Você está na página 1de 6

MARIA NA SAGRADA ESCRITURA – Aula IV

Maria no Novo Testamento

Cremos que os evangelhos falam o suficiente de Maria. Eles não pretendem dar todas as informações
e satisfazer nossa curiosidade sobre Maria de Nazaré, mas nos revelam a chave para entender e
acolher o segredo de sua pessoa.

“Jesus, o Cristo” é a mensagem central do Novo Testamento. Os evangelhos recordam os principais


fatos e palavras de Jesus, à luz da ressurreição do Senhor e da atuação do Seu Espírito na
comunidade. Os evangelistas pretendem deixar vivos os fatos, de forma que estes animem o hoje e
dêem força para preparar o futuro. Querem ajudar as pessoas e os grupos a refazerem a experiência
que os discípulos tiveram na Palestina com Jesus. Por isso, depois de tantos séculos, lemos o
Evangelho e sentimos a atualidade e a pertinência da Palavra.

Cada citação sobre Maria, na Bíblia, necessita ser compreendida no contexto do livro onde está
situada. Os textos do NT sobre Maria foram escritos com os olhos centrados em Jesus e na
comunidade dos seus seguidores. Uma mariologia bíblica coerente deve seguir essa perspectiva
cristocêntrica e eclesial.

SÍNTESE MARIOLÓGICA DE CADA EVANGELISTA

1 – MARCOS (+/- 60):

Maria, mãe clânica ou carnal do Messias

No primeiro evangelho escrito, Maria aparece como imersa no meio do seu clã. Tem apenas um
nome, não um perfil definido. É ainda uma figura “sem relevo”, insignificante. Não tem
personalidade, mas é mera função. Quando parece emergir, é restituída à irrelevância: “Quem é
minha mãe?” (Mc 3,33). “Não é ele o filho de Maria?” (Mc 6,3)

Nada se diz explicitamente sobre as qualidades humanas e espirituais de Maria, Ela é colocada no
meio dos familiares de Jesus. E, conforme o primeiro evangelista, Jesus rompe com os laços familiares
e locais para poder anunciar, com maior liberdade, o Reino de Deus. Isto provoca um conflito com
seus familiares e seus conterrâneos. Mais ainda, Jesus constitui, com o grupo de seguidores, uma
“nova família”, não mais centrada nos laços biológicos.

2 – MATEUS (+/- 70):

Maria, mãe virginal do Messias, segundo as profecias

Em Mateus, Maria emerge como uma “personagem” importante da História da salvação (cf.
genealogia). Maria é mais que mera mãe clânica (Mc): tem uma relação privilegiada e mesmo
exclusiva com Cristo. É toda cristocentrada: é inteiramente de, e para Cristo.
Pela sua virgindade, é testemunho e sacramento do Messias, de sua origem e de sua natureza divina.
Não possui, contudo, ainda um “rosto” próprio, uma personalidade autônoma. Não aparece, ainda,
como protagonista de uma história. Não pronuncia nenhuma palavra, não demonstra nenhum gesto
que revele sua pessoa.

Dá-se um passo a mais, em relação a Marcos, ao apresentar Maria como a mãe virginal do Messias.
Nos relatos da infância, ele mostra Maria como a mãe associada ao destino do Filho. Provavelmente
em virtude dessa visão positiva sobre Maria e da participação importante de Tiago (“o irmão do
Senhor”) nas comunidades cristãs de origem judaica, Mateus reduz o conflito de Jesus com sua
família.

3 – LUCAS (+/- 80):

Maria, mulher livre, a crente por excelência e a mãe do Messias

Em Lucas, Maria já é uma “personalidade”: mulher responsável, autônoma, determinada. Tem um


rosto, um perfil, um caráter. Tem, em suma, uma identidade própria. De entrada, coloca-se, por
assim dizer, frente a frente com Cristo. Relação polarizada, tensa, mas finalmente (e totalmente)
acolhedora.

O evangelista nos apresenta muitas características de Maria. Ela é o exemplo vivo do discípulo e
seguidor de Jesus, que acolhe a Palavra de Deus com fé, guarda e medita no coração e a põe em
prática, produzindo bons frutos. Maria é, por excelência, a peregrina na fé. Ela passa por crises e
situações desafiadoras, que a fazem crescer e caminhar sempre mais na adesão do Senhor e nos
recorda que Deus escolhe preferencialmente os simples e humildes para iniciar o Reino de Deus, a
recriação da humanidade e do cosmos.

Maria simboliza o ser humano em construção, aberto a Deus, tocado pelo Espírito Santo, cultivando
um coração solidário. Esses traços de Maria inspiram atitudes de vida de cada cristão e da Igreja.
Sentimo-nos chamados a ser discípulos fiéis de Jesus.

Se Maria é um “ser para o outro” – Cristo -, só o é a partir de seu “ser para si”, em força de sua
liberdade. Se é toda de Cristo, não o é por natureza ou destino, mas por decisão pessoal. É, portanto,
uma figura “destacada”, bem personalizada, bem individualizada. É pessoa que caminha, cresce e se
determina.

4 – JOÃO (+/- 90)

Maria, mediadora da fé (Caná), mãe da comunidade (sob a cruz) e figura da Igreja e da nova
criação (Apocalipse 12)

No corpo joanino, Maria é mais que mera personagem (missão) e até mais que uma personalidade
(pessoa): “personalidade corporativa”. Seu significado supera sua pessoa individual. Ela possui uma
imensa irradiância ou ressonância simbólica: ela representa a Comunidade eclesial, a Humanidade
salva, o Cosmo redimido.

Neste evangelho, Maria é apresentada como uma figura especial na comunidade do discípulo
amado. Ela aparece em dois grandes momentos: no início do “Livro dos sinais”, em Caná, se
caracteriza como a “discípula-mãe”, que leva os discípulos a realizar o que Jesus lhes diz. O sinal
suscita a fé dos discípulos. Maria tem uma atuação discreta e firme. E aparece também no “Livro da
Exaltação”, no momento culminante da cruz, passagem para o Pai e glorificação da missão de Jesus.
Soa como uma grande inclusão: Maria participa de momentos-chave na atuação de Jesus. Ele não a
chama de mãe, mas sim de “mulher”, caracterizando sua figura atuante na comunidade e símbolo
feminino do Povo de Deus. Maria sinaliza o amor que persevera. Aqui ela é apresentada por Jesus
como a mãe da comunidade ao discípulo amado. É o momento solene de uma adoção recíproca: a
mãe assume o filho, o filho assume a mãe.

João tem uma “alta mariologia”, uma “mariologia simbólica”. A Maria de João transcende
infinitamente Maria de Nazaré.

A sobriedade com que os Apóstolos e Evangelistas se referem a Maria e a aparente descortesia de


Jesus para com Maria nos Evangelhos

1. A sobriedade dos Evangelistas ao se referirem a Maria Santíssima se explica muito bem, vista a
finalidade que se propunham ao escrever: jamais tencionaram transmitir por escrito uma síntese
completa da vida de Cristo ou da Dogmática cristã, mas apenas alguns aspectos mais importantes
para a catequese. Os Evangelhos são justamente pequenos compêndios dos ditos e feitos principais
de Jesus,- entende-se, por isto, que seus autores chamem a atenção do leitor exclusivamente (Mc e
Jo) ou quase exclusivamente (Mt e Lc) para a vida pública do Senhor, apresentando-nos nesta os
ensinamentos fundamentais e os testemunhos da Divindade e Messianidade do Mestre; assim
fazendo, não tinham ocasião para divulgar muito sobre a figura de Maria Santíssima, que certamente
não estava em primeiro plano durante os anos de ministério de Jesus (julgam que Maria
acompanhou seu Divino Filho juntamente com as santas mulheres que Lhe serviam conforme Lc 8,
1-3). São Mateus e São Lucas, que antepuseram ao esquema habitual da catequese (do batismo de
João até a Ascensão; cf, At 1,22; 10, 37-42) algumas notícias sobre a infância de Jesus, não hesitaram
em realçar nestes quadros o papel de Maria; é o que se verifica principalmente em São Lucas, do
qual os dois primeiros capítulos aparecem profundamente marcados pela ação de Maria; nada dizem
sobre o nascimento, a infância e as núpcias da Virgem, porque a personalidade de Maria é, aos seus
olhos, toda absorvida pela sua missão de Mãe de Jesus. Por ocasião da Paixão, reaparece heroica a
figura de Maria nos quatro Evangelhos.

É preciso, porém, saber ler os Evangelhos: na sua sobriedade de estilo, exprimem com delicadeza e
gosto literário verdades profundas, mesmo a respeito de Maria. Haja vista, por exemplo, a notícia
sobre o nascimento de Cristo: São Lucas refere que Maria mesma prestou ao seu Divino Filho os
cuidados de que necessitava imediatamente depois de nascer: «Deu à luz seu filho primogênito,
envolveu-O em panos e reclinou-O numa manjedoura» (Lc 2,7). Com isto insinua respeitosamente,
mas com suficiente clareza, algo que as posteriores gerações cristãs explicitaram: Maria deu à luz sem
dores nem fadigas, isto é, virginalmente. — Compare-se agora este trecho de São Lucas com o
apócrifo «Proto-evangelho de Tiago» c. 19s: o pseudo-Evangelho professa também o parto virginal
de Maria, mas, para dar realce a esta verdade, enquadra-a dentro de traços evidentemente
fantasistas, mostrando-se com isto um tanto ridículo: narra que, estando Maria para dar à luz numa
gruta perto de Belém, São José foi procurar uma parteira; quando esta se aproximava com o esposo
de Maria, a gruta lhes apareceu recoberta por uma nuvem, a qual repentinamente se esvaneceu,
dando lugar a luz de extraordinário fulgor; o brilho desta se foi empalidecendo aos poucos, até o
momento em que uma criança apareceu e tocou o seio de Maria, sua Mãe. Então exclamou a
parteira: «Grande é este dia para mim, pois assisti a extraordinária maravilha!». Saindo da gruta, a
parteira encontrou Salomé, mãe de São João Evangelista, a quem disse: «Salomé, Salomé, tenho
extraordinária maravilha para te contar: uma virgem deu à luz, contrariamente à natureza». Salomé
respondeu: «Assim como Deus é vivo, se não colocar meu dedo e sondar a natureza de Maria, não
acreditarei que uma virgem tenha dado à luz!». Salomé então entrou na gruta, examinou Maria e
por fim exclamou: «Desgraça à minha impiedade e incredulidade! Tentei o Deus vivo! E eis que
minha mão, como que ressequida pelo fogo, se vai separando de mim!». A seguir, tendo orado,
Salomé foi visitada por um anjo, que lhe mandou tomasse o menino em seus braços; feito isto, foi
curada e, justificada, saiu da gruta, enquanto uma voz lhe dizia: «Salomé, Salomé, não dês a conhecer
tais prodígios antes que a criança tenha entrado em Jerusalém».

Como se vê, esta descrição é tão cheia de pormenores, e pormenores maravilhosos, que já se mostra
um tanto burlesca ou pouco digna de Deus; por não guardar a sobriedade com que a tradição referia
o parto virginal de Maria, o autor do apócrifo cedeu à imaginação, tornando-se quase grotesco. O
confronto deste trecho com o do Evangelho de São Lucas leva a admirar o texto bíblico e reconhecer
que a brevidade de estilo do autor sagrado (a qual se explica pelo fato de que os Evangelistas não
intencionavam focalizar diretamente Maria) é altamente eloquente e digna, desde que lida no
contexto da tradição. É muito mais preciosa e apta para suscitar a fé do que a loquacidade dos
apócrifos.

Analisemos agora as principais passagens do Santo Evangelho em que Jesus poderia parecer descortês
com sua Mãe Santíssima.

a) Lc 2,49: Jesus, após três dias de ausência, foi de novo encontrado no Templo por Maria e José,
que, aflitos, Lhe perguntaram por que os havia deixado momentaneamente. O Senhor respondeu:
«Por que me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em meio às coisas de meu Pai (ou junto ao
meu Pai)?» Estas palavras significam que Jesus na terra vivia continuamente voltado para o Pai
Celeste, devotando-Lhe como holocausto toda a sua vida na carne. Esta atitude do Senhor em nada
derrogava ao afeto filial que Ele nutria para com Sua Mãe Santíssima; até o fim, e ainda na última
hora de sua existência terrestre, pregado à Cruz, Ele haveria de testemunhar a Maria a sua piedade
filial, confiando-a ao discípulo bem-amado. Contudo Jesus, como homem, observava a devida
hierarquia em seus afetos; os laços de família nele não eram extintos nem atenuados pelo fato de
serem subordinados ao amor do Pai Celeste; ao contrário, é este, e este só, que pode conferir valor
e solidez autênticos a todo e qualquer afeto humano. São Lucas, ao referir a resposta de Jesus a
Maria no Templo, não quis senão incutir esta verdade (fica fora da perspectiva do Evangelista a
descrição completa da atitude de Jesus para com sua Mãe no caso).

b) Jo 2,1-11 (as bodas de Cana). Muito importante é o fato de Maria ter estado presente e haver
interferido no acontecimento que São João chama explicitamente «o primeiro sinal» do ministério
público de Jesus: o Divino Mestre quis que sua Mãe Lhe desse ocasião para manifestar pela primeira
vez a sua glória, associando intimamente a intercessão de Maria à sua obra de Messias. A resposta
dada por Jesus em Jo 2,4 merece atenção detida. Ao pé da letra soa : «Que há para Mim e para ti
(no caso) ? — Ti emoí kai soi?». Trata-se de construção tipicamente semítica, ocorrente em outras
passagens da Sagrada Escritura, como Jz 11,12; 2 Sam 16,10; 19,23; 3 Rs 17,18; 4 Rs 3,13; Mt 8,29;
Mc 1,24; 5,7; Lc 4,34; 8,28. Significa atitude reservada por parte de quem fala; consultando-se a
melhor fonte de exegese no caso, isto é, os textos da filologia rabínica (colecionados por Strack-
Billerbeck, Kommentar II 401), verifica-se que em Jo 2 a expressão equivale a dizer: «Por que tal
pedido? Por que nos imiscuirmos em tal coisa? Tu e eu, que podemos fazer nessa situação?». Jesus
logo indica a razão dessa restrição: não chegou sua hora. A «hora de Jesus», conforme São João, é
o momento da glorificação final de Cristo ou de sua ascensão à direita do Pai; o Evangelista, no
decorrer do Evangelho, nota sucessivamente a aproximação dessa hora (cf. 7,30; 8,20; 12,23.27;
13,1; 17,1); está claro que, de antemão fixada pelo Pai, não poderia ser antecipada. Não obstante,
depois do fazer observar isto, Jesus realizou o milagre desejado por Maria, não antecipando a sua
hora, mas dando com este milagre (manifestação de sua glória, como diz São João em 2,11) um
prenúncio ou anúncio simbólico de sua glorificação definitiva. Jesus, por sua resposta aparentemente
restritiva, queria apenas indicar a sua Mãe que ela Lhe pedia algo de muito grande, ou seja, um
prodígio que, por assim dizer, equivalia à antecipação de um desígnio do Pai; mas que, não obstante,
Ele atenderia à sua prece. Maria deve ter compreendido pelo tom de voz e os gestos de seu Filho,
que Este estava disposto a atendê-la (tudo se passou numa atmosfera muito familiar, em que a Mãe
Santíssima sabia discernir fielmente as palavras e atitudes de seu Divino Filho); por isto recomendou
que executassem tudo que ela sabia que seu Filho estava para mandar. — Em última análise, pois, a
atitude de Jesus para com Maria em Caná, longe de derrogar à dignidade de Maria, é autêntico
testemunho de quanto o Filho apreciava sua Mãe.
Quanto ao tratamento «Mulher» usado pelo Senhor, nada tem de irreverente; é outro aramaísmo
equivalente desta vez a um apelativo solene : «Dama» (sitt, em aramaico); implicava ternura muito
nobre, pelo que foi repetido por Jesus em outra ocasião solene, ou seja, quando, pendendo do alto
da Cruz, quis prover finalmente ao amparo de sua Mãe: «Mulher, eis teu Filho», disse o Senhor,
indicando João como futuro arrimo de Maria. — Alem disto, observa-se que o tratamento «Mulher»,
no contexto de Jo 19 (contexto que alude repetidamente a profecias do Antigo Testamento; cf.
19,24.28.36s), faz ecoar as promessas de Gên 3,15.20; «mulher» é nestes dois versículos o título
portador da esperança do mundo; é, sim, pela mulher e pela prole da mulher que Deus promete
restaurar a harmonia violada; Jesus terá, pois, do alto da Cruz não somente providenciado ao
amparo de Maria, mas também apresentado sua Mãe qual nova Eva, mãe espiritual de todos os
viventes, a começar por São João.

c) Mt 12,46-49; Mc 3,31-35; Lc 8,19. Informado de que sua Mãe e seus irmãos (em boa tradução do
aramaico, diríamos: primos) O procuravam, Jesus certa vez respondeu: «Quem é minha mãe e quem
são meus irmãos?». E, estendendo a mão sobre os seus discípulos, disse: «Eis minha mãe e meus
irmãos. Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai Celeste, esse é meu irmão, minha irmã, minha
mãe» (Mt 12,47-49).
Tal resposta, longe de significar indelicadeza da parte de Jesus, quer apenas indicar que, acima do
parentesco carnal, o Senhor estimava um novo tipo de parentesco, o parentesco espiritual, o qual
se baseia não nos laços do sangue, mas na fidelidade à Palavra e à Vontade de Deus. Naturalmente,
esta não se opõe aos vínculos e ao amor da família, mas subordina-os a si. Se não houvesse fidelidade
à Vontade de Deus nos consanguíneos de Jesus, de nada lhes adiantaria o parentesco de sangue com
Cristo. Ora Maria nutriu desde cedo o amor aos desígnios do Pai Celeste, como ela mesma atesta
ao anjo: «Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38). Donde se segue
que Jesus com sua resposta em Mt 12,50 só fez confirmar sua grande ternura para com Maria
Santíssima, dando, porém, simultaneamente a ver qual o título que mais encarecia Maria ao seu
coração de Filho: ela sempre fora (e foi) fiel à Vontade do Pai.

d) Muito semelhante é o significado de Lc 11,27s; uma mulher tendo exaltado a grande felicidade
da Mãe de Jesus por haver gerado tão nobre Filho, o Senhor a admoesta a que entenda o verdadeiro
título por que alguém mereça ser felicitado: o título de cumpridor da Palavra de Deus; com efeito,
diz Jesus: «Bem-aventurados, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática!» (Lc
11,28). Ora tal motivo de exaltação se aplicava eminentemente a Maria Santíssima, que, sem dúvida,
recebeu a graça de se tornar Mãe do Verbo Encarnado porque primeiramente se mostrou em tudo
a fiel serva do Senhor; diz Sto. Agostinho: «Mais feliz é Maria por ter vivido inteiramente na fé do
Messias do que por ter concebido a carne do Messias» (ed. Migne lat. 40,398). À luz deste princípio,
entendam-se as palavras de Cristo: o Senhor quer erguer a estima a Maria sobre o aspecto mais
digno e rico que a Mãe de Deus possa apresentar à nossa consideração.

O fato de que São Paulo se refere uma só vez a Maria, afirmando em Gál 4,4 que o Filho de Deus
«nasceu de uma mulher», deve-se ao caráter esporádico das suas cartas: ao escrever, o Apóstolo
visava apenas esclarecer problemas ou solucionar casos recém originados entre os fiéis. Ora é de crer
que a Virgem Santíssima, provavelmente ainda viva quando São Paulo escrevia, não devia causar
problemas aos primeiros cristãos. — Ademais a expressão «mulher» que São Paulo (seguindo o modo
de falar de Jesus em Jo) aplica a Maria, é, no conjunto da Revelação cristã, grandiosa e alvissareira,
como está acima notado.

Em 1 Tim 2,14 o Apóstolo diz que a mulher, primeiramente seduzida pelo demônio no paraíso, se
salva pela teknogonia. Esta palavra grega, composta como é, torna-se suscetível de dupla
interpretação: «geração do filho ou de filhos». No primeiro caso (tornado bem provável pelo
emprego do artigo definido), Paulo aludiria ao parto de Maria (geração do Filho por excelência) e
apresentaria a Mãe de Cristo em perspectiva grandiosa, como iniciadora da reabilitação da mulher.

+++++++++++++++++

Com certeza, os textos bíblicos explicitamente escritos a respeito de Maria se encontram nos
evangelhos. No livro do Apocalipse, pode-se atribuir uma interpretação mariana, mas que é
secundária na intenção do autor. Outros textos, atribuídos a Maria, são resultado de interpretação
posterior, a maioria servindo-se do recurso da alegoria. Devemos ter claro, no entanto, que esses
trechos não são originalmente mariais. Tal cuidado deve guiar-nos também na liturgia e na catequese
para evitar um discurso exagerado sobre Maria sem a devida fundamentação na Escritura Sagrada.

Você também pode gostar