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DICO
CIENT
I FI C O
- SINA
SEFE
LITOR
N5
A L - an
oV-
NÚME
RO 5 - 20
23
Estamos publicando mais uma edição O Brasil não escapa desse cenário de os interesses econômicos privados que
da revista Potemkin. Essa edição é tripla crise - econômica, política e embasam essa reforma e seus desdo-
publicada ainda em meio às conse- sanitária. O número de mortos da cri- bramentos e como isso vem impactan-
quências da crise econômica, que im- se sanitária e os dados de variantes do na vida de trabalhadores e da ju-
pactou o mundo nos últimos anos, e da e novos casos ainda crescem, mesmo ventude.
pandemia provocada pela Covid-19, que em menor velocidade. Em âmbi-
que ainda contamina e leva à morte to econômico, inflação e desemprego Espera-se que essas reformas sejam
pessoas em todo o mundo. Os capita- continuam a assolar o país, diante revogadas pelo novo governo, ainda
listas, diante disso, procuram, de todas de uma classe trabalhadora que tem que seja preciso muita mobilização
as formas, superar a crise, mesmo que poucas perspectivas de reajuste sala- para garantir essa medida. Na cam-
seja preciso expor os trabalhadores à rial e melhoria em suas condições de panha eleitoral e mesmo no governo
contaminação ou mesmo levando o vida. E politicamente o novo governo, de transição, pode-se ver as contra-
mundo a mais uma guerra. encabeçado por Lula, não deve con- dições que marcarão o futuro governo,
seguir superar a crise institucional que mostrando a necessidade de lutar pela
O tema da guerra é justamente o tema atravessa o país há anos. Esta edição independência dos sindicatos e demais
do artigo que abre esta edição da re- da revista é publicada justamente no entidades no sentido de garantir os in-
vista. A guerra na Ucrânia é expressão momento final do governo Bolsonaro teresses da maior parte da população.
tanto dos interesses do imperialismo, e diante da perspectiva de mudanças
representados pela OTAN, como da que talvez possam ser trazidas por um Esta edição da revista marca também
burguesia russa, representada pelo novo governo do PT. o fim dos trabalhos da equipe edito-
governo Putin. Os dois lados, ambos rial que vem trabalhando na Potem-
reacionários, procuram suas próprias Entre os marcos dessa crise, especial- kin desde sua primeira edição, tendo
saídas para resolver a crise. Para tan- mente nos governos de Temer e de Bol- recebido o inestimável apoio de todas
to, passados meses desde seu início, sonaro, estão uma série de reformas de as gestões que estiveram à frente do
o conflito segue, movimentando a in- caráter privatista e de ataque a direi- sindicato. Mesmo com essa mudança,
dústria de guerra, as tensões políticas tos dos trabalhadores, como a da pre- certamente a revista continuará a ser
e os acordos econômicos, mas ainda vidência e a trabalhista. Nesta edição expressão das reflexões teóricas de tra-
longe de garantir a superação da cri- da revista, dedicamos alguns textos a balhadores dos institutos federais, es-
se em sua face tanto econômica como uma de suas principais expressões na pecialmente do IFC, e continuará a ser
política. educação, a reforma do ensino médio. um instrumento de formação política
Procura-se mostrar, principalmente, dos filiados do SINASEFE Litoral.
SUMÁRIO
06
Reforma do Ensino Médio no Brasil:
precarizar o público para transformá-lo em mercadoria para o privado
por Marcio Bernardes de Carvalho
22
“No chão da escola e na consciência dos professores”: como não se constrói uma Reforma de ensino
por Amanda Hebling do Amaral
35
Uma nova guerra, uma velha lição
por Ricardo Scopel Velho
45
Um dicionário para pesquisadores do ensino de sociologia
por Fabio Braga do Desterro
50
Notas sobre a Revolução Brasileira
por Renan Eduardo da Silva e Marlene Tirlei Koldehoff Lauermann
6
RESUMO
Este artigo tem por objetivo apresentar como tal (Contra) Reforma do Ensino Médio no Brasil (Lei
13.415/2017) impacta a educação estatal (pública) brasileira assumindo a categoria totalidade como
central para eleição das fontes, análise e exposição. Serão três subdivisões centrais para a exposição. A
primeira delas é uma rápida pesquisa de tipo revisão bibliográfica que tem por objetivo apresentar e
analisar de forma crítica o conjunto das produções sobre o tema verificando autores e obras mais uti-
lizadas. Em um segundo momento a análise trará as características da Educação brasileira e do Ensino
Médio por meio de obras referenciadas pelo item anterior ao mesmo tempo que também realizo um
esforço de atualizar, de forma crítica, estas características. Este movimento será finalizado, neste segun-
do item, verificando como esta reforma (contrareforma) de 2017 atinge a educação estatal (pública).
Para finalizar este artigo propomos a reflexão da atuação dos trabalhadores da educação através da
resistência ativa proposta por Saviani (2020). Como autores centrais utilizamos Karl Marx, Dermeval
Saviani, Gaudêncio Frigotto e Marise Ramos para contextualizar, analisar e criticar o tema proposto.
ABSTRACT
This article aims to present how such a reform (or counter-reform) impacts Brazilian state (public) edu-
cation, assuming the category totality as central to the choice of sources, analysis and exposition. There
will be three central subdivisions for the exhibition. The first one is a quick bibliographic review type
research that aims to present and critically analyze the set of productions on the subject, verifying the
most used authors and works. In a second moment, the analysis will bring the characteristics of Brazi-
lian Education and High School through works referenced by the previous item at the same time that I
also make an effort to update, in a critical way, these characteristics. This movement will be finalized,
in this second item, by verifying how this reform (counter-reform) of 2017 affects state (public) edu-
cation. To conclude this article, we propose a reflection on the performance of education workers
through the active resistance proposed by Saviani (2020). As central authors we used Karl Marx, Der-
meval Saviani, Gaudêncio Frigotto and Marise Ramos to contextualize, analyze and criticize the pro-
posed theme.
(1979, p. 83), bem como enfrentar as dificul- bilizar a escrita deste artigo levando-se em cação; Área de Concentração:
dades impostas pela precarização centenária consideração o tempo de entrega e o núme- Educação; Nome do Programa:
da educação estatal (pública) brasileira. Para ro de páginas, elegi o ano de 2021 para a Educação.
Saviani (2009) é necessário passar do senso leitura dos títulos, resumo e introdução das
comum à consciência filosófica. Ao detalhar teses. É necessário pontuar que a busca neste 4 É importante salientar que ao
este movimento o autor define: catálogo da CAPES demonstra que tal ferra- realizarmos a busca no Catálogo
arquivo de pesquisa que deveria ser de fácil citada anteriormente, tal buscador eletrônico
acesso para a população e, principalmente, apresenta ao pesquisador centenas de teses
para os pesquisadores deste país. que sequer tratam de tal lei. O quadro abaixo
expressa o resultado da seleção das teses a
A seleção das teses a partir do seu título e partir da leitura do seu título.
resumo baixou o número total de teses do
ano de 2021 do quantitativo de 689 para Após a eleição das teses a partir dos critérios
10 teses. Justifica-se tal redução quantitati- já citados, este pesquisador tratou de buscar
va em virtude de o catálogo da CAPES não seus arquivos eletrônicos para proceder a
possuir filtros que correspondam a necessi- leitura da sua introdução, visando confirmar
dade do pesquisador. Por mais específico que sua proximidade com meu objeto, o que se
seja os descritores “Lei” “13.415”, que são confirmou nas teses onde o arquivo eletrôni-
a expressão da legislação de tal reforma já co estava disponível.
Quadro II: Teses sobre Ensino Médio e/ou sua reforma – 2021
jul. 2022.
7
jul. 2022.
Realizada e finalizada mais uma etapa de Os dois autores com maior número de 8 Critério para avalia-
dução do conhecimento científico e seu rigor SEGUNDO MOMENTO: citação, artigos e/ou livros escritos
EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Este procedimento resultou em 47 citações 9 11 De Gaudêncio Frigotto são estas
(nome do autor e obra 10 ) onde o autor Gau- Antes de avançarmos na exposição é as citações: 1. FRIGOTTO, G. Edu-
dêncio Frigotto aparece nove11 (09) vezes necessário tratar de algumas questões consi-
cação e trabalho: bases para debater
Imagem I: Nuvem de palavras com nomes dos autores referência das teses selecionadas – 2021 nal de século. Petrópolis, RJ: Vozes,
isso é óbvio. Exatamente, é o óbvio. E como O segundo obstáculo é político e pode ser [...] os ricos e uma escola para
nou de obstáculos para a construção de um ra política (executivo/legislativo/judiciário) GOTTO, Gaudêncio. Trabalho, con-
Sistema Nacional de Educação em nosso que interfere diretamente na organização hecimento, consciência e a educação
país. Para este autor o primeiro obstáculo é escolar e nas redes municipais, estaduais e do trabalhador: impasses teóricos e
econômico e se materializa na resistência federal. Uma estrutura política desqualifica- práticos. In: GOMEZ, Carlos Minayo
histórica à manutenção da educação pú- da que se apropria do estatal (público) para et al. 6. ed. Trabalho e conheci-
blica no Brasil (SAVIANI, 2014, grifo meu). fins privados e/ou eleitorais também é deter- mento: dilemas na educação do tra-
Em 2022 temos um exemplo que ajuda a ilus- minante. Cada nova negociação para a no- balhador. São Paulo: Cortez, p. 19-
trar bem tal afirmação, durante o debate so- meação de um ministro (secretário estadual 37, 2012; 8. FRIGOTTO, Gaudêncio;
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações 516 dias, ou seja, 17,2 meses. A ilusão de es- nº 13.415/2017). Educ. Soc., Campi-
de Serviços de Transporte Interestadual e tabilidade das políticas educacionais precisa nas, v. 38, n. 139, p. 385-404, abr./
Intermunicipal e de Comunicação) que se- ser denunciada e começar a fazer parte das jun. 2017.
centes das Universidades Federais de Goiás tuindo as cartas de intenções e movimentos 12 De Marise Ramos são estas as
(Adufg-Sindicato)15 poderá retirar R$ 21 bil- voluntaristas de avaliação das políticas por citações: 1. RAMOS, Marise N. A
hões do ensino estatal (público) de estados uma pauta contínua e unificada. Pedagogia das Competências. 4.
ta o Governo Jair Bolsonaro usou como tática táculo a construção de um Sistema Nacional Ensino Médio Integrado. In: Semi-
mentalidade pedagógica. Entendida como uni- a lei aprovada em 1996, segundo Saviani
dade entre forma e o conteúdo das ideias edu-
(2016). A invisibilização da luta pelo Siste-
cacionais, a mentalidade pedagógica articula a
ma Nacional de Educação e a promoção de
concepção geral do homem, do mundo, da vida
pautas secundárias ou personalistas no legis-
e da sociedade com a questão educacional. As-
sim, numa sociedade determinada, dependendo
lativo também confirmam a precisão desta
das posições ocupadas pelas diferentes forças afirmativa. O legislativo é, majoritariamente, p. 1-26. Disponível em: http://foru-
sociais, estruturam-se diferentes mentalidades produto das determinações de uma realidade meja.org.br/go/sites/forumeja.org.
br.go/files/concepcao_ do_ensino_
pedagógicas. Na sociedade brasileira da segunda dominada pela ideologia burguesa, pela sub-
metade do século XIX, três mentalidades peda- medio_integrado5.pdf. Acesso em:
serviência ao capital estrangeiro e fetichismo
gógicas delinearam-se com razoável nitidez: as 29 jun. 2017; e 3. RAMOS, Marise
do capital. Mesmo nos pontuais momentos de
mentalidades tradicionalista, liberal e cientifi- Nogueira. Pedagogia das Competên-
aprovação de pautas centralmente benéficas
cista (SAVIANI, 2014, p. 40). cias. Dicionário da Educação Profis-
a classe trabalhadora a regularidade históri-
sional em Saúde. Todos os direitos
ca é de aprovação de pautas que beneficiam
Porém, mesmo que idealisticamente o pen- reservados. Fundação Oswaldo Cruz.
a burguesia bem como aprovação de retirada
samento liberal e o cientificista estavam, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim
de direitos e espoliação da classe trabalhado-
época, mais próximo do que intitulamos Venâncio, 2009.
ra (SAVIANI, 2014).
“modernidade”17 , mas que, tendo em vista o
13 Utilizei o suplemento Pro world
contexto econômico-social que a determina-
Para o autor existe uma equação que “ex- cloud do Microsoft Word.
va o que se compreendia como ideias libe-
pressa o significado da política educacional
rais estavam mais próximas de uma antítese
brasileira até os dias de hoje: Filantropia + 14 Mais informações consulte o sítio
imatura ao positivismo que renegava toda e
protelação + fragmentação + improvisação eletrônico do Instituto Brasileiro de
qualquer possível característica ou prática
= precarização geral do ensino no país” Planejamento e Tributação – IBPT.
alinhada aquela teoria. A descentralização
(SAVIANI, 2014, p. 40). Disponível em https://ibpt.com.
(municipalização da educação ou das políti-
br/entenda-como-funciona-a-polit-
cas públicas), mascarada com aparência de
ica-de-precos-da-petrobras-e-o-im-
É neste contexto que a Reforma do Ensino
democracia e liberdade é uma materialização pacto-nos-valores-dos-combustiveis/
Médio de 2017 (BRASIL, 2017) é imposta a
deste pensamento. Outro exemplo que ma- Acesso em 28 de jul. 2022.
rede estatal (pública). A crítica a esta refor-
terializa o cientificismo é a aproximação, à
ma sem o devido contexto pode criar uma
época, deste pensamento ao idealismo posi- 15 Fonte: Sítio Eletrônico da ADUFG-
aparência que na situação anterior estáva-
tivista de “desoficialização” (SAVIANI, 2014, Sindicato). Disponível em https://
mos numa condição favorável ou ideal para
p. 41) do ensino. www.adufg.org.br/noticias/2-no-
a formação da classe trabalhadora e isso não
ticias/10111-reducao-do-icms-im-
se comprova na realidade. A síntese aproxi-
Por fim, o quarto obstáculo está no âmbi- pacta-educacao-e-ameaca-aulas-ex-
mada é que a educação estatal (pública) já se
to legal e se materializa na resistência no tras-obras-em-escolas-e-salarios .
estrutura de forma precarizada e as reformas Acesso em 28 de jul. 2022.
plano da atividade legislativa. Ainda em
impostas pela burguesia não acompanham
2022 sofremos com a ilusão de uma legis-
do desenvolvimento técnico e tecnológico da 16 Período de 1930 a 2020.
lação avançada da educação brasileira, com
sociedade brasileira, nem contemplam as ne-
uma supervalorização da Lei 9.394/96 que
cessidades da classe trabalhadora criando um 17 Indico para referência do concei-
não se justifica historicamente, pois a primei-
ambiente onde os problemas estruturais (fal- to de modernidade sugiro a leitura
ra versão da proposta de LDB do período era,
ta de recursos humanos, materiais e financei- do livro A modernidade e os moder-
em certos pontos, muito mais avançada que
ros) se confundem as limitações organi-za- nos de Walter Benjamin (2000).
12
postas pelos governos Temer (2016 a 2018) em todo o mundo. Um fenômeno que se mani-
e Bolsonaro (2019 a 2022) anulou qualquer festa sob a forma da estagnação econômica,
de um nível mais elevado de desemprego, dos
possibilidade de avanço nas políticas que
défices públicos, dentre outras consequências 18 Livro Estudos de pedagogia
beneficiam o conjunto da classe trabalhado-
(MACHADO, 2022, p. 38). histórico-crítica: formulações sobre
ra. A chamada PEC do Teto de gastos (Emen-
ensino, currículo e prática pedagógi-
da Constitucional 95, aprovada em 2016)
Ao apresentarmos a citação acima é possível, ca organizado por Ana Carolina Gal-
que limita o crescimento de investimentos
nos limites deste artigo, fazer uma síntese do vão (2022).
em políticas sociais é um dos exemplos mais
13
contexto em que essa falsa reforma (contrar- Como materialistas necessitamos demonstrar
reforma) se impõe para a estrutura educa- como estas afirmações se refletem na reali-
cional brasileira. dade, assim sendo o gráfico abaixo poderá no
auxiliar neste exercício.
Os obstáculos expostos nas reflexões de Sav-
iani (2014), adensados a equação “Filant- Sobre os investimentos em educação materi-
ropia + protelação + fragmentação + im- alizados no quadro acima no orçamento do
provisação = precarização geral do ensino ministério, é preciso pontuar que não univer-
no país” (SAVIANI, 2014, p. 40) são uma salizamos a Educação Básica, o que realizam-
primeira parte da análise. os desde 1930 é um processo lento, gradual e
desorganizado de aumento da estrutura edu-
Já a segunda parte identifica que as reformas cacional centrada na organização do Ensino
neoliberais (FRIGOTTO, 2001 e 2016) e a Fundamental, o que na perspectiva da classe
dualidade educacional (RAMOS, 2014) são trabalhadora é uma avanço pontual pois o
elementos fundamentais para a compreensão que queremos é a universalizamos imedia-
da precarização da educação brasileira de ta da Educação Básica e Superior, e no que
forma geral bem como a especificidade do tange a perspectiva da classe dominante é (a
Ensino Médio entendendo, como afirma organização recortada do Ensino Fundamen-
Machado (2022) que se trata de um movi- tal) uma forma de garantir a formação da
mento de esvaziamento dos conteúdos esco- mão-de-obra para o capital e ao mesmo tem-
lares para transformar o direito a educação po limitar (pois o Ensino Médio e Educação
em mercadoria para a iniciativa privada. Superior estão ainda restritos como direito) a
Imagem II: Despesas efetivadas, incluindo restos a pagar – Ministério da Educação – 2010-2021
com/politica/noticia/2022/04/24/
gasto-com-educacao-recua-pelo-
5o-ano-consecutivo-e-e-o-menor-
em-dez-anos-mostra-levantamento.
luta entre classes é uma luta política. Por fim, uma traição aos alunos filhos dos tra-
balhadores, ao achar que deixando que eles es-
colham parte do currículo vai ajudá-los na vida.
Necessitamos nos constituir e nos
Um abominável descompromisso geracional
identificarmos como trabalhadores, identifi-
e um cinismo covarde, pois seus filhos e netos
car e compreender nossos interesses comuns,
estudam nas escolas onde, na acepção de Des-
logo após é necessário pensar e agir como ttut de Tracy estudam os que estão destinados a
“classe para si mesmo”. dirigir a sociedade. Um (sic.) reforma que legal-
15
iza a existência de uma escola diferenciada para lação dessa habilidade com o conjunto do pro-
cada classe social. Justo estes intelectuais que cesso produtivo.
em seus escritos negam a existência das classes
sociais. Quando se junta prepotência do autori- Em 2022 encontramos em diversos estados
tarismo, arrogância, obscurantismo e desprezo
centenas (literalmente) de formas de organi-
aos direitos da educação básica plena e igual
zação do Ensino Médio que são a materiali-
para todos os jovens, o seu futuro terá como
zação da multiplicidade de formação de itine-
horizonte a insegurança e a vida em suspenso.
rários, que por óbvio não são fruto da es-
colha dos estudantes, mas sim das possibili-
A síntese do autor assinala a im-
dades de gestão local dos recursos (humanos,
portância da categoria luta de classes na
materiais e financeiros). Ao assinalar a po-
análise das contradições do processo de (des)
litecnia como possibilidade de contraponto
organização deste Ensino Médio imposto
em uma perspectiva da classe trabalhadora
pela classe dominante ao Brasil.
devemos considerar, por aproximação, a ex-
periência dos Institutos Federais de Educação
De forma complementar, cumprindo a
através do currículo integrado. Assim, tor-
função de apontar rumos, não só apontar os
na-se necessário refletir sobre este currículo
desafios da classe trabalhadora (o que por si
integrado.
só já representa uma grande contribuição ao
debate no campo educacional) acredito ser
Ramos (2008) nos alerta para os sentidos da
necessário retomar algumas reflexões de Sa-
concepção de Ensino Médio Integrado, ele-
viani (2007, p. 161):
gendo como perguntas da exposição o que
ensino médio é o de propiciar aos alunos o domí- e existe uma integração, o que ela integra?
nio dos fundamentos das técnicas diversificadas Para esta autora, de forma sintética, estes são
utilizadas na produção, e não o mero adestra- os sentidos da integração: 1º. “a formação
mento em técnicas produtivas. Não a formação omnilateral”, 2º. “a indissociabilidade entre
de técnicos especializados, mas de politécnicos.
educação profissional e educação básica” e,
por fim, 3º. “a integração de conhecimen-
Politecnia significa, aqui, especialização como
tos gerais e específicos como totalidade”
domínio dos fundamentos científicos das difer-
(RAMOS, 2008, p. p.03-16).
entes técnicas utilizadas na produção moderna.
Nessa perspectiva, a educação de nível médio
tratará de concentrar-se nas modalidades funda- Assim, sugerimos que a proposta da classe
mentais que dão base à multiplicidade de pro- trabalhadora se paute pela politecnia e omni-
cessos e técnicas de produção existentes. lateralidade apropriando-se e melhorando a
experiência de currículo integrado do Ensino
Essa é uma concepção radicalmente diferente da
Médio dos Instituto Federais de Educação –
que propõe um ensino médio profissionalizante,
IFs.
caso em que a profissionalização é entendida
como um adestramento em uma determinada
habilidade sem o conhecimento dos fundamen-
O movimento que realizamos até o momen-
tos dessa habilidade e, menos ainda, da articu- to de verificar as produções acadêmicas do
16
Como terceiro e último momento, para fechar ais não têm força para se contrapor ao poder
dominante exercido pelo governo ilegítimo e
com coerência este movimento, acreditamos
antipopular;
que seja necessário explorar a reflexão de
Saviani sobre resistência ativa.
• que seja propositiva, isto é, capaz de apre-
sentar alternativas às medidas do governo e de
TERCEIRO MOMENTO: seus asseclas.
RESISTÊNCIA ATIVA
Podemos ver que esses dois requisitos corres-
por Hermida e Lira (2018). Nestes esforços ificar que a educação cumpre sim uma função
de reflexão sobre a realidade atual Saviani na luta política e que a classe trabalhadora
inicia por um tema conectado a todo o movi- necessita se posicionar e disputar cada es-
mento que concretiza o golpe contra a Presi- paço no plano micro (escola e universidade)
denta eleita Dilma Rousseff, a criminalização e no plano macro (esferas municipais, esta-
das forças progressistas e a eleição manipula- duais e nacional). Mesmo que em um primei-
Saviani (HERMIDA; LIRA, 2018, p.785) ao contra aqueles que defendem a perspectiva
ser entrevistado assim expressa sua reflexão: da classe trabalhadora, se torna necessário
criar condições de superação deste momento
A articulação dos movimentos fascistas, corre- desde o chamado chão da escola/universi-
spondente à onda conservadora com o caldo dade.
cultural reacionário referido na resposta à ter-
ceira questão, foi reforçada pelo fundamental-
Visando aprofundar a reflexão no capítulo
ismo religioso assumido por diferentes seitas
do livro supracitado Saviani (2017, p. 207)
surgidas nos últimos 40 anos, dedicadas a ex-
assevera:
plorar a boa-fé das camadas mais desvalidas da
sociedade. Tal situação contém certa analogia
17
A atual conjuntura se constitui, pois, num mo- por característica a submissão (ideológica) e
mento grave que estamos vivendo no qual a
a dependência (econômica). Isto posto a re-
educação é desafiada duplamente: por um lado,
flexão do contexto me leva a sugerir que a
cabe–lhe resistir, exercendo o direito de deso-
tendência do nosso atual momento histórico
bediência civil, às iniciativas de seu próprio
abastardamento por parte de um governo que se
é um movimento da classe dominante para
instaurou por meio da usurpação da soberania conciliação entre classes para evitar uma
popular sobre a qual se funda o regime político ruptura ou um contragolpe da classe tra-
democrático. Por outro lado, cumpre lutar para balhadora que questione com profundidade
transformar a situação atual debelando a crise a exploração capitalista.
e assegurando às novas gerações uma formação
sólida que lhes possibilite o pleno exercício da
Assim o Ensino Médio brasileiro, na perspec-
cidadania tendo em vista não apenas a restau-
tiva tática do capital, deve se tornar majori-
ração da democracia formal, mas avançando
para sua transformação em democracia real. tariamente um produto comercial que coexis-
tirá em conflito com experiências estatais
lidade a (Contra) Reforma do Ensino Médio sustentado por uma preferência as questões
Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) gressivo, porém20 irrisório investimento na
aprofundada com o período de pandemia de Educação Infantil (que possui uma estrutu-
COVID 19 (anos de 2020 e 2021) onde diver- ra nacional esfarelada em 5.570 municípios).
20 Que tendencialmente também
sos estados criaram os ambientes de consoli- será afetado por propostas liberais
Minha crítica e análise deste atual momento blicas quantitativamente inferiores quanto
do para continuar a fornecer matéria prima nado e precarizado é fundamental aumentar ANPED. Carta aberta pela revogação
e outros recursos (riquezas naturais, recur- a denúncia em toda a sociedade sobre esta da Reforma do Ensino Médio
sos humanos de baixo custo, estrutura físi- situação. (LEI 13.415/2017). Disponível
em https://www.anped.org.br/
ca ...) para a produção destas corporações
news/carta-aberta-pela-revoga-
bem como é necessário usurpar os recursos A proposta de revogação Reforma do Ensino
cao-da-reforma-do-ensino-me-
da educação estatal (pública) para manter os Médio (Lei 13.415/2017)23 capitaneada por
dio-lei-134152017 . Acesso em 25
privilégios da classe dominante local que tem diversas organizações de ensino e pesquisa
de agosto de 2022.
18
Médio no Brasil demonstra que o substituti- cação é sempre subsumida pela função política,
vo necessário a ser defendido pela classe tra- isto é, ainda que a educação seja interpretada
como uma tarefa meramente técnica, nem por
balhadora está instalado nos Institutos Fede-
isso ela deixa de cumprir uma função política.
rais de Educação – IFs, como já afirmei neste 24 Fonte: Sítio eletrônico da Fol-
Aliás, limitá-la à função técnica é uma forma
artigo. ha de São Paulo. Disponível em
eficiente de coloca-la a serviço dos interesses
dominantes. https://www1.folha.uol.com.br/
proposta de novo Ensino Médio, na perspec- cia crítica implica, em síntese, certa margem de to de Economia Aplicada. Disponível
Mas na luta de classes será necessário criar aquela ilusão de poder. Aqui, admito, há risco cação São Paulo”; pondo fim ao sis-
um contraponto à força financeira, materi- de se passar de um otimismo ingênuo para um tema de “aprovação automática”.
19
pessimismo, a meu ver, igualmente ingênuo, Mesmo que o controle dos meios de produção
acreditando-se, agora, que a determinação da
seja da burguesia, toda riqueza é produzida
sociedade, isto é, da classe dominante, é tal que
pela classe trabalhadora e por este motivo
retira da educação toda e qualquer chance de
devemos reivindicar o que é nosso, passan-
contribuir positivamente para a transformação
da sociedade. Entretanto, se a consciência dos
do também, pelas disputas dentro do Ensino
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar é necessário reafirmar que ne-
cessitamos realizar a denúncia política sobre
a nossa atual (e histórica) precarização da
educação estatal (pública) reafirmando as já
citadas característica da nossa estrutura ed-
ucacional e priorizando a formação/organi-
zação dos trabalhadores como classe para a
resistência ativa com entusiasmo crítico.
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22
RESUMO
No contexto de reforma curricular do Ensino Médio em São Paulo, foram instituídas propostas
com pouca ou nenhuma participação dos maiores interessados: a comunidade escolar. Conside-
rando a importância de que as políticas públicas encontrem materialidade na realidade social
e que, para isso, dependem dos agentes envolvidos em sua implementação, o presente artigo se
dedica à análise de falas de três docentes, colhidas por entrevistas semiabertas durante pesquisa
que investigou a implementação do Programa Inova Educação na rede pública de São Paulo.
Por meio da análise, é possível notar a ausência de conexão real entre o que propõem os refor-
madores e a realidade das escolas públicas, de modo que tem se tratado de uma reforma sem
participação e concordância das professoras.
Em 2020 a Secretaria de Educação do es- fora da escola 3 . Isso explica a introdução das
tado de São Paulo (Seduc-SP) iniciou a im- novas disciplinas: as disciplinas eletivas,
plementação do Programa Inova Educação que são planejadas pelos professores e es-
– uma mudança profunda no sistema de colhidas livremente pelos alunos, prometem 1 Este artigo é dedicado às professo-
ensino paulista, com vistas a implementar aproximar a escola dos interesses individuais ras entrevistadas, que ofertaram seu
a Lei 13.415/2017 e a nova Base Nacional dos estudantes. Já Tecnologia surge com o tempo escasso para a construção da
Comum Curricular (BNCC) no estado. O Pro- suposto objetivo de tornar os estudantes mais pesquisa.
três novos componentes curriculares: Projeto tempo e espaço próprios para, com o auxílio
3 Disponível em: <http://www.sa-
de Vida, Tecnologia e disciplinas eletivas 2 . de seus professores, planejarem seu futuro a
opaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/
partir de seus sonhos.
inova-educacao-projeto-de-vida-aux-
Essas alterações curriculares têm em vista, ilia-em-habilidades-socioemocion-
segundo seus formuladores, tornar a escola Toda reforma educacional precisa expres-
ais/>. Acesso em 11/19.
23
sar interesses e perspectivas de docentes, que, por mais que as audiências públicas da
gestores, diretores, funcionários e, por fim, BNCC tenham contado com a presença de do- 4 O Instituto Ayrton Senna é uma
dos estudantes, devendo, para tanto, ser centes, gestores e estudantes, a participação organização familiar sem fins lu-
construída a partir de debate amplo e de- real desses atores foi mínima: suas sugestões crativos, fundada em 1994 com o
mocrático com estes sujeitos, responsáveis não foram levadas em consideração ou só o objetivo de “dar a crianças e jovens
por sua materialização no cotidiano escolar. foram na medida em que cabiam na proposta brasileiros oportunidades de desen-
A Reforma do Ensino Médio, o Programa Ino- inicial e no interesse dos reais reformadores: volver seus potenciais por meio da
cesso, no chão da escola e na consciência dos Programa Inova Educação, com o qual a Se- <https://institutoayrtonsenna.
professores, que ela irá adquirir a sua identi- duc-SP possui termo de cooperação para im- org.br/pt-br/conteudos/parceria-
dade na história da educação brasileira (MEC, plementação de um currículo de acordo com entre-estado-de-sao-paulo-e-
2017, grifos meus).
a BNCC desde 2018 . Dessa parceria nasce instituto-ayrton-senna-levara-
pt-br/conteudos/prototipo-
Mas o que garante a participação
A implementação do Programa Inova Edu-
minha-escola-partic-
desses atores? Nos documentos oficiais, tanto
cação foi mantida com o início da nova pan- i p a - d e - m o v i m e n t o
nacionais quanto estaduais, os reformadores
demia da Covid-19, e deu ensejo ao aprofun- -inova-em-sao-paulo.
utilizam o argumento de que a reforma no
damento da Reforma no estado de São Paulo, html>. Acesso em 07/22.
ensino brasileiro, e no ensino paulista em
por meio da implementação, em 2021, do
especial, foi formulada por uma equipe téc-
Novo Currículo Paulista para o Ensino Médio, 7 Disponível em <https://insti-
nica e deliberada democraticamente com a
o primeiro do país alinhado à BNCC . Por
8
tutoayrtonsenna.org.br/pt-br/
sociedade civil (MICHETTI, 2020). Essa du-
conta do contexto pandêmico, as delibera- conteudos/parceria-entre-insti-
pla justificativa, no entanto, não se garante
ções com a comunidade escolar em torno do tuto-ayrton-senna-e-seduc-sp-for-
por isso e pela sobrecarga que vivenciavam entre entrevistadora e entrevistadas (LIMA,
os docentes, deficitário: 2016). As conversas foram realizadas por
chamada de vídeo, para garantir a segurança
Utilizando principalmente o canal do Centro de da pesquisadora e das entrevistadas, gra-
Mídias de São Paulo (CMSP), devido ao distan-
vadas e transcritas com o consentimento das
ciamento social provocado pela pandemia da
participantes. Para a escrita do artigo, os no-
Covid-19 (Sars-Cov-2), a Seduc-SP, a partir de
mes das participantes foram alterados.
reuniões on-line, com a escassa participação do
corpo docente e quase nenhuma dos discentes,
implementou, a toque de caixa e de forma coer- Cabe mencionar que o contexto de pande-
civa, esse novo modelo para o Ensino Médio, mia e a impossibilidade de ir até a escola
gerando muitas incertezas tanto para os pro- dificultou o contato com demais docentes
fessores quanto para os alunos (CARVALHO & que pudessem contribuir com a pesquisa. Os
CAVALCANTI, 2022, p. 10).
contatos foram intermediados pelas docentes
que já haviam se disposto a participar das
Considerando, portanto, a pouca partici-
entrevistas. A dificuldade de conseguir mais
pação da comunidade escolar na formulação
voluntários se valeu, primeiro, do recorte da
dessas propostas de mudança de ensino faz-
pesquisa: as docentes relataram que a maio-
se necessário analisar o processo de imple-
ria dos outros professores talvez não tives-
mentação das reformas no chão da escola.
sem nada a relatar sobre as disciplinas do
Para isso, foi realizada uma pesquisa 9 com
Programa Inova Educação porque ainda não
o objetivo de analisar esse processo em uma
tinham tido contato com elas, já que a maio-
escola estadual de Campinas – SP, por meio
ria dos professores que se disponibilizaram
de entrevistas com docentes e estudantes.
para ministrar as disciplinas eram aqueles
que precisavam completar a carga horária,
Nesse artigo, há a análise das falas das do-
pois o número de aulas de suas disciplinas
centes entrevistadas, compreendendo a in-
originais havia sido reduzida.
tencionalidade desses atores no processo de jeto-de-vida.html>. Acesso em
primeiro concluir o curso para depois se ha- dá esse direcionamento de que as eletivas de-
bilitarem para a ministração das disciplinas. vem estar associadas a uma escolha profissional
(Prof.ª Laura).
Mas, como relata a professora Catharina: “E
quando eu entrei, eu não tinha feito curso
Eletiva, inclusive, ela está relacionada ao projeto
nenhum, porque eles não tinham professor, 10 Ver: <https://inova.educacao.
de vida, é... pra você fazer a montagem das ele-
inclusive, muitos professores interessados sp.gov.br/wp-content/uploads/
tivas na escola, você tem que considerar o que
sites/2/2021/02/regulamen-
nessas aulas, né? E aí eles liberaram pra os alunos indicam como um sonho deles. Então,
to_Inova-seduc-sme-basica-3cur-
quem tava entrando agora, e aí eu fui fazer o tem essa ligação. Os professores não fazem isso,
sos-1ed_2021-fbasica.pdf>. Acesso
curso só depois” (Profª Catharina). na realidade, porque nem dá tempo, sabe? De
em 09/22.
juntar toda essa informação e pensar eletivas a
26
partir disso (Prof.ª Catharina). desde aqui, atenção ao chão da escola res-
ponsável pela implementação do Programa.
Apesar disso, as professoras percebem as
disciplinas eletivas como um ponto positivo Mercado de trabalho e
do Programa Inova. Para elas, é uma opor- os sonhos dos estudantes
tunidade de transmitir um conteúdo novo e
extracurricular para os estudantes, o que per- Um tema que permeou as entrevistas e a
mite também maior liberdade docente: própria pesquisa de que resulta esse artigo foi
a relação entre o Programa Inova Educação
[...] a eletiva eu acho legal, sabe, porque você
e o mercado de trabalho. Nos documentos
tem oportunidade de fazer umas aulas assim,
que balizam as recentes reformas do ensino,
mais legais, assim, né, que eles se empolgam.
E essas eles gostam mais, eu sinto que eles se
em especial do Ensino Médio, a preocupação
envolvem mais, também (Prof.ª Catharina). com a inserção dos estudantes no mercado
de trabalho contemporâneo é dominante.
Apenas uma das professoras ministrava aulas Segundo os reformadores, os estudantes pre-
de Tecnologia. A formação para esse com- cisam ser adaptados a um cenário de insta-
ponente deu-se nas mesmas bases que para bilidade e flexibilidade dos novos postos de
os demais e, segundo a docente, não foram trabalho, de novas habilidades e competên-
suficientes para prepará-la para as aulas, cias requeridas pelos empregadores e de
que envolviam, inclusive, linguagem de pro- ausência de garantias de segurança. Desse
gramação e conteúdo das ciências exatas. modo, o Currículo Paulista aponta para a
Além disso, a falta de estrutura da escola necessidade de preparar os jovens para “o
para a ministração das aulas de Tecnologia desempenho de ‘profissões’, cada vez mais
tornava a missão ainda mais desafiadora e fluidas, intangíveis e mutantes” (SEDUC-SP,
colocava a necessidade de ressignificação: 2020, p. 28).
[...] você imagina você falar sobre tecnologia Muitos autores têm destacado essas mutações
numa escola onde não tem nem computador no mercado de trabalho e a importância que
ou, se tem computador, são poucos e com vári-
a educação toma nesse cenário. É por meio
os problemas, ou eles não têm celular e é umas
da educação formal, do ensino de habilidades
coisinhas muito bestas, assim, muito... ah, para
e competências, que se constituem os tra-
eles não têm muito sentido. E aí, o que a gente
balhadores flexíveis, adaptáveis a qualquer
faz é tentar reinventar e fazer essas discussões
ser mais interdisciplinares para ter algum senti- função, submetidos a condições precárias de
do para eles (Prof.ª Barbara). trabalho e ausência de direitos trabalhistas
básicos (LAVAL, 2004; FRIGOTTO, 2010;
O que já fica claro aqui foi a falta de empen- FERRETTI, 2018). As docentes entrevistadas
ho por parte da Seduc-SP na formação do- apontam como isso se revela nas disciplinas
cente para a ministração desses componentes do Inova:
e da atribuição de aulas de forma que profes-
sores com maior familiaridade com algumas [...] é bem isso, “olha, o mundo do trabalho der-
reteu, o mercado de trabalho é extremamente
temáticas fossem melhor direcionados. Falta,
27
precário e o seu lugar pode ser fazer qualquer truturas próprias desse mercado de trabalho,
coisa”. Né? Então, é isso. A Reforma do Ensino
marcado pela necessidade de alta especiali-
Médio me passa muito isso, que é uma coisa que
zação e da substituição da força de trabalho
deixaria qualquer um da década de 80, talvez,
humana. No entanto, enquanto falseamento
horrorizados, e hoje, não. Que é o que? Falar:
“olha, o que estão reservando para os filhos da
da realidade, convence os indivíduos que,
classe trabalhadora: ah, ele não precisa ter pen- se tendo todas as oportunidades e possibili-
samento crítico, ele não… ele precisa se inserir dades não conseguiram sucesso, então é res-
de alguma forma, porque no mundo pós-moder- ponsabilidade deles:
no ele não tem um emprego que vai durar mui-
to, não tem um emprego com carteira assinada, [...] parte, é, de querer construir nos estudantes
então ele precisa saber se virar. Então, ele não um sujeito passivo frente às transformações nas
precisa ler o mundo, ele não precisa entender o relações de trabalho, inclusive, né, que a gente
mundo, ele não precisa se inserir de forma críti- está vivendo na sociedade atualmente. Então,
ca, porque ele precisa, na verdade, sobreviver” não à toa a discussão de empreendedorismo ela
(Prof.ª Laura). tá encarniçada no currículo, né? E é para con-
vencer os nossos estudantes que se eles fracas-
É essa postura fatalista (cf. FREIRE, [1996] sarem, não conseguirem um emprego, é culpa
2019) e muito marcada por um ideal meri- deles, né, que não estudaram, enfim, que não
se dedicaram. Não da sociedade que eles vivem
tocrático e de empreendedorismo, segundo
que tem a desigualdade social enquanto centro
as professoras, que domina o novo currículo.
(Prof.ª Barbara).
É esse “mundo do trabalho derretido” que se
apresenta como realidade e é a essa realidade
Essas percepções se relacionam com um ou-
que os estudantes precisam ser conformados:
tro ponto muito mencionado pelas docentes e
que parece gerar um incômodo generalizado
Mas não só isso, é, mesmo as ideias contidas
ali é como você vai se adequar a esse mercado
entre elas. As três professoras narraram a di-
de trabalho. Eu acho que tem muito essa ideia, ficuldade de lidarem com a ideia de “sonho”,
olha, qual mercado de trabalho a gente tem? E o muito presente no currículo e associada ao
que você tem ali de pano de fundo - vamos dizer futuro dos estudantes. Nesse sentido, associa-
assim - de mercado de trabalho, é esse mercado do ao ideal meritocrático, a proposta é que,
de trabalho volátil, sem carteira assinada, sem
por meio principalmente da disciplina de
estabilidade, né, mas em vez de passar isso como
Projeto de Vida, os estudantes pudessem se
algo negativo, é passado como algo positivo de
planejar e decidir quais os melhores camin-
oportunidade, que é a ideologia neoliberal, né?
[...] (Prof.ª Laura). hos a seguir para alcançarem seus sonhos: o
que desejam ser no futuro, tanto em termos
sentido de responsabilização dos sujeitos di- com essa questão. Em primeiro lugar, encon-
ante dos fracassos ou sucessos nesse cenário. traram dificuldade em lidar com os sonhos
através do próprio esforço, esbarra nas es- individuais para o futuro, sem frustrá-los.
28
Para elas, ouvir os relatos dos sonhos dos es- dar especificamente com o Projeto de Vida
tudantes conhecendo a realidade social, fa- traz às docentes que, ainda mais num período
miliar e financeira de cada um, apresentou o de pandemia, não se veem preparadas para
desafio de incentivar seus alunos e alunas e administrar. As docentes relataram como em
mostrar as reais possibilidades que se abrem muitas atividades das aulas de Projeto de
para eles: Vida, os estudantes acabavam por relatar as-
pectos muito sensíveis de suas vivências, so-
Pra quem vem da escola pública, você tem nhos de futuro que iam muito além da esco-
que dar esse real pra ele, porque senão você tá
lha de uma profissão, e que exigiam das pro-
mentindo. O problema é a mentira. Porque não é
fessoras estrutura e preparo psicossocial que
verdade que quem se esforça chega, cê entende?
a formação para o componente não abarca.
[...] Ele tem que saber como ele tá inserido na
sociedade para ele não se frus trar e ao mesmo
[...] [O componente Projeto de Vida] permite,
tempo não desistir. Então, trabalhar com essas
talvez, a gente ter um tipo de relação mais ínti-
duas coisas não é a mesma coisa que ir atrás de
ma com os estudantes que estiverem dispostos a
sonho. A ideia de sonho, ela é muito perigosa
se abrir com o professor. A grande questão é que
para ser trabalhada com alguém que não sabe
isso gera uma demanda emocional, inclusive,
fazer isso e não tem preparo para fazer isso [...]
muito grande, né? Tanto para os professores
(Prof.ª Laura).
e que, por vezes, não tem formação até para
tentar lidar com esses problemas que os alunos
Além disso, as docentes notam que, mais do
acabam por relatar, tipo, de violência sexual
que introduzir uma ideia romantizada do dentro de casa, é... de desemprego, de agressão
mercado de trabalho, capaz de frustrar os dos pais nas suas mães, as suas companheiras...
estudantes, o novo currículo também impõe então, de alguma maneira, a gente começa a ter,
uma ideia de futuro, baseada no mercado de pode vir a ter uma relação mais estreita com os
demandas e desafios às docentes, em quanti- Mas eu quero dizer que a ideia de ter uma disci-
plina que ajude, auxilie o estudante na organi-
dade muito superior ao que elas recebiam an-
zação da sua vida, eu não acho ruim. Eu acho
tes, sem que as professoras possuam preparo
que é uma orientação a mais e não acho ruim,
adequado ou estrutura para lidar com essas
acho que é bom, na verdade. [...] Mas eu acho
demandas. O Programa Inova, principal- que como ela tá sendo implementada e o obje-
mente por meio do componente Projeto de tivo que acaba ficando claro é que mancha um
Vida, parece exigir que os profissionais da pouco a ideia, talvez, original, [...] eu acho que
educação desocupem seus cargos de magis- é muito empresarial. [...] hoje, a escola pública
tério e se tornem psicólogos ou coaches dos tá muito atravessada pela lógica empresarial, in-
clusive com as empresas lá dentro, né? (Prof.ª
estudantes.
Laura).
Papel da escola na orientação Para além disso, mais do que a visão empre-
dos estudantes sarial da escola, as professoras discordam da
ideia dos reformadores de que o problema da
Perguntamos também às docentes qual o pa-
educação seria seu caráter muito conteudista
pel da escola e da docência e se a orientação
e que a solução para isso seria focar em com-
para a vida, como proposto pelas Reformas
petências e habilidades. As docentes defen-
e materializado, principalmente, no com-
dem que o papel da educação e da docência
ponente Projeto de Vida, fazia parte desse
é colocar o estudante em contato com o con-
papel. Apenas uma das docentes rejeitou
hecimento científico produzido e acumulado
completamente a ideia de que a escola de-
pela humanidade e acolher os conhecimentos
veria auxiliar os estudantes a planejarem e
que ele próprio traz para a sala de aula:
alcançarem seus objetivos. As outras duas
afirmam que esse é uma das funções da edu-
[...] que ele tenha contato com o que a humani-
cação e que cabe, sim, aos docentes, não sen- dade produziu de conhecimento. Essa é a parte
do, no entanto, seu papel principal: realmente fundamental da escola [...]. Então,
eu acho que é esse o papel do professor. [...] E
[...] não sei se é o papel, mas eu acho que faz outra muito importante, o papel é mostrar pro
parte do processo educacional mostrar pra esse estudante que aquilo que ele conhece também é
estudante do que, no que ele é bom. Qual é o po- importante. Que é a parte mais difícil pros pro-
tencial dele. Então, acho que é o papel da escola fessores. É entender que o estudante não é uma
extrair o máximo de potencial de cada estudante folha em branco. [...] esse é o papel principal
que a gente tem (Prof.ª Laura). da escola, ser essa via de mão dupla aí entre o
conhecimento acadêmico e o conhecimento que
a criança ou o adolescente traz da sua vivência
No entanto, a proposta do Programa Inova
(Prof.ª Laura).
Educação em si não parece adequada. Para
as docentes, o ideal empresarial que atraves-
Além disso, aparentemente disputando com
sa o currículo acaba suplantando os benefíci-
a ideia de que as reformas curriculares visam
os de auxiliar os estudantes a pensarem e
formar um estudante acomodado e passivo
planejarem seus futuros:
frente à sociedade desigual e ao mercado de
trabalho derretido da contemporaneidade, as
30
educação mediada por tecnologia [...]”12. Em aula e pensar na sua prática que não é muito
meio à pandemia, com a impossibilidade de fácil de refletir sobre isso. [...] os professores
também tiveram que fazer toda essa adaptação,
retorno às aulas presenciais, o CMSP serviu
essa mudança no currículo, sem entender muito
de suporte para a transmissão de aulas para
bem, porque também tem o ano da pandemia,
todos os estudantes da rede. Todos os es-
no momento em que a gente não tem como mat-
tudantes tinham acesso ao conteúdo trans- urar isso porque a gente tá fazendo 20 coisas ao
11 Ver: https://www.educacao.
mitido pela plataforma e, no contraturno, po- mesmo tempo (Prof.ª Laura).
sp.gov.br/confira-decretos-e-res-
diam participar das aulas virtualmente com
olucoes-de-educacao-implementa-
seus próprios professores. Para além do oportunismo, o momento de dos-durante-pandemia/. Acesso em
implementação parece inadequado por, ao 06/22.
Diante da necessidade de reajuste menos, mais duas razões. Em primeiro lugar,
profundo da dinâmica das aulas, de medidas contrariando o discurso de que as reformas 12 Disponível em: https://centro-
tomadas às pressas para garantir que os es- foram amplamente discutidas com a socie- demidiasp.educacao.sp.gov.br/o-
tudantes ao menos tivessem acesso aos con- dade civil e, em especial, com professores e que-e-o-centro-de-midias/. Acesso
teúdos programáticos para o ano, parecia im- estudantes, as docentes apontam para o des- em 06/22.
31
contentamento e falta de apoio da categoria Assim, para um estudante que não é esse es-
tudante (Prof.ª Laura).
para as mudanças: “[...] não é um projeto
adequado, não consultou os professores e
teve amplo rechaço da categoria, e mesmo Mais do que uma insensibilidade com a situ-
assim foi imposto goela abaixo” (Prof.ª Bar- ação real dos estudantes da rede, essa dis-
bara). A resistência e crítica dos docentes tância entre o que propõe os reformadores
ração mesmo da BNCC e continuaram a ex- 14 situação limite como a pandemia – expõe
istir mesmo após a pandemia . Desse modo, uma incompreensão mais geral da situação
nota-se um descompasso entre a reforma e o da educação pública no país e dos reais mo-
Uma última incoerência apontada pelas pro- vida os altos índices de evasão e as baixas
fessoras diz respeito a suas percepções da notas nos exames nacionais e internacionais.
condição dos estudantes no momento pan- Em sua visão, a escola não é mais atrativa
dêmico. Afetados emocional, social e ma- para a juventude, não se comunica com ela,
terialmente, a escola passou a ocupar um e, por isso, os jovens evadem ou não estão
lugar diferente na vida dos jovens. Muitos interessados em aprender. Essa culpa recai
evadiram, grande parte precisou começar a também sobre a gestão e os professores que,
domésticas aumentaram, o luto passou a fa- ensino, suas disciplinas e currículos enges-
zer parte do cotidiano, a saúde mental foi de- sados, tornam o Ensino Médio distante dos
teriorada, entre outros fatores que colocaram jovens. No entanto, o que aparece na fala
a finalização dos estudos em segundo plano. das docentes entrevistadas é uma visão mais 13 Ver, por exemplo, a manifestação
Nesse contexto, as docentes notaram um geral, mais pautada na vivência cotidiana de estudantes e professores realizada
afastamento dos estudantes da escola, não só com os estudantes: é a fome, o desemprego, no momento da segunda audiência
entendeu? Que os pais vão lá na escola, fala: “a o Novo Ensino Médio, mas também impul- www.anped.org.br/news/car-
gente não tem o que comer”. [...] Então, às vez- sionado pela pandemia e pela necessidade ta-aberta-pela-revogacao-da-refor-
es, também, quando eu olho muitas coisas do de tornar digitais os processos burocráticos, ma-do-ensino-medio-lei-134152017.
torno presencial às escolas, essas docentes al das escolas e da juventude que frequenta
tiveram que lidar ainda com estudantes que a escola. Mais do que distante da docência,
perderam muito, não apenas em termos de a Reforma do Ensino Médio parece estar dis-
conteúdo curricular, mas de sociabilidade, tante dos estudantes que busca atender.
saúde emocional e financeiramente.
No entanto, o que também foi notado du-
Soma-se a isso a necessidade de administrar, rante a realização da pesquisa, foram as pos-
em meio a um cenário incerto, as exigências sibilidades abertas de resistência. Como men-
das novas disciplinas do Inova, que pressupõe cionou a professora Laura:
certeza sobre os objetivos futuros e sobre o
mundo futuro para os estudantes, além de se Uma coisa é o que é pensado, outra coisa é o
que é processado pelos professores lá na ponta,
tratarem de mudanças das quais não fizeram
né. [...] Então acho que é isso que os professores
parte, com as quais não concordam e para
tentam fazer, né. Pensando em como ele é cria-
as quais não tiveram formação suficiente.
do e como chega, né, na ponta, eu vejo muitos
Por fim, temos os mecanismos de controle professores que eu conheço, pelo menos, com
invadindo a sala de aula, interrompendo o essa preocupação de não ser o que realmente
fluxo do trabalho de ensino-aprendizagem parece. Fazer, mas não fazer exatamente daque-
docência como profissão. essa narrativa que tá sendo passada para o es-
tudante através dos cursos (Prof.ª Laura).
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35
RESUMO
O artigo apresenta alguns mecanismos de como o capitalismo, em sua especificidade, se relacio-
na com as guerras, diferenciado-se assim os conflitos bélicos os quais obedecem a outra lógica
societária distinta dos modos de produção feudal e escravista. Tais especificidades ocorrem pela
integração do mercado em escala planetária, demonstrada pela necessidade das corporações
competirem entre si por acesso a recursos materiais ou tecnológicos. Os dados da mídia informa-
tiva corroboram a hipótese por meio das ações concretas dessas empresas. Apresenta-se aqui os
limites das interpretações baseadas apenas no Estado Nacional como o determinante dos confli-
tos bélicos atuais e aponta para a possibilidade de um novo período histórico no qual as guerras
incorporarão os atores não estatais nos cenários de conflitos intercapitalistas.
Para a imensa maioria dos analistas políti- Em todos os conflitos bélicos dos últimos 300
cos do mundo, o impensável aconteceu. Uma anos, após a construção do que se chama Paz
guerra com potencial nuclear. A entrada da de Westfália, temos regras para as relações
Rússia em território ucraniano foi um ato internacionais que se baseiam na soberania
de defesa da segurança interna, de acordo estatal. A conformação de diferentes estados
com Putin, e de ataque à soberania estatal, nacionais, com exército próprio, com normas
segundo o governo Zelensky. As diferentes e leis internas homogêneas e o estabeleci-
“narrativas” são parte da própria guerra. A mento de diplomacia permanente foi a tenta-
entrada da Ucrânia da União Europeia (UE) tiva de estabelecer um sistema de equilíbrio
e na Organização do Tratado do Atlântico de forças contra-hegemônico nas relações
Norte (OTAN) são reivindicações dos grupos interestatais, sob o princípio da igualdade
de poder no atual governo e entram em cho- derivada do mercado. Sabe-se que a transição
que com outros grupos políticos e econômi- do feudalismo para o capitalismo exigiu a
cos que têm mais alinhamento com a Rússia. criação de instituições as quais deram fun-
Para entender esse complexo jogo de intere- damentos jurídicos para a expansão da for-
sses é preciso desmistificar alguns pressupos- ma mercadoria. Desde os liberais clássicos,
tos dados como certos no senso comum das como Adam Smith, o conceito de “nação”
análises. torna-se uma categoria analítica chave. As
36
para que os equipamentos exigidos por uma bardeios, anexações e enfrentamentos di-
guerra alavanquem o desenvolvimento de retos, entre nações, que por sua vez, se
tecnologias novas ou aplicações produtivas lançavam como potências imperiais. Assim
para as antigas. Esse processo sempre fez foi com Espanha e Portugal, depois com In-
avançar muito a capacidade de produção do glaterra, França e Alemanha e mais recen-
sistema capitalista. temente, com os Estados Unidos. As duas
grandes guerras do século XX nada mais fo-
Os dados demonstram, que na semana ram do que guerras imperialistas, em que as
seguinte ao início da Guerra na Ucrânia, as nações envolvidas pretendiam impor a ou-
empresas da área de armamentos tiveram al- tras os seus interesses econômicos e políti-
tas nas bolsas de valores. cos. A direção dessas nações se deu por meio
de classes burguesas nacionais vinculadas às
Tais apontamentos demonstram que a guerra corporações que se desenvolveram em terri-
é uma exigência intrínseca ao próprio ser do tórios delimitados pelas fronteiras nacionais.
capital e não apenas um momento destruti- Desta maneira, tais classes burguesas, pro-
vo de forças produtivas em períodos de crise duziram dirigentes políticos e militares que
cíclica. compunham os estratos gestores daquelas
sociedades. Todas as vezes que seus interes-
As classes sociais e ses burgueses nacionais foram colocados em
os Estados risco foi acionado o mecanismo de repressão
estatal. Isso vale para ameaças externas, mas
O sistema de estados criado em meados do também ameaças internas vindas de outras
século XVII conviveu com guerras por ex- classes adversárias dos interesses burgueses
pansão de mercados, com invasões, bom- nacionais. Todo o século XIX, com suas rev-
ticipação dessas empresas nos mercados glo- é alta. Por favor, use com cautela. (Portal G1,
da até aqui nos leva à seguinte hipótese: nos conflitos contemporâneos. Ele é a person-
os capitalistas que operam algumas em- ificação individual de uma cadeia produtiva
presas influenciam decisões de governos que está em concorrência direta com empre-
para enfrentar dificuldades de mercados. sas sediadas em território russo. Assim, como
no Putin têm interesses em ampliar sua par- alizadas pelos governos, mas sim pelas em-
39
presas que definem se é vantajoso ou preju- de cartão de crédito chinesa adotada na Rússia
após Visa e Mastercard suspenderem operações
dicial aos seus negócios. As notícias desse
| Ucrânia e Rússia | (Portal G1, 2022).
fenômeno apontam nesse sentido, como por
exemlo que as empresas Ford, Visa, Spotify
A revista Isto é Dinheiro está apostando que
deixaram a Rússia após início da guerra, de
a aliança faz parte de um bloco econômico,
acordo com a CNN Brasil.
a notícia é clara: A China é o escudo de Pu-
tin contra as sanções financeiras de EUA e
Por outro lado, a corporações alinhadas ao
aliados. (Seu Dinheiro, 2022). Vejam que as
estado russo estão ampliando outros mer-
fronteiras não são mais apenas nacionais, são
cados fortalecendo assim uma mega aliança
fluidas, quem detém o poder sobre esse ter-
econômica viabilizada pelas sanções ociden-
ritório exerce o mando. O caso chinês é em-
tais. Por exemplo:
blemático de como a massa humana pode ser
operações na Rússia. A mudança para a Union- e CEO da Yara International, “é crucial que a
Pay foi anunciada pelo maior banco da Rússia, comunidade internacional se reúna e trabalhe
o Sberbank, além do Alfa Bank e o Tinkoff, se- para garantir a produção mundial de alimentos
UnionPay é considerada a maior rede de cartões número de alternativas hoje seja limitado. Isso
do mundo. Com mais de 7 bilhões de cartões constitui um dilema difícil entre continuar abas-
em circulação, ela é a mais usada na China e tecendo-se da Rússia a curto prazo ou cortar a
em menor escala. - O que é UnionPay, bandeira A última opção pode ter consequências sociais
40
consideráveis. Essas considerações não devem pois quem controla o centro do tabuleiro tem
ser feitas por empresas individuais, mas preci-
vantagens estratégicas. Porém, indo além,
sam ser feitas por autoridades nacionais e inter-
existe uma questão geoeconômica em pauta:
nacionais”. “A urgência agora está em ajudar a
os recursos energéticos disponíveis em terri-
Ucrânia e o povo ucraniano. Ao mesmo tempo,
estamos pedindo aos governos noruegueses e in-
tório ucraniano e a tecnologia nuclear domi-
ternacionais que se unam e protejam a produção nada pelas empresas alinhadas ao estado rus-
global de alimentos e trabalhem juntos para di- so.
minuir a dependência da Rússia”, resumiu ele
(COMPRE RURAL, 2022). Para argumentar sobre isso é preciso visua-
lizar o mapa abaixo.
A geopolítica dos
recursos energéticos Fica evidente a existência de minérios impor-
tantes na região, além dos gasodutos, agora
Há um elemento pouco comentado nas em território controlado pelas forças russas,
análises sobre o atual conflito na Ucrânia: o que abastecem a Europa e a Turquia. Além
que está em jogo naquele território? Existem disso, existem instalações de produção de
teorias clássicas sobre o domínio do coração energia nuclear com grande capacidade in-
da heartland que alguns autores chamam de stalada. A cadeia de produção desse tipo de
eixo pivô da grande ilha eurasiana. Do ponto energia exige tecnologia e matérias-primas
de vista geopolítico isso tem muito sentido, muito específicas cuja expertise é dominada
Fonte: https://suburbanodigital.blogspot.com/2022/02/mapa-da-ucrania-principais-cidades.html
41
pelos russos. Notem, a Rússia é líder mundial cadeia de suprimentos se tornou globaliza-
da. Em julho deste ano, um grupo bipartidário
na construção de usinas nucleares.
de ex-comissários do NRC enviou uma carta ao
Congresso (exibida abaixo) exortando-os a mo-
Há muito que os parceiros estrangeiros apre-
dernizar a Lei de Energia Atômica de 1954
ciam as vantagens das usinas nucleares russas.
(AEA) para melhor permitir que os Estados Uni-
A “geografia” da cooperação não deixa de sur-
dos trabalhem com seus aliados em projetos de
preender. Foram assinados contratos de con-
energia nuclear. A carta insta o Congresso a
strução de blocos energéticos nucleares com a
suspender a restrição de propriedade, controle
Hungria, Bangladesh, China, Vietnã, Finlândia,
ou dominação estrangeira (FOCD) nas seções
Cazaquistão e Bielorrússia. Em breve, será fir-
103d e 104d da AEA, que inibiu o investimento
mado um acordo de construção do terceiro e
de aliados em reatores domésticos no passado.
quarto bloco na Índia. Duas usinas nucleares
Como as usinas de energia domésticas nos
serão construídas na província de Bushehr, no
Estados Unidos hoje dependem da coopera-
Irã, e uma na Jordânia. (IPEN, 2022).
ção com fornecedores estrangeiros de com-
ponentes de usinas de energia, a restrição
Ao que parece a disputa por fontes de ener-
FOCD apresenta um problema anacrônico
gia é peça fundamental do atual tabuleiro do para projetos de usinas nucleares dos EUA. A
xadrez global. Os russos, por meio de suas lei, tal como está atualmente, não leva em conta
corporações defendidas pelo exército estatal até que ponto as corporações se tornaram mul-
e empresas de segurança privada, como a tinacionais nas últimas décadas; este é apenas
um exemplo de uma área da política nuclear
Wagner Group, competem globalmente pelo
que precisa de uma atualização. (…) Ao mes-
controle dessas fontes de energia. Um ítem
mo tempo, é improvável que os Estados Unidos
básico para qualquer produção mercantil é
realizem todo o seu potencial no setor de ener-
a energia elétrica, o gás ou o petróleo. Os gia nuclear sem a cooperação internacional com
empresários associados ao Estado russo têm aliados, especialmente porque a maioria das
controle sobre uma quantidade enorme des- empresas de energia nuclear são multinacionais
ergia nuclear, como indica o relatório da em- Os trabalhos preliminares estão em estágio
acordos ‘quadro’, que fornecem uma base legal capitalista. Em outras palavras, isto significa
para negociações e identificam áreas específicas
dizer que a relação social de produção mer-
para cooperação bilateral foram assinados com
cadológica tem na guerra sua constituição,
Argélia, Bolívia, Camboja, Cuba, Gana, Nigéria,
seu desenvolvimento e sua autossuperação.
Paraguai, Arábia Saudita, Sudão, Tajiquistão,
Tunísia, Emirados Árabes Unidos (EAU) e Zâm-
A guerra leva a destruição de vidas humanas
são agentes fundamentais no desenrolar da de guerra. Quem sempre perde é a classe tra-
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RESENHA
BRUNETTA, Antonio Alberto; BODART, Cristiano das Neves; CIGALES, Marcelo Pinheiro (Org.).
Dicionário do Ensino de Sociologia. 1.ed. Maceió, AL: Editora Café com Sociologia, 2020,
471p.
Fruto de um amplo trabalho coletivo – que Consta na apresentação que as maiores di-
contou com a participação de 82 pesquisa- ficuldades encontradas nas escolhas dos
dores, representando 49 instituições de en- conteúdos foram: o fato de as temáticas por
sino superior, médio e técnico das diversas vezes se cruzarem, dos especialistas estarem
regiões do Brasil – o Dicionário do Ensino gabaritados para escreverem sobre mais de
de Sociologia apresenta um estado da arte um assunto, e de alguns temas importantes
dos trabalhos sobre o ensino da disciplina e para o contexto escolar terem sido pouco
aponta horizontes para novas pesquisas. explorados nas pesquisas sobre o ensino de
Sociologia. Certamente, como se depreende
Na visão dos organizadores, os professores do relato dos organizadores, o produto fi-
Antonio Alberto Brunetta (UFSC), Cristiano nal também reflete as concepções teóricas,
das Neves Bodart (UFAL) e Marcelo Pinhei- linhas de pesquisa e campos de interesses dos
ro Cigales (UnB), o livro servirá tanto como autores. Isto nos ajuda a entender, por exem-
uma possível referência para os componentes plo, por que foram incluídos textos sobre a
curriculares dos cursos de licenciaturas em BNCC e as OCEM, mas não sobre os PCN; por
Ciências Sociais/Sociologia, quanto como que foi dada tanta notoriedade ao sociólogo
ferramenta colaborativa na orientação de Pierre Bourdieu, que tem um verbete próprio
monografias, dissertações e teses. (escrito por José Marciano Monteiro) e mais
dois diretamente relacionados com a sua
Após o prefácio, escrito por Carlos Benedito obra (“campo” e “subcampo”, escritos por
Martins (p.17-24) e a apresentação, escrita Daniel Gustavo Mocelin); ou por que, dentre
pelos organizadores (p.25-31), a obra traz as perspectivas teóricas dos clássicos, a úni-
85 verbetes (p.33-417). Em seguida apre- ca que mereceu destaque foi o materialismo
senta uma vasta bibliografia (p.419-461), um histórico-dialético (com um texto de Erlando
índice remissivo (p.463-468) e uma lista com da Silva Rêses).
o nome dos autores e das instituições em que
atuam (p.469-471). Boa parte dos verbetes se inicia com uma
46
definição do tema tratado, segue com uma a produção científica desta área como tími-
revisão de literatura e finaliza com sugestões da, uma vez que figura geralmente atrelada
de pesquisas, como podemos ver no trecho a outros objetos de pesquisa, apenas tangen-
abaixo, sobre a imaginação sociológica, de ciando questões cruciais como a relação en-
Mauro Meirelles e Leandro Raizer: tre ensino e aprendizagem, o desenvolvimen-
to, o planejamento etc.
O campo de estudos sobre a Sociologia no ensi-
no médio vem se ampliando nos últimos anos e
Enquanto a didática vem sendo abordada
novas pesquisas poderão analisar em que medi-
timidamente, a avaliação carece ainda hoje
da a inserção da disciplina no ensino médio tem,
de uma reflexão sistemática. O levantamento
de fato, desenvolvido a imaginação sociológica
bibliográfico sobre o tema, apresentado no
dos estudantes e quais os seus determinantes. De
que forma o contexto social mais amplo e o cotidia- texto escrito por Welkson Pires, indica a ine-
no do estudante influenciam seu desenvolvimento? xistência de artigos com esse foco em perió-
Qual a relevância da formação docente adequada dicos científicos de estratos superiores, bem
para o desenvolvimento da imaginação sociológi- como em dissertações e teses. O autor propõe
ca dos estudantes? Quais as implicações para a
que as pesquisas abordem a legislação educa-
formação e perfil de professores que lecionam a
cional, os documentos curriculares, os livros
disciplina? Que métodos de ensino potencializam
didáticos, os vestibulares, o Exame Nacional
seu desenvolvimento? Que tipo de experiências cur-
riculares e extracurriculares podem auxiliar? Qual do Ensino Médio e a prática dos professores.
didática e quais recursos são necessários para a
prática docente reflexiva? (p.185; grifos meus) Como observa Anita Handfas, em “pesquisa
acadêmica”, o currículo está na lista dos as-
1 Os organizadores se referem à área
O parágrafo citado exemplifica bem a preocu- suntos mais estudados no “subcampo”, junto
do ensino de Sociologia como um
pação dos autores em incentivar a produção com os livros didáticos, a formação de pro-
“subcampo”. O verbete sobre o tema
de investigações sobre aspectos fundamen- fessores e a história da Sociologia como disci- explica que os estudiosos que tra-
tais dos processos educacionais – tais como a plina escolar. Vejamos como esses temas são balham com esse conceito procuram
didática, a avaliação e o currículo – que até o tratados no livro. “demarcar um espaço semiautôno-
desigual no “subcampo” de pesquisas sobre o O Dicionário do Ensino de Sociologia não constituído no interior da grande
ensino de Sociologia . 1
reserva um verbete para o tratamento amplo área científica das Ciências Sociais”
O texto sobre didática no ensino de Socio- o tema ao longo da obra, dando um destaque
logia, redigido por Camila Ferreira da Silva, maior à Base Nacional Comum Curricular 2 Os organizadores se referem à área
edição do programa inauguraria uma quarta mais-acadêmicos e saberes práticos. O enfoque Para o leitor interessado na com-
geração de livros didáticos de Sociologia ou nas transposições didáticas requer considerar, preensão do debate suscitado pela
selaria o fim das obras disciplinares. Hoje é além dos elementos estruturais e estruturantes da publicação das OCEM, ver Anjos
possível afirmar que estamos mais próximos formação e da prática docentes, o caráter prag- (2016).
48
matista da objetivação dos saberes do professor de também por incluir um verbete, de autoria
Sociologia, jogando luz sobre suas experiências e
de Vinícius Carvalho Lima, que trata exclu-
experimentações em termos de mediações didáti-
sivamente das reformas Rocha Vaz (1925) e
co-pedagógicas, somente discerníveis em situações
Francisco Campos (1931). Lima sugere que
de ensino-aprendizagem. (p.370; grifos meus).
os estudos sobre as reformas educacionais do
início do século XX deem maior destaque aos
No que diz respeito à formação docente, o
arquivos escolares, pouco explorados até o
dicionário analisa historicamente a forma
presente momento.
como foi se modificando a formação inicial
de professores de Sociologia no Brasil, no
Esta resenha trouxe apenas uma pequena
verbete escrito por Amuraby Oliveira. Mas
amostra da miríade de temas e questões que
também explica experiências mais recentes
o Dicionário do Ensino de Sociologia discute,
tais como Programa Institucional de Bolsa
com o intuito de estimular a sua leitura. Não
de Iniciação à Docência – PIBID (texto dos
se trata de um livro que foi pensado como
organizadores) e o Programa de Residência
uma ferramenta de auxílio aos professores da
Pedagógica – PRP (texto de Jordânia Araújo
Educação Básica na preparação de suas aulas
de Souza).
(embora uma ou outra síntese possa cum-
prir esse papel), mas sim de uma boa fonte
O verbete sobre a história da Sociologia na
de consultas e sugestões para todos aqueles
Educação Básica no Brasil, escrito por Si-
que pretendem realizar ou orientar trabalhos
mone Meucci, destaca os dois períodos em
acadêmicos sobre o ensino da Sociologia.
que a disciplina foi componente curricular
obrigatório das escolas de nível médio em
Um limite da publicação está no fato de os
todo o país: o primeiro, que vai de 1931 a
organizadores não terem incluído pelo menos
1942, e o segundo, que vai de 2008 a 2017.
um verbete sobre as pesquisas que analisam
Defende não haver correlação entre ambi-
as experiências pedagógicas com a Sociolo-
entes democráticos e a presença da Sociolo-
gia (ou Ciências Sociais) no Ensino Funda-
gia nas escolas, mas considera que há pelo
mental. No entanto, esse é um problema que
menos uma semelhança entre os dois perío-
poderá ser sanado numa próxima edição.
dos supracitados: “a qualificação do Estado
como agente autorizado a pautar um discur-
so sobre a sociedade” (p.167).
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nas, vol.31, n.85, p.359-382, set./dez.2011.
MORAES, Amaury Cesar. Ciência e Ideologia na Prática dos Professores de Sociologia no Ensino Médio: da neutralidade
impossível ao engajamento indesejável, ou seria o inverso? Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 39, n. 1, p. 17-38,
jan./mar. 2014.
50
RESENHA
PRADO JÚNIOR, Caio; FERNANDES, Florestan. Clássicos sobre a Revolução Brasileira.
3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2003, 160 pgs.
A obra “Clássicos sobre a revolução brasilei- Quanto ao primeiro autor, Caio Prado Júnior,
ra” é constituída de duas partes, denomi- foi um filósofo, sociólogo, geógrafo, escritor,
nadas “A Revolução Brasileira” e “O que é historiador da formação histórica e social
Revolução”, onde cada parte reúne as princi- brasileira pela teoria marxista.
pais ideias de um autor a respeito do proces-
so revolucionário brasileiro. Devido a isso, Sua contribuição para a obra “Clássicos so-
observam-se divergências entre os autores bre a revolução brasileira” é uma transcrição
sobre o caminho a ser percorrido pela revo- completa do primeiro capítulo de seu livro
lução no Brasil, visto que cada autor possui “A Revolução Brasileira” datado de 1966.
sua própria interpretação sobre a situação
revolucionária brasileira no momento da di- Portanto, na primeira parte da obra, intitu-
tadura militar brasileira. lada “A Revolução Brasileira”, Caio Prado
Júnior discute sobre a formulação de uma
Os dois autores utilizam ideias de Karl Marx, teoria sobre a revolução brasileira. Tendo em
Friedrich Engels e Lênin, presentes em obras vista o contexto social vivido na época da di-
como “O Manifesto do Partido Comunis- tadura militar, esta teoria, deveria expressar
ta”, “Do Socialismo Utópico ao Socialismo as tendências da luta de classes, estabelecen-
Científico”, “Esquerdismo, A Doença Infantil do parâmetros de atuação da classe operária
do Comunismo”, para exemplificar e explicar para ações sociais e políticas voltadas à des-
as questões que envolvem o processo revolu- truição da sociedade burguesa e a criação da
cionário nacional. sociedade comunista.
51
Com isso, o autor aponta que o Brasil estaria guesia. Seguindo ideias de Lênin, Florestan
na iminência de um processo revolucionário, Fernandes aponta alguns indícios para o
no qual o proletariado poderia realizar as surgimento de uma situação revolucionária
transformações e reformas que poderiam como: o agravamento da exploração e da
melhorar a situação da nação, satisfazendo miséria sobre as classes oprimidas, e a inca-
as necessidades e anseios da população com pacidade das classes dominantes manterem
a universalização de educação, emprego, sua dominação sob forma inalterada (PRADO
saúde e segurança. JÚNIOR; FERNANDES, 2003, p.100).
No segundo capítulo “Quem faz a Rev- levada até o fim. da sociedade capitalista, tornan-
cionária das classes sociais oprimidas na O quinto capítulo “Revolução Nacional ou novo padrão de civilização (PRADO
luta contra a dominação imposta pela bur- Revolução Proletária?” trata sobre o cami- JÚNIOR; FERNANDES, 2003, p.20).
52
nho a ser tomado pelo proletariado rumo à das do período colonial e pela dependência
revolução. Segundo o autor, só com o pro- do país no sistema capitalista mundial, 2º)
letariado devidamente consolidado como Rejeição a ideia da existência de uma bur-
classe, poder-se-ia lutar pela realização da guesia nacional com interesses contrários
revolução em nível nacional. ao imperialismo, apta a liderar as transfor-
mações sociais decorrentes da revolução de-
Deste modo, o processo revolucionário bra- mocrática e nacional, 3º) Adoção da ideia de
sileiro seria construído na mesma medida em que as forças populares devem adotar uma
que seria formada uma classe trabalhadora linha política autônoma de atuação, supe-
que fosse capaz de lutar pela revolução até rando a tutela burguesa e articulando interes-
o fim, quando houvesse uma clara oportuni- ses estratégicos em prol do proletariado por
dade de sucesso. meio da união de classes entre operários e
camponeses (PRADO JÚNIOR; FERNANDES,
No capítulo “Como lutar pela Revolução Pro- 2003, p. 09).
letária no Brasil?”, é destacado as várias sit-
uações revolucionárias reprimidas no Brasil, Por fim, no tocante as divergências de en-
ocorridas por meio da ação de forças con- tendimentos sobre os percursos da revolução
servadoras, que exerciam o controle sobre brasileira, denota-se que: 1º) Para Caio Pra-
qualquer situação que afetasse os interesses do Júnior, a partir do pós-guerra, o Brasil en-
da burguesia. trou em uma conjuntura revolucionária que
pôs em pauta a necessidade inadiável de con-
Florestan Fernandes destaca que o sindicato, sumar a longa transição do Brasil colônia de
o partido e o proletariado devem estar cientes ontem para o Brasil nação de amanhã. Desde
que as forças burguesas estarão prontas para então, a tarefa fundamental das forças de es-
reprimir as forças revolucionárias, por isso, querda deveria ser equacionada em torno da
seria necessário agir em duas frentes, uma necessidade de dois objetivos: promover uma
legal e outra ilegal. Apenas desta maneira, ampla reforma agrária — principal política
poder ia-se lutar em igualdade de condições para equilibrar a correlação de forças entre
contra as forças conservadoras a serviço do o capital e o trabalho; e superar a dependên-
capital. cia do capital internacional — único meio
de viabilizar a formação de uma base empre-
Portanto, do objetivo comum de ambos os sarial umbilicalmente vinculada ao espaço
autores sobre demonstração dos caminhos da econômico nacional. Nesta perspectiva, a
revolução brasileira no período da ditadura ditadura militar representava um perigoso
militar, observa-se a concordância quanto contratempo que deveria ser vencido para
a três questões fundamentais: 1º) Rejeição evitar o risco de uma reversão neocolonial
ao status quo da época, devido à convicção (PRADO JÚNIOR; FERNANDES, 2003, p. 07-
de que os problemas fundamentais do povo 08) e 2º) Na visão de Florestan Fernandes,
brasileiro não seriam resolvidos sem uma o golpe militar de 1964 representou a con-
ruptura radical com as estruturas sociais res- solidação da revolução burguesa no Brasil
ponsáveis pelas desigualdades sociais herda- como uma contrarrevolução permanente. A
53
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
PRADO JÚNIOR, Caio; FERNANDES, Florestan. Clássicos sobre a revolução brasileira. 3 ed. São Paulo: Expressão Popu-
lar, 2003.