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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

ANA CLARA DOS SANTOS OLIVEIRA COSTA

BILITERACIA SIMULTÂNEA NA EDUCAÇÃO BILÍNGUE: EFEITOS NA


CONECTIVIDADE DA FALA E NA FLUÊNCIA DA LEITURA DE CRIANÇAS DO 5º
ANO

NATAL/RN
2022
ANA CLARA DOS SANTOS OLIVEIRA COSTA

BILITERACIA SIMULTÂNEA NA EDUCAÇÃO BILÍNGUE: EFEITOS NA


CONECTIVIDADE DA FALA E NA FLUÊNCIA DA LEITURA DE CRIANÇAS DO 5º
ANO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Estudos da Linguagem da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como requisito para obtenção do título de
mestre em Estudos da Linguagem.

Área de concentração: Estudos em Linguística


Aplicada

Orientadora: Profa. Dra. Janaina Weissheimer


Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Costa, Ana Clara dos Santos Oliveira.


Biliteracia simultânea na educação bilíngue: efeitos na
conectividade da fala e na fluência da leitura de crianças do 5º
ano / Ana Clara dos Santos Oliveira Costa. - 2023.
77f.: il.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e


Artes, Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2023.
Orientador: Prof.ª Dr.ª Janaina Weissheimer.

1. Biliteracia. 2. Educação Bilíngue. 3. Alfabetização. 4.


Bilinguismo. 5. Conectividade da Fala. I. Weissheimer, Janaina.
II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'33

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748


AGRADECIMENTOS

À Deus, por me abençoar com o ingresso no Mestrado na UFRN, e durante todo


o meu processo de estudos.
Aos meus pais, César e Célia Oliveira, sempre me incentivaram e apoiaram em
toda a minha vida acadêmica e profissional.
Ao meu esposo, Thiago Costa, que foi um parceiro nos momentos de renúncia e
dedicação para que eu pudesse concluir cada etapa, oferecendo escuta, suporte,
incentivo e amor.
Aos meus filhos, Heitor e Davi Costa, eles me fazem querer buscar ser melhor.
À minha prima, Heloize Pereira, ofereceu seu tempo, paciência e opinião desde o
meu desejo de ingressar no mestrado até a conclusão.
Aos meus irmãos, sogros e cunhadas, porque se alegraram quando consegui
cumprir cada etapa e foram compreensivos quando precisei estar ausente.
À minha orientadora, Janaina Weissheimer, sempre será uma inspiração, como
professora e ser humano, compartilhou seu conhecimento e me acompanhou de forma
constante, exigente e gentil na mesma proporção, me ensinou muito em cada encontro,
minha eterna gratidão e admiração, foi uma honra ser sua orientanda no Mestrado.
Aos meus colegas de pesquisa Vaneska Caldas, Cristiane Lemke, Luciana
Brentano, Larissa Cury, e professores Ingrid Finger, Natália Mota, Angela Naschold,
Ubiratã Alves e demais amigos da rede de estudos em Mestrado/Doutorado em
Linguística Aplicada e áreas afins.
Às minhas amigas Guette Soares, Flávia Nóbrega, July Trigueiro, Mayara Santos,
Cristianne Marinho, Suelen Lobato, Luciana Lucena, Klebiana Freire, Rayssa Cruz e
outras mais, que me ouviram e apoiaram tanto nesse período de dedicação aos estudos.
À Maple Bear Natal, por ter permitido e apoiado a aplicação dessa pesquisa e a
coleta de dados com os alunos das turmas do 5º ano do Ensino Fundamental.
Por fim, aos meus familiares, amigos de profissão e da vida, aos professores que
fui gestora e/ou aos que passaram de algum modo por essa trajetória, aos meus alunos,
à minha amiga Teresa Catta-Preta, aos colegas do Ppgel/UFRN e aos autores e
pesquisadores, que de alguma forma contribuíram e estiveram presentes nesse
processo.
RESUMO

Recentemente temos observado um crescimento significativo no número de crianças


matriculadas em escolas que oferecem currículos bilíngues ou programas bilíngues no
Brasil. Uma revisão detalhada feita por Williams e Lowrance-Faulhaber (2018) analisou
35 artigos sobre leitura e escrita em crianças bilíngues e mostrou vantagens no caso
da biliteracia simultânea. A compreensão de uma língua deu suporte ao da outra língua,
ou seja, as crianças utilizavam seus conhecimentos das duas línguas durante o
processo; assim, uma língua dando suporte em paralelo à outra. A presente pesquisa
investiga os efeitos da Educação Bilíngue e da biliteracia simultânea nos níveis de
conectividade da fala e da fluência de leitura em português e inglês em uma amostra
de 31 crianças de 10 anos matriculadas no 5º. Ano em uma escola bilíngue em
Natal/RN. Nessa pesquisa, aplicamos tarefas individuais de produção oral e leitura na
L1 e L2 e, ainda, aferimos a proficiência na L2 dos participantes. Os achados
reportados em nosso estudo evidenciam possíveis vantagens da biliteracia simultânea
para o desenvolvimento linguístico e cognitivo das crianças em biliteracia. Portanto,
argumentamos a favor de um desenvolvimento concomitante na fluência e
compreensão de leitura das crianças bilíngues, assim como na conectividade de fala
da produção oral, sem gerar prejuízos para nenhuma das duas línguas, quando
analisadas nesse contexto.

Palavras-chave: biliteracia; educação bilíngue; alfabetização; bilinguismo;


conectividade da fala.
ABSTRACT

Recently we have seen a significant increase in the number of children registered in


schools that offer bilingual curriculum or bilingual programs in Brazil. A detailed review
by Williams and Lowrance-Faulhaber (2018) analyzed 35 articles on reading and writing
in bilingual children and showed advantages in simultaneous biliteracy. The
development of one language supported the other language, children used their
knowledge of both languages; thereby, one language supporting the other in parallel.
This research investigates the effects of bilingual education and simultaneous biliteracy
on the levels of speech connectivity and reading fluency in Portuguese and English with
31 students who are 10 years old and study in a bilingual school in Natal/RN. In this
research, we used individual oral production and reading tasks in L1 and L2, also, we
assessed proficiency in L2. Our findings argue for possible advantages of simultaneous
biliteracy for the linguistic and cognitive development of children in biliteracy. Therefore,
we argue that there is a concomitant development in the fluency and reading
comprehension of bilingual students, as well as in the connectivity of oral production,
without causing disadvantage to both, when we analyze the two languages in this
context.

Keywords: bililiteracy; bilingual education; literacy; bilingualism; speech connectivity.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Tipos de Bilinguismo e Tipos de Programas de Educação Bilíngue………...22


Figura 2- Gráfico das pontes de Königsberg…………………………………………...….36
Figura 3- Teste de proficiência de Cambridge Starters adaptado em formato Kahoot..46
Figura 4- Teste de Leitura - Running Record - do Programa Reading A to Z…….……47
Figura 5- Planilha com Dados da Aplicação das Tarefas de Leitura……………………49
Figura 6- Tarefas de produção oral…………………………………………………………50
Figura 7- Quadrado Latino……………………………………………………………...……52
Figura 8- Comparação entre as médias de conectividade (LSC) na L1 e L2……..……55
Figura 9- Correlação entre LSC na L1 e L2 com o Teste de Correlação de Pearson
(correção de Bonferroni)................................................................................................56
Figura 10- Grafos de Fala………………………………………………………………..…..58
Figura 11- Comparação entre as médias de contagem de palavras (WC) de L1 e
L2……………………………………………………………………………………………….59
Figura 12- Comparação entre as médias de fluência de leitura de L1 e L2………..…..61
Figura 13- Correlação entre a fluência de leitura na L1 e L2 - Teste de Correlação de
Pearson (correção de Bonferroni)..................................................................................63
Figura 14- Comparação entre as médias de compreensão de leitura de L1 e L2…..…64
Figura 15- Perguntas do Teste de Leitura de L1………………………………..…………65
Figura 16- Perguntas do Teste de Leitura de L2………………………………..…………66
Figura 17- Correlação entre compreensão de leitura na L1 e L2 - Teste de Correlação
de Spearman (correção de Bonferroni)..........................................................................67
Figura 18- Teste de Correlação de Pearson (com correção de Bonferroni)....................69
Teste de correlação de Pearson entre LSC e fluência de leitura na L2……...……..……70
Figura 19 - Teste de correlação de Pearson entre LSC e fluência de leitura na L2….....71
Figura 20- Teste de correlação de Spearman entre LSC e compreensão de leitura em
L1……………………………………………………………………………………………….71
Figura 21- Teste de correlação de Spearman entre LSC de L2 e compreensão de leitura
em L2……………………………………………………………………………............…….72
LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Análises Descritivas de Medidas de Conectividade………………….………55


Tabela 2- Análises Descritivas das Medidas de Leitura em L1 e L2…………………...62
LISTA DE ABREVIAÇÕES

E Arestas
N Nós
WC Contagem de Palavras
PE Arestas paralelas
RE Arestas repetidas
L1 Ciclos de um nó
L2 Ciclos de dois nós
L3 Ciclos de três nós
ATD Grau Médio Total
LCC Maior Componente Conectado
LSC Maior Componente Fortemente Conectado
LA Língua Adicional
L1 Língua Materna
L2 Segunda Língua
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
PISA Programa Internacional de Avaliação de Alunos
SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica
ANA Sistema de Avaliação da Educação Básica
CLIL Aprendizagem Integrada de Conteúdo e Linguagem
TOM Teoria da Mente
QI Quociente da Inteligência
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TALE Termo de Assentimento Livre e Esclarecido
ELA Artes da Língua Inglesa
SD Desvio Padrão
M Média
n Número de participantes
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO………………………………………………........…………………………11
CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA………………..........…………………..14
1.1 Bilinguismo e Educação Bilíngue…………………………….........……………..14
1.1.1 Conceitos e Modelos de Bilinguismo…………………………………..........…..…..14
1.1.2 Principais conceitos em Educação Bilíngue……………………………..…............17
1.1.3 Tipos de Educação Bilíngue……………………………….…………………...........19
1.2 Biliteracia………………………………………………………………….........……….23
1.2.1 O desenvolvimento da Leitura ………………………………….……………...........24
1.2.2 Alfabetização, Letramento e Literacia……………………..........…………………..26
1.2.3 Como acontece a Biliteracia ………………………………..........………………….30
1.3 Análise de Grafos aplicada ao contexto bilíngue……………..........…………….36
1.3.1 A teoria de Grafos…………………………...………………………….........……….36
1.3.2 Os atributos da Análise de Grafos………………………………..........…………….39
1.3.3 Análise de grafos aplicada a estudos sobre bilinguismo e biliteracia.…...........….40
CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA………………………….........……………...………….42
2.1 Perguntas de pesquisa, objetivos e hipóteses………..........…………………….42
2.1.1 Participantes e contexto da pesquisa…………………..........………………….…..43
2.2 Instrumentos e procedimentos de coleta de dados……..........……………...….46
2.2.1 O screening da proficiência na segunda língua (Teste de proficiência de
Cambridge “Starters” adaptado em formato “Kahoot”)…………..........…….…………...46
2.2.2 Testes de Leitura de L1 e L2 (Running Records - Reading A to Z e texto da Lontra
- Adaptado do Projeto Acerta) …………………………….....................…………...…….47
2.2.3. Tarefas de produção oral para medir a conectividade de fala por meio da Análise
de Grafos (SpeechGraphs)…………………………………………......................………50
2.3 Instrumentos e Procedimentos de Análise de dados…...........……………….…52
CAPÍTULO 3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO………….........…………………..….…55
3.1 Os efeitos da biliteracia sobre a conectividade de fala em L1 e L2….…...............…55
3.2 O impacto da biliteracia sobre a fluência e compreensão de leitura em L1 e
L2…………………………………………………………………………….........……..……61
3.3 A relação entre atributos de conectividade de fala e medidas de leitura na L1 e
L2...............................….…………………………………………….................……….…69
CONCLUSÃO….…………………………………………........……………………………74
REFERÊNCIAS….………………………………………………........………………….…76
Introdução

Nos últimos anos, tem havido um aumento expressivo no número de crianças


matriculadas em escolas que oferecem currículos ou programas bilíngues no Brasil,
envolvendo inglês e português, desde o início dos anos letivos. Para Marcelino (2009),
esse aumento se deu pela necessidade de mercado de aprender outro idioma e
melhorar o ensino deste nas escolas, buscando assim, atender às expectativas dos pais
quanto às funções importantes e necessárias na educação de seus filhos.
De acordo com Alves e Finger (2022), as escolas que buscam adequar seus
currículos aos novos desafios do mundo globalizado são chamadas de educação
bilíngue de prestígio. Os estudantes que aprendem a ser bilíngues nessas escolas, a
grande maioria delas na rede privada de ensino, como é o caso da escola na qual
realizamos esta pesquisa, passam por um processo curricular integrado de ensino
formal em duas línguas.
Nesse sentido, torna-se imperativo entender melhor o desenvolvimento da leitura
e da escrita de crianças bilíngues para projetar pedagogias instrucionais eficazes que
apoiem seu crescimento como leitores e escritores. É dentro de tal lacuna empírica que
desenhamos o presente estudo, que teve como tema Biliteracia simultânea na
educação bilíngue: efeitos na conectividade da fala e na fluência de leitura de crianças
do 5º ano. O objetivo é investigar os efeitos da biliteracia simultânea nos níveis de
conectividade de fala e fluência da leitura em L1 e L21 em um grupo de crianças
matriculadas em uma escola bilíngue no nordeste do Brasil.
Como motivação para esta pesquisa, trago a minha própria trajetória profissional,
uma vez que atuo no segmento da educação, nas redes públicas e privadas de ensino,
com ênfase em ensino bilíngue, desde 2004. Durante esse percurso de atuação
profissional e acadêmica, passei pelas funções de professora, gestora educacional e
pesquisadora, além de atuar em consultoria pedagógica na área.
Ademais, sou mãe de dois meninos bilíngues, que passaram e estão ainda no
processo de alfabetização bilíngue simultânea. Portanto, tendo a oportunidade de
observar os efeitos desse formato, me deparei com situações que suscitaram perguntas
que, por sua vez, inspiraram o meu mestrado e este estudo.

1
L2 = segunda língua (nesse contexto, a língua inglesa)
Dessa forma, como problemática, este estudo busca investigar os efeitos da
biliteracia simultânea com estudantes do 5º ano numa escola bilíngue. As perguntas
desta pesquisa são: quais são os efeitos da biliteracia sobre a organização do
pensamento em português e em inglês como segunda língua, medida por atributos de
conectividade de fala? Ainda, quais são os efeitos da biliteracia simultânea sobre a
habilidade de leitura em L1 e L2 de crianças em contexto de educação bilíngue? E, por
fim, qual a relação entre as medidas de conectividade da fala a as medidas de leitura
nas duas línguas?
Como objetivos desse estudo, temos o geral, que é investigar os efeitos da
biliteracia simultânea na conectividade da fala e na habilidade de leitura de aprendizes
do 5º ano do Ensino Fundamental. Além disso, os específicos são, investigar os efeitos
da biliteracia sobre a conectividade de fala, comparando atributos de grafos na L1 e L2;
examinar o impacto da biliteracia sobre a fluência e a compreensão de leitura em L1 e
L2 e analisar a relação entre atributos de conectividade de fala e medidas de leitura na
L1 e L2.
Esta dissertação está organizada em três capítulos, além da Introdução e da
Conclusão. No primeiro, intitulado Fundamentação Teórica, tratamos de bilinguismo e
educação bilíngue, biliteracia e teoria de grafos. Primeiramente, revisamos conceitos e
modelos de bilinguismo, a partir dos trabalhos de García (2009), Grosjean (2013),
Brentano e Finger (2020), Hopewell e Escamilla (2015), Baker e Wright (2017), entre
outros. Discorremos sobre como o conceito de bilinguismo foi sendo construído e
atualizado ao longo do tempo.
Em seguida, ainda na Fundamentação Teórica, apontamos os principais
conceitos acerca do bilinguismo e os tipos de educação bilíngue. Nesta seção,
observamos o conceito de educação bilíngue como práticas comunicativas usadas em
escolas com propósitos que variam, de modo a favorecer o ensino e a aprendizagem
dos alunos através do uso de duas línguas e sua bidirecionalidade (García, 2009).
Na sequência, tratamos da biliteracia, iniciando pelo desenvolvimento da leitura
discutindo como o cérebro aprende a ler, trazendo a hipótese da reciclagem neuronal e
como ocorre a leitura no cérebro (Dehaene, 2012). A seguir, descrevemos os conceitos
de alfabetização, letramento e literacia; para isso, utilizamos como referencial teórico
Soares (2003), Morais (2020), dados do relatório de 2016 do Sistema de Avaliação da
Educação Básica – Avaliação Nacional de Alfabetização (SAEB/ANA), produzido pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Scliar-
Cabral (2022) e dados do PISA (2018), acerca do panorama atual da alfabetização no
Brasil. Por fim, fazendo uma revisão de literatura sobre estudos em biliteracia, (Ahmadi,
Khoii e Taghadosian (2015), Escamilla et al. (2014), Williams e Lowrance-Faulhaber
(2018), avaliamos as possíveis vantagens da biliteracia simultânea.
Ainda na Fundamentação Teórica, trazemos a teoria e análise de grafos,
relacionando com a linguagem oral, apresentando seus atributos, elementos e a forma
como são interpretados em estudos publicados previamente (Mota et al., 2012, 2014,
2016 e 2018), Luz (2018), Lemke et al. (2021), Leandro (2021) e Deiró (2021). Nesse
tópico, buscamos observar se o atributo de conectividade da fala (LSC) pode ser usado
como preditor do desenvolvimento dos alunos na linguagem oral e na leitura de L1 e L2.
No segundo capítulo desta dissertação, tratamos da metodologia da pesquisa,
trazendo as perguntas de pesquisa, objetivos e hipóteses, os instrumentos e
procedimentos de coletas de dados e, ainda, os procedimentos de análises de dados.
No último capítulo, apresentamos os resultados e a discussão, iniciando pelos
efeitos da biliteracia sobre a conectividade de fala em L1 e L2, seguindo com o impacto
da biliteracia sobre a fluência e compreensão de leitura em português e inglês, e
concluindo com a relação entre atributos de conectividade de fala e medidas de leitura
na L1 e L2. Por fim, a conclusão deste trabalho aponta limitações e sugestões para
estudos futuros, com base nos resultados desta pesquisa e na sua relação com
pesquisas anteriores na área.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 Bilinguismo e Educação Bilíngue

Diante da complexidade do fenômeno do Bilinguismo, variados contextos e


finalidades do ensino e aprendizagem utilizando duas ou mais línguas, apresentamos
alguns dos principais conceitos e modelos de Bilinguismo, assim como os de Educação
Bilíngue e suas diversas configurações. Para tal, escolhemos um referencial teórico
incluindo autores como García (2009), Grosjean (2013), Brentano e Finger (2020),
Hopewell e Escamilla (2015), Baker e Wright (2017) e outros. Nesta seção, abordamos
os conceitos, modelos e configurações bilíngues numa linha do tempo, de acordo com
como foram sendo moldados a partir de resultados de pesquisas e necessidades das
instituições, professores, alunos, de modo a atender as demandas e os objetivos de cada
região e suas particularidades.

1.1.1 Conceitos e Modelos de Bilinguismo

Podemos citar cinco definições de bilinguismo, de acordo com García (2009), que
refletem o desenvolvimento histórico desse conceito: Bloomfield (1933), na primeira
metade do século passado, argumentava que apenas pessoas com níveis de controle
nativos nas duas línguas seriam consideradas bilíngues. Duas décadas depois,
Haugen (1953), sugeria que até mesmo o menor nível de proficiência nas duas línguas
já seria um sinal de bilinguismo. Na mesma época, Weinreich (1953), apresentava o
bilinguismo como um fator presente em pessoas que alternam entre as duas línguas e
Diebold (1964), por sua vez, designou como bilíngues aqueles que estão começando
a adquirir alguma competência em outra língua. Por fim, já no início deste século, Baker
(2001) aponta o bilinguismo como a habilidade de usar mais de uma língua.
Dessa forma, considerando a flexibilização do conceito de bilinguismo ao longo
do tempo, podemos apontar dois modelos, o subtrativo e o aditivo (GARCÍA, 2009). O
primeiro, trata de uma abordagem com base na linha do monolinguismo e escolas
monolíngues, nas quais acredita-se que quando as crianças aprendem uma língua,
deveriam deixar um pouco de lado a outra, da seguinte forma: L1 + L2 - L1 -> L2. O
segundo modelo, o aditivo, descreve o bilinguismo quando uma língua adicional é
integrada ao repertório do aprendiz, e as duas línguas utilizadas e mantidas, como
apontado pela autora mencionada: L1 + L2 = L1 + L2.
Numa outra perspectiva, temos ainda mais dois modelos de bilinguismo, o
recursivo e o dinâmico. No primeiro, acontecem as práticas de uso das línguas;
enquanto que o segundo modelo seria considerado o modo mais aproximado das
demandas da atualidade. Segundo García (2009, p.53), entende-se que diante da
complexidade do século XXI, o bilinguismo envolve um ciclo bem mais complexo no
qual a prática das línguas são múltiplas e ajustáveis ao modo multimodal multilíngue
do ato de comunicar. Assim, com base nos autores mencionados acima,
compreendemos que os conceitos de bilinguismo vão sendo moldados em suas
diferentes perspectivas ao longo do tempo, demonstrando que é um processo
dinâmico, com contextos e modelos diferentes.
Bilíngues utilizam as línguas que aprendem em diversos tipos de situações e com
diferentes finalidades de comunicação. Assim, para Grosjean e Li (2013, p.7), bilíngues
geralmente adquirem e usam suas línguas para diferentes propósitos, em diferentes
domínios da vida, com pessoas diferentes. Diferentes aspectos da vida geralmente
exigem linguagens diferentes. Diante dessas variáveis de intencionalidades distintas
dos aprendizes e de fatores individuais como aptidão, tempo de uso das línguas,
contextos, idade, entre outros, conhecer e aprimorar conceitos de bilinguismo é uma
prática contínua, que muda e se aprimora ao longo do tempo.
O bilinguismo envolve tanto o conhecimento como o uso de duas ou mais línguas.
Ao descrever bilíngues sabemos que podem ter níveis de fluência distintos no uso das
línguas; assim, bilinguismo não se trata de dois monolíngues em uma mesma pessoa,
e sim, de uma prática entre línguas que se complementam (Grosjean, 1989). Dessa
forma, seus níveis de fluência em cada língua se desenvolvem de acordo com as suas
necessidades e uso, normalmente variando entre L1 e L2.
Nesse sentido, Grosjean (1989) aborda o princípio da complementaridade,
quando menciona o uso das línguas em situações e com intenções que podem variar
a depender do objetivo comunicativo. Com isso, uma língua complementa a outra, e
estas estão relacionadas, assim, cada língua é ativada e o bilíngue torna-se falante-
ouvinte. Então, ele escolhe qual língua irá utilizar para se comunicar com o interlocutor,
e acessa a outra língua quando necessário, sendo que os fatores como situação,
assunto e o tipo de interação irão moldar esse uso alternado entre as línguas do
bilíngue.
Portanto, as línguas podem ser aprendidas em paralelo, ainda que em graus
diferentes. Esse uso das línguas também é adaptado aos contextos, quando os sujeitos
bilíngues se comunicam na escola, ou com parentes, situações de trabalho, viagens,
em esportes, ou saídas para lazer, entre amigos, de tal modo, moldando seus discursos
de acordo com as situações comunicativas, numa visão holística de bilinguismo, na
qual o conhecimento de uma língua está contribuindo com o da outra. Segundo
Hopewell e Escamilla (2015, apud Baker e Wright 2017),

a compreensão holística do bilinguismo baseia-se na ideia de que o que


é conhecido e compreendido em uma língua contribui para o que é
conhecido e compreendido na outra, e que todas as línguas contribuem
para um sistema linguístico e cognitivo único e universalmente
acessível. (p. 11)

Quando nos perguntamos quem é o sujeito bilíngue, imaginamos indivíduos com


proficiência em duas ou mais línguas, normalmente na língua materna e também na
segunda língua, a depender do contexto e conceito desses temas. Dessa forma,
segundo García (2009), hoje em dia, temos observado que podemos chamar também
de pessoas bilíngues aqueles aprendizes que se comunicam em duas línguas, seja
apenas em alguma habilidade específica, normalmente através da linguagem oral,
quando compreendem e se expressam verbalmente com outros através da segunda
língua ou em outras formas de uso das línguas, como por meio da escrita, por exemplo.
Numa interação comunicativa entre bilíngues podem acontecer situações de
interferências linguísticas no uso das línguas, que segundo Grosjean e Li (2013), são
chamadas de "code-switching" e “borrowing”, o primeiro ocorre quando a fala do
bilíngue alterna os códigos no uso das duas línguas; ou seja, uma frase inicia em uma
língua e continua na outra, a depender do vocabulário que o falante possui nas línguas;
o segundo ocorre quando o falante transfere elementos linguísticos ou palavras de uma
língua para outra e mistura as duas ao se expressar oralmente. Logo, pega emprestado
termos de uma língua e adapta sua estrutura atribuindo significados na outra, algumas
vezes criando palavras de escrita semelhante em uma língua e na outra, dando sentido
de acordo com o que quer expressar.
De tal modo, as escolhas de repertório e linguagem que são usadas na prática de
bilinguismo variam a depender da finalidade e fluência de cada falante. Essa escolha
das palavras que serão usadas normalmente ocorre de forma fluida, com decisões
rápidas.
De acordo com o Grosjean (2013), algumas vezes, em contextos de conversas
entre bilíngues e monolíngues, os bilíngues tendem a fazer traduções de modo a
promover interação entre as pessoas envolvidas na comunicação. Tendo em mente os
modelos de bilinguismo mencionados até aqui, na subseção a seguir, apontamos
alguns dos conceitos mais utilizados em educação bilíngue, mencionando
semelhanças e diferenças.

1.1.2 Principais Conceitos em Educação Bilíngue

Atualmente, observamos um aumento no número de escolas que buscam


oferecer um ensino bilíngue e a maior parte delas optam pela língua inglesa, por se
tratar de um idioma muito falado no mundo. Assim, de acordo com a visão de algumas
instituições, permitir a comunicação em uma segunda língua gera uma série de ganhos
diante da era da globalização, quando pensamos em futuro, como oportunidades de
acesso ao mercado de trabalho e aprendizagens variadas para os estudantes.
Nesse sentido, aprender para fins de comunicação parece ser o principal objetivo
dos estudantes que querem se tornar bilíngues; assim, por meio da interação através
do uso das línguas, eles desenvolvem as habilidades necessárias e a consequente
proficiência na segunda língua.

[...] a finalidade natural da língua estrangeira é, tal como na língua


materna, a de ser utilizada numa relação entre pessoas, na qual está
incluída a afetividade de cada um, e na qual, num contexto social e
específico, se espera um determinado efeito do que se diz e se recebe
uma determinada sensação do que se ouve. (HAGÈGE, 1996, p.89).

Entendemos a Educação Bilíngue como um processo complexo utilizado para a


comunicação, que precisa ter como objetivo principal o desenvolvimento acadêmico
dos estudantes por meio da aprendizagem das línguas. Nesse sentido, o uso dessas
línguas se complementa, quando normalmente uma é a primeira língua ou língua
materna (L1), enquanto a outra é a segunda língua ou língua adicional (L2).
Segundo Baker (2011, p.210), entre as formas de educação bilíngue, modelos e
contextos diferentes são usados, como o de imersão e o de duas línguas. O primeiro,
inicia-se com ênfase na L2, seguindo com a oferta do bilinguismo e literacia nas duas
línguas, enquanto que o segundo, trabalha-se na L1, e utiliza-se o estudo da L2, como
língua e também para instrução desta, sendo o objetivo da educação bilíngue por
imersão o desenvolvimento acadêmico de um modo geral, enquanto que no formato de
educação em mais de uma língua, prevalece o ensino da língua adicional como foco.
Para Cummins (2008), no que se refere ao desenvolvimento de habilidades
linguísticas quando a educação acontece em duas línguas, os conhecimentos que os
estudantes adquirem em uma língua, impactam na outra, através de transferências.
Assim, o autor propõe o Modelo de Proficiência Subjacente Comum (Common
Underlying Proficiency – CUP), no qual explica que o desempenho das línguas é
compartilhado, utilizando o mesmo sistema de processamento.
Ainda segundo Cummins (2008), a transferência entre as línguas é um
acontecimento esperado no desenvolvimento de alunos bilíngues, o que o autor chama
de “transferência interlinguística". Além disso, o autor discorre sobre a Proficiência
Linguística Acadêmica Cognitiva (Cognitive Academic Language Proficiency - CALP),
de acordo com a qual, o desenvolvimento linguístico no ensino bilíngue acontece no
ensino formal, em contexto escolar, com currículo integrado, com objetivo de educação
em duas línguas para fins de desenvolvimento acadêmico, com mais exigência e
esforço cognitivo para os alunos.
Quando falamos sobre os diferentes cenários do uso de duas línguas em
instituições de ensino, nos deparamos com a diferença entre Educação Bilíngue, que
acontece quando os conteúdos escolares são estudados de forma integrada e Ensino
da segunda língua, que ocorre quando se estuda os conteúdos escolares na L1 e a L2
é oferecida de forma adicional, como um complemento ao currículo, com foco na
aprendizagem da língua pela língua. Assim, na primeira abordagem/configuração, a
segunda língua é o meio de instrução do que é estudado e, no segundo, a finalidade é
aprender a língua adicional em si.
Nessa linha, García (2009) aponta algumas diferenças entre a Educação Bilíngue
(Bilingual Education) e o Ensino de Língua (Language Education), quando a primeira,
no que diz respeito ao foco pedagógico, aborda a integração entre língua e conteúdo,
enquanto a segunda, oferece a instrução explícita da segunda língua. Segundo a
autora, quando falamos de práticas na Educação Bilíngue, é importante deixarmos de
lado a visão monoglóssica e considerarmos como importante a heteroglóssica, ou seja,
ofertar múltiplas práticas da língua de maneira que estejam relacionadas.
Segundo García (2009), a visão monoglóssica de educação bilíngue é aquela na
qual as línguas são trabalhadas separadamente, podendo acontecer em horários
complementares, inclusive. E, na opção de uma linha heteroglóssica, as habilidades
nas duas línguas são desenvolvidas de modo integrado, de modo que o currículo
caminha de forma compartilhada para a construção de um sistema com repertório
linguístico comum às duas línguas.
Entendemos o conceito de Educação Bilíngue como práticas comunicativas e
acadêmicas que são utilizadas nas escolas por alunos e professores para possibilitar o
ensino e potencializar a aprendizagem, utilizando mais de uma língua, considerando
suas variações em combinações diversas e de um modo bidirecional.
No ensino bilíngue, para que o desenvolvimento acadêmico aconteça com
qualidade, os alunos precisam de conhecimento linguístico para fazer uso de
estratégias mais complexas em sua aprendizagem nas duas línguas, como inferências
matemáticas na segunda língua, publicações finais de escrita, interpretação de leituras
e compreensão em nível proficiente, utilizando os conhecimentos prévios e associando
aos novos.
Para Marcelino (2009), a escola bilíngue tornou-se um local novo para uma
educação de mais qualidade, um avanço, que deveria ser a nova concepção de ensino
para trocas de conhecimento, e com uma segunda língua como meio de instrução para
que as barreiras, em especial, as de compreensão e comunicação, sejam superadas
pelos alunos, por meio do uso das habilidades acadêmicas adquiridas.

1.1.3 Tipos de Educação Bilíngue

Temos observado cada vez mais as escolas aderirem à opção bilíngue. Nesse
contexto, esse fator nos leva a fazer uma pergunta: considerando os conceitos sobre
bilinguismo discutidos na seção anterior, “Como definimos Educação Bilíngue?” Para
Brentano e Finger (2020),

nos contextos reais de educação bilíngue, o desenvolvimento


acadêmico e cognitivo da criança se dá simultaneamente através das
duas línguas em um espaço de aprendizagem no qual o currículo é
organizado de forma integrada, visando o desenvolvimento tanto do
repertório linguístico quanto aos conteúdos acadêmicos nas línguas nas
quais as aprendizagens escolares ocorrem. (p.2)
É importante ressaltar que os tipos de Educação Bilíngue descritos aqui, são com
base numa revisão de literatura em contextos com modelos de bilinguismo que ocorre
em outros países, como os Estados Unidos, o Canadá e alguns países, como apontado
por García (2009) e Baker (2011), que apontam caminhos e situações, usadas como
referência para o desenvolvimento de ensino bilíngue no Brasil.
Segundo Baker (2011), há alguns tipos de educação bilíngue, que estão divididos
entre formas monolíngues de educação para bilíngues e modos fracos ou fortes de
educação bilíngue, sendo o último também para o bilinguismo e a biliteracia. Nesse
sentido, os modelos monolíngues são o de Integração/Submersão (com imersão
estruturada), foco na língua da maioria e modelo subtrativo de assimilação; o de
Manutenção/Submersão com ESL (inglês como segunda língua) nos conteúdos
ministrados; e o Segregacionista, que coloca prioritariamente a segunda língua, da
maioria, como instrução, forçando a minoria a aprender por esta.
Ainda sobre os modelos citados por Baker (2011), temos as formas fracas de
educação bilíngue para bilíngues. São os tipos Transicional, num formato subtrativo e
de assimilação, que vai da língua da minoria para a maioria; o de Integração com ensino
de línguas estrangeiras, que utiliza a língua da maioria (L2) para instrução, com lições
na língua estrangeira; E o Separatista, utilizando a língua da minoria e um bilinguismo
limitado.
As formas fortes de educação bilíngue para o bilinguismo e a biliteracia segundo
Baker (2011), são o Imersão, com instrução bilíngue, dando ênfase inicial na L2; o de
Língua de manutenção/herança, que tem instrução bilíngue, e ênfase na L1; o
Bidirecional/Dupla linguagem, instrução nas línguas da maioria e minoria; e por fim, o
Bilíngue Convencional, com pluralismo de duas línguas majoritárias, bilinguismo,
biliteracia, manutenção e enriquecimento, modo aditivo.
Para García (2009), ao escolher a oferta de Educação Bilíngue, a instrução se
dará nas duas línguas ao mesmo tempo, ou seja, trabalha-se os conteúdos por meio
de um currículo integrado. E, nessa estrutura de ensino, o processo poderá acontecer
com a alfabetização simultânea, ou seja, em duas línguas ao mesmo tempo (biliteracia),
ou de forma consecutiva, iniciando na L1, depois na L2.
Já na opção de Programa Bilíngue, nomenclatura utilizada aqui no Brasil, quando
a segunda língua é ensinada diariamente ou alguns dias por semana; porém, de forma
não integrada ao currículo. Dessa maneira, os conteúdos escolares são estudados na
língua materna (no nosso caso, o português), enquanto a segunda língua é ensinada
de forma extracurricular (ora oferecida de forma opcional, ora para todos os alunos
matriculados na escola).
Nesse sentido, como nesta configuração de Programa Bilíngue, com os materiais
produzidos por franquias ou editoras, como o Learning Fun, a Pearson, a Macmillan, o
Systemic e outros, ou até mesmo por meio de projetos construídos por meio de
consultoria nas escolas, foco é apenas na língua adicional. Dessa maneira, ainda que
se estabeleça relação com os propostas ou temas escolhidos pelo planejamento
escolar regular, o principal objetivo está no desenvolvimento da fluência na língua alvo,
que geralmente é o inglês no contexto brasileiro de ensino bilíngue de prestígio, ou
seja, trata-se de um aumento e/ou adaptação na carga horária para acomodar esse
novo formato de aprendizagem da L2.
Desse modo, na modalidade Programa Bilíngue, acontece o ensino de uma língua
prioritariamente e de outra como segunda língua, chamado de bilinguismo consecutivo.
Assim, na Educação Infantil, geralmente desenvolvem-se primeiro as habilidades da
oralidade, de compreensão e da produção oral (listening e speaking) e, do Ensino
Fundamental ao Médio, são adicionadas as habilidades de leitura e da escrita (reading
and writing).De acordo com o Parecer do CNE/CEB Nº: 2/2020, p.13, acerca da
Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue, no Brasil,
As demandas por normatização de educação bilíngue/mullíngue que
chegam ao CNE se reportam essencialmente às chamadas línguas de
prestígio, com destaque para o inglês, haja vista o seu caráter de língua
franca na contemporaneidade. Todavia, o ensino formal de idiomas no
país abarca número bem mais amplo – alemão, espanhol, francês,
italiano, japonês e muitos outros. De fato, há um expressivo contingente
de línguas nas licenciaturas reconhecidas pelo Ministério da Educação.
O crescimento de escolas que se dizem bilíngues ocorre sobretudo na
rede privada, mas é importante considerar que cerca de 80% dos
estudantes brasileiros da educação básica estão matriculados em
escolas públicas. Contudo, as informações disponíveis sugerem que o
interesse por esse tipo de educação perpassa diferentes classes sociais
e faixas etárias.
Portanto, a depender dos objetivos de cada formato de ensino, um tem a
aprendizagem da segunda língua como fim, enquanto o outro utiliza a L2 como o meio
para estudos de conteúdos e disciplinas diversas, ou seja, diferentes modelos de
acordo com as suas especificidades. Para Baker (2001, apud García 2009), a definição
de Educação Bilíngue pressupõe a aprendizagem e uso de duas línguas ao mesmo
tempo, que podem ter desenvolvimentos diferentes em suas habilidades
(compreensão, fala, leitura e escrita). Assim, ainda que o modelo de educação possa
variar a depender de cada contexto e escolha da escola, o objetivo principal precisa ser
o de desenvolvimento das habilidades acadêmicas.
Pensando em termos de objetivos universais para o ensino bilíngue, podemos
mencionar os três princípios orientadores básicos da Unesco (2003:30):

1) Ensino da língua materna como meio de melhorar a qualidade


educacional, baseando-se no conhecimento e na experiência dos alunos
e professores;
2) Educação bilíngue e/ou multilíngue em todos os níveis da educação
como meio de promover a igualdade social e de gênero e como elemento
essencial das sociedades linguisticamente diversas;
3) A linguagem como componente essencial da educação intercultural,
a fim de incentivar o entendimento entre diferentes grupos populacionais
e garantir o respeito pelos direitos fundamentais. (Unesco, 2003:30 apud
García, 2009, p.15)

Seguindo essa perspectiva sugerida pelos princípios orientadores da Unesco,


podemos apontar a Educação Bilíngue como um fenômeno dinâmico, pois envolve
diferentes variáveis e fatores. Assim, modelos distintos são utilizados para que melhor
atendam aos objetivos de cada escola, de modo que consigam alcançar suas metas
de aprendizagem.
De tal modo, aspectos como tempo de exposição e uso da segunda língua, local
(cidade ou país) onde é utilizada, tipo de currículo escolar adotado, idade dos alunos e
as abordagens metodológicas escolhidas, afetam diretamente o modelo de Educação
Bilíngue assim como os possíveis resultados de aprendizagem dos alunos.
Segundo García (2009), os tipos de Educação Bilíngue podem ser baseados em
monoglóssicos ou heterogóssicos, que vão ser utilizados de acordo com o contexto da
população e país, de acordo com suas necessidades. A primeira abordagem foca na
aquisição da segunda língua e seu desenvolvimento separado da outra língua. A
segunda visão, por outro lado, apoia a interação entre as línguas, utilizando práticas de
translinguagem, bem como construindo o bilinguismo de acordo com a sua
dinamicidade.
Nos tipos de Educação Bilíngue monoglóssicos, a autora menciona a Educação
Transitória, que é aquela que utiliza a L1 da criança para instrução até que ela atinja o
grau necessário de fluência na L2. Ainda, García aponta a Educação de Manutenção,
que é mais utilizada para minorias linguísticas, que utilizam a sua língua materna em
casa e querem mantê-la em uso quando entram na escola, até que adquiram
proficiência na língua dominante. Nesse tipo de educação bilíngue, além dos conteúdos
serem ensinados nas duas línguas, os programas são baseados em valores culturais
dos alunos, de maneira bidirecional.
Outro tipo ainda nessa vertente ideológica de Educação Bilíngue é a de Prestígio,
que atende ao público de elite, com dois professores, e conteúdos acadêmicos
ministrados por meio das duas línguas. Por fim, o tipo Imersão, nesse formato, por um
tempo, os alunos aprendem através da língua que estão buscando aprender com
ensino explícito, e o idioma adicional é usado como meio de instrução, normalmente
com professores e salas distintas. Para García (2009),

[...] tipos de educação bilíngue que são baseados em lentes


monolíngues e ideologias que apoiam a aquisição de uma segunda
língua e seu desenvolvimento como separado da outra língua. Em todos
esses tipos de programas, a suposição é que as crianças começam
como monolíngues a partir do mesmo ponto linguístico. (p. 123)

Na visão heteroglóssica de tipos de Educação Bilíngue, segundo Garcia (2009),


entende-se que as crianças não começam como monolíngues, mas, acessam
diferentes práticas de linguagem, de modo relacionado. O primeiro tipo é a
Revitalização por Imersão ou Imersão na Língua de Herança, por se tratar de um
programa desenvolvido pensando também em recuperar a língua dos aprendizes
(chamado de programa da língua do ninho), iniciando na pré-escola, inserindo o
conhecimento local no que é ensinado.
Seguindo, García (2009) aponta ainda o tipo de Educação Bilíngue de
Desenvolvimento, que é baseada num desenvolvimento multilíngue, com um modelo
de comunidade bicultural, buscando igualdade por meio do uso de múltiplas línguas e
identidades, ou seja, um formato de inclusão. Ainda, existe o modelo de duas línguas
(Dual-Language) ou Polidirecional, nos quais os grupos são ensinados envolvendo a
aprendizagem e uso por meio de estudos nas línguas de cada grupo.
García (2009) conclui sua taxonomia de tipos de Educação Bilíngue com o CLIL
(aprendizagem baseada na integração entre língua e conteúdo) e a Educação
Multilíngue. No primeiro caso, os conteúdos são ensinados na segunda língua. O
segundo caso, para Do Coyle (2007), abrange qualquer atividade em que uma segunda
língua é usada como uma ferramenta na aprendizagem de uma disciplina não
linguística em que tanto a língua quanto a disciplina têm um papel comum.
De tal modo, Coyle (2007), influenciado por Mohan (1986), desenvolveu a
estrutura conceitual dos 4Cs de uma perspectiva holística com objetivo de fornecer uma
base para reunir diferentes facetas do CLIL, a fim de apoiar o desenvolvimento de
pedagogias CLIL. A estrutura dos 4Cs enfoca a inter-relação entre conteúdo (assunto),
comunicação (linguagem), cognição (aprender e pensar) e cultura (consciência social
de si mesmo e da alteridade), levando em conta a integração em diferentes níveis.
Dados esses tipos de Educação Bilíngue, para ilustrar, apresentamos a Figura 1
(adaptada de García, 2009).

Figura 1: Tipos de Bilinguismo e Tipos de Programas de Educação Bilíngue

Bilinguismo Educação Bilíngue

Subtrativo Transitória
L1 + L2 - L1 → L2

Aditivo Manutenção
L1 + L2 = L1 + L2 Prestígio
Imersão

Recursivo Revitalização de Imersão


Desenvolvimento

Dinâmico Poli Direcional ou Bidirecional (Duas Línguas)


CLIL
Multilíngues Múltiplos

Adaptado de García (2009, p. 131)

Concluímos, assim, que diante das variações de contextos nos locais onde
acontece a Educação Bilíngue/Multilíngue, é importante estruturar um formato que melhor
atenda aos aspectos específicos dos aprendizes e suas necessidades de uso das línguas,
para que possam desenvolver habilidades e competências de modo a se comunicar e
exercer sua cidadania.

1.2 BILITERACIA

Nesta seção, abordamos a ciência da leitura e o desenvolvimento dessa


habilidade, focando em quando ela acontece simultaneamente na L1 e na L2. Ainda,
discorremos acerca dos conceitos de alfabetização, letramento e literacia, bem como seus
contextos de uso. Em seguida, tratamos especificamente da biliteracia, realizando uma
revisão de literatura, incluindo os modelos simultâneo e consecutivo de aprender a ler em
duas línguas.

1.2.1 O desenvolvimento da leitura

Podemos aprender a ler em idades diferentes, e, quando aprendemos, nosso


cérebro se modifica, uma vez que a habilidade da leitura é algo que não acontece
naturalmente, enquanto um produto cultural, a leitura precisa ser ensinada, com uma
sequência de mediações, instruções explícitas, treino, até que se torne fluente e
automatizada (Dehaene, 2012). Além disso, a compreensão é uma competência
relacionada à leitura, de modo que algumas pessoas que não sabem ler demonstram
compreensão do que é falado ou lido para elas. Assim, ler e compreender são
processos associados, mas também distintos.
O cérebro pode adaptar-se culturalmente para novos aprendizados, ou seja,
possui uma certa flexibilidade para moldar-se. Assim, a aprendizagem da leitura é
possível a partir do que Dehaene (2012) cunhou como hipótese da reciclagem
neuronal. Segundo o autor

“[...] cada região cortical, por sua conectividade, sua plasticidade, seu
viés genético inicial, possui propriedades adaptadas a sua função.
Conforme o modelo de reciclagem neuronal, a aprendizagem cultural
jamais reverte totalmente esses vieses. Ela os contorna de modo mínimo
a fim de que eles possam preencher um papel novo.” (DEHAENE, 2012,
p. 167)

Para Dehaene (2020), a hipótese da reciclagem neuronal estabelece que tudo


que aprendemos acontece através de modificações de circuitos cerebrais pré-
estabelecidos que são amplamente organizados desde quando nascemos e que
podem mudar, um conjunto de circuitos cuja função inicial é suficientemente
semelhante ao seu novo papel cultural, mas também flexível o suficiente para ser
convertido para este novo uso (p. 121). Cada novo objeto cultural que inventamos é
acomodado por meio da aprendizagem.
A leitura é um exemplo de reciclagem neuronal, uma vez que, para ler,
reutilizamos áreas do cérebro que são inicialmente dedicadas para a visão e a
linguagem falada. A literacia emerge, ao aprender a leitura e a escrita, parte do sistema
visual é reciclada e a área da forma visual das palavras é constituída, tornando possível
o reconhecimento de palavras.
Para Dehaene (2012), a região occípito-temporal esquerda reconhece a forma
visual das palavras (Word Visual Form Area – WVFA). Esta, distribui as informações
visuais para regiões do hemisfério esquerdo, em diferentes graus no significado,
sonoridade e na articulação das palavras, essa região, foi também chamada pelo autor
de “caixa das letras”, uma vez que é ativada quando acontece a aprendizagem da
leitura.
De tal modo, uma parte já existente no cérebro passa a ser adaptada para uma
habilidade nova, culturalmente adquirida, como aprender a ler. Por isso, a alfabetização
requer instrução explícita por meio do ensino formal, uma vez que a aprendizagem da
leitura é um processo complexo.
Dessa forma, trazemos bases biológicas e culturais, que unidas às
necessidades de compreensão e comunicação por meio da leitura e escrita,
proporcionam ajustes, para evolução e novas aprendizagens. Nesse sentido, aprender
a ler é uma habilidade historicamente recente, com cerca de pouco mais de cinco mil
anos, e a alfabetização acontece por meio da construção da consciência fonológica,
através do reconhecimento dos sons, que posteriormente são representados em letras,
e estas, em sílabas, palavras, frases e textos.
Segundo Dehaene (2020), quando aprendemos a ler, um subconjunto de
regiões visuais se especializa em reconhecer letras e as envia para a áreas de
linguagem falada, na área da forma visual das palavras (WVFA). Como consequência
desse processo, para leitores fluentes, palavras escritas são processadas como as
palavras faladas, ou seja, a literacia cria um novo portal visual para nossos circuitos da
linguagem.
A aprendizagem da leitura promove a ativação de uma região do córtex
occipitotemporal esquerdo, chamada de área da forma visual das palavras, como dito
acima, que Dehaene (2012) também chamou de Caixa das Letras. Esta permite o
reconhecimento de palavras, mesmo quando diferentes em posição, fonte, tamanho.
Essa região é a mesma ativada em todas as línguas. Para o autor, a leitura começa no
olho.

Cada leitor dispõe de um captor: o olho e a sua retina. As palavras aí se


fixam sob a forma de manchas de sombra e luz, as quais devem ser
decodificadas sob a forma de signos linguísticos compreensíveis. A
informação visual deve ser extraída, destilada, depois recodificada num
formato que restitua a sonoridade e o sentido das palavras. (p. 26)

Quando lemos, olhamos para a página em busca por decodificar as palavras na


sequência do texto. Em português, por exemplo, realizamos a leitura da esquerda para
a direita, de cima para baixo, mesmo assim, ao aprender a ler, os leitores adaptam tal
habilidade ao tipo de ortografia das línguas que utilizam.
Nesse sentido, o leitor procura então reconhecer as letras, desmembrada em
milhares de fragmentos pelos neurônios da retina, a cadeia de letras deve ser
reconstituída antes de ser reconhecida. (Dehaene, 2012, p.25). Assim, o leitor
desenvolve duas rotas de leitura, a fonológica, por meio da relação grafema-fonema, e
a lexical, por meio do acesso da palavra inteira na memória verbal.
As letras possuem variados tamanhos e formatos, a depender da fonte e objetivo
da escrita. Sendo assim, saber ler é conseguir fazer a identificação dessas variáveis, o
que Dehaene chama de “variância das letras”, que podem ser classificadas em três
formas: o tamanho das letras, a posição das palavras e a forma dos caracteres.
Quando se aprende a ler, e com prática constante, a leitura se torna cada vez
mais rápida e automática. Para Dehaene (2012, p.32), é preciso, pois, atingir um
reconhecimento invariante, apesar da grande variedade de formas da superfície que
as palavras podem assumir. Com treino e prática constantes, após a etapa de aprender
a decodificar, quando os leitores costumam ler em voz alta, a leitura passa pouco a
pouco para a fase de leitura fluente e silenciosa.
Para Ehri (2004), a velocidade da leitura das palavras é parte da construção da
fluência, enquanto que a automaticidade vem com a consolidação durante o
desenvolvimento de leitores maduros, que reconhecem a maioria das palavras
automaticamente. Dessa forma, a fluência se refere também ao tempo que o leitor leva
para realizar a leitura silenciosa, por exemplo, e após esta, podemos verificar a
compreensão, que seria a interpretação acerca do que foi lido.
Após nos dedicarmos a entender como o cérebro acomoda a leitura, abordamos
na seção seguinte, os conceitos de alfabetização, letramento e literacia e seus usos
em diferentes contextos de países em níveis de desenvolvimento distintos, numa linha
do tempo que explica um pouco como esse entendimento está sendo construído entre
educadores, professores e pesquisadores.

1.2.2 Alfabetização, Letramento e Literacia


Os termos Alfabetização, Letramento e Literacia, embora possuam concepções
essencialmente distintas, são a para José Morais (2020), no Brasil, utilizados muitas
vezes de forma indiscriminada e equivocada. Na busca por definições coerentes com
a ciência da leitura é essencial que, além das terminologias e seus usos, os
conhecimentos científicos e das neurociências sobre como acontece o
desenvolvimento cognitivo da literacia, bem como o impacto dos aspectos sociais
nesse processo, seja oferecido de forma contínua para as escolas, gestores e
professores.
De acordo com Soares (2003), precisamos compreender a evolução da
terminologia numa linha do tempo, e como diferentes conceitos foram sendo moldados.
Historicamente, o conceito de ‘letramento’ está também relacionado à reinvenção do
termo ‘alfabetização’. Nesse sentido, letramento é entendido como o uso da leitura e
escrita em práticas sociais.

É curioso que tenha ocorrido em um mesmo momento histórico, em


sociedades distanciadas tanto geograficamente quanto
socioeconomicamente e culturalmente, a necessidade de reconhecer e
nomear práticas sociais da leitura e de escrita mais avançadas e
complexas que as práticas de ler e do escrever resultantes da
aprendizagem do sistema da escrita. (p. 6)

Para Soares (2003), em países desenvolvidos, de primeiro mundo, como Estados


Unidos, França e Inglaterra, os pesquisadores observaram problemas no uso da leitura
e da escrita de pessoas alfabetizadas em suas práticas sociais, notando uma
necessidade de aprimorar essas habilidades para melhor desempenho no âmbito
acadêmico e profissional. Diante disso, realizaram pesquisas para identificar o que
precisava ser desenvolvido no ensino da leitura e escrita, inserindo estratégias e
métodos que mostravam os melhores resultados.
No Brasil, diferentemente dos demais países apontados no texto de Soares
(2003), o foco ainda está na tentativa de compreender, utilizar e diferenciar
alfabetização e letramento, [...] o movimento se deu, de certa forma, em direção
contrária: despertar para a importância e necessidade de habilidades para o uso
competente da leitura e da escrita tem sua origem vinculada à aprendizagem inicial da
escrita”. (p. 7). Ou seja, o foco ainda está no processo de entendimento e na
diferenciação dos conceitos de alfabetização e letramento.
Nesse contexto, segundo Soares (2003), no Brasil, entende-se o termo
‘alfabetização’ como saber ler e escrever, de forma a ser capaz de decodificar. Em
seguida, surge o nível de “alfabetização funcional”, para o entendimento da leitura e da
escrita com um maior grau de complexidade, levando ao conceito de letramento, como
aquele que é capaz de fazer uso da leitura e da escrita em suas práticas cotidianas.
Para Alves e Finger (2022), ‘alfabetização’ se caracteriza como a capacidade
desenvolvida pelos leitores no que se refere ao saber relacionar os símbolos gráficos
com as letras do alfabeto, e também os fonemas. Uma vez que esse processo passa a
ser consolidado, quando os alunos se apropriam do código escrito, as etapas seguintes
como a prática da leitura, seu uso em situações sociais e ler para aprender, vão sendo
desenvolvidas gradativamente, com instrução explícita dos professores e feedback
constante aos alunos.
Para Morais (2020), a alfabetização é entendida como o ensino que faz com que
o indivíduo, criança ou adulto, se torne capaz de ler e escrever no sistema alfabético e
letramento é a prática social da leitura e da escrita. De acordo com Soares (2003), a
alfabetização é entendida como processo de aquisição e apropriação do sistema da
escrita, alfabético e ortográfico (p. 16). Neste contexto, a alfabetização e letramento
estão associados. Portanto, os conceitos de alfabetização e letramento são entendidos
como complementares.

[...] a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da


escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela
aquisição do sistema convencional da escrita - a alfabetização - pelo
desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de
leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita - o
letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes,
e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por
meio de práticas sociais de leitura e escrita, isto é, através de atividades
de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto
da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é,
em dependência da alfabetização. (p. 14)

Tendo discorrido sobre os conceitos de alfabetização e letramento, apresentamos


agora o conceito de literacia que, para Morais (2020), caracteriza os processos
cognitivos e habilidades linguísticas envolvidas no desenvolvimento da competência de
uso da leitura e da escrita ao longo da vida.
Alves, Finger e Brentano (2022) propõem um modelo de quatro níveis de literacia,
que são: Habilidades Sócio-Metalinguísticas, Literacia Alfabética, Literacia Textual e
Literacia Social. O primeiro diz respeito ao desenvolvimento das competências
desenvolvidas pelos alunos, que acontece antes da consolidação do sistema alfabético
da língua, como a compreensão do discurso oral, os conhecimentos de situações
familiares, seu contexto social e de habilidades metafonológicas.
De acordo com os autores, o segundo nível de literacia ocorre no processo de
alfabetização e no desenvolvimento do nível de consciência fonêmica, com uma prática
de leitura fluente envolvendo o exercício cognitivo, utilizando de forma complementar
os processos “bottom-up” (ascendentes) e “top-down” (descendentes). O terceiro nível
acontece com o desenvolvimento das habilidades de leitura com independência quanto
à estrutura textual. Por fim, o quarto nível é a habilidade de uso da compreensão do
texto escrito em práticas sociais.
Para além das questões terminológicas apontadas até aqui, na prática, os dados
mostram que, no Brasil, a aprendizagem da leitura e escrita precisa melhorar. Por isso,
ter-se clareza sobre esses conceitos, bem como sobre as maneiras de ensinar, podem
ser fundamentais para que isso aconteça.
De acordo com o relatório de 2016 do Sistema de Avaliação da Educação Básica
– Avaliação Nacional de Alfabetização (SAEB/ANA), produzido pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apenas 13% os
participantes (resultado nacional) ficaram no nível 4 de leitura, o último nível, que
classifica os leitores proficientes e com grau avançado de desempenho leitor. Os
leitores desse nível, segundo o referido relatório, fazem conexões com seus
conhecimentos prévios e outras leituras realizadas, pensam criticamente, levantam
possíveis hipóteses e buscam diferentes fontes, verificam sua veracidade para formar
opinião acerca do que leem e como interpretam as leituras, utilizando estratégias mais
complexas, que demandam do seu cognitivo.
Segundo o documento, no último nível da escala de Leitura são mais comuns as
inferências e as identificações de referentes de pronome possessivo, demonstrativo,
indefinido, pessoal oblíquo e de advérbio. [...] apresentam maior complexidade
vocabular e extensão. (ṕ.41). Logo, observamos que em escala geral, um percentual
pequeno de todos que participaram, alcançou um resultado de leitores proficientes, que
utilizam de forma satisfatória habilidades linguísticas e cognitivas, quando leem para
aprender.
Para Morais (2020), um caminho que podemos seguir para tentar diminuir os
baixos índices dos resultados de leitura e escrita no Brasil é o desenvolvimento da
literacia, já que esta promove a leitura hábil, que, por sua vez, auxilia no
desenvolvimento do pensamento crítico e criativo dos aprendizes. Ainda sobre os
índices de leitura no nosso país, no site da Rede Nacional de Ciência para Educação
(Rede CpE), Scliar-Cabral (2022) aponta que o número de crianças entre seis e sete
anos que não sabiam ler ou escrever aumentou consideravelmente entre os anos de
2019 e 2021, passando de 25,1% para 40,8%, segundo a publicação de dados
levantados pela organização Todos pela Educação.
Scliar-Cabral (2022) apresenta, ainda, outros dados que vão ao encontro dos
mencionados acima, como o boletim do INAF de 2018, no qual 29% dos brasileiros
estão como analfabetos funcionais, 34% em nível elementar e apenas 12% como
proficientes. Assim, este último percentual mostra o pequeno número de pessoas no
Brasil que se mostraram aptas ao exercício da cidadania nas esferas acadêmicas e
profissionais, no que diz respeito à leitura e compreensão de textos.
O PISA de 2018, que acontece a cada três anos e mede a aprendizagem de
alunos do início do ensino médio, mostrou que o Brasil obteve um resultado
preocupante, ficando na posição 57º em leitura, de 79 países que participaram.
Considerados em conjunto, os dados aqui expostos apontam para um cenário
alarmante na aprendizagem da leitura em nosso país, de modo que levaram Scliar-
Cabral (2022) a concluir que o início do processo de alfabetização precisa ser
urgentemente avaliado e reformulado, seguindo a neurociência da leitura, a
psicolinguística e a neuropsicologia.

1.2.3 Como acontece a Biliteracia

A literacia promove a prática contínua da leitura e escrita para aprender, e, no


contexto bilíngue, o desenvolvimento dessas habilidades cognitivas e linguísticas
ocorre em duas ou mais línguas, de modo que se complementam. Quando a instrução
do que é estudado acontece de forma bidirecional, os alunos percorrem caminhos
distintos e relacionados em cada idioma (Ahmadi, Khoii e Taghadosian, 2015).
Uma problemática em estudos sobre biliteracia se dá em torno dos modelos
simultâneo e consecutivo. No primeiro, os alunos aprendem a ler e escrever nas duas
línguas em paralelo, enquanto, no segundo, primeiro o estudante é alfabetizado em
uma língua e, após estar lendo e escrevendo, passa pelo processo de alfabetização na
segunda língua.
Acontece que alguns professores e/ou famílias, bem como profissionais externos,
que acompanham alunos em escolas com ensino bilíngue, acreditam que o modelo de
biliteracia simultânea, quando os alunos são alfabetizados nas duas línguas ao mesmo
tempo, pode trazer prejuízos ao processo. No entanto, os estudos conduzidos nessa
área, que iremos revisar nesta seção, apontam justamente o contrário, evidenciando
benefícios do modelo de biliteracia simultânea (Ahmadi, Khoii e Taghadosian, 2015).
Um estudo realizado por Escamilla et al. (2014), que incluiu um total de 13 escolas
em Oregon, nos Estados Unidos, apontou que bilíngues emergentes, ou seja, que
estão aprendendo uma língua adicional ao mesmo tempo que estão desenvolvendo
sua língua materna, quando avaliados em programas educacionais bilíngues,
demonstram benefícios quando recebem instrução de ensino em duas línguas, de
modo que não ficam confusos ou atrasados pela inclusão da aprendizagem no outro
idioma em paralelo.
Nessa pesquisa, Escamilla et al. (2014) apontam o modelo de “alfabetização ao
quadrado” (Literacy Squared) como algo inovador no desenvolvimento da biliteracia
para estudantes bilíngues emergentes de espanhol como L1 e inglês como L2,
utilizando instrução da leitura e escrita com alocações de tempo específicas para cada
língua, com foco em conexões entre os idiomas. Num formato holístico de biliteracia,
que tem como objetivo o desenvolvimento acadêmico pleno para uso na vida pessoal,
e posteriormente profissional dos estudantes nas duas línguas, os autores trabalham
quatro componentes: alfabetização em pares, avaliação nas duas línguas,
desenvolvimento profissional e pesquisa.
Os autores observaram que os estudantes da pesquisa apresentaram avanços
tanto na leitura como na escrita em espanhol e inglês, e os professores passaram a
destinar atenção à conexão entre as duas línguas, como um fator específico do modelo
da literacia ao quadrado, ou seja, o contexto positivo da biliteracia.

Essas descobertas apoiam a ideia de que fornecer aos alunos bilíngues


emergentes instrução de alfabetização em pares e ensiná-los
explicitamente a fazer conexões entre idiomas não os confunde ou
impede seu desenvolvimento acadêmico em seu idioma. Em vez disso,
permite que os alunos desenvolvam suas habilidades de alfabetização
simultaneamente em dois idiomas, acelerando seu desenvolvimento de
alfabetização em inglês, apoiando seu desenvolvimento de
alfabetização em espanhol e ajudando-os a se tornarem bilíngues e
biliteratos. (2014, p. 40)
Portanto, conforme observamos no estudo mencionado, a biliteracia acontece de
modo a complementar a aprendizagem da leitura e escrita. Assim, agrega de forma
positiva, uma vez que os alunos fazem uso das estratégias de uma língua para
aprender na outra, dando sentido ao que já sabem, utilizando esse conhecimento em
seu favor durante o processo.
Nessa mesma linha, Ahmadi, Khoii e Taghadosian (2015) conduziram um estudo
com estudantes de ensino bilíngue no Irã, utilizando persa como L1 e inglês como L2,
apontando efeitos a longo prazo na fluência da leitura para os alunos bilíngues. Ainda
nesse estudo, alguns professores acreditavam que a literacia simultânea nas duas
línguas era um desafio, de modo que achavam que adiar a alfabetização na segunda
língua, focando primeiro na língua materna, tornaria o trajeto menos confuso.
Contrariando tais previsões, os resultados da pesquisa demonstraram vantagens no
modelo de ensino concomitante nos dois idiomas.
Diante desse modelo de ensino, é importante ressaltarmos que quando os alunos
estão inseridos em um contexto de escola bilíngue com duas línguas (biliteracia), o
processo de alfabetização acontece com as particularidades de cada língua, ou seja,
dobra o desafio. Nesse sentido, cada uma possui sua ortografia, sendo assim, para que
os estudantes decodifiquem os textos, as necessidades aumentam, ao mesmo tempo
que as adaptações ocorrem, assim, de forma bidirecional.
A pesquisa de Ahmadi, Khoii e Taghadosian (2015) tinha como participantes
alunos com uma média de sete anos de idade, bilíngues (persa e inglês) e um grupo
controle de monolíngues (persa), que ainda seriam alfabetizados tanto na L1 como na
L2, ambos os grupos receberam instrução em persa por um período, e o grupo bilíngue
recebeu ainda, instruções extra em inglês no mesmo tempo. Testes de literacia foram
aplicados, em intervalos de tempo, para observar o progresso dos alunos e a análise
dos dados mostrou que num intervalo pequeno de tempo, não foram observadas
grandes diferenças entre bilíngues e monolíngues; logo, não encontraram impactos
negativos na biliteracia simultânea.
Por outro lado, após uma média de semanas de instrução, na segunda parte da
análise, os bilíngues superaram os monolíngues em termos de fluência de leitura, bem
como integraram acurácia e fluência, ou seja, apresentaram vantagens. Desse modo,
o estudo apontou evidências a favor da biliteracia, ou seja, a aprendizagem da leitura
e escrita nas duas línguas, ao contrário do que era pensado, que poderia ser um
problema.
Essa descoberta está de acordo com o que Kovelman et al sustentam
de que "crianças pequenas podem aprender dois sistemas de leitura e
duas línguas simultaneamente e sem confusão, especialmente se essa
dupla leitura e exposição à linguagem ocorrerem cedo na vida". (p. 2118)

Portanto, de acordo com os achados de Ahmadi, Khoii e Taghadosian (2015)


aprender a ler e escrever em duas línguas, ainda que seja um processo complexo,
promove aos alunos uma oportunidade de desenvolvimento de habilidades que são
utilizadas em um idioma ou outro. Assim, numa trajetória paralela, se encontram e
relacionam, favorecendo a aprendizagem por meio do uso da linguagem.
Um estudo de revisão realizado por Williams e Lowrance-Faulhaber (2018), sobre
a escrita de bilíngues no período de 2000 até 2017, analisou 35 artigos que abordavam
esse tema. Os resultados, em geral, demonstraram que a instrução em duas línguas
dava suporte à biliteracia. No estudo, os pesquisadores buscaram observar algumas
questões como o que os bilíngues sabem sobre escrita, quais estratégias utilizam, as
semelhanças e diferenças no desenvolvimento da escrita de alunos bilíngues e
monolíngues de inglês e as pedagogias usadas para dar suporte ao desenvolvimento
da escrita bilíngue.
Nas análises dos artigos revisados por Williams e Lowrance-Faulhaber (2018)
foram observados aspectos importantes, como o caso de estudantes bilíngues
emergentes de espanhol e inglês da pré-escola, que conseguiram distinguir entre o
desenho e a escrita quando solicitados. Além disso, também diferenciavam entre as
convenções das ortografias e das impressões de suas línguas.
Outro aspecto interessante encontrado nesses artigos revisados por Williams e
Lowrance-Faulhaber (2018) foi que os alunos bilíngues de espanhol e inglês do
primeiro ano do ensino fundamental, ao aprender a escrever, utilizavam em seus textos,
acentos apenas em espanhol e apóstrofes somente em inglês. Portanto, preservavam
a referência cultural e linguística de cada língua.
Além disso, na leitura, esses estudantes bilíngues demonstravam conhecimentos
sobre a construção da consciência fonológica em cada língua. E na relação entre letra
e som em inglês e espanhol, os bilíngues de espanhol-inglês soletravam palavras da
mesma maneira, nas duas línguas, mas liam de forma diferente, reconhecendo assim,
as particularidades de cada idioma.
Nesse sentido, Williams e Lowrance-Faulhaber (2018) observaram que os alunos
bilíngues aplicavam seus conhecimentos fonológicos de espanhol quando escreviam
vogais em inglês. Dessa forma, apresentavam uma compreensão que a escrita é um
meio de comunicação, e nesse processo de biliteracia, em uma das etapas,
costumavam escrever de modo semelhante à como falavam, com apoio na oralidade.
Um outro fator importante desses artigos, ainda sobre os bilíngues, foi o modo
como demonstraram uso de diferentes estratégias para o desenvolvimento da escrita,
uma delas é usar a oralidade para escrever, ou seja, falando em voz alta, para
segmentar os sons nas palavras, e assim planejar a escrita, de modo a visualizar o
significado em seus textos. Nesse sentido, utilizam também a alternância de códigos
para compreender e contextualizar o significado entre as línguas utilizadas na
aprendizagem por meio da biliteracia.
Bilíngues em processo de desenvolvimento da escrita utilizam a aplicabilidade de
conhecimentos específicos em uma língua, como as regras, na outra, e, esse exercício
bidirecional, segundo os autores, é uma prática frequente para esses estudantes
quando aprendem a ler e escrever em duas línguas simultaneamente, como a
alternância de código linguístico. De tal modo, no artigo de revisão de estudos por
Williams e Lowrance-Faulhaber (2018, p.61), cinco estratégias foram as mais
observadas:

a) transferência fonética (usando uma letra de uma língua para


representar um som na outra língua)
b) transferência sintática (aplicando estruturas sintáticas exclusivas
de um idioma para outro idioma)
c) alternância de código linguístico intra-sentencial (movendo-se
entre idiomas dentro de uma frase) e inter-sentencial (alternando
idiomas entre frases).
d) transferência de pontuação (aplicando convenções exclusivas de
um idioma para outro idioma)
e) palavras de empréstimo (usando palavras que são comuns em
um determinado idioma em outro idioma).

Ao considerarmos os estudos revisados por Williams e Lowrance-Faulhaber


(2018) como um todo, notamos que na biliteracia simultânea os estudantes fazem
conexões entre os conhecimentos que já possuem em uma língua para aprender na
outra, e esse desenvolvimento, bem como a adaptação das estratégias durante o
processo, acontece de modo a favorecer a aprendizagem. Logo, os autores tendem a
sugerir a biliteracia como uma oportunidade favorável para os alunos no aspecto
cognitivo.

Ainda, de acordo com os achados nos estudos mencionados na pesquisa de


Williams e Lowrance-Faulhaber (2018), os bilíngues demonstram ter desenvolvido
habilidades como o uso de ferramentas linguísticas e recursos nas línguas e entre estas,
que podem aplicar durante o processo de construção da aprendizagem das línguas
(e/ou por meio delas).
Desse modo, o bilinguismo e a biliteracia das crianças são expandidos através
das suas transações com mundos letrados que se sobrepõem e interagem, pois esses
alunos trazem repertórios ricos tanto linguísticos quanto culturais para o contexto de
aprendizagem da leitura e escrita. Por fim, Williams e Lowrance-Faulhaber (2018)
concluem que a biliteracia simultânea é um processo diferente da literacia em uma
língua, de modo que os estudantes não ficam confusos ao estudarem nas duas línguas
ao mesmo tempo.
Ao invés disso, utilizam seus conhecimentos nos dois idiomas para que seu
aprendizado aconteça tanto na L1 como na L2, de maneira estratégica e usando a a
alternância entre os idiomas. Segundo García (2009), as múltiplas práticas discursivas
que os estudantes utilizam em contextos de ensino bilíngue para a sua aprendizagem
nas duas línguas, especialmente a segunda (L2).
Concluímos essa seção apontando que os estudos aqui revisados sobre
biliteracia demonstram que os alunos bilíngues apresentam um bom desempenho nas
duas línguas. Quando o processo ocorre de forma simultânea a longo prazo, suas
performances de leitura são melhores quando comparados aos monolíngues ou
estudantes do formato de biliteracia consecutiva, direcionando essa questão para
posteriores pesquisas, de modo que possam continuar testando e analisando os
resultados, atualizando constantemente essa discussão.
Na seção seguinte, discorremos sobre a análise de grafos (MOTA et al, 2012), um
paradigma de análise computacional da linguagem que considera a estrutura da
linguagem oral e escrita, por meio da conectividade entre as palavras no discurso
espontâneo dos alunos. Em nosso estudo, utilizamos esse paradigma de análise para
medir a conectividade de fala tanto em L1 como em L2, em contexto de ensino bilíngue
e biliteracia simultânea, usando como premissa as pesquisas que vêm sendo
realizadas por Mota e colaboradores (2012, 2014, 2016, 2018, 2019) com crianças
bilíngues em diferentes contextos.

1.3 ANÁLISE DE GRAFOS APLICADA AO CONTEXTO BILÍNGUE

Neste tópico dissertamos sobre a Teoria e a Análise de Grafos, relacionando com


a linguagem oral, apontando seus elementos e atributos assim como a maneira que
são interpretados em algumas pesquisas previamente publicadas (Mota et. al, 2012,
2014, 2016 e 2018), Luz (2018), Lemke et. al (2021), Leandro (2021) e Deiró (2021).

1.3.1 A Teoria de Grafos

Segundo Wilson (1996, apud LUZ, 2018), a Teoria de Grafos corresponde a uma
ramificação matemática que trata da relação entre elementos de um conjunto. Para
Mota et al (2012), um grafo representa uma rede com nós conectados por arestas; no
caso da linguagem, os nós correspondem às palavras e as arestas correspondem às
relações semânticas e gramaticais entre essas palavras.
O uso dessa abordagem como uma ferramenta de análise dos elementos de um
conjunto iniciou a partir do matemático suíço Leonhard Euler, que estudou sobre grafos
buscando resolver o problema das pontes de Königsberg. Como descreve Luz (2018,
p. 59), discutia-se, na cidade, a possibilidade de atravessar todas as pontes, sem repeti-
las, nesse caso, o estudioso criou um grafo, denominando as pontes como retas e seus
cruzamentos em pontos (nós).

Figura 2: Gráfico das pontes de Königsberg


Fonte:
https://www.researchgate.net/publication/307015892_Graph_theory_analysis_of_complex_brain_netwo
rks_New_concepts_in_brain_mapping_applied_to_neurosurgery

De acordo com Leandro (2021), os grafos podem ser não direcionados ou


direcionados. Nesse sentido, o primeiro apresenta as conexões entre os elementos
representados por nós, no entanto, sem as suas direções, o segundo, possui ligações
por arestas direcionadas (como setas). Quando olhamos para um grafo direcionado,
observamos que ele estabelece o ponto de partida e de chegada de cada aresta, ou
seja, o caminho entre nós, de modo que denomina como estão relacionados.
Por essa e outras razões, a Teoria de Grafos pode ser utilizada em diversas áreas
de pesquisa, por poder ser aplicada e adaptada a diversas representações gráficas de
elementos de naturezas distintas. Na linguagem, segundo Luz (2018), [...] as regiões
do cérebro interagem para que haja o processamento de informações, que é
semelhante às topologias de rede descritas pela matemática como grafos - o que
justifica a utilização recorrente da TG em neurociências. (p. 59). Assim, a aplicabilidade
da Teoria de Grafos tem sido apresentada como eficaz no que concerne a análise das
relações entre os seus elementos e interpretação dos atributos, como observamos, por
exemplo, nos estudos de (Mota et al., 2016), Luz (2018) e Leandro (2021).
Em 2012, Mota e colaboradores publicaram uma pesquisa sobre os grafos de fala
como um preditor de medidas quantitativas do distúrbio do pensamento na psicose.
Esse estudo mostrou que as alterações do processo de pensamento observadas nas
falas de pacientes psicóticos podem ser medidas através de ferramentas de grafos,
desenvolvidas para identificar características específicas do fluxo do pensamento,
como divergência e recorrência.
Uma outra publicação de pesquisa de Mota et al. (2014), acerca de uma análise
de grafos com relatos de sonhos sobre psicose, contou com entrevistas psiquiátricas
em que os entrevistados foram orientados a fazer um relato de um sonho recente e
outro sobre as suas atividades de vigília logo antes desse sonho. Cada amostra de fala
foi transcrita e representada como um grafo, no qual cada palavra representava um nó
e cada conexão temporal entre palavras consecutivas representava uma aresta, os
resultados sugerem que os relatos dos sonhos são mais preditivos no diagnóstico de
psicoses do que os relatos da vigília.
Em 2016, Mota e colaboradores decidiram verificar se a análise de grafos seria
capaz de predizer também o desenvolvimento típico e realizaram um estudo com 76
crianças, de 6-8 anos, sobre uma avaliação da organização de suas memórias como
preditora do funcionamento cognitivo e da capacidade de leitura. No estudo, os
pesquisadores também mediram habilidades matemáticas, quociente de inteligência
(QI) e Teoria da Mente (TOM).
Os resultados revelaram que as crianças que relataram suas memórias
declarativas com maior número de palavras diferentes e com mais conexões entre elas
e menos repetições de palavras - associações de palavras - tiveram melhor
desempenho nos testes de QI e ToM. (p. 7). Logo, quanto mais conectadas e
diversificadas eram as palavras utilizadas nas falas dessas crianças, melhores eram
suas performances também nos testes cognitivos.
Ainda nessa linha do tempo de pesquisas realizadas com uso da Teoria de
Grafos, Mota et al. (2018) publicaram um artigo reportando uma análise computacional
de grafos de relatos verbais de sujeitos que abrangem 6 décadas de idade e 2 décadas
de educação. Os resultados estabelecem que mudanças assintóticas ao longo do
tempo acontecem mais em decorrência da educação do que da idade; logo, apontando
a educação formal como capaz de promover um discurso verbal com menos repetições,
um vocabulário mais diversificado e com melhor organização estrutural a longo prazo.
Portanto, como podemos observar nos estudos aqui reportados, a análise de
grafos tem se mostrado uma ferramenta eficaz para análise de relatos orais por meio
da linguagem. Como menciona Mota et al. (2016, p.57), a linguagem pode ser
entendida como uma janela para a organização dos pensamentos, dessa forma, esse
recurso de pesquisa promove a análise de dados e interpretações destes, e, seus
resultados, apontam maneiras de medir o desenvolvimento dos participantes de
maneira informativa.

1.3.2 Os atributos da Análise de Grafos

Como vimos, a teoria de grafos pode ser utilizada em variadas situações de


pesquisa por ser adaptável e aplicável em diversas áreas (Leandro, 2021). Assim,
buscando também analisar diagnósticos da área da psiquiatria, um grupo
multidisciplinar do Instituto do Cérebro da UFRN desenvolveu um software
SpeechGraphs2, a fim de obter representações gráficas de discursos que viabilizassem
o levantamento de dados expressivos de diferenças de conectividade textual entre
relatos verbais de pacientes com psicose e indivíduos normais. (Luz, 2018, p. 60). Logo,
essa ferramenta tornou-se muito útil para informar dados por meio da análise estrutural
da fala.
De modo a estabelecer os elementos do grafo de fala, numa análise de teoria de
grafos, apontamos cada atributo numa definição que pode ser explicada com base no
que está sendo representado. Neste trabalho, com uma abordagem psicolinguística,
para Mota et al. (2016), os atributos de grafo de fala estão divididos em atributos gerais,
de recorrência, globais e de conexão.
Os atributos gerais são o número total de nós (N), número de arestas (E) e
contagem de palavras (WC). A contagem de palavras representa o número total de
palavras produzidas pelo falante, incluindo as que se repetem. Os nós são as palavras
faladas; no entanto, em repetições de palavras, usa-se o mesmo nó, com arestas
representando as recorrências (Leandro 2021), as arestas apontam o caminho
percorrido entre as palavras da fala. Segundo Luz (2018),

[...] grafos são representações de composição variada. As


características de cada composição revelam muito sobre os fenômenos
representados pelos grafos, e são chamadas de atributos. Uma análise
de grafos, portanto, implica a seleção de atributos pertinentes, que
possam ser quantificados e que revelem nuances importantes do padrão
de conectividade do fenômeno investigado. (p. 65)

Como descreve Leandro (2021, apud Mota et al., 2016), os atributos de


recorrência são as arestas paralelas (PE), as arestas repetidas (RE), os ciclos de um
nó (L1), sendo 1N ou Loop, de dois nós (L2) ou três nós (L3), em um ciclo de dois nós,
uma seta do nó A é direcionado ao nó B e retorna ao nó A, no ciclo de três nós, a aresta
deixa o nó A, alcança o nó B e vai para o nó C, retornando ao nó A (p. 58). As arestas
paralelas são ligações entre dois nós em direções opostas e as arestas repetidas ligam
os nós na mesma direção.
Os atributos globais de grafo são a densidade (density), o diâmetro (diameter) e
o menor caminho médio (ASP). De acordo com a Mota et al. (2016, apud Luz, 2018), a

2
SpeechGraphs - software desenvolvido por membros do Instituto do Cérebro (UFRN), por R.
Furtado, P. P. C. Maia, N. B. Mota, S. Ribeiro, M. Copelli e D. F. Slezak, disponível para download
gratuito em https://neuro.ufrn.br/softwares/speechgraphs.
densidade registra quão condensados os nós se encontram, o diâmetro, aponta quão
estreito é o arranjo dos nós e o menor caminho médio estabelece a extensão média
dos tecidos textuais.
Por fim, de acordo com Mota et al. (2018), os atributos de conectividade são o
Grau Médio Total (ATD), que estabelece a média de relações que os itens lexicais de
um texto estabelecem entre si, o Maior Componente Conectado (LCC), que mede a
conexão entre as palavras do grafo, e o Maior Componente Fortemente Conectado
(LSC), como o maior número de nós direta ou indiretamente conectados por caminhos
recíprocos. (Leandro, 2021). Esses dois últimos atributos têm sido usados nos estudos
que mencionamos aqui, como em Mota et al., 2016 e 2019), para medir padrões na fala
de crianças para apontar o alto grau de conectividade como indicador de maior
desempenho cognitivo, como nos estudos que revisamos a seguir.

1.3.3 Análise de grafos aplicada a estudos sobre bilinguismo e biliteracia

Alguns estudos utilizaram a análise de grafos em contextos de bilinguismo e


biliteracia, nos quais a língua inglesa é estudada como segunda língua. Nesse sentido,
a pesquisa de Leandro (2021) analisou como a capacidade de memória de trabalho,
planejamento pré-tarefa e produção oral da L2 estão relacionados.
Leandro (2021) utilizou a teoria da análise de grafos para medir como os níveis
de proficiência e produção da segunda língua se relacionam, com 56 participantes, em
níveis pré-intermediário e avançado. Nesse estudo, amostras de fala dos dois grupos
de falantes de L2 foram comparadas em termos de medidas de fala a fim de investigar
se os grafos de fala poderiam ser usados como uma avaliação alternativa da produção
oral em L2.
Seguindo essa perspectiva, Lemke et al. (2021) investigaram os efeitos do
bilinguismo e biliteracia nos níveis de organização do pensamento, com medidas de
conectividade, bem como a complexidade sintática na produção escrita dos alunos dos
5º e 6º anos numa escola bilíngue no sul do Brasil. O estudo mediu a organização do
pensamento através da análise e produção escrita dos participantes, utilizando também
o software SpeechGraphs, e os resultados apontam uma correlação positiva moderada
entre o atributo da conectividade do pensamento e os níveis de escrita nas duas
línguas, indicando um desenvolvimento das línguas de forma bidirecional e paralela.
Semelhantemente a Lemke et al. (2021), em nossa pesquisa, a ser melhor
detalhada nos capítulos seguintes, usamos grafos para analisar se o desenvolvimento
da linguagem em português e inglês como segunda língua acontece em paralelo. No
entanto, utilizamos relatos de fala dos participantes, ao invés de produções escritas.
Recontos espontâneos de histórias nas duas línguas foram gravados, transcritos, e
analisados pelo software SpeechGraphs, para medir a conectividade das palavras
(LSC) na fala dos alunos do 5º ano do Ensino Fundamental. Analisamos a correlação
do nível de leitura dos mesmos, numa escola bilíngue em contexto de alfabetização
simultânea, com currículo integrado.
Concluímos esta seção com dados de pesquisas aqui revisadas (Mota et al 2012,
2014, 2016, 2018), Lemke (2021), Leandro (2021), apresentando a eficácia da análise
por meio da teoria de grafos. Segundo Deiró (2022), além da morfologia do grafo, que
facilita a visualização e a compreensão da dinâmica entre as línguas, os atributos
matemáticos de um grafo podem trazer informações que não são tão claras
visualmente. (p. 53). Temos acesso a uma ferramenta previamente utilizada em
estudos, de baixo custo e com aplicabilidade e adaptação possíveis às variadas áreas
de pesquisa.
Na sessão seguinte, tratamos da metodologia, iniciando pela natureza e as
perguntas de pesquisa, hipóteses e objetivos do trabalho. Em seguida, caracterizamos
os participantes do estudo, os instrumentos e os procedimentos de coleta e análise de
dados.

2. METODOLOGIA

Neste capítulo, tratamos da metodologia deste estudo, elencamos os objetivos,


as hipóteses e as perguntas de pesquisa, que almejam elucidar os efeitos da biliteracia
simultânea na leitura e na conectividade da fala de português e inglês como segunda
língua, com alunos do 5º ano do ensino fundamental em uma escola bilíngue, com
currículo integrado.

2.1. Perguntas de pesquisa, objetivos e hipóteses


Esta pesquisa acontece em um contexto escolar, através de um estudo que tem
como objeto de estudo os efeitos da biliteracia e da educação bilíngue. Os instrumentos
utilizados para a geração de dados são: (a) testes em L1 e L2 para avaliar a velocidade
e compreensão de leitura, (b) um teste de proficiência de Cambridge para medir a
proficiência em inglês e (c) medidas de atributos de conectividade do pensamento na
fala dos estudantes em português e inglês, através da análise de grafos, com a
ferramenta computacional SpeechGraphs (Mota et al., 2014, 2016, 2019).
A primeira pergunta desta pesquisa é saber quais são os efeitos da biliteracia
sobre a organização do pensamento em português e em inglês como segunda língua,
medida por atributos de conectividade de fala. A segunda pergunta é quais são os
efeitos da biliteracia simultânea sobre a habilidade de leitura em L1 e L2 de crianças
em contexto de educação bilíngue, e a terceira pergunta da pesquisa versa sobre a
relação entre as medidas de conectividade da fala a as medidas de leitura nas duas
línguas.
O objetivo geral da pesquisa é investigar os efeitos da biliteracia simultânea na
conectividade da fala e na habilidade de leitura de aprendizes do 5º ano do Ensino
Fundamental Anos Iniciais. Os objetivos específicos são:

1) Investigar os efeitos da biliteracia sobre a conectividade de fala,


comparando atributos de grafos na L1 e L2;
2) Examinar o impacto da biliteracia sobre a fluência e a compreensão de
leitura em L1 e L2;
3) Analisar a relação entre atributos de conectividade de fala e medidas de
leitura na L1 e L2.
A primeira hipótese supõe que a conectividade longa de fala das crianças (LSC)
se desenvolve em paralelo na L1 e L2, apontando para efeitos positivos do bilinguismo
e da biliteracia simultânea. A segunda hipótese estima que a relação entre a leitura em
L1 e L2 é paralela em termos de compreensão e fluência.
A terceira hipótese presume a verificação do poder preditivo dos atributos da
análise de grafos em relação às medidas de leitura em L1 e L2. Esperamos encontrar
uma relação positiva entre os atributos de grafos e as medidas de leitura (fluência e
compreensão), apontando para um poder preditivo da ferramenta SpeechGraphs na
compreensão do desenvolvimento da leitura em L1 e L2.
Na sessão seguinte, caracterizamos os participantes e o contexto da pesquisa.
Além disso, incluímos informações sobre o recrutamento para a participação deles
neste estudo.

2.1.1 Participantes e Contexto da Pesquisa

As duas turmas de alunos do 5º ano participantes desta pesquisa foram


convidadas a participar por meio de documentos previamente enviados e autorizados
pelos seus responsáveis (TCLE e outros), bem como por eles mesmos (TALE). A
pesquisadora é vinculada à escola, e com isso, tem acesso aos gestores, professores,
alunos e pais. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal
do RN, sob parecer número 5.007.372.
Na instituição de ensino onde a pesquisa foi conduzida, as aulas presenciais
retornaram durante o período da pandemia. Portanto, a coleta de dados ocorreu
normalmente, de forma presencial, em paralelo às tarefas que fazem parte da rotina
periódica de atividades e avaliação dos alunos na escola.
Desse modo, não houve prejuízo pedagógico para os alunos participantes desta
pesquisa, uma vez que durante as suas aulas regulares, costumam realizar as
atividades individualmente, em duplas ou pequenos grupos, nesses momentos, ora
semelhantes, outras vezes, diferentes, então, estão habituados a essa dinâmica de
alternância, uma vez que a instituição oferece também o ensino híbrido. Logo, a coleta
de dados pôde ser aplicada em modo presencial com os estudantes, na escola, ainda
que com a opção de acontecer em modo remoto em caso de alguma necessidade
durante a pandemia.
O estudo proposto contou com um total de 32 participantes, sendo 15 meninas e
17 meninos, que são alunos de duas turmas 5º ano (crianças com 11 anos de idade),
do Ensino Fundamental - Anos Iniciais na Maple Bear – Escola Canadense, situada na
cidade de Natal/RN. Os testes foram aplicados pela pesquisadora.
O contexto da instituição na qual acontece a pesquisa é de uma escola bilíngue,
com currículo integrado em português e inglês, e metodologia canadense. De tal modo,
promove alfabetização e biliteracia simultânea para os alunos, por meio de um
programa escrito com unidades temáticas, que trabalham os conteúdos por meio da
leitura. na Na educação infantil, para crianças até os 4 anos, a instrução acontece 100%
na L2 (língua inglesa), aos 5 anos, no último está desse segmento, é inserido 25% na
L1 (língua portuguesa), e, do 1º ano (série de alfabetização), em diante, no Ensino
Fundamental, as aulas ocorrem com instrução 50% em inglês e 50% em português.
O programa de ELA (English Language Arts) trabalha as artes da língua inglesa
por meio do desenvolvimento das habilidades de compreensão, fala, leitura e escrita.
Assim, inicia as unidades com perguntas norteadoras acerca do tema e conteúdos a
serem estudados.
Em seguida, o professor faz a modelagem e explica aos alunos os assuntos da
aula, após isso, realiza com eles algumas questões sobre o que é estudado. Por fim,
os estudantes são direcionados para realizarem com autonomia suas atividades do dia.
O comportamento de aprendizagem independente dos alunos é trabalhado diariamente
nas aulas, de forma gradativa ao longo das séries em formato espiral.
O programa de inglês tem como objetivo a aprendizagem da leitura, escrita, a
comunicação entre pessoas e o desenvolvimento da habilidade de compreensão por
meio da escuta. Portanto, a proposta de ELA é composta por oportunidades de
desenvolver as habilidades de linguagem (listening e speaking), para explorar e
desenvolver ideias através dos seus conhecimentos prévios atrelados aos novos, de
modo que os alunos possam compreender e organizar suas experiências.
O programa de ELA da escola se fundamenta no currículo de artes da língua
inglesa da província canadense de Manitoba. Nesse programa, durante as aulas de
inglês, os alunos aprendem a usar a linguagem oral para aprender, identificar, resolver
problemas bem como alcançar metas.
De acordo com a proposta do programa de inglês utilizado na instituição onde a
pesquisa foi aplicada, as habilidades de leitura e escrita oferecem aos estudantes uma
variedade de estratégias de aprendizagem para desenvolver a competência leitora.
Dessa maneira, podem construir significados e a interpretação crítica a partir de
diferentes textos.
Essa prática do programa de ELA acontece com o objetivo de fazer com que os
alunos aprendam a ler para fins de informação e prazer pela leitura. Ou seja, a
metodologia empregada promove o hábito de ler para aprender, porém, em duas
línguas, logo, há a prática diária da biliteracia simultânea.
No programa de ELA, trabalha-se as artes da linguagem em inglês como forma
de desenvolver a visão e representação, sendo que nele as imagens visuais oferecem
aos estudantes uma maneira de compreender e expressar ideias. Assim, os alunos
podem representar sua compreensão por meio de mídia, fotografias, apresentações,
textos, cartazes, arte, dramatizações, mímicas e outros. As aulas oferecem
modalidades de leitura diferentes diariamente, ora individual, outra vez em pequenos
ou grandes grupos, de modo interativo e/ou compartilhado, a depender do objetivo da
aula.
Por fim, o programa de ELA utiliza uma ferramenta para medir o nível de leitura
dos alunos em inglês, com uma nota geral a partir de pontuações específicas da
acurácia, fluência, compreensão e pronúncia, medida por letras de A à Z, divididas por
série/idade, que é o Running Records (do programa Reading A to Z). Essa tarefa serve
para que os professores avaliem a aprendizagem dos alunos.
A partir dos resultados obtidos através do Running Records, os professores
planejam estratégias e atividades para guiar os alunos nas aulas, colocando-os em
grupos de quatro/cinco alunos e/ou duplas, de modo que pratiquem diariamente o
hábito de leitura em variadas modalidades. Com isso, incentivam os estudantes a
avançarem progressivamente de níveis, à medida que sua fluência leitora e
compreensão forem sendo desenvolvidas com a prática constante do programa oficial
de leitura na segunda língua da escola.
As tarefas da pesquisa foram aplicadas em sua maioria nas aulas em modo
presencial, no segundo semestre do ano de 2021, uma vez que a escola voltou a
funcionar nesse formato durante a pandemia. Ainda assim, estando na instituição,
foram utilizadas com os participantes também as ferramentas digitais.
Nesse contexto, diante do formato híbrido adotado pela escola, poucos alunos
optaram por permanecer em modo remoto. Ainda assim, aqueles que o fizeram,
puderam participar da pesquisa através da plataforma google meet utilizada pela escola
para as aulas.
Na parte seguinte deste trabalho, mencionamos quais são as tarefas/testes
escolhidos como instrumentos dessa pesquisa. Além disso, pontuamos quais são os
procedimentos que adotamos para a coleta de dados.

2.2 Instrumentos e procedimentos de coleta de dados

Nessa seção elencamos os instrumentos de coleta de dados escolhidos para a


pesquisa. Primeiro, discorremos sobre como selecionamos, adaptamos e aplicamos o
teste de proficiência de Cambridge - “Starters” - em formato Kahoot.
Em seguida, apresentamos as tarefas para medir leitura e compreensão de L1 e
L2 (para português, o texto da “Lontra” - adaptado do Projeto Acerta, e para inglês, o
“Running Records” - do programa de leitura “Reading A to Z”). Por fim, detalhamos as
medidas de conectividade da fala através da teoria da análise de grafos, com o uso do
software SpeechGraphs.

2.2.1 O screening da proficiência na segunda língua (Teste de proficiência


de Cambridge “Starters” adaptado em formato “Kahoot”)

Para medir a proficiência dos participantes em inglês, adaptamos um dos testes


de Cambridge, o “Starters”, especificamente a parte de compreensão de leitura a partir
de imagens. Depois, transformamos em formato Kahoot, para ficar interativo e dinâmico
aos participantes.
A tarefa é composta por vinte e cinco perguntas, que os alunos realizaram usando
um chromebook. Cada aluno respondia individualmente, e ao concluir o teste, as
respostas/resultados eram enviados automaticamente para a pesquisadora que
montou o arquivo.

Figura 3: Teste de proficiência de Cambridge Starters adaptado em formato Kahoot

Fonte:
https://create.kahoot.it/details/4d5e4e06-2c92-4feb-8fa3-903746287f56

O teste tem perguntas com opções de respostas de múltipla escolha, com quatro
opções (a, b, c ou d). Os estudantes têm tempo para ler a pergunta, observar a imagem
e responder a cada questão.
Ao final, o kahoot gera um arquivo com resultados em percentuais de cada
pergunta e por participante que realizou o teste, este resultado é gerado em formato
excel e/ou pdf. O arquivo com resultados oferece a quantidade de respostas corretas
de cada questão e participante, assim como as questões respondidas e o resultado
final.
Por fim, esta tarefa foi escolhida para gerar dados de triagem acerca da
compreensão de leitura em L2. Portanto, pensamos em um formato apropriado para os
participantes tanto no vocabulário quanto na quantidade de questões e tempo para a
realização do teste.
A seguir, abordamos as tarefas que escolhemos para medir a leitura em portguuês
e inglês. Os testes apresentam formatos semelhantes em quantidade de palavras de
perguntas.

2.2.2 Testes de Leitura de L1 e L2 (Running Records - Reading A to Z e texto da


Lontra - Adaptado do Projeto Acerta)

Com o objetivo de medir os níveis de leitura dos participantes da pesquisa,


selecionamos duas tarefas similares em estrutura, uma para português e outra para
inglês. Ambas possuem textos com uma média de 157 a 182 palavras e 5 a 8 perguntas
de compreensão/interpretação do texto.
Na aplicação dos testes com os alunos, tanto em L1 como em L2, cronometramos
o tempo de leitura silenciosa, para analisar o quão automatizada está a leitura em cada
língua. Além disso, gravamos as respostas das perguntas de compreensão dos textos,
para contabilizar os acertos e fazer as observações necessárias.
No teste de leitura de inglês, utilizamos o Running Records, do programa Reading
A to Z (Figura 5), utilizado pela escola na qual realizamos a pesquisa. Tal tarefa é usada
na rotina da escola para medir o nível de leitura dos estudantes na L2, e com isso,
agrupá-los, assim como planejar a aplicação de algumas atividades nas aulas, e,
especialmente a fim de promover a prática e aprimoramento da leitura como modo de
aprender.
Figura 4 - Teste de Leitura - Running Record - do Programa Reading A to Z

Fonte:
https://www.raz-kids.com

Uma vez que no 5º ano, a expectativa de nível de leitura dos alunos pode variar,
de acordo com as letras propostas para classificar os níveis de leitura do programa
Reading A to Z (Raz-Kids), utilizado no bloco ministrado em inglês, o nível escolhido foi
o da letra “U” para a tarefa de leitura na L2, por se tratar de uma média entre os níveis
esperados para os alunos nessa série. Ao realizar o teste, os participantes receberam
o texto e realizaram a leitura silenciosa, em seguida, a pesquisadora fez em média
cinco perguntas de compreensão do texto, em inglês.
Uma vez que o objetivo da escolha e aplicação dessa tarefa é de coletar dados
para medir o nível de leitura e compreensão dos participantes em inglês, os marcadores
descritos na parte superior da Figura 4, como autocorreção, significado, erros, estrutura
e visual, não foram avaliados durante a realização da leitura silenciosa dos alunos;
apenas medimos o tempo e perguntamos as questões sobre o texto ao final.
Para coletar dados de leitura e compreensão em português, utilizamos um texto
sobre a lontra (SARAIVA, R; MOOJEN, S; MUNARSKI, R, 2007), também usado no
Projeto ACERTA3. O texto selecionado consiste de 157 palavras e 8 perguntas de

3
O projeto ACERTA foi financiado pelo Observatório da Educação/CAPES e surgiu com o
propósito de melhor entender as mudanças que ocorrem no cérebro das crianças em fase de
alfabetização. O coordenador geral do projeto multicêntrico foi o Dr. Augusto Buchweitz, da PUC-
RS.
compreensão; portanto, com medidas de número de palavras no texto e quantidade de
perguntas de compreensão semelhantes ao teste de leitura de L2, realizado em inglês,
com um dos testes do programa Raz-Kids.
No caso do texto em L1, além da parte escrita para a leitura silenciosa dos alunos,
utilizamos também uma figura da lontra, que é apresentada impressa e colorida aos
participantes antes da realização da leitura. Na ocasião, perguntamos aos estudantes
se conheciam o animal e o que sabiam sobre ele, como forma de verificar o
conhecimento prévio e instigar curiosidade para a leitura a seguir.
Após a leitura silenciosa do texto em português, que também foi cronometrada
para fins de análise, realizamos 8 perguntas de compreensão de texto. Gravamos em
áudio todo o momento de respostas dos alunos para posterior correção dos acertos e
verificação de anotações importantes.
Ao final da aplicação das tarefas de leitura em L1 e L2, realizadas individualmente
com cada aluno, de modo que fazem a leitura em uma língua seguida da outra,
alternando a sequência entre os participantes. Para registrar os dados coletados na
aplicação desses testes de leitura, organizamos a seguir planilhas do google, conforme
a Figura 5.

Figura 5: Planilha com Dados da Aplicação das Tarefas de Leitura

Fonte:
dados da pesquisa

Os testes de leitura em inglês e português foram aplicados aos participantes da


pesquisa em modo individual, sendo um seguido do outro. Para reduzir possíveis
efeitos de ordem das tarefas, utilizamos um quadrado latino, alternando a sequência
de participação dos estudantes.
No tópico a seguir, tratamos da análise da conectividade do pensamento dos
alunos. Para tal, usamos o software SpeechGraphs, que utiliza atributos que mostram
a conectividade entre as palavras na fala dos estudantes.

2.2.3. Tarefas de produção oral para medir a conectividade de fala por meio da
Análise de Grafos (SpeechGraphs)

Para coletar dados da produção oral dos alunos, com objetivo de medir a
conectividade da fala em português e inglês, realizamos tarefas com imagens
adaptadas do teste de proficiência de Cambridge. A tarefa consistia em observar as
figuras e a sequência, e a partir disso, contar a história de forma espontânea.
Os alunos realizavam essas tarefas em modo individual, assim, cada um era
chamado em uma sala, e junto a pesquisadora, recebia as instruções, e em seguida,
fazia a contação da história olhando para as imagens, ora em inglês, ora em português,
a depender da instrução (Figuras 6). No caso, a mesma história, das duas que
utilizamos, foram contadas nas duas línguas, em modo de alternância.

Figura 6: Tarefas de produção oral

Fonte:
Teste de Cambridge 2018
Cada aluno era orientado a fazer o reconto de duas histórias, uma em inglês e
outra em português, reconto seguido, que tinha uma sequência de imagens, e a ordem
era alternada entre os alunos. Se o primeiro aluno iniciava contando uma das duas
histórias na L2 e terminava contando na L1, o aluno seguinte iniciava com L1 e
terminava na L2.
Durante a realização das tarefas de produção oral em L1 e L2, as falas dos alunos
eram gravadas em áudio. Após isso, salvas em google drive com nome do aluno e se
era na L1 ou L2. Posteriormente à aplicação das tarefas, cada áudio foi ouvido e
transcrito para texto, e então analisado no software SpeechGraphs.
Para organizar a sequência da participação dos alunos na realização das tarefas
de produção oral em inglês e português, escolhemos montar um arquivo no google
planilhas, em formato de quadrado latino, utilizando diferentes cores para observar qual
tarefa e/ou em qual língua cada estudante iria realizar, conforme a Figura 8.
O objetivo de escolher um modelo de quadrado latino para organizar a sequência
da realização das tarefas de produção oral foi de promover uma alternância e evitar a
repetição da mesma tarefa na mesma língua. Ao diversificar a sequência, pensamos
nesta como uma estratégia de tornar mais confiável a coleta de dados, evitando efeito
de ordem das tarefas.

Figura 7: Quadrado Latino

Fonte:
Autora
Após a aplicação da tarefa em L1 e L2 com os 32 alunos participantes da
pesquisa, compilamos todas as gravações em áudios das narrativas das duas histórias
de cada um dos estudantes em arquivos no google planilhas, salvas em drive. Após
isso, realizamos a transcrição de cada áudio para texto escrito.
As transcrições de áudio para texto aconteceram da seguinte forma: a
pesquisadora ouvia o reconto e digitava em texto, pausadamente, um áudio por vez,
em L1 e L2. Os textos das transcrições eram salvos em google documentos, gerando
um link de acesso, anexado na planilha com os registros da coleta de dados por aluno.
Os arquivos de textos gerados nas transcrições foram salvos sem acentos e/ou
caracteres que não fossem as palavras limpas, sem pontuação. Em seguida, foram
salvos em formato txt. Esse formato de transcrição, texto e arquivo aconteceu para que
pudessem ser analisados no software SpeechGraphs.
Na última seção deste capítulo, detalhamos os procedimentos de análise dos
dados a partir dos quais realizamos o tratamento estatístico.

2.3 Instrumentos e Procedimentos de Análise de dados

Para a análise da conectividade da fala dos participantes por meio das


transcrições em arquivo de texto, foi utilizado o software SpeechGraphs (Mota et al.,
2014), que pode ser baixado e utilizado pelo endereço
http://neuro.ufrn.br/softwares/speechgraphs. O programa transforma cada texto em um
grafo de fala com diversos atributos, inclusive os de conectividade, utilizados nesta
análise.
Nessa pesquisa, para medir a conectividade na fala dos participantes, analisamos
um dos atributos, o LSC, que é o maior componente fortemente conectado. Ou seja, o
maior conjunto de nós direta ou indiretamente ligados por caminhos recíprocos, de
modo que todos os nós no componente sejam mutuamente alcançáveis. (Leandro
2021, p. 59)
Além disso, o software mede outros atributos em cada arquivo de texto, como N
= nós, E=arestas, WC=número de palavras, PE=arestas paralelas e RE=arestas
repetidas. Ainda, L1, L2 e L3 = laços de um dois e três nós, medidas de conectividade
como LSC e LCC = Maior Componente Conectado.
Os resultados dos testes de leitura em L1 e L2 foram compilados em uma planilha, e
analisados em seguida. Na aplicação dessas tarefas, foi medido o tempo de leitura
silenciosa (em segundos) e a acurácia (número de acertos) nas respostas das
perguntas de compreensão nas duas línguas.
Os dados gerados foram analisados estatisticamente através do software R
Studio (R Core Team, 2022), versão 2022.7.0.548, na URL http://www.rstudio.com/.
Testes Shapiro-Wilk foram realizados para analisar a normalidade na distribuição
dos dados, e a hipótese nula é que os dados são normais, ou seja, se p for maior que
0,05. Após verificar a normalidade de L1 e L2, foi observado se havia outliers, ao
encontrarmos, foram retirados os dados desses participantes, e novamente checamos
a normalidade, medianas e IQR foram reportados, no capítulo a seguir, os resultados
dessa verificação dos dados serão interpretados.
Após verificar a normalidade, para responder à primeira pergunta de pesquisa -
Há diferenças entre LSC por Língua? - o teste Wilcoxon foi utilizado para ver se havia
diferença estatisticamente significativa entre as médias de LSC na L1 e L2. Para isso,
foi feita a comparação das médias e medianas (quando a distribuição não é normal),
no atributo de conectividade da fala, o LSC de L1 e L2.
Para responder à segunda pergunta - Há diferenças entre Fluência e
Compreensão de Leitura por Língua? - o teste de Wilcoxon foi usado novamente, desta
vez levando em consideração os dados de fluência e compreensão de leitura nas duas
línguas.
Em seguida, ainda com o intuito de responder à primeira e segunda pergunta de
pesquisa, o teste de Spearman foi utilizado para ver se havia correlações entre LSC de
L1 e L2, e, entre leitura fluência e compreensão, também das duas línguas. No caso,
de acordo com as nossas hipóteses, se houvesse uma correlação positiva, indicaria
que quanto mais uma aumenta/se desenvolve, a outra, também cresce em
concomitante.
Ainda, o teste de correlações de Spearman indica se a correlação entre as
variáveis é significativa ou não. Além disso, se há uma correlação positiva, aponta se
é forte, média ou fraca.
Por fim, após descrever os procedimentos realizados para análise de dados desse
estudo, no capítulo seguinte, descrevemos os resultados, respondendo a cada
pergunta de pesquisa e a cada uma das três hipóteses. Ainda, discutimos os resultados
à luz das teorias revisadas no capítulo 1, apontando também necessidades de
investigações futuras a partir dessa pesquisa.
CAPÍTULO 3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste capítulo realizamos a exposição dos resultados da análise de dados e


discutimos os achados à luz das teorias revisadas no capítulo 1. O objetivo é responder
às perguntas de estudo, que são: investigar os efeitos da biliteracia sobre a
conectividade de fala, examinar o impacto da biliteracia sobre a fluência e compreensão
de leitura e analisar a relação entre atributos de conectividade de fala e medidas de
leitura, em L1 e L2, com base na análise de dados e relacionando com pesquisas
anteriores.

3.1 Os efeitos da biliteracia sobre a conectividade de fala em L1 e L2

Para analisar estatisticamente os dados acerca dos efeitos da biliteracia na


conectividade da fala nas duas línguas, observamos os resultados da Tabela 1. Nela,
adicionamos a informações de número de participantes (n), média (M), e desvio padrão
(SD) de L1 e L2 da variável LSC (Maior Componente Fortemente Conectado), que
reporta resultados da conectividade da fala em português e inglês.

Tabela 1: Análises Descritivas de Medidas de Conectividade

Fonte: Autora
A fim de medir a conectividade de fala nas duas línguas, algumas etapas foram
realizadas. Iniciamos pela verificação da normalidade na distribuição da amostra. Após
a retirada de um outlier, o teste de Shapiro-Wilk retornou positivo para normalidade. O
passo seguinte foi seguir com o teste paramétrico, Teste-t Pareado.
O Teste-t Pareado entre Português (n = 30, M = 44.1, SD = 11.14) e Inglês (n = 30, M
= 36.5, SD = 13.46), indicou que houve diferença estatisticamente significativa em LSC
entre as línguas, com vantagem para o Português (t (56): 2.38, p < 0.05). A Figura 8
apresenta esses dados.

Figura 8 - Comparação entre as médias de conectividade (LSC) na L1 e L2

Fonte:
autora

Como observamos, os resultados da análise apontam para uma diferença


estatisticamente significativa entre o LSC (conectividade da fala), nas duas línguas. Há
vantagens para L1 (português), média M = 44.1, em relação à L2 (inglês), média M =
36.5.
Esta vantagem da L1 era esperada, uma vez que a L1 é mais utilizada pelos
participantes em seus contextos diários além da escola. Estes dados replicam os de
Lemke et al. (2021), com n = 50, que semelhantemente mostraram uma vantagem na
conectividade da escrita, M = 111.52 em L1 e M = 84.42 em L2, com crianças da mesma
faixa etária.
Ao responder à primeira pergunta desta pesquisa, que é se há efeitos da
biliteracia sobre a conectividade de fala, comparando atributos de grafos na L1 e L2,
confirmamos a nossa primeira hipótese. Os dados revelam uma correlação positiva e
significativa no desenvolvimento da fala nas duas línguas, apontando para um
desenvolvimento paralelo.
O teste de correlação4 de Pearson foi utilizado para correlacionar os atributos de
LSC de L1 com LSC de L2. Os resultados indicaram uma correlação positiva, média e
significativa entre as variáveis (r = 0.47, CI = 0.14-0.71 e p < 0.01), apontando que, no
que se refere à conectividade da fala, analisada por meio da produção oral nas duas
línguas de cada participante, L1 e L2 parecem se desenvolver simultaneamente, ou
seja, as crianças que apresentam uma fala mais conectada na sua L1 também o fazem
na L2.

Figura 9 - Correlação entre LSC na L1 e L2 com o Teste de Correlação de Pearson


(correção de Bonferroni)

Fonte:
Autora

4
Segundo o suporte técnico na Minitab. LLC (2021), a correlação de Spearman avalia a relação
monotônica entre duas variáveis contínuas ou ordinais, em uma relação monotônica, as variáveis
tendem a mudar juntas, mas não necessariamente a uma taxa constante. O coeficiente de
correlação de Spearman baseia-se nos valores classificados de cada variável, em vez de os dados
brutos, enquanto a correlação de Pearson avalia a relação linear entre duas variáveis contínuas,
uma relação é linear quando a mudança em uma variável é associada a uma mudança
proporcional na outra variável.
Portanto, como foi reportado no capítulo 1 desta pesquisa, acerca da revisão de
literatura sobre os estudos de biliteracia, nossos achados dialogam com os estudos
que apontam vantagens para a biliteracia simultânea, que promove o uso de duas
línguas para aprender a compreender, falar, ler e escrever. Segundo Williams e
Lowrance-Faulhaber (2018), que analisaram cerca de 35 artigos sobre o tema, os
resultados apontam que a instrução na L1 e na L2 concomitantemente garantem
suporte uma à outra, através de um processo bidirecional.
Em seu estudo de revisão, Williams e Lowrance-Faulhaber (2018) verificaram que
os estudantes do modelo de biliteracia simultânea utilizavam estratégias como
translínguagem e transferências de habilidades na leitura e escrita. Assim como foi
observado em nosso estudo, a análise de dados apresentou resultados que
demonstram um desenvolvimento síncrono nas duas línguas, em modo bidirecional;
logo, favorecendo a aprendizagem tanto na L1 como na L2.
A título de ilustração, a Figura 10 apresenta grafos de duas crianças participantes
da pesquisa, uma que apresenta alta conectividade de fala na L1 e L2 e outra com
baixa conectividade de fala nas duas línguas. No exemplo ilustrado com grafos, foi
analisado o atributo de conectividade, o LSC = maior componente fortemente
conectado, ou seja, o componente com o maior número de nós direta ou indiretamente
conectados por caminhos recíprocos.

Figura 10 - Grafos de Fala


PO4 - L1 (LSC= 33) PO4 - L2 (LSC= 30)

primeiro o paul se despede dos pais porque vai in the story after the dinner they go to the room
ficar com a avo ai depois eles vao jogar tenis e because they said that the boy have a present
ela ganha e vai para a praia correndo para so then he open its a giant battery so he plays
chegar em casa e o paul tenta seguir ela ai out loud the parents need to cover because its
quando ela chega vai jogar video game e ele too much loud
ja dormiu de tanto cansaco

PO12 - L1 (LSC= 95) PO12 - L2 (LSC= 65)

uma familia estava na sala celebrando o it had a couple that had a son his name was
aniversario de seu filho com seus amigos eles paul paul is saying goodbye to his parents
estavam se divertindo tinha bolo comida ate o because he was spend the whole day with his
gato tava em seguida eles foram ver os grandma first they went to play a game and
presentes entao eles encontraram uma caixa they used hacketball to play the game after
amarela com bolinhas laranjas e um laco azul paul and his grandma went to do a walk the
turqueza era bem grande todos se grandma was really happy to spend the day
perguntaram o que era quando eles abriram with paul so she went way up high in the hill
viram que o menino tinha ganhado uma bateria and paul was trying to go after her then they
de aniversario o bebe que estava com uma went to do horsing the grandma went far away
roupa amarela estava se divertindo com o they were in the beach so with the hot sun they
papel de embrulho enquanto o garoto got really really tired after when it was already
comemorava o seu presente todos night the grandma and paul was already in
comemoravam tambem em seguida quando ja home when the parents came paul was lying
estava de noite a festa tinha acabado o menino comfortably in the sofa while grandma was
comecou a tocar bateria so que estava muito excited playing video games
forte muito mesmo e ja eram oito horas da
noite entao os pais que estavam na sala
provavelmente vendo televisao estavam muito
incomodados com o barulho tudo estava
tremendo por causa dessa barulheira toda e o
nenem estava chorando ainda por cima entao
causou uma grande baderna

Fonte:
Software SpeechGraphs

Outro resultado que nos leva a concluir que a biliteracia simultânea, no caso dos
participantes desta pesquisa, traz benefícios para o desenvolvimento de ambas as
línguas foi o número semelhante de palavras (WC) produzidos pelos participantes nas
suas narrativas orais em L1 e L2. O teste de Wilcoxon entre Portugues (n = 31, M =
68), e Inglês (n = 31, M = 54), indicou que não houve diferença estatisticamente
significativa entre o número de palavras das produções orais nas duas línguas (W =
576, p > 0.05), reforçando, portanto, o aspecto positivo da biliteracia simultânea.

Figura 11 - Comparação entre as médias de contagem de palavras (WC) de L1 e L2

Fonte:
Autora

Na seção a seguir, respondemos à segunda pergunta de pesquisa, que consistiu


em examinar o impacto da biliteracia sobre a fluência e compreensão de leitura em L1
e L2. Nesta seção, analisamos os resultados da análise estatística de dados para
verificar se há diferenças entre fluência e compreensão de leitura por língua.

3.2 O impacto da biliteracia sobre a fluência e compreensão de leitura em L1 e


L2

Nesta seção, reportamos os resultados da análise conduzida para responder à


segunda pergunta de pesquisa deste estudo, ou seja, qual o impacto da biliteracia
simultânea sobre a leitura em L1 e L2. Para isso, examinou-se tanto a fluência como a
compreensão de leitura em cada uma das duas línguas, português e inglês.
Primeiramente, checamos a normalidade com o teste Shapiro-Wilk; em seguida,
usamos o Teste-t para ver se houve diferença estatisticamente significativa entre as
médias de fluência e compreensão de leitura na L1 e L2. Por fim, utilizamos correlações
de Pearson para investigar a relação entre a leitura em L1 e L2.
O teste de normalidade retornou não-normal para a fluência em L1 (p = 0.0498) e
normal para L2 (p = 0.07). Em seguida, realizou-se a retirada de um outlier extremo
(P06PT), resultando em uma amostra de n=30.
A fim de analisar os resultados dos dados de leitura (fluência e compreensão), em
L1 e L2, no contexto de biliteracia simultânea, observamos os resultados da Tabela 2.
Nela, adicionamos a informações de número de participantes (n), média (M), e desvio
padrão (SD) das duas línguas.

Tabela 2: Análises Descritivas das Medidas de Leitura em L1 e L2

Fonte: Autora

Como podemos observar na tabela descritiva, a média de fluência de leitura de


L2 = 91.4) foi maior que a de L1 (M = 70.6), enquanto que em compreensão, a média
de L1 (M = 84.9) foi maior do que a de L2 (M = 58.7). Em seguida, usamos o Teste-t
Pareado para comparar as médias de fluência de leitura na L1 e L2, os resultados estão
expostos na Figura 12. A seguir, apresentamos algumas razões para explicar esses
resultados.
Figura 12 - Comparação entre as médias de fluência de leitura de L1 e L2

Fonte:
Autora

Como observado, o teste-t pareado para as médias de fluência de leitura em L1


(português) e L2 resultou significativo (t= -5.07, p= 1.91 e -05). Uma possível explicação
para as crianças terem demonstrado uma maior fluência de leitura na L2 pode estar
relacionada ao teste de leitura utilizado, o Running Records do programa Reading A to
Z, do nível U, adequado a esta série (5º ano do ensino fundamental).
Como este teste faz parte da rotina de leitura na escola, os alunos podem ter se
sentido mais à vontade, portanto lido mais rápido, uma vez que realizam diariamente
leituras no RazKids na L2 e estão familiarizados com esses textos, isso pode ter gerado
um resultado melhor na fluência de leitura em L2. Por outro lado, o texto utilizado para
aferir a leitura em L1 não faz parte do repertório de leitura no dia a dia das crianças na
escola e, portanto, o fator novidade pode ter sido responsável por uma leitura menos
fluente, já que as crianças não estavam familiarizadas com este tipo de texto e prática
de leitura oral na aula de L1.
Outra razão que poderia também explicar essa diferença para a fluência de leitura
em inglês é o fato de esses participantes serem alunos em um sistema de imersão na
L2 desde cedo, e biliteracia simultânea ao longo da vida escolar. Desta forma, o fato
de terem tido uma experiência com aulas 100% em inglês de 1 a 4 anos de idade,
migrando para 75% em inglês e 25% em português aos 5 anos, e, dos 6 anos em diante
(ensino fundamental), 50% na L1 (língua portuguesa, história e geografia), e 50% na
L2 (língua inglesa/ELA, matemática e ciências) pode ter sido determinante para garantir
sua fluência de leitura na L2.
Conforme Ahmadi, Khoii e Taghadosian (2015), em um estudo realizado com 40
participantes de uma escola bilíngue com imersão em inglês como L2 e persa como
L1, a comparação entre dois grupos do 1º ano indicou um efeito significativo da
alfabetização em L2 anterior à alfabetização em L1; ou seja, os alunos alfabetizados
em L2 demonstraram ser leitores de L1 mais fluentes e mais precisos a longo prazo.
Semelhantemente em nosso estudo, o efeito da biliteracia no desenvolvimento da
leitura pode ter tido um efeito positivo da bidirecionalidade no desenvolvimento das
duas línguas, de forma que uma língua deu suporte à outra. Ademais, o insumo total
na escola, que aconteceu majoritariamente na L2 na educação infantil, com instruções
planejadas e guiadas, parece ter gerado um impacto a longo prazo, sendo observado
no ensino fundamental.
A etapa seguinte da análise de dados deste estudo foi correlacionar a fluência de
L1 com L2 através do teste de correlação de Pearson. Os resultados da Figura 13
mostram uma correlação positiva, alta e significativa entre as variáveis (r = 0.63, p <
0.001).
Esses resultados confirmam a segunda hipótese desta pesquisa - que a relação
entre a leitura em L1 e L2 é paralela em termos de fluência. A correlação positiva entre
fluência nas duas línguas demonstrou que as crianças apresentam uma fluência
semelhante nas duas línguas, ou seja, as crianças que leem mais fluentemente na L1
também o fazem na L2, e vice-versa.

Figura 13 - Correlação entre a fluência de leitura na L1 e L2 - Teste de Correlação


de Pearson (correção de Bonferroni)
Fonte: Autora

A análise seguinte teve como objetivo verificar se havia diferenças entre a


compreensão de leitura em L1 e L2. Para responder a esta pergunta foram realizadas
as mesmas etapas às da análise de fluência de leitura nas duas línguas.
O primeiro passo foi checar a normalidade, o resultado apontou uma distribuição
não normal para L1 e L2. Deste modo, foi realizado o teste Wilcoxon Rank Sum para
analisar as diferenças de compreensão de leitura na L1 e L2.
Conforme mostrado na Tabela 2, a medida de compreensão de leitura na L1
(mediana = 87, IQR = 25) foi superior a da L2 (Mediana = 60, IQR = 40), apontando
para uma maior compreensão de leitura das crianças na sua L1. A partir dos resultados
do teste de Wilcoxon, percebemos uma diferença estatisticamente significativa para a
compreensão de leitura nas duas línguas, com vantagem para o Português (W = 783,
p < 0.001), conforme a Figura 14.
Figura 14 - Comparação entre as médias de compreensão de leitura de L1 e L2

Fonte: Autora

Uma possível explicação para essa diferença no resultado da compreensão de


leitura em L1 e L2 é a natureza das questões de compreensão, que variou
expressivamente nos testes nas duas línguas. Em português (Figura 15), as perguntas
de compreensão recrutavam a memória declarativa, dos fatos e informações contidas
no texto; de modo que, ao lembrar da leitura silenciosa do texto, as crianças
respondiam aos questionamentos sem maiores dificuldades.
Figura 15 - Perguntas do Teste de Leitura de L1

Fonte: Projeto Acerta

Já no teste de compreensão de leitura em inglês (Figura 16), para responder às


perguntas, além de lembrar do que foi lido silenciosamente em L2, as crianças
necessitavam realizar outras estratégias de compreensão, como explicar a ideia
principal do texto, fazer inferências, descrever o vocabulário, relacionar causa-efeito
dos problemas e esquematizar a conclusão. Ou seja, concluímos que a disparidade
entre o grau de dificuldade do teste de compreensão de leitura na L1 e L2 foi
responsável pela diferença expressiva no desempenho dos participantes desse estudo.
Esta análise nos levou à uma discussão sobre a necessidade de mais estudos na
área, que escolham testes de compreensão de leitura de maneira a aferir os mesmos
processos cognitivos nas duas línguas. Em outras palavras, se o objetivo é verificar os
efeitos da biliteracia e da educação bilíngue sobre a compreensão de leitura, faz-se
necessária uma reflexão sobre a importância da escolha dos testes, que precisam estar
alinhados em grau de dificuldade.
Figura 16 - Perguntas do Teste de Leitura de L2

Fonte:
Programa Reading A to Z (Raz-Kids)

Como podemos observar, os testes de leitura aplicados aos participantes desta


pesquisa estão aferindo construtos distintos, fluência e compreensão nas duas línguas.
Em seguida, realizamos a correlação da compreensão de L1 e L2 e apresentamos os
resultados na Figura 17.

Figura 17 - Correlação entre compreensão de leitura na L1 e L2 - Teste de


Correlação de Spearman (correção de Bonferroni)
Fonte: Autora

O teste de correlação de Spearman entre compreensão de leitura em L1 e L2 não


revelou uma correlação significativa entre as variáveis (r = 0.026, p > 0.05). Esse dado
é mais um indicador para a importância de pesquisas futuras sobre os efeitos da
biliteracia, e ainda, da relevância no critério de escolhas dos testes nas duas línguas,
para que tenham grau de dificuldade semelhantes, e assim, seja possível interpretar os
dados de modo mais assertivo.
Por fim, no subcapítulo seguinte, reportamos os resultados da análise de dados
com intuito de responder à terceira pergunta de pesquisa deste estudo, que é se há
relação entre atributos de conectividade de fala e medidas de leitura na L1 e L2. Mais
especificamente, objetivamos verificar se a análise de grafos pode se apresentar como
um preditor do desenvolvimento da leitura das crianças em L1 e L2.

3.3 A relação entre atributos de conectividade de fala e medidas de leitura na L1


e L2

Nesta seção do Capítulo 3, analisamos os resultados dos dados para responder


à última pergunta de pesquisa deste estudo, que é saber se há alguma relação entre
atributos de conectividade de fala (LSC) e medidas de leitura na L1 e L2. Para isso,
realizamos correlações de Pearson e Spearman, iniciando com LSC e fluência de
leitura na L1 e, em seguida, passando para a correlação entre LSC e fluência de leitura
na L2. Por fim, correlacionamos LSC com compreensão de leitura na L1 e na L2
Na primeira correlação, que foi entre LSC e fluência de leitura em L1 através do
teste Shapiro-Wilk, verificamos a normalidade em ambos os atributos, com o resultado
LSC1 não-normal, mas fluência L1 normal. Ao analisar se havia outliers, foi encontrado
e retirado um extremo (PO12PT), e o número de participantes analisados passou de
31 para 30. Com essa alteração no n, o resultado mostrou uma distribuição normal para
ambos.

Figura 18 - Teste de Correlação de Pearson (com correção de Bonferroni)

Fonte: Autora

Conforme exposto na Figura 18, o resultado do teste de correlação de Pearson


entre LSC em L1 e leitura (fluência), também em L1, não indicou uma relação
significativa entre as variáveis de conectividade de fala e fluência de leitura (r = 0,0096,
p = 0.96). Este dado é surpreendente e refuta a hipótese trazida de Mota et al. (2016).
O estudo de Mota et al. (2016), diferentemente do nosso, apontou que uma maior
conectividade de fala estava relacionada com uma maior fluência e compreensão de
leitura, considerando apenas a L1 das crianças.
Na segunda correlação, verificamos a relação entre o LSC e a fluência de leitura
na L2. Nesta análise da normalidade, o resultado mostrou distribuições normais, sem
outliers extremos, com isso, o número de participantes permaneceu 31.

Figura 19 - Teste de correlação de Pearson entre LSC e fluência de leitura na L2

Fonte: Autora

Neste teste de correlação de Pearson entre LSC e fluência de leitura na L2, o


resultado também não indicou uma correlação significativa entre as variáveis (r = -0.1,
CI = - 0.44- 0.26, p = 0.05). Novamente, assim como na correlação entre LSC e fluência
de leitura na L1, não houve relação entre as variáveis de conectividade e leitura, o que
indica que o nível de conectividade na fala não está necessariamente relacionado,
neste estudo em particular, com o nível de fluência de leitura em português ou inglês.
Ou seja, as crianças que tinham apresentado um nível de conectividade mais alto na
L2 não apresentaram, em geral, uma leitura mais fluente na mesma língua, como tinha
sido previsto.
De acordo com os dados apresentados até aqui, não temos evidências que nos
permitam sugerir que a conectividade de fala seja um preditor da fluência da leitura, em
L1 ou L2.
Após isso, correlacionamos, LSC com compreensão de leitura em português e
inglês. Na primeira destas duas correlações, o resultado do teste de normalidade deu
não-normal em ambas, com um outlier extremo removido (n = 30). Na segunda, LSC
L2 teve uma distribuição normal, mas compreensão de leitura de L2 não, e, sem outlier
extremos, o n permaneceu 31.

Figura 20 - Teste de correlação de Spearman entre LSC e compreensão de leitura


em L1

Fonte: Autora

O teste de correlação de Spearman entre LSC e compreensão de leitura em L1


revelou uma correlação positiva e baixa entre as variáveis, mas não significativa (r =
0.13, p > 0.05), como mostra a Figura 20.
Diferentemente, o teste de correlação de Spearman entre LSC de L2 e leitura
(compreensão) em L2, resultou em uma correlação positiva, intermediária e
significativa entre as variáveis (r = 0.5, p < 0.01), como mostra a Figura 21.

Figura 21 - Teste de correlação de Spearman entre LSC de L2 e compreensão de


leitura em L2
Fonte: Autora

Esse dado confirmou a nossa hipótese inicial de que o desenvolvimento da


conectividade de fala e compreensão da leitura ocorreriam em modo paralelo na L2,
ainda que com diferenças. Ou seja, na medida que o desenvolvimento da fala em inglês
melhora, assim também parece ocorrer o aumento da compreensão de leitura, o que
faz sentido, uma vez que, para ter o vocabulário necessário para se expressar
oralmente em uma segunda língua, é necessário primeiramente compreendê-la
oralmente, como consequência por meio da prática da leitura.
Por fim, os alunos desta escola bilíngue, em contexto de biliteracia simultânea
realizam constantemente leitura em L2, como tarefa diária (em casa), com livros do
programa Reading A to Z, desde o 1º ano do ensino fundamental até o 5º ano (série na
qual estavam quando realizaram os testes desta pesquisa). Essa prática do hábito de
leitura em L2 pode também ter causado efeito no desempenho dos alunos, ou seja, no
resultado de compreensão de leitura e na produção oral (conectividade da fala) em
inglês.

Outra explicação para os resultados inesperados, ou seja, para a falta de


correlação entre atributos de conectividade e compreensão de leitura pode estar na
natureza distintas dos testes de aferição de compreensão de leitura. As médias
significativamente distintas em compreensão de leitura em L1 e L2, sendo a média de
compreensão em português mais alta, pode ser o fato de as perguntas terem variado
em grau de dificuldade, ainda que com número semelhante de perguntas. Enquanto a
aferição da compreensão em português exigiu respostas apenas com uso da memória
do que foi lido no texto, a de inglês, por outro lado, demandou maior esforço cognitivo,
com a necessidade de uso de estratégias mais complexas, como inferência, por
exemplo.
No que diz respeito à diferença entre os resultados da nossa pesquisa e os de
Mota et al. (2016), que verificou que a análise de grafos foi preditora do
desenvolvimento da capacidade de leitura, encontrando uma correlação positiva entre
os atributos de conectividade e de leitura, especulamos que esta diferença possa estar
relacionada à idade dos participantes, que diferiu nos dois estudos. Enquanto no estudo
de Mota et al. (2016) os participantes tinham de 6 a 8 anos, os participantes do nosso
estudo tinham entre 10 e 11 anos, portanto se encontravam em um nível mais avançado
de desenvolvimento. Ainda, Mota et al. (2016) utilizaram a Provinha Brasil como
instrumento de aferição de leitura, apenas em português, diferente do nosso estudo,
que utilizou testes em inglês e português para medir a leitura dos participantes.
4. CONCLUSÕES

Este estudo teve como objetivo investigar os efeitos da biliteracia simultânea na


conectividade da fala e na habilidade de leitura de 31 aprendizes do 5º ano do Ensino
Fundamental - Anos Iniciais, comparando atributos de grafos na L1 e L2 e o impacto
da biliteracia sobre a fluência e a compreensão de leitura em L1 e L2. Para isso,
utilizamos como instrumentos de coleta de dados testes em português e inglês para
avaliar a fluência e compreensão de leitura e analisamos as medidas de atributos de
conectividade do pensamento na fala dos estudantes de L1 e L2, por meio da análise
de grafos, com a ferramenta computacional SpeechGraphs (Mota et al., 2014, 2016,
2019).
Os resultados do presente estudo evidenciam uma correlação positiva e
significativa no desenvolvimento da fala em português e inglês, demonstrando que
parece acontecer um desenvolvimento em paralelo nas duas línguas. Além disso,
encontramos uma correlação positiva, intermediária e significativa entre as variáveis de
conectividade da fala em L2 e leitura (compreensão) em L2. Esses dados nos
mostraram que, nesse estudo, a conectividade da fala parece estar relacionada à
compreensão de leitura dos participantes, embora apenas na L2.
Nossa pesquisa apresenta algumas limitações. A principal diz respeito aos testes
utilizados para aferir a compreensão de leitura na L1 e na L2. Como mencionado
anteriormente, o teste de compreensão de leitura em L2 recrutou dos participantes um
envolvimento cognitivo mais complexo do que o teste em L1, que podia ser respondido
apenas com itens recuperados da memória.
Para estudos futuros, precisamos refletir cuidadosamente sobre quais testes
aplicar e se as tarefas de leitura em L1 e L2 são, de fato, compatíveis e comparáveis.
Portanto, é preciso pensar em questões com formatos semelhantes e que demandem
esforço cognitivo em mesmo grau, de modo que essa distinção não venha a impactar
os resultados.
Apesar das limitações, nosso estudo trouxe contribuições importantes para a
educação bilíngue, apontando vantagens para a biliteracia simultânea, demonstrando
que há transferência de habilidades entre as línguas e efeitos positivos tanto para a
conectividade do pensamento quanto para a leitura.
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