiva, prevenindo a ocorrência de Foram realizados 250 exames citológicos, e em
metástases pelos tumores malignos (Kristensen 2006, 2007, 2008 e 2009 foram realizados respecti-
e Feldman, 1986; Peleteiro e Rodrigues, 1991; vamente 50, 94, 71 e 35 exames. Em 2006 tiveram
Clinkenbeard e Cowell, 1994; Larkin, 1994). 52% (26/50) de neoplasias de células redondas;
Outra vantagem é a possibilidade de sua realiza- 2007, 42,53% (40/94); em 2008, 12,68% (9/71) e em
ção sem a necessidade de sedação, permitindo a 2009, 25,72% (9/35). As neoplasias epiteliais nes-
coleta de material proveniente de linfonodos, pele ses anos representaram 12% (6/50), 7,44% (7/94),
e glândulas (Lavalle, 2003; Rocha, 2008). Sua 12,68% (9/71) e 5,72% (2/35), respectivamente. As
maior limitação é a impossibilidade de demonstrar neoplasias de origens mesenquimais representa-
a arquitetura do tecido ou órgão alterado, impedin- ram 4% (2/50), 6,37% (6/94), 9,87% (7/71) e 5,72%
do o estudo da forma, estrutura e relação das lesões (2/35), respectivamente. As neoplasias mistas
(Stirtzinger, 1988; Wellman, 1990). representaram 5,32% (5/94) dos casos registrados
O objetivo deste trabalho foi determinar a em 2007 e em 2008, 9,86% (7/71).
prevalência por meio de estudo retrospectivo do No presente estudo, os tumores de células
diagnóstico citológico de neoplasias que acome- redondas constituíram 33,6% (84/250) do total de
tem cães atendidos no Hospital Veterinário de diagnósticos, seguidos pelos epiteliais com 9,6%
Uberaba (HVU), no período compreendido entre (24/250), mesenquimais com 6,8% (17/250), neo-
os anos 2006 a 2009. plasias mistas 4,8% (12/250) neoplasias benignas

Tabela 1. Frequência de diagnóstico citológico de neoplasias de células redondas no período de 2006 a


2009 no Hospital Veterinário de Uberaba
Neoplasias de células redondas
Diagnóstico 2006 (50) 2007 (94) 2008 (71) 2009 (35)
citológico n % n % n % n %
Mastocitoma 1 2 4 4,25 3 4,22 2 5,71
TVT genital 21 42 18 19,15 1 1,41 5 14,3
Linfoma maligno 1 2 9 9,57 2 2,82 2 5,71
TVT nasal 1 2 1 1,06 - - - -
Histiocitoma 2 4 5 5,32 1 1,41 - -
Linfossarcoma - - 2 2,12 - - - -
Melanoma - - 1 1,06 1 1,41 - -
Linfoma histiocítico - - - - 1 1,41 - -
TOTAL 26 52% 40 42,53% 9 12,68% 9 25,77%

28 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Arquivo do autor

com 4% (10/250). Diagnósticos citológi-


cos de outros processos de disfunção ce-
lular (Figura 1) juntamente com neopla-
sias, cuja diferenciação não foi possível
apenas por meio do exame citológico,
totalizaram 41,2%.
As neoplasias de células redondas
representaram 33,6% dos diagnósti-
cos, que concorda com Cowell et al.
(2009), que relatam que o reconheci-
mento desses tumores é muito impor-
tante, pois eles representam umas das
neoplasias mais comumente encontra-
das na clínica de pequenos animais. E
por serem de fácil diagnóstico, não es-
tão aderidas a outras estruturas nos te-
cidos, elas esfoliam facilmente durante
a biópsia com agulha fina (BAS), o que
se torna uma vantagem, pois essa esfo-
liação provocará maior celularidade na
amostra, facilitando, assim, o diagnós- Figura 1. Inflamação neutrofílica. Coloração panótica. Aumento 100x.
tico. Essas neoplasias possuem a carac-
terística de terem formato celular discretamente De acordo com a Tabela 1, dentre as neopla-
arredondado e estão associadas, com frequência, sias de células redondas, a mais diagnosticada
às células hematopoiéticas, que incluem tumor nos anos 2006, 2007 e 2009 foi o T VT genital,
de mastócitos, histiocitoma, linfoma, plasmocito- apresentando 42%, 19,15% e 14,3%, respectiva-
ma e tumor venéreo transmissível (TVT) (Rose e mente. Esse tumor foi bastante diagnosticado no
Denny, 2003). HVU por vários motivos: o hospital atende uma
população carente, com maior porcentagem de
Arquivo do autor cães errantes, e também por ser um tumor de fácil
esfoliação e alta celularidade, concordando com
Cowell et al. (2009).
As células do TVT (Figura 2) são tipicamente
as mais pleomórficas dentre todos os tumores de
células redondas (Cowell et al., 2009). A confir-
mação microscópica é feita por exames citológicos
de esfregaços da descarga genital e/ou imprints de
fragmentos do tumor. Observam-se células gran-
des, esféricas a poliédricas ou ovais, de tamanho
uniforme e com núcleo único. O núcleo apresenta
um padrão delicado de cromatina, o nucléolo é
grande, proeminente, central ou excêntrico. O
citoplasma é abundante, de coloração azul clara
ou incolor, contendo vacúolos claros múltiplos,
pequenos e distintos, frequentemente dispostos
em cadeia (Calvert, 1984).
Em 2008, o mastocitoma foi a neoplasia de cé-
lulas redondas mais diagnosticada, com 4,22%. Os
Figura 2. Tumor venéreo transmissível. Aspecto de um tumor venéreo trans- mastocitomas estão entre as neoplasias cutâneas
missível na vulva de uma cadela. Células mononucleares redondas individu- mais comuns nos cães e gatos. Essa lesão é a única
ais, núcleos excêntrico redondos a levemente ovais, com uma quantidade
que poderá esfoliar uma grande quantidade de
moderada de citoplasma azul-pálido com vacúolos claros e individuais na
periferia da célula. Coloração Panótica. Aumento 100x. células exclusivamente compostas por mastócitos

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 29


Suplemento Científico

Tabela 2. Frequência de diagnóstico citológico de neoplasias de células epiteliais no período de 2006 a 2009 no
Hospital Veterinário de Uberaba
Neoplasias de células epiteliais
Diagnóstico 2006 (50) 2007 (94) 2008 (71) 2009 (35)
citológico n % n % n % n %
Carcinoma de
3 6 5 5,32 2 2,82 1 2,86
células escamosas
Carcinoma de
2 4 1 1,06 5 7,04 1 2,86
células basais
Colangiocarcinoma 1 2 - - - - - -
Carcinoma de
- - 1 1,06 - - - -
células transicionais
Adenocarcinoma - - - - 2 2,82 - -
TOTAL 6 12% 7 7,44% 9 12,68% 2 5,72%
Arquivo do autor

que são reconhecidos pelos seus grânu-


los citoplasmáticos pequenos, verme-
lho-arroxeados (Cowell et al., 2009).
Os mastocitomas caninos são classifi-
cados de acordo com Cowell et al. (2009),
em Grau I: bem diferenciado, geralmente
bem definido, superficial, com baixo
índice mitótico; Grau II: moderadamente
diferenciado, pouco a moderadamente
circunscrito, leve a moderada infiltração
nos tecidos profundos da derme, índice
mitótico moderado, atipia citomorfo-
lógica discreta; Grau III: pouco diferen-
ciado, pouco circunscrito, infiltração
profunda no subcutâneo, alto índice mi-
tótico, atipia citomorfológica moderada.
As neoplasias epiteliais são caracteri-
zadas por um agrupamento arredonda-
do ou no formato de uma única camada
de células. A origem celular desses tipos
de neoplasias, frequentemente, envolve Figura 3. Carcinoma de próstata. Presença de anisocariose, núcleo aumentado e irregular e
o tecido glandular e superfícies de reves- relação núcleo-citoplasma muito aumentada. Coloração panótica. Aumento 100x.

Tabela 3. Frequência de diagnóstico citológico de neoplasias de células mesenquimais no período de 2006 a


2009 no Hospital Veterinário de Uberaba
Neoplasias de células mesenquimais
Diagnóstico 2006 (50) 2007 (94) 2008 (71) 2009 (35)
citológico n % n % n % n %
Fibrossarcoma - - 3 3,19 1 1,41 1 2,86
Osteossarcoma - - 1 1,06 - - - -
Fibroma 1 2 - - 4 5,64 - -
Lipoma 1 2 2 2,12 2 2,82 1 2,86
TOTAL 2 4% 6 6,37% 7 9,87% 2 5,72%

30 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Arquivo do autor

timento (Rose e Denny, 2003). A princi-


pal característica das células epiteliais é
a adesão entre elas. As células epiteliais
podem ser muito grandes e possuírem
um citoplasma abundante. São redon-
das, colunares a caudadas, e possuem
limite citoplasmático bem definido. Os
núcleos das células epiteliais são geral-
mente redondos a discretamente ovais
(Cowell et al., 2009).
De acordo com a Tabela 2, dentre as
neoplasias epiteliais, o carcinoma de cé-
lulas escamosas foi o de maior incidên-
cia em 2006 e 2007, com 6% e 5,32%,
respectivamente.
O carcinoma de células escamosas
tende a esfoliar uma mistura de aglo- Figura 4. Fibroma. Aspirados ou impressões esfoliam pouquíssimas ou nenhuma célula. As cé-
lulas são uniformes em tamanho e forma, com formato espinal, com quantidade moderada de
merados celulares e células individuais citoplasma azul-claro, afilando-se nas direções contrárias ao núcleo. Os núcleos são redondos a
mais maduras. A morfologia celular in- ovais. Coloração panótica. Aumento 100x.

Tabela 4. Frequência de diagnóstico citológico de neoplasias mistas no período de 2006 a 2009 no Hospital
Veterinário de Uberaba
Neoplasias mistas
Diagnóstico 2006 (50) 2007 (94) 2008 (71) 2009 (35)
citológico n % n % n % n %
Tumor misto
- - 5 5,32 7 9,86 - -
mamário
TOTAL - - 5 5,32% 7 9,86% - -

dividual varia de células escamosas normais, gran- as neoplasias conhecidas como tumores das célu-
des e maduras, a células pequenas a medianas, re- las basais são compostas de massas sólidas ou cís-
dondas e com pequena quantidade de citoplasma ticas de pequenas células redondas a fusiformes,
intensamente basofílico, núcleos redondos com com um núcleo ovóide e intensamente basofílico,
cromatina bastante grosseira, com padrão em cor- contendo um nucléolo solitário e escasso citoplas-
dões, contendo múltiplos nucléolos evidentes, va- ma eosinofílico (Jones et al., 2000).
riando em forma e tamanho (Cowell et al., 2009). Analisando a Tabela 3, fibroma foi diagnosti-
O diagnóstico de carcinoma de células basais cado em 2006 e 2008 com 2% e 5,64%, respecti-
representou 7,04%, em 2008. Microscopicamente, vamente. De acordo com Cowell et al. (2009), as-

Tabela 5. Frequência de diagnóstico citológico de neoplasias benignas no período de 2006 a 2009 no Hospital
Veterinário de Uberaba
Neoplasias benignas

Diagnóstico 2006 (50) 2007 (94) 2008 (71) 2009 (35)


citológico n % n % n % n %
Mixoma - - 2 2,12 1 1,41 - -
Baselioma - - 3 3,18 - - 1 2,86
Higroma - - 2 2,12 1 1,41 - -
TOTAL - - 7 7,42% 2 2,82% 1 2,86%

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 31


Suplemento Científico

pirados ou impressões esfoliam pouquíssimas ou No fibrossarcoma, as células são pleomórficas


nenhuma célula, o que pode justificar a pequena e variam, desde células aproximadamente fusi-
quantidade de diagnósticos, por ser difícil a obten- formes e altamente indiferenciadas, com núcleos
ção de células para visualização. As células são uni- redondos a ovóides, frequentemente em mitose,
formes em tamanho e forma, possuem quantidade até células alongadas entremeadas com feixes
moderada de citoplasma azul-claro e os núcleos que se assemelham ao tecido conjuntivo imaturo.
são redondos a ovais. Essa tendência para a formação celular em grupos
Em 2007, o fibrossarcoma foi o de maior inci- de células paralelas entre si é uma característica
dência dentre os carcinomas, com 3,19%. Segundo valiosa na identificação do fibrossarcoma (Jones
Cowell et al. (2009), os aspirados, impressões e et al., 2000).
escarificações de fibrossarcoma tendem a coletar De acordo com Tabela 4, o tumor misto mamário
mais células do que nos fibromas. Várias células representou 5,32% e 9,86 % dos diagnósticos nos
são globosas e/ou com formato oval. Ocasional- anos de 2007 e 2008, respectivamente. Os tumores
mente, há fibroblastos multinucleados. mamários malignos podem ser diagnosticados com

Tabela 6. Frequência de diagnóstico citológico de outros processos de disfunção celular no período de 2006 a
2009 no Hospital Veterinário de Uberaba
Outros
Diagnóstico 2006 (50) 2007 (94) 2008 (71) 2009 (35)
citológico n % n % n % n %
Abscesso 2 4 3 3,19 - - - -
Necrose 1 2 1 1,06 - - - -
Inconclusivo 9 18 12 12,76 11 15,49 14 40
Linfoadenite
2 4 - - 1 1,41 - -
supurada
Inflamação 2 4 6 6,38 10 14,08 3 8,57
Adenoma de
- - - - 4 5,63 - -
glândula mamária
Adenoma de
- - - 2 2 2,82 - -
glândula sebácea
Adenoma - - - - 1 1,41 - -
Adenoma de
- - 3 3,19 2 2,82 - -
glândula perianal
Cisto sebácio - - 1 1,06 - - - -
Cisto epidermóide - - 2 2,12 1 1,41 - -
Cisto dermóide - - - - 2 2,82 - -
Reação inflamatória
- - 1 1,06 - - - -
alérgica
Peritonite
- - - - 1 1,41 - -
seropurulenta
Hepatite - - - - 1 1,41 - -
Hepatose - - - - 1 1,41 - -
Linfonodo reacional - - - - - - 1 2,86
Mastite - - - - - - 1 2,86
Sialocele - - - - - - 1 2,86
Dermatite - - - - - - 1 2,86
TOTAL 16 32% 29 29,76% 37 52,12% 21 60,01%

32 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


base no aspecto citológico dos tipos celulares pre- sentaram 32% dos casos, sendo 18% com diag-
sentes (Raskin e Mayer, 2003), que podem ser cé- nósticos inconclusivos. Em 2007, representaram
lulas individualizadas de origem mesenquimal ou 29,76%, sendo 12,76% diagnósticos inconclusivos.
matriz óssea e de células epiteliais, caracterizando Em 2008, 52,12%, sendo 15,49% diagnósticos in-
a neoplasia como mista (Shull e Maddux, 1999). conclusivos. E em 2009 representaram 60,01% dos
Portanto, a presença de matriz óssea na citologia casos, sendo 40% com diagnósticos inconclusivos.
permite o diagnóstico em tumor misto maligno. Esses diagnósticos inconclusivos são devidos
As neoplasias benignas no ano de 2006 não fo- a diversos fatores, dentre eles erros na coleta e
ram diagnosticadas, em 2007, 2008 e 2009 repre- coloração inadequada, interferindo de maneira
sentaram, respectivamente, 7,42%, 2,82% e 2,86%, significativa na qualidade da amostra. De acordo
segundo Tabela 5. com O’Rourke (1983) e Cowell e Tyler (1989), os
De acordo com a Tabela 6, outros processos de erros de diagnósticos relacionam-se também aos
disfunção celular que ocorrêram em 2006, repre- problemas de coloração, com amostras muito ou

Referências Bibliográficas
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Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 33


Suplemento Científico

pouco coradas, ou coradas de forma irregular e, possuírem pobre celularidade e presença de grande
em alguns casos, com presença de precipitados quantidade de matriz extracelular. Tais característi-
ou outros tipos de artefatos, que dificultam a cas tornam difícil a determinação do diagnóstico por
avaliação. meio da citologia sendo o exame histopatológico
De acordo com as características citomorfoló- fundamental para a visualização da arquitetura teci-
gicas, a prevalência das neoplasias, no estudo de dual (Ménard et al., 1986; Wellman, 1996 ).
Bracarense e Reis (1997), que avaliaram 600 amos- Constatou-se maior prevalência de tumores
tras por meio dos exames citológico e histopa- malignos em relação a tumores benignos. Esse
tológico, apresentaram resultados semelhantes. resultado é similar ao relatado em outros estudos
Os tumores de células redondas, segundo esses (Bracarense e Reis, 1997; Souza et al., 2006).
autores, representaram 37,64% dos diagnósticos Uma das hipóteses para esse predomínio é a de-
de neoplasias, seguidos pelos epiteliais e mesen- mora por parte do proprietário em conduzir o ani-
quimais, com respectivamente 26,24% e 7,31%, mal para a avaliação clínica e estabelecimento de
pois nesse estudo, os tumores de células redondas diagnóstico precoce, propiciando uma evolução
constituíram 33,6% do total de diagnósticos, se- longa e aumento da possibilidade de transforma-
guido pelos epiteliais, com 9,6%, e mesenquimais ção maligna (Rossetto et al., 2009). Também, o
com 6,8%, sendo o tumor de células redondas o fato de nódulos “malignos” aumentarem de tama-
mais diagnosticado. nho rapidamente e, às vezes, ulcerarem, determi-
Entretanto, este estudo discorda dos dados de na o encaminhamento do o animal à consulta.
Ménard et al. (1986), que constataram maior preva-
lência de neoplasias epiteliais (32,35%), seguidas
pelas mesenquimais (31,37%) e de células redondas CONCLUSÃO
(31,28%), que avaliaram 102 casos por meio dos Os tumores de células redondas foram os mais
diagnósticos citológicos e histopatológicos. diagnosticados nessa população, devido à facilida-
A maior representação dos neoplasmas de cé- de de esfoliação dessas células ao grande número
lulas redondas deve-se tanto à maior prevalência de cães errantes no caso de diagnósticos de TVT.
desse tipo de tumor na população avaliada, quan- A citologia permite diagnóstico rápido, de
to à facilidade de esfoliação e concordância entre baixo custo e acurado. É considerada no Hospital
o exame citológico e histopatológico (Dunca e Veterinário de Uberaba, como um exame com-
Prasse, 1979 ; Wellman, 1996; Guedes, 2000). plementar inicial que facilita o planejamento
A menor representação do tipo mesenquimal, cirúrgico e/ou o estabelecimento de protocolos
provavelmente, deve-se ao fato de esses tumores terapêuticos.

Dados dos Autores

Tatiane Furtado de Carvalho Patologia Clínica da (Uniube).


E-mail: joely.bittar@uniube.com
Médica Veterinária – CRMV - MG n° 10319, Resi-
dente do Hospital Veterinário de Uberaba, Uni-
versidade de Uberaba (Uniube). Humberto
Eustáquio Coelho
Médico Veterinário – CRMV - MG n° 1316, Mestre,
Endereço para correspondência: Doutor. Professor de Patologia Animal e Ornito-
Avenida do Tutuna, n 385, apto 102 – Bairro Mer- patologia da (Uniube).
ces, CEP: 38061-500, Uberaba - MG E-mail: coelhoheus@yahoo.com.br
Tel.: (34)9228-4306
E-mail: carvalhotativet@hotmail.com Ricardo
Lopes da Cruz
Joely Ferreira Figueiredo Bittar Médico Veterinário – CRMV - RJ n°10464, Residen-
Médica Veterinária – CRMV - MG n° 5010, Mestre, te do Hospital Veterinário de Uberaba (Uniube).
Doutora. Professora de Parasitologia Veterinária e E-mail: drricarvet@hotmail.com

34 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Tratamento clínico
das feridas em equinos.
Revisão de literatura
Equine wound healing by clinical therapy. a review
Resumo
Durante as últimas década detalhes celulares e moleculares sobre a regulação da cicatrização das feridas foram
elucidados. Numerosos medicamentos de uso tópico estão disponíveis na atualidade, e as feridas que cicatri-
zam por segunda intenção são manejadas com curativos que fornecem proteção contra traumas e contami-
nação, além de absorver exsudato e estimular os processos de reparo. Devido à natureza única do processo de
cicatrização dos equinos, muitos dos efeitos benéficos desses medicamentos vistos em outras espécies e em
estudos in vitro não têm sido observados nos equinos. Este artigo tem por objetivo descrever os principais mé-
todos utilizados no tratamento das feridas cutâneas nesta espécie animal.

Palavras-chave: cicatrização, curativos, medicamentos tópicos, tecido de granulação

Abstract
Over the past decades, extensive cellular and molecular details have been elucidated regarding the regulation
of cutaneous wound healing. Numerous topical wound drugs are available today, and wounds that heal by
second intention are often managed with a dressing that covers the wound, providing protection from further
trauma and contamination, absorbing excess exsudate, and stimulating repair. Due to the unique nature of
wound healing of horses, many beneficial effects of these drugs seen in other species and in vitro have not
been reproduced in equine wounds.

Keywords: healing, dressing, topic drugs, granulation tissue

Introdução de cooperação do proprietário e o uso pretendido


Para minimizar o tempo e o custo do tratamento, para o equino (Cockbill e Turner, 1995).
o veterinário deve estar preparado para selecionar Este artigo tem por objetivo descrever os princi-
a técnica apropriada de manejo para cada ferida, pais métodos utilizados no tratamento das feridas
baseado no conhecimento dos mecanismos fi- cutâneas na espécie equina, na cicatrização por se-
siopatológicos envolvidos na reparação tecidual gunda intenção.
(Theoret, 2004a). Além disso, deve estar consciente
de que nenhum agente isoladamente pode agir
em todas as fases da cicatrização e, dessa forma, Revisão de literatura
o tratamento deve envolver uma combinação de
técnicas apropriadas para cada fase da cicatrização Avaliação do paciente e da ferida
(Carter et al., 2003). A seleção do melhor método A avaliação da ferida é fundamental, pois o
de tratamento dependerá da duração, localização, diagnóstico preciso do tipo e estágio da lesão per-
profundidade e configuração da ferida, tipo de trau- mite a escolha correta dos métodos de tratamento
ma envolvido, fatores sistêmicos (idade, nutrição), (Mandelbaum et al., 2003a). O primeiro passo é a
grau de contaminação, custos do tratamento, grau realização de anamnese e exame clínico completo.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 35


Suplemento Científico

Embora nem sempre possível, o histórico detalhado b. Amarelas: apresentam exsudato purulento
enfatizando o tempo decorrido da lesão, causa, tra- sobre tecidos desvitalizados, e são passíveis
tamentos adotados e evolução clínica necessitam ser de contaminação. O objetivo do tratamento
obtidos (Cockbill e Turner, 1995). é identificar se há ou não infecção, debridar
A determinação do estado sistêmico do pacien- os tecidos desvitalizados e reduzir o grau de
te é necessária tanto para realização de cuidados contaminação, preferencialmente por meio
imediatos quanto para identificação de qualquer de antibioticoterapia sistêmica;
condição que comprometa o processo de cicatriza-
ção. O envolvimento de estruturas internas (Figura c. Pretas: apresentam necrose tecidual com
1) (articulações, tendões etc.) e de outros sistemas desnaturação e aumento de fibras colá-
orgânicos deve ser avaliado durante o exame clínico genas, formando uma crosta espessa cuja
para que o tratamento adequado possa ser estabele- coloração pode variar do castanho ao preto.
cido (Orsini et al., 2004). O objetivo do tratamento é remover o tecido
necrosado com a máxima brevidade, por
HV/EV-UFMG
meio do debridamento.

A coloração da ferida não constitui


parâmetro preciso de avaliação e não deve
ser o único, pois podem ocorrer combi-
nações de diversas colorações (Figura 2),
de acordo com a profundidade da lesão,
terapias utilizadas e condições locais (Man-
delbaum et al., 2003a). Na classificação
empregada na Medicina Veterinária, as
feridas são avaliadas quanto ao grau de
contaminação, independente da colo-
ração, e classificadas como limpa, limpa-
contaminada, contaminada e infectada
(Lindsay, 1988), a saber:
Figura 1. Ferida lacero-cortante na face plantar do metatarso resultando na secção do tendão
flexor digital superficial. a. Ferida limpa: é toda ferida não
traumática, não infectada e cirúrgica
A classificação e a avaliação da ferida devem ser que não envolve o sistema gastrointestinal,
realizadas observando-se a localização, tempo de genito-urinário e/ou respiratório que cicatri-
evolução, tamanho, presença de exsudato/transuda- za por primeira intenção;
to, necrose/edema, coloração do leito da ferida, além
da sensibilidade cutânea (Stashak, 1991; Mandel- b. Ferida limpa-contaminada: ferida cirúrgica
baum et al., 2003a). que envolve os sistemas gastrointestinal,
Os modelos de classificação das feridas no genito-urinário ou respiratório, onde o grau
ser humano podem auxiliar na decisão do trata- de contaminação pode ser considerado mí-
mento a ser empregado. O mais utilizado é o Red/ nimo. Cicatrizam por primeira intenção;
Yellow/Black (RYB) proposto por Cuzzel (1988)
para classificação de feridas que cicatrizam por c. Feridas contaminadas: ocorrem quando há
segunda intenção: presença de inflamação aguda ou quando exis-
te contaminação de cavidades com conteúdos.
a. Vermelhas: incluem sítios doadores de As feridas traumáticas e abertas, com mais de
enxertos, feridas pós-desbridamento ou seis horas de ocorrência e contaminadas com
crônicas em cicatrização onde predomina pêlos e debris estão incluídas nesse grupo. As
tecido de granulação e epitélio novo. O ob- feridas infectadas advêm de lesões traumáticas
jetivo do tratamento é favorecer o ambien- e apresentam tecido desvitalizado, edema,
te úmido, proteger os tecidos neoformados inflamação e supuração. Necessitam de debri-
e prevenir a infecção; damento e cicatrizam por segunda intenção.

36 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


HV/EV-UFMG

da pressão e é ineficaz na remoção de pequenas


partículas, sendo efetivo, somente, quando o fluido
é liberado na pressão equivalente àquela obtida
com seringa de 60ml acoplada a uma agulha de 18
gauge (8 psi) ou por meio de borrifadores (Phillips,
1995). Pressões acima de 70 psi resultam em trauma
e semeadura de bactérias nos tecidos mais internos
(Liptak, 1997).
A solução de limpeza deve possuir proprie-
dades antissépticas, atividade residual prolon-
gada, ser atóxica, não carcinogênica e incapaz de
promover resistência bacteriana. Esses produtos
devem ser utilizados nas fases iniciais do trata-
mento para diminuir a carga bacteriana e retirar
debris necróticos. Quando a ferida está isenta de
contaminação, a solução salina 0,9% é a ideal para
Figura 2. Ferida na articulação fêmuro-tibio-patelar. Coloração variando de
amarelo ao preto devido à necrose e, possivelmente, contaminação. limpeza (Liptak, 1997).
Clorexidine tem amplo espectro de atividade
antibacteriana e baixa toxicidade. O Clorexidine
Limpeza da ferida possui algumas vantagens sobre a solução de Pvpi,
A pele e os pêlos ao redor da ferida atuam como incluindo capacidade antibacteriana residual (48
fonte de contaminação. Dessa forma, depilação horas), atividade contínua na presença de secreção e
ampla é essencial para diminuir a probabilidade de debris orgânicos, além de baixa absorção sistêmica.
infecção. Para tanto, a ferida deve ser coberta com O Clorexidine, como solução aquosa de 0,05%, reduz
gaze umedecida com solução salina 0,9% para re- significativamente a população bacteriana da ferida
duzir o risco de contaminação durante a depilação. sem aumentar a inflamação local. No entanto, con-
Após esse procedimento, procede-se com a limpeza centrações altas diminuem a velocidade de reepiteli-
da ferida (Stashak, 1991). zação, formação do tecido de granulação, contração
A limpeza atua por dois mecanismos, mecânico e resistência mecânica da ferida (Liptak, 1997; Fars-
e dilucional, reduzindo o número de micro-organis- tvedt et al., 2004).
mos, além de remover tecido necrótico e exsudato A solução de PVPI contém iodo livre (ILv) e povi-
(Malone, 1996). Bactérias, exsudato e materiais dona, sendo sua atividade antibacteriana proporcio-
particulados aderem à superfície da ferida por meio nal à concentração de ILv. O PVPI tem boa atividade
de cargas eletrostáticas e, independente do método antimicrobiana contra bactérias e fungos. Soluções
de limpeza, a força de remoção deve ser superior à diluídas a até 0,2% minimizam a citotoxicidade e au-
força dessas cargas. A irrigação é mais eficiente do mentam a disponibilidade de ILv. Nessa concentra-
que a utilização de gazes úmidas para a remoção de ção, a solução destrói bactérias em quinze minutos,
bactérias (Phillips, 1995). A força hidráulica que não ocorrendo resistência bacteriana. A presença de
esse processo exerce nas partículas é proporcional ILv na ferida aumenta a liberação de citocinas envol-
ao quadrado da velocidade da irrigação. Para evitar vidas no processo de cicatrização pelos macrófagos,
injúrias ao tecido, esse procedimento deve ser rea- principalmente na fase inflamatória. Ocorre inibição
lizado com a quantidade mínima de solução e força da migração dos neutrófilos, função dos monócitos e
necessária para eficiente limpeza. A força necessária efeitos fibroblasticidas dose-dependente com solu-
para limpeza dependerá do tamanho das partículas ções acima de 0,5% (Farstvedt et al., 2004).
presentes, pois pequenas partículas aderem mais Peróxido de hidrogênio é um eficiente esporo-
fortemente à superfície do que partículas maiores cida e debridante químico, porém possui pequeno
(Lees et al., 1989). espectro antibacteriano. A solução a 3% é citotóxica
Apesar de a irrigação com baixa pressão remover para os fibroblastos, resultando em trombose nos
grandes partículas, pressões de 10 a 15 psi são mais microvasos. A toxicidade celular do peróxido de
eficientes para remoção de pequenas partículas e hidrogênio excede sua potência antibacteriana e,
bactérias. A realização desse procedimento com dessa forma, não é recomendado para limpeza de
seringa ou fluxo de gravidade não alcança adequa- feridas (Brumbaugh, 2005).

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 37


Suplemento Científico

O hipoclorito de sódio (líquido de Dakin) tem am- e tecido necrótico, sem lesar as células envolvidas no
plo espectro antibacteriano, sendo mais efetivo do processo de cicatrização (Liptak, 1997).
que clorexidine e PVPI contra Staphylococcus aureus. Entre as enzimas utilizadas para o debridamento
Esse efeito antibacteriano é alcançado pela libera- estão a tripsina, colagenase, fibrinolisina e a papaína.
ção de íons cloreto e O2. Entretanto, o hipoclorito de A utilização de formulações combinadas de enzimas
sódio é citotóxico para os fibroblastos em concentra- debridantes e antibióticos tópicos não são recomen-
ções acima de 0,025% e apresenta estreita margem dáveis, pois não apresentam efetividade no controle
de segurança, devendo ser utilizado somente para da infecção e, com frequência, levam ao aparecimen-
auxiliar na remoção do tecido necrótico, e nunca em to de resistência bacteriana (Farstvedt et al., 2004).
feridas limpas. Embora não seja utilizado rotineira-
mente como um desinfetante tópico, uma solução a Medicamentos de uso tópico
0,125% pode ser utilizada como debridante (Fars- Existe uma variedade de preparações para
tvedt et al., 2004). utilização tópica durante o tratamento das feridas.
Grande parte desses produtos é ineficiente e alguns
Debridamento da ferida são mais deletérios do que benéficos, devido à cons-
O debridamento da ferida consiste na remoção tante irritação imposta à ferida e estímulo à formação
de tecidos desvitalizados para assegurar o rápido ini- da hipergranulação (Martins et al., 2003). Alguns
cio da fase proliferativa da cicatrização, podendo ser medicamentos de uso tópico com bons resultados
cirúrgico, enzimático, mecânico ou hidrodinâmico no manejo das feridas traumáticas e outros em fase
(Liptak, 1997). É difícil visualizar a separação entre experimental de avaliação estão descritos abaixo:
o tecido desvitalizado e o saudável, principalmente
após o trauma, tornando-se difícil a decisão de quan- a. Mel
do interromper esse procedimento. A capacidade do A utilização do mel no tratamento de feridas
tecido em sangrar quando excisado, além da tem- data de 1700 a 2000 a.C., mas, apesar disso, as bases
peratura e aparência geral são bons indicadores da científicas para sua utilização só foram elucidadas
sua viabilidade quando do debridamento cirúrgico. no século XX (Mathews e Binnington, 2002a).
A localização e configuração da ferida são também Os mecanismos associados com suas propriedades
fatores a serem ponderados antes da remoção do cicatrizantes incluem diminuição do edema infla-
tecido desvitalizado (Lees et al., 1989). matório, quimiotaxia de macrófagos, debridamento
Inflamação, trauma cirúrgico, corpos estranhos, de tecido necrótico, fonte de energia celular, além
infecção e compressão causada por bandagens po- de auxiliar na formação de tecido de granulação sau-
dem transformar um tecido saudável em necrótico. dável. A atividade antibacteriana tem sido atribuída
Em virtude da incapacidade de prever com exatidão à alta osmolaridade, acidez, viscosidade e conteúdo
se o tecido sobreviverá ou não, é aconselhável rea- de peróxido de hidrogênio (H2O2). O baixo pH (3,6 a
valiar a ferida diariamente (Lees et al., 1989). Muitas 3,7) acelera o processo de cicatrização assim como
vezes, tendões ou ligamentos desvitalizados são aumenta os efeitos antibacterianos, além de criar e
preservados pela crença de que possam atuar como manter condições ótimas para a atividade dos fibro-
base para o processo de cicatrização. No entanto, blastos (Dart et al., 2005).
qualquer tecido necrótico na ferida inibe o processo O mel contém a inibina, enzima da glândula fa-
de reparação (Phillips, 1995). ríngea das abelhas, que dá origem ao H2O2 e ao ácido
O debridamento mecânico úmido-seco utilizan- glucônico/glucolactona que agem como desinfetan-
do gazes umedecidas com solução salina a 0,9% sob te e antibiótico, respectivamente. A geração de bai-
bandagens ou passando-as com leve pressão sobre xos níveis de H2O2 estimula a angiogênese e aumenta
a ferida é rotineiramente realizado. No entanto, além a liberação de O2. Acredita-se que a geração de H2O2
de remover tecido necrótico, esse debridamento re- auxilie o debridamento da ferida devido à reação de
tira também tecido saudável em regeneração, princi- Fenton, onde H2O2 reage com íons ferro produzindo
palmente queratinócitos em migração, devendo ser radicais hidroxila (Tonks et al., 2003).
evitado (Cockbill e Turner, 1995). Já o debrida- A ação anti-inflamatória dessa substância tem
mento enzimático é indicado em locais onde o debri- sido investigada em estudos histológicos e obser-
damento excessivo dos tecidos saudáveis deve ser vações clínicas, mas o mecanismo definitivo não foi
evitado. Quando utilizados adequadamente, esses identificado. Em particular, estudos têm demonstra-
agentes dissolvem exsudato, coágulos sanguíneos do que o efeito estimulatório do mel na cicatrização

38 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


está em parte relacionado ao estímulo de citocinas mas sua ativação é inibida por elevados níveis do
inflamatórias (TNF-α, IL-1β e IL-6) dentro dos monóci- receptor 5-hidroxitriptamina (5-HT). A Kentaserina
tos (Tonks et al., 2003; Ferreira et al., 2007). antagoniza a supressão induzida pela 5-HT, além de
reverter a inibição da migração das células endote-
b. Própolis liais e estimular proliferação de fibroblastos e células
A própolis é um composto utilizado pelas abe- endoteliais. Essa resposta inflamatória resulta em
lhas para proteger suas colmeias de infecções bac- controle eficiente da infecção e melhor organização
terianas e virais. Contém vários flavanóides, amino- das fases finais da reparação, quando citocinas e
ácidos, vitamina B e substâncias com propriedades fatores de crescimento liberados pelos macrófagos
antibióticas. Vários estudos têm demonstrado a ação desempenham importante papel. Além desses efei-
epitelizante da própolis. Entretanto, ele contém po- tos, a Ketanserina promove vasodilatação local, inibe
tentes componentes sensibilizantes, podendo levar a formação de microtombos e reduz a isquemia teci-
à dermatite de contato ou formação de granuloma dual local resultando na melhoria da microcirculação
(Rahal et al., 2003). local (Engelen et al., 2004).

c. Açúcar e. Ácidos graxos essenciais


O açúcar granulado é utilizado topicamente no Os ácidos graxos essenciais podem ser utilizados
tratamento de feridas traumáticas abertas, espe- em qualquer tipo de ferida e em qualquer fase do
cialmente aquelas contaminadas. As vantagens da processo de reparação. Inúmeros trabalhos compro-
utilização do açúcar são: rápida ação antibacteriana e varam que os triglicerídeos de cadeia média atuam
maior velocidade na formação do tecido de granula- de forma positiva no processo de cicatrização, tanto
ção e epitelização. O tratamento das feridas utilizando por sua ação bactericida quanto por sua interferência
açúcar é baseado na criação de um ambiente com bai- em diversas fases do processo de reparação tecidual.
xa quantidade de água (Haddad et al., 2000). Cada Os ácidos graxos essenciais atuam sobre a membrana
micro-organismo possui uma aW (atividade da água) celular aumentando sua permeabilidade, facilitando
limite, abaixo da qual ele não cresce. Todo crescimento a entrada de fatores de crescimento na ferida, promo-
bacteriano pode ser inibido sob uma aW de 0,858, ob- vendo a mitose e proliferação celular, estimulando a
tida pela mistura de 195 gramas de açúcar com 100 ml neovascularização e exercendo efeitos quimiotáticos
de água (Mathews e Binnington, 2002b). sobre os leucócitos (Ferreira et al., 2006).
Outros mecanismos associados com as proprie-
dades cicatrizantes do açúcar incluem diminuição do f. Fitoterápicos
edema inflamatório, quimiotaxia para macrófagos, Existe uma variedade de fitoterápicos disponí-
debridamento de tecidos necróticos, fonte de ener- veis para utilização tópica durante o tratamento de
gia para metabolismo celular, além da formação de feridas agudas ou crônicas (Farstvedt et al., 2004).
camada protetora para a ferida e tecido de granula- Historicamente, o confrei (Symphytum officinale)
ção (Mathews e Binnington, 2002b). tem sido utilizado como debridante, retirando ex-
sudato e debris da ferida. Apresenta propriedades
d. Ketanserina antissépticas, bactericida e fungicida e, em menor
Recentemente, um estudo avaliou o efeito da grau, anti-inflamatória, antipruriginosa, cicatrizan-
aplicação tópica da Ketanserina no processo de cica- te e emoliente (Rahal et al., 2001; Martins et al.,
trização das feridas. Esse fármaco foi efetivo no con- 2003). Staphylococcus spp, Streptococcus spp, leve-
trole da granulação exuberante e infecção em 88% duras, coliformes, Pseudomonas spp, e alguns fungos
dos casos avaliados, além de acelerar a contração e são inativados após 10 a 30 minutos da utilização do
reepitalização da ferida (Engelen et al., 2004). Sua confrei (Farstvedt et al., 2004).
utilização pode resultar em aumento de duas a cinco A calêndula (Calendula officinalis) é utilizada na
vezes a probabilidade do fechamento completo da Europa como um fitoterápico com propriedade an-
ferida, quando comparado com o uso de antissépti- tisséptica e cicatrizante. Possui na sua composição
cos e agentes debridantes (Theoret, 2004b). uma fração lipolítica, os triterpenóides, responsáveis
Seus efeitos benéficos são atribuídos a sua ação pela ação anti-inflamatória, além de carotenóides,
na microcirculação, debridamento e controle da for- flavanóides, carboidratos, ácidos graxos e polissaca-
mação do tecido de granulação. Os macrófagos são rídeos que lhe conferem ação epitelizante e imuno-
essenciais para o sucesso da fase de debridamento, estimulante (Martins et al., 2003).

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 39


Suplemento Científico

HV/EV-UFMG

O barbatimão (Stryphnodendron
barbatiman) é utilizado no tratamento
de lesões cutâneas. A solução aquosa
obtida a partir da cascas dessa planta
possui no mínimo 20% de tanino, princí-
pio ativo que confere ação adstringente.
Os taninos precipitam proteínas dos
tecidos desvitalizados, formando uma
película protetora que favorece a repa-
ração tecidual, diminuindo a permeabi-
lidade e exsudação da ferida. Martins et
al. (2003) avaliaram o efeito do barbati-
mão, calêndula e confrei no processo de
cicatrização em equinos, e observaram
que a utilização da calêndula era mais
efetiva na fase inflamatória do processo
de cicatrização, enquanto o barbatimão
Figura 3. Ferida infectada. Observar grande quantidade de secreção purulenta na ferida.
era mais efetivo durante a fase de proli-
feração e reparação da ferida. sença de sequestro bacteriano associado a tecidos
desvitalizados (Phillips, 1995).
g. Insulina Segundo Orsini et al. (2004), uma ferida é consi-
A administração tópica de insulina aumenta o derada infectada quando preenche um ou mais dos
metabolismo celular e a síntese protéica, aumentan- seguintes critérios: a) excessiva inflamação regional e
do a taxa de multiplicação celular. A insulina normali- presença de exsudato purulento para o tipo, tamanho
za a permeabilidade celular, aumenta a fagocitose de e tempo da ferida; b) evidência de resposta inflamató-
debris celulares, diminui a hipóxia, elimina o edema e ria sistêmica (febre, leucocitose, neutrofilia, hiperfibri-
aumenta a velocidade de contração da ferida. Embo- nogenemia); c) infecção envolve estruturas ósseas ou
ra possua inúmeros efeitos benéficos sobre o proces- sinoviais e d) presença de bactérias gram-negativas na
so de cicatrização, a sua utilização é pouco difundida citologia ou cultura positiva da ferida.
(Stashak, 1991). A aplicação de antibióticos em feridas com mais
de quatro horas não tem qualquer efeito na resolução
h. Óxido de zinco da infecção (Lees et al., 1989). A administração tópica
O óxido de zinco é componente de muitas poma- ou sistêmica é menos efetiva quando a infecção já
das, pós e pastas utilizados no tratamento de lesões está estabelecida, pois a presença de coágulos, fibri-
cutâneas, e possui quatro ações: proteção, leve na, tecida o necrótico e desvitalizado impedem que
adstringência, fraco poder antisséptico e ausência uma concentração adequada do antibiótico penetre
de toxicidade. No entanto, seus efeitos são muito na ferida (Phillips, 1995). No momento da seleção
variáveis. O efeito mais benéfico do óxido de zinco da base farmacológica a ser utilizada, alguns fatores
no processo de cicatrização é a sua ação em induzir devem ser observados como espectro antibacte-
aumento da reação proliferativa (Rahal et al., 2001). riano, dose, farmacocinética, toxicidade sistêmica e
local, intervalo entre aplicações, via de administração
Uso de antibióticos tópicos e sistêmicos e tipo da preparação (Rosenkrantz, 1995).
A infecção da ferida (Figura 3) é clinicamente O tempo é vital para o tratamento das feridas
perceptível à medida que dois elementos são iden- infectadas e, portanto, não deve ser gasto com o uso
tificados: excessiva inflamação regional para o tipo indiscriminado e empírico de antibióticos. O uso
e tempo da ferida e presença de exsudato purulento. empírico de fármacos antibacterianos pode ser reali-
A antibioticoterapia empírica é, muitas vezes, eficaz zado enquanto se aguardam os resultados da cultura
na resolução da infecção. No entanto, é inadequada e antibiograma. Nesse intervalo, a combinação de
na presença de micro-organismos resistentes à base penicilina G e gentamicina administradas por via sis-
utilizada, nos pacientes imunodeprimidos, nos teci- têmica é indicada (Orsini et al., 2004).
dos em que a liberação dos antibióticos é diminuída A utilização tópica de antibióticos em feridas é
pelo baixo suprimento sanguíneo, ou devido à pre- controversa. As vantagens sobre os antissépticos uti-

40 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


lizados são a seletiva toxicidade bacteriana e eficiên- ção e imobilização. Os curativos ajudam também
cia na presença de matéria orgânica quando com- a criar um microambiente ideal, pelo aumento da
binados com antibioticoterapia sistêmica, além de umidade e tensão de O 2, onde o processo de ci-
auxiliar na cicatrização por meio da proteção da fe- catrização pode ocorrer naturalmente (Malone,
rida contra infecção superficial. A administração tó- 1996). Para um curativo ser considerado ideal, deve
pica de antibióticos é mais efetiva quando realizada reunir algumas características básicas: a) absorver
nas três primeiras horas após a injúria. No entanto, se exsudatos e substâncias tóxicas do leito da ferida;
a ferida é completamente debridada, os antibióticos b) manter elevada umidade na interface curativo/
podem ser utilizados nas três primeiras horas após o ferida; c) permitir trocas gasosas; d) fornecer insu-
debridamento (Farstvedt et al., 2004). lação térmica; e) impedir colonização bacteriana; f )
A prata iônica é efetiva contra vários micro-orga- atóxico e apirogênico; g) confortável e esterilizável
nismos, mesmo em concentrações tão baixas quanto e h) demonstrar resistência mecânica, elasticidade
50 µg. Em um complexo sistêmico biológico, como o e conformabilidade.
fluido da ferida, o nível máximo de Ag+ é aproxima- Os curativos para feridas são classificados, na
damente 1 µg/ml. Acima dessa concentração a prata maioria das vezes, como aderentes ou não aderen-
liga-se a íons cloretos (Cl-) formando sais inativos tes e absorventes ou não absorventes. Os curativos
(Percival et al., 2005). Alguns estudos demonstram aderentes são frequentemente feitos de gazes ou al-
que a sulfadiazina de prata (SAg+) pode aumentar a godão, e sob muitas circunstâncias são considerados
velocidade de reepitelização da ferida em até 28%, passivos. Os curativos não aderentes possuem poder
enquanto outros demonstram que pode ocorrer di- de absorção variável e são subclassificados em oclu-
minuição da reepitelização e aumento da fragilidade sivos, semioclusivos e biológicos. Ressalta-se que
da ferida (Farstvedt et al., 2004). para cada fase do processo de cicatrização, há um
A SAg+ é um dos raros agentes antibacterianos que, curativo ideal (Liptak, 1997).
quando utilizados topicamente, não impedem a migra-
ção dos queratinócitos (Ribeiro e Schmidt, 2000), e a. Curativos absorventes aderentes
sua efetividade ocorre devido à lenta liberação de Ag+, e não aderentes
resultando em contínuas concentrações antibacteria- I. Curativos de gaze
nas de prata na ferida (Percival et al., 2005). Os curativos aderentes de gaze têm sido utilizados
O sulfato de gentamicina, quando aplicado to- durante décadas para o debridamento de feridas, sen-
picamente, é eficiente no controle do crescimento do particularmente úteis durante a fase inflamatória,
bacteriano, especialmente de gram-negativos. Feri- quando debris necróticos, corpos estranhos e exsu-
das infectadas e que não respondem à combinação dato precisam ser removidos (Stashak et al., 2004). O
bacitracina-polimixina-neomicina podem ser trata- grau de aderência depende do tamanho dos espaços
das com sucesso com o sulfato de gentamicina, par- da gaze e, quanto mais largos forem os espaços da
ticularmente aquelas infectadas com Pseudomonas malha, maior a capacidade aderente e debridante. Os
aeruginosa (Farstvedt et al., 2004). Embora seja curativos de gaze podem ser aplicados úmidos ou se-
efetiva em controlar o crescimento e proliferação cos, dependendo da natureza do exsudato e do grau
bacteriana, certas formulações podem afetar o pro- de debridamento necessário (Lipak, 1997).
cesso de cicatrização (Swaim e Lee, 1987). O curativo úmido a seco é utilizado nas feridas
A cefazolina é um β-lactâmico efetivo contra com exsudato de alta viscosidade ou quando há
bactérias gram-positivas e algumas gram-negativas. presença de crostas desidratadas. A solução salina é
Quando aplicada topicamente na dose de 20 mg/ utilizada como agente umedecedor e antibióticos,
kg, alcança concentração no fluido da ferida acima enzimas ou antissépticos podem ser adicionados
da sua concentração inibitória mínima por períodos quando necessário. O curativo seco é indicado para
mais prolongados que a administração sistêmica feridas com exsudatos de baixa viscosidade (Liptak,
da mesma dose. A formulação em pó da cefazolina 1997). Como o debridamento realizado pela gaze
pode ser eficiente no tratamento de infecções esta- não é seletivo, os curativos são comumente trocados
belecidas (Farstvedt et al., 2004). a cada 24 horas. Após a retirada da gaze, toda superfí-
cie da ferida deve ser lavada com solução antissépti-
Curativos ca à pressão de 10 a 15 psi (Stashak et al., 2004).
A aplicação dos curativos serve para quatro Os curativos aderentes de gaze são utilizados na
propósitos básicos: proteção, absorção, estabiliza- rotina clínica devido à facilidade de aquisição e custo.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 41


Suplemento Científico

No entanto, o uso contínuo durante todo o processo de absorvem quantidade variável de exsudato, auxiliam
cicatrização é deletério. Na ferida limpa e sem debris, no debridamento da superfície da ferida, mantêm um
deve-se optar por um curativo mais adequado àquela microambiente úmido no leito da ferida e são com-
fase da cicatrização. Quando esses curativos são utili- patíveis com a maioria dos medicamentos tópicos,
zados depois da fase inflamatória retiram da ferida, no além de aumentarem a atividade das colagenases
momento da sua troca, as células em processo de proli- (Dart et al., 2002a). Devido a sua compatilidade com
feração e migração (fibroblastos, queratinócitos etc.) re- medicamentos tópicos, os hidrogéis podem ser uti-
tardando significativamente o processo de cicatrização lizados para liberação de fármacos no leito da ferida
tecidual (Liptak, 1997; Stashak et al., 2004). (metronidazol, sulfadiazina de prata etc.), o que os
torna ideais para feridas com exposição óssea. Como
II. Curativos de solução salina hipertônica esse tipo de curativo é um potente estimulante da for-
O curativo de solução salina hipertônica, impreg- mação do tecido de granulação, deve ser utilizado até
nado com NaCl 20%, é utilizado onde um debrida- os primeiros sinais de formação desse tecido, sendo
mento excessivo é necessário (grandes extensões de mais adequados para ferimentos traumáticos agudos
área necrótica e gravemente contaminada). É consi- e limpos, principalmente durante a fase inflamatória e
derado um tipo de curativo interativo e funciona por de debridamento (Mandelbaum et al., 2003b).
meio de mecanismos osmóticos, dessecando todo o
tecido necrótico e bactérias. No entanto, sua ação é II. Hidrocolóide
inespecífica, devendo ser utilizado com cautela para Esses curativos em contato com o exsudato da
evitar dano aos tecidos adjacentes. Outro benefício ferida formam um gel hidrofílico mantendo a ferida
adicional advindo das suas propriedades osmóticas úmida e estimulando a angiogênese e a epitelização.
é a redução do edema intersticial. Com a diminuição Embora as feridas epitelizem mais rápido, a contra-
do edema, a pressão dos capilares no leito da ferida ção delas é diminuída devido à maior produção de
é reduzida, resultando em melhor perfusão tecidual. exsudato (Liptak, 1997). Esses curativos não devem
Como o debridamento exercido por esse tipo de cura- ser utilizados em feridas extensas ou infectadas, e
tivo não é seletivo, ele só deve ser utilizado durante os sua utilização errônea pode causar maceração dos
primeiros três dias após a lesão (Stashak et al., 2004). tecidos adjacentes (Mandelbaum et al., 2003b).
Aparentemente, a melhor utilização desse curativo
b. Curativos de polímeros fibrosos e no equino é durante o início da fase inflamatória até
partículas naturais o momento do início da formação do tecido de gra-
Os curativos de alginato de cálcio contêm o ácido nulação (Stashak et al., 2004).
alginico como princípio ativo (Mandelbaum et al.,
2003b). Esses curativos são atóxicos e aumentam a d. Curativos antimicrobianos
formação do tecido de granulação e a epitelização, Os curativos contendo iodo são muito eficazes
absorvendo 20 a 30 vezes seu peso em fluido. Esse no manejo das feridas. À medida que o curativo se
processo converte o material inicialmente seme- hidrata no ambiente úmido da ferida, o iodo elemen-
lhante a pó em material gelatinoso na superfície da tar liberado passa a exercer efeito antibacteriano e
ferida, que é facilmente removido. Devido a suas a interagir com macrófagos locais, estimulando-os
características hidrofílicas, esse curativo é utilizado a produzir TNF-α e IL-6, afetando diretamente o pro-
durante a fase inflamatória da cicatrização, princi- cesso de cicatrização (Theoret, 2004b).
palmente em feridas exsudativas e infectadas, ou A utilização dos curativos de carvão ativado é in-
durante a transição de curativos debridantes para hi- dicada em feridas infectadas, fétidas e exsudativas,
drocolóides (Stashak et al., 2004). Sua aplicação em sejam elas superficiais ou profundas. Esses curati-
feridas sem exsudato pode resultar na formação de vos propiciam um microambiente úmido, removem
crostas de difícil remoção (Swaim e Gillette, 1998). o exsudato e bactérias por adsorção, previnem a
formação do tecido de granulação exuberante,
além de diminuir o odor da ferida (Mandelbaum
c. Curativos sintéticos oclusivos et al., 2003b). Na utilização desse curativo, deve-se
e semi-oclusivos observar a formação do tecido de granulação, e
I. Hidrogel uma vez que ele esteja no mesmo nível das bordas
Os curativos de hidrogel possuem ação quimio- da ferida, deve ser substituído por outro tipo de
tática sobre leucócitos, favorecem a angiogênese, curativo (Stashak et al., 2004).

42 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


e. Curativos biológicos aplicação. Embora muitas feridas desenvolvam te-
Diversas pesquisas demonstram que os curativos cido de granulação exuberante com sua utilização,
biológicos promovem a cicatrização da ferida por esse é mais uniforme e menor do que os vistos com a
meio da manutenção de ambiente úmido atuando utilização de outros tipos de membranas biológicas
como barreira antibacteriana, protegendo a ferida (Bellenzani et al., 1998).
de infecções, além de inibirem a formação do tecido
de granulação exuberante (Gomez et al., 2004). Es- III. Membrana amniótica
ses curativos induzem a uma leve resposta inflama- A membrana amniótica tem sido utilizada no
tória aparentemente benéfica ao processo cicatricial tratamento de feridas e queimaduras extensas desde
(Stashak et al., 2004). Os seguintes curativos bioló- o início do século passado. O âmnio tem muitas ca-
gicos são utilizados em equinos: racterísticas de um curativo ideal: adere e adapta-se à
forma da ferida, fornece um ambiente úmido, controla
I. Colágeno a contaminação bacteriana e reduz a dor, além de
Os curativos de colágeno possuem efeito com- estimular a epitelização e proteger o tecido de granu-
provado no aumento da cicatrização de feridas lação (Bigbie et al., 1991). Independente da natureza
(Stashak et al., 2004). Esses curativos são consti- oclusiva, sua utilização resulta em menor formação de
tuídos de partículas hidrofílicas de colágeno, ou tecido de granulação (Howard et al., 1993).
da associação colágeno (90%) e alginato de cálcio Bigbie et al. (1991) compararam os efeitos da
(10%), podendo ser aplicados em qualquer fase do membrana amniótica equina com a levedura viva no
processo de cicatrização. A aplicação do colágeno na processo de cicatrização. Embora as taxas de contra-
lesão aumenta a quimiotaxia para eosinófilos, ma- ção e epitelização não tenham diferido, a porcenta-
crófagos e fibroblastos, além de promover a granula- gem de epitelização foi maior no grupo da membrana
ção e epitelização (Yvorchuk-St. Jean et al., 1995). amniótica. Além desse efeito, a membrana amniótica
Umas das principais desvantagens desses curativos é diminuiu o tempo de cicatrização e a formação de
a necessidade de trocas, no máximo, a cada 48 horas. tecido de granulação exuberante. A utilização da
Outra desvantagem é a reação de hipersensibilidade membrana amniótica como curativo após a aplicação
manifestada por grave urticária e edema ventral de enxertos cutâneos é satisfatória, resultando em
(Bertone et al., 1985). menor formação de tecido de granulação e menor
A aplicação de colágeno no tratamento das feri- tempo de cicatrização (Goodrich et al., 2000).
das equinas pode não ser satisfatória, principalmen-
te naquelas localizadas nos membros. A aplicação do IV. Matriz extracelular (ECM)
colágeno não resultou em qualquer efeito significa- Os principais componentes da ECM são o colá-
tivo no processo de cicatrização e, aparentemente, geno, proteoglicanos, glicoproteínas e fatores de
as feridas tratadas desenvolveram mais tecido de crescimento. Várias formas de ECM têm sido avalia-
granulação do que as não tratadas (Bertone et al., das como curativo biológico, incluindo as formas
1985). Em outro estudo, a aplicação de uma mem- hidratadas, liofilizadas e multifilamentadas. Embora
brana porosa de colágeno não resultou em qualquer a forma hidratada forme um substrato úmido e favo-
efeito significativo sobre o processo de cicatrização rável para a migração e crescimento celular, as duas
quando comparado com o grupo controle (Yvor- outras demonstram resultados satisfatórios após a
chuk-St. Jean et al., 1995). reidratação. A ECM deve ser utilizada em lesões de
grande extensão e profundidade. Ela fornece uma
II. Peritôneo e pericárdio homólogos barreira de proteção contra a desidratação da ferida,
O peritôneo homólogo equino foi avaliado como atua como barreira antibacteriana, além de ser fonte
curativo biológico devido a sua fácil obtenção e de citocinas e FCs angiogênicos. Ela não proporciona
relação custo-benefício, além de ser fonte de tecido uma perfeita regeneração da pele, mas um processo
conectivo rico em colágeno. Apesar da natureza de cicatrização mais fisiológico (Badylak, 2004).
biológica do peritôneo permitir uma rápida vascu-
larização nenhum efeito no processo de cicatrização V. Gel de plasma rico em plaquetas
foi observado (Gómez et al., 2004). As plaquetas não auxiliam apenas na formação do
O pericárdio homólogo também foi testado coágulo, mas são importante fonte de enzimas hidro-
no tratamento de ferida equina, não induzindo líticas, citocinas e FCs, incluindo TGF-β, TGF-α, PDGF,
desconforto ou inflamação acentuados no local da EGF, e VEGF. O gel de plaquetas concentrado aplicado

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 43


Suplemento Científico

na ferida exerce estímulo e coordena o processo de Aparentemente, a probabilidade de desenvol-


cicatrização. A aplicação local de FCs tem importante vimento do tecido de granulação e a velocidade de
implicação terapêutica no tratamento de feridas crô- cicatrização são correlacionados com o tamanho
nicas, embora os mecanismos exatos de seus efeitos corporal do equino. Equinos de grande porte de-
sejam pouco compreendidos. Em um estudo realiza- senvolvem mais tecido de granulação e apresentam
do em equinos, a aplicação tópica de gel rico em pla- cicatrização mais lenta, independente do tamanho
quetas resultou em melhor organização do colágeno da ferida (Bertone et al., 1985).
no interior do tecido de granulação e acelerou o pro- A espécie equina é susceptível à formação do
cesso de diferenciação epitelial (Carter et al., 2003). tecido de granulação exuberante. Entre os fatores
predisponentes estão movimentação, tamanho
Bandagens corporal, infecção, baixo suprimento sanguíneo e de
As bandagens têm sido utilizadas nos membros O2, tensão na pele ao redor da lesão, inflamação após
dos equinos por diversas razões, entre as quais o for- aplicação tópica de certos fármacos, desequilíbrio
necimento de suporte, redução do movimento, dor e da síntese e degradação de colágeno, uso de ban-
edema e proteção da ferida contra trauma adicional. A dagens compressivas, formação de sequestro ósseo
utilização das bandagens é muito importante quando e localização da ferida (Bacon-Miller et al., 2000;
há graves traumatismos nos membros, principalmente Engelen et al., 2004).
naquelas feridas com exposição óssea e laceração de Diversas pesquisas demonstraram que a utiliza-
tendões e ligamentos. No entanto, quando uma quan- ção de bandagens, compressivas ou não, e gessos
tidade suficiente de tecido de granulação tenha se promovem a formação do tecido de granulação
formado, essa deve ser retirada para evitar a proliferação exuberante (Dart et al., 2002b). As bandagens e
do tecido de granulação exuberante (Dart et al., 2002a). gessos aumentam o gradiente de O2 entre o tecido
e a superfície da ferida, estimulando a angiogênese,
Controle do tecido de e podem reduzir a tensão de O2 no tecido, estimu-
granulação exuberante lando, também, a proliferação de fibroblastos. Além
A formação do tecido de granulação exuberante disso, criam um ambiente úmido e quente com pH
(Figura 4) impede a cicatrização por inibir tanto o baixo. Todos esses fatores associados aumentam as
processo de reepitelização quanto o de contração (Ba- chances de formação do tecido de granulação exu-
con-Miller et al., 2000; Lepault et al., 2005). Uma vez berante (Wilmink e Weeren, 2004).
formado, o tecido de granulação exuberante predis- Um achado comum nas cicatrizes hipertróficas
põe a ferida à infecção e trauma adicional, e em muitos (Figura 5) e quelóides é a presença de oclusão mi-
casos a ressecção cirúrgica é necessária para permitir a crovascular resultante da hiperplasia e/ou hipertro-
progressão da cicatrização (Engelen et al., 2004). fia das células endoteliais do tecido de granulação,
HV/EV-UFMG desempenhando papel significativo no desenvolvi-
mento do tecido de granulação exuberante. A oclu-
são é mais pronunciada na região dos membros do
que na região torácica, e o uso de bandagens nos
membros aumenta a oclusão microvascular em
3,37 vezes quando comparado com as feridas torá-
cicas (Lepault et al., 2005).
É possível que a oclusão luminal microvascular
reflita diferenças na pressão perivascular devido à re-
ação inflamatória dos tecidos adjacentes, podendo
ser exacerbada pelo uso de bandagens compressivas
(Lepault et al., 2005). Outro fator que pode influen-
ciar no surgimento do tecido de granulação exube-
rante é a disfunção do processo apoptótico. Quando
comparadas com as feridas torácicas, as feridas da
região dos membros demonstram maior atividade
mitótica do tecido de granulação e uma menor taxa
de apoptose celular (Wilmink et al., 1999; Lepault
Figura 4. Tecido de granulação exuberante em equino. et al., 2005).

44 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


HV/EV-UFMG

devem ser utilizados após o quinto dia da le-


são. Quando os corticosteróides são aplicados
logo após os primeiros sinais de desenvolvi-
mento do tecido de granulação exuberante,
uma a duas aplicações é o suficiente para
controlá-lo. Os corticosteróides não devem
ser utilizados em feridas infectadas (Farstve-
dt et al., 2004).
Barber (1990) avaliou o efeito das banda-
gens e corticosteróides tópicos no controle do
tecido de granulação. A formação do tecido
de granulação foi menor no grupo controle
(sem tratamento) e no grupo que recebeu a
aplicação tópica de corticosteróides e banda-
gem. Os dois outros grupos, bandagem e ban-
dagem com pomada, apresentaram maior
formação de tecido de granulação, e neces-
Figura 5. Cicatriz hipertrófica em equino. Observar presença de extensa cicatriz na face sitaram de maior número de debridamento
dorso-medial do metatarso e aumento de volume no membro posterior esquerdo. para controlá-lo.
O método de tratamento empregado du-
A quantidade do tecido de granulação poder ser rante o manejo da ferida influencia significativamen-
classificada em cinco graus: a) grau I: tecido de gra- te o tempo de cicatrização. A aplicação de agentes
nulação abaixo da borda da ferida; b) grau II: tecido cáusticos para controle do tecido de granulação, in-
de granulação proliferado ao nível da borda da feri- cluindo sulfato de cobre, alúmem de potássio, ácido
da; c) grau III: tecido de granulação acima da borda nítrico, associação de ácido acético e málico, nitrato
da ferida; d) grau IV: tecido de granulação necessi- de prata, permanganato de potássio hiper-saturado,
tando de excisão ou debridamento para retornar ao hipoclorito de sódio, ou outros medicamentos
nível do epitélio e controlar a proliferação excessiva caseiros para prevenir ou a formação do tecido de
que está inibindo a reepitelização e grau V: tecido de granulação exuberante prolonga significativamente
granulação exuberante (Schwartz et al., 2002). o tempo gasto para a completa cicatrização. Esses
Vários tratamentos podem alterar a quantidade cáusticos não induzem à necrose apenas do tecido
do tecido de granulação. Os tratamentos utilizados de granulação, mas, também, de todo o epitélio em
incluem utilização de corticosteróides tópicos, HV/EV-UFMG
géis e membranas de colágeno, membrana
amniótica, levedura, inibidores farmacológicos,
substâncias cáusticas, criocirurgia, bandagem
em associação com antibióticos tópicos e hidro-
terapia, curativos oclusivos e semi-oclusivos, e
aplicação tópica de ketanserina (Bacon-Mil-
ler et al., 2000; Engelen et al., 2004).
Os corticosteróides podem ser aplicados
topicamente para suprimir a formação inicial do
tecido de granulação saudável, dessa forma faci-
litando a contração e a reepitelização da ferida.
A utilização contínua dos corticosteróides du-
rante o processo de cicatrização é contra-indica-
da, devido seus efeitos negativos na angiogêne-
se, contração e reepitelização (Bacon-Miller
et al., 2000). Para maximizar o efeito inibitório
dos corticosteróides sobre a formação do tecido
de granulação exuberante e evitar seus efeitos
Figura 6. Ferida na região dorsal do metatarso com presença de crostas de alúmen de
contralaterais no processo de cicatrização, eles potássio (seta).

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 45


Suplemento Científico

migração, além de formarem crostas de difícil remo- envolve o desenvolvimento de polímeros sintéticos
ção (Figura 6) (Wilmink e Weeren, 2004). ou biomateriais que agem restaurando a função or-
A necrose induzida aumenta a resposta infla- gânica sistêmica quando usados individualmente.
matória crônica, reativando a liberação de todos os A última abordagem terapêutica envolve o uso de
mediadores envolvidos no processo de reparação. A células com uma matriz tridimensional. Por exemplo,
contração e a reepitelização serão inibidas e um novo substitutos de pele com camada dupla composta de
pico de proliferação celular surgirá, aumentando o queratinócitos e fibroblastos incorporados dentro
tecido de granulação e sua recidiva. Embora alguns de uma matriz de colágeno biológica antes do trans-
casos tratados com esse procedimento progridam plante e, consequentemente, auxiliam melhorando
para a completa cicatrização, o resultado final é uma ou promovendo o processo de reparação tecidual
cicatriz inaceitável (Shappell e Little, 1992). (Jimenez e Jimenez, 2004).
O tecido de granulação exuberante pode ser
confundido com tumores, em particular os sarcóides Terapia com Laser
equinos. A transformação de uma simples ferida para Vários estudos têm demonstrado que o laser
um sarcóide é uma importante causa de falha do estimula a proliferação dos fibroblastos, melhora a
processo de cicatrização. Feridas faciais ou torácicas síntese de colágeno, aumenta a produção de ATP, e
geralmente desenvolvem sarcóides verrugosos, a resistência tensil e influencia a concentração de vá-
enquanto as feridas localizadas nos membros de- rias prostaglandinas (Peterson et al., 1999).
senvolvem sarcóide fibroblástico. A transformação O laser apresenta vantagens para a retirada de
da ferida em sarcóide pode ocorrer logo após o tecidos com hemorragia mínima ou de sítios ina-
trauma, comumente naquelas mantidas abertas em cessíveis com instrumentos convencionais. Adicio-
ambientes com alta densidade de moscas (Wilmink nalmente, após debridamento cirúrgico, promove
e Weeren, 2004). Nesses casos, a obtenção de uma menor formação de edema e menor sensibilidade
amostra do tecido para avaliação histopatológica é pós-operatória devido à oclusão dos vasos sanguí-
necessária (Knottenbelt, 2005). neos e terminações nervosas. A decisão para usar o
laser versus instrumentos convencionais deve variar
Enxertos de pele de acordo com cada caso. Em algumas situações, a
O uso de flapes de pele reconstrutivos ou enxer- cirurgia convencional pode ainda ter vantagem para
tos podem modificar dramaticamente o resultado alguns procedimentos, tais como: reavivamento de
final da cicatrização de feridas que apresentam défi- bordas, elevação de flaps de pele ou remoção de con-
cit na contração ou formação excessiva de tecido de taminantes da ferida (Sullins, 2004).
granulação impedindo a cicatrização. O enxerto é
indicado primariamente para feridas com excessiva Profilaxia do tétano
perda tecidual; feridas em que a formação de tecido Uma adequada proteção contra o Clostridium te-
de granulação exuberante impede a contração e tani deve ser fornecida (Caron, 1992). Embora a dose
naquelas com contração e epitelização insuficientes de soro antitetânico a administrada varie entre os pro-
para fechar o defeito. O enxerto deve ser transplanta- fissionais, uma a duas doses de 5.000 a 10.000 UI com
do para áreas com suprimento sanguíneo local ade- intervalo de 3-4 semanas entre administração, parece
quado, não sobrevivendo quando transplantados ser o regime terapêutico mais apropriado.
sobre áreas com exposição óssea, tendão e tecido
adiposo. Além disso, não devem ser fixados em feri-
das infectadas, pois contagens bacterianas de 105/g Considerações finais
de tecido estão associadas com falha no transplante Independente do tipo e da localização da ferida,
(Bristol, 2005; Hierner et al., 2005). o paciente sempre deve ser examinado minuciosa-
Atualmente, a pesquisa e o desenvolvimento de mente para que outras alterações concomitantes
tecidos e produtos celulares tem sido uma aborda- possam ser identificadas e corrigidas. Durante o
gem dos avanços do campo da medicina regenerati- tratamento, o bem-estar deve ser preconizado para
va. Três estratégias são utilizadas para o desenvolvi- que alterações como perda de apetite e estresse
mento de produtos da engenharia tecidual. A primeira não prejudiquem a recuperação. A abordagem da
estratégia envolve o uso de células sem a matriz. ferida deve ser individualizada. Após abordagem
Quando transplantadas, essas células restauram a fun- inicial, a melhor intervenção terapêutica deve ser
ção do sistema ou órgão lesado. A segunda estratégia instituída sempre evitando que novas complica-

46 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


ções ocorram. Embora não se tenha um protocolo É essencial que o Médico Veterinário tenha amplo
terapêutico ideal para o manejo das injúrias cutâ- conhecimento de todos os mecanismos que en-
neas, existem diversos produtos disponíveis que volvem o processo da cicatrização para identificar
podem atuar de forma benéfica em cada fase da os fatores que estão afetando negativamente a ci-
cicatrização. A abordagem clínica mais efetiva é a catrização da ferida e tenha capacidade de intervir
limpeza diária da ferida para evitar a contaminação mediante a observação de complicações, propor-
e colonização bacteriana, e a utilização de estraté- cionando a resolução dos problemas e permitindo
gias que acelerem o processo de cicatrização, sem, a cicatrização da ferida sem que ocorram cicatrizes
contudo, aumentar a incidência de complicações. exuberantes e defeitos cosméticos.

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Dados dos Autores

Cíntia Ferreira Ubiratan Pereira


Médica Veterinária – CRMV-MG n° 8260 de Melo
Doutoranda. Bolsista do CNPq. Médico Veterinário – CRMV n° 6939 –Doutoran-
do Departamento de Clínica e Cirurgia Veteri-
nárias – Escola de Veterinária da UFMG. Bolsista
Endereço para correspondência: do CNPq.
Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias E-mail: ubiratan_melo@yahoo.com.br
Escola de Veterinária da UFMG.
E-mail: cfvet@ig.com.br José Monteiro
da Silva Filho
Maristela Silveira Palhares Médico Veterinário – CRMV-MG nº 1427. Prof.
Médica Veterinária – CRMV-MG nº 2746. Profa. Associado – Departamento de Clínica e Ci-
Associada – Departamento de Clínica e Cirurgia rurgia Veterinárias – Escola de Veterinária da
Veterinárias – Escola de Veterinária da UFMG. UFMG.
E-mail: palhares@vet.ufmg.br E-mail: monteiro@vet.ufmg.br.

48 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


PREVALÊNCIA DA INFECÇÃO POR
Ascaris suum E ACHADOS MACRO
E MICROSCÓPICOS EM FÍGADOS
DE SUÍNOS ABATIDOS NA REGIÃO
METROPOLITANA DE RECIFE E ZONA DA
MATA DE PERNAMBUCO
Ascaris suum prevalence and strutural changes in liver of
swines from metropolitan region of recife and zona da mata of
pernambuco state

Resumo
Este trabalho teve como objetivo avaliar a prevalência da infecção por Ascaris suum e avaliar a frequência de
alterações macro e microscópicas em fígados de suínos abatidos na região metropolitana de Recife e da Zona
da Mata do Estado de Pernambuco. A pesquisa foi desenvolvida em três abatedouros inscritos no sistema de
inspeção estadual, nos meses de julho de 2008 a maio de 2009. Foram examinados 715 animais. Realizou-se
a aplicação de um questionário para avaliar as condições de manejo das propriedades. Os fígados foram
examinados, na respectiva linha de inspeção, para a presença de manchas leitosas, que foram classificadas
conforme o grau de lesão. As manchas leitosas foram registradas em 2,2% (16/715) dos fígados examinados,
ocorrendo em 0,6% (4/638) animais das granjas tecnificadas e em 15,6% (12/77) dos animais das granjas de
subsistência (p < 0,001). Das demais lesões diagnosticadas, constataram-se áreas de mineralização com 2,0%
(14/715), seguidas de coágulo, cirrose, espessamento de cápsula, teleangiectasia e atrofia. As alterações mi-
croscópicas nos animais que apresentaram manchas leitosas foram congestão sinusoidal, focos inflamatórios
granulomatosos, perihepatite granulomatosa, e infiltração eosinofílica nos espaços interlobulares.

Palavras-chave: manchas leitosas, helmintose suína, Ascaris suum

Abstract
The objective of this paper was to estimate the prevalence of milk-spot lesions and structural changes in liver
of slaughtered swines from three different slaughterhouses under federal veterinary inspection located at
metropolitan region of Recife (MRR) and Zona da Mata (ZM) of Pernambuco State, Brazil. Between June 2008
to May 2009 livers from 715 animals were collected, examined and scored for lesions consistent with para-
sitic migration during meat inspection. The questionnaire survey also was carried out to identify the current
husbandry practices. The results showed milk-spot lesions in 2.2% (16/715) of livers examined being 0,6%
(4/638) from intensive animal husbandry procedures and 15.6% (12/77) from subsistence practices (p < 0,001).
Several morphologic changes including mineralization (2.0%) followed by of blood clot, cirrhosis, capsule thi-
ckening, telangiectasia and atrophy were evidenced. The results of the optical microscopy examination sho-
wed sinusoidal congestion, granulomatous inflammatory foci, granulomatous perihepatitis, and eosinophilic
infiltration in the interlobular spaces.

Keywords: milk spots, swine helminthosis, Ascaris suum

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 49


Suplemento Científico

INTRODUÇÃO MATERIAL DE MÉTODOS


O diagnóstico de rotina das helmintoses em suí- A pesquisa foi desenvolvida em abatedouros
nos realiza-se mediante a investigação periódica da cadastrados no sistema de inspeção estadual, lo-
presença de formas parasitárias (ovos e larvas) nas calizados na Região Metropolitana do Recife e na
fezes e mediante exame post mortem dos animais, Zona da Mata do estado Pernambuco, cuja agência
com o objetivo de evidenciar os nematóides adul- reguladora é a Agência de Defesa e fiscalização
tos e sua localização definitiva (trato gastrointesti- Agropecuária (Adagro), nos meses de julho de
nal, trato respiratório) e as lesões produzidas pela 2008 a maio de 2009. Foram examinados 715 ani-
migração das fases larvais e pelos próprios adultos mais de três abatedouros de diferentes municípios
(Mora, 2000). Dos parasitos mais adaptados aos da referida área, regidos pela regulamentação
sistemas de confinamento e, portanto responsáveis da inspeção sanitária estadual. Os animais eram
pelas maiores perdas na produção, destaca-se Asca- machos e fêmeas, de raças variadas, em idade de
ris suum. Das endoparasitoses do suíno, a ascariose abate, com peso vivo variando entre 80 a 120kg,
suína constitui o processo patológico mais impor- provenientes de oito granjas tecnificadas e três de
tante por sua prevalência e efeitos adversos no ga- subsitência (Miele e Waquil, 2007). As granjas de
nho de peso e no índice de conversão (Hoy, 1994). subsistência foram reunidas em um único grupo
A migração de larvas através do fígado é um para efeito de análise, devido às semelhantes ca-
componente comum de ciclo de vida dos nema- racterísticas de criação e manejo.
tóides em animais domésticos. Como a larva migra Foi aplicado um questionário investigativo nas
através do fígado, elas produzem uma necrose propriedades que abateram animais nos abate-
hepatocelular local que é acompanhada por infla- douros, permitindo-se conhecer: a identificação
mação. Os tecidos funcionais são substituídos por do produtor, identificação da propriedade, mane-
tecido conectivo que amadurece e se manifesta em jo higiênico-sanitário, acesso ao mercado, e condi-
cicatrizes fibrosas na superfície da cápsula, que se ção do plantel, analisando-se as variáveis, tipo de
denominam manchas leitosas, conferindo ao órgão exploração, qualidade de higiene das baias, fonte
uma aparência indesejável, que o torna impróprio e tratamento de água, tipo de bebedouro e de
para o consumo, sendo uma causa bastante comum piso, limpeza das instalações, tratamento e desti-
de condenação de fígado de suínos em nível de fri- no de dejetos.
gorífico (Lignon et al. 1985, Cullen, 2007). A inspeção das vísceras foi realizada nos aba-
O estudo post mortem tem grande importância tedouros, após o descanso, jejum e inspeção ante-
na ascariose suína. A detecção de fígados com le- mortem, segundo a legislação pertinente (Brasil,
sões é um indicador mais sensível da infecção por 1997). Os fígados foram examinados, na respectiva
A. suum que a demonstração de parasitos adultos linha de inspeção, para a presença de manchas lei-
no intestino (Bernardo et al., 1990). Assim, a tosas, indicada por lesão macroscópica caracterís-
demonstração das lesões de hepatite intersticial tica, seguindo classificação de acordo com o grau
(manchas leitosas) nos fígados infectados por A. da lesão, conforme os seguintes graus: 0 (ausência
suum foi incorporada aos programas de inspeção de focos de manchas leitosas), 1 (até 10 focos de
em abatedouros como a forma mais habitual e manchas leitosas) e 2 (mais de 10 focos de manchas
completa de demonstrar a presença, prevalência e leitosas) (Morés, 2000).
gravidade da ascariose suína durante o período de O intestino e o conteúdo intestinal foram exa-
engorda (Pointon et al., 1999). minados para a verificação da presença de adultos
O uso de monitorias patológicas em frigoríficos de A. suum. Amostras fecais foram coletadas direta-
é uma das mais importantes fontes de informações mente da ampola retal de cada animal na própria
conhecidas para o acompanhamento sanitário dos linha de inspeção, utilizando-se sacos plásticos
suínos, com finalidade de identificar e quantificar as previamente identificados e transferidos para caixa
prevalências das doenças, bem como a severidade isotérmicas contendo gelo reciclável, para trans-
das lesões encontradas (Piffer e Brito, 1990). porte ao Laboratório de Doenças Parasitárias dos
Este trabalho teve como objetivo estudar a pre- Animais Domésticos – Departamento de Medicina
valência de infecção por Ascaris suum e a frequência Veterinária – Universidade de Federal Rural de
de alterações macro e microscópicas em fígados de Pernambuco, para exame parasitológico por meio
suínos abatidos na Região Metropolitana de Recife da contagem de ovos nas fezes (OPG), conforme
e da Zona da Mata do estado de Pernambuco, Brasil. Gordon e Whitlock (1939).

50 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Durante a inspeção, 30 amostras de fragmentos O nível de significância utilizado na decisão dos
de fígados que apresentaram diferentes tipos de testes estatísticos foi de 5,0%. Os dados foram digi-
lesões foram coletadas para exame histopatológico. tados na planilha Excel e o software utilizado para a
Os fragmentos dos fígados foram transferidos para obtenção dos cálculos estatísticos foi o SPSS (Statis-
recipientes plásticos previamente identificados, tical Package for the Social Sciences) na versão 15.
contendo formol tamponado 10%, sendo manti-
dos em temperatura ambiente, por pelo menos RESULTADOS E DISCUSSÃO
72 horas, para completa fixação dos tecidos. No Dos 715 fígados de suínos avaliados nos aba-
Laboratório de Patologia Veterinária da Universi- tedouros, apenas 2,2% (16/715) apresentaram
dade Federal Rural de Pernambuco, os fragmentos manchas leitosas. Analisando-se a frequência por
foram cortados com auxílio de uma lâmina de mi- propriedade, observou-se que a granja 9 apresen-
crótomo, transferidos para casseteres, previamente tou percentual de 15,6% (12/77), significativamente
identificados com o número de cada animal e data mais elevado que as demais, dentre as quais cinco
e encaminhados para a confecção de lâminas no mostraram resultados negativos para a referida
Laboratório de Histotecnologia da Universidade lesão (Tabela 1). Analisando-se a Tabela 2, houve
Federal de Pernambuco, seguindo metodologia associação significativa entre a presença de man-
preconizada por Banks (1993). Procedeu-se à leitura chas leitosas e o tipo de suinocultura, verificando-se
das lâminas em microscópico óptico à objetiva de maior probabilidade de ocorrência de tais lesões
10X no Laboratório de Patologia Veterinária da Uni- em animais criados em granjas de subsistência. Esse
versidade Federal Rural de Pernambuco. dado justifica o maior percentual na granja 9, por
Para análise dos dados foram obtidas distribui- tratar-se de propriedade de subsistência, enquanto
ções absolutas e percentuais para a frequência de que as cinco granjas negativas (Tabela 1) constituí-
manchas leitosas, e de alterações macro e micros- am-se granjas tecnificadas.
cópicas em fígados de suínos, além da utilização do Considerando-se que, nos dois tipos de granjas,
teste Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher adota-se o mesmo sistema intensivo, a diferença
(quando as condições para utilização do teste Qui- pode ser explicada pelo tipo de manejo praticado,
quadrado não foram verificadas) para avaliar a asso- verificando-se condições inadequadas nas proprie-
ciação das manchas leitosas com as variáveis anali- dades de subsistência. De acordo com as respostas
sadas. Para a associação com o tipo de suinocultura ao questionário investigativo, tais propriedades
(tecnificada e subsistência) foi calculado o odds ratio. não possuem assistência veterinária, provavelmen-

Tabela 1. Frequência absoluta (n) e relativa (%) da distribuição de manchas leitosas em fígados de suínos
em abatedouros da Região Metropolitana de Recife e Zona da Mata do estado de Pernambuco,
Brasil, segundo a procedência
Manchas leitosas
Positivo Negativo Total
Propriedade Valor de p
n % n % n %
Granja 1 1 1,0 98 99,0 99 100,0 p < 0,001*
Granja 2 1 0,8 118 99,2 119 100,0
Granja 3 2 4,4 43 95,6 45 100,0
Granja 4 0 0 150 100,0 150 100,0
Granja 5 0 0 59 100,0 59 100,0
Granja 6 0 0 60 100,0 60 100,0
Granja 7 0 0 47 100,0 47 100,0
Granja 8 0 0 59 100,0 59 100,0
Granja 9 12 15,6 65 84,4 77 100,0
Total 16 2,2 699 97,8 715 100,0
(*): Diferença significativa a 5,0% pelo teste Exato de Fisher.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 51


Suplemento Científico

Tabela 2. Frequência absoluta (n) e relativa (%) e valor de p e Odds Ratio (OR) da presença de manchas lei-
tosas, segundo o tipo de suinocultura, em suínos de abatedouros da Região Metropolitana de
Recife e Zona da Mata do estado de Pernambuco, Brasil
Suinocultura
Manchas Tecnificada Subsistência Total
Valor de p OR (IC a 95%)
leitosas n % n % n %
Sim 4 0,6 12 15,6 16 2,2 p < 0,001* 1,00
29,26 (9,17 a
Não 634 99,4 65 84,4 699 97,8
93,44)
Total 638 100,0 77 100,0 715 100,0
(*): Diferença significativa a 5,0% pelo teste Exato de Fisher.

te utilizando os anti-helmínticos de forma empírica manchas e 13,5% (42/311) com 8-30 lesões (Pyz-
sem a adequada orientação técnica quanto à apli- Ukasik & Prost, 1999). Vyt et al. (2004), em estu-
cação da dosagem correta descrita pelo fabricante, do na Bélgica, revelaram 11,0% (16760/152364)
dentre outros fatores. de fígados rejeitados em abatedouro devido às
Nas granjas tecnificadas, os suínos são enca- múltiplas manchas leitosas. Na Coréia, em fígados
minhados para o abate com 140 dias de idade. Às de suínos de cinco propriedades, examinados ao
vezes, esse prazo pode ser prolongado até 160 dias. abate obtiveram-se 17,9% (80/446) de positivida-
Sendo assim, esses animais são terminados e adul- de para manchas leitosas, variando de 9,8 a 29,7%
tos e provavelmente já desenvolveram imunidade entre as propriedades, sendo 82,1% (366/446) no
contra A. suum. Segundo Bernardo et al. (1990), é al- grau 0, 17,5% (78/446) no grau 1, e 0,4% (2/446)
tamente improvável que o animal tenha uma infec- no grau 2 (Hwang et al., 2004).
ção por A. suum e não apresente manchas leitosas O aumento nos valores de frequência nesses
no fígado, portanto, a monitoria de manchas leito- graus de lesões no fígado está relacionado a vá-
sas em abatedouros é mais sensível indicador de rios fatores ligados à infecção por A. suum, dentre
infecção por A. suum do que a presença do parasito eles o manejo, as condições climáticas, ciclo bioló-
adulto no intestino (Bernardo et al., 1990). Em- gico e o anti-helmíntico utilizado (Roepstorff e
bora os parasitos adultos possam estar presentes Nansen, 1994).
no intestino em pequena quantidade em suínos Os resultados obtidos mostram a necessidade
que não apresentam as referidas lesões (Pointon de se avaliar a eficácia dos programas de contro-
et al., 1999), não foram encontrados exemplares de le da infecção por helmintos nas propriedades,
A. suum no intestino delgado de nenhum dos ani- realizando-se exames coproparasitológicos dos
mais examinados no presente estudo, bem como suínos jovens e das matrizes na maternidade, defi-
as amostras fecais examinadas mostraram-se todas nir prioridades de ações no sistema de assistência
negativas para ovos de A. suum. técnica e identificar fatores de risco nas proprie-
E m r e l a ç ã o a o s g r a u s d e l e s õ e s, 9 7 , 8 % dades, conforme recomendado por Taylor (1986)
(699/715) dos fígados apresentaram grau 0 (ausên- e Bernardo et al. (1990), particularmente naquelas
cia de manchas leitosas), 0,6% (4/715) grau 1 e 1,6% propriedades em que se observaram maiores ta-
(12/715) o grau 2. Nas granjas tecnificadas, dos ani- xas de fígados acometidos (Tabela 1), levando-se
mais positivos para manchas leitosas, sendo 4,4% em consideração que, além dos custos diretos da
(2/43) da granja 3, 1,0% (1/99) da granja 1 e 0,8% infecção por A. suum, existe um potencial efeito
(1/119) da granja 2, todos apresentaram o grau 1. indireto dessa parasitose no aumento do índice de
Nas granjas de subsistência, observaram-se man- conversão e na exacerbação das patologias respira-
chas leitosas em 15,6% (12/77) dos fígados, todos tórias devido às migrações larvares (Taylor, 1986,
com o grau 2 de lesão. Bernardo et al., 1990).
Ao exame de 1.000 fígados coletados no abate Nakagawa et al. (1983), no Japão, demonstra-
de suínos da região de Lublin, na Polônia, regis- ram que, de um total de 815 suínos, 311 (38,2%) ti-
traram-se 31,1% (311/1000) de manchas leitosas, veram parte ou todo o fígado condenado por man-
com 58,2% (181/311) apresentando de 1-3 man- chas leitosas. No Canadá, Wagner e Polley (1997)
chas leitosas por fígado, 28,3% (88/311) de 4-7 obtiveram positividade de 44% em 2.500 suínos

52 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Tabela 3. Frequência absoluta (n) e relativa (%) de achados macroscópicos em fígados de suínos de aba-
tedouros da Região Metropolitana de Recife e Zona da Mata do estado de Pernambuco, Brasil
Achados macroscópicos n %
Coágulo 1 0,1
Áreas de mineralização 14 2,0
Manchas leitosas 16 2,2
Cirrose 1 0,1
Perihepatite 1 0,1
Teleangiectasia 1 0,1
Atrofia 1 0,1
Total 35 4,7

quanto à presença de manchas leitosas. Theodo- No exame histopatológico (Tabela 4), a lesão
ropoulos et al. (2002), na Grécia, em um estudo que apresentou maior frequência foi a tumefação
avaliando as condenações por infecção parasitária celular dos hepatócitos, proliferação conjuntiva dos
na região de Trikala, de um total de 3.920 fígados septos interloburares e proliferação de ductos bilia-
de suínos de abatedouros, a única lesão observada res com 20,0% (6/30) para cada alteração.
foi mancha de leite, com 0,35%, valor inferior ao Nos fígados que apresentaram áreas de mine-
encontrado neste trabalho. Embora com frequên- ralização, microscopicamente foram evidenciadas
cias variáveis em diferentes países, os resultados congestão sinusoidal, tumefação dos hepatócitos,
permitem considerar as manchas leitosas, uma das granulomas, hiperplasia das células de Kupfer,
causas importantes de condenação de fígados de proliferação conjuntiva de ductos biliares e septos
suínos em abatedouros. interlobulares, sendo essa última o principal acha-
Dos animais avaliados 4,9% (35/715) apresen- do no fígado que apresentou cirrose. No fígado que
taram outras lesões hepáticas além das manchas apresentou teleangiectasia, ao exame microscópi-
leitosas, observando-se áreas de mineralização co detectou-se perihepatite. Em apenas um dos fí-
com 2,0% (14/715), seguidos de cirrose, coágulo, gados analisados microscopicamente observou-se
espessamento de cápsula, teleangiectasia e atrofia necrose, proliferação conjuntiva dos septos interlo-
(Tabela 3). Com exceção de manchas leitosas, as bulares com a presença de alguns granulomas.
demais lesões não têm como causa a infecção por Nos fígados que apresentaram manchas leito-
parasitos gastrintestinais. sas, foram observados congestão sinusoidal, focos

Tabela 4. Frequência absoluta (n) e relativa (%) de alterações microscópicas em fígados de suínos de aba-
tedouros da Região Metropolitana de Recife e Zona da Mata do estado de Pernambuco, Brasil
Alterações microscópicas n %
Fibrose 5 16,7
Congestão sinusoidal 5 16,7
Tumefação dos hepatócitos 6 20,0
Hiperplasia das celulas de Kupfer 1 3,3
Proliferação conjuntiva dos septos interlobulares 6 20,0
Hepatite granulomatosa 4 13,3
Proliferação de ductos biliares 6 20,0
Vacuolização 1 3,3
Degeneração gordurosa 1 3,3
Perihepatite granulomatosa 3 10
Necrose 1 3,3
Obs.: Os percentuais foram obtidos do número total de animais analisados que são iguais a 30.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 53


Suplemento Científico

Tabela 5. Frequência absoluta (n) e relativa (%) de manchas leitosas em fígados de suínos em abatedou-
ros da Região Metropolitana de Recife e Zona da Mata do estado de Pernambuco – Brasil, segun-
do as variáveis relativas ao tipo da criação e manejo das instalações
Manchas leitosas
Positivo Negativo Total
Variáveis Valor de p
n % n % n %
Tipo de exploração
Recria 2 4,4 43 95,6 45 100,0 p = 0,267
Mista 14 2,1 656 97,9 670 100,0
Qualidade de
higiene das baias
Boa 0 0 197 100,0 197 100,0 p < 0,001*
Moderada 4 0,9 437 99,1 441 100,0
Ruim 12 15,6 65 84,4 77 100,0
Fonte de água
Poço 2 0,4 544 99,6 546 100,0 p < 0,001*
Poço + açude 2 4,4 43 95,6 45 100,0
Poço + rio 0 0 47 100,0 47 100,0
Poço + barreiro 12 15,6 65 84,4 77 100,0
Tratamento de água
Sim 4 0,6 634 99,4 638 100,0 p < 0,001*
Não 12 15,6 65 84,4 77 100,0
Tipo de bebedouro
Chupeta 4 0,6 634 99,4 638 100,0 p < 0,001*
Cocho 12 15,6 65 84,4 77 100,0
Tipo de piso
Áspero 16 2,8 549 97,2 565 100,0 p = 0,031*
Liso 0 0 150 100,0 150 100,0
Limpeza das instalações
Jato d’ água 2 0,3 591 99,7 593 100,0 p < 0,001*
Remoção dos dejetos 14 11,5 108 88,5 122 100,0
Tratamento de dejetos
Sim 0 0 256 100,0 256 100,0 p = 0,003*
Não 16 3,5 443 96,5 459 100,0
Destino dos dejetos
Fossa séptica 0 0 106 100,0 106 100,0 p = 0,005*
Céu aberto 16 3,5 443 96,5 459 100,0
Lagoa de tratamento 0 0 150 100,0 150 100,0
Total 16 2,2 699 97,8 715 100,0
(*): Diferença significativa a 5,0% pelo teste Qui-Quadrado de Pearson.

inflamatórios granulomatosos, perihepatite gra- cópicas: hepatite intersticial eosinofílica, fibrose e


nulomatosa, e infiltração eosinofílica nos espaços hiperplasia linfofolicular.
interlobulares. Nakagawa et al. (1983), realizando Dos resultados obtidos da análise dos questio-
estudo patológico de manchas leitosas em 338 nários investigativos para avaliação da associação
suínos, caracterizaram três tipos de lesões micros- entre a ocorrência de manchas leitosas e as condi-

54 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Tabela 6. Frequência absoluta (n) e relativa (%) de manchas leitosas em fígados de suínos de abatedouros
da Região Metropolitana de Recife e Zona da Mata do estado de Pernambuco – Brasil, segundo
as variáveis relacionadas à alimentação, assistência veterinária e controle anti-helmíntico
Manchas leitosas
Positivo Negativo Total
Variáveis Valor de p
n % n % n %
Alimentação
Ração balanceada 4 0,6 634 99,4 638 100,0 p < 0,001*
Ração balanceada + restos
12 15,6 65 84,4 77 100,0
de alimentos
Assistência veterinária
Sim 4 0,6 634 99,4 638 100,0 p < 0,001*
Não 12 15,6 65 84,4 77 100,0
Ouviu falar de verminose
Sim 4 0,7 575 99,3 579 100,0 p < 0,001*
Não 12 8,8 124 91,2 136 100,0
Ouviu falar
de manchas leitosas
Sim 12 15,6 65 84,4 77 100,0 p < 0,001*
Não 4 0,6 634 99,4 638 100,0
Anti - helmíntico
Ivermectina 0 0 59 100,0 59 100,0 p < 0,001*
Febendazole 4 0,8 528 99,2 532 100,0
Ivermectina para suínos 0 0 47 100,0 47 100,0
Ivermectina + cloridrato de
12 15,6 65 84,4 77 100,0
levamisol
Rotação de anti-helmíntico
Sim 14 2,1 656 97,9 670 100,0 p = 0,267
Não 2 4,4 43 95,6 45 100,0
Exames
coproparasitológicos
Sim 0 0 47 100,0 47 100,0 p = 0,617
Não 16 2,4 652 97,6 668 100,0
Estado nutricional
Bom 16 2,4 640 97,6 656 100,0 p = 0,634
Moderado 0 0 59 100,0 59 100,0
Quarentena
Sim 4 0,6 634 99,4 638 100,0 p < 0,001*
Não 12 15,6 65 84,4 77 100,0
Comércio de animais vivos
Só no município 12 15,6 65 84,4 77 100,0 p < 0,001*
Inter e intra-estadual 4 0,6 634 99,4 638 100,0
Total 16 2,2 699 97,8 715 100,0
(*): Diferença significativa a 5,0% pelo teste Qui-Quadrado de Pearson.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 55


Suplemento Científico

ções higiênico-sanitárias das propriedades (Tabe- guem sobreviver mesmo em sistemas intensivos,
las 5 e 6), observa-se diferença significativa com estando sua prevalência e níveis de infecção liga-
todas as variáveis relacionadas à criação e ao ma- dos às condições relativas à higiene e ao manejo.
nejo das instalações (Tabela 5), com frequências A falta de tratamento dos dejetos e o destino a
mais elevadas para animais criados em condições céu aberto (Tabela 5) são fatores na propriedade
inadequadas que facilitaram a disseminação dos que favorecem a manutenção e disseminação da
ovos de A. suum. infecção por A. suum. Com a implantação do uso
Os dados estão de acordo com Roespstorff e cada vez maior de sistemas confinados, o homem
Nansen (1994), que afirmam que A. suum destaca- provocou a concentração de suínos em pequenas
-se dentre as espécies de helmintos que conse- áreas, causando grande volume de dejetos produ-

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56 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


zidos por unidade de área (Ferreira et al., 2004). A por A. suum e com constante acesso à fonte de
exposição a céu aberto pode permitir que insetos infecção. Trabalhando com grupos de animais
e roedores tenham acesso e possam servir de criados extensivamente e confinados, em duas
disseminadores de diversos patógenos. Segundo etapas experimentais, a primeira sem tratamento
Pedroso-de-Paiva (2006), as falhas de manejo dos e a segunda com uso de tartarato de pirantel e
dejetos continuam sendo a causa da proliferação de ivermectina esses mesmos autores não detecta-
moscas em criações de suínos. Förster et al. (2009) ram manchas leitosas nos animais confinados em
demonstraram o potencial de ovos e larvas de A. nenhuma das situações; nos criados extensiva-
suum serem carreados no exoesqueleto e intestino mente, as lesões apareceram, porém mais graves
de Musca domestica, a espécie de mosca mais co- nos animais não tratados.
mum em baias suínas. Vyt et al. (2004), em suínos de abatedouro reve-
Na Tabela 6 verifica-se que percentuais signi- laram que o sistema “todos dentro, todos fora” apre-
ficativamente mais elevados foram obtidos para sentou correlação negativa entre as lesões de fígado,
os animais das granjas de subsistência nas quais sendo, assim, uma importante ferramenta para pre-
as deficiências nas práticas de manejo sanitário venir essas lesões. No presente estudo, apenas três
foram mais evidentes, justificando, portanto, o re- granjas adotam tal sistema, o que reforça ainda mais
sultado encontrado. a necessidade da avaliação das condições de manejo
Em relação ao uso de anti-helmínticos, deve- das propriedades no tocante à infecção por A. suum.
-se levar em consideração não só a prática desta Apesar da ausência de helmintos adultos no
medida, mas também obser vação de outros intestino delgado dos animais ao exame no aba-
aspectos relacionados à dinâmica da infecção pa- tedouro e da negatividade para ovos de A. suum
rasitária. Segundo Murrel (1986), devido ao efeito nas amostras fecais obtidas deles, a presença de
transitório dos anti-helmínticos, esses precisam manchas leitosas nos fígados de suínos das granjas
ser utilizados em combinação com outras me- tecnificadas e de subsistência comprova a existência
didas de controle. Jolie et al. (1998) observaram da infecção por A. sunn nestas propriedades, estando
que a utilização de anti-helmínticos é ineficiente a frequência e o grau de parasitismo diretamente
para animais que tenham uma pesada infecção influenciados pelo manejo adotado.

Dados dos Autores

Alessandra Santos d’Alencar Fernando Leandro


CRMV-PE Nº 2646 – Doutora em Ciência Veterinária dos Santos
– (PPGCV/UFRPE) – Médica Veterinária Autônoma CRMV-PE nº 1492 – Prof. Adjunto de Patologia
Veterinária – Departamento de Medicina Veteri-
nária – UFRPE
Endereço para correspondência: E-mail: fls@dmv.ufrpe.br
Rua Guedes Pereira 180/1603, Recife-PE,
CEP: 52060-150 Leucio
E-mail: dalencar_ale@yahoo.com Câmara Alves
CRMV-PE nº 1290 – Prof. Associado III – Doenças
Márcia Paula Oliveira Farias Parasitárias dos Animais Domésticos/DMV –
CRMV-PE nº 2236 – Doutora em Ciência Veterinária UFRPE
– (PPGCV/UFRPE) – Médica Veterinária Autônoma E-mail: leucioalves@gmail.com
E-mail: marciapbo@gmail.com
Maria Aparecida
Marilene Maria de Lima da Glória Faustino
CRMV-PE nº 2339 – Prof. Adjunto de Parasitologia CRMV-PE nº 2263 – Prof. Associada III – Doenças
– UFRPE – Unidade Acadêmica de Serra Talhada Parasitárias dos Animais Domésticos/DMV–
(UAST) UFRPE
E-mail: lenelimal@yahoo.com.br E-mail: magfaustino@hotmail.com

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 57


Suplemento Científico

ENFERMIDADES CIRÚRGICAS DO
APARELHO REPRODUTOR MASCULINO
EQUINO: ASPECTOS CLÍNICOS E
TERAPÊUTICOS
Surgical conditions of equine male reproductive system:
clinical and therapeutic aspects

Resumo
O aparelho reprodutor masculino é compreendido por bolsa escrotal, testículos, ductos eferentes, epidídimos,
ductos deferentes, uretra, pênis, prepúcio e glândulas anexas. Traumatismos nos testículos, pênis e prepúcio
produzem edema e, dependendo do tipo de trauma, podem acarretar hemorragia, infertilidade e outras com-
plicações, como fimose nas lesões de caráter crônico do prepúcio. Paralisia do pênis é a incapacidade do animal
retrair o órgão, com ou sem ereção, denominadas priapismo e parafimose, respectivamente. Neoplasias do
pênis e prepúcio produzem lesões que incluem tumefação e ulceração. Dor e tumefação no escroto podem ser
causadas por torção do testículo, hérnia ou orquite. Os sinais de falha parcial ou completa do descenso testicu-
lar (criptorquidia) variam com a extensão do distúrbio e com a sua condição de ser uni ou bilateral. O protocolo
terapêutico estabelecido para correção das alterações depende da patologia e gravidade e, na maioria dos
casos, a refratariedade ao tratamento sugere indicação cirúrgica. Os protocolos cirúrgicos de tratamento mais
comuns de lesões nesses locais são a orquiectomia, falectomia e falopexia.

Palavras-chave: garanhão, falectomia, reprodução

Abstract
The male reproductive system comprehends the scrotum, testicles, efferent ducts, epididims, ductus deferens,
urethra, penis and prepuce. Trauma on testicles, penis and prepuce lead to edema, and, depending on the na-
ture of trauma, may also lead to hemorrhage, infertility and other complications, such as phimosis as in chronic
prepuce conditions. Penis paralysis is the inability of retracting this organ, with or without erection, named
priapism and paraphimosis, respectively. Neoplasias of penis and prepuce lead to lesions including swelling
and ulceration. Pain and swelling of the scrotum may be due to testicle torsion, hernia or orchitis. Signs of fail,
both partial and complete, of criptorchidism may vary according to the extension of the condition and the fact
of being uni or bi-lateral. The therapeutic protocol established for the correction of alterations depends on the
pathology and its gravity, and, in most cases, recurrences may suggest surgical indication. The most common
surgical protocols in these sites are orchiectomy and phalectomy.

Keywords: stallion, phalectomy, reproduction

Introdução Lesões no garanhão podem incluir coices no pênis,


A monta natural ocorre por meio do contato prepúcio, escroto, região inguinal, pernas ou no
físico do garanhão com a égua, podendo ocorrer le- corpo por uma égua inadequadamente contida. Os
sões em ambos os animais envolvidos. A contenção garanhões com experiências negativas como essa,
adequada dos animais e o uso de equipamentos podem ficar relutantes em copular após esta agres-
de proteção ajudam a minimizar alguns dos riscos. são (Immegart & Threlfall, 2000).

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A ocorrência de traumas envolvendo o pênis, pre- examinado por meio de palpação delicada pelo colo
púcio e escroto são uma causa comum de infertilidade do escroto. Não deve haver manifestação de dor nem
em garanhões (Mckinnon & Voss, 1992). As pato- tumefações, o que poderia indicar abscesso, hemato-
logias traumáticas produzidas na genitália externa ma ou torção. O anel inguinal externo e interno devem
são consideradas uma condição de risco para os ga- ser examinados para a identificação de criptorquidia e
ranhões e devem ser tratadas como emergência a fim presença de hérnia inguinal. São estruturas em forma
de evitar danos à espermatogênese, à habilidade de de fenda e não devem ser aderidas ao intestino ou
realização da cópula e ejaculação do animal (Perkins apresentar quaisquer sinais de aderências (Walker &
& Frazer, 1994). Esses problemas representam im- Vaughan, 1980; Speirs, 1999).
portância econômica, pois podem interromper uma
estação de monta ou diminuir a eficiência reprodutiva
do plantel (Papa & Leme, 2002). Enfermidades da
Um rápido e correto diagnóstico das injúrias Região Escrotal
pode levar a uma pronta e efetiva terapia, além de
minimizar danos irreparáveis. A avaliação reprodu- Complicações pós-castração
tiva de animais com traumas anteriores deve ser cri- A complicação mais frequente decorrente de or-
teriosa, incluindo-se exame físico, análise do sêmem, quiectomias em equinos é a hemorragia excessiva da
culturas bacteriológicas, ultrassonografia, exames labo- artéria testicular localizada no cordão espermático. O
ratoriais, hormonais e biopsia testicular (Speirs, 1999). sangramento na área cirúrgica normalmente diminui
visivelmente ou acaba no máximo 30 minutos após o
final do procedimento; caso contrário, deve-se avaliar
Exame clínico do Aparelho a necessidade de uma reintervenção (Perkins & Fra-
Genital Masculino zer, 1994; May & Moll, 2002).
Durante o exame clínico do aparelho reprodutor, O prolapso intestinal (evisceração) pelo anel ingui-
geralmente é necessária a contenção física para palpa- nal é a mais crítica e emergencial das complicações de
ção do pênis, prepúcio, testículos e eventualmente via castração. Geralmente, ocorre até quatro horas após a
transretal. Na maioria dos cavalos, consegue-se facil- castração, mas existem relatos de até seis dias. Em ani-
mente a contenção, no entanto, em outros, especial- mais com pequenas porções de tecido expostas, pode-
mente garanhões, o exame pode ser mais difícil e mes- -se tentar manipular a parte prolapsada de volta para o
mo bastante perigoso para o animal e para o Médico abdômen, via palpação transretal. Esse procedimento
Veterinário (Walker & Vaughan, 1980; Speirs, 1999). só é eficaz em poucos casos e não é recomendado se
Para ser examinado, o pênis deve ser parcial ou existir a opção de tratamento cirúrgico. A abordagem
completamente estendido para o exterior do prepú- recomendada por diversos autores é a limpeza do teci-
cio. Existem várias maneiras de se conseguir a exposi- do prolapsado e sua colocação temporária no escroto.
ção do pênis, como o uso de éguas no cio, no caso de A seguir, a incisão escrotal deve ser fechada com sutura
garanhões, no ato de micção, por meio da administra- para o transporte até um Hospital e/ou preparação do
ção de diuréticos, exteriorização manual e tranquiliza- animal para a cirurgia. Uma bandagem deve ser colo-
ção com fármacos como a acepromazina ou xilazina cada na área do anel inguinal para oferecer suporte ao
(Doherty & Valverde, 2006). escroto durante o transporte. Ressecção e anastomose
A posição dos testículos pode ser visualmente intestinal podem ser necessárias se sua viabilidade es-
avaliada. São geralmente de forma e tamanho simé- tiver comprometida. O anel inguinal externo deve ser
tricos, com um testículo levemente cranial ao outro. suturado parcialmente e um dreno deve ser inserido
Apresentam consistência fibroelástica. A palpação é na incisão escrotal para facilitar a drenagem. Alterna-
realizada comprimindo-se levemente o testículo, ao tivamente, o anel inguinal pode ser fechado com gaze
mesmo tempo em que ele é imobilizado no escroto estéril por dois a três dias. O animal deve ser tratado
com a outra mão colocada dorsalmente. A cabeça do com antibióticos de amplo espectro, anti-inflamató-
epidídimo fica no polo crânio-dorsal, o corpo no aspec- rios, fluidoterapia e restrição alimentar (Perkins &
to medial e a cauda no pólo caudal. O reconhecimento Frazer, 1994; May & Moll, 2002).
da cauda do epidídimo é facilitado pela identificação Funiculite é a infecção do cordão espermático,
do ligamento caudal do epidídimo, palpado como um geralmente resultante de inadequada antissepsia e
nódulo firme. As dimensões testiculares podem ser drenagem sanguínea do escroto incisado. Técnica ci-
medidas com paquímetros. O cordão espermático é rúrgica inadequada, ligadura contaminada e excessiva

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Suplemento Científico

manipulação tecidual também podem resultar em con- comum que a abdominal; entretanto, a incidência da
taminação bacteriana e desencadear a enfermidade. O localização abdominal diminui com a idade, o que suge-
tratamento inclui hidroterapia, antibioticoterapia e, se re que alguns testículos somente apresentam atraso na
possível, drenagem ventral pelo escroto. A funiculite, descida (Lu, 2005). A retenção unilateral é mais frequen-
se não tratada, pode evoluir para uma peritonite, ou for- te que a bilateral (Silva et al., 2003)
mação de granuloma, nesse caso necessitando de um O aumento da temperatura no testículo retido
procedimento cirúrgico reparador (Perkins & Frazer, causa alterações na espermatogênese; entretanto, a
1994; May & Moll, 2002) produção hormonal pelas células de Leydig continua
no testículo criptorquida. Há ainda aumento do risco de
Hérnias escrotal e inguinal neoplasias testiculares, sendo a mais comum, o semi-
A hérnia pode ser considerada inguinal quando se noma (Lu, 2005). Segundo Hafez (1988) e Thomassian
localiza no canal inguinal ou escrotal se o conteúdo des- (2005), cavalos criptorquidas unilaterias são férteis e os
cer até a bolsa. Esses tipos de hérnias são mais comuns bilaterais são estéreis.
em machos ao nascimento e até alguns meses após. A avaliação comportamental de animais criptor-
Elas podem se resolver espontaneamente durante os quidas é um importante componente do diagnóstico.
primeiros três a seis meses de vida, sendo necessário Geralmente, os animais apresentam comportamento
acompanhamento desses animais. Nos casos de hér- típico de garanhões como excitação sexual, ereção,
nias irredutíveis, ou seja, quando a alça intestinal não monta e agressividade. Um dos cuidados que se deve
pode ser reposicionada na cavidade abdominal, o tra- ter é que alguns animais castrados podem apresentar
tamento cirúrgico deve ser preconizado. As herniações esse comportamento de garanhão persistente. A pal-
podem ocorrer também em animais adultos após a pação externa e transretal também pode auxiliar no
cópula, exercícios ou traumas. Esses tipos de hérnias in- diagnóstico e na localização do testículo criptorquida
guinais ou escrotais adquiridas em garanhões, invaria- (Cattelan et al., 2004; Lu, 2005).
velmente provocam obstrução intestinal e cólica agu- O tratamento clínico de base hormonal não é suge-
da. O diagnóstico pode ser confirmado pela palpação rido para animais em virtude da natureza hereditária da
direta, transretal e ultrassonografia da bolsa testicular. O síndrome, recomendando-se a cirurgia (Lu, 2005).
tratamento cirúrgico imediato é essencial, devendo-se
realizar a castração do lado correspondente à herniação Enfermidades
(Mckinnon & Voss, 1992; Perkins & Frazer, 1994). Penianas e Prepuciais
Os traumas penianos e prepuciais rapidamente
Criptorquidismo desenvolvem um edema inflamatório. As causas mais
Devido à complexa natureza do descenso testi- comuns incluem coices de éguas, abrasões por pêlos da
cular, a etiologia do criptorquidismo é considerada cauda, brigas com outros cavalos e traumatismos pro-
multifatorial e envolve distúrbios no metabolismo dos vocados por objetos sólidos como cercas. Os traumas
hormônios esteróides, deficiência de andrógenos ou diretos ao pênis geralmente ocorrem quando se en-
alterações neurológicas (Silva et al., 2003; Cattelan et contra em ereção (Schumacher & Vaughan, 1988;
al., 2004; Lu, 2005). Gatewood et al., 1989; Perkins & Frazer, 1994). Essa
Acredita-se que o criptorquidismo seja hereditá- condição pode causar disúria e redução do desempe-
rio em muitas espécies de mamíferos, como suínos, nho reprodutivo (Doles et al., 2001).
caninos, caprinos, ovinos e equinos. A base genética Tipicamente, o edema é mais pronunciado na re-
da hereditariedade em equinos ainda não está bem gião do anel prepucial, contribuindo para a ocorrência
definida, mas algumas referências sugerem ser um fator de prolapso peniano. O edema gravitacional exerce
dominante, o que se torna um forte incentivo à não uti- importante papel no aumento do prolapso que, se não
lização dos animais acometidos na reprodução (Jones tratado imediatamente, torna o problema auto-perpe-
et al., 2000; Lu, 2005). tuante. A drenagem linfática e venosa fica comprome-
Em equinos, estudos epidemiológicos sugerem tida em razão do edema e do peso penduloso do pênis,
que quando o testículo retido é o do lado direito, sua além do somatório de complicações resultantes dos
localização mais frequente é inguinal (isto é, dentro do traumas físicos, pela exposição do órgão. A meta inicial
canal inguinal), enquanto, se o testículo for o do lado de terapia é providenciar suporte ao pênis e resolver o
esquerdo, esse mais comumente localiza-se dentro da edema gravitacional. Se possível, o pênis deve ser cuida-
cavidade abdominal. Os pôneis, por outro lado, apre- dosamente recolocado no prepúcio e seguro por uma
sentam frequência inversa. A retenção inguinal é mais sutura ou outro artifício pelo óstio prepucial. Uma pre-

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Coelho, 2006.
puciotomia pode ser indicada para facilitar o manejo.
(Mckinnon & Voss, 1992; Perkins & Frazer, 1994).
Se essas tentativas de redução do edema em
equinos não surtirem efeito, o pênis deve ser susten-
tado pela parede ventral abdominal até que o edema
seja resolvido. O tratamento de escolha para a reposi-
ção do pênis para o prepúcio é o fechamento tempo-
rário do óstio prepucial externo (Nie & Pope, 1997).
Se o pênis não apresentar danos permanentes ou
paralisia, o prognóstico frequentemente é bom. Mas,
caso o pênis não possa ser reposicionado, a amputa-
Figura 1. Lesão de aspecto granulomatoso no prepúcio. O diagnóstico diferen-
ção parcial ou fixação irreversível junto ao prepúcio cial deve ser direcionado para neoplasia ou parasitismo.
deve ser sugerida (Perkins & Frazer, 1994). Aurich
& Aurich (2006) sugeriram como tratamento para os pia ou por meio de exames como biópsia ou citologia
prolapsos de pênis, o emprego da técnica de Buhner da lesão (Gatewood et al., 1989).
e citaram cinco casos de sucesso com esse tratamen- Os tumores de pênis e prepúcio não são comuns na
to em equinos. espécie equina e quando presentes, o mais frequente
Lacerações ou abrasões penianas devem ser trata- é o carcinoma de células escamosas (Gatewood et
das como feridas abertas, ou seja, por cicatrização em al., 1989; Johnson, 1998; Rapisarda et al., 2004).
segunda intenção. O debridamento cirúrgico e sutura A incidência dessa neoplasia em machos (23-45%) é
devem ser realizados com o animal sob anestesia ge- maior que em fêmeas (5-12%) (Johnson, 1998). A
ral e somente nos casos de ferimentos profundos e aparência das lesões varia com a localização e estágio
extensos, especialmente se o corpo cavernoso, corpo de desenvolvimento. As lesões são tipicamente gra-
esponjoso e uretra forem acometidos. O repouso se- nulomatosas, com aspecto de couve-flor e com cresci-
xual é fundamental até que a cicatrização se complete. mento multifocal. Os sarcóides também são tumores
Em casos extremos, a amputação pode ser necessária. que podem se desenvolver nesses locais e o seu trata-
Outros cuidados que podem ser necessários são a pro- mento depende da localização das lesões, dos efeitos
filaxia do tétano, antibioticoterapia de amplo espectro, na reprodução e na micção (Gatewood et al., 1989).
anti-inflamatórios, dimetilsulfóxido intravenoso e diu- Tecido de granulação exuberante é o mais comum
réticos (Perkins & Frazer, 1994). dos tumores não neoplásicos, seguido pela habrone-
Hematoma peniano pode ocorrer por um desvio mose, cistos cutâneos e granulomas fúngicos como a
do pênis durante a cópula. A hemorragia é geralmente pitiose (Valentine, 2005). A habronemose é a doença
proveniente da ruptura de vasos externos da túnica al- parasitária mais frequente em pênis e prepúcio. A gra-
bugínea, ao contrário dos touros em que os hematomas vidade das lesões varia com o local e a cronicidade do
invariavelmente se originam a partir da ruptura da túnica processo (Gatewood et al., 1989).
albugínea, com hemorragia do corpo cavernoso do O diagnóstico diferencial é realizado por meio de
pênis (Memon et al., 1987; Schumacher & Vaughan, biópsia e exame histopatológico ou citologia por agu-
1988; Gatewood et al., 1989; Perkins & Frazer, 1994). lha aspirativa, nos casos de lesões pequenas e nodula-
Uma vez que as injúrias penianas sejam resolvidas res (Johnson, 1998).
e o pênis retorne voluntariamente para o prepúcio, é
importante que se continue a terapia física para mi- Parafimose
nimizar os riscos de restrição da função peniana pela A parafimose é a condição em que o pênis não eré-
formação de tecido de cicatrização. O pênis deve ser til se prolapsa pelo prepúcio sem sua posterior retração
massageado diariamente com uso de emolientes e o (Clem & Debowes, 1989a; Perkins & Frazer, 1994;
garanhão só deve ser exposto novamente a uma fê- Rochat, 2001; Aurich & Aurich, 2006). A inabilidade
mea, três semanas após a total resolução do problema de retração peniana é seguida pela ocorrência de ede-
(Perkins & Frazer, 1994). ma gravitacional, condição que predispõe ao desen-
volvimento da parafimose, resultando também em ne-
Neoplasia e parasitismo crose do pênis penduloso (Perkins & Frazer, 1994).
As neoplasias e o parasitismo do pênis e prepúcio Parafimose geralmente ocorre quando o óstio
apresentam aparência as similares e muitas vezes difícil prepucial é muito pequeno, com o prepúcio apresen-
de serem diferenciadas (Figura 1) sem o início da tera- tando comprimento inadequado, por fraqueza da

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musculatura prepucial ou resultante de trauma (Blan- (Rochat, 2001). Priapismo associado a fenotiazínicos
chard et al., 1991; Rochat, 2001), porém vários casos desenvolve-se mais frequentemente em garanhões
de paralisia já foram descritos em equinos após sedação que apresentam altas doses de andrógenos (Blan-
com fenotiazínicos (Perkins & Frazer, 1994; Rochat, chard et al., 1991; Rochat, 2001).
2001), doenças nervosas (raiva, herpesvirose, infecções Priapismo pode ser confundido com parafimose.
bacterianas, mieloencefalite protozoária equina, neo- No exame clínico de um cavalo com priapismo, a ana-
plasias e traumas) e animais debilitados ou exaustos tomia peniana e prepucial estarão normais, porém a
(PerkinS & Frazer, 1994; Aurich & Aurich, 2006). prolongada exposição pode causar edema e resseca-
O tratamento da paralisia envolve o suporte do mento tecidual. Se uma intervenção não ocorrer a tem-
pênis e terapia sintomática. Exame físico completo, po, o problema pode progredir para necrose e perda
bem como exames auxiliares são importantes para se da capacidade reprodutiva (Rochat, 2001).
identificar a doença predisponente. Em muitos casos, O tratamento inicial de priapismo deve ser iniciado
a resolução da paralisia peniana somente ocorre com o com a identificação e, se possível, eliminação do fator
sucesso do tratamento da doença primária. Se o animal predisponente. A terapia sintomática é a mesma empre-
apresentar dor intensa, pode ser necessária tranquili- gada na parafimose. Inúmeros protocolos clínicos que
zação, analgesia local ou mesmo o bloqueio do nervo incluem o uso de diuréticos, corticóides e dimetilsulfóxi-
peniano (Choe, 2000). Nos casos em que o animal do são sugeridos, porém esses têm produzido inconsis-
mostra-se refratário ou recorrente ao tratamento, deve- tentes e inadequados resultados (Rochat, 2001).
se considerar a realização de falopexia ou falectomia
(Perkins & Frazer, 1994; Silva et al., 1995b; Schu- Fimose
macher et al., 1999; Schumacher & Hardin, 1987). Fimose é considerada uma enfermidade rara em
equinos, caracterizada pela impossibilidade dos animais
Priapismo em exteriorizarem o pênis. A enfermidade pode ser con-
Priapismo é a ereção persistente do pênis na au- gênita ou adquirida em consequência de estenose do
sência de estímulo sexual, não sendo possível a redu- óstio prepucial, hematomas, neoplasias, granulomas,
ção manual para o prepúcio (Perkins & Frazer, 1994; infecções e traumatismos. A patologia pode causar re-
Rochat, 2001). Essa desordem é incomum em animais tenção de urina na cavidade prepucial com formação de
domésticos, mas já foi reportada no cavalo e é de trata- processos inflamatórios na mucosa do prepúcio (Schu-
mento imediato (Rochat, 2001). macher & Vaughan, 1988; Eurides et al., 1997).
Ereção fisiológica resulta de estímulo parassim- No primeiro mês de vida dos equinos, a fimose é
pático do fluxo sanguíneo arteriolar para o pênis. A considerada natural porque o epitélio do segmento
ausência de estímulo colinérgico e o aumento da livre do pênis é fundido com a lâmina interna da dobra
estimulação adrenérgica diminuem o fluxo sanguíneo prepucial (Schumacher, 1988). Fimose adquirida
arteriolar peniano e promove a saída do fluxo venoso pode ser causada por coices, traumatismos em arames
do corpo cavernoso do pênis, causando a detumes- e tentativas de saltar obstáculos (Eurides et al., 1997).
cência. O excessivo estímulo colinérgico e ausência de O tratamento cirúrgico da fimose baseia-se em pro-
estimulação adrenérgica podem resultar em priapis- mover o retorno da configuração anatômica do prepú-
mo. O aumento da tensão de dióxido de carbono com cio. Geralmente, a terapia medicamentosa com corticói-
estagnação das hemácias no corpo cavernoso resulta des, para a diminuição do edema e inflamação deve ser
na sedimentação das hemácias e oclusão do retorno tentada antes da intervenção cirúrgica, principalmente
venoso, o que é exacerbado pelo edema generalizado para garanhões, o ato cirúrgico pode alterar a eficiência
do pênis e prepúcio (Schumacher & Hardin, 1987; reprodutiva do animal (Gatewood et al., 1989).
Perkins & Frazer, 1994; Rochat, 2001).
As causas de priapismo relatadas na Medicina Tratamentos cirúrgicos
Veterinária incluem a administração de fenotiazínicos Quando a terapêutica estabelecida para a cor-
(Schumacher et al., 1999; Rochat, 2001), lesões reção da enfermidade reprodutiva do garanhão é
na medula espinhal associadas à cinomose, traumas, cirúrgica, alguns fatores como a localização onde o
lesões da cauda eqüina, assim como complicações animal se encontra, valor zootécnico e/ou afetivo
decorrentes de castração, constipação e irritações do animal devem ser analisados para a escolha da
do trato urinário inferior secundárias a inflamações. anestesia e técnica cirúrgica. A maioria dos procedi-
Muitos dos mecanismos exatos das várias etiologias do mentos pode ser realizada, sem maiores problemas,
priapismo nos animais domésticos são desconhecidos no campo. A anestesia, por sua vez, deve ser geral.

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Alguns cuidados básicos, independente do local de O cavalo é posicionado em decúbito dorsal ou
execução do procedimento, devem ser observados. lateral estando submetido à anestesia geral (Schu-
Dentre eles a profilaxia do tétano, jejum alimentar de macher & Vaughan, 1988; Turner & McIlwraith,
12 horas, salvo em emergências e limpeza, desinfec- 2002). O pênis é preparado para a cirurgia asséptica
ção e antissepsia pré-operatória do local. de modo rotineiro e cateterizado com uma sonda de
borracha para a identificação da uretra. O pênis deve
Abordagens cirúrgicas ser estendido e firmado usando-se uma gaze ao redor
ao pênis e prepúcio da glande (Schumacher & Vaughan,1988; Turner
Diversas técnicas de falectomia e falopexia já foram & Mcilwraith, 2002).
descritas. Se somente a porção distal do pênis está A técnica é composta de três tempos operatórios:
envolvida, a amputação parcial do órgão é apropriada. I. Introdução de sonda uretral, hemostasia preventiva
Entretanto, essa técnica só pode ser empregada se a por meio de torniquete de borracha na base do pênis
parte livre do pênis remanescente puder ser distendi- e demarcação no epitélio de revestimento peniano;
da do orifício prepucial durante a micção para a pre- II. Uretrostomia para a confecção do novo óstio uretral
venção do acúmulo de urina no prepúcio. Se o pênis, – a uretrostomia é realizada por meio de incisão trian-
prepúcio e linfonodos regionais estiverem envolvidos, gular no epitélio de revestimento no aspecto ventral
uma ressecção em bloco com uretroplastia pode ser do pênis (Figura 2- A). O ápice do triângulo é localizado
necessária (Doles et al., 2001). na linha média na direção caudal. O triângulo deve ter
Embora as incisões na região do pênis e prepúcio três centímetros de base, com os lados de aproxima-
sejam de boa cicatrização, os procedimentos cirúrgicos damente quatro centímetros de comprimento. Essas
envolvendo o pênis apresentam complicações em incisões devem ser ampliadas até a mucosa uretral,
potencial. Estenose uretral, hemorragia do corpo ca- sendo o tecido conjuntivo do interior do triângulo re-
vernoso, recorrência de neoplasias ou metástase são as tirado. Tendo o catéter como guia no interior da uretra,
principais (Schumacher & Vaughan, 1988; Mair et a mucosa uretral é dividida longitudinalmente pela
al., 2000; Doles et al., 2001). A mais comum é a formação linha média partindo da base até o ápice da incisão
de hematoma no local de amputação, o que, algumas triangular. As bordas da uretra são suturadas às bordas
vezes, resulta em deiscência
e cicatrização por segunda
intenção. Outras possíveis

Rabelo, 2007; Coelho, 2006.


complicações incluem infec-
ção, retenção de urina e cistite
(Doles et al., 2001).

• Amputação parcial
do pênis
A amputação parcial do
pênis nos equinos é uma das
técnicas mais utilizadas para
o tratamento de parafimose
irredutível e recomendável na
preparação de rufiões, pois im-
possibilita a cópula, é de fácil
execução e utiliza pouco ma-
terial (Walker & Vaughan,
1980; Silva et al., 1991). Seu
uso tem sido frequente nos
casos de tumores (Schuma-
cher, 1988), paralisias, lesões
por habronema e necroses
Figura 2. Amputação parcial do pênis em equinos. Em (A), incisão longitidunal com visualização da uretra para
(Silva et al., 1991a; Waldrid- a formação do novo óstio uretral; (B), técnica de amputação utilizando o garroteamento de borracha na porção
ge & Gillis, 1996; Turner & distal do pênis; (C), técnica de amputação com extensão do óstio uretral até a linha de transecção do pênis; (D),
McIlwraith, 2002). sutura de oclusão do corpo cavernoso do pênis e da porção final do novo óstio uretral.

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do epitélio peniano ao longo dos lados da incisão e submetidos ao procedimento cirúrgico que foi divi-
triangular aplicando suturas interrompidas simples dido em tempos operatórios: I. Demarcação do tecido
com fio absorvível; III. Incisão circular para transecção epitelial de revestimento nas porções caudal e cranial
envolvendo o epitélio, tecido celular subcutâneo, do pênis (Figura 3- B); II. Circuncisão, divulsão e remo-
corpo esponjoso e cavernoso e uretra. A porção distal ção do epitélio de revestimento peniano (Figura 3-C);
do pênis pode ser transfixada utilizando fio inabsor- III. Aproximação, justaposição e sutura das bordas do
vível ou mesmo um torniquete de borracha, técnica tecido epitelial de revestimento, proximal e distal. Para
chamada de Vinsot, que permanecerá até a cicatri- a circuncisão do pênis, são colocadas primeiramente,
zação completa do coto (Figura 2-B). Outra técnica quatro pinças de Kocher, equidistantes, sendo uma
mais laboriosa, de Williams, consiste em estender a dorsal, uma ventral e duas laterais na porção cranial
incisão da base do triângulo até um ângulo levemente da lâmina interna da prega prepucial externa, distan-
oblíquo na direção cranial rumo à superfície dorsal do do aproximadamente três centímetros do ponto de
pênis (Figura 2-C). A túnica albugínea é fechada sobre inserção da mesma, sobre o corpo peniano. O mesmo
os corpos cavernosos do pênis que foram transversal- procedimento é repetido com quatro pinças de Allis
mente seccionados (Figura 2-D), fazendo uso de sutu- no tecido epitelial de revestimento da porção caudal
ras interrompidas simples com fio absorvível. da parte livre do pênis, cerca de três centímetros da
coroa da glande. No tempo operatório seguinte, a
• Circuncisão peniana lâmina interna da prega prepucial externa é incisada
De acordo com Walker & Vaughan (1980), Silva et al. de pinça a pinça, circundando a região delimitada
(1995a) e Turner & McIlwraith (2002), essa técnica cirúr- por elas, evitando a formação de ângulos na intersec-
gica também é indicada para a remoção de neoplasias, ção delas. Procedimento semelhante é praticado na
granulomas, tecido de cicatrização ou espessamento porção distal do órgão. Para facilitar a dissecção, uma
crônico da membrana prepucial que impedem a re- terceira incisão, longitudinal, é realizada, abrangendo
tração do pênis. A circuncisão requer pós-operatório todo o tecido epitelial de revestimento localizado
mais criterioso, visto que a quantidade de sutura e entre as porções extremas já incisadas, estabelecidas
manipulação tecidual são maiores. O pênis e prepúcio pelas oito pinças. Após a remoção do epitélio, os vasos
são tratados segundo as normas básicas de antissepsia sangrantes são pinçados e ligados com fio absorvível.
Finalmente, realizam-se nas
bordas do tecido epitelial de
revestimento da porção cra-
nial do pênis quatro incisões
longitudinais, de aproxima-
damente 1,5 centímetro e
equidistantes das pinças,
para facilitar a coaptação
dessas e aproximá-las dos
pontos de correspondência
às pinças, localizadas na base
do pênis, com sutura em
padrão Donatti, utilizando
fio de algodão 3-0. O fecha-
mento completo da ferida é
realizado com fio inabsorví-
vel, utilizando-se sutura em
padrão simples interrompi-
do, evitando a formação de
dobras e reduzindo o pênis,
no máximo para um terço
do tamanho normal, ou para
aproximadamente 10 cen-
Figura 3. Utilização da técnica de circuncisão peniana para correção de fimose adquirida em eqüino. Em (A), estenose
prepucial impedindo a exteriorização do pênis; (B), exteriorização do pênis com demarcação do tecido epitelial de tímetros de comprimento
revestimento; (C), divulsão e remoção do epitélio de revestimento peniano; (D), aspecto final do procedimento. (Figura 3-D).

64 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


• Falopexia do suficiente para reconstruir os planos anatômicos
Essa técnica é considerada conservativa, difere da incisados. Finalmente, procede-se à aproximação
falectomia, não interfere na estética, não é mutilante da fáscia subcutânea e redução do espaço morto
e apresenta menos complicações no pós-operatório utilizando – se categute número um. A dermorrafia
(Clem & Debowes, 1989b; Silva et al., 1995b). é praticada empregando-se fio de algodão 3-0, em
A técnica de Bolz consiste na manutenção do pê- padrão de sutura interrompido simples.
nis retraído dentro do prepúcio por meio de suturas
no óstio prepucial. Essa técnica é indicada nos casos Procedimentos pós-operatório
de paralisias crônicas onde as alterações físicas cau- A ferida cirúrgica deve ser higienizada diariamen-
sadas pela enfermidade predispõe às recorrências te. Deve ser praticada antibioticoterapia com uso de
(Walker & Vaughan, 1980; Clem & Debowes, antimicrobianos de amplo espectro e uso de anti-in-
1989b). Silva et al. (1995b) descreveram uma modi- flamatório não esteroidal parenteral. A exposição do
ficação da técnica de Bolz onde o pênis, prepúcio e pênis para tratamento pode ser facilitada pelo uso
região do períneo são tratados segundo as normas intravenoso de acepromazina, na dose de 0,1mg/kg
básicas de antissepsia. Para exposição do pênis, apli- de peso corporal. A retirada dos pontos é praticada
cam-se duas pinças de Kocher na região média do entre o décimo e décimo quarto dia do pós-operató-
períneo, distando aproximadamente 10 centímetros rio e deve ser realizada de forma alternada, conside-
da base do escroto e com espaçamento de mesmo rando principalmente a cicatrização clínica da ferida
tamanho entre elas. Em seguida, pratica-se uma in- cirúrgica (Silva et al., 1995a).
cisão no epitélio, tendo cuidado para não seccionar
os vasos sanguíneos mais calibrosos, que estão pre-
sentes em maior quantidade sob a fáscia subcutânea Conclusão
envolvendo a albugínea. Após exposição do órgão, As enfermidades cirúrgicas do aparelho reprodu-
realiza-se a tração do corpo do pênis, com a finalida- tor masculino em sua maioria iniciam-se de eventos
de de recolher a porção prolapsada para o prepúcio. simples e a ausência de tratamento imediato pode
Para manter o pênis nessa posição, aplica-se bila- culminar em perda da função do órgão e prejuízos
teralmente três pontos simples separados com fio econômicos. Uma abordagem rápida e eficaz consis-
de algodão 3-0 na albugínea peniana na face dorso te principalmente no entendimento da enfermidade
lateral do corpo peniano, para, em seguida, fixá-lo e da aplicação da correta técnica no tratamento,
profundamente na fáscia subcutânea, deixando teci- evitando nesses casos, principalmente, as recidivas.

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Suplemento Científico

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256, 2005. RAPISARDA, G.; MARINO, F.; FERRARA, G.;
GIOFFRE, F.; GALOFARO, V. Benign fibrous SILVA, L. A. F.; FIORAVANTI, M. C. S.; CAR-
MAIR, T. S.; WALMSLEY, J.P.; PHILLIPS, T.J. histiocytoma of prepuce in the mule. Re- NEIRO, M. I.; BORGES, N. C.; ARAÚJO, E. G.;
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Dados dos Autores

Cássia Maria Molinaro Coelho Luiz Antônio Franco da Silva


Médica Veterinária, CRMV-GO nº 3751, Doutoranda Médico Veterinário, CRMV-GO nº 0780 , Dr. Profes-
em Cirurgia, Faculdade de Ciências Agrárias e Vete- sor em Patologia Cirúrgica Veterinária, Escola de
rinárias, Unesp-Jaboticabal. Veterinária e Zootecnia, UFG–Goiânia.

Rogério Elias Rabelo


Endereço para Correspondência: Médico Veterinário, CRMV-GO nº 2456, Dr. Profes-
Escola de Veterinária, Universidade Federal de sor em Patologia Cirúrgica Veterinária, Escola de
Goiás, UFG. Campus Samambaia (Campus II). Caixa Veterinária, UFG–Jataí.
postal 131 – CEP: 74001-970 – Goiânia/GO – Telefo-
ne: (62) 3521-1572. Camila França de Paula Orlando
E-mail: cassiamaria.coelho@gmail.com Médica Veterinária, CRMV-GO nº 4631, Msc, Dou-
toranda em Ciência Animal, Escola de Veterinária
Olízio Claudino da Silva e Zootecnia, UFG–Goiânia.
Médico Veterinário, CRMV-GO nº 0547, Dr. Profes-
sor em Patologia Cirúrgica Veterinária, Escola de Isadora Lopes Franco de Araújo
Veterinária e Zootecnia, UFG–Goiânia. Médica Veterinária Autônoma. CRMV-GO nº 3792

66 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Normas para
apresentação de Artigos
Informações Gerais Artigos Científicos
Os artigos científicos deverão conter dados con-
O Suplemento Científico da Revista do Conselho clusivos de uma pesquisa e conter Resumo, Abstract,
Federal de Medicina Veterinária (CFMV) tem como obje- Palavras-chave, Keywords, Introdução, Material e Méto-
tivo principal a publicação de artigos de investigação dos, Resultados, Discussão, Conclusão(ões), Referências
científica, de revisão e de educação continuada, básica, Bibliográficas e, quando houver, Agradecimentos,
e profissionalizante, que contribuam para o desenvolvi- Tabela(s), Quadro(s) e Figura(s). A critério do(s) autor(es),
mento da ciência nas áreas de Medicina Veterinária e de os itens Resultados e Discussão poderão ser apresenta-
Zootecnia. Os artigos, cujos conteúdos serão de inteira dos como uma única seção. Quando a pesquisa envolver
responsabilidade dos autores, devem ser originais e a utilização de animais, os princípios éticos de experi-
previamente submetidos à apreciação do editor e/ou mentação animal preconizados pelo Conselho Brasileiro
do Conselho Editorial da Revista CFMV, bem como de as- de Experimentação Animal (Cobea) e aqueles contidos
sessores ad hoc de reconhecido saber na especialidade. no Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934, e na Lei
A publicação do artigo dependerá da sua apresentação nº 6.638, de 8 de maio de 1979, devem ser observados.
dentro das Normas Editoriais e de pareceres favoráveis. Também deve ser observado o disposto na Resolução
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cidade da publicação será quadrimestral.
Apresentação
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Windows (versão 6.0 ou superior), no formato A4 (21,0
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Revista CFMV com margens laterais de 3,0cm e margens superior e
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SIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140 para o título, 12 cpi para o texto e 9 cpi para rodapé e in-
Brasília–DF – CEP: 71205-060 formações de tabelas, quadros e figuras. As páginas e as
Fone: (61) 2106-0400 linhas de cada página devem ser numeradas.
Fax: (61) 2106-0444
Título
O título do artigo, com 15 palavras no máximo, deve-
Normas Editoriais rá ser escrito em negrito e centralizado na página, sem
utilizar abreviaturas. A versão na língua inglesa deverá
Os textos de revisão, de educação continuada e anteceder o Abstract.
científicos devem ser de primeira submissão, escritos
segundo as normas ortográficas oficiais da língua portu- Resumo e Abstract
guesa e com abreviaturas consagradas, exceto o Abstract O Resumo e sua tradução para o inglês, o Abstract,
e Keywords, que serão apresentados em inglês. Assim não podem ultrapassar 250 palavras, com informações
como uma versão do título. que permitam a adequada caracterização do artigo
como um todo. No caso de artigos científicos, o Resumo
Artigos de Revisão e deve informar o objetivo, a metodologia aplicada, os
de Educação Continuada resultados principais e as conclusões.
Os artigos de revisão e de educação continuada
devem ser estruturados para conter Resumo, Abstract, Palavras-chave e Keywords
Palavras-chave, Keywords, Referências Bibliográficas e No máximo cinco palavras serão representadas em
Agradecimentos (quando houver). A divisão e subtítulos seguida ao Resumo e Abstract. As palavras serão escolhi-
do texto principal ficarão a cargo do(s) autor(es). das do texto e não necessariamente do título.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 67


Suplemento Científico

Texto Principal Capítulos de livro


O número-limite de páginas será de 15, em espaço WEEKES, T.E.C Insulin and growyh. In: Buttery, P.J.;
simples, fonte Times New Roman 12. Poderão ser utili- LINDSAY, D.B.; HAYNES, N.B. (ed). Control and mani-
zadas abreviaturas consagradas pelo Sistema Métrico pulation of animal growth. Londres: Butterworths,
Internacional, por exemplo, kg, g, cm, ml, EM etc. Quando 1986. p.187-206.
for o caso, abreviaturas não usuais serão apresentadas
como nota de rodapé. Exemplo, GH = hormônio do Teses (doutorado) ou
crescimento. As citações bibliográficas do texto devem dissertações (mestrado)
ser pelo sobrenome do(s) autor(es) seguido do ano. MARTINEZ, F. Ação de desinfetantes sobre salmo-
Quando houver mais de dois autores, somente o sobre- nella na presença de matéria orgânica. Jabotica-
nome do primeiro será citado, seguido da expressão et al. bal, 1998. 53p. Dissertação (mestrado) – Faculdade
Exemplos: Rodrigues (1999), (Rodrigues, 1999), Silva e de Ciências Agrárias e Veterinárias. Universidade
Santos (2000), (Silva e Santos, 2000), Gonçalves et al. Estadual Paulista.
(1998), (Gonçalves et al., 1998).
Artigos apresentados em
Referências Bibliográficas congressos, reuniões
A lista de referências bibliográficas será apresenta- e seminários
da em ordem alfabética por sobrenome de autores, de RAHAL, S.S.; W.H.; TEIXEIRA, E.M.S. Uso de fluorescei-
acordo com a norma ABNT/NBR-6023 da Associação na na identificação dos vasos linfáticos superficiais
Brasileira de Normas Técnicas. Inicia-se a referência das glândulas mamárias em cadelas. In. CONGRESSO
com o último sobrenome do(s) autor(es) seguido da(s) BRASILEIRO DE MEDICINA VETERINÁRIA, 23 Recife,
letra(s) inicial(is) do(s) prenome(s), exceto nos nomes 1994. Anais... Recife, SPEMVE, 1994. p.19.
de origem espanhola ou de dupla entrada, os quais
devem ser registrados pelos dois últimos sobrenomes. Tabelas, Quadros
Todos os autores devem ser citados. e Ilustrações
Obras anônimas têm sua entrada pelo título do As tabelas, quadros e ilustrações (gráficos, fo-
artigo ou pela entidade responsável por sua publi- tografias, desenhos etc.) podem ser apresentados
cação. A referência deve ser alinhada pela esquerda no corpo do artigo. Uma em cada página. Serão
e a segunda linha iniciada abaixo do primeiro carac- numerados consecutivamente com números ará-
tere da primeira linha. Os títulos de periódicos da bicos. A tabela deve ter sua estrutura construída
referência podem ser abreviados, segundo a notação segundo as normas de Apresentação Tabular do
do BIOSES *BIOSIS. Serial sources for the BIOSIS pre- Conselho Nacional de Estatística (Rev. Bras. Est. v.
views database. Philadelphia, 1996, 486p. 24, p. 42-60, 1963).
Abaixo são apresentados alguns exemplos de
referências bibliográficas. Fotografias
As fotografias deverão estar em boa resolução
Artigo de periódico (nítida, colorido sem saturação, sem estouro de luz ou
EUCLIDES FILHO, K.; V.P.B.; FIGUEIREDO, M.P. Avalia- sombras excessivas), com resolução mínima de 300
ção de animais nelore e seus mestiços com charolês, dpi, com a foto em tamanho grande (centímetros),
fleckvieh e chianina, em três dietas 1. Ganho de peso formato TIF e as cores em CMYK. Se possível, também
e conversão alimentar. Revista Brasileira de Zoo- devem ser enviadas em arquivos separados (JPEG).
tecnia, v.26, n.1, p.66-72, 1997.
Avaliações/Revisões
Livros Os artigos sofrerão as seguintes avaliações/re-
MACARI, M.; FURLAN, R.L.; GONZALES, E. Fisiologia visões antes da publicação: 1) avaliação inicial pelo
aviária aplicada a frangos de corte. Jaboticabal: editor; 2) revisão técnica por consultor ad hoc; 3) ava-
Funep, 1994. 296p. liação do editor e/ou Comitê Editorial.

68 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Ensino de Medicina Veterinária

PERFIL DO MÉDICO
VETERINÁRIO RESIDENTE
EGRESSO DE PROGRAMAS
RECONHECIDOS PELO CFMV
NO PERÍODO DE 2004 A 2010
Atualmente, o mercado consumidor apresenta- seguidas pelas federais (28,5%) e estaduais (19,5%),
-se cada vez mais exigente, atingindo, inclusive, os o que representa 370 vagas disponíveis no mercado,
prestadores de serviços, onde se encontra o Médico atendendo a 1% dos formandos no País anualmente.
Veterinário. Sendo assim, e buscando formas de Sendo assim, buscou-se parâmetros visando avaliar
aprimorar os conhecimentos principalmente dos o desempenho dos egressos dos PRMVs reconheci-
recém-formados, vários cursos de especialização são dos pelo CFMV no período de 2004 a 2010, além de
ofertados no País, mas destacadamente, encontra- suas observações e sugestões, por meio de questio-
mos os Programas de Residência que têm o objetivo nários. Dos 21 Programas reconhecidos no período
de treinamento em serviço, proporcionando ao pro- avaliado, totalizou-se 611 profissionais, onde 105
fissional o desenvolvimento de novas tecnologias (17,89%) responderam ao questionário. A Tabela 1
em benefício de seus pacientes, bem como seguran- apresenta os Programas de Residência em Medicina
ça nas intervenções. Nesse sentido, dos 170 Cursos Veterinária reconhecidos pelo CFMV, bem como o
de Medicina Veterinária em funcionamento no País, número de egressos avaliados.
60 apresentam Programas de Residência (35,3%), Observou-se que 63,8% dos entrevistados foram
porém apenas 21 (35%) são devidamente reconhe- do sexo feminino e 36,2% masculino, numa faixa
cidos pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária etária que variou de 24 a 36 anos, com uma média
(CFMV), sendo dois na Região Nordeste, três na Cen- de 27 anos. As subáreas em que desenvolveram seus
tro-Oeste, sete na Sul e nove na Sudeste, provenien- Programas foram todas contempladas nas respostas,
tes principalmente de instituições privadas (52%), sendo principalmente de Clínica Médica de Peque-

Tabela 1. Programas de Residência em Medicina Veterinária reconhecidos pelo CFMV com seu respectivo
número de egressos avaliados.
REGIÃO SUDESTE REGIÃO SUL REGIÃO NORDESTE
IES Nº IES Nº IES Nº
UFMG 2 PUC/PR 3 UFPI ----
UNESP/JABOTICABAL 12 UEL 10 UNIME 2
UNESP/BOTUCATU 14 UFPEL 4
UNIFEOB 3 UFRGS 3 REGIÃO CENTRO-OESTE
UNIMAR 7 UFSM 4 UNIDERP 3
UNIUBE 4 ULBRA 11 UPIS 4
UNOESTE 2 UPF ---- UFMS ----
USP 10 IES: Instituição de Ensino Superior
UVV 06 N: Número de egressos participantes

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 69


Ensino de Medicina Veterinária

nos Animais (23,8%), Clínica Médica e Cirúrgica de


Grandes Animais (18,1%), Clínica Cirúrgica de Pe-
quenos Animais (17,1%) e Patologia Clínica (12,4%), 1

conforme Gráfico 1. 2 1

2 1

30 3

25 3
23,8% 3
4
20 42
5
18,1% 14
17,1% 15

Figura 1. Número de egressos de 2


12,4% 10
10,5%
PRMV avaliados, de acordo com o 23
Estado de atuação.
5
3,8%
2,9% 2,9% 2,9%
1,9% 1,9% 1,0% 1,0%
0 39,1% autônomos, distribuídos em empresas priva-
das (36,4%), instituições de ensino superior de vínculo
a PA
a GA

PA

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PA
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A
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privado (15,2%) ou público (10,5%), ou ainda, órgãos


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públicos (5,7%), além de outros vínculos (32,2%).


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Demonstrando o impacto que a residência refletiu


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ica e

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Nut
logi
Clín

na formação profissional dos egressos, 83,8% classi-


es e
Clín

Clín
Clín

nós
Pato

ficaram como muito bom, 11,4% bom, 2,9% regular


nos
Diag
Zoo

e apenas 1,9% como nenhum impacto. Ressalta-se


que daqueles que avaliaram como impacto positivo
Gráfico 1. Subáreas de atuação dos egressos de PRMV avaliados (%). (muito bom e bom), a justificativa deve-se à experiên-
cia profissional angariada, na relação interpessoal, na
Quanto ao ano de conclusão, o Gráfico 2 demons- segurança nas intervenções exigidas, bem como na
tra que a maioria data de 2009 (24,8%), seguida pelo valorização do currículo e no incentivo à pesquisa. Já,
ano de 2008 (21%), 2010 (17,1%), 2007 (15,2%), 2006 os que apontaram como impacto negativo (regular
(12,4%), 2005 (6,7%) e 2004 (2,9%). e nenhum), viram-se como mão de obra barata, com
orientação insuficiente e sem reconhecimento, ressal-
tando um ponto interessante que diz respeito à difi-
30
culdade em realizar os procedimentos cirúrgicos, visto
25 que esses ficavam mais restritos a docentes e pós- gra-
24,8%

20
duandos stricto sensu, dificultando o aprendizado.
21,0%
Um dos pontos muito valorizados durante os
17,1% 15
15,2% Programas de Residência envolve a vivência geral do
12,4% 10 pós-graduando nas várias especialidades desenvol-
5
vidas no Hospital Veterinário, fazendo com ele tenha
6,7%
uma visão generalista inicial para posteriormente
2,9%
0
se especializar e, nesse caso, 80% alegaram ter tido
a oportunidade de vivenciar outros setores durante
0

4
201

200

200

200

200

200

200

suas atividades, em forma de rodízio.


Quanto ao rendimento mensal, detecta-se que a
Gráfico 2. Ano de conclusão dos egressos de PRMV avaliados (%).
maioria (35,2%) encontra-se na faixa de R$ 1.500,00 a R$
Os egressos avaliados encontram-se atuando em 3.000,00, podendo-se visualizar essa variável no Gráfico 3.
vários Estados do País, destacando-se São Paulo (42), A continuação dos estudos acadêmicos, visan-
Rio Grande do Sul (23) e Paraná (14), sendo esse nú- do à formação docente e/ou científica foi encarada
mero, de forma geral, encontrado na Figura 1. por 60% dos entrevistados, uma vez que 45,7%
Destaca-se também que, dos 105 profissionais exercem o Mestrado e 14,3% o Doutorado; desses,
egressos, 92% atuam na área em que fizeram seu 84,1% relatar ter tido na residência a maior influên-
aprimoramento, sendo 41,9% como funcionários e cia na escolha.

70 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


tisfação e sucesso profissional, na área em que exerce-
2,9% ram seus programas, e muitos, com aptidão ao ensino
e pesquisa, reflexo de suas atividades na importante
modalidade de pós-graduação, destacando-se princi-
30,5% palmente o impacto positivo que a residência teve em
31,4% sua formação profissional. Há de se enfatizar, ainda,
que todas as informações e sugestões provenientes
desse levantamento serão abordadas em plenária da
Comissão Nacional de Residência em Medicina Vete-
rinária, para que ações sejam implementadas visando
35,2% ao aperfeiçoamento dos Programas no País.

Dados dos Autores


< R$ 1.500 R$ 3.001 - 5.000
R$ 1.500 - 3.000 > R$ 5.000 Eduardo Harry Birgel
Médico Veterinário CRMV-SP nº 0018 – Pre-
Gráfico 3. Rendimento mensal dos egressos de PRMV avaliados (%). sidente da Comissão Nacional de Residência
em Medicina Veterinária (CNRMV/CFMV)

De forma geral, os egressos entrevistados apon-


taram para algumas limitações e qualidades em seus Endereço pra correspondência:
Programas, além de sugestões visando à melhoria, E-mail: comissoes@cfmv.gov.br
sendo classificadas por ordem decrescente. Limi-
tações: baixo valor da bolsa; falta de envolvimento Fábio Fernando
e pouca disponibilidade docente; sobrecarga de Ribeiro Manhoso
atividades; limitação na estrutura hospitalar; falta Médico Veterinário CRMV-SP nº 6983
de incentivo à pesquisa; dificuldade na interação Membro da CNRMV/CFMV
setorial; pouca discussão de casos; não ter internação
e/ou atendimento 24 horas; dificuldade em realizar Antonio José
cirurgias e responsabilidades não condizentes com à de Araujo Aguiar
função. Qualidades: orientação e casuística condizen- Médico Veterinário CRMV-SP nº 4982
tes com o aprendizado; boa infraestrutura hospitalar; Membro da CNRMV/CFMV
interação setorial, proporcionando amplo conhe-
cimento das especialidades; incentivo à pesquisa;
Fernando Leandro dos Santos
Médico Veterinário CRMV-PE nº 1492
autonomia nas condutas; discussão de casos; valor da
Membro da CNRMV/CFMV
bolsa; presença do estágio obrigatório e perspectiva
de ingresso na pós-graduação stricto sensu. Suges-
Carlos Marcos
tões: valorização da bolsa; capacitar e aumentar a dis- Barcellos de Oliveira
ponibilidade dos preceptores; fomentar o incentivo Médico Veterinário CRMV-RS nº 0136
à pesquisa; aumentar a fiscalização do CFMV junto às Membro da CNRMV/CFMV
instituições que oferecem PRMV; organização de aulas
teóricas; maior disponibilidade no número de vagas; Benedito Dias
rodízio hospitalar obrigatório; aumentar o período de Oliveira Filho
dos programas; rever o tempo de ingresso ao forma- Médico Veterinário CRMV-GO nº 0438
do; padronizar as subáreas; efetivar questionário com Membro da CNRMV/CFMV
residentes em atividade; organizar encontro técnico
para residentes; possibilitar título de especialista e es- Luis Cláudio Lopes
tabelecer uma prova de capacitação anual. Correia da Silva
Enfim, pode-se evidenciar que os egressos de Médico Veterinário CRMV-SP nº 5993
Programas de Residência em Medicina Veterinária re- Membro da CNRMV/CFMV
conhecidos pelo CFMV, atuam, na sua maioria, com sa-

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 71


Medicina preventiva

A DIMENSãO DO
SOFRIMENTO ANIMAL

shutterstock
As palavras dor e sofrimento são utilizadas com- e gestos de retraimento indicativos
parativamente pelo senso comum, no entanto, uma de medo ante a perspectiva de sentir
pessoa pode experimentar dor sem sofrer (sadoma- dor. As reações fisiológicas indicati-
soquismo) e pode experimentar sofrimento sem dor vas de dor são: dilatação das pupilas,
(angústia e medo). O sofrimento é qualquer percep- elevação inicial da pressão arterial,
ção de ameaça à integridade do indivíduo, compre- transpiração, aceleração do pulso e
endendo além dos danos físicos, outras emoções caso o estímulo continue, queda de
negativas decorrentes de eventos aversivos como pressão arterial.
medo e ansiedade, muito estudados em humanos Embora os seres humanos tenham
por meio de modelos animais. um córtex cerebral mais desenvolvido
A noção de sofrer como uma ameaça à integri- dentre todos os animais, essa parte do
dade de um animal tem grande importância para cérebro está mais associada às funções do pensa-
sua qualidade de vida e a extensão do sofrimento mento, e não aos impulsos, emoções e sentimentos
variará segundo a complexidade mental do animal. básicos que estão associados ao diencéfalo, estrutura
O cérebro ao mesmo tempo em que analisa toda in- bem desenvolvida em mamíferos e aves. O cérebro
formação encaminhada pelos sentidos, determina as do mamífero, por apresentar estrutura límbica facul-
respostas apropriadas. ta a esses animais algumas capacidades tais como:
Os caminhos anatômicos e químicos de percep- comunicação auditivo-vocal, brincar, sentir emoção,
ção de dor entre animais e humanos são muito seme- empatia e compaixão. As experiências obtidas por
lhantes. A maioria dos sinais externos que nos leva a meio dessas aptidões constituem o que se denomina
inferir a ocorrência de dor em seres humanos pode inteligência do animal e a sua disposição para empatia
ser observada em outras espécies, principalmente favorece o consórcio emocional com outros indivídu-
em mamíferos e aves. Os sinais comportamentais os. Em seu livro intitulado In the Shadow of Man, sobre
incluem contorções corporais e tentativas de evitar o admirável estudo realizado com chimpanzés, Jane
a fonte causadora da dor, contorções faciais, gemi- Goodall assinalou que os sinais básicos que o homem
dos, ganidos e outras expressões vocais, semblante usa para expressar estados emocionais como a dor, a
Arquivo CFMV
raiva, a alegria, a surpresa, o medo, o amor, a excitação
sexual não são exclusivos da espécie humana.
Os sentimentos de um indivíduo são aspectos
importantes de seu bem-estar, pois tanto os senti-
mentos de prazer ou desagradáveis afetarão o bem-
-estar do indivíduo. Esses sentimentos se intercalam
ao longo da vida do animal, assim como bem-estar
pobre e adequado. A angústia severa experimentada
por animais domésticos poderia estar associada ao
tédio resultante da falta de estimulação ambiental e
com as experiências de desamparo, privação de co-
mida e água ou contato social por longos períodos.
Os animais suportam sentimentos desagradáveis
intensos por dois motivos: a) causados pela ocorrên-
cia de situações que o animal tenta evitar, mas não
consegue (aversão); b) causados pela ausência de
certas condições ou de estímulos satisfatórios, ou,
ainda, por alguma barreira física ou social que impe-
çam determinado comportamento. Se o nível de mo-

72 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


tivação que induz a um comportamento é suficiente de repercussão e estereotipia. A atividade vazia é
para que ele ocorra, e isso não acontece, é muito pro- uma atividade sem propósito aparente (lambedura
vável, que o animal experimente frustração e mordedura de flanco) que o animal desenvolve em
Por outro lado, o não atendimento de uma ne- resposta à motivação de um comportamento instin-
cessidade comportamental para alguns indivíduos tivo que não apresenta escape disponível. O desem-
não sugere necessariamente privação ou sofrimen- penho desse comportamento pode reduzir a moti-
to, e as consequências de não executar um com- vação para executar outro comportamento. O efeito
portamento, também podem ser muito variáveis. de repercussão ocorre quando o animal privado da
Alguns animais, quando privados de um compor- oportunidade para executar certos tipos de compor-
tamento básico para a sua sobrevivência (comer, tamento mostra uma tendência significativamente
beber), podem sofrer uma motivação crescente e aumentada para executar aquele comportamento
sofrerem se a privação persistir, não obstante, se quando eventualmente lhe é dada oportunidade,
um animal é privado de um comportamento que por exemplo, a excitação exagerada ao saber que irá
não aumenta a sua motivação, ele provavelmente passear. Diferentemente das atividades vazias e dos
não sofrerá e, consequentemente, a privação não efeitos de repercussão que são comportamentos na-
afetará o seu bem-estar. A privação se torna um so- turais, a estereotipia é um comportamento despro-
frimento quando um animal for impedido ou frus- positado para o seu contexto, executado de forma
trado de executar comportamento importante para repetitiva e constante.
ele, experimentando intensos ou prolongados sen- Se em determinado momento, o animal não exe-
timentos desagradáveis. Em um ambiente estéril ou cutar um comportamento para o qual está altamente
desprovido de estímulos, motivado, e a situação se
onde não há oportunida- constituir em um risco
des de o animal se com- para a sua aptidão, con-
portar adequadamente, sidera-se que esse com-
ele pode pagar um alto portamento tenha um

O sentimento de desamparo é uma


experiencia subjetiva negativa

O conforto se relaciona ao estado mental de satisfação e


calma. O animal demonstra vivacidade e contentamento.

O animal que experimenta sofrimento não responde


corretamente aos estímulos ambientais.

Imagens: shutterstock

custo para se adaptar. alto custo para o animal.


Se o animal é motivado Esse custo, portanto, se-
a executar um compor- ria o custo de preservação
tamento e é impedido de da sua aptidão. Se o sofri-
fazê-lo, o seu bem-estar mento acontece quando
será prejudicado. os animais são impedidos de executar um compor-
O indivíduo, para controlar os sentimentos de- tamento, os comportamentos considerados com um
sagradáveis utiliza-se de alguns artifícios compor- alto custo para o animal estariam relacionados dire-
tamentais conhecidos como atividade vazia, efeito tamente ao sofrimento e à aptidão. A constatação do

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 73


Medicina preventiva

comprometimento da aptidão de um animal é feita cisão. Um animal pode ter aparentemente uma boa
quando sua habilidade para reproduzir e sua saúde saúde física e experimentar sofrimento se o custo
física ou psicológica são afetadas. percebido em relação ao seu ambiente psicossocial
Quando um animal estiver em seu ambiente for alto. A saúde psicológica está associada, portan-
natural, mecanismos causais levam-no a comportar- to, a um baixo custo de percepção, pois a ausência
se de modo que maximizem a aptidão. Porém, em de oportunidade para realizar um comportamento
ambientes antinaturais, esses mesmos mecanismos não implica necessariamente sofrimento para al-
podem ser ativados independentes das consequ- guns animais.
ências para aptidão. Se em determinada situação o Determinados tipos de comportamentos po-
animal avaliar que está em perigo por não conseguir dem refletir diferentes tipos de anormalidades fisio-
executar certo comportamento, sofrerá até mesmo lógicas em largo espectro de debilitação progres-
se não estiver de fato em perigo. Logo, a estimativa siva em um animal. Qualquer tipo de modificação
de sofrimento de um animal deve considerar não estrutural e/ou funcional produzida por doença no
somente o custo para preservar sua aptidão, mas organismo pode conduzir o animal a sentir dor e/
também o “custo percebido”. Por outro lado, o “alto ou mal-estar e, consequentemente, envolver algum
custo” percebido pode ou não envolver sentimentos grau de sofrimento e bem-estar pobre. A associação
desagradáveis, no entanto, quando eles estiverem da doença ao bem-estar pobre não se caracteriza
atrelados a um componente subjetivo, ele passa a ser somente pela ausência de equilíbrio orgânico, mas,
denominado estado de sofrimento. também, por diminuir a resistência ou aumentar a
A saúde física não requer somente que o animal susceptibilidade do animal a patógenos e a efeitos
esteja livre de lesões e infecções, que lhe garantam adversos. Portanto, tendo o bem-estar uma cone-
a sobrevivência e a reprodução, ele deverá estar xão importante e complexa com as patologias, o
livre também de perturbações fisiológicas menos bem-estar adequado e a proteção contra doença
óbvias, potencialmente capazes de comprometer podem ser alcançados com respostas mentais e
a sua higidez. A saúde psicológica é de igual impor- comportamentos positivos facilitados pelo apoio
tância, todavia, é mais difícil determiná-la com pre- social intra e multiespecífico.

Referências Bibliográficas
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nes on the recognition of pain, distress and Science, v. 13, p. 1-61, 1990. of view: Motivation, fitness, and animal
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an hypothesis for assessment. Veterinary GODALL, J. In the Shadow of Man. Boston: 13, p. 1-61, 1990.
Record, v. 116, p. 431-436, 1985. Howghton Mifflin, 1971, 304 p.
BROOM, D. M. Behaviour and welfare in
SINGER, P. Vida ética: os melhores ensaios BROOM, D. M. Assessing welfare and su- relation to pathology. Applied Animal
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CHAPMAN, R. C. On the neurobiological ba- DUNCAN I. J. H. Animal rights-animal Animal Behaviour and Welfare. 4.ed.
sis of suffering. In: DAWKINS, M. S. From an welfare: a scientist’s assessment. Poultry Oxfordshire: CABI International, 2007.
animal’s point of view: motivation, fitness, Science, v. 60, p. 489-499, 1981. 438p.

Dados do Autora

Sheila Regina Andrade Ferreira


Médica Veterinária, MSc, DSc., CRMV-MG nº 2264

Endereço para correspondência:


Rua Marrocos, 975, Jd. Leblon; Belo Horizonte/MG. CEP: 31540-230
E-mail: neshivile@yahoo.com.br

74 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


ADMINISTRAÇÃO RURAL
Ensino de Medicina Veterinária

Gerenciamento de
projetos para condução
do agronegócio
Introdução realizadas conforme planejado, atacando sempre os
Uma informação fundamental para o Gerencia- desvios e retardos, o gerente de projetos precisa fa-
mento de Projetos no setor do Agronegócio ou em zer um constante exercício de antecipação de futuras
qualquer outro é a definição exata do termo “Projeto”. possibilidades de falha, para minimizar os desvios ao
Muitas atividades que desempenhamos em nossas plano. A pressão para o cumprimento da meta é per-
carreiras fazem parte de projetos, mas outras não manente. Se, durante a execução do projeto, ocor-
podem ser tratadas com o mesmo enfoque. A prin- rem atrasos, estouro de orçamento, problemas téc-
cipal característica de um projeto é sua limitação no nicos etc., a pressão pode atingir níveis alarmantes.
tempo: todo projeto tem um início e um fim. Não Mesmo quando está “tudo em dia” não pode
existe projeto com duração indeterminada ou que haver esmorecimento, pois fatos novos podem sur-
dure para sempre. Alguns são definidos a partir de gir (por exemplo, concorrência ou legislação). Para
uma data inicial, outros são guiados por uma data piorar, a lei de Murphy encontra no ambiente de pro-
final, mas sempre uma dessas informações estará cla- jetos o seu hábitat natural. Por tudo isso, gerenciar
ramente definida. Um projeto sempre tem objetivos projetos é uma tarefa para profissionais experientes
claramente definidos e tangíveis. Esses objetivos po- e com um perfil adequado.
dem incluir a construção de uma unidade produtiva, De maneira ampla, podemos dizer que o pro-
o desenvolvimento de um sistema de melhoramento cesso de gerenciamento de projetos se baseia nos
genético e ou a realização de uma análise financeira seguintes pilares:
de uma fazenda. O projeto somente estará concluído 99 Estabelecimento da meta (objetivos + prazos
quando seu produto ou serviço for produzido. + valores).
Um projeto também envolve um conjunto 99 Estabelecimento do escopo (descrição do
determinado de recursos humanos, financeiros e que vai ser efetivamente produzido).
materiais que devem ser otimizados para atingir 99 Divisão do projeto em etapas.
os objetivos dentro do prazo estipulado. Essa é a
essência da Gerência de Projetos. Assim, uma de-
finição para projeto é: “a utilização coordenada de
recursos humanos, financeiros e materiais dentro
de um período limitado de tempo para alcançar ob-
jetivos tangíveis e únicos”.

Gerenciar projetos
Coordenar o trabalho de
pessoas de diversas áreas
para o cumprimento de pra-
zos, orçamento, lucrativida-
de e especificações técnicas
talvez seja mais trabalhoso,
complexo e estressante do
que o esperado.
Além de conseguir que
as atividades previstas sejam
shutterstock
Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 75
ADMINISTRAÇÃO RURAL

Em cada etapa são executados os seguintes pro- Para alguns tipos de projetos (marketing, trans-
cessos gerenciais: formação organizacional, construção etc.) a porção
I. Inicialização “valores quantitativos” da meta deve ser desdobra-
II. Planejamento da, mostrando, por exemplo, quanto se pretende
III. Execução gastar por mês e por departamento. O cumprimen-
IV. Controle to dessas metas intermediárias passa a ser igual-
V. Encerramento mente importante para garantir que a meta total
Os processos abrangem nove áreas de conheci- seja atingida.
mento: escopo, tempo, custo, qualidade, integração,
recursos humanos, suprimentos / contratação, co- Escopo e Cronograma
municação e riscos. O escopo do projeto (descrição do que vai ser
Portanto, gerenciar um projeto é executar os feito) é o detalhamento do objetivo gerencial pre-
processos gerenciais sobre as nove áreas de conhe- sente na descrição da meta e, geralmente, costuma
cimento, durante o seu ciclo de vida, para atingir a ser representado pela Estrutura Analítica do Projeto
meta preestabelecida. Por estar inserido no ambien- (EAP). É a partir da análise dos níveis mais baixos
te da organização, muitas vezes o gerente do projeto da Estrutura de Divisão do Projeto (denominados
necessita se envolver com áreas contíguas, tais como “pacotes de trabalho”) que é criado (Figura 1) o cro-
planejamento estratégico e gerenciamento da pro- nograma do projeto.
dução ou de operações rotineiras.

Sucesso e Meta Recursos Humanos


Denomina-se meta do projeto ao objetivo geren- Visto que projetos são conduzidos por pessoas,
cial, acrescido de prazo e custo. Este é um dos com- aspectos como liderança, formação de equipes,
ponentes para se medir o sucesso do projeto e deve motivação, conflitos, comunicações etc., são
ser definido tão cedo quanto possível. Geralmente o importantes para um final de sucesso. Ese é um
sucesso de um projeto é medido por: dos aspectos da chamada “Gerência Moderna de
99 Cliente satisfeito. Projetos”. O gerenciamento de recursos humanos
99 Valores quantitativos (prazo, custo e qualida- é um dos componentes fundamentais da gerência
de) foram atingidos. de projetos. Embora os conceitos e técnicas sejam
99 Moral da equipe alto. semelhantes aos encontrados na ciência geral da

Horta
Fazer
a horta

Preparar Preparar
a terra Insumos

Construir sistema
de irrigação

Instalar Instalar
Figura 1. Exemplo de canos bomba
detalhamento de um projeto.

76 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


administração, eles devem ser implementados de suas empresas (missão, estratégia, políticas etc.).
obedecendo às peculiaridades de gerenciamento Elas participam quando do estabelecimento das
de projetos. O sucesso dos projetos requer uma metas do projeto e em momentos críticos do acom-
mistura adequada de habilidades técnicas, huma- panhamento da execução.
nas e conceituais.
A Equipe do Projeto. Projetos podem envolver
O Plano de Ação desde uma única pessoa a milhares. Podem envolver
Plano de Ação é um documento escrito contendo um único setor de uma empresa ou podem cruzar as
a estratégia para a execução do projeto. Nele estão fronteiras organizacionais e podem também impli-
presentes os conceitos mostrados anteriormente car parcerias entre organizações.
(meta, escopo, cronograma etc.). A confecção de um
bom plano de ação é meio caminho para o sucesso Fornecedores Externos. Sua importância reside
do projeto. no fato, muitas vezes, de serem responsáveis por par-
celas significativas.
Gerência à vista
O acompanhamento do projeto é realizado pela Os Vizinhos do Projeto. Chama-se de “vizi-
utilização de técnicas diversas, tais como inspeção nhos do projeto” a indivíduos ou organizações
e reuniões. Um aspecto-chave é a “gerência à vista”, não diretamente ligados ao projeto, mas cujos
pela qual se consegue mostrar, para todos os en- interesses podem ser positiva ou negativamen-
volvidos, aspectos-chave do projeto. O meio físico te afetados com o resultado da execução do
geralmente é uma parede, onde são colocados os projeto ou do seu término com sucesso. Alguns
gráficos e tabelas de acompanhamento. A gerência exemplos: sindicatos, ambientalistas, políticos,
à vista cria um clima de realismo e de desafio. imprensa, etc. Portanto, os vizinhos são todos
aqueles que podem, eventualmente, influir na
Os Papéis em um Projeto evolução do projeto. Dependendo das circuns-
O Cliente. O cliente é o principal personagem, tâncias, o gerente de projeto deve estar atento a
por ser a razão da existência do empreendimento. esses personagens.
Dentre os critérios de sucesso de um projeto, certa-
mente “cliente satisfeito” é o principal.
Conclusão
O Gerente do Projeto. O gerente do projeto é o Neste novo cenário mundial onde o conheci-
principal responsável pelo cumprimento da meta. mento impera e os conceitos se tornam obsoletos a
Será mediante sua positiva atuação que a equipe de cada dia, devido à velocidade da troca de informa-
execução conseguirá uma produtividade adequada, ções, o setor do agronegócio twm um papel muito
dentro de um ambiente de alto moral. importante quanto ao processo de atualização e
emprego das melhores práticas de gestão, visando
Alta Administração. As altas administrações, alcançar os melhores resultados para a sua organi-
tanto do cliente como do executor, são peças impor- zação e para a sustentabilidade da sociedade como
tantes nesse cenário por possuírem uma visão macro um todo.

Dados do Autor

Marcus Túlio Ferreira de Oliveira


Médico Veterinário, CRMV-MG nº 5701. MTO Consultoria Empresarial.

Endereço para correspondência:


Rua Aparecida Pinto 541, Planalto, Belo Horizonte-MG, CEP: 31720-100
E-mail: consultoriamto@gmail.com

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 77


PUBLICAÇÕES

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78 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


AGENDA

Abril Maio
Zootec 2012 Patologia Clínica
Data: 13 a 18 de maio Veterinária
Local: Cuiabá-MT Data: 13/9 a 13/10
Maiores Informações: Local: São Paulo (SP)
http://zootec2012.com Maiores Informações:
AveSui América http://www.ibvet.
Latina 2012 com.br/Front/Turmas.
Data: 2 a 4 de abril aspx?codigo=14
Local: São Paulo (SP)
Maiores Informações:
www.avesui.com
II Seminário Nacional

Procedimentos para
de Ensino de
Zootecnia Novembro
a Implementação do Data: 14 a 16 de maio
Sistema HACCP na Local: Centro de Eventos
Indústria de Carnes Pantanal
Data: 23 a 26 de abril Mais Informações:
Local: Campinas (SP) www.cfmv.gov.br
Maiores Informações:
www.ital.sp.gov.br/ctc/ Congresso
Internacional da

Junho Associação Brasileira


de Endocrinologia
Veterinária
I Encontro Nacional
Data: 15 a 17 de
de Epidemiologia novembro
Veterinária Local: Búzios (RJ)
Data: 10 a 13 de junho Maiores Informações:
Local: São Paulo (SP) www.ciabev.com.br
IV Encontro de Maiores Informações:
Ética, Bioética e http://vps.fmvz.usp.br/
Bem-Estar Animal eventos/
Data: 26 de abril
Local: Universidade
Federal Fluminense-UFF
Fevereiro
Mais Informações:
Setembro
PorkExpo 2012
VI Fórum Internacional International Sheep
Agrishow
de Suinocultura Veterinary Congress
Data: 30 de abril
Data: 26 a 28 de Data: 18-22 /2/ 2013
a 4 de maio
setembro Local: Rotorua, Nova
Local: Ribeirão Preto (SP) Zelândia
Maiores Informações: Local: Curitiba (PR)
Maiores Informações: Maiores Informações:
www.agrishow.com.br intsheepvetassoc.org/
www.porkexpo.com.br

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Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 79
OPINIÃO

Ao ESPECIALISTA estará
reservado maior
sucesso profissional?

Guilherme Teixeira Goldfeder


Médico Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
da Universidade de São Paulo e presidente da Sociedade Brasileira de
Cardiologia Veterinária

O médico veterinário é um profissional com vel para fundamentar qualquer aspiração ao título e
formação eclética, capaz de gerar e aplicar conhe- atividades como especialista.
cimentos técnico-científicos, tendo uma sólida for- Trata-se de um ledo engano achar que os
mação generalista: tratamento das enfermidades e especialistas restringem sua ação à área de espe-
dos traumatismos que afetam os animais; prevenção, cialidade. Muitos são os casos apresentados em
controle e erradicação de agravos à saúde animal comorbidade, exigindo do profissional especialista
e zoonoses; controle da sanidade dos produtos e a capacidade de diagnosticar doenças que não
subprodutos de origem animal para o consumo hu- fazem parte de sua área de interesse/estudo ou es-
mano; desenvolvimento de pesquisas em diversos tará fadado a conviver com incertezas e aos erros de
campos da saúde humana e veterinária, entre outros. diagnóstico e tratamento.
Atualmente, na Medicina Veterinária, assim Vale lembrar que a condição de especialista
como na medicina humana, a procura pela especia- ainda é incipiente em nosso país. São poucas as asso-
lização ocorre cada vez mais precocemente. Desde ciações e colégios que estão aptos a outorgar o título
a graduação, muitos estágios e cursos extracurri- de especialista. Entretanto, proliferam cursos de es-
culares são realizados em áreas específicas como, pecialização latu sensu que conferem ao aluno apro-
por exemplo, a cardiologia veterinária. O acadêmico vado o título de especialista em determinada área.
acredita que ao profissional especialista estará reser- No Brasil, a RESOLUÇÃO Nº 935, de 10 de dezem-
vado maior sucesso profissional e que poderá ofertar bro de 2009, dispõe sobre a Acreditação e Registro
um serviço de melhor qualidade aos seus clientes. de Título de Especialista em áreas da Medicina
Como consequência, negligenciam a formação ec- Veterinária e da Zootecnia, no âmbito do Sistema
lética, preconizada nos projetos pedagógicos, cuja CFMV/CRMVs, e considera que compete ao CFMV a
concepção fundamenta o alicerce da vida profissio- concessão do valor prático-profissional aos títulos
nal, até mesmo como um futuro especialista. de especialista conferidos por sociedades, associa-
A pergunta, então, é: quando e como eu devo me ções ou colégios.
especializar? É importante lembrar que para cami- Em minha área de atuação,
nhar primeiramente é preciso aprender a engatinhar. a cardiologia veterinária, com
Considero que a vivência, traduzida pela experiência frequência, surgem cursos que
na clínica, de pelo menos dois anos, seja imprescindí- prometem aprendizado rápido,

80 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012


Arquivo do autor

Atividade especializada em laboratório de doenças infecciosas de animais é uma atribuição do Médico Veterinário.

alguns durando um final de semana. A sedimenta- diográficos por mês. Atualmente, dados remetem a
ção do aprendizado torna-se impossível. Cito como cerca de 400 exames. Com frequência, nos depara-
exemplo, nessa área de especialidade, que os médi- mos, nos dias atuais, com colegas que sobrevivem
cos veterinários que querem atuar no diagnóstico exclusivamente da especialidade que praticam, o
de enfermidades, devem ter em mente que para a que era inimaginável até pouco tempo atrás.
realização de um ecocardiograma de bom padrão, é Também, colegas adquiriram o hábito do encami-
imprescindível ao profissional passar por uma curva nhamento de casos para aprimoramento diagnóstico
de aprendizado, que consiste no acompanhamento, e, não é raro que proprietários busquem por conta
realização e interpretação de exames sob supervisão própria o serviço de um especialista. Nesses aspectos,
de profissional experiente, por período nunca infe- e considerando o cenário econômico favorável do
rior a seis meses. Brasil, o número crescente de médicos veterinários
É inegável que o mercado de trabalho para o es- que entram no mercado de trabalho anualmente e os
pecialista encontra-se valo- animais domésticos cada vez mais presentes nos lares
rizado e em expansão. brasileiros, espera-se aumento da demanda e da pro-
Há cerca de 10 anos cura pelo profissional especialista.
eram realizados nos Diante do exposto, concluímos que a especiali-
centros diagnósticos zação é um passo importante para o desempenho e
da cidade de São Pau- afirmação profissional, uma vez que a segmentação
lo, em média, 100 do conhecimento em áreas específicas permite o
exames ecocar- aprofundamento de informações e experiências valio-
sas. Entretanto, o caminho da especialização somente
deverá ser trilhado após a sedimentação de conheci-
mentos fundamentada em bases amplas que abran-
gem todo um conjunto geral e essencial de saber.
shutterstock

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVIII - nº 55 - 2012 81


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