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Número 35

Março / Abril 2015


Publicação bimestral

Quem foi Carolina


Maria de Jesus?
Vivenciou e escreveu sobre a vida dos negros nas
primeiras décadas da libertação da escravatura,
definindo a favela como um quarto de despejo. “Eu
denomino que a favela é o quarto de despejo de uma
cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.” (trecho
do livro Quarto de Despejo). Págs. 4 e 5

“Quando mulheres do povo como eu nos dispomos a escrever, estamos rompendo com o lugar que normalmente nos é reservado. A mulher
negra pode cantar, pode dançar, pode cozinhar, pode se prostituir mas escrever não.”
Frase contemporânea da escritora Conceição Evaristo, que representa bem a vida de Carolina Maria de Jesus.

Sérgio Almeida (Ascom/CNMP)


CNMP valida cotas raciais
O Plenário do Conselho Na- Estado da Bahia (MPBA) e ques-
cional do Ministério Público tionava previsão, em regulamen-
(CNMP), por unanimidade, to do certame, que destina 30%
julgou improcedente o PCA das vagas a candidatos que se au-
1283/2014-11, que requeria a todeclarem negros ou pardos. A
suspensão de concurso público decisão foi tomada durante a 5ª
para promotor de Justiça subs- Sessão Ordinária do CNMP, rea-
tituto do Ministério Público do lizada no dia 10 de março. Pág.6

Entrevista com o Audiência pública


Ascom/MPBA

PGJ da Bahia será no dia 6 de maio


Márcio José Cordeiro Fahel, A audiência ocorrerá no au-
procurador-geral de Justiça da ditório do Ministério Público
Bahia, desde março de 2014, Federal, na avenida Governador
fala sobre as cotas raciais no con- Agamenon Magalhães, 1800,
curso para promotor de Justiça Espinheiro. A coordenação da
do Estado da Bahia e a validação audiência será do promotor de
do edital pelo Conselho Nacio- Justiça de Direitos Humanos
nal do MP. Pág. 7 Maxwell Vignoli. Pág. 8
02 | R,  /   -   - 

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Colocar-se como escritora,
esse foi o maior legado de Ca-
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rolina Maria de Jesus. Quem
foi Carolina? Escritora? Uma
mineira que ao encontrar um
caderno e um lápis ao catar lixo
MPPE discute com instituições e sociedade
decidiu escrever sobre o seu dia
a dia, como um diário. E isso
civil sobre as barreiras de acesso à Justiça aos
virou um hábito. Quando foi
descoberta pelo jornalista Audá-
jovens negros em situação de violência
lio Dantas apresentou mais de
20 cadernos, um dos quais deu O Ministério Público de Per- a adoção de medidas, programas rio da Convenção Internacional
nambuco (MPPE), por meio da e políticas de enfrentamento e sobre a Eliminação de Todas as
origem ao livro Quarto de Despe-
8ª Promotoria de Justiça de De- de superação das desigualdades Formas de Discriminação Racial
jo, publicado em 1960. Carolina
fesa da Cidadania do Recife, jun- decorrentes do preconceito e da da Organização das Nações Uni-
era negra, só tinha estudado dois
tamente com o Centro de Apoio discriminação étnico-racial. das, e da Declaração de Durban,
anos, mãe solteira de três filhos,
Operacional às Promotorias de formulada na III Conferência
catadora de papel, morava na fa- A discussão que será promo-
Justiça Criminais e o Grupo de Mundial de Combate ao Racis-
velo do Canindé, em São Paulo, vida em Pernambuco é resultado
Trabalho de Enfrentamento ao mo, Discriminação Racial, Xe-
e gostava de escrever sobre o seu da assinatura do Protocolo de
Racismo (GT Racismo), convoca nofobia e Intolerância correlata,
cotidiano. Intenções para a Redução das
audiência pública para discutir o realizada em 2001.
Barreiras de Acesso à Justiça aos
Esta edição de n°35 traz a va- tema As barreiras de acesso à Jus-
Jovens Negros em Situação de Para a audiência do dia 6 de
lidação pelo Conselho Nacional tiça aos jovens negros em situação
Violência pelo Conselho Na- maio, o MPPE convidou a Se-
do Ministério Público (CNMP) de violência, no dia 6 de maio.
cional do Ministério Público, cretaria de Política de Promoção
das cotas raciais em concurso A iniciativa conta com a parce-
Conselho Nacional de Justiça, da Igualdade Racial do Governo
para promotor de Justiça do Mi- ria dos GTs Racismo das Polícias
Ministério de Justiça, Secreta- Federal, Tribunal de Justiça de
nistério Público da Bahia, o pri- Civil e Militar de Pernambuco.
ria de Políticas de Promoção da
meiro do País a adotar o sistema Todos estão convidados a parti- Pernambuco, Ordem dos Advo-
Igualdade Racial e Secretaria Na-
de cotas para seleção de novos cipar. gados do Brasil - Seccional Per-
cional da Juventude, ambas da
membros. A validação ocorreu nambuco, Defensoria Pública
A audiência ocorrerá no au- Secretaria Geral da Presidência
no dia 10 de março. Para falar de Pernambuco e Procuradoria
ditório do Ministério Público da República, Conselho Federal
sobre o assunto, esta edição fez da República dos Direitos do
Federal, localizado na avenida da OAB e o Colégio Nacional
uma entrevista com o procura- Governador Agamenon Maga- Cidadão. Ainda, a Secretaria da
de Defensores Públicos-Gerais,
dor-geral de Justiça da Bahia, lhães, 1800, Espinheiro. A co- e publicada no Diário Oficial da Juventude, Secretaria de Defe-
Márcio José Cordeiro Fahel. ordenação da audiência será do União, em 24 de março de 2014. sa Social, Secretaria de Direitos
promotor de Justiça Maxwell O Protocolo estabelece a orga- Humanos do Estado e da Prefei-
Por fim, o GT Racismo do tura do Recife e Comissão Esta-
MPPE participou de eventos em Vignoli (8ª Promotoria). nização de atividades conjuntas
entre as instituições signatárias. dual de Promoção da Igualdade
São Paulo sobre o racismo na in- Na ocasião, serão discutidos Racial.
fância, o primeiro seminário do o fortalecimento de mecanismos Consoante a isso, o Estado
CEERT para tratar do assunto, de controle externo da atividade Brasileiro tem o compromisso Também foram convidados
serão feitos outros em alguns policial, com foco na subnotifi- de adotar políticas visando à eli- pelo MPPE as lideranças do Mo-
estados para ampliar nacional- cação de homicídios, especial- minação da discriminação racial vimento Social Negro, coordena-
mente a discussão; e sobre Mas- mente nos casos de confronto em todas as suas formas, e em- dores dos NEABS - Núcleos de
sacre de Maio, audiência pública com a força policial, a assistência prender medidas concretas para Estudos Afro-brasileiros das Uni-
sobre as providências relaciona- jurídica para jovens negros em garantir o pleno exercício dos di- versidades Federal, Rural e parti-
das às mortes de jovens negros situação de violência, em cum- reitos humanos e das liberdades culares, conselheiros de Direitos
ocorridos em maio de 2006, no primento de medidas socioedu- fundamentais, em condições de Humanos do Estado de Pernam-
Estado de São Paulo. cativas ou em regime prisional e ampla igualdade, como signatá- buco e do Município de Recife.

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GT RACISMO - MPPE Irene Cardoso Sousa, Fernanda Arco- Texto e edição: Bruno Bastos, Giselly
verde C. Nogueira, Roberto Brayner Veras e Izabela Cavalcanti (jornalistas),
Carlos Augusto Arruda Guerra de Holanda Sampaio, Antônio Fernandes Oliveira Geise Araújo, Igor Souza, Vanessa Falcão
Procurador-geral de Justiça Matos Júnior, Marco Aurélio Farias da e Vinícius Maranhão (estagiários de jor-
Silva, Humberto da Silva Graça, André nalismo).
Maria Bernadete Martins Azevedo Fi- Felipe Barbosa de Menezes, Muirá Belém
gueiroa (Coordenadora), Helena Capela de Andrade, Ana Karine Ferraz, Emma- www.mppe.mp.br - gtracial@mppe.
Gomes (Sub-coordenadora), Janeide nuel Morim, Izabela Cavalcanti Pereira e mp.br - (81)3182.7201 - Rua 1º de
Oliveira de Lima, Maria Betânia Silva, Maria Eduarda Souza (estagiária). Março, 100, 3º andar, Stº Antônio
Maria Ivana Botelho Vieira da Silva, Projeto gráfico: Leonardo Dourado Recife-PE - CEP: 50.010-170
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         MPPE

Racismo é tema de eventos na cidade de


São Paulo e no Cabo de Santo Agostinho
A coordenadora do Grupo de ambiente escolar, fortalecendo a ciedade, que inclui a Rede tema com quem faz a educação
Trabalho de Enfrentamento à atuação dos conselheiros tutela- de Atendimento à Criança e do Cabo de Santo Agostinho.
Discriminação Racial (GT Ra- res e demais atores do sistema de Adolescente, de que todas as A promotora de Justiça, na pa-
cismo), do Ministério Público garantia de direitos de crianças crianças são iguais, pautada na lestra, abordou exemplos de
de Pernambuco (MPPE), pro- e adolescentes contra esta forma desigualdade social, (pobre- ações que caracterizam o que é
curadora de Justiça Maria Ber- de maus-tratos. za), impede a efetividade do racismo institucional, além de
nadete Figueiroa, participou do Maria Bernadete dividiu a princípio da Proteção Integral,
cobrar a preparação dos profes-
I Seminário Regional do Projeto mesa temática Discriminação que fundamenta o Estatuto da
Nacional - O Sistema de Garan- Racial - Sinônimo de maus-tratos Criança e do Adolescente, refor- sores para que possam respon-
tia de Direitos da Criança e Ado- – Estatuto da Criança e Adoles- çando e reproduzindo o racismo der questionamentos dos alu-
lescente e a Promoção da Igualda- cente com o desembargador e e as desigualdades”, destacou nos acerca do racismo. Por fim,
de Racial, no dia 20 de março, membro consultor da Infância Maria Bernadete. também ressaltou a importância
em São Paulo, promovido pelo e da Juventude, do Tribunal de Cabo - Também nesta data, a dos profissionais da educação
Centro de Estudos das Relações Justiça de São Paulo, Antônio promotora de Justiça Irene Car- se atualizarem quanto às Leis
de Trabalho e Desigualdades Carlos Malheiros; e com o dire- doso, membro do GT Racismo 10.639/2003 e 11.645/2008,
(CEERT). Cerca de 200 pessoas tor executivo do CEERT, Hédio do MPPE, participou da pales- que estabelecem as diretrizes e
participaram, entre elas, conse- Silva Júnior. tra Racismo Institucional Cau- bases da educação nacional e a
lheiros tutelares, assistentes so- A coordenadora do GT Racis- sas e Consequências, promovida obrigatoriedade de se incluir no
ciais, educadores, psicólogos e mo do MPPE, na ocasião, res- pelo Grupo de Estudo e Traba- currículo oficial da rede de ensi-
operadores do direito. saltou a necessidade de que os lho Afro Indígena do Cabo de no as temáticas história e cultu-
O projeto visa contribuir maus-tratos contra as crianças Santo Agostinho. A iniciativa
ra afro-brasileira e indígena.
para que o Estatuto da Crian- também sejam observados pela aconteceu na Secretaria de Edu-
ça e Adolescente e legislação ótica do racismo, sobretudo o cação do Cabo, com a participa- A promotora de Justiça di-
correlata sejam utilizados na racismo institucional, uma vez ção de diretores de escola, pro- vidiu a mesa com Maria da
promoção da igualdade racial e que essa questão não está sen- fessores, técnicos de educação e Piedade Marques, membro do
no enfrentamento ao racismo do considerada nem visualizada representantes de alunos. Conselho de Igualdade Racial
na infância, especialmente em com o devido cuidado. Para Irene Cardoso, o evento do município do Cabo de Santo
procedimentos de adoção e no “A visão universalista da so- foi importante por debater esse Agostinho.

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Nova coordenadora
MPPE participa de audiência em SP sobre do GT Racismo da
mortes de jovens negros em maio de 2006 Polícia Civil

O Conselho Nacional do Mi- à Diversidade Étnica e Cultural 31 anos e moradoras de bairros AMCS/MPPE
nistério Público (CNMP), por da Comissão, da CDDF/CNMP, pobres da Grande São Paulo.
meio da Comissão de Defesa dos Maria Bernadete Figueiroa, que
Os inquéritos das mais de 500
Direitos Fundamentais (CDDF) atua também como coordenado-
mortes foram fechados, sem con-
promoveu, no dia 7 de abril, na ra do GT Racismo do Ministério
clusão satisfatória nos Tribunais
sede do Ministério Público do Público de Pernambuco.
do Estado o que levou grupos
Estado de São Paulo, audiência
Entenda o caso - Os atos de de direitos humanos e de mães
pública sobre as providências
violência de maio de 2006 resul- das vítimas a pedirem a federali-
relacionadas às mortes de jovens
taram na morte de 564 pessoas, zação das investigações, ou seja,
negros ocorridas em maio de
quando o Primeiro Comando da a reabertura dos inquéritos pelo A delegada Cláudia Frei-
2006, no Estado de São Paulo,
Capital iniciou uma série de ata- Ministério Público Federal, para tas é a nova coordenadora
fato conhecido como Massacre
ques ao patrimônio público e aos investigarem os responsáveis pelo do Grupo de Trabalho de
de Maio, e a respectiva atividade
policiais no Estado de São Paulo. que é considerado o maior mas- Enfrentamento ao Racismo
policial e atuação do MP.
sacre da história do Estado de da Polícia Civil. Cláudia
Dos assassinatos por arma
A abertura da audiência públi- São Paulo. Freitas também é gestora
de fogo naquele mês, apenas
ca foi realizada pelo presidente da do Departamento da Mu-
59 eram agentes públicos. Os
Comissão de Defesa dos Direitos Acesse através lher. Antes de se tornar a
demais foram executados, se-
Fundamentais (CDDF/CNMP), do QR Code o nova coordenadora do GT
gundo a polícia, em confronto.
Jarbas Soares, que presidiu e co- índice de vulne- Racismo da Polícia Civil,
Entretanto, muitas das vítimas
ordenou os trabalhos. A audiên- Cláudia Freitas atuava na
apresentam marcas de terem sido rabilidade juvenil
cia contou com a participação Delegacia de Polícia de
executadas sumariamente, com à violência e de-
da coordenadora nacional do Crimes Contra a Adminis-
tiros no peito e na cabeça. Mais sigualdade racial
Grupo de Trabalho 4 - Enfren- tração e Serviços Públicos.
de 70% eram jovens, entre 11 e 2014.
tamento ao Racismo e Respeito
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Quem foi Carolina Maria de Jesus?


cionamento com o dono de uma
Fotos: reprodução

fábrica e comerciante, cuja iden-


tidade nunca foi revelada por
Carolina. Dois anos depois, em
1955, Carolina inicia os registros
de suas escrituras, em diário, so-
bre a vida na favela do Canindé.
É em 1958 que Carolina Ma-
ria de Jesus é descoberta pelo
fotógrafo e repórter Audálio
Dantas, na favela do Canindé,
quando uma praça próxima à
comunidade foi inaugurada e o
repórter estava na cobertura do
evento. Logo após a inaugura-
ção, uma gangue de jovens ex-
pulsou as crianças da pracinha
e a ocupou. Segundo relato de
Audálio, de repente, uma mu-
lher chegou e avisou aos garotos
Nascida em Sacramento, a partir de quem a viveu. Nos São Paulo (matéria online Es- da gangue que se eles não saíssem
dez anos (1914) após a morte textos pesquisados sobre Caro- critora Carolina Maria de Jesus da praça ela ia colocar os nomes
do pensador alemão Friedrich lina, não se percebe claramente viveu do caos ao caos publicada deles ‘no livro’. Os garotos real-
Ratzel, Carolina Maria de Jesus que dispositivo motivou a sua por Karla Monteiro, na data 20 mente saíram da praça após essa
demonstrou com o desenro- necessidade de escrever, de narrar de novembro de 2014), logo ao ameaça. Curioso quanto ao que
lar de sua vida que a teoria do o seu cotidiano como um livro, se instalar em São Paulo, Caro- se tratava esse livro, o repórter se
Determinismo Geográfico não um diário, mas uma coisa pode- lina conseguiu emprego na casa aproximou da mulher e pergun-
poderia se sustentar por muito se perceber através da análise dos do médico Euryclides de Jesus tou sobre qual livro ela estava
tempo. Ratzel defendia que o seus escritos, a influência do seu Zerbini, precursor da cirurgia do tratando. Carolina levou o jorna-
homem seria produto do meio, avô. As frases do avô foram repe- coração no Brasil, que a permi- lista até o seu barraco, na favela
ou seja, as condições naturais é tidas nos seus textos e absorvidas tiu usufruir de sua biblioteca nos do Canidé, e apresentou os seus
que determinam a vida em socie- por Carolina, inclusive a moti- dias de folga. cadernos de anotações que fazia
dade. O homem seria escravo do vação para o estudo como uma sobre a vida e o seu cotidiano na
Só no ano de 1948, Carolina
seu próprio espaço. A teoria do chance para a próxima geração, comunidade. Nesse mesmo ano,
chega à favela do Canindé, local
determinismo geográfico via o já que seus avós foram escravos. trechos do diário de Carolina fo-
onde foi descoberta. Nesse ano
ser humano a partir do ponto de ram publicados no jornal Folha
Quando a família passou a nasce o primeiro filho, João José
vista biológico (não social) e que, da Noite.
morar em Franca, São Paulo, de Jesus, fruto do relacionamen-
portanto, não poderia ser visto
Carolina, então com 13 anos, to com um marinheiro portu- Em 1959, a revista O Cruzei-
fora das relações de causa e efeito
trabalhava numa fazenda e, guês. Dois anos depois nasce o ro, onde Audálio Dantas passa-
que determinam as condições de
como empregada doméstica, na segundo filho, José Carlos de Je- ra a trabalhar, também publica
vida no meio ambiente.
cidade. De volta a Sacramento, sus, de um relacionamento com trechos dos diários. E em 1960,
Como Carolina Maria de aos 19 anos, foi presa junto com um estrangeiro de nacionalidade o livro, contendo os diários de
Jesus rompeu com o destino a mãe pela acusação de que pelo espanhola. Em 17 de junho de Carolina, chamado Quarto de
‘traçado’, conforme a teoria do fato de Carolina saber ler, fazia-o 1950, foi publicado um poema Despejo: diário de uma favelada, é
pensador alemão, a história da para praticar feitiçaria. de Carolina Maria de Jesus, em lançado com sucesso, tendo sua
literatura brasileira ganhou re- louvor ao presidente Getúlio primeira edição com tiragem de
latos sobre a vida das pessoas à Carolina decide morar em Vargas, no jornal O Defensor. dez mil exemplares e na noite de
margem, residentes da favela do São Paulo após a morte da mãe, Em 1953, nasce a terceira filha, autógrafos foram vendidos 600
Canindé, de São Paulo, contada em 1937 e, segundo a Folha de Vera Eunice de Jesus, após rela- exemplares; no primeiro ano,

Apesar de ter cursado apenas as duas séries iniciais do primá-


rio, Carolina reunia em casa mais de 20 cadernos com relatos
sobre o cotidiano da favela, um dos quais deu origem ao livro
Quarto de Despejo: diário de uma favelada, publicado em
1960. Após o lançamento, seguiram-se três edições, com um total
de 100 mil exemplares vendidos, tradução para 13 idiomas e
vendas em mais de 40 países.
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Escreveu sobre a vida dos negros nas primeiras décadas da libertação da escravatura,
definindo a favela como um quarto de despejo. “Eu denomino que a favela é o quarto de
despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.” (Quarto de Despejo)
com várias reedições, mais de exibido no Brasil. As imagens
100 mil exemplares vendidos. de uma mulher favelada e a vida
da comunidade não eram com-
O lançamento do livro Quar-
patíveis com a imagem que o
to de Despejo veio ao encontro
governo militar queria exibir do
dos movimentos sociais crescen-
Brasil, o cenário tinha mudado
tes no Brasil, com o fortaleci-
com a Ditadura, assim como as
mento da luta de classes, tendo
ideias. Mesmo assim, em 1976,
como pano de fundo global a
há o relançamento do livro
divisão do mundo entre os sis-
Quarto de Despejo, pela editora
temas econômicos capitalismo
Ediouro.
e socialismo, e nacionalmente, a
luta ideológica do governo mais Carolina Maria de Jesus, já
democrático, a ‘ameaça’ do co- não era mais notícia no Brasil;
munismo, e a articulação da ala no entanto ainda era reconhe-
mais conservadora do País. É cida no estrangeiro, como acon-
nesse clima que Carolina é vista, teceu quando um grupo de pro-
enxergada e até exaltada como fessores e jornalistas da França a
uma figura pensante e complexa visitaram em sua chácara, e ela Da esquerda para direita: Carolina, Audálio Dantas e Ruth Souza (atriz)
no meio de um ‘quarto de des- entregou os manuscritos de seu
pejo’, comprovando que o meio diário chamado Diário de Bitita.
onde vivia não a tinha sufocado Os direitos autorais do Diário de
o suficiente, pois com o parco Bitita é da Éditions A. M. Méta- Conceição Evaristo, es-
tempo de escolaridade foi sufi- ilié, e só foi publicado no Brasil critora mineira, falou em
ciente para fazer a diferença na pela Editora Nova Fronteira, em entrevista no programa
sua própria vida e na dos seus 1986, publicação póstuma. Inte- Espaço Público, da TV
filhos, o que contrariamente pre- ressante é que a obra foi classi- Cultura, exibido no dia
gava o determinismo geográfico, ficada como ficção na sua apre- 26 de maio deste ano, so-
do alemão Friedrich Ratzel. sentação, quando, na verdade, bre a deferência que tem
trata-se de uma relato da vida de por Carolina Maria de
Em 1960, Carolina deixa a
Carolina, nascida 26 anos após a Jesus, pela coragem dela
favela do Canindé e muda-se
abolição da escravatura (Lei Áu- de se colocar como escri-
inicialmente para os fundos da
rea, 1888). Vivenciou e narrou tora, numa época em que
casa de um amigo, em Osasco,
a vida dos negros nas primeiras escreviam Jorge Amado,
São Paulo. Nesse ano, é home-
décadas da libertação.
nageada pelas Academia Paulista Clarice Lispector. “Para
de Letras e Academia de Letras Em 13 de fevereiro de 1977, mim, Carolina é o símbolo
da Faculdade de Direito de São Carolina Maria de Jesus morre da insubordinação. Ela foi
Paulo. Em 1961, lança Casa de aos 63 anos de insuficiência res- insubordinada tanto como
Alvenaria: diário de uma ex-fave- piratória, no seu sítio em Pare- mulher negra que escreve
lada, a obra não agrada os críti- lheiros, São Paulo. como pela linguagem, uma
cos, nem a elite da época. vez que ela fere com a nor-
Em 1982, a Rede Globo de
Também, em 1961, é con- Televisão produz o documentá- ma culta, usando a norma
vidada a viajar ao Uruguai, ao rio Caso Verdade: De catadora de oculta, como gosto de fa-
Chile e a Argentina. Neste últi- papel a escritora famosa. Os pro- lar. Ela tenta se apropriar
mo país recebe a Orden Caballe- fessores José Carlos Sebe Bom da linguagem, ela tinha
ro Del Tornillo. Em 1963, lança Meihy e Robert M. Levine escre- consciência disso, porque a
o livro Provérbios, com edição da vem o livro Cinderela Negra: A A entrevista pode ser vista língua é de todos, não é da
própria Carolina, mas sem reper- Saga de Carolina Maria de Jesus, pelo QRcode acima. Academia”.
cussão. Publica também no mes- despertando a mídia novamente
mo ano Pedaços da Fome, com para a vida e obra de Carolina,
apresentação do escritor negro em 1994. E em 1995, os mes-
Eduardo Oliveira, mas foi rece- mos professores lançam The Life
bido com indiferença and Death of Carolina Maria de
Jesus, nos Estados Unidos. Publicações
Em 1969, consegue se mu-
dar para o sítio em Parelheiros, *Matéria fundamentada na
bairro da periferia de São Pau- referência biobibliográfica do Livros publicados Publicação Póstumas
lo, juntamente com os filhos. projeto Vida por Escrito - Orga- Quarto de despejo (1960) Diário de Bitita (1982)
Em 1975, o curta-metragem nização, classificação e preparação Casa de Alvenaria (1961) Meu estranho diário (1996)
Despertar de um Sonho (sobre a do inventário da obra de Caroli- Pedaços de fome (1963) Antologia pessoal (1996)
vida de Carolina Maria de Jesus), na Maria de Jesus, contemplado Provérbios (1963) Onde Estaes Felicidade (2014)
produção alemã com direção de pelo Edital Prêmio Funarte de
Gerson Tavares é proibido de ser Arte Negra, em 2013.
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                               

Plenário do CNMP valida cotas raciais em concurso


para promotor de Justiça do MP da Bahia
Sérgio Almeida (Ascom/CNMP)

A decisão foi tomada durante a 5ª sessão ordinária do CNMP, no dia 10 de março

O Plenário do Conselho Na- e apenas a ele aplicável, por ex- o requerente. “Pelo contrário, é servidores. Bernadete Azevedo
cional do Ministério Público pressa determinação de um de indicativo do fortalecimento e lembrou, ainda, que “tudo isso
(CNMP), por unanimidade, seus dispositivos. aprimoramento da instituição, só está sendo possível em fun-
julgou improcedente o PCA na exata medida em que reforça ção das discussões em torno do
De acordo com o relator,
1283/2014-11, que requeria a o seu comprometimento com o tema”.
conselheiro Fábio George, é
suspensão de concurso público Estado democrático”.
importante levar em conta que Suspensão - Em 16 de setem-
para promotor de Justiça subs- a adoção de política afirmativa, Segundo o conselheiro Fábio
tituto do Ministério Público do bro de 2014, ao indeferir liminar
antes de mera autorização cons- George, a atitude questionada para suspender concurso públi-
Estado da Bahia (MPBA) e ques- titucional, resulta de imperativo, é, na verdade, decorrência do
tionava previsão, em regulamen- co, o conselheiro Fábio George,
implicando que até mesmo a edi- compromisso do MP baiano relator da matéria, destacou que,
to do certame, que destina 30% ção de lei formal seja dispensada com a ordem jurídica e a defesa
das vagas a candidatos que se diante da definição de cotas nas
para tanto. Inclusive, foi essa a dos vulneráveis, missões institu-
autodeclarem negros ou pardos. universidades, o Supremo Tri-
conclusão do Supremo Tribunal cionais que lhe foram confiadas,
A decisão foi tomada durante a bunal Federal (STF) já decidiu,
Federal (STF) na Arguição de como a todo o MP brasileiro,
5ª Sessão Ordinária do CNMP, por unanimidade, pela cons-
Preceito Fundamental (ADPF) pela Constituição Federal.
realizada no dia 10 de março. titucionalidade dessa medida.
Nº 186, “entendendo que a pro-
A coordenadora do Grupo Além disso, apontou que já há
De acordo com o requerente, vidência adotada pela Universi-
de Trabalho sobre Discrimina- diversas leis prevendo tal meca-
a previsão em regulamento mos- dade de Brasília (UnB) encontra-
ção Racial (GT Racismo) do nismo, como a Lei Federal nº.
tra-se indevida porque somente va amparo na própria autonomia
MPPE, procuradora de Justiça 12.990/2014, que reserva aos
lei complementar, de iniciativa universitária, que tem sede cons-
Maria Bernadete de Azevedo negros 20% das vagas ofereci-
do procurador-geral de Justiça titucional”.
Figueirôa, saudou como avan- das nos concursos públicos para
daquele estado, poderia alterar Em seu voto, o relator enfa- ço da democracia a decisão do provimento de cargos efetivos e
critérios para ingresso na carreira tizou que o fato de o MPBA se CNMP de julgar improcedente empregos públicos no âmbito
do MP baiano, não sendo devido valer de critério utilizado pelo o PCA. De acordo com ela, a da administração pública fede-
que a fixação de cotas utilizasse Poder Executivo pode apenas ter medida do Conselho Nacional ral, como ainda a Lei Estadual
como base apenas a Lei Estadual representado o uso de um “parâ- abre precedente para que os Mi-
nº. 13.182/2014, do Estado da
nº 13.182/2014, seja porque se metro” já válido para o Estado da nistérios Públicos de todo o País
Bahia.
trata de lei ordinária, seja porque Bahia, mas, não uma subordina- possam instituir cotas raciais nos
de iniciativa do Poder Executivo ção àquele Poder, como sugere seus concursos para membros e *Matéria adaptada do CNMP.
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Ascom/MPPA

“Vive-se atualmente um favorável


momento de consolidação dos
direitos humanos, que não se
coaduna com um modelo de acesso a
cargos públicos permissivo apenas a
grupos historicamente dominantes”
Márcio José Cordeiro Fahel é o a todos os cidadãos, de maneira tes, porquanto iniciativas como tado da Bahia, por sua vocação
procurador-geral de Justiça da indiscriminada, como determina esta se revelam de singular im- constitucional, aliada ao seu
Bahia desde março de 2014. Na- a Constituição Federal. portância para que o Estado re- histórico combativo a esta pro-
tural de Itabuna, sul da Bahia, A medida em questão é fru- flita em suas fileiras de agentes blemática, não poderia passar ao
tem 44 anos e iniciou a carreira to de diretriz institucional do políticos exatamente os cidadãos largo das ações desencadeadas
em 1993, atuando nas Promoto- MPBA, que se fortaleceu com o aqui albergados. Vive-se atual- em todos os níveis de poder para
rias de Justiça de Mucuri, Aure- advento do Decreto Estadual nº mente um favorável momento efetivação das políticas inclu-
lino Leal, Ibicaraí e de Itabuna. 15.353, de 08 de agosto de 2014, de consolidação dos direitos hu- sivas, uma vez que a heteroge-
Em 2009, foi promovido para que, finalmente, regulamentou o manos em nível internacional, neidade dos cidadãos brasileiros
Salvador, onde atuou na 1ª Pro- art. 49 da Lei Estadual nº 13.182, que não se coaduna com um reclama a participação de todos
motoria de Justiça Criminal e na de 06 de junho de 2014. Desde modelo de acesso a cargos públi- os grupos sociais, étnicos e regio-
6ª Promotoria de Justiça da Ci- então, foram empreendidas reu- cos permissivo apenas a grupos nais no aparato estatal.
dadania. Ele ocupou os cargos de niões no âmbito da Procuradoria historicamente dominantes, em Espera-se doravante que os
assessor especial, coordenador do Geral de Justiça, com a participa- desfavor da maior parte dos ci- concursos públicos, assim como
Centro de Estudos e Aperfeiço- ção de assessores especiais, Pro- dadãos baianos, estes obrigados a já acontecem nos processos se-
amento Funcional (Ceaf ), secre- curadores de Justiça e do Centro enfrentar ao longo de cincos sé- letivos de grande parcela das
tário-geral e chefe de Gabinete de Estudos e Aperfeiçoamento culos significativo aparato refra- instituições públicas de ensino
do Ministério Público da Bahia. funcional do MPBA (CEAF), a tário à sua inclusão nos centros superior, contemplem a hipótese
partir das quais se decidiu propor decisórios institucionalizados. de reserva de vagas para negros e
Ao seu ver, essa decisão do ao Egrégio Conselho Superior do Com efeito, a medida se ali-
pardos, haja vista a importância
CNMP para o Ministério Pú- MPBA a alteração da Resolução nha a outras iniciativas do MP/
de oportunizar hoje, em nível
blico da Bahia abre preceden- nº 016/2014- que aprova o vi- BA, tais como a pioneira criação
isonômico, o acesso às carreiras
tes para os outros MPEs, bem gente regulamento e o programa da Promotoria de Justiça Com-
públicas aos cidadãos histori-
como para o Ministério Públi- do Concurso para ingresso na bate ao Racismo, ainda nos me-
camente relegados pelo Estado
co Brasileiro? carreira do MPBA - para incluir a ados da década de 1990, dentre
apenas pela sua origem étnico-
Há o pedido de providência reserva de vagas a pretos e pardos. outras mais recentes, como o
-racial.
n°000543.2013-50, que tramita A proposta felizmente foi feste- Programa de Promoção da Igual-
perante o CNMP por provoca- jada e aprovada à unanimidade dade Racial e Combate ao Racis- Ao se reconhecer a existência
ção da organização não gover- pelo colegiado, passando a orien- mo, instituído no ano de 2014. nacional de um único povo, o
namental Educafro, requerendo tar, inclusive, o concurso público brasileiro, tem que adotar todas
o sistema de cotas em todos os recentemente deflagrado. Considera a iniciativa das cotas quantas forem as providências
concursos para provimento de para cargos de promotores de até que se alcance entre a tota-
cargos de promotor de Justiça. Qual a repercussão no âmbito Justiça um aprimoramento da lidade de brasileiros um nível de
A decisão do CNMP em ver- do MPBA dessa decisão, dado instituição e comprometimen- participação democrática iguali-
dade confirmou, em boa hora, a o elevado percentual de negros to com o Estado Democrático? tária. Espera-se, com isto, que,
iniciativa do MPBA de reservar (pretos e pardos) no Estado? As políticas afirmativas e de re- em médio e longo prazo, tais
30% do total das vagas do Con- No âmbito do MPBA, a con- paração são ferramentas para ações revelem-se absolutamente
curso às pessoas que se autodecla- solidação da reserva de vagas no correção de distorções históricas desnecessárias, quando o aces-
rarem pretos ou pardos, no mo- concurso para pretos e pardos foi da dinâmica participativa dos so à educação e demais recursos
mento da inscrição preliminar. objeto de positiva repercussão pretos e pardos nas instituições garantidos constitucionalmente
Espera-se que o precedente abra entre os integrantes das carreiras estatais, decorrentes dos longos aos cidadãos sejam suficientes
caminho para que o Estado bra- - membros e servidores. períodos de marginalização, em para que todos, indistintamen-
sileiro, em todos os níveis, insti- De fato é de conhecimento diversos vieses, absurda e inacei- te, estejam aptos à participação
tucionalize a política em questão, público que o estado da Bahia tavelmente imposta aos brasilei- social sem discriminações de
para futuramente existir isonô- abriga um percentual majoritá- ros afrodescendentes. qualquer natureza, como reza a
mico acesso aos cargos públicos rio de cidadãos afrodescenden- O Ministério Público do Es- Constituição da República.
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