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1

CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO


ANDREW JUMPER

MÁRCIO BATISTA DE LIMA

A HABITAÇÃO INTERNA DO ESPÍRITO SANTO NOS CRENTES DO


ANTIGO TESTAMENTO

SÃO PAULO
2023
2

MÁRCIO BATISTA DE LIMA

A HABITAÇÃO INTERNA DO ESPÍRITO SANTO NOS CRENTES DO ANTIGO


TESTAMENTO

Monografia apresentada ao Centro Presbiteriano de


Pós-Graduação Andrew Jumper - CPAJ, como
requisito final para a conclusão de curso e obtenção
de título de Magister Divinitatis, MDiv, na área de
Estudos Bíblicos Hermenêuticos, sob a orientação
do prof. Rev. Dr. Daniel Santos Jr.

SÃO PAULO
2023
3
4

MARCIO BATISTA DE LIMA

A HABITAÇÃO INTERNA DO ESPÍRITO SANTO NOS CRENTES DO ANTIGO


TESTAMENTO

Monografia apresentada ao Centro Presbiteriano de


Pós-Graduação Andrew Jumper - CPAJ, como
requisito final para a conclusão de curso e obtenção
de título de Magister Divinitatis, MDiv, na área de
Estudos Bíblicos Hermenêuticos, sob a orientação
do prof. Rev. Dr. Daniel Santos Jr.

Aprovado em: _____/______/_______

____________________________________
Orientador: Prof. Dr. Rev. Daniel Santos Jr.

SÃO PAULO
2023
5

Folha de Identificação da Agência de Financiamento

Autor: Márcio Batista de Lima

Programa: Estudos Bíblicos Hermenêuticos

Título do Trabalho: A habitação interna do Espírito Santo nos crentes do Antigo


Testamento

O presente trabalho foi realizado com o apoio de:

☒ Instituto Presbiteriano Mackenzie / Isenção Integral das Mensalidades


☐ Instituto Presbiteriano Mackenzie / Isenção Parcial das Mensalidades
6

À minha amada família e preciosa Igreja


Presbiteriana Aliança em Vila Espanhola
7

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus pela sua graça, provisão e capacitação no desempenho da


vocação ministerial. Sem a sua presença e operação não seria capaz de realizar minhas
responsabilidades de forma a glorificá-lo. Ele é bom e tem cuidado de todas as minhas
necessidades.
Agradeço a minha amada esposa Ana Maria, mulher virtuosa e verdadeira auxiliadora. Sempre
presente e compreensiva.
Ao meu amado filho Mateus, presente de Deus na minha vida, meu parceiro e amigo de todas
as horas, minha gratidão.
Aos queridos e amados irmãos da Igreja Presbiteriana Aliança em Vila Espanhola, rebanho o
qual o Senhor me deu a alegria e privilégio de pastorear, minha gratidão e amor.
Ao Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, na pessoa do meu
irmão e amigo, Rev. Ageu Cirilo de Magalhães Jr., minha gratidão e admiração pela
compreensão e incentivo.
Aos meus preciosos irmãos Rev. André do Carmo Silvério, Rev. Jônatas Miranda e Rev. Mauro
Filgueiras, amigos valorosos de todos os momentos, minha gratidão pela companhia e
disponibilidade para ouvir e orientar.
Sou grato a Deus pela vida do Rev. Daniel Santos Jr., meu orientador pelo apoio, paciência na
orientação e ensino. Agradeço ao CPAJ pela oportunidade que me deu de cursar numa
instituição séria e que prima pela fidelidade a Escritura, mantendo uma teologia solidamente
reformada.
Aos meus irmãos e amigos, pelo tempo investido em conversas, conselhos e orações,
motivando-me a continuar firmemente no propósito do Senhor Jesus.

Soli Deo Glória


8

RESUMO

O presente trabalho refere-se à habitação interna do Espírito Santo na vida do remanescente fiel
do Antigo Testamento. Coloca-se em oposição à opinião de que o Espírito Santo não habitava
nos crentes da antiga dispensação, e àqueles que pensam que sua presença era seletiva e
temporária, antes entende que a atuação do Espírito Santo é perene e interna na vida dos fiéis,
assim como foi nos cristãos do Novo Testamento, que apesar de morar no membro da antiga
aliança, havia uma promessa, cuja extensão seria mais elevada que o período do Velho
Testamento, o que de fato se cumpriu no dia de Pentecostes.

Palavras – chave: Espírito Santo, habitação, depravação total, regeneração.


9

ABSTRACT

This thesis refers to the indwelling of the Holy Spirit in the life of the faithful remnant of the
Old Testament. Stands in opposition to the opinion that the Spirit did not dwell in the believers
of the old dispensation, and those who think that his presence was selective and temporary,
before the opinion that the action of the Holy Spirit is perennial and internal in the life of the
believer, as well as was in the New Testament Christians, who despite living member of the old
covenant was a promise, whose extension would be higher than the period of the Old Testament,
which indeed was fulfilled at Pentecost.

Keywords: Holy Spirit, indwelling, total depravity, regeneration.


10

SUMÁRIO

Introdução 11
1. O Espírito Santo no Antigo Testamento, uma visão geral 13
1.1. Definição 13
1.2. Na Criação 13
1.3. No Intelecto 16
1.4. Na Santificação 18
1.5. Nas Profecias 20
2. A habitação do Espírito Santo e o entendimento de João 7.37-39 e 14.16,17 24
2.1. Análise de João 7.37-39 24
2.2. Análise de João 14.16-17 27
3. O entendimento teológico de habitação do Espírito e suas implicações 34
3.1. Análise de 1Coríntios 6.19-20 36
3.2. Análise de 1Coríntios 2.14-16 40
3.3. Habitação e a depravação total 45
3.4. Habitação e regeneração 50
4. O entendimento da habitação do Espírito Santo no Antigo Testamento 55
4.1. Novo Testamento 55
4.2. Antigo Testamento 56
4.2.1. Análise de Ezequiel 36.25-28 59
4.2.2. Análise do Salmo 51.11 63
4.3. Diferença ou continuidade 67
Conclusão 69
Referência 71
11

INTRODUÇÃO
Falar da habitação do Espírito Santo nos crentes do Antigo Testamento, não é um
assunto fácil. Não existe muita harmonia entre os teólogos sobre essa temática, e isso inclusive
entre os próprios reformados. A verdade é que o Antigo Testamento não traz muita clareza
sobre o assunto, sendo esta uma verdade melhor compreendida à luz do Novo Testamento.
Alguns estudiosos propõem as seguintes soluções: há quem defenda que o Espírito regenerava,
mas não habitava nos crentes do Antigo Testamento. Outros indicam que não havia
regeneração, mas uma espécie de renovação, porém, não habitação.1 Um último grupo defende
tanto a regeneraçaõ quanto a habitação do Espírito, porém, entende que haveria uma experiência
maior e mais elevada do Espírito sob a nova aliança.2

Hamilton em seu livro God´s Indwelling Presence: The Holy Spirit in the Old & New
Testaments, advoga a causa de que não havia uma habitação interna do Espírito Santo na antiga
dispensação. Seu argumento está baseado no texto de João 14.17 quando Jesus disse “porque
ele habita convosco e estará em vós”, outro texto explorado por ele é João 7.39 “pois o Espírito
até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado”. Ele
argumenta que no Antigo Testamento o Espírito estava com o povo por meio de sua habitação
no tabernáculo ou templo, mas não estava dentro dos crentes, sendo isto uma promessa para a
nova dispensação.

Desta maneira, cabe-nos questionar, será que o Espírito Santo habitava nos crentes do
Antigo Testamento, ou esta é uma promessa exclusiva para os crentes do Novo Testamento, a
partir do Pentecostes? Se a resposta for afirmativa, quais as semelhanças e quais as diferenças
desta habitação? Entretanto, se a resposta for negativa, como eles eram regenerados e
santificados, uma vez, que Paulo disse que “os que estão na carne não podem agradar a Deus.
Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito” (Rm 8.8,9)? Se não existe uma habitação,
porque Davi ora a Deus para não retirar dele o Santo Espírito (Sl 51.11)? E por que Deus
promete purificar e colocar seu Espírito dentro do seu povo? Ele estava falando em termos
futuristas ou havia algo para se cumprir naqueles dias? Além disso, como entender João 7:37-
39 e 14:16-17? Estas passagens realmente falam de habitação do Espírito? Elas de fato

1
CHAFER, Lewis Sperry. Sistematic Theology Vol. 6, Grand Rapids, Michigan, Kregel Publications,
1993.
2
Hamilton apresenta uma lista mais completa posições sobre o assunto em HAMILTON, James M. Jr.
Were Old Covenant Believers Indwelt by the Holy Spirit? Themelios (30/1), The Gospel Coalition, 2005, p. 13,14
12

embasam o entendimento dos que dicotomizam a habitação do Espírito no Antigo e Novo


Testamentos? Qual o entendimento teológico de habitação e quais suas implicações?

Este trabalho se ocupa em responder estas e outras questões, entendendo que o Espírito
Santo não somente operava, como também habitava nos crentes do Antigo Testamento, e que
aguardavam um derramar do Espírito de maiores proporções, concedendo assim uma
experiência maior e superior aos cristãos da nova aliança.
13

1. O ESPÍRITO SANTO NO ANTIGO TESTAMENTO, UMA VISÃO GERAL

1.1. Definição

A palavra para Espírito no Antigo Testamento ‫רּוח‬, e pode ser traduzida por “vento”,
“espírito”, “alento”, “hálito”. O substantivo aparece 387 vezes no Antigo Testamento 3, sendo
de gênero feminino, “136 se referem ao ‘Espírito’, o qual é chamado de ‘Espírito de Deus’ (Gn
1.2) e, principalmente, ‘Espírito do Senhor’”4.

Conforme Archer Jr. “à ideia básica é ‘ar em movimento’”5, porém, a ênfase não recai
sobre o movimento, mas sim na energia do movimento, a esse respeito Brown diz: “O
pensamento implícito em ‫ רּוח‬é que a ‘respiração’, com o movimento do ar que ela acarreta, é a
expressão externa da força vital inerente em todo o comportamento humano”6, fazendo eco a
Brown, Berkhof assevera: “é muito comum usá-la (‫ )רּוח‬para designar a força da vida, o
princípio que faz viver as criaturas, e isso de maneira única, peculiar a Deus”7. Nesse sentido,
a palavra ‫ רּוח‬sendo uma referência a Deus demonstra o seu poder preservador. Costa afirma:
“a ideia de vento aponta para o poder soberano de Deus que se movimenta livremente,
figuradamente, como uma tempestade, um tufão incontrolável, daí a impossibilidade de
prender, domesticar ou dominar o Espírito de Deus”8.

O Antigo Testamento descreve mais as obras do Espírito do que sua natureza, porém
não deixa de demonstrar sua personalidade e divindade (Sl 51.11; Is 48. 16; 63.10,11; Zc 3.9;
4.6,10; Mq. 2.7. Nas próximas linhas observaremos mais de perto as atividades do Espírito.

1.2. Na criação

Temos nos primeiros capítulos da Bíblia o registro da Criação de Deus, já no primeiro


versículo é dito que “no princípio, criou Deus todas as coisas”. Porém, no princípio de que
exatamente? No princípio do evento criado, do cosmo, o início dos 6 dias da criação. Gênesis

3
HARRIS, R.Laird, ARCHER, Gleason L. Jr., WALTKE, Bruce K. Dicionário Internacional de
Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Editora Vida Nova, 1998, p. 1407.
4
COSTA, Hermisten Maia Pereira, Eu Creio, no Pai, no Filho e no Espírito Santo, São Paulo: Edições
Parakletos, 2002, p. 391.
5
HARRIS, R.Laird, ARCHER, Gleason L. Jr., WALTKE, Bruce K, 1998, p. 1407.
6
COENEN, Lothar, BROWN, Colin, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São
Paulo: Editora Vida Nova, 2ª. Edição: 2000, p. 715.
7
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2001, p. 392.
8
COSTA, 2002, p. 391.
14

1.1, aponta para o começo do tempo e para atemporalidade de Deus. Sua eternidade está
intrincada nas primeiras palavras das Escrituras. Groningen capitou isso muito bem:

“‘No princípio’ é dada ao leitor uma formidável visão do antes do tempo, do começo
do tempo, e do que marcou o começo do tempo. É insinuado que, antes do tempo,
Deus era; ele era ativo no começo do tempo. Foi então que Deus trouxe a existência
o cosmo; (...) Assim Gênesis abre diante de nós uma tremenda extensão de tempo em
uma formidável e majestosa cena.”9

Vale pontuar que não há uma preocupação por parte do narrador de descrever Deus ou
provar sua existência, mas de apresentá-lo ao leitor como Criador de todas as coisas.

O primeiro versículo serve como introdução ao que se segue nos capítulos 1 e 2, sendo
uma declaração magnifica e abrangente da revelação de Deus. Nessa declaração (1.1), o
narrador sumariza o que ele passa a descrever nos versículos seguintes (2-31).10

A criação é o teatro da glória de Deus e não pode ser confundida com nenhuma
divindade. Na narrativa de Gênesis fica claro a distinção ontológica entre criador e criação. O
texto não tem a pretensão de identificar céus, terra e água como divindades, à semelhança do
que fazia a mitologia antiga. Nem mesmo pressupõe a presença do mal “A terra estava sem
forma e vazia (ּ‫”)תֹ הו‬. Micheal Horton está correto quando diz que “a ausência de forma e o
vazio (tohu wabohu) que seguiram o anúncio da criação da matéria realizada por Deus não
expressa uma deidade hipostasiada, como nos mitos da criação babilônicos, mesopotâmicos e
egípcios.”11 Groningen também concorda com essa visão:

“A ideia do mal não está presente em Gênesis 1.2, antes, o que surgiu como resultado
do primeiro ato criador de Deus, a criação ex nihilo, não foi um produto mau. Apenas
estava vazio, inútil em sua condição e circunstância inicial. Os três termos repetem ou
ampliam esta condição.”12

9
GRONINGEN, Gerard Van, Criação e Consumação, o reino, a aliança e o mediador. São Paulo, Editora
Cultura Cristã, 2002. P. 22
10
“Esta secção é introduzida por uma declaração geral e compreensiva sobre a criação (1:1), que afirma
o fato que todas as coisas tiveram seu início através de um ato criativo de Deus. Os detalhes da formação da terra,
partindo de sua condição original e caótica, até ao estado bem ordenado, são dados nos vers. 2-31.” YOUNG, E.
J., Introdução ao Antigo Testamento, 2ª. Edição 2012 (Domínio público). Disponível em:
https://pt.calameo.com/books/004972400a36540840241. Acessado em 15/11/2022.
11
HORTON, Mihael. Redescobrindo o Espírito Santo, São Paulo, Editora Vida Nova, 2018. P. 48
12
GRONINGEN, Gerard Van, Criação e Consumação, o reino, a aliança e o mediador. P. 47
15

Desta forma, o versículo 2 “A terra estava sem forma e vazia...”, descreve o estado
inicial da criação de Deus como um ambiente desorganizado, ainda inapropriado e improdutivo
para o desenvolvimento da vida.

O termo wabohu, aparece mais duas vezes na Bíblia, sendo, uma em Jeremias 4.23
(Olhei para a terra, e ei-la sem forma e vazia), contendo o mesmo significado de Gênesis 1, e
outra em Isaías 34.11 (Mas o pelicano e o ouriço a possuirão; o bufo e o corvo habitarão nela.
Estender-se-á sobre ela o cordel de destruição e o prumo de ruína), comunicando a ideia de
inutilidade ou vazio. Nesse sentido, percebe-se que “vazio” adquire um sentido mais preciso no
texto em questão. Enquanto Tuhu assume o sentido de algo desolado e informe, um sinônimo
próximo de wabohu (Cf. Jr. 4.23). Segundo Groningen alguns estudiosos identificam um caos
primordial no texto13, e de fato é possível usar o termo “caos”, apontando para o estado
inabitável e improdutivo da terra, mas nunca trazendo o conceito de mal ou algo em oposição
a Deus. Colaborando com o pensamento, Horton assevera:

“O caos em Gênesis 1 é apenas matéria inerte, chamada à existência, mas ainda não
formada ou produtiva de maneira plena. O oceano é apenas água, e o céus e as luzes
no firmamento são apenas fenômenos naturais visíveis ao olho nu de um agricultor.
Quem leva a sério esses dois capítulos de Gênesis não olham mais para o céu e o
chama pelo nome divino Nut, nem ao firmamento chama Shu, ou à terra, Geb, ou ao
sol, Rá. (...) A criação, nesse ponto, era apenas uma boa casa à espera de ser
transformada em um lar belo e bem ordenado.”14

A criação não apenas era estéril, inabitada e desorganizada no seu primeiro momento,
mas também, escuridão. Densas trevas ‫ וְ חֹ שֶׁ ְך‬repousam sobre a face do abismo ‫ֵיּתהֹום‬
ְ ‫עַל־פְ נ‬. Isso
revela o estado caótico inicial da terra, uma boa casa esperando pela transformação e
organização do Espírito de Deus que se faz presente pairando sobre as águas, energizando e
incubando a terra. Ele foi o agente de transformação e da ordem dessa situação caótica.

Como já vimos acima o termo ‫ רּוח‬também pode ser traduzido por “vento”, “alento”, o
que leva alguns estudiosos a traduzirem ‫ רוחַ ּ אֱֹלהִ ים‬por “vento de Deus” ou “vento poderoso”.
Um argumento usado, segundo Waltke é que após o dilúvio, na recriação da terra “Deus envia
novamente um ‫ – רּוח‬ali evidentemente um vento – sobre as águas.”15 Entretanto, esse
pensamento não se ajusta aqui, uma vez que ַּ‫( רוח‬Espírito) é modificado por ‫ אֱֹלהִ ים‬adequando-

13
Ibid. P. 47
14
HORTON, Mihael, p. 49
15
WALTKE, B. K., & Fredericks, C. J. Gênesis. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010. P. 69
16

se melhor ao contexto que sempre traduz ּ ‫ אֱֹלהִ ים‬por “Deus” e nunca por “poderoso”.16 Além
disso, em outros lugares do Antigo Testamento essa mesma frase é repetidamente usada como
Espírito de Deus (Êx 31.3; 35.31; Jz 3.10; Ez 11.5). Vale ressaltar ainda que “vento”, “sopro”,
frequentemente são usados como símbolos e metáforas para o Espírito. Desta forma, ‫רוחַ ּאֱֹלהִ ים‬
aponta para a presença criadora do Espírito de Deus no início, como assevera Groningen: “O
Espírito foi o agente divino ativo que transformou um caos em um cosmos. Ele fez o inabitável
se tornar o lar real dos vices gerentes de Deus.”17

A atividade criadora do Espírito pode ser reconhecida em outros textos. Jó diz: “Pelo
seu sopro (ou espírito) aclara os céus, a sua mão fere o dragão veloz” (Jó 26.13; cf. Jó 33.4). O
salmista declara “Envias o teu Espírito, eles são criados, e, assim, renovas a face da terra” (Sl
104.30).

No Antigo Testamento o Espírito não simplesmente é apresentado como a energia


criadora de Deus, mas também como preservador e sustentador da criação (Jó 33.4; 34.14-15;
Sl 104.30). Berkhof afirma, “no Antigo Testamento é evidente que a origem da vida, sua
manutenção e seu desenvolvimento dependem da operação do Espírito Santo. A retirada do
Espírito significa morte”18.

1.3. No Intelecto

Além da obra criadora vemos o Espírito de Elohim atuando sobrenaturalmente na


capacitação de homens no Antigo Testamento, operando e dotando-os com recursos para além
das suas capacidades naturais. O Espírito, afirma Fergunson “não só leva indivíduos para além
de suas capacidades físicas normais; ele lhes dá habilidades que se estendem para além de suas
faculdades naturais.” O livro do Êxodo apresenta de forma clara essa verdade.

Temos dois personagens no Antigo Testamento, que claramente é dito que o Espírito de
Deus estava sobre eles, sendo assim a razão de seus feitos milagrosos. Um é José em Gênesis
41.38 “Disse Faraó aos seus oficiais: Acharíamos, porventura, homem como este, em quem há
o Espírito de Deus?” E outro é Daniel (Dn 2.8,9; 5.11, 12, 14; 6.3).

O Espírito divino revestiu Moisés, a fim de capacitá-lo a governar sobre a grande


multidão de gente que estava debaixo da sua liderança. Em Êxodo 31.1-11 e 35.30-35, relata

16
Conf. WALTKE, B. K., & Fredericks, C. J. Gênesis. P. 69
17
GRONINGEN, 2002, p. 47
18
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática, Campinas-SP, Editora Cultura Cristã, 2001. P. 392.
17

que Deus encheu Bezalel com o Espírito de Deus, capacitando-o com dons, habilidade,
inteligência e conhecimento, cujo objetivo era desenhar formas detalhadas em três forma de
metal, ouro, prata e bronze. Ele também deveria lapidar pedras preciosas e entalhar madeira. O
Tabernáculo deveria ser construído por homens dotados pelo Espírito de Deus, exatamente
como o Senhor havia planejado. Fergunson mais uma vez corrobora:

“A beleza e simetria da obra executada por esses homens na construção do


Tabernáculo não só deram prazer estético, mas um padrão físico no coração do
acampamento que serviu para restabelecer expressões concretas da ordem e glória do
Criador e suas interações em prol de sua criação. E assim, deu-se a noção de que a
obra de ‘recriação’ começaria com o povo eleito. Entre eles estabeleceram-se os
reflexos terrenos da habitação de Deus. (...) Aqui, já na narrativa do Êxodo,
encontramos o princípio que só mais tarde emergirá com plena clareza no Novo
Testamento: o Espírito ordena (reordena) e por fim embeleza a criação divina. (...) No
templo final, no homem cheio do Espírito, Jesus (Jo 2.19-22), este padrão alcançará
seu ápice.”19

A obras do Espírito não estava restrita as dotações dos homens para orientá-los e guia-
los no cumprimento exato da vontade revelada de Deus para formação do tabernáculo, mobília
e seus utensílios, mas também em outras áreas necessários para o progresso do povo da aliança
tanto no deserto, como no reino que viria mais adiante. De acordo com Kuyper as obras do
Espírito atingiram também, “as esferas mais altas do conhecimento humano e atividade mental,
pois o gênio militar, a perspicácia jurídica, a ciência de governar e o poder para inspirar a massas
com entusiasmo lhe são igualmente atribuídas.”

No livro de Números encontramos o SENHOR compartilhando o Espírito que estava


em Moisés com setenta anciãos, objetivando aliviar o fardo que estava sobre os seus ombros.
Números 11.25 diz: “Então, o SENHOR desceu na nuvem e lhe falou; e, tirando do Espírito
que estava sobre ele, o pôs sobre aqueles setenta anciãos; quando o Espírito repousou sobre
eles, profetizaram; mas, depois, nunca mais”. Nessa circunstância o Espírito atuava na
capacitação dos homens para o desempenho da liderança (concedendo-lhes autoridade para
comandar, julgar), bem como concedendo forças para a libertação do povo em tempo de perigo.
Essa dinâmica se repete em boa parte do Antigo Testamento, como no caso de Jefté, Sansão,
Saul e outros (Nm 11. 17, 25-29; 27.18-23; Dt 34.9; Jz 3.10; 6.34; 11. 29; 13.25; 14. 6; 15.14;
1Sm 10.6; 11.6; 1Cr 12.18). Ferguson diz:

19
FERGUISON, Sinclair B., O Espírito Santo, São Paulo, Editora Os Puritanos, 2000. P. 26.
18

“Assim como o Espírito produzia ordem e propósito na ‘matéria’ primeva criada sem
forma e vazia (Gn 1.2), também, quando a nação era recém-nascida, mas permanecia
sob o risco de cair no caos social, o Espírito de Deus operou criativamente, produzindo
um governo justo, ordem e direção entre os refugiados no Egito (cf. Is 63.7-14).”20

Vale ressaltar, que essas habilidades e capacitações, não implicam na obra regeneradora
e santificadora do Espírito, como muito bem argumentou Hodge:

“Todas essas operações são independentes das influências santificadoras do Espírito.


Quando o Espírito veio sobre Sansão ou sobre Saul, não foi com o intuito de torná-los
santos, mas para dotá-los com extraordinário poder físico e intelectual; e, quando
lemos que o Espírito se afastou deles, isso significa que eles foram privados dos dons
extraordinários.”21

Amiúde encontramos a referência “veio o Espírito do SENHOR” (Jz 3.10; 6.34; 11.29;
13.25; 14.6, 19; 15.14), apontando para o revestimento divino, capacitando seus servos para o
desempenho da missão. É possível verificar essas ocorrências com maior constância no livro
de Juízes. Deus empoderou a Gideão, Jefté, Sansão e tantos outros para a libertação do seu povo
das mãos dos midianitas, amonitas e filisteus. Essa dinâmica também acontece com Saul e Davi.

1.4. Na Santidade

A presença do Espírito vai além da criação, e habilitação de indivíduos escolhidos no


Antigo Testamento, ele também trabalha na transformação do caráter e santificação do povo da
aliança.

Temos várias passagens apontando para a obra do Espírito, guiando e gerando


arrependimento no coração rebelde do povo de Israel que rotineiramente transgredia os
preceitos da aliança. Não foram poucas as vezes que Israel dificultou a relação com Yahweh,
endurecendo o coração e desobedecendo a sua lei. Em razão do mau comportamento, Deus
disciplinou Israel várias vezes, até que por fim despertou o domínio Assírio, que invadiu e
aprisionou o reino norte em 722 a.C. Em 605 a.C, levantou a Babilônio para julgar o reino sul.

Neemias ao retornar do cativeiro, com a missão especifica de restaurar os muros de


Jerusalém e liderar o povo numa reforma espiritual declarou:

20
FERGUISON, Sinclair B., O Espírito Santo. P. 25.
21
HODGE, Charles, Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Hagnos, 2001 P. 395.
19

“E lhes concedeste o teu bom Espírito, para os ensinar; não lhes negaste para a boca
o teu maná; e água lhes deste na sua sede. (...) No entanto, os aturaste por muitos anos
e testemunhaste contra eles pelo teu Espírito, por intermédio dos teus profetas; porém
eles não deram ouvidos; pelo que os entregaste nas mãos dos povos de outras terras.”
(Neemias 9.20, 30).

Percebe-se que o Espírito estava presente na vida espiritual de Isael, ensinando e


conduzindo o povo da aliança. Essa presença não era pontilhada, pelo contrário era constante e
permanente (Ed 9.9; Ag 2.5). Concordando com esse pensamento, Erickson afirma: “O Antigo
Testamento retrata o Espírito Santo produzindo as qualidades morais e espirituais de santidade
e bondade na pessoa a quem chega ou em quem habita.”22

O profeta Isaías no capítulo 59.21 relaciona o Espírito do Senhor com a purificação do


povo. A promessa é de redenção para aqueles que estariam cativos em função dos seus pecados.
O Senhor como um grande guerreiro promoveria a libertação a seu tempo (59.15b-21).
VanGemeren escrevendo sobre isso, diz: “A aliança será renovada pelo derramamento do seu
Espírito sobre eles e seus filhos para sempre, para que todo o povo de Deus seja inspirado a
saber, fazer e falar de acordo com sua palavra.”23 Oswalt escrevendo sobre o versículo 21,
também argumenta:

“Mas, qual é a relação entre este pensamento e os versículos precedentes? Ele


apresenta o tencionado resultado da derrota que Deus desfere contra o poder do
pecado. (...) Ele quer fazer com que Israel se purifique a fim de que seu Espírito faça
residência ali (cf. 32.15–19; 44.3–5). Essa residência, porém, é um fim em si mesma?
Não; essa residência é com o fim de concretizar os propósitos revelatórios de Deus.
Israel é chamado para ser o servo de Deus para o mundo, a fim de que o mundo inteiro
seja atraído ao monte da casa do Senhor (2.2,3). Para que esse propósito se concretize,
o pecado de Israel tem de ser perdoado, mas deve ser igualmente derrotado. O caráter
de Israel tem de assemelhar-se ao de Deus para que da boca de sua vida o fôlego de
Deus possa pronunciar a Palavra de Deus, pela qual o mundo aguarda. Quando isso
acontecer, a glória do Senhor terá despontado em Israel e todas as nações acorrerão
ao esplendor desse raiar do dia (60.1–3). É disto que toda a seção (caps. 56–59) tem
tratado. Uma nação que depende de seu direito de primogenitura como povo eleito de
Deus, enquanto cultiva seus ídolos e seus rituais, jamais realizará a propósito divino
em prol do mundo. No entanto o povo parece desamparado diante do poder do pecado.
O braço do Senhor, porém, que derrotou a culpa do pecado, pode igualmente derrotar
e derrotará o poder do pecado a fim de que as promessas do Espírito de Deus se
concretizem no povo por amor do mundo.”24

22
ERICKSON, Milard J., Introdução à Teologia Sistemática, São Paulo, Editora Vida Nova, 2001. P.
353.
23
VANGEMEREN, Willem A.. Commentary on Isaiah. Baker Publishing Group. Edição do Kindle.
24
OSWALT, J.. Isaías. Vol. 2, São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2011, pp. 642-643.
20

No capítulo 63, ao cantar a benignidade do Senhor e seus atos gloriosos, demonstrando


a presença permanente do Espírito na peregrinação do povo no deserto (63.11), guiando-o e
orientando rumo a concretização do pacto (13-14), agora no versículo 10, Isaías relembra que
“eles foram rebeldes e contristaram o Espírito Santo”. Ao que tudo indica à luz dos dois textos,
“santo” não se trata de apenas um título honorífico, mas uma referência a natureza moral do
Espírito. Nesse caso especifico a santidade de Deus está sendo ofendida em razão da
infidelidade do povo. Veja o que diz Oswald: “A rebelião revela uma hostilidade contra o poder
transcendente e a perfeição moral de Deus. Daí o pecador ser, afinal, uma questão da vontade;
e até que a vontade seja trazida em sujeição ao Espírito Santo, consistentemente o
comportamento santo não é possível.”25

Chamo sua atenção ainda, para a relação entre o Espírito e o povo. É possível perceber
esse fato através do verbo “contristar”. Ferguson demonstra que isso “não só pressupõe certa
distinção entre o Deus transcendente e imanente, mas é uma atividade interpessoal.” 26 Desta
forma, a ofensa não é apenas contra a transcendência moral do Espírito, mas também contra seu
amor.

Ezequiel também profetiza que o retorno do cativeiro implicaria numa renovação


espiritual, onde o coração de pedra seria retirado e posto um coração de carne (Ez 11.19,20;
36.26,27), demonstrando a mudança que o Espírito operaria na nação.

1.5. Nas profecias

Outra área de atuação do Espírito Santo no Antigo Testamento era a transmissão das
profecias. Os próprios profetas testificavam essa verdade quando afirmavam que o Senhor
falava pela boca deles. Comumente eles falavam “Assim diz o Senhor...”, “Ouvi a Palavra do
Senhor...”, “Veio a Palavra do Senhor...” (cf Jr. 27.1; 30.1,4; Ez 31.1; Os 1.1; Jl 1.1; Am 1.3;
2.1; Ob 1.1; Mq 1.1).

O Espírito como agente das profecias, revelava, inspirava e iluminava os profetas. Davi
disse, “O Espírito do SENHOR fala por meu intermédio, e a sua palavra está na minha língua”
(2Sm 23. 2). Neemias mais adiante fala: “No entanto, os aturaste por muitos anos e
testemunhaste contra eles pelo teu Espírito, por intermédio dos teus profetas” (Ne 9.30).
Igualmente Zacarias afirma: “Sim, fizeram o seu coração duro como diamante, para que não

25
OSWALT, 2011. P. 731.
26
FERGUISON, Sinclair B., O Espírito Santo. P. 26
21

ouvissem a lei, nem as palavras que o Senhor dos Exércitos enviara pelo seu Espírito, mediante
os profetas que nos precederam” (Zc 7.12; cf Ez 11.24).

O apostolo Pedro no Novo Testamento, em sua segunda epístola afirma que nenhuma
profecia foi concedida por “vontade humana; entretanto homens [santos] falaram da parte de
Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21). Com essas palavras ele testemunha que o
Espírito Santo era a fonte de profecia, capacitando os profetas para falar e escrever o que Deus
desejava.

Fergunson, apontando como os autores do Novo Testamento viam esse tema, afirma:

“Quando os autores neotestamentários enunciam esse, é evidente que se veem como


simples exegetas do Antigo Testamento. A convicção de que os profetas do Antigo
Testamento eram ‘arrastados pelo Espírito Santo’ (1Pe 1.21) reflete a própria
reivindicação dos profetas em prol da inspiração: ‘a mão do Senhor’ estava sobre eles;
seus oráculos eram ‘a palavra do Senhor’ (por exemplo, Jr 1.2,8,15,19, et passim).”27

Desta forma, percebemos que ao longo do Antigo Testamento a atividade do Espírito de


Deus é presente, não apenas na criação, capacitação dos homens, mas também na inspiração e
habilitação dos profetas na proclamação da revelação de Deus. Tanto no judaísmo antigo, como
na literatura rabínica reconhecem o Espírito de conhecimento e profecia. Keener, conclui:

“Fontes judaicas antigas muitas vezes associam o Espírito à inspiração (em geral, de
natureza profética) e à iluminação divina ou revelação em sabedoria ou conhecimento.
Esse último aspecto da obra do Espírito ocorre especialmente nos Manuscritos do Mar
Morto (e.g., QH 12.11-13). (...) Esse conceito da atividade do Espírito de Deus entre
as pessoas é, no mínimo, tão amplamente difundido quanto o aspecto purificador da
atividade do Espírito.”28

Ele ainda afirma:

“É incorreto, portanto, propor que o Espírito de Deus era considerado Espírito de


profecia somente no judaísmo rabínico, embora o Espírito de Deus no judaísmo
rabínico atue, na maioria das vezes, apenas como Espírito de profecia. Esse, era de
fato, o sentido predominante – embora não fosse, de modo algum, o único sentido –
com o qual o Espírito de Deus era visto na literatura não rabínica.” 29

27
Ibid. P. 31
28
KEENER, Craig S., O Espírito nos Evangelhos e em Atos: pureza e poder divino, São Paulo: Vida
Nova, 2018, pp. 42,43.
29
KEENER, Craig S., O Espírito nos Evangelhos e em Atos: pureza e poder divino, p. 45.
22

A atuação do Espírito, é percebida de forma mais clara e constante nos profetas Elias e
Eliseu. Eliseu recebeu porção dobrada do espírito de Elias, e realizou grandes feitos. Essa
mesma ênfase é vista no ministério profético de Ezequiel.

Segue alguns textos que falam da atuação do Espírito nos profetas e através deles:

1Reis 18.12 Poderá ser que, apartando-me eu de ti, o Espírito do SENHOR te leve
não sei para onde, e, vindo eu a dar as novas a Acabe, e não te achando ele, me matará;
eu, contudo, teu servo, temo ao SENHOR desde a minha mocidade.
1Reis 22.24 Então, Zedequias, filho de Quenaana, chegou, deu uma bofetada em
Micaías e disse. Por onde saiu de mim o Espírito do SENHOR para falar a ti?
2Crônicas 18.24 Por onde saiu o Espírito do SENHOR para falar a ti? Disse Micaías.
Eis que o verás naquele mesmo dia, quando entrares de câmara em câmara, para te
esconderes.
2Reis 2.16 E lhe disseram. Eis que entre os teus servos há cinquenta homens valentes;
ora, deixa-os ir em procura do teu senhor; pode ser que o Espírito do SENHOR o tenha
levado e lançado nalgum dos montes ou nalgum dos vales. Porém ele respondeu. Não
os envieis.
2Crônicas 20.14 Então, veio o Espírito do SENHOR no meio da congregação, sobre
Jaaziel, filho de Zacarias, filho de Benaia, filho de Jeiel, filho de Matanias, levita, dos
filhos de Asafe,
2Crônicas 24.20 O Espírito de Deus se apoderou de Zacarias, filho do sacerdote
Joiada, o qual se pôs em pé diante do povo e lhes disse. Assim diz Deus. Por que
transgredis os mandamentos do SENHOR, de modo que não prosperais? Porque
deixastes o SENHOR, também ele vos deixará.
Esdras 5.1 Ora, os profetas Ageu e Zacarias, filho de Ido, profetizaram aos judeus que
estavam em Judá e em Jerusalém, em nome do Deus de Israel, cujo Espírito estava
com eles.
Ezequiel 2.2 Então, entrou em mim o Espírito, quando falava comigo, e me pôs em
pé, e ouvi o que me falava.
Ezequiel 3.12 Levantou-me o Espírito, e ouvi por detrás de mim uma voz de grande
estrondo, que, levantando-se do seu lugar, dizia. Bendita seja a glória do SENHOR.
Ezequiel 3.14 Então, o Espírito me levantou e me levou; eu fui amargurado na
excitação do meu espírito; mas a mão do SENHOR se fez muito forte sobre mim.
Ezequiel 3.24 Então, entrou em mim o Espírito, e me pôs em pé, e falou comigo, e
me disse. Vai e encerra-te dentro da tua casa.
Ezequiel 8.3 Estendeu ela dali uma semelhança de mão e me tomou pelos cachos da
cabeça; o Espírito me levantou entre a terra e o céu e me levou a Jerusalém em visões
de Deus, até à entrada da porta do pátio de dentro, que olha para o norte, onde estava
colocada a imagem dos ciúmes, que provoca o ciúme de Deus.
Ezequiel 11.1 Então, o Espírito me levantou e me levou à porta oriental da Casa do
SENHOR, a qual olha para o oriente. À entrada da porta, estavam vinte e cinco
homens; no meio deles, vi a Jazanias, filho de Azur, e a Pelatias, filho de Benaías,
príncipes do povo.
Ezequiel 11.5 Caiu, pois, sobre mim o Espírito do SENHOR e disse-me. Fala. Assim
diz o SENHOR. Assim tendes dito, ó casa de Israel; porque, quanto às coisas que vos
surgem à mente, eu as conheço.
Ezequiel 11.24 Depois, o Espírito de Deus me levantou e me levou na sua visão à
Caldéia, para os do cativeiro; e de mim se foi a visão que eu tivera.
23

Ezequiel 37.1 Veio sobre mim a mão do SENHOR; ele me levou pelo Espírito do
SENHOR e me deixou no meio de um vale que estava cheio de ossos,
Ezequiel 43.5 O Espírito me levantou e me levou ao átrio interior; e eis que a glória
do SENHOR enchia o templo.
24

2. A HABITAÇÃO DO ESPÍRITO E O ENTENDIMENTO DE JOÃO 7.37-39 E


14.16,17

No entendimento de John F. Walvoord a habitação do Espírito no Antigo Testamento


está em contraste com a atualidade. Sua concepção é de que o Espírito passa a habitar
definitivamente em cada cristão somente na “dispensação da graça”, a partir do momento da
regeneração.30 Ele diz: “Deus em sua vontade soberana e de acordo com seus próprios
propósitos, selecionou indivíduos no Antigo Testamento a quem foi dada a presença
permanente do Espírito Santo.” Além disso, para ele as características da habitação do Espírito
no Antigo Testamento eram diferentes do seu ministério no Novo Testamento, pois não tinha
relação aparente, qualidades espirituais e era temporária.31 Na concepção dele o Espírito não
habitou permanentemente no crente, antes do Pentecoste. Os textos que se encontram em João
7.37-39 e 14.16,17 são importantíssimos para justificativa dessa posição. Entretanto, será que
os textos bíblicos realmente apoiam uma habitação pós-Pentecostes? Observe uma análise mais
de perto.

2.1. Análise de João 7.37-39

“No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem
sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior
fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber
os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus
não havia sido ainda glorificado.”

O capítulo 7, versículos 37-39 é uma passagem significativa para aqueles que advogam
a ideia de que o Espírito não habitava nos crentes do Antigo Testamento. O contexto nos diz
que Jesus estava em Jerusalém, e na ocasião comemorava-se a Festa dos Tabernáculos, uma
das três grandes festas anuais dos judeus. O texto diz que no dia mais importante da festa, “no
último dia, o grande dia da festa”, Jesus se levantou e fez uma declaração impactante, “se
alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior

30
WALVOORD, John F., The Holy Spirit: A Comprehensive Study of the Person and Work of the Holy
Spirit. Findlay, Ohio: Dunham, 1958, p 71.
31
WALVOORD, John F., The Holy Spirit. P. 155
25

fluirão rios de água viva”. Essas palavras de Cristo são interessantes à luz do contexto, pois
toda simbologia da celebração apontava para ele.

A Festa dos Tabernáculos era celebrada por meio de cabanas que eram construídas para
lembrar a fuga do povo de Deus do Egito e o período em que habitaram no deserto. Sua duração
era de sete dia, sendo que no dia mais importante era o oitavo dia. Nesse período de celebração
os sacerdotes derramavam água na base do altar. Keener traz a seguinte informação:

Ao menos durante os sete primeiros dias, os sacerdotes marchavam em procissão do


poço Siloé até o templo e, ao chegar ali, vertiam água na base do altar. Os peregrinos
que haviam chegado para a festa assistiam a esse ritual, bem conhecido dos judeus
espalhados pelo mundo romano. Para conservação de sua memória, cenas do evento
eram gravadas até em vasos de argila, que os peregrinos levavam para casa.32

D. A. Carson seguindo na mesma direção diz:

“Nos sete dias da festa, enchia-se uma jarra dourada de água do tanque de Siloé que
era levada em procissão pelo sumo sacerdote de volta para o templo. Quando a
procissão de aproximava da abertura para a água no lado sul do pátio interno, três
toque sôpâr – uma trombeta usada em ocasiões festivas – eram ouvidos. Enquanto os
peregrinos observavam, os sacerdotes andavam ao redor do altar com a jarra, o coro
do templo cantando Hallel (Sl 113-118; cf. Mishná Sukkah 4.9). quando o coro
alcançava o Salmo 118, todo peregrino do sexo masculino chacoalhavam um lûlab
(galho de salgueiro e murta amarrados com ramo de palmeira) em sua mão direita,
enquanto com sua esquerda levantava um pedaço de fruto cítrico (um sinal da colheita
realizada), e todos gritavam: ‘deem graças ao Senhor’, três vezes. Á água era oferecida
a Deus na hora do sacrifício da manhã, junto com a oferta de bebida (de vinho) diárias.
O vinho e água eram derramados em suas respectivas vasilhas de prata e, a seguir,
derramadas diante do Senhor. Além disso, essas cerimônias da festa da cabana
estavam relacionadas no pensamento judaico tanto com a provisão de água feita pelo
Senhor no deserto como com o derramar do Espírito do Senhor nos últimos dias. O
derramar na festa das cabanas refere-se simbolicamente à era messiânica na qual um
rio da rocha sagrada fluiria sobre toda a terra (cf. Jeremias, TDNT, 4.277s.). 33

Ao convidar os sedentos espiritualmente o Senhor faz uma promessa aos que cressem
nele: “do seu interior fluirão rios de água viva” (v.39). Suas palavras são significativas no
contexto da festa das cabanas, pois demonstra que ele está declarando a concretização das
Escrituras. Ele é o cumprimento de tudo o que aquela cerimônia apontava. Por essa razão,
aquele que colocasse sua fé nele, teria um rio de água viva fluindo dentro dele. Segundo Carson

32
KEENER, Craig S., Comentário histórico-cultural da Bíblia: Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova,
2017. P. 321.
33
CARSON, D.A., O comentário de João, São Paulo, Shedd Publicações, 2007. P. 213.
26

“se Isaías podia convidar o sedento para beber das águas (Is 55.1), Jesus anuncia que ele é
aquele que pode fornecer as águas.”34

Esta “água viva” é identificada como o Espírito no v. 39, ela residiria no ser mais íntimo
daquele que cresse e não seria dado até depois da glorificação de Jesus. A última parte deste
versículo, “Isso ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem;
pois o Espírito até aquele momento não fora dado”, tem levado alguns estudiosos ao debate.

Jesus disse que aquele que cresse nele do “seu interior fluiria rios de água viva” (v. 38).
No entanto, ele acrescenta: “Isso ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os
que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia
sido ainda glorificado” (v. 39). É importante ressaltar que a inserção “dado”, não tem no texto
grego. Desta forma, uma tradução mais literal da parte “b” do versículo 38 ficaria da seguinte
forma: “pois o Espírito ainda não era”.35 Entretanto, em que sentido os discípulos de Cristo não
“receberam” o Espírito? Isso não implica que o Espírito não existia antes da glorificação de
Jesus, nem mesmo que não tenha agido salvadoramente, pois ele é eterno e como vimos já
operava no Antigo Testamento. Várias explicações são oferecidas a essa questão, uma delas é
que o Espírito só habitaria nos seguidores de Cristo após a glorificação dele. J. Hamilton afirma:
“Aqueles que creram em Jesus estão prestes a receber o Espírito, mas isso não acontecerá até
que Jesus seja glorificado.”

O foco do evangelista nesta passagem não é necessariamente tratar sobre habitação do


Espírito, nem dizer que ele estava ausente anteriormente ao Pentecostes, mas apontar
especialmente para o seu derramamento no Pentecostes. É de fundamental importância entender
a necessidade desse evento, tão anunciado quanto à cruz. Portanto, o Espírito prometido (Jl
2.28), não havia sido derramado ainda como córregos e rios de água. É para esse novo evento
que João aponta. McCabe, diz:

“O v. 39 não afirma explicitamente que o ministério da habitação do Espírito seria


inaugurado após a glorificação de Cristo e, portanto, não necessariamente apoia a era
presente como um período da habitação do Espírito. Em vez disso, o v. 39 deve ser
entendido como significando que haveria algo único no relacionamento do Espírito
com os crentes após a glorificação de Cristo, uma manifestação mais plena da
presença do Espírito.”36

34
CARSON, D. A. O comentário de João. P.23...
35
Ibid. P. 330.
36
MCCABE, Robert V., Were old testament believers indwelt by the spirit? Detroit Baptist Seminary
Journal, 2004. P. 219
27

Diante disso, do modo como precisávamos da morte e ressurreição do Messias para


nossa redenção, isso no tempo e no espaço era igualmente necessário um aparecer efusivo do
Espírito Santo. Kaiser mais vez contribui: “era necessário que o Espírito tivesse uma vinda
visível, real, assim como o Servo Sofredor experimentou o Calvário.”37 Hendriksen
semelhantemente, afirma:

Assim como os crentes não podem tornar-se a maior bênção possível para o mundo
até que o Espírito venha sobre eles (At 1.8), assim também o Espírito não poderia vir
até Jesus ter sido glorificado (ver sobre 16.7). O Antigo Testamento liga o fluir de rios
de bênção com a vinda do Espírito.38

Portanto, João claramente, quando narrou às palavras de Jesus, dá entender que estava
pensando em termos de Pentecostes, e não necessariamente da habitação permanente do
Espírito. Suas palavras testificam isso quando registra: “porque Jesus não havia sido ainda
glorificado.”

2.2. Análise de João 14.16,17

“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre
convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê,
nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós.”

Essa é outra passagem que tem servido de base para muitos defenderem o ponto de que
o Espírito não habitava nos fiéis do Antigo Testamento, por essa razão a olharemos mais de
perto, a fim de compreendermos melhor o assunto.

É importante dizer que esta passagem não é um texto de fácil entendimento. Deste modo,
analisar seu contexto e observar algumas nuanças é de fundamental importância para chegarmos
a uma conclusão mais satisfatória.

A defesa feita contra a habitação do Espírito no crente da antiga dispensação se dá pela


avaliação desse texto, a partir das preposições παρα, (por, com, ao lado de) e εν (em, por, com
– traz a ideia de estar “dentro”). Hamilton argumenta o seguinte:

37
KAISER, Walter C., Jr., The indwelling presence of the Holy Spirit in the Old Testament. Evangelical
Quaterly (EQ 82.4), Paternoster Periodicals, 2010. P. 312.
38
HENDRIKSEN, William, O Evangelho de João, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. P. 358.
28

O Espírito estará nos discípulos, ao passo que o mundo não o receberá. Visto que a
habitação dos discípulos é paralela aqui à recepção do Espírito, isso parece indicar
que a recepção do Espírito referida em outra parte de João descreve o início da
habitação. João 7:39 não diz que o Espírito ainda não estava ativo no mundo, nem diz
que o Espírito ainda não vivia as pessoas (cf. João 6:63, 'O Espírito é aquele que
vivifica'). João 7:39 diz que o Espírito ainda não foi recebido, e em vista de João
14:17, isso parece significar que os crentes ainda não eram habitados pelo Espírito
Santo.39

Ainda que esse texto seja usado como argumento para defender a tese de que o Espírito
só passou a habitar definitivamente no crente após o Pentecoste, é importante compreender que
a passagem não tem a intenção de abordar esse assunto. Conforme o pensamento de Kaiser
“este texto não deseja fazer uma distinção entre o Espírito Santo meramente estar ‘com’ os
crentes antes do Pentecostes, ao passo que depois do Pentecostes o Espírito estará ‘nos’ crentes,
como muitos argumentaram.”40 Uma análise do texto e seu contexto demonstrarão que Jesus
não está preocupado em estabelecer uma distinção da habitação do Espírito no crente da nova
dispensação em relação ao da antiga.

Em primeiro lugar os versículos 16 e 17 de João 14, estão inseridos no contexto geral


que vai do capítulo 13-17, onde Jesus faz um grande discurso de despedida. Suas palavras são
dirigidas especialmente a um grupo menor de seguidores do Senhor, resumindo-se nos doze
discípulos. No capítulo 13, Jesus reúne os 12 apóstolos para participarem da última ceia, depois
de lavar os seus pés e revelar o traidor, passa então a se concentrar em prepará-los para sua
partida iminente e informá-los sobre papel do Espírito Santo na capacitação deles para
ministrarem eficazmente após a sua glorificação. Isso revela o caráter particular das palavras
de Cristo, aplicadas mais especificamente aos apóstolos, diferentemente do que encontramos
no capítulo 7, onde ele fala para uma audiência maior.

Em segundo, no versículo 16 o Senhor diz que rogará ao Pai “e ele vos dará outro
Consolador”. Percebe-se que Jesus identifica o Espírito como “outro Consolador” e o “Espírito
da verdade”. Essa identificação é reveladora e esclarecedora para nossa compreensão, pois
implica que o Espírito teria um ministério específico com os discípulos. A palavra παρακλητος
significa “estar do lado de alguém, convocado a ajudar alguém, conselheiro de defesa, assistente
legal, advogado”. Isto demonstra que o papel do Espírito vai além de um mero conselheiro,

39
HAMILTON, J. (2004). Were Old Covenant Believers Indwelt by the Holy Spirit? Themelios, 30(1),
pp. 20–22.
40
KAISER, Walter C., Jr., The indwelling presence of the Holy Spirit in the Old Testament. PP.
309,310.
29

pelo contrário, ele assume o papel de um fortalecedor e capacitador. Todas as ocorrências dessa
palavra em João, demonstram que o Espírito tomaria o lugar de Jesus Cristo no fortalecimento
e capacitação dos discípulos na liderança após a sua partida (14.26; 15.26,27; 16.7). Carson
afirma que “‘outro Paracleto’, no contexto da partida de Jesus, implica a ideia que os discípulos
já têm um, o que está partindo.”41 A expressão παρακλητος também é atribuída a Jesus (1Jo
2.1). Com isso podemos entender que o ministério de Cristo em habilitar seus discípulos na
terra cumpriu seu propósito, agora outro παρακλητος entra em cena para continuar a obra.
Carson mais uma vez contribui:

Embora Jesus nunca seja, no quarto evangelho, explicitamente referido um


paraklêtos, o título é aplicado a ele em 1Jo 2.1 (NVI: ‘alguém que fala [...] em nossa
defesa’ [NVI: ‘intercessor’]). Isso significa que a presente advocacia de Jesus realiza-
se nos tribunais do céu; João 14 implica a ideia de que durante seu ministério, sua
função como Paracleto, de fortalecer e ajudar seus discípulos, foi realizada na terra.
“Outro Paracleto” é concedido para desempenhar esta última tarefa.

Jesus declara no versículo 12 que os discípulos fariam as obras que ele faz e outras
maiores. Isso só seria possível por conta da capacitação do Espírito. Além disso, o Espírito
também revelaria aos apóstolos o que Cristo havia ensinado durante seu ministério terreno, os
guiaria na verdade e os ajudaria a testemunhar de Jesus (14: 25-26 e 15: 26-27; 16.13), a fim
de que eles pudessem realizar uma proclamação autorizada por Jesus, após sua ascensão.

Desta forma, McCabe está correto quando afirma:

“Outro Consolador”, o Espírito, tomaria o lugar de Jesus para fortalecer e ajudar seus
discípulos, em vez de um grupo coletivo de crentes do Novo Testamento. A
implicação de "outro Consolador" é que este ministério do Espírito termina com a
morte do último Apóstolo.42

A conjunção “a fim de que” (ινα), demonstra o propósito do envio do “outro


Consolador”, estar sempre convosco. A preposição “com” (μετα), da forma como está aqui,
denota estar “com alguém, em a companhia de alguém.” Nesse contexto, o sentido metafórico
de μετα indica estar “com alguém”, ao lado de alguém ou ajudando alguém. Uma vez que Jesus
pediu “outro Consolador” para equipar seus discípulos, “é provável que o uso de μετα por Cristo
sugere que ele solicitou que o Parácleto capacitasse seus discípulos a cumprir sua tarefa

41
CARSON, D. A., O Comentário de João. P. 500.
42
MCCABE, 2004, p. 223.
30

apostólica.”43 Além de ser chamado de “outro Consolador” o Espírito também é chamado de


“Espírito da verdade” (15.26 e 16.13). Isto demonstra que os apóstolos seriam divinamente
autorizados e capacitados para comunicar com precisão a revelação especial sobre Cristo. Eles
seriam intérpretes autorizados de Cristo.

Tudo isso nos aponta para a ideia de que a preocupação do evangelista não está em falar
da habitação do Espírito, mas sim no seu novo ministério com os discípulos após a crucificação
de Cristo.

O terceiro ponto a ser destacado aqui, são as preposições “com” (παρα) e “em” (εν) no
v. 17. Alguns defendem a habitação do Espírito no crente somente após o Pentecostes fazendo
uma distinção entre as preposições. O pensamento é de que os crentes da velha aliança
experimentaram a obra do Espírito com eles ("Ele habita com [παρα] convosco”) de uma
maneira externa, mas quando eles se tornassem crentes da nova aliança no Pentecostes, o
Espírito passaria a residir dentro de (“e [Ele] estará em [εν] vós”). Nesse sentido o Espírito
estava presente na vida do povo, e se relacionava com eles, porém, somente no Pentecostes
passou a habitar definitivamente no crente. Um dos textos para essa defesa é exatamente o verso
17, na distinção das preposições. Desta forma, a compreensão de alguns estudiosos é que a
preposição παρα (ele habita convosco) marca uma era pré-Pentecostes quando os crentes não
eram habitados, e εν (e estará em vós) estabelece a experiência pós-Pentecostes, pois no dia de
Pentecostes o Espírito Santo veio habitar em cada crente no Senhor Jesus Cristo.

Entretanto, esta rígida distinção se sustenta? O Senhor tem a intenção de estabelecer


uma diferença na atuação do Espírito antes e depois do Pentecostes? Certamente que não. A
preposição (παρα) aparece 194 vezes no Novo Testamento, contendo grande diversidades no
seu uso. 50 vezes é usada com o dativo, obtendo o seguinte sentido "perto", "na casa (de
alguém), cidade, empresa", "na vista ou no julgamento de alguém", "entre".44 Em João 14. 17
(Ele habita convosco) está no dativo. Percebe-se que quando “παρα” é utilizado dessa forma
também pode significar relacionamento interno. Em duas ocasiões em João “παρα” demonstra
a relação interna do Filho com o Pai (8.38 e 17.5), e o contexto próximo da passagem em
questão, mostra o uso da preposição “παρα”, apontando para uma relação interna, “Respondeu
Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e

43
Ibid. P. 223.
44
Ibid. P. 224. Com o dativo: “ao, além disso”, respondendo à pergunta "onde?", com exceção de Jo 19.25
apenas de pessoas, não de proximidade imediata, mas “na casa de” qualquer um (apud, Fr. chez), Lc 19. 7, Jo 1.39,
At 10. 6, “entre” um povo, Ap 2.13; “aos olhos de”, por ex. παρά τῷ θεῷ, “no julgamento de”, Rm 12.16, etc.
SOUTER, A. A Pocket Lexicon to the Greek New Testament. Oxford: Clarendon Press. 1917, p. 188.
31

faremos nele morada” (v.23). Aqui Jesus demonstra como ele e o Pai viriam fazer morada
permanente naqueles que o amasse. Por essa razão, concordo com Hendriksen quando diz:

Aqui o relacionamento “ao lado dele” é definidamente atribuído à dispensação do


Espírito (note a conexão íntima entre os v. 23 e 25, 26). Portanto, não se justifica fazer
uma distinção rígida entre o relacionamento ao lado dele e o futuro no meio de e
dentro. Também não se justifica atribuir um significado muito restrito à preposição ao
lado de (παρά), como se fosse necessariamente indicada uma relação menos estreita. 45

Na mesma direção de Hendriksen, Grudem acrescenta:

Isso significa que quando Jesus diz aos seus discípulos “ele habita convosco e estará
em vós” (Jo 14.17), não pode estar dizendo que havia uma diferença absoluta
“dentro/fora” entre a obra do Espírito Santo na antiga aliança e na nova. Nem pode
João 7.39 (...) significar que não havia nenhuma atividade do Espírito Santo na vida
das pessoas antes do Pentecostes. Ambas as passagens devem ser maneiras diferentes
de dizer que a obra mais poderosa, mais plena do Espírito Santo, característica da vida
após o Pentecostes, ainda não havia começado na vida dos discípulos. 46

Mccabe também conclui:

O ponto desta cláusula em 14.17 (“Ele habita convosco παρα”) é que o Espírito já
estava íntima e permanentemente residindo com cada um dos onze discípulos. Como
tal, esta parte do v. 17 reflete o ministério pré-Pentecostes de “morada interior” do
Espírito com os discípulos.47

A partícula “εν” (“estará em vós”) na parte final do versículo, “é a preposição mais


popular no Novo Testamento (cerca de 2.698 usos)”,48 e tem uma gama de usos “com nuances
que vão desde o espacial, como "em", ao temporal, como "quando", para citar alguns de seus
múltiplos usos.” Alguns dispensacionalistas veem a declaração de Jesus em 14.17 no “espacial
ou locativo”, (o Espírito) estará espacialmente em vós. Entretanto, segundo Mccabe, há indícios
de que “εν” em João é melhor compreendida como apontando para um relacionamento íntimo.
Ele diz:

45
HENDRIKSEN, W. João. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2014, p. 590
46
GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Vida Nova, 1999, p. 533.
47
MCCABE, Robert V., 2004, p. 226.
48
COENEN, Lothar e BROWN, Colin, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São
Paulo, Editora Vida Nova, 2000, p. 1767.
32

Com este tipo de uso, εν cai dentro dos parâmetros dos BDAGs quarta categoria: εν
como um “marcador de associação próxima dentro de um limite”. A quarta categoria
é subdividida em três subcategorias. Mais precisamente, εν é melhor correlacionado
com sua terceira subcategoria, onde os paulinos e joaninos usam "designar uma
relação pessoal próxima em que o referente do termo εν é visto como a influência
controladora: sob o controle de, sob a influência de, em estreita associação com.” Um
exemplo primário paulino é o uso que Paulo faz da fórmula εν Χριστω (“em Cristo”);
por exemplo, 2 Coríntios 5:17: “E, assim, se alguém está em εν Cristo, é nova
criatura.” Este uso de εν reflete uma associação salvífica íntima entre Cristo e o
crente. Este mesmo tipo de “relação pessoal próxima” é refletido no Evangelho de
João. Em 10:38, Jesus declara: “o Pai está em Mim, e Eu no Pai”. Em vez de ter um
sentido espacial, o uso de εν por Jesus reflete um uso metafórico para denotar uma
relação íntima entre o Pai e o Filho. Em 15: 5, aquele que permanece em ( εν) Cristo
e Cristo nele (εν) dá muito fruto. Novamente, esse uso metafórico de εν enfatiza a
intimidade de um relacionamento, um relacionamento salvífico, e não um uso
locativo.49

Ainda no contexto da nossa passagem, εν aparece 16 vezes, sedo 7 vezes descrevendo a


relação intra-trinitária do Filho com o Pai e do Pai com o Filho (14.10, 11 e 20), e apenas uma
vez denotando o uso “espacial” (14.2). Além disso, εν é usada no versículo 20, onde Jesus faz
uma referência ao evento futuro do Pentecostes, esclarecendo que seus discípulos teriam uma
compreensão mais profunda da relação íntima do Pai com o Filho e do Filho com os discípulos.
No versículo 30, “εν” mais uma vez é utilizada para deixar claro que não existe nenhuma relação
entre Cristo e o príncipe deste mundo.

Diante disso, é possível concluir que o uso de “εν” em João 14.17, está mais preocupado
em demonstrar o relacionamento íntimo que o Espírito teria com os discípulos do Senhor, após
o Pentecostes. Nesse sentido, eles já desfrutavam de uma relação com o Espírito, pois ele
habitava com eles, mas experimentariam algo ainda mais poderoso. Carson assevera: “Os
discípulos, portanto, já o conhecem, mais do que pensam; eles o conhecerão mais intimamente,
após Jesus ser exaltado e enviar o Espírito da verdade.”50

Ao terminar essa análise, concluímos que é após a morte, ressurreição e glorificação do


Senhor Jesus que o Espírito desce no Pentecostes, habilitando e capacitando os apóstolos na
compreensão da tarefa que tinham pela frente de serem testemunhas do que tinham ouvindo,
visto e aprendido de Cristo (João 14. 25–26; 16. 12–15). Lucas deixa claro isso em duas
circunstâncias:

“E lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os
mortos no terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão

49
MCCABE, Robert V., 2004, p. 227.
50
CARSON, 2007, p. 501
33

de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém. Vós sois testemunhas destas


coisas. Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade,
até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24. 46-49)
“Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins
da terra.” (At 1.8)

O entendimento que chegamos é que esses dois textos não oferecem uma oposição
definitiva em relação à habitação do Espírito nos fiéis do Antigo Testamento, mas apresentam
uma revelação futura, quando o Espírito viria de forma mais plena e universal. É justamente
nisto que consiste a diferença. O Antigo Testamento anuncia uma vinda do Espírito de maiores
proporções, o que de fato aconteceu no Novo Testamento com a descida do Espírito no dia de
Pentecostes. Esse foi um ocorrido que não simplesmente veio sobre Israel, mas também sobre
os gentios, sendo incluídos na nova aliança. O profeta Joel no capítulo 2. 28,29, profetiza:
“Acontecerá depois que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas
filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos, os vossos mancebos terão visões; e também
sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito”. Calvino no seu
comentário de Joel diz:

O Profeta, sem dúvida, promete aqui algo maior do que os pais sob a Lei haviam
experimentado. O dom do Espírito, sabemos, até era desfrutado pelos antigos; só que
o Profeta não promete o que os fiéis tinham outrora descoberto, mas, como dissemos,
algo maior: e tal pode ser facilmente depreendido da palavra aqui usada, “derramar”;
pois ishafach não significa gotejar, mas despejar em grande abundância; e Deus não
derramou seu Espírito Santo tão farta e largamente sob a lei como quando depois da
manifestação de Cristo. Dado, pois, que o dom do Espírito foi mais copiosamente
dado à Igreja após o advento de Cristo, o Profeta utiliza aqui uma expressão rara —
que Deus derramaria o Espírito dele.51

Concluímos com mais uma excelente contribuição de Grudem:

O Espírito Santo ainda não tinha chegado dentro deles de modo pelo qual Deus havia
prometido colocá-lo dentro do seu povo quando viesse a nova aliança (Ez
36.26,27;37.14), nem o Espírito Santo havia sido derramado com grande abundância
e plenitude que caracterizava a era da nova aliança (Jl 2.28,29). Nesse sentido
poderoso da nova aliança, o Espírito Santo ainda não estava operando dentro dos
discípulos.52

51
CALVINO, João. Comentário sobre Joel, 2008, p. 64. Disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/livros/comentario-joel-livro_calvino.htm>. Acesso em: 24 fev. 2011.
52
GRUDEM, 1999, p. 533.
34

3. O ENTENDIMENTO TEOLÓGICO DE HABITAÇÃO DO ESPÍRITO E SUAS


IMPLICAÇÕES

Nas passagens utilizadas para a defesa de uma descontinuidade da presença permanente


do Espírito na vida dos crentes do Antigo Testamento, em nenhuma a palavra habitação aparece.
Com isso não estamos sugerindo que a ausência do termo encerre a questão, pois não temos a
palavra trindade na Bíblia, mas seu ensino é claro e consistente em diversos lugares da
Escritura. Entretanto, no assunto em questão, não é objetivo das passagens laborar sobre a
habitação do Espírito no crente. Mas, teologicamente qual o sentido de habitar, e quais suas
implicações? O que de fato isso significa? Creio ser necessário explicar esta questão, para um
melhor entendimento do tema.

Temos quatro passagens no Novo Testamento que falam da habitação do Espírito Santo
no crente de forma mais objetiva. São elas, Romanos 8.9, 11, 1Co 3.16, 6.12-20 e 2Tm 1.14.
Qual o entendimento destas passagens?

Em Romanos 8.9, a habitação do Espírito indica que o crente não está na carne e que
pertence a Cristo. No verso 11, Paulo fala que o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre
os mortos habita no crente e sua presença interna vivificará o corpo mortal. O apóstolo Paulo
argumenta que somente aqueles que tem o Espírito podem agradar a Deus. Ele diz que “os que
estão na carne não podem agradar a Deus”, pois suas inclinações são pecaminosas e inimigas
de Deus, estando em rebelião contra sua santa lei (v.7). Assim, uma pessoa que não tem o
Espírito Santo não só é impossível agradar ao Senhor, como evidencia não lhe pertencer (v.9).
O Espírito é o selo distintivo de que o crente é propriedade exclusiva de Deus (Ef 1.14). John
Stott diz que habitar denota “uma influência firme, permanente e perspicaz.”53 Desta forma,
não desfrutar desta influencia firme e permanente é um mau sinal.

O Espírito que habita no crente, é o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus, por isso,
ele é a garantia de que nossos corpos mortais também serão ressuscitados, pois ele é o Espírito
vivificador. Aqui vemos claramente a atuação trinitária de Deus, o Pai que ressuscita, o Filho
que é ressuscitado e o Espírito da ressurreição.

Assim, a presença permanente do Espírito no crente implica em identidade, apontando


que o regenerado é de Deus, que sua vida não será governada pelo pecado, mas por uma vida

53
STOTT, John, A mensagem de Romanos. São Paulo, ABU Editora, 2012. P. 270.
35

de santidade, operada pelo Espírito e que sua presença é garantia de que serão ressuscitados por
ele.

Entretanto, como relacionar este assunto com a onipresença do Espírito. Se o Espírito


está em todo lugar como não estava no crente antes de sua conversão? Isso não negaria sua
onipresença? Se ele estava no crente antes da conversão como justificar o fato de que ele veio
morar no cristão, conforme está em Romanos 8.9 e 2Timóteo 1.14?

A onipresença aponta para o fato de que Deus está presente em todo lugar, sem estar
limitado a espaço. Ele preenche cada espaço do universo com todo o seu Ser, sem mistura ou
confusão. Segundo Berkhof, refere-se “à perfeição do Ser divino pela qual Ele transcende todas
as limitações especiais e, contudo, está presente em todos os pontos do espaço com todo o Seu
Ser.”54 Isso demonstra a imensidão do Espírito, transcendendo sobre o espaço, não estando
aprisionado a ele. Michael Horton definiu:

“Como espírito infinito, Deus não é um corpo infinitamente grande. Ele está presente
em cada lugar porque ele transcende as categorias espaciais. O mesmo é verdade eu
diria do tempo. A transcendência de Deus do tempo é a própria pressuposição de sua
presença em cada momento criado. Mesmo quando Deus está presente em
determinado lugar por nós, em paz, ele permanece onipresente em sua própria
essência; o mesmo é verdadeiro sobre a sua eternidade. O Deus que é eterno
(essencialmente) está ativo dentro do tempo (energicamente).” 55

As Escrituras afirmam: “Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o


veja? – diz o SENHOR; porventura, não encho eu os céus e a terra? – diz o SENHOR” (Jr
23.24). O autor do Salmo 139 declarou: “Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde
fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo,
lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me
haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá” (Salmo 139.7-10). Na carta aos Efésios
capítulo 1.22-23 o apóstolo Paulo também afirmou:

Vale ressaltar que não estamos argumentando que o Espírito de Deus está espalhado
pelo tempo e espaço, mas ao contrário, que ele extrapola as próprias categorias de tempo e
espaço. Na sua dogmática Bavink concluiu:

54
BERKOF, Louis. Teologia Sistemática. P.60
55
HORTON, Michael, Doutrinas da Fé Cristã, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2016. P. 269
36

“Ele não está espalhado por todo o espaço, como luz e ar, mas está presente com todo
o seu ser em todos os lugares. (...) A relação de Deus com o espaço não pode consistir
na noção de que ele está no espaço e é enclausurado por ele, no modo pelo qual, na
mitologia grega, Urano e Cronos eram poderes acima de Zeus. Deus não é criatura.
‘Se fosse confinado a um lugar específico, ele não seria Deus.’ Ele não é um corpo
estendido pelo espaço e ‘circunscritivamente’ presente no espaço, nem um espírito
finito criado, permanentemente preso a uma localização específica, e, portanto,
‘definitivamente’ presente no espaço. (...) Mas a relação de Deus com o espaço é tal
que, sendo o Infinito, existindo dentro de si mesmo, Deus enche ao máximo cada
ponto do espaço e o sustenta por meio de sua imensidão.”56

Muito bem, se o Espírito sendo Deus onipresente permeia toda a criação, preenchendo
cada espaço sem exceção, de que forma então podemos compreender o ensino de que ele habita
no crente diferentemente do ímpio? Na verdade, os ensinos não são excludentes, pois quando
se afirmam que o Espírito é onipresente, não nega sua presença especial em determinados
lugares. Em alguns textos da Bíblia podemos ver o Espírito estando localizado em algum
sentido sem que necessariamente negue sua onipresença (Cf. Gn 1.2 e At 1.8).

O que deve ficar claro é que o Espírito está em todos os lugares em sua plenitude, porém
ele não está igualmente presente no mesmo sentido em todas as Suas criaturas. Ele não está no
ímpio da mesma forma que está no homem redimido por Cristo.57

3.1. Análise de 1 Coríntios 6: 19-20

Estes dois versículos fazem parte de um contexto maior, cujo objetivo é demonstrar que
a imoralidade não tem lugar na vida do crente. É possível que algumas pessoas na igreja de
Corinto estavam justificando suas práticas imorais com base num dualismo grego, que fazia
dicotomia entre corpo e alma. Este pensamento incipiente, entendia que o espírito foi redimido,
mas o corpo não. Por isso, uma vez que o corpo não tem valor eterno, o cristão podia fazer o
que quisesse com corpo. Alguns entendiam que a alma não seria afetada pelos pecados, tendo
em vista que estes seriam praticados através do corpo, e o corpo era uma mera prisão para a
alma. William Barclay diz:

56
BAVINCK, Herman, Dogmática Reformada, Deus e a Criação, Vol. II, São Paulo, Editora Cultura
Cristã, 2012. PP. 170-172.
57
“Deus habita em todas as suas criaturas, mas não em todas da mesma maneira. Todas as coisas, de fato,
estão ‘nele’ (in eo), mas não necessariamente (cum eo). Deus não habita sobre a terra como habita no céu, nos
animais como nos seres humanos, na criação inanimada como na criação animada, no ímpio como no piedoso, na
igreja como em Cristo. As criaturas diferem, dependendo do modo como Deus habita nelas.” BAVINCK, Herman,
Dogmática Reformada, Deus e a Criação. P.173
37

“Os gregos sempre desprezaram seus corpos. Havia um provérbio que dizia: "O corpo
é uma tumba". Epicteto dizia "Sou uma pobre alma encadeada a um cadáver." O que
importava era a alma, o espírito do homem; o corpo não interessava. Isto dava como
resultado duas atitudes. Ou dava origem ao mais rigoroso ascetismo no qual tudo se
realizava para dominar e humilhar os desejos e instintos do corpo. Ou — e em Corinto
prevalecia a segunda atitude — significava que visto que o corpo não importava,
podia-se fazer o que se quisesse com ele: podia-se deixá-lo saciar e satisfazer os seus
apetites. Não interessava absolutamente. Se o que interessa é a alma, diziam, então
não tem importância o que o homem faça com seu corpo.”58

A prostituição cultual era uma prática comum na cidade de Corinto. O culto oferecido
aos deuses Apolo, Baco e Afrodite era consagrado à glorificação do sexo. Os adoradores destas
divindades prestavam culto por meio de relações sexuais com as prostitutas cultuais, jovens que
estavam a serviço da divindade. Era uma prática tão natural que estigmatizou a cidade com a
fama de promíscua, dando até mesmo origem a expressão “corintizar”, significava “viver como
um coríntio”, por meio de uma vida de prazeres desenfreados.

Estas indecências não fazem mais parte da vida cristã, pois o crente foi lavado,
santificado e justificado em Jesus Cristo (v.11). Por isso, neste contexto Paulo argumenta
veementemente contra um pensamento distorcido de que é possível ser crente em Jesus Cristo
e ao mesmo tempo praticar imoralidade sexual. Ele levanta alguns argumentos demonstrando
o porquê os cristãos em Corinto não deveriam entregar seus corpos ao pecado.

Primeiro, porque o corpo não foi criado para a impureza (vv. 12-14). Ao que parece
alguns membros da igreja estavam se valendo de um dito popular que os moradores Corinto
utilizavam, com a finalidade de amparar seu comportamento pecaminoso. Paulo, parece
compreender um fundo de verdade no provérbio, mas argumenta refutando a percepção
distorcida dos coríntios, dizendo “que todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convém.
Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (v.12). O
cristão é livre em Cristo, mas essa liberdade não é irrestrita, como se fosse um passaporte para
licenciosidade, ao contrário, esta liberdade deve ser exercida dentro dos padrões dos limites do
comportamento cristão aceitável. A liberdade é liberdade me Cristo, para viver única e
exclusivamente para Cristo, em conformidade com sua santa e bendita vontade.

Paulo continua refutando as distorções, agora se opondo a compreensão que eles tinham
de outro slogan, “os alimentos são para o estômago, e o estômago, para os alimentos” (v.13). A
desculpa era de que, assim como os alimentos naturalmente foram feitos para o estômago, o

58
BARCLAY, William. 1 Coríntios, Site Studylight. Disponível em:
http://www.studylight.org/commentaries/dsb/1-corinthians-6.html. Acesso em: 17/05/2022
38

sexo foi feito para o corpo. O apostolo contra-argumenta demonstrando seu ponto discordante
de que os alimentos e o estômago foram sim feitos um para o outro e devem ser tratados dentro
dos limites impostos por Deus (v.13), mas diferentemente o corpo não foi criado pelo Senhor
para a impureza. Com isso, Paulo deixa claro que o corpo não pode ser usado para qualquer
coisa, e revela o propósito nobre para o qual o corpo foi criado (v.13). O corpo do crente é para
“o Senhor, e o Senhor, para o corpo” (v.13). A nobreza deste corpo é ressaltada no versículo
14, ao declarar que assim como Deus ressuscitou a Jesus Cristo, também ressuscitará o crente
pelo seu poder. Ou seja, este corpo não será completamente destruído, mas reerguerá na
ressurreição.

O segundo argumento de Paulo vai do versículo 15 a 17, e seu objetivo é demonstrar


que o corpo dos crentes são membros de Cristo (v.15). Aqui podemos ver a doutrina Paulina da
união do crente com Cristo. Em sua Teologia Sistemática, Berkhof define a união com Cristo
como “aquela união íntima, vital e espiritual entre Cristo e seu povo, em virtude do que ele é a
fonte da vida e da força de seu povo; de sua bendição e salvação.”59

O corpo do crente está intimamente consagrado a Cristo, por isso, é impossível que
Cristo seja associado à fornicação. O acréscimo “e o Senhor, para o corpo” reforça com boa
medida de peso, pois visto que Deus o Pai nos uniu a seu Filho, que desventura seria separar os
nossos corpos dessa sacratíssima união e entregá-los a coisas completamente indignas de
Cristo! Sobre isto Calvino diz:

“À guisa de explicação ele diz que Cristo está tão unido a nós, e nós a ele, que nos
tornamos um só corpo com ele. Segue-se disso que, se me uno a uma meretriz, rasgo
Cristo em pedaços, até onde esteja em meu poder fazê-lo; porque é impossível que eu
o force a associar-se com tais impurezas.”60

O terceiro e o último argumento, é o que mais interesse para o nosso trabalho. Paulo
conclui seus arrazoados com uma ordem para que os crentes fujam da imoralidade (v.18). Do
versículo 19 ao 20, ele fornece os motivos para fugir da imoralidade sexual. São dois motivos,
primeiro, o corpo do cristão é santuário do Espírito Santo (v.19), e segundo que o crente
pertence a Deus, pois foi comprado por preço (v.20).

59
BERKHOF, 2016, p. 415.
60
CALVINO, João. Comentário em 1Coríntios. São Paulo, Editora Parácletos, 1996. P. 189
39

No versículo 19, o corpo é visto como santuário do Espírito Santo. No capítulo 3.16, o
apóstolo já havia trabalhado esta ideia, porém nesta passagem, a igreja é vista como santuário
do Espírito, ou seja, a habitação do Espírito é vista como uma moradia coletiva e não individual.
Entretanto, ao apontar a habitação do Espírito como base para se evitar a impureza sexual
(6.19), ele não fala da coletividade, mas da individualidade, tendo em vista que “corpo” está no
singular. Desta forma, o nosso corpo é santuário do Espírito e por esta razão não há espaço para
uma vida pecaminosa. A palavra grega para santuário é ναος “naos”, é a mesma usada em 3.16,
que significa “templo, edifício sagrado, consistindo do Santo Lugar e dos Santos dos Santos.”

Por meio desta imagem, Paulo enfatiza que “o corpo físico do cristão pertence ao Senhor
e serve como residência do Espírito Santo”.61 Isso revela a dignidade e a santidade do corpo,
“algo que nenhuma outra coisa poderia dar.”62 Aonde quer que o crente vá ou esteja ele porta o
Espírito Santo, pois foi do agrado de Deus habitar nele. Por esta razão, toda e qualquer forma
de conduta que não agrada a Deus não tem lugar na vida do homem redimido. Ele deve ser
santo, puro integro diante do Senhor, pois tem a graça de portar aquele que é santo.

Ao ser convertido o homem é espiritualmente unido a Cristo (v.17). Nesta união o


Espírito não salva apenas a alma de uma pessoa, excluindo seu corpo. Em vez disso, o homem
por inteiro é salvo e a totalidade do seu ser, corpo e espírito são habitados pelo Espírito Santo.
O Espírito começa a grande obra na regeneração e prossegue através da sua habitação na vida
do crente por toda sua vida. Esta presença permanente afeta a maneira como o crente fala, sente,
vê, ouve e se relaciona. A sua vida inteira é alterada pela presença do Espírito, e somente por
causa de sua habitação, caso contrário o homem seria improdutivo e incapaz de realizar o que
honra a Deus. Esta habitação não representa simplesmente a onipresença e imensidão da
divindade, num sentido meramente locativo, mas aponta para uma manifestação mais plena da
interação salvífica do Espírito na vida do crente regenerado.

Diante disto, percebe-se a luz de 1 Coríntios 6.18-20, que a presença locativa do Espírito
no crente envolve mais do que mera presença, envolve interação santificadora, afetando toda à
sua maneira de ser. Não é assim com o ímpio, pois, apesar de ser permeado pela onipresença e
imensidão do Espírito Santo, não recebe desta ação salvífica que é comum ao crente em Cristo
Jesus.

61
KISTEMAKER, Simon. 1 Coríntios, Comentário do Novo Testamento, São Paulo, SP: Editora Cultura
Cristã, 2014. P. 253.
62
MORRIS, Leon, 1 Coríntios, Introdução e Comentário. São Paulo, Editora Mundo Cristão, 1981. P.
82
40

“Não somos de nós mesmos” mostra que não estamos sob nossa própria autoridade,
vivendo segundo o nosso bel-prazer. A razão para isto é que o Senhor já pagou o preço de nossa
redenção, e nos adquiriu para ele mesmo. Da mesma forma Paulo diz em Romanos 14: 9:
“Porque foi para isto que Cristo morreu e ressuscitou, para ser Senhor tanto dos mortos como
dos vivos.”

3.2. Análise de 1 Coríntios 2.14-16

Nesta passagem bíblica, o apóstolo Paulo contrasta dois grupos de pessoas, aqueles que
são salvos, que tem o Espírito Santo e aqueles que não são e não tem o Espírito. Seu contexto
tem início no capítulo 1. 10-17, onde Paulo exorta aos coríntios, após obter informação da casa
de Cloe acerca das divisões partidárias que existiam na igreja. Ele lembra aos seus leitores que
ele não “foi crucificado” em favor deles, assim como também ninguém foi batizado no seu
nome, esclarecendo que a glória não é dele e de nenhum outro, apenas de Cristo. O apostolo
deixa claro que seu principal objetivo foi de pregar o evangelho.

Do verso 18-25, Paulo demonstra que sua pregação não estava fundamentada em
sabedoria humana, mas no poder e sabedoria de Deus. Alguns estavam interessados no discurso
retórico e filosófico, outros em manifestações de sinais. Contrastando com esses interesses,
Paulo anuncia a sabedoria de Deus manifestada na Cruz.

De 26 a 31, ele chama a atenção dos coríntios para sua própria vocação, expondo que
Deus escolheu para a salvação as pessoas que para o mundo eram fracas e desprezíveis. Ele
contrapõe a sabedoria de Deus com a sabedoria terrena, demonstrando a superioridade daquela.

No capítulo 2.1-5, ele fala do caráter inicial do seu ministério entre os coríntios,
explicando que quando esteve entre eles não se pautou em discurso persuasivo ou de sabedoria,
mas no poder e demonstração do Espírito Santo, a fim de que a igreja estivesse apoiada
exclusivamente nesse fato.

A passagem em questão, inicia no versículo 6, onde Paulo argumenta que expôs


sabedoria entre os experientes, ou maduros. Entretanto, não a sabedoria deste mundo, nem dos
poderosos, mas uma sabedoria que estava oculta, em mistério no Antigo Testamento e que agora
foi revelada no evangelho que é o Cristo crucificado. Os poderosos não a conheceram e nem
podiam conhecer, pois somente aqueles que têm o Espírito são capazes de entendê-la. Paulo
anuncia que ao contrário dos poderosos, que não são capazes de conhecer a sabedoria de Deus,
41

estão aqueles que amam a Deus, esses sim, podem conhecer, pois Deus revelou seus mistérios
pelo Espírito Santo.

Podemos dividir a seção da seguinte maneira, dos versículos 6-9 a passagem enfatiza a
mensagem de “sabedoria”, de 10-13 a revelação do mistério de Deus aos crentes por meio do
Espírito Santo e de 14-16 o contraste entre o homem natural e o espiritual. Do início ao fim,
desta seção (vv. 6-16) o apóstolo está antagonizando os crentes e os não crentes. Os crentes são
aqueles que são maduros (experimentados) e tem o Espírito Santo, que acolhem a sabedoria de
Deus e a conhecem, pois lhes foi revelada. O não crente é a pessoa sem o Espírito que não
acolhe o evangelho, reagindo negativamente a sua proclamação. O apóstolo chama este grupo
de “homem natural”, do grego Ψυχικὸς (v.14), que aponta para o “que tem a natureza e
características daquilo que respira”. Isto demonstra a vida do mundo natural, “à vida física e
biológica que é compartilhada pelos homens e animais. Às vezes, Paulo se refere a ela como a
“carne e o sangue” (15.50; cf. Gl 1.16; Ef 6.12). O termo ‘natural’, portanto, indica o homem
como ele nasce e vem ao mundo.”63 O segundo grupo é identificado com o “homem espiritual”,
que vem do grego πνευματικῶς, “aquele que é espiritual” (v.15).

Ao chamar o primeiro grupo de homem natural, Paulo apresenta a razão porque a


mensagem pregada não foi aceita (v.14). Ele repete a palavra três vezes e as três vezes a colocou
em oposição ao que é “espiritual”.64 Este homem natural é identificado em Judas 19, como
aqueles “que promovem divisões, sensuais, que não têm o Espírito” (Ψυχικὸς). Este homem
sem o Espírito é aquele “que não aceita” (v.14), “não entende” (v.14), não conhece (v.8). Para
eles as coisas de Deus “parecem loucura” (1.18,21,23,25, 2.14) e são inábeis para chegarem a
um conhecimento pleno da verdade, sendo hostis e incapazes de aceitar a sabedoria de Deus no
evangelho. O ponto é que estão espiritualmente mortos, e por esta razão insensíveis as coisas
de Deus. Eles até tem uma compreensão cognitiva do evangelho, porém, não se sentem atraídos
e muito menos aceitam suas afirmações como verdade de Deus e sabedoria de Deus. Segundo
Lopes:

“Com respeito às coisas do Espírito, elas só podem ser entendidas mediante uma
inquirição ou investigação espiritual, isto é, por uma mente que seja guiada pelo
Espírito ou iluminada pelo Espírito. O homem natural não tem o Espírito de Deus e,
portanto, não tem como examinar, julgar, avaliar as razões de Deus e seus propósitos,

63
LOPES, Augustus Nicodemus, Uma Igreja Complicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011, p.
86.
64
“O homem natural pertence ao mundo, enquanto o homem espiritual pertence a Deus. Um é um
descrente e o outro um crente; um não tem o Espírito enquanto o outro tem o Espírito; um segue os instintos
naturais (Jd 19), o outro segue o Senhor.” KISTEMAKER, Simon. 1 Coríntios, p. 120.
42

e de entender e aceitar a sua sabedoria revelada em Cristo crucificado. (...) Seria a


mesma coisa que pedir a um surdo que avaliasse a música de Bach ou um cego para
dar sua opinião sobre telas de Rafael (J. Walvoord). Daí a rejeição radical da pregação
apostólica por parte do homem não regenerado, sem o Espírito.” 65

Com isso, não estamos dizendo que o ímpio é desprovido de capacidade intelectual, mas
que não é capaz de entender a sabedoria de Deus, aja visto que ela é discernida espiritualmente.
Kistemaker afirmou:

“Admite-se que o incrédulo possa exceder o cristão de várias maneiras:


intelectualmente, quanto à educação, filosoficamente ou, até mesmo, moralmente.
Pode ser um cidadão digno e um líder na sociedade que evita os excessos sensuais que
caracterizam outras pessoas. No entanto, o não cristão é incapaz de entender as coisas
espirituais. Falta-lhe a presença habitadora do Espírito Santo para iluminar seu
entendimento.”66

Do versículo 15 a 16, o apóstolo acentua fortemente a diferença entre o homem


espiritual e o natural. Enquanto o homem natural é o homem que não tem o Espírito e
consequentemente aptidão para Deus, o homem espiritual é o que tem o Espírito e é guiado por
ele.67

Percebe-se que a palavra πνευματικῶς (aquele que é espiritual), não tem o propósito de
fazer uma suposta distinção entre um “crente natural” e outro “espiritual”, como se estas
categorias existissem. Não, não existe essa de crente natural e carnal, ou é crente ou não é.
Paulo ao usar estes termos está se referindo a ímpios, pessoas não regeneradas. Diferentemente
de espiritual, que aponta para uma pessoa regenerada pelo Espírito do Senhor. Para Paulo ser
Espiritual significa simplesmente ter o Espírito (v.12) e ser por ele dotado e capacitado.
Enquanto um não possui condições de discernimento, outro é capaz de acolher e abraçar a
verdade espiritual, discernindo-a espiritualmente.

Leon Morris, nos chama a atenção para algo importante. Ele demonstra que
πνευματικῶς “não é questão de dotação natural, absolutamente, mas da operação do Espírito de
dentro” do crente. Ele ainda diz: “quando o Espírito penetra na vida de um homem, muda tudo.”
Isso nos mostra que o homem espiritual é alguém habitado e equipado pelo Espírito Santo, por

65
LOPES, Augustus Nicodemus, Uma Igreja Complicada, p. 87.
66
“O homem natural pertence ao mundo, enquanto o homem espiritual pertence a Deus. Um é um
descrente e o outro um crente; um não tem o Espírito enquanto o outro tem o Espírito; um segue os instintos
naturais (Jd 19), o outro segue o Senhor.” KISTEMAKER, 2014, p. 121.
67
Ibid, p. 120.
43

isso ele é capaz de discernir o suficiente para aceitar uma pregação que realmente venha do
Espírito, pois, tem em si aquele que sonda as profundezas de Deus, e, consequentemente, ele
tem a mente de Cristo.

Aquele que tem a obra continua do Espírito internamente, reflete isto de duas maneiras.
Primeiro, pela capacidade de julgar todas as “coisas” (v.15), aquelas que estão relacionadas
com a mensagem salvífica do evangelho e também deste mundo. O homem regenerado é guiado
pelo Espírito e por isso demonstra bom-senso e sabedoria nas coisas deste mundo. Ele recebeu
o Espírito (v.12) que perscruta as profundezas de Deus, e foi ensinado a conferir coisas
espirituais com espirituais (v.13). Ele tem a mente de Cristo (v.16) e por esta razão pode
examinar as coisas ao seu redor com os olhos de Deus, raciocinando a partir dos referenciais
divinos. “É tão-somente o homem espiritual que possui o conhecimento, firme e sólido, dos
mistérios de Deus; é ele que de fato distingue entre verdade de falsidade; a doutrina de Deus
das invenções humanas; de modo a não cair em equívocos.”68

Segundo, o crente não pode ser julgado pelo ímpio. É claro que com isso Paulo não está
afirmando que os homens em quem o Espírito Santo habita não podem ser chamados a prestação
de contas (cf. 14.29), mas que o homem natural não pode julgar o homem espiritual, exatamente
porque não pode julgar todas as coisas. O Espírito de Deus não habita no descrente, como mora
no crente. Assim, o homem natural não pode compreender as coisas espirituais e
consequentemente não pode julgar o homem espiritual. São insuficientes e inabilitados para
esta tarefa. Como poderiam julgar o que não compreendem e não conhecem? Desta forma, “o
crente é julgado com base na Palavra de Deus. Afinal, são as Escrituras, e não regras e
regulamentos humanos, que julgam o homem espiritual com respeito ao seu destino eterno.”69

Até aqui, vimos em 2 Coríntios 2.14-16, dois tipos exclusivos de pessoas, aqueles que
foram regenerados pelo Espírito, pois o receberam e desfrutam de sua influência salvadora e
santificadora, capacitando-os a discernirem as coisas espirituais. Sem a ação do Espírito
permaneceriam na escuridão e não seriam capazes de entender os mistérios de Deus revelados
no evangelho de Cristo. Este homem só é espiritual pela ação livre e graciosa do Espírito Santo
(vv. 10-12). E os que são naturais, não possuem o Espírito e sua ação salvífica internamente.
São hostis a pregação do evangelho, tratando-a como loucura. São incapazes de entender as

68
CALVINO, João. 1 Coríntios, ed. Tiago Santos, trans. Valter Graciano Martins, Primeira Edição., Série
Comentários Bíblicos (São José dos Campos, SP: Fiel Editora, 2013), p. 110.
69
KISTEMAKER, 2014, p. 122.
44

coisas de Deus porque estão cegos, espiritualmente mortos, são parte intrinsicamente de um
mundo arruinado e caído, pois isso suas mentes estão ofuscadas e revelam hostilidade a
mensagem da graça. Não existe qualquer aptidão para uma tentativa sinergética, a menos que
aja uma ação monergística do Espírito, ele permanecerá no seu estado. É o Espírito Santo quem
inicia e progressivamente sustenta uma resposta positiva ao evangelho. Quando o evangelho de
Cristo é anunciado ao pecador o Espírito Santo inicia sua obra vivificante e regeneradora.
Entretanto, ele não para por aí, continua a sustentar sua obra regeneradora, mantendo a nova
natureza por meio da sua habitação no crente. Ele exerce “influência salvífica, um
relacionamento de salvação pessoal sobre o homem na regeneração e continuará essa influência
na santificação.”70 A habitação é o meio pelo qual o Espírito exerce esta influência salvadora
que ele começou na regeneração.

Esta compreensão nos ajuda a entender melhor o conceito de habitação neste trabalho.
Habitação aponta para uma influência interna, onde o Espírito sustenta permanentemente um
relacionamento salvador e santificador iniciados na regeneração. Concordo com McCabe,
quando afirma:

“Em qualquer crente regenerado, habitar é a obra necessária e progressiva do Espírito


que transforma internamente um crente na imagem renovada de Deus. Sublinhando a
necessidade do ministério de habitar e sustentar a vida do Espírito, está a realidade
soteriológica incontestável de que, desde a Queda, o homem tem permanecido em um
estado de pecaminosidade generalizada.”71

Diante do exposto, levantamos a seguinte consideração. Houve algum tempo em que o


homem era salvo e santificado diferentemente deste processo? Como já falamos no início deste
trabalho, alguns estudiosos são contrários a uma habitação interna do Espírito Santo no crente
da Antiga Aliança. A ausência de textos claros sobre o tema os leva a rejeitarem o assunto.
Entretanto, o fato de o Antigo Testamento não abordar a habitação do Espírito Santo no crente

70
MCCABE, 2004, p.239
71
Ibid, p.239. “Deus nos fez novas criaturas por meio de seu Espírito e, agora, nos capacita para que
tenhamos uma vida santa e edifiquemos nossos irmãos em Cristo por meio do fruto e dos dons do Espírito (Paulo).
Deus nos lavou e nos fez nascer dele com um novo caráter (João). Por meio do poder concedido pelo Espírito de
Deus, somos chamados a levar a mensagem de Jesus aos que estão ao nosso redor e aos confins da terra (Atos).
Por meio da capacitação do Espírito de Deus, Jesus nos prepara para enfrentarmos os conflitos que fazem parte da
nossa missão e para confrontarmos e derrotarmos o Diabo no tocante à necessidade humana (Marcos). O Espírito
nos transforma quando aceitamos a Cristo.” KINER, Creig S. O Espírito na igreja: o que a Bíblia ensina sobre os
dons. São Paulo: Editora Vida Nova, 2018. P. 190.
45

de forma clara e objetiva, não quer dizer necessariamente que ele não habitava. Portanto, prefiro
adotar o argumento do silêncio, tendo em vista que a revelação é progressiva.

Todavia, é de suma importância entendermos que a natureza humana permanece a


mesma e que não houve mudança desde a Queda. Assim, teologicamente sem a operação do
Espírito Santo era impossível aos pecadores completamente corrompidos do Antigo
Testamento experimentarem salvação e santificação por suas próprias habilidades e recursos.
Eles careciam da obra vivificadora e renovadora do Espírito para mudarem seu ser. Desta forma,
objetivando compreender melhor o ministério da habitação do Espírito nos crentes da antiga
dispensação, abordaremos a doutrina da depravação total.

3.3. A habitação e a Depravação total

A doutrina da depravação total ensina que o homem foi totalmente afetado e corrompido
quando o representante da raça humana, Adão pecou contra Deus comendo do fruto que havia
sido proibido de comer. A Confissão de Westminster no seu capítulo 6, seção 1, diz que “nossos
primeiros pais, seduzidos pela astúcia e tentação de Satanás, pecaram, comendo do fruto
proibido...”

O livro de Gênesis no seu segundo capítulo nos mostra que após a criação de todas as
coisas visíveis e invisíveis, especialmente do homem, como coroa da sua criação, Deus
estabeleceu com ele uma aliança. Esta aliança é denominada de Pacto das Obras, lê-se: “O
primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a
Adão e nele à sua posteridade, sob a condição de perfeita obediência pessoal” (Confissão de
Westminster, capítulo 7, seção 1). Apesar de não encontrarmos a palavra pacto ou aliança em
Gênesis 1-3, não quer dizer que seus elementos constituintes não estejam lá. Louis Berkhoff
argumentando sobre isso, afirmou:

“Todos os elementos componentes de uma aliança estão indicados na Escritura, e se


os elementos estão presentes, não somente temos base para relacioná-los uns com os
outros, num estudo sistemático da doutrina, mas também temos o dever de fazê-lo,
dando à doutrina assim elaborada um nome apropriado. No caso em consideração, são
mencionadas duas partes, é estabelecida uma condição, está claramente envolvida
uma promessa de recompensa pela obediência, e é feita a ameaça de uma penalidade
pela transgressão.”72

72
BERKHOF, 2016, p. 302. “Deus e o homem não comparecem como partes iguais em nenhuma destas
alianças. Todas as alianças de Deus são da natureza de disposições soberanas impostas ao homem. Deus é
absolutamente soberano em seus procedimentos para com o homem, e tem todo o direito de impor as condições
46

A transgressão pactual de Adão, comendo do fruto da árvore do conhecimento e do mal


(Gn 2.16-17), trouxe condenação eterna e consequências nefastas em sua constituição e sobre
toda criação. Todo o seu ser foi inteiramente atingindo, corrompendo razão, emoção e volição.
Sua natureza foi danificada pelo pecado, o seu estado de santidade original foi perdido, alienou-
se de Deus e espiritualmente morreu, assegurando assim, a morte física no mundo. Mais uma
vez a Confissão de Westminster lança luz, ao dizer: “Por este pecado eles decaíram da sua
retidão original e da comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e
inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e partes do corpo e da alma” (Confissão
de Westminster, capítulo 6, seção 2).

Isso não quer dizer que o homem se tronou depravado em profundidade, incapaz de
realizar qualquer coisa boa. Não, se assim fosse, ele não seria um homem, mas um demônio.73
A ideia é que o pecado o atingiu extensivamente, corrompendo todas as suas “faculdades e
partes do corpo e da alma”. Horton diz que “toda a natureza da humanidade, não apenas o corpo
e seus desejos, mas a alma, a mente, o coração e a vontade, estão corrompidas”74. Não existe
parte sã no homem, de maneira que ele pelas suas próprias forças e razão não é capaz de buscar
ou agradar a Deus. Até mesmo suas boas ações são comprometidas pelo pecado. Ele não pode
se salvar e muito menos fazer qualquer coisa para isso. Herman Bavinck afirmou que “essa
corrupção da natureza humana é tão completa que os seres humanos são, por natureza,
incapazes de qualquer bem espiritual, inclinados a todo mal, e por isso, só merecem a punição
eterna.”75 Spencer também contribui, afirmando que depravação total:

“Significa que o homem é tão degradado quanto pode ser. Significa que o homem está
além de toda capacidade de se auto-ajudar porque, como diz Paulo, o homem nasce
neste mundo ‘morto em delitos e pecados’ e, portanto, totalmente leal a Satanás, o

que o último deve cumprir, para desfrutar o seu favor. Além disso, mesmo em virtude da sua relação natural, Adão
tinha o dever de obedecer a Deus; e quando foi estabelecida a relação pactual, essa obediência tornou-se também
uma questão de interesse próprio. Quando entra em relações pactuais com os homens, é sempre Deus que
estabelece os termos, e estes são termos misericordiosos, provenientes da sua graça, de modo que ele tem, deste
ponto de vista igualmente, todo o direito de esperar que o homem lhes dará assentimento. No caso em consideração,
Deus tinha apenas que anunciar a aliança, e o perfeito estado em que Adão vivia era garantia suficiente da sua
aceitação.” Ibid, pp. 302-303).
73
“Depravação total não significa que somos incapazes de qualquer justiça ou boa ação diante dos demais
seres humanos (justiça civil), mas que não há um ponto arquimediano dentro de nós que tenha sido deixado não
caído, a partir do qual podemos começar a barganhar ou restaurar a nossa condição (justiça diante de Deus).”
HORTON, Michael. Doutrinas da Fé Cristã. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2016. P. 459
74
HORTON, Michael. Doutrinas da Fé Cristã. P. 459
75
BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada – O pecado e a Salvação em Cristo, V.3. São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 2012. P 101.
47

deus dos mortos. (...) Significa que o homem em seu estado natural, é incapaz de fazer
qualquer coisa que agrade a Deus. Enquanto ele não nascer de novo, por obra do
Espírito Santo, e enquanto seu espírito não for vivificado pela graça de Deus, o homem
é escravo de Satanás (o príncipe do poder do ar), que o leva a satisfazer todos os
desejos da carne, que são inimizade contra Deus.”76

As consequências da queda dos nossos primeiros pais, não se limitaram a eles, mas a
todos que deles descendem. Eles eram o tronco de toda humanidade, por isso o delito de seus
pecados foi imputado a seus filhos (CFW, 6,3). Segundo Anglada “a queda produziu neles uma
natureza hereditária. (...) O ‘gene’ do pecado foi transmitido por eles a toda raça humana.”77
Por isso, Paulo afirma em Romanos 3.10-12: “Não há justo, nem um sequer, não há quem
entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há
quem faça o bem, não há nem um sequer.”

Este ponto é claramente abordado pelo apóstolo Paulo em Romanos 5.12-21. Nesta
passagem ele demonstra que a transgressão de Adão é a causa da entrada do pecado e da morte
no mundo. Como Adão era o representante de toda raça humana, tanto a culpa como sua
corrupção foram imputadas ao homem. O texto Bíblico diz: “Portanto, assim como por um só
homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a
todos os homens, porque todos pecaram” (v.12). A desobediência do nosso cabeça foi a porta
aberta para o pecado no mundo, com o pecado a morte a todos os homens. Porém, reparemos
no detalhe, “porque todos pecaram”, não a semelhança de Adão, mas em Adão. Todos nós
estávamos representados nele, desta forma seu pecado e sua culpa são considerados nossos.
Esta é a razão porque todos são culpados e condenados à morte espiritual (v.18,19). Beeke
escrevendo sobre a imputação imediata da culpa de Adão, demonstrou:

“Quando Adão pecou, ao mesmo tempo todos os seres humanos pecaram por
representação em Adão. Daí que a imputação da culpa de Adão à sua descendência
aconteceu imediatamente, ao mesmo tempo do pecado, e não mediatamente, isto é,
passada a nós quando e porque pecamos como Adão fez.”78

Ainda em Romanos 5, Paulo nos apresenta dois cabeças, Adão e Cristo. “Foram feitos
representante de acordo com as alianças em que representavam seu povo, a saber, aliança das

76
SPENCER, Duane Edward. TULIP: Os cinco pontos do Calvinismo à luz das Escrituras. São Paulo:
Edições Parakletos, 2000, pp. 30-31
77
ANGLADA, Paulo. Calvinismo – As Antigas Doutrinas da Graça. Pará, Knox Publicações, 1996. P.31.
78
BEEKE, Joel R, JONES, Mark. Teologia Puritana: doutrina para a vida. São Paulo: Vida Nova, 2016.
P. 313
48

obras (Adão) e a aliança da redenção (Cristo)”79. Por meio de um o pecado e a culpa foram
imputados a todos, pela obediência de outro muitos receberam graça e justificação que dá vida.
Adão representa toda humanidade, por isso todos são pecadores, pois estão intimamente
vinculados ele, enquanto Cristo representa seu povo eleito e através de sua obra graciosa todos
são justificados (v.15-19)

Algumas passagens sustentam incontestavelmente esta doutrina. Paulo afirma em


Efésios 2.1-3, sobre a condição espiritual do homem sem Cristo:

“Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes
outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do
espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós
andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais.”.

Neste texto ele demonstra que o homem natural está morto nos seus delitos e pecados e
que está escravizado a Satanás, andando conforme o curso deste mundo. Além disso, é
naturalmente filho da ira.

Em Gênesis 6.5, as más intenções do coração humano são expostas:

“Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era
continuamente mau todo desígnio do seu coração”

Salomão também descreve a vileza do coração humano, ao afirmar em Eclesiastes 9.3:

“Este é o mal que há em tudo quanto se faz debaixo do sol: a todos sucede o mesmo;
também o coração dos homens está cheio de maldade, nele há desvarios enquanto
vivem; depois, rumo aos mortos.”

O profeta Jeremias denuncia o coração como sendo enganoso e desesperadamente


corrupto. Veja em Jeremias 17.9:

79
BEEKE, Joel R, JONES, Mark. Teologia Puritana: doutrina para a vida. P. 311
49

“Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto;


quem o conhecerá?”

Jeremias ainda fala, demonstrando a incapacidade do homem de mudar esta terrível


condição, Jeremias 13.23 diz:

“Pode, acaso, o etíope mudar a sua pele ou o leopardo, as suas manchas? Então,
poderíeis fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal.”

O Senhor Jesus deixa claro que o homem não é contaminado pelo que ingere, mas pelo
que procede do coração, pois “as palavras que procedem dos lábios têm sua fonte no coração,
sendo este o núcleo e âmago do ser humano, o manancial de seus pensamentos, palavras e feitos
(Pv 4.23).”

“Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a


prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a
lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de
dentro e contaminam o homem.” (Marcos 7. 21-23)

Os efeitos do pecado, são percebidos na mente do homem não regenerado, naturalmente


ele é hostil e alheio a Deus. Paulo fala sobre isso em Efésios 4.17–18:

“Isto, portanto, digo e no Senhor testifico que não mais andeis como também andam
os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento,
alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu
coração,”

Em Tito 1.15, Paulo descreve o homem sem Cristo como alguém que possui uma mente
e consciência contaminadas.

“Todas as coisas são puras para os puros; todavia, para os impuros e descrentes, nada
é puro. Porque tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas Tt 1.15.”

Poderíamos citar outras passagens, porém estas são suficientes para demonstrar o ensino
explicito da Escritura sobre a completa depravação do homem. Elas esclarecem que o pecado
50

danificou a forma de pensar, sentir, desejar e querer do homem. A suma de tudo, é que a
depravação total permeia o homem estendendo até o âmago do seu ser.

A implicação disso tudo é que é impossível para o homem por si mesmo se aproximar
de Deus, visto que o pecado o deixou completamente alienado e incapacitado de buscar e
agradar a Deus. Ele está espiritualmente morto e completamente escravizado ao seu caráter
pecaminoso. Em Romanos 8, o apóstolo Paulo argumenta que somente aqueles que tem o
Espírito podem agradar a Deus. Ele diz que “os que estão na carne não podem agradar a Deus”,
pois suas inclinações são pecaminosas e inimigas de Deus, estando em rebelião contra sua santa
lei (v.7).

Diante deste cenário teológico, a conclusão lógica é que somente através do poder
regenerador do Espírito Santo o homem caído é capaz de vir a Deus. Uma natureza totalmente
depravada requer o ministério interior do Espírito para regenerá-la e sustenta-la na nova
disposição vivificada pelo seu poder. J. I. Packer falando desta condição decaída diz: “não
temos a capacidade natural de discernir e escolher os caminhos de Deus, porque não temos
inclinação natural em direção a Deus; nossos corações são cativos do pecado, e somente a graça
da regeneração pode libertar-nos desta escravidão”.80 Ainda que não use o termo habitação, ele
resume bem o que temos defendido até aqui:

“Na regeneração, Deus implanta desejos onde antes não havia: desejos de Deus, de
santidade, e de santificação e glorificação do nome de Deus neste mundo; desejos de
orar, adorar, amar, servir honrar e agradar a Deus; desejos de demonstrar amor e
prestar benefícios aos outros. Na santificação, o Espírito Santo “efetua em vós tanto
o querer como o realizar” de acordo com o propósito de Deus. (...) O Espírito mantém
seus desejos e propósitos regenerados.”81

O Espírito não apenas regenera, dando nova vida ao pecador, como também “mantém
seus desejos e propósitos regenerados”. Sem o trabalho inicial e a manutenção permanente do
Espírito ao habitar no crente (Rm 8.9,11,14), o homem estará fadado a viver sem esperança,
condicionado ao seu estado de queda e condenação.

3.4. Habitação e regeneração

80
PACKER, James I. Teologia Concisa; síntese dos fundamentos históricos da fé cristã. São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 1998. P. 82
81
PACKER, James I. Teologia Concisa; síntese dos fundamentos históricos da fé cristã. P. 160-161
51

Até aqui, a doutrina da regeneração tem sido bastante enfatizada, isso em função da sua
extrema relevância para o assunto. Deste modo, é importante olhar mais de perto para esta
doutrina e buscar uma compreensão melhor do seu funcionamento.

A depravação total impossibilita o homem de ir até Deus, pois todos descendem


naturalmente de Adão e espiritualmente estão mortos e alienados de Deus. Por esta razão, os
crentes tanto do Antigo Testamento, como do Novo Testamento tiveram que receber vida
espiritual, caso contrário seria impossível relacionarem-se com o Senhor, muito menos serem
salvos. No que se refere a regeneração no Antigo Testamento, nem todos são favoráveis. Alguns
dispensacionalistas guardam reservas quanto ao assunto.82 Chafer chega a defender que
evidentemente houve renovação nos santos do Antigo Testamento, mas não se aventura a
afirmar que foi regeneração, tendo em vista que no seu entendimento não há ensino claro quanto
à extensão e caráter desta renovação83. Entretanto, que tipo de renovação é esta? É algo diferente
da regeneração? Implica exatamente no que?

O próprio Senhor Jesus demonstrou os efeitos da depravação total no homem, ao falar


da incapacidade humana de fazer alguma coisa para produzir o seu próprio novo nascimento.
Em João 3, versículos 3 e 5, ele diz a Nicodemos: “Em verdade, em verdade te digo que, se
alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. (...) quem não nascer da água e do
Espírito não pode entrar no reino de Deus.” Ainda no evangelho de João, aprendemos que
absolutamente ninguém irá a Cristo por iniciativa própria, mas somente pela ação do Pai de
conduzir o homem a confiar no Salvador. O Senhor Jesus declara: “Ninguém pode vir a mim
se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.44). As duas
passagens revelam a completa dependência do homem da ação soberana de Deus para levá-lo
a Cristo em arrependimento e fé. Esta é uma obra monergística de Deus, sem qualquer
cooperação do pecador. Portanto, visto que a depravação total é a condição do homem desde o
Eden, as afirmações de Jesus nos levam a implicação de que o homem caído do Antigo
Testamente teve que passar pela regeneração, caso contrário todos permaneceriam em seu
estado de queda, morte e condenação diante de Deus.

82
Dunzweiler apresenta uma lista de teólogos dispensacionalistas que não concordam com uma ação
regeneradora do Espírito no Antigo Testament em: DUNZWEILER, Robert J.. Regeneration & Indwelling in the
Old Testament Period (IBRI Research Reports Book 25). Interdisciplinary Biblical Research Institute. Edição do
Kindle. Posição 90-168.
83
Cf. CHAFER, Lewis Sperry. Sistematic Theology Vol. 6, Grand Rapids, Michigan, Kregel
Publications, 1993. P. 73.
52

Tendo em vista que o homem natural está completamente arruinado em consequência


da Queda, podemos dizer que regeneração descreve a ação soberana do Espírito Santo em
implementar vida espiritual aos que estão espiritualmente mortos. Este entendimento se
harmoniza com o ensino bíblico de que o homem está morto nos seus delitos e pecados (Ef 2.1).
Hoekema afirmou muito bem: “regeneração é uma mudança radical da morte espiritual para
vida espiritual, operada pelo Espírito Santo – uma mudança na qual somos completamente
passivos.”84 Concordo com Berkhof de que a regeneração aponta para a ação de Deus implantar
o princípio da nova vida no homem, mas também “a disposição dominante da alma se faz
santa”.85 Desta forma, Deus não somente torna o homem regenerado nova criatura, como o
habilita com uma disposição santa que governa sua alma. Corroborando com o assunto
Dunzweiler, diz:

“A presença da vida espiritual é detectada pela presença de funções vitais, pela


consciência da atividade e movimento espirituais e dos apetites e impulsos espirituais,
e pela experiência dentro de si mesmo de pensamentos, emoções, desejos, intenções
e decisões espirituais. (...) Significa ser restaurado à semelhança de Deus, tornando-
se cada vez mais conforme à imagem perfeita de Deus em Cristo. Significa conhecer
a Deus pessoalmente e tornar-se uma pessoa santa, pois Ele é santo. Significa tornar-
se uma nova pessoa e ter uma nova visão da criação e da vida. E a regeneração também
resulta em uma nova natureza. Na regeneração minha natureza – o que eu sou – é
renovada e renovada. O Espírito de Deus me capacita a começar a matar as expressões
de impiedade e injustiça em mim, e a começar a produzir expressões de piedade e
santidade em minha vida, com o resultado de que a disposição predominante de meu
caráter e conduta é a de justiça.”86

Não encontramos no Antigo Testamento um termo hebraico especifico para


regeneração, mas nos deparamos com seu ensino. Vejamos algumas evidências desta doutrina
nos seguintes textos: “O Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua
descendência, para amares o Senhor, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que
vivas” (Dt 33.6). “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles
dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas
inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31.33). “Dar-vos-ei coração novo
e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de
carne” (Ez 36.26). Assim, “Circuncidará o teu coração”, “imprimir na mente e coração”,

84
HOEKEMA, Anthony. Salvos Pela Graça: A doutrina Bíblica da Salvação. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 1997. P. 107.
85
BERKHOF, 2016, p. 674.
86
DUNZWEILER, Robert J.. Regeneration & Indwelling in the Old Testament Period. Posição 159-168.
53

“coração novo”, “espírito novo” e “coração de carne” são sinônimos para regeneração no
Antigo Testamento e demonstram a ação divina nesta tarefa.

Um ponto a ser levado em consideração são as evidências desta atividade de Deus, na


renovação da disposição interna dos crentes. A ação do Espírito Santo e seus efeitos são
inegáveis e inconfundíveis, pois no Novo Testamento o homem natural vê as coisas de Deus
como loucura e não as recebe (1Co 2.14), como então podemos explicar que o crente no Antigo
Testamento tinha prazer na lei de Deus (Sl 1.2), que guardava a palavra no coração (Sl 119.11),
amava a Lei de Deus (119:97), tomava os testemunhos de Deus como herança para sempre e a
constituía a alegria do seu coração; que se alegra nas promessas de Deus (Sl 119:162), e come
as palavras de Deus com alegria (Jr 15:16). Ainda mais, no Novo Testamento a mente do
homem caído está obscurecida e obstinada pelo pecado (Ef 4.17,18), mas no Antigo Testamento
é dito que o crente tem luz e entendimento por meio da Palavra de Deus (Sl 119.130), que a
perfeita lei, restaura a alma e dá sabedoria aos símplices (Sl 19.7,8) e que o justo entende todas
as coisas (Pv 28:5). No Novo Testamento também encontramos que o homem não regenerado
é inimigo de Deus (Rm 5.10) e que sua inclinação é inimizade contra Deus (Rm 8.7a); mas no
Antigo Testamento vemos que o crente ama ao Senhor (Sl 116.1), que bendiz ao Senhor em
todo tempo (Sl 34.1). Além disso, Abraão é chamado de amigo de Deus (Is 41.8; Tg 2.23).
Percebe-se ainda que o homem no seu estado natural não está sujeito à Lei de Deus, e não pode
estar (Rm 8:7); entretanto, o Antigo Testamento descreve o crente guardando a Lei de Deus,
buscando Seus preceitos, inclinando seu coração para cumprir os estatutos de Deus (Sl 119:44-
45), amando os mandamentos de Deus acima do ouro e considerando Seus preceitos corretos
(Sl 119:44-45). 112-13). Por fim, o Novo Testamento afirma que o homem não regenerado não
pode agradar a Deus (Rm 8:8); enquanto o crente do Antigo Testamento é mencionado como
agradando ao Senhor (Pv 16:7) e pela fé agradando a Deus (Hb 11:5-8,20-23,31-33).87

87
Cf. DUNZWEILER, 1985, Kndle. “Leon Wood, em sua obra O Espírito Santo no Antigo Testamento,
afirma: ‘Não é difícil mostrar que as pessoas do Antigo Testamento experimentaram uma renovação espiritual.
(...) A evidência de que a renovação espiritual, ou regeneração, era verdadeira para essas pessoas do Antigo
Testamento, está principalmente em duas direções. Uma é que essas pessoas viveram de uma maneira possível
apenas para aqueles que experimentaram a regeneração, e a outra é a via da dedução lógica que argumenta contra
a verdade do Novo Testamento. (...) A primeira linha por si só parece suficiente, pois que evidência mais reveladora
de regeneração poderia haver do que a vida desses grandes santos do Antigo Testamento? Como tais vidas
poderiam ser contabilizadas de outra forma? Essas pessoas nasceram pecadoras, como qualquer outra do tempo
do Novo Testamento (Rm 3:23). No entanto, eles vieram para mostrar o que há de mais elevado em fé e obediência
a Deus. (...) Suas vidas foram notáveis em fidelidade e dedicação, e são apresentadas no Antigo Testamento como
exemplos a serem seguidos. Eles alcançaram vidas tão louváveis por seus próprios esforços? Eles tinham algum
recurso em sua própria natureza sobre o qual pudessem recorrer que as pessoas do tempo do Novo Testamento não
têm? A resposta, claro, é que não. Mas, se não, eles devem ter experimentado uma transmissão de nova vida, assim
como os santos do Novo Testamento, e isso significa regeneração.’” DUNZWEILER, 1985, Kindle. Posição 159-
168.
54

Desta forma, não há base para negar que os crentes do Antigo Testamento eram
regenerados, tendo em vista que todos eram herdeiros naturais de Adão, e a única maneira de
se tornarem vivos espiritualmente era através da regeneração. Eles não só receberam nova vida,
como evidenciaram nova disposição. Portanto, “se habitar é uma implicação necessária da
regeneração, segue-se que o Espírito Santo habitou nos santos do Antigo Testamento.”88

88
MCCABE, 2004, p.250.
55

4. O ENTENDIMENTO DE HABITAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO NO ANTIGO


TESTAMENTO

O alvo deste capítulo é tratar o assunto da habitação interna do Espírito Santo no Antigo
Testamento, assim sendo, cremos ser de fundamental importância definir o conceito de
habitação. Para tanto iniciaremos com o Novo Testamento, a fim de obtermos uma melhor
iluminação, uma vez que o Antigo era sombra do Novo. Sobre isso esclarece Warfield quando
diz:

Podemos comparar o Velho Testamento com um salão ricamente mobiliado, mas


muito mal iluminado; a introdução de luz nada lhe traz que nele não estivesse antes;
mas apresenta mais, põe em relevo com maior nitidez muito do que mal se via
anteriormente, ou mesmo não tivesse sido apercebido. O mistério da Trindade não é
revelado no Velho Testamento; mas o mistério da Trindade está subentendido na
revelação do Velho Testamento, e aqui e acolá é quase possível vê-lo.89

4.1. Novo Testamento

A habitação interna do Espírito Santo nos crentes é um conceito presente no Novo


Testamento. Vários são os textos que atestam essa verdade. Por exemplo, vemos o Senhor Jesus
declarando no evangelho segundo João 14.16,17; 15.26, 27; 16. 8-15, que o Consolador estaria
para sempre com os seus discípulos e dele daria testemunho, bem como convenceria o “mundo
do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16.8). O Espírito Santo de acordo com o evangelista tem
a função de Glorificar a Cristo (Jo 14.16-31) testemunhá-lo (Jo 15.26) e convencer o mundo
(16.8-11).

Em Atos, Lucas descreve o Espírito como o Dom de Deus (At 2.38), aquele que capacita
o povo de Deus para o ministério da pregação (At 1.8). Em Romanos 8. 9-11, Paulo diz que a
sua presença no crente é a evidência de que são filhos de Deus, e em Efésios 1.14, e 4.123, de
que é o selo que marca o cristão como propriedade exclusiva de Deus. Stott afirma: “selo é uma
marca de possessão e de autenticidade (...) Deus coloca o seu Espírito dentro do seu povo a fim
de marcá-lo como sua propriedade”90. Em 1 Coríntios 3.16; 6.19 que o crente é templo do
Espírito (1Co 6), além disso o Espírito é quem distribui dons para a edificação da igreja (1Co
12-14; Ef 4.11-12).

89
WARFIELD, B.B., A Doutrina Bíblica da Trindade, p.8. Disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/livros/Doutrina_Trindade_Warfield.pdf>. Acesso em: 11 Nov. 2011.
90
STOTT, John R. W. A Mensagem de Efésios: A Nova Sociedade de Deus. São Paulo: Editora ABU,
2001, p. 26.
56

Vale ressaltar mais uma vez que a habitação do Espírito no crente é distinta da sua
onipresença. Ele está em todos os lugares plenamente, Kuyper diz: “a onipresença pertence ao
Espírito Santo e, portanto, nem nos céus ou no inferno, no oriente ou ocidente existe um lugar
ou ponto onde ele esteja excluído”91. Porém isso não quer dizer que o Espírito habita em todos.92

Dessa maneira, a habitação interna do Espírito Santo é a sua presença “permanente e


contínua”93, na qual ele regenera e santifica a alma do cristão, conduzindo-o na glorificação do
nome de Cristo. Sproul comentando a carta aos Romanos asseverou:

Não podemos ser cristãos a menos que o Espírito Santo nos regenere e transforma o
nosso coração de pedra num coração de carne. Como Jesus disse a Nicodemos, se um
homem não nascer do Espírito, não pode ver o reino de Deus, muito menos entrar
nele. O espírito entra e habita em cada pessoa a quem ele regenera, e, a todos aqueles
em quem ele habita, dá a garantia de futura redenção.94

4.2. Antigo Testamento

Até aqui temos visto que uma pessoa para ser salva ela precisa ser regenerada pelo
Espírito e habitada por ele, a fim de que sua santidade seja mantida. É certo que o conceito de
habitação não é um assunto esgotado no Antigo Testamento. Warfield está correto ao dizer que
“o Antigo Testamento não nos dá, é claro, um registro exaustivo de todas as atividades de
Deus.”95 A matéria é melhor desenvolvida no Novo Testamento, como já foi possível avaliar.
No entanto, temos fortes evidências desta doutrina no Antigo Testamento e buscaremos
demonstrá-la a seguir.

Para Hamilton, estudioso do Antigo e Novo Testamento não havia uma moradia pessoal
do Espírito nos crentes da antiga dispensação, ele diz: “Deus não habita em seu povo no Antigo

91
KUYPER, Abraham. A Teologia do Espírito Santo, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010. P. 149.
92
Ainda sobre onipresença Kuyper diz o seguinte: “A onipresença de Deus tem referência a todo espaço,
mas não a todo espírito. O fato de Deus ser onipresente não implica que ele habita no espírito de satanás. Dessa
maneira, fica claro que o Espírito Santo pode ser onipresente sem habitar em cada alma humana, que pode descer
sem mudar de lugar, e, assim, entrar numa alma até então não ocupada por ele e que estava presente entre Israel e
os gentios, mas se manifestou no primeiro e não no último.” KUYPER, 2010, pp. 150,151.
93
Kaiser define: “A presença interior do Espírito Santo é definida como a permanente e contínua
obra do Espírito Santo de Deus, em que reside dentro do crente para abençoar ou para julgar cada um, conforme
determinado pelo padrão da aliança de Deus e vai.” KAISER, 2010, p. 309.
94
SPROUL, R.C. Estudos Bíblicos Expositivos em Romanos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2011, p.
236.
95
WARFIELD, B.B. The Person and Work of the Holy Spirit. Disponível em:
<http://www.monergismbooks.com/The-Person-and-Work-of-the-Holy-Spirit-p-18972.html>. Acesso em: 14
nov. 2011.
57

Testamento, mas ele se faz habitar no meio deles”.96 Ele conclui que “o Antigo Testamento
ensina que Deus estava com seu povo, habitando entre eles no templo, e não como na nova
aliança”.97 Ele procura demonstrar que regeneração e habitação são coisas separadas. Ele
afirma:

Em linguagem simples, eu estou argumentando que a regeneração não é para ser


equiparado a habitação. Nós já mencionamos João 1:12-13. O versículo 13 fala
daqueles que foram "nascido de Deus". Este conceito parece ser elaboradas em João
3:1-12, mas antes de olhar para essa passagem, devemos observar que não há nenhuma
indicação em João 1:12-13 que ser "nascido de Deus" é também a ser habitado pelo
Espírito. 98

No entanto, pensar na regeneração, sem a habitação do Espírito é estranho, tendo em


vista que na revelação progressiva o apostolo Paulo afirmou que “...os que estão na carne não
podem agradar a Deus. Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito
de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm
8.8,9). Desta forma, se os crentes no Antigo Testamento não eram habitados, como explicar a
vida de Enoque, Noé, José e Jó. Esses homens andaram com Deus e agradaram a Deus, como
isso seria possível se neles não estivesse o Espírito Santo. A Bíblia ainda declara que Abrão foi
considerado amigo de Deus e pai da fé (Rm 4. 12-18; Tg 2.23), Davi foi o homem segundo o
coração de Deus (At 13.22), em certo momento da sua vida, num estado de profunda contrição
ele pede para que Deus não retire dele o Santo Espírito (Sl 51.11), isso só seria possível pela
presença interna do Espírito do Senhor.

Escrevendo sobre o Espírito Santo no Antigo Testamento, Kaiser argumenta:

Mais uma vez devemos nos perguntar: Se a obra regeneradora do Espírito Santo
habilita as pessoas do Antigo Testamento a acreditar, pois a maioria parece concordar
prontamente, como foram estes santos da antiga aliança mantidos e estabelecidos em
sua fé se não fossem habitados pelo Espírito de Deus? As Escrituras não ensinam que
é o trabalho do Espírito Santo que nos liberta do poder do pecado (Rom 8:1-17)?99

96
HAMILTON, 2005, p. 15.
97
HAMILTON, James M., Jr. God´s Indwelling Presence: The Holy Spirit in the Old & New Testaments,
Nashville, TN: B&H Academic, 2006, p. 26.
98
HAMILTON, 2005, p. 15.
99
KAISER, 2010, pp. 309,310.
58

Um questionamento a ser feito é se o padrão de justiça do cristão no Novo Testamento


é mais elevado do que o do crente do Antigo. É certo que não, uma vez que as reivindicações
são as mesmas. Para Kaiser “a exigência de justiça é tão forte no Antigo Testamento quanto no
Novo, pois o apóstolo Pedro citou Levítico 11:44 em 1 Pedro 1:15-16 para provar que devemos
ser santos como o Senhor é”100. Assim sendo, não existe dicotomia entre o padrão de Satidade
do Antigo para o Novo Testamento, pelo contrário, o que é pedido em um é exigido no outro.

Consideremos outras referências, o profeta Isaías falando da rebeldia de Israel, disse:


“Mas eles foram rebeldes e contristaram o seu Espírito Santo, pelo que se lhes tornou em
inimigo e ele mesmo pelejou contra eles. Então, o povo se lembrou dos dias antigos, de Moisés,
e disse: Onde está aquele que fez subir do mar o pastor do seu rebanho? Onde está o que pôs
nele o seu Espírito Santo?” (Is 63.10,11).

Duas passagens nos chamam a atenção, Salmo 143.10 “Ensina-me a fazer a tua vontade, pois
tu és o meu Deus; guie-me o teu bom Espírito por terreno plano.” E Neemias 9.20 “E lhes
concedeste o teu bom Espírito, para os ensinar; não lhes negaste para a boca o teu maná; e água
lhes deste na sua sede.” É notável que o salmista suplica a Deus que o mesmo “bom Espírito”
(‫ )רּוחֲָך טֹובָ ה‬que foi concedido para ensinar o povo de Israel no deserto, agora o guie
pessoalmente (Sl 143.10). Isso demonstra que o Espírito teve algum tipo de ministério com o
povo do Antigo Testamente individualmente. Embora isso não prove explicitamente a
habitação do Espírito, demonstra consistência deste ensino. Desta maneira, o Espírito não só
operava na vida comunitária de Israel, protegendo e ensinando o povo, como guiava
pessoalmente os indivíduos do pacto. Há uma relação influenciadora, que capacita e habilita o
crente da antiga dispensação na sua santificação diante de Deus. Veremos isso ao analisarmos
o Salmo 51.11.101

Lucas no Novo Testamento, registra que João Batista foi cheio do Espírito desde o
ventre materno (Lc 1.15), da mesma maneira Zacarias seu pai e Simeão eram homens cheios
do Espírito Santo (Lc 1.67; 2.25,26). Por fim, João registra o diálogo entre Jesus e Nicodemos
(Jo 3). Todos esses homens estão na antiga dispensação.

Segundo Hamilton alguns estudiosos dizem que “o Espírito não vinha em poder sobre
membros ordinários do remanescente do Antigo Testamento”102, isso quer dizer que somente

100
Ibid.
101
Para fins de registro, mencionamos outras passagens: Gn 41:38, Nm 27:18, Is 63:11, Ez 11:19,
36:26,27 e Ag 2:5.
102
HAMILTON, 2005, p. 15.
59

as pessoas extraordinárias recebiam a habitação do Espírito. Porém, essa afirmação não explica
como os demais crentes do remanescente eram sustentados na sua relação com Deus e como se
dava a santificação deles. E mais ainda, pressupõe que o povo era santificado sem a ação do
Espírito no coração do homem, o que biblicamente é inconsistente.

Examinemos uma passagem que mostra a conexão entre regeneração e habitação e outra
que testemunha acerca da habitação nos crentes da antiga dispensação.

4.2.1. Análise de Ezequiel 36.25-27

O capítulo 36 de Ezequiel é muito importante para corroborar com os estudos do tema


proposto, pois trata da restauração da terra e da renovação do povo de Deus, por meio do seu
Espírito. Este é um assunto que começa no capítulo 34 e vai até o capítulo 37.

O capítulo pode ser estruturado da seguinte forma, de 1-7 temos uma promessa de que
as nações em torno de Israel, em especial Edom, serão julgadas pelo Senhor em razão da
maneira como trataram a Israel. De 8-15, realça a completa restauração da terra de Israel. Por
fim, de 16 a 38 o profeta expõe sobre a restauração da honra de Yahweh. Block propõe a
seguinte estrutura para a última parte do deste capítulo: 1. v. 16, introdução; vv. 17-21 crise da
honra do Senhor; vv. 22-32 recuperação da honra de Yahweh e vv. 33-38 a defesa da honra de
Yahweh103.

O pecado do povo de Deus levou-o ao cativeiro (16-21), e por sua vez a profanação do
nome de Yahweh pelas nações para onde foram levados (v.20). Agora, impelido pela santidade
do seu nome, Yahweh age restaurando o seu povo e manifestando a santidade do seu nome
diante das nações. A restauração da reputação de Yahweh se dá na renovação externa de seu
povo e todas as nações testemunhando a santidade do seu nome.

A partir do versículo 24 é demonstrado um catálogo de ações santificadoras do nome de


Yahweh. Ele inicia com o reagrupamento do seu povo de todas as nações para onde foi disperso
(v.24). Block afirma: “Dirigindo-se diretamente para o insulto escarnecedor dos observadores
do exílio de Israel (v. 20), essa promessa declara que o próprio Yahweh vai demonstrar tanto
fidelidade ao seu povo e à sua terra, como competência para cumprir suas responsabilidades de
protetor, conforme é entendido pelas nações.”104

103
BLOCK, Daniel I., O livro de Ezequiel, vol. 2, Comentários do Antigo Testamento, São Paulo, Editora
Cultura Cristã, 2012 (Logos). P 319.
104
BLOCK, Daniel I., O livro de Ezequiel, p. 329.
60

Entretanto, a ação de Yahweh para reabilitar a santidade de seu nome vai muito além da
restauração física de Israel à terra prometida, ele também irá reavivar seu relacionamento entre
si e o seu povo. Yahweh não apenas restaurará fisicamente Israel, mas também internamente.
Os versículos 25-28 expressam esta verdade claramente. Ele purificará, dará um coração e
espírito novo e colocará dentro do seu povo seu Espírito. A profecia prevê uma transformação
plena da nação, dentro do contexto de uma nova aliança.

Ezequiel demonstra que esta ação futura será realizada pela obra do Espírito. Primeiro
Yahweh purificará seu povo da profanação. A purificação será realizada por meio de água pura,
metáfora, que certamente evoca os rituais de purificação da lei mosaica que envolvia os
sacerdotes (Êx 29.4; Lv 16. 4,24 e 26), e o povo em geral (Lv 17.15-16;22.6; Nm 19.11-22). A
purificação por aspersão era feita quando alguém tocava em algum cadáver (Nm 19.13,20), por
isso, é possível que Ezequiel faça uma relação com esse ritual, quando fala da purificação de
todas as impurezas e de todos os ídolos (v.35), comparando os ídolos às coisas mortas.

Logo em seguida, a ação do Espírito implicará em mudança radical, pois Deus trocará
o coração de pedra pelo de carne, eles receberão um coração e terão dentro de si um espírito
novo. O coração endurecido será removido e será posto no lugar um coração sensível (v.26, cf.
11.19). Deus efetuará mudança na vida de um povo rebelde, endurecido e insensível, realizando
a circuncisão do coração, prescrita por Deuteronômio 30.6-8. Um coração de carne, sensível,
afetuoso e responsivo substituirá o coração empedernido. Além do coração novo, Yahweh
também os encherá com um espírito novo, seu Espírito. É importante ressaltar que alguns
estudiosos entendem darei um coração novo (‫ )וְ נָת ִּתי ָלכֶם לֵב חָ דָ ׁש‬e colocarei em vós um novo
espírito (‫ )וְ רּוח חֲדָ ׁשָ ה אֶ תֵ ן בְ קִּ ְרבְ כֶם‬como sendo sinônimo de “espírito” e “coração/mente”. Mas,
percebe-se que o novo coração é dado ( ְ‫ )ל‬às pessoas, enquanto que o novo espírito é colocado
dentro ( ְ‫ )ב‬das pessoas, isso anula a possibilidade de termos sinônimo de significado.105 Isto fica
evidente quando olhamos os v.26b-27 juntos, as declarações são construídas de forma idênticas.

O espírito que é colocado dentro das pessoas é identificado como o Espírito de Yahweh
(‫)וְ אֶ ת־רּוחִּ י אֶ תֵ ן בְ קִּ ְרבְ כֶם‬. Ele animará e capacitará o povo a obedecer a lei de Yahweh. O Profeta
Ezequiel trabalhará essa ideia no capítulo 37, ao falar sobre a visão do vale dos ossos secos.
Tudo isso está intimamente relacionado a regeneração do Espírito Santo (vv.25-27), o que
necessariamente implicará em obediência por parte do povo, que andará nos estatutos e
guardará os juízos de Yahweh. Mas o que nos chama a atenção é que a capacidade para se

105
Cf. WILDER, Derek, Ezekiel 36:16-32: A Crisis and Recovery of Honor. Disponível em:
https://www.academia.edu/, acesso em: 23/06/2022. P. 18.
61

relacionar corretamente com Deus virá exatamente pela habitação do Espírito Santo, não pela
iniciativa e vontade de Israel. Deus não somente dará nova vida, como também manterá esta
vida através do poder santificado do Espírito.106

Muitos estudiosos entendem que Ezequiel 36.25-27 aponta para uma promessa futura,
tendo o seu cumprimento sob a perspectiva da nova aliança. Além disso, alguns não consideram
que os crentes do Antigo Testamento foram regenerados e muito menos habitados.107 Outros
não negam a regeneração, mas, opõem-se a habitação permanente do Espírito. Segundo Block
“muitos acreditam que o papel do Espírito de Yahweh na vida do crente da Antiga Aliança
diferia fundamentalmente da operação do Espírito Santo no NT e em nossos dias.”108 Isso se dá
em razão da compreensão de que no Antigo Testamento o Espírito Santo habitava
temporariamente algumas pessoas com a finalidade de capacitá-las para tarefas especificas,
diferentemente dos crentes do Novo Testamento que são habitados permanentemente pelo
Espírito.

Entretanto, esta dicotomia gera sérios problemas soteriológicos para o crente da antiga
dispensação, pois se o homem desde a queda está espiritualmente inábil para buscar a Deus,
como ele poderia ser rendido ao Senhor? Ou, caso fosse apenas regenerado pela iniciativa
divina, como poderia sustentar sua vida de santidade diante de Deus? O homem de todas as
épocas não apenas necessita da regeneração de Deus, como precisa do Espírito para sustentar
sua nova vida. Sem a operação interna do Espírito, o homem do Antigo Testamento regressaria
naturalmente para sua antiga condição de vida não redimida.

Vale ressaltar que o profeta Ezequiel no capítulo 36.25-28, não está necessariamente
fazendo uma distinção sobre regeneração e habitação interna do Espírito na vida do crente do
Antigo Testamento, mas profetizando sobre a transformação espiritual, regeneração e habitação
em um nível nacional para o Israel escatológico. A profecia aponta para o dia em que Israel

106
“O dom do Espírito é o dom de Deus aos israelitas para revelar a presença de Deus em e entre Seu
povo que sustenta os israelitas a viver em obediência. A presença do Espírito de Deus no coração guiará e moverá
o povo de Israel que tem um novo coração e um novo espírito para viver em obediência (cf. 11:19-20; 18:31;
37:14; 39: 29).” MAIAWENG, Peniel C. D. Roh: Allah yang berdiam di dalam dan di antara orang percaya
(Eksposisi Yehezkiel 36:26-27). Disponível em: https://www.academia.edu/, acesso em: 28/06/2022. P. 8.
107
Ryrie defende o seguinte: “Não encontramos um ministério de convicção geral, não havia habitação
nem capacitação como passamos a conhecer após o Pentecostes (Jo 7.37-39). (...) A regeneração do Espírito não
é mencionada especificamente, embora alguns pensem que o Espírito regenerava no Antigo Testamento. As
Escrituras dão evidência de que alguns santos tinham conflitos interiores causados pela presença da natureza carnal
e de algo novo. (...) Ao que parece não havia garantia da presença permanente do Espírito na época do Antigo
Testamento.” RYRIE, Charles Caldwell, Teologia Básica, ao alcance de todos. São Paulo, Mundo Cristão, 2004.
P. 404.
108
BLOCK, 2012, p. 334.
62

completamente transformado regressará a sua terra natal sob os termos da nova aliança. Desta
forma, o que é profetizado pelo profeta não trata apenas de um futuro distante, mas de um futuro
próximo, onde o povo desfrutaria de uma relação santa com o seu Deus, iniciada e sustentada
por ele mesmo, através do Espírito Santo.

Na verdade, nem Ezequiel, e nem mesmo Jeremias 4.4 estão laborando em algo
totalmente novo e distintamente escatológico, mas estavam cônscios do que a Escritura
afirmava em Deuteronômio 10.16 e 30.6. Isso nos mostra que a religião do Antigo Testamento
não alcançou a regeneração por obras de justiça, “mas pelo fato de Yahweh infundir o seu
Espírito no indivíduo.”109

Uma evidência que não pode ser ignorada, é o registro que temos no Novo Testamento
em João 3, quando Jesus demonstra a mesma necessidade de transformação espiritual, ao
afirmar: “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o
reino de Deus” (v.3). E “quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de
Deus” (v.5). Nicodemos não entendeu a resposta de Jesus e foi duramente repreendido por não
compreender a natureza da regeneração (v.4) com seu pano de fundo no Antigo Testamento em
Ezequiel 36.25-27, mesmo sendo ele “fariseu, um dos principais judeus (v.1) e “mestre em
Israel” (v.10). Embora o foco do Senhor Jesus seja a regeneração, a habitação não pode ser
descartada.

Para James Hamilton regenerar não pode se equiparada a habitar. Ele entende que o
crente é nascido do alto (de Deus, Jo 1.13) e equipado espiritualmente a entrar no reino de
Deus110. Entretanto, se a base de Cristo para falar sobre regeneração é Ezequiel 36.25-28, logo
por implicação regeneração e habitação estão intimamente ligadas. Além disso, o novo
nascimento de fato é recebido do alto, pois Deus através do Espírito Santo o concede (Ez 36.26),
mas é por meio de sua habitação que a fé e a obediência são mantidas (Ez 36.27; Jr 31.33).
Percebe-se também que no versículo 6, Jesus diz: “O que é nascido da carne é carne; e o que é
nascido do Espírito é espírito.”111 Com isso o Senhor está contrastando o nascimento meramente

109
Ibid. P. 335.
110
“Essa nova habilidade é fornecida pelo novo nascimento do alto pelo Espírito (João 3:3, 5). Em João
3:6 lemos: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito”. Ser “nascido do Espírito”
(3:6) parece ser paralelo a ser “nascido de Deus” (1:13). Não devemos tomar as palavras "o que é nascido do
Espírito é espírito" (3:6, ênfase adicionada), para indicar que aquele que experimenta o segundo nascimento é
habitado pelo Espírito, mas sim que aquele que é 'nascido do Espírito' agora é capaz de operar na esfera espiritual.”
HAMILTON, 2004, p. 20.
111
“A expressão ‘nascer do Espírito’ revela o agente divino desse novo nascimento: o Espírito Santo.
Antes Jesus disse que era um nascimento ‘do alto’, e agora ele identifica especificamente o autor divino.”
HOEKEMA, 1997, p. 103.
63

físico, apontando para o homem não-regenerado com o nascimento espiritual em sua essência,
realizado pelo Espírito, ao gerar nova vida no pecador. Desta forma, assim como vida física
resulta de vida física, vida espiritual resulta da ação do Espírito Santo. Sobre isso McCabe
resumiu muito bem ao afirmar: “embora regeneração e habitação sejam formas distintas de
vida, a obra de renovação do Espírito une ambas inextricavelmente. Se a fonte da vida espiritual
for removida em qualquer momento, a vida espiritual será necessariamente abortada.”112

4.2.2. Análise do Salmo 51. 11

No Saltério, o Salmo 51 faz parte dos chamados “Salmos penitenciais”, juntamente com
os Salmos 6; 32; 38; 51; 102; 130 e 143, cuja ênfase é a confissão e o arrependimento pessoal.
Além disso, este “salmo também apresenta a segunda coleção de ‘salmos davídicos’, que se
estende (exceto para Salmos 66–67) dos Salmos 51–70/71 (no final do Livro 2).”113 Seu
contexto está registrado em 2 Samuel, capítulos 11-12, que falam do adultério de Davi com
Bate-Seba e o consequente assassinato de Urias, esposo dela. Deus não fez vista grossa ao
pecado de Davi e enviou o profeta Natã para confrontá-lo e exortá-lo. Quando Natã apontou
Davi como o rico perverso da parábola (12.7), ele (Davi) demonstrou sua fidelidade a Deus,
imediatamente reconheceu a gravidade do seu pecado e confessou: “Pequei contra o Senhor”
(12.13). Apesar de sérias consequências virem sobre Davi, Deus amorosa e
misericordiosamente o perdoou (12.10-14).

Esse episódio horrível é o grande estigma da vida de Davi, e o pano de fundo para este
belíssimo Salmo.

Calvino comentado o Salmo 51, disse:

É natural que nos estremeçamos ao contemplarmos o fato de que um profeta tão santo
e tão excelente rei, houvesse mergulhado em tal condição! Que o senso de religião
não se esvairá totalmente de sua mente, prova-se pela maneira como foi afetado
imediatamente ao receber a reprovação do profeta. Não fosse esse caso, e ele não teria
clamado como o fez: “Pequei contra o Senhor” (Sm 12.13); nem teria tão prontamente
se submetido, no espírito de mansidão, à admoestação e correção. Neste aspecto, ele
se põe como exemplo a todos quantos tenham porventura pecado contra Deus,
ensinando-lhes o dever de humildemente aquiescerem-se com o chamado ao
arrependimento, o qual pode ser-lhe dirigido por meio dos servos de Deus, em vez de

112
MCCABE, 2004, p.253.
113
WILSON, Gerald H., Psalms, vol. 1, The NIV Application Commentary (Grand Rapids, MI:
Zondervan, 2002), P. 771.
64

permanecerem debaixo do pecado até que sejam surpreendidos pela vingança final do
céu.114

As palavras de Davi na segunda parte do versículo 11 do salmo 51 “Nem retires de mim


teu Santo Espírito” (‫ל־תקח ִּממֶ נִּי׃‬
ִּ ‫ )אל־ת ְׁשלִּ יכֵנִּי ִּמלְ ָפנֶיָך וְ רּוחַ קָ ְד ְשָך א‬dá a entender que o Espírito
de Deus poderia ser retirado dele. Segundo Constable “a possibilidade de Deus retirar o Seu
Espírito de Davi foi uma realidade para ele”.115 Sua afirmação está amparada no pressuposto
de que a habitação do Espírito Santo antes do Pentecostes era seletiva e temporaria. Muitos
estudiosos acreditam que Davi está falando sobre a unção e a dádiva do Espírito Santo que
havia recebido como rei de Israel, e não sobre sua presença que nele habitava. Outros ainda
pensam que a referência seja ao Espírito de profécia, Gill diz: “O Targum interpreta isso como
o espírito de profecia que Davi tinha, pelo qual ele compôs salmos e cânticos proféticos acerca
de Cristo, (...) e que não foi tirado dele (2 Samuel 23:1,2 )”. 116 De fato, não é um assunto fácil
para se definir, no entanto, o salmo 51 é o clamor angustiado de um homem que pecou
horrivelmente contra Deus. Do versículo 1-6, Davi confessa seu pecado, e do versículo 7-12
clama por santificação e renovação interior. É possível que Davi tenha em mente o ocorrido
com Saul (1 Samuel 16:14 - ‫־רעָה מֵ אֵ ת יהוה׃‬
ָ ‫) וְ רּוח יהוה סָ ָרה מֵ עִּ ם ׁשָ אּול ּובִּ עֲתתּו רּוח‬, mas a sua
preocupação não é com a retirada do reino e sim com o seu relacionamento com Yahweh.

Nota-se que das 387 vezes que o substantivo ‫( רּוח‬Espírito) aparece, três vezes apenas
aparece como ‫( רּוח קָ ְד ְׁש‬Espírito Santo), a saber, Salmo 51.11 e Isaías 63.10,11. Em ambas as
situações, os textos tratam do pecado de alguém. Isaías fala que a rebeldia de Israel entristeceu
o Espírito Santo (Is 63.10).

Alguns estudiosos acreditam que Espírito Santo aqui não deveria ser traduzido usando
letra maiúscula, pois com isso limita a força do texto que aponta para o atributo da santidade e
não ao Espírito Santo em si. Assim, quando Davi ora está suplicando que o “atributo da
santidade não o abandone”. A compreensão é que nos versículos 10-12, “espírito santo” ‫רּוח‬
‫ קָ ְד ְׁשָך‬está se referindo ao eu interior do salmista e não ao espírito divino. É como se Davi

114
CALVINO, João. O Livro dos Salmos. Volume 2. São Paulo, Edições Paracletos, 1999. P. 422.
115
CONSTABLE, Thomas L. Notes on Psalms. 2006 Edition. Published by Sonic Light. Disponível em:
<http://www.soniclight.com/>. Acesso em: 15 nov. 2011.
116
Conf. GILL, John. The Bible Truth Forum, Bible Truth Library Cd, p. 574. Disponível em:
<http://www.bibletruthforum.com>. Acesso em: 19 nov. 2011.
65

estivesse falando do "seu espírito de santidade", uma vez que deseja que seu eu interior seja
santo e não cheio de transgressões (vs. 1, 3), iniquidade (2), ou pecado (2, 3, 4, 5).117

O ponto a ser observado é que quando Davi ora “nem retires o teu Santo Espírito”, ele
recorre a um pronome possessivo “teu” (‫ אתָ ה‬- tu; você pronome, sufixado, segunda
pessoa, masculino, singular), demonstrando que se refere ao Espírito de Deus e não ao seu eu
interior, necessariamente. Esta é a razão porque o versículo 11 difere dos versículos 9 e 12, pois
enquanto naquele ele fala do Espírito de Deus, nestes ele aponta para o seu próprio espírito.
Além disso, quando Isaías 63.10 diz que o povo foi rebelde, afirma-se que ‫ רּוח קָ דְ ְׁש‬foi
entristecido (‫ )וְ עִּ צְ בּו‬e que ele se tornou inimigo e lutou contra Israel. Pois bem, se o Espírito
Santo se entristeceu e lutou, não pode ser considerado uma força inanimada, ou ideia abstrata,
mas uma pessoa. É alguém que estabelece uma relação pessoal.118

Também não há consenso de que ‫ רּוח קָ דְ ְׁש‬seja uma referência a terceira pessoa da
trindade. Tate diz que “qualquer interpretação do ‘espírito santo’ no Sl 51 e Is 63 em termos
dos entendimentos desenvolvidos do Espírito Santo no Novo Testamento e no pensamento
cristão seria anacrônico.”119 Entretanto, ele mesmo defende que Espírito Santo é Espírito de
Deus no Antigo Testamento e que num sentido mais profundo só existe apenas um Espírito.
Logo é possível assegura à luz da revelação progressiva e com base no Novo Testamento que
Espírito Santo é uma referência a terceira Pessoa da Trindade, e que ele é assim chamado, não
porque este epíteto de “santo” é peculiar a ele, pois é usado também com referência ao Pai e ao
Filho (João 17:11; Salmo 16:10), mas porque ele é igualmente santo com eles, e é o autor da
santidade no seu povo, que é, portanto, chamado o Espírito da santificação.120

Desta maneira, o texto não está falando que o Espírito pode sair do crente e o mesmo
perder a sua salvação, mas apenas descrevendo a profunda ansiedade e tristeza de Davi pelo
seu pecado. Davi não havia perdido o Espírito, mas a “alegria da salvação”, por isso ele ora a

117
Conf. NORRIS, Johnathan. Is the Holy Spirit Present in the Old Testament? A Biblical-Theological
Analysis of Psalm 51 and Isaiah 62. P. 15. Disponível em: https://www.academia.edu/, acesso em 29 de junho
2022.
118
“A rebelião de Israel contra Yahweh ‘entristeceu seu espírito santo’. ‘O espírito é descrito como
pessoal – não mero poder ou influência, mas o objeto de um possível relacionamento pessoal’ (G. W. H. Lampe,
‘Holy Spirit’, BID, II, 629). Assim, o apelo no Salmo 51:11 parece ser para uma experiência contínua da presença
criativa, vivificante e fortalecedora do próprio Deus. Não se pode sentir a presença de Deus quando seu espírito
santo é retirado.” TATE, Marvin E. Psalms 51-100. Edited by John D. W. Watts. Vol. 20. Word Biblical
Commentary, edited by David A. Hubbard and Glenn W. Barker, 1990.
119
TATE, Marvin E. Psalms 51-100. Edited by John D. W. Watts. Vol. 20. Word Biblical Commentary.
120
GILL, John, p. 573. Owen também entendeu essa referência (Santo Espírito) como ao “Espírito, e sua
presença como para santificação.” OWEN, John. The Doctrine of the Saints’ Perseverance Explained and
Confirmed. Grand Rapids, MI: Christian Classics Ethereal Library. P. 329. Disponível em:
<http://www.ccel.org/ccel/owen/perseverance.html>. Acesso em: 17 nov. 2021.
66

Deus para restituí-la. Kidner corretamente compreende que “este versículo não se ocupa com a
mera doutrina da perseverança, mas com a prática dela”. 121 “Nem me retires o teu Santo
Espírito” é a oração de quem tem o Espírito da santidade e que não consegue pensar por um
momento de ver-se afastado da presença de Deus e de seu Espírito. Owen diz:

O Consolador pode sempre habitar em nós, mas nem sempre nos consolar. Ele que é
o Consolador pode habitar, embora nem sempre faça essa obra. Para outros fins e
propósitos, ele está sempre conosco, como para nos santificar. Assim foi com Davi:
“não retires de mim o teu Espírito Santo” (Sl 51.11; ARA). O Espírito Santo da
santificação ainda estava com Davi, mas ele diz: “Restitui-me a alegria da tua
salvação” (Sl 51.12) – ou seja, o Espírito da consolação que estava perdido, quando a
promessa foi cumprida na permanência do outro.122

Assim, percebe-se que o Espírito Santo habitava em Davi e foi especialmente sua
presença interna que o conduziu a confessar-se diante de Deus. Gill explica: “Seus dons
externos podem ser tirados, mas a graça interna é uma semente incorruptível, e sempre continua.
Pelo pecado o Espírito de Deus pode ser entristecido, de modo a retirar suas influências
graciosas, e suas poderosas operações não podem ser sentidas, e é isso que está aqui.”123 Calvino
também argumenta que “as palavras deste versículo implicam que o Espírito não havia se
retirado dele completamente, por mais que seus dons houvessem sido temporariamente
obscurecidos”124.

Desta forma, conclui-se que assim como os crentes do Novo Testamento são habitados
pelo Espírito, semelhantemente Davi o possuía pelo qual fora regenerado e santificado. Logo,
concordamos com Lima quando afirma: “Se Davi tinha o Espírito Santo, devemos também
pensar que todos os demais crentes, como Abraão, Isaque, Jacó, José, etc., tinham o Espírito
Santo”.125 Ou seja, essa não era uma prerrogativa para umas poucas pessoas, mas para o
remanescente fiel de Deus. Creio que Calvino resume muito o assunto:

121
KIDNER, Derek. Salmos 1-72: introdução e comentário. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1981. P.
214.
122
OWEN, John. Comunhão com o Deus Trino. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010. P. 288
123
GIL, John. P. 573.
124
CALVINO, 1999. P. 441.
125
LIMA, Leandro Antonio de. As Grandes Doutrinas da Graça: um curso de teologia para classes
bíblicas ou pequenos grupos. São Paulo: Odisseu, 2007, p. 104. “O Espírito Santo estava em ação no período
veterotestamentário, ainda que uma nova fase do ministério do Espírito começasse com a morte e ressurreição de
Jesus e com o dia de Pentecostes. Os crentes no tempo do Antigo Testamento tinham o mesmo Espírito habitante
que os cristãos hoje têm, e Davi suplica que não experimentasse a retirada desse Espírito.” HARMAN, Allan,
Salmos, trans. Valter Graciano Martins, 1a edição., Comentários do Antigo Testamento (São Paulo, SP: Editora
Cultura Cristã, 2011), P. 218.
67

Tudo o que o Senhor tinha feito e sofrido para adquirir salvação para o gênero humano
pertencia tanto aos crentes do Antigo Testamento quanto a nós. E, de fato, eles tinham
um mesmo espírito que nós temos, pelo qual Deus regenera os Seus para a vida eterna.
Portanto, como vemos que o Espírito de Deus, que é como uma semente de
imortalidade em nós (pelo que é chamado penhor da nossa herança), habitava neles,
como ousaríamos vetar a eles a herança da vida?126

Portanto, antes do Pentecostes o Espírito Santo já havia sido derramado de forma


restrita ao remanescente de Israel, porém, logo em seguida ele seria derramado de forma
generalizada e mais plena, especialmente incluindo os gentios que seriam convertidos pelo
seu poder. Depois da partida de Jesus, o outro Consolador veio e assumiu definitivamente a
função de guiar os discípulos a toda verdade.127 Nisto consiste a diferença.

4.3. Diferença ou Continuidade

Existe diferença entre a antiga e a nova dispensação? No que elas diferem uma da outra?
Essa questão nos ajuda solucionar um pouco a questão sobre o Espírito Santo no Antigo
Testamento.

Segundo Robertson “deve-se reconhecer um fator de continuidade”128 entre a antiga


aliança e a nova. Esse fato vê-se pela substância da nova aliança, que já se encontra na antiga,
Kaiser aponta as semelhanças: “o mesmo pacto feito com Deus; a mesma lei; o mesmo
companheirismo divino (Eu serei o seu Deus); a mesma "semente" ou (Eles serão o meu povo)
e o mesmo perdão (Eu perdoarei a sua maldade)”.129

Notemos ainda que a palavra “nova” (‫ )חדש‬em Jeremias 31.31, também pode ser
traduzida como “renovar”, trazendo-nos a ideia de uma aliança renovada ao invés de uma
substituição. Os termos dessa aliança são cumpridos perfeitamente em Cristo (1Co 11.25; 2Co
3.6; Hb 9.15; 12.24)), que renova a relação pactual entre Deus e seu povo, que não está restrito
a nação de Israel, mas além dela.

126
CALVINO, João. As institutas da Religião Cristã: Edição especial com notas para estudo e pesquisa,
volume III. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. P. 24.
127
Conf. LIMA, 2007, p. 105.
128
ROBERTSON, O. Palmer, Cristo dos Pactos, Campinas-SP: Luz Para o Caminho, 1997, p. 252.
129
KAISER, 2010, p. 310.
68

Desta forma, percebe-se uma continuação, entre Velho e Novo Testamento. Destarte,
porque imaginar que existe uma diferença de atuação do Espírito entre os dois Testamentos.

Em que sentido então a “nova” é “nova aliança”? A isso responde a Bíblia de Estudo de
Genebra:

A nova aliança é a expressão suprema da aliança única e eterna da graça de Deus com
os pecadores (Hb 13.20), um estágio superior àqueles do Antigo Testamento, com
promessas superiores (Hb 8.6), baseadas num sacrifício superior (Hb 9.23), oferecido
por um sumo sacerdote superior, num santuário superior, garantindo uma esperança
superior (Hb 7.26-8.13) que não havia sido revelada de tal modo em nenhum dos
outros estágios da aliança. A efetivação em Cristo das antigas alianças feitas com
Israel também cumpre a promessa de que a porta da fé se abriria para um grande
número de gentios. 130

130
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA, p. 20.
69

CONCLUSÃO

Ao terminar este trabalho, concluímos que o Espírito de Deus já atuava no Antigo


Testamento, por meio de suas operações, como Espírito criador, capacitando e habilitando os
servos de Deus, regenerando e santificando o povo da aliança, bem como inspirando os profetas
para que a revelação do Senhor fosse levada a cabo. De fato, não temos uma revelação exaustiva
do Espírito Santo no Velho Testamento, mas o que temos é suficiente para vermos suas ações
soberanas na ordem da criação.

A habitação do Espírito Santo nos crentes da antiga dispensação, não é um assunto


exposto explicitamente nas páginas do Antigo Testamento, entretanto, a questão não é que a
doutrina esteja ausente, mas que progressivamente ela vai tomando corpo, até que por fim, à
luz do Novo Testamento tudo ficou muito mais claro. Portanto, o que permanece não é a
ausência, mas o silêncio que o Testamento adoto, tendo em vista que a revelação não havia sido
concluída ainda.

Vimos que pensar na regeneração, sem a habitação do Espírito é praticamente


impossível, uma vez que sem a presença interna dele não há como agradar a Deus. A razão
disto, é que assim como precisamos do Espírito para recebermos nova vida, precisamos dele
para a manutenção dessa vida em santidade. Ele é o poder que opera no crente sustentando a
vida espiritual que foi transmitida na regeneração. A habitação é, portanto, a continuação do
Espírito Santo desse novo relacionamento e ministério iniciado na regeneração. Com isso em
mente, entendemos que o Espírito Santo habitava nos crentes do Antigo Testamento e por isso
mesmo é dito que muitos deles caminharam com Deus e acharam graça diante dele. Sem a sua
habitação isso seria irrealizável, uma vez que Paulo diz que sem o Espírito os homens estão
mortos nos seus delitos e pecados.

Esta compreensão ficou ainda mais nítida ao analisamos o texto de Ezequiel 36.25-28,
e concluirmos que a promessa de renovação espiritual não era algo meramente para o futuro,
pelo contrário, apontava também para a restauração de Yahweh na vida do seu povo, ao retornar
a terra prometida e para santificação de seu nome. Deste modo, a profecia demonstra o dia em
que Israel completamente transformado regressaria a sua terra natal sob os termos da nova
aliança e desfrutaria de uma relação santa com o seu Deus, iniciada e sustentada por ele mesmo,
através do Espírito Santo.
70

Vimos também, à luz do Salmo 51.11 que Davi tinha o Espírito Santo, e em
consequência disso seu pecado foi tão pesado e angustiante. Foi por causa do Espírito que ele
temeu perder a comunhão com Deus e ser retirado da sua presença. Assim, se por meio do
Espírito Davi fora regenerado e santificado, logo os demais crentes do Antigo Testamento
também o foram. Pois, como explicar a relação tão íntima que muitas personagens
desempenharam com Yahweh se não eram habitadas permanentemente pelo Espírito Santo?

Portanto, a nossa conclusão é que o Espírito Santo estava presente no Antigo


Testamento, habitando, capacitando e separando o povo de Deus para a sua glória. Por outro
lado, existe uma promessa de que ele seria derramado como ribeiros de água, e suas
consequências seriam mais amplas do que na antiga dispensação. Isso veio a concretizar-se no
Pentecostes, quando a igreja do Senhor Jesus foi cheia e capacitada pelo Espírito, tornando-se
testemunha viva e poderosa do seu reino. Essa promessa veio não somente sobre os judeus,
mas, também abarcou os gentios.
71

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