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MARIA NA SAGRADA ESCRITURA – Aula II

As referências de Maria Santíssima na Sagrada Escritura

A Mariologia é a parte da Teologia que estuda a figura, o mistério, a missão


e o significado de Maria na história da salvação.
O próprio Concílio Vaticano II (1962-1965) incentivou e orientou o estudo
da Mariologia, expondo bases sólidas e diretrizes seguras.
Na Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, que trata da Igreja, o
Concílio recomendou que “os teólogos e pregadores da palavra divina, na
consideração da singular dignidade da Mãe de Deus, se abstenham com
diligência tanto de todo o falso exagero quanto da demasiada estreiteza de
espírito. Sob a direção do Magistério, cultivem o estudo da Sagrada Escritura, dos
Santos Padres e Doutores e das liturgias da Igreja para retamente ilustrar os
ofícios e privilégios da Bem-aventurada Virgem que sempre levam a cristo,
origem de toda verdade, santidade e piedade” (LG 67).
Conscientes das orientações do Concílio, assumimos o estudo da Mariologia
com solicitude, seriedade, método, perseverança e ternura, esclarecendo e
aprofundando seu conhecimento, sua reflexão e sua cultura. De maneira
didática, o estudo, que se baseia nas Sagradas Escrituras e considera o contexto
atual, abrange a tradição e vida da Igreja, a história da Mariologia, compreensão
dos dogmas marianos, a reflexão teológica e cultural, o diálogo ecumênico e
inter-religioso, o culto e piedade do povo, a aproximação com as ciências
humanas e a missão dos cristãos na Igreja e na sociedade. Por isso que partimos
do tríplice nível em que se exerce a fé da Igreja e apliquemo-lo à produção
mariológica:
1. No plano da LEX CREDENTI (dogma), houve fecundos desenvolvimentos
mariológicos.
2. No plano da LEX ORANDI (piedade litúrgica ou popular), os estudos crescem.
3. No plano da LEX AGENDI, abriu-se, após o Concílio, um novo campo de
reflexão mariológica.

As imagens veterotestamentárias da Virgem Maria, que nos ajudam a


compreender a sua cooperação no mistério divino da salvação

Muitas são as imagens da Virgem Maria no Antigo Testamento, que nos ajudam
a compreender o Novo Testamento e o desígnio salvífico do Pai. Essas imagens
de Maria nas Sagradas Escrituras têm seu ponto mais alto na identificação de
Nossa Senhora com Sião, Templo santo (cf. Sl 2, 6), Jerusalém, cidade santa,
terra de Judá, Povo de Israel (Is 40, 9; Jr 31, 12; Zc 9, 13), Povo de Deus (Is 60,
14). Algumas mulheres gloriosas do Antigo Testamento também são imagens da
Virgem Maria, que nos ajudam a compreender a sua missão na obra da salvação
de seu Filho Jesus Cristo.
A identificação de Sião como imagem de Maria (cf. Is, 12, 6; 51, 3; 59, 20; 60,
14; Sf 3, 16), que põe em relação o Antigo Testamento e o Novo Testamento, é
mais do que uma construção histórica, através da qual são ligados promessa e
cumprimento. A Virgem Maria é Sião em pessoa, pois ela vive a totalidade do
que é significado por Sião. Nossa Senhora vive de tal maneira que é permeável a
Deus, habitável pela divindade, torna-se casa de Deus. Esta identificação entre
Sião e Maria “é realidade espiritual, vida vivida a partir do espírito da Sagrada
Escritura; é um estar radicada na fé dos patriarcas e simultaneamente dilatada
pela altura e amplidão das promessas vindouras” (Joseph Ratzinger, Maria, a
primeira Igreja, p. 65).

A vocação e a missão de Moisés lhe foram transmitidas na experiência da sarça


ardente, que se conservava milagrosamente intacta em meio às chamas (cf. Ex 3,
2). Esta sarça, que arde em chamas sem se consumir, é a imagem da Virgem
Imaculada. Em meio a corrupção universal, Maria passou ilesa por entre as
chamas que consumiam os outros filhos de Adão. A Virgem abrigou dentro de si,
sem ser consumida, o fogo divino do Espírito Santo e acolheu em seu seio o
Verbo de Deus encarnado. A respeito deste mistério, a Igreja grega exclama:
“Não temais, ó Virgem cheia de graça, sarça vivente e incombustível, pois o fogo
da divindade não consumirá nunca o vosso castíssimo seio, porque sois
inocentíssima” (André Damino, Na Escola de Maria, p. 20). Do meio da sarça
em chamas, Deus disse a Moisés: “Tira as sandálias dos pés, porque o lugar onde
estás é chão sagrado” (Ex 3, 5). Maria é a terra bendita que não foi contaminada
pelo pecado, o templo sagrado onde Deus habitou.

A Mãe de Jesus também é comparada à Arca da Aliança, da qual Deus falava à


Moisés (cf. Ex 25, 10-22). A Arca da Aliança era de madeira preciosa e
incorruptível. Maria é a Arca da Nova Aliança, que foi sempre imaculada e seu
corpo puríssimo foi preservado da corrupção do sepulcro. Como a Arca era
revestida inteiramente de ouro, Maria era animada pelo fogo da caridade divina,
que entre as virtudes é o mesmo que o ouro entre os metais. “Na Arca estavam
guardados um jarro de maná, as tábuas da Lei e o báculo de Arão. Maria
guardou em seu seio Jesus Cristo, o verdadeiro pão vindo do Céu, o sacerdote
do Novo Testamento” (André Damino, Na Escola de Maria, p. 22).

Algumas mulheres gloriosas do Antigo Testamento são imagens da


Virgem Maria

EVA, mãe do género humano: Maria, mãe da nova raça purificada do pecado,
Rainha de todos os eleitos, Mãe do inocente e verdadeiro Abel, traído e
imolado. Como Eva colaborou com Adão na desobediência a Deus, para a ruína
do género humano, assim Maria, Nova Eva, colaborou com Cristo, Novo Adão,
na obediência a Deus, para a redenção do género humano.

SARA, esposa estéril de Abraão, que concebeu por milagre de Deus; Maria foi
maravilhosamente ainda mais fecunda do que ela, Mãe do verdadeiro Isaque, do
filho único que carregou o instrumento no qual foi imolado.
REBECA, que brilhava com todos os dons da natureza, imperfeitamente figura a
beleza incomparável de Maria, na ordem da graça.

RAQUEL, mãe do justo José, vendido pelos irmãos; Maria, Mãe do inocente
Jesus, também traído e vendido.

A humilde Abigail foi ao encontro de Davi, prostrou-se a seus pés e reclamou


sobre si o castigo merecido pelos ultrajes de seu marido (cf. 1 Sm 25, 23-25).
Com suas preces, Abigail obteve a clemência do coração de Davi (cf. 1 Sm 25,
26-35). Com a sua intercessão, “Maria aplaca a indignação de Deus e detém a
mão onipotente que está para punir o pecador” (André Damino, Na Escola de
Maria, p. 24).

Débora contribui para a vitória e para a libertação do Povo de Deus (cf. Jz 4; 5).
“Maria, com sua proteção, livra seus devotos do jugo do Demônio e das paixões
e lhes garante a vitória completa” (André Damino, Na Escola de Maria, p. 25).

Cheia de confiança no auxílio do Senhor, Judite expôs a sua vida para libertar o
seu povo (cf. Jud 13, 1-12). Como esta heroína, “a Virgem de Nazaré sacrificou
toda a existência em benefício do gênero humano; conservou-se imaculada,
quando a corrupção imperava no mundo; enganou o Demônio, escondendo,
sob as aparências de um casamento comum, a Encarnação do Verbo; esmagou a
serpente sedutora e afugentou, no decorrer dos séculos, a milícia infernal que
perseguia a Igreja e o povo cristão” (André Damino, Na Escola de Maria, p. 28).

Ester, tornando-se rainha, conseguiu que o rei Assuero cancelasse o decreto de


condenação contra o seu povo (cf. Est 8, 12a-12t). De modo semelhante, pela
sua cooperação no desígnio divino de salvação para todo gênero humano,
“Maria anulou a lei da nossa condenação, repeliu no decorrer dos séculos os
ataques infernais contra o Povo de Deus e intercede no Céu pela nossa causa
junto a seu Divino Filho” (André Damino, Na Escola de Maria, p. 30).

As profecias veterotestamentárias sobre a Virgem Maria no plano da


salvação

O PROTOEVANGELHO (Gn. 3,15)

A hermenêutica bíblica reconhece, em alguns casos, além do sentido literal


escrito, o sentido literal pleno. isto implica que as palavras do autor sagrado
podem Ter um sentido decorrente da própria letra, mas não percebido pelo
autor humano; Deus, porém, que é o autor principal e supremo da Escritura
Sagrada, terá intencionado esse ulterior significado da letra. É preciso não
esquecer que a Bíblia, tendo Deus como autor principal, deve ser considerada
como um só discurso ou uma só mensagem que se vai explicitando aos poucos;
daí a necessidade de se compararem os textos bíblicos entre sí; os mais antigos
prenunciam os mais recentes e os mais recentes ilustram a revelam plenamente o
sentido dos mais antigos. A pergunta que fazemos é quem é Mulher de Gn 3,15
segundo o sentido estritamente literal? No contexto de Gn 3 só há uma mulher:
aquela que com Adão pecou. Em conseqüência, o texto tomado ao pé da letra
(como um judeu o entendia ou ainda o entende) se refere a Eva. Quanto à
descendência da mulher, seriam todos os homens e mulheres fiéis a Deus através
dos tempos. Deverão travar batalha contra o Sedutor e seus seguidores, cabendo
a vitória final à linhagem dos bons. Mas quem seria essa Mulher segundo o
sentido literal pleno? Aplicando este princípio a Gn 3,15, pode-se dizer que o
descendente da mulher que concretamente pisou na cabeça da Serpente ou do
Tentador, foi o Messias Jesus. E a mãe desse Senhor vitorioso foi Maria SS. Por
conseguinte, o sentido literal pleno (ou o sentido que decorre da letra
plenamente entendida) aponta Maria e Jesus Cristo como os protagonistas da
luta decisiva contra a serpente e os agentes da vitória sobre a mesma.

Aqui queremos dá destaque a duas palavras: recapitulação ou recirculação. Mas


o que seria essas duas palavras? Poucos decênios depois, S. Ireneu (+202)
desenvolve o paralelismo. Parte da concepção de que o plano de salvação não é
simplesmente um conserto ou um reparo feito no projeto violado por Adão no
paraíso; mas é um recomeçar desde as origens; nesse recomeçar cada qual dos
elementos envolvidos na queda é chamado a desenvolver um papel de
“recapitulação”, que ele chama também “recirculação”: para apagar o pecado,
Deus quis voltar às origens do pecado e recomeçar a história com elementos
correspondentes aos da queda: assim Jesus Cristo é o novo ou segundo Adão
(Rm 5,14; 1Cor 15, 45-49); a Cruz de Cristo é a nova árvore do paraíso, e Maria
é a nova Eva. S. Ireneu enfatiza fortemente o papel de Maria como conseqüência
necessária do desígnio salvífico de Deus:

“Da mesma forma que Eva se deixou seduzir para desobedecer a Deus, Maria se
deixou persuadir a obedecer a Deus para ser ela a Virgem Maria a advogada de
Eva, de sorte que o gênero humano, submetido à morte por uma virgem, fosse
dela libertado por uma Virgem, tornando-se contrabalançada a desobediência de
uma Virgem pela obediência de outra”

A Eva (= Mãe da vida, em hebraico) de Gn 3,15 inicia uma tarefa que só foi
plenamente realizada por Maria, pois o texto sagrado no diz que Eva foi
pecadora ou esteve sob o domínio da Serpente; ao contrário Maria que foi
“cheia de graça” e nunca se dobrou sob o jugo do Maligno; ao contrário
colaborou para a vitória sobre ele. Com outras palavras: assim como Gn 3,2-7
apresenta a mulher (Eva) envolvida com o Tentador e o pecado para a ruína do
gênero humano, assim Gn 3,15 apresenta a mulher (Eva feita Mãe da Vida por
excelência ou Eva plenamente realizada em Maria) intimamente associada ao
Messias na obra de Redenção do gênero humano. Assim a mulher (Eva, Mãe da
Vida), que introduziu o pecado no mundo, será também a introdutora da
Salvação ou do Salvador no mundo. O papel de Eva é recapitulado por Maria.
Note-se o paralelismo antitético: Eva é portadora da desobediência e da morte;
Maria, ao contrário, traz a fé e a alegria. Importante no texto é a observação:
Deus quis resolver o impasse oriundo do pecado mediante os elementos mesmos
que introduziram o pecado: o anjo (mau) falou à mulher infiel a Deus, o anjo
Gabriel falou à mulher fiel a Deus; no primeiro caso, a mulher colabora para a
morte; no segundo caso, a mulher (a nova Eva, a verdadeira Mãe da Vida)
colabora para a vida.

A MÃE DO MESSIAS (Is 7,14; Mq 5,1)

Aqui cabe a reconstituição do fundo de cena da profecia de Is 7,14.

“Sabei que o Senhor mesmo vos dará um sinal: Eis que a jovem concebeu e dará
à luz um filho, e pôr-lhe-á o nome de Emanuel”.

Foi então que Deus enviou o profeta Isaías ao rei Acaz, para lembrar-lhe a
“política da fé” ou a necessidade de confiar na Providência Divina: “Não temas
nem te acovardes... Se não crerdes, não subsistireis” (Is 7,4-9). A fé devi ser o
fundamento da existência do povo de Deus; este havia de se apoiar na palavra
de Deus. Quem é Emanuel de Is 7,14? Há quem veja nele o rei Ezequias, filho de
Acaz. Todavia este não preenche o título “Deus conosco”. Isaías tem em vista,
mediata ou imediatamente, o Messias. Este, sim, é a garantia de que dinastia de
Davi não será destronada; por causa do Messias, prometido a Davi e à sua
descendência, é que Acaz não será desapossado da realeza; a casa de Acaz (que é
casa de Davi) deverá permanecer incólume, porque a ela foi prometido o
Messias como descendente de Davi. Esta interpretação confirmada pela
consideração de Is 9,5s, onde aparece um Menino-Mesias, que tem predicados
divinos:
“Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Traz o cetro do principado
e se chama Conselheiro Admirável, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz. O
seu glorioso principado e a paz não terão fim, no trono de Davi e no seu reino,
firmando-o e consolidando-o sobre o direito e sobre a justiça” (Is 9,5s).

Quem é a “almah” de Is 7,14? Com que fundamento se pode dizer que é virgem?

Há quem veja nela a esposa do rei Acaz, mãe de Ezequias. Acontece, porém, que
jamais na Bíblia a palavra almah designa uma mulher casada ou jovem que tenha
perdido a virgindade. A expectativa do futuro Rei Messiânico em Israel estivesse
associada a figura honrosa da Mãe do Messias, a referência à venerável Mãe do
Messias é muito consentânea com os costumes das cortes orientais. O profeta
terá escolhido o vocábulo amah de preferência a betulah, a fim de realçar a
juventude da mãe do Messias, juventude que betuah não indica necessariamente.

É de notar que os próprios israelitas entenderam almah no sentido de virgem,


pois os tradutores do texto para o grego em Alexandria recorreram ao vocábulo
parthénos, virgem, já nos séculos III/II a.C. foi texto alexandrino ou dos LXX que
São Mateus citou em Mt 1,23: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho
e lhe dará o nome de Emanuel”. Isaias garante a Acaz a incolumidade do seu
trono prometendo o nascimento do Emanuel ou do Messias, filho de mãe-
virgem. É a salvação a ser trazida em plenitude pelo Messias que assegura a
salvação a Acaz sete séculos antes do Messias; a grande bênção do Deus-conosco
exerce ação antecipada nos tempos de Acaz.

Mas ainda sobre Miquéias 5,1 qual seria o pano de fundo deste texto? Chama a
atenção a construção da frase de Miquéias: em vez de dizer simplesmente que
virá o Grande Rei, o profeta escreve “até o momento em que dará à luz aquela
que deve dar à luz.” Por que essa referência especial à Mãe do Emanuel
mencionada em Is 7,14; essa Mãe já era conhecida dos contemporâneos de
Miquéias através da pregação de Isaías; eis por que ela estaria em primeiro plano
no vasto quadro da profecia messiânica, segundo Miquéias. Tal interpretação é
plausível. O profeta supõe Israel humilhado por seus inimigos. A humilhação,
porém, não é definitiva. Na pequena cidade de Belém aquela que deve dar à
luz, dará à luz um soberano cheio do poder de Javé, que dará início à paz
messiânica. Por que Mq 5,1s fala da mãe do Rei prometido? Para se entender o
nexo existente entre o Rei Messias e sua Mãe, convém lembrar que a rainha-mãe
gozava de especial veneração nas cortes do Oriente antigo: na Assíria, na
Babilônia, na Fenícia, no Egito... No Antigo Testamento rainha-mãe era chamada
gebirah, isto é, mãe do Senhor ou Grande Dama; 1Rs 15,13; 2Rs 10,13; Jr 13,18;
29,2. O nome da rainha-mãe é freqüentemente mencionado pelo autor dos
livros dos Reis: 1Rs 14,21; 15,2-10; 22,42; 2Rs 8,26; 12,2; 15,2-3.

Percebe-se claramente a eminente posição da rainha-mãe, comparando ent5re si


1Rs 1,16s e 2,19; no primeiro caso, a esposa de Davi, Betsabéia, vai pedir ao rei
em favor de seu filho Salomão, ajoelhando-se diante do rei; no segundo caso o
rei Salomão recebe a visita de sua mãe Betsabéia, ergue-se para ir ao seu
encontro, prostra-se diante dela e manda que el se sente à direita do rei.

OUTROS TEXTOS DO ANTIGO TESTAMENTO

Como se relacionam o Cântico dos Cânticos e Maria SS.?

Este é um livro de interpretação difícil. Os comentadores sugerem diversos


modos de o entender. O mais verossímil afirma que o Cântico apresenta o amor
entre um jovem e uma jovem, desde o início do namoro até o contrato
matrimonial, como tipo ou figura do amor do Senhor Deus pela Filha de Sion;
esta é tida pelos Profetas como Esposa de Javé; cf. Is 54,1-8 62,4s; Os 1-3... ora a
Esposa de Javé no N.T. é a Igreja (cf. 2Cor 11,2; Ef 5,25-29), da qual Maria é a
miniatura; em Maria a Igreja vê seu protótipo e considera o estado final que
tocará a todos os justos. A alma de Maria SS., cheia de graça, estava (e está)
unida ao Senhor Deus mais do que qualquer outra criatura. Daí poderem ser-lhe
aplicados os dizeres que o autor do Cântico dirige à esposa neste livro. Maria
seria a esposa em sentido pleno.

Mas porque ainda se aplicam a Maria SS. os textos de Pr 8 e Eclo 24? Os livros
dos Provérbios e do Eclesiástico personificam a sabedoria. Dir-se-ia que os
respectivos autores não a conceberam como simples atributos de Deus, mas
como pessoa que assistiu a Deus na obra da criação. A liturgia aplica estes textos
a Maria SS.., como se fosse ela mesma que fala ou que é apresentada nos textos
citados. É o que se chama uma adaptação legítima do texto bíblico.

Uma outra relação com Maria Santíssima é entre ela e a Cidade Santa de
Jerusalém. Mas o que encontramos ao analisarmos esse paralelo? Comum na
Liturgia das festas de Nossa Senhora rezarem-se os “salmos de Sion” ou salmos
que louvam a cidade de Jerusalém (Sl 46.48.87...). A razão deste uso é quer a
cidade santa é considerada mãe do povo israelita ou mesmo mãe de todos os
povos (S. Paulo fala da Jerusalém celeste, que é nossa mãe, em Gl 4,26). Aliás, o
livro do Apocalipse funde entre si os conceitos de Esposa, Mãe e Cidade.
“vi descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, uma Jerusalém nova,
pronta como esposa que se enfeitou para o seu esposo” (Ap 21,2). “um dos sete
anjos... desse-me: vem! Vou mostrar-te a Esposa, a mulher do Cordeiro! Ele
então me arrebatou em espírito sobre um grande e alto monte, e mostrou-me a
Cidade Santa, Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus” (Ap 21,9s). Ora, a
Mãe de Deus e Mãe dos homens têm afinidade com a Jerusalém celeste, esposa e
mãe, segundo a linguagem bíblica. Daí aplicarem-se a Maria os louvores que
tocam a Jerusalém, segundo a praxe litúrgica católica.

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