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RESSIGNIFICAÇÃO DO SUJEITO
RESUMO
Esta análise literária tem como objetivo apontar reflexões literário-culturais a respeito da
reconfiguração identitária da protagonista negra dentro da obra The Color Purple de Alice
Walker, com o intuito de entender como as relações socioculturais com as figuras
femininas dentro da sua comunidade interferem no processo de ressignificação identitária
de Celie. Propomo-nos também refletir como a escrita epistolar influencia no processo da
(re)construção identitária. Para isso, serão analisadas cartas presentes no romance com o
intuito de compreender os processos sociais que contribuem para a (re) construção da
identidade da mulher negra. Portanto, este estudo usará conceitos dos Estudos Culturais
e dos Estudos de Gênero, com foco em conceitos sobre identidade e feminismo, como
orientação para as reflexões aqui levantadas.
Palavras-Chave: Análise Literária; Estudos Culturais; Estudos de Gênero; Identidade.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Em suas cartas, a protagonista busca conversar com ‘Deus’, pois este é o único
com quem pode compartilhar sua história. As conversas direcionadas a ele, ajudam Celie
a continuar sua jornada, pois ao se expressar com o outro através da escrita, a protagonista
vê-se em um ambiente livre de opressões, podendo ter autonomia para compartilhar suas
opiniões com o outro. As cartas de Celie refletem seu ponto de vista sobre o mundo ao
seu redor, influenciando o leitor – aqui o ‘outro’ – a entender seus posicionamentos e
atitudes. Ao lermos as cartas, nos tornamos cúmplices de Celie, acompanhando sua
trajetória e desenvolvimento, assim, Celie se torna um exemplo a ser seguido ou
lembrando. A personagem não só escreve para expressar-se, mas também, demonstra,
através das cartas, que existe dentro da hierarquia patriarcal e, mesmo sendo silenciada,
encontra uma forma de mostrar-se ao outro.
2. AS REMANESCÊNCIAS DA ESCRAVIDÃO NA TRAJETÓRIA DA
PERSONAGEM SOFIA
A personagem Sofia é uma mulher tida como excêntrica pela protagonista da obra.
Ela não tem medo de se impor e não se submete aos desejos dos homens que a rodeiam.
Quando ela se casa com o filho mais velho de Albert, Harpo, Celie passa a conviver com
uma figura feminina que é o completo oposto de si. Essa mulher não guarda suas angústias
internamente e não teme lutar quando é contrariada, por este motivo, no decorrer da obra,
Sofia é presa. Enquanto levava os cinco filhos para cidade, ela e seus filhos são abordados
pela mulher do prefeito que se impressiona com a higiene dos pequenos, propondo que
Sofia se torne sua criada “Tantas crianças, (...)E com uns dentes tão brancos(...)Todas
estas crianças estão muito limpas. Gostavas de trabalhar para mim, de ser minha criada?”
(WALKER, 1986, p. 177). A mulher branca, em uma posição hierárquica elevada por sua
cor e classe social, observa essas crianças como objetos de um circo exótico e, como em
uma vitrine, vê também o potencial do trabalho doméstico que Sofia pode ter. Assim,
imaginando fazer um ato de benevolência, a mulher branca decide convidar Sofia para
ser sua empregada, o que é recusado pela mesma. A resposta negativa sendo proferida
por uma mulher negra é tão ofensiva que gera uma comoção da parte do prefeito e sua
mulher, gerando a revolta de Sofia que é esbofeteada pelo marido da outra. Por ser
temperamental, ela rebate a agressão com um soco e por isso é presa. “- A Sofia está
presa. (...) - Por que está ela presa? - Pergunta. - Por ser malcriada para a mulher do
presidente da Câmara.” (WALKER, 1986, p. 176). Antes de ser presa, a personagem é
espancada pelos cidadãos brancos que assistiam a cena e após ser levada para a prisão ela
é forçada a trabalhar na lavanderia, local onde quase morre. Por fim, em uma tentativa de
salvar-se, ela aceita abrigo na casa do prefeito e após anos de prisão, ela se torna a criada
da mulher do prefeito.
Foi a Sofia que viste a trabalhar como criada do presidente da Câmara. [...] Os
polícias prenderam-na por ela ter dito uma data de coisas feias à mulher do
presidente e ter batido no presidente. Primeiro esteve na prisão a trabalhar na
lavandaria e quase a morrer. Depois a gente conseguiu metê-la em casa do
presidente. Tinha que dormir num cubículo, no sótão, mas era melhor que na
prisão. Moscas, talvez, mas não ratos. (WALKER, 1986, p.385)
3. PATRIARCADO E OPRESSÃO
The Color Purple narra a trajetória de Celie, menina negra de quatorze anos que
vive com sua mãe, pai – ou quem acreditava ser seu pai – e seus irmãos. Nas primeiras
cartas da história, descobrimos que a mãe de Celie está muito debilitada e todo trabalho
doméstico vira cargo da protagonista. Além do serviço doméstico, ela é obrigada a manter
relações sexuais forçadas com o pai, pois este atribui o cargo que seria da sua mulher
debilitada a ela. Os frequentes abusos geram duas crianças, que são retirados das mãos de
Celie assim que nascem. Para mascarar a violência cometida no corpo da garota, o
padrasto a impossibilita de frequentar a escola, alegando que a extrema ingenuidade da
menina a impossibilitaria de continuar os estudos: “A primeira vez que fiquei prenha o
meu pai fez-me sair da escola. Nunca se importou que eu me ralasse. A Nettie ficou ali à
porta, sem largar a minha mão. Eu estava toda arranjada para o primeiro dia de aulas”
(WALKER, 1986, p. 8).
Nesse ambiente opressor, Celie torna-se um indivíduo submisso, recorrendo ao
silêncio como uma forma de sobrevivência. Essa submissão é desenvolvida a partir de
um longo período de humilhação, privação de liberdade e violência sexual e psicológica,
que interligados aos paradigmas das opressões patriarcais e raciais, auxiliam para a
manutenção da identidade submissa da protagonista que, ao aprender a não se expressar,
cala-se, aceitando as regras e deveres impostos a ela mascarados como ‘dever da mulher’.
Assim, a figura de opressor-submisso é propagada na sua relação com o seu futuro
marido, que se casa com ela por estar procurando uma nova mulher – pode-se ler como
um novo produto – para cuidar de sua casa e filhos. Este homem vai até a casa de Celie
buscando casar-se com sua irmã mais nova, Nettie, mas ao não obter sucesso contenta-se
com a carne mais feia, porém mais trabalhadora. Em outras palavras, Celie é vendida
como uma carne de segunda mão.
Não penso dar a Nettie a si, - disse ele falando muito devagar. - É muito nova
e não sabe nada da vida. Além disso, quero que estude. Tem de ser professora.
Mas pode levar a Celie. Assim como assim, é a mais velha. Tem de ser a
primeira a casar. Já não está virgem, espero que saiba isso. Já a mancharam.
Duas vezes. [...] - É feia, - dizia ele, - mas sabe trabalhar. (WALKER, 1986, p.
22)
Eu gosto da Sofia, mas ela não faz como eu. Se está a falar quando o Harpo e
o Sr. entram, continua como se não fosse nada com ela. Se lhe perguntam onde
está qualquer coisa diz que não sabe e continua a falar. Penso muito quando o
Harpo vem ter comigo para saber como fazer que ela obedeça. [...] - Bate-lhe,
digo. (WALKER, 1986, p. 76)
viram agentes ativos desta problemática. Para Safiotti, “(...) o poder é macho, branco e,
de preferência, heterossexual” (SAFFIOTI, 2015, p. 33). A reflexão instigada pela
filósofa, nos leva a entender que o sistema patriarcal funciona através da hierarquia, onde
o homem branco está no topo, enquanto a mulher negra encontra-se na base dessa
estrutura. Tanto Albert, quanto o padrasto de Celie, sabem que estão acima dela dentro
desse sistema, por isso, a reprimem com agressões. O sistema patriarcal também age sobre
os homens, os impulsionando à violência. Saffioti (2015, p. 35) discorre que o poder
(patriarcal) advém de construções socioculturais que designa, pela ordem patriarcal, o
papel do homem e da mulher na sociedade. Enquanto o homem é ligado à imagem de
perigo, agressividade, força e virilidade, a mulher é estimulada a ser dócil, apaziguadora.
Assim, tanto Celie quanto os homens que a oprimiram durante sua vida, são produtos do
patriarcado, pois eles reverberam em suas ações práticas que advém de um sistema
opressor e violento, tendo a figura mais ligada ao homem branco heterossexual como
opressor e as figuras que se distanciam desse patamar, como oprimidos. Nessa relação de
opressor-oprimido, os personagens agem de acordo com o que foram ensinados, Mr.__,
ou Albert, utiliza das agressões físicas, psicológicas e, principalmente, verbais para
oprimir Celie, demonstrando seu poder perante ela e Celie, sendo a vítima da maioria das
agressões, é submetida ao papel dócil, reprimindo seus posicionamentos para não
conflitar com a figura de poder presente em sua trajetória.
¹ALCOFF, Linda. Visible Identities:Race, Gender and the Self. Oxford University Press: Oxford, 2005,
p.92.
²HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006, p.31.
de alguém. São essas mudanças que contribuem para a ressignificação identitária de um
sujeito. Como é defendido pelas pesquisadoras Rocha e Araújo, no artigo intitulo ‘A
construção da identidade feminina em a cor púrpura’:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALCOFF, Linda. Visible Identities:Race, Gender and the Self. Oxford University
Press: Oxford, 2005.
BUTLER, Judith. Bodies that matter: On the discursive limits of Sex. London:
Routledge, 2011.