Você está na página 1de 21

1

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
CURSO DE TEOLOGIA

JOSÉ GUARACI DA SILVA


RA 202007281918

O QUARTO EVANGELHO DE JOÃO: A humanização da mulher por


Jesus.

SÃO PAULO

2023
2

RESUMO
O tema desse trabalho é “O papel da mulher no cristianismo primitivo: uma leitura do
quarto evangelho”. O estudo da literatura especializada sobre o assunto possibilitou
uma análise das sociedades patriarcais na área do Mediterrâneo, tanto no I século
a.C quanto no d.C, especialmente nas sociedades judaica, greco-romana e egípcia,
onde a dominação masculina sobre a mulher era presente de várias maneiras. Na
sociedade judaica, as leis de pureza também colocavam mais pressão sobre as
mulheres. Já na sociedade greco-romana, a dominação masculina era legitimada
pela crença de que as divindades definiam os papéis sociais de homens e mulheres.
Porém, em meio a esse contexto, o movimento de Jesus surgiu como uma prática
social e religiosa que contrariava as leis do patriarcado.
O Quarto Evangelho é um exemplo da literatura que destaca o papel das mulheres
em movimentos religiosos. Nesse Evangelho, as mulheres desempenharam um
papel de protagonistas tanto no movimento de Jesus quanto na organização das
primeiras comunidades. O evangelho registra e destaca a participação de várias
mulheres como Maria, mãe de Jesus, que antecipou a hora e introduziu Jesus no
seu ministério público nas Bodas de Canaã. Além dela, outras mulheres também
foram lembradas na literatura joanina: Maria novamente presente na hora da
glorificação de Jesus na cruz, que recebeu a nova comunidade representada na
figura do discípulo ou discípula amada. A mulher samaritana, que conversou com
Jesus ao lado do poço, contrariando todos os costumes da época, e depois tornou-
se missionária para o povo samaritano.

PALAVRAS-CHAVE: Evangelho de João, Quarto Evangelho, Mulher discípula.


3

INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar o papel da mulher no início do
cristianismo, mais especificamente no Movimento de Jesus, e resgatar a história
dessa participação relevante das mulheres. Para isso, o estudo se concentra no
Quarto Evangelho de João, uma literatura resultante da reflexão de uma
comunidade que guardou com carinho o testemunho e o protagonismo das
mulheres.
A comunidade das discípulas amadas e dos discípulos amados, responsável
pela redação do Evangelho, procurou viver o discipulado de iguais, contrariando as
leis e os costumes da sociedade patriarcal que oprimia e marginalizava as mulheres.
O texto sagrado destaca a participação de várias mulheres, desde Maria, mãe de
Jesus, até Maria Madalena, a primeira a ver Jesus ressuscitado. A sociedade da
época impunha várias limitações às mulheres, mas a comunidade do Quarto
Evangelho procurou garantir o reconhecimento e o cuidado com a memória dessas
mulheres.
O evangelista João (Jo 4,27), no evangelho quarto, ao relatar o encontro de
Jesus junto ao poço de Jacó, refere-se à mulher simplesmente como a mulher
Samaritana – provavelmente com a intenção de torná-la representante de toda a
Samaria. No entanto, ao permanecer sem nome durante toda a narrativa, seu
anonimato ressalta toda a discriminação e preconceito que as mulheres enfrentavam
na época de Jesus.
A admiração dos discípulos ao vê-la conversando com Jesus evidencia a
barreira do sexo, uma vez que ser mulher naquela época era sinônimo de
inferioridade e submissão. Além disso, a barreira cultural também se impunha, já
que as mulheres eram frequentemente impedidas de receber educação pelos
rabinos, que preferiam queimar a lei a ensiná-la para mulheres. (Jo 4,27)
Não só isso, mas a mulher Samaritana enfrentava também as barreiras do
preconceito social e religioso, uma vez que ser samaritana era considerado negativo
pelos judeus. E, por fim, a barreira do caráter moral também se juntava às demais
dificuldades, já que a mulher era tida como pecadora. Todos estes fatores
combinados tornavam a mulher samaritana uma figura marginalizada e vulnerável
na sociedade em que vivia.
Assim, o relato bíblico da mulher samaritana evidencia as difíceis condições
às quais as mulheres eram submetidas na época de Jesus. Tal situação era
4

caracterizada pela opressão, desigualdade e preconceito. Contudo, Jesus ao


chamar a atenção para a importância do amor e da compaixão, pode ter ajudado a
descontruir essas barreiras e a promover a igualdade entre as pessoas, com
destaque para as mulheres que passaram a ter uma participação mais ativa na
sociedade
Para realizar a análise, foi realizada pesquisa bibliográfica na literatura
especializada sobre o assunto, bem como na literatura bíblica e extra-bíblica. Os
resultados desse estudo ajudaram a compreender as sociedades patriarcais da
região do Mediterrâneo no I século a.C. e d.C., onde a dominação do homem sobre
a mulher se dava de várias maneiras. No entanto, mesmo diante desse cenário, o
movimento de Jesus se destacou pela prática social e religiosa que contrariava as
leis do patriarcado. Por isso, a participação das mulheres no Movimento de Jesus e
nas primeiras comunidades cristãs foi bastante relevante.
Este trabalho contribui para um maior entendimento não apenas do papel da
mulher no cristianismo primitivo, mas também para o estudo das sociedades
patriarcais e das mudanças sociais e religiosas que surgiram na época.
Este trabalho não se esgota em si mesmo e busca ser um início para uma
investigação mais ampla sobre a história das mulheres no cristianismo. Para
resgatar essa história e compreendê-la, questionou-se: Qual foi a participação
feminina no movimento de Jesus e nas primeiras comunidades cristãs?
O objetivo geral foi compreender a participação feminina no movimento de
Jesus e nas primeiras comunidades cristãs
Como objetivo específicos, foram entender do quarto evangelho,
apresentando algumas características e diferenças que distinguem esse evangelho
dos evangelhos sinóticos; apresentar uma visão geral do contexto sociopolítico,
econômico e cultural e religioso das sociedades em que viviam as mulheres: judaica
e Greco Romana no século I a.C. ao início do século II d.C; abordar especificamente
o papel das mulheres no cristianismo primitivo.
5

ESTRUTURA FORMATIVA DO QUARTO EVANGELHO DE JOÃO


O Quarto Evangelho é considerado o produto de muitos anos de trabalho e
reflexão por parte da comunidade cristã que o produziu. Esse evangelho foi escrito
em algum momento do início do século II, em Éfeso, na Ásia Menor. A autoria do
Quarto Evangelho é frequentemente atribuída ao apóstolo João, embora ainda seja
objeto de debate acadêmico (KÜMMEL, 2009).
As comunidades que deram origem ao Quarto Evangelho começaram a se
organizar na Galiléia logo após a morte e ressurreição de Jesus. Essas
comunidades eram compostas por discípulos de João Batista, samaritanos,
helenistas e muitas mulheres e crianças. Elas procuravam fazer a experiência do
discipulado de iguais, tendo como características o amor, a partilha, a solidariedade
e o exercício do poder como serviço (KÜMMEL, 2009).
Em termos teológicos, o Quarto Evangelho tem uma cristologia elevada e
única, refletindo o tipo de fé em Jesus que veio a ser aceito no cristianismo joanino.
De acordo com o Quarto Evangelho, a Palavra que existia na presença de Deus
antes da criação, tornou-se carne em Jesus, vindo ao mundo como luz. Jesus tem a
capacidade de revelar Deus porque ele é o único que desceu do céu e viu a face de
Deus e ouviu a sua voz. Ele é um com o Pai, de modo que vê-lo é ver o Pai. Na
verdade, ele pode falar como o divino ‘EU SOU’, dando a entender sua identidade
divina (BROWN, 2012).
Em resumo, o Quarto Evangelho apresenta uma abordagem teológica única,
que enfatiza a divindade de Jesus e a experiência do discipulado de iguais na
comunidade cristã. Ele continua sendo objeto de estudo e reflexão até hoje,
fornecendo uma visão profunda e significativa das mensagens e ensinamentos de
Jesus e dos relacionamentos que ele tinha com seus seguidores. Jesus sai da
presença de Deus, de onde existiu desde sempre, e, ao concluir sua missão, retorna
para Deus (BROWN, 2012).
Caracteres
O Quarto Evangelho é o resultado da caminhada, da reflexão e do
testemunho da comunidade do discípulo amado ou da discípula amada. A escrita do
Evangelho teve início por volta da primeira metade do primeiro século e foi concluída
no início do segundo século. Uma característica distintiva do Quarto Evangelho em
6

relação aos sinópticos é a igualdade de gênero apresentada entre Jesus e as


mulheres. Enquanto nos sinópticos as mulheres são retratadas como dependentes e
em posição de vulnerabilidade, no Quarto Evangelho elas são frequentemente
apresentadas como protagonistas, ajudando Jesus a descobrir e realizar a sua
missão (BROWN, 2012).
O Quarto Evangelho apresenta as mulheres como discípulas em posição de
relevância e liderança eclesiástica, provavelmente em protesto contra a tendência
patriarcalizante na institucionalização da Igreja no período sub-apostólico. A
participação da mulher como discípula também pode ser resultado da situação
sociorreligiosa da própria comunidade (FIORENZA, 2009)
Desta forma o Quarto Evangelho é fruto do trabalho conjunto da comunidade
do discípulo amado ou da discípula amada, e apresenta uma visão única e igualitária
de gênero em relação às mulheres. Essa visão é relevante tanto como protesto a
uma tendência institucionalizada de patriarcalismo quanto como reflexo da situação
sociorreligiosa da comunidade que deu origem ao Evangelho (FIORENZA,2009)
João é lembrado por Brown (2012) como aquele que recorda as mulheres
como sendo aquelas que abriram caminho e deixaram sua marca nas origens do
cristianismo, com exceção da história da mulher adúltera que, segundo Brown
(2012), é uma inserção posterior e não joanina. Kümmel (2009) destaca várias
diferenças entre o evangelho de João e os sinóticos, como o fato de os sinóticos
encerrarem a missão de Jesus na Galileia e suas proximidades com uma única
viagem a Jerusalém que acaba com a crucificação e morte de Jesus, enquanto João
descreve Jesus fazendo três viagens da Galileia a Jerusalém. Além disso, Kümmel
(2009) observa que, para João, a permanência de Jesus em Jerusalém dura cerca
de meio ano, começando com a Festa das Tendas, passando pela Festa da
Dedicação e terminando com a Páscoa da morte de Jesus. A atividade de Jesus,
segundo João, se desenvolve por mais de dois anos, dos quais o último meio ano é
em Jerusalém e na Judéia. João é único em termos de material utilizado,
apresentando narrativas como a das bodas de Caná, a cura do paralítico na piscina
de Betesda, a cura do cego de nascença, a ressurreição de Lázaro, além das
histórias de milagres que ele chama de sinais. O evangelho de João também
compartilha algumas narrativas e contextos com os sinóticos, mas as coloca em
perspectiva diferente, como a vocação dos discípulos, a cura do filho do oficial
romano, a multiplicação de pães, a caminhada sobre as águas, a confissão de
7

Pedro, a entrada em Jerusalém, a última ceia com a profecia da traição, a


purificação do templo e a unção de Betânia (BROWN, 2012).
No quarto evangelho, Jesus se revela como aquele que ensina por palavra e
ação, demonstrando o sentido profundo de sua prática. Ele ensina que o que faz é o
que viu junto do Pai e sua principal ação é dar a própria vida. Os ensinamentos de
Jesus têm um conteúdo profundo e não são facilmente compreendidos pelos
discípulos. Isso demonstra que esse evangelho foi escrito para pessoas que já
estavam trilhando o caminho da fé, especialmente as comunidades joaninas que
buscavam aprender o caminho do discipulado (BROWN, 2012).
Ao contrário dos sinóticos, que se referem sempre ao "reino de Deus", João
usa a expressão "vida eterna", enfatizando que Jesus é aquele que dá a vida eterna
e ele mesmo é a vida eterna. João evita a palavra "reino" para evitar a ideologia do
messias triunfante que contradiz o projeto de messias servo sofredor de Jesus.
(BROWN, 2012).
De acordo com Brown (2012), a comunidade joanina surgiu entre os anos 30
e 50 ao redor do testemunho do discípulo amado, que anunciava a mensagem de
salvação que Jesus ressuscitado é o Filho de Deus, enviado do Pai. Esse anúncio
levou muitas pessoas a se tornarem seguidoras de Jesus e formar comunidades ao
longo do tempo. Esse período começou logo após a ressurreição de Jesus, por volta
do ano 30, e não deve ser confundido com as fases da redação do evangelho.
(BROWN, 2012).
O Quarto Evangelho foi escrito ao longo de um processo lento de reflexão e
amadurecimento pela comunidade joanina até chegar ao texto atual. Embora haja
acréscimos e rupturas, o texto apresenta uma certa unidade em seu vocabulário e
reflexões teológicas. Os evangelistas não buscaram fazer uma narração histórica,
mas interpretações teológicas que ajudassem as comunidades a viver sua fé em
uma sociedade que ia contra a lógica do Reino. O Evangelho de João teve duas
edições, com a segunda incluindo o capítulo 21 e outros textos, além de uma
reinterpretação e aprofundamento do primeiro discurso de despedida (KONINGS,
2000).
O Evangelho de João difere dos sinóticos não apenas em termos
cronológicos e geográficos, mas também em suas perspectivas teológicas. Ele é
uma meditação aprofundada sobre os eventos centrais da história da salvação,
buscando evidenciar a identidade entre o Jesus histórico e o Cristo presente em sua
8

Igreja. De acordo com Brown, o Evangelho de João apresenta uma teologia de


grande beleza e profundidade que serviu como chave para abrir a vida da Igreja
após a morte de Jesus (KONINGS, 2000).
O Evangelho de João está dividido em duas partes principais e possui um
prólogo que condensa toda a mensagem do livro. Para João, Jesus é o Filho
unigênito que saiu do Pai e está sempre voltado para o Pai, e o prólogo é um hino
que proclama sua encarnação como o Logos divino (KONINGS, 2000).
O Evangelho de João é do gênero literário de evangelho, assim como os
sinóticos, e combina narrativa e drama. Ele utiliza um estilo poético e solene que é
evidenciado no Prólogo e em seus discursos, tornando-o agradável de ler, mas nem
sempre de fácil entendimento. Segundo Brown, em João, o estilo e a teologia estão
intimamente conectados, e as palavras de Jesus são mais solenes e rituais,
refletindo a Sabedoria divina personificada. Para João, Jesus é o Filho Unigênito de
Deus, preexistente antes da criação, e suas palavras e poder são baseados nessa
sabedoria divina (THEISSEN, 2007).
 Evangelho de João utiliza o gênero literário de evangelho e combina
elementos narrativos e dramáticos. Seu estilo poético e solene é evidente no
Prólogo e em seus discursos e torna a leitura agradável, apesar de nem sempre ser
fácil de entender. Para João, Jesus é o Logos divino pré-existente que assume a
condição humana para revelar às pessoas a mensagem de seu Pai. Como
resultado, ele usa símbolos, linguagem figurada e metafórica em sua escrita, para
transmitir sua mensagem de maneira compreensível para as pessoas. João muitas
vezes usa termos em hebraico-aramaico que são importantes para sua comunidade,
mas que precisam ser traduzidos para o público leitor de língua grega
(THIELMAN,2007).
Ele é mentalmente bilíngue e pensa em categorias semíticas ou judaico-
bíblicas conforme escreve em grego comum (Koiné), tornando seu texto influenciado
pelas tradições do Antigo Testamento. Alguns escritores do Novo Testamento
usavam imagens de Jesus como construtor e fundador da igreja, mas João utiliza
imagens que simbolizam vida e dinamismo, como a videira e o pastor. Para João,
Jesus é como a videira e os cristãos são os ramos que precisam estar ligados a Ele
para receberem a seiva e terem vida abundante. É preciso estar unido a Ele, não
apenas acreditar nele, para ter vida em abundância e dar bons frutos
(THIELMAN,2007).
9

Logo após a morte e ressurreição de Jesus, a comunidade joanina se formou


com os discípulos, Maria e alguns seguidores de João Batista. Durante cerca de
vinte anos, eles testemunharam o que tinham visto e ouvido de Jesus,
principalmente sua Paixão, Morte e Ressurreição, transmitindo essas histórias
oralmente e por escrito com cuidado e fidelidade (KÜMMEL, 2009).

A CONDIÇÃO DA MULHER NO CRISTIANISMO PRIMITIVO.


A mulher no Judaísmo.
Stegemann (2004) alerta que, para entender a história das mulheres no
cristianismo primitivo, é necessário considerar não apenas o aspecto legal e
ideológico, mas também o social e econômico das condições patriarcais. Isso se
deve ao fato de que, no mundo judaico e em todo o Oriente Médio, a estrutura social
era patriarcal e as mulheres eram consideradas bens e patrimônio dos homens. Tal
estrutura também era vigente em todas as sociedades do Mar Mediterrâneo, no
contexto histórico em que surgiu o cristianismo primitivo. Esse patriarcado romano,
que visava a dominação e exploração física, sexual e psicológica, afetava
especialmente as mulheres e os escravos, considerados bens de uso e de valor de
troca (FARIA, 2003).
O surgimento do cristianismo primitivo dentro do contexto patriarcal do
Império Romano requer uma análise dos aspectos legais, ideológicos, sociais e
econômicos. No mundo judaico e em toda a região do Mediterrâneo, as mulheres
eram consideradas bens e patrimônio dos homens, e a estrutura social era
patriarcal, onde o homem era o dono da mulher e dos filhos. A situação econômica
dos judeus na Palestina era modesta, com a maioria vivendo de agricultura,
artesanato e pequeno comércio. A família judaica vivia em casas pequenas,
geralmente sem janelas, e o pai era o chefe da família, responsável pelo bem-estar
e pela instrução dos filhos na Lei. Juridicamente, as mulheres dependiam sempre
dos homens, tanto do pai quanto do marido (LOHSE, 2004).
No contexto do patriarcado do Império Romano, o surgimento do cristianismo
primitivo pode ser analisado pelos aspectos legais, ideológicos, sociais e
econômicos. No mundo judaico e em toda a região do Mediterrâneo, o casamento
era um mandamento divino, e a situação econômica da maioria das pessoas era
modesta. Havia diferenças de opinião com relação às leis sobre divórcio, com alguns
10

argumentando que seria necessário a mulher cometer infidelidade e outros


considerando que seria suficiente ela não agradar plenamente ao marido. Jeremias
destaca a importância da conduta feminina e, em casos de desobediência, o marido
poderia dispensá-la sem precisar pagar a quantia que lhe pertencia após a
dissolução do casamento (LOHSE, 2004).
Lohse (2004) argumenta que, na época, as mulheres eram subordinadas aos
homens e tinham pouca participação ativa na sociedade. Na área religiosa, elas não
podiam servir como testemunhas em um tribunal e não podiam participar ativamente
do culto, sendo permitidas apenas a assistir como ouvintes do lado dos pátios das
mulheres.
A situação da mulher no Judaísmo era de subordinação ao homem, com
pouca participação ativa na sociedade. Elas não tinham obrigação de cumprir a Lei e
recebiam pouca instrução religiosa, sendo consideradas inferiores. Havia
divergências entre os rabinos quanto a isso, com alguns afirmando que ensinar a
Torá a uma mulher seria ensinar-lhe libertinagem (LOHSE, 2004).
Há divergências de opinião sobre o papel da mulher no Judaísmo (VERAS,
2019). Enquanto alguns tratam a mulher de maneira depreciativa, que reconhecem
seus importantes papéis no nascimento e na morte, inclusive com cuidados
especiais na criança. Lohse defende que para celebrar o culto na sinagoga é
necessário a presença de pelo menos dez homens, enquanto outros, afirmam que
menores de idade e mulheres também podem participar, de acordo com algumas
regras rabínicas (LOHSE, 2004).
O Universo Greco-romano e a mulher
A situação da mulher no mundo greco-romano era semelhante à do mundo
judaico, com uma sociedade estratificada e patriarcal que influenciou a cultura
ocidental de maneira decisiva. A pertença de uma pessoa ao gênero masculino ou
feminino era de grande relevância social, com atribuições de papéis e distribuição de
competências que eram inseridas nas condições conjunturais sociais e culturais da
sociedade. A família era patriarcal e essa situação contribuía para a discriminação
da mulher, baseada em um determinismo biológico assimilado como imposto pelas
divindades, levando a uma construção dos papéis sociais de gênero pré-
determinados ao nascer (STEGEMANN, 2004);
11

Tanto no texto de Xenofonte quanto no pensamento aristotélico, a distinção


de tarefas entre homens e mulheres é fundamentada como "naturais" ou
divinamente estabelecidas, com os homens trabalhando fora de casa e as mulheres
cuidando das tarefas domésticas. A natureza feminina é adaptada aos trabalhos
internos e a do homem, aos externos, com os homens sendo criados mais fortes e
responsáveis pela defesa do lar, enquanto as mulheres são mais frágeis e
responsáveis pela alimentação das crianças e pelo trabalho manual. Essas
concepções estão embasadas em um determinismo biológico e na crença em um
papel pré-determinado pelas divindades para cada gênero (MCGRATH e PACKER,
2018).
Na Grécia antiga, a situação da mulher era desfavorável em relação ao
homem, sendo que elas eram mantidas na parte inferior da casa, no gineceu. Em
Esparta, as mulheres tinham mais liberdade e participavam nos esportes, na política
e nos negócios. O papel de cada gênero era determinado pela divisão entre espaços
interno e externo, com os homens dirigindo a cidade e as mulheres dirigindo as
economias domésticas (MCGRATH e PACKER, 2018).
Essa diferenciação nos papéis sociais levava a profundas desigualdades. No
entanto, apesar dessas limitações, as mulheres nem sempre seguiam essas
determinações e atuavam em diversos contextos do espaço público, exercendo
influência política. As concepções patriarcais eram embasadas em um determinismo
biológico e na crença em um papel pré-determinado pelas divindades para cada
gênero (MCGRATH e PACKER, 2018).
Durante a época helenística, a importância do império suplantou a da casa e
da polis, e a cidadania passou a não depender mais da pertença a uma família. As
leis também não consideravam mais as mulheres como meras reprodutoras para dar
herdeiros a um patrimônio, e elas passaram a ter direitos de propriedade. Muitas
mulheres obtiveram cidadania através dos serviços prestados à cidade (MCGRATH
e PACKER, 2018).
Embora houvesse uma situação geral, havia exceções, com as mulheres
gregas desempenhando papéis importantes em ritos religiosos que envolviam as
deusas e experiências fundamentais da vida, como nascimento e morte. O
paradigma de mulher na época era Hipparchia, a esposa do filósofo Crato, que teve
que se defender das críticas por participar em simpósios públicos (MCGRATH e
PACKER, 2018).
12

Apesar da marginalização que as mulheres enfrentaram em diversas


sociedades ao longo do tempo, houve sempre mulheres que lutaram para se libertar
dessa situação, mesmo enfrentando críticas e perseguições. A construção das
identidades de gênero não é determinada exclusivamente pela anatomia, mas sim
pela cultura, sendo influenciada por relações de poder dentro de sistemas patriarcais
de subordinação, nos quais os meios de comunicação desempenham um papel
significativo (VERAS, 21019).

A MULHER NO CRISTIANISMO PRIMITIVO


A mulher em Jesus – o quarto evangelho
A sociedade nos tempos de Jesus era patriarcal, onde as mulheres eram
consideradas inferiores e submissas aos homens. No entanto, Jesus agiu de forma
diferente, reagindo contra a marginalização das mulheres e se mostrando
compreensivo e amigo delas. Ele se opunha aos costumes machistas de sua época,
que eram fundamentados na lei, a qual considerava mulheres como alvo de
repressão, como no caso do adultério, que era punido com a morte (MACARTHUR,
2019).
A atitude de Jesus em relação às mulheres era vista como revolucionária e
insólita tanto pelos romanos quanto pelos judeus patriarcais. Ele pregava a justiça e
a retidão, questionando quem poderia julgar o outro e enfatizando que todos são
passíveis de cometer atos repreensíveis. Em contraste, os redatores do Antigo
Testamento apresentavam uma atitude de misoginia em relação às mulheres
(FARIA, 2010).
Em vários episódios bíblicos, Jesus se mostrou diferente dos homens de sua
época ao reagir contra a marginalização das mulheres. Ele perdoou a mulher
adúltera e a libertou de ser apedrejada, enquanto curou uma mulher excluída
socialmente por sua menstruação há doze anos. Jesus também se hospedou em
casas de mulheres e permitiu que elas o acompanhassem em suas viagens
apostólicas e o ajudassem com seus bens. Embora fizesse parte de uma sociedade
patriarcal, ele introduziu algumas mudanças significativas em seu comportamento
pessoal com as mulheres. Porém, ele não teve poder para promover mudanças
13

jurídicas, dado que seus atos não podiam influenciar uma cultura machista e
opressora em relação às mulheres (MACARTHUR, 2019).
O evangelho de João menciona que Jesus realizou muitos sinais que não
estão escritos no livro. Muitos desses sinais ocorreram por meio de encontros com
mulheres, que foram tocadas pela compaixão e pela empatia de Jesus. Esses
encontros incluem a transformação da água em vinho, o encontro com a mulher no
poço, a ressurreição de Lázaro, o gesto de ungir os pés de Jesus, e o encontro com
Maria Madalena no jardim após a ressurreição (KONINGS, 2000) .
Esses encontros marcam a hora de desvendar o mistério e antecipam a hora
da universalidade, da empatia do amor e do anúncio da vitória da vida sobre a
morte. Esses sinais foram escritos para que as pessoas acreditem que Jesus é o
Messias, o Filho de Deus, e que acreditando, elas possam ter a vida em seu nome.
Jesus não se deixou influenciar pelos preconceitos que a lei impunha em relação à
pureza e impureza das mulheres, assim como fez com outros grupos sociais,
incluindo publicanos, leprosos, enfermos e os mortos, ao tocá-los. Ele era
compassivo com todos que se aproximavam dele, e veio para evangelizar os pobres,
curar os corações quebrantados, pregar liberdade aos cativos, restaurar a visão dos
cegos e libertar os oprimidos. As mulheres, que eram marginalizadas naquela
sociedade, foram também acolhidas e incluídas por ele (DEMOSS, 2012).
Jesus não hesitava em falar abertamente com as mulheres publicamente,
curá-las em dias de sábado, ungir seus pés com perfume e defendê-las diante dos
fariseus e outros opositores. Ele tratava as mulheres com respeito, levando-as a
sério e incluindo-as nas boas novas do Reino de Deus. Jesus quebrou as barreiras
sociais e os preconceitos em relação às mulheres, falando com elas de igual para
igual, exigindo delas o mesmo que dos homens, e prometendo as mesmas bênçãos
e salvação para todos. Sua atitude única em relação às mulheres mostra que ele era
livre de preconceito e valorizava a dignidade e a importância de cada indivíduo
(DEMOSS, 2012).
O tratamento que Jesus dispensava às mulheres e às pessoas excluídas
mostrava que ele cumpria o grande amor do Pai, que não faz acepção de pessoas e
ama a todos de maneira igualitária. Segundo Tournier, Jesus rejeitava as injustiças
que a sociedade da época impunha às mulheres e as considerava como pessoas
inteiras e valiosas. Ao longo de seu ministério, Jesus demonstrou por meio de
gestos, palavras e ações libertadoras que as mulheres eram tão importantes quanto
14

os homens, incluindo-as na comunidade de bem-amados e permitindo que


participassem de sua identificação com Cristo. Essa relação se estabelecia através
da fé e da graça, e a prática libertadora de Jesus dava visibilidade à participação das
mulheres na comunidade cristã primitiva (MACARTHUR, 2018)
Jesus rompeu os tabus da época em relação às mulheres e trouxe uma
prática humanizadora que revolucionou os costumes discriminatórios em relação aos
gêneros. Sua missão de trazer o Reino de Deus implica no resgate da missão
conjunta entre homem e mulher. A prática histórica de Jesus é considerada chave
de leitura e interpretação da Escritura e da Vida pelos cristãos, e o princípio libertário
e libertador nas relações de gênero é referência para uma efetiva libertação da
mulher e do homem. No entanto, é necessário percorrer um longo caminho pelas
mediações histórico-culturais-religiosas para alcançar a libertação de gênero
(REIMER, 2013)
As mulheres de Jesus
João destaca o papel importante confiado às mulheres, referindo-se a Maria
Madalena como a "apóstola dos apóstolos" e destacando a importância da
samaritana na preparação da colheita apostólica e ao encontro de Jesus com a
mulher sírio- fenícia (FARIA, 2010)
A teologia feminista destaca que Jesus vem romper as velhas estruturas e a
discriminação contra as mulheres, reconhecendo a dignidade da mulher
independentemente de sua condição desfavorável. As passagens em João, no seu
quarto evangelho, mostram Jesus evangelizando uma mulher estrangeira e
possivelmente uma prostituta, o que é uma prática revolucionária considerando a
discriminação contra os estrangeiros e as mulheres na época. Trata-se de um
diálogo teológico que revela a extensão da missão de Jesus ao povo samaritano
através da mulher (REIMER, 2013).
A história da mulher samaritana que se torna evangelizadora dentro de sua
própria cultura é considerada uma prática revolucionária. Ela se torna apóstola ao
converter-se e dar testemunho de Jesus, e as mulheres desempenham um papel
primário nos primórdios da comunidade cristã em Samaria ao serem as primeiras
não-judeus a se tornarem membros do movimento de Jesus. A mensagem de
salvação é anunciada não apenas por uma mulher, mas por uma estrangeira
considerada impura pelos judeus, o que é revolucionário. O fato de que a expressão
15

"Vinde e vede" é dita pela mulher, e não por Jesus, é outra inversão de sujeitos que
ocorre na história (GANGE, 2007).
O encontro de Jesus com a mulher siro-fenícia deve ser lido dentro do
contexto geral do Evangelho de Marcos. O evangelista apresenta Jesus como um
profeta semelhante a Elias ou Eliseu, cujas atividades taumatúrgicas incluíam a cura
de mulheres. A narrativa da mulher siro-fenícia é uma alusão à narrativa inicial do
ciclo de Elias em Sarepta. O texto se encaixa perfeitamente na narrativa integral do
evangelho, particularmente com relação à apresentação do Reino de Deus e sua
missão para estabelecê-lo sobre o mundo inteiro. O encontro mostra a abertura de
Jesus para com os estrangeiros e as mulheres, outra temática recorrente no
evangelho. O relato demonstra a importância desses temas na mensagem de Jesus
e na apresentação do Reino de Deus (GANGE, 2007).
O relato do encontro de Jesus com a mulher siro-fenícia faz alusão à narrativa
do ciclo de Elias e Eliseu no Antigo Testamento, particularmente na restauração da
vida do filho da mulher sunamita e na alimentação milagrosa. Esses ecos das
narrativas do Antigo Testamento fundamentam a missão da igreja para as "nações",
como parte do ministério de Jesus. (GANGE, 2007). É importante observar que a
alusão é indireta, e a chave para identificá-la é encontrar um paralelo incomparável
ou único de redação, sintaxe, conceito ou conjunto de motivos na mesma ordem ou
estrutura. Isso ajuda a entender a profunda conexão entre o Antigo e o Novo
Testamento, que são inseparáveis em sua mensagem e propósito (FERNANDEZ,
2008).
Em passagens no Evangelho de Marcos, Jesus começa sua viagem ao norte,
deixando a Galileia para se dirigir ao território fora de Israel, após um debate com os
fariseus sobre as leis alimentares. Ele declara que todos os alimentos são puros,
orientando seus leitores a aceitarem os gentios, que eram tratados como impuros. O
Evangelista destaca que a região ao redor de Tiro era potencialmente hostil aos
judeus, e que Jesus corre riscos ao entrar nesse território. A narrativa enfoca o
diálogo entre Jesus e uma mulher siro-fenícia, em que o centro é a questão de se o
pão dos filhos deve ser dado aos cachorrinhos. Essa passagem é importante para
entender a relação entre os judeus e gentios nas primeiras comunidades e a postura
inclusiva de Jesus em relação a todos (REIMER, 2013).
Nesta, uma mulher siro-fenícia - uma não-judia - prostra-se diante de Jesus e
pede compaixão para sua filha, que está possuída por um espírito impuro. Enquanto
16

em Mateus há menção aos discípulos pedindo a Jesus para afastá-la, em Marcos a


narrativa enfoca o diálogo entre a mulher e Jesus, em que ela o chama de "filho de
Davi" e pede ajuda para sua filha. Ambos os Evangelhos destacam a importância da
inclusão dos gentios na era messiânica, embora a prioridade da história da salvação
seja dada a Israel. A origem grega da mulher siro-fenícia em Marcos sugere que ela
tenha adotado a cultura e a língua gregas. Em Mateus, ela é descrita como
"cananeia da região de Tiro e Sidon". O diálogo é marcado por suspense, com Jesus
afirmando que foi enviado apenas às ovelhas perdidas da casa de Israel, o que
denota a prioridade da aliança e das promessas feitas a Israel (REIMER, 2013).
Jesus responde ao pedido de ajuda da mulher siro-fenícia dizendo que não é
certo tirar o alimento das crianças e dar aos cachorrinhos - marcando uma posição
conservadora que pode parecer em contraste com o seu modo de agir. A questão
que se levanta é se o evangelista pretende apresentar Jesus como conservador ou
se espera despertar uma revisão de conceitos a respeito da evangelização dos
gentios e do papel da mulher na comunidade cristã. Em outra passagem, Jesus
confronta seus discípulos sobre o significado desses eventos, apontando para a
verdadeira fonte de alimento que é o ensinamento de Jesus - um dom para judeus e
gentios. Neste contexto, o alimento oferecido por Jesus é oposto ao fermento dos
fariseus e de Herodes (REIMER, 2013).
A resposta de Jesus à mulher siro-fenícia é controversa, mas não deve ser
interpretada como um ato de preconceito ou racismo deliberado. O evangelista
busca corrigir a visão equivocada do leitor, tanto sobre a evangelização dos gentios
quanto sobre o papel das mulheres na comunidade cristã. A resposta de Jesus pode
parecer ríspida, mas deve-se entender que ele usou o diminutivo "cachorrinhos", que
era comumente usados pelos judeus para designar os cães de casa. Por outro lado,
a referência a Israel como filho de Deus é frequente nas Escrituras (REIMER, 2013)..
O pão mencionado na resposta de Jesus não aparenta ter uma conexão
direta com o pedido da mulher, mas se observarmos a narrativa de Marcos,
percebemos uma conexão com as narrativas de multiplicação dos pães antes e
depois desta passagem. A resposta de Jesus aponta para a prioridade de Israel
receber seu ensinamento antes de alcançar os gentios. No entanto, a argumentação
da mulher mostra que os gentios também têm direito à salvação. A resposta inicial
de Jesus contrasta com sua prática inclusiva, e é um lembrete aos membros da
comunidade cristã sobre a inclusão de todos no Reino de Deus. A resposta da
17

mulher demonstra compreensão da proposta de Jesus e orienta os leitores implícitos


sobre a inclusão dos gentios (REIMER, 2013).
A narrativa da mulher siro-fenícia há uma discussão sobre o puro e o impuro
no Reino. No entanto, a resposta da mulher permite celebrar a inclusão de judeus e
gentios, homens e mulheres no banquete do Reino. O exorcismo da filha da mulher
é realizado por Jesus apenas depois que ela o vence em uma troca de palavras, e
isso pode ser interpretado como a chegada do evangelho aos gentios. A ação de
Jesus em favor da criança indica que o demônio já havia saído, o que descreve uma
ação completa e terminada (REIMER, 2013).
No tocante a Maria Madalena foi uma figura importante nas origens do
cristianismo como testemunha da ressurreição e discípula enviada por Jesus para
anunciar aos apóstolos que ele havia ressuscitado. No entanto, a história dela foi
submetida a violência simbólica que a desconsiderou e a estigmatizou como uma
pecadora arrependida, esquecendo sua verdadeira identidade. Embora tenha sido a
primeira apóstola enviada com a mensagem das boas novas, sua liderança feminina
foi silenciada e sua fama foi inventada séculos depois para desacreditá-la e diminuir
seu testemunho, poder e ministério. Isso é um exemplo da dificuldade enfrentada
pelas mulheres no sistema patriarcal de serem reconhecidas como discípulas e
apóstolas no cristianismo primitivo (NAGATOMO, 2008).
Embora a interpretação clara sobre Maria Madalena não seja encontrada nos
evangelhos canônicos, sua importância no Movimento de Jesus e na Comunidade
Primitiva é apontada por brechas nos textos. Ela é mencionada 12 vezes nos
evangelhos sinóticos e está sempre na frente na ordem das mulheres que
acompanharam Jesus desde o início de seu ministério na Galileia. Além disso, as
mulheres, incluindo Maria Madalena, serviam e acompanhavam Jesus tanto na
Galileia quanto em Jerusalém, conforme registrado nos evangelhos de Marcos e
Mateus (NAGATOMO, 2008).
Maria Madalena foi uma das mulheres que acompanharam Jesus desde o
início do seu ministério na Galiléia e sua liderança no grupo de seguidores e
seguidoras de Jesus é evidenciada pelo registro dos evangelhos sinóticos e do
quarto evangelho. Ela é a única mulher citada pelos sinóticos em primeiro lugar,
esteve presente nos momentos mais importantes da morte e ressurreição de Jesus
e recebeu a missão apostólica de anunciar a ressurreição aos discípulos. Embora
sua identidade tenha sido desconsiderada e estigmatizada como uma pecadora
18

arrependida, existem brechas nos evangelhos que indicam sua importância para o
Movimento de Jesus e para a Comunidade Primitiva. A liderança feminina de Maria
Madalena foi apagada pela tradição cristã, mas é importante reconstruir sua história
a partir dos poucos dados que temos para devolver a ela sua verdadeira identidade
(NAGATOMO, 2008).
A presença de Maria Madalena nos quatro evangelhos ressalta sua
importância no Movimento de Jesus como discípula e seguidora apaixonada. Ela foi
amada por Jesus e foi a primeira pessoa a fazer a experiência de sua Ressurreição,
recebendo a missão apostólica de anunciar aos discípulos que Ele ressuscitou.
Maria Madalena é considerada a grande apóstola da Ressurreição e as primeiras
comunidades cristãs a chamavam de Apóstola dos Apóstolos. João registra sua
presença ao pé da cruz junto com Maria, mãe de Jesus, e um discípulo que não é
nomeado, mas que é descrito como aquele a quem Jesus amava (NAGATOMO,
2008).
Na passagem de João, a universalidade da mensagem de Jesus visa
desconstruir qualquer discriminação contra a mulher e libertá-la. Além disso, a
mulher é convocada a ser portadora e anunciadora da libertação (KONINGS,2000).
19

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após realizar o presente trabalho, pode-se concluir que o movimento de


Jesus surgiu em um contexto patriarcal, caracterizado pelo domínio masculino na
sociedade. No entanto, a literatura joanina registra uma nova forma de perceber o
papel da mulher na sociedade, privilegiando sua participação no discipulado como
missionária, discípula e protagonista no processo de anúncio da Palavra e na
organização das primeiras comunidades cristãs. Isso representa uma nova forma de
pensar a ação feminina e a relação da mulher com a sociedade em geral.
Muitas mulheres foram alcançadas pela graça de Cristo, mesmo sendo, todas
elas, socialmente excluídas. as seguidoras de Jesus também foram dignificadas
como seres humanos, em um tempo de forte preconceito de gênero. Essas
mulheres interagiam com Jesus no respeito mútuo, no apoio, no conforto e no
desafio, dotadas de compaixão, coragem e ação de graças pelo Espírito Sophia.
Elas faziam parte da comunidade, tendo a liberdade de dialogar com Ele, apoiá-lo
economicamente, servi-lo em suas casas, adorá-lo e seguir o caminho do calvário.
Depois da ressurreição, tornaram-se anunciadoras do Evangelho.
Apesar dos esforços para minimizar e esconder a presença feminina na
liderança do cristianismo primitivo, os estudos de mulheres e homens
comprometidos com a reconstrução da história do movimento de Jesus têm
20

recolocado a importância da mulher no discipulado e na organização das primeiras


comunidades cristãs. Maria Madalena é uma das mulheres destacadas, tendo sido a
primeira testemunha da ressurreição de Jesus.
A ressurreição de Jesus representa a vitória de Deus sobre o Império
Romano, o templo, o patriarcado e toda forma de opressão que gera morte. Na
criação, Deus criou a humanidade, mulher e homem, na liberdade, na igualdade e
em perfeita harmonia com a natureza. Na manhã da ressurreição, Maria Madalena e
Jesus ressuscitado encontraram-se no jardim, como na criação primeira, marcando
o início de um novo tempo.

REFERÊNCIAS.

BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. 2. ed. Tradução Paulo F.


Valério. São Paulo, Paulinas, 2012

DEMOSS, Nancy Leigh. Mulher cristã: repensando o papel da mulher à luz da


Bíblia. Tradução: Eulália Pacheco Kregness. São Paulo: Vida Nova, 2012.

FARIA, Jacir de Freitas. As origens apócrifas do cristianismo – Comentário aos


evangelhos de Maria Madalena e Tomé. Série Teologias Bíblicas, nº 16. Edições
Paulinas, São Paulo, 2003.

____________________O Outro Pedro e a Outra Madalena Segundo os


Apócrifos – Uma leitura de gênero – Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

FERNANDEZ, D. Ministérios da Mulher na Igreja, São Paulo: Edições Loyola, 2008.

FIORENZA, Elisabeth Schüssler Caminhos da Sabedoria: uma introdução à


interpretação Bíblica Feminista- tradução Mônika Ottermann- São Bernardo do Campo:
Nhanduti Editora, 2009.

GANGE, F. Jesus e as mulheres. Tradução de Lucia M. Endlich Orth. Petrópolis:


Vozes, 2007

KONINGS, Johan. Evangelho segundo João: amor e fidelidade – Petrópolis, RJ:


Vozes; São Leopoldo,RS: Sinodal, 2000
21

KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Paulus, 1988 – 4ª


edição, 2009.

LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento. 2@ edição- São Paulo.


Paulinas, 2004.

MACARTHUR, John. Doze mulheres extraordinariamente comuns: como Deus


moldou as mulheres da Bíblia, e o que ele quer fazer com você. Tradução:
Maurício Bezerra Santos Silva. 1ª ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019.

MCGRATH, Alister e PACKER, J. I. Fundamentos do cristianismo: um manual da


fé cristã. Coorganização: James I. Traduação: A. G. Mendes São Paulo: Vida Nova,
2018.

NAGATOMO, Priscila C. Maria Madalena – Uma perspectiva feminina das Origens


Cristãs - São Paulo: Editora Reflexão, 2008.

REIMER, I. R., Maria, Jesus, e Paulo com as mulheres: textos, interpretações e


história. São Paulo: Paulus, 2013.

STEGEMANN, Ekkehard W. e STEGEMANN, Wolfgang. História social do


protocristianismo - tradução de Nélio Schneider – São Leopoldo, RS: Sinodal; São
Paulo,SP: Paulus, 2004

THEISSEN, Gerd. O Novo Testamento. Tradução de Carlos Almeida Pereira,


Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

THIELMAN, Frank. Teologia do Novo Testamento: Uma abordagem canônica e


sintética. Tradução: Rogério Portella, Helena Aranha. São Paulo: Shedd
Publicações, 2007.

VERAS, Renata. Lugar de mulher é onde Deus disser. Fortaleza: Editora


Peregrino, 2019.

Você também pode gostar