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Sistematização do Seminário Internacional

Acesso e Conclusão
da Escola Secundária:
os desafios e possibilidades
do campo
Sistematização do Seminário Internacional

Acesso e Conclusão
da Escola Secundária:
os desafios e possibilidades
do campo
Manaus, de 3 a 5 de dezembro de 2018

Iniciativa e Realização Coordenação Técnica

“As opiniões, dados e análises que integram a presente obra são


de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente
as opiniões do UNICEF”.
EXPEDIENTE APRESENTAÇÃO
Essa publicação e o referente Seminário Internacional “Acesso e Conclusão da Escola
Secundária: os desafios e possibilidades do campo” que ela busca sistematizar, foi apoiada
e revisada pelo Escritório Latino Americano e Caribenho do UNICEF.

A educação é um direito fundamental e uma ferramenta decisiva para


REALIZAÇÃO
o desenvolvimento de pessoas e sociedades. A crescente complexidade
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA do desenvolvimento humano e social da população mundial trouxe impactos
Florence Bauer - Representante do UNICEF no Brasil educacionais.
Paola Babos - Representante Adjunta do UNICEF no Brasil
Ítalo Dutra - Chefe de Educação do UNICEF no Brasil As múltiplas ruralidades apresentam inúmeras possibilidades e desafios para
Michael Klaus - Chefe de Comunicação e Parcerias do UNICEF no Brasil
quem nelas habitam, produzem, lecionam e estudam. Os sistemas educativos
NÚCLEO EDITORIAL tem de se relacionar diretamente com a vida na comunidade da qual eles se
Matheus Rangel, Júlia Ribeiro e Ítalo Dutra (Educação), Elisa Meirelles Reis erguem e para o qual eles apresentam uma conexão entre o presente, o passado
(Comunicação), Paula Marques e Boris Diechtiareff (dados estatísticos) e CENPEC e o futuro.
(Letícia Araújo Moreira da Silva, Márcia Coutinho e Alba Cerdeira).
A presente publicação tem como objetivo sintetizar as mais importantes
PRODUÇÃO EDITORIAL
discussões e ensinamentos que vieram a luz a partir da realização do Seminário
Produção de conteúdo: Matheus Rangel, Júlia Ribeiro, Paula Marques, Monica Prestes,
Lívia Anselmo, Beatriz Lomonaco, Silvina Corbetta, Maria Cristina Vargas, Rita
Acesso e conclusão na Escola Secundária: os desafios do campo realizado em
Gomes do Nascimento, Olga Zattera, Mariana Martins de Meireles, Maria das Graças Manaus entre os dias 03 e 06 de dezembro de 2018 sob iniciativa do UNICEF
Serudo Passos, Emilson Frota de Lima, Elias Prudant, Catarina Malheiros da Silva e em parceria com o CENPEC.
Letícia Araújo Moreira da Silva.
Projeto gráfico, capa e diagramação: Vilmar de Oliveira No Seminário tivemos a oportunidade de ouvir atores muito distintos que discutem
diariamente a educação escolar nessas ruralidades a partir de visões e lugares
COORDENAÇÃO TÉCNICA
de fala extremamente diferentes como: governos, universidade, conselhos,
CENPEC movimentos sociais e sala de aula, discutindo não só o Brasil, senão a realidade
Diretora Executiva - Mônica Gardelli Franco latino americana.
Diretora de Tecnologias Educacionais - Maria Amabile Mansutti
Gerente de Tecnologias Educacionais em Ação - Wagner Antônio dos Santos
Cada criança e adolescente deve estar na escola: vivendo no meio da Floresta
Técnica de Programas e Projetos responsável - Letícia Araújo Moreira da Silva
Amazônia ou na Patagônia. Cada criança e adolescente tem direito de aprender:
APOIO TÉCNICO no Semiárido Brasileiro ou nos Andes.
Luisa Roa
Boa Leitura!
FOTOS

Samara Nunes e Juliana Pesqueiro Ítalo Dutra


Chefe de Educação
do UNICEF no Brasil
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Sistematização do Seminário Internacional

FOTO: SAMARA NUNES


Acesso e Conclusão da Escola Secundária:
os desafios e possibilidades do campo

ARTIGOS CIENTÍFICOS
Índice 42 Ensino Médio e territórios rurais: qualidade educativa para
adolescentes e jovens. Catarina Malheiros da Silva

SEMINÁRIO 51 A obrigatoriedade da educação secundária na modalidade


de educação rural: tendências e desafios na Argentina.
Elias Prudant
11 INTRODUÇÃO

67 Desafios e avanços da educação escolar indígena no Amazonas.


04/12/2018 ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Emilson Frota de Lima e José Mario dos Santos Ferreira
15 PALESTRA DE ABERTURA

A educação secundária no contexto rural dos países do Mercosul. 77 Educação do Campo: a luta dos povos do campo para uma
Silvina Corbetta e Rita Gomes do Nascimento Educação Emancipatória. Maria Cristina Vargas

22 RODA DE CONVERSA 1 87 Pedagogia da Alternância no Amazonas.


Formação do docente de ensino médio do século XXI. Maria das Graças Serudo Passos
Mariana Martins de Meireles e Olga Zattera
97 Ensino Médio, escola rural e trabalho docente no século XXI:
26 RODA DE CONVERSA 2 (in)certezas sobre formação de professores no Brasil.
Inovação curricular no contexto rural, as aulas multisseriadas, Mariana Martins de Meireles
os modelos itinerantes e pedagogias de alternância.
Maria Cristina Vargas, Maria das Graças Serudo Passos e Ornella Lotito 112 Condições necessárias para a formação docente rural.
Olga Zattera
05/12/2018 ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

31 RODA DE CONVERSA 3 123 Política de Educação do Campo no Brasil.


Qualidade educativa nas escolas secundárias do campo. Rita Gomes do Nascimento
Emilson Frota de Lima, Elías Prudant e Catarina Malheiros da Silva.
134 Panorama da Educação Secundária na América Latina (com
36 RODA DE CONVERSA COM ADOLESCENTES ênfase nos povos indígenas e populações afrodescendentes).
Os desafios e as possibilidades do ensino médio mediado por TICs. Silvina Corbetta
ACESSO E CONCLUSÃO
8 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
INTRODUÇÃO 9

Seminário
ACESSO E CONCLUSÃO
10 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO 11

INTRODUÇÃO

N
o meio da floresta amazônica, no sertão da Bahia, no pantanal ou nos pampas
argentinos, as escolas do campo têm um grande desafio em comum:
a missão de oferecer ensino de qualidade a todas as crianças e todos os
adolescentes que vivem no contexto rural. Compartilhando dificuldades de diversos
tipos, as escolas do campo reivindicam melhoria na infraestrutura – energia elétrica,
água, merenda e acesso à internet; no transporte escolar, seja terrestre ou fluvial;
como também uma formação específica de professores dessas comunidades.
A importância de valorizar a identidade rural e comunitária no contexto escolar e
a promoção da inovação das práticas pedagógicas curriculares, integrando os
conhecimentos tradicionais ao currículo das escolas do campo são também temas
caros aos atores envolvidos. Esses desafios, quando vencidos, podem transformar
a vida de milhares de estudantes ao oferecer possibilidades concretas de conclusão
do ensino secundário1 e ingresso no ensino superior.
Todos esses temas foram foco de três dias de imersão nas diversas realidades
da educação do campo na América Latina, durante o Seminário Internacional Acesso
e Conclusão da Escola Secundária: os desafios e possibilidades do campo que reuniu
palestrantes do Brasil e da Argentina, representantes de órgãos gestores, entidades
de classe, educadores, pesquisadores, professores e estudantes de escolas do
campo, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em Manaus, entre os dias
3 e 5 de dezembro de 2018. O seminário foi uma iniciativa do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) com realização do Centro de Estudos e Pesquisas
em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC) e teve o objetivo de iniciar a
interlocução para a construção de uma agenda regional sobre a educação do campo
e propor ações para o desenvolvimento de atividades de pesquisa e produção de
evidências para melhorar as ações de governos a nível nacional e regional.
A escolha dos temas das rodas de conversa do seminário aconteceu de forma
alinhada entre representantes dos escritórios do UNICEF na Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai, que definiram os pontos essenciais para a discussão sobre o
ensino secundário no campo.
FOTO: JULIANA PESQUEIRO

1. De modo geral, o termo “educação secundária” refere-se à etapa educacional que trabalha com
adolescentes, referente à faixa etária dos 10 aos 18 anos de idade, variando de acordo com a realidade de
cada país. No Brasil, seria o equivalente aos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
ACESSO E CONCLUSÃO
12 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
INTRODUÇÃO 13

A EDUCAÇÃO DO CAMPO EM NÚMEROS


Segundo o chefe de Educação do UNICEF Brasil, Ítalo Dutra, com a configuração
atual das escolas do campo, os professores, “têm um papel ainda mais fundamental
nesse processo e precisam receber uma formação que os deixem mais capazes
de enfrentar os desafios que a educação do campo exige”. Eles são os agentes
responsáveis não só pelo planejamento estratégico, mas também pedagógico
57.609 escolas 5.473.588 matrículas 354.334 professores
e, muitas vezes, o suporte emocional dado aos estudantes é o que garante sua do campo na educação básica na educação básica
presença em sala de aula. Portanto, a capacidade de se fazer comunicar entre as
especificidades curriculares, dos estudantes e da comunidade é essencial. Com relação à infraestrutura das escolas, merecem destaque alguns dados que mostram
conquistas, mas também problemas que ainda precisam ser solucionados na educação do campo:
As novas configurações do ensino, como as classes multisseriadas, a
Pedagogia da Alternância e inovações curriculares também foram abordados nas
rodas de conversa do evento: “Isso precisa ser ofertado de forma diversificada,
haja vista a realidade do campo. Os aspectos de qualidade não são mensuráveis a
partir de desempenhos acadêmicos parametrizados. A educação do campo tem um 30% com água 87% com energia 5% com esgoto 34% têm internet e
(via rede pública) (via rede pública) (via rede pública) 21% banda larga
arcabouço teórico que precisa ser considerado. Os parâmetros usados para medir a
qualidade educativa precisam ser ampliados para abranger as muitas realidades da Fonte: Censo Escolar Qedu 2018
educação do campo”, explicou Ítalo.
Por fim, a discussão sobre qualidade educativa destacou a necessidade de um
acompanhamento minucioso e específico dos resultados do ensino e a importância CONHECENDO A REALIDADE LOCAL - VISITAS ÀS ESCOLAS E AO CEMEAM
da participação dos estudantes na identificação dos
desafios e possibilidades da educação do campo. O encontro começou com um intercâmbio cultural que levou todos os participantes e
O QUE SÃO AS CLASSES Júlia Ribeiro, Oficial de Educação do UNICEF palestrantes presentes no Seminário para conhecerem a realidade de comunidades
MULTISSERIADAS? no Brasil, destacou a importância da realização ribeirinhas da Amazônia e, com essa vivência, enriquecer os debates sobre os
do seminário sobretudo no que tange a educação desafios e possibilidades da educação secundária do campo. As visitas aconteceram
As classes multisseriadas são salas
com estudantes de diferentes idades secundária no campo. “A zona rural aqui da em duas escolas rurais: na escola municipal Professora Elizabeth Siqueira Ferreira,
e níveis educacionais nas quais estão Amazônia é diferente da zona rural do Nordeste, na comunidade Jatuarana, zona ribeirinha de Manaus, e na escola estadual Vital de
cerca de 60% dos estudantes do que é diferente da zona rural da Argentina, mas elas Andrade, no município de Careiro da Várzea, interior do Amazonas.
campo. Segundo o Censo Escolar 2017,
existem 97,5 mil turmas do Ensino
também têm semelhanças. É muito importante a Os visitantes, também envolvidos com a educação do campo em suas áreas de
Fundamental nessa situação em todo o gente observar no que essas diferentes realidades atuação, ainda conheceram o Centro de Mídias Educacionais do Estado do Amazonas
País, número que vem permanecendo se aproximam para que possamos pensar em (CEMEAM), alternativa encontrada pelo Governo do Amazonas para driblar a falta de
praticamente inalterado nos últimos possibilidades, em arranjos que deem conta dessas professores e os obstáculos geográficos
dez anos.

FOTO: SAMARA NUNES


questões. Nossa perspectiva é promover a troca de do estado, que é o maior do Brasil, com
A baixa densidade populacional na experiências e iniciar esse processo de discussão 1.559.161,682 km², e ofertar, por meio da
zona rural, a carência de professores para garantir que esses meninos e meninas tenham educação mediada por tecnologia, o ensino
e as dificuldades de locomoção são assegurado o seu direito à educação”. secundário a mais de 40 mil estudantes de
alguns dos fatores que motivaram a
criação das classes multisseriadas.
Assim, o Seminário foi aberto enfatizando a comunidades rurais e ribeirinhas do Estado
Além desses fatores, existem poucos importância da reflexão sobre as muitas realidades do Amazonas.
docentes das séries iniciais do Ensino da educação do campo que devem ser consideradas O CEMEAM transmite aulas produzidas
Fundamental com nível superior. nos processos de formulação e implantação de e gravadas em estúdios para mais de 40
Fonte: https://www.todospelaeducacao.org.br/ políticas públicas que buscam vencer os desafios mil estudantes de 2,9 mil comunidades
conteudo/
que se impõem à educação do campo de qualidade rurais e ribeirinhas do Amazonas que não
na América Latina. tinham acesso ao ensino secundário.
ACESSO E CONCLUSÃO
14 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO 15

FOTO: JULIANA PESQUEIRO


PALESTRA DE ABERTURA

A educação secundária
no contexto rural dos países
do Mercosul
Panorama da Educação Secundária na América
Latina (com ênfase nos povos indígenas e populações
afrodescendentes)

Silvina Corbetta iniciou sua fala apontando as semelhanças

FOTO: SAMARA NUNES


encontradas pelas escolas do campo brasileiras e as da América
Latina, em que são insuficientes as ações promovidas pelo poder
público para garantir o acesso à educação, especialmente para os
públicos indígenas, afrodescendentes e caboclos. A professora
apresentou um panorama da educação secundária na América
Latina, elaborado a partir dos resultados do estudo Educación
intercultural bilingüe y enfoque de interculturalidad en los sistemas

FOTO: SAMARA NUNES


educativos latinoamericanos: avances y desafíos2. SILVINA CORBETTA
Destaca as diferenças na obrigatoriedade do ensino médio Doutora em Ciências
Sociais pela Universidade
entre os diferentes países, sendo estabelecida a partir de 1999 na de Buenos Aires
Venezuela, seguida por Chile, Peru, Argentina, Equador, Bolívia,
Brasil e Uruguai, República Dominicana e Paraguai entre 2003 e
2010, Honduras e Costa Rica em 2011 e México em 2012. Portanto, dos 19 países
da América Latina, 6 deles ainda não estabeleceram a obrigatoriedade do ensino
médio (Colômbia, Cuba El Salvador, Guatemala, Nicarágua e Panamá).
Apesar de as taxas de escolarização de estudantes de 12 a 14 anos de 18
países analisados da América Latina serem bastante altas e terem evoluído
significativamente entre 2005-15 (mais de 94% em sua maioria), o grupo de
adolescentes entre 15 e 17 anos é o menos atendido, com taxas que variam entre
53,1% para Guatemala e Honduras e 95,5% no Chile. A situação é ainda mais difícil
no que tange os jovens de 21 a 23 anos, menos escolarizados. Para estes, há três
cenários (dados de 2017):

2. Disponível em https://www.cepal.org/es/publicaciones/44269-educacion-intercultural-bilingue-enfoque-
interculturalidad-sistemas-educativos
ACESSO E CONCLUSÃO
16 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
PALESTRA DE ABERTURA 17

Trajetórias escolares sólidas e extensas. Sistemas educacionais combinam Quando há informação disponível nos países da América Latina, observam-se
um alto nível de acesso e alta retenção profundas diferenças étnicas e de gênero. As taxas de analfabetismo são mais altas
Grupo 1: Chile, Bolívia e Peru (8 em cada 10 estudantes conseguem finalizar os nas áreas rurais e quando a variável étnica é adicionada, essas diferenças são muito
estudos). mais pronunciadas, em detrimento dos povos indígenas.
Grupo 2: (apresenta trajetórias escolares extensas, mas com menor nível de Observam-se ainda lacunas de gênero desfavoráveis para mulheres em muitos
graduação, alto grau de renda e menor nível de retenção) Argentina, Venezuela, países da América Latina (Panamá, Equador, Peru, Costa Rica e México sobretudo).
Equador e Colômbia (7 em cada 10 estudantes concluem os estudos. No caso da cobertura no atendimento às populações indígenas, em 2010, a
faixa etária de 6-11 anos era melhor atendida (variando entre 74 a 92% nos diferentes
Trajetórias escolares enfraquecidas. (Algumas restrições de acesso ou países) do que os adolescentes de 12 a 17 anos, cerca de 70% deles estavam
impacto de baixa retenção) frequentando as escolas. Observa-se que quanto mais alta a faixa etária e o nível
Brasil (acesso generalizado, mas com baixo nível de retenção, há efeitos da escolar a ser alcançado, a permanência na escola é menor.
repetência adicionados). Tendência inversa do Panamá. (6 em cada 10 são titulados) Dentre a população afrodescendente em 11 países, constatou-se que estes
República Dominicana, Paraguai, Costa Rica, México, El Salvador e Uruguai. frequentam menos a escola do que os não afrodescendentes. Meninos apresentam
ainda pior situação que meninas.
Trajetórias escolares fracas e breves. (Acesso restrito e baixa retenção) A pesquisadora enumera 3 obstáculos que fragilizam o direito à educação:
Na Nicarágua e em Honduras apenas 3 em cada 10 estudantes finalizam os estudos.
Na Guatemala, o dado refere-se a um quarto dos jovens. O ensino no idioma dominante. A duração da instrução na língua materna é mais
importante do que qualquer outro fator na previsão do sucesso dos estudantes
Segundo o estudo CEPAL-UNICEF de 2018, do qual a palestrante participou, bilíngües. Assim, “ altos índices de exclusão ocorrem entre os estudantes que
avanços significativos ocorreram entre 2000-2010, especialmente no que se refere fazem programas em que suas línguas maternas não recebem nenhum tipo de
às taxas de analfabetismo que diminuíram em todos os países. Todavia, os dados apoio ou são apenas ensinados como sujeitos” (Nações Unidas, 2005c, citado em
mostram uma diferença significativa em relação às populações indígenas (superiores Del Pópolo, 2017, página 387).
a 10% em parte do Mercosul, como Brasil e Venezuela).
A não pertinência cultural da educação. As crianças que não recebem uma
educação ligada à sua cultura acabam produzindo lacunas de aprendizado e rejeitando
Gráfico 1 - América Latina (6 países): taxa de analfabetismo da população entre o conhecimento, com a consequente perda de autoestima e desvalorização de sua
15 e 24 anos segundo condição étnica, entre 2000 e 2010 (em porcentagem) língua e cultura.

A qualidade da infraestrutura educativa em geral. Apenas um em cada cinco


estudantes nas áreas rurais da América Latina frequenta uma escola com acesso
suficiente a água ou saneamento ou com conexão à rede elétrica e/ou telefônica.
Apenas dois em cada cinco estudantes são recebidos por escolas com salas de aula
devidamente equipadas e apenas metade deles frequenta estabelecimentos com
espaços acadêmicos adequados – Dados do Tercer Estudio Regional Comparativo y
Explicativo (TERCE) de 2013, (OREALC/UNESCO, 2017)

Para Corbetta, o principal desafio da educação do campo é promover o diálogo


saudável entre o que ela chama de “mundo urbano”, em que estão os docentes, e
Fonte: Corbetta, Bonetti, Bustamante y Vergara Parra (2018) sobre a base de censos de população de 2000 e 2010 in Fabiana Del o “mundo das escolas do campo” e das comunidades, onde vivem os estudantes.
Popolo (ed.), Los pueblos indígenas en América (Abya Yala): desafíos para la igualdad en la diversidad, (LC/PUB.2017/26), Santiago, Integrar os conhecimentos rurais à educação do campo, valorizando assim a
Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), 2017.
cultura local, e preparar professores, o material pedagógico, a estratégia e o formato
ACESSO E CONCLUSÃO
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OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
PALESTRA DE ABERTURA 19

de educação utilizados em acordo com a realidade da comunidade em que a escola Em sua intervenção, a profa. Rita afirmou
está inserida são medidas fundamentais para transformar para melhor o ensino das que, no país, antes da qualidade, há um problema
“A educação do campo é considerada
escolas rurais, aponta Corbetta. “Acredito que é um grande trabalho que temos de oferta no ensino médio do campo, muitos uma modalidade específica integrante
pela frente, ver de que forma a educação rural pode se anunciar a si mesma em estudantes ainda precisam sair para estudar fora da educação básica no âmbito das
termos de como trabalhar suas próprias particularidades. Saber como se constrói de suas comunidades. Muitas vezes, estudam políticas educacionais brasileiras. A
acepção desta especificidade vem
esse mundo da escola rural, como se constrói esse saber. E de que modo aqueles em escolas urbanas que, apesar de serem 90%
sendo construída desde a década
que não são do campo podem aprender isso. Apesar dos avanços em acesso e formadas por estudantes vindos de zonas rurais, de 1980, a partir das lutas dos
permanência dos últimos anos, o maior desafio permanece esse: como a educação não se reconhecem como escolas do campo. movimentos sociais e de suas críticas
do campo comunicará ao resto do mundo os saberes que possui e como vai se Das 28.558 escolas de educação básica do país à precariedade das escolas rurais, bem
como à perspectiva desenvolvimentista,
anunciar ao resto do mundo”. que oferecem ensino médio, apenas 10,3% estão
assistencialista e fragmentada que
na zona rural. O ensino médio corresponde apenas caracterizava a educação rural.
a 4% das escolas rurais, de longe o segmento Educação do campo, portanto, não é o
Panorama da educação do campo no Brasil menos atendido. O respeito às particularidades equivalente direto das escolas rurais ou
daquelas que tão somente se localizam
de cada região e o reconhecimento da identidade
em áreas rurais, dizendo respeito às
Enquanto representante do Ministério da Educação, Rita ressaltou dessas escolas são fundamentais para superar os
FOTO: SAMARA NUNES

políticas de educação específicas para


os avanços da política de educação do campo desde os anos 80 inúmeros desafios e atender todas as categorias as escolas com projetos pedagógicos
e define estas escolas para além de sua localização geográfica. O de educação nas mais de 55 mil escolas do campo adequados às populações do campo.
Sendo assim, escolas situadas em
Brasil tem 60.0047 de escolas do campo assim distribuídas INEP, existentes no Brasil.
ambiente urbano, mas que atendam
2017): Para reconhecer essa identidade é preciso, a estudantes do campo também
primeiro, entender o contexto em que a escola está podem ser consideradas escolas do
inserida. Rita enfatizou a importância de reconhecer campo, uma vez que se encontrem
identificadas com as demandas
Gráfico 2: Distribuição das escolas do campo no Brasil e trabalhar com a pluralidade da educação do
políticas e as referências culturais das
RITA GOMES DO campo. Dela fazem parte os povos das águas, das populações campesinas”.
NASCIMENTO florestas, os ribeirinhos, os camponeses, afora
Diretoria de Políticas
os indígenas e quilombolas, que não fazem parte Rita Gomes do Nascimento -
da Educação do Campo,
citação da nota 1 do artigo produzido
Indígena e para as Relações do que a educação brasileira chama de educação
Étnico-Raciais do Ministério para o Seminário, em anexo
do campo porque têm educação própria. As
da Educação - Brasil
possibilidades e os desafios são comuns tanto
nas diversas regiões brasileiras como da América
Latina de um modo geral.
Um dos diferenciais da educação do campo dos dias atuais é também
uma ferramenta de transformação: o sentido de pertencimento. “A questão de
pertencimento é bastante exaltada pelos próprios estudantes e isso é próprio da
educação do campo, onde quer que ela aconteça. A educação do campo se enraíza
com essa discussão da territorialidade, da identidade do ribeirinho, do camponês,
e isso é muito importante”, disse Rita, revelando, também, uma preocupação com
Apesar de a grande maioria das escolas do campo funcionarem em prédios a proteção desses territórios para preservar povos, culturas e saberes tradicionais.
próprios, as condições estruturais ainda deixam a desejar, sobretudo as de ensino Para encerrar as atividades do período da manhã, a aluna Joseane da Silva
médio. Das 2.244 escolas do campo com matrícula no ensino médio: 56,7% têm Gomes, de 17 anos, que cursa o 3º ano do ensino médio na escola estadual
laboratório de informática; 52,5% têm biblioteca; 49,3% têm antena parabólica, por Vital de Andrade Brandão, localizada na comunidade ribeirinha São Sebastião, no
exemplo, equipamentos importantes para estudantes desse segmento de ensino. município de Careiro da Várzea, interior do Amazonas, trouxe seu depoimento. A
ACESSO E CONCLUSÃO
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OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
PALESTRA DE ABERTURA 21

dos estudantes à escola, o interesse e o aprendizado dentro da sala de aula. E tudo

FOTO: SAMARA NUNES


isso, na maioria das vezes, sem o apoio institucional necessário.
Para conseguir colocar em prática o modelo de educação em que acredita
na Escola Estadual Vital de Andrade, localizada na comunidade ribeirinha
São Sebastião, no município de Careiro da Várzea, interior do Amazonas, a
professora Eva Santos busca o equilíbrio entre ensinar português, matemática
e desenvolvimento sustentável por meio de equações e regras gramaticais, mas
também da pesca, agricultura e pecuária, temas que fazem parte do dia a dia das
famílias. Lá, é preciso arranjar meios de falar em sustentabilidade com recursos
limitados. E, mais do que isso, conectar a escola aos estudantes, às famílias deles
e às comunidades onde vivem, cercados pela floresta e pelos rios.
Mas, como introduzir esses novos temas nas teorias pedagógicas que os
professores aprendem na universidade sem perder o interesse dos 283 estudantes
de oito comunidades ribeirinhas diferentes após duas, quatro, até seis horas de
viagem de barco diárias? É a pergunta que a equipe de educadores da escola precisa
responder todos os dias, sem direito a muitos ensaios: a educação do campo tem
particularidades que a formação desses educadores, essencialmente urbana, não
contempla.
estudante considera-se um exemplo do que fora dito até então, pois vive em uma “Aqui vivemos para descobrir e aprender, na prática, a como integrar a
comunidade formada, em sua maioria, por pescadores e agricultores, muitos semi realidade dos nossos estudantes também na sala de aula. Mais do que ensinar
ou não alfabetizados. “Estudar aqui é muito difícil. Enfrentamos cheia, seca, falta de português ou matemática, nossa missão é educar, é mostrar que existe um mundo
estrutura, de merenda, de verba... às vezes o professor tira do próprio bolso para de possibilidades além daqui da comunidade, mas também ensinar a eles que a
bancar o aluno. Muitas vezes o barco do transporte escolar é precário, a merenda realidade vivenciada aqui é importante e pode e deve ser mantida”, destaca Eva, que
escolar não chega. É muito comum os colegas faltarem aula porque o barco quebrou é um exemplo dessa realidade a que se refere. Moradora da comunidade ribeirinha
ou desistirem de estudar para poder trabalhar e ajudar em casa. A nossa sala, por São Sebastião desde a infância, ela foi aluna dessa mesma escola do campo, teve
exemplo, tinha 30 estudantes no início do ano (2018), mas só 25 chegaram no final”. que se afastar de lá para fazer faculdade, mas retornou para atuar como professora
Ainda em dúvida entre as carreiras de direito e enfermagem, ela afirma, na instituição em que cursou todo o ensino regular.
enfaticamente, já ter ao menos uma certeza na vida: a importância de receber uma Junto com Eva, a pedagoga Elizabeth Pereira da Silva desenvolve, na escola,
educação de qualidade. “Disso (estudar) eu não vou desistir, porque a educação o projeto que leva para dentro da sala de aula os conceitos da pesca, agricultura
é uma coisa que ninguém pode tirar de mim”, disse a adolescente que, ao longo e pecuária, com abordagens práticas e teóricas de temas de importância local a
de todo o seu percurso escolar enfrentou limitações estruturais, tecnológicas e partir de outras disciplinas, como geografia, biologia e matemática. Para tudo isso,
pedagógicas, no meio da floresta amazônica. “E tudo valeu a pena e vai valer muito não é preciso ir longe: a escola está na beira do rio, o gado fica no terreno ao lado
mais, porque a educação que eu estou recebendo ainda vai me abrir muitas portas. e a horta é a mesma que abastece a merenda escolar. “O que nós fazemos é
Eu sei que vai”. inserir tudo isso aqui na sala de aula. Existem alguns estudantes que não têm a
vivência na pesca, mas que têm na agricultura, outros que são mais da pecuária,
e assim vamos formando uma rede de valorização do que cada um faz”, ressalta
Depoimentos de professoras a pedagoga, destacando que a metodologia vem aproximando os estudantes da
escola, em vez de afastá-los, como acontecia antes. A explicação das professoras
Educar no campo exige, entre tantas coisas, criatividade. Na região amazônica, é é simples: em vez de abandonar os estudos para trabalhar na agricultura, pesca ou
preciso não só ter criatividade em dobro, mas também disposição para transformar pecuária, os jovens buscam, na escola, conhecimentos que ajudam a incrementar
as adversidades em obstáculos superáveis e, assim, garantir, mais do que o acesso a produção familiar.
ACESSO E CONCLUSÃO
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OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
RODA DE CONVERSA 1 23

geográfica (rural/urbano) e as regiões e estados brasileiros. No contexto do campo,


RODA DE CONVERSA 1
o quadro se agrava quando notamos as divergências entre as matrículas nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, onde geralmente há escolas nas pequenas
Formação do docente de ensino comunidades e as demais etapas, onde há ausência de escolas, associada às
questões sociais, históricas, culturais e econômicas acabam por tornar esta ‘corrida’
médio do século 21 um direito de poucos”.
No caso do contexto rural, aproximadamente 1/3 dos estudantes não finalizam
a Educação Básica. Isso pode ocorrer devido a problemas relacionados à estrutura
da escola, ao currículo, às questões sobre ensino e aprendizagem, desempenho
acadêmico, de relacionar conteúdos escolares à vida, deslocamentos geográficos
casa-escola, a formação de professores, etc. Além disso, importante destacar a
entrada dos jovens no mercado de trabalho, dificultando a permanência na escola, e
Mariana Martins de Meireles apontou que um dos pontos fatores de ordem social e econômica.
FOTO: SAMARA NUNES

sensíveis dos problemas do ensino médio no campo é a formação Mariana apresentou ainda uma política pública para o Ensino Médio com
específica para professores, um dos pilares para fortalecer essa Intermediação Tecnológica (EMITec) criada em 2010, que permite que estudantes
modalidade de ensino, como também para garantir às crianças e e professores interajam em tempo real, por meio de chat e do uso do streaming
adolescentes seu direito constitucional. de vídeo. São aulas ao vivo que garantem a democratização do acesso, inclusão,
Aponta como principais desafios do país, as metas permanência, e a conclusão da Ensino Médio por jovens e adultos.
estabelecidas no Plano Nacional de Educação relativas a esse Mencionou cursos de licenciatura do campo, implementados no país a
tema, que devem ser cumpridas até 2024 (Lei 13.005/2014): partir do PRONACAMPO, nas Instituições Públicas de Ensino Superior, voltados
MARIANA MARTINS especificamente para a formação de professores que atuarão na segunda fase do
DE MEIRELES l  arantir formação específica de nível superior, obtida em curso
G ensino fundamental e ensino médio, nas escolas do campo. Estas são políticas que
Professora no Centro do
Formação de Professores de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. atendem as reivindicações dos movimentos sociais.
(CPF) da UFRB l 
Formar em nível de pós-graduação 50% (até o final do PNE) dos A profa. da UFRB ainda ressalta que a lógica e a cultura do campo precisam ser
Universidade Federal professores da educação básica. respeitadas, assim como investir na formação docente para garantir que a formação
do Recôncavo da Bahia
l 
Garantir a todos os docentes da educação básica formação seja ancorada na realidade rural.
continuada em sua área de formação. A crítica de Mariana é reforçada pelos próprios docentes e gestores. Pedagoga
do Departamento de Gestão de Interior da Secretaria de Estado de Educação
Acrescentou ainda que há lacunas para os conteúdos curriculares para esse (SEED) de Roraima, Aldevânia Matos, uma das participantes do seminário,
segmento educativo porque os currículos aparecem vinculados a um padrão de acredita que a lacuna entre a realidade do campo e a escola do campo se dá a partir
formação que, em grande parte do país, desconsidera a diversidade territorial e as da formação do professor. Aldevânia afirma:
especificidades dos professores: “Há uma incerteza muito grande na formação de “As nossas universidades nos formam professores urbanos, então quando a
docentes, especialmente quando falamos de educação do campo. A Base Nacional gente é inserido no contexto da educação do campo a gente não vai com essa carga
Comum Curricular (BNCC) é urbana, a reforma do Ensino Médio é urbana... onde de conhecimento para adequação ao campo. O conceito de educação para o campo
estão as diretrizes da educação do campo? ”, questionou. é muito novo. Em Roraima, por exemplo, o curso em licenciatura em educação do
A pesquisadora apresentou dados sobre o fechamento das escolas do campo: campo tem apenas quatro anos e ainda não dialoga com as outras instituições de
mais de 37 mil escolas do campo foram fechadas nos últimos 15 anos, sobretudo forma ampla”, contou Aldevânia.
no Norte e Nordeste, regiões de grandes extensões rurais e menor densidade Outro diferencial em relação às escolas urbanas que é comum às escolas do
demográfica. Mariana chama a atenção para o que chama de um “retrocesso na campo, seja no sertão baiano ou nas comunidades ribeirinhas amazônicas, é a aposta
oferta” que compromete a busca pela qualidade. “Quando analisamos a oferta de no coletivo como elemento transformador daquela realidade pautada no isolamento.
Ensino Médio no Brasil, observamos novamente as discrepâncias entre localização E é o docente o “fio conector” entre o estudante, a escola e a comunidade.
ACESSO E CONCLUSÃO
24 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
RODA DE CONVERSA 1 25

“Existe um coletivo, uma proposta de aprendizagem dentro da escola que No caso da formação inicial, entre 2008-
nos impressiona pela ideia que temos daquele espaço, que é de isolamento. Mas, 2009, foram criadas as “Recomendações para a
“Garantir na escola rural o equilíbrio
quando chegamos aqui somos surpreendidos, porque eles (estudantes, escola e elaboração de desenhos curriculares” que revisaram entre o que ela deve ser, por ser uma
comunidade) se unem nessa ideia e transformam esse isolamento em acolhimento. a formação desse segmento, com coordenação do escola, e o particular, por ser rural.“
Dos professores à direção, passando pela tia da cantina, a escola tem um perfil Ministério da Educação e ampla participação de
Olga Zattera
muito comunitário para garantir essa educação”, analisou a pesquisadora Mariana todos os setores interessados.
Meireles. Para ela, aproximar o estudante da comunidade é o caminho para a escola “Sabemos que todas as escolas rurais
do campo integrar a realidade local ao ensino dentro da sala de aula. têm coisas em comum, como a pluralidade, o
Mas, para facilitar essa caminhada, é fundamental investir, primeiro, na formação isolamento relativo, a necessidade dos professores de virem de mais longe e se
desses professores. “Só a formação de professores pode mudar o panorama da relacionarem com os estudantes que vivem no entorno da escola... Então, é sempre
educação do campo. Claro, aliada a uma série de políticas e investimentos. Mas, muito importante seguir pensando em como capacitar os professores e trabalhar
capacitar o professor do campo dentro desse conceito de educação do campo é a comunidade para que haja um melhor encontro entre esses atores distintos que
fundamental”. chegam à escola do campo, que é muito parecida em todo o mundo, mas que em
todo o mundo precisa começar a rever alguns conceitos”, analisou Olga. Desse
modo, acrescenta a professora, “ indispensável pensar os modelos de organização
específicos para a escola do campo para que ela cumpra o seu papel. Os professores
rurais têm muito a aprender, mas é com convicção que digo que eles têm muito a
ensinar também.”
Olga Zattera concorda com a opinião de Mariana sobre a
FOTO: SAMARA NUNES

importância de uma formação específica para os professores


do campo. Durante a roda de conversa, a professora argentina CONDIÇÕES NECESSÁRIAS
apresentou um panorama da educação do campo na Argentina e
falou sobre os desafios e possibilidades para garantir o acesso e Formação Inicial Formação em Serviço
a qualidade do ensino aos estudantes das mais de 11 mil escolas
rurais do país. Como em muitos países, na Argentina as escolas l Incluir questões relacionadas aos l Analisar a prática cotidiana.
rurais diminuíram de número devido às mudanças ocorridas no espaços rurais como objeto de
OLGA ZATTERA campo, e hoje existem mais de 50% de escolas rurais. estudo. l  vançar na análise dos processos de
A
Coordenadora nacional A partir de 2006, uma lei nacional (26.206/06) estabeleceu a aprendizagem.
de Educação Rural do
Ministério da Educação obrigatoriedade do nível secundário e também criou a Modalidade l  Levar o ambiente rural à escola”

da Argentina, especialista de Educação Rural, responsável pela definição de políticas por meio de recursos como vídeos, l  ecuperar as experiências pessoais
R
em educação rural e relatos e análises de experiências, vividas como estudantes.
educacionais para a população que vive no campo. Estas condições
professora do curso de estudos de caso, etc.
mestrado em Currículo reconhecem as particularidades da educação do campo e impõem
da Universidade Nacional
l  onteúdo: novas ruralidades,
C
o desafio de criar escolas secundárias para atender todos os
de Lomas de Zamora, l  ealizar trabalhos de campo e
R modelos organizacionais próprios e
na Argentina
estudantes, onde quer que residam.
“micro-aulas” alternativas didáticas especialmente
Os temas ligados à educação do campo são cada vez mais
desenhadas para as classes
presentes tanto nas pesquisas quanto na definição das políticas públicas. l  rojetos compartilhados entre as
P multiseriadas.
Em relação à formação docente, entendida como um processo permanente Universidades e as escolas com
que acompanha todo o desenvolvimento da vida profissional, deve considerar tanto participação dos professores do l  vançar no planejamento
A
a formação inicial de professores que vão trabalhar em contextos rurais como a campo. compartilhado.
formação em serviço, para aqueles que provavelmente não receberam formação
específica para atuar nesses contextos.
ACESSO E CONCLUSÃO
26 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
RODA DE CONVERSA 2 27

Uma das alternativas nesse processo de fortalecimento das escolas do campo


RODA DE CONVERSA 2
é a inovação curricular. Coordenadora de projetos de educação em áreas de reforma
agrária no Brasil, Vargas destacou como a incorporação da agroecologia ao currículo
Inovação curricular no contexto escolar vem contribuindo para a construção dessa nova proposta, que incluem e
integram os conhecimentos populares nesse processo.
rural, as classes multisseriadas, Além de atrair o interesse dos estudantes, a inclusão da agroecologia no
currículo escolar promove a interdisciplinaridade, com o estudo de outras áreas
os modelos itinerantes e a do ensino e a articulação de conhecimentos que servirão não só aos membros da
comunidade rural, mas também às comunidades urbanas.
Pedagogia da Alternância “Agroecologia é um articulador de conhecimentos que servem não só ao campo,
mas ao urbano também. O seu estudo beneficia toda a comunidade. Não se faz
agroecologia sem pesquisa, sem ciência e sem história. A ideia é que a agroecologia
seja incluída não só no dia a dia das escolas, mas nos currículos também. É uma
de nossas apostas para transformar a educação no campo em áreas de reforma
agrária”, revelou Maria Cristina.
Maria Cristina Vargas abriu a segunda roda de conversa do
FOTO: SAMARA NUNES

Seminário Internacional chamando a atenção sobre o sério


problema de fechamento das escolas rurais no Brasil. Apesar
da demanda crescente por vagas, nos últimos oito anos mais de
37 mil escolas do campo foram fechadas no Brasil, segundo o
Ministério da Educação (MEC), estimulando um movimento de
saída dos jovens das comunidades para os centros urbanos para Maria das Graças Serudo Passos também defendeu a integração

FOTO: SAMARA NUNES


estudar. A maioria não retorna para as comunidades de origem, dos conhecimentos do campo aos currículos da educação rural como
MARIA CRISTINA VARGAS “esvaziando” vilas inteiras com o passar das gerações. caminho para aproximar os estudantes das salas de aula, visando o
Coordenadora de Para ela, o desafio vai além de garantir o acesso à educação: acesso e a conclusão do ensino secundário. Ela cita como exemplo
educação do Movimento
ele está em promover a permanência dessas pessoas no campo, escolas do campo do Amazonas que tiveram a agroecologia e a
Sem Terra (MST)
com seus conhecimentos e suas profissões. “Existe uma ideia de agricultura familiar incluídas no currículo e que, desde então, não
que o campo é só lugar de produção e de atraso. Mas, não: é lugar identificaram mais casos de evasão escolar.
de saberes, de cultura, das várias profissões. Por que não ter médicos, advogados, Outro modelo que vem sendo adotado nas escolas ribeirinhas
arquitetos e engenheiros no campo? O campo é lugar de produzir, sim, mas também do Amazonas e tem obtido bons resultados, aponta Maria das MARIA DAS GRAÇAS
SERUDO PASSOS
de viver, e não com atraso, mas com acesso ao desenvolvimento”. Graças, é a Pedagogia da Alternância, proposta que mescla períodos
Coordenadora de políticas
O desenvolvimento do campo passa pelo fortalecimento das escolas do de permanência na escola em regime de internato com períodos de Educação no Campo
campo, e também pelo adensamento das produções teóricas. A nova escola do em casa para driblar o obstáculo do deslocamento diário desses do Instituto Federal do
Amazonas (IFAM)
campo exige novas propostas pedagógicas e metodologias alternativas de ensino, estudantes. A Pedagogia da Alternância data da década de 30, a partir
como as aulas multisseriadas, os modelos itinerantes, a Pedagogia da Alternância e de um movimento de camponeses franceses, e chegou ao Brasil
inovações nos currículos escolares. no final da década de 1960, por meio das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs). Toda
“As comunidades, rurais, ribeirinhas e camponesas constroem cultura, e isso unidade didática que utiliza a Pedagogia da Alternância como proposta pedagógica
precisa ser reconhecido pelo processo educativo. Por isso dizemos que a gente não é conhecida como Centro Familiar de Formação por Alternância – CEFFA´s
quer uma educação no campo, queremos uma educação que seja do campo, da Por meio de seus instrumentos pedagógicos, a Pedagogia da Alternância
qual as pessoas e os sujeitos desse território participem da formulação e se sintam oportuniza ao estudante do campo se apropriar dos conhecimentos científicos ao
representados pelo que ela traduz de seus modos de vida”, explicou. mesmo tempo em que vivencia a sua realidade local, somando e interagindo com
ACESSO E CONCLUSÃO
28 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
RODA DE CONVERSA 2 29

os saberes populares que ele possui a partir da vivência que tem na propriedade exemplo dessas TICs a serviço da educação que podem transformar a realidade do
rural onde vive. ensino secundário no campo (ver box no início do texto).
Além das horas trabalhadas na sala de aula, são desenvolvidas horas de De acordo com a diretora do centro, Kátia Mendes3, 21 pedagogos, todos de
trabalhos práticos, não necessariamente dentro da escola. Para adaptar esse novo Manaus, participam da formulação da grade curricular e 56 professores ministrantes
modelo de educação à realidade local sem descumprir as exigências legais do gravam as aulas, que são transmitidas em tempo real, em um dos sete estúdios
MEC, a abordagem cronológica é diferenciada: os dias letivos não significam aulas localizados na sede do CEMEAM, no bairro Japiim, zona Sul de Manaus.
exclusivas entre as quatro paredes de uma sala. “Cada comunidade recebe uma antena e equipamentos para que o sinal seja
A Pedagogia da Alternância possui estratégias e instrumentos específicos transmitido via satélite através do IPTV. Em Manaus, o professor ministrante dá
e colaborativos. Um deles é a pesquisa participativa, de onde são extraídos os a aula, que é transmitida a dezenas de turmas em diferentes regiões do Estado.
chamados “temas geradores”, que vão nortear as ações que serão trabalhadas Na outra ponta, um professor monitor é responsável por mediar a interação dos
dentro de um calendário específico. “Esse calendário é contextualizado localmente professores ministrantes com os estudantes, na sala de aula. Eles interagem por
e trabalhado pelas famílias: dependendo da sazonalidade e da subida e descida das chat, email, aplicativos de mensagem, mensagens de voz...”, explicou Kátia.
águas se trabalham determinados temas geradores de interesse daquela época.
Outro diferencial é o fato desse período de “imersão” do estudante na
comunidade escolar, por meio dos alojamentos, ser complementado por períodos de
pesquisa prática, em casa. “O plano de estudo, por exemplo, é uma pesquisa que o
estudante começa no centro de formação e, quando ele volta para a comunidade ou
para a aldeia, ele leva a tarefa de pesquisar, na prática, aquele aprendizado, usando Para Ornella Lotito, que estuda o emprego das TICs na educação

FOTO: SAMARA NUNES


a base teórica que ele adquiriu na escola. A partir daí ele vai desenvolver o seu do campo na Argentina, estas são ferramentas que podem viabilizar
projeto, que normalmente é voltado para a produção familiar. E, quando ele retorna a continuidade dos estudos para milhares de adolescentes do campo.
para a escola, traz junto esse novo aprendizado e o compartilha com os colegas Na Argentina, o acesso à educação secundária do campo ainda é
e professores, que vão contribuir com seus conhecimentos teóricos, promovendo uma temática desafiadora, 17% dos adolescentes de 12 a 17 anos
um diálogo de saberes e a ressignificação do que vivem em centros urbanos e 34% dos que vivem no contexto
aprendizado”, explicou Maria das Graças durante rural estão fora da escola. As províncias do norte da Argentina têm
As classes multisseriadas são uma sua apresentação no seminário. a maior proporção de população rural, maiores índices de pobreza e
forma de organização de ensino na qual As classes multisseriadas, comuns em todo o população de comunidades indígenas, por isso as TICs podem ajudar ORNELLA LOTITO
o professor trabalha, na mesma sala de Ensino Fundamental no Brasil rural, também vêm a mudar esse cenário. Consultora de Educação
aula, com várias séries/anos do Ensino do UNICEF
Fundamental simultaneamente, tendo
apresentando resultados positivos. As classes Para a consultora, é inspirador conhecer a realidade de outro país e
de atender a estudantes com idades e multisseriadas são constituídas por estudantes de ver que, nas muitas realidades latinas, há espaço para o uso dessas novas
níveis de conhecimento diferentes. diferentes anos (mais comumente de dois, mas tecnologias. No entanto, ressalta que é preciso aprimorar as propostas e estratégias,
chegam a quatro, em alguns casos) e representam alinhando o emprego das TICs à realidade das comunidades rurais, especialmente no
Bastante presentes na zona rural
do País, as classes multisseriadas
atualmente um grande potencial de inovação nas que diz respeito às condições estruturais, tecnológicas e aos conteúdos abordados. “É
estão, sobretudo, em áreas de difícil práticas educativas. muito interessante ver uma escola que dá conta da heterogeneidade da sua ruralidade
acesso, já que algumas escolas têm Entre as novas alternativas para a educação e dos desafios que se apresentam, tanto para a família garantir o acesso à educação
um número pequeno de matrículas secundária do campo abordadas durante a roda de dos seus filhos, como aos professores e ao estado, no processo de implementação
e a mudança para outras escolas
nem sempre é possível, por conta da
conversa está, também, o uso das Tecnologias de de políticas que garantam o acesso ao direito de estudar”.
distância. Informação e Comunicação (TICs), a exemplo do A consultora apresentou o modelo SRTIC de organização pedagógica e
que já acontece em algumas regiões da Argentina institucional do ensino que se adapta às características do contexto rural disperso e
Fonte: https://www.todospelaeducacao.org.br/
conteudo/perguntas-e-respostas-o-que-sao-as- e do Brasil. O Centro de Mídias da Educação do
classes-multisseriadas
Estado do Amazonas (CEMEAM), da Secretaria
Estadual de Educação do Amazonas (SEDUC), é um 3. Kátia Mendes foi diretora do CEMEAM até o final do ano de 2018.
ACESSO E CONCLUSÃO
30 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
RODA DE CONVERSA 3 31

às particularidades das diferentes províncias que o implementam e imprimem sua professores, os colegas, o conteúdo. Só que com tudo a gente se acostuma aqui na
marca. O projeto é uma parceria do governo central com os governos provinciais, urbana, o difícil mesmo é superar os desafios lá da rural, como a falta de merenda,
com cooperação e acompanhamento do UNICEF. Esta foi uma das 5 soluções de professor e de transporte, que ainda hoje fazem muitos estudantes desistirem de
selecionadas dentre mais de 190 ideias apresentadas na Assembleia Geral das estudar”, lamentou a adolescente.
Nações Unidas no contexto da Agenda 2030 para Jovens. Hoje estudante de uma escola urbana em Manaus e prestes a fazer vestibular
em busca de uma vaga na universidade, Renara conta que uma nova forma de
Como funciona? ensinar vem mudando a realidade dos ex-colegas dela que não puderam deixar a
aldeia, em Santo Antônio do Içá: a educação mediada pelas TICs, que possibilitou a
oferta do ensino secundário a comunidades que não eram atendidas.

SEDE CENTRAL CLASSES LOCALIZADAS


(contexto urbano) NA ZONA RURAL RODA DE CONVERSA 3
l  quipe da direção
E Todos, todos os l 2 professores coordenadores
Equipe completa dos docentes e um auxiliar docente indígena

Qualidade educativa nas


l
dias na aula
l 
das áreas curriculares Estudantes de diferentes anos
l Referência técnica e pedagógica escolares na classe multiseriada

Oito escolas atendem 82 localidades rurais, 250 professores atendem 1.400


escolas secundárias do campo
estudantes, dos quais 46% são indígenas. O modelo tem tido alto impacto em sua
na escolaridade de meninos e meninas. Dadas as particularidades da educação do campo, é necessário que os processos
Essas alternativas, no entanto, não beneficiaram a estudante indígena Renara avaliativos também sejam compatíveis com esta realidade. Os muitos desafios –
Pereira Cândido, de 16 anos, que há dois anos precisou deixar a aldeia em que nasceu, físicos ou abstratos – que ainda se impõem à educação do campo alertam para a
localizada na zona rural do município de Santo Antônio do Içá, para estudar na capital, necessidade de se adotarem parâmetros que respeitem a realidade das ruralidades
Manaus. Ela sonha se tornar médica para cuidar da saúde indígena no futuro. para medir a qualidade educativa nos “rincões” da América Latina.
Indígena da etnia kokama, Renara conta que a adaptação dela e da família - que Acesso e permanência ainda são temas prioritários para as escolas do
também deixou a aldeia para acompanhar a adolescente na capital - foi bastante campo porque ainda não foram solucionados. É fundamental conhecer e discutir
difícil, especialmente pelo choque de culturas na escola urbana: ela saiu de um práticas educativas que têm contribuído para os enfrentamentos dos desafios que
dos municípios com menor densidade populacional do país para morar em um dos enfrentamos nas escolas do campo.
bairros mais populosos de Manaus, na periferia da cidade. “Se eu não saísse de lá, Na região amazônica, por exemplo, um dos maiores desafios é o regime de
eu nunca ia realizar meu sonho de fazer faculdade. Minha família me apoiou e deixou subida e descida das águas dos rios, que obriga gestores, professores, estudantes e
tudo para que eu pudesse estudar, mas temos planos de voltar. Só saí porque tinha comunidades a encontrarem, juntos, alternativas para cada um dos obstáculos que
que estudar mesmo: quero ser médica e cuidar da saúde indígena lá, porque nunca se apresentam. Nossos problemas mudam a cada seis meses e tudo aqui precisa
tem médico para atender a gente. ser adaptável”, relata a professora da escola ribeirinha Vital de Andrade, na zona
A região em que a estudante nasceu e cresceu, na zona rural de Santo Antônio rural de Careiro da Várzea, no Amazonas, Eva Santos.
do Içá, é atendida pelo Distrito Sanitário Indígena (DSEI) Alto Rio Solimões, um dos A rotina que Eva encara para dar aula aos seus estudantes é parecida com o dia
maiores do Amazonas e, também, mais desafiadores para o Ministério da Saúde a dia do professor Valdo Moreira, que há 20 anos enfrenta, diariamente, horas de
(MS) garantir a assistência médica. viagem em barcos para cruzar os rios Amazonas e Solimões e chegar às escolas do
Para Renara, as diferenças entre as escolas urbanas e rurais, especialmente as campo onde leciona, na zona rural de Careiro da Várzea, no interior do Amazonas.
indígenas, vão muito além da infraestrutura, mas as limitações físicas e de logística “As escolas ribeirinhas da Amazônia dependem de transporte fluvial para
acabam fazendo a diferença entre a qualidade de ensino nas escolas urbanas e tudo: para chegarem mantimentos, merenda escolar, equipamentos e para
do campo. “A maior diferença é a infraestrutura, mas tudo é muito diferente: os as crianças e professores que não são da comunidade chegarem à escola. O
ACESSO E CONCLUSÃO
32 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
RODA DE CONVERSA 3 33

transporte fluvial é imprescindível para que a educação no campo na Amazônia do Amazonas, onde moram, e a escola, localizada em outra comunidade.
aconteça. E esse é só um dos nossos desafios estruturais. Os não estruturais Até almoçar no horário correto passa a ser um “artigo de luxo” para quem
são ainda maiores”, alerta. precisa sair de casa antes das 10h e encarar, debaixo de sol ou chuva, uma viagem
Apesar dos obstáculos da logística na região e da falência estrutural de muitas de 3 horas em uma canoa motorizada, chamada pelos ribeirinhos de “rabeta”,
escolas, para o prof. Valdo, o maior desafio da educação do campo na Amazônia é a torcendo para que nenhum contratempo ocorra para conseguir chegar à escola às
formação e a valorização do professor. E tudo isso, lembra, reflete na qualidade do 13h. “São sacrifícios que a gente faz porque acredita que a educação pode nos dar
ensino ofertado nas escolas do campo. “O professor que mora em uma comunidade um futuro melhor”, diz a jovem.
isolada e passa um mês longe da família tem que ter uma remuneração maior do Vencidos os desafios para chegar à sala de aula, é a qualidade do ensino que
que aquele que está com sua família, na capital. O currículo precisa conversar com preocupa o adolescente Eric Oliveira, aluno do 7º ano da escola municipal Professora
aquela realidade. É preciso valorizar a pessoa do professor em si, não apenas a Elizabeth Siqueira Ferreira, na comunidade Jatuarana, margem esquerda do rio
estrutura educacional. Não basta comprar barco novo e construir quadra: é preciso Amazonas, zona rural de Manaus.
ver que tem gente debaixo daquela floresta”, ponderou Valdo, que é membro do Filho de agricultores e pescadores e o mais velho entre os seus dois irmãos,
Comitê Estadual da Educação do Campo do Amazonas. Eric é o que os professores chamam de “aluno promissor”. Mas, ele quer mais: quer
Professor há 11 anos na Escola Municipal rural Professora Elizabeth Siqueira ser realidade. O objetivo dele é ser advogado e, para isso, vai disputar uma vaga na
Ferreira, localizada na comunidade Jatuarana, na margem esquerda do rio Amazonas, universidade com estudantes, em sua maioria, de escolas urbanas, com acesso à
zona rural de Manaus, Isnan Carvalho compartilha a mesma opinião de Valdo. internet em casa.
Ele acredita que investir na capacitação específica de professores originários do Um dentre os participantes da roda de conversa realizada entre estudantes de
campo para atuarem nas escolas do campo é a aposta mais certeira para melhorar escolas do campo durante o seminário internacional promovido pelo UNICEF, Eric
a qualidade do ensino secundário ofertado a estudantes de comunidades rurais, relatou as dificuldades enfrentadas diariamente para conseguir chegar à escola e,
ribeirinhas, indígenas ou quilombolas. Atualmente, os professores se deslocam mais do que isso, para concluir o ensino secundário. “E com boas notas, superando
de Manaus para a comunidade porque não há docentes na região, embora haja todos esses obstáculos e sem perder a vontade, que é o mais difícil. Muitos desistem
interesse nas comunidades. pelo caminho e deixam a escola”, confessou o adolescente, para quem o papel da
O investimento na capacitação dos professores das próprias comunidades, escola é “dar forças” para o aluno “vencer na vida”.
na avaliação de Isnan, ainda reflete em um maior nível de comprometimento dos Mas, esses desafios que a educação do campo enfrenta não são exclusivos
docentes e, consequentemente, em um maior envolvimento dos estudantes, da Amazônia. Guardadas as peculiaridades de cada região, obstáculos estruturais e
famílias e comunidades no dia a dia escolar. metodológicos são comuns às escolas do campo em toda a América Latina.
Para os estudantes, os obstáculos enfrentados para não desistir dos estudos
também são muitos e, quase sempre, começam dentro de casa. Não são poucos os
que precisam dividir o tempo entre a escola e os trabalhos domésticos, na agricultura

FOTO: SAMARA NUNES


ou na pesca para ajudar na renda familiar. E, ainda, enfrentar horas de viagens de
barco cansativas debaixo de sol ou chuva para não abandonar a sala de aula.
Estudante do terceiro ano do ensino médio, Letícia da Silva de Souza, de 24 Prudant apresentou um panorama da educação secundária do campo
anos, retomou os estudos depois de dois anos parada e, todos os dias, enfrenta seis na Argentina, apontando resultados positivos e obstáculos na busca
horas de barco (três para ir e três para voltar) para ir à escola. “Eu parei de estudar por novos paradigmas para o ensino rural.
por conta de uma gravidez, mas hoje faço de tudo para não faltar. Não são só três Apesar dos avanços em números de matrículas e na oferta do
horas de viagem, são três horas de desafios, porque o barco quebra, ou pegamos ensino secundário, que atualmente está presente em 64% das escolas
temporal ou é um banco de areia que encalha e a gente tem que superar tudo isso rurais argentinas, alguns desafios se impuseram ao fomento dessa
ELÍAS PRUDANT
para estudar”, ressaltou. modalidade de ensino. Entre eles estão o compartilhamento de espaço Diretor Nacional de
De segunda a sexta-feira, Letícia e a amiga Luana Silva Pereira, 20, reúnem- por dois segmentos de ensino, uma vez que a solução encontrada para Planejamento Educativo
do Ministério da Educação,
se com outras seis amigas que, juntas, dividem o custo do transporte entre a garantir a continuidade dos estudos foi usar as estruturas escolares Ciência, Cultura e
comunidade do Curarizinho, na zona rural do município de Careiro da Várzea, interior já existentes nas comunidades e, antes, exclusivas para o primário. Tecnologia da Argentina
ACESSO E CONCLUSÃO
34 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
RODA DE CONVERSA 3 35

Outro desafio que exige um amplo debate para se encontrar a melhor alternativa é a fundamentais para essa questão de pertencimento, que é um diferencial do aluno do
capacitação de professores, bem como questões administrativas e burocráticas de campo”, explicou Catarina.
suas contratações, apontou Prudant. Por fim, os debates sobre inovação curricular A pesquisadora, que estuda a juventude rural na América Latina, lembrou ainda
se fazem necessários para encontrar essas soluções. de outras particularidades da educação do campo, como os percursos migratórios,
“A ideia e o formato da escola secundária está sendo discutido não só na sejam de estudantes de comunidades para zonas urbanas ou de comunidades mais
zona rural como na urbana. Encontramos limitações que têm a ver com currículo, distantes para outras, pólos, mas ainda rurais; e do conceito de invisibilidade, muito
formação de professores por especialidades e o trabalho dos professores por horas presente nos interiores do continente.
aula. Além disso, como aqui no Brasil, nossas escolas do campo se caracterizam “No campo, os acessos, permanências e terminalidades passam a ser
pelo isolamento, dificuldades de acesso e baixa matrícula. Mas, para cada limitação, reconfigurados a partir da dimensão de espaço e de tempo, que são muito
temos encontrado, também, possibilidades”, disse Prudant. específicos de acordo com a realidade daquele estudante que, por sua vez, tem
Antropólogo por formação e responsável por um programa de melhoramento suas particularidades. A compreensão do jovem como sujeito integral vai demandar
da educação do campo no Ministério de Educação da Argentina, Prudant lembra o redimensionamento do olhar da escola sobre ele e com ele.”
que as políticas públicas têm a missão de garantir, a todas as crianças, o direito à
educação. Ele disse acreditar que uma das alternativas para atingir esse objetivo
está vinculada ao modelo atual da escola urbana.
Mas, para ele, é preciso adaptar muita coisa, desde calendário e estrutura
física até currículo e formação de professores, passando por políticas públicas e
metodologias de avaliação diferenciadas. “Nesse sentido, estamos vendo como se Presidente do Conselho de Educação Escolar Indígena do

FOTO: SAMARA NUNES


pode adequar um formato, a partir do modelo da escola urbana que temos hoje, Estado do Amazonas, Emilson Frota de Lima acredita que a
para atender as necessidades das escolas rurais e das populações que habitam alternativa para melhorar a qualidade da educação do campo pode
essas comunidades rurais”. ser a mesma que os povos indígenas do Amazonas vislumbram para
O desafio, destacou Prudant, é promover essa transição respeitando as as escolas indígenas: a criação de políticas específicas voltadas ao
particularidades de cada região, ou seja, de cada escola. “Todas as escolas rurais ensino superior para a educação indígena.
têm coisas em comuns, muitas têm particularidades e precisamos ter cuidado “A criação dessas políticas específicas, como uma secretaria
para não perdermos essas raízes culturais. Se não podemos simplesmente levar a específica para reunir recursos que são pulverizados e o sonho
escola urbana à escola rural, podemos fazer uma ponte entre elas e estimular essa da universidade indígena, é uma forma de ampliar a oferta de EMILSON FROTA DE LIMA
construção de saberes”, disse o antropólogo argentino. formação e a capacitação de professores indígenas para atuar nas Presidente do Conselho de
Educação Escolar Indígena
comunidades, onde faltam professores e os da zona urbana não do Estado do Amazonas
querem ficar”, ponderou Emilson.
Emilson, que é da etnia munduruku, apontou os principais avanços, entraves,
FOTO: SAMARA NUNES

perspectivas e retrocessos da educação indígena no Amazonas. Entre os avanços


estão a construção de escolas, formação de professores indígenas por meio da
criação do magistério indígena, produção de material didático e pedagógico
Para a pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Gerações específicos, criação de ferramentas de gestão – como gerências e conselhos - e a
Juventude da Universidade de Brasília, Catarina Malheiros da implantação do ensino médio nas escolas.
Silva, a construção dessa nova escola do campo passa por pensar Porém, o desenvolvimento educacional indígena ainda esbarra na falta de
a juventude em sua diversidade, levando em conta a forma como o recursos (condições das escolas e transporte escolar), na formação insuficiente de
CATARINA MALHEIROS jovem se identifica e a realidade do local aonde vive. Compreender professores e técnicos e no descumprimento de leis que deveriam proteger esses
DA SILVA como os jovens se veem permite ampliar as referências do que povos tradicionais.
Pesquisadora do GERAJU
(Grupo de Pesquisa Gerações se entende por juventude no contexto das ruralidades. “Espaço, “Se a lei diz que devem ser respeitadas as diferenças, isso deve ser cumprido.
e Juventude) da UNB tempo e sociabilidade são dimensões da condição juvenil. E são Mas nem sempre é o que acontece: alguns municípios não respeitam essas diferenças
ACESSO E CONCLUSÃO
36 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
RODA DE CONVERSA COM ADOLESCENTES 37

e consideramos isso um entrave. Apesar das melhorias, ainda estamos longe de

FOTO: SAMARA NUNES


poder discutir apenas a qualidade do ensino, e não mais o acesso e a conclusão”.
Qualidade educativa nas escolas do campo, inclusive, é um fator difícil de ser
medido. Isso porque, além de não existirem critérios específicos para as escolas
rurais, de acordo com dados do Ministério da Educação (MEC), cerca de 60% dos
estudantes do campo são estudantes de classes multisseriadas4 (salas de aula
com estudantes de diferentes idades e níveis educacionais) e estas turmas não
participam da Prova Brasil e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB).

RODA DE CONVERSA COM ADOLESCENTES

Os desafios e as possibilidades
do ensino médio mediado
por TICs comunidade em que vive, diz ser apaixonada pelo seu local de moradia, em meio
à natureza, mas lamenta os inúmeros desafios que os estudantes precisam vencer
para concluírem os estudos. “É preciso ter muita força de vontade para continuar
Após os debates e troca de experiências entre pesquisadores, especialistas em estudando e, infelizmente, no meio desse caminho muitos estudantes desistem”.
educação pedagogos, professores e gestores da área educacional, foi a voz dos Também estudante da escola Canaã 1, na comunidade Paraná da Eva, André
estudantes do campo que se fez presente no seminário. Adolescentes ribeirinhos Cunha, 15 anos, criticou a falta de políticas específicas para as escolas do
relataram experiências, desafios e possibilidades do ensino médio nas escolas campo. “Pelo fato de estudarmos no interior acaba que somos esquecidos pelas
rurais. autoridades, que acham que as classes urbanas são melhores que as rurais. Como a
Estudante do 8° ano da escola municipal Canaã 1, na comunidade Paraná da maioria dos nossos pais são analfabetos, eles acham que não temos conhecimento
Eva, zona rural de Manaus, Keicilany Gomes Moreira, 14 anos, acredita que é sobre nossos direitos, acham que o rural só serve para plantar. Mas, quero dizer
preciso discutir acesso e qualidade de educação para todos, independentemente de uma coisa: sem o rural não há urbano”, desabafou o adolescente, que sonha em
onde vivem. E ela cobra que as melhorias venham logo para amenizar as dificuldades ser um engenheiro mecânico e voltar para a comunidade, depois de formado, para
que os estudantes ribeirinhos enfrentam diariamente para estudar. disseminar seu conhecimento por lá.
“Meu irmão, que está no ensino médio, sai no motor (embarcação) às 6h30 pra “No interior as pessoas lidam muito com máquinas, com motores, como o
chegar à escola e só volta para casa 22h. Eu estou no 8° ano e não quero ter que do barco, que é fundamental para nossa sobrevivência. Mas, não há profissionais
passar por isso. A educação é para todos. Não é porque sou indígena ou ribeirinha capacitados para trabalhar com essas máquinas. E é isso que eu quero fazer: meu
que não tenho o direito de estudar”, disse. sonho é me formar e fazer a diferença no lugar onde eu vivo”, disse o adolescente.
A estudante, que sonha ser professora de português e dar aulas na escola da Estudante da mesma escola, Felipe Cortez, 14 anos, ressaltou o orgulho de
estudar em uma escola ribeirinha. “Sair de casa de madrugada, atravessar o rio
debaixo de chuva para chegar aqui e mostrar a nossa realidade é bom demais”,
4. Segundo o Todos pela Educação, As classes multisseriadas são salas com alunos de diferentes idades disse. No entanto, lembrou dos inúmeros desafios que encontra no caminho de
e níveis educacionais nas quais estão cerca de 60% dos estudantes do campo. Segundo o Censo Escolar casa até a escola, que é longo: dos problemas com o barco do transporte escolar à
2017, existem 97,5 mil turmas do Ensino Fundamental nessa situação em todo o País, número que vem
permanecendo praticamente inalterado nos últimos dez anos. Fonte: https://www.todospelaeducacao.org.
falta de merenda, material didático, uniforme escolar, salas de aula, professores e,
br/conteudo/perguntas-e-respostas-o-que-sao-as-classes-multisseriadas até mesmo, de tempo.
ACESSO E CONCLUSÃO
38 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
SEMINÁRIO
RODA DE CONVERSA COM ADOLESCENTES 39

“Além de todos esses obstáculos para chegar na escola e conseguir estudar, a e práticas nesse processo de construção da nova escola do campo. E que a escuta
gente tem que trabalhar em casa e na roça pra ajudar os pais, coisa que os estudantes do estudante do campo pode ainda facilitar o direcionamento de investimentos
da cidade dificilmente precisam fazer. Sou filho de agricultores e trabalho na roça em infraestrutura, formação de professores, inovações curriculares, valorização da
desde pequenininho, mas nosso trabalho, apesar de árduo e necessário, muitas identidade rural e até processos de elaboração e gestão de políticas públicas.
vezes não é reconhecido”. “O primeiro ganho de um seminário como este é produzir conhecimento a partir
As dificuldades e contratempos de se viver e produzir no campo, inclusive, de evidências de pesquisas relacionadas diretamente a essas questões, gerando
motivaram Felipe a escolher a carreira de engenheiro agrônomo - ele vai prestar dados e relatórios que ajudarão a embasar ações e políticas públicas de diversos
vestibular dentro de dois anos. “Meu sonho é ser engenheiro agrônomo para ajudar governos. O UNICEF tem esse compromisso. Temos o desafio de aprender com as
meus pais na produção (rural). Com o conhecimento que vou adquirir e a prática evidências, sempre com um olhar diferenciado e, ao mesmo tempo, específico, e
que já temos, mais o conhecimento que o meu pai possui, acredito que podemos promover a perpetuação desse conhecimento”.
incrementar bastante a nossa produção e melhorar e muito nossa qualidade de vida.
Para ser perfeito, só se tivesse universidade no campo, aí seria bom demais”, disse.
Já a adolescente Joseane Gomes, 17 anos, que estuda na Escola Estadual
Vital Brandão, na zona rural do município de Careiro da Várzea, interior do Amazonas,
cobrou mais atenção do poder público. “Os políticos precisam dar mais cuidado para
as nossas escolas. Na época de chuva é comum os barqueiros pararem o transporte
escolar por falta de pagamento e aí os estudantes precisam tirar dinheiro do próprio
bolso pra combustível, isso quando têm, ir remando ou não vão pra aula” reclamou.
De acordo com ela, problemas de gestão dos recursos públicos também afetam
o dia a dia dos estudantes e a qualidade da educação que eles recebem. “Se não
repassam o dinheiro dos barqueiros em dia, eles param. E, sem barco, a gente
não chega na escola e perde conteúdo. Cada dia faz diferença pra quem está se
preparando para um futuro melhor”, disse.
Para a estudante da Escola Municipal Professora Elizabeth Siqueira Ferreira, Mylle
Caroline, de 12 anos, que sonha em ser médica veterinária ou psicóloga, oportunizar
aos jovens do campo uma educação de qualidade e a garantia da continuidade do
ensino pode fazer a diferença na vida deles e de toda uma comunidade.
“Tive esse exemplo em casa: minha mãe trabalhava na roça e teve a
oportunidade de estudar e se tornou uma professora maravilhosa e muito querida
aqui na comunidade, de quem me orgulho muito. Ela me ensinou que todos nós
podemos ajudar a transformar o lugar onde a gente vive, e é isso que ela está
fazendo e que eu quero fazer também, do meu jeito”, contou.

FOTOS: SAMARA NUNES

Encerramento

Ítalo Dutra, Chefe de Educação do UNICEF, encerrou o Seminário afirmando que dar
luz à voz dos estudantes foi o ponto alto do encontro, uma vez que os adolescentes
traduziram, em discursos recheados de experiências e expectativas, os desafios e
possibilidades com os quais se deparam ao longo de suas vidas escolares. Ressaltou
que ouvir os adolescentes é fundamental para a renovação de metodologias, políticas
ACESSO E CONCLUSÃO
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SEMINÁRIO
INTRODUÇÃO 41

Artigos Científicos
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ENSINO MÉDIO E TERRITÓRIOS RURAIS:
QUALIDADE EDUCATIVA PARA ADOLESCENTES E JOVENS
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Ensino médio e territórios rurais: não como meros beneficiários e ou usuários. Nesse sentido, o acesso, permanência
e conclusão do ensino médio pelos jovens rurais, deve perpassar as discussões

qualidade educativa para sobre a educação do campo, gestadas em diversos espaços formativos. Surge o
desafio de ofertar uma educação que, além de contemplar os saberes, a memória

adolescentes e jovens coletiva e a positivação dos processos identitários no meio rural, possibilite também
aos (às) jovens o diálogo com a realidade mais ampla. Por fim, a formulação de
políticas públicas educativas para o ensino médio no distintos contextos rurais deve
Catarina Malheiros da Silva1 estar articulada com um projeto de país e de campo que reconheça a existência
do meio rural como lugar de vida, trabalho, cultura e lazer. Isso implica considerar
outras especificidades dos contextos sociais dos/as jovens, a exemplo das relações
de gênero estabelecidas, do pertencimento étnico, das práticas religiosas, dos
Resumo projetos de vida, das relações intergeracionais e dos percursos migratórios. Os(as)
jovens estão clamando pelo respeito por seus “modos de vida,” seus tempos de
O rural não é construído apenas a partir da utilização do espaço, mas através da vida aprendizagem e sua condição como sujeito de direitos.
que é gestada cotidianamente no coletivo. É na família e no grupo de vizinhança que
os/as jovens vivenciam as rotinas da vida rural, trocando e partilhando experiências, Palavras-chaves: juventude rural, ensino médio, diversidade.
conflitos e projetos. Além dos grupos comunitários e familiares, a escola figura
como espaço formativo relevante para a população rural, em virtude do histórico de
negação do acesso à educação pública. No que se refere à invisibilidade dos jovens
que vivem no meio rural, observa-se o predomínio de um estereótipo pautado O rural não é construído apenas a partir da utilização do espaço, mas através da vida
em uma visão urbana da noção de juventude, anulando as singularidades da vida que é gestada cotidianamente no coletivo. É na família e no grupo de vizinhança que
destes. Diante desse contexto, farei uma discussão inicial sobre o entendimento de os adolescentes e jovens vivenciam as rotinas, trocando e partilhando experiências,
como a juventude rural deve ser tematizada, já que historicamente as instituições conflitos e projetos. Além dos grupos comunitários e familiares, a escola figura
educativas escolares partem do princípio de que os/as jovens provêm de espaços como espaço formativo relevante para a população rural, em virtude do histórico de
onde as práticas de sociabilidade, as relações de gênero, o projeto de vida e tantas negação do acesso à educação pública.
outras dimensões são homogêneos e únicos. A compreensão do/da jovem como Pensar os territórios rurais como espaço de vida nos instiga a compreendê-
sujeito integral perpassa o redimensionamento do olhar da escola sobre ele. Ou lo como lugar onde se realizam todas as dimensões da existência humana, para
seja, a escola deve conhecer os sujeitos com os quais atua, dentro e fora de seus além da produção de mercadorias. A explicação do território apenas como setor de
muros, entendendo a vivência juvenil, marcada por um modo de vida singular, como produção anula o aspecto multidimensional que caracteriza o campo, a exemplo da
dimensão importante para significar o saber escolar. Em seguida, destacarei a educação, cultura, produção, trabalho, organização política, etc.
relevância da abordagem sobre a juventude rural e o ensino médio, na perspectiva A educação pública é necessária para o desenvolvimento do território, tanto
do direito humano à educação. A reivindicação por uma educação pública de no que se refere à formação técnica e tecnológica para os processos produtivos,
qualidade está ancorada também na memória da exclusão, abandono e segregação até a formação tanto no nível fundamental e médio como no ensino superior, para
que marcou a existência de homens e mulheres do meio rural, durante muitos anos. a prática da cidadania. Em muitos contextos rurais, a positivação do ensino médio e
O desenvolvimento do campo demanda uma política educacional que compreenda consequentemente da educação escolar estão atreladas à possibilidade de continuar
e atenda a diversidade e amplitude inerente a este território. Propõe ainda o os estudos, haja vista que o término do ensino médio possibilita projetar o ingresso
reconhecimento dos sujeitos jovens como protagonistas propositivos de políticas e na Universidade.
Nas últimas décadas, observam-se avanços significativos no reconhecimento
das desigualdades sociais e educacionais no Brasil, atreladas ao processo de
1. Doutora em Educação pela Universidade de Brasília/UnB. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa GERAJU- formação histórica, social e cultural do país. A garantia e a efetivação dos direitos
Gerações e Juventude. E-mail: catems14@gmail.com sociais de todos os sujeitos, a exemplo do acesso e conclusão com qualidade na
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QUALIDADE EDUCATIVA PARA ADOLESCENTES E JOVENS
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educação básica, especialmente do ensino médio nos territórios rurais, ainda está fronteiras nítidas entre os universos culturais dos sujeitos do campo e da cidade, já
em processo de consolidação. que ambos compartilham projetos que se assemelham (CARNEIRO, 2005).
Na tematização sobre educação escolar no Brasil é preciso destacar que o O entendimento sobre os adolescentes e jovens supõe o reconhecimento da
acesso ao ensino médio de qualidade constitui-se como direito humano de todas existência de espaços distintos - a exemplo da casa, da vizinhança e da cidade - onde
e todos os adolescente e jovens. A exigência da oferta e garantia do ensino médio muitos jovens vivenciam cotidianamente experiências individuais e coletivas. Sobre
demarca uma nova fase no processo de escolarização dos territórios rurais, uma a importância da comunidade local para os adolescentes e jovens rurais, Brandão
vez que não apenas concretiza o acesso e conclusão dos jovens nesta etapa de (1995, p.136) afirma que “quando há vizinhos por perto, parentes ou não, os grupos
ensino como também permite que a configuração familiar e social dos territórios de idade alargam os limites da ordem familiar cotidiana e se constituem como os
seja redimensionada. primeiros espaços extrafamiliares de convivência e socialização.”
Nesses espaços, os jovens constroem relações com amigos, vivenciam o lazer,
estabelecem relações com os meios de comunicação de massa, participam de
Territórios rurais: um olhar para adolescentes e jovens manifestações culturais e religiosas, expressando um sentimento de pertencimento,
tanto à comunidade como a outros grupos. Nesse sentido, as experiências cotidianas
No meio rural brasileiro, espaço cada vez mais heterogêneo e diversificado, são vivenciadas pelos adolescentes e jovens dependem da intensidade e da riqueza da
tecidas relações sócio-culturais singulares, ao mesmo tempo que se mantêm vida social existentes no meio rural (WANDERLEY BAUDEL, 2006).
vínculos de dependência com os centros urbanos. Não se pode negar a influência No que concerne ao processo de formação escolar dos adolescentes e jovens
histórica da cidade no campo, cada vez mais acentuada com a urbanização do meio dos distintos territórios rurais, observa-se a relevância da diferenciação de gênero
rural e com a absorção de novos elementos políticos, sociais e econômicos em na procura de aprimoramento educacional. Vale ressaltar, ainda, que a relação das
sua prática produtiva e em seu modo de vida. Nesse sentido, “As ruralidades se jovens com o trabalho agrícola assume contornos diferenciados.
expressam de formas diferentes em universos culturais, sociais e econômicos A posição dos jovens homens no processo sucessório no interior da
heterogêneos” (PEREIRA, 2004, p.344). família em algumas regiões do Brasil, a penosidade da atividade agrícola e a não
O mundo rural pode ser compreendido então, como lugar de vivências participação das jovens nas discussões sobre o futuro da propriedade têm sido
peculiares, em consonância com outras formas de organização social. Por outro apontados como fatores que, por um lado, afastam as jovens da atividade agrícola,
lado, pensar o meio rural a partir das suas singularidades nos possibilita reportar favorecendo a migração para o meio urbano e, consequentemente, a ampliação do
à “invisibilidade” que atinge a população rural como um todo. Para autores como nível educacional e, por outro, contribuem para a masculinização da população rural
Veiga (2003) e Abramovay et al (2004) as condições precárias a que são submetidos (Abramovay et al, 2004).
os sujeitos do campo fortalecem a calcificação de imagens discriminatórias sobre a Os pais que querem que os filhos sejam seus sucessores no estabelecimento
população rural. O desconhecimento e negação dos modos de vida dessa população familiar ou que a filha se responsabilize pelo cuidado na velhice, desestimulam-nos
fazem com que as demandas existentes no campo sejam negligenciadas. desde crianças para o estudo. No tocante às jovens, estas são orientadas para o
Conforme destaca Vieira (2006), contrariamente à ideia ainda vigente de que só estudo, já que não existem perspectivas de sua permanência no meio rural, pois
restam no campo os mais velhos, em algumas regiões do país o meio rural concentra a transmissão do patrimônio familiar em algumas regiões está atrelada ao sexo e
uma parcela significativa de adolescentes e jovens que constroem distintas trajetórias à ordem de nascimento (Stropasolas, 2006). Nesse sentido, pode-se pensar que
e formas de pensar e de vivenciar suas condições de existência. Os adolescentes e o prolongamento da escolarização, bem como as aspirações ocupacionais não
jovens que vivem em territórios rurais figuram como parcela dessa população ainda acontecem de forma semelhante para moças e rapazes. Afinal, concorrem para
bastante desconhecida, dado o não reconhecimento de problemas específicos que esse prolongamento as possibilidades de acesso e permanência na escola.
os afetam, ao contrário dos adolescentes e jovens que vivem nas cidades e são Essa clivagem de gênero no que diz respeito ao investimento educacional nos
vislumbrados pelas instituições, especialmente no que diz respeito à proposição de aponta o significado da educação para moças e rapazes. O acesso ao estudo para
políticas públicas. Também não são reconhecidas as práticas de sociabilidade e as as moças vai muito além da conquista da independência familiar e da possibilidade
vivências culturais, aportadas num contexto específico. de emprego na cidade, uma vez que a formação educacional fortalece seus planos
Vale ressaltar, no entanto, que essas singularidades estão entrelaçadas com a futuros “...com amplitudes que se estendem até outras dimensões do campo
dinâmica da economia e da sociedade como um todo. Assim, não se pode instituir profissional e da vida, vendo no acesso aos estudos a possibilidade de questionar
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
ENSINO MÉDIO E TERRITÓRIOS RURAIS:
QUALIDADE EDUCATIVA PARA ADOLESCENTES E JOVENS
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padrões, conceitos e comportamentos, sobretudo aqueles que restringem a sua Afinal, a educação ocorre tanto na sala de aula como em outros espaços formativos
liberdade no espaço rural” (Stropasolas, op.cit, p.306). Entretanto, atualmente, e envolve saberes, métodos, tempos e espaços físicos diferenciados (Arroyo,
há uma tendência em rever o valor atribuído à formação escolar, em virtude da 2004). Nesse sentido, é importante ressaltar que o projeto que mobiliza os sujeitos
constatação da precariedade na formação dos filhos dos agricultores, sobretudo do campo para a luta está assentado em princípios que defendem a conquista
dos rapazes. de direitos usurpados, mas também a construção de uma sociedade mais justa
É importante ressaltar também que, para muitos adolescentes e jovens e igualitária. Assim, o movimento pela garantia do acesso e conclusão do ensino
dos distintos territórios rurais, a ausência de espaços de lazer e, muitas vezes, a médio nos territórios rurais deve ser uma luta da sociedade brasileira e não apenas
inexistência de um projeto de educação continuada contribuem para a avaliação dos sujeitos do campo, pois a gênese dessa luta contempla os interesses de todos.
negativa do campo em relação à cidade e para o desejo de migração. Pensar estes A reivindicação por um ensino médio de qualidade está ancorada também na
sujeitos implica reconhecer seu potencial para a proposição de políticas públicas, memória da exclusão, abandono e segregação que marcou a existência de homens
que promovam tanto a concessão de terra e crédito para a inserção produtiva como o e mulheres dos territórios rurais, durante muitos anos. O desenvolvimento do
desenvolvimento da educação do campo e das práticas de sociabilidade e interação campo demanda uma política educacional que compreenda e atenda a diversidade
social, numa dimensão que desmistifique a visão de adolescentes e jovens como e amplitude inerente a este território. Propõe ainda o reconhecimento dos sujeitos
problema e os reconheçam em suas diferenças como atores e sujeitos de direitos. como protagonistas propositivos de políticas e não como beneficiários e ou usuários.
Dessa forma, falar das questões juvenis implica saber como os/as adolescentes O ensino público brasileiro ainda não garante aos alunos as condições
e jovens constroem determinado modo de vida, sobretudo no que se refere ao necessárias para que desenvolvam uma relação significativa com o saber escolar, o
conhecimento das formas de agregação e lazer, dos projetos de vida e da trajetória que compromete a qualidade do ensino médio. O entendimento ainda vigente é o
educacional, além de dialogar com sua visão de mundo, seus anseios, seus desejos e de que o/a aluno, ao rejeitar a escola e o/a professora, não consegue se apropriar do
ideais. O reconhecimento por parte das instituições escolares acerca da diversidade saber escolar e/ou intelectual.
existente nessas dimensões é imprescindível para se pensar ações direcionadas Historicamente, a instituição escolar parte do princípio de que todos os
para o público adolescente e jovem do ensino médio nos territórios rurais. adolescentes e jovens deste país provêm de espaços onde as relações sócio-
culturais, o pertencimento étnico-racial, as relações de gênero, o território e tantas
outras dimensões são homogêneos e únicos. Nesse sentido, a desarticulação
Ensino médio e qualidade educativa existente entre o saber mediado na escola e o cotidiano de adolescentes e jovens
nos territórios rurais que vivem no meio rural reforça a assertiva de que as formas de vida e a cultura dos
grupos privilegiados é que são valorizadas e instituídas como cânone (SPÓSITO,
Assegurar as singularidades que caracterizam os territórios rurais bem como 2005; DAYRELL, 2005).
a qualidade educativa nas escolas de ensino médio, pressupõe o rompimento Segundo Charlot (2001), em muitos contextos educativos, os/as jovens
com a supremacia do ideário urbano, exigindo para a escola do campo2 não só estabelecem uma relação com o ensino médio bastante frágil, pois o que se ensina
um planejamento interligado à vida, à produção e ao trabalho no meio rural, mas na escola não faz sentido para o momento presente destes, mas somente para
também uma educação que garanta aos sujeitos escolares o acesso às tecnologias um futuro distante, que já não pode ser previsto. Conforme destaca Corti (2004,
proporcionadas pelos modernos meios de comunicação, assim como a possibilidade p.104), “Uma das questões centrais hoje, quando se fala na relação dos [as] jovens
de uma recepção crítica das expressões culturais veiculadas pela mídia. com o ensino médio, diz respeito à relação dos jovens com o conhecimento. Há,
A leitura dos processos produtivos e culturais formadores dos sujeitos que vivem notadamente, uma relação tensa dos jovens com o saber escolar, que precisa ser
no e do campo é tarefa fundamental da construção do projeto político pedagógico. melhor investigada.” É importante assinalar também que toda relação com o saber
escolar é singular e social.
Aprender é um processo singular, desenvolvido por um sujeito singular. Na
tentativa de compreender a relação estabelecida entre os adolescentes e jovens
2. A origem do conceito de Educação do Campo no Brasil está aportada nas demandas apresentadas pelos e o ensino médio nos territórios rurais através de suas vozes, é importante ainda
movimentos camponeses, em prol da construção de uma política educacional para os assentamentos de
reforma agrária. Este conceito abarca uma multiplicidade de experiências educativas desenvolvidas por
reconhecer os sentidos atribuídos pelos jovens aos saberes ditos formais ensinados
diferentes instituições, que concebem o campo, a educação e a escola sob outras perspectivas (Silva, 2006). na escola, pois “...se interrogar sobre a transmissão de um saber implica interrogar-
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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QUALIDADE EDUCATIVA PARA ADOLESCENTES E JOVENS
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se também sobre a postura que a apropriação deste saber supõe, sobre o acesso áreas rurais de pequenos municípios brasileiros deve perpassar as discussões sobre
a certas formas de relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo” a qualidade educativa do ensino médio, gestadas em vários espaços formativos.
(CHARLOT, 2001, p.21). Surge o desafio de ofertar uma educação que, além de contemplar os saberes, a
A compreensão dos significados do ensino médio para os/as adolescentes e memória coletiva e a positivação dos processos identitários no meio rural possibilite
jovens que vivem em áreas rurais passa também pelo conhecimento dos espaços também aos/às adolescentes e jovens o diálogo com a realidade mais ampla e a
de vivência e aprendizado extra-escolares, numa perspectiva em que o diálogo e o efetivação da aprendizagem como direito humano.
respeito por suas condições de vida passam a ser fundantes. É importante ressaltar
que a população rural constrói conhecimento nos espaços informais, propagando
uma maneira particular de viver e conhecer o mundo que os cerca. Pensar a Referências bibliográficas
educação, nessa perspectiva, implica compreender a construção do saber como
algo vivo, dinâmico e imbricado de significado. ABRAMOVAY, Ricardo et al. Dilemas e estratégias do jovens rurais: ficar ou partir.
É preciso compreender a relação tecida entre os jovens e a escola a partir Estudos Sociedade e Agricultura, vol.12, n.1, p. 236-271, 2004.
de uma perspectiva que ultrapasse a sua condição de estudante, concebendo-os ARROYO, Miguel G. A educação básica e o movimento social do campo. In: _____;
como sujeitos que estudam e têm outras atividades, que constroem um trajeto CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna (orgs). Por uma educação
escolar e profissional combinado com essas outras dimensões que compõem a do campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
vida de cada um. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A partilha da vida. São Paulo: GEIC/Cabral, 1995.
CARNEIRO, Maria José. Juventude rural: projetos e valores. In: ABRAMO, H.
W.;BRANCO, P.P.M (Orgs). Retrato da juventude brasileira: análise de uma
Considerações finais pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005, p.243-261.
CHARLOT, Bernard. (org). Os jovens e o saber: perspectivas mundiais. Porto
A existência de diversos “modos de vida“ nos distintos territórios rurais no Brasil Alegre: Artmed Editora, 2001, p.33-50.
figura como elemento importante para pensar as políticas públicas educativas. CORTI, Ana Paula P.; SOUZA, R. Diálogos com o mundo juvenil: subsídios para
Estas devem partir dos diferentes sujeitos do campo, além de estarem aportadas educadores. São Paulo: Ação Educativa, 2004.
em seus contextos vivenciais, numa perspectiva que reconheça as vozes que foram DAYRELL, Juarez Tarcísio. A juventude e a educação de jovens e adultos – reflexões
silenciadas em épocas passadas. Para isso faz-se necessário compreender como iniciais. In: SOARES, L.; GIOVANETTI, M. A. G. de C.; GOMES, N. L. (Orgs). Diálogos
os adolescentes e jovens vivenciam a sua condição juvenil, relacionam-se com o na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 53-64.
mundo do trabalho, projetam o futuro e quais os significados atribuídos às suas PEREIRA, Jorge Luiz G. Entre campo e cidade: amizade e ruralidade segundo jovens
experiências escolares. de Nova Friburgo. Estudos, Sociedade e Agricultura, vol.12, n.1, 2004, p.322-351.
A formulação de políticas públicas educativas deve estar articulada, ainda, com SILVA, Maria do Socorro. Da raiz à flor: produção pedagógica dos movimentos
um projeto de país e de campo que reconheça a existência do meio rural como lugar sociais e a escola do campo. In: MOLINA, Mônica Castagna (org). Educação do
de vida, trabalho, cultura e lazer. Isso implica considerar outras especificidades dos Campo e pesquisa – questões para reflexão. Brasília: MDA, 2006, p. 60-93.
contextos sociais dos adolescentes e jovens, já que estes clamam pelo respeito por STROPASOLAS, Valmir L. O mundo rural no horizonte dos jovens. Florianópolis:
seus “modos de vida,” seus tempos de aprendizagem e sua condição como sujeito Editora da UFSC, 2006.
de direitos. VEIGA, José Eli da. Cidades imaginárias – o Brasil é menos urbano do que se
Esse cenário possibilita o entendimento do ser jovem no meio rural, uma calcula. 2 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
vez que a ampliação do processo de escolarização favorece o prolongamento da VIEIRA, Rosângela Steffen. Tem jovem no campo! Tem jovem homem, tem jovem
juventude, mediante a existência da dependência e coabitação com a família de mulher. In: WOORTMANN, Ellen F.; MENACHE, Renata; HEREDIA, Beatriz (orgs).
origem. Assim, a escola deve conhecer os sujeitos com os quais atua, dentro e fora Margarida Alves – coletânea sobre estudos rurais e gênero. Brasília: MDA,
de seus muros, entendendo a vivência juvenil no meio rural, marcada por um modo IICA, 2006. p.195-214.
de vida singular, como dimensão importante para significar o saber escolar. WANDERLEY, Maria de Nazareth B. (coord). Juventude rural: vida no campo e
Por fim, a ampliação da escolaridade de adolescentes e jovens residentes em projetos para o futuro. Recife, 2006. Relatório de Pesquisa.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
50 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
A OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO SECUNDÁRIA NA MODALIDADE
DE EDUCAÇÃO RURAL: TENDÊNCIAS E DESAFIOS NA ARGENTINA
51

A obrigatoriedade da educação
secundária na modalidade
de educação rural: tendências
e desafios na Argentina1
Elias Prudant 2

Introdução

Na Argentina, desde o ano de 2006, a aprovação da Ley de Educación Nacional


[Lei de Educação Nacional] Nº26.206 (doravante LEN) definiu o nível da escola
secundária como uma unidade pedagógica e organizacional e estabeleceu a sua
obrigatoriedade, em sintonia com as políticas educacionais da região. Para o âmbito
rural argentino, a mudança da legislação obrigou a adequar os terceiros ciclos rurais
(criados a partir da Lei Federal de Educação, aprovada em 1993) para a nova estrutura
e, fundamentalmente, mostrou a necessidade de criar-se a “escola secundária” em
uma área onde a oferta de educação secundária completa foi historicamente escassa.
Simultaneamente, a LEN instaurou a Educação Rural como modalidade do
sistema educacional e estabeleceu como sua responsabilidade a elaboração de
propostas específicas, adequadas às especificidades dos domínios rurais que
garantam o cumprimento da escolaridade obrigatória, estabelecendo-se, dessa
forma, um quadro regulamentar para avançar na concretização de novos modelos
de organização escolar adequados aos contextos rurais.
Embora a LEN recupere a educação secundária como um nível e estabeleça uma
série de disposições para garantir a concretização da obrigatoriedade, as restrições
próprias do modelo institucional “tradicional” do escola secundária urbana, em vigor
na Argentina, dificultam a ampliação da obrigatoriedade nos setores da população

1. Este documento apresenta uma síntese do relatório “La extensión de la educación secundaria en el
ámbito rural: estrategias para su logro en dos jurisdicciones” [A expansão da educação secundária na área
FOTO: SAMARA NUNES

rural: estratégias para a sua realização em duas jurisdições]” realizado por Elias Prudant e Gabriela Scarfó.
Área de pesquisa e acompanhamento de programas. Direção de Informação e Estatística Educacional.
DNPPE, Ministério de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia. Argentina, 2018
2. Diretor Nacional de Planejamento Educativo do Ministério da Educação, Ciência, Cultura e Tecnologia da
Argentina
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
52 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
A OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO SECUNDÁRIA NA MODALIDADE
DE EDUCAÇÃO RURAL: TENDÊNCIAS E DESAFIOS NA ARGENTINA
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que não foram seus destinatários históricos (Perazza, 2010; School, de 2016). capacidade do sistema educativo de reter os estudantes e, desse modo, evitar as
Nesse contexto, o presente documento sintetiza os resultados de uma pesquisa altas taxas de abandono (Serra e Gruschetsky, 2003).
que teve por objetivo mostrar os êxitos alcançados pelas políticas educativas nacionais O impacto do Terceiro Ciclo da EGB no âmbito rural se deu através do Projeto
e jurisdicionais, e a ampliação da escola secundária no âmbito rural. Em conjunção à 7, um marco fundamental na história do ensino rural. Esse projeto foi denominado
análise da caracterização da oferta, apresenta uma iniciativa jurisdicional que, ao sair “Fortalecimento da Educação Rural-EGB3” e foi parte do Plano Social Educacional
do “formato tradicional”, avançou na concretização de modelos institucionais que que se desenvolveu na Argentina entre os anos de 1993 e 1999. Como explicam
garantem a escola secundária em zonas rurais dispersas e de poucas matrículas. Golzman e Jacinto (2006), o plano foi enquadrado nas políticas dos anos 90, quando
o sistema educacional empreendeu reformas que incluíram tanto a descentralização
do sistema educacional, como também ações destinadas à melhoria da qualidade
A expansão da educação secundária na ruralidade (renovação de conteúdos, treinamento docente e desenvolvimento de instrumentos
nas últimas décadas: os ciclos rurais básicos de avaliação para monitorar as realizações). Nesse quadro, foram implementadas
políticas focalizadas que buscaram melhorar a oferta educacional destinada aos
A educação secundária na Argentina apresenta uma expansão precoce como segmentos historicamente mais vulneráveis social e/ou educacionalmente, como a
resultado de três fenômenos: a rápida universalização da escola primária, que teria população que habita em territórios rurais.
atuado como “tracionadora” para outros níveis de ensino, para o aumento dos anos A última reforma do sistema educacional - que volta a afetar o nível secundário
de obrigatoriedade escolar e para a demanda social das famílias por mais educação - foi a Lei de Educação Nacional Nº 26.206, aprovada em 2006. A partir dessa
(Capellacci et al. 2011; Tenti, 2003). No âmbito rural, os primeiros passos foram legislação, amplia-se a obrigatoriedade escolar na sala de aula dos 5 anos até o
realizados por intermédio das escolas agropecuárias que se constituíram na oferta término da escola secundária (LEN, Art.16) e promove-se a reunificação da estrutura
tradicional de nível3. do nível secundário, seja de 5 ou de 6 anos, constituído por dois ciclos: um Ciclo
Na história do nível, vale destacar que, apesar de seu início e expansão Básico, comum a todas as especialidades para os primeiros dois ou três anos e um
precoces, a obrigatoriedade do nível se concretizou mais de um século depois da Ciclo Orientado, diferenciado de acordo com áreas de conhecimento, para os três
aprovação da Lei argentina 1.420. Assim, foi só em 1993, com a Ley Federal de anos (doravante CBS e COS)
Educación [Lei Federal de Educação] 24.195 (doravante LFE) que a extensão da A partir dessa nova obrigatoriedade estabelecida no texto da LEN, a
obrigatoriedade escolar passou de sete a dez anos, incluindo aqui dois anos que educação secundária se transformou em um direito para os jovens adolescentes
antes correspondiam à educação secundária. Como consequência dessa reforma e, simultaneamente, constituiu um desafio para as autoridades nacionais e locais
educativa, estabeleceu-se um período de nove anos, organizado em três ciclos de que todos os jovens possam concluir seus estudos secundários. Nesse contexto, a
três anos cada um, denominado Educación General Básica [Educação Geral Básica] extensão do CBS no âmbito rural como política do Ministério da Educação Nacional
(doravante EGB) e o nível secundário antigo foi reduzido para três anos (Polimodal). aconteceu no Proyecto Horizontes [Projeto Horizontes] que foi desenvolvido desde
No que se refere à alteração estrutural do nível secundário, é importante o ano de 2007, dando continuidade ao Projeto 7. O Horizontes foi uma alternativa
lembrar que a LFE foi a primeira legislação que regulamentou a educação secundária pedagógica elaborada a partir da Modalidade de Educação Rural e contou com
de forma integral (Gallart, 2006) e, paradoxalmente, a dividiu em duas partes, a o financiamento do Proyecto de Mejoramiento de la Educación Rural [Projeto de
EGB3 e o Polimodal. Um dos objetivos da criação do Terceiro Ciclo ou EGB3 (que Melhoramento de Educação Rural] (PROMER), destinado a promover a criação
assumiu os dois primeiros anos da educação secundária antiga) foi o de promover de oferta em áreas rurais isoladas e dar aos jovens residentes neste domínio, as
a democratização do sistema educacional, por meio da construção de um modelo oportunidades para continuar com a escolaridade obrigatória – Pelo menos em parte
pedagógico que pudesse resolver a articulação entre o nível Primário e o Secundário. - em seus locais de residência4. Um eixo central do Horizontes foi a constituição
Essa articulação levou à construção de estratégias educacionais que fortaleceram a

4. O PROMER é um financiamento específico que o Ministério da Educação Nacional estabeleceu para as


3. A educação agropecuária tem um primeiro período de sistematização ao fim do século XIX, quando passa diversas linhas de ação destinadas à ruralidade, por intermédio do Banco Internacional para Reconstrução
a depender do recém-criado Ministerio de Agricultura de la Nación [Ministério da Agricultura da Nação] em e Desenvolvimento (BIRD), sendo a Modalidade de Educação Rural, a encarregada de projetar e executar
1898 e é só em 1967, por meio do decreto 9882/67, que esse passa para a égide do Ministerio de Cultura y as ações - em conjunto com outras unidades do ministério, os diferentes níveis e outras modalidades do
Educación [Ministério da Cultura e da Educação](Plencovich,2013). sistema de educação que foram financiadas com este projeto.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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de salas de aula de várias idades e de mais de um ano de estudo, denominadas a partir da aprovação da LEN8. Dessa maneira, como mostra o Quadro N.°1, a
plurianos5. Essas eram de responsabilidade de uma equipe docente formada por maior parte da oferta em 2006 (81,9%) correspondia a serviços com Ciclos Básicos
um tutor com presença permanente na escola e professores itinerantes para as independentes, enquanto a oferta de escolas secundárias completas (ambos ciclos)
diferentes áreas disciplinares, que podem organizar o seu trabalho de diversas chegava apenas a 14.7%. Pelo contrário, em 2017, esta situação se reverte e 63.6%
formas. dos serviços, isto é, cerca de dois terços da oferta corresponde a escolas completas.
Para resumir, podemos destacar que nos últimos 25 anos, o Ciclo Básico
Secundário consolidou-se nos domínios rurais6. No entanto, os dados do Quadro 1. Unidades de serviços educacionais de Nível Secundário de segundo ciclo.
Levantamento Anual (LA), que se apresentam na seção seguinte, mostram que, Educação comum, gestão estatal, área rural. Anos 2006-2017. Em absolutos e porcentagens.
apesar da consolidação dos primeiros anos da escola secundária, a presença de
Ciclos Básicos Ciclos Orientados Secundária completa
Ciclos Orientados e, com eles, a conclusão dos estudos secundários continua Total
Ano independentes independentes (CBS+COS)
mostrando desafios para a política educacional, especialmente nas zonas rurais
Absolutos % Absolutos % Absolutos % Absolutos %
dispersas.
2006 5331 100,0 4368 81,9 179 3,4 784 14,7

2017 3294 100,0 1126 34,2 74 2,2 2094 63,6


Tendências recentes da oferta e matrícula
Variação % -38,2% -74,2% -58,7% 167,1%
da escola rural
Fonte: elaboração própria sobre a base do LA 2006-2017. DIEE.

De acordo com dados provenientes do LA 2017, existem 3.294 serviços educacionais


com oferta de nível secundário no âmbito rural7. Considerando a distribuição de Além disso, esse processo de transformação na quantidade e tipo de oferta,
acordo com o tipo de ciclo que apresentam estes serviços educacionais, observa-se refletiu-se também na quantidade e tipo de seções existentes nas escolas secundárias
no Quadro 1 que 2.094 dos serviços educativos (63.6%) têm uma oferta completa do âmbito9. Como mostra o Quadro 2, há um forte crescimento na quantidade de
(ambos ciclos), 1.126 (34.2%) oferecem apenas o Ciclo Básico e apenas 74 (2.2%) seções, passando de um total de 14.527, em 2006, para 18.811, em 2017.
dos serviços educativos têm como oferta apenas o Ciclo Orientado.
Também é possível notar que esses valores diferem substancialmente dos
Quadro 2. Distribuição das seções de nível secundário por tipo de seção.
existentes em 2006, onde a oferta era de 5.331 serviços educacionais. Então, essa Educação comum, gestão estatal, área rural. Anos 2006-2017. Em absolutos e porcentagens.
baixa na quantidade de serviços foi acompanhada de uma reconfiguração desses,
Total Seções Independentes Seções Múltiplas Seções Multinível
Ano
Absolutos % Absolutos % Absolutos % Absolutos %

2006 14527 100,0 9151 63,0 1408 9,7 3968 27,3

2017 18811 100,0 14465 76,9 1400 7,4 2946 15,7


5. Essa organização dos alunos que cursam diferentes anos de estudo, reunidos em uma mesma sala de
aula e compartilhando um mesmo docente, implicou em estabelecer as diferenças curriculares por ano Fonte: elaboração própria sobre a base do LA 2006-2017. DIEE
de estudo, favorecer à autonomia dos alunos, incorporar especificidades disciplinares em cada área de
conhecimento (especialmente Ciências Sociais e Ciências Naturais) e facilitar a articulação com o ciclo 8. Cappellacci et al (2011) argumentam que essa diminuição da quantidade de serviços de nível secundário é
orientado de forma a vinculá-lo com o mundo da produção e do trabalho (Zattera, 2009). uma tendência que se expressa na oferta a nível geral e que essa se explica como resultado de um processo
6. Os dados que resultam da comparação dos censos populacionais de 2001 e 2010 mostram um aumento de reestruturação e reordenamento do nível secundário no contexto da transição dos quadros normativos
da população em idade escolar que frequenta à escola secundária. O aumento ocorre tanto entre as faixas criados pela atual Lei de Educação Nacional. Garantindo, dessa maneira, que os estudantes possam fazer
de 12 a 14 anos, como também na de 15 a 17 nesse período, embora estas últimas idades com maior todo o trajeto escolar em um mesmo estabelecimento.
relevância, diminuindo, por sua vez, em cerca de 10 pontos percentuais a taxa de abandono escolar entre os 9. A seção é um grupo escolar organizado, formado por alunos que o cursam, ou diferentes séries ou anos
adolescentes desta idade. (González, Mamanis, Prudant e Scarfó, 2015) de estudos, no mesmo espaço, ao mesmo tempo, e com o mesmo professor ou equipe de docentes. De
7. A consideração do âmbito que define as escolas segue o critério implementado pelo INDEC, o qual acordo com a organização curricular, esses podem ser: a) independentes quando as atividades de ensino
propõe que o domínio rural corresponde às cidades de 2000 habitantes ou menos. Os dados que são correspondem a um único ciclo, série ou estágio, b) múltiplos quando as atividades de ensino podem
exibidos correspondem aos fornecidos pelo Levantamento Anual (LA) para o âmbito rural, considerando a corresponder a vários ciclos e/ou séries/anos diferentes e c) multinível, quando agrupam alunos de dois nível,
educação comum de gestão do estado com a estrutura 6-6. em geral, inicial e primário, mas podem agrupar também primário e parte do secundário. (DINIECE, 2003)
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Esse aumento na quantidade de seções também implicou em um fortalecimento os formatos organizacionais tradicionais e possibilitem adequações às
de um tipo de seção, que é característico do âmbito urbano: das seções necessidades e possibilidades das populações de comunidades dispersas”
independentes sobre as seções múltiplas e de múltiplos níveis, que constituem (CFE, Res.128/10)
organizações escolares características da ruralidade. Embora os dados do LA
2017 mostrem um crescimento importante de seções independentes, a presença
ainda considerável de seções multinível como múltiplos explica-se no que essas Por que pensar outra escola secundária na ruralidade?
respondem à escolaridade, em áreas rurais de população dispersa.
As seções múltiplas (plurianos) constituem a base sobre a qual se desenvolvem Assistimos hoje a um debate crescente sobre a possibilidade de se levar adiante
propostas para a ampliação da oferta tanto do Ciclo Básico quanto do Ciclo Orientado, a inclusão de jovens e adolescentes na educação secundária obrigatória, com um
como se verá mais adiante. Por outro lado, podemos dizer que a diminuição formato escolar que fora pensado com outros objetivos e que tem gerado algumas
das seções multinível (primária + secundária) daria conta de um processo de variantes para produzir condições de retenção, aprendizagens e saída dos alunos
fortalecimento do nível secundário. (Baquero et al., 2012; Montesinos e School, 2013; Perazza, 2010, 2011; Terigi,
Por último, no que se refere à evolução da matrícula no nível, como se vê no 2013). Essas limitantes, em grande parte, obedecem aos aspectos centrais que
Quadro 3, houve um aumento significativo de alunos em termos absolutos, desde estruturaram o modelo tradicional de escola, a saber: a) os currículos, b) a designação
a aprovação da LEN e a criação da modalidade à época, passando de 219.068 em dos professores por especialidade e c) o trabalho dos docentes por horas cátedra.
2006 para 282.933 em 2017, o que representa um aumento de 29.2% em relação A escola secundária com o formato institucional, tal como a conhecemos
ao primeiro valor. hoje, é herdeira dos mandatos que a fundaram, em uma etapa histórica em que
era necessário contar com uma escola que sustentava a circulação de saberes
comuns sob um único formato. A persistência desse modelo, sustenta-se, em
Quadro 3. Matrícula de nível secundário por anos de estudo e ciclos.
Anos de 2006 e 2017. Educação comum e área rural. Em absolutos. grande parte, na ideia de que a uniformidade é garantia de uma educação comum,
onde toda diferenciação é vista como fragmentação e, portanto, como sinônimo de
Evolução
Região 2006 2017 desigualdade (Perazza, 2008; Terigi, 2008; School,de 2016).
Absolutos % A escola rural, ao contrário de seu par urbano, é uma instituição que responde
Total País 219.068 282.933 63.885 29,2 às demandas educacionais de pequenas comunidades, geralmente isoladas, com
população dispersa, caracterizada muitas vezes por um nível socioeconômico baixo
Fonte: elaboração própria sobre a base do LA 2006-2017. DIEE
e, em muitos casos, com problemas de acesso a serviços e infraestrutura básicos,
razão pela qual as políticas para garantir a assistência ou o acesso dos jovens ao
Como síntese desse ponto, podemos antecipar que os dados apresentados nível no âmbito da obrigatoriedade devem começar por reconhecer a complexidade
mostram um processo no qual a expansão da escola secundária rural está replicando, da própria definição de “rural”10. A esse respeito, demos conta em um trabalho
em grande medida, o modelo de organização da escola secundária urbana. Essa anterior (González, et al. 2015) do debate recente em relação às definições restritas
estratégia pode se transformar em uma dificuldade ou limite para a ampliação da ou ampliadas, as quais são utilizados para falar sobre a ruralidade, recuperando
oferta, pois envolve, por um lado, que os alunos viajem ou se mudem para longe dessa a possibilidade de “pensar a ruralidade como um território com pluriatividade
de seu local de residência e, por conseguinte, em alguns casos, desistam dos e em estreita relação com o mundo urbano, buscando assim superar a tradicional
estudos e, por outro lado, que a escola completa pensada no modelo tradicional dicotomia cidade-campo” e, consequentemente, recuperar a dimensão histórica,
não seja possível por razões burocráticas ou operacionais. Perante essa situação, política, social, cultural, econômica e ambiental, além de dar visibilidade a
torna-se necessário recuperar as diretrizes, que, desde as políticas nacionais para heterogeneidade dos territórios rurais nos quais se localizam as escolas que dão
a modalidade, foram reunidas em resoluções do Conselho Federal de Educação resposta à demanda educacional das populações que os habitam.
argentino, que expressam:

“A ruralidade exige alternativas que permitam contextualizar as linhas 10. O próprio interior do ámbito rural a nivel nacional, quando se trata de rural aglomerado aglomerado
nacionais para a educação secundária, a partir de propostas que desafiem (16,4%) ou rural disperso (27,00%) (González et al. 2015)
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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Nesse sentido, sobre a base do último Levantamento de Escolas Rurais, inicial e primário, mas também pode ocorrer que participem alunos do ensino pré-
realizado entre os anos de 2006-2009, podemos dizer que as escolas rurais se escolar com os da escola secundária. A existência deste tipo de seções requer uma
caracterizam por situações de isolamento, acessibilidade e a taxa baixa de matrícula11. organização diferente daquela do próprio interior do âmbito rural a nível nacional,
O isolamento é um aspecto distintivo das escolas rurais produzido, entre outros que se trata de um aglomerado rural (16,4%) ou rural disperso (27,00%) (González
motivos, pelas distâncias que as separam dos principais centros urbanos e as et al. 2015), planta orgânica funcional (POF) e dos tipos de cargos docentes, como
dificuldades de acessibilidade. Esse isolamento é um condicionante importante da se verá a seguir, ao descrever a experiência desenvolvida na província de Salta.
escolaridade no âmbito rural. A proximidade a núcleos mais povoados oferece a
possibilidade para as escolas de estar mais vinculadas, socializar experiências entre
docentes e alunos, ter acesso a redes de comunicação, ao mesmo tempo em que Iniciativas para garantir a educação secundária
permite um melhor acesso ao sistema de saúde e vários serviços. completa: escolas multiseriadas e itinerância docente
Levando em conta as características em relação à localização das escolas rurais intensiva na província de Salta
(área de influência-proximidade às localidades), a acessibilidade a essas ganha
relevância enquanto confere (ou não) a possibilidade dos alunos assistirem as aulas Salta é uma província da Argentina, localizada na região norte do país. Como o resto
nas melhores condições - de tempo e modo - para suas escolas. A acessibilidade das jurisdições, essa teve de adequar sua legislação, razão pela qual, em 2008,
também é diretamente vinculada à disponibilidade dos meios de transportes utilizados aprovou a Lei de Educação N° 7.546 que reconheceu a educação rural como uma
por alunos e professores, tanto para se deslocar ao estabelecimento, como também modalidade de seu sistema (art. 55). Dois anos depois, em 2010, realizou-se um
para ter acesso a diversos serviços que a localidade mais próxima da escola oferece. estudo diagnóstico da realidade escolar, o que lhe permitiu, a partir do ano de 2011,
Além dos fatores mencionados até aqui, outro aspecto relevante da educação desenvolver fortemente a educação secundária em áreas rurais de seu território13.
rural é a taxa baixa de matrícula, característica que se manteve ao longo da história O estudo mostrou que, nessa jurisdição, existiam escolas primárias inseridas
como garantia do direito à educação das populações isoladas. De acordo com dados na ruralidade e, consequentemente, havia jovens escolarizados até o terceiro ciclo,
do LA 2017, 33,16% dos serviços educacionais com oferta do nível não âmbito rural os quais haviam cursado o oitavo e o nono ano anterior do EGB, mas cujas trajetórias
têm uma taxa de matrícula de 1 a 24 estudantes. Se a esta faixa são adicionados os haviam sido “truncadas” no nono ano. Por outro lado, o relatório evidenciou que a
serviços educacionais, com matrícula entre 25 a 50 alunos, esse percentual sobe oferta secundária existente até então estava em algum conglomerado urbano ou
para 50,64 %, ou seja, pouco mais da metade da oferta da escola secundária na suburbano, não havendo escolas na chamada “verdadeira ruralidade”, presente
ruralidade têm uma taxa de inscrição de 50 ou menos alunos, enquanto apenas nas diferentes áreas da província. Atentos a essa diversidade de situações, tanto
27,15% da oferta é constituída por escolas com uma matrícula de mais de 100 alunos. geográficas como sociais, os referentes provinciais envolvidos concluíram que o
Essa situação requer uma organização dos alunos, diferente do que acontece modelo institucional clássico da escola secundária (planta funcional completa e
nas escolas urbanas. Enquanto a escola urbana organiza os alunos, de preferência organização em seções separadas) era difícil, senão impossível, de implementar
em seções independentes, nas quais as atividades de ensino correspondem a um em zonas rurais de difícil acessibilidade e população escassa, as quais careciam
único ciclo, série ou ano, nas escolas rurais, também existem seções múltiplas e/ou de oferta próxima e, portanto, era necessário pensar em modelos alternativos,
multinível. As seções múltiplas ou plurianos requerem uma proposta pedagógica de conforme o contexto.
acordo com uma atividade de ensino que reúne em um mesmo espaço vários anos
de escola secundária, para o qual muitas vezes os professores não estão formados12.
Por outro lado, as seções multinível reúnem alunos de dois níveis distintos, em geral, Em que consiste o modelo?

O modelo implica instituições localizadas em áreas geograficamente dispersas


11. O objetivo geral do Levantamento de Escolas Rurais (LER) foi obter informações sobre todas as escolas
de população escassa, razão pela qual contam com uma matrícula condicionada.
rurais do país, bem como propor procedimentos e metodologias para a coleta, processamento, análise e
comunicação de informações do setor educacional e de seu contexto.
12. Um desenvolvimento sobre este assunto pode ser consultado em “Repensar en enseñanza en la escuela
primaria Rural. La implementación del Pos-título de Especialización en Educación Rural en la provincia 13. Plan Estratégico de Desarrollo Educativo de Nivel Medio de la Provincia de Salta [Plano Estratégico de
de Santiago del Estero “ [Repensar o ensino na escola primária Rural. A implantação do Pós-título de Desenvolvimento Educacional de Nível Médio da Província de Salta]. Ministério da Educação e Ciência de
Especialização na Educação Rural na província de Santiago del Estero (Prudant, Scarfó e Visintín, 2015). Salta.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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A OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO SECUNDÁRIA NA MODALIDADE
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Trata-se de unidades de ensino em zonas que constituem uma “única escola” e Aprendizagens que mostram o modelo
contam com um grupo de docentes que realizam itinerâncias intensivas, rodando
por grupo de escolas (aulas), localizados em diferentes sítios em circuitos Antes da instalação deste modelo de organização de escola secundária em sítios
convencionados, entre 15 a 30 dias em cada uma delas. isolados, a jurisdição tentadas outras alternativas que não tiveram sucesso, como é
A particularidade que esse modelo institucional apresenta na província e que o caso dos transportes escolares, como parte do sistema educacional que não teve
o diferencia de experiências semelhantes em outras jurisdições, é o fato de que continuidade, por questões organizacionais e contextuais que tornavam difícil a sua
o “colégio” é composto por três ou mais salas de aula localizadas em lugares implementação.
geograficamente distantes, mas que têm um mesmo CUE (Código Único de Neste sentido, esta iniciativa permitiu não só ampliar a oferta da escola
Estabelecimento), ou seja, trata-se de uma organização horizontal e não hierárquica, secundária completa em lugares nos quais não existia anteriormente, mas, além
uma vez que as aulas não constituem anexos da escola “sede”. disso, permitiu a finalização dos estudos de alunos que haviam cursado até o
Sob este modelo de funcionamento, os professores organizam as aulas em terceiro ciclo do EGB anterior, como também uma maior assistência de seus alunos
blocos temáticos e sequências para que, no prazo intensivo, possa se realizar as que vivem a uma distância mais curta da escola ou vão para a mesma escola na qual
classes correspondentes a 3 ou 4 matérias em cada localidade, favorecendo para cursaram seus estudos primários. Por outro lado, a itinerância intensiva assegura
que os docentes fiquem hospedados na zona rural durante a ministração de aulas, o aos professores um “pacote de horas”, o que resulta em uma presença maior de
que permite que eles desenvolvam uma quantidade de aulas equivalente à metade professores na escola e garante a mesma quantidade de horas para as disciplinas
do trimestre em um período de 15 a 30 dias. Normalmente os circuitos de itinerância curriculares.
são compostos por mais de um professor, o que sempre resulta na presença de Em relação aos desafios, os referentes provinciais apontam principalmente
um docente do nível na escola. Em alguns casos, soma-se pessoal administrativo aqueles relacionados com a articulação14 entre os níveis (primário/secundário),
nesses circuitos. que fazem, muitas vezes, a sua implementação ser complexa, como resultado
Um exemplo de organização das aulas sob este tipo de modalidade de de dinâmicas de funcionamento institucionais diferentes. As escolas secundárias
itinerância é o que se detalha no quadro seguinte, que dá conta da organização na funcionam nas escolas primárias da área e o uso dos espaços comuns é objeto
ministração das disciplinas curriculares em função da carga horária e do regime de em ocasiões de conflito, resultantes de preconceitos e/ou disputas de poder. Uma
realização dessa. maneira de resolver essa questão é o uso diferencial (horários diferentes) das
instalações, sejam esses as salas de aula ou sanitários em especial, além do trabalho
no segundo turno da escola (geralmente à tarde), ainda que esse nem sempre seja
Quadro comparativo da organização do tempo de classes entre o modelo comum possível, devido às distâncias que os alunos devem realizar para chegar à escola.
e o regime de itinerância intensiva.
Outro aspecto sobre o qual se continua a trabalhar, é o tema da modalidade
de trabalho dos professores das disciplinas curriculares nos regimes de itinerância
Horas Horas Horas por Horas
semanais Semana/mês trimestre anuais intensiva e pluricurso. Essa modalidade de trabalho implica uma mudança,
especialmente vinculada com as planificações das aulas e trabalho com grupos
Língua 5 20 60 180 heterogêneos (didática pluricurso), para os quais os professores têm pouca ou
Regime comum 5 20 60 180 nenhuma preparação em sua formação docente inicial. Essa dificuldade exigiu um
trabalho prévio entre os referentes provinciais da modalidade e equipes técnicas
15 hs semanais 30 hs cada vez com os professores, no momento da realização dos chamados para a cobertura das
x 2 semanas que passa um
3 hs X 5 días horas cátedra.
= 30 hs docente por um
Regime = 15 hs 180 hs
intensivas cada sítio x 2 visitas
Intensivo intensivas por ano
vez que um por trimestre
por semana
docente passa = 60 hs 14. O uso da expressão “articulação”, usada de maneira constante pelos diferentes atores, remete
por um sítio por trimestre fundamentalmente às questões de índole organizacional, focadas em alcançar acordos de convivência que
tornem menos conflitante o uso dos espaços comuns, e não ao processo de passagem ou de transição dos
alunos de um nível para outro, o que costuma ser acompanhado com uma série de dispositivos pedagógicos
Elaboração própria com base nos dados fornecidos pelos referentes provinciais da modalidade rural
que garantam a continuidade e trajetórias dos estudantes (Dez, Montesinos e Paoletta, 2018; Terigi, 2017).
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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Em síntese, as escolas com pluricurso e itinerância intensiva de seus docentes Referências bibliográficas
constituem uma iniciativa que conseguiu ampliar a oferta do nível de forma completa
em áreas isoladas da província nas quais a escola “tradicional” é de difícil, senão
Baquero, R., Terigi, F., Toscano, A., Briscioli, B., Sburlatti, S. (2012). La obligatoriedad
impossível, implantação. Como toda iniciativa que se afasta do “formato” tradicional, de la escuela secundaria. Variaciones en los regímenes académicos, en Espacios en
essa requer um trabalho não só no que diz respeito às normas e definições Blanco, Revista de Educación Nº 22. Universidad Nacional del Centro de la Provincia
curriculares, mas também sobre as representações que professores, gestores e de Buenos Aires. Junio de 2012, 77-112.
famílias têm sobre a escola secundária. Requer, por parte das equipes técnicas Capellacci, I., Bottinelli, L., Ginochio, V. y Lara, L. (2011). Diversidad de la oferta
nacionais e provinciais, trabalho amplo no terreno para acompanhar os professores del nivel Secundario y desigualdad educativa. Serie de estudios sobre el nivel
e diretores, tanto em questões de natureza pedagógica (didática do pluricurso) como Secundario. Nros 4 y 5. Ministerio de Educación de la Nación, DINIECE.
de assuntos burocráticos da gestão escolar cotidiana, resultante da convivência de Diez, C.; Montesinos, M.P. y Paoletta, H. (2018) La “relación entre niveles educativos”
docentes com tradições formativas e lógicas disciplinares diferentes. en el marco de la obligatoriedad escolar: tensiones y complejidades entre las
iniciativas estatales y las tramas locales. Ponencia presentada al IV Seminario taller
red de Investigación en Antropología y Educación (RIAE). Córdoba, Argentina.
Palavras finais DINIECE (2003). Definiciones básicas para la producción de estadísticas educativas.
Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología.
As escolas rurais, como expressão física, organizacional e administrativa do Sistema Gallart, M. A. (2006) La construcción social de la escuela media. Una
Educacional Argentino estão sujeitas às mesmas regras e princípios que regem aproximación institucional. Buenos Aires: La Crujía.
a política educacional no seu conjunto e, por conseguinte, partilham diretrizes e Golzman, G. y Jacinto, C. (2006). El Programa Tercer Ciclo en Escuelas Rurales.
normas com o resto das escolas que organizam o cotidiano escolar15, no entanto, é Una estrategia para extender la escolaridad en la educación básica argentina, en
a partir do reconhecimento de suas particularidades que é possível abordar modelos Caillods, Françoise y Jacinto Claudia. Mejorar la equidad en la educación básica.
institucionais e propostas pedagógicas, os quais permitem ampliar a obrigatoriedade Lecciones de programas recientes en América Latina, IIEP- UNESCO.
do nível. Gonzalez, D.; Mamanis, S.; Prudant, E. y Scarfó, G. (2015) Panorama de la educación
As formas diversas de organização institucional que podemos encontrar em rural en Argentina. Temas de Educación / Boletín N° 12 / octubre. Área de Investigación
diferentes zonas rurais, como a descrita neste documento, procuram dar respostas y Evaluación de Programas. Dirección Nacional de información y Evaluación de la
Calidad Educativa (DINIECE) Subsecretaría de Planeamiento Educativo. Secretaría
às necessidades e demandas locais, uma vez que colocam em questão o modelo
de Educación. Ministerio de Educación de la Nación.
institucional “tradicional” e o seu modelo correlativo ou “saber” pedagógico por
Montesinos, M. P., y Schoo, S. (2013). Procesos de mediación en la implementación
“definição”. Esse baseia o seu funcionamento na sala de aula padrão de ensino
de políticas educativas en un contexto federal. Un estudio de caso: el Plan de Mejora
gradual e simultâneo, o qual com o tempo estendeu-se progressivamente para as
Institucional. Documentos de la DiNIECE. Serie La Educación en Debate, (13).
zonas rurais, de tal maneira que conseguiu se constituir na organização da escola
Perazza, R. (2008). Pensar en lo público. Notas sobre la educación y el Estado.
“autêntica” e que apresenta problemas e/ou deficiências, quando se tenta estender
Buenos Aires.
a contextos que não respondem às funções para as quais foi concebido e, portanto,
Perazza, R. (2010). Notas sobre las políticas educativas y las reformas educativas.
impõe dificuldades para o trânsito de adolescentes e jovens para a educação
VI Jornadas de Sociología de la UNLP. Universidad Nacional de La Plata. Facultad
secundária (Baquero, 2012, Terigi, 2013, 2017)
de Humanidades y Ciencias de la Educación. Departamento de Sociología, La Plata,
Argentina
Plencovich, M. C. (2013) La deriva de la educación agropecuaria en el sistema
educativo argentino. (Tesis de doctorado) Programa interuniversitario de doctorado
en educación (PIDE) Universidad de Tres de febrero y Universidad de Lanús.
Prudant, E.; Scarfó, G. y Visintín, M. (2015). Repensar la enseñanza en la escuela
15. A noção de cotidiano remete à “esse tempo-espaço presente, próprio das tramas construídas entre
primaria rural. La implementación del Postítulo de Especialización en Educación
pessoas que ao se encontrarem, umas com as outras, criam um espaço comum; ou o fato de que, em Rural en la provincia de Santiago del Estero. Serie la Educación en Debate.Nº17.
qualquer momento histórico, encontram-se as impressões de fatos anteriores” (Rockwell,2018:27). Ministerio de Educación de la Nación. Área de Investigación y Evaluación de
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
64 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
A OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO SECUNDÁRIA NA MODALIDADE
DE EDUCAÇÃO RURAL: TENDÊNCIAS E DESAFIOS NA ARGENTINA
65

Programas. Dirección Nacional de información y Evaluación de la Calidad Educativa Decretos estaduais


(DINIECE)
Decreto 969/2013 Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología de la Provincia
Rockwell, E. (2018) Temporalidad y cotidianeidad en las culturas escolares. de Salta Decreto 1131/2013 Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología de la
Cuadernos de antropología social, (47), 21-32. Provincia de Salta
Schoo, S. (2016) Sobre la selectividad de la educación secundaria en Argentina.
Análisis histórico sobre el régimen de evaluación y promoción. Serie Apuntes de
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Nacional de Información y Estadística Educativa. Anuarios estadísticos de la Dirección Información y Estadística Educativa (DIEE)
2006 y -2017. Ministerio de Educación de la Nación. Buenos Aires, Argentina.
Serra, J. C. y Gruschetsky, M. (2003). Estado del Arte sobre la implementación del
Tercer Ciclo de la Educación General Básica. Ministerio de Educación, Ciencia y Relevamiento de Escuela Rurales (2013) Informe técnico. Ministerio de Educación
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Tenti, E. (2003) (Comp.) Educación media para todos. Los desafíos de la


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Documentos legais e fontes de informação

Leis nacionais e estaduais


Ley de Educación Común N° 1.420 julio de 1884 Ley Federal de Educación N°
24.195 abril de 1993
Ley de Educación Nacional N° 26.206 diciembre de 2006
Ley de Educación de la Provincia de Salta N° 7546 de diciembre de 2008

Resoluções do Conselho Federal de Educação


Resolución CFE N° 86/09 Institucionalidad y Fortalecimiento de la Educación
Secundaria Obligatoria. Resolución CFE N° 93/09 Orientaciones para la Organización
Pedagógica e Institucional de la Educación Secundaria Obligatoria.
Resolución CFE N° 103/10 Propuestas para la Inclusión y/o Regularización de las
Trayectorias Escolares en la Educación Secundaria.
Resolución CFE N° 128/10 La Educación Rural en el sistema Educativo Nacional.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
DESAFIOS E AVANÇOS DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NO AMAZONAS
67

Desafios e avanços da
educação escolar indígena
no Amazonas
Emilson Frota de Lima1 e José Mario dos santos Ferreira 2

Resumo

Neste artigo serão abordadas as mais diversas situações da Educação Escolar


indígena do Estado Amazonas no atual contexto sócio econômico cultural e político,
com temas necessários para a sua compreensão da temática em pauta: o que
dificulta a implantação e a implementação da Educação Escolar Indígena no Estado
do Amazonas. Nossas informações são respaldadas e pautadas nas contribuições
de CEEI/AM, RCNEI (2005), LDB/MEC, Resoluções do CNE/MEC, IBGE, FUNAI e
SEDUC/AM.

Introdução

A população indígena Brasileira é estimada aproximadamente em mais de 900 mil


indígenas (IBGE, 2010) e de 305 povos e 274 línguas e idiomas. Representam uma
parcela ínfima, comparada com a população do país, hoje em torno de mais de 210
milhões de habitantes. Os povos indígenas estão presentes em todas as regiões
do Brasil, sendo que a região Norte concentra o maior número de índios, segundo
a Fundação Nacional do Índio - FUNAI são 305.873 mil índios, sendo 37,4% do
total de indígenas por região. E no Amazonas segundo o IBGE existem 168.680
Indigenas, perfazendo um percentual de 11% do total da população do amazonas e
6 % da população total autodeclarada indígena do Brasil.
FOTO: SAMARA NUNES

1. Indigena Munduruku – é aluno do curso de Mestrado em Antropologia social pela UFAM,


e-mail: emilsonfrota@gmail.com.
2. Indigena Mura – é aluno do curso de Mestrado em Antropologia Social pela UFAM,
e-mail: zemariomura@gmail.com
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
68 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
DESAFIOS E AVANÇOS DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NO AMAZONAS
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Somando mais de 500 anos de contato com os não Indigenas, e a partir de apenas vitórias, pois, no decorrer das muitas transformações ocorridas, aconteceram
muitas lutas e mobilizações em conjunto com parceiros e pessoas e instituições não retrocessos e desgastes que se fizeram presentes nesses anos difíceis de história.
governamentais, os povos indígenas ainda persistem no Brasil, apesar do grande Assim, com esse material pretende-se contribuir com o debate no caso aqui do
esforço do governo federal em dizimar e ou aculturar esses povos estes conseguiram estado do amazonas e no debate nacional, apontando elementos que contribuíram
se fazer respeitar incluindo na constituição federal os artigos referentes a educação e/ou prejudicaram o processo de consolidação da política de educação escolar
escolar indígena a seguir: indígena no Brasil.
Sabemos que a educação escolar indígena tem que estar de acordo com a
l  rtigo 210 - Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental,
A Lei de Diretrizes e Bases a LDB que diz: O Sistema de Ensino da União, com a
de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios,
culturais e artísticos, nacionais e regionais. 2. O ensino fundamental desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação
regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:
indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem. I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de
suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a
l  rtigo 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
A valorização de suas línguas e ciências;
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações,
fazer respeitar todos os seus bens (Brasil, 2001, p. 207). A partir desses conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais
dispositivos legais constantes na carta magna criou-se o marco legal na sociedades indígenas e não-índias.
história da Educação Escolar
Mas, na prática isso vem acontecendo muito lentamente, mudar a escola
No Brasil encontram-se uma grande diversidade étnica, social e cultural. Essa significa alterar alguns de seus parâmetros de funcionamento: o currículo (o que
pluralidade, no entanto, nem sempre foi reconhecida social e legalmente e, muito aprender), a forma de agrupar os alunos (por idade ou outro critério), o critério de
menos, problematizada do ponto de vista educacional. As políticas educacionais agrupamento (por interesses, séries ou outro critério), a didática (ensino individual,
dominantes até a década dos anos 1980, conceberam os indígenas como presencial, à distância, via computador, mediada pelo professor etc.) e as formas de
incapacitados (tutelados) ou como objeto de catequese e de instrução e com o viés avaliação. Qualquer dessas mudanças envolve rupturas radicais na estrutura escolar
integracionista. Esse quadro foi mudando lentamente desde a década dos anos 1980, e no sistema de poder – e por isso é tão difícil mudar a escola Indígena, os governos
quando os movimentos e organizações sociais ganham visibilidade, denunciando não investem e não tem o interesse nessa mudança, pois de certa forma trazem
relações de dominação, formulando propostas alternativas e assumindo identidades autonomia as populações indígenas pelo menos na área educacional.
que foram negadas historicamente, estas postas na constituição Federal de 1988
mais precisamente nos artigos 231 e 232, vale ressaltar que as populações indígenas
estão inclusas em todos os outros artigos da carta magna, pois, fazem parte do O que podemos fazer hoje?
contingente nacional em todos os contextos, social, político, cultural e econômico.
É nesse contexto que as políticas de ações afirmativas ganham formulações mais Hoje dispomos de evidências, conhecimentos e instrumentos que permitiriam
objetivas, com destaque especial para as proposições relativas aos indígenas. A efetuar mudanças radicais na estrutura da escola Indígena e torná-la muito mais
educação escolar indígena, fruto de muita organização e luta dos povos indígenas interessante, eficaz e eficiente. Experimentos em maior ou menor escala já
e dos movimentos sociais indígenas e indigenistas, foi construída em um processo comprovaram a viabilidade de alterar todos os parâmetros acima – e, em tese, tudo
de diálogos com bastante dificuldade, que envolveu a população indígena brasileira, pode funcionar bem.vale lembrar que contamos com grandes parceiros apoiadores e
os movimentos sociais, as instituições de ensino, além da participação efetiva dos entusiastas da educação escolar no Brasil, e estes tem se colocado à disposição do
intelectuais e pesquisadores dessa temática. Foram mais de 30 anos lutas e de movimento indigena nas grandes discussões frente a temática indígena, como é o
conquistas que se efetivaram na organização de todos os envolvidos, mas não foram caso por exemplo dos pensadores da educação escolar indígena dentro do ministério
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
DESAFIOS E AVANÇOS DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NO AMAZONAS
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da Educação na SECADI que promovem eventos tipo a Conferencia Nacional de a criação de uma secretaria estadual de educação escolar indígena e o
Educação – CONEEI e articulam junto aos estados e municípios a implantação de sistema estadual de educação escolar indigena que obrigara o sistema a
licenciaturas indígenas na plataforma PROLIND, mais apesar de todo esse apoio criar o Plano Estadual de educação escolar indígena, tendo como norte,
e amparos na legislação vigente fica os seguintes questionamentos: Onde estão suas metas e objetivos claros e objetivos de como funcionar de fato e de
os desafios? Onde se estão os entraves? Onde encontramos os avanços? e os direito a educação escolar para os povos indígenas do Amazonas.
resultados?

Entraves
Desafios
Os entraves estão exatamente onde nós procuramos a solução dos problemas, nos
Temos muitos desafios, mais talvez o maior deles seja a aplicação na integra dos poderes constituídos:
recursos financeiros destinados as secretarias municipais e estadual para aplicação No Executivo, a falta de investimento na formação dos professores indígenas
na educação escolar Indígena, as ações não chegam na escolas, pois, o recurso fica é um exemplo emblemático, desde a década dos anos 1990 o governo estadual
pelo caminho, outro fator crucial é a falta de fiscalização na execução dos recursos desenvolve muito lentamente a formação destes profissionais, é tão verdade que
financeiros, existem instâncias de fiscalização (Conselho do FUNDEB, CAE, CME), até hoje ano 2018, não foram formados todos os professores atuantes nas escolas
mas estas ou sem funcionalidade ou corrompidas pela máquina pública, deixam indígenas “em magistério” que é o básico, muito menos em nível superior. Temos
a mercê da sorte as escolas que tanto necessitam destes recursos, outro desafio ainda a falta de construção das escolas Indígenas e quando são construídas seus
é levar o MPF e outras instancias de fiscalização in loco para verificação da real padrões totalmente fora dos padrões culturais e arquitetônicos do povo contemplado
situação das escolas indígenas e assim recomendar aos responsáveis pela educação e muito menos seu projeto arquitetônico discutido com a comunidade, parâmetro
a aplicação correta dos recursos financeiros e outras ações a serem implantadas nas estabelecido por lei. Outro fator crucial para a implantação e Implementação de
escolas indígenas assim como a aplicação da legislação vigente, Também temos uma educação Escolar Indígenas de fato e de direito é a construção do PPP Projeto
como desafio a inserção de indígenas no nível superior e na pós graduação Latu e Político Pedagógico das Escolas indígenas, acompanhado de um programa estadual
stricto sensu nas universidades do Amazonas e principalmente sua permanência na de construção, elaboração e impressão de material didático especifico de cada povo,
capital, podemos elencar outros desafio tipo: o bilinguismo e o multilinguismo não são levados a sério pelos governos, ficando em
último plano pelas as secretarias (Federal, estaduais e municipais) causando assim o
l a criação da secretaria nacional de educação escolar indígena, pois, a esquecimento e a extinção de muitas línguas, essas patrimônio Nacional, as escolas
mesma concentraria as demandas de toda a educação escolar indigena indígenas não tem acompanhamento pedagógico, técnico e administrativo e ainda
brasileira que estão pulverizadas nas secretarias do MEC e fazem com que, sofrem o preconceito até pelos dirigentes dos municípios, onde estão localizadas por
os recursos quando chegam, cheguem ou fora dos prazos ou defasados serem diferenciadas, não obstante, os entraves também se dão frente a merenda
pelo tempo que levam para alcançar a ponta ou seja o foco principal da escolar de baixa qualidade e até a ausência da mesma tornando a vida dos alunos
atividade; mais difíceis, pois, grande parte de seu dia é na sala de aula tornando o índice
de desenvolvimento educacional baixíssimo na escola indígena, pois, a alimentação
l  m fator que também preocupa bastante e talvez resolva grande parte
U precária e o longo espaço entre a sua casa e a escola torna mais crítica a situação,
dos anseios da populações indígenas no Brasil e aqui no caso o Amazonas sem contar o péssimo ou nenhum transporte escolar para deslocamento dos alunos
estaria contemplado é a criação, aplicação e a consolidação do Sistema e quando na falta deste, torna-se inviável a presença dos alunos na Escola. Outros
Nacional de Educação Escolar Indígena, pois, muitos ações a serem entraves, são talvez muito mais graves, pois os professores conhecem a educação
executadas nas escolas indígenas esbarram na legislação Nacional que se escolar indígena, mas não aceitam trabalhar de acordo com a mesma, pois, a maioria
impõe frente a educação diferenciada nas comunidades indígenas; dos professores tem formação em disciplinas distintas, e estes não aceitam o trabalho
via pesquisa ou trabalhar a cultura e os costumes de maneira diferenciada.
l  por tabela nos estados da federação criação das instancias responsáveis
E Conforme preconiza o RCNEI (2005, p. 24), a Educação Escolar Indígena, para
pela execução da educação escolar indigena, no caso do amazonas, se consolidar como tal, ela precisa estar sobre os seguintes alicerces:
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
72 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
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DESAFIOS E AVANÇOS DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NO AMAZONAS
73

l  er comunitária, intercultural, bilíngue/multilíngue, específica e diferenciada


S Essas lideranças não entendem que sem a educação escolar indígena as
e de qualidade. Comunitária, porque a comunidade indígena é que deve comunidade indígenas estão fadadas ao esquecimento de suas raízes culturais,
decidir sobre o que será ensinado, qual a melhor forma de ensinar, e por a educação não-indígena, ou, tradicional do não índio é aquela educação escolar
que os professores indígenas devem ensinar, e protagonisador do ensino, implantada nas comunidades indígenas desde os jesuítas tendo como objetivo
em qual período será melhor para os professores indígenas ensinarem integrar os povos Indigenas aos costumes dos europeus colonizadores. Esse tipo
entre outros questionamentos, fazendo com que os professores Indigenas de educação busca a apagar nossa memorias históricas nosso conhecimentos
busquem a autonomia sobre o processo e a ação educacional na qual a tradicionais e nosso costumes.
comunidade está inserida e é submetida; No Legislativo, a educação escolar indigena tem enfrentado oposição na
execução e na implantação da mesma, na execução os políticos tem desafiado a
l  er Intercultural para que o aluno indígena tenha no processo escolar,
S legislação vigente quando não respeitam a indicação da comunidade na indicação
a instrução correta de como se comportar nos dois universos culturais: da gestão das escolas e pior na indicação de professores não indígenas que não
o universo indígena e o universo não-indígena; o aluno indigena precisa tem formação e nenhum conhecimento sobre educação escolar indígena, isso tem
construir sua realidade indigena e sua identidade étnica ao mesmo trazido prejuízos incalculáveis as comunidades indígenas, pois, está sendo aplicado
tempo aprender e compreender o diálogo com as outras culturas da conteúdos que fogem da realidade indigena, fazendo com os jovens Indigenas
sociedade envolvente que giram ao seu entorno, sem esquecer e sem se desvalorizem as questões indígenas e dando mais valor as coisas externas dando
desprender de suas raízes culturais e sua ancestralidades. Para que isso continuidade a colonização que nunca deixou de existir no Brasil, também a falta de
aconteça, no currículo escolar das escolas indígenas, deve estar previsto discussão frente aos planos de cargos e carreira dos professores indígenas e ainda
a interculturalidade na pratica de sala de aula, deve conter a diversidade a aprovação da categoria escola e professor Indigenas tornando difícil a aplicação de
cultural, tendo como referência as diferenças sócio-econômicas-culturais concurso público diferenciado aja vista não ter a categoria no município.
e principalmente as questões que envolvem a preservação da língua e a E no Judiciário, a situação talvez seja mais grave, sendo que essa esfera
história de cada povo. é responsável em punir os infratores da Lei, temos ai a indicação de prefeitos e
secretários que não dão importância ao que a lei preconiza frente as leis da educação
“A linguagem é, quase sempre, o meio mais importante através do qual os escolar indígena no caso desvio de recurso financeiro da merenda escolar, do
povos constroem, modificam e transmitem suas culturas. É por meio do transporte escolar, a falta de construção das escolas indígenas e também a reforma
uso da linguagem que a maneira de viver de uma sociedade é expressa e de escolas Indigenas que se encontram em situação precária e que na maioria das
passa, constantemente reavaliada, de uma geração para outra. Os modos vezes colocam em perigo a vida dos alunos, existe situações em que a lei obriga os
específicos de usar a linguagem são, por isso, como documentos de gestores municipais a realizarem ações mais essas indicações e ou punições são
identidade de um povo num determinado momento de sua história” (Rcnei, ignoradas pelos mesmos, ou seja, existe muita lei, mais não são aplicadas, portanto,
2005, p.113). existe um problema sério nessa esfera, ainda no judiciário, o MPF tem contribuído
bastante na fiscalização e recomendações aos municípios e na Secretaria de Estado
Outro entrave encontrado é que, muitas lideranças das comunidades acham que – SEDUC, os gestores algumas vezes levam a sério as recomendações do MPF,
a educação escolar indígena é um retrocesso e não querem que seus filhos estudem mais ainda é muito tímida a participação do Ministério Público, pois, agem se
na língua indígena, eles querem aprender as coisas dos não índio e acreditam que acionados, sendo que muitos povos Indigenas estão sofrendo com o descaso na
a questão indígena é um retrocesso. As escolas indígenas têm gestores próprios e Educação escolar Indígena nos Municípios do Amazonas.
todos os professores são indígenas. Porém, grande parte dos professores não dão
a devida importância para a aplicação da educação escolar indígena nas escolas
e isso tem dificultado o avanço da política de educação diferenciada, que objetiva Avanços
a valorização dos conhecimentos tradicionais com objetivo de fazer com que os
alunos indígenas aprendam e valorizem os conhecimentos científicos técnicos Assim como os entraves e os desafios, temos também muitos avanços, muitos
da comunidade indígena e da sociedade envolvente, fortalecendo sua identidade deles pontuais, como é o caso da formação de professores, que muito lentamente
cultural, sua identidade étnica e a realidade local. já formou alguma turmas, a construção de algumas escolas, e a construção e
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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DESAFIOS E AVANÇOS DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NO AMAZONAS
75

impressão de alguns materiais didáticos elaborados nos cursos de formação de somados e absorvidos por instituições que necessitam de mais informações sobre
professores indígenas do PIRAYAWARA, também a contratação de professores a real situação da Educação Escolar indígena em todo Estado do Amazonas, pois,
Indigenas nas coordenações dos setores indígenas nas secretarias municipais os problemas nos 62 municípios do amazonas ou são os mesmos elencados no
do amazonas, a inserção de representantes Indigenas nos conselhos municipais texto ou são piores, o processo da implantação da educação escolar indígena é
de educação, a abertura de novas turmas de formação de professores em treze novo e requer uma atenção especial dos ordenadores do nosso estado, o financeiro
municípios, a parceria na construção de escolas no alto rio negro do Ministério da não é problema, pois o amazonas é o quarto maior arrecadador de impostos do
educação MEC por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – Brasil, mas a má aplicação dos mesmos deixa a desejar quando se trata dos povos
FNDE e acreditamos que um dos maiores avanços da educação escolar no amazonas Indigenas amazonenses, temos muito que avançar mais pra isso temos que investir
fora a criação do Conselho Estadual de Educação Escolar indígena do Amazonas - em qualidade da educação em todo o estado e não só nas cidades mais próximas da
CEEI/AM, e mesmo com dificuldade na sua manutenção, mas que talvez seja hoje a capital, nosso estado é um continente inexplorado em muitos lugares pelos órgão
única instâncias de fiscalização da educação escolar indígena do Estado Amazonas de fiscalização competentes, acreditamos que num futuro bem próximo teremos
que esteja funcionando de fato e de direito, não podemos esquecer que temos nossos sonhos realizados frente a uma Educação Escolar Indigena que proporcionar
na estrutura da SEDUC/AM a Gerencia de Educação Escolar Indígena GEEI/AM, aos índios e suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas;
que trata das políticas educacionais para a educação escolar indígenas, também a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;
com suas limitações orçamentárias e financeiras, também tivemos a abertura e garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações,
das cotas na Universidade Estadual do Amazonas UEA que já formou centenas conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades
de Indigenas em vários cursos, outro avanço importante também foi a inclusão de indígenas e não-índias isso é o que vislumbramos.
alunos indígenas graduados no mestrado na Universidade Federal do Amazonas -
UFAM, pois, espera-se que estes sejam absorvidos quando da necessidade pelas
universidades ou na atuação de cursos. Referências bibliográficas

RCNEI – Referencial Curricular Nacional da Educação Escolar Indigena;


Conclusão MEC – Ministério da Educação;
CEEI/AM – Conselho Estadual de Educação Escolar Indigena do Amazonas;
Nesse contexto compreendemos que é necessário uma intervenção e atenção
PIRAYAWARA – (designa as espécies de Boto, golfinho amazônico) Nome dado ao
maior frente as dificuldades apresentadas na Educação Escolar Indígena que desde
programa de formação de professores indígenas do Amazonas da SEDUC;
o início do processo de colonização tentou dar continuidade aos seus costumes
culturais. A postura educacional atual que vem sendo adotada desde então somente
há algumas décadas passou por poucas mudanças: saiu-se do modelo assimilação
e integração para o modelo de uma educação diferenciada, específico, bilíngue
intercultural e de “qualidade”. Estamos passando por um processo de mudança de
uma educação no modelo europeu para uma educação real que leve em consideração
os valores culturais e locais das sociedades indígenas um novo fazer pedagógico real
e tradicional com a parceria da comunidade escolar, pretendendo com isso ter um
avanço político educacional brasileiro com vistas a discutir a problemática que de
certa forma atingem os povos Indigenas e mostrando soluções para os problemas a
serem enfrentados pelas comunidades.
Com isso posto, acreditamos poder ter contribuído com uma nova visão
frente a educação escolar indígena no estado do Amazonas, sabendo que existem
muitas outras situações que ficaram entre linhas desse artigo, mas esperamos ter
contribuído no sentido de que novos conhecimentos são bem vindos e podem ser
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
76 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
EDUCAÇÃO DO CAMPO: A LUTA DOS POVOS
DO CAMPO PARA UMA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA
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Educação do Campo: a luta


dos povos do campo para
uma Educação Emancipatória1
Maria Cristina Vargas 2

Nós nos apropriamos da própria produção do conhecimento


científico e sistematizado.
Nós escrevemos nossa história e não aceitaremos mais que nos
silenciem, que inviabilizem a nossa produção do conhecimento.
Carta-Manifesto 20 Anos da Educação do Campo e do PRONERA-2018

Elementos de uma trajetória em curso

Ao final da década de 1990, emerge a Articulação Nacional de Educação do Campo,


mais precisamente a partir da realização da I Conferência Nacional por uma Educação
Básica do Campo, em Luziânia, Goiás, de 27 a 31 de julho de 1998. Essa Conferência
resultou de um amplo debate que aconteceu no I Encontro Nacional de Educadoras e
Educadores da Reforma Agrária (I ENERA), em julho de 1997, organizado pelo MST,
CNBB, UnB, UNESCO e pelo UNICEF, envolvendo nos estados os movimentos sociais
do campo, os sindicatos de trabalhadores da educação, as universidades. Depois
disso, desencadeou-se um processo que deu maior visibilidade e potencializou lutas
e experiências educativas que já estavam em curso no campo, mas que ainda tinham
pouca unidade na síntese dos resultados e na projeção de ações mais coesas.
Em nível nacional, o processo desencadeado pelos movimentos sociais e
outros parceiros em prol da educação do campo seguiu com o esforço de síntese na
análise e projeção de reivindicações, principalmente no âmbito das políticas públicas,
buscando dar vazão ao enfrentamento da realidade em que a Educação do Campo
se encontrava. A denúncia da situação educacional do campo, juntamente com a
FOTO: SAMARA NUNES

1. Texto elaborado a partir da exposição no Seminário Internacional “Acesso e Conclusão da Escola


Secundária: os desafios do Campo”. A mesa procurou debater o tema: “Inovação curricular no contexto
rural, as aulas multisseriadas, os modelos itinerantes e as pedagogias de alternância”. Busco a reflexão
desses temas a partir da experiência educacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST.
2. Membro do Coletivo Nacional de Educação do MST.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
78 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
EDUCAÇÃO DO CAMPO: A LUTA DOS POVOS
DO CAMPO PARA UMA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA
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orientações de ações coletivas foram mote desse processo. No que diz respeito a viver e de organizar a família, a comunidade, o trabalho e a educação. Nos
situação educacional do campo, as ausências eram muitas. processos que produzem sua existência vão também se produzindo como
seres humanos. (Por uma Educação do Campo: Declaração 2002)
(...) Faltam escolas para atender a todas as crianças e jovens.
Falta infraestrutura nas escolas e ainda há muitos docentes sem a É possível identificar que esse movimento de educação tem sua origem
qualificação necessária. nas contradições determinadas pela disputa de dois projetos antagônicos de
Falta uma política de valorização do magistério. campo. De um lado, a agricultura, e, do outro, o agronegócio. O agronegócio é
Falta apoio às iniciativas de renovação pedagógica. representado pelo capital financeiro, pelos bancos, com grandes extensões de
Há currículos deslocados das necessidades e das questões do campo e terra concentrando as riquezas, usando a natureza como um negócio, privando
dos interesses dos seus sujeitos. trabalhadores aos meios de produção e destituindo-os de sua cultura, viveres e
Os mais altos índices de analfabetismo estão no campo, e entre as saberes. Já o outro projeto, a agricultura, é representado pelos povos organizados
mulheres do campo. do campo, camponeses, ribeirinhos, povos da floresta, povos indígenas, atingidos
A nova geração está sendo deseducada para viver no campo, perdendo pela mineração, atingidos pelas barragens, Sem Terra. Na base desse projeto
sua identidade de raiz e seu projeto de futuro. Crianças e jovens têm o camponês está a reprodução da vida nesse território, bem como a preservação da
direito de aprender da sabedoria dos seus antepassados e de produzir natureza e da biodiversidade.
novos conhecimentos para permanecer no campo. (Por uma Educação do Faz parte do percurso da Educação do Campo a luta pelo direito à educação
Campo: Declaração 2002). pública no Brasil. No entanto, os dados continuam a apontar a situação precária do
acesso a essa política: em 2010, 3,8 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17
Para além da denúncia da negligência do direito a educação das pessoas que anos de idade estavam fora da escola (IBGE, 2010). E “20% de homens e mulheres
vivem no campo. Esse processo anuncia um projeto educacional marcado pela analfabetas no campo. Nos últimos 10 anos, são mais 37 mil escolas no campo
defesa de uma educação a partir dos camponeses, buscando mudar o curso do que foram fechadas, fortalecendo a continuidade de uma realidade onde o índice
que se entendia como educação rural, inaugura-se a construção do movimento de de escolaridade é, em média, de 4,5 anos de escolarização contra 7,8 da cidade”
Educação do Campo no Brasil, que tem como desafio a formulação de um projeto (FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2018).
educativo que reconheça a cultura, o trabalho e a luta dos povos do campo, como É com esse desafio de garantir o direito à educação para todos os povos do
também reconheça os camponeses e suas organizações como protagonistas dessa campo que os marcos legais foram uma das prioridades na movimentação em torno
formulação. Nesse percurso, identificamos o acúmulo dos processos existentes, do acesso à política pública. No ano de 2001, houve a conquista da aprovação do
que são resultados do envolvimento de todos os sujeitos: parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) nº 36/2001, relativo s Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, que regulamenta o
Na Conferência reafirmamos que o campo existe e que é legítima a luta por acesso à educação para as crianças, jovens e adultos próximo às suas residências,
políticas públicas específicas e por um projeto educativo próprio para quem no caso, no campo. Também foram importantes a conquista da responsabilização
vive nele. do Estado na garantia do acesso à educação básica a toda a população do campo
No campo estão milhões de brasileiras e brasileiros, da infância até a terceira e o reconhecimento dos movimentos sociais do campo. Ainda nessa direção foi
idade, que vivem e trabalham no campo como: pequenos agricultores, assinado o Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010, que manifesta no âmbito
quilombolas, povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados, das políticas públicas, o direito dos povos do campo:
reassentados, ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores, roceiros,
sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, boia-fria, entre outros. Art. 1º A política de educação do campo destina-se à ampliação e
A maioria das sedes dos pequenos municípios é rural, pois sua população qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do
vive direta e indiretamente da produção do campo. campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com
Os povos do campo têm uma raiz cultural própria, um jeito de viver e de os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com as diretrizes
trabalhar, distinta do mundo urbano, e que inclui diferentes maneiras de ver e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação e o disposto neste
e de se relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente, bem como de Decreto. (DECRETO, 2010)
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Embora essas conquistas tenham sido fundamentais para a consolidação da do que se vinha discutindo. Por isso a a afirmação da Educação do Campo:
Educação do Campo e uma ferramenta de pressão para as reivindicações, é também
verdade que estão longe de corresponderem a uma ação concreta do Estado. Quando dizemos Por Uma Educação do Campo estamos afirmando
Como já identificamos nos dados apresentados, ainda não é para toda a população a necessidade de duas lutas combinadas: pela ampliação do direito à
do campo que esse direito é garantido. É certo, também, que a ausência de uma educação e à escolarização no campo; e pela construção de uma escola
política pública que garanta o acesso à educação em todas as modalidades para a que esteja no campo, mas que também seja do campo: uma escola política
população não é uma realidade somente do campo. A precariedade na educação e pedagogicamente vinculada à história, à cultura e às causas sociais e
é resultado de um sistema ainda excludente e de classe. No Manifesto elaborado humanas dos sujeitos do campo, e não um mero apêndice da escola
durante o Encontro que celebrou os 20 anos da Educação do Campo e do Programa pensada na cidade; uma escola enraizada também na práxis da Educação
Nacional de Educação na Reforma Agrária/PRONERA, é possível compreender a Popular e da Pedagogia do Oprimido. (Por uma Educação do Campo:
importância desses marcos legais, entendendo-os como resultado de um processo Declaração 2002).
de luta, e isso possui um sentido importante, porém ainda limitado frente a situação
educacional do campo. Essa mudança de “no” para “do” não é mera questão de semântica, mas
é, sim, um debate conceitual estruturante. A Educação do Campo não deixa de
Parte destas conquistas se materializa em políticas públicas e devemos reforçar a necessidade e o direito de que a educação pode e deve ser próxima ao
lutar por sua manutenção. Parte relevante de nossas conquistas extrapola sujeito do campo. Mas ela amplia a questão, defende que, além de ser no campo,
o Estado em ação e a nós pertence enquanto classe trabalhadora: a ela deve ser do campo, levando em conta a vida camponesa, ribeirinha, da floresta,
consciência de que somos sujeitos de direitos. São conquistas importantes as relações de trabalho, a vida e a cultura que existem no campo, construtoras
as políticas públicas que juntos construímos nestes vinte anos de luta. de conhecimentos que não só devem ser respeitados e considerados, mas são
Todas elas: o PRONERA; a Residência Agrária; o Procampo – Licenciaturas legítimos na construção histórica da humanidade quando relacionamos trabalho,
em Educação do Campo; o PRONACAMPO; o Saberes da Terra; o PNLD ciência e cultura. O que também não significa desconsiderar os conhecimentos e
Campo; o Observatório da Educação do Campo; o PIBID Diversidade; conteúdos escolares universais.
o Escola da Terra; o PET Campo; as bolsas específicas para estudantes As políticas educacionais até o recente momento, com alguns poucos avanços,
indígenas e quilombolas, entre outras, ainda que com imensas limitações, pensavam a elaboração de materiais didáticos e pedagógicos e a formação de
significam a conquista de fundos públicos para a garantia do direito à educadores a partir de uma perspectiva que desconsiderava as especificidades do
educação dos trabalhadores. (FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO campo no máximo, para o campo e não com o campo. Essas diferenças foram e são
CAMPO, 2018). motivos de muitos debates bastante intensos no âmbito da política pública. Pensar
um campo com conhecimento, tecnologia e organizado pelos povos do campo não
A Educação é, assim como outras políticas públicas e direitos historicamente é compreendido pelo Estado da forma como os povos do campo vêm reivindicando.
conquistados pela humanidade e que chamamos de universais, algo que faz parte No sentido de continuar situando alguns marcos que estão presentes na
do ranking de desigualdade. Nesse sentido, não é possível analisar a questão história, é importante registrar que, em 2010, para dar continuidade ao que a
educacional desvinculada da situação em que nos encontramos na sociedade. Articulação Nacional de Educação do Campo iniciou, foi criado o Fórum Nacional de
Nessa trajetória, na contramão da política imposta pelo capital, as organizações Educação do Campo (Fonec), que até o atual momento é um importante articulador
que compõem a construção da Educação do Campo se tornaram referências de de diferentes movimentos sociais, organizações sindicais, instituição de ensino
uma prática educativa que se define com outros fundamentos teóricos. Dessa superior e outras esferas da sociedade que se somam para dar continuidade a essa
forma, a Educação do Campo construiu-se em uma pedagogia dos povos do articulação e a defesa da Educação do Campo. O Fonec tem assumido o papel de dar
campo. Não se trata de mascarar as contradições sistêmicas e muito menos isolar- destaque às situações e reagir com proposições que possam servir de referências
se no território camponês. A Educação do Campo busca construir uma pedagogia de como enfrentar os desafios no âmbito da política pública e para além dela na
marcada por muitas reflexões coletivas e do protagonismo dos movimentos efetivação da Educação do Campo. Isso se dá porque os representantes do Fórum
sociais dos trabalhadores do campo. Logo no processo inicial de sua constituição têm experiências educativas que são referências para a construção desse processo.
se entendeu que a denominação Educação no Campo não abarcava a totalidade Durante o Encontro dos 20 anos, reafirmou-se o caráter combativo que o Fórum
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representa. Em um trecho da Carta/Manifesto é possível identificar o compromisso tem sido referência para problematizar a educação pública e seus limites ao longo
com o projeto popular que faz parte, desde o início, da Educação do Campo: da história da educação brasileira. A mesa da qual participamos nos colocou a pensar
as possíveis “inovações” curriculares no contexto do campo e conhecer algumas
A luta pela Educação do Campo, pública, gratuita, de qualidade e socialmente experiências que estão em curso nas várias realidades que o campo apresenta.
referenciada deve estar comprometida com a defesa da democracia e com O MST, por ser parte da constituição da Educação do Campo, pretendeu trazer
a construção de uma sociedade igualitária, sem exploração do trabalho a reflexão que permeia a totalidade da Educação do Campo, a partir da ação dos
e da natureza, baseada na Reforma Agrária e Reforma Hídrica, com um vários sujeitos coletivos que fazem parte dessa história. Embora seja impossível em
projeto popular de agricultura, pesca artesanal, extrativista vegetal, gestão um curto espaço de tempo o aprofundamento desse processo, buscou-se eleger
das águas, saúde e cultura para todas/os as/os trabalhadoras/es do nosso alguns dos fundamentos que entendemos como centrais para subsidiar o debate
País. Defendemos um Projeto Popular para o Brasil que visa fortalecer a proposto.
economia nacional, o desenvolvimento autônomo, soberano e que enfrente Primeiro situamos o surgimento da Educação do Campo, quem se faz presente
as desigualdades de renda e direitos. (FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO nesse processo e qual a situação educacional que enfrentamos no campo brasileiro,
DO CAMPO, 2018) entendendo que com esse percurso já identificamos de que território estamos
refletindo. Segundo, socializamos qual a concepção de educaçãoe de campo ,
elaboradas, a partir das experiências educativas de quem faz parte desse processo.
Os desafios do Projeto Político Pedagógico Para podermos concluir, buscamos refletir alguns fundamentos dessa concepção
e Curricular na Educação do Campo educativa e sua relação com a construção de projetos políticos pedagógicos, os
que inclui a dimensão curricular e não estão alheios a concepção de educação, na
É possível evidenciarmos alguns elementos que o processo de construção da direção da educação omnilateral.
Educação do Campo já acumulou a partir das reflexões de seus objetivos formativos, Destacamos alguns desses fundamentos componentes da práxis educativa da
no que diz respeito ao Projeto Político Pedagógico e ao currículo das escolas de Educação do Campo: a relação da escola com a realidade (vida social) , a articulação
Educação Básica. Pautada na concepção elaborada a partir da prática dos sujeitos teoria-prática e o trabalho coletivo dos estudantes e educadores.
coletivos que compõem o movimento de Educação do Campo, podemos definir Além disso, demarcam uma posição e uma concepção de educação no plano
que esta compreende a educação como formação humana e para sua emancipação. da formação humana, não correspondendo à visão instrumentalista da educação
Conforme síntese de Caldart (2012): do capital. Corresponde a uma educação que leva em conta a cultura, o trabalho
e a luta. Frigotto (2012), ao discutir a Educação Omnilateral, no reflete sobre a
Entender a educação como uma ação intencional de formação humana educação e a formação humana que caminha para esse sentido:
emancipatória é fundamento de construção das práticas educativas. No
pensar a escola, é uma concepção que se contrapõe a reduzir suas finalidades Tal compreensão de ser humano é o oposto da concepção burguesa
educativas à preparação de seus estudantes para o chamado mercado de centrada numa suposta natureza humana sem história, individualista e
trabalho, incluindo o aprendizado de “habilidades socioemocionais” que competitiva, na qual cada um busca o máximo interesse próprio. Pelo
facilitem sua adequação a relações sociais dadas. Na visão assumida pelos contrário, pressupõe o desenvolvimento solidário das condições materiais
sujeitos da EdoC, a grande finalidade da educação, onde quer que aconteça, e sociais e o cuidado coletivo na preservação das bases da vida, ampliando
é o desenvolvimento mais pleno do ser humano e sua inserção crítica, o conhecimento, a ciência e a tecnologia, não como forças destrutivas e
criativa e transformadora na sociedade em que vive. Educar é humanizar formas de dominação e expropriação, mas como patrimônio de todos na
e isso implica confrontar os processos de desumanização (opressão, dilatação dos sentidos e membros humanos. (FRIGOTTO, 2012, p. 266)
exploração, discriminação) vividos pelos sujeitos concretos de cada ação
educativa. (CALDART, 2012) Continuando essa reflexão, ele ainda aponta os desafios para os movimentos
sociais do campo e da cidade na busca pelo direito de assumirem a educação
Nesse sentido, os processos que socializamos no Seminário Internacional, bem como a educação escolar, com forte relevância pela busca da educação
organizado pela UNICEF, são resultados dessa concepção, a qual entendemos que emancipatória:
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Um aspecto central para os movimentos sociais e organizações dos desafios desse cotidiano é encarado por toda a escola, junto aos educadores e
trabalhadores do campo e da cidade é a apreensão da especificidade da comunidade.
escola no domínio dos fundamentos científicos que permitem compreender, Por fim, o Brasil é um território muito grande, com vários biomas e diferentes
ao mesmo tempo, na expressão sintética de Gramsci, como funcionam a culturas. Essas são ricas características a serem potencializadas em práticas
sociedade das coisas (ciências da natureza) e a sociedade dos homens educativas nas escolas e no seu entorno. Sendo assim, pensar o projeto pedagógico
(ciências sociais e humanas). (FRIGOTTO , 2012, p. 270) e as possibilidades na Educação Básica com a qualidade que toda a população
tem direito é, antes de tudo, compreender a concepção de educação e de campo
A escola do campo é um espaço de referência da comunidade camponesa. É que fundamentam os projetos políticos pedagógicos das escolas, e reconhecer a
um espaço físico e também de sociabilidade da comunidade. Muitas comunidades necessária participação dos sujeitos na formulação dessas propostas: educadores,
que perderam suas escolas, devido à política de fechamento em todo país, se educandos, comunidade, movimentos sociais, etc. Também persiste o desafio de
depararam com a perda da referência coletiva da comunidade. Além disso, ter uma lutar por políticas públicas que garantam melhores condições para as escolas do
escola nas comunidades é sinal de resistência. Como pontuamos a relação da escola campo e reconheçam seus sujeitos coletivos como protagonistas de propostas e
com a realidade (vida social) é um fundamento da educação do campo A escola, processos educativos. Esse é o grande desafio.
quando assume o seu papel de relação entre educação e vida, rompe com a cultura
individualista e combate a meritocracia. Ela luta pelo cultivo de uma pedagogia
que defenda a biodiversidade, a Agroecologia, como reconstrução ecológica da Referências bibliográficas
agricultura, como forma de produção da existência que envolve distintos aspectos
e suas possibilidades de relação com a produção da vida e disseminação do CALDART, Roseli Salete. In: MOLINA, M. C. e MARTINS, M. F. A. (orgs). Belo
conhecimento. Horizonte: Autêntica, 2018. “Concepção de Educação do Campo: um guia de
estudo”(Coleção Caminhos da Educação do Campo, nº 9), no prelo.

Neste horizonte de compreensão do papel da instituição escola, cabe DECRETO Nº 7.352, DE 4 DE NOVEMBRO DE 2010. Disponível em: http://portal.
combater, em seu interior, todas as formas de competição que estimulam mec.gov.br/docman/marco-2012-pdf/10199-8-decreto-7352-de4-de-novembro-
de-2010/file Acesso em: 10 jan. 2019.
o individualismo, ícone da educação burguesa. Do mesmo modo, se
pautados pelo rigor científico que nos mostra uma realidade social e FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO. Carta - Manifesto 20 anos da
Educação do Campo e do Pronera. Brasília, junho de 2018.
humana produzidas, em todas as esferas da vida, de forma desigual, não
faz sentido a ideologia dos dons e nem estimular no processo educativo as FRIGOTTO, G. Educação Omnilateral. In: CALDART, R. S., PEREIRA, I. B.,
avaliações comparativas, ou “premiar os melhores” alunos ou professores, ALENTEJANO, P. e FRIGOTTO, G. (orgs). Dicionário da Educação do Campo. Rio de
Janeiro/São Paulo: EPSJV/Expressão Popular, 2012.
um expediente cada vez mais utilizado pelo ideário neoliberal em nossa
realidade. (FRIGOTTO , 2012, p. 270) Por uma Educação do Campo: Declaração 2002. KOLLING, E. J. CERIOLI, P. e
CALDART.R.S (orgs) Educação do Campo: Identidade e políticas públicas, 2002.

A educação é compreendida na totalidade das relações. Nesse sentido, a IBGE. Censo Demográfico 2010. 2010. Disponível em: https://ww2.ibge.gov.br/
forma da escola é também uma preocupação no processo educacional e o trabalho home/estatistica/populacao/censo2010/. Acesso em: 10 jan. 2019.
coletivo de educadores e estudantes outro fundamento dessa concepção. A
participação dos estudantes acontece no cotidiano, com a organização de grupos,
com representantes, responsabilidades e ações na organização de toda a escola.
Discutem-se quais são os desafios e se pensa coletivamente como enfrentá-los.
Há um esforço para não ser uma organização “utilitarista”, somente relacionada às
questões de estrutura física da escola, indo além, como dar conta da manutenção
e organização do espaço. De forma, que os estudantes participam da organização
da escola. As discussões em torno da vida, da comunidade, da educação, dos
temas mais abrangentes são parte de pensar os processos da escola. Assim os
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ALTERNÂNCIA NO AMAZONAS
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Pedagogia da Alternância
no Amazonas
Maria das Graças Serudo Passos1

Resumo

O presente artigo é um relato das ações referentes aos cursos de qualificação geral e
profissional, em nível de Formação Inicial e Continuada - FIC e o Curso de nível Médio
Técnico em Agroecologia, conduzido por meio da Pedagogia da Alternância, na Casa
Familiar Rural de Boa Vista do Ramos – Amazonas, mediante cooperação técnica da
Associação Regional das CFRs do Amazonas – ARCAFAR-AM e Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM. Neste percurso, apresentamos
a Pedagogia da Alternância como metodologia integrativa na práxis da Casa Familiar
Rural de Boa Vista do Ramos, bem como, seus complexos instrumentos pedagógicos
com seus princípios nos processos de formação e protagonismo de jovens e adultos
e suas famílias, mediados pela participação efetiva de monitores e colaboradores.

Palavra Chave: Pedagogia da Alternancia – Protagonismo dos Sujeitos – Educação


Contextualizada.

Introdução

A Pedagogia da Alternância tem uma gênese e um itinerário histórico. Nasceu de


um movimento de camponeses na década de 30, nos campos da França. Expandiu-
se e desenvolveu-se por países da Europa e em diversos continentes.
No Brasil, a Pedagogia da Alternância chegou por meio das Escolas Famílias
Agrícolas – EFAs, por volta de 1968, concentrando-se inicialmente no Estado do
Espírito Santo e ampliando-se em várias regiões do Brasil, sendo dirigidas pela União
Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil – UNEFAB. Como Casa Familiar
Rural, o movimento iniciou no nordeste brasileiro, envolvendo lideranças do campo,
se expandindo para outras regiões do país. Em 1987 o movimento chega à região
FOTO: JULIANA PESQUEIRO

1.Pedagoga com Mestrado em Educação Agrícola pela UFRRJ. Coordenadora do Curso Especialização
em Educação do Campo do IFAM. Coordenadora do Centro de Formação da Pedagogia da Alternancia da
ARCAFAR-AMAZONAS. e-mail: gracapassos@ifam.edu.br
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Sul no Estado do Paraná, dando inicio a implantação da primeira CFR no Município Os quatro pilares da Pedagogia da Alternância consiste em promover a
de Barracão, se expandindo para outras regiões do Brasil. As CFR´s são organizadas escolarização e a formação integral de jovens e adultos que habitam as comunidades
pelas Associações Regionais de Casas Familiares Rurais - ARCAFAR2. rurais do Amazonas, tendo como conteúdo, em seu plano de formação, os modos
Na Região Norte do Brasil, lideranças fundaram em 1995 a Associação de vida, os sistemas simbólicos e as manifestações socioculturais do lugar, fazendo
Regional das CFR’s do Norte do Brasil – ARCAFAR - Norte, com um Conselho de a intersecção entre os espaços formativos, ou seja, o espaço da escola e da
Administração eleito em assembleia geral, sendo seus membros representantes de propriedade rural como lugar de aprendizado constante.
diversos Estados da Região Norte. O Estado do Pará foi pioneiro na implantação de
CFR’s a partir de 1995. Em 1996 as regiões Norte e Nordeste uniram-se e criaram
a ARCAFAR Norte e Nordeste do Brasil. Nesse processo de organização e busca A pedagogia da alternância nas comunidades rurais
por uma educação contextualizada, lideranças do Estado do Amazonas, criaram em do município de Boa Vista do Ramos (AM)
2002, a ARCAFAR-Amazonas, instituição que vem coordenando e acompanhando
as etapas de formação na Pedagogia da Alternancia, de coletivos comunitários, Boa Vista do Ramos é um município brasileiro do interior do Estado do Amazonas,
docentes e técnicos de diversas instituições e municípios do estado. Região Norte do país. Pertencente à Mesorregião do Centro Amazonense, sua
Toda unidade didática que utiliza a Pedagogia da Alternância como proposta população em 2016, era estimada em 18.080 habitantes. (IBGE, 2016). Com suas
pedagógica é conhecida como Centro Familiar de Formação por Alternância - CEFFA 3 50 comunidades, todas as margens de rios, igarapés, lagos, cabeceiras, enseadas
possuem quatro pilares, tendo como finalidade a formação integral do estudante formam um sistema lacustre hidrográfico diverso, ligados ao rio principal Paraná
e o desenvolvimento do meio. Seus meios são a Pedagogia da Alternância e a do Ramos e este, sendo afluente do grande rio Amazonas. Seus habitantes trazem
Associação local. Tem o trabalho como principio educativo. a marca de sua ancestralidade, como um ser histórico, habitante das águas, das
florestas, das terras firmes e das várzeas.
Figura 1 – Os quatro pilares dos CEFFAs

Figura 2 - Mapa do Amazonas Figura 3 - Mapa de Boa Vista do Ramos


FORMAÇÃO INTEGRAL DESENVOLVIMENTO DO MEIO
FINALIDADES PROJETO PESSOAL SOCIAL, ECONÔMICO,
PROJETO DE VIDA HUMANO, POLÍTICO...

ASSOCIAÇÃO LOCAL:
ALTERNÂNCIA EDUCATIVA:
MEIOS PAIS, FAMÍLIAS,
UMA METODOLOGIA
PROFISSIONAIS,
PEDAGÓGICA ADEQUADA
INSTITUIÇÕES.

Fonte: Calvo - 2002.

2. As Associações Regionais de Casas Familiares Rurais - ARCAFAR´s representam um movimento de Fonte: Google 2018.
famílias, pessoas e instituições que se unem para promover o desenvolvimento sustentável e solidário do
campo, por meio da formação de jovens e adultos e suas famílias. Devidamente organizados, formam uma
associação de agricultores familiares com caráter educativo de ensino aprendizagem, onde a gestão é feita O município tem este nome, pelo seu rio principal Paraná do Ramos, afluente
pelas famílias por meio de um conselho de administração eleito em assembleia geral. (ARCAFAR Norte e
do Rio Amazonas que é via de acesso navegável de diversos municípios, situado
Nordeste do Brasil, 2008).
3. Os Centros Familiares de Formação por Alternância - CEFFAs, são espaços devidamente organizados na região do Baixo Amazonas. Suas 50 comunidades rurais pertencentes às cinco
com o aval da coletividade, bem como referências de convergências de projetos comunitários. Compõe os regiões que compõem o referido município: Ramos de Cima, Ramos de Baixo,
CEFFA: as Casas Familiares Rurais (CFRs), a Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), as Escolas Comunitárias
Rurais (ECOR), os Centros de Desenvolvimento do Jovem Rural (CDEJOR) e o Programa de Formação de
Curuçá, Região dos Lagos e região do Rio Urubu. Sua distancia fica a 270 km em
Jovens Empresários Rurais (PROJOVEM). linha reta da Capital Manaus.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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O município tem sua economia baseada no setor primário com extração de Jovens e adultos de comunidades rurais do município
produtos da floresta, como: madeira, cipós, plantas medicinais e essências, bem de Boa Vista do Ramos no Amazonas e sua identidade
como nas atividades de caça e coleta de castanha, práticas estas, feita de maneira com a terra, a floresta e as águas
artesanal e para a subsistência. A pecuária se destaca como a atividade feita com
maior intensidade e também a de maior impacto ambiental, isto, devido ausência de Tratando-se especificamente, do público alvo da pesquisa, os jovens de
planejamento, o desconhecimento da legislação ambiental e da dinâmica da floresta comunidades rurais do município de Boa Vista do Ramos, também chamados de
amazônica. A criação do gado bovino e bubalino é feita para atender a demanda de ribeirinhos, agricultores familiares, possuem traços e características que revelam
carne no mercado local e regional. Além da criação de suínos e galinhas, feita em sua história ancestral por meio de suas práticas de produção exercidas na terra e na
pequena escala ou para a subsistência. A pesca é outra atividade feita com maior água. Possuem uma forte identidade ligada aos elementos da natureza, específicos
frequência na região. Tal atividade é exercida principalmente por ribeirinhos que tem do modo de vida dos índios das águas, também conhecidos como Omaguas4.
na pesca, o meio de subsistência. Desenvolvem todo o seu sistema de produção e de vida, sob a sazonalidade das
A agricultura, como meio de produção de base familiar tem grande importância águas e a dinâmica das florestas.
na manutenção das famílias, que possuem seus cultivos em pequena escala e
processam seus produtos de maneira artesanal. Principalmente pelo cultivo da
Figura 6 - Casa de jovem estudante da CFR de BVR, as margens do Paraná
mandioca utilizado na fabricação de farinha, e, em pequenas hortas para o uso diário, do Ramos em períodos de cheia e seca
bem como plantios de cultivos como: Abacaxi, graviola, cupuaçu, açaí, bacaba,
cítrus, banana, cana, café e guaraná.

Figura 4 - Casa familiar rural de Boa Vista do Ramos Figura 5 - Jovens em formação

Fonte: ARCAFAR (AM), 2009.

Mediante cooperação técnica com instituições governamentais e não


governamentais, a formação é conduzida por meio dos princípios e instrumentos
pedagógicos que servem de aporte para o desenvolvimento do processo ensino-
aprendizagem de forma contextualizada e devidamente planejada conforme
calendário escolar local. Quanto à relação educação, produção familiar e meio
ambiente, é possível dizer que a Pedagogia da Alternância propicia ao mesmo tempo
aos jovens e adultos estudantes do campo, a ação de estudar e ao mesmo tempo
Fonte: ARCAFAR/AM, 2017.
de vivenciar a dinâmica dos arranjos produtivos locais, sociais e culturais juntamente
com a família.
Apesar da rica paisagem, da biodiversidade do município, a população que
vive no campo nas 50 comunidades, padece da ausência de políticas públicas
referente ao atendimento a educação escolar no nível fundamental e médio e 4. Nossa compreensão é a de que os caboclos / ribeirinhos são, em grande parte, herdeiros legítimos do
superior, sendo uma pequena parcela da população atendida pelo EJA e o Ensino modo de vida dos índios das águas, porque estão diretamente ligados biológica, histórica e culturalmente
à população ameríndia que ocupava a planície amazônica, na época do contato com os europeus, e que
Médio à distância. Ficando um grande número de jovens e adultos desassistidos os primeiros caboclos foram índios das águas aculturados, sobreviventes do massacre promovido pelos
em comunidades isoladas. portugueses. (WITKOSKI, 2007, p. 97).
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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A Pedagogia da Alternancia versa sobre a organização da Educação Básica d) Ficha Pedagógica: é o material didático elaborado em forma de texto, sendo
normatizada nos artigos 23 e 28 da LDB 9394/96. O Calendário das escolas do este em formato de cartilha, livro ou coletânea, abordando aspectos da temática a
campo e dos cursos que acontecem em espaços do campo é diferenciado, mas ser estudada;
garante as horas anuais exigidas pela legislação em vigor. Nas CFR´s, além das
horas trabalhadas na sala de aula, são desenvolvidas horas de trabalhos voltados a e) Visita de Estudo: visitas a experiências agrícolas/florestais/agroecológicas
pesquisa, extensão e vivências em instituições e organizações sociais e sindicais. O inovadoras desenvolvidas na região, bem como, em instituições de pesquisa e
tempo cronológico na CFR e no meio sócio profissional contam como dias letivos. experimentos científicos ligadas a temática abordada;

f) Intervenção Externa: são contribuições de visitantes, palestrantes referentes


A Pedagogia da Alternância e seus assuntos desenvolvidos durante o período de alternância;
instrumentos pedagógicos
g) Visita as Famílias: os monitores/professores realizam visitas nas propriedades
Na metodologia de alternância, os estudantes passam um período no Centro para o atendimento individual das famílias ao mesmo tempo em que faz o
de Formação/CFR em regime de internato e outro período junto à unidade de acompanhamento global das atividades desenvolvidas pelos jovens em formação.
produção familiar. No período em que passa com a família, o estudante discute com
a família sua realidade, planeja soluções e realiza novas experiências difundindo h) Caderno de Alternância: é o instrumento que serve de elo entre o centro de
conhecimentos na comunidade. Durante o período de alternância na Casa Familiar formação e a família, onde serão arquivados todos os Planos de Estudos e os relatos
Rural, os estudantes manifestam ao grupo, com ajuda dos monitores/professores, relevantes da unidade de produção e vivência familiar;
os problemas levantados na propriedade e buscam novos conhecimentos para
compreender e explicar os fenômenos científicos. i) Avaliação: Contínua e Permanente. Sendo a Alternância uma Pedagogia
São utilizados diversos instrumentos pedagógicos na formação por alternância, complexa, também a avaliação se torna complexa, pois todos os sujeitos envolvidos
são eles: e o sistema pedagógico devem ser avaliados. Por isso são sujeitos da avaliação todas
as pessoas envolvidas no processo de formação: os estudantes, os monitores, as
a) Pesquisa participativa: instrumento pelo qual são coletados dados para análise famílias, a Associação, o Conselho de Administração, dentre outros. Nesse aspecto,
de vários setores da vida da comunidade onde o/a estudante vive com sua família, a avaliação, é um processo formativo e contínuo.
o que resulta num inventário crítico sobre a realidade do meio rural. Tem como
objetivo precípuo, conhecer de forma mais profunda a realidade socioeconômica, j) Mística é uma ferramenta de reflexão e reafirmação de uma identidade.
da região, sua vinculação com os arranjos produtivos, sociais, culturais locais e
regionais, bem como, definir os conteúdos temáticos da formação e a programação Todos esses instrumentos pedagógicos fazem a ligação da tríade Escola-
educativa que serão estudados pelos (as) jovens e adultos. De posse desses dados, Família-Comunidade. Todos os sujeitos envolvidos nas atividades da Pedagogia da
é feita a organização e classificação dos temas, resultando no Plano de Formação Alternancia sejam estudantes com suas famílias, professores formadores e agentes
(Matriz Curricular da CFR); colaboradores, participam da formação pedagógica que se dá, durante todo o
período letivo de estudo.
b) Plano de Estudo: é um roteiro de pesquisa de estudantes e monitores que
parte sempre de um questionamento. Esta pesquisa é realizada, em conjunto, com
a família e a comunidade, no período em que o estudante fica na propriedade; O Projeto Profissional de Vida do Jovem – PPVJ
na Pedagogia da Alternância
c) Colocação em Comum: é a socialização da pesquisa do Plano de Estudo no
início da sessão no estudo em alternância, onde no 1° dia de atividades na CFR, é Podemos compreender que o Projeto Profissional de Vida do Jovem desenvolvido
realizado um “relato em comum”, a respeito dos resultados da pesquisa realizada na CFR de BVR, significa um projeto elaborado e contextualizado a uma realidade
com a família; concreta. O Plano de Formação permite incluir totalmente o programa oficial das
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
94 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
PEDAGOGIA DA
ALTERNÂNCIA NO AMAZONAS
95

disciplinas, o estudo da realidade do aluno, quer dizer, de seu próprio meio familiar, Neste sentido, os elementos da natureza terra, floresta e água transpassam o
social e profissional. CALVO, 2005, p. 33). conteúdo curricular da Casa Rural Familiar de Boa Vista do Ramos. Os conteúdos
Na fase de finalização do ciclo formativo, o PPVJ é orientado por meio de são encarnados na vida dos alternantes. Sem a devida compreensão da relação
Oficinas de Projetos, onde o monitor-orientador acompanha passo a passo o de afetividade existente entre o homem amazônico e o ambiente natural, torna-se
desenvolvimento do projeto de cada estudante. É momento de grande reflexão na limitado o entendimento sobre o estilo e o modo de vida na Amazônia. Deve-se
elaboração do design, que representa a conexão entre os elementos dentro de um reconhecer que este é um modo de vida condicionado aos ecossistemas naturais
sistema vivo, bem como, o objetivo, a meta, a ideia de custo do projeto, unidade denominados ambiente de várzea e terra firme. São os elementos terra, floresta
executora, tempo, cronograma, fonte financiadora e outros. e água que alimentam a existência material e espiritual dos povos tradicionais e
A Pedagogia da Alternância, por meio de seus instrumentos pedagógicos, determinam o seu modo de viver, ou seja, são estratégias que reproduzem a vida
oportuniza meios para que o estudante se aproprie dos conhecimentos científicos na Amazônia profunda.
somando e interagindo com o que já sabe, e assim, agregando saberes na construção
de novos conhecimentos, criando suas próprias condições de trabalho em seu meio
sócio profissional (família e comunidade) a partir da vivência que ele tem, e do Referências bibliográficas
conhecimento que ele é capaz de gerar.
Em estudos de Passos (2011), que investigou a Pedagogia da Alternância e ESTEVAM, Dimas de Oliveira. Casa Familiar Rural - a formação com base na
seus reflexos na formação de jovens da Casa Familiar Rural de Boa Vista do Ramos, Pedagogia da Alternância. Florianópolis: Insular, 2003.
com faixa etária de 18 à 38 anos, nos revela sobre à perspectiva de futuro dos MOLINA, Mônica e JESUS, Sonia. Por Uma Educação do Campo: Contribuições
estudantes diante a sua permanência no espaço rural, conforme Gráfico 1. para a Construção de um Projeto de Educação do Campo. Brasília, DF:
Articulação Nacional Por Uma Educação Básica do Campo. 2ª ed. Coleção Por Uma
Educação Básica do Campo, nº 5, 2004.
Gráfico 1 – Distribuição dos jovens do PROEJA/FIC pesquisados que pretendem
WITKOSKI, Antônio Carlos. Terras, Florestas e Águas de Trabalho. 1ª ed. Manaus:
atuar como Agente de Desenvolvimento na Agricultura Familiar em seu município.
EDUA, 2007.
PASSOS, Maria das Graças Serudo. Pedagogia da Alternância: caminho possível
0% 4,16% para a formação e valorização dos sujeitos sociais do campo do curso do
Você pretende atuar como IFAM/Campus Manaus Zona Leste. Dissertação (Mestrado em Educação
Agente de Desenvolvimento Agrícola) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2011.
na Agricultura Familiar
BRASIL. Mistério da Educação: Diretrizes operacionais para a educação básica
em seu município? nas escola do campo: Resolução CNE-CEB n.1 3 de abril de 2002. Brasília: ME.
n Sim
BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.352, de 4 de Novembro de 2010.
n Não
Dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação
n Talvez na Reforma Agrária – PRONERA.
95,84%
BRASIL/MEC. Dias Letivos para a aplicação da Alternância nos Centros
Fonte: Passos, 2011. Familiares de Formação por Alternância. Parecer nº 01/2006, 2006, Brasília.

O gráfico reflete o compromisso dos estudantes com suas famílias e


comunidades na qual representam, bem como, o sentimento de pertencimento aos
seus territórios, a sua cultura e seus saberes. O percentual de 95,84% de jovens
que querem permanecer no campo é um dado positivo da aplicação e condução da
Pedagogia da Alternancia, isto porque o protagonismo e participação dos sujeitos
estudantes, famílias, equipe pedagógica com monitores, colaboradores e parceiros
em geral, são elos na formação e no compromisso com desenvolvimento local.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
96 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
ENSINO MÉDIO, ESCOLA RURAL E
TRABALHO DOCENTE NO SÉCULO XXI
97

Ensino Médio, escola rural e


trabalho docente no século XXI:
(in)certezas sobre formação
de professores no Brasil
Mariana Martins de Meireles1 e Elizeu Clementino de Souza 2

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...


Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura [...].
(CAEIRO, 2013. p. 20-21)

Olhar o mundo com os próprios olhos, orientar-se e construir uma cosmovisão a


partir das próprias referências. Esta parece ser a poética, um tanto descolonial,
que irrompe no fragmento de Caeiro (2013) e que, por nós, tem sido assumida na
perspectiva de reconhecer, junto aos sujeitos que vivem em contextos rurais, a
existência de seus mundos. De modo subjetivo, o recorte do poema nos convoca
a fraturar hierarquias espaciais, neste caso, entre a cidade e o campo. Ao tencionar

1. Doutora e Mestre em Educação e Contemporaneidade, pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).


Professora do Centro de Formação de Professoras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (CFP/
UFRB). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa (Auto)biografia, Formação e História Oral (GRAFHO). Membro
do Observatório em Educação do Vale do Jiquiriçá (OBSERVALE). Sócia da AGB, da BIOgraph e da ANPEd.
E-mail: marianabahiana@hotmail.com
2. Pesquisador 1C CNPq. Doutor em educação pela FACED/UFBA e Pós-doutor em Educação pela
Universidade de Paris 13-França, bolsa de Estagio Sênior CAPES. Professor Titular do Programa de Pós-
Graduação em Educação e Contemporaneidade, da Universidade do Estado da Bahia (PPGEduC-UNEB).
Coordenador do GRAFHO (Grupo de Pesquisa (Auto)biografia, Formação e História Oral). Pesquisador
associado do Laboratoire EXPERICE (Université de Paris 13- Paris 8). Tesoureiro da Associação Brasileira
de Pesquisa (Auto)biográfica (BIOgraph). Membro do Conselho de Administração da Association
FOTO: SAMARA NUNES

Internationale des Histories de Vie en Formation et de La Recherche Biographique en Education (ASIHIVIF-


RBE). Coordenador do Projetos: “Multisseriação e trabalho docente: diferenças, cotidiano escolar e ritos
de passagem” (CNPq e FAPESB) e “As políticas de educação e a reestruturação da profissão docente
confrontadas aos desafios da globalização”, financiada pela FAPESB, no âmbito do Edital 04/2015 –
Cooperação Internacional, TO nº INT0014/2016. E-mail: esclementino@uol.com.br
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
98 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
ENSINO MÉDIO, ESCOLA RURAL E
TRABALHO DOCENTE NO SÉCULO XXI
99

sentidos que asseguram a diversidade do mundo, inspira a produção do ser no Do ponto de vista analítico, este texto organiza-se em três eixos: 1) os desafios
espaço por ele habitado. Tal princípio inaugural, atravessa reflexões e coloca em do acesso/permanência dos sujeitos do campo no Ensino Médio; 2) Dispositivos
relevo os professores e os estudantes, seus espaços e suas experiências de normativos e políticas de formação; 3) Diálogos (in)conclusivos sobre políticas de
formação-profissão e processos de escolarização em territórios rurais. formação e potências das narrativas (auto)biográficas para o campo da formação.
Estas inserções iniciais podem ser respaldadas nos aspectos legais que Cabe destacar que o referido recorte coloca em relevo as implicações desta conjuntura
orientam o debate sobre o direito à educação no Brasil, este por sua vez, tem na formação de professores do/no campo, especificamente no âmbito do Ensino
se firmado, constitucionalmente, através da premissa de que a “Educação é um Médio. Nossas investigações têm apontado que os sujeitos do campo possuem
direito de todos”. Isto pois, independe da localização geográfica onde os sujeitos dificuldades em acessar/permanecer na segunda etapa do Ensino Fundamental e
produzem a vida, se no campo ou na cidade. Reconhecer a existência destes povos no Ensino Médio, em função da insuficiência de escolas que ofertem tais etapas
na formação social do território brasileiro, perpassa pelo acolhimento de que temos de escolarização nas comunidades rurais, tornando obrigatório os deslocamentos
um Brasil diverso, tecido pela diferença. Se, historicamente, e de maneira desigual, diários campo-cidade-campo.
esta realidade foi produzida como ausente, no século XXI notamos diversas frentes Aliado a isto, prevalece a lógica de projetos educacionais das escolas urbanas e
de visibilidades, coordenadas pela atuação de movimentos sociais, educacionais políticas que acabam por invisibilizar as identidades dos sujeitos rurais e seus modos
e distintas comunidades epistêmicas. Ao contestar lógicas hegemônicas, estes singulares de experimentarem e produzirem o mundo. Para conquistar o direito
grupos instauram modos próprios para pensar a educação, a escola e a formação garantido, os estudantes precisam migrar diariamente para cidade para continuar
dos professores que atuam em contextos rurais. Todavia, na contramão deste a formação. Neste caso, a escola, de face única [urbana] não os reconhecem
movimento, temos identificado em nossas pesquisas3 que políticas públicas têm em suas singularidades, diferenças e diversidades. Identificamos ainda que a
sido forjadas em atenção aos postulados neoliberais que diretamente têm regulado implementação de dispositivos legais, bem como os cursos de licenciaturas, cuja
as reformas educacionais na tentativa de uniformização dos currículos, do trabalho base curricular é urbanocêntrica, acabam por orientar/regular o trabalho docente
docente e da formação dos professores. forjando homogeneização e instaurando um campo de (in)certezas na formação
Esta comunicação resulta de estudos e pesquisa desenvolvidas pelo Grupo de dos professores, cujas realidades deste Brasil tão diverso são sucumbidas por uma
Pesquisa (Auto)biografia, Formação e História Oral (GRAFHO/UNEB/CNPq), que ao racionalidade técnica, uniformizadora e neoliberal.
longo da última década tem se dedicado a investigar, numa perceptiva colaborativa, Por fim, considerando esse contexto de silenciamento das vozes dos sujeitos
a formação de professores, as condições de trabalho docente (SOUZA e SOUSA, - professores e estudantes -, um caminho possível tem sido apostar no potencial
2015) e as práticas escolares no âmbito das realidades circunscritas em territórios formativo das narrativas (auto)biográficas que singularizam e redimensionam
rurais do Estado da Bahia. O acervo4 constituído de teses, dissertações, artigos os processos de formação, a partir da experiência e reflexividade das práticas
científicos, livros, além de cadernos temáticos5 e roteiros didáticos (SOUZA et al, dos professores. Através da abordagem (auto)biográfica o sujeito produz um
2017c) demonstra nossas investidas e contribuições, no que tange as especificidades conhecimento sobre si, os outros e o cotidiano, o qual revela-se através da
dos estudos sobre escolas rurais e políticas de educação do campo, possibilitando subjetividade, da singularidade, das experiências e dos saberes compartilhados
um alargamento nos quadros de compreensão sobre a diversidade e a singularidade nos seus percursos de vida-formação. O trabalho com as narrativas docentes, tem
que atravessa a escola rural, seus sujeitos e suas comunidades. indo na contramão da racionalidade técnica, propondo maneiras outras para pensar
a formação inicial e continuada de professores neste século, onde o estatuto da
palavra insurge enquanto virada epistemológica.

3. Destacamos duas importantes pesquisas desenvolvidas no âmbito do Grupo de Pesquisa (Auto)biografia,


Formação e História Oral (GRAFHO/UNEB/CNPq) - “Diversas ruralidades–ruralidades diversas: sujeitos, Ensino Médio no Brasil: acesso e permanência
instituições e práticas pedagógicas nas escolas do campo Bahia-Brasil” (FAPESB/CNPq); “Multisseriação e
trabalho docente: diferenças, cotidiano escolar e ritos de passagem” (FAPESB/MCTI/CNPq).
4. Para conhecimento das produções, acessar: http://www.grafho.uneb.br/novo/publicacoes/ O acesso à educação pública no Brasil, após a Constituição Federal de 1988,
5. Cabe aqui destacar a publicação dos seguintes Cadernos Temáticos: 1. Multisseriação, seriação e vem apresentando quadros de ampliação na oferta e etapas de ensino e, mesmo
Trabalho docente (SOUZA et al, 2017a); 2. Cotidiano escolar, diferenças e trabalho docente (SOUZA et al,
2017b); 3. Ruralidades, ritos de passagem e acompanhamento escolar (SOUZA et al, 2018a); 4. Ruralidades,
em cenários de disputas tem se constituído como um direito garantido em todo
práticas pedagógicas e narrativas docentes (SOUZA et al, 2018b). território nacional. A ampliação e a melhoria na oferta advêm de uma legislação
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
100 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
ENSINO MÉDIO, ESCOLA RURAL E
TRABALHO DOCENTE NO SÉCULO XXI
101

que direciona financeiramente Municípios, Estados e União na responsabilização analisamos sob o viés das regiões geográficas e, novamente o aspecto densidade
por etapas distintas de ensino: Educação Infantil; Educação Fundamental; Ensino demográfica populacional incide como fator preponderante para tais quantitativos.
Médio; Ensino Profissionalizante e Ensino Superior. Quando ponderamos a análise no aspecto das dependências administrativas as
discrepâncias se dilatam ainda mais, evidenciando limitações na oferta. De modo
geral, no espaço rural a oferta é reduzida para atender as etapas da Educação
Tabela 1: Distribuição do número de matrícula do Brasil e regiões geográficas de acordo com a localização e Infantil e a primeira etapa do Ensino Fundamental que legalmente são etapas de
dependência administrativa
responsabilidade dos municípios. As outras etapas/modalidades são possibilidades
Dependência CENTRO- bastantes reduzidas no campo, razões que talvez justifiquem as diferenças existentes
Localização BRASIL NORTE NORDESTE SUDESTE SUL
Administrativa OESTE na redução de matrícula quando analisada na perspectiva urbano-rural.
No gráfico 1 são apresentados dados referentes ao contexto das espacialidades
7.930.384 785.009 2.220.128 573.688 3.342.363 1.009.196
urbano-rural, os quais nos permitem ratificar que há uma concentração nas áreas
urbanas considerando os seguintes descritores: matrícula; docentes; turmas;
TOTAL 7.571.031 705.336 2.077.621 541.975 3.276.134 969.665
estabelecimentos de ensino.
FEDERAL 165.244 19.133 56.329 14.994 48.085 26.703
Gráfico 1 - Distribuição percentual de matrículas, docentes, turmas e
URBANA ESTADUAL 6.407.190 633.092 1.794.402 446.035 2.715.725 817.936 estabelecimentos de ensino de acordo com a localização, Brasil - 2017

MUNICIPAL 41.948 464 4.144 576 32.091 4.673

PRIVADA 956.649 52.647 222.746 80.370 480.233 120.653

TOTAL 359.353 79.673 142.507 31.713 66.229 39.231

FEDERAL 26.279 2.946 7.895 4.318 7.201 3.919

RURAL ESTADUAL 313.991 74.472 126.347 25.727 54.122 33.323

MUNICIPAL 5.420 138 3.806 215 619 642 Fonte: Microdados do Censo Escolar 2017 (INEP, 2018)

PRIVADA 13.663 2.117 4.459 1.453 4.287 1.347 Na análise deste gráfico é possível inferir que estamos diante de uma
supremacia do urbano, quando falamos sobre oferta de educação no Brasil. Além
Fonte: Microdados do Censo Escolar 2017 (INEP, 2018).
das justificativas já apontadas anteriormente, faz-se necessário dizer que, nos
últimos anos, políticas de nucleação6 escolar tem concentrado ainda mais a oferta de
A tabela 1 apresenta dados importantes sobre matrícula, considerando regiões matrículas em espaços urbanos, implicando diretamente no acelerado fechamento
geográficas brasileiras, localização e dependências administrativas. Nota-se a de escolas localizada no campo. Essa situação de esvaziamento do campo impacta a
expressividade de matrículas no espaço urbano (7.571.031) quando estabelecemos oferta da educação, bem como a permanência da escola em uma dada comunidade.
o comparativo com o espaço rural (359.353). Duas razões podem justificar essa
diferença, a primeira delas de cunho geográfico, reside na ideia de que há menor
densidade populacional nas áreas rurais, e a segunda, de natureza sociohistórica, 6. Corresponde ao processo de fechamento de pequenas escolas rurais e multisseriadas, implicando na
aparece orientada por um imaginário social de que os sujeitos do campo não precisam concentração de alunos em determinadas áreas e/ou núcleos, em muitos casos do deslocamento dos
estudantes de escolas rurais para escolas situadas na sede dos municípios. Tal ação reforça a política de
de educação/escolarização para produzirem suas existências nestes espaços. transporte escolar e gera impactos diversos na cultural local e nas identidades dos alunos, mediantes os
A diversificação nos números de matrícula pode ser observada ainda, quando ritos de passagem e constantes deslocamentos que são obrigados para darem continuidade a escolarização.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
102 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
ENSINO MÉDIO, ESCOLA RURAL E
TRABALHO DOCENTE NO SÉCULO XXI
103

Conforme dados disponíveis pelo Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos Os dados da tabela 02 apresentam informações específicas sobre a
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), publicado na página do MST por organização de turmas no âmbito do Ensino Médio. Quando nos detemos sobre
Silva (2015) é possível perceber como o fenômeno do fechamento das escolas do tabela, percebemos que os quantitativos divergem bastante no que refere a oferta
campo tem ocorrido no Brasil. Segundo o INEP, nos últimos 15 anos foram fechadas desta etapa de escolarização no contexto brasileiro, considerando as espacialidades
no Brasil 37 mil unidades escolares, sendo que deste quantitativo 4.084 escolas do urbano-rural e a dispersão populacional das regiões geográficas. Chama atenção
campo tiveram suas portas fechadas, no ano de 2014. os dados referentes as turmas de Ensino Médio localizadas em espaços rurais
As regiões mais afetadas com o fechamento foram as regiões - Norte e Nordeste (15.868), novamente a supremacia do urbano reaparece (244.830). Cabe dizer
– que lideram o ranking com 2.363 escolas fechadas. O estado da Bahia, por sua que, considerando a amplitude do território nacional e as políticas de acesso ao
vez, aparece frente deste quantitativo desastroso, em 2014 fechou 872 escolas do Ensino Médio, essa é uma etapa de ensino majoritariamente ofertada em centros
campo. Os dados nos revelam que temos um retrocesso na oferta da educação para urbanos, de certa forma, anunciada expressivamente nas informações da tabela. Tal
os sujeitos do campo, o caminho de busca pela qualidade recaí sobre o princípio realidade, pode ser observada na distribuição da matrícula, como podemos notar na
básico: garantir a existência da escola no campo. Tal realidade acirra as desigualdades tabela a seguir:
nas regiões norte-nordeste, as quais historicamente já possuem altos índices de
desigualdade social. Em contrapartida, a região Nordeste apresenta um número Tabela 3: Matrícula do Ensino Médio do Brasil de acordo com a localização
maior de populações rurais o que enquadra o avanço no fechamento das escolas do
campo. Todavia, contestando este cenário de negação do direito à escola, emergem TOTAL URBANA RURAL
ações dos movimentos sociais que, respaldados em uma legislação específica7, Quant. Freq. Quant. Freq. Quant. Freq.
lutam pela garantia do acesso à escola pelos sujeitos do campo.
MATRÍCULAS 1º ANO 2.901.789 100% 2.779.677 95,8% 122.112 4,2%
Quando analisamos a oferta de Ensino Médio no Brasil, observamos
novamente as discrepâncias entre localização geográfica (rural/urbano) e as regiões MATRÍCULAS 2º ANO 2.362.706 100% 2.263.615 95,8% 99.091 4,2%
e estados brasileiros. No contexto do campo, o quadro se agrava quando notamos
MATRÍCULAS 3º ANO 2.080.294 100% 1.999.388 96% 80.906 4%
as divergências entre as matrículas na primeira etapa do Ensino Fundamental,
Fonte: Microdados do Censo Escolar 2017 (INEP, 2018).
onde geralmente há escolas nas pequenas comunidades e as demais etapas
onde a ausência de escolas, associada as questões sociais, históricas, culturais e
econômicas acabam por tornar esta “corrida” um direito de poucos. Na tabela 3 a quantidade de matrícula do Ensino Médio, segundo dados de 2017,
demonstram novamente distinções entre etapas de estudos e as espacialidades
Tabela 2: Ensino Médio - turmas nas regiões geográficas, Brasil – 2017
urbano-rural. Nota-se expressividade na oferta, acesso e permanência ao Ensino
Médio em contextos urbanos conferindo que o acesso a esta etapa da escolarização
TOTAL URBANO RURAL
ocorre majoritariamente via escolas localizadas na cidade. Nesse sentido, a migração
BRASIL 260.698 244.830 15.868 por um turno, pelos estudantes de escolas rurais, torna-se uma obrigatoriedade
NORTE 26.470 22.250 4.220 para aqueles que desejam concluir a segunda etapa do Ensino Fundamental e,
NORDESTE 69.687 64.463 5.224 mais especificamente, o Ensino Médio. Os números referentes a cada ano de
escolarização nos revelam a diminuição drástica de matrícula à medida que os
SUDESTE 107.060 104.328 2.732
anos avançam, ou seja, o número de entrada dos estudantes no primeiro ano não
SUL 37.114 35.210 1.904 corresponde ao número de estudantes que concluem esta etapa de estudos.
CENTRO-OESTE 20.367 18.579 1.788 Na depuração dos dados, cabe uma análise sobre possíveis aspectos
Fonte: Microdados do Censo Escolar 2017 (INEP, 2018). influenciadores da trajetória desses estudantes na tentativa de compreender o
que tem forjado a sinuosidade de seus percursos. Os dados são preocupantes,
7. Cabe registrar que em 2014 a presidenta Dilma Rousseff, sancionou a Lei 12.960/2014 que torna mais por exemplo, no contexto urbano quando retomamos a tabela 3 e estabelecemos
difícil o fechamento de escolas rurais, indígenas e quilombolas. A referida legislação altera a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB), aumentando as exigências a serem cumpridas antes do fechamento desse tipo
um comparativo, observamos que cerca de 780. 289 estudantes matriculados no
de escola. 1º ano não aparecem nos dados da matrícula do 3º ano. O mesmo ocorre com o
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
104 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
ENSINO MÉDIO, ESCOLA RURAL E
TRABALHO DOCENTE NO SÉCULO XXI
105

contexto rural, neste caso, um terço, aproximadamente dos estudantes 41.206 não Ensino Médio e a formação de Professores: marcos
finalizam a Educação Básica. Há que se considerar fatores internos e externos que normativos, conquistas e entraves
impactam diretamente nestes resultados. Do ponto de vista interno podemos citar
questões relacionadas a estrutura da escola, ao currículo, as questões sobre ensino Atualmente a discussão dos profissionais da educação no Brasil está respalda em pelo
e aprendizagem, desempenho acadêmico, distância da escola com o mundo da menos três dispositivos legais de profunda importância para o cenário das políticas
vida, deslocamentos geográficos casa-escola-casa, a formação de professores, etc. educacionais brasileira, são eles: a Constituição Federal (CF) de 1988 e suas emendas,
Do ponto de vista externo, há que se destacar a entrada dos jovens no mercado de a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e o Plano Nacional de
trabalho, além de outros fatores de ordem social e econômica que atravessam esta Educação (PNE) e os respectivos planos estaduais e municipais de educação.
etapa da vida que implicam nos seus percursos formativos. No que se refere, especificamente, a formação mínima para exercer a docência
No caso da Bahia, em que pensem as críticas, uma das estratégias utilizadas no Brasil e aspectos relacionados com a formação continuada, a referida LDBEN
pela Secretaria de Educação do Estado para garantir o acesso ao Ensino Médio pelos aponta que
estudantes, especificamente, pertencentes a contextos rurais, foi a implementação
do Ensino Médio com Intermediação Tecnológica (EMITec). O referido programa Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em
foi criado em 2010 e se constitui em uma alternativa pedagógica inovadora para nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação
atender três vertentes desafiadoras da educação baiana: a extensão territorial (417 mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco
municípios), a carência de docentes habilitados para atuarem em toda a extensão primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na
territorial desse grande estado brasileiro, e atenuar as desigualdades socioculturais modalidade normal. (Redação dada pela lei nº 13.415, de 2017) [...]
no Estado, com o intuito de auxiliar na construção da cidadania. Desta forma, o § 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime
EMITec tem como objetivo promover o Ensino Médio de qualidade a estudantes de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a
pertencentes às comunidades rurais do estado da Bahia. De modo simplificado, a capacitação dos profissionais de magistério. (Incluído pela Lei nº 12.056,
proposta permite que em diferentes espaços, estudantes e professores interajam de 2009).
em tempo real, através de chat e do uso do streaming de vídeo, que permite aulas Parágrafo único. Garantir-se-á formação continuada para os profissionais a
ao vivo diariamente, elucidando dúvidas em cada um dos componentes curriculares que se refere o caput, no local de trabalho ou em instituições de educação
que compõem o currículo do Ensino Médio. De certo modo, através desta ação, a básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos
Secretaria da Educação do Estado da Bahia garante a democratização do acesso, superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação.
permanência e a conclusão dos estudos por jovens e adultos de municípios do (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013). (BRASIL, 1996a).
Estado que não ofereciam a etapa final da educação Básica. Assim, assegura-se a
estes cidadãos o direito à Educação pública e gratuita, como prevê a Constituição Conforme previsto na lei, percebemos uma contradição pois se por um lado,
Brasileira (BRASIL, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN a lei prevê a formação em nível superior para os docentes, por outro, admite a
9394/96), fazendo uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). formação em nível médio para a docência na educação infantil e anos iniciais do
Ademais, o estudo das trajetórias dos estudantes nos ajuda a traçar um perfil ensino fundamental. A referida legislação avança quando obrigada União, Estados
sobre suas condições de acesso e permanência. Tal diagnóstico, portanto, deve e Municípios a se responsabilizarem pela formação inicial e continuada dos
orientar propostas/programas para que o percurso traçado pelos sujeitos seja menos professores, buscando rever a dívida histórica do país neste campo. De certo modo,
ondulante e mais contínuo, garantido assim, a conclusão do Ensino Médio. Escutar em atenção a esta legislação, a partir dos anos 2000 há no Brasil uma expansão
estes sujeitos e incluí-los com seus mundos, talvez seja um caminho possível de das Universidades Públicas Federais e Estaduais e de Programas específicos
inovação e engajamento dos estudantes à escola. Aliado a isto, acreditamos que, para Formação de Professores, como por exemplo o PARFOR8. A formação de
a produção do conhecimento quando permite que os sujeitos experimentem seus
mundos, possibilita, também, a busca pela sua transformação (SOUSA SANTOS,
2009). Ainda que estejamos em um cenário de “contra-reformas”, acreditamos, 8. “O Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) é uma ação da Capes
que visa induzir e fomentar a oferta de educação superior, gratuita e de qualidade, para profissionais do
além disso, nas investidas no campo formação de professores para alteração dessa magistério que estejam no exercício da docência na rede pública de educação básica e que não possuem a
realidade. formação específica na área em que atuam em sala de aula” http://capes.gov.br/educacao-basica/parfor.
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106 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
ENSINO MÉDIO, ESCOLA RURAL E
TRABALHO DOCENTE NO SÉCULO XXI
107

professores também é uma meta prevista no Plano Nacional de Educação-PNE9, A meta 16 visa formar em nível de pós-graduação 50% (até o final do PNE)
conforme aparece na meta 15 destinada a formação e inicial e a meta 16 alusiva à dos professores da educação básica e garantir a todos os docentes da educação
formação continuada. básica formação continuada em sua área de formação. Suas principais estratégias
são: 1) realizar o planejamento para dimensionamento da demanda por formação
Tabela 4: Síntese das metas sobre Formação de Professores do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014) continuada; 2) consolidar política nacional de formação de professores e professoras
da educação básica; 3) expandir programa de composição de acervo de obras
META DESCRIÇÃO PRAZO ABRANGÊNCIA
didáticas, paradidáticas e de literatura e de dicionários, e programa específico de
Garantir Política Nacional de Formação dos acesso a bens culturais, incluindo obras e materiais produzidos em libras e em braile
Assegurar a todos
Profissionais da Educação de que tratam os Prazo de 1 (um) ano de e; 4) ampliar a oferta de bolsas de estudo para pós-graduação dos professores e das
os docentes da
incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei vigência deste PNE (2015) professoras e demais profissionais da educação básica (BRASIL, 2014).
educação básica
no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
15 O debate sobre a formação de professores tem sido orientado por projetos que
Garantir formação específica de nível Assegurar que todos os encampam lutas pela garantia deste direito no Brasil do século XXI, sobretudo pela
superior, obtida em curso de licenciatura na 2024 docentes da educação criação, manutenção e reestruturação dos cursos de licenciatura e por perspectivas de
área de conhecimento em que atuam. básica possuam formação que incluam realidades diversas como é o caso dos cursos de Licenciatura
do campo, implementados no país a partir do PROCAMPO. O Programa de Apoio
Formar professores da educação básica, Até o último ano de 50% dos
em nível de pós-graduação vigência do PNE (2024) profissionais à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO) tem
como finalidade a implementação de cursos regulares de Licenciatura em Educação
16
Garantir a todos os profissionais de do Campo nas Instituições Públicas de Ensino Superior, voltados especificamente
100% dos
educação básica, formação continuada em 2024
profissionais para a formação de professores que atuarão na segunda fase do Ensino Fundamental
sua área de formação.
e Ensino Médio, nas escolas do campo. Essa política resulta de uma intensa
Fonte: (BRASIL, 2014) reivindicação dos movimentos sociais do campo, que há anos pautam pela
necessidade de uma formação específica de educadores (MOLINA, 2017).
No contexto do Plano Nacional de Educação, as metas deverão ser atingidas Por outro lado, cabe destacar que, os cursos de formação de professores
a partir de diferentes estratégias. Em relação a meta 15 que visa garantir uma no Brasil têm sido orientados por uma racionalidade técnica, de perspectiva
Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação e ainda busca formação urbanocêntrica e universalizante que tem como finalidade atender a lógica neoliberal
específica de nível superior a todos professores da educação básica em curso de de formação docente. Nesse sentido, os currículos, bem como suas propostas
licenciatura na área de conhecimento em que atuam, o PNE aponta as seguintes aparecem vinculados a um padrão de formação que, em grande parte do país,
estratégias, em destaque: 1) realizar diagnósticos das necessidades de formação desconsidera a diversidade territorial e as especificidades dos professores bem
de profissionais da educação; 2) consolidar financiamento estudantil a estudantes como de seus espaços de atuação, a exemplo das escolas do campo.
matriculados em cursos de licenciatura e ampliar programa permanente de iniciação Em contrapartida, as conquistas relacionadas ao campo da formação de
à docência; 3) implementar programas específicos para formação de profissionais professores no Brasil são reconfiguradas, face, principalmente, aos dois movimentos
da educação para as escolas do campo, quilombola, indígenas e educação especial que pautam a agenda contemporânea: a Base Nacional Comum Curricular e a
e; 4) implementar cursos e programas especiais para assegurar formação específica Reforma do Ensino Médio. Estes dispositivos, de caráter normativos, acabam
na educação superior, nas respectivas áreas de atuação, aos docentes com por orientar também a formação docente, uma vez que, aparecem diretamente
formação de nível médio na modalidade normal, não licenciados ou licenciados em articulados com a Política Nacional de Formação de Professores.
área diversa da de atuação docente, em efetivo exercício (BRASIL, 2014). Segundo a ANPEd (2016), há quatro objetivos de formação que articulam a BNCC,
a formação de professores e a avaliação em larga escala: “competência, qualificação
profissional, empregabilidade e avaliação de desempenho”. Uma triangulação que
leva, consequentemente, e com base em experiências já vivenciadas em outros
9. Plano regimentado pela Lei Federal nº 13.005/2014. Esta lei é fruto de muita luta e mobilização de
diferentes setores da sociedade e apresenta 20 metas e 254 estratégias que definem os eixos para a
países, à “padronização e eliminação da diferença ou do diferente em seus direitos
elaboração, efetivação e acompanhamento das políticas educacionais para os próximos 10 anos (2014-2024). à singularidade” (p. 2). Desse modo, a BNCC segue “a tendência proposta para a
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OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
ENSINO MÉDIO, ESCOLA RURAL E
TRABALHO DOCENTE NO SÉCULO XXI
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formação humana [que] é a modelização, a homogeneização por meio da acentuação formação e lócus de socialização, reafirmamos, sobremaneira, a importância de
dos processos de administração centralizada” (idem, p.1), assim como, interessa às investimentos em políticas de formação docente, que garanta princípios de formação
“políticas curriculares neoliberais e a uma aliança e agenda conservadora” formada ancorados nas diversas realidades e formas de configurações dos espaços rurais
entre estado capitalista e seus aliados. brasileiro, bem como uma formação que possa articular conhecimentos, saberes
No caso da Reforma do Ensino Médio, expressa na Lei nº 13.415/2017, que, entre tácitos e superação de lógicas urbanas e de um currículo urbanocêntrico, como
outras providências, alterou a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional forma de transposição da cultura urbana e de uma escola única para todos, o que,
(LDBEN) nº 9.394/96, esta direciona um conjunto de mudanças para a formação de fato, tem gerado sérios prejuízos para as escolas, os professores e professoras,
dos jovens, para o currículo escolar e, consequentemente, projeta mudanças para os alunos e alunas de escolas rurais.
a formação de professores que atuam nessa etapa da Educação Básica. A referida Defender a formação com uma epistemologia que se ancora em axiomas
legislação, afeta diretamente a carreira docente anunciando tendências e (in) do campo didático e pedagógico, bem como de suas articulações com saberes
certezas para a formação de professores. Como indicativo, talvez, para fraturar este experienciais, poderá implicar em outras lógicas que atrelam às docentes
cenário universalizante, apostamos em propostas outras de formação que colocam responsabilidades sobre mazelas do sistema educacional. Defendemos e temos
no centro no debate o sujeito, suas histórias e experiências de vida-formação- trabalhando a formação como uma ação coletiva que parte das experiências dos
profissão. Se são diversos os contextos, múltiplas deveriam ser as possibilidades sujeitos em formação, seja inicial e/ou continuada, implicando modos próprios
de formação de professores no Brasil do século XXI. como os sujeitos se formam, a partir das suas histórias de vida, de escolarização
e de formação, mediante reflexões sobre as experiências, através das memórias e
marcas construídas ao longo da vida.
Aberturas para outros diálogos, histórias e políticas Apostar na pesquisa (auto)biográfica (DELORY-MOMBERGER, 2012), como
de formação: (in)conclusões uma fértil e potente perspectiva para a formação, inscreve-se num movimento que
busca superar centralidade da formação docente no domínio da racionalidade técnica
Diversos são os desafios para pensarmos sobre questões de formação, condições e, sim, investir, numa outra epistemologia, que tem como disposição a formação
de trabalho docente e configurações das escolas rurais no contexto brasileiro como uma narrativa, ao partir das experiências inscritas nas trajetórias dos próprios
contemporâneo. Diante das mudanças que vêm se apresentado e de novos sujeitos em formação. Reconhecemos e defendemos que a pesquisa (auto)biográfica,
desenhos sobre as políticas educacionais e educativas, acirram-se posições que através das narrativas de professores e estudantes, escreve-se e inscreve-se como
tangenciam e negam direitos fundamentais dos cidadãos e que, de forma muito dispositivo de pesquisa-ação-formação-experiencial, numa perspectiva colaborativa,
impositiva, tem se revelado outras lógicas para se pensar a educação, a escola através de reflexões e socializações de histórias individuais e coletivas das narrativas
e a formação docente, reafirmando-se que são os docentes, os responsáveis por e memórias de vida-formação dos sujeitos, possibilitando-lhes revisitar memórias e
diversas mazelas do sistema educacional. marcas constitutivas da vida, ao tempo em acessam e reconfiguram narrativamente
Não podemos esquecer das articulações forjadas para aprovações de diretrizes as histórias e experiências de vida-formação-profissão.
curriculares sobre formação de professores, da reforma do Ensino Médio, o que tem
negado a contextualização da formação, do lugar da escola para os jovens, quando os
mesmos têm direito ao acesso e permanência com ‘qualidade’ à educação, implicando
Referências bibliográficas
na minimização de processos de exclusão e de invisibilização dos diferentes sujeitos
que vivem, constroem e significam suas vidas em contextos e territórios rurais.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Questões políticas e desafios postos no atual momento da sociedade
- ANPEd. A ANPEd lança a campanha “Aqui já tem Currículo: o que criamos na
brasileira têm nos colocado diante de dilemas diversos relacionados as políticas de
escola...”. Disponível em: < http://www.anped.org.br/campanha/curriculo>. Acesso
formação de professores, a singularidade e sentido da escola em espaços rurais, em: nov. 2016.
especialmente, por considerarmos discursos e práticas que reforçam estereótipos e
BRASIL. Lei nº. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de
marginalizações dos sujeitos que vivem em territórios rurais. A despeito das práticas
Educação-PNE e dá outras providências. DF: Brasília, 2014. Disponível em <
e representações construídas cotidianamente sobre as escolas em espaços rurais, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm >. Acesso
a precarização do trabalho docente, o lugar ocupado pela escola como espaço de em 21 de jan. de 2018.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA
A FORMAÇÃO DOCENTE RURAL
111

BRASIL. Resolução CNE/CEB 1/2002 - Diretrizes Operacionais para a Educação


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ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
112 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA
A FORMAÇÃO DOCENTE RURAL
113

Condições necessárias para educação e cumprir com as exigências legais, técnicas e pedagógicas dos diferentes
níveis de ensino”.2 A presença da Educação Rural na legislação de nível nacional

a formação docente rural implica o reconhecimento de sua peculiaridade e se compromete com as decisões
de política educacional. A sua inclusão expressa a intencionalidade de atender às
necessidades e particularidades da população que habita em contextos rurais, o que
Olga Zattera 1 impõe ao Estado o desenvolvimento de políticas educacionais adequadas.

Antecedentes relativos à formação


Enquadramento legal
Antes de tentar levantar as características e as condições da formação de educadores
Na Argentina, desde 1884, a educação comum é obrigatória, gratuita e gradual. e professores a desempenhar no contexto rural, é possível mencionar algumas
Desde então, as escolas primárias se espalharam por todo o território nacional, alternativas que foram desenvolvidas ao longo da história e que se constituem, por
mesmo nos lugares mais remotos. Como no mundo inteiro, o formato escolar mais sua vez, em antecedentes para novas propostas e em objeto de estudo para analisar
comum em áreas rurais é o plurinível. As baixas taxas de matrícula determinam a a sua pertinência.
formação de grupos escolares formados por estudantes matriculados em diferentes Por volta de 1904, na província de Entre Ríos, abriam-se as portas da Escola
níveis de escolaridade. Os grupos de, pelo menos, dois níveis são considerados Normal de Professores Rurais “Dr. Juan Bautista Alberdi”. A partir dessa, buscou-
plurinível ou multinível. se construir a formação sistemática de professores destinados ao campo. Pioneira
As transformações na ruralidade argentina tiveram um impacto na configuração na formação específica, sustentou a mesma intencionalidade durante todo o século
do sistema, aumentando a quantidade de escolas nas localidades onde se localiza a passado. No tempo de suas origens, em geral professores não graduados ensinavam
nova população, crescendo a matrícula juntamente à urbanização e tornando urbanas nas escolas rurais, uma vez que os graduados das escolas normais ensinavam nas
algumas escolas rurais, fechando outras em função do abandono do campo. Mesmo cidades. Cabe mencionar um decreto do Poder Ejecutivo Nacional [Poder Executivo
assim, aproxima-se de 50% a quantidade de escolas rurais, ainda que atenda a 9% Nacional argentino] de 1910, que, em um mesmo ato resolutivo, determinava a
da população em idade escolar. fundação de sete escolas normais rurais mistas. Esse é um exemplo da preocupação
Desde 2006, sob o amparo da Ley de Educación Nacional [Lei de Educação estatal em formar professores para escolas rurais em diferentes províncias e territórios
Nacional] (26206/06), duas questões têm relevância para o tema do Seminário. Por nacionais. São exemplos: a Escola Normal de Professores Rurais em Chascomús,
um lado, estabelece-se a obrigatoriedade do Ensino Médio completo; além disso, província de Buenos Aires, ou em Coronda, criada no ano 13, e em 1916, a Escola
cria a Modalidade de Educação Rural, que tem como incumbência definir as políticas Normal Mista de Professores Rurais de Villa Constitución, ambas na província de
educacionais para a população que habita o campo. Santa Fé. Mais tarde, no ano de 1933, em Cruz del Eje, Córdoba, a Escola Normal de
A obrigatoriedade impõe o desafio para a política educacional de gerar escolas Adaptação Regional começou a cumprir um novo plano de estudos que outorgava
secundárias para todos os estudantes, independente de onde vivem e com as o título de Professor Normal Rural. E, em 1937, em San Juan, instalou-se a Escola
formas mais adequadas para a diversidade de territórios. Normal de Professores Rurais “Gral. San Martín”. Esses exemplos são um sinal da
Por sua vez, com a definição da modalidade reconhece-se a sua especificidade presença da ruralidade, desde as origens do sistema formador. Nessa época já se
como uma das alternativas que “procuram dar resposta a requisitos específicos apresentava a ideia de que era necessário que os professores se formassem na
de formação e atender às particularidades de caráter permanente ou temporário, área onde iriam trabalhar, com um plano de acordo com as necessidades reais do
pessoais e/ou contextuais, com o propósito de garantir a igualdade no direito à

2. Lei da Educação Nacional Art.17. Definição de modalidade educacional. São modalidades: a Educação
1. Coordenadora nacional de Educação Rural do Ministério da Educação da Argentina, especialista em Técnico Profissional, a Educação Artística, a Educação Especial, a Educação Permanente de Jovens e
educação rural e professora do curso de mestrado em Currículo da Universidade Nacional de Lomas de Adultos, a Educação Rural, a Educação Intercultural Bilingue, a Educação em Contexto de Privação de
Zamora, na Argentina Liberdade e a Educação Domiciliar e Hospitalar.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA
A FORMAÇÃO DOCENTE RURAL
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progresso cultural e, ao mesmo tempo, o fortalecimento da nacionalidade. Com o comunidades, das escolas e dos alunos, com maior peso nos aspectos sociológicos
tempo, a urbanização foi ganhando terreno e muitas das escolas, originalmente de ou antropológicos. Encontra-se menos referências relacionadas a aspectos
localização rural, foram transformadas em escolas normais urbanas. Essas foram estritamente pedagógicos e didáticos, e não é comum encontrar pesquisas sobre
perdendo progressivamente sua denominação rurais e seus planos de estudo foram as práticas docentes.
substituídos. Após sucessivas alterações, a formação docente inicial generalizou- A centralidade de temas ligados à educação rural se constituiu como um
se, tendo como objeto de estudo a escola primária urbana. A consideração de que sinal do nosso tempo: na definição de políticas específicas, no desenvolvimento
“o rural”, geralmente, tomou a forma de seminários, que, com carácter opcional, de experiências em diferentes escalas (institucionais, regionais e nacionais),
conviveram com outras modalidades atuais como, por exemplo, a educação de nos debates pedagógicos e curriculares em torno de suas particularidades e
adultos. A carga horária destinada a esses seminários e a profundidade de seus especificidades, como também na incorporação progressiva dessas temáticas na
conteúdos foi decisão institucional, em função de sua relevância para a adequação agenda da pesquisa.
ao espaço local. Um debate fundamental da formação docente é aquele que trata de dar
Perante esta ausência na formação, não se pode desconhecer a marca que respostas a quais questões devem ser consideradas na formação inicial e quais
os “professores exemplares” deixaram ao longo do século XX, os quais, tendo devem ser postergadas para o momento da inserção no mercado de trabalho. A
desenvolvido a sua atividade em escolas rurais, registraram suas experiências, busca de alternativas destinadas à formação específica dos professores rurais,
difundiram-nas e tem gerado contribuições insubstituíveis no momento de pensar entendida como um processo permanente que acompanha todo o desenvolvimento
a conceptualização a partir da prática. Assim é o caso de Luis Iglesias, que, a partir da vida profissional, exige considerar, simultaneamente, duas situações:
de seu trabalho ao longo de vinte anos como professor na Escola Rural Unitária
N° 11, de Tristán Suárez, local da província de Buenos Aires, elaborou propostas l a dos alunos, futuros professores, que participam da formação inicial e que
didáticas renovadoras em todas as áreas do ensino fundamental que, em seguida, possivelmente terão os contextos rurais como horizonte de desempenho;
resultou em obras como “La escuela rural unitaria” [A escola rural unitária] ou “Los l a dos docentes em exercício, que muito provavelmente não devem ter
guiones didácticos” [Os roteiros didáticos], entre outras. No Uruguai, foi Jesualdo recebido formação para desempenhar nesse contexto.
Sosa: sua obra coloca em palavras a experiência vivenciada na Escola Rural de
Canteras del Riachuelo (Colonia), onde surge o relato de “Vida de um Professor”. Em seguida, refere-se a essas duas situações, mediante a consideração de
Nesse sentido, é necessário mencionar também a experiência de Olga e Leticia ações efetivamente desenvolvidas na Argentina, com a intenção responder às
Cossettini, em Santa Fe. Contemporâneo a esse, também se pode mencionar necessidades e às particularidades da docência rural.
Celestin Freinet (França).
Suas propostas têm em comum a referência à “escola nova” ou “ativa”
(primeira metade do século XX); desenvolvimento pedagógico de orientação muito Formação inicial
diferente, o que os mostrou críticos à educação tradicional e cuja intencionalidade
era a de transformar a escola e colocá-la em conexão com a realidade social em que Na Argentina, a formação docente inicial é de nível terciário e é desenvolvida em
se localizava, conferindo centralidade às crianças e às suas experiências e saberes Institutos Superiores, dependentes de cada uma das províncias. As Diretrizes
em situações de sala de aula. Curriculares (DC) atualmente em vigor datam de 2007 e foram elaboradas a partir
Depois de um longo período no qual a especificidade do rural era resgatada de acordos de caráter federal, nos quais participaram representantes de todas
apenas em experiências pontuais, nos últimos anos começaram a se desenvolver, as províncias, articulados pelo Instituto Nacional de Formación Docente [Instituto
com diferentes níveis de generalização e status de progresso, instâncias de Nacional de Formação de Professores]; buscam “aprofundar e melhorar as definições
capacitação e especialização, especialmente projetadas para os professores que curriculares, gerar consensos progressivos e, principalmente, fortalecer a integração
atuam em contextos rurais. nacional do currículo de formação docente, apoiando a coerência e a qualidade das
Ademais, é necessário observar as contribuições da pesquisa universitária. propostas de formação em todo o território”(DC, 2007, Introdução, Artigo 6).
Muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado dos últimos anos abordam Na maioria das jurisdições argentinas, essa formação de docentes para o nível
uma incorporação crescente na agenda da investigação nas escolas de contextos primário inclui aqueles que terão que atender às necessidades e às particularidades
rurais. Mesmo assim, a bibliografia geralmente se concentra na caracterização das ao atuar em escolas de contextos rurais, bem como os que trabalham nas diversas
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
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CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA
A FORMAÇÃO DOCENTE RURAL
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modalidades da educação. Atendendo à necessidade de rever a formação para para o modelo naturalizado do ensino fundamental, com séries independentes e não
tais desempenhos durante os anos de 2008 e 2009, desenvolveu-se um processo contemplam a contextualização do ensino, nem a situação de plurinível.
de preparação e divulgação de “Recomendações para a elaboração de Projetos Atendendo a tais vagas, o curso foi definido com uma modalidade bimodal
Curriculares” para a formação de docentes para as modalidades. (combinada) e centrou-se na consideração de ensino em contextos rurais com a
As “Recomendações para a elaboração dos Desenhos Curriculares. Professores organização escolar em séries agrupadas.
da Educação Rural”, foram divulgadas no ano de 2009 pela Área de Desenvolvimento Levou-se em conta, para a escolha da modalidade, que cada docente pudesse
Curricular do Instituto Nacional de Formação Docente (MInistério da Educação- organizar pessoalmente o estudo e dispusesse de tempo para desenvolver
Argentina) que coordenou sua elaboração. Para esta produção, foi desenvolvido instâncias de reflexão pessoal nos locais de residência, mas também superava-se
extenso processo de consulta que incluiu representantes dos setores sindicais o isolamento com a criação de espaços de troca entre pares, com uma frequência
ligados às Universidades, de gestão governamental e privada, e representantes regular possível de sustentar em qualquer um dos contextos.
de órgãos governamentais de educação superior e formação docente de todos os Em relação à organização, propôs-se alternar as instâncias de encontro nas
estados do país assim como os representantes de gestão da educação rural. cidades - com a expectativa de propiciar uma rede entre os docentes, a nível local,
isto é, entre aqueles que se desempenhavam em escolas mais ou menos próximas
- com o desenvolvimento de propostas de ensino em cada escola que foram
Formação em serviço registradas pelos professores, com o propósito de tê-las disponíveis para a análise
e a reflexão nos momentos de encontro.
Em relação à formação em serviço (contínua), a partir da descrição e análise de três Desenvolveram-se quatro áreas de conhecimento: Línguas, Matemática,
casos (Curso “Rumo a uma melhor qualidade da Educação Rural”; pós-graduação Ciências Sociais e Ciências Naturais. Para cada área, quatro módulos foram
da especialização superior em Educação Rural; Curso de capacitação para Diretores elaborados: um dedicado a apresentar as características de cada área, e cada um
de Centros Educativos para a Produção Total, escolas de alternância) promove-se dos três seguintes constituiu uma unidade de ensino para ser desenvolvida com
a reflexão sobre as características particulares que seria necessário incluir perante o plurinível. Em cada unidade, foi apresentada uma seleção de conteúdos com a
o projeto e a implementação de alternativas de capacitação para docentes que proposta de ensino correspondente. Esses quatro módulos estruturaram a realização
trabalham em escolas secundárias rurais. de quatro encontros por semestre (aulas) para o desenvolvimento de cada área.
Portanto, a formação completa envolveu um período de dois anos e todas as áreas
foram certificadas separadamente.
“Para uma melhor qualidade da Educação Rural” A unidade entre as diferentes instâncias (encontros presenciais e o trabalho
autónomo dos docentes, que incluiu atividades com bibliografia específica e a
Na província de Buenos Aires, a Direção Provincial de Educação Superior, por meio implementação de classes nos pluriníveis) foi sustentada por um material impresso
do Programa de Formação e Capacitação Docente Contínua, implementou, entre os por área, que reproduz a estrutura de uma apresentação e três unidades, onde se
ciclos letivos de 2001 e 2006, o Curso “Rumo a uma melhor qualidade da educação colocam exemplos de ensino.
rural”, destinado a professores do ensino fundamental de escolas rurais e de ilhas. Foi Mesmo quando a participação dos docentes surgiu como voluntária, foi oferecida
desenvolvido especialmente para professores, que se trabalhavam em instituições as em 135 distritos do Estado e assistiram cerca de 90 % dos docentes em exercício.
quais, mesmo que tivessem características diferentes, contavam, pelo menos, com
algum grupo de alunos, o que exigia atenção simultânea dos professores para com,
no mínimo, mais de um ano de escolaridade. Tratava-se de profissionais, os quais, “Pós-graduação: Especialização Superior
pelas exigências de sua tarefa cotidiana, trabalhavam geralmente de forma isolada, em Educação Rural”
com poucas possibilidades de se encontrar com outros colegas e de aderir a formas
de troca para enriquecer sua tarefa, com oportunidades insuficientes de formação Com o mandato legal de promover ações que levem em conta as singularidades
adequadas às suas necessidades. Por um lado, as ofertas de formação geralmente oriundas das particularidades e necessidades dos diferentes contextos, o Ministerio
se localizam em espaços urbanos, com o qual estariam obrigados a se ausentar de de Educación de la Nación [Ministério da Educação da Argentina] desenvolveu esse
seus locais de residência e trabalho; além disso, tais propostas tendem a ser pensadas pós-graduação para os professores de Nível Primário, com o fim de promover o
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
118 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA
A FORMAÇÃO DOCENTE RURAL
119

aprofundamento dos conhecimentos relativos à educação em contextos rurais e de Total, FACEPT) e a Direção-Geral de Cultura e Educação do estado de Buenos
criar um espaço de discussão crítica em torno das características da educação rural Aires. Essa Federação representa as 35 Associações civis formadas com o objetivo
e de suas instituições. simultâneo de reivindicar, organizar e gerir uma escola secundária para os jovens,
O projeto foi realizado pelas equipes centrais do Instituto Nacional de Formação com modalidade de alternância e de promover ações comunitárias voltadas para o
de Professores e da Modalidade Educação Rural, e a implementação foi acordada desenvolvimento local.
no enquadramento do Conselho Federal de Educação, constituído pelos Ministros Os Centros Educacionais para a Produção Total, tal como se denominam essa
de Educação das diferentes jurisdições da Argentina. escolas, formam técnicos agropecuários.
A implementação permitiu a formação de grupos de escolas para promover o Não existem espaços de formação geral para a condução de tais instituições.
trabalho a nível local e contemplou a realização de encontros estaduais. A oferta disponível não contempla as atuações particulares, exigidas pelo projeto
A carga horária exigida para a certificação de um curso de especialização implicou político, filosófico e pedagógico da alternância educacional. Por isso, a Federação,
a execução de diferentes espaços curriculares: quatro espaços de tratamento de no âmbito da cogestão, organiza alternativas de capacitação em serviço para os
situações didáticas em plurinível (Línguas, Matemática, Ciências Sociais e Ciências diferentes atores que atuam nos centros educacionais.
Naturais), um para contemplar a diversidade de condições de ingresso (Alfabetização Durante o ano de 2010, foi organizada uma especialmente destinada aos
na sala de aula rural) e um para oferecer um quadro conceitual geral (A educação em diretores. Com uma duração de 3 semestres, desenvolveu-se com a modalidade de
contextos rurais). alternância. Encontros bimestrais estaduais de todos os diretores eram alternados
Para cada um dos espaços, elaborou-se um material impresso, que continha com atividades nos espaços locais. A sede dos encontros variava, para que todos
informações e propostas de atividades que constituíram as alternativas de trabalho conhecessem os diferentes territórios onde desenvolvem suas atividades.
autónomo. Para concluir e certificar o curso, cada diretor deveria elaborar uma Tese
Estendeu-se a todo o país e foi organizada de forma articulada entre as equipes (ferramenta da pedagogia da alternância), cujo desenvolvimento deveria selecionar
nacionais da Modalidade de Educação Rural e do Instituto Nacional de Formação de uma problemática a nível local e investigar possibilidades de intervenção. Além
Professores e as equipes de Educação Superior dos estados. De comum acordo, disso, tinha que escolher em sua comunidade um diretor de tese que acompanharia
estabeleceram-se os Institutos formadores do interior de cada estado, e entre os o seu desenvolvimento.
docentes desses, selecionaram os professores que capacitariam os professores rurais
O desenvolvimento da pós-graduação reconheceu como antecedente o curso
mencionado “Para uma melhor qualidade da Educação Rural”. Nesse sentido, Para concluir
replicou-se o modelo de formação: as equipes nacionais treinaram os treinadores,
em encontros que antecediam o que esses desenvolviam com os professores. Em Em geral, todas as propostas de formação (inicial e contínua) para a docência rural
tais encontro, antecipavam-se os conteúdos e as estratégias que seriam propostas (ensino primário e secundário) tendem a tratar de dois aspectos:
e planejava-se cada jornada de capacitação para os professores. Por sua vez, no
tempo entre reuniões, os professores desenvolviam aulas com organização em l a organização institucional, em particular a dos pluriníveis/plurianos - nesses
plurinível, que haviam planejado no último dia de trabalho e registravam seus modelos se aprofunda a reflexão sobre a experiência cotidiana e são analisadas
resultados. Esses registros eram debatidos no próximo dia de trabalho. propostas de ensino específicas das áreas curriculares, concebidos para a
situação de níveis agrupados;
l a situação de relativo isolamento dos docentes: estabelece espaços de
“Curso de capacitação para Diretores de Centros trabalho compartilhado e colaborativo entre professores de várias escolas, de
Educacionais para a Produção Total – escolas modo que o trabalho em equipe possa superar o habitual trabalho individual
de alternância” e solitário.

Na Argentina, existem cerca de 120 escolas de alternância. 35 dessas localizam- Em ambos os casos, não há dúvida sobre a necessidade de incluir uma
se no estado de Buenos Aires e se organizam com um modelo cogerencial entre aproximação gradual aos saberes universais, aos avanços tecnológicos, as atualizações
uma organização do 2° nível (Federação de Centros Educacionais para a Produção disciplinares, as ideias da didática geral e das diferentes áreas disciplinares.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
120 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA
A FORMAÇÃO DOCENTE RURAL
121

Também há um acordo sobre as responsabilidades dos professores de adequar diferentes que possibilitem uma maior aproximação desde o início da formação. É
seu desempenho ao contexto social e local em que está localizada a escola onde possível: abordar em uma primeira instância situações didáticas prefiguradas em
trabalha, pois isso possibilita que as suas intervenções promovam as melhores sala de aula dos institutos por meio de observação de vídeos, relatos e análises
condições para a aprendizagem de seus alunos. de experiências, estudos de casos etc., avançando para uma caracterização mais
A dificuldade está em como conseguir que os princípios gerais da ação acabada da realidade específica, considerar a possibilidade de desenvolver trabalhos
docente encontrem formas de realização adequadas para os espaços locais onde de campo e micro aulas até alcançar a efetiva realização de práticas em contextos
são realizadas, especialmente quando esses espaços não foram antecipadas pelos reais de desempenho, partindo das instituições mais próximas dos espaços urbanos
professores e se encontram com suas características no mesmo momento de até as escolas rurais mais isoladas. Uma contribuição central será a participação de
assumir a tarefa. Vale a pena aprofundar os aspectos que devem saber todos os docentes em exercício, a partir de acordos explícitos ou projetos compartilhados
professores – os que estão em exercício atualmente e os futuros – em relação às entre o instituto superior e as escolas.
particularidades que pode assumir o exercício da docência, por exemplo, em:

l c ontextos urbanos e rurais; Formação em serviço


l pequenas paisagens ou ilhas isoladas;
l  os arredores de grandes ou pequenas cidades ou os cordões fruti-hortícolas Em relação aos professores em serviço, é necessário desenvolver alternativas
que recebem populações migrantes, onde se encontram alunos que vêm de que possibilitem a recuperação das práticas que desenvolvem; propor a análise de
diferentes regiões ou países; seus desempenhos atuais, porque foi na prática cotidiana que tiveram de produzir
l  as áreas onde se localizam populações bi ou multilíngues; conhecimentos e desenvolver estratégias próprias para resolver as situações de
l  regiões ou zonas onde todos ou a maioria dos alunos são descendentes dos ensino.
povos originários. É necessário avançar em níveis de conceptualização a respeito do ensino de
cada uma das áreas curriculares e dos modelos de organização institucional que
foram instalados localmente a partir da experiência de cada um dos docentes.
Formação inicial Do mesmo modo, é necessário abordar problemáticas nodais, tais como: os
processos de alfabetização inicial em plurinível, ainda mais em situações de ingresso
Parece necessário que, durante a formação inicial, incluam-se unidades curriculares, tardio; conseguir levantar a crescente complexidade no tratamento dos conteúdos
especialmente concebidas para o conhecimento dos domínios rurais, de suas recorrentes nos diversos anos de escolaridade; propiciar a construção progressiva da
instituições educacionais, dos modelos organizacionais próprios e de certos autonomia na aprendizagem; a utilização de materiais de desenvolvimento curricular
conteúdos específicos relacionados à realidade local. Além disso, deve-se contemplar em diversos suportes; os modos de relação com as comunidades de referência e a
as tecnologias da informação e da comunicação, em função das possibilidades reais participação das escolas em processos de desenvolvimento local.
de disponibilidade. Para que esse aprofundamento seja possível, é necessário criar alternativas
Também deve-se considerar a aproximação às características e necessidades que aproximem as diferentes áreas das propostas de formação e que promovam o
dos alunos a nível individual e coletivo. Em todos os casos, será necessário incluir trabalho compartilhado dos professores de escolas próximas, para colaborar com a
conteúdos de disciplinas afins que fornecem explicações para compreender a superação do isolamento relativo das escolas e dos professores e, progressivamente,
situação de vida das diversas comunidades rurais e as suas potencialidades. Trata- dos alunos e das comunidades.
se, em síntese, de incluir como objeto de estudo a ruralidade como contexto, a Exige-se: ampliar a formação dos locais de residência e de trabalho; tomar a
organização do trabalho escolar no âmbito do plurinível e a organização institucional prática cotidiana como objeto de estudo e analisar as características e condições de
própria dessas escolas. ensino; gerar modelos de formação para aprender fazendo e em correspondência
Em contextos urbanos, a incorporação progressiva dos alunos às ações docentes com a prática que se promove para diferentes modelos de organização institucional.
se realiza, efetivamente, “indo do instituto para as salas de aula da escola primária”. Trata-se de formar em novas ruralidades, em modelos organizacionais próprios, em
O desafio que aqui se coloca é o de “levar a sala de aula rural ao instituto”. Durante alternativas didáticas especialmente concebidas para o pluriano.
todo o percurso de formação, será possível incluir progressivamente alternativas
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
122 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
DO CAMPO NO BRASIL
123

Política de Educação
do Campo no Brasil1
Rita Gomes do Nascimento 2

Desde o início dos anos 2000, tem-se buscado construir no País uma política
nacional de educação do campo. Pode-se dizer que a construção desta política é
resultado do processo de redemocratização instaurado no final dos anos de 1980,
do crescente protagonismo dos movimentos sociais e sindicais camponeses na
cena pública e da instituição de uma agenda de políticas públicas, nas diferentes
áreas de governo, voltada para o desenvolvimento sustentável e solidário do campo.
É, portanto, a partir da atuação de diferentes atores sociais que a política nacional
de educação do campo vem ganhando materialidade na agenda dos sistemas de
ensino brasileiros. Com isso, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios,
sob o regime de colaboração e no âmbito de suas respectivas competências, vêm
definindo marcos jurídicos e regulatórios, bem como instituindo e desenvolvendo
programas e ações voltados para a promoção da educação do campo.
Na construção destes fundamentos legais, destacam-se, em âmbito nacional,
as normativas do Conselho Nacional de Educação (CNE) que orientam e dão
sustentação ao conjunto de ações desenvolvidas pelos entes federados na promoção
da educação do campo, a saber:

l  arecer CNE/CEB nº 36/2001 e a Resolução CNE/CEB nº 1/2002 que instituíram


P
as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo;

1. A educação do campo é considerada uma modalidade específica integrante da educação básica no âmbito
das políticas educacionais brasileiras. A acepção desta especificidade vem sendo construída desde a década
de 1980, a partir das lutas dos movimentos sociais e de suas críticas à precariedade das escolas rurais, bem
como à perspectiva desenvolvimentista, assistencialista e fragmentada que caracterizava a educação rural.
Educação do campo, portanto, não é o equivalente direto das escolas rurais ou daquelas que tão somente
se localizam em áreas rurais, dizendo respeito às políticas de educação específicas para as escolas com
projetos pedagógicos adequados às populações do campo. Sendo assim, escolas situadas em ambiente
urbano, mas que atendam a estudantes do campo também podem ser consideradas escolas do campo, uma
vez que se encontrem identificadas com as demandas políticas e as referências culturais das populações
campesinas. Do mesmo modo, as escolas indígenas e quilombolas ofertam modalidades de educação
FOTO: SAMARA NUNES

específica, não abordadas neste texto, embora o Programa Nacional de Educação do Campo tenha buscado
contemplar, em algumas de suas ações, as comunidades quilombolas.
2. Doutora em Educação. Foi conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE) de 2012 a 2016 e
gestora no Ministério da Educação (MEC) na área das políticas de educação escolar indígena, quilombola, do
campo e para as relações étnico-raciais no MEC de 2015 a 2018.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
124 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
DO CAMPO NO BRASIL
125

l  arecer CNE/CEB nº 1/2006 que trata sobre os dias letivos para a aplicação da
P l controle social da qualidade da educação escolar, mediante a efetiva
Pedagogia de Alternância nos Centros Familiares de Formação por Alternância participação da comunidade e dos movimentos sociais do campo.
(CEFFA);
l Parecer CNE/CEB nº 3/2008 que reexamina o Parecer CNE/CEB nº 23/2007, É estabelecido no decreto, desse modo, que a política em comento é
que trata da consulta referente às orientações para o atendimento da Educação caracterizada pela promoção de ações educativas que reconhecem as especificidades
do Campo; das populações do campo, sobremodo no que se refere às suas necessidades
l Resolução CNE/CEB nº 2/2008 que estabeleceu as diretrizes complementares, específicas de formação para um desenvolvimento sustentável e reprodução
normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de sociocultural de suas comunidades. Trata-se, então, da proposição de uma política
atendimento da Educação Básica do Campo. pública alinhada a uma agenda de governo que pretendeu firmar compromissos
com movimentos e grupos sociais de construção democrática marcada pelas ações
De maneira geral, estas normativas possuem como fundamento a Constituição de valorização das diferenças e de promoção de justiça social no enfrentamento de
Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) situações de desigualdade educacional e econômica.
e as diretrizes nacionais para a educação básica em todas as suas modalidades. Todavia, não obstante a importância da existência destes documentos que dão
Neste sentido, os referidos documentos constituem a base legal para a construção amparo legal para a construção da política, a sua efetivação ainda apresenta muitos
da política, não apenas definindo seus princípios e diretrizes, mas também desafios. Pensando nisto, o MEC, com vistas a superar a fragmentação de ações e a
normatizando suas ações. inexistência de algumas tidas como prioritárias, criou em 2012, o Programa Nacional de
O corpus de diplomas legais que ancoram uma política nacional de educação Educação do Campo (Pronacampo). Este programa foi elaborado em colaboração com
do campo é constituído ainda pelo Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010, o Conselho dos Secretários Estaduais de Educação (CONSED), a União dos Dirigentes
que dispõe sobre a política de educação do campo, coordenada pelo Ministério da Municipais de Educação (UNDIME), a Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Educação (MEC), e sobre o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária Agricultura (CONTAG), o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem
(PRONERA), de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Terra (MST), a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF), a Rede
O decreto busca ampliar e qualificar o atendimento educacional às populações de Educação do Semi-Árido Brasileiro (RESAB), a Universidade de Brasília (UnB) e a
do campo da educação básica à superior. Dentre outras coisas, traz importantes Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além destes, outros sujeitos sociais
definições sobre populações do campo, educação do campo, escola do campo, contribuíram com suas discussões e proposições.
definindo também seus princípios, apresentados a seguir: Com vistas a atender às demandas das populações do campo, em todos os
níveis e modalidades da educação, o Pronacampo teve suas ações estruturadas em
l respeito à diversidade do campo em seus aspectos sociais, culturais, quatro eixos que articulam diferentes dimensões da política proposta de educação
ambientais, políticos, econômicos, de gênero, geracional e de raça e etnia; do campo, a saber:
l incentivo à formulação de projetos político-pedagógicos específicos para as
escolas do campo, estimulando o desenvolvimento das unidades escolares l  estão e Práticas Pedagógicas;
G
como espaços públicos de investigação e articulação de experiências e l Formação Inicial e Continuada de Professores;
estudos direcionados para o desenvolvimento social, economicamente justo l Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional e
e ambientalmente sustentável, em articulação com o mundo do trabalho; l Infraestrutura Física e Tecnológica.
l desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da educação para
o atendimento da especificidade das escolas do campo, considerando-se as Estes eixos são estruturadores das ações de promoção de uma política de
condições concretas da produção e reprodução social da vida no campo; educação do campo por meio da sua sistematização em ações coordenadas,
l valorização da identidade da escola do campo por meio de projetos visando conferir a elas maior e mais efetiva institucionalidade nos sistemas de
pedagógicos com conteúdos curriculares e metodologias adequadas às reais ensino ao dizer respeito às diferentes competências dos diversos atores envolvidos:
necessidades dos alunos do campo, bem como flexibilidade na organização secretarias e conselhos de educação, universidades, movimentos sociais e demais
escolar, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e órgãos da sociedade civil organizada.
às condições climáticas e Dentre as ações do Pronacampo, de modo geral, estão a aquisição e distribuição
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
126 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
DO CAMPO NO BRASIL
127

de livros didáticos específicos, os programas de formação docente e o apoio A educação do campo em números
técnico e financeiro disponibilizado às secretarias de educação dos estados, do
Distrito Federal e dos municípios para iniciativas locais voltadas para a promoção da De acordo com o Censo Escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e
educação do campo, por meio de seus Planos de Ações Articuladas (PAR).3 Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em 2017, existiam 55.258 escolas,
No âmbito da formação merecem destaque o Programa de Apoio à Formação 5.136.169 matrículas e 415.708 professores atuando nas escolas do campo em toda
Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo) e a Ação Escola da a educação básica.
Terra. O Procampo foi criado com a finalidade de ampliar o atendimento educacional Com relação à infraestrutura das escolas, merecem destaque os seguintes
nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas do campo. Os dados que mostram conquistas e alguns problemas que ainda precisam ser
cursos do Procampo são ofertados pelas Instituições Públicas de Educação Superior solucionados na oferta da educação do campo:
(IPES), em períodos de alternância de estudos (Tempo Universidade e Tempo
Comunidade), com habilitação multidisciplinar nas áreas de linguagens e códigos, l  4,65% funcionam em prédios próprios;
9
ciências humanas, ciências da natureza, matemática e ciências agrárias. Atualmente l 
6 3,11% têm computador
tais cursos são ofertados por 42 IPES, com a previsão de 13.770 professores serem l 
32,79% têm acesso à internet
formados até 2020. Não obstante os esforços do MEC e das IPES, o Procampo l 
6,82% sem energia
enfrenta grandes desafios que impedem sua consolidação como, por exemplo, a l 
9,21% sem água
falta de financiamento específico para sua manutenção e expansão, bem como a l 
11,35% sem esgotamento sanitário
inexistência ou precariedade de infraestrutura física para seu funcionamento.
Já a Ação Escola da Terra foi criada para promover a formação continuada de No que se refere à formação dos Professores, 58,31% possuem curso superior.
professores que atuam em classes/turmas multisseriadas dos anos iniciais do ensino Quanto às matrículas, 856.880 ou 16,7% estão na educação infantil, 3.517.554 ou
fundamental nas escolas do campo. Trata-se do apoio técnico e financeiro do MEC 68,5% dos estudantes estão matriculados no ensino fundamental, sendo 2.197.672
para a oferta de cursos de aperfeiçoamento de 180 horas, realizados pelas IPES em nos anos iniciais e 1.319.882 nos anos finais, 280.730 ou 5,5% das matrículas estão
parceria com as secretarias de educação. A ação também se destina à aquisição e à no ensino médio, 101.794 ou 2% na Educação Profissional e 379.111 ou 7,4% na
distribuição de materiais didáticos pelo MEC para as escolas, bem como ao apoio às modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
IPES para a produção de recursos didáticos conforme as especificidades formativas Conforme pode ser visto no quadro a seguir, a maioria das escolas pertence
das populações do campo. à rede de ensino dos municípios que conta com 91,7% do total das instituições
O Programa Nacional do Livro Didático/Campo (PNLD Campo) destina-se ao escolares do campo. Já as escolas estaduais perfazem um total de 5,9%, ao passo
atendimento de estudantes e professores do 1º ao 5º ano do ensino fundamental com que as instituições privadas são 1,3% e as federais são apenas 0,2%.
livros didáticos específicos. As obras do PNLD Campo compreendem a alfabetização
matemática, letramento e alfabetização, língua portuguesa, matemática, ciências,
história e geografia, integradas em coleções multisseriadas ou seriadas, disciplinares, Número de escolas do campo por categoria administrativa e por região

interdisciplinares ou por área do conhecimento. Os livros serão dos estudantes e


CO NE N SE S BRASIL
professores, sem necessidade de devolução ao final do ano letivo. Além destes
livros, as escolas são contempladas também com outros materiais do Programa Federal 14 32 8 23 15 92
Nacional do Livro Didático (PNLD), tais como dicionários e obras complementares.
Estadual 319 760 841 813 1.091 3.824

Municipal 985 29.637 10.832 5.905 3.287 50.646


3. O PAR é um instrumento de planejamento estratégico e de gestão das políticas públicas de educação,
criado em 2007, no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), visando o cumprimento
Privada 25 417 49 168 37 696
do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação a fim de se promover melhorias nos índices
educacionais brasileiros. Trata-se da forma de apoio técnico e financeiro ofertado aos sistemas de ensino
Total 1.343 30.846 1.1730 6.909 4.430 55.258
pelo MEC, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), sendo concebido como um
conjunto articulado de ações para a execução de programas de manutenção e desenvolvimento da educação
Fonte: Inep, 2017.
básica. Para mais informações, consultar o endereço http://portal.mec.gov.br/par.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
128 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
DO CAMPO NO BRASIL
129

Como pode ser visto no quadro acima, o maior número de escolas está situado Número de escolas do campo com matrícula no ensino médio, por categoria
na Região Nordeste, correspondendo a 55,82% do total de escolas do campo no administrativa e região, 20174

País. Além disso, como já assinalado, a rede municipal abriga a maioria destas escolas
CO NE N SE S BRASIL
e, por conseguinte, concentra também o maior número de matrículas, a exemplo
do que ocorre no cenário nacional onde as escolas municipais representam cerca Federal 0 3 0 1 0 4
de 2/3 dos estabelecimentos escolares e quase metade (47,5%) das matrículas na
Estadual 214 601 449 449 353 2.066
educação básica brasileira.
Vale destacar que este significativo percentual de escolas do campo sob Municipal 4 38 2 9 16 69
a responsabilidade dos municípios evidencia o dado já sugerido de uma maior
Privada 0 17 18 30 10 85
oferta do ensino fundamental para estas escolas a partir do número de matrículas
apontado para esta etapa de ensino. Mais uma vez, semelhante ao quadro nacional, Total 228 659 469 489 379 2.224
a maior taxa de atendimento do ensino fundamental está ligada aos avanços das
Fonte: Inep, 2017.
políticas educacionais alcançados nos últimos anos voltadas para a promoção da
universalização desta etapa de ensino.
Todavia, não obstante os avanços, é preciso destacar que, sobretudo nos anos No que tange à infraestrutura, vale destacar que, do montante de escolas do
finais do ensino fundamental, ocorrem os maiores índices de reprovação e também campo com matrículas no ensino médio, a quase totalidade (2.114 ou 95,1%) funciona
a distorção idade-série. Estes dados, aliados às dificuldades de atendimento das em prédio escolar próprio. As atividades escolares das 110 ou 4,9% restantes
demandas educacionais das populações do campo pelos sistemas de ensino, ocorrem em outros locais, tais como centros comunitários, igrejas e residências dos
contribuem para a baixa oferta do ensino médio em suas escolas. professores.
É importante destacar que nas escolas que ofertam o ensino médio há também
matrículas em diferentes etapas e modalidades (educação infantil, creche, pré-
O ensino médio escola, ensino fundamental, educação profissional e educação de jovens e adultos),
conforme apresentado no quadro a seguir.
Existem no País 184.145 escolas de educação básica, destas 28.558 mil ofertam o
ensino médio, sendo que 89,7% estão na zona urbana e apenas 10,3% na zona rural.
Número de matrículas na educação básica em escolas do campo que possuem matrículas no ensino médio, por
Ao todo são 48.608.093 matrículas em toda a educação básica, destas 7.930.384 etapa/modalidade de ensino
estão no ensino médio, contando a zona rural com apenas 4,5% das matrículas
nesta última etapa da educação básica. O ensino médio é, portanto, a etapa de Educ. Pré- Ensino E.F. Anos E.F. Anos Educ.
Creche EJA EJA EF EJA EM
menor atendimento na zona rural. Das 55.258 escolas do campo, ele ofertado em Infantil Escola Fund. Iniciais Finais Profis.

apenas em 2.224 o que corresponde a 4% destas escolas. 3.856 570 3.286 232.098 53.409 178.689 13.242 45.985 23.265 22.720
Conforme pode ser visto no quadro a seguir, a maioria das escolas de ensino
médio pertence à rede estadual (92,9%), tendo em vista que tem sido competência Fonte: Inep, 2017.

das secretarias estaduais de educação a sua oferta.


É preciso dizer também que, dadas as especificidades do atendimento educacional
no campo, muitas de suas escolas possuem matrículas compartilhadas entre a rede
estadual e municipal. Por exemplo, é comum se encontrar prédios escolares em
que a educação infantil e o ensino fundamental, em geral de responsabilidade dos
4. Filtros: I) Situação de funcionamento: Em atividade; II) Dependência administrativa: Federal, Estadual, municípios, são ofertados em um turno e os anos finais, bem como o ensino médio,
Municipal e Privada; III) Localização: Rural; IV) Escola indígena: Não e Vazias; V) Localização diferenciada: de competência das secretarias estaduais de educação, são ofertados em outro
Área de assentamento, Uso sustentável, Não se aplica e Vazias. Para as tabelas com números sobre o
ensino médio em escolas do campo foi aplicado também o filtro: Número de matrículas: Ensino Médio
turno. Portanto, a realidade do campo impõe que o regime de colaboração entre os
(excluídas 0 e Vazias). sistemas de ensino funcione para dar conta de suas especificidades.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
130 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
DO CAMPO NO BRASIL
131

De maneira geral, diante dos números, percebe-se que um dos maiores como prédios escolares precários ou inexistentes, abastecimento de água e
desafios para a política nacional da educação do campo é promover uma maior energia, equipamentos pedagógicos, tecnológicos, laboratórios, quadro de
oferta desta etapa de ensino, necessitando, para tanto, da implementação de ações esporte;
coordenadas entre os entes federados e demais atores sociais envolvidos a fim l 
Universalizar toda a educação básica, com foco nos anos finais do ensino
de fazer com que se fortaleçam os percursos formativos nas ações educativas fundamental e no ensino médio;
em ambiente não urbano. Dessa maneira os jovens poderiam permanecer em l 
Otimizar o atendimento do transporte escolar, quando necessário, no que
seus locais de origem, em favor da manutenção dos vínculos socioculturais dos se refere a sua adequação às condições geográficas de cada localidade, aos
estudantes, do desenvolvimento de suas comunidades e da adequação de seus calendários escolares, à acessibilidade, sobretudo sua compatibilidade em
processos formativos às necessidades e interesses das coletividades rurais a que face das idades e das deficiências dos estudantes;
pertencem. l 
Formação inicial e continuada dos professores e demais profissionais da
educação do campo,
l 
Contratação de profissionais locais por meio de concurso público que garanta
Desafios e potencialidades da educação do campo a valorização profissional e salarial dos professores e demais profissionais da
escola.
Em que pese a importância dos marcos jurídicos e da execução de programas
voltados para o desenvolvimento da educação do campo, as populações rurais se Todavia, apesar da premência dos desafios, há experiências exitosas nas práticas
ressentem das práticas de fechamento das escolas localizadas em seus territórios. de ensino e de gestão na área da educação do campo, algumas delas antigas, que
Como forma de orientar esse processo, em 2014, o Congresso Nacional aprovou a merecem destaque. Estas experiências se apresentam como potencialidades no
Lei nº 12.690, alterando o Art. 28 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional âmbito da política nacional de educação do campo e que, por conseguinte, precisam
(LDB) que trata da oferta de educação básica para a população rural e da sua ser melhor promovidas e publicizadas, tais como:
necessária adequação, pelos sistemas de ensino, às particularidades da vida rural e
de cada região. Assim, foi acrescido ao referido artigo da LDB um parágrafo único l  pedagogia da alternância;
A
em que se estabelece a necessidade de manifestação dos conselhos de educação e l A colaboração entre organizações sindicais camponesas, Centros de Escolas
das comunidades escolares para que as escolas do campo venham a ser fechadas, Famílias Agrícolas e outras organizações ligadas aos movimentos sociais
a saber: camponeses com os sistemas de ensino, principalmente secretarias de
educação, universidades e institutos federais de educação;
O fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será l  As boas práticas pedagógicas, construídas e consolidadas ao longo dos anos,
precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino em salas/classes multisseriadas.
de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de l  Fomentar a pesquisa, a difusão de nos modelos alternativos de atendimento
Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação escolar que considerem as especificidades locais;
da comunidade escolar. l O trabalho em rede que as Universidades vêm desenvolvendo para a pesquisa,

a formação de professores e a produção de materiais didáticos específicos


Além do enfrentamento deste problema, um desafio principal para os sistemas para a educação do campo, sobretudo por aquelas que ofertam o Procampo
de ensino é o cumprimento das diretrizes e metas do Plano Nacional de Educação e a ação Escola da Terra;
(2014/2024). Sendo assim, apesar da perspectiva progressiva das ações propostas, l  A parceria que vem sendo fomentada pelo MEC entre as universidades, os
com o estabelecimento de prazos para os seus alcances, os beneficiários da institutos federais de educação e as secretarias de educação com vistas a
educação do campo, os movimentos sociais, bem como os gestores dos sistemas oferta e a melhoria da qualidade da educação do campo.
de ensino têm reivindicado a urgência e a definição prioritária de certas ações na
execução do PNE, tais como: O êxito destas experiências está também relacionado à ocorrência e ao
aprofundamento de um processo democrático em que respeito às diferenças e
l Enfrentar os problemas de infraestrutura física e tecnológica das escolas, tais combate às desigualdades são pressupostos para a formulação e a implementação
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
132 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
PANORAMA DA EDUCAÇÃO
SECUNDÁRIA NA AMÉRICA LATINA
133

de uma política pública de educação para as populações do campo. É, dessa forma,


orientada pelo ideal de justiça social e de respeito aos direitos educacionais dos
grupos e comunidades rurais que a política nacional de educação do campo, a partir
destas experiências, se apresenta como exemplo e potencialidade na seara das
políticas educacionais brasileiras.
O reconhecimento das populações do campo como sujeitos de direito,
permitindo aos estudantes permanecerem em suas comunidades em seus
processos de escolarização, favorecendo o fortalecimento das lógicas identitárias,
territoriais e reprodutivas de seus grupos, além de promover o desenvolvimento
sustentável das comunidades, é condição básica para uma política nacional de
educação do campo.
Para tanto, é preciso se pensar ações de promoção de uma educação no e do
campo, com maior apoio financeiro e técnico por parte dos entes federados e a
adequação da política às especificidades culturais, sociais, políticas e ambientais
das populações do campo.

Referências bibliográficas

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Censo Escolar 2017. Notas Estatísticas. Brasília, 2018.
Disponível em http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/notas_
estatisticas/2018/notas_estatisticas_Censo_Escolar_2017.pdf.
BRASIL. Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política
de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
- PRONERA. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/decreto/d7352.htm.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
L9394.htm.
BRASIL. Lei nº 12.960, de 27 de março de 2014. Altera a Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
fazer constar a exigência de manifestação de órgão normativo do sistema de ensino
para o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12960.htm#art1.
FOTO: SAMARA NUNES
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
134 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
PANORAMA DA EDUCAÇÃO
SECUNDÁRIA NA AMÉRICA LATINA
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Panorama da Educação 1. A situação educacional na região

Secundária na América 1.1 Os alunos e professores da escola secundária. Quantos são e o que
sabemos da estrutura e da obrigatoriedade do sistema educacional que os
Latina (com ênfase nos povos recebe?

indígenas e populações De acordo com dados disponíveis coletados pelo SITEAL (2018), os estudantes
secundários latino-americanos, com uma idade de referência de 11 a 17 anos
afrodescendentes)1 alcançam aproximadamente a 75, 7 milhões, o que representa 12% da população da
região. O sistema de Classificação Internacional Normatizada da Educação (CINE),
elaborado pela UNESCO, que divide o nível secundário em dois trechos: a escola
Silvina Corbetta 2
secundária inferior ou secundária baixa (CINE 2) e a escola secundária superior ou
secundária alta (CINE 3). Com base nessa classificação, observa-se no Quadro I que,
à exceção da Nicarágua, em todos os países da região a escola secundária inferior
conforma o trecho da escolaridade obrigatória. No caso dos Estados participantes
do Mercosul, é a República Bolivariana da Venezuela que estabeleceu primeiro a
obrigatoriedade do ensino superior em 1999, seguido pela Argentina em 2006.
Brasil e Uruguai, em 2009, e Paraguai, em 2010. Entre os países associados, o Chile
Introdução e o Peru, estabelecidos em 2003, o Equador, em 2008, e o Estado Plurinacional
da Bolívia, em 2009. Por outro lado, tendo presente o resto dos países da região,
O presente documento tem como objetivo apresentar um panorama sobre a observa-se que o México é o país que incorpora, em último lugar, a obrigatoriedade
educação na região latino-americana. A informação aqui disposta é resultado de escola secundária superior, em 2012. A República Dominicana em 2010, Costa Rica
um levantamento de textos associados a escolaridade secundária, adolescência e e Honduras em 2011.
juventude, e de uma publicação recente produzida para CEPAL-UNICEF intitulado
Educación Intercultural Bilingüe y Enfoque de Interculturalidad en los sistemas 1.2 Quais são as taxas de escolarização da região e como vão os
educativos latinoamericanos: avances y desafíos [Educação Intercultural Bilíngüe estudantes do sistema educacional?
e Abordagem de Interculturalidade nos sistemas educativos da américa latina:
avanços e desafios] (Corbetta, Unido, Bustamante e Vergara Parra, 2018). Esse De acordo com os dados do SITEL (2018), apresentados no Quadro II, a taxa de
último material permitiu focalizar alguns dados sobre a situação educacional de escolarização dos adolescentes entre 12 e 14 anos, em 15 dos 18 países estudados
povos indígenas e pessoas afrodescendentes, um dos setores com os direitos mais da região estudados ultrapassa 91%, caso se tome como referência, em primeiro
violados na região. lugar, os Estados participantes do Mercosul, observa-se que no grupo etário de 12 a
14 anos conseguiram a maior taxa de escolarização da Argentina e do Brasil (98%),
seguido pelo Uruguai (96,2%), a República Bolivariana da Venezuela (95,4%) e o
Paraguai (94,5%). Para o mesmo grupo etário, que compõem o grupo de países
associados ao Mercosul, encontram-se da seguinte forma: em primeiro lugar o Chile
(99,5%) - o que, por outro lado, registra a taxa mais alta entre todos os países
da região – seguido pelo Equador (96%), Peru (95,4%), o Estado Plurinacional da
Bolívia e a Colômbia (94,5%). Dos países que não pertencem ao Mercosul, a taxa
mais alta de escolaridade é da República Dominicana (98,2%) e a mais baixa é da
1. Os conteúdos deste documento fizeram parte da Conferência Inaugural do Seminário Acesso e Conclusão
da Escola Secundária: os desafios e as possibilidades do campo.
Guatemala (81%).
2. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires Para o grupo de 15 a 17 anos, a maior taxa de escolarização entre os estados
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
136 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
PANORAMA DA EDUCAÇÃO
SECUNDÁRIA NA AMÉRICA LATINA
137

Quadro I - Estrutura do nível secundário (CINE 2 e 3) por país, 2018


participantes do Mercosul foi da Argentina (88, 5%), seguida pelo Brasil (85,2%),
Año en que se
EDAD
PAÍS
estabelece la Uruguai (82,1%), Paraguai (79,5%) e a República Bolivariana da Venezuela (78,4%).
obligatoriedad de la
11 12 13 14 15 16 17 secundaria superior Entre os Estados associados, continua sendo o Chile (95,5%) – o qual, por outro
lado, alcança as maiores taxas em relação à totalidade de países da região - seguido
DO Secundaria (Ciclo Básico) Secundaria (Ciclo Orientado)
Argentina (a) 2006 pela Bolívia (86%), Equador (83,9%), Colômbia (78%) e Peru (76,6 %). Do resto dos
OB Obligatorio
países da região, o que registra a taxa mais alta é a Costa Rica (85,7%) e as mais
DO Educación Secundária Comunitaria Productiva
Bolivia 2009 baixas, Guatemala e Honduras (53,1).
OBL Obligatorio
Com relação ao desempenho em ciências dos alunos de 15 anos, o Programa
DO Enseñanza Fundamental Enseñanza Media
Brasil 2009 para Avaliação Internacional de Alunos (PISA) da Organização para a Cooperação e
OBL Obligatorio
DO Educación Media: 4a. form. general común y 2a. form. diferenciada
Desenvolvimento Econômico (OECD) avaliou a 10 países da região. Entre os Estados
Chile 2003 participantes do Mercosul, aqueles que alcançaram o mais alto desempenho são o
OBL Obligatorio
DO Educación Básica Secundaria Educación Media
Brasil (70,3%) e a Argentina (a 66,5%). A colômbia e o Peru, por sua vez, consistem
Colombia n/c nos países melhores posicionados na matéria, dos países associados ao Mercosul.
OBL Obligatorio No obligatorio
DO Educación General Básica - Media y media diversificada
Entre os países sem associação ao Mercosul, o melhor desempenho foi da República
Costa Rica 2011 Dominicana (90,5%) e do Panamá (78,8 %).
OBL Obligatorio (Art. 8 de la Ley y 78 de la Constituición - Reforma 2011)
DO Educación General Secundaria Básica Ciclo Medio Superior
Cuba n/c
OBL Obligatorio No obligatorio Quadro II - Taxa de escolarização dos adolescentes entre 12 e 17 anos, a porcentagem de pessoas entre 25 e os 35
DO Educación Básica Secundaria (Tercer ciclo) Bachillerato General Unificado anos que completaram o nível secundário e a percentagem de alunos de 15 anos com baixo desempenho em ciências.
Ecuador 2008 América Latina, cca, 2015
OBL Obligatorio
DO Educación Básica (Tercer ciclo) Educación Media % de personas de entre 25 y 35 años
El Salvador n/c Tasa de escolarización (cca 2015) % de estudiantes con
OBL Obligatorio No obligatorio que completó el nivel secundario
PAÍS bajo desempeño en
Educación Media 12 a 14 años 15 a 17 años cca 2015 Variación 2005 - 2015 ciencias (2015)
DO Educación Media Básica
Guatemala diversificada n/c
Argentina 98,0 88,5 69,7 22,4 66,5 (a)
OBL Obligatorio No obligatorio
DO Educación Básica Educación Media Bolivia (EP) 94,5 86,8 59,2 99,9 s/d
Honduras 2011
OBL Obligatorio Brasil 98,0 85,2 62,6 42,6 70,3

DO Educación Básica Secundaria Media Superior Chile 99,5 95,5 84,3 53,7 49,4
México 2012
OBL Obligatorio Colombia 94,5 78,0 68,2 44,9 66,3

DO Educación Secundaria Regular Costa Rica 97,0 85,7 47,6 30,3 62,5
Nicaragua n/c
OBL No obligatorio Ecuador 96,0 83,9 53,8 16,9 s/d
DO Educación Premedia Educación Media El Salvador 91,3 73,5 40,7 68,1 s/d
Panamá n/c
OBL Obligatorio No obligatorio Guatemala 81,0 53,1 19,9 14,1 s/d
DO III ciclo Educación Escolar Básica Educación Media Honduras 76,9 53,5 24,3 34,2 s/d
Paraguay 2010
OBL Obligatorio México 93,8 75,2 45,1 29,8 56,6
DO Secundaria Nicaragua 84,4 57,9 23,4 62,0 s/d
Perú 2003
OBL Obligatorio
Panamá 96,1 82,8 58,1 15,4 78,8 (b)
República DO Nivel Básico Nivel Medio
2010 Paraguay 94,5 79,5 56,7 58,9 s/d
Dominicana OBL Obligatorio
Perú 95,4 76,6 71,5 26,4 66,2
DO Educación Media Básica Educación Media Superior
Uruguay 2009 República
98,2 83,9 53,9 33,0 90,5
OBL Obligatorio Dominicana
DO Media Uruguay 96,2 82,1 37,9 13,9 52,0
Venezuela 1999
OBL Obligatorio Venezuela (RB) 95,5 78,4 60,1 73,3 s/d

Fonte: SITEAL com base na legislação de cada país; (a) As jurisdições podem decidir entre duas opções: escola Primária e Secundária de 6 anos NOTA: A informação da Argentina corresponde somente às áreas urbanas
cada uma ou Primária de 7 anos e Secundária de 5 anos; DO: Denominação original; OB: Trecho de escolarização obrigatório Fonte: SITEAL com base em Pesquisas de Famílias de cada país e PISA da OECD (a) Dado de 2012 (b) Dado de 2009
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
138 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
PANORAMA DA EDUCAÇÃO
SECUNDÁRIA NA AMÉRICA LATINA
139

1.3 O que sabemos sobre as trajetórias escolares dos jovens que têm entre nos quais existe alguma restrição para o acesso ou o impacto da baixa retenção)
21 e 23 anos?
l  cenário é composto pelo Brasil (há uma acesso generalizado, mas com
O
Um recente trabalho (D’Alessandre, 2017) apresenta um diagnóstico com base na baixo nível de retenção. Somado aos efeitos da repetência) e pelo Panamá,
análise das trajetórias escolares das infâncias e das juventudes latino-americanas. porém com a tendência inversa (6 a cada 10 se formam)
Em primeiro lugar, parte-se da noção de escolarização, entendida como o acesso e l 
Na República Dominicana e no Paraguai, o acesso ao nível médio entristece
a permanência de todas as crianças e jovens dentro do sistema educacional, até o mais baixo do que o restante, mas o nível de retenção é um pouco superior.
final, ao menos, do nível médio, o que implicaria um trajeto não inferior a dez anos Com variantes, a Costa Rica, o México, El Salvador e o Uruguai também
no sistema. Com base nessa definição, o diagnóstico observa-se que durante a compõem esse cenário.
década de 2010, houve um déficit de escolaridade, o que indica a existência de uma
lacuna entre a trajetória escolar teórica e eficaz, que atinge mais de 2,5% no grupo Cenário 3: Trajetórias escolares fracas e curtas. (Refere-se a um acesso restrito e
de 9 a 11 anos de idade, 36, 5% entre o grupo de 15 a 17 e de 36, 5 % entre o grupo baixa retenção)
de 21 a 23 anos.
Quando se foca no grupo de 15 a 17 anos, observa-se que, no déficit de l  cenário é composto por Nicarágua e Honduras, apenas 3 de cada 10 se
O
escolarização, a lacuna de gênero atinge os 3 pontos em prejuízo dos homens, mas intitulam. Na Guatemala, um quarto dos jovens.
quando se observa a diferença geográfica existe mais de 16 pontos percentuais em
prejuízo de mulheres e homens rurais. O documento sublinha, por outro lado, o peso
da exclusão socioeconômica “O déficit de escolarização entre as jovens e os jovens 2. As conquistas e as persistências de brechas na
que residem em lares de estratos sociais menos favorecidos é dez vezes maior situação educacional de povos indígenas e pessoas
do que o daqueles que fazem parte dos lares de estratos sociais mais favorecidos afrodescendentes
(...) a distribuição desigual destas desvantagens sociais entre os países da região
configura cenários extremamente heterogêneos” (D’Alessandre, 2017: 15-16). 2.1 A situação educacional dos povos indígenas
Entre as jovens e os jovens de 21 a 23 anos, os 36 pontos percentuais do
déficit de escolarização são explicados por 14% de jovens que não entraram no nível De acordo com o documento produzido para a CEPAL-UNICEF (Corbetta, Unido,
médio, 22% que não terminou, e apenas uma quantidade que permanece na escola. Bustamante e Vergara Parra, 2018), é possível mostrar, em termos gerais, importantes
O documento termina por observar o funcionamento dos sistemas educacionais na avanços na região em matéria de educação, apesar de que existe dificuldade para
América Latina, identificando três tipos de cenários com jovens entre 21 e 23 anos encontrar dados comparáveis com uma cobertura geográfica significativa, o que
(cca 2010). faz com que os indicadores disponíveis sejam limitados a um pequeno número de
países. Por uma questão de espaço, só serão apresentados dois indicadores para
Cenário 1: Trajetórias escolares contínuas e extensas. (Refere-se aos sistemas dar conta da situação educacional de povos indígenas: as taxas de analfabetismo e
educacionais que combinam alto nível de acesso e uma alta retenção). Com base taxa de assistência a um estabelecimento educacional. Se você pegar, por exemplo,
nessa definição, diferencia-se dois subgrupos: a taxa de analfabetismo para dar conta da diferença étnica, é possível observar
uma evolução significativa do indicador durante o período de 2000 a 2010. No
l  ubgrupo 1: composto por Chile, Estado Plurinacional da Bolívia e o Peru
S gráfico 1, apresentam-se as taxas de analfabetismo da população de 15 a 24 anos,
(onde 8 de cada 10 estudantes se formam) correspondente a seis países (com base em censos do ciclo de 2000 e 2010).
l 
Subgrupo 2: apresenta trajetórias escolares longas, porém com um nível de Há uma redução do analfabetismo em todos os países. O Panamá alcança uma
graduação mais baixo do que o anterior. É composto pela Argentina, Colômbia, diminuição superior a 10 pontos percentuais. A Costa Rica e o México também
República Bolivariana da Venezuela e Equador. Ainda assim, persiste um alto mostram uma evolução muito significativa. No entanto, a diferença étnica em
grau de rendimento e um baixo nível de retenção. matéria de alfabetização continua a ser alta. Assim, no ano 2000, os não-indígenas
tinham taxas inferiores a 5% e em 2010 essas foram de 2,2%, no grupo de países
Cenário 2: Trajetórias escolares enfraquecidas. (Refere-se a sistemas educacionais em questão. No caso dos povos indígenas, apesar da redução alcançada, essa
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
140 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
PANORAMA DA EDUCAÇÃO
SECUNDÁRIA NA AMÉRICA LATINA
141

continua a ser elevada. Entre os Estados participantes do Mercosul, o Brasil e a


Gráfico 2 - América Latina (9 países): taxa de analfabetismo da população entre 15 e 24 anos
República Bolivariana da Venezuela apresentam taxas superiores a 10%, e a essas de idade, por condição étnica e sexo, por volta de 2010 (Em porcentagens)
se soma o Panamá.
A. População rural

Gráfico 1 -A América Latina (6 países): taxa de analfabetismo da população de entre 15 e 24 anos


de idade por condição étnica, em torno de 2000 e 2010 (Em porcentagens)

Fonte: Corbetta, Unido, Bustamante e Vergara Parra (2018) sobre a base de censos de população, ciclos de 2000 e 2010,
Fabiana Del Popolo (ed.), Os povos indígenas na América (Abya Yala): desafios para a igualdade na diversidade
(LC/PUB.2017/26), Santiago, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), 2017.

B. População urbana
Por outro lado, ao abrir as taxas de analfabetismo segundo sexo e área de
residência, observam-se as profundas disparidades étnicas e de gênero que existem
nos países dos quais se tem informação. É claro que as taxas de analfabetismo são
mais elevadas nas zonas rurais, no entanto, ao somar-se a variável étnica, essas
diferenças são muito mais pronunciadas, em detrimento dos povos indígenas.
Gráfico 2. Apresentam-se as taxas de analfabetismo da população entre 15 e 24
anos, para 9 países, por condição étnica e sexo, por volta de 2010. Apenas três países
da região, a Nicarágua (para homens e mulheres), o Peru e o Equador (em ambos os
casos, os homens), apresentam uma situação desfavorável para os povos indígenas
em relação à população não-indígena. As taxas inferiores a 2,5% se localizam no
Equador (para homens) e no Uruguai (em homens e mulheres). As taxas mais altas
são registradas no Brasil, Nicarágua, Panamá e na República Bolivariana da Venezuela,
as quais chegam a ser superiores a 17%. Deste subgrupo, exceto pela Nicarágua,
as mulheres sempre apresentam maiores taxas de analfabetismo, com falhas
acumuladas em termos de sexo e ruralidade. O Panamá, por exemplo, apresenta
valores superiores a 17% para as mulheres indígenas e para os homens indígenas
essas chegam a 9,5%. Em termos gerais, ainda que as mulheres tendam a apresentar
Fonte: Censo populacional de 2010 Fabiana Del Popolo (ed.), Los pueblos indígenas en América (Abya Yala):
uma melhor situação educacional do que os homens, tal situação se reverte, quando desafíos para la igualdad en la diversidad [Os povos indígenas na América (Abya Yala): desafios para a igualdade na
diversidade] (LC/PUB.2017/26), Santiago, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), 2017
essas mulheres pertencem a povos indígenas e vivem em zonas rurais.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
142 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
PANORAMA DA EDUCAÇÃO
SECUNDÁRIA NA AMÉRICA LATINA
143

Quando a informação se apresenta para a população urbana, observa-se que as No caso dos adolescentes indígenas (entre 12 e 17 anos), a assistência escolar é
taxas de analfabetismo tendem a manter-se desfavoráveis para os povos indígenas, menor, em relação ao grupo anterior. Ainda assim, os aumentos na assistência escolar
no entanto, comparativamente com a população rural, os níveis de analfabetismo são são significativos. No período entre censos, a Costa Rica, o Equador e o Panamá
reduzidos praticamente à metade. No gráfico 2.B, observa-se que as taxas mais altas aumentaram a assistência de cerca de 20 pontos. No México e Venezuela 13 pontos
de analfabetismo em povos indígenas de áreas urbanas são registadas na República percentuais e, no Brasil, o aumento foi menor do que 6 pontos percentuais. Por volta
Bolivariana da Venezuela e na Nicarágua, enquanto que as mais baixas são registradas de 2010, pode-se dizer que 70% do grupo etário de 12 a 17 anos, pertencente a
no Brasil, e no caso das mulheres, na Costa Rica, Equador, México, Peru e Uruguai. Por povos indígenas, estava escolarizado.
último, destaca-se que o Panamá, Equador, Peru, Costa Rica e México apresentam Para o grupo situado entre os 18 e os 22 anos, a tendência incremental na
brechas de gênero que são aparentemente desfavoráveis para as mulheres. assistência persiste, e no entanto, é a população escolar mais atrasada. Por volta
O segundo indicador que permite avaliar a situação educacional dos povos de 2010, as taxas de assistências não passam de 40% em nenhum dos países de
indígenas são as taxas de assistência a estabelecimentos escolares. O diagnóstico que se tem informação, registrando um intervalo que varia entre 24 % no México
com base nas diversas fontes consultadas permite notar que essas melhoraram em e se aproxima aos 40% na Costa Rica. Os dados mostram que à medida que se
todas as faixas etárias (6-11/12-17 e 18-22). No gráfico 3, observa-se que, no caso aumenta a faixa etária e o nível escolar, observam-se as taxas mais baixas. Pode-
da população infantil indígena de 6 a 11 anos (por volta de 2010), a cobertura chega se observar, contudo, que, na atualidade, as crianças indígenas entram antes no
a superar 96%, com a taxa mais alta alcançada no Equador. Por sua vez, durante o sistema educacional, permanecem mais tempo e uma maior percentagem consegue
período entre censos, a Costa Rica (de 74 a 88%) e o Panamá (de 78 a 92%) são os concluir o ciclo escolar (Del Pópolo, 2017)
países da região que mais elevaram seus níveis de assistência, atingindo cerca de
14 pontos percentuais. 2.2 A situação educacional entre pessoas afrodescendentes/
não-afrodescendentes

Gráfico 3. América Latina (6 países): população indígena entre 6 e 22 anos que frequenta um
Para analisar a situação educacional das pessoas afrodescendentes, serão
estabelecimento educacional, por faixa etária, por volta de 2000 e 2010 (Em porcentagens)
apresentados também os dois indicadores selecionados na seção anterior: a taxa
de analfabetismo e taxa de assistência a um estabelecimento educacional. A
dificuldade de encontrar dados comparáveis e de ampla cobertura é semelhante ao
encontrado nos povos indígenas.

Quadro 2 - América Latina (4 países): taxa de analfabetismo da população de 15 anos e mais, segundo condição
étnica-racial e faixa etária, por volta de 2010

Reducción intergeneracional
De 15 a 24 años 50 años y más
(en puntos porcentuales
PAÍS
No afrodescen- No afrodescen- No afrodescen-
Afrodescen- Afrodescen- Afrodescen-
dientes ni dientes ni dientes ni
dientes dientes dientes
indígenas indígenas indígenas

Brasil 2,6 1,1 31,1 12,7 -28,5 -11,6

Ecuador 3,5 1,2 20,2 16,2 -16,7 -15,0

Nicaragua 4,6 9,5 15,4 42,3 -10,8 -32,8


Fonte: Censo populacional de 2010 Fabiana Del Popolo (ed.), Los pueblos indígenas en América (Abya Yala):
desafíos para la igualdad en la diversidad [Os povos indígenas na América (Abya Yala): desafios para a igualdade na Uruguay 1,4 1,0 6,3 2,7 -4,9 -1,7
diversidade] (LC/PUB.2017/26), Santiago, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), 2017.
Os percentuais apresentados referem-se à assistência a algum estabelecimento educacional, sem identificação do Fonte:Sistema de Tendências Educacionais da América Latina (SITEAL), La educación de los pueblos indígenas y afrodescendentes
nível de ensino a que se assiste. [A educação dos povos indígenas e afrodescendentes] Buenos Aires, IIPE-UNESCO, OEI, 2011.
ACESSO E CONCLUSÃO ARTIGO
144 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
PANORAMA DA EDUCAÇÃO
SECUNDÁRIA NA AMÉRICA LATINA
145

Com relação à taxa de analfabetismo, no Quadro 2, mostra-se uma redução outro lado, ao fragmentá-lo por área de residência, os dados revelam que são as zonas
intergeracional do analfabetismo (entre adolescentes e jovens de 15 a 24 anos de idade urbanas que possuem as maiores diferenças nas taxas de assistência em detrimento
e a população de 50 anos ou mais), como das disparidades étnico-raciais. No caso de populações afrodescendentes. Em áreas rurais, como é de se esperar, as taxas
do Brasil existe -na população de afrodescendentes - uma redução intergeracional de assistência são significativamente mais baixas e apresentam-se situações mais
do analfabetismo de 28, 5 pontos percentuais. Em outro sentido, a Nicarágua revela heterogêneas (Corbetta, Unido, Bustamante e Vergara Parra, 2018: 40).
como particularidade que a proporção de analfabetos não afrodescendentes é maior
para a faixa etária de 15 a 24 e de 50 anos ou mais.
O segundo indicador utilizado para analisar a situação educacional das populações 3. O obstáculos que violam o direito à educação (com
afrodescendentes é apresentado no Gráfico 4, que revela a taxa de assistência do ênfase nos povos indígenas)
grupo correspondente à faixa etária de 12 a 17 anos, no momento da série de censos
de 2010. Com base em dados disponíveis para 11 países, é possível observar que, 3.1 Em que condições os professores educam e os adolescentes aprendem?
comparativamente com os não afrodescendentes, os meninos, meninas e adolescentes
afrodescendentes frequentam menos os estabelecimentos educacionais. As taxas de O documento elaborado para a CEPAL-UNICEF destaca pelo menos três
assistências estão localizados em uma faixa de 71,7% em Honduras e quase 93% condicionantes que incidem negativamente ou violam o direito à educação em
no Panamá. Por outro lado, as disparidades étnicas, em detrimento das pessoas aldeias indígenas:
afrodescendentes, são mais elevadas no Uruguai, no Equador e na Venezuela.
Quando esse indicador é fragmentado segundo o sexo, observa-se que nos sete 1) O ensino na língua dominante. A bibliografia sobre o assunto tem apontado
países onde a escolaridade é desfavorável para as pessoas afrodescendentes, são que educar a partir da língua dominante restringe e “condiciona o acesso e a
os homens afrodescendentes que apresentam a pior situação (CEPAL, 2017a). Por permanência no sistema educacional, devido às limitações linguísticas, pedagógicas
e psicológicas que produz” (Tomasevski, na Organização das Nações Unidas, 2005c,
citado em Del Pópolo, 2017, pág. 387). Pelo contrário, vem-se observando que “A
Gráfico 4 - América Latina (11 países): população entre 12 e 17 anos que frequentam um estabelecimento
duração do ensino na língua materna é mais importante do que qualquer outro fator
educacional, segundo condição étnico-racial, ao redor de 2010 (Em porcentagens)
para prever o sucesso dos alunos bilíngues”. Assim, “Os piores resultados, incluindo
as altas taxas de exclusão, se dão entre os alunos que cursam programas em que
suas línguas maternas não recebem nenhum tipo de apoio ou apenas são ensinadas
como disciplinas” (Nações Unidas, 2005c, citado em Del Pópolo, 2017, pág. 387).

2) A não-pertinência cultural da educação. Os meninos e meninas que não


recebem uma educação, a qual não está enquadrada na própria chave cultural, termina
por produzir lacunas de aprendizado e rejeição de saberes, com a consequente
perda de autoestima e desvalorização de sua língua e sua cultura. Já se sabe que
aqueles que nascem em uma comunidade indígena e se incorporam à educação
formal, possuem habilidades e conhecimentos próprios, que não necessariamente
coincidem com aqueles da educação ocidental convencional (Paxson e Schady
2007, citado em Del Pópolo 2017). Por outro lado, os conhecimentos que a escola
postula positivamente não são fáceis de adquirir pela infância indígena, daí que os
resultados de meninos e meninas indígenas foram consideravelmente mais baixos
do que os não-indígenas, pertencentes a setores urbanos e rurais (Verdisco e outros,
citado em OREALC/UNESCO, 2017a)
Fonte: Microdados censitários de 2010, em Marta Rangel e Fabiana Del Popolo, Situação das pessoas afrodescendentes na
América Latina e os desafios de políticas para a garantia de seus direitos. Publicação da Organização das Nações Unidas (LC/
TS.2017/121), Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em Santiago, 2017.
3) A qualidade da infraestrutura educacional em geral. As precárias condições
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OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO
PANORAMA DA EDUCAÇÃO
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infraestruturais, nas quais uma grande parte dos povos indígenas se educam 4. Os maiores desafios e as demandas para as políticas
na região, é responsável por uma violação, por parte dos Estados, dos direitos educacionais (com ênfase nos povos indígenas e afro-
educacionais de todos os setores. Ainda que a situação entre os países da região descendentes)
seja bastante diversificada, os dados demonstram que essa tende a ser melhor entre
os países do Cone Sul e é bastante mais negativa nos países da América Central. Com base em um estado da questão, o documento elaborado para CEPAL-UNICEF
De acordo com a informação prestada pelo Terceiro Estudo Regional Comparativo produziu, pelo menos, dez pontos chave:
e Explicativo (TERCE) de 2013, (OREALC/UNESCO, 2017) apenas um quarto dos
estudantes contam com níveis de proficiência em uma das seis categorias de 1. Os atuais conflitos de terra, as lutas e as dificuldades para se dar o direito que
infraestrutura estudadas: lhes compete, apresentam um desafio concreto à educação, sobretudo à educação
secundária, a qual deve ser configurada como um espaço de aprendizagem sobre os
l a cesso à água e saneamento; direitos à terra e o território dos povos indígenas e afrodescendentes.
l acesso a serviços;
l  presença de espaços pedagógicos/acadêmicos adequados; 2. A urgência em todos os países da região de se aprofundar o desenvolvimento
l  áreas de escritórios para os docentes e o pessoal escolar; da pesquisa em saberes e conhecimentos camponeses e indígenas para a sua
l  espaços de uso múltiplo nas escolas. integração em currículos e planos de estudo. Também faz parte dessa a necessidade
l  o equipamento das salas de aula. de integrar conceptualizações como o “Bom Viver” e as cosmovisões de mundo
dos povos indígenas nas políticas educacionais (Requejo, 2001; UNICEF, 2008;
Entre as conclusões, com base no relatório TERCE, observa-se que em OREALC/UNESCO, 2017b).
referência à qualidade da infraestrutura educacional nas zonas rurais, apenas um de
cada cinco estudantes de áreas rurais latino-americanas frequenta a uma escola que 3. A indispensável formação intercultural de professores e de alunos crioulos e
tem acesso suficiente à água ou ao saneamento ou com conexão à rede elétrica e/ mestiços. A literatura vem apontando a necessidade de que os hispano-falantes
ou telefônica; que apenas dois em cada cinco estudantes são recebidos por escolas também tenham acesso a algum tipo de educação bilíngue, para que sejam mais
com as salas de aula equipadas adequadamente e que, finalmente, que só metade sensíveis às suas culturas. Não será possível erradicar a discriminação e o racismo
frequenta estabelecimentos que possuem espaços acadêmicos adequados. se os crioulos-mestiços não mudarem (López, 2006), por outro lado, é necessário
Devido a este conjunto de deficiências, as possibilidades da escola para diminuir as que o currículo oficial inclua o conhecimento indígena (López, 2006), em igualdade
condições de desigualdade com que os meninos e meninas chegam mostram-se de condições, para a aprendizagem de professores e alunos.
consideravelmente reduzidas.
4. Continua a existir, a partir da década de noventa, uma demanda específica
3.2 Os que não assistem, por que não vão? de formação pedagógica de docentes indígenas. O apoio de tutores seria uma
alternativa eficaz para que não se interrompam as formações.
De acordo com um estudo bastante recente, os motivos da ausência por parte
de estudantes indígenas e não-indígenas em 7 países (Del Pópolo, 2017), mostra 5. É imprescindível que os professores indígenas e não-indígenas tenham
que os mais altos percentuais das causas correspondem à falta de interesse, os ferramentas metodológicas que lhes permitam incluir os pais, mães e membros
problemas econômicos e os problemas relacionados com o trabalho. em geral da comunidade em processos participativos (Golluscio em ME-UNICEF,
Quando se foca nos motivos de ausência por parte de jovens indígenas de 15 2008).
a 29 anos (em 9 países em torno de 2012), observa-se que 19,7% concentra os
motivos da falta de interesse e/ou a percepção de que não é útil estudar na sua 6. No plano da prática pedagógica, o lugar e o uso das línguas (língua materna e
idade (19,7%). Rico e Trucco (2014) argumentam em um estudo prévio que isso teria língua dominante) transformou-se em uma chave no processo educativo, como
relação com a percepção de que o ensino secundário não se beneficia desse setor objeto de estudo e como veículo de ensino (Gualdieri, 2004; López, 2006; ME-
e de que o sistema educacional permanece desvinculado das realidades cotidianas UNICEF, 2008). Mas, no entanto, deve notar-se que o fortalecimento da cultura a
dos jovens da região. partir das práticas pedagógicas não se esgota na língua.
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SECUNDÁRIA NA AMÉRICA LATINA
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7. Outro desafio central resulta da necessidade de desativar a violência das l  roduzir mais informações sobre os estudantes rurais (da forte urbanização
P
abordagens institucionais predominantes (competência e sistema meritocrático) das populações da região tendeu a relegar este grupo)
contra as formas educacionais comunitárias (Novaro, 2004; OREALC/UNESCO, l 
Desenvolvimento de políticas orientadas para modificar as representações
2017b). que os professores constroem sobre os alunos, como condição de uma
escola inclusiva.
8. A inclusão da perspectiva de gênero, a valorização das mulheres rurais a partir
de seus saberes e de suas funções na comunidade, devem estar presentes nas
práticas pedagógicas, na organização institucional escolar, na recriação das culturas 6. Algumas questões para futuras investigações
dos povos [camponeses] indígenas e afrodescendentes e na implementação das
políticas (OREALC/UNESCO, 2017b). Com base na proposta do seminário, suscita-se aqui uma bateria de perguntas que
interpelam o ser e o estar da educação secundária rural nos sistemas educacionais
9. Resulta também em um desafio de incluir os conhecimentos dos povos nas latino-americanos:
lógicas do Estado (OREALC/UNESCO, 2017b).
l  omo os diferentes saberes rurais e o habitat rural em si (no rio, na montanha,
C
10. A realização de todos os esforços necessários para o resgate e revitalização dos no monte ou até mesmo na cidade) ganham sentido e significado na educação
idiomas em maior risco ou de mais alta vulnerabilidade das escolas secundárias desses contextos?
l Em que medida os sistemas educacionais da região promovem a docência
entre os jovens nascidos e/ou criados nos territórios rurais?
5. Algumas recomendações l Em que medida a educação rural constrói influência entre aqueles que educam

em territórios rurais?
l ortalecimento do sistema de bolsas para os estudantes de povos
F l Quem são aqueles que educam na área rural? Com que material pedagógico
[camponeses], indígenas e afrodescendentes. educam? Educam com quais estratégias?
l 
Promover o acompanhamento de suas trajetórias escolares.
l 
Formar tutores docentes a partir de um enfoque de interculturalidade.
l 
Promover um currículo que, além de relevante, possa cumprir com as
expectativas dos jovens, que contemple às suas vozes Referências bibliográficas
l 
Progredir em ações para interculturalizar os sistemas educacionais
CEPAL (Comisión Económica para América Latina y el Caribe) (2017). Brechas, ejes
(interculturalidade para todos e todas)
y desafíos en el vínculo entre lo social y lo productivo (LC/CDS.2/3), Santiago.
l 
Promover a construção de dados comparáveis em termos de educação para
Corbetta, S; Bonetti, Carli; Bustamante, F y Vergara Parra, Albano (2018). Educación
os povos indígenas e a duplicação dos esforços para elaborar dados sobre as
Intercultural Bilingüe y Enfoque de Interculturalidad en los sistemas educativos
pessoas afrodescendentes.
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Com base na literatura, que tem como eixo os jovens como unidade de estudo
D´Alessandre, V. (2017). La relación de las y los jóvenes con el sistema educativo
(D’Alessandre, 2017), foi possível identificar as seguintes recomendações: ante el nuevo pacto de inclusión en el nivel medio, en López, Néstor, Opertti, Renato
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l osicionar as dinâmicas familiares de produção de bem-estar como
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l 
Garantir estratégias que permitam o acesso ao transporte (Obstáculo em la igualdad en la diversidad, Santiago de Chile, CEPAL.
termos de não-existência de transporte ou de falta de dinheiro para ter acesso Gualdieri, B. (2004). El lenguaje de las experiencias, en MECyT, EIB en Argentina.
ao transporte) Sistematización de experiencias. MECyT, Buenos Aires (507-521).
ACESSO E CONCLUSÃO
150 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
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ACESSO E CONCLUSÃO
152 DA ESCOLA SECUNDÁRIA:
OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO

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