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Curso de Iniciação Cristã

Aula 6 – A Virgem Maria

2023
Sumário
Aula 6 – A Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe Nossa................................................................. 2
“Foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria...” ............................. 2
A vida de Maria ..................................................................................................................... 3
A Maternidade divina de Maria ............................................................................................. 3
Imaculada Conceição ............................................................................................................ 4
Virgindade Perpétua ............................................................................................................. 4
A participação de Maria na obra salvadora de Jesus Cristo .................................................... 5
Assunção aos Céus ................................................................................................................ 6
Leitura Complementar – Comentário à Anunciação do Anjo à Maria ..................................... 8

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Aula 6 – A Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe Nossa

“Foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria...”


Maria tem o relacionamento mais singular com Deus em toda a criação: ela é filha de
Deus Pai, mãe de Deus Filho e esposa de Deus Espírito Santo. No Credo declamamos
solenemente que Jesus foi ‘concebido pelo Espírito’ e que ‘nasceu da Virgem Maria’.
Que Deus tenha assumido a nossa natureza humana no seio da Virgem Maria, que tenha
nascido como um bebê indefeso e tenha sido abraçado, acalentado e amamentado pelo
amor maternal de Maria, que tenha brincado aos seus pés, crescido e vivido anos a fio,
submetido à sua Mãe e que a pedido dela tenha feito seu primeiro sinal, nada disso,
pode deixar de nos admirar profundamente. E não bastasse esse papel central ao trazer
o Filho de Deus ao mundo, Maria acompanhou Jesus em seu ministério e era uma das
que estava ao pé da Cruz, unindo-se ao sacrifício de Cristo como nenhuma outra pessoa.
Depois, por fim, foi sob seu manto que os apóstolos se reuniram em oração e
aguardaram a vinda do Espírito Santo, impulso que os capacitou para iniciar o trabalho
de evangelização e que marca o nascimento da Igreja.
A Virgem Maria não é a figura central do cristianismo, nem da Igreja Católica. Este posto
é de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, a quem devemos toda a honra
e toda a glória. Mas Maria é uma figura essencial.
Jesus poderia ter vindo ao mundo sem uma mãe, poderia ter aparecido adulto,
pregando no deserto e fazendo sinais milagrosos. Poderia ter inclusive morrido na cruz,
mas se tivesse feito assim, não seria um sacrifício de alguém do povo eleito oferecido
em nome do povo eleito. Também não teria cumprido as promessas e as alianças feitas
por Deus ao longo da história da salvação. Para que essas promessas fossem cumpridas,
Jesus precisava ser um descendente de Abraão e de Moisés, precisava ser da linhagem
de Davi. É pelo ‘sim’ da Virgem Maria que Jesus herda toda essa tradição. No entanto, o
papel de Maria é maior do que simplesmente inserir Cristo em sua linhagem familiar.
Foi por meio de Maria e apenas com seu consentimento que Deus realizou sua obra mais
portentosa até aquele momento: a encarnação do Verbo de Deus.
Infelizmente hoje vemos uma forte divisão entre os cristãos no que diz respeito à pessoa
de Maria. Os católicos não poupam esforços em louvar à Santíssima Virgem Maria,
confiando em sua intercessão. No entanto, muitos cristãos não católicos não apenas
ignoram, mas rejeitam com veemência qualquer afeto ou consideração à Maria
Santíssima, pois consideram uma inversão ao amor que devemos unicamente a Deus.

Estes cristãos não católicos argumentam que Maria não deveria ter nenhum destaque
além daquele dado a outras figuras femininas que aparecem na Bíblia e que os católicos
multiplicam as invocações e os privilégios de Maria sem nenhum respaldo bíblico. No
entanto, este argumento demonstra uma grande ignorância das próprias Escrituras,
tanto das cenas em que Maria aparece diretamente, quanto das prefigurações de Maria
no Antigo Testamento. Mas esta atitude é antes de tudo uma grande falta de

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sensibilidade. O respeito, a reverência e o carinho que temos pela nossa própria mãe
deveria ser um indicativo da atitude para com a Mãe de Jesus. Quem quer que
realmente admire, respeite e ame a Jesus, deveria ter um mínimo de carinho e gratidão
à sua Mãe. Se chamamos de Terra Santa ao solo no qual Jesus pisou, quanto mais não
devemos chamar de Santa àquela que o trouxe no ventre e cuidou dele anos a fio, com
terno amor de Mãe?

A vida de Maria
As Sagradas Escrituras nos dão um testemunho de Maria muito breve, mas bastante
significativo. Juntamente com o legado da tradição, podemos conhecer mais sobre
Nossa Senhora.
Os pais de Maria chamavam-se Joaquim e Ana. Pertenciam à casa de Davi (cf. Lc 1, 26)
e vivia na Galileia. Muito jovem foi prometida em casamento a José, um carpinteiro (cf.
Mt 1, 18). Antes de se casarem, recebeu a embaixada do Anjo Gabriel, anunciando que
ela seria a Mãe do Salvador. Concebeu milagrosamente a Jesus Cristo, pela ação do
Espírito Santo (cf. Leitura Complementar sobre a Anunciação). Foi uma presença
silenciosa junto a seu Filho: o amamentou e cuidou dele quando criança, ensinou-o a
rezar e as histórias bíblicas, levou o Menino a Jerusalém quando chegou o tempo
adequado (cf. Lc 2, 41ss). Esteve presente no primeiro milagre de Jesus (cf. Jo 2,1) e
acompanhou-o na sua pregação. Mostrou a profundidade de seu amor materno estando
ao lado de Jesus no momento crucial de Sua Paixão e Morte na Cruz: “Junto à Cruz de
Jesus estava de pé sua mãe (...)”. Jo 19, 25. Permaneceu junto aos Apóstolos após a
Ascensão aos Céus do Senhor e estava junto deles no dia de Pentecostes (cf. At 1,14).
Pela fé sabemos que Maria foi Assunta aos Céus de corpo e alma, não experimentando
a corrupção da morte. Não sabemos, no entanto, quando exatamente isso se deu. Sua
presença na história tem sido decisiva: invocada pelos cristãos como mediadora de
todas as graças e Mãe de Deus, a Virgem Maria preenche de doçura a piedade cristã e
nos aproxima de Deus.
Existem muitos relatos de aparições de Nossa Senhora, sendo as mais significativas as
de Guadalupe, no México, em 1531; em Lourdes, na França, em 1858 e em Fátima,
Portugal, no ano de 1917. Nessas aparições Nossa Senhora pede orações e transmite
uma mensagem reveladores para a humanidade.
Iremos estudar nas páginas seguintes os principais motivos que tornam Maria tão
central para a Igreja Católica.

A Maternidade divina de Maria


A Maternidade divina deve ser entendida como a missão que Deus confiou a Nossa
Senhora de ser Mãe de Deus (Theotokos, em grego). Isso é assim porque ela gerou na
carne o Verbo de Deus feito carne. É Mãe de Deus, não porque a natureza do Verbo ou
sua divindade tenha tomado de Maria o princípio de sua existência, mas porque nasceu
dela o Santo Corpo, animado pelo Alma racional à qual o Verbo se uniu segundo a
hipóstase. Dizemos, portanto, que o Verbo foi gerado segundo a carne. Gerado pelo Pai
segundo sua divindade, foi gerado por Maria segundo sua humanidade, com uma sem

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mescla da natureza humana e da natureza divina. Por isso, dizemos que Maria é Mãe de
Deus.
A razão de ser de Maria é esta maternidade, aí está seu lugar no plano salvífico de Deus.
É o mistério central sobre Maria, sob o qual se fundamentam todos os outros.

Imaculada Conceição
No mesmo desígnio eterno em que Deus decidiu a Encarnação de seu Filho, encontra-
se também a eleição de Santa Maria como Mãe do Verbo Encarnado. Essa eleição
implica numa preparação da pessoa eleita que fosse condizente com a dignidade de sua
missão. A Imaculada Conceição é justamente um desses privilégios que Deus concedeu
à Maria em atenção à excelsa dignidade de ser Mãe de Deus e em virtude dos méritos
de Jesus Cristo.
Ser Imaculada implica dois aspectos inseparáveis: negativo, ou seja, a preservação de
todo pecado (original e pessoal); e positivo: a plenitude da graça recebida.
Nas Sagradas Escrituras vemos um primeiro vislumbre dessa prerrogativa de Nossa
Senhora já no livro do Gênesis. Lemos em Gen 3, 15:
“Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça,
e tu ferirás o calcanhar.”
Sabemos que essa passagem se refere à vitória sobre a serpente, que representa o
demônio, por uma mulher. Essa passagem foi interpretada na história da Igreja como
fazendo referência à Maria e sua missão divina. Maria é a nova Eva, que traz ao mundo
o Salvador. E como nova Eva, foi criada por Deus no mesmo estado de justiça original
que a primeira Eva e adornada de todas as graças. No Evangelho de São Lucas lemos
quando o Anjo vem anunciar a Maria sua vocação: “Entrando, o anjo disse-lhe: Ave, cheia
de graça, o Senhor é contigo”. Lc 1, 28. As palavras de São Gabriel são claras: Maria é a
cheia de graça.
A Imaculada Conceição foi promulgada solenemente pela Igreja como um dogma de
nossa fé pelo Papa Pio IX. A fórmula definitória foi a seguinte:
“Declaramos, proclamamos e definimos que a doutrina que sustenta que a Bem-
Aventurada Virgem Maria foi preservada imune de toda mancha da culpa original no
primeiro instante de sua concepção por singular graça e privilégio de Deus onipotente,
em atenção aos méritos de Cristo Jesus salvador do gênero humano, está revelada por
Deus e deve ser, portanto, firme e constantemente crida por todos os fiéis”.

Virgindade Perpétua
A Igreja também confessa outro privilégio de Maria: sua Virgindade perpétua. Comporta
três momentos essa graça: antes, durante e depois do parto. Entende-se que a
concepção virginal de Jesus não haveria sido necessária para a encarnação do Verbo.
Aconteceu, no entanto, por um desígnio de Deus.

Essa virgindade implica tanto a física: integridade do corpo, que se dedicou totalmente
a Deus; quanto a espiritual: pureza completa de pensamentos, afetos e sentimentos.

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Nossa Senhora concebeu a Cristo sendo virgem, não perdeu essa virgindade no parto e
permaneceu virgem, em completa doação de sua pessoa a Deus, durante toda sua vida:
assim nos ensina a Igreja.

A participação de Maria na obra salvadora de Jesus Cristo


Nossa Senhora sempre foi reconhecida na Igreja como ‘Mãe de Deus e mãe nossa’. Parte
da sua missão é ser mãe dos homens: interceder por nós diante de Deus, mediar as
graças que nos chegam e cuidar de cada um como filhos.
No Evangelho de São João temos nos capítulos finais o momento em que Jesus, já
pregado na Cruz por amor a nós, entrega-nos Maria Santíssima como Mãe. O discípulo
amado de Jesus, que a tradição reconhece o próprio São João, naquele momento é cada
um de nós, amados por Cristo.
“Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de
Cléofas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que
amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe.
E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa”. Jo 19, 25-27.
Como somos incorporados a Cristo pelo Batismo (veremos isso em detalhe nas aulas
seguintes), podemos dizer que somos gerados espiritualmente por Maria, pois ela que
gerou o Cristo. Ela, na ordem da graça, desempenha uma maternidade que não é mera
adoção, mas comunica verdadeira vida sobrenatural. Nossa Senhora coopera tanto na
aquisição da graça, como na sua transmissão aos homens.
A atitude do católico deve ser de acolhimento, de atenção e carinho à Maria Santíssima.
São Josemaría, no seu livro Caminho (n.495), diz “A Jesus sempre se vai e se ‘volta’ por
Maria”. Maria conduz a Jesus, nos aproxima de Deus.

Os protestantes, ou Evangélicos, decidem não recorrer a Maria, com o argumento de


que tal devoção é uma inversão ao amor que devemos a Deus. No entanto, erram ao
não perceber o papel central que o próprio Deus quis conceder a Maria, muito claro nas
Escrituras. No Concílio Vaticano II, a Constituição Dogmática Lumen Gentium tratou
desse ponto com muita clareza:
O influxo salutar de Maria e a mediação de Cristo

“O nosso mediador é só um, segundo a palavra do Apóstolo: «não há senão um Deus e


um mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, que Se entregou a Si
mesmo para redenção de todos. 1 Tim. 2, 5-6. Mas a função maternal de Maria em
relação aos homens de modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo;
manifesta antes a sua eficácia. Com efeito, todo o influxo salvador da Virgem Santíssima
sobre os homens se deve ao beneplácito divino e não a qualquer necessidade; deriva da
abundância dos méritos de Cristo, funda-se na Sua mediação e dela depende
inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo nenhum impede a união imediata
dos fiéis com Cristo, antes a favorece.

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A maternidade espiritual

A Virgem Santíssima, predestinada para Mãe de Deus desde toda a eternidade


simultâneamente com a encarnação do Verbo, por disposição da divina Providência foi
na terra a nobre Mãe do divino Redentor, a Sua mais generosa cooperadora e a escrava
humilde do Senhor. Concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao
Pai no templo, padecendo com Ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo
singular, com a sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar
nas almas a vida sobrenatural. É por esta razão nossa mãe na ordem da graça.
A natureza da sua mediação
Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o
consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz,
até à consumação eterna de todos os eleitos. De fato, depois de elevada ao céu, não
abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a
alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu
Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria
bem-aventurada. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada,
auxiliadora, socorro, medianeira. Mas isto entende-se de maneira que nada tire nem
acrescente à dignidade e eficácia do único mediador, que é Cristo.
Efetivamente, nenhuma criatura se pode equiparar ao Verbo encarnado e Redentor;
mas, assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros
e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde variamente
pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes
suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única fonte. ! Esta
função subordinada de Maria, não hesita a Igreja em proclamá-la; sente-a
constantemente e inculca-a aos fiéis, para mais intimamente aderirem, com esta ajuda
materna, ao seu mediador e salvador”. Lumen Gentium 60-62

Assunção aos Céus


Nossa Senhora não experimentou a corrupção da morte, mas foi levada após sua vida
na terra de corpo e alma ao Céu. Foi a primeira a participar da glorificação obtida por
Cristo, além de ser a primeira a ser redimida, pois nasceu já livre do pecado. Esse
privilégio de Maria é uma antecipação daquilo que todos nós iremos viver no fim dos
tempos. O privilégio consiste justamente que em Maria isso se deu antecipadamente.

Se por um lado não temos testemunho das Escrituras desse fato, na Tradição cristã as
fontes são abundantes, desde o século IV. No entanto, somente no ano de 1950 que foi
proclamado como dogma. Assim promulgou o Papa Pio XII:

“Proclamamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que a


Imaculada Mãe de Deus, sempre Virgem Maria, cumprindo o curso de sua vida terrena,
foi assunta em corpo e alma à glória celestial”.

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Para concluir esse nosso estudo sobre os privilégios de Maria, vem muito ao nosso
encontro palavras de São Josemaría Escrivá, no livro É Cristo que Passa:
“Como nós teríamos comportado se tivéssemos podido escolher a nossa mãe? Penso que
teríamos escolhido a que temos, cumulando-a de todas as graças. Foi o que Cristo fez,
pois, sendo Onipotente, Sapientíssimo e o próprio Amor , seu poder realizou todo o seu
querer”.
Observemos como os cristãos descobriram há tanto tempo esse raciocínio: “Convinha -
escreve São João Damasceno - que aquela que no parto havia conservado íntegra a sua
virgindade, conservasse sem nenhuma corrupção o seu corpo depois da morte. Convinha
que aquela que tinha trazido em seu seio o Criador feito criança, habitasse na morada
divina. Convinha que a Esposa de Deus entrasse na casa celestial. Convinha que aquela
que tinha visto seu Filho na Cruz, recebendo assim em seu coração a dor de que havia
estado livre no parto, o contemplasse sentado a direita do Pai. Convinha que a Mãe de
Deus possuísse o que pertence ao seu Filho, e que fosse honrada como Mãe e Escrava de
Deus por todas as criaturas”.
Os teólogos têm formulado com frequência um argumento semelhante, destinado a
captar de algum modo o sentido desse cúmulo de graças de que Maria se encontra
revestida e que culmina com a sua Assunção aos céus. Dizem: Convinha; Deus podia fazê-
lo; portanto, fê-lo. É a explicação mais clara da razão pela qual o Senhor concedeu à sua
Mãe todos os privilégios, desde o primeiro instante da sua conceição imaculada. Ficou
livre do poder de Satanás; é formosa - tota pulchra! -, limpa, pura na alma e no corpo”.
É Cristo que Passa, 171.

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Leitura Complementar – Comentário à Anunciação do Anjo à Maria
“Quando Isabel estava no sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia,
chamada Nazaré, a uma virgem prometida em casamento a um homem de nome José, da casa de Davi. A
virgem se chamava Maria. O anjo entrou onde ela estava e disse: “Ave, cheia de graça!- O Senhor está
contigo”. Ela perturbou-se com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação.
O anjo, então, disse: “Não tenhas medo, Maria! Encontraste graça junto a Deus. Conceberás e darás à luz
um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande; será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus
lhe dará o trono de Davi, seu pai. Ele reinará para sempre sobre a descendência de Jacó, e o seu reino não
terá fim”. Maria, então, perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem?” O anjo
respondeu: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por
isso, aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, concebeu um
filho na sua velhice. Este já é o sexto mês daquela que era chamada estéril, pois para Deus nada é
impossível”. Maria disse: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E o anjo
retirou-se de junto dela”. Lc 1, 26-38.

Passara já quase mil anos desde o reinado do rei Davi. O povo israelita sofria dominação
pelos Romanos e a região da Galileia, onde ficava a cidade de Nazaré, era reinada por
Herodes, o grande, um idumeu, ou seja, descendente de Esaú, não um israelita. A cidade
de Nazaré não tinha significância histórica, nem sequer é mencionada no Antigo
Testamento. Nesta pequena cidade, numa casa humilde onde morava uma jovem, vem
o Anjo Gabriel com a missão mais nobre e com o anúncio mais sublime que um anjo já
fizera: anunciar a encarnação do Filho, Verbo Eterno do Pai.
O Anjo não se dirige à Maria pelo nome, mas por um título: ‘cheia de graça’. Ele via a
alma de Maria e não poderia deixar de se admirar diante da criatura mais singular que
viera ao mundo até aquele momento, pois diferente das demais pessoas, Maria fora
agraciada desde sua concepção, não herdando o pecado de Adão. Ela era virgem e não
tinha pecado, como Eva antes do pecado original.
Maria teve medo diante daquela aparição. Ela não esperava aquilo, era uma pessoa
humilde, não estava rogando a Deus coisas extraordinárias. O Anjo reafirma que ela é
querida por Deus ao dizer ‘encontraste graça diante de Deus’ e anuncia que ela será mãe
e que deverá chamar seu filho de Jesus, que significa ‘Deus salva’. O nome já revela a
missão do Menino e o fato de o Anjo dizer à Maria que ela deveria dar-Lhe aquele nome,
revela o quão diferente seria aquela concepção. Isso porque o costume judeu naquela
época era de que o pai tinha a prerrogativa de escolher o nome do filho, não a mãe 1.
Portanto, não seria por um homem aquela concepção. Mas talvez Maria não tivesse se
atentado para esse detalhe, pois ela mesmo perguntou logo depois: “Como acontecerá
isso, se eu não conheço homem?”. A palavra ‘conhecer’ nas Escrituras não tem apenas
um significado intelectivo, mas afetivo e denota, em alguns casos, também a relação
sexual2. Apesar de Maria dizer o verbo no presente: ‘não conheço’, ela parece dizê-lo no

1
Cf. Lc 1, 62, onde se conta que do nascimento de João Batista vão a Zacarias, seu pai, perguntar qual
vai ser o nome do menino.
2
Em Gen 4, 1, lemos: “Adão conheceu Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz Caim”.

8
sentido de presente que olha para o futuro, quando se afirma categoricamente algo no
presente sem a intenção de mudar de opinião3.
No entanto, Maria estava “prometida em casamento a José”. E não era uma intenção
apenas, passível de ser rompida. Naquela época, casamentos aconteciam em dois
momentos. Um primeiro momento, que podemos chamar de ‘noivado’, diferente de
hoje, era já propriamente um casamento legal. O segundo momento, em geral um ano
mais tarde, era quando a noiva ia efetivamente morar com o esposo. Entre um momento
e outro, já se consideravam casados de fato. Maria se encontrava nesse momento
intermediário: já era esposa de José, mas ainda não tinha ido morar com ele. Logo, seria
uma questão de tempo até que morassem juntos.

Portanto, como entender essa intenção de Maria? Muito provavelmente, ela falou dessa
dificuldade porque oferecera a Deus sua virgindade e sabia que Ele aceitara sua oferta.
Ela estava aberta a fazer qualquer vontade de Deus, mas Ele não poderia se contradizer.
Se aceitara sua virgindade, como queria que ela fosse mãe?
Então, o Anjo diz: ‘ele será grande, será Filho do Altíssimo”. E explica mais adiante como
se fará esse milagre: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá
com a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus”.
O Espírito Santo é o Deus-Amor, como veremos. Esse Amor que vai gerar em Maria o
filho prometido. A expressão usada: ‘te cobrirá com sua sombra’ remete a dois
momentos da história da salvação. Primeiro evocando a criação do mundo (cf. Gen 1, 2)
quando o Espírito de Deus pairava sobre as águas e, depois, quando glória do Senhor
cobria a Tenda do Encontro, onde estava a Arca da Aliança (cf. Ex 40, 34-36). Maria é
apresentada, portanto, como a Nova Eva que traz ao mundo uma nova criação. Maria é
também a nova Arca da Aliança, que carrega consigo o ‘santo dos santos’, o Salvador.
Jesus, como o Anjo anuncia desde este primeiro momento, receberá o “o trono de Davi,
seu pai. Ele reinará para sempre sobre a descendência de Jacó, e o seu reino não terá
fim”. Este Menino que vai ser gerado no seio de Maria, portanto, vai cumprir as
promessas de Deus feitas nas alianças do Antigo Testamento. Da mesma forma que o
sopro do Espírito infundiu a vida sobrenatural formando Adão, o Espírito forma o Novo
Adão no seio de Maria. Ele será o Novo Moisés, que oferecera o sacrifício da Nova e
Eterna Aliança no seu Sangue. Ele será o Novo Davi e o Novo Salomão, reinando sobre
todo o povo e cujo reino que não terá fim. Seu reino vai ser perpetuado pela Igreja
Católica e, com isso, todas as famílias da terra vão ser abençoadas, como prometido a
Abraão (cf. Gen 22,18).
Um novo Rei, da linhagem de Davi, traz consigo uma nova Rainha. Na história sagrada,
a rainha não era a esposa do rei, mas sua mãe (cf. 1Re 2, 19). A casa de Davi teve 20 reis,
começando por seu filho Salomão. Todos esses reis são mencionados na Bíblia junto
com suas mães, pois como tinham várias mulheres, eram suas mães que reinavam como
rainha. Portanto, existia uma instituição ou um ofício que as mães desempenhavam na

3
Por exemplo, um vegano que nega uma oferta de carne dizendo: ‘Não como carne’ (não come, nem
tem intenção de comer no futuro).

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linhagem de Davi, o de ser rainha. A expressão hebraica deste título é ‘gebirah’, que
significa ‘Grande Senhora’. Quando chamamos Maria de Nossa Senhora, estamos nos
referindo a esse título real, pois Maria ao ser convidada a ser a Mãe do Salvador, do
novo Rei, estava sendo constituída como Rainha Mãe desse novo reinado, que é a Igreja.
Mas todo este anúncio incrível teve um momento de suspensão. O Anjo ficou
aguardando a resposta de Maria. Aquela jovenzinha humilde, naquela cidade
desconhecida, sem que ninguém a visse, deveria assentir ao plano de salvação que o
Anjo a apresentou. Maria então desfaz a desobediência da primeira Eva dizendo ‘Sim’ a
Deus. Aquela a quem o próprio Anjo Gabriel se admirou da perfeição, se coloca como
serva e diz: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra”. A partir
daquele momento, “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” Jo 1, 14.

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