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Artigos Psico Esporte
Artigos Psico Esporte
Artigos Psico Esporte
Curtas......................................................................................................... 14
Artigo........................................................................................................... 16
Fábio Silvestre da Silva
Artigo ......................................................................................................... 21
Victor Cavallari e Ricardo Picoli
Artigo.......................................................................................................... 26
Alexandre Romano
Reportagem............................................................................................. 30
Relações Raciais - O racismo continua em campo
Capa............................................................................................................ 34
Direitos Humanos - Muito além do corpo
Reportagem............................................................................................. 38
Avaliação psicológica - Instrumento a serviço do atleta
Reportagem............................................................................................. 42
Universidade - Tornar-se profissional da Psicologia do Esporte
Depoimento.............................................................................................. 46
No combate, com espaço para o afeto
Reportagem............................................................................................. 48
Futebol, uma paixão avassaladora
Resenha..................................................................................................... 52
“Psicologia do Esporte: teoria e prática”, de Katia Rubio - Por
Maurício Marques
Cinema....................................................................................................... 54
Heleno, o príncipe maldito - Por Rita Almeida
Reportagem............................................................................................. 56
Gênero - A bola fora da discriminação
Artigo.......................................................................................................... 62
Erika Hofling Epiphanio
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Dezembro de 2018
Revista Diálogos
Artigo.......................................................................................................... 68
Katia Rubio
Expediente
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Dezembro de 2018
Revista Diálogos
Editorial
O Conselho Federal de Psicologia país até os dias atuais. A existência
escolheu o tema da Psicologia do de uma associação profissional – a
Esporte para este número da Re- Associação Brasileira de Psicologia
vista Diálogos por entender a im- do Esporte (Abrapesp), de linhas de
portância deste campo de atuação pesquisa em Programas de Pós-gra-
para a Psicologia e para a socieda- duação, de grupos de pesquisa ca-
de. O que é a Psicologia do Esporte? dastrados do CNPq, a realização de
Que práticas profissionais são de- congressos da Psicologia do Espor-
senvolvidas nessa área de atuação? te, o crescente número de publi-
Quais são os contextos de atuação cações e o reconhecimento da psi-
de um/a psicólogo/a do esporte? cologia do esporte como uma das
Qual é a função e o papel da Psico- especialidades da Psicologia pelo
logia do Esporte? Que campos teó- Conselho Federal de Psicologia, de-
ricos da psicologia contribuem para monstram a articulação dos profis-
a psicologia do esporte? Quais são sionais que se dedicam a essa área e
os usos da avaliação psicológica no a força desse campo que deve cada
contexto esportivo? Que desafios vez mais ganhar espaço e reconhe-
éticos e técnicos são enfrentados cimento dentro e fora da Psicolo-
neste campo? Estas são algumas das gia. Destaca-se que neste percurso,
questões abordadas ao longo dos as/os psicólogas/os do esporte têm
artigos e reportagens apresentadas ressaltado a importância de refletir
aqui. sobre as questões éticas implicadas
no exercício profissional articuladas
O esporte é um bem cultural, um a uma compreensão crítica da cul-
direito social e fator que contribui tura desportiva, das especificidades
para o processo de desenvolvimen- de cada modalidade e das vivências
to humano. Os estudos nesse cam- próprias do campo esportivo.
po demonstram a importância dos
aspectos culturais locais tanto para Sobre os campos de atuação desta-
a compreensão do sentido que as ca-se a reflexão sobre a importân-
práticas esportivas possuem em um cia da inserção em projetos sociais,
determinado contexto quanto para escolas e outras instituições, para
a construção da prática profissional. além do trabalho juntos aos espor-
É preciso considerar que a constru- tes de rendimento. A participação
ção do imaginário esportivo está li- na construção de políticas públicas
gada à comunicação de massa que do esporte, na gestão de projetos
exalta a importância da vitória e da sociais esportivos, a realização de
competitividade, mas silencia em processos de formação continuada,
relação a outros valores vincula- o acompanhamento de equipes, a
dos à prática do esporte. O esporte participação junto a profissionais
possui uma função pedagógica e se de diferentes áreas representam
constitui em um elemento integra- importantes desafios para as/os psi-
dor da mente e do corpo, que con- cólogas/os.
tribui para a saúde física e mental,
colabora no processo de socializa- A Psicologia do Esporte não pode
ção, no desenvolvimento integral e ser apenas um saber acessório às
na busca por saúde e qualidade de práticas tradicionais do esporte.
vida. A despeito da sua importân- Além do grande interesse das/os
cia, dados oficiais sobre a prática es- psicólogas/os por conhecer a parte
portiva no Brasil demonstram que operacional, as técnicas e o modo
o esporte ainda é privilégio de pou- de atuar dos profissionais da área, é
cos. Para que o esporte se converta imprescindível analisar criticamen-
em um direito social serão necessá- te sobre os contextos e sentidos da
rios muitos investimentos, em es- prática profissional e compreender
pecial para que mulheres, pessoas as dimensões políticas, conceituais,
com deficiência e a população ne- metodológicas e técnicas da Psico-
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gra tenham mais acesso às práticas logia do Esporte.
esportivas.
Convidamos você a desfrutar da
Esta edição da Revista Diálogos leitura de textos publicados por
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as práticas corporais, ou seja, o esporte, como lho da(o) psicóloga(o). “Quanto a este aspecto,
a Educação Física, a Fisioterapia e a Medicina. muitas vezes, por ter uma compreensão este-
“Em meio a essa interdisciplinaridade existe reotipada de psicologia como algo referente
uma demanda pelo conhecimento psicoló- ao tratamento de psicopatologias, relaciona-
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este paralelo em que a primeira pesqui- to psicológico. E por que é uma área in-
sa científica é feita na mesma década da terdisciplinar? Porque é uma área que
inauguração dos Jogos Olímpicos da Era reúne o conjunto de conhecimentos
Moderna e muito próximo temporal- e ciências que, ao se ocupar da cultura
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favoreceram o sedentarismo. Quanto à esportiva, em que base e alto rendimen-
via epistemológica, os recortes entre as to estivessem não só articulados entre
diferentes áreas do conhecimento cien- si, mas também com um olhar atento
tífico atendem às especificidades cada ao inteiro ciclo da vida, contemplando
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vez maiores dos objetos e dos métodos também a velhice, o que vem a ser uma
aplicados para estudá-los. Uma conse- prioridade a mais em um país no qual
quência positiva disso é a especialização a divisão populacional por faixa etária
científica do conhecimento e de sua pro- o revela como estando em franco enve-
dução; um risco é sua hiperespecializa- lhecimento. Tudo isso não é matéria a
ser deixada aos ventos do mercado e do -se de um olhar que só o psicólogo pode
consumo individual. É uma matéria de ter nos trabalhos de gerenciamento de
interesse público e deve haver política carreira que, a bem dizer, deveriam co-
de Estado para atendê-la. meçar com o jovem, já na base, inclusive
de modo profilático face a uma escolha
Diálogos - Em qual segmento as(os) psicó- que pode levá-lo a muito sucesso, mas
logas(os) do esporte estão concentrados? também a muita frustração.
Cristiano Barreira - Ele se distribui bas-
tante na forma de projetos sociais e no
As práticas
alto rendimento e é nas categorias de
base onde acaba sendo mais aceito pe-
los diferentes clubes. Ainda subsiste uma
resistência maior nas categorias pro-
fissionais, o que diz respeito a questões esportivas são
político-institucionais e até de formação
e cultura dos dirigentes e técnicos espor-
tivos e da compreensão que eles têm em
disputas com
regras iguais para
relação ao que é a Psicologia do Esporte,
à presença e ao trabalho do psicólogo.
Quanto a este aspecto, muitas vezes, por
ter uma compreensão estereotipada de
Psicologia, como algo referente ao tra- todos
tamento de psicopatologias, relaciona-
da a condições de fragilidade, ocorriam Diálogos – Como o esporte reflete as
posicionamentos mais preconceituosos. mazelas da sociedade brasileira?
É uma questão cultural e de formação Cristiano Barreira -Não deixa de ser
dos diversos profissionais do campo reflexo, mas não a título de imagem
esportivo, o que vem mudando pro- especular; há também opacidades e re-
gressivamente. Já outra questão, mais frações. Há uma complexidade da so-
política-institucional, é a percepção do ciedade brasileira que tem uma história
psicólogo como alguém que possa ame- de estruturação fundada na violência es-
açar a liderança e a autoridade do técni- cravocrata e perpetuada em derivações
co. Trata-se de uma má compreensão do como as profundas diferenças de classe,
que seja o trabalho do psicólogo na prá- mas não significa que estamos em cons-
tica e na relação com a equipe. Ele não tante estado de violência. Isso diz respei-
toma decisões no lugar do técnico, mas to a um dilema e a um conflito no seio
trabalha com a equipe na mesma dire- de nossa sociedade e com o qual lidamos
ção, com seu enfoque próprio e sempre de diversas maneiras, perpetuando e re-
com a devida atenção ética ao bem-es- petindo essas práticas de violência, mas
tar. E aqui cabe uma advertência: deve- também nos contrapondo e lutando por
-se saber que o bem-estar do atleta não formas sociais mais justas de reconheci-
se dá sem o enfrentamento de sacrifícios mento. No esporte, cenas de racismo e
autocolocados em razão de seus objeti- violência são momentos emblemáticos
vos. Isso é próprio da ética esportiva e de nossas mazelas, mas não acredito que
um psicólogo que desconhecesse esse sejam um espelho fiel do que se passa na
aspecto da natureza do esporte não atu- sociedade brasileira. São sim ilustrações
aria bem na área. No alto rendimento, de um processo sintomático de tensões
não haver uma dedicação sacrificada por com as quais nós lidamos muito mal ao
parte do atleta pode ser motivo de mal- longo da história.
-estar e de frustração por conta de um
resultado aquém daquele que ele crê ou Diálogos - E como essa história se refle-
sabe que seria capaz de atingir. Mas en- te no esporte?
tre o sacrifício e as exigências dos treina- Cristiano Barreira - Ao longo do tempo,
dores, há uma modulação cujo descui- temos o racismo étnico, mas também o
do pode se desdobrar em abuso físico e de classe. Ambos se fundam com a es-
moral. A melhor atenção a isso, visando cravidão e o racismo étnico se legitima
contemplar as ambições de ambos, trei- com a eugenia, que, naquele momento
nadores e atletas, é uma atenção psico- da história, virada até quase meados do
lógica ao relacionamento que se esta- século XX, era considerado ciência e jus-
belece e que é atravessado por nuances tificava práticas sociais francamente dis-
irrefletidas, às vezes conflitivas, devidas criminatórias como políticas de Estado.
ou não a motivos inconscientes. Na ver- E se não é mais oficialmente assim, os
dade, isso se estende como um trabalho resquícios disso ficaram e se transmu-
em favor da equipe para facilitar relacio- taram num racismo de classe, não assu-
namentos e catalisar uma comunicação mido e articulado, como foi a eugenia,
efetiva, sensível às particularidades dos mas irrefletido e mal dissimulado numa
atletas. E tudo isso nesse contexto que noção de prestígio social que se justifi-
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é atravessado por muita cobrança por caria por supostos méritos individuais,
resultado. Além do mais, os psicólogos quando, na verdade, são muito deriva-
têm estado atentos à necessidade de cui- dos de nossa violência escravocrata fun-
dar educativamente dos valores dos atle- dadora. Veja bem, isso não significa que
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tas, haja vista não só as questões éticas não existam e que não devam ser reco-
na prática esportiva, mas a um tipo de nhecidos os méritos individuais, mas
desorientação pessoal que temos teste- que nenhuma justiça social e nenhuma
munhado ocorrer com atletas cuja as- luta contra as discriminações típicas de
censão social é mais vertiginosa. Trata- nosso país possam ocorrer sem o reco-
nhecimento de que existe uma condição direitos equivalentes entre eu e o outro,
social de partida acentuadamente desi- de modo progressivamente mais uni-
gual. Não se fez justiça em relação a estas versal. Isso ocorre melhor quando ele
minorias, que não são quantitativas, mas se dá sob condições controladas e orien-
são minorias de direito e de reconhe- tação educacional. A disputa esportiva
cimento amplo, afetivo e social, o que tensiona o sujeito de tal modo que ele
deteriora sua dignidade a ponto de não não tem como deixar de se posicionar
chegarem a fazer valer os direitos a to- moralmente. Por isso, certos eventos no
dos atribuídos pela letra da lei. E como esporte de massa geram tantas contro-
a história de classe e etnia no Brasil se vérsias e polêmicas, servindo como te-
confundem, a maioria dos pertencentes mas emblemáticos para conversações de
às classes pobres é formada por negros e caráter ético no cotidiano. No contexto
mestiços. Estatisticamente, brancos das esportivo, quando se deprecia alguém
classes menos favorecidas estão menos com base em algo próprio do seu fenóti-
sujeitos à violência, até porque encon- po ou de outro aspecto de sua identida-
tram mais facilidade de se inserirem no de, algo que seria signo de uma posição
mercado. Trazendo isso para o contex- de suposta inferioridade, este apelo à
to esportivo, vale a pena destacar o fato imoralidade – sintomático de imorali-
de que, no esporte, a expressão, ou a dades das hierarquias morais predomi-
passagem ao ato, para usar uma noção nantes na sociedade - ocorre como meio
de sabor psicanalítico, está muito mais de se impor, de se autoafirmar, de dimi-
rente à superfície das ações nas práticas nuir o outro e também de compensar o
motoras, fomentando um tipo de expe- desempenho pior em relação ao outro.
riência emocional que está muito mais à Aqui, mimetizando as discriminações
flor da pele. Se pensarmos nas várias ins- sociais, o sujeito interfere moralmen-
tituições importantes na sociedade, em te na disputa esportiva usando de algo
quais outras se encontra essa relação tão estranho à disputa propriamente dita,
direta e tão rápida das expressões psí- modulando para cima a própria estima
quicas nas ações? Aqui há muito menos pela depreciação da estima alheia. No
mediação reflexiva, portanto tudo aqui- contexto da realidade social brasileira,
lo que compõe diretamente nossos sen- sabemos bem que esta inferioridade não
timentos sob controle, é apenas suposta, mas
mediados sob alguma tem eficácia prática. O
censura moral, aparece apelo imoral nas aulas
de maneira muito me-
nos velada no esporte,
Conhecer a de Educação Física e
no esporte é um sinto-
modalidade
em especial os de con- ma mimético de como
tato e os que implicam nossa meritocracia é
uma interação direta falaciosa. Ela não está
com o adversário. É
no contexto das aulas esportiva é fundada num senso de
justiça autêntico, mas
de Educação Física, no em profundos senti-
caso de crianças e jo-
vens, que as maiores
decisivo para mentos que atribuem
de antemão os lugares
a prática do
expressões de discri- e as escalas sociais dos
minação e de bulliyng dignos e dos indignos,
vão ocorrer. Afinal, há dos que merecem e
muito mais margem
para a ação e expressão psicólogo dos que não merecem
sequer participar da
direta entre as pesso- disputa, dos que não
as do que em espa- sabem “ficar em seus
ços mais controlados e mais mediados lugares”. Esse apelo é bem expresso
por tarefas prioritariamente cognitivas, nos xingamentos que depreciam, não o
como são os das salas de aula. É na edu- que o outro fez, mas uma condição de
cação física que elas se expõem mais, é identidade socialmente deteriorada do
onde esses sentimentos depreciativos e outro – vide o preto, a puta e o pobre.
as expressões discriminatórias ocorrem Então, bem entendido, pela natureza
de maneira menos articuladas do ponto de suas regras, o esporte pode inverter
de vista intelectual e moral, ocorrendo, de forma potente o reflexo das maze-
ao contrário, de modo mais mimético. las, sejam elas brasileiras ou não. Uma
Aquilo que é mais rápido de se identi- reflexão ampla – na mídia esportiva,
ficar – as diferenças corporais várias de por exemplo - e uma intervenção pon-
forma e gestual como as deficiências, tual – em contextos socioeducativos e
o tamanho, o gênero e a sexualidade, mesmo de alto rendimento – acolheria
as habilidades – vai ser o gancho para cada ocasião dessas para explorar o tema
expressões típicas de uma disputa que do desenvolvimento moral, das normas
apela para a imoralidade. As práticas es- elementares de convívio social. Trata-se
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portivas são disputas que ocorrem num de fazer valer esse momento para deba-
enquadre cooperativo de concordância ter e instruir regra social, não pelo viés
de que as regras valem igualmente para de sua heteronomia, mas de como elas
todos. Sendo disputas, elas exercitam e nos dizem respeito a todos, a fim de que
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à Psicologia do Esporte? um mergulho na intencionalidade do
Cristiano Barreira - Chegou sim e o lutador, daí ser necessário ir ao encon-
caso do MMA traz à tona um dilema, tro da experiência vivida pelo atleta. Mas
de delicado enfrentamento, acerca das há ainda a questão da degradação física,
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é domínio de
MMA incitar à violência do Esporte?
ou não, principalmente Cristiano Barreira - Já
entre jovens. Sabe-se em 1965, desde o pri-
muito pouco a respei-
to disso, mas o que há
de pesquisa científica
determinada meiro congresso inter-
nacional de Psicologia
do Esporte há a par-
já feita tende a mostrar
que não há relação. Mas abordagem ticipação do Brasil no
cenário internacional.
não se pode dizer que Mas o aprofundamento
haja uma palavra definitiva sobre o as- e a consistência da área é mais recente
sunto. Como crianças e jovens não vão no Brasil, remontando ao fim da década
deixar de estar expostas às imagens das de 1990, início dos anos 2000. E vem se
lutas, a recomendação que pode ser feita fortalecendo, com inserções no âmbito
é para que pais e educadores conversem internacional e pesquisadores vincula-
sobre as diferenças entre a modalida- dos em instituições de vários países, am-
de e a violência, acentuando a ética de pliando-se o interesse de fora por aquilo
trabalho dos lutadores, sem deixar de que fazemos aqui. Em 2016, foi criado
alertá-los para o perigo físico que cor- o primeiro GT de Psicologia do Espor-
rem, mas frisando que se sujeitar a isso te na Associação Nacional de Pesquisa e
é uma escolha deliberada deles. Contra Pós-graduação em Psicologia (Anppep).
essa recomendação, porém, concorre Esse grupo reúne profissionais colabo-
o interesse de mercado. Grandes even- radores e professores credenciados em
tos estimulam exposições de rivalidade programas de pós-graduação, buscando
com base em ofensas pessoais entre os uma unidade maior, uma interlocução
lutadores. Como o pico da narrativa des- maior para que a produção de conheci-
sas desavenças se concluiria no cage, isso mento e o campo se fortaleçam atentos à
tornaria os combates mais atrativos. A realidade esportiva brasileira e ao prota-
mensagem que é passada com isso não gonismo científico de seus pesquisado-
poderia ser pior. Ela salienta a agressão res. Isso favorece uma visão mais com-
física como meio para solucionar con- plexa e menos técnica ou instrumental
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flitos, dando ao MMA uma conotação da área, assim como promove o aperfei-
violenta que se opõe à ética esportiva e çoamento das técnicas e instrumentos,
também à das tradições marciais. Como fornecendo mais garantias para o seu
vimos, há uma distância entre a expe- bom uso. Definitivamente, a Psicologia
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riência normalmente não violenta dos do Esporte não pode ser vista nem pra-
lutadores e essa conotação, que inte- ticada apenas como técnica, ainda que
ressa a um mercado de entretenimento se valha de técnicas e instrumentos cuja
esportivo. O psicólogo do esporte, toda- aplicação tem sua eficácia. O grupo da
via, lida diretamente com outra realida- Anpepp materializa um investimento
intelectual coletivo que aposta no en- Para começar, há uma relação temporal
riquecimento da Psicologia do Esporte de causa e efeito ao se ocupar o tempo de
pelo reconhecimento de sua especifi- jovens tirando-os das ruas. Não se trata de
cidade e pela valorização de suas várias deixá-los sem tempo livre, mas de quali-
interfaces. ficar seu tempo com práticas organizadas,
em convívio comunitário no qual há re-
Na Psicologia do Esporte, as discussões ferências dadas pela presença de adultos
internas hoje se dão a partir de uma formados para atuarem com eles. Uma
maior problematização epistemológica. coisa é jogar futebol como prática orga-
Junto a isso há o enriquecimento de abor- nizada e outra é só jogar futebol de rua,
dagens em interface com perspectivas sem figuras de autoridade e referência dos
em psicologia diversas, como a Gestalt, a valores que se organizam esportivamen-
análise do comportamento, a psicanálise, te. Aí, como comentava antes, esses valo-
a comportamental, a psicologia positiva, res estão mais sujeitos a se distorcerem
a psicologia analítica, a fenomenológi- mimeticamente, que é quando todas as
co-existencial. Isso compõe o enriqueci- práticas discriminatórias e de propensão à
mento epistemológico e fomenta novas violência podem ocorrer mais facilmente.
discussões. A Psicologia do Esporte não O excesso de tempo livre, somado à falta
é domínio de determinada abordagem e de expectativa, isto é, ficar sem fazer nada
também não é uma área isolada que não e sem perspectiva de ter o que fazer, se
conversa com as demais áreas. Ela se en- contrapõem ao tempo ocupado com uma
riquece e depende destas interfaces para prática organizada como as artísticas e es-
continuar se qualificando e, consequen- portivas, em que modelos de vidas éticas
temente, agregar conhecimento mais são colocados em movimento. Trata-se
consistente e abordagens mais apropria- de ter uma compreensão da alteridade e
das às realidades que encontra. de como eu me posiciono no empenho
nas atividades que realizo, conseguindo
Diálogos – Quais são as consequências enxergar, pela valorização do outro, a me-
da falta de investimento no esporte? lhora naquilo que faço e que sou capaz
Cristiano Barreira - Mais do que corte de de fazer, o que se converte num tipo de
direitos, a consequência desse corte seria cuidado psíquico, numa ética voltada ao
o de aumento da própria insegurança. reconhecimento de mim mesmo. Perce-
Quando ocorrem cortes na cultura e no ber que o engajamento em determinada
esporte, com redução ao fomento des- atividade, que é repetida e tem continui-
sas práticas e diminuição das condições dade, faz o efeito de melhora, diz respeito
materiais para haver envolvimento e va- a como posso me aperfeiçoar. Em situa-
lorização da dignidade do jovem como ções sociais em que jovens estão despro-
protagonista de sua vida e de sua própria vidos de figuras de cuidado, a promoção
formação, abre-se mais margem à sua material e humana de ambientes de arte e
vulnerabilidade. Arte e esporte colocam esporte as coloca em contato com figuras
os jovens em contato com modelos e va- efetivas de cuidado ético.
lores éticos que só podem se
materializar com força exis-
Foto: Mariana Leal
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isso de contraprodutividade
paradoxal, citando exemplos
de como certos modos de
se buscar mais saúde, pro-
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Revista Diálogos
Foto:Satiro Sodré/SSPress
Contra o abuso sexual
Detentora de recordes nacionais e
internacionais, Joanna Maranhão é nadadora
conhecida do público. Há dez anos
denunciou o abuso sexual que sofreu de seu
treinador quando tinha 9 anos. A denúncia
foi o primeiro passo. O caso de Joanna
deixou um marco na legislação brasileira
que trata de crimes de abuso sexual, estupro
e atentado violento ao pudor. Em 2012,
foi aprovada a lei “Joanna Maranhão”, que
muda as regras para casos dessa natureza. A
prescrição do crime passou a valer a partir
do momento em que a vítima completa 18
anos e não quando o crime foi cometido.
Em 2014, a atleta deu um passo adiante
e criou a ONG Infância Livre, dirigida as
crianças da rede pública que sofreram
abuso sexual. A sede é na sua Recife natal.
Por meio de encaminhamentos, práticas
esportivas, palestras, conscientização
e educação sexual, a ONG combate ao
abuso e exploração sexual nas escolas e
espaços frequentados por crianças. Em
quatro anos, 200 atendimentos e mais
de 50 palestras foram realizados em todo
o país. Além dessas atividades, o projeto
Infância Livre estabeleceu parcerias com
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o projeto Emancipa Esporte, e promove
aulas de natação para 50 jovens da região
da Pampulha, e junto à Associação Esporte
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Foto: Divulgação
A história começou há mais de 15 anos. Dois
jovens de classe média treinavam rugby, esporte
de origem inglesa, elitizado e praticamente
desconhecido no Brasil, nos espaços públicos do
Morumbi, bairro de classe média alta em São Paulo.
Logo, as crianças da comunidade pobre e carente
da vizinha Paraisópolis se interessaram pelo
jogo. De plateia animada e curiosa, começaram a
aprender as regras do jogo e a treinar junto. Dessa
interação nasceu o Projeto Rugby para Todos, que
desde então apoiou a formação pessoal de 5 mil
crianças e jovens. E também criou uma geração de
atletas de alto nível, que representam faculdades,
clubes da primeira divisão paulista e as seleções
nacionais juvenis e adultas, masculinas e femininas.
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Revista Diálogos
Artigo
Projetos
Sociais na
Psicologia
do Esporte:
possibilidades
e desafios
na atuação
16 profissional
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DESAFIOS
Esse alerta faz-se necessário, pois corremos o risco que
a Psicologia do Esporte seja percebida, apenas, como
saber acessório às práticas vigentes e tradicionais do
esporte e da atividade física, especialmente na lógica
da normatização da vida privada e pública. A maior
parte dos colegas quando vão a congressos ou a cursos
procuram saber apenas da parte operacional, como as
técnicas e o modo como cada profissional faz. É salutar
a busca, no entanto, as práticas, quando não refletidas,
podem recair na reprodução ideológica, transforman-
do a Psicologia em instrumento de dominação e ajuste
de pessoas que estão em desacordo com o sistema so-
cial.
A Psicologia do Esporte tem desafios próprios, sendo os
mais importantes deles: viabilizar novas formas de atu-
ação adequadas às demandas atuais de nossa sociedade
e teorizar sobre a importância do desenvolvimento hu-
mano pelo esporte e proteger a diversidade no exercí-
cio da subjetividade.
17
2001, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
(CRP/SP) debateu as diferentes possibilidades da práti-
ca, diferenciando a Psicologia no e do esporte. Foi um
marco fundamental, pois a Kátia Rubio, coordenadora
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por injustiças, desigualdades, baixo transformar, criar situações que re-
investimento e agora um temeroso flitam as ações, e buscar as poten-
retrocesso geral aos direitos garan- cialidades humanas e das comu-
tidos em 1988. nidades encontradas nos contatos
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individuais e coletivos.
Temos um país cuja característi-
ca marca a péssima distribuição de O número de organizações sociais
renda e guarda como paradoxo fun- não governamentais de interesse
público cresceu muito nos últimos senvolvê-lo como uma prática de
anos e grande parte delas já utili- cooperação e participação, permi-
zam nos seus programas o esporte tindo, dessa maneira, o acesso aos
como linguagem para os processos poucos habilidosos, ao que “poucos”
educativos desejados. Nesses pro- muito habilidosos têm tido condi-
gramas, o esporte é articulador de ção de usufruir. É fundamental um
ações educativas, com atividades trabalho interdisciplinar para que
que enfatizam a saúde, a arte e o se alcancem os resultados deseja-
apoio à escolarização. Vários pro- dos, contudo, o mais importante é
jetos educativos interdisciplinares que a equipe recorra ao esporte e
são apresentados às crianças visan- não as outras questões tradicionais
do à construção participativa orien- de ensino para atacar a problemá-
tada nos princípios da educação tica a ser solucionada. É importan-
pelo esporte. Assim, o profissional te marcar isso, pois muitos colegas
precisa trabalhar, por meio do es- querem recorrer à Psicologia do
porte, da atividade física e lúdica, Esporte, mas atuam na prática com
com a subjetividade de cada crian- outras técnicas e ferramentas que
ça, buscando desenvolver noções de representam, por exemplo, o mo-
cooperação, mesmo em situações delo clínico tradicional. Os profis-
competitivas, disciplina, compro- sionais que atuam no esporte e em
misso, trabalho em equipe, lidar projetos sociais, sobretudo, preci-
com sensações de vitória e derrota, sam compreender que, caso pre-
desenvolvimento psicomotor, além cisem falar de “setting”, que este
de um trabalho de orientação às fa- seja entendido como as quadras e
mílias. os campos. Ou seja, onde a prática
ocorre e não numa salinha no mo-
LEITURA CRÍTICA delo clínico médico. Para este mo-
Cabe ao psicólogo mostrar que o delo já temos muitos profissionais.
esporte não tem apenas o caráter O desafio é ser psicólogo do esporte
competitivo e especializado. O pro- e encontrar nas características das
fissional tem a possibilidade de de- atividades desenvolvidas as solu-
ções procuradas.
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Revista Diálogos
Cabe aqui fazer uma leitura crítica da subjetividade, das práticas polí-
com a perspectiva de superar a vi- ticas.
são simplista do esporte como via
de ascensão social e formação de Volto a reafirmar, por fim, o que ve-
futuros atletas, pois o esporte surge nho produzindo e escrevendo des-
como sendo a salvação para a po- de 2003, que o paradigma proposto
breza e para marginalidade, e isso é para atuação dos profissionais da
um reflexo da propaganda ideológi- Psicologia do Esporte é que onde
ca veiculada pela mídia, associando houver ser humano desenvolven-
o esporte com habilidade, dinheiro, do-se no e pelo esporte sua pre-
fama e poder. Além disso, o que se sença será fundamental para pro-
tem notado em muitos projetos que porcionar à população atendida a
envolvem esporte é que o foco é a descoberta de outras possibilidades
especialização precoce, preparan- na construção de uma identidade
do crianças e adolescentes para a tendente à emancipação, atualmen-
competição e visando a criação de te vetada não só pela desigualdade
talentos, sem grandes preocupa- social, mas principalmente pela
ções com aspectos afetivo-cogniti- desigualdade de direitos e deveres.
vos que serão despertados por esta Nestes aspectos, o papel do psicó-
prática. Excluindo dessa forma os logo do esporte em projetos sociais
menos hábeis. Pelo contrário, vale é único e indispensável quando da
dizer que o esporte pode ser educa- integração em equipes multidis-
tivo se conservar sua qualidade lú- ciplinares. É nesta instância, a da
dica e a espontaneidade, sendo este profunda análise dos processos que
um ponto para a vivência prazerosa envolvem o esporte, que o trabalho
da criança com o esporte. do psicólogo se diferencia de outros
profissionais também envolvidos
EMANCIPAÇÃO com as questões esportivas.
As vivências nos projetos esportivos
pelos quais tive o prazer de atuar
demonstraram que esta interven- REFERÊNCIAS
ção educativa pode servir para as
crianças como um ambiente pro- Comissão de Esporte do Conse-
motor de saúde e das mais diver- lho Regional de Psicologia de São
sas habilidades, além de seguir a Paulo. A Avaliação Psicológica no
disputa de mantê-las conscientes Esporte ou os Perigos da Norma-
sobre os riscos das drogas e da vio- tização e da Normalização. In: Ru-
lência. O esporte, principalmente bio, K. (org.). Psicologia do Esporte:
a educação pelo esporte, pode agir Interfaces, Pesquisa e Intervenção.
transformando potenciais em com- São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
petências para a vida daqueles que
têm oportunidade de passarem por RUBIO, Katia. O trajeto da Psicolo-
essa experiência. gia do Esporte e a formação de um
campo profissional. In: K. Rubio
Poucos psicólogos estão atuando (org.) Psicologia do Esporte: inter-
nesses projetos, pois a maioria dos faces, pesquisa e intervenção. São
profissionais opta por trabalhar Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
juntos aos esportes de rendimento
e a Psicologia, enquanto profissão, SILVA, Fábio Silvestre. Projetos so-
ainda não possui esta como uma de ciais em discussão na psicologia do
suas bandeiras políticas. Então, é esporte. Revista Brasileira de Psico-
nossa responsabilidade, e também logia do Esporte, São Paulo, v. 1, n.
dos futuros psicólogos, entrar nes- 1, p. 1-12, dez. 2007.
se meio tão rico em possibilidades,
mas carente de estudos aprofunda- SILVA, Fábio Silvestre da; RUBIO,
dos. O desenvolvimento da Psicolo- Katia. Um jeito novo de jogar na
gia do Esporte atuante em projetos medida: o futebol libertário. Rev.
sociais depende, portanto, de refle- bras. psicol. esporte, São Paulo, v. 2,
xões consistentes sobre o exercício n. 2, p. 1-18, dez. 2008.
O esporte pede
socorro: O que a
Psicologia tem
a ver com isso? 21
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
22
cas públicas voltadas à democratização
Daniel Dias e Clodoaldo Silva, nadado- de acesso e da prática esportiva reforça
res paralímpicos, somados, possuem a exclusividade do esporte, o qual po-
38 medalhas paralímpicas, das quais derá ter incidência na saúde pública,
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
23
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
na forma como a organização do es- serem ofertados e os responsáveis pela
porte está concebida, pois pouco há sua execução”. Ainda de acordo com o
sobre o regimento de atividades físicas Ministério do Esporte, essa lei discipli-
e esportivas, além de linhas e normas nará também as questões do “finan-
gerais, carecendo de políticas públicas ciamento do esporte, dos mecanismos
e formas de organização voltadas à te- de controle e participação social, bem
mática. Também é predatória a favor como a política de recursos humanos
do esporte de rendimento a forma de e formação continuada dos integran-
distribuição de recursos: em relação ao tes do SNE”. O objetivo é “cumprir o
SND, o Tribunal de Contas da União preceito constitucional do direito de
constatou, em 2014, alto percentual cada cidadão brasileiro durante toda
de recursos públicos federais aplicado a vida ao esporte, tornando o setor
no esporte de rendimento, com baixo uma política de Estado, consolidando
percentual de incentivos privados ou o esporte como uma política pública
de estatais, e alto grau de dependência estruturante pela democratização do
dos recursos da Lei Agnelo/Piva para acesso, em especial das crianças e dos
gastos de custeio. jovens, e a potencialização do esporte
de rendimento”.
A Lei Agnelo/Piva é um aditivo ao ar-
tigo 56º da Lei Pelé e dispõe sobre a Na contramão dessa tendência mun-
destinação, distribuição e aplicação de dial na democratização do acesso ao
recursos financeiros resultantes da ar- esporte, o governo federal sancionou a
recadação das loterias federais para o Medida Provisória nº 841 (MP 841), que
COB e o CPB. Para minimizar o des- dispõe sobre a transferência de recur-
compasso no vetor de investimento sos da Loteria Federal para o Fundo de
entre o esporte de rendimento e outros Segurança Pública. Como mostrado
esportes, essa lei determina também a acima, boa parte dos investimentos
obrigatoriedade de investimento no esportivos no Brasil (cerca de 97%, de
esporte escolar (10%) e universitário acordo com um relatório do TCU) são
(5%) por ambas as entidades. Outra lei resultantes de verbas públicas. A MP
que versa sobre incentivos financeiros 841 retira cerca de R$ 514 milhões por
para o esporte é a Lei de Incentivo ao ano do esporte. Os efeitos desse rema-
Esporte (Lei nº 11.438/2006), que fo- nejamento de recursos ainda atingem
menta projetos desportivos e parades- as áreas da saúde, cultura, educação
portivos previamente aprovados pelo e assistência social. Tendo em vista o
Ministério do Esporte por meio da de- poder de transformação social do es-
dução de impostos de pessoas físicas e porte, os prejuízos são incalculáveis e
jurídicas. sem precedentes, colocando em risco
programas como o Bolsa-Atleta e o
Dessa maneira, nota-se que a organi- Bolsa Pódio, que já enfrentaram re-
zação sistêmica do esporte brasileiro dução após as Olimpíadas do Rio de
regido pela Lei Pelé foi sendo ajustada Janeiro de 2016, e outros tantos proje-
com outras legislações para minimizar tos que tem a finalidade do desenvol-
os efeitos da primazia do esporte de vimento social tendo o esporte como
rendimento e do futebol. No entan- instrumento. Por pressão e coalizão de
to, mesmo com esses ajustes, é pos- várias entidades esportivas, inclusive
sível perceber que os recursos ainda do próprio Ministério do Esporte, o
são majoritariamente aplicados no governo federal alterou o texto da MP
esporte de rendimento e que isso di- 841 e ele perdeu os efeitos aqui descri-
ficulta o processo de democratização tos. No entanto, essa medida mostra o
do esporte. Isto é, mais do que o fluxo grau de relevância que o atual governo
de recursos e investimentos, o proble- dá ao esporte.
ma maior é o próprio sistema. Com
isso, em 2015, um grupo de trabalho De acordo com manifesto redigido
foi designado pelo Ministério do Es- em conjunto pelo Comitê Olímpico
porte para discutir nova proposta de Brasileiro (COB), Comitê Paralímpi-
Lei de Diretrizes e Bases do Sistema co Brasileiro (CPB), Comitê Brasileiro
Nacional do Esporte (SNE). Segundo de Clubes (CBC), Confederação Bra-
o Ministério do Esporte, “o SNE está sileira do Desporto Escolar (CBDE),
sendo construído para organizar os Confederação Brasileira do Desporto
entes públicos, privados e do terceiro Universitário (CBDU), Organização
26
tégia de promoção do desenvolvimen- logo o projeto tomou outros rumos e, no
to humano. Dessa forma, os servidores mesmo ano, foi estendido às unidades de
da rede municipal de educação Ronnie educação infantil. O atendimento a todas
Melo, João Carlos Silveira e Alexandre as crianças, a atenção às crianças com defi-
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
27
Dezembro de 2018
Na educação infantil, o jiu-jitsu Essas ações não geraram
foi apresentado inicialmente custos aos pais, que pude-
como estratégia de promoção ram acompanhar seus
do desenvolvimento humano filhos em todas as
e de formação de atletas e aos atividades, cum-
poucos foi ampliando seu es- prindo uma das
copo para o desenvolvimento finalidades do
do potencial de cada criança projeto, afilia-
e para a promoção do desen- ção dos pais.
volvimento integral conside-
rando as diversas dimensões INSPIRAÇÃO
- afetivas, sociais, motoras, A metodolo-
cognitivas, destacando-se o gia teve grande
potencial pedagógico das lutas. aceitação por parte de
toda a comunidade e os
NOVOS PARADIGMAS alunos puderam partici-
Com o decorrer das ativida- par de eventos importantes
des, seus idealizadores pas- da cidade, como o Campeo-
saram a alimentar a ideia de nato Amazonense de Jiu-Jit-
utilização do jiu-itsu no con- su, que criou uma categoria
texto da educação inclusiva, especial para os/as atletas do
assim o projeto chegou à Es- projeto chamada “Inspira-
cola Municipal André Vidal ção”. Ao premiá-los, o sensei
de Araújo, destinada ao aten- e grão-mestre Osvaldo Alves
dimento de estudantes com relatou que o esporte liberta
deficiência. A direção da uni- os estudantes, “no tatame
dade aprovou o projeto afir- eles estão livres”.
mando que a criança é o ator O faixa pre-
principal da escola e que seu ta Ronnie
papel era o de apoiar propos- Melo
tas de desenvolvimento inte-
gral dos estudantes.
28
ção no “Voo dos sonhos”, um
voo panorâmico pela cidade
de Manaus, e aulas de stand
up paddle (SUP), no Rio Ne-
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
Os idealizadores do projeto
acreditam que se você aju-
da o jiu-jitsu, o jiu-jitsu vai
auxiliar no seu desenvolvi-
mento. Eles são sonhadores
que acreditam nas intera-
ções e nas brincadeiras e,
para tanto, não medem es-
forços para oferecer o me-
lhor para as crianças, pois
consideram que as crian-
ças não são atletas em mi-
niatura, mas indivíduos que
necessitam de cuidado para
que cresçam felizes.
29
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
30
Revista Diálogos
Foto: Mariana Leal Relações Raciais
O racismo continua
em campo
Presente em várias modalidades
esportivas no Brasil, o
preconceito contra negras(os)
e indígenas fez surgir iniciativas
de enfrentamento ao ódio racial
31
atletas famosos, não temos tanta repercus-
Cristianne são dos casos e ficamos com a falsa impres-
são que diminuíram.”
Carvalho: a
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
discriminação
resiste
AMBIGUIDADE DEBATE
Anualmente, o Observatório divul- São poucas as(os) negras(os), as(os)
ga um relatório com registros de pardas(os) e indígenas ocupando
casos de racismo. Em 2014, foram cargos decisórios no esporte. E tam-
20. O número aumentou em 2015: bém são poucas(os) as(os) atletas
35 registros. Houve uma queda em negras(os) em certas modalidades
2016, com 25 casos. O que parecia esportivas. No artigo “Preconcei-
um avanço, entretanto, não se repe- to racial no esporte nacional”, de
tiu, apesar de diversas campanhas 2015, Fabrício Gregório, especia-
de conscientização. lista em Educação para as Relações
Étnico-Raciais, e Beatriz Medeiros
Marcelo Carvalho nota um posicio- de Melo, doutora em Sociologia,
namento ambíguo das torcidas. Se- ambos formados pela Universida-
gundo ele, de modo geral, falam de de Federal de São Carlos (UFsCAR),
racismo e exigem punição, quan- destacam que “os padrões de acesso
do o caso é com o time adversário. e participação da população negra,
“Se envolver seu clube, no entanto, em certas modalidades, são desi-
muitos tendem a diminuir o caso guais se comparados à população
ou defender o acusado e culpar a branca. Em algumas modalidades
vítima. Podemos dizer que muitos esportivas praticamente não há pes-
torcedores não estão de fato preo- soas negras”. Eles citam como exem-
cupados em combater o racismo e plos o hipismo, o golfe, a natação, o
o clubismo fica acima da luta contra automobilismo, o polo aquático, o
a discriminação racial.” tênis e outros esportes considerados
“finos”, ou seja, da classe dominante.
O racismo é realidade em várias Já esportes considerados populares,
modalidades esportivas. No fute- como o atletismo, as lutas e uma
bol, o número de casos é maior, boa parte das modalidades coletivas,
mas já monitoramos histórias no como futebol, basquetebol e hande-
vôlei, futebol americano, basquete, bol, são praticados mais comumen-
atletismo e ginástica artística, revela te pelas(os) afrodescendentes.
o diretor. “Sem falar que uma das
formas que podemos perceber é a A professora Cristianne Carvalho
inexistência de atletas negros em lembra que a Psicologia do Espor-
esportes não populares e nos quais te dedica-se a cuidar da pessoa que
é necessário um alto investimento.” pratica atividade física, indepen-
dentemente da faixa etária, da mo-
Quando o futebol chegou ao Bra- dalidade esportiva ou dos objetivos
sil era considerado um esporte de no esporte, que podem estar volta-
elite. Logo, as grandes competições dos à iniciação esportiva, reabilita-
não permitiam negras(os). De acor- ção, lazer e recreação, ao esporte
do com o Observatório Racial do de alto rendimento ou, ainda, a re-
Futebol, o registro de “pessoas de abilitação. “Como especialidade do
cor” foi proibido no futebol cario- fazer psicológico, a Psicologia do
ca em 1907, depois que um jogador Esporte está atenta e atuante dian-
negro jogou pelo Bangu, em 1905. te dos diversos fenômenos biopsi-
A situação ocasionou tentativas de cossociais presentes naqueles que
disfarçar a cor. Arthur Friedenrei- praticam esportes e atividade física
ch, primeiro “craque” do futebol ou que estejam relacionados a esse
brasileiro e filho de um alemão com contexto.”
uma negra, esticava o cabelo para
“parecer mais branco”. Em sua tese de doutorado sobre a
História da Psicologia do Esporte
A primeira punição contra racismo no Brasil (UERJ, 2012), a professo-
a um clube no Brasil, de acordo com ra resgatou algumas das primeiras
o observatório, ocorreu apenas em referências à Psicologia na literatu-
32
2005. À época, o Juventude, time ra cientifica da época da Educação
do Rio Grande do Sul, perdeu dois Física no país. Em artigos de peri-
mandos de campo e foi multado em ódicos da área do início do século
R$ 200 mil por atos racistas contra o XX, “alguns autores estabeleciam
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
Os reflexos ou as consequências da
Modernidade ou da Pós Moderni-
dade, como preferem alguns au-
tores, redefiniram e criaram novos
padrões de comportamento, modos
de pensar e agir no mundo. Estabe-
leceram, então, novas fronteiras nas
relações entre o público e o privado.
Os valores morais e o uso de tecno-
logias impulsionaram mudanças e
avanços no universo técnico e cien-
tífico das diversas áreas de conhe-
cimento, como explica Cristianne
GAVIÕES NO FUTEBOL
O Gavião Kyikatejê foi o primeiro time masculino de futebol indíge-
na a disputar a elite de um estadual de futebol brasileiro, estreando
no campeonato paraense em janeiro de 2014. Atualmente, está na
série B, mas na próxima temporada pretende subir outra vez para
a A. A equipe é formada por indígenas e não-indígenas e tem um
propósito: lutar pela inclusão e dar visibilidade ao povo indígena.
Infância, adolescência e
Ana Flávia Flôres
go caminho a percorrer para superar o quadro volvimento das relações sociais. Isso porque
de sedentarismo da sua população. De acordo mesmo as modalidades individuais são, ge-
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- ralmente, praticadas dentro de um grupo. “As
tística (IBGE), seis em cada dez brasileiras(os) próprias situações de dividir espaços, de or-
com 15 anos ou mais não praticam esporte ou ganizar as regras, de distribuir oportunidades,
atividade física regularmente. de lidar com as frustrações são aprendizados
importantes para crianças e adolescentes e que
O dado alerta para a quantidade de pessoas sub- são promovidos de forma efetiva pelo espor-
metidas aos riscos de uma vida sedentária – que te”, avalia Marisa.
incidem sobre aspectos como saúde, produtivida-
de e qualidade de vida – e também revela o quanto Ainda no universo da infância e da adolescên-
uma ferramenta promotora de desenvolvimento cia, a prática regular de atividade física resulta
e direitos humanos tem sido negligenciada. no desenvolvimento de capacidades motoras,
como saber correr, rolar e saber sentar. Tra-
Embora essa seja uma faceta pouco reconhe- ta-se do primeiro passo para a percepção do
cida, as atividades físicas e esportivas consis- próprio corpo e do uso deste corpo em situa-
tem em elementos de grande relevância na ções que vão além da prática esportiva.
promoção do desenvolvimento nacional e do
desenvolvimento humano, como ressalta o TRANSFORMAÇÕES PARA A VIDA
Relatório Nacional de Desenvolvimento Hu- A prática esportiva contribui para o desen-
mano do Brasil - Movimento é vida: ativida- volvimento de uma consciência social e tam-
des físicas e esportivas para todas as pessoas, bém amplia a percepção sobre aspectos que
do Programa de Desenvolvimento das Nações incidem diretamente na qualidade de vida e
Unidas (Pnud). Entre os fatores que justificam que acompanharão a pessoa ao longo de toda
esse entendimento estão o papel das práticas a sua trajetória. Trata-se de comportamentos
esportivas como aliadas importantes na pro- e atitudes focadas em cuidados com a saúde
moção de relações que fomentam a amizade e em uma perspectiva ampla, como alimenta-
a paz entre grupos, povos e nações, a relevante ção, respiração, consciência corporal e men-
participação delas no lazer e seu potencial im- tal e, até mesmo, escolhas com relação ao tipo
pacto na saúde, educação e economia. de transporte utilizado para os deslocamentos
cotidianos.
VALORES, IGUALDADE E AUTOCONHECIMENTO
De acordo com Marisa Markunas, professo- “Quando a pessoa está habituada a praticar ati-
ra do curso de especialização em Psicologia vidade física desde a infância e a adolescência,
do Esporte do Instituto Sedes Sapientiae, por passando pelas fases da vida adulta e chegando
meio da atividade física e esportiva é possível à fase do envelhecimento, a gente verifica que
compreender questões como a promoção de os benefícios são inúmeros. Há uma diminui-
valores e de dignidade humana de uma ma- ção do risco de doenças, principalmente das
neira muito ampla. Além disso, trata-se de um crônicas, e a pessoa tem mais disposição, mais
entendimento que começa a ser construído energia para lidar com as adversidades da ro-
cedo, ainda na infância. “A estrutura das ati- tina diária”, afirma Luciana Ângelo, coordena-
vidades precisa promover oportunidades mais dora do curso de aperfeiçoamento e especiali-
próximas do que chamamos de igualdade. Em zação em Psicologia do Esporte e do Exercício
termos práticos, não posso colocar uma crian- do Instituto Sedes Sapientiae.
ça ou adolescente que não conhece uma mo-
dalidade para competir com um adulto que Embora os benefícios sejam diversos, é funda-
é especialista nela. Nesse contexto, trabalhar mental o entendimento de que a prática espor-
35
direitos humanos significa ofertar oportuni- tiva consiste em um direito das pessoas, e não
dades em que as condições sejam mais iguais.” em um dever. “As atividades físicas e esporti-
vas realmente auxiliam no desenvolvimento
Outra consequência da prática esportiva por humano quando a gente tem na realização
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
crianças e adolescentes consiste no desen- dessa atividade uma decisão da pessoa, quan-
do damos a ela o poder de escolher
Confira o levantamento do Pnad* sobre
livremente e conscientemente aquilo
que gostaria de fazer”, complementa.
76%
na vida adulta. “Crianças e adolescen-
tes têm ao menos algum contato com
práticas esportivas dentro da escola
ou em projetos sociais. Mas quando
você sai do ambiente formal da esco-
la e passa a viver as atividades da vida das(os) brasileiras(os)
adulta, onde ocorre a prática de ativi- não praticam esporte
dade física? Não existem ofertas com
facilidade, quase não há possibilida-
des estruturadas que oportunizem às
Motivos:
pessoas uma vida distante do seden-
tarismo”, avalia Marisa Markunas. Falta de tempo Não gostar ou
não querer
Para além do pouco estímulo, outro 38,2%
fator que contribui para o sedenta- 35%
rismo na fase adulta é a ausência de
formação educacional voltada para
a autonomia do indivíduo com rela-
ção à prática esportiva. Por exemplo,
quantas pessoas estão aptas a pratica-
rem corrida de rua ou ciclismo com a
segurança e a consciência necessárias
para que a atividade física não deixe
de ser um benefício para se tornar
um problema? Para a especialista,
esses fatores, associados à rotina e às
demandas da vida adulta, fazem com
que aquela criança ou adolescente Outros Problema de
que foi estimulado e usufruiu dos be-
nefícios da prática esportiva na fase 1,5% saúde ou idade
inicial da sua vida perca o costume de
se exercitar com frequência.
Não ter 19%
companhia
Falta de instalações
PARCEIRA NO ENVELHECIMENTO 1,7%
O esporte permite que diversas ca- esportivas acessíveis
pacidades e habilidades sejam desen-
volvidas ou estimuladas. Para além Problema ou nas proximidades
dos benefícios do ponto de vista financeiro 2,7%
biológico, também há consequên-
cias como desenvolvimento da parte 1,9%
cognitiva, ampliação da percepção,
da concentração e da capacidade de
tomada de decisões. Do ponto de vis- O estresse e sedentarismo causam uma reação em
ta social, ainda permite a interação
entre as pessoas. “Com todos esses
principais causas do aumento da in
componentes, o impacto que o pro-
36
cesso de envelhecimento provoca é
minimizado com a prática frequen-
te de atividade física”, explica Franco
Noce, doutor em Psicobiologia e co-
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
24%
Minas Gerais (UFMG).
das(os) brasileiras(os)
praticam Entretanto, se a taxa geral de brasi-
leiras(os) que pratica atividade física
esporte é baixa, ela cai drasticamente quan-
do o recorte etário é de pessoas com
60 anos ou mais. Nesse grupo, apenas
13,4% praticam algum esporte, segun-
do a Pesquisa Nacional por Amostra
42,7% de Domicílios (Pnad) de 2015, sendo
que 70,7% das(os) brasileiras(os) ido-
sas(os) nunca praticaram esporte.
desempenho qualidade
de vida ou o RISCO
físico Todas(os) as(os) especialistas concor-
bem estar
19,9% dam com a relevância da prática es-
26,8% portiva para a qualidade de vida de
cada indivíduo, mas também para a
construção de uma sociedade mais
justa, igualitária e tolerante. Seja no
início da vida, quando corpo, men-
te, personalidade e percepções de
m cadeia no nosso organismo e mente e é uma das mundo estão em intenso processo de
ncidência de várias doenças, como: construção, seja nas etapas que a su-
cedem e consolidam a fase adulta, a
prática esportiva não pode ser aban-
donada sob risco de termos uma so-
ciedade cada vez mais doente não só
do ponto de vista biológico, mas tam-
37
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
*PNAD 2015
Andréa Pesca:
avaliação
38 psicológica é
mais ampla do
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
que um teste
psicológico
Foto: Mariana Leal
Avaliação Psicológica
Instrumento a serviço da(o) atleta
“A avaliação psicológica no contex- Gerais (CRP 4ª Região), a avaliação é
to esportivo permite traçar habili- um estado permanente de atenção
dades e competências da (o) atleta da (o) psicóloga (o) frente seu objeto
para ajudá-lo a lidar com suas fra- de estudo ou trabalho. “Estamos o
quezas, manter e equilibrar suas tempo todo observando, avaliando,
forças e conhecê-lo como um todo.” levantando hipóteses e reavaliando
É o que afirma Andréa Duarte Pes- ações e resultados, sempre conside-
ca, psicóloga do Esporte, professora rando as particularidades de cada
do Complexo de Ensino Superior modalidade e sua periodização.”
de Santa Catarina (Cesusc) e pesqui-
sadora da Universidade Federal de A avaliação psicológica é utilizada
Santa Catarina (UFSC). em diversos contextos esportivos.
“Nos clubes de alto rendimento e
Ela ressalta que devemos olhar para de iniciação esportiva, por exem-
uma (um) atleta como um ser huma- plo, ela serve para traçar perfis psi-
no que está em desenvolvimento de cológicos, avaliar as relações sociais
suas crenças e valores, muitas des- da equipe e também identificar li-
sas estabelecidas em seu contexto deranças. Também é usada na área
familiar, portanto, antes mesmo de de desenvolvimento pessoal”, expli-
estar no contexto esportivo. Todos ca Gomes. A avaliação psicológica
estes aspectos devem ser levados é uma ferramenta poderosa para
em consideração na hora da avalia- a tomada de decisão e pode trazer
ção e somente após a aprovação do benefícios para os indivíduos no
atleta é que os resultados desse pro- desenvolvimento de habilidades
cesso serão repassados à comissão especificas.
técnica para ajudar os demais pro-
fissionais a conhecerem essas habi- EXPERIÊNCIA
lidades e competências psicológicas A pesquisadora e psicóloga An-
do desportista e saber lidar com ele dréa Pesca faz avaliação psicológica
de maneira mais eficaz, produtiva e desde o início da sua trajetória em
saudável. Psicologia do Esporte, o que inclui
um clube de futebol profissional no
O psicólogo do Esporte Yghor qual trabalhou por quase nove anos
Queiroz Gomes revela que a ava- – experiência que abrange desde os
liação deve ocorrer sempre que se atletas em formação até a equipe
inicia ou implanta um programa de profissional. “Todas estas experi-
treinamento ou de intervenção. “É ências foram positivas”, afirma. As
importante levar em consideração dificuldades encontradas por ela fo-
que o processo de avaliação psico- ram a diferença de filosofia de tra-
lógica deve iniciar logo no primeiro balho com as comissões técnicas e
39
contato com a (o) atleta ou a equi- a incompreensão sobre o real valor
pe, lembrando que este processo de da avaliação. As dificuldades foram
avaliação é muito mais do que apli- poucas, e a maioria das (os) técnicas
car testes ou questionários.” Na opi- (os) utiliza os resultados da avaliação
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
COTIDIANO
Em se tratando da avaliação psi-
cológica existem alguns desafios.
Apesar da lei que instituiu a Psi-
cologia como profissão regula-
mentada estabelecer que a (o)
psicologa (o) é a única (o) profis-
sional habilitada para exercer a
atividade de diagnóstico psico-
lógico, na avaliação psicológica
isso não ocorre no nosso dia a
dia, denuncia Yghor Gomes. Se-
gundo ele, “temos profissionais
com outras formações oferecen-
do ou até mesmo fazendo este
trabalho, pessoas que desconhe-
cem as consequências prejudi-
ciais de uma avaliação psicoló-
gica de baixa qualidade técnica e
científica”.
40
nificado. De forma geral, explica
que a avaliação psicológica pode
ser definida como um conjunto
de técnicas e procedimentos que
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Revista Diálogos
42
Revista Diálogos
Foto: Beatriz Ferraz/Secom UnB
Universidade
Tornar-se profissional da
Psicologia do Esporte
Novas vocações surgem e caminhos
são traçados na universidade
44
o desejo de quem pratica o esporte e Se inserir na modalidade esportiva,
o exercício”. acompanhar treinos e jogos e con-
versar com a (o) técnica (o) do time
A BUSCA DE HUGO PINHO para desvendar “a trama da modali-
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
O psicólogo Hugo Soares Pinho sem- dade” são regras de ouro no ofício,
pre vivenciou o esporte. Como atleta assim como ler textos da área e tra-
– de basquete e futebol – e depois balhar com esportes de alto rendi-
na sua formação acadêmica e pro- mento.
Em esportes coletivos que deman- gidos.” O primeiro passo foi estabe-
dam relações interpessoais, o psi- lecer uma espécie de parceria com
cólogo criou momentos conjuntos as (os) técnicas (os). “Senão não fun-
com a equipe de futebol. Assim que ciona”. Depois, anamnese com cada
cada partida termina, ele faz atendi- uma (um) das (os) alunas (os) e mãos
mento em grupo e pauta a reflexão à obra com dinâmicas dirigidas às
sobre o jogo. “Dou a palavra para (aos) jovens e conversas com a fa-
que cada um fale de si mesmo e do mília. “Os pais criam muita expec-
outro, faço a dinâmica e discutimos tativa. Não tratam o esporte como
os erros e os acertos”, revela Hugo lazer, mas sim como mera compe-
Pinho. O objetivo não é eliminar os tição que pode gerar uma bolsa de
erros, mas sim elaborar os erros. estudos nos Estados Unidos”. Assim,
Esther aprendeu que seu papel era
Em termos de abordagem, embo- ajudar crianças e adolescentes a li-
ra a literatura indique a cognitiva dar com o estresse, com a tensão e
comportamental, todas as demais se divertir. O resultado na perfor-
conseguem lidar com a Psicologia mance é uma consequência, acre-
do Esporte. A Psicologia do Espor- dita.
te existe há mais de cem anos no
mundo e no Brasil apenas engati- ESPORTE, MENTE E EVOLUÇÃO
nha, lamenta o psicólogo, ao lem- Um dia o estágio acabou e a forma-
brar o Barcelona que contava com tura veio acompanhada de uma dú-
três psicólogos por atleta. Ou a se- vida. Era realmente este o caminho?
leção alemã, que na Copa de 2014, Seguiram-se meses de estudos,
no Brasil, trouxe apenas um depar- cursos on-line, leituras e reflexões.
tamento completo: o de Psicologia. E ela optou pela Psicologia do Es-
porte. A recém-formada abriu um
A APOSTA DE ESTER LIMA DUARTE consultório dedicado totalmente ao
Entre 2010 e 2016, Ester Lima Du- campo e instituiu a marca “Esporte,
arte viveu intensamente como atle- mente e evolução” para lidar apenas
ta de alto rendimento, viajou o Bra- com a Psicologia do Esporte. Hoje,
sil inteiro e participou de torneios ela tem clientes esportistas, a maio-
na sua especialidade – o tênis de ria crianças e adolescentes e, como
quadra na cadeira de rodas. Com a metodologia, envolve a (o) treina-
rotina pautada por treinos, viagens dora (or) e a família.
e mais treinos, ela se questionou
bastante, principalmente o pouco Em Sobradinho, cidade do Distrito
interesse que tinha na competição Federal, dá assistência a um gru-
por si só. “É preciso ter sangue no po de caratecas, alunas (os) de uma
olho”, reflete Ester, lembrando que academia. Atende ainda marato-
colegas atletas que amavam com- nistas, praticantes de judô, tenistas
petir conquistaram medalhas em e atletas paralímpicos. “Existe uma
competições paraolímpicas inter- demanda no Distrito Federal, mas
nacionais. Mas não era o seu caso. tudo é muito novo ainda”, afirma a
psicóloga. Ester continua treinando Regina
Simultaneamente, Ester Duarte
cursava Psicologia na UnB onde
e vivendo como uma atleta de alto
rendimento do tênis de campo em Pedroza:
conheceu e decidiu seu futuro na
Psicologia do Esporte. Á época, fez
cadeira de rodas. Simultaneamen-
te, estuda e se aperfeiçoa. “Estudo Amor ao
estágios e, no primeiro deles, ob-
tido por meio de um programa de
o tempo todo”, admite, inclusive re-
gras e dinâmicas de vários esportes. esporte
extensão da Faculdade de Educa-
ção Física, pôde acompanhar as (os)
atletas que treinavam saltos orna-
mentais no Centro de Excelência
da UnB na época das Olimpíadas de
2016. A estudante teve então a opor-
tunidade de conviver com equipes
do mundo inteiro, vivenciando o
cotidiano do esporte, das (os) atletas
45
e das (os) técnicas (os).
Foto: Rodrigo Farhart
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Dezembro de 2018
No combate, com espaço para o afeto
Thabata Castelo Branco Telles
Thabata Castelo Branco Telles é psicóloga se sentido, apesar de ainda não ser muito
e atualmente faz um doutorado sanduíche comum, podemos aos poucos encontrar a
na França. A busca do saber no campo da Psicologia do Esporte no contexto da for-
Psicologia do Esporte lhe indicou um ca- mação acadêmica em Psicologia no Brasil.
minho – ela pesquisa o corpo a corpo no
combate na comparação entre três mo- Finalmente, no doutorado, consegui unir
dalidades de luta, o caratê, o MMA e a ca- vários interesses pessoais e acadêmicos, por
poeira. Praticante de artes marciais desde meio de uma pesquisa que busca compre-
a infância, a doutoranda relata à Revista ender o corpo a corpo no combate através
Diálogos sua trajetória e a importância do de uma comparação entre o caratê, a capo-
gostar e do afeto, resultando em um forte eira e o MMA, com base na fenomenolo-
entrelaçamento pessoal e profissional nos gia de Merleau-Ponty, especialmente nas
seus estudos e práticas em Psicologia. temáticas relativas ao corpo, movimento,
percepção e aprendizagem. O caminho
“Nascida em Fortaleza, foi lá também que para encontrar orientação foi árduo, mas
conheci o esporte e a Psicologia do Espor- felizmente encontrei um laboratório que
te. Comecei a praticar caratê com 9 anos e, trata de estudos fenomenológicos em Psi-
de lá pra cá, conheci e pratiquei também cologia do Esporte, especialmente em ar-
outras artes marciais e esportes de com- tes marciais e esportes de combate, sob
bate, hábito que mantenho até hoje. No orientação do professor Cristiano Barrei-
meu primeiro ano de faculdade em Psico- ra, na Universidade de São Paulo (USP).
logia, ouvi falar da Psicologia do Esporte, Contudo, uma vez que o laboratório conta
mas havia pouco o que encontrar, além com uma perspectiva mais clássica da fe-
de livros e artigos. Consegui fazer alguns nomenologia (a partir de Husserl e Stein),
estágios, mas me dediquei mais à forma- optamos pela realização de estágios dou-
ção em Psicologia Clínica, por achar que torais nos Arquivos Husserl de Paris (ENS/
não conseguiria trabalhar com Psicologia CNRS), sob orientação do professor Étien-
do Esporte. Para minha surpresa, pouco ne Bimbenet, tendo em vista o aprofun-
tempo após me formar, recebi um atleta damento na fenomenologia de Merleau-
na clínica, indicado por colegas. Assim, vi -Ponty, para discutir os achados através de
a necessidade de me especializar na área: entrevistas, que foram realizadas com 29
fiz curso em São Paulo (região que até hoje lutadores, dentre eles só uma mulher, o
concentra boa parte dos estudos e atuações que me fez atentar mais às questões de gê-
neste campo), obtive o título de especia- nero nesta área (o que também me afeta na
lista pelo Conselho Federal de Psicologia, prática com as lutas). Este olhar crítico tem
por meio de prova, e consegui continuar ainda permitido discussões importantes
trabalhando na área, paralelamente com a sobre os processos históricos, culturais e,
clínica. Foi também nesse período que co- principalmente, de “esportivização” nessas
nheci e me vinculei à Associação Brasileira modalidades combativas.
de Psicologia do Esporte (Abrapesp).
CAMINHO INVERSO
Em seguida, atuei como professora em Esta narrativa aponta forte entrelaçamento
algumas instituições de ensino superior e pessoal e profissional em meus estudos e
destaco a Universidade de Fortaleza (Uni- práticas em Psicologia do Esporte. Se mui-
for), a primeira com a disciplina de Psi- tas vezes tamanho envolvimento parece
cologia do Esporte no Ceará, da qual fui ser evitado em nossa área, o caminho final
professora. Esta universidade ofereceu da minha pesquisa de doutorado, junta-
suporte para que contássemos também mente com minha prática pessoal, parece
com estágios supervisionados na área. Na ressaltar um caminho inverso: proponho
Universidade Federal do Triângulo Minei- justamente a elucidação de nossos envolvi-
ro (UFTM), durante um semestre, me ocu- mentos com o mundo, tendo como conse-
47
pei de uma disciplina de tópicos especiais quência novas propostas teórico-metodo-
sobre corpo e movimento. Nesta mesma lógicas para que possamos permitir certos
universidade, também foi possível con- afetos e afetações, sem que percamos o
tar com estágios e trabalhos de conclusão olhar ético e em constante compromisso
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
Preferência nacional, espaço mítico futebol deve ter preparação física igual
de disputa, o futebol reina absoluto ou superior às (aos) das (os) jogadoras
no coração das (os) brasileiras (os). em campo. Afinal, ela (e) corre atrás da
Cantado em verso e prosa, a pouca bola os 90 minutos da partida.
fé das (os) brasileiras (os) na equipe
que ia disputar a Copa do Mundo Camilla Baptista Mot-
de 1958 levou Nelson Rodrigues a ta Fernandes, psi-
cunhar a expressão “complexo de cóloga formada
vira-latas”. O cronista entendeu que pela Universidade
o povo brasileiro não apoiava sua se- Federal de Goiás
leção de futebol da época – recheada (UFG), atuou primei-
de craques como Mané Garrincha e ro como estagiária e
o novato Pelé – devido à inferiori- depois como profis-
dade em que se colocava, volunta- sional contratada pelo
riamente, em face do resto do mun- Sindicato de Árbitros de
do. Rodrigues escrevia na época que Futebol do Estado de Goi-
“qualquer jogador brasileiro, quan- ás em parceria com a Con-
do se desamarra de suas inibições federação Brasileira de Fu-
e se põe em estado de graça, é algo tebol (CBF). Ela é responsável
de único em matéria de fantasia, de por acompanhar cerca de cem
improvisação, de invenção”. É no árbitros de diferentes categorias,
futebol, espaço das subjetividades, como as séries A, B e C dos tor-
de vastas emoções, que várias (os) neios, 24 árbitros de campeona-
psicólogas (os) do Esporte atuam, al- tos nacionais e três de campeo-
guns experientes outros recém-for- natos internacionais.
madas (os). Na experiência de todas
(os), em comum o dia a dia em lidar A psicóloga afirma que,
com a diversidade de atores envol- de acordo com estudos
vidos – árbitras (os) , jogadoras (os) , já publicados, o estres-
técnicas (os), e uma certa resistência, se das (os) árbitras (os) é
desconhecimento e até mesmo pre- comparado às (ao) das
conceito em relação ao trabalho. (os) policiais e bom-
beiras (os), com
O primeiro artigo sobre Psicologia do índice bem sig-
Esporte no Brasil, do pioneiro João nificativo de
Carvalhaes, foi publicado ainda na burnout.
década de 40 do século passado. Não Durante
por acaso, o trabalho tratava do estres- uma par-
se vivenciado pelas (os) árbitras (os) tida de
de futebol. Hoje em dia, sujeitas (os) à futebol,
violência física, agressões da torcida, correm
48
pressão da mídia e das redes sociais, a em média
(o) árbitra (o) tem que lidar com todos 16 quilômetros enquanto
estes fatores, manter o controle emo- as (os) jogadoras (es) perfa-
cional durante a partida e adotar certa zem cerca de 11 quilôme-
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Revista Diálogos
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são e controle das pressões.
AWARENESS
Marta Magalhães reconhece que o
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Aos 38 anos, o goiano Fabrício Vi- pois de sete anos penando na Série
larinho é árbitro da Federação In- C do Campeonato Brasileiro, o time
ternacional de Futebol (Fifa), por- voltou à Série B. A criação do setor
tanto credenciado a apitar jogos de Psicologia do Esporte e o tra-
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modalidades esportivas, como tiro esportivo, tênis, pentatlo militar e saltos
ornamentais. No final de 2012, fundou o Mundos Esportivus empresa dedi-
cada a cursos e atendimentos em Psicologia do Esporte. Anna Paula acredita
no futuro da Psicologia do Esporte, embora veja o mercado de trabalho em
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Revista Diálogos
Publicado pela Casa do Psicólogo em 2003, bre práticas orientadas a uma melhor quali-
Psicologia do Esporte: Teoria e Prática forma dade de vida. Gisela Sartori Franco nos fala da
a coleção “Psicologia do Esporte” juntamente interação que ocorre esportivamente entre
com Psicologia do Esporte Aplicada. Como competição e cooperação. Carla de Pierro e
outros, também organizados pela professo- Fábio Silvestre da Silva apresentam a de atu-
ra Katia Rubio, ele faz parte de uma série de ação de profissionais da Psicologia do esporte
livros lançados na virada do milênio que re- em projetos sociais, uma possibilidade ainda
presentam o amadurecimento e consolida- menos explorada. Questões sobre o vínculo e
ção de uma Psicologia do Esporte plural bra- a relação treinador-atleta são abordadas sob a
sileira. Historicamente, estas obras surgem luz da psicanálise por Hélio Ribeiro da Silva.
após os primeiros manuais generalistas im-
portados ou publicados por autores únicos Conceituar fenômenos existentes nas dinâ-
brasileiros que apresentavam visões pessoais micas grupais em equipes esportivas na bus-
da área de atuação. ca de coesão é o objetivo da organizadora
Katia Rubio em seu escrito. As transições de
Após um prólogo e uma apresentação, se- carreira, em especial a aposentadoria espor-
guem-se 12 capítulos escritos por 14 especia- tiva, são tratadas no capítulo de Luis de An-
listas, mestres e doutores em Psicologia e áre- drade Martini. Márcia Pilla do Valle e Neusa
as afins. A apresentação dos autores evidencia Guareschi problematizam a identidade do
alguns dos primeiros profissionais consoli- atleta e seu lugar dentro do cenário do espe-
dados em universidades, clubes esportivos e táculo esportivo. Finalmente, Nara Schmidt
projetos sociais. Estes, como supervisores de de Lima completa o livro, questionando a
estágios e professores de pós-graduação, aca- dificuldade da consolidação da Psicologia do
baram por auxiliar na formação de algumas Esporte sem projetos de formação para estu-
gerações de profissionais espalhados pelo dantes, algo que segue impedindo um maior
Brasil nos últimos anos. crescimento da área nos dias atuais.
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Dezembro de 2018
Heleno, o príncipe maldito
Filme narra trajetória meteórica e trágica do herói alvinegro
Rita Almeida
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po? Ou seria a forma como a pessoa se distintos, mas que, em geral, são con-
percebe? Em que medida aspectos re- sequência da falta de informação e da
lacionados a gênero e transgenerida- manutenção de uma sociedade fun-
de impactam no desempenho de um damentada no patriarcado.
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Revista Diálogos
Foto: Neide Carlos/Vôlei Bauru
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partir daí, foi um passo para a cons-
trução do modelo heteronormativo e
a noção de que o que está fora desse
modelo é anormal e patológico”.
Dezembro de 2018
Revista Diálogos
No contexto esportivo, os impac- com a prática esportiva ou então,
tos e desdobramentos desse mode- que existiram esportes adequados e
lo são inúmeros, de acordo com a inadequados para serem desempe-
especialista, e sustentam um cená- nhados por elas”.
rio de preconceito e discriminação,
além de reforçarem estereótipos e a DESIGUALDADE ECONÔMICA E LEGAL
manutenção da desigualdade entre Essa compreensão equivocada ou
homens e mulheres. “A questão é o desinformação com relação à ca-
quanto estamos abertos para lidar pacidade feminina no universo es-
com o diferente do convencional portivo resulta em mais do que pre-
quando nem mesmo aceitamos que conceito. Mulheres que conseguem
a mulher, apesar de biologicamente superar as barreiras da desconfian-
diferente do homem, merece igual- ça e seguem carreira no esporte
dade de direitos e equidade de pos- se deparam com um cenário nada
sibilidades?”. igualitário também no contexto
profissional.
Para a doutoranda do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Desde 1933, por exemplo, o fute-
Unesp-Assis e membro da Associa- bol é reconhecido como atividade
ção Brasileira de Psicologia do Es- profissional para homens. Entre as
porte (Abrapesp), Talita Machado mulheres até hoje não existe esse
Vieira, desde o começo do século reconhecimento, o que implica em
XX há a reprodução de concepções consequências como a ausência de
que pressupõem as mulheres como registro em carteira profissional.
seres frágeis, naturalmente indis- “Alguns clubes fazem o registro, to-
postos ao exercício e trabalho com tal ou parcial, do elenco, mas outros
o corpo. “Esse tipo de formulação não fazem. Desse modo, trata-se de
colabora para a construção da ideia um trabalho precarizado, com con-
de que as mulheres não combinam dições contratuais flexíveis e sem
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Dezembro de 2018
Revista Diálogos
cobertura da seguridade social. Se agência que organiza o mundial
essa atleta engravidar, por exemplo, de surfe é outra conquista recente
como ficará sua situação? Em caso que traz alento e esperança para as
de ocorrência de lesões que deman- atletas profissionais de outras mo-
dam tratamento cirúrgico, acom- dalidades esportivas. “Essas pautas
panhamento com profissionais da estão ganhando visibilidade e as en-
psicologia, da fisioterapia e tantas tidades que gerenciam os esportes
outras áreas que auxiliarão no re- em âmbito mundial têm reconheci-
torno ao esporte, quem se respon- do sua legitimidade e a importância
sabilizará pelo custeio desses cuida- de tais equiparações, especialmente
dos?”, questiona Talita. para desautorizar os discursos que
visam estruturar as diferenças como
Não surpreende que em um cenário desigualdade, criando e mantendo
de tamanha precarização os desdo- situações de opressão e exploração”,
bramentos cheguem ao retorno fi- avalia a especialista.
nanceiro das atletas. A despeito do
tempo de treinamento, de duração TRANSGENERIDADE NO
da competição ou da capacidade
técnica, a equiparação salarial ou de CONTEXTO ESPORTIVO
premiações em relação aos homens Uma das maiores expressões do
ainda é uma realidade distante. aprisionamento ao modelo hete-
ronormativo no ambiente espor-
“Em alguns clubes de futebol do tivo talvez se dê por meio da re-
interior de São Paulo, atletas que lação de atletas e dirigentes com
conseguiram negociar contrato ofi- pessoas cuja identidade de gênero
cial, com registro em carteira, che- não condiz com o sexo que lhe foi
gam a ganhar de R$ 4.000,00 a R$ atribuído no nascimento. Há pouco
5.000,00. Aqui, estamos falando de tempo o nome da atleta de vôlei Ti-
atletas com trajetória consolidada, fanny Abreu ganhou destaque nos
que servem ou já serviram a seleção noticiários nacionais. O motivo? O
brasileira. Valores bem abaixo das desempenho da primeira mulher
cifras negociadas no futebol de ho- transgênero a disputar a Superliga
mens. Às vezes, até mesmo abaixo Feminina.
do que é acordado com os jovens
das categorias de base que come- “Ela não foi a primeira mulher trans
çam a se destacar nas competições do vôlei brasileiro, mas a primeira
pelos seus clubes”, afirma Talita. a se destacar como atleta, o que trás
à tona o modelo preconceituoso de
No que tange às premiações as dife- sempre: se uma mulher se destaca,
renças também são abissais. Segun- a primeira coisa a se questionar é se
do a especialista, na última edição ela é mesmo mulher. Se tem vagi-
do Mundial de Futebol Feminino na, a dúvida fica obscurecida, mas se
da FIFA, ocorrida no Canadá em um dia teve pênis, está explicado seu
2015, as 15 seleções participantes do potencial de força e destreza. Mais
torneio dividiram US$ 15 milhões, do mesmo preconceito sofrido pelas
enquanto o valor para o mundial mulheres há séculos. Infelizmente,
masculino na Copa da Rússia em entre as atletas existem aquelas que
2018 foi de US$ 400 milhões. se negam a buscar algum conheci-
mento que as ilumine e não permita
Embora a superação dessa desigual- que fiquem no círculo de reafirma-
dade ainda esteja longe de se tornar ção do sofrimento que as oprimiu
realidade, algumas conquistas re- durante séculos. Então, oprimem
centes indicam boas perspectivas. a mulher trans da mesma forma
Em 2016, a Revista Radis, da Fio- como foram e ainda são oprimidas
Cruz, denunciou a disparidade nos pelos homens”, avalia Adriana.
valores da premiação da competi-
ção mundial de vôlei masculino e Enquanto atletas, especialistas e até
feminino. Enquanto eles receberam a imprensa debatem as possíveis
US$ 1 milhão pelo título, as mulhe- vantagens competitivas de Tifan-
res da equipe campeã ficaram com ny, outras mulheres trans seguem
uma fatia bem menor, US$ 200 mil. na luta para garantir o direito de
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“A boa notícia é que a luta das atletas disputar competições esportivas
do vôlei teve resultado e, em 2018 a na categoria feminina. É o caso da
premiação foi, finalmente, equipa- também jogadora de vôlei Carol
Lissarassa. Vice-campeã na etapa
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Revista Diálogos
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dade. Edinanci conseguiu se enqua-
drar nos padrões de exigidos e se
manteve atuante no cenário olím-
pico até os jogos de 2008 (Pequim).
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Revista Diálogos
DIVULGANDO CONCEITOS
ORIENTAÇÃO SEXUAL: consiste no direcionamento do desejo afeti-
vo-sexual que pode ser por pessoas do mesmo sexo ou não, ou
ainda por ambos. É ela que define se a pessoa é heterossexual,
lésbica, gay ou bissexual.
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ência interna e individual do gênero de cada pessoa (masculino
e feminino), que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no
nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo e outras expres-
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Revista Diálogos
sões de gênero.
Artigo
Revista Diálogos
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Esporte
paraolímpico: uma
transformação de
sentido
Erika Hofling Epiphanio
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construção deste artigo se deu com a con-
cretização do tripé da educação que propõe
a universidade pública, em que pensa que
a construção do conhecimento se dá por
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Revista Diálogos
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Psicologia Humanista é considera-
da por alguns autores como a tercei-
ra força da Psicologia, ao lado da Psi-
canálise e do Behaviorismo e grande
parte dos seus princípios encontram-
-se alinhados à Fenomenologia (Ama-
tuzzi,2010). Carl Rogers é considerado
um dos principais autores desta cor-
rente teórica e ele discute em diversos
trabalhos sobre o potencial de reali-
zação como sendo inerente a todo ser
humano. O autor acredita que todo ser
humano é naturalmente bom e tem
condições existenciais de se desen-
volver rumo ao crescimento pessoal e
a realização, no entanto, o autor dis-
cute a importância de que as pessoas
encontrem relações que facilitem este
processo, que primam por um encon-
tro autêntico entre pessoas que respei-
tam o processo do outro, sem julgar,
mas acolhem as diferenças, compre-
endendo o outro de maneira empática
e positiva (Rogers, 1961).
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mesmo, sem crivos e julgamentos, é a
primeira e mais importante manifes-
tação de cuidado que pode ser indica-
da como um facilitador no processo
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-se um contrato de intervenções em
grupo para se trabalhar temas levanta-
dos como necessários, como estabele-
cimento de metas, comprometimento
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Revista Diálogos
e motivação.
Outra estratégia utilizada foi o deficiência foram vistas por suas
acompanhamento individual de capacidades e não pelo que lhes fal-
alguns paratletas (escolhidos pela tavam, seu universo existencial se
comissão técnica) por duas estagiá- expande de maneira a conhecerem
rias do curso de Psicologia. Poste- potencialidades que nunca tiveram
riormente foi criado um projeto de acesso antes de serem praticantes
extensão universitária envolvendo de esporte. Com isto, o esporte pas-
mais três alunas do curso de Psico- sa a ser um caminho ao reconhe-
logia que teve como propósito atuar cimento pessoal que permite ao
diretamente nos treinamentos dos indivíduo conhecer suas próprias
atletas oferecendo um espaço de capacidades, assim como uma via
escuta a eles e seus familiares, além de acesso ao reconhecimento so-
da organização de um debate que cial, uma vez que os atletas, quan-
trabalhou a importância do espor- do atingem resultados expressivos
te como abertura de possibilidades na carreira esportiva, passam a ser
para pessoas com deficiência, a fim reconhecidos profissionalmente e
de divulgar para a sociedade as di- se transformam em exemplos para
mensões do esporte para o desen- uma sociedade que, em geral, os
volvimento da pessoa, bem como a viam como pessoas incapazes. Es-
prática da Psicologia do Esporte. tes efeitos são de suma importância
ao processo de realização dos indi-
Ao final deste projeto, devido a víduos que conseguem fazer parte
grande adesão do grupo nas ações deste tipo de projeto construindo
realizadas e, também, pela iden- um mundo de maior abertura as
tificação de outras demandas, foi oportunidades de vida.
construído um segundo projeto de
extensão que propôs ações de cui- Podemos destacar como conquistas
dado com o grupo estudado, sendo importantes percebidas pelos tra-
implantadas oficinas de ioga, aulas balhos realizados que, ao criar um
de inglês e oficina de sexualidade espaço de escuta verdadeira e sig-
aos jovens atletas. nificativa para as pessoas, estas pas-
sam a se ver como agentes partici-
POSSIBILIDADES pativos de sua existência. No início
É notável em nossa sociedade o do trabalho, alguns paratletas que
grande preconceito quanto às pes- tinham dificuldade de comunica-
soas com deficiência, sendo sempre ção em função da deficiência, em
associadas a pessoas sem utilidade, geral, tinham suas comunicações
em um mundo capitalista que prio- realizadas por terceiros que tenta-
riza a produtividade e o consumo. vam dizer aquilo que acreditavam
Esta associação perpassa a socie- ser o que o atleta queria expressar,
66
dade e leva, muitas vezes, os fami- mas com o tempo no espaço de es-
liares e as pessoas com deficiência cuta individual estes atletas pude-
a não se perceberem como úteis e ram desenvolver sua habilidade de
pertencentes ao mundo social. comunicação se tornando mais au-
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A cultura na
Psicologia do Esporte
Por uma Psicologia Social do Esporte
Katia Rubio
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oponentes. Mais do que tê-los como marcante do esporte contemporâ-
inimigos, o atleta que praticava a neo, apresentado como um dos es-
areté via no adversário o parâmetro petáculos da pós-modernidade, se-
para a realização do seu próprio li- ria desconsiderar outros valores que
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um conjunto de práticas coletivas
e comportamentos individuais de- contemporâneo. Revista Portugue-
nominados cultura esportiva (Ru- sa de Ciências do Desporto. V. 03, p.
bio, 2006). Esses comportamentos 350-357, 2005.
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Bairro: Torre CRP 19
Endereço: Av. Protásio Alves,
Cidade: João Pessoa/PB Endereço: Rua Osvanda Oli-
2854, sala 301
CEP: 58.070-350 veira Vieira, 128
Bairro: Petrópolis
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Telefone: (83) 3255-8282 / Cidade: Aracaju/SE
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