Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
enigma e mito.
Olga de Sá
Doutora em Comunicação e Semiótica. Mestre em Letras, pós-graduada
em psicologia clinica, licenciada em Filosofia, Pesquisadora, Professora
aposentada da PUC-SP, escritora e educadora.
RESUMO
Focaliza a figura de Maria Madalena, personagem do
Evangelho, arquétipo feminino do Ântropos, uma das
influências significativas na mística de Teresa.
PALAVRAS-CHAVE
Maria Madalena, santa - Teresa D’ Ávila, santa - mística
ABSTRACT
Focuses on the figure of Mary Magdalene, character of the
Gospel, female archetype of Antropos, one of the significant
influences on the mystique of Teresa.
KEYWORDS
Mary Magdalene, saint - Teresa D ' Ávila, saint - mystical
26 www.fatea.br/angulo
Este trabalho é realizado em função do papel papel importante na Igreja. Reza a história que elas
que teve Maria de Mágdala, na vida de Teresa de foram enviadas a formar o primeiro núcleo do que
Jesus, que convencida de sua fragilidade, muito hoje chamamos Igreja, ou seja, elas foram mandadas
invocava os santos penitentes. Dois fatos foram para congregar, em nome de Jesus, os discípulos e
decisivos na vida de Teresa: o primeiro foi a leitura amigos mais dispersos. (cf.http.//www.paroquias.
das Confissões de Santo Agostinho. O segundo, foi um org)
apelo à penitência, diante de um quadro da Paixão Maria Julieta, religiosa do Sagrado Coração de
do Senhor: Senti que Santa Maria Madalena vinha Maria, debruça-se há vinte anos sobre o papel da
em meu socorro... e desde então muito progredi na mulher na Igreja e, concluindo as quarenta páginas
vida espiritual. ( TERESA D'ÁVILA, 2010, p. 13) de um caderno de sua autoria, intitulado A mulher
Maria Madalena é uma das figuras mais na Igreja, transmite a seguinte ideia:
enigmáticas da História da Igreja. Identificada por
diversos historiadores e exegetas com a pecadora As primeiras luzes, os primeiros gestos, as
que perfumou e enxugou os pés de Jesus e/ou com primeiras palavras de conversão que deram
Maria de Betânia, irmã de Marta e de Lázaro, foi, origem à Igreja brotaram de mulheres. Antes do
tempo da institucionalização da Igreja, houve o
sem dúvida a primeira testemunha da Ressurreição
tempo das matriarcas cristãs e a história da Igreja
A partir de Gregório Magno, de fato, a Igreja não ficará completa se não se falar delas, se não se
ocidental identificou geralmente estas três pessoas, fizer memória delas.
como se vê também na liturgia. A Igreja oriental
porém, distingue-as. No ocidente, a identificação Maria Madalena era de Mágdala, uma cidade às
não é unânime. (VAN DER BORN, 1992, verbete margens do Mar da Galileia, colônia de pescadores,
Maria Madalena) onde a atividade pesqueira é muito importante;
Lc 8,2 coloca Madalena entre as mulheres com isso o comércio é intenso. Possivelmente ao
galileias, que seguiam Jesus e o serviam com seus integrar-se ao movimento de Jesus tenha deixado a
haveres, em gratidão por terem sido curadas de sua cidade, tornando-se conhecida como Maria de
doenças.Os evangelhos mencionam-na ao lado da Mágdala.
cruz (Mt 27, 56 par;cf. Lc 23,55). Visitou o sepulcro
na madrugada da ressurreição e foi a única, entre as Estudos afirmam que Maria Madalena era um
mulheres, a ser favorecida com a aparição do próprio membro proeminente da Igreja Cristã Primitiva,
Jesus (Jo, 1-18). de modo que seria impossível eliminar o seu
Janete Frazão, jornalista, em sua pesquisa nome das narrativas da ressurreição (...) Sua
sobre a mulher na Igreja, cita Paulo Pinto, professor importância na comunidade cristã primitiva
explica a consistência dos escritos evangélicos em
de História e Fenomenologia das Religiões, da
inclui-la em todos os discursos da crucificação, dos
Universidade Lusófona de Lisboa, que referindo- evangelhos sinóticos, das narrativas do enterro e
se ao perfil de Madalena diz que ela pode ser do túmulo vazio. (SILVA, 2005, p.28-9)
comparada a um saco azul, onde foi colocada uma
série de coisas. E ele mesmo explica: È uma das Como diz ROBINSON, citado por ROSA DA
mulheres mais difíceis de se falar; porque é aquela SILVA, também os evangelhos apócrifos do 3º e
figura que entra mais a fundo no mundo Teológico e 4º séculos, os Evangelhos de Tomé, Pistis Sophia,
na fundação da própria crença” Felipe, o Diálogo do Salvador, Pedro e Maria,
João Paulo II diz na sua carta apostólica mostram evidências de Maria Madalena, exercendo
Ordinatio sacerdotalis, de 1994, que a presença um papel de liderança na comunidade primitiva. (cf.
e o papel da mulher na vida e na missão da Silva, 2005, p.29)
Igreja, mesmo não estando ligados ao sacerdócio Geral Messadie, no livro O Enigma Maria
ministerial, permanecem absolutamente necessários Madalena, escreve um romance, em que apresenta
e insubstituíveis. Madalena como a instigadora de um complô, para
Apesar de secundário, a mulher sempre teve um
28 www.fatea.br/angulo
que ela se confronta com sua sombra, mas não se de cada etapa, a morte dos velhos eus, de velhos esta-
sente julgada. Poderá então sentar-se aos pés do dos de consciência, para estar pronta para acompa-
Mestre e tornar-se contemplativa. nhar o Mestre na morte e depois da morte, na vida
A segunda etapa corresponde à passagem incriada, que é eterna.
bíblica de Marta e Maria. Maria fica com a melhor Para além da própria morte surge a Sophia, a
parte, que simbolicamente representa olhar para o mulher sábia, um estágio dificílimo de ser alcançado.
ser, sermos capazes de contemplação, de quietude, Iniciada nos próprios processos internos de
de apaziguamento. crescimento, poderá guiar os apóstolos, modelo
A terceira etapa é Maria Madalena Intercessora. deste sábio-feminino, reintegrado em todas as suas
Ela representa o Feminino, que intercede pelos dimensões, desde a afetiva até a transpessoal. (cf.
doentes, pelos moribundos. Partiu da multidão dos BOGADO, 2005, p.128-141)
desejos, tornou-se silenciosa na presença do ser e Resumiremos, aqui, um dos mais belos
agora se torna compassiva, encontra sua compaixão. comentários da perícope de Jo 20, 11-18, da obra
As lágrimas de Madalena são plenas de significado e de Juan Mateos, O Evangelho de São João: análise
de amor, a tal ponto que são capazes de transformar linguística e comentário exegético, na tradução de
o sofrimento em força libertadora. Alberto Costa, publicado pelas Edições Paulinas.
A quarta etapa é a da Intuição profética. Na casa Citamos a perícope como consta nessa obra, sob
de Simão, ela derrama o perfume na cabeça de Jesus, o subtítulo: o novo casal.
profetizando sua morte. Representa a doação, que
Judas recrimina. Maria tinha ficado junto do sepulcro, fora,
Assim chegamos à quinta etapa: Madalena, chorando. Sem deixar de chorar, inclinou-se para
o sepulcro e viu dois anjos vestidos de branco
como Acompanhante dos Moribundos. È Madalena aos
sentados um à cabeceira e outro aos pés, no lugar
pés da cruz, a porção feminina em todos nós, que
onde tinha sido colocado o corpo de Jesus.
não teme olhar de frente para a morte.Trata-se de
Perguntaram-lhe eles:
enfrentar a morte do eu, as pequenas mortes que se
- Mulher, por que choras?
dão, necessariamente, num processo de crescimento
Disse-lhes:
interior. O processo de individuação exige que algo
- Levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram.
morra dentro de nós, para que algo possa nascer.
Essas pequenas mortes são dolorosas, acompanhadas Dito isso, voltou-se para trás e viu Jesus de pé, mas
não sabia que era Jesus.
do medo que temos do desconhecido, do novo. O
Jesus lhe perguntou:
mergulho ao qual Madalena nos convida, nesta
- Mulher, por que choras? A quem buscas?
etapa, não é mais um mergulho em nós mesmos, mas
para além de nossas identificações, um mergulho no Ela, pensando que era o jardineiro, lhe disse:
desconhecido, representado pela morte. - Senhor, se o levaste tu, dize-me onde o puseste e
eu o levarei.
A mulher que é a Testemunha da Ressurreição
conduz-nos, pela sexta etapa, a ir além da morte. Diz-lhe Jesus:
Não é mais a Madalena possuída por seus dese- Maria foi anunciando aos discípulos:
jos, mas transformada pelo silêncio contemplativo, Vi o Senhor em pessoa, e que lhe tinha dito aquilo.
encontrando dentro de si a sua compaixão, assumin-
do sua capacidade visionária, enfrentando as mortes O tema da perícope é o encontro de Jesus,
30 www.fatea.br/angulo
O romance de Maria Madalena, uma mulher _______. Maria Madalena: o feminino na luz e na sombra.
incomparável. Filósofo e teólogo, Leloup mistura Rio de Janeiro: Lucena, 2005.
Cântico dos Cânticos. In: Biblia de Jerusalém. A nova
história e ficção, teologia e poesia, apresentando revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
Madalena como arquétipo feminino, mulher perene, JOÃO PEDRO II. Ordinatio Sacerdotalis, 1994.
que reúne em si mesma as dimensões carnais e LACORDAIRE. Maria Madalena. Trad. Arlindo Veiga dos
Santos. São Paulo: Anchieta, 1948.
espirituais.
LELOUP, Jean-Yves. O romance de Maria Madalena:
Seria necessário distinguir, como o fazem uma mulher incomparável. Trad de Martha Gouveia da
os historiadores e certos exegetas, entre Maria, a Cruz, Campinas, SP: Verus Editora, 2004.
pecadora, Maria de Betânia e Maria Madalena? Ou, MATEOS, Juan, S.J. O Evangelho de São João: análise
linguística e comentário exegético. São Paulo: Paulinas,
ao contrário, como faz a tradição antiga, ver nessas
1989.
três Marias uma única mulher? MESSADIÉ, Gerald. O enigma Maria Madalena: romance.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
Nós acrescentaríamos uma única e mesma mulher SEBASTIANI, Lilia. Maria Madalena: de personagem
às diferentes etapas de sua vida, cada uma dessas do evangelho a mito de pecadora redimida; tradução de
Antonio Angonese. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
etapas manifestando uma mutação interior, uma
SILVA, Francisca Rosa da. Maria Madalena e as mulheres
metamorfose de seu desejo e um novo semblante
no cristianismo primitivo. São Bernardo do Campo,
do feminino. (2004, p.142) Universidade Metodista de São Paulo, 2008.(tese)
http://www.paurques.org
No Cântico dos Cânticos, a mulher paradigma TERESA D'ÁVILA. Livro da Vida: Prad. e notas de Marcelo
Musa e Cavallari; prefácio de Frei Betto e introdução de
é chamada a Sulamita, a mulher que o desejo J. M. Cohen. São Paulo: Penguin'Classics Companhia das
atormenta, em busca do bem-amado. Segundo Letras, 2010.
Leloup, o Cântico apresenta o itinerário do desejo.
São as três etapas clássicas que observamos nos El greco - Maria Madalena
REFERÊNCIAS