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Niterói/RJ
2023
Pensar em identidade de escritoras negras é pensar também na emancipação autoral
dessas escritas. Djaimilia Pereira de Almeida, nascida em Luanda, em 1982, é autora de entre
outros, “Esse cabelo”, “Luanda Lisboa e Paraíso”, “O que é ser uma escritora negra nos
dias de hoje, de acordo comigo”, publicados no Brasil pela Todavia, . em Em específico, essa
última obra citada será um ponto importante de discussão no presente trabalho ensaístico.
O ato de emancipar-se socialmente, traz consigo o sinônimo de rompimento de
obstáculos árduos, desafia e reivindica direitos e espaços, inclusive o espaço de escrita, onde.
historicamente Historicamente, quando a mulher passou a ter contato e acesso à cultura, suas
obras eram associadas a pseudônimos masculinos, . a A luta feminina por um espaço justo e
igualitário na literatura foi e continua sendo um processo de passos curtos e lentos, onde a
cada passo dado uma conquista é adquirida. Djaimilia Pereira de Almeida com sua obra mais
recente “O que é ser uma escritora negra nos dias atuais, de acordo comigo”, evidencia de
forma clara e muito poética essa luta feminina e racial.
Djaimilia, uma mulher negra, que quando criança foi tirada de seu berço de nascença,
Luanda-Angola, e levada ao continente Europeu, mais especificamente Portugal por seu pai, e
desde a infância submetida a diversos problemas que o racismo estrutural pode proporcionar,
e falar disso é colocar em pauta um assunto que precisa ser debatido constantemente nos
ambientes acadêmicos, para que seja possível uma efetiva compressão da complexidade desse
assunto. A autora evidencia em suas obras uma diáspora entre memórias à procura de um eu
perdido em si mesmo, que se inicia na busca pela sua identidade perdida e desconstruída pelo
imaginário branco, como cita Frantz Fanon em 2008. E essa desconstrução de si, fadada à
procura do “perfeito” imposto pela sociedade, Grada Kilomba também discorre acerca do
assunto em sua obra Memórias da Plantação, 2019, onde há o sufocamento de si como fruto
de repetição do que é o outro. O encontro para o fortalecimento identitário ocorre para
Djaimilia a partir da memória do seu eu que o apagamento histórico não dilacerou.
E o nascimento do ensaio “O que é ser uma escritora negra nos dias atuais, de acordo
comigo”, nasce desse anseio de diversificar ainda mais o cenário literário português, uma obra
recente que evidencia um marco temporal na história de Portugal e do mundo. Djaimilia inicia
sua obra expondo a importância de ter nascido no tempo em que nasceu:
O meu maior privilégio imerecido é ter nascido em 1982. Não é ter tido uma educação, ter sido
amada e protegida pela minha família. Não é a habitação, ou sequer o acesso à saúde. A data do
meu nascimento é o meu maior privilégio. Peso cada palavra. Houvesse eu nascido setenta anos
antes, e não haveria lugar a estas linhas, ou a qualquer dos meus livros. Fosse eu uma mulher
negra da geração da minha avó, ou mesmo da geração da minha mãe, e o meu destino seria outro.
(2023, página p. 1).
Marina Tsvetáeva, em “o poeta e o tempo”, 2017, expõe importantes questões sobre o
que poderia ser a contemporaneidade e diz que “ser contemporâneo é criar seu próprio tempo,
refletindo sobre ele não como um espelho apenas, mas como um escudo, como se luta contra
99% de um primeiro esboço de uma obra” (2017, p. ?). E Djaimilia expõe essa criação sobre
sua existência em seu tempo, sua luta findada desde o nascimento em uma sociedade que
subjuga o corpo feminino e o corpo negro, em toda sua trajetória. A escritora é contemporânea
na sua plenitude de sentido, na busca de compreensão de desafios, valores e contextos
culturais da sociedade como um todo.
Ser uma escritora negra hoje, de acordo comigo, uma mulher desse tempo, escrever contra esse
fato, carregando-o às costas, sem deixar que ele me tolha. É fazer, a cada página, por abraçar e
merecer a alegria cósmica, arbitrária, de ter nascido quem sou só agora. É na página que a
responsabilidade advinda dessa alegria se joga. A página é o que me estaria impedido, não
houvesse eu nascido em 1982. Estar à altura da minha responsabilidade é estar à altura de ter um
lugar na página. (ALMEIDA, 2023, páginas p. 7-, 8)
A escritora, quando iniciou sua trajetória literária, e com tamanha exposição visto que
seu talento é de fato deslumbrantee, encontrou barreiras para serem rompidas em seu seio
familiar, visto que seu próprio pai a queria esconder sua cor de pele, que pois, por um
devaneio, pensava protegê-la do racismo, como explicitado em sua obra:
O meu pai sempre tratou o facto de eu ser negra como um segredo que ele escondia de mim. Julgo
que, desse modo, imaginava proteger-me do racismo. Se eu não lhe contar que ela é negra, talvez
não perceba, talvez ninguém note, parecia pensar, por estranho e absurdo que pareça. Cresci com
outras mulheres, que me foram ensinando a ser mulher. Mas com nenhuma dessas mulheres
brancas aprendi a ser uma mulher negra no mundo. Não aprendi com nenhuma delas a defender-
me do mundo como tem de fazer uma mulher negra. (ALMEIDA, 2023, página 9)