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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
CURSO DE TEOLOGIA
SÃO PAULO
2023
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RESUMO
O tema desse trabalho é “O papel da mulher no cristianismo primitivo: uma leitura do
quarto evangelho”. O estudo da literatura especializada sobre o assunto possibilitou
uma análise das sociedades patriarcais na área do Mediterrâneo, tanto no I século
a.C quanto no d.C, especialmente nas sociedades judaica, greco-romana e egípcia,
onde a dominação masculina sobre a mulher era presente de várias maneiras. Na
sociedade judaica, as leis de pureza também colocavam mais pressão sobre as
mulheres. Já na sociedade greco-romana, a dominação masculina era legitimada
pela crença de que as divindades definiam os papéis sociais de homens e mulheres.
Porém, em meio a esse contexto, o movimento de Jesus surgiu como uma prática
social e religiosa que contrariava as leis do patriarcado.
O Quarto Evangelho é um exemplo da literatura que destaca o papel das mulheres
em movimentos religiosos. Nesse Evangelho, as mulheres desempenharam um
papel de protagonistas tanto no movimento de Jesus quanto na organização das
primeiras comunidades. O evangelho registra e destaca a participação de várias
mulheres como Maria, mãe de Jesus, que antecipou a hora e introduziu Jesus no
seu ministério público nas Bodas de Canaã. Além dela, outras mulheres também
foram lembradas na literatura joanina: Maria novamente presente na hora da
glorificação de Jesus na cruz, que recebeu a nova comunidade representada na
figura do discípulo ou discípula amada. A mulher samaritana, que conversou com
Jesus ao lado do poço, contrariando todos os costumes da época, e depois tornou-
se missionária para o povo samaritano.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar o papel da mulher no início do
cristianismo, mais especificamente no Movimento de Jesus, e resgatar a história
dessa participação relevante das mulheres. Para isso, o estudo se concentra no
Quarto Evangelho de João, uma literatura resultante da reflexão de uma
comunidade que guardou com carinho o testemunho e o protagonismo das
mulheres.
A comunidade das discípulas amadas e dos discípulos amados, responsável
pela redação do Evangelho, procurou viver o discipulado de iguais, contrariando as
leis e os costumes da sociedade patriarcal que oprimia e marginalizava as mulheres.
O texto sagrado destaca a participação de várias mulheres, desde Maria, mãe de
Jesus, até Maria Madalena, a primeira a ver Jesus ressuscitado. A sociedade da
época impunha várias limitações às mulheres, mas a comunidade do Quarto
Evangelho procurou garantir o reconhecimento e o cuidado com a memória dessas
mulheres.
O evangelista João (Jo 4,27), no evangelho quarto, ao relatar o encontro de
Jesus junto ao poço de Jacó, refere-se à mulher simplesmente como a mulher
Samaritana – provavelmente com a intenção de torná-la representante de toda a
Samaria. No entanto, ao permanecer sem nome durante toda a narrativa, seu
anonimato ressalta toda a discriminação e preconceito que as mulheres enfrentavam
na época de Jesus.
A admiração dos discípulos ao vê-la conversando com Jesus evidencia a
barreira do sexo, uma vez que ser mulher naquela época era sinônimo de
inferioridade e submissão. Além disso, a barreira cultural também se impunha, já
que as mulheres eram frequentemente impedidas de receber educação pelos
rabinos, que preferiam queimar a lei a ensiná-la para mulheres. (Jo 4,27)
Não só isso, mas a mulher Samaritana enfrentava também as barreiras do
preconceito social e religioso, uma vez que ser samaritana era considerado negativo
pelos judeus. E, por fim, a barreira do caráter moral também se juntava às demais
dificuldades, já que a mulher era tida como pecadora. Todos estes fatores
combinados tornavam a mulher samaritana uma figura marginalizada e vulnerável
na sociedade em que vivia.
Assim, o relato bíblico da mulher samaritana evidencia as difíceis condições
às quais as mulheres eram submetidas na época de Jesus. Tal situação era
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jurídicas, dado que seus atos não podiam influenciar uma cultura machista e
opressora em relação às mulheres (MACARTHUR, 2019).
O evangelho de João menciona que Jesus realizou muitos sinais que não
estão escritos no livro. Muitos desses sinais ocorreram por meio de encontros com
mulheres, que foram tocadas pela compaixão e pela empatia de Jesus. Esses
encontros incluem a transformação da água em vinho, o encontro com a mulher no
poço, a ressurreição de Lázaro, o gesto de ungir os pés de Jesus, e o encontro com
Maria Madalena no jardim após a ressurreição (KONINGS, 2000) .
Esses encontros marcam a hora de desvendar o mistério e antecipam a hora
da universalidade, da empatia do amor e do anúncio da vitória da vida sobre a
morte. Esses sinais foram escritos para que as pessoas acreditem que Jesus é o
Messias, o Filho de Deus, e que acreditando, elas possam ter a vida em seu nome.
Jesus não se deixou influenciar pelos preconceitos que a lei impunha em relação à
pureza e impureza das mulheres, assim como fez com outros grupos sociais,
incluindo publicanos, leprosos, enfermos e os mortos, ao tocá-los. Ele era
compassivo com todos que se aproximavam dele, e veio para evangelizar os pobres,
curar os corações quebrantados, pregar liberdade aos cativos, restaurar a visão dos
cegos e libertar os oprimidos. As mulheres, que eram marginalizadas naquela
sociedade, foram também acolhidas e incluídas por ele (DEMOSS, 2012).
Jesus não hesitava em falar abertamente com as mulheres publicamente,
curá-las em dias de sábado, ungir seus pés com perfume e defendê-las diante dos
fariseus e outros opositores. Ele tratava as mulheres com respeito, levando-as a
sério e incluindo-as nas boas novas do Reino de Deus. Jesus quebrou as barreiras
sociais e os preconceitos em relação às mulheres, falando com elas de igual para
igual, exigindo delas o mesmo que dos homens, e prometendo as mesmas bênçãos
e salvação para todos. Sua atitude única em relação às mulheres mostra que ele era
livre de preconceito e valorizava a dignidade e a importância de cada indivíduo
(DEMOSS, 2012).
O tratamento que Jesus dispensava às mulheres e às pessoas excluídas
mostrava que ele cumpria o grande amor do Pai, que não faz acepção de pessoas e
ama a todos de maneira igualitária. Segundo Tournier, Jesus rejeitava as injustiças
que a sociedade da época impunha às mulheres e as considerava como pessoas
inteiras e valiosas. Ao longo de seu ministério, Jesus demonstrou por meio de
gestos, palavras e ações libertadoras que as mulheres eram tão importantes quanto
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"Vinde e vede" é dita pela mulher, e não por Jesus, é outra inversão de sujeitos que
ocorre na história (GANGE, 2007).
O encontro de Jesus com a mulher siro-fenícia deve ser lido dentro do
contexto geral do Evangelho de Marcos. O evangelista apresenta Jesus como um
profeta semelhante a Elias ou Eliseu, cujas atividades taumatúrgicas incluíam a cura
de mulheres. A narrativa da mulher siro-fenícia é uma alusão à narrativa inicial do
ciclo de Elias em Sarepta. O texto se encaixa perfeitamente na narrativa integral do
evangelho, particularmente com relação à apresentação do Reino de Deus e sua
missão para estabelecê-lo sobre o mundo inteiro. O encontro mostra a abertura de
Jesus para com os estrangeiros e as mulheres, outra temática recorrente no
evangelho. O relato demonstra a importância desses temas na mensagem de Jesus
e na apresentação do Reino de Deus (GANGE, 2007).
O relato do encontro de Jesus com a mulher siro-fenícia faz alusão à narrativa
do ciclo de Elias e Eliseu no Antigo Testamento, particularmente na restauração da
vida do filho da mulher sunamita e na alimentação milagrosa. Esses ecos das
narrativas do Antigo Testamento fundamentam a missão da igreja para as "nações",
como parte do ministério de Jesus. (GANGE, 2007). É importante observar que a
alusão é indireta, e a chave para identificá-la é encontrar um paralelo incomparável
ou único de redação, sintaxe, conceito ou conjunto de motivos na mesma ordem ou
estrutura. Isso ajuda a entender a profunda conexão entre o Antigo e o Novo
Testamento, que são inseparáveis em sua mensagem e propósito (FERNANDEZ,
2008).
Em passagens no Evangelho de Marcos, Jesus começa sua viagem ao norte,
deixando a Galileia para se dirigir ao território fora de Israel, após um debate com os
fariseus sobre as leis alimentares. Ele declara que todos os alimentos são puros,
orientando seus leitores a aceitarem os gentios, que eram tratados como impuros. O
Evangelista destaca que a região ao redor de Tiro era potencialmente hostil aos
judeus, e que Jesus corre riscos ao entrar nesse território. A narrativa enfoca o
diálogo entre Jesus e uma mulher siro-fenícia, em que o centro é a questão de se o
pão dos filhos deve ser dado aos cachorrinhos. Essa passagem é importante para
entender a relação entre os judeus e gentios nas primeiras comunidades e a postura
inclusiva de Jesus em relação a todos (REIMER, 2013).
Nesta, uma mulher siro-fenícia - uma não-judia - prostra-se diante de Jesus e
pede compaixão para sua filha, que está possuída por um espírito impuro. Enquanto
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arrependida, existem brechas nos evangelhos que indicam sua importância para o
Movimento de Jesus e para a Comunidade Primitiva. A liderança feminina de Maria
Madalena foi apagada pela tradição cristã, mas é importante reconstruir sua história
a partir dos poucos dados que temos para devolver a ela sua verdadeira identidade
(NAGATOMO, 2008).
A presença de Maria Madalena nos quatro evangelhos ressalta sua
importância no Movimento de Jesus como discípula e seguidora apaixonada. Ela foi
amada por Jesus e foi a primeira pessoa a fazer a experiência de sua Ressurreição,
recebendo a missão apostólica de anunciar aos discípulos que Ele ressuscitou.
Maria Madalena é considerada a grande apóstola da Ressurreição e as primeiras
comunidades cristãs a chamavam de Apóstola dos Apóstolos. João registra sua
presença ao pé da cruz junto com Maria, mãe de Jesus, e um discípulo que não é
nomeado, mas que é descrito como aquele a quem Jesus amava (NAGATOMO,
2008).
Na passagem de João, a universalidade da mensagem de Jesus visa
desconstruir qualquer discriminação contra a mulher e libertá-la. Além disso, a
mulher é convocada a ser portadora e anunciadora da libertação (KONINGS,2000).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS.