Você está na página 1de 6

Universidade Estadual Paulista – UNESP

Câmpus de Assis

1º ano – Letras – Diurno


2º Semestre
Teoria da Literatura
Profª Cristiane Rodrigues de Souza

PONCIÁ VICÊNCIO
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO

Alunos:

Jessica Akemi Aoki


Júlia Ribeiro Yamassaki
Tarsilia Francisca Penheiro de Goes

Assis
2023
Essa atividade de análise e interpretação literária, contempla a obra Ponciá
Vicêncio, escrita pela autora Conceição Evaristo – linguista e escritora afro-
brasileira. No momento, aposentada, teve uma brilhante carreira como
pesquisadora-docente universitária. É uma pós-modernista muito influente no
Brasil e escreve poesia, conto, romance e ensaio. Apesar da tentativa de
reafirmação de sua identidade ao iniciar vários capítulos, com o nome e
sobrenome da personagem, ao mesmo tempo, assinala a sua conscientização de
que o sobrenome ‘Vicêncio’ fora herança do antigo Coronel, dono dos
antepassados seus. A escritora mineira, traz em seu texto um empirismo que
valoriza suas raízes, traduzindo a marginalidade e opressão, a desigualdade nos
direitos à cidadania que reverbera no comportamento discriminador étnico-racial,
gênero e classe social. Sua literatura contemporânea coloca aos olhos do leitor
uma reflexão da realidade que se vive no Brasil. Os marginalizados, as mulheres,
bem como os pobres, espelham sua própria vivência como exclusa da sociedade.
“(...) descobri com mais intensidade, a nossa condição de negros e pobres. (...) no
Curso Primário experimentei um ‘apartaid’ escolar. (...)sempre ficávamos
alocados nas classes do porão do prédio(...)”. (EVARISTO, 2009). O objetivo
deste trabalho é debruçar nesse romance ficcional e observar como se desenvolve
essa mistura de personagem fictício com as realidades atuais, em que está
carregada de uma série de acontecimentos reais vividos pelo povo afro-brasileiro,
contextualizados numa intensa discriminação do gênero feminino e sua etnia afro-
brasileira. DUARTE (2005), comenta: “[...] o momento presente propicia (e
exige) a articulação da etnicidade com o gênero (...). E esta operação suplementar
aponta justamente para a inclusão de mulheres ...” Além de outras abordagens
existentes dentro da história de Ponciá, apresentando tanto na estrutura do texto
quanto nas ideias e críticas que aparecem no decorrer de seu enredo, leva o leitor a
refletir a contextualização atual em que o texto repousa. A história se passa em
uma fazenda, na qual sua família trabalha, na transição da época que foi
instaurada a Lei Áurea. A imagem do avô Vicêncio sempre aparece muito forte,
representando a ancestralidade, que é muito valorizada por Ponciá, sua neta. Paira
uma certa loucura no romance, como metáfora de sequelas da escravidão do povo
negro, que após a abolição, ainda galgavam um lugar na sociedade - isso é
representado pelo fato do avô num surto de indignação, ter matado a esposa e uma
filha, e seguiu na loucura até sua morte. Ponciá ainda vive e sente na pele, o
preconceito étnico além do cenário apresentar o machismo. É um romance
ficcional com estilo satírico, através do qual expressa denúncia social que se dá
pela opressão à sua cor, à sua descendência e sua classe. “Quem conduz a
narrativa, é a memória”, explica RICOUEUR (2000) e é exatamente a sua
memória individual a sua identidade, pois ninguém pode oprimi-la em suas
lembranças, em seu íntimo, no interior de sua essência. Com maior profundidade,
pode-se verificar que há um antagonismo de ideias que se tornam um grande
obstáculo, dificultando a realização dos objetivos de Ponciá. Sua desesperança em
uma situação que não melhora, de sua negação de si mesma numa atitude de
desvalorização de sua própria pessoa, seu descrédito num futuro mais digno, seu
devaneio contínuo para se ausentar da realidade, além da falta de dinheiro, da falta
de carinho do companheiro, do cansaço da vida que leva. A narrativa se dá em 3ª
pessoa, discorrendo a vida da protagonista Ponciá, em suas vivências de menina
até o momento atual em que ela se encontra. A obra pertence à literatura afro-
brasileira contemporânea e sua publicação é datada de 2003. EVARISTO utiliza
elementos como flashbacks que correspondem aos anos de sua infância até sua
vida adulta, lançando mão de uma prosa muito fluida, bastante acessível a um
entendimento que envolve a atenção do leitor, levando-o a penetrar o núcleo dos
acontecimentos fazendo-o sentir-se parte da história. Incorpora momentos da vida
cotidiana que apresentam mulheres afrodescendentes, destacando o ponto de vista
de uma mulher negra – o que causa um estranhamento que se opõe aos escritos
por descendentes de escravos – conto e poesia. Agrega um criticismo claro no que
tange à abolição da escravatura do século XIX, pois a obra mostra consequências
desvantajosas para os abolidos que ficaram sem casa, sem trabalho, sem
identidade e vida digna. Trata-se de uma prosa poética em que são narrados
momentos automatizados do seu dia-a-dia, vislumbrando uma visão poética sobre
as coisas. Em uma narração marcada pela cultura negra, manchada pelo
preconceito, descreve sua decepção com a hipocritamente chamada democracia
racial onde é pregada a cidadania e não se dá o direito do uso dela aos negros
intitulados livres, modificando apenas a circunstância de escravização. Em cada
um dos capítulos, a falta de título traduz seu sentimento de não pertencer a lugar
algum dentro da sociedade. Grande parte desses capítulos tem início com “Ponciá
Vicêncio”, fazendo dessa repetição uma tentativa de reafirmação de sua
identidade. Todos eles trazem o conceito identitário de cada personagem com suas
peculiaridades, formando uma rede coletiva de individualismos e todos se
reapropriam do passado que carregam em suas memórias. WALTER BENJAMIM
(1994, p.215), afirma que “Comum a todos os grandes narradores é a facilidade
com que se movem para cima e para baixo nos degraus da sua experiência, como
numa escada. Uma escada que chega até o centro da terra e que se perde nas
nuvens – é a imagem de uma experiência coletiva. ” Logo no 1º capítulo, Ponciá
conta que tinha medo quando menina, de passar por baixo do arco-íris, sua mãe
dizia que se transformaria em menino. Por conta disso, nas horas que não podia
escapar de transpor para a outra extremidade do rio em que buscava o barro, ela
imediatamente se punha a apalpar seu corpo para se certificar que ainda era
menina. É nesse justamente nesse instante que ocorre a transformação que o arco-
íris representa metaforicamente. É comparado a uma ‘cobra celeste bebendo
água’, colorida e teimosa, que simboliza a passagem da fase infantil para a fase de
mocinha, em uma descoberta de novos ‘sentires’, desobedecendo as regras do que
se considerava proibido – curso natural de todo ser humano em sua plena
evolução. Começa a conhecer seu próprio corpo, no ato de se tocar pela primeira
vez. Existe um eu lírico que toma conta da história, apesar de haver um narrador,
contudo quase ausente. Ponciá haver tido 7 abortos espontâneos, traz consigo uma
forte significação de uma contínua falta de identidade, a qual era procurada a todo
momento, mas perdida sempre antes mesmo de ser conquistada. Ela própria
concorda que os filhos não terem vingado, era melhor do que sofrerem da mesma
forma, como havia se dado consigo. Descortina os valores do seu povo, colocando
à mostra, sua fome de sabedoria com sua aprendizagem de leitura, sua natureza
trabalhadora e persistente, a valorização de sua cultura e conceito de família, sua
contraposição aos preconceitos, hipocrisia e subserviência. Põe-se à percepção,
que EVARISTO, uma autora negra, conta a história de uma personagem também
negra, fazendo com que deixe de ser um “objeto da literatura de um autor branco”,
como cita LUIZA LOBO (1989). À luz dessas considerações, a obra Ponciá
Vicêncio pode ser considerada canônica, pelo fato de dialogar sobre valores
humanos, atingindo uma dimensão reflexiva e humanizadora coletiva de grande
profundidade. Segundo MONGENSTERN apud MAAS, “[Tal forma de romance]
poderá ser chamada de BILDUNGSROMAN, sobretudo devido ao seu conteúdo,
porque ela representa a formação do protagonista em seu início e trajetória em
direção a um grau determinado de perfectibilidade; em segundo lugar, também
porque ela promove a formação do leitor através dessa representação, de uma
maneira mais ampla do que qualquer outro tipo de romance. ” (MONGESTERN,
1988 apud MAAS, 2000). Elaine Maria Santos – mestranda da Universidade
Federal de Sergipe, descreve em seu trabalho de pesquisa: “Machado ressalta a
importância em se trabalhar com as obras canônicas não somente pelas qualidades
intrínsecas, como também pelo potencial de leituras que elas permitem”.
(MACHADO,2002, p. 18). Esse conceito nos permite uma concordância, pois
essa exposição exemplifica Ponciá Vicêncio como capaz de oferecer qualidade
literária, a qual possibilita o contato com a realidade através de várias leituras
acerca do mundo que nos rodeia e de nossas vivências, tanto no mundo
interiorizado quanto fora dele, e portanto: canônica.

REFERÊNCIAS

EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio/Conceição Evaristo. – Belo


Horizonte: Mazza Edições. 2023.

BENJAMIN, Walter. O Narrador. Considerações sobre a obra de Nicolai


Leskov. In: Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
São Paulo:Brasiliense, 1994.

LOBO, Luiza. Auto Retrato de uma Pioneira Abolicionista. In: Crítica sem
Juízo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.

MAAS, Wilma PatríciaM. Dinardo. O Cânone Mínimo: o Bildungsroman na


história da literatura. São Paulo: Editora Unesp, 2000. Disponível em:

https://www.literaturabr.com/2013/03/18/poncia-vicencio-de-conceicao-evaristo-
bildungsroman-ou-romance-de-formacao/

RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa: a intriga e a narrativa histórica.


Tradução: CláudiaBerliner. São Paulo. Martins Fontes, 2010ª. V. 1. Disponível em:

https://revistas.ufpi.br/index.php/pensando/article/view/12641

DUARTE, Eduardo Assis. O Bildungsroman afro-brasileiro de Conceição


Evaristo. Revista Estudos Feministas. Vol.14, Nº 1. Florianópolis. Jan/Apr.2006.
Disponível em:

http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/188-conceicao-evaristo

SANTOS, Elaine M. Formação de Professores – leitores: O Papel de Cânones


Literários. Disponível em:

http://www2.assis.unesp.br/cilbelc/jornal/maio09/content8.html

MACHADO, A. M. Como e por que ler os clássicos desde cedo. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002. Disponível em:

https://www.amazon.com.br/Como-cl%C3%A1ssicos-universais-desde-cedo/dp/
8573024496

Você também pode gostar