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Manoel Bernardino de Santana Filho

PALAVRA DE DEUS E AÇÃO PROFÉTICA


NA TEOLOGIA DE KARL BARTH
A renovação da Igreja a partir de sua
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0612065/CA

vocação para o serviço à comunidade

Dissertação de Mestrado

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de


Pós-Graduação em Teologia, do Centro de Teologia e
Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Teologia.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria Tepedino

Rio de Janeiro
dezembro de 2007
Manoel Bernardino de Santana Filho

PALAVRA DE DEUS E AÇÃO PROFÉTICA NA


TEOLOGIA DE KARL BARTH
A Renovação da Igreja a partir de sua vocação
para o Serviço a Comunidade
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0612065/CA

Dissertação apresentada como requisito parcial para


obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Teologia do Centro de Teologia e
Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela
comissão examinadora abaixo assinada.

Profª. Ana Maria Tepedino


Orientadora
Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Paulo Cezar Costa


Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Cláudio de Oliveira Ribeiro


Universidade Metodista de São Paulo

Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade


Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa
do Centro de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 2007


Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da Universidade, do
autor e da orientadora.

Manoel Bernardino de Santana Filho


Graduou-se em teologia pelo Seminário Teológico
Congregacional do Rio de Janeiro em 1982 e em
Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro em 1990. Tem artigos publicados
em livros e revista da Associação de Seminários
Teológicos Evangélicos, na Revista Teológica da
Faculdade Evangélica do Rio de Janeiro (Faterj), capítulo
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de livro publicado pelas Edições Paulinas (2007) e livro


biográfico lançado em 2006. É Diretor do Seminário
Teológico Congregacional do Rio de Janeiro e Presidente
da Associação de Seminários Teológicos Evangélicos
(Aste).

Ficha Catalográfica

Santana Filho, Manoel Bernardino de

Palavra de Deus e ação profética na teologia de


Karl Barth : a renovação da Igreja a partir de sua
vocação para o serviço à comunidade / Manoel
Bernardino de Santana Filho ; orientadora: Ana Maria
Tepedino. – 2007.
175 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Teologia)–Pontifícia


Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2007.
Inclui bibliografia

1. Teologia – Teses. 2. Karl Barth. 3.


Eclesiologia. 4. Reforma. 5. Liberalismo Teológico. 6.
Analogia Fidei. 7. Cristologia. 8. Ação Profética. 9.
Serviço. 10. Comunidade. Tepedino, Ana Maria. II.

CDD: 200
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Para a Comunidade Evangélica Congrega-


cional de Vicente de Carvalho; e Jether
Ramalho.
Agradecimentos
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Aos professores e professoras, alunos e alunas do Departamento de Teologia


da PUC-Rio, pela amizade, ambiente amistoso e respeito.

À Dra. Ana Maria Tepedino, pelo apoio, encorajamento e amizade. Sua


disposição e compreensão nas horas mais difíceis foram fundamentais para a
conclusão deste trabalho.

Ao Seminário Teológico Congregacional do Rio de Janeiro, alunos e alunas,


professores e professoras, funcionários e funcionárias. Foi lá que aprendi a
pensar teologicamente.

Às Igrejas Congregacionais de Mato Alto (Campo Grande) e Vicente de


Carvalho que compreenderam minhas ausências para dedicação aos estudos.

À PUC-Rio, a CNPq e a Faperj, por criarem condições de trabalho que


tornaram possível a pesquisa.

Ao Tear Fund (Inglaterra) e ao Pr. Roy Dumphreys, pelo auxílio e apoio.

Aos amigos, Nilzo Martins de Oliveira, Jucira Montenegro, Rubem Ximenes,


Reginaldo Braga, Carlos Alberto Moreira, Arão Lobato Lima, pelos livros e
troca de impressões.

A Neide Mattos, pela revisão e correção do texto.

A Gustavo Santana, pelas orientações na área da informática.


Resumo

Santana Filho, Manoel Bernardino; Tepedino, Ana Maria. Palavra de


Deus e Ação profética na Teologia de Karl Barth; a renovação da Igreja
a partir de sua vocação para o serviço à comunidade. Rio de Janeiro,
2007. 175p. Dissertação de Mestrado. Departamento de Teologia –
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Palavra de Deus e Ação Profética são termos recorrentes na teologia de


Karl Barth. A teologia como função da Igreja, confessa à Deus pelo fato de
falar de Deus a partir dele mesmo. Ela assim o faz na ação de cada cristão
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individualmente. Este conceito de teologia apresenta a forma pela qual Karl


Barth compreende a vivência cristã por meio da relação
prática/teoria/prática. O objetivo deste trabalho é percorrer os caminhos que
Barth trilhou desde seu pastorado na Suíça, seu aprofundamento teológico
após a Primeira Guerra Mundial e o abandono do seu projeto de
sistematização da teologia. Sua obra é inacabada, como inacabada é a
teologia produzida pela Igreja. A partir desta reorientação, colocou a
teologia a serviço da Igreja. Afirma que é a Igreja que ensina o teólogo e
não o contrário. Ele se nutre dela para conduzi-la diante das circunstâncias
mais adversas. A teologia deve servir para a edificação da Igreja mas,
também deve conduzi-la a exercer plenamente, como comunidade dinâmica,
suas potencialidades de serviço por meio da ação profética que anima o
amargurado e denuncia o pecado e a injustiça.

Palavras-Chave
Igreja, Reforma, Liberalismo Teológico, Analogia Fidei, Ação Profética,
Cristologia, Serviço, Comunidade.
Abstract

Santana Filho, Manoel Bernardino; Tepedino, Ana Maria. God’s Word


and prophetic action in Karl Barth’s Theology; Church’s renewal from
It’s vocation for the service to the community. Rio de Janeiro, 2007.
175p. Master’s degree Dissertation. Departamento de Teologia –
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

God´s Word and prophetic action are appellants terms in Karl Barth
Theology. The Theology as Church’s function, confess to God for the fact of
speeking about God from himself. It thus makes it in the action of each
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christian individualy. This concept of theology presents the form through


what Karl Barth comprehends the chrystian experience by means of the
relation practice/theory/practice. This paper’s purpose is to cover the ways
that Barth trod since his priesthood in Switzerland, his theological deepening
after the First World War and the abendonment of his project of theology
systematization. His work is unfinished, as unfinished is the theology
produced by the Church. From this reorientation, He put the theology in the
service of the Church. Affirms that it is the Church that teachs the theologian
not the opposite. He nourishes himself of the church in order to conduct it
against the most adverse circumstances. The theology must serve as
edification to the Church, but it has also to conduct the Church to fully exert,
as a dinamic community, its potentialities of service through the prophetic
action that livens up the afflict and denounces the sin and the injustice.

Keywords
Church, Reformation, Theological Liberalism, Analogia Fidei, Prophetic
Action, Christology, Service, Community.
Sumário

1. Introdução 12

2. A Teologia de Karl Barth: Antecedentes 16


2.1. A Teologia da Reforma 17
2.1.1. Martinho Lutero 18
2.1.2. João Calvino 20
2.2. A Época da Ortodoxia 26
2.3. O Iluminismo e sua Influência na Teologia Reformada 30
2.4. A Teologia Liberal 33
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2.4.1. Período Pré-Dialético 38


2.4.2. Herança Liberal 41
2.4.3. Influência de Adolf von Harnack 44
2.4.4. Influência de Kierkegaard 46
2.4.5. Atuação Política de Karl Barth 48
2.5. Teologia Dialética 57
2.6. Analogia Fidei 60

3 Teologia e Revelação 64
3.1. Três Formas de Revelação 64
3.1.1 Escritura como Revelação 66
3.1.2.Pregação como Revelação 68
3.1.3.Jesus Cristo como Revelação 72
3.2. A Importância da Teologia para a Igreja 74
3.3. A Redescoberta da Teologia Bíblica 76
3.4. A Redescoberta da Bíblia 79
3.5. O retorno às fontes da Reforma 80
3.6. A Humanidade de Deus 84
3.7. Jesus Cristo: Deus-Homem 85
3.8. Igreja: Comunidade de Comunhão e Serviço 88
4. A Igreja como Povo de Deus 91
4.1. Confissão e Doutrina 92
4.1.1. Interpretação da Bíblia na Igreja 93
4.1.2. Tradução, Interpretação e Leitura 94
4.1.3. O ser da Igreja 95
4.1.4. Igreja como realidade dinâmica 97
4.1.5. Comunidade de fé 99
4.1.6. Igreja e Comunidade 100
4.1.7. A Doutrina do Ser Humano 105
4.1.8. Deus Conosco: Aliança 108
4.2. A Teologia a serviço da Igreja 109
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4.2.1. Igreja e Teologia 110


4.2.2. Fé e Razão 112
4.2.3. Letra e Espírito 114
4.2.4. O Valor da Teologia para a Igreja 116
4.3. Adoração e Serviço 117
4.3.1. Palavra e Sinal 120
4.3.2. A Visão Reformada dos Sacramentos 123
4.3.3. Batismo e Ceia do Senhor 124
4.3.3.1. Batismo 125
4.3.3.1.1. O Poder 126
4.3.3.1.2. A Intenção 127
4.3.3.1.3. A Ordem 127
4.3.3.1.4. A Eficácia 129
4.3.3.2. Ceia do Senhor 130
4.3.3.2.1.Memorial da Paixão 132
4.3.3.2.2.Anúncio Escatológico 132
4.3.3.2.3.Memorial de Comunhão 132
4.4. Soma: Igreja como Corpo 134
4.5. Jesus e os pobres: O Evangelho em perspectiva social 137
4.5.1. Laos 138
4.5.2. Ethene 139
4.5.3. Ochlos 139
4.6. A Palavra de Deus como Ação e Serviço 143
4.6.1. Comunidade Civil 143
4.6.2. Comunidade Cristã 144
4.6.2.1. Igreja Nacional 146
4.6.2.2. Igreja Livre 147
4.6.2.3. Igreja Confessante 148

5. Conclusão 151
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6. Referências Bibliográficas 156

Anexos 170
1. Declaração Teológica de Barmen 170
2. Manifesto de 93 Intelectuais Alemães para o mundo civilizado 173
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O mais feliz dos homens é aquele


que consegue ligar o fim de sua
vida ao início.
Goethe
1.
Introdução

A teologia de Karl Barth (1886-1968) passou por várias etapas até chegar ao
conceito da plena humanidade de Deus em Jesus Cristo. Essa perspectiva da
plenificação só se concretizou na maturidade dos anos de 1950. Não que antes não
confirmasse a humanidade. É que, sendo a teologia uma reflexão a partir de uma
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“situação” (Tillich), seu contexto conduziu a questionar o criticismo da teologia


liberal que havia dessacralizado a fé cristã a partir da tentativa de explicar a revelação
com base na pesquisa histórica. O uso e o abuso do método histórico-crítico, o
criticismo literário radical, a rejeição da inspiração da Bíblia e a autonomia da razão
que assumia a função de critério último para o estabelecimento da verdade, levou
Barth a centrar suas armas contra essa forma de fazer teologia.

Neste trabalho pretende-se rever esses inícios. Não nos encontramos diante de
um Barth, mas de três: o Barth pré-dialético; o Barth dialético e o Barth da analogia
da fé. Por isso os juízos precisam ser distintos. Ainda que se pretenda chegar a este
último, é preciso percorrer os caminhos tortuosos da reflexão teológica do início do
século XIX e XX à luz de toda a teologia desenvolvida desde Lutero, Calvino e
Schleiermacher.

No primeiro capítulo são apresentados os antecedentes da teologia dos séculos


XIX e XX a partir dos textos de Lutero e Calvino, passando pela Ortodoxia, também
chamada de Escolástica Protestante, época da sistematização das doutrinas
reformadas com a reação do Pietismo que buscava resgatar a dimensão subjetiva da
fé. A partir do século XVII e XVIII, com a filosofia de Espinoza e principalmente
Kant, a razão foi progressivamente conduzida a um estado de autonomia. A teologia
13

recebeu enorme influência dessa nova forma de pensar. Schleiermacher, um


verdadeiro divisor de águas, cria uma época e faz surgir a teologia moderna. Sob a
influência de Kant afirma nossa incapacidade de falar de Deus. A experiência cristã é
um sentimento de dependência absoluta de Deus. O capítulo termina com a ruptura de
Barth com a teologia do liberalismo, suas decepções, pastoreio e leitura de Lutero que
o conduziram a um retorno às Escrituras, já sinalizado por Adolf Schlatter mas que
coube a Barth a reorientação da teologia a partir de seu Der Römerbrief. É uma fase
de intensa luta, prática cristã, vivendo o socialismo cristão que se tornará uma forte
opção da época, dada a decepção com os sistemas capitalistas. Em Safenwill ele pode
praticar o Evangelho de Jesus Cristo ao repartir a Mesa com seus paroquianos,
empregados/as têxteis, explorados/as e marginalizados/as. Com seu amigo Eduard
Thurneysen, pastor em uma comunidade próxima, iniciou um processo de
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aproximação do texto a partir da realidade.

No segundo capítulo a ênfase recai sobre o trabalho teológico de Barth. Para


ele a teologia é uma tarefa da Igreja e para a Igreja. Não é um trabalho de especialista
mas de pessoas que vivem a experiência de fé em suas comunidades. É no âmbito da
Igreja que Deus fala à comunidade. Esta comunicação se dá por meio da livre decisão
de Deus de se revelar. A Revelação vem a nosso encontro por meio da Escritura, da
Proclamação do Evangelho e da Pessoa de Cristo. Barth afirma que não sabemos falar
de Deus. Diante dele devíamos silenciar. É a teologia apofática. O sagrado é o
mistério. Deus é o Totaliter Aliter. No entanto seu desenvolvimento teológico a partir
do Fides Quaerens Intellectum estabeleceu o Ponto de Contato entre o Eterno e o
Temporal. Jesus Cristo, o Deus-Homem, vem ao nosso encontro e em sua
humanidade nos ensina a orar e a falar com Deus.

No terceiro capítulo é apresentado o resultado da teologia a serviço da Igreja.


Ela conduz o povo de Deus a exercer plenamente suas potencialidades, como
comunidade dinâmica, prestadora de serviço e disposta a agir e intervir nas situações
cotidianas de cada pessoa mas também com gestos e ações nas situações limites da
existência, quando se torna necessária a denúncia do pecado e da injustiça. Por meio
14

da proclamação da Palavra, da ministração dos sacramentos, o Evangelho se torna


importante fator de mudanças concretas na sociedade civil, na política, na economia e
na ordem do Estado. O Deus da Bíblia retratado na Church Dogmatics é o Deus que
luta ao lado dos oprimidos e destrói o causador da injustiça. Barth, em um dos
momentos cruciais de sua vida, foi criticado por levar o Evangelho as últimas
conseqüências ao denunciar a necessidade de se distinguir entre o Estado Legítimo e
o Ilegítimo. Afirma que é preciso não só denunciar mas enfrentá-lo. Isto o conduziu a
se tornar uma voz profética desde a Basiléia.

Em Barth parte-se da prática que conduz à teoria e esta, por sua vez, a uma
nova prática. O teólogo eclesiástico aprende seu ofício não na Academia mas na
vivência da sua fé. Suspeita-se que aqui haja uma forte influência do Pietismo. Se
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assim é, é certo que ele foi além da atitude subjetiva dos pietistas, pois, a exemplo de
Bonhoeffer não imaginava uma fé cristã dissociada da sociedade. Foi o primeiro a
falar de um cristianismo sem religião mas não sem a vivência comunitária.

Para chegar a esse Barth, a pesquisa se centra nos seus principais textos desde
Der Römerbrief, texto revolucionário, Fides Quaerens Intellectum, sua inacabada
Church Dogmatics, A Humanidade de Deus, texto fundamental para o pensamento
barthiano, uma obra pequena em volume mas grande em seu conteúdo. Utiliza-se
tanto do texto em português como de uma edição americana (The Humanity of God)
com um ensaio introdutório do próprio Barth com o título “Evangelical Theology in
the 19th Century”. Por dificuldades na utilização dos textos originais serão utilizadas
edições dos textos de Barth em inglês, francês, espanhol e português. Algumas obras
secundárias terão destaque como os textos de Eberhard Busch, e os católicos Hans
Küng, Hans Urs von Balthazar e Henri Bouillard.

A teologia de Barth abre caminho para uma revisão de toda a prática eclesial
do século XX. Mostra, ao mesmo tempo, que sua teologia continua sendo muito
atual. Em 1919 dizia: “Não posso deixar de ser socialista. Jesus é o movimento
operário, o movimento dos sem-terra, o movimento dos pobres da terra.” Essa é uma
15

palavra profética para a teologia que se desenvolveria a partir dos anos de 1960 nas
periferias do mundo. É o próprio grito da Igreja na América Latina. É esse teólogo,
vivo e ativo que se pretende resgatar. Sua teologia, ao que parece, continua sendo a
fonte que anima a Igreja em sua peregrinação. Longe de ser um teólogo enclausurado,
movimenta-se em todas as esferas da experiência vivificante da Igreja de Jesus Cristo.
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2.
A Teologia de Karl Barth: Antecedentes

Karl Barth (KB) é um dos mais densos teólogos da história da Igreja cristã. É
o mais rico e produtivo desde Lutero, Calvino e Tomás de Aquino. Sua teologia tem
sido alvo de ataques de diferentes posições teológicas, seja de linha mais
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fundamentalista seja liberal.1 KB é considerado conservador na Europa e liberal nos


Estados Unidos e nos países onde o imperialismo norte-americano exerce poder e
influência.

Ainda que formado sob a influência dos mais renomados teólogos do


liberalismo europeu, entrou em crise quando seus antigos professores traíram sua
confiança ao aprovar a política beligerante do Kaiser Guilherme II, que fez a
Alemanha entrar em guerra em 1914.

Por que Karl Barth? Porque ele produziu uma nova reforma, só que na
teologia. Todas as conseqüências produzidas pela Reforma Religiosa do século XVI2
foram paulatinamente sendo superadas e esquecidas pelos seus herdeiros. O que os
reformadores evidenciaram foi a necessidade de se promover um retorno às

1
Por “Liberal” entende-se o ramo da teologia protestante que se produziu sob o impacto do
Iluminismo, com seu princípio de autonomia da razão e o criticismo literário radical que conduziu o
estudo das Escrituras até as últimas conseqüências. Esse radicalismo literário conduziu a uma nova
hermenêutica: o método histórico-crítico. VOLKMANN, M. et al. Método Histórico-Crítico. Rio de
Janeiro: Cedi, 1992.
2
Usaremos a forma Reforma com ‘R’ maiúsculo para tratar a Reforma do século XVI. Em inglês e
alemão o termo é “Reformation”, específico para a causa de Lutero. A palavra “reform” nas duas
línguas citadas tem o sentido de “reforma”, “mudança”, de forma usual e comum. A distinção em
português da letra maiúscula deve-se a não distinção dos termos para o tipo de reforma produzida por
Lutero e Calvino.
17

Escrituras. O princípio de sola scriptura foi a mola mestra da teologia reformada ao


lado da sola fidei e sola gratia. Lutero e os reformadores firmaram o princípio
hermenêutico da Escritura como única regra de fé e prática. Para entender o
desenvolvimento da teologia de Karl Barth é preciso se reportar às conquistas
iniciadas no século XVI e suas posteriores modificações nos séculos subseqüentes.

Barth faz parte daquele grupo de teólogos que não se pode compreender
isoladamente. Sua influência se estende a vários seguimentos da teologia entre as
grandes guerras e depois, no pós-guerra. Ao lado de outros grandes teólogos do
século XX, buscou compreender a importância da teologia para a Igreja. Numa
conferência em 1934 afirma que é preciso ter consciência de que a Revelação é ato
de Deus para a Igreja. Cabe à teologia o papel de vigiar para que a Igreja nunca se
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esqueça dessa verdade3. Sua função é constantemente lembrar que o trabalho do


teólogo, ou seja, da própria Igreja, é manter-se sempre atenta a esta revelação.4

2.1.
A Teologia da Reforma

A palavra “protestante” pode parecer ofensiva e até negativa aos ouvidos


politicamente conservadores. Seu uso original foi porém, positivo. Um manifesto foi
apresentado na Segunda Dieta de Spira (1529) afirmando que ela não podia eliminar

3
Offenbarung, Kirche und Theologie. Theologische Existenz Heute. Munchen: Christian Kaiser
Verlag. 9:15-43, 1934. Há uma tradução para o português em BARTH, Karl. Dádiva e Louvor.
Tradução de Walter O. Schlupp et al. São Leopoldo: Sinodal, 1986. p. 181-199.
4
KB afirma que não existe não-teólogos na Igreja. Todos são co-responsáveis pela riqueza da reflexão
mas também por sua compreensão. Daí sua dogmática chamar-se Dogmática da Igreja – Kirchliche
Dogmatik e não Dogmática Cristã – Christliche Dogmatik, título de 1927. Esta obra representa de
fato, uma espécie de ensaio genial daquela que seria sua grande obra iniciada a partir de 1932. Usarei
a edição inglesa que soma 14 volumes da Church Dogmatics (CD). Para firmar sua opinião que todos
são teólogos, inicia assim sua obra: “Dogmatics is a theological discipline. But theology is a function
of the church. The church confess God, by the fact that she speaks of God. She does so first of all
through her existence in the action of each individual believer.” CD., I/1. p. 1.
18

a liberdade concedida aos luteranos e zuinglianos na Primeira Dieta de Spira (1526).5


O conteúdo do protesto declarava:

Os ministros deverão pregar o Santo Evangelho de acordo com a interpretação dos escritos
aceitos pela Santa Igreja Cristã. Isto levanta a questão: qual é a verdadeira e Santa Igreja?
Existe grande diversidade de opiniões a respeito do assunto. Nós afirmamos que não existe
pregação ou doutrina certa a não ser a que esteja de acordo com a Palavra de Deus. Segundo
a ordenação de Deus, nenhuma outra doutrina deve ser pregada. Cada texto da santa e divina
Escritura deve ser elucidado e exposto à luz de outros textos. Este livro santo é necessário em
todas as coisas para os cristãos. Ele brilha claramente por sua própria luz e ilumina as trevas.
Nós estamos determinados, com a graça e auxílio de Deus, a permanecer somente com a
Palavra de Deus, o santo Evangelho, contido nos livros bíblicos do Antigo e Novo
Testamento. Somente esta palavra deve ser proclamada e nada que lhe seja contrário (deve
permanecer). Ela somente é verdade, a regra segura de toda doutrina e conduta cristã. Nunca
falha nem decepciona. Aqueles que edificam e se firmam sobre este fundamento
permanecerão firmes contra as portas do inferno. Todos os acréscimos e vaidades meramente
humanos em oposição a ele deverão cair diante da presença de Deus.6
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A Reforma começou com declarações solenes. O que os reformadores


buscavam e exprimiam era uma inquietude, um desejo de obediência, uma
necessidade de ser autêntico e a vontade que decorre daí de não se deixar aprisionar
por tradições que, conquanto valiosas e respeitáveis, não podem oferecer garantia
absoluta de sua concordância com a mensagem do Deus vivo.7

2.1.1.
Martinho Lutero

O originador do protesto reformador foi o monge agostiniano Martinho


Lutero (1483-1546), nascido em Eisleben, Alemanha. Destinado ao estudo do direito
voltou-se para o mosteiro onde se debateu em intensa crise pessoal a partir da qual
desenvolveu uma nova compreensão de Deus, da fé e da Igreja.8 Ele não tentou

5
LEITH, John H. A Tradição Reformada: uma maneira de ser a comunidade cristã. Tradução de
Eduardo Galasso Faria e Gerson Correia de Lacerda. São Paulo: Associação Evangélica Literária
Pendão Real, 1996. p. 35.
6
Id., Ibid.
7
Cf. SENARCLENS, J. de. Herdeiros da Reforma. Tradução de Aharon Sapsezian. São Paulo: Aste,
1970. p. 14.
8
Lutero compara-se em produção acadêmica à estatura de Agostinho e Tomás de Aquino. Juntam-se a
ele Calvino e KB. Suas obras estão sendo traduzidas para o português pelas editoras, Sinodal e
Concórdia. O volume 1 foi publicado em 1987 e está apenas no volume 9 em 2007. Tem o título
Martinho Lutero, Obras selecionadas. Na língua alemã chega a 95 volumes.
19

fundar uma nova Igreja pois sempre se viu como um fiel servo. Daí seu desgosto
pelo fato de os primeiros protestantes, na Inglaterra e França, assim como na
Alemanha, ter sido chamados de “luteranos” “A primeira coisa que peço é que as
pessoas não façam uso do meu nome e não se chamem luteranas, mas cristãs. Que é
Lutero? O ensino não é meu. Nem fui crucificado por ninguém. [...] como eu,
miserável saco fétido de larvas que sou, cheguei ao ponto em que as pessoas chamam
os filhos de Cristo por meu perverso nome?” .9

Lutero recebeu o grau de doutor em teologia em 1512 e foi indicado leitura in


Bíblia na Universidade de Wittenberg sucedendo Johann von Staupitz, agostiniano,
seu mentor e confessor.10
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Como professor da Igreja dedicou-se a ouvir a Palavra de Deus e a meditar


profundamente sobre as Escrituras. Muito da teologia de Lutero em particular e dos
reformadores, de modo geral, vai estar presente em Barth. A tese defendida por KB
é que somos conhecidos de Deus em vez de O conhecermos. “Devemos deixar que
Deus opere em nós. Ele dá a Palavra.”11 Deus se oculta e se revela – é o Deus
crucifixus e absconditus – segundo a idéia de Paulo em Primeira Coríntios (1,18)
onde o apóstolo firma seu discurso sobre o Cristo crucificado e a oculta sabedoria de
Deus.12

Lutero tornou-se teólogo biblista não somente porque ensinava Antigo


Testamento em Wittenberg, mas porque seu método de ensinar era uma ruptura com
o currículo padrão da teologia escolástica. Pretendia restaurar o estudo da Bíblia e
dos Pais da Igreja em toda a sua plenitude. Mantinha-se em diálogo com toda a
tradição da Igreja. Conhecia a fundo os autores patrísticos e medievais. Estudou

9
Ap. GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Tradução de Gérson Dudus e Valéria Fontana.
São Paulo: Vida Nova, 1994. p. 55.
10
Ibid. p. 56.
11
Ibid. p. 58.
12
EBELING, Gerhard. O Pensamento de Lutero: uma introdução. Tradução de Helberto Michel.
Sinodal: São Leopoldo, 1988. p. 180-181. A versão bíblica adotada será A BÍBLIA DE JERUSALÉM,
São Paulo: Edições Paulinas, 1986, salvo quando se indicar a necessidade de uma outra tradução.
20

Anselmo, Guilherme de Occam, Pedro Lombardo, Pedro D’Alli e Gabriel Biel.13


Ainda que tenha sido um pensador prático, Lutero foi embebido permanentemente
pela influência desses escolásticos. No entanto, acusava o escolasticismo como
causador da desorientação da Igreja. Culpava Aquino por essa devastação, por ter
submetido a fé cristã ao aristotelismo.14

A novidade em Lutero é o resgate do valor das Escrituras para a percepção de


Deus. Somente por meio dela pode-se compreender o significado da palavra
“Evangelho”. É um princípio hermenêutico para compreensão da Revelação. Os
termos lex et evangelium (lei e evangelho) aliados ao contraste entre littera et spiritus
(letra e espírito) e o princípio cristológico was christum Treibet (O que manifesta
Cristo) formam a essência da hermenêutica luterana.15
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2.1.2.
João Calvino

Em 1921, quando Barth deixou o pastorado na pequena comunidade de


Safenwill, Suíça, para tornar-se professor de teologia reformada na Universidade de
Gottingen, não sabia muito bem como iria enfrentar essa situação. Precisava se
preparar para falar dos reformadores. Em 1922 escreveu a seu amigo Eduard
Thurneysen,

Calvino é uma catarata, uma floresta primitiva, um poder demoníaco, algo vindo diretamente
do Himalaia, absolutamente chinês, estranho, mitológico; perco completamente o meio, as
ventosas, mesmo para assimilar esse fenômeno, sem falar para apresentá-lo satisfatoriamente.
O que recebo é apenas um pequeno e tênue jorro e o que posso dar em retorno, então, é
apenas uma porção ainda menor desse pequeno jorro. Eu poderia feliz e proveitosamente
assentar-me e passar o resto de minha vida somente com Calvino.16

13
Cf. SEEBERG, Reinhold. Manual de las Historias de las Doctrinas. Tradução de José Miguez
Bonino. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1967. v. 2. p. 223.
14
Id., Ibid.
15
HASEL, Gerhard F. Teologia do Novo Testamento: Questões Fundamentais no Debate Atual.
Tradução de Jussara Marindir Pinto Simões Arias. Rio de Janeiro: Juerp, 1988. p. 14. Lutero
visualizou já na história da Promissão do Antigo Testamento o “evangelho”. Aquilo que manifesta
Cristo foi, para ele, a justiça de Deus que justifica o pecador e a fé justificadora correspondente.
16
Cf. GEORGE, Timothy. op. cit. p. 163.
21

Calvino (1509-1564) foi sua grande paixão por toda a vida. Lia-o durante
muitas horas e mesmo assim dizia não estar preparado para falar sobre sua teologia.
Certa ocasião chegou a desmarcar uma aula porque não estaria devidamente
preparado. Essa seriedade o conduziu a um aprofundamento sistemático na obra de
Calvino. Isto proporcionou um renascimento dos estudos sobre o teólogo de
Genebra. Deve-se a Barth a avaliação da pertinência de Calvino para nossos dias.17

Calvino e Lutero nunca se encontraram pessoalmente. Quando Calvino


nasceu uma geração já se passara desde que Lutero começara a dar aulas em Erfurt e
Zuinglio (1484-1531) já exercia suas tarefas pastorais em Glarus.18 Calvino foi um
mestre da língua latina mas foi também o primeiro grande teólogo a escrever em
francês. Estava convencido de que era preciso deixar a linguagem dos escolásticos
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para melhor aproximação com as pessoas comuns. Como teólogo sistemático coube a
ele organizar as conquistas da Reforma. Lutero e Zuinglio modificaram radicalmente
a antiga religião, mas era preciso uma mente vigorosa, organizada e lógica para dar
sentido a todo emaranhado de doutrinas que iam sendo lentamente estabelecidas após
o calor das controvérsias religiosas.19

Estudou teologia e depois direito. Seu aprofundamento jurídico e clássico lhe


deixou na mente uma impressão clara. Aprendeu a pensar com clareza e organizar
seu vasto saber. Um dia sentiu-se tocado por Deus e escreveu: “Deus sujeitou-me o
coração à docilidade através de uma conversão repentina.” A partir daí seu interesse
foi desviado dos clássicos e das Leis e se estabeleceu nos Pais da Igreja e nas
Escrituras. Mas não chegou a essas influências sem antes passar pelos sermões de

17
Ibid. p. 165.
18
Id. Ibid.
19
GREEN, V. H. H. Renascimento e Reforma. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Publicações
Dom Quixote. 1984. p. 187. Há farta bibliografia que aborda a influência de Calvino na área social:
TREVOR-ROPER, H. R. Religião, Reforma e Transformação Social. Tradução de Maria do Carmo
Cary. Lisboa: Editorial Presença, 1981; BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de
Calvino. Tradução de Waldyr de Carvalho Luz. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990; REID,
W. Stanford, (Ed.). Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 1990.
22

Lutero e o Novo Testamento de Erasmo (1469-1536).20 Ao ler o Novo Testamento


Grego percebeu até que ponto a doutrina da Igreja tinha se afastado da narrativa
bíblica. Era preciso retornar às Escrituras e para isso seria necessário um estudo
acurado do texto inspirado. Concomitantemente, seus estudos de Lutero
confirmavam a suspeita que germinava em sua mente: que o ser humano, sob o peso
do pecado, só pode ser salvo pela fé absoluta e sem restrições na misericórdia
divina.21

A tese calvinista da separação entre Igreja e Estado foi apenas teórica. A


Igreja devia cuidar das questões da alma – o homem interior – enquanto os
magistrados deviam cuidar da paz civil e da moralidade. O Estado não intervém;
apenas colabora no que puder para ajudá-la, ao mesmo tempo que a Igreja não deve
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intervir com os negócios do Estado.22

Na prática, Genebra tornou-se uma teocracia tendo Calvino como o profeta


do Senhor. A cidade foi palco de uma grande experiência social, política e religiosa.
Calvino mostrou-se implacável com aqueles que enfrentavam suas idéias. Houve
quem fosse preso por criticar a interpretação bíblica de Calvino.23

O calvinismo espalhou-se rapidamente por toda a Europa. Movimentos


protestantes se espalharam a partir de Genebra, Holanda, Alemanha, Inglaterra e

20
Desidério Erasmo, publicou uma edição do Novo Testamento Grego em 1516. Mais tarde preparou
outras quatro edições. Cf. LINS, Ivan. Erasmo: A Renascença e o Humanismo. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1967; Outras obras em português sobre o assunto. Cf. BITTENCOURT, B.P. O
Novo Testamento: Canon, Língua e Texto. 2. ed. Rio de Janeiro: Juerp; São Paulo: Aste, 1984. p. 173;
PAROSCHI, Wilson. Crítica Textual do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 1993.
p.108-110.
21
Paul Tillich alerta para o perigo de se transformar a fé no poder justificador. A fé não é jamais a
causa; apenas o canal. O poder justificador é a graça divina. O princípio material da Reforma é a
doutrina da justificação pela fé; ou seja, pela graça por meio da fé. O princípio formal é a Escritura.
TILLICH, P. Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX. Tradução de Jaci
Maraschin. São Paulo: Aste, 1986. p. 37-38.
22
GREEN, V. H.H. op. cit. p. 191.
23
Castellio, filólogo, mestre-escola em Genebra, teve que se demitir porque classificou o Cântico dos
Cânticos como um poema de amor e criticou a interpretação de Calvino do Credo dos Apóstolos;
Bolsec duvidou da doutrina da predestinação. O caso mais gritante foi o de Miguel de Servet. Este,
médico espanhol, formulou doutrinas heréticas sobre a Trindade. Foi condenado e sua sentença
executada em 27 de outubro de 1553.
23

depois para as colônias daqueles que emigraram para a América do Norte no século
XVII.24 Por meio do trabalho missionário – protestantismo de Missões – e do
estabelecimento de colônias protestantes nos trópicos – protestantismo de imigração
– a influência da doutrina protestante chegou também até a América do Sul.25 No
século XVII a expansão protestante chegou ao nordeste do Brasil com os holandeses
que implantaram uma colônia em Pernambuco muito mais bem sucedida que a do
Rio de Janeiro, pois durou de 1630 a 1654, quando desapareceu, pois os
colonizadores foram expulsos pelos portugueses.26

Embora Lutero tenha sido um autor tão abundante quanto Calvino, coube a
este a organização das doutrinas. Sua opus magnum data de 1536 e é a mais influente
declaração da teologia reformada em particular e da teologia protestante em geral.27
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Quando em 31 de outubro de 1517 Lutero afixou suas teses na porta da igreja


do castelo de Wittenberg estava, sem ainda perceber, provocando uma ruptura
definitiva no cristianismo, estabelecendo novos princípios, reformulando a liturgia, a
doutrina e o ideal cristão de uma vida pia diante de Deus. Lutero estabeleceu o

24
Há importantes estudos a esse respeito. Para a França: ZOFF, Otto. Os Huguenotes. Tradução de
Gastão Pereira da Silva. Rio de Janeiro: Editora Pan Americana, 1942. Para as colônias no Novo
Mundo: DUNSTAN, J. Leslie. Protestantism. New York: George Braziller, 1962; DILLENBERGER,
John; WELCH, Claude. Protestant Christianity. New York: Charles Scribner’s sons, 1954; HURST,
John F. Short History of the Church in the United States. New York: Chautauqua Press, 1890.
25
O ideal da França Antártica teve início com a chegada dos franceses ao Rio de Janeiro liderados por
Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571). Este aportou no Rio de Janeiro, mais precisamente em
Cabo Frio em 6/11/1555. Chegou ao Rio de Janeiro em 10/3/1557. O primeiro culto calvinista nas
Américas foi realizado nesse mesmo dia, no Forte Coligny, na Baía de Guanabara sendo oficiado pelo
pastor Pedro Richier. FERNANDES BRAGA, Henriqueta Rosa. História da Música Sacra
Evangélica no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Kosmos Editora, 1961. p. 40-41; ANDRADE, Laércio
Caldeira de. A Igreja dos Fiéis. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Publicidade Ltda, 1947;
RIBEIRO, Domingos. Origens do Evangelismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Gráfica Apolo, 1937;
RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo e Cultura Brasileira. Aspectos Culturais da Implantação do
protestantismo no Brasil. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981; LÉONARD, Émile G. O
Protestantismo no Brasil. Tradução de Linneu de Camargo Schützer. São Paulo: Aste; Rio de Janeiro:
Juerp, 1981; MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Celeste Porvir: A Inserção do Protestantismo no
Brasil. São Paulo: Paulinas, 1984; MENDONÇA, Antonio G.; VELASQUES FILHO, Prócoro.
Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990.
26
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Igreja e Estado no Brasil Holandês: 1630-1654. São Paulo: Vida
Nova, 1985.
27
As Institutas – Institutio Religionis Christianae - como é comumente chamada foram publicadas
em português em 4 volumes. Calvino, João. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. Tradução de
Waldyr de Carvalho Luz. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985. 4v.
24

princípio de uma nova vida com Deus. O ponto decisivo da Reforma não foi a
fixação das teses, mas a experiência de um monge agostiniano em sua cela
monástica. Ele não foi um indivíduo que ensinou doutrinas diferentes. Outros já
haviam feito isso antes dele. Lutero centralizou o descontentamento com a Igreja
como instituição e provocou o regresso a uma religião pessoal.28 A necessidade de
uma reforma já havia, mas faltava aquele indivíduo catalisador, que respondesse de
forma prática e contundente. Muitos homens piedosos do próprio clero estavam
descontentes diante do estado de degradação moral, abusos e corrupção.
Isoladamente, homens que hoje são chamados de precursores da Reforma se
levantaram em diferentes lugares.29 Talvez ninguém tenha criticado mais a Igreja de
seu tempo que Erasmo e no entanto ele morreu católico. Nenhum dos que
protestaram contra o sistema romano havia conseguido romper com ele. Lutero
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produziu a ruptura. Nesse sentido ele pode ser considerado um profeta, não obstante
as suas contradições. 30

Porém, coube a Calvino a organização das doutrinas reformadas. Sua tese


principal é a doutrina da Majestade de Deus. Foi original ao mostrar que a doutrina
de Deus é o elemento fundamental em qualquer teologia.31 Conduziu essa reflexão
no sentido de uma relação existencial. Ou seja, ensinou a correlação entre miséria
humana e majestade divina. Esta só pode ser entendida e percebida a partir daquela.
Calvino aplicou a Deus uma palavra que muito mais tarde foi redescoberta por

28
GREEN, VF. H. H. op. cit. p. 123.
29
João Huss (1372-1415), João Wycleff (1330-1384), Girolamo Savonarola (1452-1498) são
considerados precursores. No entanto, vários acontecimentos tendiam para acirrar a luta entre o
catolicismo medieval e a visão renascentista. O longo conflito entre os imperadores germânicos e os
papas, os concílios reformadores de Pisa, Constança e Basiléia, os valdenses e os albigenses na França
e na Itália; os lollardos na Inglaterra, Arnaldo de Bréscia, na Itália; o pietismo espiritualista e a
teologia dos místicos dos séculos XIV e XV; o surgimento de línguas nacionais e o sentimento de
nacionalismo; o renascimento das letras clássicas sob a direção de Agrícola, Reuchlin e Erasmo.
Todos esses eventos e pessoas foram preparatórios para a Reforma. Cf. OBERMAN, Heiko
Augustinus. Forerunners of the Reformation; the shape of late medieval thought. New
York/Chicago/San Francisco: Holt, Rinehart and Winston, 1966. p. 3-43.
30
Tillich afirma que é preciso separar Lutero do luteranismo. Este pode ser associado à ortodoxia
protestante e até a movimentos políticos. Já Lutero pode se dizer que foi o homem que contribuiu para
se produzir o luteranismo, como Melanchthon contribuiu mais que ele. TILLICH, Paul. História do
Pensamento Cristão.Tradução de Jaci C. Maraschin. São Paulo: Aste, 1988. p. 209.
31
Ibid. p. 240.
25

Rudolf Otto (1869-1937) em sua obra Das Heilige, (1917) – Numem, (Numinoso).32
A doutrina barthiana do Totaliter Aliter (Totalmente Outro) se deriva, em grande
parte, de Calvino. Este afirmava que não se pode falar de Deus diretamente por causa
de sua transcendência radical. Daí a necessidade do uso da linguagem simbólica para
expressar as verdades divinas. Os símbolos são significações da essência
incompreensível de Deus.33 Devem ser momentâneos, ou seja, prontos a desaparecer
porque não são a coisa em si.

Quando o símbolo se perpetua torna-se um ídolo, o que vai de encontro ao


propósito do Evangelho.34 Ao falar da glória de Deus35 o faz sempre ressaltando-a
diante da limitação e da dependência humana. Em carta ao rei Francisco I, em 1536,
afirma: “de sorte que nada resta de que nos possamos gloriar diante de Deus, senão
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de sua misericórdia, mercê da qual, à parte de qualquer mérito nosso, fomos


admitidos à esperança eterna da salvação...” 36

O que ficou esclarecido em Calvino, no século XVI e em Barth, no século


XX, é que a doutrina de Deus não pode ser assunto de contemplação teórica. É
necessária a participação existencial. Quando Barth afirma “Deus está no céu e você,
na terra,” está também se referindo ao uso que Calvino fez dessa afirmação para
explicar que o céu aqui em questão não é o lugar onde Deus se confina, mas
expressão de uma transcendência religiosa.

Essa visão leva-o ao receio, extremado talvez, da idolatria. Enquanto o


Luteranismo mantém certos elementos simbólicos na liturgia, Calvino lutou contra

32
OTTO, Rudolf. O Sagrado. Tradução de Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do Campo:
Imprensa Metodista, 1985. passim.
33
TILLICH, P. op. cit. p. 240.
34
Para um aprofundamento da teoria do símbolo, DURAND, Gilbert. A Imaginação Simbólica.
Tradução de Eliane Fittipaldi Pereira. São Paulo: Cultrix, 1988; TODOROV, Tzvetan. Simbolismo e
Interpretação. Tradução de Maria de Santa Cruz. Lisboa: Edições 70, 1980; DELEUZE, Gilles.
Lógica do Sentido. Tradução de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Perspectiva, 1974.
35
Calvino transformou o soli Deo gloria em critério interno do dogma e o considera a chave da
compreensão religiosa das Escrituras. LARRIDA, Jesus. Eclesiologia y Antropologia em Calvino.
Madrid: Ediciones Cristiandad, 1975. p. 27.
36
CALVINO, João. Op. cit. p. 16. v. 1.
26

qualquer coisa que pudesse desviar a mente do devoto piedoso, da transcendência de


Deus. É por esta razão que as igrejas calvinistas (reformadas) se caracterizam pelos
espaços vazios, dado o temor sempre presente da idolatria. Se há uma liturgia esta se
chama liturgia da palavra. O soli Deo gloria deve ser a tônica da proclamação. O
elemento preponderante numa celebração é o kerigma, anúncio da majestade e glória
de Deus. Nada mais que isso. O centro da celebração não é mais o altar, lugar de
sacrifício, mas o púlpito onde se anuncia o Evangelho. KB deixou-se influenciar de
tal maneira por essa abordagem calvinista que deu um lugar à pregação antes
atribuído apenas à Escritura e a Jesus. A proclamação do Evangelho é também uma
forma de revelação.37
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2.2.
A Época da Ortodoxia

As grandes doutrinas do protestantismo foram estabelecidas no século XVI. Só


que a produção intelectual de Lutero e Calvino38 é muito vasta e seu exame demanda
um grande esforço por parte daqueles que se arriscam a mergulhar em suas
profundezas. Por outro lado, o próprio espírito do protestantismo, sob a influência do
Iluminismo39 e seu princípio de autonomia da razão, prejudica a busca pela
sistematização das doutrinas básicas da fé protestante.40

Existem dois sentidos para o termo “ortodoxia”. As igrejas orientais, que se


chamam Ortodoxas,41 adotaram esse nome por causa da tradição. Embora tenham

37
BARTH, Karl. A Proclamação do Evangelho. Tradução de Daniel Sotelo e Daniel Costa. São
Paulo: Novo Século, 2000. p. 15-16.
38
Para não citar outros importantes reformadores como Zuinglio, Zinzerdorf e mesmo Melanchthon,
que foi quem não apenas sistematizou o pensamento de Lutero como também quem primeiro falou
sobre a doutrina da justificação pela fé. Cf. MELANCHTHON, Felipe. La Justificacion por la fé.
Tradução de M. Gutierrez Marin. Buenos Aires: La Aurora, 1943.
39
Adiante será abordada a questão do Iluminismo e sua influência sobre a teologia protestante.
40
Tillich distingue a fé católica – fides implicita – como uma fé indireta. O leigo crê no que a Igreja
ensina. Somente os ministros precisam conhecer as doutrinas específicas. A fé protestante – fides
explicita – é objetiva. O crente lê o texto sagrado e guiado pelo Espírito Santo torna-se conhecedor da
vontade de Deus. TILLICH, P. História do Pensamento Cristão. op. cit. p. 256.
41
E.g. a Grega, a Russa. A Igreja Oriental considera a Igreja Ocidental heterodoxa por esta incluir a
cláusula filioque no seu credo. O termo significa “e do Filho” e refere-se à frase, na versão ocidental
27

naturalmente, formas litúrgicas fixas e declarações doutrinais, conseguem se manter


em boas relações com organismos como o Conselho Mundial de Igrejas.42 Na
ortodoxia protestante o termo refere-se ao que se chamou, na época, de escolástica da
história protestante.

Os fundamentos do escolasticismo protestante foram assentados por Felipe


Melanchthon (1497-1560). Pode-se dizer que, no campo do luteranismo, coube a ele
essa tarefa, enquanto no campo reformado, a Calvino.43 Melanchthon, nascido na
Alemanha, foi educado em Heldelberg e Tübingen. Aos 21 anos de idade tornou-se
professor de grego da Universidade de Heldelberg. Foi um gênio precoce.44 Foi um
grande pensador com preocupações não apenas filosófica e literária mas também
ética. Achava que o saber era vão se não imprimisse caráter e estatura moral no
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indivíduo. Por isso foi um grande educador e trouxe vasta contribuição à área
educacional na Alemanha.45 Contribuiu também para a visão da Igreja como escola
para ensino da doutrina cristã. A razão e a Revelação são as duas fontes para o
conhecimento da verdade religiosa. Seu trabalho exaustivo foi fundamental no
surgimento do que passou a ser chamado de neo-escolástica protestante.46

do Credo de Nicéia, que diz que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. Esta expressão não
constava originalmente de Nicéia (325) nem Constantinopla (381). Parece ter sido usada a partir de
um concílio local em Toledo (589). Foi endossada oficialmente no ocidente em 1017 e foi a principal
questão doutrinária para o Cisma de 1054. Cf. BROMILEY, G. W. Filioque. Em: ERWELL, Walter.
(Ed.). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Tradução de Gordon Chown. São Paulo:
Vida Nova, 1990. p. 172. v. 2.
42
O CMI foi organizado em 1948 em Amsterdã, Holanda. Barth esteve presente a este evento. Abriga
as mais diferentes tradições cristãs, com exceção da Igreja Católica Romana. Tem sua sede em
Genebra, Suíça. Realizou em fevereiro de 2006 sua 9ª Assembléia Mundial, em Porto Alegre, Brasil,
sendo a primeira na América Latina.
43
Na Europa se faz nitidamente a distinção entre protestantismo luterano e calvinista. Este é chamado
de Reformado. Daí que o nome Igreja Reformada significa a Igreja que segue a doutrina calvinista em
sua forma de ser protestante.
44
McGIFFERT. A. C. Protestant Thought Before Kant. New York: Harper & Brothers, 1962. p.71-80.
45
Não cabe no escopo desse trabalho entrar no mérito da contribuição educacional de Melanchthon.
Basta dizer que, em 1528, seus “artigos de Visitação” para as escolas foram promulgados como lei na
Saxônia e ele foi reconhecido como educador público. Foi procurado por cerca de 56 cidades para
reformulação do ensino de suas escolas. Ajudou a reformar oito universidades e a fundar outras
quatro. SCHNUCKER, R. V. Melanchthon. Em: ERWELL, Walter A. (Ed). op. cit. v. 2., p.494-495.
46
McGIFFERT, A C. op. cit. p. 141.
28

Quando as igrejas se estabeleceram formalmente, foi necessário que o


trabalho de sistematização das doutrinas fosse assumido pela segunda geração de
teólogos reformados. A parte final do século XVI e grande parte do XVII foi
constituída por essa tarefa colossal de estabelecer os princípios reformados. A tese
que se levantou na época foi a seguinte: se o grande propósito da Reforma foi
restaurar doutrinas, recuperar o Evangelho como fonte mediadora, então tornava-se
importante conservar essas doutrinas em sua pureza. Pelo menos era assim que se
via. Evitar a supremacia do erro foi a meta do protestantismo.

Por outro lado, a necessidade de sistematização devia-se também a


divergências que sempre existiram entre os reformadores. Pouco antes da morte de
Lutero, haviam aparecido divergências entre ele e Melanchthon na interpretação da
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fé tradicional.47 Não cabe aqui entrar no mérito das numerosas divergências que se
instalaram nos diversos seguimentos da Reforma. Pode-se dizer que as igrejas
luteranas sofreram mais que as calvinistas diante das controvérsias religiosas. A
teologia reformada era baseada sobre um grande princípio de verificação enquanto
que o luteranismo tinha objetivo mais prático, com tremendo valor religioso e ético.
As igrejas reformadas tinham nas Institutas um sistema único de dogmática.

Havia grandes escolásticos no protestantismo. Destaca-se Johann Gerhard


(1582-1637) que escreveu uma obra monumental – Loci Theologici.48 Esse e outros
autores discorreram com profundidade sobre problemas teológicos como fizeram os
escolásticos medievais. A ortodoxia sempre foi construtiva, procurando retratar, de
forma clara e precisa, a doutrina reformada.49 Porém, é preciso ressaltar que, o que o

47
Há várias divergências entre Lutero e Melanchthon sendo a principal a rejeição que este fazia do
dualismo entre razão e Revelação. Melanchthon via as duas como cooperantes e assim como fontes da
teologia. A teologia natural prepara o caminho para a Revelação assim como o estudo das ciências
precede o estudo da Bíblia e promove a fé. Ibid. p. 76.
48
Obra escrita em nove volumes, de 1610-1622. Loci é uma expressão clássica para indicar o “local”
ou tópicos no método de teologia escolástica.
49
Tillich procura fazer uma distinção muito clara entre a ortodoxia como tradição clássica do
protestantismo e o fundamentalismo que medrou nos Estados Unidos desde a segunda metade do
século XIX e avançou organizadamente a partir de 1907 com a publicação do texto The Fundamentals
(Os Fundamentos). Refugiado nos EUA desde o final dos anos de 1930, Tillich conheceu de perto o
biblicismo não-acadêmico dos fundamentalistas norte-americanos. Id. Perspectivas da Teologia
Protestante nos séculos XIX e XX. op. cit. p. 36.
29

protestantismo classifica como período escolástico da teologia reformada, é de uma


dimensão muito mais estreita que o escolasticismo medieval. O domínio de
pensamento ainda é o de Aristóteles, no entanto, a reflexão não foi conduzida no
sentido de aprofundar suas relações com as ciências modernas emergentes. Ou seja, a
ortodoxia dedicou-se ao campo da teologia deixando de lado um diálogo fértil com a
ciência de modo geral, a filosofia e a política. Por isso, do ponto de vista do alcance
intelectual e social, o período da ortodoxia foi estreito e opressivo.

É fato; que a teologia foi formulada a partir dos pressupostos da Reforma e


elaborada a partir de uma análise exaustiva dessa contribuição. Foi um período em
que a disciplina “dogmática” assumiu papel principal no estudo da teologia.50 Mas
essa dogmática era uma forma estéril de se produzir teologia, sem relações com os
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diversos campos do saber nem com a teologia prática das comunidades protestantes.
Sequer era uma reflexão que conduzia para uma releitura dos textos dos
reformadores no sentido de uma aplicação da espiritualidade da Reforma.

No entanto, apesar dessa crítica aos teólogos ortodoxos, não se pode acusá-los de
práticas fundamentalistas. Não eram leigos em teologia. Mantinham-se em discussão
com todos os séculos do pensamento cristão e conheciam a história da Igreja.
Permaneceram na tradição dos reformadores, mas isto não os impediu de os criticar e
até refutar. Não é sem razão que Tillich51 atribui que grande parte da imprecisão que
tomou conta da teologia protestante nos séculos seguintes e até os nossos dias, seja
fruto da ignorância quanto às definições da ortodoxia. Ou seja, sem as bases das
formulações clássicas do período ortodoxo, as teologias das diversas confissões

50
Somente no século XVIII houve uma distinção entre teologia dogmática e teologia bíblica. A
dogmática protestante era chamada de “teologia escolástica” e foi muito criticada por suas
especulações vazias que tornavam o estudo da teologia uma prática árida e distante da experiência de
fé das comunidades evangélicas emergentes. Em 1787 Johann Phillip Gabler (1753-1826) estabeleceu
a distinção ao ministrar a aula inaugural na Universidade de Altdorf com o tema “Sobre a Distinção
Correta da Teologia Bíblica e Dogmática e a Correta Definição de Suas Metas”. Cf. HASEL, Gerhard
F. op. cit. p. 20.
51
TILLICH, P. Perspectivas... p. 36.
30

reformadas foram perdendo sua ligação com a Reforma e dependendo cada vez mais
da construção elaborada pelas igrejas confessionais. 52

A construção da teologia protestante como sistema doutrinal era necessária


para o estabelecimento de princípios sólidos para as igrejas reformadas. Os próprios
reformadores não se entendiam em muitos pontos de sua teologia. Já mencionamos o
problema entre Lutero e Melanchthon na controvérsia sinergística.53 Surgiram
também divergências quanto à presença de Cristo na Santa Ceia. Melanchthon,
Calvino e Lutero rejeitaram a concepção da Santa Ceia como um memorial
representando a paixão de Cristo, sua vida e morte, conforme apresentada por
Zwuinglio.54 Afirmavam que a presença espiritual sozinha não era suficiente para
expressar a natureza da atividade de Cristo e, por outro lado, negava o caráter
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corporal da ressurreição do Senhor. Uma outra questão que acabaria levando os


reformadores à busca de uma ortodoxia, foi o problema da atividade do Espírito
Santo. Os reformadores concordavam que é Deus quem dá início e sustenta a fé.
Mas, que é o ser humano nesse processo? É ativo ou passivo diante da ação do
Espírito Santo em sua vida? Os teólogos mais conservadores afirmavam que a
presença de Cristo no crente molda o indivíduo. Melanchthon afirmava que a pessoa
é ativa. Deus e o ser humano são cooperadores, doutrina totalmente rejeitada por
Calvino. A reforma calvinista enfatiza a graça livre e soberana mas também
autônoma e irresistível.

2.3.
O Iluminismo e sua Influência na Teologia Reformada

Pode-se pensar no Iluminismo – Aufklärung – como um estado de


racionalização em que a pessoa humana sai de um estado de imaturidade para chegar

52
Tillich cita o procedimento de Schleiermacher em sua Christian Faith que elabora seu pensamento a
partir da ortodoxia clássica indo a seguir para a crítica do pietismo à ortodoxia e finalmente à crítica
que o Iluminismo fazia de ambas. Um procedimento seguro para a reflexão teológica de caráter
científico. Cf. Id. Perspectivas... op. cit. p. 37.
53
Sinergismo, cooperação. Lutero não concordava com Melanchthon quanto à necessidade de
cooperação entre Razão e Revelação, Deus e o Ser Humano.
54
Cf. DILLENBERGER, J. e WELCH, C. op. cit. p. 81.
31

à idade madura por meio da razão. Em sua essência, o Iluminismo representa o livre
uso da razão. Nesse sentido o ser humano, deslumbrado com sua própria capacidade
de resolver as questões mais intrincadas, descobre-se senhor do mundo. A razão
torna-se autônoma, livre de todas as amarras que a impediam de refletir livremente
sobre a vida e suas questões essenciais.

As raízes do Iluminismo remontam ao humanismo da renascença, ao


socinianismo e ao deísmo da Inglaterra do século XVII.55 Mas a base para esse tipo
de leitura encontra-se em toda mudança acontecida no século XVII com René
Descartes (1596-1650). Coube a ele mudar a forma de pensar no ocidente. Tendo
estudado nas melhores escolas da França, sentia-se decepcionado apesar de
reconhecer o valor intelectual do ensinamento que recebera. Por isso, após os estudos
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realizados em La Fleche e em Poitiers, resolveu procurar a ciência que poderia


encontrar em si mesmo ou no grande livro do mundo. Seu programa, apresentado no
Discurso do Método,56 aponta quatro passos para a resolução dos problemas
racionais, 1) jamais aceitar como verdade alguma coisa que eu não conhecesse a
evidência como tal; 2) dividir cada dificuldade a ser examinada em tantas partes
quanto possíveis e necessárias para resolvê-las; 3) pôr em ordem os pensamentos,
partindo sempre dos mais fáceis para os mais complexos; 4) fazer enumerações e
revisões extras, sem esquecer nada. Descartes influenciou toda forma de pensar no

55
O termo “Renascimento” não foi usado para designar o movimento antes de 1835. Foi usado para
justificar o ressurgimento do saber antigo e provocou uma mudança de atitude da pessoa com o
problema da existência humana. O movimento começou na Itália e se espalhou por toda a Europa. O
socinianismo foi um movimento antitrinitário fundado por Fausto Socino (1539-1604) que acreditava
que a Escritura só podia ser interpretada racionalmente. A partir dessa estrutura filosófica negava a
divindade de Cristo, que só tinha a natureza humana e só se tornou Deus depois da ressurreição. O
deísmo descreve um ponto de vista religioso pouco ortodoxo. O termo é usado para definir um ponto
de vista que ilustra a relação entre Deus e o mundo. De modo simplificado seria dizer que Deus fez o
mundo e o entregou a sua própria sorte. Os deístas ingleses tinham uma doutrina definida em cinco
pontos básicos: crença num ser supremo, obrigação de adoração, obrigação de conduta ética,
necessidade de arrependimento pelos pecados e recompensas e castigos divinos nesta vida e na
vindoura. No entanto, a função de Deus na criação é ser a primeira causa. Cf. GREEN, V.H.H. op. cit.
p. 33; Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. op. cit. p. 402. WALKER, W. História da
Igreja Cristã. Tradução de Paulo Siepierski. 3. ed. São Paulo: Aste, 2006. p. 630-632. DELUMEAU,
Jean. La Civilization de la Renaissance. Paris: Arthaud, 1984.
56
O título em português varia de edição para edição. Alguns títulos aparecem com “Discurso Sobre o
Método” (Editora Hemus, 1986?) ou Discurso do Método (Os Pensadores, 4. ed, 1987). O título em
francês é: Discours de la Méthode de Bien Conduire as Raison et Chercher la Verité dans lês Sciences.
32

ocidente e atribui-se a ele o surgimento do pensamento moderno e o fim da Idade


Média na ciência. 57

Do ponto de vista social o Iluminismo foi uma revolução burguesa. O que


houve foi um grande questionamento da autoridade civil, das leis e dos costumes. Do
ponto de vista religioso foi a revolução das potencialidades autônomas do ser
humano contra os poderes abusivos dos sistemas eclesiásticos autoritários.58 Pode-se
dizer que o Iluminismo é um princípio que se estabelece como forma de
questionamento do que se tinha, até então, como verdadeiro e irrefutável.

Imanuel Kant (1724-1804) afirmou que o Iluminismo é a libertação do


homem de suas tutelas. Estas, provém da incapacidade do indivíduo de usar o
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próprio entendimento sem a orientação de outros. A tutela não significa falta de


razão, mas falta de resolução e coragem para usar a razão sem o apoio de terceiros.59
Isto gera uma espécie de revolta60 metafísica que conduz a pessoa a dizer a si
mesmo: Tenha coragem de usar a própria razão! Esse é o lema do Iluminismo.

57
Cf. DESCARTES, R. O Discurso Sobre o Método. Tradução de Márcio Pugliesi e Norberto de
Paula Lima. São Paulo: Hemus, [s.d], p. 40.
58
Estes abusos já haviam sido denunciados por Baruch de Espinosa (1632-1677) em seu Tratado
Teológico-Político. Sua filosofia é uma crítica ao que ele chama de sistema de superstição, seja ela
religiosa, política ou filosófica. Nascida do medo e da esperança, a superstição faz surgir uma religião
onde Deus é um ser colérico ao qual se deve prestar culto para que sua cólera seja aplacada. Esse
sistema cria uma casta de indivíduos que se dizem intérpretes da vontade de Deus, capazes de oficiar
cultos, profetizar eventos e invocar milagres. Cf. Tratado Teológico-Político. Tradução de Diogo
Pires Aurélio. São Paulo: Martins Fontes, 2003; Há também um magnífico texto, de mil e duzentas
páginas, onde a autora, Marilena Chauí, examina de forma exaustiva, o desenvolvimento e a crítica ao
sistema espinozista. CHAUÍ, Marilena de Souza. A Nervura do Real: Imanência e Liberdade em
Espinosa. São Paulo: Companhia Das Letras, 1999.
59
Tillich destaca que o ser humano padece desde a antiguidade da necessidade de afirmação. Isto gera
ansiedade. No final da civilização antiga havia a ansiedade ôntica, a necessidade de afirmação como
ser. No final da Idade Média havia a ansiedade moral e, em certo sentido isto ocasionou a Reforma.
No nosso tempo predomina a ansiedade espiritual. Cf. TILLICH, P. A Coragem de Ser. Tradução de
Eglê Malheiros. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p. 44.
60
Sobre a rebelião há um texto monumental de Albert Camus (1913-1960) que inicia com a pergunta:
“Que é um homem revoltado? Um homem que diz ‘não’. Mas, se ele recusa, não renuncia. É também
um homem que diz ‘sim’ Um escravo que recebeu ordens durante toda a sua vida, julga subitamente
inaceitável um novo comando. O ‘não’ significa que as coisas já duram demais. O Homem Revoltado.
Tradução de Valerie Runijanek. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 25.
33

2.4.
A Teologia Liberal

A teologia protestante do século XIX61 e início do século XX teve como


pensamento dominante o de Friedrich Schleiermacher (1768-1834). Foi ele quem
decretou o fim do período da teologia ortodoxa e deu início ao período da teologia
moderna. Este período, iniciado em 1799, data de publicação da primeira edição da
Über die Religion (Da Religião), de Schleiermacher, só vai terminar no começo da
Primeira Guerra Mundial.62

Barth, ao mesmo tempo que escrevia sua obra monumental e ensinava


dogmática, dava aulas também sobre a teologia do século XIX.63 Impressionavam-no
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Calvino e Schleiermacher. Estudou a história da Igreja como fizeram os autores do


período da Ortodoxia. Assim, sabia do que estava falando. Acompanhou as
mudanças da teologia que produziram o homem “absolutista” que fundava sua fé em
suas próprias conquistas e nas faculdades humanas.64

61
O termo liberalis theologia encontra-se já no teólogo de Halle, Johann Salomo Semler (1725-1791)
que buscava indicar com isso um método de investigação histórico-crítico das fontes da fé e da
teologia, que não se sentisse vinculado aos dados posteriores da tradição dogmática. A teologia liberal
nasce do encontro do liberalismo – como autoconsciência da burguesia européia do século XIX – com
a teologia protestante. A teologia liberal influenciou também a teologia católica contribuindo para o
surgimento do modernismo na primeira década do século XX. Nos Estados Unidos contribuiu para o
surgimento do Evangelho Social de Walter Rauschenbusch. No caso protestante a resposta a essa
tendência foi, por outro lado, o surgimento do fundamentalismo. GIBELLINI, Rosino. A Teologia do
Século XX. Tradução de João Paixão Netto. São Paulo: Loyola, 1998. p. 19.
62
Luis Dreher usa o termo “século XIX” para o período compreendido entre o ano de 1799 até 1914,
data que marca o início da Primeira Guerra Mundial, aderindo a sugestão de Claude Welch em seu
texto Protestant Thought in the Nineteeth Century. Por outro lado, o termo “Século XIX” tornou-se
sinônimo de modernismo, cientificismo e liberalismo e outros “ismos” que transformam o período
numa época iconoclasta para a Igreja. Essa visão unilateral contribui para a negação de outras formas
de crenças e experiências religiosas como os movimentos avivalistas na Europa e América do Norte
que conduziram para uma renovação religiosa nas igrejas confessionais herdeiras da Reforma e
anularam parcialmente o efeito da crítica árida do liberalismo que distanciou a Igreja das diferentes
abordagens teológicas. DREHER, Luis H. O Método Teológico de Friedrich Schleiermacher. São
Leopoldo: Editora Sinodal, 1995. p. 9.
63
Uma conferência de 1927 tinha por título La Parole dans la Théologie de Scheleiermacher a Ritschl.
Este trabalho foi impresso em 1947 com o título La Théologie Protestant au XIX síecle: Sa Préhistoire
et son Histoire. BOUILLARD, Henri. Karl Barth: Gènèse et Évolution de la Théologie Dialectique.
Aubier: Éditions Montaigne, 1957. v. 1, p. 152. A obra completa em alemão é Die Protestantische
Theologie im 19. Jahrhundert, (1947). Utilizo uma edição americana: Protestant Theology in the
Nineteenth Century; its Background and History. Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing
Company, 2002. A primeira edição em inglês data de 1972.
64
BOUILLARD, H. op. cit. p. 152.
34

Esse projeto, de laicização da teologia, esvaziou o poder civil da Igreja e


provocou o desenvolvimento do moralismo, da religião natural e do individualismo
religioso nas tradições reformadas. Nos estudos sobre a teologia do século XIX, KB
julgou artificial classificar os teólogos do período por escolas. Preferia tratar com
cada um deles isoladamente. Começando com Schleiermacher, estudou a obra de
Julio Augusto Luis Wegscheider, (1771-1849), Wilhelm Martin Leberechte de
Wette, (1780-1849), P. K. Marheineke (1780-1847), Ferdinand Christian Baur
(1792-1860), Friedrich August Gottreau Tholuck (1799-1877), Gottfried Menken
(1768-1831), Ludwig Feuerbach (1804-1872), David Friedrich Strauss (1808-1874),
J. Christopher Blumhardt (1807-1891), Albrecht Ritschl (1822-1889) e outros. Mas é
Schleiermacher quem mais o impressiona. Considera-o um teólogo cristão, moderno,
participante das exigências de seu tempo. Vê sua obra como uma teologia da
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civilização e da cultura, que identifica o Reinado de Deus ao progresso. Seu


pensamento teológico parte das pressuposições da filosofia e das ciências
contemporâneas. De inspiração romântica, Schleiermacher é uma síntese de
contrários. Seus dois pólos são, experiência e história.65

Schleiermacher rompeu com a visão de mundo que se estabeleceu na Europa


fruto da Ilustração. A Europa Ocidental, emergindo do caos das guerras religiosas,
iniciou um processo de desenvolvimento econômico e social sem precedentes. O
resultado foi um boom de otimismo e confiança no poder do ser humano de construir
ele mesmo seu universo. O carro-chefe desse processo de desenvolvimento foi a
razão humana que se tornou soberana em seus propósitos.66 Este
autodeslumbramento conduziu à noção de que a pessoa humana poderia sobrepujar o
passado e criar um futuro melhor desde que o mundo fosse reestruturado a partir do
poder e capacidade da razão. Esta autonomia se tornou o critério para a verdade, ou
seja, nada pode ser aceito que não seja comprovado e verificado pela livre ação da
mente.67

65
Ibid., p. 154.
66
Cf. CHRISTIAN, C. W. Friedrich Schleiermacher. Waco: Words Books, 1979. p. 20.
67
O conceito de verdade é cultural. Na Reforma, o critério para a verdade era a Escritura. No
Iluminismo o critério torna-se a razão; hoje, mais uma vez o critério parece ter mudado: é a
35

O que houve no Iluminismo foi um endeusamento da razão. O critério e a


mudança de paradigma iniciado por Descartes alcançaram sua sublimação em Kant.
Nada pode ser verdadeiro senão a partir de uma análise e uma confirmação racional.
Evidentemente, as ciências de modo geral foram afetadas por este novo modelo de
investigação. A teologia, antes assentada sob bases dogmáticas inquestionáveis,
passou a refletir esta questão em suas afirmações, até então axiomáticas. O
racionalismo, sob a luz do Iluminismo, provocou uma crise para a fé no nível teórico,
metodológico e prático. No primeiro nível houve uma reorientação para a revisão das
afirmações dogmáticas; no segundo mudou-se a hermenêutica, antes assentada sob a
autoridade da tradição e da Bíblia. Isto conduziu ao surgimento de uma nova
hermenêutica: o método histórico-crítico.68 No terceiro, o que se viu foi uma atitude
acadêmica que acabou afastando as pessoas de buscar uma experiência real com o
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Senhor ressuscitado.

Schleiermacher vê a teologia como experiência de fé no Deus da Revelação. Não


é algo a ser aprendido academicamente. É um sentimento que conduz o homem a
Deus. Religião pertence ao reino do sentimento, não como emoção mas como
faculdade do conhecimento, gosto e intuição para o infinito. O materialismo conduz
a pessoa humana ao entusiasmo pelo ideal de esperança em suas próprias
possibilidades. Kant69 despertou a consciência moral e a dignidade do espírito. Em
face disso enfatiza a sensibilidade estética de um lado e o ensino moral do outro.

Em seu prefácio à edição inglesa dos Reden, Rudolf Otto70 afirma que o texto
surgiu em 1799, quando Schleiermacher era ainda um autor desconhecido. Seu
objetivo foi fazer com que a religião recapturasse a posição que tinha perdido no

experiência religiosa que assegura a verdade. (considerações críticas do autor. KB certamente não
concordaria com essa mudança de orientação).
68
Há importantes obras que apresentam esta nova hermenêutica. VOLKMANN, Martin et al. Método
Histórico-Crítico. São Paulo: Cedi, 1992; FEE, Gordon e STUART, Douglas. Entendes o que Lês?
Tradução de Gordon Schown. São Paulo: Vida Nova, 1986. p. 237-318; BARTON, John (Ed.).
Biblical Interpretation. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. p. 9-20.
69
Kant publicou em 1793, portanto seis anos antes dos Reden de Schleiermacher, seu livro A Religião
nos Limites da Simples Razão. Tradução de Ciro Mioranza. São Paulo: Escala, [s.d.].
70
Uso a edição SCHLEIERMACHER, F. On Religion; Speeches to its cultured despisers. Tradução
de John Oman. New York/Evanston/London: Harper & How, Publishers, 1958.
36

mundo intelectual onde ela estava sendo tratada com todo o descaso.71 Seu objetivo
era reconduzir a religião ao seu centro. Desejava restaurar a religião como “o
fermento e como o primeiro fator no crescimento e desenvolvimento da Idade
Moderna.” 72

Apesar de o texto não ter merecido a devida atenção de alguns importantes


autores73 contribuiu para o despertamento do interesse religioso do círculo dos jovens
poetas, escritores e filósofos na Alemanha. Teve um importante papel na conversão
de Fichte (1762-1814) e, pode-se perceber, um eco dos Reden em dois textos desse
autor: Guia da Vida Abençoada (1806) e Discurso a Nação Alemã, (1808).74

Na obra, considerada como um monumento da jovem escola romântica alemã, o


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autor faz uso de uma intuição original. Usa de analogia em lugar do rigor
metodológico, conceitos e provas. Usa o estilo da prosa romântica. Pretende tratar a
filosofia da religião ainda que de forma embrionária. Não é um texto com a
densidade de sua Der Christliche Glaube75 publicada vinte e dois anos mais tarde. As
questões essenciais são: Que é Religião? Que é cristianismo? Que é religião no
sentido natural ou positivo? Qual a relação da religião e comportamento moral? A fé,
como um sentimento de dependência absoluta de Deus, ainda está embrionária nos
Reden. Não foi sua intenção apresentar evidências para a existência de Deus, da
realidade da alma e imortalidade. O que o autor pretendeu foi mostrar que o ser
humano não está confinado ao conhecimento e ação. É muito mais que isto. Mostra
que, se alguém tem uma experiência do mundo que o cerca em um estado de

71
Esta foi uma característica do racionalismo de modo geral e do Iluminismo em particular. David
Hume (1711-1776) publicou seu Diálogos sobre a Religião Natural; Voltaire (1694-1778) havia
afirmado que o futuro de toda educação seria baseada na razão humana e não na revelação divina e
que a “era do Iluminismo” mostraria que a superstição e o autoritarismo religioso dominavam o
mundo mantendo o homem num estado de ignorância que favorecia a manutenção da ordem vigente.
(Conf. Zadig ou Do Destino. Tradução de Márcia Valéria Martinez Aguiar. Editora Martins Fontes,
2005. Em outra obra critica a religião e a fé cristã como fanatismo. Cf. O Túmulo do Fanatismo.
Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Espinosa em seu Tratado Teológico-
Político, já citado, inicia o que se poderia chamar de primeira análise científica das Escrituras.
72
SCHLEIERMACHER, F. On Religion; p. ix.
73
Goethe e Schiller, principalmente.
74
Cf. SCHLEIERMACHER, F. On Religion... op. cit. p. x-xi.
75
Faço uso da edição inglesa, The Christian Faith. Translated D. M. Baillie et al. Edinburgh: T & T
Clark, 1989.
37

profunda emoção, como interação e sentimento e se alguém é profundamente afetado


por um senso de essência permanente ao ponto de ser conduzido à emoção e
sentimento, medo e reverência, então tal estado é muito mais que conhecimento e
ação juntos.

O programa de Schleiermacher conduz a um subjetivismo religioso que contraria


o princípio do racionalismo e do Iluminismo. O que ele propõe é a opção de fazer
teologia a partir da experiência religiosa.76 Porém, sua teologia, partindo da
experiência religiosa que subjaz no sujeito que a experimenta, não estaria em sintonia
com a posterior noção barthiana da revelação como algo supranatural, proveniente de
fora do sujeito. Em Schleiermacher, revelação perde sua exterioridade e se torna
acontecimento regular ou quase regular intrínseco à própria dinâmica da natureza
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humana qua77 natureza religiosa.78

A contribuição de Schleiermacher para a história da teologia e das religiões vai


de encontro ao movimento racionalista com sua teoria da razão como critério último
para a verdade.79 Teologia é uma reflexão humana e é filha da religião. Esta, não é
uma experiência sobrenatural mas uma expressão inevitável da autoconsciência
humana, o que deve conduzir a ver a religião como uma tarefa da filosofia da cultura
mas também da teologia em si mesma.80 Ele recoloca a religião no centro da reflexão
humana, tirando-a do ostracismo a que o racionalismo a havia condenado.81

76
A experiência de Deus é genérica. Este é o Outro da experiência propriamente dita. Nesse sentido
todo homem é religioso, pois tem, de alguma forma, uma experiência de Deus. Esse “deus” com
quem se relaciona é aquele que o interpela. A experiência religiosa é a experiência com o sagrado, o
Numinoso (Rudolf Otto) que me ultrapassa, me fascina ou me apavora. A experiência do sagrado
desestabiliza porque eu não o controlo. Daí o papel do rito que é tentar controlar o sagrado. O
propósito da teologia seria conduzir a experiência religiosa para uma experiência cristã de Deus.
77
Por meio de, por onde.
78
Cf. DREHER, L. op. cit. p. 51.
79
Barth afirma: estamos aqui no extremo oposto do racionalismo porque a razão não é mais
considerada começo e fim e porque as exigências da lógica não são aceitas como normas da verdade.
Saímos da ordem do problema para a ordem do mistério.
80
Cf. NIEBUHR, Richard. Schleiermacher on Christ and Religion. New York: Charles Scribner’s
Sons, 1964. p. 174.
81
O Positivismo levou essas conclusões ao extremo com as teses de Augusto Comte (1798-1857). Em
sua lei dos três estados, todas as ciências e o espírito humano se desenvolvem através de três fases
distintas: a teológica, a metafísica e a positiva. A primeira é a mais primitiva do desenvolvimento
humano. Esta fase divide-se em três períodos sucessivos: o fetichismo, o politeísmo e o monoteísmo.
38

A perspectiva de Schleiermacher irá ser melhor desenvolvida por Max Weber


(1864-1920) ao comparar as diferentes formas de crenças e de instituições religiosas
bem como sua contribuição para o desenvolvimento da racionalidade o que conduziu
a mudanças sociais significativas.82

2.4.1.
O Período Pré-Dialético

Não é sem razão que a teologia do século XIX e dos começos do século XX foi
dominada pelo pensamento de Schleiermacher. Ele contribuiu para a recuperação da
teologia como disciplina prática no espírito dos pietistas desde Spener (1635-1705).83
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Este último momento já conduz ao estado metafísico onde a argumentação, penetrando no domínio
das leis teológicas, trará à luz suas contradições e substituirá a vontade divina por “idéias” ou
“forças”. A fase positiva caracteriza-se pela subordinação da imaginação e da argumentação à
observação. É o estado científico onde tudo passa a ser explicado pela razão. (Cf. COMTE, Augusto.
Curso de Filosofia Positiva. Tradução de José Arthur Gianotti. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 3-
61. (Os Pensadores). Mais tarde, Siegmund Freud (1856-1939) levou adiante esta tese ao colocar as
crenças religiosas como um estágio primitivo da humanidade. Cf. O Futuro de Uma Ilusão. Tradução
de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
82
Weber foi, provavelmente, o maior pensador do século XIX nos campos da sociologia e dos estudos
humanísticos. Ao estudar Calvino e Lutero estabeleceu a distinção entre eles quanto à vida cristã. Para
Lutero a nova vida é a alegre reunião com Deus. Para Calvino é o cumprimento da lei de Deus. O que
descreve a vida, não são os altos e baixos de Lutero, o êxtase e o desespero. Para Calvino a vida cristã
é uma linha ascendente, que sobe mediante estágios metódicos. Mas Calvino negava que tivesse
qualquer ódio à vida. Sua ética é chamada de ascetismo intra-mundano por Weber e Troeltsch.
Possuía duas características: limpeza e lucro por meio do trabalho. A limpeza era entendida como
sobriedade, castidade e temperança. A segunda característica era a atividade no mundo para produzir
instrumentos e ferramentas com as quais se alcançava o lucro. Mas é errado pensar que Weber e
Troeltsch tenham afirmado que o calvinismo tenha produzido o capitalismo. O que Weber afirmou é
que havia qualquer coisa no espírito da ética calvinista, voltada aos propósitos do investimento,
importante elemento da economia capitalista. Cf. WEBER, Max. Economia e Sociedade. Tradução de
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília: UnB, 1991. p. 279-422, cap. V com o título
“Sociologia da Religião – Tipos de Relações Comunitárias Religiosas”; Id., A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo. Tradução de M. Irene de Q. F. Szmrecsányi. 3 ed. São Paulo: Livraria
Pioneira Editora, 1983; TILLICH, P. História do Pensamento Cristão. op. cit. p. 246-247.
83
Phillipp Jacob Spener, pietista alemão, publicou Pia Desideria em 1675 com o objetivo de renovar
a Igreja numa tentativa de recuperar o lado subjetivo da experiência cristã. A obra tem uma estrutura
muito simples: é dividida em três partes. Na primeira repassa as limitações da Igreja de sua época com
sua frouxidão moral; na segunda trata das possibilidade da referida Igreja em sua busca por mudanças;
na terceira apresenta sua proposta para que se alcance a reforma desejada. Pia Desideria. Tradução de
Prócoro Velasquez Filho. São Paulo: Imprensa Metodista, 1985. Para a relação de Barth com o
pietismo, Cf. BUSCH, Eberhard. Karl Barth & the Pietists; the young Karl Barth’s critique of pietism
& its response. Translated by Daniel W. Bloesch. Downers Grove: InterVarsity Press, 2004. Título
original: Karl Barth und die Pietisten.
39

Aliás, Schleiermacher vem da mesma tradição pietista de Spener e Francke.84 Barth


rompeu com a teologia do século XIX mas não com Schleiermacher. A articulação
sistemática dos últimos duzentos anos da teologia se faz precisamente a partir da
proposta dogmática de Schleiermacher que é essencialmente cristológica.

Para Schleiermacher, cuja teologia se desenvolveu sob a influência de Kant, o


que mais importava não era o discurso diretamente sobre Deus. Eles, que eram
herdeiros do Iluminismo, viam-se impossibilitados de falar sobre Deus.
Schleiermacher se denuncia como kantiano embora rejeite o agnosticismo do mestre
de Königsberg segundo o qual não podemos afirmar nem negar a existência de Deus.
Sua teologia também se dá conta que já não é possível falar de Deus. Somente é
possível falar sobre o sentimento religioso, sobre a experiência religiosa, sobre
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aquela subjetividade que conduz a um certo sentimento de transcendência. Este é o


grande problema da teologia da Ilustração: os teólogos podiam falar sobre as formas
religiosas através da história, sobre a instituição eclesiástica, sobre a história do
pensamento cristão e sobre o pensamento dogmático. Mas não podiam falar
diretamente de Deus. Ludwig Feuerbach (1804-1872) em sua crítica a teologia
afirma:

A consciência de Deus é a consciência que o homem tem de si mesmo. Como o homem


pensar, como for intencionado, assim é o seu Deus: quanto valor tem o homem, tanto valor e
não mais tem o seu Deus. A consciência de Deus é a consciência que o homem tem de si
mesmo, o conhecimento de Deus o conhecimento que o homem tem de si mesmo. Pelo Deus
conheces o homem e vice-versa pelo homem conheces o seu Deus; ambos são a mesma
coisa. O que é Deus para o homem é o seu espírito, a sua alma e o que é para o homem seu
espírito, sua alma, seu coração, isto é também o seu Deus: Deus é a intimidade revelada, o
pronunciamento do Eu do homem; a religião é uma revelação solene das preciosidades
ocultas do homem, a confissão dos seus mais íntimos pensamentos, a manifestação pública
dos seus segredos de amor.85

84
August Hermann Francke, (1663-1727) professor de Leipzig. Em 1686 era um dos instrutores mais
jovens desta escola. Com alguns companheiros fundou ali um Collegium Philobiblicum para o estudo
das Escrituras. Um dia, em Lüneberg, enquanto preparava um sermão sobre João 20:31, experimentou
o que considerou como sendo um novo nascimento. A estada de alguns meses com Spener, em
Dresden, completou sua aceitação do pietismo. Era padrinho de batismo do Conde Nicolaus Ludwig
von Zinzendorf (1700-1760). Foi renovador da Igreja Morávia, tão cara a Schleiermacher. Cf.
WALKER, W. op. cit. p. 690.
85
Feuerbach promoveu a mais exacerbada crítica a religião e seu caráter alienante. Era um apaixonado
pela religião mas escreveu um livro que lhe custaria a carreira acadêmica (foi sempre um
Privatdozent) e a condenação ao ostracismo pelo resto da vida. Nem mesmo Kant teve tal coragem.
Diante das reações desfavoráveis provocadas pela primeira edição da Crítica da Razão Pura, em
40

A ruptura acontece porque a proposta do racionalismo assumida pela teologia


pressupõe que a análise e explicação da Escritura podem se restringir a uma análise
gramatical e lógica. Segundo Zoltan Alszeghy (1915-1991) e Maurizio Flick (1909-),
isto constitui “uma deficiência episódica do fim do século XIX e início do século
XX. A grande tradição teológica insistia opostamente na necessidade de uma análise
mais profunda para a correta interpretação.”86

A proposta da autonomia da razão humana ante os problemas da existência


denuncia, segundo Macquarrie,87 mais imaturidade que maturidade. Afirma:

Insistir na autonomia é mais significativamente a marca da adolescência que da maturidade.


Teria sido Schleiermacher imaturo quando falou da Absoluta Dependência ou foi ele mais
sofisticado que os seus ‘desprezadores eruditos da religião’ a quem ele endereçou seu texto?
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Foram Tillich, Bultmann, Niebuhr e Barth imaturos porque, de várias formas, se opuseram à
noção da autonomia do homem e conduziram suas vidas crendo mais na graça de Deus que
em si mesmos?88

Barth rejeita o kantismo de Schleiermacher, embora saiba que este superou


suas influências e colocou a teologia e a religião num lugar de destaque na história
do pensamento cristão a partir do século XIX. Por isso, pode-se dizer que
Schleiermacher não fundou uma escola de teologia em particular; ele fundou uma
época, antes e depois dele. O século XIX é a época do domínio do pensamento de
Schleiermacher. Por isso ele é chamado com justiça, o Pai da teologia protestante do
século XIX.

virtude da destruição da teologia racional que ela contém, escreveu habilidosamente no prefácio à
segunda edição: “achei, portanto, necessário negar o conhecimento de Deus a fim de fazer lugar para a
fé.” Feuerbach não fez nenhuma concessão dessas. Ele diz na segunda edição: “não me surpreendeu (o
clamor pelo seu trabalho) e conseqüentemente em nada modificou a minha posição”. FEUERBACH,
Ludwig. A Essência do Cristianismo. Tradução de José da Silva Brandão. Campinas: Papirus, 1988. p.
55-56.
86
ALSZEGHY, Z e FLICK, M. Como se faz Teologia. Tradução de Isabel Fontes Leal Ferreira. São
Paulo: Edições Paulinas, 1979. p. 84-85.
87
MACQUARRIE, John. Principles of Christian Theology. New York: Charles Scribner’s Sons.
1966. p. 73.
88
Id. Ibid.
41

2.4.2.
Herança Liberal

Karl Barth nasceu em Basiléia, Suíça, em 10 de maio de 1886. Estudou na


Alemanha nas universidades de Berlim, Marburg e Tubingen. Filho de pais
protestantes, foi educado na Igreja Reformada. Seu pai, Friedrich (Fritz) Barth, era
professor de teologia do Novo Testamento. Em 1889, Fritz recebeu convite para
lecionar na Universidade de Berna onde se tornou professor de História da Igreja
Primitiva e Medieval. Sua teologia era “positiva” – conservadora. Recebeu influência
de Johann Tobias Beck, (1804-1878), de Tubingen. A influência do pietismo fez
Fritz valorizar mais a experiência cristã que a doutrina. A ortodoxia era a
“ossificação da vida cristã.” Barth começou seus estudos teológicos em Berna com a
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idade de 15 anos, no ano letivo de 1901/1902, sob a orientação de Robert


Aeschbacher. Depois seguiu para Berlim onde aprendeu o Antigo Testamento com
Herrmann Gunkel (1862-1938) e depois tornou-se aluno de Adolf von Harnack
(1851-1930)89. Com este último aprendeu que o cristianismo, como nós o
conhecemos, é uma criação do apóstolo Paulo e da Igreja Tardia. A mensagem
essencial do Evangelho não trata da encarnação da Palavra de Deus. Jesus era um
homem, um filho de sua época, que soube encontrar descanso e paz para sua alma e
ao mesmo tempo levar outros a serem fortalecidos pela força de suas palavras. O
evangelho pregado por Jesus tinha a ver com o Pai somente e não com o Filho. Mas,
além desses professores, renomados teólogos do liberalismo teológico, que ele viria a
combater em sua teologia mais tarde, havia ainda Adolf Schlatter (1852-1938)90 e

89
Como estudante KB seguiu o modelo alemão de estudar em várias universidades. Começou em
Berna, Suíça, seguindo depois para Berlim onde estudou com Hermann Gunkel. Nesse tempo tornou-
se discípulo do grande historiador da Igreja, Adolf von Harnack. Este, havia publicado entre 1899-
1900 uma série de 16 preleções com o título Das Wesen des Christentums. Em inglês ficou conhecido
com o nome What is Christianity? Uso uma edição espanhola. La Essencia del Cristianismo.
Traducion de J. Miró Folguera. Barcelona: Imprenta de Henrich Y Cia., 1904.
90
Adolf Schlatter nasceu em St. Galleu, Suíça, mas ensinou sobretudo na Alemanha. Foi o principal
expoente da escola do realismo bíblico. Denunciou o esgotamento da teologia sob o criticismo
histórico, pelo criticismo bíblico. No final do século XIX protestou veementemente contra essa
situação: o texto merece mais atenção que a crítica. O mais importante não é a crítica ao texto. O mais
importante é o texto. Estava indicando, desta forma, o retorno à Bíblia. Era um erudito de primeira
linha. Sabia de cor tanto Goethe como a Bíblia. Dizia que a ortodoxia dos séculos XVI e XVII era o
alicerce em que repousavam os pilares da ponte de toda a teologia protestante posterior.
42

Wilhelm Herrmann (1846-1922), o seu mais estimado professor em Marburgo.91


Desses todos, apenas Schlatter era um dos poucos que procurava minimizar o
triunfalismo da crítica histórica, procurando demonstrar a autonomia dos conceitos
bíblicos tanto em relação aos conceitos gregos quanto aos orientais.

A geração de Barth foi grandemente influenciada pela teologia de


Schleiermacher e Ritschl92 que rejeitavam a Bíblia como Palavra de Deus escrita.

91
Herrmann foi o fundador da Escola Ritschliana, segundo Martin Rade. A grande contribuição de
Ritschl foi que ele tirou a teologia do subjetivismo em que ela se encontrava desde Schleiermacher,
tanto quanto do racionalismo especulativo dos seguidores de Hegel. Seu objetivo era caminhar na
direção de uma teologia mais objetiva, fundada em fatos históricos, o que demonstra a tendência de
destacar o estudo científico da Bíblia. O que mais atraiu Herrmann para a obra de Ritschl foi a
insistência sobre a independência da religião em relação à ciência natural e a filosofia. Em seus
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ensaios mais antigos empenhou-se por distinguir fé e conhecimento e se opôs a toda tentativa de
fundar a primeira sobre a última. Ele viu em Ritschl o retorno a um verdadeiro conceito luterano de fé.
Pode-se dizer que foi o primeiro grande pensador a confiar plenamente em Ritschl embora, nem
sempre sua relação com o mestre fosse amena. Mais tarde coube a ele, excluir resíduos de metafísica
da teologia ritschliana. Em 1889, no ano da morte de Ritschl, afirmou que seu antigo professor jamais
divorciou completamente conhecimento religioso da cognição do mundo e, desta forma, da metafísica.
Isto se tornou claro em seu ensaio programático Die Religion in der Theologie (1876) e Die Religion
im Verhältnis zum Werterkennen und zur Sittlichkeit, (A Religião em relação ao valor do
conhecimento e da moralidade, 1879). Foi este último livro que fez com que fosse convidado para ser
professor em Marburg naquele mesmo ano. Em 1881 publicou Theology and Metaphysics, um longo
ensaio dedicado a Ritschl. O que preocupava Herrmann é descrito no título de uma obra de 1884: Why
Does Our Faith need Historical Facts? O problema entre fé e história encontra sua resposta na vida de
Jesus, uma vida de total submissão à vontade de Deus. O fato histórico sobre a qual a fé é fundada é a
própria vida de Jesus. Esta afirmação é celebrada no livro de 1886, The Communion of the Christian
with God. O que o afastou da escola foi, basicamente, a luta entre os antigos e novos ritschlianos. Os
antigos eram ortodoxos; os novos dedicaram-se à escola da História das Religiões, orientada por
Troeltsch. Publicou a Lógica - Logik dês Reinen Erkenntnis, (Lógica do Conhecimento Puro), 1902, e
a Ética – Ethik dês Reinen Willens, (Ética da Vontade Pura), 1904. Sua cristologia tinha como pano-
de-fundo o problema entre fé e história. Seu problema, no início do século, era a condição de
possibilidade da religião. Cf. McCORMICK, Bruce L. Karl Barth’s Critically Realistic Dialetical
Theology: It’s Genesis and Development. 1909-1936. p.51-52.
92
Albrecht Benjamin Ritschl (1822-1889), nasceu em Berlim e foi para as universidades de Bonn,
Halle, Berlim, Heldelberg e Tubingen. Sua teologia é epígona, ou seja, depende, como discípulo, de
um grande mestre. Ele foi alvo da crítica tanto de teólogos conservadores como C. E. Luthardt e F. H.
R. Frank como liberais, do racionalismo especulativo – R. A. Lipsius e Otto Pfreiderer. Ainda assim
sua escola tinha discípulos luminares: Wilhelm Herrmann, Harnack, Ferdinand kattenbusch, Johannes
Gottschick, Julius Kaftan, Friedrich Loofs, Theodore Häring, Martin Rade. Ritschl foi um historiador
da Igreja e do dogma antes de se tornar um teólogo dogmático. A pergunta histórica é o centro da
preocupação da maioria dos ritschlianos. Quando o mais sério desafio surgiu para esta escola, veio de
dentro dela, de um grupo de jovens ritschlianos que tomou a iniciativa da busca honesta pela resposta
da História. Isto fez os velhos membros da escola tremerem. Surgiu a Escola da História das Religiões
de Ernest Troeltsch (1865-1923), que também foi aluno de Ritschl. Troeltsch rapidamente se
convenceu do seguinte: a tentativa de prover a teologia de um fundamento histórico crítico conduz ao
abandono das afirmações dogmáticas que têm governado as investigações dentro da história do
cristianismo primitivo conduzida pela escola ritschliana. Cf. McCormick, Bruce. op. cit. p. 40;
BARTH, K. Protestant Theology in the Nineteenth Century. Op. cit. p. 640-647.
43

Não acreditavam que a teologia pudesse ser construída sobre uma base de
argumentos filosóficos abstratos. O que eles tinham em comum era o desejo de
encontrar uma base comum da experiência religiosa que pudesse ser auto-evidente
tanto para o crente como para o descrente. Schleiermacher achava que tinha
encontrado essa base ao afirmar que a essência da religião era o sentido da Absoluta
Dependência de Deus. Isto levou-o a interpretar o pecado como uma nuvem sobre
nossas cabeças impedindo esse sentimento. Quase todos os grandes teólogos e
professores que influenciaram Karl Barth seguiram a tradição dos ensinos de Ritschl
e Schleiermacher. Aceitavam os métodos da crítica radical e podiam até concordar
com o mais querido de Barth, W. Herrmann, que a pesquisa histórica não pode nos
confrontar com o Salvador Jesus Cristo, mas pode nos ajudar a encontrar o Jesus
Histórico que os cristãos afirmam ser seu Salvador. Jesus seria o homem que teve
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essa concepção absoluta e que era capaz de levar outros a este mesmo sentimento.
Quanto a Ritschl, sua versão do cristianismo tinha um colorido mais ético. Sua idéia
central era que o núcleo da mensagem era a justiça moral que ele encontrava na
pregação de Jesus sobre o Reino de Deus.

Quando foi ordenado em 1908, na catedral de Berna, Barth tinha sua mente
assentada sobre os pressupostos do liberalismo teológico do século XIX. Era uma
espécie de liberalismo atravessado pelo criticismo radical e pelo idealismo filosófico.
Contudo Barth foi marcado também por um profundo senso de pietismo e pela
preocupação com a experiência cristã prática.

Por algum tempo foi editor assistente da revista Christliche Welt e por dois
anos foi pastor assistente em Genebra. Então, em 1911, recebeu o convite para
pastorear em Safelwill, uma pequena cidade agrícola e industrial em Aargau, região
da Suíça com forte influência alemã, no meio caminho entre Berna e Zurique. Ali
havia fábricas de tecidos e as operárias queriam se organizar. Quando os patrões
percebiam o movimento em torno do sindicato, demitiam as mesmas. Barth chegou
lá e começou a orientar as operárias e ajudou-as a consolidar o sindicato têxtil da
região. Foi durante este pastorado que ele começou a ter uma série de crises que não
44

somente o levou a ter seu pensamento completamente mudado mas que também
mudaria o curso da teologia no século XX.

2.4.3.
Influência de Adolf von Harnack

Em Berlim, aos 20 anos de idade, Barth ingressou na faculdade de teologia.


Seus professores mais brilhantes foram Karl Holl, historiador da Igreja; Julius
Kafton, dogmático; Hermann Gulkel, Ott Pfeiderer, teólogo do Novo Testamento e
Adolf von Harnack, historiador do dogma. Este o impressionou profundamente e
conseguiu permissão para freqüentar seu seminário. Harnack tentava relacionar
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religião e cultura numa harmonia científica. Além do mais Harnack era uma grande
alma, com envergadura moral e que conquistava seus alunos porque tinha em alta
conta a pessoa humana.

Em 1908 Barth foi para Marburgo estudar sob a orientação de Wilhelm


Herrmann. Foi ali que começou a traçar o caminho que o conduziu a afastar-se de
Harnack. Pode-se dizer que foi Herrmann e não Harnack o mais influente professor
de Barth. Era chamado por ele de “o mais piedoso teólogo liberal de seus dias”. Com
ele Barth aprendeu o conceito da “auto-pistia” da fé, ou seja, a fé não precisa do
suporte da ciência para sua legitimidade.93 Considerando que a base dessa afirmação
vem de um teólogo liberal, torna-se claro, porque foi o professor que mais marcou a
formação intelectual de Karl Barth. Mais tarde, diria sobre Herrmann: “É o professor
com que aprendi algo básico e fundamental”. A afirmação sobre a fé acendeu a
suspeita da impossibilidade do conhecimento de Deus por meio da elucidação
acadêmica. É aqui que começa a se estabelecer a diferença entre Barth e Harnack. O
primeiro se opunha ao que chama de interpretação intelectual da religião. Em uma

93
RUMSCHEIDT, H. Martin. Revelation and Theology; An Analysis of the Barth-Harnack
correspondence of 1923. Cambridge: At the University Press, 1972. p. 4
45

carta a um estudante em 1908, afirma: “um Deus que tem sido provada sua existência
é um deus do mundo e um deus do mundo é um ídolo.”94

Durante certo tempo Barth se debateu entre esses dois nomes: o problema que
Harnack coloca não é facilmente descartável. A questão é: como podemos obter um
conhecimento considerável de Cristo? Ele mesmo responde: não pode ser por meio
de processos subjetivos mas através de uma análise crítica do testemunho que o
homem tem dado acerca de Cristo. Ele nega que esse caminho seja metafísico, pois
isto implicaria introduzir categorias de juízos que seriam inaplicáveis à religião. A
metafísica não serve para tratar do divino - Numinoso - (Otto). Esta relação com o
divino é baseada em uma correta compreensão de Cristo e para tal é preciso
desenvolver um estudo crítico e uma avaliação histórica de seu ministério. Harnack
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concorda que religião não é matéria unicamente da mente, mas afirma que razão e
reflexão são indispensáveis para sua abordagem.95

O rico diálogo entre esses dois mundos foi uma tentativa de clarificar certas
posições opostas. Havia, por parte dos dois, uma preocupação com o futuro da
teologia. Por um lado Harnack se preocupa com os caminhos da teologia científica;
do outro, Barth olha a teologia como tarefa eclesiástica, um empreendimento que se
torna relevante na medida que conduz a Igreja a refletir sobre sua própria
caminhada.96

Barth reencontrou Harnack em 1920, em Aarau, Suíça, num congresso de


estudantes. Foi um encontro histórico. Não o encontro de dois homens, de dois
nomes. Foi o encontro de duas tendências, duas épocas teológicas, duas maneiras
diferentes de falar de Deus. Nas cartas que trocaram a partir de 1923, Harnack afirma
que a tarefa da teologia é como a tarefa da ciência em geral. Barth, ao contrário

94
Ibid. p. 5.
95
Ibid. p. 68.
96
Ibid. p. 54.
46

afirma que a tarefa da teologia é a tarefa da pregação. Ela consiste em tomar e passar
adiante a Palavra de Cristo.97

O encontro tornou possível o diálogo entre duas tendências que passaram por
uma profunda ruptura. As cartas trocadas entre os dois98, nesse primeiro período de
correspondências, são ricas em desafios, declarações e clarificações.99
Ao romper com a teologia liberal, Barth abandonou de vez o método positivo
aprendido com seus antigos professores. Sua dialética é kierkegaardiana, de oposição
e negação de tudo que é humano.

2.4.4.
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Influência de Kierkegaard

Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855) foi um pensador original. Não se


achava um teólogo e nem queria estar associado à teologia acadêmica. Foi um crítico
da teologia ortodoxa como também das escolas de teologia liberal. Criticava a rigidez
da leitura tradicional da Bíblia por parte dos ortodoxos luteranos. Aceitava os

97
MACQUARRIE, John. Twentiety Century Religion Thought; The Frontiers of Philosophy and
Theology. 1900-1960. New York/Evanston: Harper e How Publishers, 1963. p. 321.
98
As cartas de 1923 foram escritas entre 11 de janeiro e 24 de maio daquele ano. Cf. Rumscheidt. op.
cit. p. 55.
99
O debate entre o maior historiador da Igreja e o maior teólogo de seu tempo é centrado em 15
questões, apresentadas por Harnack como 15 Questões para os desprezadores da teologia científica: 1)
A Bíblia pode ser compreendida por alguém a partir de suas experiências?; 2) Ele pode ser
interpretada sem ajuda?; 3) é a experiência de Deus idêntica à experiência da fé?; 4) É a experiência
de Deus diferente de qualquer outro tipo de experiência?; 5) O Evangelho torna o amor de Deus
equivalente ao amor do homem? Como podem Deus e o mundo serem concebidos como opostos um
do outro?; 6) Santidade é o equivalente de bondade? Como pode um homem ser educado em bondade
sem saber que o conhecimento científico da santidade é o seu mais alto valor da moralidade?; 7) Se
Deus não é o que a cultura e a moralidade dizem dele como pode esta cultura ser protegida contra seu
declínio e queda dentro do ateísmo? 8)Se o tesouro da cultura não é importante no discurso sobre
Deus como pode este tesouro ser salvo do barbarismo? 9) Se o desenvolvimento cultural são degraus
para um nível de conhecimento mais alto, não é assim também com os valores da moralidade? 10)
Deus é amor, alegria e paz. Esta é a sua esfera. Como pode alguém dizer que o cristão jamais atingirá
esta esfera? 11) Se a admoestação de Paulo é válida quanto à honra, à virtude e à dignidade, como
pode se separar a experiência de Deus do que é bom, verdadeiro e belo? 12) se o pecado é uma
carência em relação a Deus e ao amor, então ele deve ser vencido. 13) Se razão é o poder que
compreende, purifica e protege nossas informações mais íntimas, isto é, nosso subconsciente, como
pode alguém alcançar este poder? 14) Como pode Cristo ser conhecido para ser anunciado pela Igreja
se o estudo histórico-crítico, da teologia científica, é desprezado? 15) Pode uma teologia ser diferente
disso, sem estar ligada com a ciência em geral? Ibid. p. 54-56.
47

cânones do cristianismo, não porém na forma como eram difundidos pelas diferentes
confissões reformadas. Buscava uma ortodoxia comprometida com a vida e uma
verdade que pudesse ser continuamente renovada para a prática eclesial. Ou seja, isto
sugere que o que ele criticava mesmo é o que hoje se chama de fundamentalismo.100
Rejeitou todas as tentativas de se difundir a fé cristã por meio de argumentos
racionais ou evidências históricas. Neste ponto Barth é kierkegaardiano. A dialética
surge ao se estabelecer a diferença qualitativa entre Deus e o homem. A linguagem
teológica deve formular seus argumentos por meio de paradoxos.

Barth entrou em contato com o pensamento de kierkegaard a partir de 1906 e


adquiriu o primeiro texto desse autor em 1909101, numa época em que ainda estava
muito influenciado por seus professores liberais. A influência decisiva veio em 1919,
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quando trabalhava na reformulação do Der Römerbrief para a segunda edição.102 Ele


afirma que segunda edição da Carta aos Romanos é o documento expresso de sua
participação no que foi chamado ‘a renascença kierkegaardiana’. “Se eu tenho um
sistema – afirma - ele é limitado ao reconhecimento do que Kierkgaard chama de a
distinção qualitativa infinita entre tempo e eternidade. Isto, a meu ver, tem um
significado tanto negativo quanto positivo. Ou seja, falamos da caducidade da nossa
vida, da morte, do pecado mas é preciso olhar também para o outro lado e ver
positivamente que há uma vida em plenitude prometida a todas as pessoas.” 103

100
GOUVÊA, Ricardo Quadros. Paixão Pelo Paradoxo; uma Introdução a Kierkegaard. São Paulo:
Novo Século, 2000. p. 18.
101
Trata-se do periódico O Momento – Ojeblikket. Kierkegaard publicou os números de 1 a 9 entre
24/5 a 24/9/1855. O décimo número do periódico estava pronto mas não foi publicado senão
postumamente.
102
A edição brasileira da Carta aos Romanos traz apenas o prefácio à primeira edição (1918): à 5ª
edição (1926) e à 6ª edição, (1928). É no prefácio à segunda edição (1921) que Barth faz referência à
influência que reconhece ter recebido de Kierkegaard e faz um longo comentário sobre os critérios
que recebeu como um teólogo inimigo da crítica histórica. Cf. BARTH, Karl. The Epistle to the
Romans. Translated Edwyn C. Hoskyns. 6 ed. London/New York/Toronto: Oxford University Press,
1953. p. 2-15.
103
Ibid. p. 10. Cf. Tb. GOUVEA, R. Q. op. cit. p. 290. Barth foi se afastando paulatinamente de
Kierkegaard. Ele o citou duas vezes em palestras apresentadas em 1920 e 1922. Cf. Das Wort Gottes
und die Theologie (1924), tradução inglesa The Word of God and the Word of Man. Translated
Douglas Horton. London: Hodder and Stoughton, 1928. As palestras são Bíblical Questions; Insights
and Vistas (1920). Kierkegaard é citado na página 84. A outra palestra é The Problem of Ethics Today
(1922). Kierkegaard é citado nas páginas 175-176. A edição brasileira desta obra tem grande
deficiência de informações importantes das edições alemã e inglesa como, por exemplo, omitir o uso
48

Ainda que Barth tenha se mostrado reticente com Kierkegaard, à medida que
o tempo passou, o seguiu em muitos aspectos. Ambos se notabilizaram com o
conceito de Theologia crucis contra a predominância de uma Theologia Gloriae.
Além do mais, encontramos em ambos o desvelamento de auto-revelação de Deus, a
ênfase na humilhação de Cristo e a fé vista como paradoxo.104

À medida que o século XX avança, a tendência desta influência torna-se


menos sentida. Ainda nos primeiros volumes da CD se refere a Kierkegaard como
um pensador que questiona a redução da teologia à antropologia, tópico que vai ser
abraçado por teólogos existencialistas como Rudolf Bultmann (1884-1976). Mas, na
medida que consegue se desvencilhar desta influência afirma: “eu o considero um
professor para cuja aula cada teólogo deve ir uma vez. Ai daquele que a perder!
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Contudo, que não permaneça nela ou a ela retorne.”105

2.4.5.
Atuação Política de Karl Barth

Sua primeira crise aconteceu quando viu com horror o Manifesto produzido
por 93 intelectuais alemães que davam suporte à política estatal que levou a
Alemanha à Primeira Guerra Mundial. Entre esses intelectuais estavam alguns de
seus antigos professores a quem ele tinha honrado. Desiludido de suas condutas,
percebeu que não seria mais capaz de aceitar sua ética e dogmática, suas exegeses
bíblicas, suas interpretações da História e compreendeu finalmente que a teologia do
século XIX não tinha futuro.106

das citações gregas que Barth fez. A tradução também é deficiente. Cf. Palavra de Deus e palavra do
Homem. Tradução Cláudio J. A. Rodrigues. São Paulo: Novo Século, 2004.
104
Ao que parece Barth sentiu, a partir de 1932, a necessidade de mostrar certa independência em
relação a Kierkegaard. A partir dos primeiros tomos da Church Dogmatics, Kierkegaard é citado
sempre negativamente sendo acusado de pietista e de ser responsável por Bultmann. CD. IV/1, 165,
741; IV/3:2, 498-499. É sintomático que, ao publicar, em 1947, a sua Teologia Protestante no Século
XIX, não dedique um tópico a Kierkegaard. Seu nome é citado ligeiramente em três páginas da edição
americana: 20, 386, 604.
105
Ap. GOUVÊA, Ricardo Quadros. op. cit. p. 63-64.
106
BARTH, Karl. The Humanity of God. Tradução de Thomas Wieser. Richmond: John Knox Press,
1964. p. 14. A citação está na monografia Evangelische Theologie im 19. Jahrhundert. O Manifesto
49

Mas a crise da decepção foi apenas um sintoma de uma mudança mais lenta e
menos espetacular porém notadamente profunda que surgiu da reavaliação que ele
começou a fazer a partir de seu ministério. Em Safenwill, semana após semana viu-se
confrontado com o problema da pregação diante das necessidades básicas de seus
paroquianos. Barth se tornou plenamente consciente da inadequação do liberalismo
frente a essa realidade. Isto levou-o a refletir sobre a Igreja e sua mensagem. Ela
precisa ser fiel a sua missão. Dizia que, “se a Igreja for Igreja o mundo notará que a
Igreja existe.” Percebeu que a teologia nada significa se o teólogo não souber
responder às questões vivas da comunidade onde tem que pregar. A cada sábado –
dizia – é preciso responder a si mesmo: “o que pregar no domingo pela manhã? Que
tenho a dizer a pessoas que têm fome da Palavra de Deus?”
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Durante os anos da Primeira Grande Guerra, 1914-1918, juntou-se ao seu


jovem amigo Eduard Thurneysen, (1888-1974) com quem discutia essas angústias
pela busca do sermão. Resolveram fazer uma investigação separada sobre a mesma
questão: onde há um ponto de apoio sólido para a tarefa pastoral? Resolveram
também dividir o trabalho. Thurneysen estudaria a filosofia e a teologia de
Schleiermacher. Barth estudaria Paulo. Como Lutero, voltou-se para a Bíblia em
busca de ajuda e em particular, a Carta de Paulo aos Romanos. Ao mesmo tempo foi
compulsivamente levado aos escritos de Kierkegaard e Dostoievski. Estes foram
homens que lutaram pela vida de um modo raramente sonhado por um crítico
acadêmico. Recebeu influências também de outros jovens pastores suíços como
Leonhard Ragaz (1868-1945) e Herrmann Kutter (1869-1931) que pregavam um
socialismo religioso.

O resultado foi surpreendente. Em 1919 surgiu a Carta aos Romanos (Der


Romërbrief).107 Afirma que não queria perder de vista em nenhum momento a

tornou-se conhecido como Manifesto de Fulda. Entre seus signatários havia físicos, químicos,
médicos, prêmios Nóbel, teólogos e professores mundialmente conhecidos. (cf. Anexo 2).
107
BARTH, Karl. Carta aos Romanos. Tradução de Lindolfo K. Anders. São Paulo: Novo Século,
2002. 854p. O teólogo católico, Karl Adam disse sobre Der Romërbrief: “it felt like a bomb on the
playground of the theologians.” Em: GREEEN, Clifford, (Ed.). Karl Barth: Theologian of Freedom.
Minneapolis: Fortress Press, 1991, p.16. A primeira edição da Carta é de 1919 embora tenha
50

diferença qualitativa que existe entre Deus e o homem. Citando Kierkegaard diz:
“lembra-te que tu estás na terra e Deus no céu,” que é também uma citação de
Eclesiastes (5,2).

Foi somente a partir de 1925 que começou a perceber que “Deus queria ser
Deus”.108 Provavelmente o socialismo religioso de Kutter e Ragaz contribuiu para
isso. Isto é, Deus quer ser Deus porque quer agir como Deus. Era uma época de
profundas transformações sociais e movimentações políticas radicais. Barth suspeita
que a mudança de paradigma na teologia já havia começado por ocasião da Primeira
Guerra Mundial, quando a ética e o triunfalismo científico entraram em colapso. Um
certo espírito de desconfiança alcançou a exegese, a crítica histórica e a dogmática.
Com outros tons, a teologia dos cristãos socialistas começa a colocar a questão da fé
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cristã e do socialismo. Cristovão Blumhardt (1807-1891), pastor de Bad-Boll, em


Wurtemberg na Alemanha e seu filho, João Cristovão Blumhardt (1842-1919), junto
com Kutter e Ragaz são os socialistas religiosos que serão decisivos não somente
para o pensamento de Barth mas também de Paul Tillich (1886-1965).

Foram anos especiais para a formação social e também para a mudança de


critério na teologia de Barth. Durante a Primeira Grande Guerra, na reunião da
Terceira Internacional em Zimmerwald, na Suíça, um pequeno povoado perdido nas
montanhas, no cantão de Lucerna, estavam presentes Vladmir Ilich Lênin (1870-
1924), Karl Liebknecht (1871-1919), Rosa Luxemburg (1871-1919) e os amigos
Barth e Thurneysen, que ficaram por um dia e meio.109 A guinada de Barth aconteceu
quando ele reconheceu que, contrariamente ao que diz a exegese crítica, o tema da
Bíblia não é a religião e a moral religiosa. Ao contrário, o tema da Bíblia, seu
rochedo irremovível com o qual nos deparamos em primeiro lugar, é a divindade de

aparecido em dezembro de 1918. Não foi traduzida para o inglês. Barth reescreveu o texto totalmente
entre 1920-1921 e a segunda edição saiu em 1922 e foi esta edição que ganhou notoriedade. A
primeira edição para o inglês foi em 1933 da sexta edição alemã.
108
BARTH, Karl. A Humanidade de Deus. Em: Dádiva e Louvor; artigos selecionados. Tradução de
Walter O. Schlupp, Luís Marcos Sander e Walter Altmann. São Leopoldo: Sinodal, 1986, p.391.
109
Depoimento de Eduard Thurneysen a George Casalis, seu sogro. SANTA ANA, Júlio. Karl Barth e
o Socialismo. Em: Revista do Seminário Presbiteriano Independente de São Paulo. 1986. p. 24.
51

Deus.110 Mas agora, sua percepção leva-o à compreensão de que a divindade de Deus
não o distancia do homem. Deus é divino em sua essência, em autonomia e
singularidade. No entanto é um Deus que tem a iniciativa de ser parceiro do homem.
Ele chama essa nova leitura de “re-visão”. Mas uma revisão autêntica, que não é um
recuo mas um novo ponto de partida e uma nova ofensiva, no qual, o que foi dito
voltará a sê-lo, só que de uma forma mais apropriada e madura. Afirma que, aquele
que não caminhar dessa maneira para chegar a afirmação de que Deus é Deus, não
poderá entender o que se pretende dizer com um novo discurso acerca de sua
humanidade.

Nesta revisão afirma que sua teologia estava parcialmente correta. Suas mais
famosas afirmações, como o Totaliter Aliter, que irrompem verticalmente de cima
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para baixo e a não menos famosa diferença qualitativa infinita entre Deus e o ser
humano e a resposta da pessoa como “um salto no abismo”, na perspectiva de
Kierkegaard, foram afirmações fortes com uma boa intenção de marcar a
transcendência de Deus, porém, dito de modo um pouco desumano. Segundo
Balthazar,111 o erro dos primeiros anos da teologia de Barth é que este trabalhou
apenas com o conceito de diástase (disjunção) e apenas raramente com o conceito
complementar de analogia. Barth concorda com Balthazar, mas reconhece que o
defeito de sua teologia consistia em que estava errada justamente onde estava certa,
ou seja, o erro é que não se sabia ainda desenvolver com suficiente cuidado e
integridade a percepção da divindade de Deus. A afirmação de que Deus é tudo e o
ser humano, nada, era uma invenção teológica. Percebe também que esse conceito,
de absolutização e abstração de Deus, estava mais ligado à filosofia grega,
principalmente os platônicos, do que à divindade observada no Deus de Abraão,
Isaque e Jacó. Por outro lado, essa afirmação – a transcendência absoluta – era uma
forma de se combater a justificação da autonomia do ser humano pregada pelo

110
BARTH, Karl. loc. cit.
111
BARTH, K. Dádiva e Louvor. op. cit. p. 393. Baltazar, teólogo católico suíço foi um dos melhores
intérpretes de Karl Barth. Este o chamava de “meu perspicaz amigo da outra margem”.
BARTHAZAR, Hans Urs von. Karl Barth: Darstellung und Deutung seiner Theologie (Apresentação
e Interpretação de sua teologia). Hegner, Colônia e Olten, 1951. Utilizo a edição americana desta
obra: The Theology of Karl Barth: Exposition and Interpretation. Translated Edward T. Oakes. San
Francisco: Ignatius Press, 1992.
52

liberalismo. A preocupação de alguns – como Ragaz – era que houvesse uma nova
ênfase no humanismo e no secularismo. Barth reconhece, quarenta anos mais tarde,
que o medo de um novo humanismo era tão grande que se deixava escapar o fato de
que a divindade do Deus vivo só tem sentido no contexto de sua história e de seu
diálogo com o ser humano. Portanto, em seu estar junto com o homem.112 Dizer que
Deus é Deus não pode ser dito senão reconhecendo que Ele está ao lado do ser
humano. Sua divindade não é revelada no espaço vazio de um ser-para-si divino, mas
justamente no fato de existir, falar e agir como parceiro do ser humano. A divindade
de Deus, corretamente entendida, inclui sua humanidade.

Num mundo que sobreviveu a duas grandes guerras, um Deus transcendente e


distante não tem nada a dizer ao ser humano.113 Nesse contexto é possível perceber
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que não se pode excluir a humanidade de Deus de sua divindade, sendo Ele a
abertura para o amor, em sua capacidade de não estar só nas alturas mas também nas
profundezas, de não ser apenas para si mas também para o outro.

Uma divindade que não nos leva a encontrar a humanidade, seria uma falsa
divindade. Em Cristo essas falsas divindades foram ridicularizadas. Nele decidiu-se,
de uma vez por todas, que Deus não é sem o ser humano. Na humanidade de Cristo
se revela a humanidade de Deus. Por meio de Cristo, Deus participa do ser humano,
se engaja em seu favor. É diferente do Deus de Schleiermacher que não pode se
compadecer. Também Espinoza afirma que devemos amar a Deus mas não devemos
esperar que Ele nos ame.114 Porém, o Deus de Abraão se compadece. Jesus é o
espelho do coração paterno de Deus. A verdade de Deus é seu amor dirigido a todas

112
BARTH, Karl. Dádiva e Louvor. op. cit. p. 394.
113
Bonhoeffer, na cela da Gestapo, diz: “somente o Deus sofredor pode ajudar.” Cf. BONHOEFFER,
Dietrich. Resistência e Submissão; cartas e anotações escritas na prisão. Tradução de Nélio
Schneider. São Leopoldo: Sinodal, 2003. p. 488.
114
Espinosa afirma que ninguém pode odiar a Deus mas, por outro lado, “o que ama a Deus não pode
procurar fazer com que Deus o ame por sua vez. Deus está isento de paixões e não é afetado por
nenhuma afecção de alegria ou de tristeza. Deus só pode amar a si mesmo. Cf. ESPINOSA, B. Ética.
Tradução de Marilena Chauí et al. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (V-17), p. 286. (Os Pensadores).
RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. Tradução de Brenno Silveira. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1957. v.3, p.106-107.
53

as pessoas. Surgem assim algumas conseqüências dessa percepção da relação entre


Deus e o ser humano.

Em 1915, quando filiou-se ao Partido Social Democrático Suíço, o fez


baseado em sua decepção com os intelectuais alemães. Tal decisão deveu-se também
a sua prática pastoral. A experiência em Safenwill foi determinante para tomar esta
atitude. Aqui encontra-se o Barth de esquerda, o teólogo que abriu caminho para o
diálogo entre a teologia cristã e o pensamento socialista. Na pequena aldeia no
cantão da Suíça, Barth pregava e ajudava as operárias de algumas fábricas têxteis a
se organizarem para conseguir melhores condições de trabalho. Foi ali que ele, por
sua militância e participação na organização de um sindicato, passou a ser conhecido
como o pastor vermelho.115
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Durante aqueles anos, anteriores à Primeira Guerra Mundial, a doutrina


socialista vivia sua época romântica. Os textos de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich
Engels (1829-1895) dominavam o cenário mundial. Max Weber fazia estudos de
grande intensidade sobre a sociologia da religião, o capitalismo e a burocracia.
Durante a Grande Guerra, Barth teve oportunidade de conviver por dois dias com um
expressivo número de líderes socialistas do continente europeu. Na Terceira
Internacional conheceu Karl Liebweecht (1871-1919), advogado e presidente da
Juventude Socialista Internacional. Este votou contra a renovação dos créditos de
guerra o que lhe valeu a prisão. Em 15 de janeiro de 1919 foi assassinado juntamente
com Rosa Luxemburg (1871-1919), figura emblemática do socialismo alemão.116

A influência que a Social-Democracia exerceu sobre Barth deve-se às


resoluções adotadas nos congressos internacionais. Entretanto, no começo da
Primeira Grande Guerra, as lideranças socialistas, com raras exceções, traíram os
juramentos de paz adotados por décadas para se tornarem defensores da Pátria.

115
SANTA ANA, Júlio. Karl Barth e o Socialismo. op. cit. p. 23.
116
Rosa Luxemburg era polonesa de origem, nascida em Zamosc. Cresceu em Varsóvia e foi membro
do Partido Socialista Democrático Alemão, (SPD) e co-fundadora da Social- Democracia do Reino da
Polônia e Lituânia, SDKPiL. Cf. SCHÜTRUMPF, Jörn, org. Rosa Luxemburg ou o preço da
liberdade. Tradução de Isabel Maria Loureiro. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2006. p. 18.
54

Quando a guerra terminou, em 1918, a situação política e econômica era caótica em


todo o mundo. Havia levante de operários em toda a parte. Seguiam-se os passos da
revolução desencadeada na Rússia em 1917. Nesse contexto, a pessoa que foi
conversar com os patrões em nome dos operários, foi Karl Barth.

Em 1919, numa série de conferências, afirmou: “Jesus é o movimento


operário.”117 Barth ficou desanimado com o socialismo da Segunda Internacional
(1889-1914) porque os ideais foram traídos. Era para ser uma força pacífica, mas
seus líderes resolveram apoiar seus governos e então se dividiram. Isto foi
considerado uma traição ao movimento operário. Quando se realizou a Terceira
Internacional, em 1915, Barth estava presente ao lado de Thurneysen.
Acompanharam as críticas que Rosa Luxemburg fez contra Lênin (1870-1924), por
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causa do centralismo democrático deste. Porém, mais tarde o próprio Barth se


tornaria um crítico da Terceira Internacional. Ele se colocou a meio caminho entre a
Segunda e a Terceira.118

Barth critica a teologia de Schleiermacher, por negar o subjetivismo mas


critica também algumas posições clássicas do socialismo. Sua desilusão com a
Segunda Internacional foi grande. O proletariado entrou para o exército, na
Alemanha. Assim, a única força pacífica, que poderia parar a guerra, acabou
aderindo a ela.

Afirmar que Barth foi um teólogo socialista carece de algumas observações.


Ao lembrar o percurso do autor fica evidente sua opção pelo socialismo militante.
Desde 1915 tornou-se membro de um partido socialista. Conviveu com os mais
eminentes pensadores e líderes políticos do socialismo. Sua opção por um termo

117
SANTA ANA, Júlio. Karl Barth e o Socialismo. op. cit. p. 25. Santa Ana se utiliza do texto Reino
di Dio e Socialismo: la critica di Karl Barth, de Helmut Gollwitzer.
118
Surgiu um grupo suíço que se autodenominou “Segunda e Meia Internacional”. Era um grupo que
se posicionava entre as duas, um pouco mais à esquerda que a Segunda e menos à esquerda que a
Terceira. Em 1923 dedicou um livro a Helmut Lieb com a seguinte mensagem: “ao meu camarada e
irmão, Helmut Lieb, da Terceira Internacional, de Karl Barth, da Segunda e Meia Internacional.” Ap.
SANTA ANA, J. op.cit. p. 25.
55

médio entre a Segunda e a Terceira Internacional prova sua lucidez quanto a sua
atitude.

Em 1949 Barth publicou seu trabalho mais importante sobre o problema do


comunismo: A Igreja no Confronto Leste-Oeste.119 A conferência foi apresentada na
Catedral de Berna em 6 de fevereiro de 1949. Aqui ele analisa o conflito entre as
duas potências mundiais: Estados Unidos da América e União Soviética. Tornou-se
um crítico lúcido tanto do capitalismo quanto do comunismo.

Mas não foi um teórico do movimento. Pode ser visto mais como um pastor
que procurava respostas para os conflitos sociais de uma comunidade específica.
Após a Segunda Guerra Mundial, com o estabelecimento da Guerra Fria, entre
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Ocidente e Oriente, entre Leste e Oeste, recebeu várias críticas por não condenar o
comunismo como fizera com o nazismo. Em 1958 foi criticado por Brunner por não
se manifestar sobre a invasão da Hungria pelo exército soviético. 120

Mais tarde, recebeu uma carta de um pastor da República Democrática Alemã


(RDA) que faz algumas perguntas sobre a atitude a tomar diante de um governo que
não é simpático ao cristianismo. Nesse texto ele aproveita para responder de forma
sincera a inquietação do pastor Johhanes Hamel e também retornar ao problema
húngaro. O pastor não tenta escapar ao seu destino. Não quer fugir e se ocidentalizar.
Quer saber como pode se engajar e viver a fé cristã com coragem e determinação
num mundo não-cristão.121

119
BARTH, K. Dádiva e Louvor. op. cit. p. 335-350.
120
Brunner publicou um artigo com o título Wie soll man das verstehen? (como devemos
compreendê-lo?) no jornal Kirchenblatt für die reformierte Schweiz. A crítica a Barth é tendenciosa.
Ele se justifica dizendo que existe uma grande diferença entre nazismo e comunismo. Este, não
pretende ser cristão enquanto que o nazismo fez a tentativa de apresentar-se a si mesmo como uma
nova forma de salvação para o povo alemão, com um novo messias, um novo evangelho, uma
escatologia. Portanto, o combate ao nazismo foi a luta contra uma falsa proposta messiânica. Cf.
CORNU, Daniel. Karl Barth, Teólogo da Liberdade. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1971. p. 149.
121
Id. Ibid. BARTH, K. e HAMEL, Johannes. How to serve God in a Marxist Land. New York:
Association Press, 1959. p. 14 et. seq. p. 31.
56

A carta endereçada a Barth menciona o clima de hostilidade dentro da


República Democrática da Alemanha (RDA) frente ao Evangelho. São oito perguntas
que agora Barth decide por responder uma a uma levando em conta que as questões
são pertinentes e que o pastor assim as colocou, não porque tenha qualquer
animosidade contra ele, mas porque é um cristão em situação de crise.122

Antes de ler a Church Dogmatics a impressão que se tem é que é um texto


neutro. Esta é uma acusação que os críticos mais vorazes costumam fazer ao teólogo
da Basiléia. É um trocadilho com a própria situação da Suíça, sua pátria. Quando não
o acusam de neutralidade o atacam pelas mudanças constantes de seu pensamento.
Porém, pode-se entender isso como uma profunda honestidade de alguém que vai
caminhando e aprendendo e que tem a humildade de reconhecer os erros, se corrigir
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e avançar. Esse é o verdadeiro fazer teológico. A teologia precisa dessa liberdade e


honestidade.

Barth, ainda nos anos de 1950, é capaz de dizer que,

A justiça humana requerida por Deus e estabelecida em obediência, a justiça que, segundo
Amós (5,24) jorraria como poderoso rio, tem necessariamente caráter de reivindicação de
direito em favor do inocente, ameaçado, do pobre oprimido, da viúva, dos órfãos e dos
estrangeiros. Por esta razão, nas relações e eventos na vida do seu povo, Deus sempre se
coloca incondicional e apaixonadamente deste lado e deste lado apenas: contra os soberbos e
ao lado dos humildes; contra os que já gozam do direito e do privilégio, ao lado dos que são
excluídos desses bens e renegados. Que significa tudo isso? Essas coisas não podem ser
entendidas pelo estudo abstrato da tendência política, especialmente do caráter forense do
Antigo Testamento e da mensagem bíblica em geral. Não podemos ouvir essa mensagem
nem crer nela sem o sentimento de responsabilidade em relação à orientação indicada.123

A citação bem que poderia fazer parte de qualquer obra de Teologia da


Libertação produzida décadas depois. Nesse trecho não surge a palavra
“socialismo”, mas a tendência é muito clara: estar ao lado do humilde, posicionar-se
frente aos poderosos, o que é uma posição que corresponde aos pressupostos do
socialismo. É o mesmo Barth de 1915 que continua a dizer, por meio de sua obra
monumental, que seu trabalho consiste exatamente em denunciar todas as formas de

122
CORNU, Daniel. op. cit. p. 175-176.
123
CD. II/1. p. 386.
57

injustiças e produzir um discurso profético que se ajuste a esse combate. Se isso é ser
socialista, ele o era.

2.5.
Teologia Dialética

A Teologia de Barth, após a ruptura passou a chamar-se Teologia Dialética.


Um nome que surgiu a partir de um artigo de Friedrich Gogarten (1887-1967) em
que este dizia que apresentava Deus como crise absoluta para todo homem. No artigo
Gogarten rompeu definitivamente com a teologia liberal e afirmou:

O destino de nossa geração é o de encontrar-se entre os tempos. Jamais chegaremos a


pertencer ao tempo que hoje chega ao fim. Será que algum dia pertenceremos ao tempo que
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virá? Encontramo-nos no meio. Num espaço vazio. O espaço tornou-se livre para a pergunta
a respeito de Deus. Os tempos separaram-se um do outro e agora o tempo está em silêncio.
Um instante? Uma eternidade? Não devemos necessariamente agora poder ouvir a palavra de
Deus? Não devemos necessariamente agora poder ver sua mão no momento em que opera?
Em primeiro lugar, aqui deve ser tomada a decisão. 124

Essa nova orientação foi chamada de teologia dialética e o nome ficou. Sua
principal característica consiste em enfatizar a transcendência de Deus em relação ao
mundo e a soberania da sua revelação. A Revelação tem estrutura dialética na
medida em que mantém unidos elementos que se excluem reciprocamente: Deus e
homem, eternidade e tempo, revelação e história. A isto se segue que os enunciados
teológicos devem também observar uma metodologia dialética, exprimir posição e
negação, o sim e o não, corrigindo o sim mediante o não e o não mediante o sim.
Então a teologia dialética não é conciliadora como a teologia liberal que tentava
harmonizar Deus e o Homem, Fé e Cultura e sim uma teologia que procede por
contraposições dialéticas. É uma teologia que nasce de um tempo de crise, que tanto
pode estar relacionada com a crise daqueles tempos mas acima de tudo, crise porque

124
Cf. o texto de Gogarten em GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Século XX. Tradução de João
Paixão Netto. São Paulo: Loyola, 1998. p. 23. Entre 1923 e 1933 KB editou, junto com os amigos F.
Gogarten, Thurneysen e G. Merz a revista Zwischen den Zeiten (Entre os Tempos), que se tornou o
ponto de união da Teologia Dialética. Alguns dos artigos de KB foram relançados na coletânea Das
Wort Gottes und die Theologie (A Palavra de Deus e a Palavra do Homem). Cf. nota 103.
58

concebe Deus como juízo, como crise de todo o humano. Isto conduz ao paradoxo
que evidencia a infinita diferença qualitativa entre Deus e o homem.125

O movimento da Palavra é descendente: vem de Deus e se dirige ao ser


humano. A teologia de Barth é uma teologia do alto. Toda iniciativa parte de Deus. A
pesquisa histórica jamais chegaria à verdade sobre Deus. Cabe ao ser humano ouvir a
Palavra; não encontrá-la mas, ser encontrado por ela.

Com este forte acento crítico sobre a teologia do século XIX, Barth fez duras
críticas à teologia liberal com seus pressupostos assentados sobre uma base
racionalista. Abandonou aos poucos sua ênfase no idealismo platônico da primeira
edição do Der Römerbrief em busca do dualismo dialético kierkegaardiano da
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segunda edição.126 Enquanto que o período liberal foi marcado pelo socialismo
religioso e a preocupação com o indivíduo na sociedade, com os direitos humanos
ainda que, numa perspectiva romântica, o segundo estágio é marcado pela crise
radical. A distinção qualitativa precisa ser estabelecida. O caráter da nova abordagem
barthiana consiste em apresentar Deus como o Totaliter Aliter que limita e determina
todo o auto-entendimento da pessoa humana. Esse Deus Absconditus127 não pode ser
conhecido por nenhum caminho que vá do ser humano a Deus, seja pela via da
experiência religiosa (Schleiermacher), da história (Troeltsch)128 nem pela via

125
Tillich afirma que a teologia de Barth nunca foi uma teologia dialética. Considera o termo
inadequado quando usado para definir um estágio no pensamento de Barth. A dialética, afirma, supõe
um progresso interno que vai de um estado a outro impulsionado por dinâmica própria. Id.
Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX. op. cit. p. 223.
126
Barth afirma no prefácio à segunda edição que algumas considerações podem ser feitas quanto às
mudanças: 1) ele continua com o interesse acentuado no estudo de Paulo; 2) Destaca a influência de
Overbeck, professor de teologia crítica na Universidade de Basiléia de 1872 a 1897. Segundo
Overbeck, toda teologia cristã, desde a Patrística é não cristã e satânica pois coloca o cristianismo
dentro da esfera da civilização e da cultura e desta maneira nega o caráter essencialmente escatológico
da religião cristã. 3) reconhece a importância de Platão e Kant. BARTH, K. The Epistle to the
Romans. op. cit. p. 3.
127
Conceito extraído de Rudolf Otto. Barth tira-o de um contexto fenomenológico para o teológico. O
qualitativamente diferente é o mysterium, aquilo cujo sentido não se esgota. O que é misterioso,
segundo Otto, é incompreensível e inconcebível, não porque o conhecimento sobre ele é limitado mas
porque os meus limites se chocam com alguma coisa qualitativamente diferente. Cf. OTTO, R. op. cit.
p. 31.
128
Ernst Troeltsch morreu prematuramente em 1923 aos 58 anos de idade. Na oração fúnebre Harnack
o definiu como “o maior filósofo da história surgido na Alemanha depois de Hegel. Num artigo
publicado em 1894 ele expressa a convicção que “a partida decisiva não é jogada no interior dos
59

metafísica. O único caminho praticável vai de Deus ao ser humano e se chama Jesus
Cristo. Esse caminho é do alto para baixo. Deus se apresenta ao ser humano e
propicia o encontro. Este, dá-se numa situação de crise. Deus pronuncia sobre a
pessoa seu julgamento. O juízo se dá na medida em que Deus suprime dialeticamente
o indivíduo: é julgando-o que Ele nos concede o perdão. No não da sua ira ouvimos
o sim de sua misericórdia.129

Essa negação crítica estabelece a distância, uma “linha de morte” que separa
Deus e a pessoa humana, tempo e eternidade e fixa a diferença qualitativa infinita.
Assim, nenhum discurso teológico, nenhum exame crítico racional, nem pesquisa
científica pode conter e revelar o ser de Deus – “um Deus compreendido não é um
Deus”, (Tersteegen).130 Sua dialética assume os traços típicos do hegelianismo que se
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caracteriza pelo perene movimento entre “não” e “sim” por parte daquele que
procura compreender a revelação de Deus. Ele afirma que ao teólogo, não resta senão
colocar o positivo diante do negativo e tentar explicar o não com o sim e o sim com o
não sem nunca se deter num desses momentos. É preciso salientar que ao falar do
pecado, devemos sempre indicar que não teríamos conhecimento desse pecado se ele
não nos fosse perdoado.131

Nesse percurso, em busca da linguagem adequada para se tentar falar sobre


Deus, Barth distingue três caminhos e todos eles sinalizam para a impossibilidade de
alcançar o objetivo: o caminho do dogmatismo, do criticismo e da dialética.132
Desses, o mais apropriado é o dialético. É o caminho de Paulo e dos reformadores e,
de longe, o melhor porque procura “séria e positivamente desenvolver a idéia de

muros da teologia e sim no vasto campo do pensamento histórico universal. Cf. GIBELLINI, R. op.
cit. p. 17.
129
BOUILLARD, Henri. Lógica da Fé. Tradução de Flávio Vespasiano di Giorgio. São Paulo:
Herder, 1968. p. 64.
130
Cf. Rudolf Otto, op. cit. p. 29. Gerhard Tersteegen (1697-1769), místico pietista.
131
A pergunta de Barth é a seguinte: podemos falar de Deus? Sua resposta é: somos humanos e por
isso não podemos falar de Deus. Falar de Deus seriamente significaria falar no domínio da revelação e
da fé. Falar de Deus seria falar da Palavra de Deus, a palavra que pode vir somente dele, a Palavra de
Deus torna-se homem. Podemos dizer estas três palavras mas isto não é falar a Palavra de Deus, a
verdade para a qual estas palavras são uma expressão. BARTH, K. A Palavra de Deus e a Tarefa do
Ministério. Em: A Palavra de Deus e a Palavra do Homem. op. cit. p. 153.
132
Ibid. p. 154.
60

Deus por um lado e a crítica do homem e de todas coisas humanas por outro.”133
Nessa conferência – A Palavra de Deus e a Tarefa do Ministério – ele conclui:

eu toquei algumas vezes sobre o objeto real de minha apresentação, embora jamais o nomeei
explicitamente. Todo o círculo do pensamento sobre o único ponto que no Novo Testamento
é chamado Jesus Cristo. Quem quer que diga “Jesus Cristo” não necessita dizer “pode ser”.
Ele pode dizer “É”. Mas qual de nós é capaz, por si mesmo, de dizer “Jesus Cristo”? Talvez
possamos encontrar satisfação na evidência de que as primeiras testemunhas disseram Jesus
Cristo. Nesse caso nossa tarefa seria crer no testemunho deles quanto à promessa e assim
sermos testemunhas de seu testemunho, ministros das Escrituras. [...] Deveria a teologia,
passar além dos prolegômenos à cristologia? Pode ser que tudo seja dito nos
prolegômenos.134

2.6.
Analogia Fidei
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A partir dos anos de 1930 dá-se o afastamento de Barth do movimento


dialético. Abandonou o projeto Christliche Dogmatik (1927), de cunho
existencialista e buscou uma postura mais conservadora e revelacional. Esta nova
fase vai conduzi-lo à produção da Kirchliche Dogmatik (1932) obra que, ainda que
inacabada, o transformaria no mais influente teólogo do século XX e um dos maiores
da história da Igreja. Barth abandonou o projeto de 1927 por se conscientizar da
impropriedade do método empregado até então.135 Não se pode dizer que Barth tenha
abandonado completamente as categorias do método dialético. De fato ele minimiza
sua influência sobre a teologia que desenvolve a partir de 1930. Considera que
poderá expressar mais adequadamente sua teologia por meio da analogia da fé
(analogia fidei). A linguagem analógica busca estabelecer comparação entre Deus e
o homem.136 A analogia entis parte do pressuposto que se pode falar de Deus, de sua

133
Ibid. p. 158.
134
A conferência foi apresentada no encontro de “Amigos do Mundo Cristão” (Freunde der
Christlichen Welt), em Elgersburg, outubro de 1922. Ibid. p. 166.
135
Ricardo Quadros Gouvêa faz uma ótima apreciação da mudança de Barth em seu prefácio – Fé
apaixonada pelo entendimento - a Fides Quaerens Intellectum. Cf. BARTH, K. Fé em Busca de
Compreensão. [s.t] São Paulo: Novo Século, 2000. (Apresentação).
136
A teologia analógica é companheira da teologia negativa, ou seja, não pode nos dizer o que Deus é,
mas somente o que Ele não é. É apofática e tem duas raízes: a crítica filosófica do falar
antropomórfico de Deus que tem seu início nos pré-socráticos gregos e a proibição vetero-
testamentária da confecção de imagens. MOLTMANN, Jurgen. Experiências da Reflexão Teológica;
61

natureza e de seus atributos partindo do ser de suas criaturas.137 Barth rejeita esta
possibilidade dada a infinita diferença qualitativa entre Deus e o homem. Afirma que
a doutrina da cognoscibilidade de Deus por meio da criatura encontra sua expressão
clássica e sua mais aguda distinção na teologia formulada no Concílio Vaticano I
(1870).138 Em contraste a isso afirma que “Deus só pode ser conhecido por meio de
sua Revelação”.139

A analogia é um instrumento destinado a fazer com que o discurso religioso


alcance seu objetivo – falar de Deus. Barth trata dessa questão em sua dogmática
quando afirma:

Que tencionamos dizer quando usamos a mesma palavra para a criatura, por um lado, e para
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a revelação de Deus e para o próprio Deus, por outro? Sabemos o que significa ‘ser’,
‘espírito’, ‘soberania’, ‘criação’, ‘redenção’, ‘justiça’, ‘sabedoria’, ‘bondade’, etc., quando
usamos estes termos para descrever a criatura. Sabemos, ou julgamos saber, quando, na
esfera da criatura dizemos ‘olho’, ‘ouvido’, ‘boca’, ‘braço’, ‘mão’, ‘amor’, ‘ira’, ‘graça’,
‘paciência’ e coisas semelhantes. Mas quando atribuímos tais palavras a Deus, têm todas o
mesmo significado? Obviamente não podemos afirmar isto nem a verdade do nosso conhecer
pode ser procurada numa semelhança deste tipo, entre o nosso conhecer e aquele que é
conhecido. Uma semelhança dessa espécie significaria ou que Deus cessou de ser Deus e
tornou-se simples criatura ou que o homem se tornou Deus.140

Mondin estabeleceu quatro diferentes tipos de analogia e aborda cada uma


por meio da análise semântica, epistemológica, ontológica e teológica.141 A pergunta

caminhos e formas da teologia cristã. Tradução de Nélio Schneider. São Leopoldo: Editora Unisinos,
2004. p. 144.
137
MONDIN, Battista. A Linguagem Teológica; Como falar de Deus hoje? Tradução de José
Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulinas, 1979. p. 57.
138
CD. II/1, p. 79. Barth cita a Constitutio Dogmatica de Fide Catholica do Concilio Vaticano I – De
Revelatione – 24 de abril de 1870.
139
CD. II/1. Id. Ibid.
140
CD. II/1, p.224-5.
141
Mondin mostra que a analogia de predicação enumeradas por Tomás de Aquino podem ser
reduzidas a quatro. Analogia de atribuição intrínseca, analogia de atribuição extrínseca, analogia de
proporcionalidade própria e analogia de proporcionalidade metafórica. Na primeira o fator decisivo é
que um termo é predicado de muitos sujeitos graças a um nexo causal que os mantém todos juntos. O
sentido designado pelo termo pertence própria e intrisecamente a cada um dos analogados. No
segunda o sentido pertence só ao analogado principal. Por exemplo, o termo sadio, em relação a um
menino, a um alimento, ao clima etc., é um caso de atribuição extrínseca porque o termo sadio está
presente só no menino e é predicado nos outros sujeitos pela relação com o menino. A atribuição
intrínseca, ao contrário, a predicação bom, em relação a Deus, ao artista, ao pão, é intrínseco porque
Deus é visto como fonte suprema de toda a bondade e esta propriedade é atribuída a outros sujeitos
graças ao nexo que têm com Ele e ao mesmo tempo quando designar uma propriedade que lhe
pertence também definitivamente. Na analogia de proporcionalidade própria o termo “Deus é forte”,
62

que se levanta é esta: qual o tipo de analogia que satisfaz à experiência da linguagem
teológica. Autores medievais pensavam que a melhor seria a analogia da
proporcionalidade metafórica porque as expressões que usamos para falar de Deus
não significam nada de intrínseco à sua natureza mas só um comportamento de Deus
que apresenta alguma semelhança com nossos modos de agir. Barth, ao contrário,
afirma que a única analogia que satisfaz plenamente às exigências da linguagem é a
analogia da atribuição extrínseca porque é a única capaz de salvaguardar a infinita
diferença qualitativa que separa Deus das criaturas e ao mesmo tempo salienta a
absoluta dependência das criaturas em relação a Deus.142

O afastamento de Barth desta tendência foi lenta e gradual. Ele percebeu que
o método dialético não era capaz de preencher e expressar os anseios da teologia, ou
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seja, falar sobre Deus adequadamente. Além do mais, a infinita distância qualitativa
entre Deus e o homem torna a encarnação impossível.143 Isto resultou em um novo
programa e o conseqüente afastamento de outros teólogos dialéticos.144 Sua luta
inicial foi contra o subjetivismo, imanentismo e antropomorfismo da teologia
protestante da época, especialmente o liberalismo e o pietismo.

“Napoleão é forte”, “o leopardo é forte”, tem, no termo ‘forte’, uma proposição efetiva presente em
três sujeitos de que é predicado. Mas é possuído nos dois últimos segundo a diversa capacidade de
Deus, de Napoleão e de leopardo. Mas não há um nexo causal. Na proporcionalidade metafórica o
termo é predicado de um só sujeito mas é usado por outros sujeitos por uma certa semelhança. Por
exemplo: aquele animal é uma raposa. “Herodes é uma raposa”, “o senhor X é uma raposa” é
predicado próprio no primeiro caso e metafórico nos demais. Cf. MONDIN, B. O Método da
Analogia. Em. A Linguagem... op. cit. p. 172-173. Os tipos de predicação são três: unívoco, equívoco
e análogo.
142
Ibid. p. 192.
143
Leituras caricaturais de Karl Barth colocam-no numa posição de um novo heresiarca. Normalmente
tem sido chamado pelos teólogos mais conservadores como agnóstico, dada sua afirmação da
impossibilidade de se falar de Deus. SCHAEFFER, Francis. Neo-Modernismo ou Cristianismo.
Tradução. Paul-André Dubois. São Paulo: Ação Bíblica do Brasil, [s.d], p. 11. Sabiamente Hans Ur
von Balthazar percebe que o período dialético pode conter uma espécie de panteísmo filosófico não-
bíblico. Contudo ele faz a distinção entre o panteísmo – todas as coisas são Deus, panenteísmo - Deus
em todas as coisas e teopanismo, a unidade entre Deus e o Mundo numa proposta de relação. Deus e o
universo antes e depois da criação são considerados uma unidade. Cf. PALAKEEL, J. op. cit. p. 17.
BALTHAZAR, Hans Urs von. The Theology of Karl Barth. op. cit. p. 84.
144
O movimento, iniciado após a Primeira Guerra Mundial, foi representado em sua frente por Karl
Barth, Eduard Thurneysen, Friedrich Gogarten, Emil Brunner e Rudolf Bultmann. Em 1921-1922
Gogarten publicava A Decisão Religiosa; Brunner, Experiência, Conhecimento e Fé; Thurneysen,
Dostoievski; Barth, a segunda edição de seu Der Römerbrief.
63

Foi nesse período que aprofundou seus estudos sobre os Pais da Igreja,
escolasticismo e catolicismo, Lutero e Calvino. Principalmente os escritos de Lutero
o levaram à convicção de que Deus tem realmente nos falado a palavra decisiva na
encarnação de seu Filho. Esta conclusão mostrou que a dialética já não servia mais
aos seus pressupostos. Sua preocupação voltou-se para o dogma com uma erudita
reflexão sobre a palavra de Deus, falada por Deus na Revelação e entregue pela
Escritura e pregação.

Em 1930 Barth apresentou um seminário sobre o método teológico de


Anselmo.145 Ele percebeu que, em Anselmo, fé é defendida como conhecimento e
afirmação da Palavra de Cristo. Isto inauguraria sua terceira fase.146 A obra de
Anselmo foi fundamental para este novo início e é crucial para a compreensão do
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pensamento de Barth.

145
Fides Quaerens Intellectum; Anselms Beweis der Existenz Gottes, (im Zusammenhang seines
Theologischen Programms, Munchen, 1931). HARTWELL, Herbert. op. cit. p. 42-48; BARTH, K. Fé
em Busca de Compreensão. Op. cit.
146
Ricardo Quadros Gouvêa, na apresentação do livro Fé em Busca de Compreensão, apresenta três
fases com as seguintes datas, para as mudanças de rumo na teologia de Karl Barth: Primeiro a fase
liberal-socialista (1904-1914); a segunda, a dialética-existencialista, (1917-1927); a terceira fase, a
analogia fidei, começa com a publicação do Fides Quaerens Intellectum. Mas o interesse por
Anselmo já havia começado desde suas aulas em Münster, entre 1925-1930, quando publicou a
Dogmática Cristã e ofereceu um curso – Cur Deus Homo – Por que Deus se tornou homem?, no qual
o escolástico procura compreender a doutrina da expiação por meio de um raciocínio lógico conhecido
na teologia como “teoria da satisfação”, que é o próprio plano de salvação. Trata-se da satisfação
forense, ou seja, a pessoa humana não tem como pagar a dívida. Deus se torna ser humano a fim de
que a satisfação necessária seja oferecida a Si mesmo. Cf. SANTO ANSELMO. Por que Deus se Fez
Homem? Tradução de Daniel Costa. São Paulo: Novo Século, 2003.
3.
Teologia e Revelação

A teologia de Karl Barth se caracteriza por seu aspecto prático. Sua


preocupação era tornar a teologia a atmosfera na qual a Igreja respira e vive. Ela é
uma disciplina prática por meio da qual a Igreja vive sua experiência de servir ao seu
Senhor. Não é sem razão que Hans Küng1 (1928-) afirma que não se pode falar de
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Barth como de qualquer outro teólogo-filósofo clássico, como Hegel, Schleiermacher,


Kierkegaard ou Harnack. Isto porque Barth não deixou simplesmente um legado
acadêmico; ele contribuiu para transformar a teologia numa base de sustentação para
a Igreja ao mesmo tempo em que cabe a ela estabelecer o caminho sólido para o
avanço da compreensão da Revelação.

3.1.
Três formas de Revelação

Como já visto no capítulo anterior,2 foi sua experiência pastoral que o


conduziu à reflexão sobre a fé. Isto mostrou-lhe o abismo entre o que havia estudado
e o que enfrentava diariamente em seu trabalho pastoral. As pessoas simples de sua
comunidade buscavam a palavra do sermão como quem busca pão para saciar a fome.
Diante da crise existencial, de nada valia a sabedoria erudita dos grandes teólogos e

1
KÜNG, Hans. Karl Barth and the Posmodern Paradigma. Em: The Princeton Seminary Bulletin.
Princeton. IX:1, 1988. p. 8-31. Küng é um dos principais teólogos da atualidade. Tornou-se um expert
em Karl Barth ao defender sua dissertação de doutorado sobre a Doutrina da Justificação em Karl
Barth. Ao ser perguntado porque escolheu Barth respondeu que se sentiu fascinado por sua teologia
que lembra Aquino, embora a influência decisiva em Barth tenha sido Calvino e Schleiermacher.
KÜNG. Hans. Justification: The Doctrine of Karl Barth and a Catholic Reflection. Translated Thomas
Collins, Edmund E. Tolk and David Granskou. Louisville: Westminster John Knox Press, 2004;
KÜNG. Hans. My Struggle for Freedom: Memoirs. Tradução de John Bowden. Grand Rapids: William
B. Eerdmans Publishing Company, 2003.
2
Cf. Infra p. 43 et. seq.
65

filósofos que trabalham sobre a história e a fé.3 Seu pastorado em Safenwill levou-o a
considerar a necessidade de um anúncio do Evangelho que fosse atual e
correspondesse aos problemas colocados pela industrialização, pela socialização, pela
luta de classes, pela guerra4. Quando o conflito mundial começou, em 1914, Barth
não se escondeu atrás da neutralidade suíça. Compreendeu que, mais que nunca,
diante do caos, da incerteza quanto ao futuro, da carência de sentido para a vida, a
pregação só se justifica se estiver em condições de oferecer respostas adiante das
dramáticas interrogações espirituais.

Este ambiente contribuiu para o papel inovador que a teologia desempenha na


reflexão barthiana. Aprendeu, como Tillich diria mais tarde, que para fazer teologia
eclesiástica é preciso levar a sério a situação5 de cada ouvinte. É aqui que surgem
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duas profundas características da teologia barthiana. Primeiro, ela possui uma


profunda inspiração bíblica. Segundo, abre-se de forma ilimitada para todos os
problemas do ser humano moderno.6 A própria Igreja, como comunidade peregrina,
situa-se num plano de provisoriedade, tendo a mensagem que ela entrega um caráter
de urgência porque anuncia uma meta a se atingir. O termo provisório – vorläufig -
diz que elas, Igreja e mensagem, ainda não alcançaram o seu fim. Precedem algo do
qual são os sinais anunciadores. Anunciam Aquele que faz a ligação entre a situação
histórica e a eternidade.7 A grandeza de Barth, ainda segundo Tillich, consiste no fato
de sempre de novo se corrigir à luz da “situação”. Ele tenazmente tenta não se tornar
um seguidor de si mesmo.8

3
MONDIN, Battista. Os grandes Teólogos do Século XX. op. cit. p. 37.
4
Id. Ibid.
5
O termo “situação” tem em Tillich um sentido fundamental. Só se faz teologia a partir da situação.
Ou seja, toda teologia é uma reflexão sobre a história. Ao usar o método de correlação, Tillich tenta
unir mensagem e situação; tenta correlacionar as perguntas implícitas na situação com as respostas
implícitas na mensagem. Ele relaciona perguntas e respostas, situação e mensagem, existência humana
e manifestação divina. Cf. TILLICH. Paul. Teologia Sistemática. Tradução de Getúlio Bertelli. São
Paulo: Paulinas; São Leopoldo: Sinodal, 1984. p. 17.
6
MONDIN, Battista. Os Grandes... op. cit. p. 38.
7
BARTH, K. A proclamação do Evangelho. op. cit. p. 36.
8
Tillich afirma que a teologia se move entre dois pólos: a verdade eterna de seu fundamento e a
situação temporal na qual a mensagem eterna deve ser recebida. Ele reconhece que não foram muitos
os sistemas teológicos que conseguiram se equilibrar e atender a essas duas exigências. A maioria
deles ou sacrificam elementos da verdade ou não é capaz de falar da situação. Barth se salva, pelo seu
66

3.1.1.
Escritura como Revelação

A base a partir da qual os cristãos podem falar é a Bíblia. Esta afirmação ele já
ouvira de Schllatter. Ele não queria simplesmente quebrar a tradição da teologia
liberal que, com seu subjetivismo pouco se preocupava com o que acontece na
história. Barth tenta compreender o que aconteceu na história a partir da Bíblia.9 É
justamente por esta sua ênfase no retorno à Escritura que é chamado de neo-ortodoxo.
Isto não significa, como aponta Gabriel Vahanian,10 que seu propósito seja o de
apontar acertos e erros de Calvino. O que ele deseja é revelar, por meio do ensino dos
reformadores, a verdade exposta na Pessoa, palavra e Obra de Jesus Cristo. Esta
realidade viva do Evento-Cristo nem Calvino nem Barth pretendem encarcerar num
sistema teológico.11
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Não se pode falar de Barth como um teólogo que escreve para a posteridade.
Ele expõe a Palavra viva para hoje. Somente desta maneira é que ele pode dizer a
seus contemporâneos aquilo que tem relevância dentro de seu tempo para eles
próprios e para seus filhos.

A Escritura é a Palavra de Deus escrita. Não é palavra no sentido pretendido


pelos fundamentalistas. No sentido histórico ela é um monumento – monumentum -
ou seja, fala sobre alguma coisa do passado e por isso nos faz conhecer pedaços da

dinamismo e pela capacidade para se corrigir sempre. Cf. TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. op.
cit. p. 14.
9
Lutero ensinava que o teólogo precisa distinguir entre lei e evangelho. Queria dizer que, assim como
as duas naturezas de Cristo, a lei e o evangelho tinham que ser diferenciados mas não separados
(nestorianismo) ou confundidos (monofisismo). Barth invertia essa equação pois colocava sempre o
evangelho antes da lei. Primeiro falava de Cristo para depois, analisar a situação vivida pelo homem
hoje em dia. Cf. TILLICH, P. Perspectivas… op. cit. p. 23.
10
BARTH, Karl. The Faith of the Church; a commentary on the Apostle’a Creed According to
Calvin’s Cathecism. Tradução e apresentação de Gabriel Vahanian. London/Glasgow: Collins, 1958.
p. 7-18.
11
BARTH. Karl. The Faith of the Church. op. cit. p. 8.
67

história da piedade humana.12 Para o leitor e o pregador de hoje é um documento que


tem sentido para os dias atuais.13

Barth afirma que a Escritura é parte da Revelação. Não é a Revelação e é aqui


que se dá o choque com os cristãos reformados conservadores. Estes, em sua forma
mais ilustrada, reconheceram o valor da teologia de Barth mas não concordaram
efetivamente com suas afirmações.14 Ao considerar a Escritura como um testemunho
da Revelação, afirma que é um testemunho escrito que não coincide com a Revelação
em si. Ela atesta a Revelação mas tem em si mesmo um limite. Este, transparece no
fato dela ser uma palavra humana acerca da Revelação. A construção do argumento é
humano. Por isso o tema da dogmática é o problema da palavra de Deus na
proclamação da Igreja Cristã ser confundida com a Escritura,15 ou seja,
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concretamente é o problema da concordância dessa proclamação com a Escritura


como Palavra de Deus. Barth responde a esta questão afirmando que a Palavra de
Deus precede tanto a Escritura como a Proclamação. A diferença estabelecida entre
testemunho bíblico e revelação é considerada contrária ao ensino da própria
Escritura16 sendo contrária também às confissões de fé reformadas.

O problema consiste no fato de Barth não reconhecer a possibilidade do


Evento-Palavra estar circunscrita ao texto. No entanto ele não nega o valor da

12
BARTH, K. A Proclamação do Evangelho. op. cit. p. 54.
13
Nesse sentido a Escritura deve ser abordada como um texto homilético cuja mensagem recebe uma
forma. Mas acima de tudo deve ser trabalhada exegeticamente. O termo εξηγησισ /exegesis tanto
pode significar apresentação, descrição ou narração, como explicação e interpretação. Literalmente a
palavra exegese significa trazer para fora. Pode-se dizer também que é a verificação do sentido do
texto bíblico dentro de seu contexto histórico e literário. Ela faz a interpretação propriamente dita da
Escritura ao passo que a hermenêutica consiste nos princípios pelos quais se verifica o sentido. Cf.
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: Manual de Metodologia. 2. ed. São Leopoldo:
Sinodal; São Paulo: Paulinas, 2001. p.11.
14
Para as igrejas reformadas a Escritura é a palavra de Deus e não meramente o testemunho da
Revelação. Barth vê a Palavra de Deus como evento e desta forma o texto escrito não pode contê-la.
No máximo pode tentar articular um discurso sobre ela.
15
CD. I/2. p. 457.
16
COURTHAL, Pierre. O Conceito Barthiano das Escrituras. Tradução de Waldyr Carvalho Luz. São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana, [s.d]. p. 8.
68

Revelação na Escritura. Ela atesta o senhorio do Deus Triúno na Palavra Encarnada


pelo Espírito Santo.17

3.1.2.
Pregação como Revelação

Barth distingue Palavra de Deus e Escritura.18 Já se percebeu o papel da


palavra enquanto Escritura. Quanto à pregação, precisa ser distinta da palavra daquele
que fala em nome de Deus. Este aspecto – proclamação como Revelação – é um dos
pontos mais controvertidos da teologia barthiana. O problema reside na dificuldade
em estabelecer a diferença entre palavra de Deus e palavra humana. O autor da
Church Dogmatics afirma que a tarefa da teologia em geral e da dogmática em
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particular é tentar responder de que maneira a palavra pregada na Igreja é também


palavra de Deus e se é, o que ela apresenta.19 Ele se propõe a esclarecer esta questão
iniciando pelo fato de ter estabelecido que a Palavra de Deus foi dada, uma vez por
todas em Cristo, através do Espírito Santo, não de forma distante mas muito próximo
à Igreja pelo testemunho de profetas e apóstolos.20 Assim como na Escritura a
palavra é Palavra de Deus em sentido pleno, o mesmo pode ser dito do testemunho de
profetas a apóstolos ao serem comparados com o testemunho do Filho de Deus em si
mesmo.21 No entanto, há diferença entre o Senhor e seus seguidores. Esses são
testemunhas humanas daquilo que Deus está dizendo por seu intermédio. Por meio
dos discípulos a Palavra de Deus tem sido apresentada embora esta comunicação não
deva ser confundida com a Palavra em si. A Palavra é anunciada indiretamente por
meio da autoridade que o Senhor confere a seus seguidores desde os apóstolos e
profetas.

17
Id. Ibid.
18
A Bíblia é Cristo existindo como Escritura. Ele encontrou a fundamentação da autoridade da
Escritura no “Deus Dixit”. Pode-se afirmar que a Escritura é Palavra de Deus e que a Palavra de Deus
é Deus mesmo. Moltmann afirma que foi principalmente KB quem defendeu essa visão simultânea do
Deus soberano e da Escritura Sagrada. Cf. MOLTMANN, J. Experiências da Reflexão Teológica;
caminhos e formas da teologia cristã. Tradução Nélio Schneider. São Leopoldo: Unisinos, 2004. p.
122.
19
CD. I/2. p. 743.
20
CD. I/1. p. 744.
21
CD. Id. Ibid.
69

Esta palavra humana é o critério para a dogmática, o que não poderia


acontecer caso fosse confundida com a Palavra de Deus em si. É critério porque é
palavra humana ouvida em fé.22 A tarefa da dogmática torna-se necessária na Igreja
para que a proclamação alcance o objetivo de falar da parte de Deus e ao mesmo
tempo tenta livrar a Igreja de erros doutrinários. A dogmática formulada por Barth
procura confrontar duas questões: o catolicismo e o liberalismo protestante.23

A Escritura é parte da proclamação do Evangelho. Só que é a proclamação


escrita em palavras humanas. A Palavra de Deus precisa acontecer, sempre. A palavra
escrita chama para a discussão. É aqui o campo da teologia. A palavra proclamada
contém a palavra escrita porque está é parte da proclamação. Em algum momento
esta palavra, quando proferida pelos profetas e apóstolos, foram eventos
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comunicando a Revelação.

A pregação funciona como uma memória da Revelação, primeiro promulgada


no cânon bíblico e fazendo parte da revelação como um todo. A proclamação
escriturística tem um caráter de apostolicidade. Por isso a pregação deve seguir esse
caráter em sua fidelidade ao ensino daqueles que primeiro testemunharam acerca dos
eventos por eles experimentados. Barth esclarece que, no seio da Igreja, determinadas
pessoas são convocadas para o ministério profético da pregação do Evangelho.24

22
CD. I/1. p. 51 et. seq.
23
A posição de Barth relativa à Igreja Católica Romana mudou completamente no final dos anos de
1950 até levá-lo a uma atitude mais conciliadora no período das conquistas do Concílio Vaticano II
(1959-1965). BROMILEY. op. cit. p.3-4.
24
O grego se utiliza de duas palavras para remeter à proclamação do evangelho,
ευαγγελιζοµαι e κηρυκον. Esta última palavra tem um sentido todo especial para falar daqueles que
são vocacionados para o ministério da comunicação do Evangelho. “Κηρυξον τον λογον − prega a
Palavra – é o termo usado pelo autor da Segunda Carta a Timóteo (4,2). Felipe também recebe a
mesma palavra ao ser enviado a Samaria, Φιλιπποs δε κατελθων ειs πολιν τηs
Σαµαρειαs εκηρυσσεν αυτοιs τον Ξριστον − foi assim que Filipe, tendo descido a uma
cidade de Samaria, a eles proclamava o Cristo (At. 8,5). No verso quatro deste mesmo capítulo
diz:Οι µεν ουν διασπαρεντεσ διηλτον ευαγγελιζοµενοι τον λογον − entretanto, os que haviam
sido dispersos iam de lugar em lugar, anunciando a palavra da Boa Nova. Os cristãos, de modo, geral
são evangelistas, ou seja, todos têm o dever de anunciar o Evangelho sem que isto constitua um
ministério específico. A exegese sugere que o termo κηρυσσο foi utilizado para aqueles que
receberam a missão de se dedicar à pregação.
70

Não há determinação específica para autenticar a pregação por parte de um


indivíduo. Ele deve ser alguém comprometido com a Palavra e a Igreja para que
possa manter-se fiel à mensagem anunciada.25 A autenticidade da mensagem é
atestada pela fidelidade ao ensino dos profetas e dos apóstolos. Mas não apenas isto.
A vocação deve ser atestada pela comunidade que acolhe o vocacionado. Por isso
nenhuma vocação pode ser considerada particular. Ela é um dom e como tal pertence
ao corpo de Cristo (I Co. 12,7). Como Paulo mesmo afirma: “Ninguém pode dizer:
Senhor Jesus senão pelo Espírito Santo.” (I Co.12,3). O carisma é público e deve ser
facilmente identificado em seu portador. O pregador dá continuidade ao que foi
anunciado pelos apóstolos, embora a instituição de apóstolos só tenha acontecido uma
única vez. O pregador é sucessor dos apóstolos e deve ter consciência de que é um
pregador de segunda categoria pois realiza numa determinada comunidade aquilo que
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os apóstolos fizeram para toda a Igreja.26 Barth enfatiza que a Igreja é una, santa,
católica e apostólica. Enquanto Una é também ecclesia docens e ecclesia audiens.27
Há critérios para a pregação mas estes são humanos e são formas concretas de se
legitimar a função.28

Deve submeter-se à fidelidade doutrinária e ser expressão do que cremos e


professamos. Isto significa que o trabalho do pregador é antes de mais nada recordar
o que foi ensinado pela Igreja desde os primórdios.29 Pregar é, de certa forma,

25
BARTH, Karl. A Proclamação do Evangelho. op. cit. p. 29-36. Aqui Barth trata da fidelidade
doutrinária e da fidelidade apostólica da pregação.
26
Ibid. p. 32.
27
Esta não é uma posição reformada. Não há nos reformadores o conceito de Igreja Docente e
Discente desde que o sacerdócio dos santos é universal. Alguns são vocacionados para a pregação mas
isto não os torna superiores. A teologia pertence à Igreja e esta se nutre da teologia com o fim de se
renovar e se adequar a novas realidades sem perder o foco da essência da Revelação.
28
O vocacionado deve seguir, segundo Barth, alguns critérios: 1) sentir-se interiormente chamado; 2)
deve preencher os requisitos das Cartas Pastorais (I Tm. 3,1-7; 3, 7-12; II Tm. 4,1; 4:5-9); 3) deve ser
competente (I Tm. 3,2; II tm.2,24); 4) deve ter consciência de que sua vocação pertence à comunidade.
No entanto seja a pessoa seja a comunidade, precisa ter consciência de que é Deus quem institui o
ministério. BARTH, K. A Proclamação do Evangelho. op. cit. p. 33-34.
29
Esta continuidade da memória no interior da Igreja pode ser ilustrada por um exemplo: por volta do
ano 200 de nossa era, morreu, em Lião, França, o bispo desta cidade, Ireneu, um dos mais notáveis
chefes cristãos de seu tempo. Acontece que uma carta deste bispo chegou até nós; fora dirigida a um
velho colega de estudo chamado Florino, do qual estava separado há muitos anos. A carta relembra os
tempos de estudante, quando estavam juntos na cidade de Esmirna, na Ásia menor. Em particular,
relembra como costumavam ouvir as preleções de Policarpo, Bispo de Esmirna, que morreu pelo ano
de 155 com a idade de 86 anos. Devia estar em idade avançada quando Ireneu e Florino ouviram-no.
71

recordar o que em certo tempo Jesus disse e realizou. A pregação deve estar ligada
diretamente à memória da Igreja.

A palavra da pregação torna-se palavra de Deus por iniciativa do próprio


Deus. É Ele quem transforma a palavra anunciada em palavra da Revelação. Todo ato
da Revelação é do próprio Deus. Ele usa pessoas para este fim. Como vimos, há
necessidade de uma vocação específica, um chamado para o ministério. O pregador
deve estar atento à palavra que deve ser anunciada. Segundo Paulo (I Co. 14,32), “os
espíritos dos profetas estão submissos aos profetas”. 30 Nessa tênue linha invisível da
tradição doutrinária, aquele que prega não deve ser egoísta e achar que pode entregar
a mensagem por si mesmo. Sua tarefa consiste em ser fiel à mensagem recebida e que
agora precisa ser passada adiante. É assim que se estabeleceram os primeiros dogmas
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da fé cristã. No centro da tradição fundamental da fé se coloca o kerigma.31

Ireneu recorda a seu velho companheiro – e não poderia ter-se referido a isto se Florino não pudesse
confirmar suas reminiscências- como Policarpo costumava contar histórias sobre João, o discípulo do
Senhor, que ele conhecera pessoalmente muitos anos antes. Não se sabe a qual das pessoas chamadas
João se referia, mas é certo que se tratava de um adepto de Jesus. Ireneu, pois, na França, pouco depois
do ano 200, estava em condições de recordar, num pequeno espaço de tempo, um homem que
conhecera Jesus intimamente. Quando o bispo de Lião partia o pão em sua pequena congregação,
como um memorial da morte de Jesus, falava de alguma coisa que fora narrada por seu mestre, e cujo
amigo tinha presenciado e conhecido. A memória da Igreja se assemelha a isto. Cf. DODD, C. H. O
Fundador do Cristianismo. Tradução de Luiz João Gaio. São Paulo: Paulinas, 1977. p. 19-20.
30
A Bíblia de Jerusalém apresenta em seu rodapé um sentido possível para este texto. Ela diz: “em
caso contrário, se o profeta parece ter perdido o controle de seu comportamento, é um falso profeta”.
Esta é uma possibilidade de leitura do texto. και πνευµατα προφητων προφηταισ υποτασσεται. É
verdade que “sujeitos a si mesmos” é uma possibilidade de leitura a partir do que se apresenta no
contexto. No entanto, é verdade também que o profeta precisa estar submisso aos que foram profetas
antes dele e como depositários da fiel doutrina passar adiante a instrução, sabedor que é um
instrumento para que a mensagem alcance outras pessoas, segundo o espírito de Efésios: “estais
edificados sobre o fundamento de apóstolos e profetas...” (2,20). CHAMPLIN, Norman. (Ed.). O
Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. São Paulo: Candeia, 1980. v. 4. p. 228-9.
31
A palavra kerigma é o ato da proclamação. O verbo é kerusso (Cf. nota 172). As palavras deste
grupo derivam do substantivo kerix, freqüente em Homero, que denota o homem que é comissionado
pelo seu soberano, ou pelo Estado, para anunciar em alta voz alguma notícia, para assim torná-la
conhecida. Posteriormente o verbo kerysso, atestado pela primeira vez em Homero foi formado do
substantivo para descrever a atividade do arauto, mas é muito menos comum do que o substantivo.
Mediante o acréscimo de –ma à raiz keryk formou-se posteriormente o substantivo kerigma que se
emprega, assim como outras palavras com a mesma forma, para descrever o fenômeno de keryssein, ou
seja, o ato de gritar alto. No Novo Testamento o termo keryx aparece apenas três vezes (I tm. 2,7; II
Tm. 1,11; II Pe.2,5). Kerigma também aparece com relativa raridade. Nas cartas paulinas (Rm. 16,25; I
Co.1,21; 2,4; 15,14); nas Pastorais (II Tm.4,17; Tt. 1,3) e em Mateus (12,41) e Lucas (11,32). Cf.
BROWN, Colin. (Ed.). O NOVO DICIONÁRIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA DO NOVO
TESTAMENTO São Paulo: Vida Nova, 1985. v. III. p. 739-748. “Proclamação”. Nos evangelhos
sinóticos ευαγγελιζεσθαι é um dos termos usados para descrever o discurso público de Jesus e seus
72

Os apóstolos pregaram a Jesus como Senhor (At.2,36). Este é o centro da


proclamação pós-pascal. Jesus pregou o Reino de Deus e sua vinda iminente. João
pregou o arrependimento. A Igreja, em atitude de fé ouviu o relato dos primeiros
apóstolos-discípulos e viu se solidificarem as primeiras tradições orais sobre os fatos
referentes a Jesus. É Paulo quem faz soar essas primeiras tradições orais em forma de
credos.32 O que ele narra o faz “segundo as Escrituras”33, que Cristo morreu pelos
nossos pecados; que ele deu-se a si mesmo por nós para nos resgatar desse mundo
mau (Gl. 1,4). A palavra da fé que nos é pregada (Rm. 10,8-9) nos diz que Jesus é o
Senhor - Κυριε - e que Deus o levantou da morte. Esta palavra, sólida em sua
especificidade sobre a Revelação, deve ser preservada pela Igreja, seja de forma
coletiva ou individualmente. Cabe àqueles que são vocacionados para o ministério da
pregação honrar o chamado mantendo-se fiel ao ensino da palavra recebida. A
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palavra deve, portanto, ser vista de quatro formas: primeiro é a comissão sobre a
dádiva na qual a proclamação descansa se ela é de fato proclamação; segundo, é o
objeto sobre o qual a proclamação trabalha; terceiro é juízo em virtude de que a
proclamação pode tornar-se verdadeira proclamação; e, quarto, a palavra de Deus é o
evento em si, no qual a proclamação torna-se verdadeira pregação.34

3.1.3.
Jesus Cristo como Revelação

Ele é o verdadeiro sentido da Palavra de Deus. É a palavra revelada, a palavra


em última instância. É a respeito dele que a Escritura testemunha. A pregação desde o

discípulos dirigidos primariamente aos galileus. Se distingue de κηρυσσειν ε διδασκειν. Em Atos


(21,6) Filipe, que é um dos diáconos mencionados em Atos 6,5 é chamado de um ευαγγελιστηs. Em
II Timóteo (4,5), Timóteo é chamado a cumprir sua διακονια no, “faze o trabalho de um
evangelista”. Em Efésios (4,11) o ευαγγελισται aparece no meio de uma lista que começa com os
apóstolos e profetas e termina com pastores e mestres. Conf. CD. 4/3.2. § 72. The Holy Spirit and the
Sending of the Christian Community. p. 872.
32
O discurso apostólico se centrou na proclamação – kerigma – e no didaquê – ensino. Este, é em sua
ampla maioria, instrução ética, como é o caso do Didaquê. Cf. Didaquê, Ensino dos Doze Apóstolos.
Tradução de José Gonçalves Salvador. São Paulo: Imprensa Metodista, 1980. O texto, provavelmente
do fim do primeiro século, apresenta instruções sobre moral cristã e prática eclesiástica. Cf. Tb.
APÓCRIFOS DA BÍBLIA E PSEUDO-EPÍGRAFOS. Tradução de Cláudio J. A. Rodrigues. São Paulo:
Novo Século, 2004. p. 765-771.
33
Os mais antigos credos da Igreja estão na Primeira Carta aos Coríntios (11,23; 15,3). Cf. DODD, C.
H. Segundo as Escrituras. Tradução de José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulinas, 1979. p. 59-107.
34
CD. I/1. p. 99.
73

período apostólico anuncia que Ele é o Senhor. Comentando as palavras “Jesus nosso
Senhor” (Rm. 1,4) Barth afirma que isso é o Evangelho e o sentido da História.35 No
nome de Jesus dois mundos se tocam, encontram-se e se separam. São dois mundos
estranhos, um conhecido e outro desconhecido. O mundo conhecido é o mundo da
carne, dos homens, do tempo, da matéria. O mundo que foi criado por Deus mas
perdeu a sua unidade com Ele e por isso necessita de redenção.36

O outro mundo, o desconhecido, é o mundo do Deus Incognoscível, o mundo


da criação original e da redenção final. A relação entre esses dois mundos, seu ponto
de interseção é Jesus. O Totaliter Aliter torna-se palpável em Jesus de Nazaré. Essa
afirmação é uma vigorosa reação contra a teologia do século XIX que nega a
transcendência e apresenta o “mistério” analisando-o numa perspectiva puramente
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histórica.37

Jesus é a Revelação em sua plenificação. É o ponto de interseção dos dois


planos. À medida que esse nosso mundo é tocado pelo outro mundo, deixa de ser
38
histórico, temporal, material, diretamente perceptível. Jesus é estabelecido como
Filho de Deus pelo Espírito Santo através de sua ressurreição dentre os mortos. Isso
não pode ser verificado historicamente. Por isso a exegese histórica, desde o século

35
BARTH, Karl. Carta aos Romanos. op. cit. P. 29. Cf. Tb. POLMAN, A.D.R. Barth. Tradução de
David A. de Mendonça. Recife: Cruzada de Literatura Evangélica do Brasil, 1969. p. 19.
36
BARTH, Karl. Carta aos Romanos. op. cit.. p. 29-30.
37
A abordagem da vida de Jesus seguiu o padrão de várias obras com o título Vida de Jesus, uma
tendência da teologia liberal. Uma das mais importantes é a que foi escrita por Dietrich Strauss (1808-
1874) – Das Leben Iesu. 2v. Tubingen, 1835-1836. Tradução para o inglês J. L. M. Ilraith. London:
The Temple Company [s.d.]. Strauss sofreu forte perseguição por causa de seu livro. Havia três
problemas principais: primeiro as questões correlatas a respeito de milagres e mito; segundo, a
referência à conexão entre o Cristo da fé e o Jesus da História, tese que mais tarde seria desenvolvida
por Rudolf Bultmann (1884-1976); a terceira referia-se à relação entre o Evangelho de João e os
Sinóticos. SCHWEITZER, Albert. A Busca do Jesus Histórico. Tradução Wolfgang Fischer, Sérgio
Paulo de Oliveira e Cláudio J. A. Rodrigues. São Paulo: Novo Século, 2003. p. 121. Outras vidas de
Jesus se seguiram. RENAN, Ernst. Vida de Jesus. Tradução Eliana Maria de A. Martins. São Paulo:
Martin Claret, [s.d]. Renan, (1823-1892) teve, como Strauss, um interesse puramente histórico.
Pretendia que sua leben fizesse parte de um registro completo da história e do dogma da Igreja
Primitiva. Essa tendência, da produção de “vidas” continuou, numa perspectiva mais moderada, no
século XX. DIBELIUS, Martin. Jesus. Tradução Charles B. Hendrick e Frederick C. Grant.
Philadelphia: The Westminster Press, 1949; BULTMANN, Rudolf. Jesus. Tradução Nélio Schneider.
São Paulo: Editora Teológica, 2005.
38
BARTH, Karl. Carta aos Romanos. op. cit. p. 30.
74

XVII, falhou por seu objetivismo. Jesus é o fim e o cumprimento dos tempos. Só
pode ser compreendido como Paradoxo (Kierkegaard), como Vencedor (Blumhardt)
como Pré-História (Overbeck).39

Esse Deus Absconditus se manifesta em Cristo. Por meio dele é possível


descortinar o infinito ainda que isto não signifique entendê-lo.

3.2.
A Importância da Teologia para a Igreja

A Igreja é alimentada pela teologia ao mesmo tempo que ela funciona como
uma guardiã do Depositum Fidei. Ao iniciar sua Dogmática, Barth introduziu sua
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visão do que seria a tarefa da dogmática. Esta, é uma disciplina teológica enquanto
que a teologia é uma função da Igreja.40 Enquanto discurso sobre Deus na Igreja, a
teologia pode ser uma atividade corporativa, muito mais em evidência no catolicismo.
Mas também é uma tarefa individual, uma característica do princípio de autonomia da
fé protestante. No entanto, indivíduos e comunidade precisam se submeter à palavra
que fala no meio deles. Ela tem seu próprio critério.

A Igreja produz a teologia para enfrentar a questão da verdade do discurso.


Ela mede suas ações, sua linguagem sobre Deus, contra sua existência como Igreja.41
A função da teologia consiste em verificar a adequação da linguagem que a Igreja
pronuncia acerca de Deus. Ela deve ser um guia para a Igreja mesmo sabendo que,
como ação humana, é falível. A teologia nada mais é que um exercício acerca da
Revelação. Por isso precisa ser exercida com cautela e humildade. Nenhuma teologia

39
A palavra que a tradução inglesa da Carta aos Romanos usa para o termo de Overbeck é Primal
History, que pode ter o sentido de história original. A palavra alemã é Ur-geschichte, um termo
teológico para a história que se encontra nos onze primeiros capítulos do livro de Gênesis. Overbeck
deu um sentido novo ao termo ao dizer que ele denota uma esfera fora e acima da história, um estágio
primitivo além de tudo quanto pode ser conhecido pela pesquisa histórica. Nada tem a ver com a
história ordinária – Historie. É um termo metafísico.
40
CD I/1 p. 1, § I. A tarefa da dogmática é dividida em três partes: 1) A Igreja, teologia, ciência; 2)
dogmática como inquirição; 3) dogmática como ato de fé.
41
CD. I/1. p. 2.
75

é verdadeira no sentido de ter como posse a verdade. Ela exerce uma busca pela
verdade. Carece de análise criteriosa em suas afirmações e estranhamentos.

Em um sermão pronunciado em 1916, Barth afirma que ter fé significa crer


que Deus é Deus. Isto refere-se a um novo começo no reconhecimento de Deus como
Deus. Este é para ele o centro de toda a teologia. É preciso construir a teologia da
Igreja com esse fundamento básico: Deus é Deus. Sua doutrina de Deus é conduzida
para a cristologia. Sua teologia sobre Deus se centra na pessoa de Jesus Cristo. Ele é
o Deus que se fez carne, que se tornou humano. Estas duas afirmações: Deus é Deus
e, Deus se fez homem não são duas teologias distintas: uma do jovem Barth e a
segunda do Barth da maturidade. É verdade que foi somente nos anos de 1950 que ele
produziu seu texto “A Humanidade de Deus”. Daí as duras críticas que recebeu ao
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longo de sua vida.42 Ele conhece o Deus transcendente mas não o Deus imanente; ele
não conhece o Deus vivo que está presente na história; ele ignora a presença de Deus
no tempo e ignora também o amor gracioso de Deus. Barth não conhece cristologia
porque o desconhecido não se torna história.43 Essas afirmações não fazem justiça ao
verdadeiro sentido que o autor concede à expressão Deus é Deus.

A doutrina de Deus é sustentada pela dogmática que dá a formatação desse


discurso. A dogmática tem a pretensão de compreender e também expressar. Esse
conhecimento de Deus é expresso por meio da dogmática, a ciência que trata de
compreender e esclarecer, investigar e ensinar com respeito a um determinado campo
de saber, no caso a teologia.

O sujeito da dogmática é a Igreja. Ela é o lugar, a coletividade humana que


tem sido o objeto e a ação à que se refere a dogmática, isto é, a pregação do
Evangelho. Ao dizer que a Igreja é o sujeito da dogmática, seja aprendendo ou

42
Paul Althaus afirma que Barth substituiu o Deus revelado pelo deus absconditus, o que conduz a
uma teologia do deus desconhecido. H. W. Schmidt. Zeit und Ewigkeit. Die letzten Voraussetzungen
der dialektischen theologie. (Tempo e Eternidade. A Última Hipótese da teologia dialética). Gütersloh,
1927. p. 32 et. Seq.
43
BUSCH, Eberhard. God is God; the meaning of a controversial formula and the fundamental
problem of speaking about God. Em: Princeton Theological Seminary Bulletin. October, 28, 1986. p.
101-113. (Karl Barth Centennial).
76

ensinando, ele quer falar do espaço que abarca a própria Igreja.44 Portanto, a tarefa da
dogmática é debruçar-se sobre a Igreja e diante das circunstâncias, posto que ela está
sujeita ao tempo e à história, procurará responder aos desafios que se apresentam à
Igreja em sua caminhada refletindo sobre os paradoxos da existência. A dogmática é
portanto, um pensar relativo e falível e, como tal, também são relativas e falíveis suas
investigações e expressões.

3.3.
A Redescoberta da Teologia Bíblica

O trabalho interpretativo de Barth reconduziu a teologia para o caminho da


exegese. Em grande parte a Church Dogmatics é uma obra voltada para estudo e
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análise de grandes porções das Escrituras. Ele, como os reformadores do século XVI,
estabeleceu as Escrituras como parâmetro para a Revelação de Deus. A crítica
histórica, com sua precisão científica, desconstruiu a importância da Bíblia para o
conhecimento de Deus. Um dos mais eminentes estudiosos do Antigo Testamento,
Julius Welhausen (1844-1918) afirmou, segundo se conta, em sua última aula, que
deixava para a posteridade apenas a capa de sua Bíblia.45 A crítica bíblica chegou à
conclusão de que a Bíblia era um livro que tinha muitos fatos interessantes sobre as
civilizações passadas, mas pouca contribuição eficaz para o homem moderno. Não é
sem razão que um teólogo do porte de Rudolf Bultmann trabalhe com a pergunta
sobre a questão: de que maneira o teólogo/pregador pode fazer a Bíblia falar
novamente hoje? Como a palavra pode se tornar novamente relevante para o ser
humano no século XX?46

44
BARTH, Karl. Bosquejo de Dogmática. Traducion M. Gutierrez-Marin. Buenos Aires: La Aurora,
1954. p. 16.
45
Cf. SHAULL, Richard. Influência de Karl Barth. Em: Seminário Teológico Presbiteriano
Independente de São Paulo. Ano 81. p.10.
46
A influência de Bultmann na teologia de Barth deu-se na segunda e terceira década do século
passado, na época em que Bultmann utilizou categorias existencialistas para a interpretação do
Evangelho. Segundo este autor, a essência do Evangelho consiste na mudança e emancipação que ele
produz na existência humana total, toda vez que a pessoa obedece ao convite para a decisão. Essa
interpretação era necessária porque a conceituação mítica do Novo Testamento é fundamentalmente
vinda da apocalíptica judaica e do mito gnóstico da redenção. Ambas possuem uma visão dualista do
mundo e dos seres nele existentes. Esta visão consiste basicamente em que o mundo é dominado por
poderes satânicos, necessitando portanto de redenção. BULTMANN, R. Demitologização; coletânea
77

A teologia de Bultmann caminha na direção da antropologia: falar de Deus é


falar do homem. Aqui ele se aproxima de Barth quando diz que Deus é o “totalmente
diferente” e que “nos situamos entre duas proibições no meio das quais parece haver
apenas a situação da resignação, do silenciar. De um lado o firme reconhecimento:
todo falar em que nos desvinculamos de nossa própria existência concreta não é um
falar de Deus; apenas uma afirmação sobre o que nossa própria existência poderia sê-
lo?47 Por outro lado é também certo que todo o falar humano sobre si mesmo não é
um falar de Deus, porquanto fala somente do homem?48

Barth em seu primeiro estágio viu de perto a refutação da autoridade da


Bíblia. Viu também como alguns poucos teólogos procuravam defendê-la desses
ataques, (Schlatter). Deu-se conta em pouco tempo do insucesso desses poucos
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defensores. Faltou, naquele momento, uma crítica consistente à altura de seu contra-
argumento. A teologia protestante liberal chegava ao seu clímax ao negar o valor
normativo da Escritura, os milagres, a Revelação. O que importava era a verdade
estabelecida pela razão objetiva. Se o clamor de uns poucos teólogos protestantes não
foi suficiente para sufocar os reclamos da teologia liberal também não o foi a teologia
católica daqueles dias. O Concílio Vaticano I (1870) ratificou a importância da razão
como luz natural que ilumina a mente e aponta para Cristo mas também afirma a
importância do conhecimento que vem pela fé.49 O Concílio afirma:

...a crença perpétua universal da Igreja Católica tem sustentado e ainda sustenta que há duas
ordens de conhecimento, distintos não somente em sua origem mas também em objetivo. São
distintos em origens porque em uma conhecemos pela razão natural; na outra conhecemos
pela fé. Eles são distintos em objeto porque além da razão natural podemos ter como objeto a
crença nos mistérios que estão ocultos em Deus e que a menos que nos sejam revelados não
podem ser conhecidos por nós.50

de ensaios. Tradução de Walter Altmann e Luis Marcos Sander. São Lepoldo: Editora Sinodal, 1999.
p. 19.
47
Essa antropologia foi anteriormente estabelecida por Feuerbach. Cf. A Essência do Cristianismo.
Tradução de José da Silva Brandão. Campinas: Papirus, 1988.
48
ALTMANN, Walter. (Org.). Crer e Compreender; Rudolf Bultmann, artigos selecionados. Tradução
de Walter O. Schlupp e Walter Altmann. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1987. p. 51-52.
49
BALTHAZAR, Hans Urs von. op. cit. p. 302.
50
Denz. 1785. ap. Balthazar, Hans urs von. p. 302.
78

Coube a Barth, e a nenhum outro, mudar essa situação. Com ele o


protestantismo moderno foi reconduzido ao caminho da Reforma do século XVI e foi
novamente enfatizada a importância da Bíblia, a necessidade de voltar a lê-la para
ouvir e voz de Deus e respondê-la.51 Novamente a Bíblia foi reconduzida ao centro da
mesma forma que Jesus saiu das periferias para o centro do povoado. Quando Barth
rompeu com seus antigos professores decepcionado com suas atitudes diante de
questões práticas que exigiam uma resposta contundente e de acordo com o
Evangelho, estava preparando o terreno para esse retorno sistemático às Escrituras. A
ênfase na centralidade da Bíblia, seu valor normativo, sua inspiração e seu valor
único como fonte escrita da Revelação, faz com que, hoje, comecemos e terminemos
nossos trabalhos e reuniões com a leitura devocional e o estudo vivo e transformador
das Escrituras.52
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A começar pelo termo “teologia bíblica” já somos conduzidos a uma


ambigüidade. Pode ser usado em sentido duplo. 1) pode significar uma teologia
contida na Bíblia; 2) ou uma teologia a partir da Bíblia.53 A ambigüidade consiste no
fato de se chamar de teologia bíblica e produzir sua ordenação a partir de uma
determinada visão desenvolvida por um observador que estabelece seus critérios. O
que se determina como a teologia de Paulo será sempre a teologia de Paulo na
maneira de alguém entender o que Paulo afirma. Nesse caso a teologia de Paulo seria
esse olhar de um observador externo.

A Reforma, com sua ênfase nas Escrituras, contribuiu significativamente para o


surgimento da disciplina. Mais tarde, no século XVII, o pietismo promoveu um
retorno acentuado à teologia bíblica ao mesmo tempo que a disciplina se tornou um

51
SHAULL, Richard. Influência de Karl Barth. op. cit. p. 10.
52
A prática da leitura bíblica para abertura de qualquer reunião eclesiástica é um costume protestante
que remonta aos tempos da Reforma mais difundida pelos pietistas que enfatizaram a necessidade da
leitura sistemática das Escrituras. Eles criaram a ecclesiola im ecclesia fazendo de cada casa particular
uma igreja em célula. Este princípio se mantém especialmente nas confissões mais conservadoras.
53
O termo “Teologia Bíblica” foi desenvolvido pela reforma radical, os anabatistas, especialmente por
Oswald Glait e Andréas Fischer por volta de 1530. HASEL, G. Teologia do Novo Testamento;
Questões Fundamentais no Debate Atual. Tradução. Jussara Marindir Pinto Simões Arias. Rio de
Janeiro: Juerp, 1988, p. 16.
79

instrumento de reação contra a aridez da ortodoxia protestante.54 Neste período a


teologia bíblica foi dividida em quatro grandes divisões: teologia exegética, histórica,
sistemática e prática.55 A teologia exegética vai ser tratada mais tarde como teologia
bíblica pois seu objetivo principal é o estudo dos conteúdos da Escritura, o
questionamento e a origem dos vários escritos incluindo a identidade dos autores,
época de composição, dependência de possíveis fontes, a questão como vários desses
escritos chegaram a ser reunidos dentro da unidade da Bíblia, o que constitui toda a
tarefa da canonização dos textos e o estudo da auto-revelação de Deus na história.56

3.4.
A Redescoberta da Bíblia
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Para a teologia protestante esta redescoberta se deu na Reforma. O princípio


reformado – sola scriptura – foi o fator determinante para a ênfase na importância do
texto para a Igreja. A contribuição de Barth nesse sentido serviu de alento para
indivíduos e organizações desenvolverem a prática do estudo bíblico.

Em sua Church Dogmatics dedica longos períodos à exegese de textos


bíblicos por meio dos quais fundamenta suas teses.57 O uso acentuado da Bíblia, com
citações diretas, não combina com o escopo da teologia sistemática. Daí a distância
que a grande maioria dos estudiosos do período clássico da Reforma (Ortodoxia),
estabeleceu em relação às Escrituras. Esse afastamento planejado tinha o objetivo de
marcar a autonomia da ciência teológica sobre um livro tido como recipiente de dados
da fé de grupos religiosos judaicos e cristãos. O criticismo radical daquele período
caracterizou-se pelo uso de fontes externas, literatura comparada e estudo das
religiões primitivas.

54
Id. Ibid.
55
VOS, Geerhardus. Biblical Theology: Old and New Testaments. Carlisle: Banner of Truth Trust,
1985. p. 4. Cf, tb. CHILDS, Brevard S. Biblical theology of the Old and New Testaments. London:
SCM Press, ltd. 1992. Para uma introdução da história da disciplina o capítulo inicial é fundamental:
The History of the discipline of Biblical Theology. p. 3-10.
56
VOS, Geerhardus. Ibid. p. 5.
57
CD. INDEX. v. 14. Apresenta uma longa lista de referências bíblicas utilizadas nos 13 volumes da
Dogmática em inglês. Ocupa as páginas 15-184. Pode-se dizer que Barth faz exegese de toda a
Escritura para confirmar suas pressuposições.
80

A ênfase de Barth na centralidade da Bíblia produziu uma reorientação na


forma de fazer teologia que, de certa forma, havia tomado outros rumos logo após o
período da Reforma. Provavelmente Barth não tinha noção da mudança que seria
provocada a partir de sua proposta a Thurneysen que o levou a dedicar vários anos ao
estudo de Paulo especialmente a Carta aos Romanos.58

3.5.
O Retorno às Fontes da Reforma

A contribuição de Karl Barth foi decisiva para o retorno às fontes da Reforma.


É evidente que a forma como os teólogos trataram a teologia perante a Igreja causou
mal-estar e distanciamento entre os eruditos e as pessoas comuns das comunidades
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cristãs reformadas. Um grande fosso foi aberto sem ponto de ligação entre o que se
pensava nos meios da teologia acadêmica e a experiência cristã de Deus no seio da
igrejas reformadas. Os estudos avançados, a erudição bíblica e sistemática,
contribuíram para esse distanciamento. Barth, como um teólogo que viveu
intensamente a experiência cristã em meio a lutas cotidianas compartilhadas por seus
paroquianos, seja em Genebra como em Safenwill e até mesmo na Alemanha de
Hitler, conhecia de perto a dificuldade em ajustar a relação Igreja/teologia.59 Como
ele mesmo afirmou: “eu não falo a vocês de Deus porque eu sou um pastor. Eu sou
um pastor porque eu falo de Deus.”60 Este, foi sem dúvida um diferencial para a
experiência cristã de Barth. Viveu com intensidade o ministério pastoral, cuidou de
rebanhos, aconselhou e foi solidário com o sofrimento e as injustiças sofridas por
aqueles a quem pregava o Evangelho. Isto o levou a perguntar-se sempre sobre o que
pregar para aqueles homens e mulheres que semanalmente freqüentavam seus
serviços dominicais. Por isso ensinou teologia não como uma disciplina acadêmica

58
CASALIS, Georges. Retrato de Karl Barth. Traducion Franklin Albricias. Buenos Aires:
Methopress Editorial y Gráfica, 1966. p. 24.
59
A crítica a Barth em relação a sua possível neutralidade, já mencionada, é infundada. Seu trabalho,
desde o início sempre foi comprometido com as causas sociais das comunidades com as quais lidou.
Mais tarde tornou-se uma voz que soava desde a Suíça, no combate ao nazismo. Cf. CORNU, Daniel.
Karl Barth: Teólogo da Liberdade. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1971. Aqui o autor aborda a luta de Barth contra o nazismo, sua posição política e seu esforço pela paz
no período da chamada Guerra Fria.
60
Cf. BUSCH, Eberhard. op. cit. p. 7.
81

mas como a atmosfera na qual a Igreja vive e é alimentada a cada dia. Paul
Lehmann,61 um dos principais intérpretes de Barth nos Estados Unidos, afirma que
“aprendeu dele a necessidade de estudar a Bíblia com completa seriedade e fazer dela
a base única do seu ensino teológico.”62

A proposta de uma teologia centrada na Reforma foi decisiva para a


reorientação da pesquisa bíblica no século XX. Berkouwer63 (1903-1996) afirma que
a teologia de Barth serviu para mostrar a relevância de dogmas que para a teologia
protestante liberal dos séculos XIX e XX eram considerados antiquados. Barth trouxe
para o centro da discussão “a proclamação da Igreja, seus dogmas, a autoridade da
Escritura e sua interpretação, a eleição, a imagem de Deus, criação, redenção – todos
esses assuntos retornaram ao centro de intensa discussão teológica.”64
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Isto mostra que não se justifica a acusação que é feita a ele, por parte da
teologia de Cornelius Van Til,65 (1895-1987) de negar a herança reformada. Opinião

61
Lehmann foi aluno de Barth na Alemanha. Migrou para os Estados Unidos onde se tornou professor
de Ética no Seminário de Princeton. Shaull teve-o como seu orientador para o doutorado. Cf.
SHAULL, Richard. Surpreendido pela Graça. Tradução de Waldo César. São Paulo: Record, 2003.
Passim.
62
Richard Shaull. Influência de Karl Barth. op. cit. p. 11
63
BERKOUWER, Louis. The Triumph of Grace in the Theology of Karl Barth. Tradução Harry R.
Boer. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1956. p. 9-10.
64
Ibid. p. 10.
65
Cornelius Van Til o acusa de neo-modernismo e até mesmo de não ser um teólogo reformado no
sentido pleno do termo. Sua justificativa prende-se ao fato de não encontrar em Barth a doutrina
calvinista da inspiração do texto bíblico – embora Barth não rejeite esta afirmação e até enfatize que,
se tivesse que escolher entre a velha doutrina da inspiração e o método histórico-crítico aplicado ao
estudo da Bíblia, escolheria a primeira, pois é, de direito, maior, mais profunda e mais importante,
porque a inspiração visa ao próprio processo do entendimento sem o que toda e qualquer estruturação
do raciocínio se torna vã. No entanto, afirma, sinto-me feliz em não ter que escolher entre essas duas
formas. Cf. Carta aos Romanos. op. cit. p. 13. Van Til afirma que Barth nega a Reforma já que os
reformadores afirmam a inspiração verbal da Escritura. Para eles Deus é o autor da Bíblia e como tal
teria feito uso dos autores para escrever o texto. Cf. VAN TIL, Cornelius. Christianity and
Barthianism. Philadelphia: The Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1962. p. 56. Como
toda grande mente Barth cometeu alguns excessos e concedeu o direito de fomentar algumas
“heresias”. Uma delas seria seu famoso Universalismo, que certamente não se restringe ao aspecto
soteriológico, ou seja, a rejeição do terceiro ponto da doutrina calvinista que trata da predestinação e
da dupla eleição. Também não seria honesto acusá-lo de se tornar um arminiano, doutrina de Jacob
Arminius (1559-1609), que afirma que a doutrina da predestinação diz respeito apenas ao homem em
seu estado de queda e não ao homem enquanto não criado e que o decreto divino de eleição e
condenação está baseado no conhecimento prévio que Deus tem do comportamento das pessoas. A
presciência de Deus é a base, portanto, da predestinação. O Universalismo de Barth abrange a
escatologia fazendo-o juntar-se a muitos teólogos liberais que defendem a apocatástase -
82

contrária tem Gabriel Vahanian (1927-) que destaca a contribuição de Barth para a
preservação da herança reformada e com isso promoveu um autêntico reavivamento
66
da teologia protestante nos dias atuais. Todavia, o que Barth realmente pretende
não é meramente dizer-nos onde Calvino e Lutero estavam certos e onde estavam
errados mas revelar-nos, por meio de seu ensino, a verdade apresentada pela pessoa, a
palavra e a obra de Jesus, ou seja, por meio do evento Jesus Cristo.67

Apesar de todas as críticas dirigidas a ele, podemos situá-lo entre os teólogos


que mais contribuíram para o resgate da herança reformada. Dizer que ele é um
teólogo reformado significa que ele aceita a base fundamental da Reforma, ou seja,
aceita a justificação pela fé como princípio material e a Escritura como princípio
formal.68
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Mas é muito mais que isso. É crer também no que creram os reformadores
quanto à teologia e à Igreja. Aqui cabe a pergunta que é feita aos acusadores de Barth
que o chamam de neo-modernista: que neo-modernismo é esse que ensina o
nascimento virginal,69 a encarnação, a ressurreição70 e a ascensão aos céus?71

αποκαταστασεωs - doutrina da restauração de todas as coisas, baseada no texto de Atos (3,21). O


pensamento estóico, com a perspectiva de um conceito cíclico da história, previa a restauração do
universo à sua condição original de perfeição. A alegação de que a apocatástase inclui a salvação de
toda a humanidade foi proposta por Orígenes, Gregório de Nissa, João Escoto Erigena,
Schleiermacher, F. D. Maurice e outros. Barth também é acusado de promover uma doutrina trinitária
modalista – o Revelador, a Revelação e a Revelacionalidade - muito embora ele condene o modalismo
e afirme a distinção irredutível entre Pai, Filho e Espírito Santo em sua CD. Cf. Carta aos Romanos.
op. cit. p. 9-10; ERWELL, Walter. (Ed.). ENCICLOPÉDIA HISTÓRICO-TEOLÓGICA DA IGREJA
CRISTÃ. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1988, v. 1, p. 94-95; WALKER, W.
História da Igreja Cristã. Tradução de Paulo Siepierski. São Paulo: Aste, 2006. p. 633-637.
66
Cf. BARTH, K. The Faith of the Church. op. cit. p. 7-8. O comentário de Vahanian é de abril de
1958.
67
Aqui novamente Van Til afirma que Barth estabeleceu uma nova cristologia. Jesus seria para ele o
Cristo-Evento. Cf. Van Til, C. op. cit. p. 438.
68
Cf. TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. op. cit. p. 254.
69
BERKOUWER, G. C. op. cit. p. 16; CD I/1, p. 556.
70
Durante muitos anos Barth polemizou com Bultmann quanto à questão do caráter histórico da
ressurreição de Jesus. Segundo Bultmann não se pode falar da ressurreição como um fato da História
(Historie). A verdade da ressurreição de Cristo não pode ser compreendida antes da fé que reconhece o
ressurreto como o Senhor. Não é fato objetivamente constatável. BULTMANN, R. Teologia do Novo
Testamento. Tradução de Ilson Kayser. São Paulo: Editora Teológica, 2004. p. 372. Tanto o
nascimento virginal quanto a ressurreição são concepções míticas – o mitológico é o que não pode
acontecer porque não pode ser provado pelas leis gerais das ciências. RIDDERBOS, Herman N.
Bultmann. Tradução de Benedito Matos e David A. de Mendonça. Recife, 1966. p. 35. Barth critica
83

A influência de Barth foi decisiva para o retorno à teologia da Reforma.


Segundo Shaull, durante a primeira metade do século XX a preocupação com a
teologia de Lutero e Calvino era mínima.72 A culpa não seria diretamente dos
reformadores mas dos desdobramentos de seu pensamento no período clássico do
protestantismo quando as estéreis construções teológicas da ortodoxia transformou o
luteranismo e o calvinismo em fonte árida da tradição protestante.73

Após a ênfase de Barth sobre o ensino reformado houve um acentuado


interesse pelos reformadores originais. Depois de destacar a necessidade de retorno às
Escrituras e ao reconhecimento de sua autoridade normativa, uma investida contra o
liberalismo reinante, ao estudar Lutero e Calvino, descobriu neles uma vitalidade e
profundeza na compreensão do Evangelho que o deixou surpreso.74 Como afirma
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Baird,

no púlpito da pequena vila de Safenwill, Barth discerniu que a salvação de seus paroquianos
não dependia da hipótese documentária do Pentateuco nem das mais recentes pesquisas acerca
do problema sinótico. As pessoas precisavam da Palavra de Deus. Esta Palavra seria ouvida
na Bíblia e por causa dessa convicção concordou em estudar a Bíblia. Deus faz a Si Mesmo
conhecido na declaração de Sua Palavra – um evento dinâmico que chama o homem ao juízo
e arrependimento. Em Jesus Cristo a Palavra se tornou carne e a Escritura testemunha acerca
dela. Esta ênfase no texto sagrado como fonte de testemunho e a teologia da palavra
representam a volta ao clamor da Reforma.75

Bultmann afirmando que ele tenta desacreditar a ressurreição literal. Ele diz que a comunidade
primitiva cria, não na ressurreição de alguma pessoa ou na ressurreição geral; cria na ressurreição deste
homem e na ressurreição de todo homem inaugurada por Ele. CD. III/2, p. 451ss. Bultmann segue a
linha de Martin Dibelius que atribui a crença na ressurreição como uma doutrina farisaica. Jesus
mesmo tinha essa expectativa e acreditou que inauguraria a era da ressurreição futura que traria o
advento de um novo tempo. Falar em ressurreição seria falar numa espécie de glorificação da
existência terrena e uma exaltação. DIBELIUS, M. Jesus. op. cit. p.140 et. seq.
71
CD. III/2, p. 440, 452 et. seq.
72
SHAULL, R. op. Cit. p. 11.
73
Alguns teólogos reformados (W. B. Warfield, Geerhardus Vos, Louis Berkhof) procuraram estudar e
defender o pensamento dos reformadores, principalmente Calvino, mas não ocuparam lugar importante
e sua contribuição serviu como instrução para os estudantes de suas confissões religiosas.
74
Barth empreendeu estudos concentrados sobre os reformadores e a questão do sola scriptura. Isto o
levou a ir além do ensino dos mesmos.
75
BAIRD, William. The Quest of the Christ of Faith; Reflections on the Bultmann Era. Waco: Word
Books Publisher, 1977. p. 68-69. (tradução do autor).
84

3.6.
A Humanidade de Deus

Em 25 de setembro de 1956, aos 70 anos de idade, Barth apresenta uma


conferência na Associação de Ministros Reformados, em Aarau, onde elabora uma
notável revisão crítica de seus próprios textos.76 Nesta apresentação Barth revê todo o
seu pensamento de 40 anos atrás sobre a divindade de Deus. Afirma que todo o
cosmo e a boa obra do Criador é objeto do seu amor. Deus é companheiro do ser
humano. Por isso deseja agora, afirmar sua humanidade. Reconhece que fora sempre
desafiado pela postura da teologia liberal a apresentar o Deus absconditus cuja
essência é qualitativamente distinta do ser humano.77 Isto levou-o a afirmar que o
método apropriado para compreender a revelação é a analogia fides, contrário ao
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princípio católico da analogia entis.78 Sua teologia do alto impedia a compreensão de


um falar de Deus a partir do homem. Isto o conduziu a um Deus elevado, distante e
misterioso. Mas sua reação inicial era uma resposta à teologia liberal que se tornara
religiosa e antropocêntrica. Agora, nessa revisão, coloca a questão da divindade a
partir de sua humanidade. Isto não se constitui num recuo mas um novo ponto de
partida onde o que antes fora afirmado possa ser dito de forma clara e atraente. Deus
demonstra sua divindade de modo autêntico justamente no modo de existir, falar e
agir como parceiro do homem.

A reavaliação da teologia do século XIX que Barth empreendeu em sua


preleção sobre a humanidade de Deus, levou-o à compreensão de uma teologia
centrada na religião é antropocêntrica e, nesse sentido, humanística. É uma forma de
religião que promove o homem. Pode-se dizer que essa teologia é uma antropologia,
um discurso que não promove a relação do homem com Deus. Barth denuncia que,
nessa perspectiva, o homem é engrandecido às custas de Deus.

76
A conferência tem o título Die Menschlichkeit Gottes (A Humanidade de Deus), texto de
importância capital para compreensão do pensamento barthiano.
77
GIBELINI, Rosino. .op. cit. p.27.
78
PALAKEEL, J. op. cit. p. 13 et. seq.
85

3.7.
Jesus Cristo: Deus-Homem

A teologia de Barth tem sido chamada de cristocentrismo porque a cristologia


ocupa o centro de sua reflexão.79 A afirmação da humanidade de Deus é uma
afirmação cristológica. Jesus Cristo não é um ser humano abstrato e docético. Nele,
não há fechamento do ser humano para cima assim como não há fechamento de Deus
para baixo. É aqui que se encontra a história do diálogo no qual Deus e o ser humano
se encontram e estão lado a lado. Em sua pessoa, Jesus é o parceiro fiel, tanto do ser
humano como verdadeiro Deus, quanto de Deus como verdadeiro ser humano. Barth
recupera a antiga fórmula calcedoniana – verdadeiro Deus, verdadeiro Homem. Ele é
tanto o Senhor descido para a comunhão com o homem quanto o servo elevado para a
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comunhão com Deus;80 é tanto a palavra do mais elevado e luminoso além como a
palavra ouvida no mais profundo e escuro aquém; Ele é ambas as coisas
inconfundível mas é também inseparável; é um e outro e nessa unidade é o mediador
e reconciliador entre Deus e os homens. Dessa forma estabelece em sua pessoa o
direito de Deus frente ao ser humano mas também o direito do ser humano perante
Deus. Quem é Deus quem são os homens não se investiga sobre especulações livres e
errantes mas se depreende lá onde reside a verdade de ambos: na plenitude de seu
estar ao lado, plenitude esta que se manifesta em Cristo.

A antiga cristologia havia destacado, com muita habilidade, a “união


hipostática”.81 Deus é regente. O fato de ele falar, dar, ordenar, isto pura e
simplesmente precede na existência de Cristo. O fato de o homem ouvir, receber,
obedecer só se pode e deve seguir-se a este ato primeiro. Sem a descida de Deus não
haveria a elevação do ser humano. Em Cristo, Deus é a divindade concreta, real e
reconhecível.

79
MONDIN, Battista. Os Grandes Teólogos do Século XX. op. cit. p. 46. Cf. tb. CD. I/2, p. 122-132.
80
BARTH, K. A Humanidade de Deus. Em. Dádiva… op. cit. p. 394.
81
O termo υποστασιζ - hipóstase – é empregado para dizer (contra os monarquianos) que o Pai, o
Filho e o Espírito Santo têm, cada um, uma existência concreta que subsiste realmente: há três
hipóstases. MEUNIER, Bernard. O Nascimento dos Dogmas Cristãos. Tradução de Odila Aparecida
de Queiroz. São Paulo: Loyola, 2005. p. 60.
86

Mas aqui, há algo que Barth percebe de mais concreto. A elevada liberdade de
Deus em Cristo, é sua liberdade para o amor. O poder divino que age e expressa sua
existência nessa ordenação e subordinação é o poder para se voltar para baixo,
agregar-se a outro e este outro a si mesmo. É aqui que subsiste, em Cristo, a maior
comunhão de Deus com o ser humano.

Portanto, a divindade de Deus não é uma prisão na qual ele existe em si e para
si; é também o ato de entregar-se ao outro, de ser elevado mas também humilhado; de
ser todo-poderoso mas também misericórdia; de ser Senhor mas também servo; de ser
juiz mas também réu; de ser rei mas também irmão do ser humano no tempo.82

A compreensão barthiana se estende num novo horizonte epistemológico que


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se configura na segunda metade do século XX. Tempos de angústia e silêncio;


reflexão crítica ante a desgraça do mundo. Num mundo que sobreviveu a duas
grandes guerras, um Deus transcendente e distante não tem nada a dizer ao ser
humano. Somente nesse contexto é possível perceber que não se pode excluir a
humanidade de Deus de sua divindade, sendo Ele a abertura para o amor, em sua
capacidade de não estar só nas alturas mas também nas profundezas, de não ser
apenas para si mas também para o outro.

Em primeiro lugar surge uma bem determinada distinção do ser humano como
tal. Todo homem, por mais infame e miserável que seja, deve ser tentado na base de
sua eterna decisão do Deus de Jesus ser também seu irmão. A dádiva da humanidade
não foi extinta na queda do homem, nem diminuída em sua bondade. O ser humano é
o ser eleito para o relacionamento com Deus. Isto acontece unicamente pela graça.

Como segunda conseqüência constata-se que, através da humanidade de Deus,


um tema se impõe à cultura teológica: como Deus é humano em sua divindade a
cultura teológica não deve se ocupar com Deus em si nem com o homem em si, mas

82
BARTH, K. Dádiva... op. cit. p. 396.
87

com o Deus que se encontra com o ser humano, com a história de ambos na qual sua
comunhão se torna acontecimento e chega a seu alvo.

Uma terceira conseqüência é que a humanidade de Deus e seu reconhecimento


exigem uma determinada atitude e orientação do pensar e falar cristão-teológico. O
discurso não pode ser monológico. A humanidade de Deus, por ser um acontecimento
e pressupõe uma relação, não pode ser fixada em quadros. Sua forma deve ser, em
correspondência a seu objeto, a oração e a pregação. A relação entre Deus e o ser
humano diz respeito a todos, contudo nem todos têm conhecimento disso. Daí é
necessário proclamar-lhes a mensagem a fim de que participem. O falar cristão é
tanto oração como alocução a esse ser humano. Barth alerta para o problema da
linguagem dessa comunicação. Não é necessário que seja uma linguagem especial,
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tipo linguagem teológica. Pode-se usar linguagem de rua, de jornal, da literatura. Mas
pode-se usar também um pouco da linguagem a que chama de “positivismo da
revelação”. Porém, o que se tem a dizer pode ser dito em qualquer linguagem porque,
quem tem o coração realmente junto a Deus, e precisamente por isso realmente junto
ao ser humano, pode confiar que a palavra de Deus, que ele tenta testemunhar, não
voltará vazia.

Como quarta conseqüência ele apresenta que o sentido e o tom da palavra,


devem ser, fundamentalmente, positivos: proclamação do pacto de Deus com o
homem que aponta para o lugar do homem nesse pacto; a mensagem do Emanuel;
deve-se também realçar que no encontro entre Deus e o homem estabelece-se a graça
de Deus e a gratidão do homem.

Como quinta conseqüência, em reconhecimento da humanidade de Deus,


deve-se levar a sério a cristandade, a Igreja, confessando-se a ela com gratidão.
Devemos nos incorporar em seu serviço. Nós somos a Igreja! Ela é o povo particular,
a comunidade constituída por um pouco de conhecimento do Deus gracioso revelado
em Cristo, conhecimento este que é invencível e nos é dado pelo Espírito Santo o
qual a determina e chama para ser sua testemunha no mundo. Barth afirma: “O
88

Espírito Santo é o poder animador com que Jesus, o Senhor, constrói a comunidade
cristã no mundo como o seu corpo, isto é, como a forma histórico-terrena de sua
própria existência, fazendo com que ela cresça, seja sustentada e organizada como a
comunhão de seus santos, e adequando-a para que seja uma representação provisória
da santificação de toda a humanidade e da vida humana como aconteceu nele.”83

3.8.
Igreja: Comunidade de Comunhão e Serviço

A princípio Barth procura estabelecer o que não é igreja: por um lado, não é a
revelação de Deus tornada instituição, onde se pode ter acesso a poderes que
representem a “vontade, verdade e graça de Deus”. Não é uma identificação do reino
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de Deus com algum “dispositivo salvífico humano”. Para ele, assim nos afastamos da
visão católico-romano. Por outro lado, não é também uma “associação livre” para
analisar a revelação de Deus, ou seja, a Igreja não pode ser definida tão somente a
partir dos interesses e dos ideais do homens pela revelação de Deus. “A igreja não é
uma sociedade religiosa”. Assim nos afastamos da visão do protestantismo liberal.

Com isso aponta para o fundamento essencial que torna a Igreja o que ela é: o
processo das pessoas ouvirem a Deus, e Deus mesmo falar com elas. Na verdade
Barth questiona toda opulência institucional que desvie a atenção da Igreja para o
mistério maior que a originou: esse ouvir e responder a Deus. Barth chega mesmo a
afirmar que “quando isto não ocorre, onde ao invés somente funciona aquele aparelho
sagrado ou aquela associação religiosa, em que de uma forma ou de outra se confia
demais na pessoa humana e muito pouco em Deus, ali a igreja não está”.

Barth nos leva a perceber o quão estreito é o caminho da Igreja, pois deve
superar todos os equívocos que já se demonstraram práticas dela; e aponta para o

83
CD. IV/2. p. 614. Aqui, no § 67 ele trata do Espírito Santo como construtor da comunidade Cristã.
Sobre este assunto cf. tb. a obra: BARTH, K. The Holy Ghost and the Christian Life. Translated R.
Birch Hoyle. London: Frederick Muller LTDA, 1938.
89

“método do Espírito Santo e da fé”.84 Assim, a Igreja tem um caráter profano, e de


participação nas coisas do mundo ainda mais intensa que o mundo que a cerca,
justamente porque tem consciência disso. A compreensão de Barth sobre a Igreja,
nesse ponto, é que, por ter acesso à revelação, a Igreja se destaca do mundo, mas ao
mesmo tempo se aprofunda nele. E nem sempre o mundo corresponde beneficamente
a essa realidade da Igreja de se afastar mesmo estando nele.

No entanto, a fidelidade da Igreja a essa vocação só pode ser resultado da sua


fidelidade a Deus mesmo, e ao sentido da revelação que faz com que Deus fale com
ela, e ela responda, e isso principalmente a partir da Escritura. Sendo assim, é ela que
rege a Igreja, está acima dela, e revela a Deus. Escritura entendida como o
testemunho dos profetas e apóstolos acerca da revelação de Deus, e que por isso
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mesmo torna-se cânone da Igreja. Por isso a fidelidade da Igreja a Deus é fidelidade
para com aquele livro. A obediência da Igreja ao livro, como fidelidade a Deus, é o
que Barth chama de “método do Espírito Santo e da fé”.

Barth entende então que, de acordo com as premissas anteriores, a Igreja


deverá viver uma “vida em humildade e serviço”, como um modo de viver tal que a
dominação não exista nem seja determinante. Mesmo se houver algum grau de
tolerância com a dominação, como no caso de dar a César o que é de César, a Igreja
nunca se identificará com ela nem lhe atribuirá qualquer honra, pois “dominação
humana sempre é dominação pecaminosa, pervertida”.85

O sinal da vida da Igreja chama-se serviço e não dominação. É preciso estar


atentos ao fato de que a racionalização do ser Igreja pode levar a uma tentação de
dominar, ao invés de servir, e isso se torna mais perigoso ainda, no entender de Barth,
no clericalismo. Para ele a Igreja depende absolutamente de Cristo, seu Senhor, e não
pode pretender vida própria, senão aquela que é gerada na resposta de fé a Deus, que
fala à Igreja. Ela tem uma causa no mundo e um serviço que precisa ser realizado

84
BARTH, K. Revelação, Igreja, Teologia. Em: Dádiva e Louvor. op. cit. p. 191.
85
BARTH, K. Justificação e Direito. Ibid. p. 259.
90

com a participação de todos. Por causa disso, e precisamente por isso, não existe um
ser cristão privado. Ela é o lugar em que, em irmandade democrática, a coroa da
humanidade, a saber, a co-humanidade do ser humano, pode tornar-se visível, e mais
do que isso, como o lugar em que a divindade assume forma palpável já no tempo e
aqui na terra. Aí se reconhece a humanidade de Deus. É nela que o homem se alegra e
porque se alegra, testemunha e se apega ao Emanuel que, por causa disso, toma o
fardo da Igreja e o carrega sobre si, fazendo-o em nome de todos os seus membros.
“Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm.8:31).86
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86
CD. III/2. § 45 – Man in his determination as the covenant-partner of God. p. 213; BARTH, K.
Revelação, Igreja, Teologia. Ibid. p. 192.
4.
A Igreja como Povo de Deus

O tópico, Igreja como povo de Deus, levanta uma das mais importantes
questões da Church dogmatics.1O objetivo de Barth é estabelecer um tipo de
linguagem acessível para a comunidade que vive a experiência cristã confessando a
Jesus como Senhor vivo da Igreja.

O princípio reformado afirma ser a Igreja a comunidade dos santos eleita a


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partir do perdão de pecados, o que é alcançado pela aceitação confiante da Palavra


de Deus.2 Para salvar a humanidade Deus se utiliza de sua palavra libertadora. A
salvação se dá por meio da palavra oferecida à Igreja. Não há intermediários. O que
para o catolicismo romano seria instrumento de salvação – a Ordem, a Jurisdição, os
sacramentos e as outras ordens – são, no protestantismo, sinais da pertença. Para se
conhecer a verdadeira Igreja há a mediação da proclamação.

Por isso, a eclesiologia protestante é essencialmente querigmática. Como


Mondin3 assinala, o termo é de uso recente e teria sido introduzido pelo próprio
Barth para explicitar a marca da Igreja que tem objetivos pastorais e missionários
acima das questões especulativas e sistemáticas. Ela é simplesmente lugar de anúncio
do Evangelho. Onde houver pregação do Evangelho ali está uma Igreja de Cristo. Por
isso ela é um acontecimento. “Ela é o evento da Palavra sendo pregada a ela e crida
por meio dela.”4 Barth explora a relação entre a Igreja e a Palavra advertindo a
primeira no sentido de não tentar domesticar a palavra a ponto de deixar de ser
governada pelas Escrituras. É exatamente a distância prudente entre Igreja e Bíblia

1
CD. I/1, 68, 75s; 84; I/2. 145ss; 229; 250; 542, 546, 576, 653, 688, 797.
2
MONDIN, Battista. As Novas Eclesiologias; uma imagem atual da Igreja. Tradução de Píer Luigi
Cabra. São Paulo: Paulinas, 1984. p. 52
3
Ibid. p. 53.
4
CD. I/1, p. 299.
92

que permite a esta última testemunhar contra a Igreja, apresentar palavra de juízo
mas também de amor e perdão.

4.1.
Confissão e Doutrina

Para que a Igreja seja um lugar onde se possa ouvir a Palavra de Deus é
necessário que ela nunca esteja lá na condição de prisioneira, domesticada pelos
ritos, confissões e tradições escritas e orais.5 A Bíblia, como palavra de Deus dada à
Igreja, precisa de liberdade. Ela não é uma substância imanente à Igreja; é um evento
que se verifica sempre que Deus se dirige ao seu povo e é acreditado.6
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Pode-se dizer que a Igreja é uma comunidade querigmática onde, pela


pregação, o Verbo de Deus encarnado é contemplado. A liberdade é necessária no
sentido de permitir isenção e imparcialidade na ministração da palavra. O perigo,
segundo Barth, de um texto domesticado pela tradição é o de se tornar impossível o
texto falar por si só – o que significa, Deus falar à comunidade pelo evento da
palavra que se manifesta nas Escrituras. Não é incomum as “interpretações” se
tornarem a interpretação que alguém faz no contexto de sua comunidade de fé, da
tradição e da história.

Este é um problema que se levanta nas exegeses e hermenêuticas modernas:


até que ponto o texto “fala” e “eu” escuto? Até onde o que nós dizemos ser a correta
interpretação da Bíblia – mesmo sendo a leitura de uma Igreja e não de indivíduos –
não se torna uma leitura ditada pelos pressupostos construídos ao longo dos tempos
pela história e tradição daquela confissão?7

5
Cf. DULLES, Avery. A Igreja e seus modelos; apreciação crítica da Igreja sob todos os seus
aspectos. Tradução de Alexandre Macintyre. São Paulo: Paulinas, 1978. p. 84.
6
Id. Ibid.
7
Bultmann levanta esta questão no artigo: “Será Possível a Exegese Livre de premissas?” – Ist
Voraussetzungslose Exegese Möglich? Theologie Zeitschrift, 1957. Afirma que é preciso dizer “sim” a
esta pergunta se, livre de premissas significar: sem pressupor os resultados da exegese. Nesse sentido
a exegese livre de premissas não só é possível mas até constitui uma exigência. Por outro lado
nenhuma exegese naturalmente está livre de premissas uma vez que o exegeta não é nenhuma tabula
rasa mas aborda o texto trazendo consigo certas perguntas, isto é, analisando-o com certo enfoque,
93

Ao proclamar – Deixe Deus ser Deus – Barth alerta para o perigo da Igreja
não mais se subordinar ao texto e sua normatividade. Ele afirma que, embora na
teoria a Escritura regule a Igreja, há sempre a possibilidade de a Bíblia se tornar
prisioneira de alguma interpretação.8

4.1.1.
Interpretação da Bíblia na Igreja

Um novo princípio foi estabelecido com a Reforma: Sola Scriptura. Sua


autoridade é única e incontestável. Não se pode ser reformado sem aceitar esse
princípio, como não se pode ser calvinista sem a aceitação dos seus cinco pontos
doutrinários.9
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Ao afirmar que Reforma e Bíblia são inseparáveis, o uso da Bíblia serviu para
preencher o vazio que os indivíduos sentiram quanto à presença da divindade num
período bem anterior a Reforma. A alta Idade Média sentiu uma necessidade intensa
de contato com Deus. A piedade da época é marcada por esta precisão em meio a
filosofia e a teologia especulativa.10

além de ter certa noção do assunto de que trata o texto. Toda exegese dirigida por preconceitos
dogmáticos não ouve o que o texto está dizendo mas fá-lo dizer o que ela quer ouvir. Cf. ALTMANN,
W. (Ed.). Crer e Compreender. op. cit. 223-229. Ao falar sobre a processualidade da ciência, Japiassu
assim se expressa: se a ciência é histórica a “verdade” científica não pode deixar de ser também um
conceito histórico. A realização de uma “verdade” só poderá ser uma aproximação maior ou menor
dela. Sendo um produto humano, a ciência participa das vicissitudes da ação social. Não há ciência
absolutamente isenta de valorações e de ideologias. Mas o que mais entrava o progresso centífico são
as posições dogmáticas. Cf. JAPIASSU, Hilton. O Mito da Neutralidade Científica. 2. ed. Rio de
Janeiro: Imago, 1981. p. 60-61.
8
CD. I/1, p. 298.
9
Os cincos pontos do calvinismo foram aprovados na Assembléia de Dort (hoje Dortrecht) realizada
de 12 de novembro de 1618 a 9 de maio de 1619. São: Depravação Total do “homem natural”,
Expiação Limitada, Eleição Incondicional, Graça Irresistível e perseverança dos Santos. Nessa
assembléia foi condenado o arminianismo. Jacob Arminius (1559/1560-1609) tornou-se professor de
teologia em Leyden, Holanda, onde permaneceu até a morte. Ali se envolveu numa disputa acirrada
com Franciscus Gomarus (1563-1641) no que diz respeito à ordem do decreto divino da
predestinação. Franciscus era defendor ardoroso da tese supralapsária – supra lapsum – que Deus
decretara eternamente a eleição e não eleição das pessoas e então permitiu a queda como meio pelo
qual o decreto absoluto pudesse ser executado. A tese infralapsária – infra lapsum – afirma que Deus
permitiu a queda e então decretou a eleição e não eleição das pessoas. Cf. WALKER, W. op. cit. p.
634.
10
Bernardo de Clairvaux (1091-1153) encarna o gênio religioso de sua época e é considerado um dos
fundadores da mística medieval. Não nega o valor dos conhecimentos dialéticos e filosóficos mas
sustenta que sua importância é muito pequena diante das ciências sacras. Elabora sua doutrina do
94

A Igreja não soube canalizar este impulso no sentido de propiciar uma maior
abertura para uma relação mais direta com Deus. A Reforma surgiu de um grande
desejo de se entrar em contato direto com Deus. Por isso, em lugar dos tradicionais
meios para essa busca – a missa, romaria, devoção aos santos, confissão – a Reforma
entendeu que a Bíblia satisfazia plenamente essa aspiração.11 A alta estima pela
Bíblia conduziu a três aspectos;

4.1.2.
Tradução, Interpretação e Leitura

Ainda que não tenha sido um fenômeno exclusivamente protestante, foi a


partir do movimento reformador que surgiu um grande número de traduções da
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Bíblia. Isto começou com a tradução do Novo Testamento de Lutero e até 1534 toda
a Bíblia estava traduzida.12

A Bíblia precisava ser estudada num nível elevado. A exegese tornou-se, na


tradição reformada, o cerne da teologia. Para melhorar o nível dos estudos, Erasmo,
ainda que não seja um reformador mas um humanista, levou o jovem Melanchthon
em 1518 para a universidade de Wittenberg a fim de levantar o nível do ensino. Em
geral os reformadores se dedicaram ao estudo da Bíblia sendo adotado o método
filológico. Além disso expandiu-se o costume dos estudos bíblicos em casa. O pai
lia, de manhã e de noite, uma porção bíblica e explicava para os membros da família.
Este costume foi mais comum entre os puritanos13 da Inglaterra.

amor místico, ensinando que o caminho da verdade é Cristo e seu grande ensinamento é a humildade.
Cf. GILSON, Etienne. A Filosofia da Idade Média. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo:
Martins Fontes, 1995. p. 363.
11
Augustijn, Cornelis. Os Reformadores do Século XVI e a Bíblia. Em: Concilium. Petrópolis: Vozes,
1991/1. p. 71-89.
12
As traduções foram sendo aprimoradas na medida em que as igrejas reformadas se tornavam mais
exigentes no cumprimento dos princípios reformados. A Escritura precisava chegar às mãos do fiel
que, como intérprete, precisa fazer sua própria leitura interpretativa, desde que, ainda era muito difícil
pessoas habilitadas a lidar diretamente com o texto bíblico. Cf. BITTENCOURT, B. P. O Novo
Testamento: Cânon, Língua, Texto. 2. ed. Rio de Janeiro: Juerp; São Paulo: Aste, 1984; PAROSCHI,
Wilson. Crítica Textual do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1993; METZGER, Bruce. The
Text f the New Testament; its transmission, corruption and restoration. Third Enlarged Edition. New
York: Oxford University Press, 1992.
13
Augustijn, C. op. cit. p. 74.
95

O terceiro fator foi a leitura da Bíblia na liturgia. Este é um dos pontos mais
importante do movimento reformado. A Bíblia tornou-se o centro do culto. Deveria
ser lida e explicada. 14 O púlpito é deslocado para o centro da nave do templo. Sobre
ele, a Bíblia aberta usada pelo pregador. Ele a lê e explica. A tarefa principal é esta:
ler e explicar a Palavra de Deus. O ministro continua sendo uma espécie de
mediador-sacerdote, de uma salvação que se dirige ao homem não através de atos
sacramentais mas pela pregação.

4.1.3.
O Ser da Igreja

Ela é a comunidade viva do vivo Senhor Jesus Cristo. Somos chamados a ser
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Igreja. Há chamados especiais para tarefas específicas. Há o chamado para ser


Igreja.15 A finalidade dessa vocação é, antes de tudo, viver a experiência da

14
Deve-se ressaltar que o costume da leitura da Bíblia na celebração é um costume tão antigo quanto a
fundação do judaísmo com Esdras e sua escola de escribas. Ao que sugerem os textos judaicos, antes
da era cristã, com respeito a Torah, havia um sistema fixo de perícopes que deviam ser lidas no
decorrer dos sábados do ano. A leitura da Escritura também faz parte da Igreja Apostólica. O primeiro
a mencionar isto é Justino, o qual, em sua apologia, relata que eram lidas as “memórias dos apóstolos”
ou seja, os Evangelhos, e os escritos dos profetas. ALLMEN, J. J. von. O Culto Cristão; teologia e
prática. Tradução de Dirson Glênio Vergara dos Santos. São Paulo: Aste, 2006. p. 129; BARRERA,
Júlio Trebolle. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã; introdução á História da Bíblia. Tradução Ramiro
Mincato. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1999; CULLMANN, Oscar. Early Christian Worship. Tradução de
A. Stewart Todd and James B. Torrance. London: SCM Press LTD. 1969. p. 7-36.
15
O termo εκκλεσια tem o sentido de um chamado para se constituir em Igreja. Na Grécia era a
reunião de pessoas que eram convocadas, como cidadãos da polis, para reunirem-se em praça pública
e tomar decisões relativas a problemas entre seus cidadãos ou mesmo em relação a cidades vizinhas.
A palavra se origina do verbo καλεω - chamar e a preposição εκ que é um prefixo com o sentido “de”
(dentro para fora), ou seja, significa chamados de dentro (de suas casas) para fora (para a praça) para
se reunirem em assembléia civil para tomada de decisões. A partir de Tucídides, Platão e Xenofonte,
ekklesia é a assembléia do demos (povo), em Atenas e na maioria das cidades gregas. É com esse
sentido que a palavra aparece principalmente em Atos (19,32; 39; 40). Os cidadãos são os ekkletoi,
convocados por um arauto para uma reunião. Historicamente o termo ekklesia foi o único que se
impôs na comunidade cristã como termo técnico para designá-la. Os latinos não sentiriam a
necessidade nem a possibilidade de traduzi-la. Tertuliano designa uma vez a Igreja em seu
Apologeticum por Cúria, uma tradução exata que não se tornou técnica. O mesmo se deu com a civitas
Dei (Cidade de Deus) em Agostinho e outras traduções latinas que não se firmaram como “contio” e
“comitia”. A tradução literal teria sido “convocatio”. Tanto no latim como nas línguas românicas, ao
contrário das germânicas, os termos guardaram o nexo direto com o termo usado no Novo
Testamento: em latim ekklesias, espanhol Iglesia, francês Eglise, italiano, chiesa. É significativo que o
termo alemão “kirche” e o inglês “church”, o sueco Kyrka, o eslavo Cerkov, não se deriva de Cúria
como pensava Lutero. O termo vem do adjetivo kyriakê (pertencente ao Senhor) e certamente não de
ekklesia. Veio do reino dos Godos, de Teodorico, o Grande e sua origem se encontra na forma
bizantina popular kyriakê. No grego Κυριακη ηµερα. No entanto sempre se insiste na relação entre
as duas palavras. Ekklesia não é um termo dos Evangelhos. Só aparece em Mateus (Mt. 16,18 e
96

comunhão em Jesus Cristo. Pode-se dizer que Communio16 é a palavra definidora da


Igreja. É o processo de vida de uma mediação recíproca de uma pluralidade de
pessoas independentes e uma realidade relacional. A comunhão estabelece uma
mediação de identidade e diferença. O diferente une-se a outro, na participação a
algo que lhes é comum sem que se diluam as diferenças.

Quando Paulo fala da comunhão com Cristo, não quer dizer comunhão de
cada um com Cristo. É a comunhão de todos entre si, estando todos em Cristo. A
comunhão do indivíduo com Cristo é a comunhão com o Senhor e com a
comunidade. Esse é o verdadeiro sentido do ser Igreja: a comunidade das pessoas a
quem Deus permite viver como amigos, como testemunho da reconciliação do
17
mundo consigo mesmo. Os escritos paulinos sobre a questão concentram-se nas
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duas cartas aos corintios, dada a complexidade das relações entre aquelas pessoas. A
comunhão é necessária, imprescindível, para se viver o verdadeiro Evangelho. Ele
afirma que Cristo não está dividido. Nele, nos tornamos um e somos incluídos no que
Paulo chama de Corpo18 de Cristo, no qual nos tornamos membros uns dos outros.
Essa relação não depende de afinidades humanas com relação aos outros, mas com o

18,17). É comum em Atos e nas cartas paulinas. Cf. KITTEL, Gerhard. A Igreja no Novo Testamento.
Tradução Helmuth Alfredo Simon. São Paulo: Aste, 1965. p. 31-3; KÜNG, Hans. Ser Cristão.
Tradução de José Wisniewski Filho. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 416; CD. IV/1. § 62. p. 651.
16
(com)munio remete, em primeiro lugar, à raiz Mun, que significa fortificação e Moenia, muralha.
Pessoas que se encontram em comunhão estão juntas por trás de uma fortificação comum, estão
unidas pelo mesmo espaço vital. Esse espaço é demarcado e une as vidas dessas pessoas em comum
de forma que uma depende da outra. Em segundo lugar (com)munio faz referência à raiz mun que é
refletida na palavra latina múnus, que significa tarefa, serviço ou também graça, dom, recompensa. O
que está em comunhão está obrigado a um serviço mútuo, mas de tal forma que este serviço é
precedido de um dom de antemão, que se recebe para passá-lo a outro. Desta maneira o conceito de
communio está implicado ao de doação. Diferentes pessoas são levadas à mediação, até a unidade e
vice-versa. Por isso communio não é um conceito estático mas dinâmico, Comunhão é o processo de
realização da vida. Cf. GRESHAKE, Gisbert. El Dios Uno y Trino; uma teologia de la trinidad.
Traducion Roberto Heraldo Bernit. Barcelona. Herder, 2001. p. 220-221.
17
BARTH, Karl. La Iglesia, comunidad viva de Jesucristo El Senõr que vive. Em: Ensaios
Teológicos. op. cit. p. 192.
18
Paulo usa o termo σοµα (corpo) para caracterizar a existência do ser humano. “Soma” é parte
constitutiva da existência. Isto fica evidente, de modo mais claro, a partir do fato dele não imaginar
um existir futuro do ser humano, depois da morte física, sem um soma. O termo grego σοµα é
contraposto a Φυχη (alma) e πνευµα (espírito), (I Ts. 5,23; I Co. 5,3; 7,34). Designa o ser humano
enquanto ser vivente. Paulo jamais chama soma o corpo da morte, o cadáver, algo comum no grego
profano e na Septuaginta. Só existe soma enquanto o corpo pode se tomar a si mesmo por objeto de
seu agir ou experimenta a si mesmo como sujeito de um evento, de um sofrer. O ser humano só pode
ser chamado de soma na medida em que tem uma relação consigo mesmo e, de certo modo, pode se
distanciar de si mesmo. Cf. BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. op. cit. p. 247-259.
97

fato de que Cristo se faz o nosso unificador. A marca da Igreja é a comunhão em


Cristo (koinonia). A oração sacerdotal (Jo. 17) revela a preocupação do Senhor em
relação à comunhão de seus discípulos. “... a fim de que todos sejam um...” (17,21).
“a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade.” (17,23). A bênção apostólica invoca
sobre nós a graça do Filho, o amor do Pai e a comunhão do Espírito. As cartas
joaninas afirmam que o Evangelho nos chama para que tenhamos comunhão uns com
os outros e essa comunhão envolve comunhão com o Pai e com o Filho. (I Jo. 4, 23-
24).19

4.1.4.
Igreja como realidade Dinâmica
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Nos trabalhos preparatórios para a abertura da assembléia inaugural do


Conselho Mundial de Igrejas (CMI), em setembro de 1948, em Amsterdam, Barth
apresenta a Igreja como a comunidade dos santos que estão em Cristo, ressuscitado
dentre os mortos. A Igreja fala de Cristo e da comunidade que caminha em direção à
sua vocação. Mas o discurso não é atemporal. É histórico. Supranatural. Começa no
tempo e é distinta da história de qualquer outro tempo pela singularidade de seu
início e consumação. O tempo da Igreja é aquele que vai da ressurreição de Jesus até
a sua Parousia. Esse é o tempo de sua história.20 É nesse entretempo que a Igreja
vive suas lutas e crises. É nela que se concretiza o acontecimento máximo entre todas
as pessoas, no ato de reconciliação do mundo, realizado por Jesus Cristo, no qual
todos são postos sob a graça e o juízo misericordioso de Deus. A Igreja aponta para
esta dinâmica do acontecimento humano que se realiza em meio a história universal.

19
João escreveu sobre comunhão na perspectiva do amor que é o centro de sua mensagem. Cf.
TEPEDINO, Ana Maria. Das Trevas da Angústia à Consolação do Amor: experiência de fé na
comunidade joanina inspirada pelo Espírito Santo. Em: TEPEDINO, Ana Maria, (Org.). Amor e
Discernimento: Experiência e Razão no Horizonte Pneumatológico das Igrejas. São Paulo: Paulinas,
2007. p. 53-69; BARTH, Karl. Comunidad viva de Jesucristo El Senõr que vive. Em: BARTH, Karl.
Ensaios Teológicos. op. cit. p. 191-214.
20
BARTH, Karl. Ensaios Teológicos. Id. Ibid.. Há um excelente livro sobre a questão do tempo e
história no Novo Testamento. Cf. CULLMANN, Oscar. Cristo e o Tempo: Tempo e História no
Cristianismo primitivo. Tradução de Daniel Costa. São Paulo: Editora Custom, 2003.
98

Em Barth o caráter dinâmico da Igreja transparece em seus escritos na forma


do falar da Igreja como uma ocorrência, ou seja, o ato pelo qual ela existe. É na
manifestação do ajuntamento que se evidencia seu ser como comunidade para o
mundo. Ela é reunião, comunidade e Igreja. Como reunião é acentuado mais o
caráter do devir,21 isto é, um vir a ser constante. Ela é a ocorrência do reunir e a
própria comunidade reunida. Não existe como instituição, primeiro. Existe porque
sempre se oferece para o ajuntamento litúrgico. No caráter de reunião está implícita
toda essa dinâmica da relação de uns com os outros. A Igreja é em si o encontro de
diferentes que, diante do mistério pascal reúnem-se para celebrar a vida que é
oferecida pelo Espírito Santo. No serviço religioso Jesus se dá a conhecer como
Senhor, aos indivíduos em particular e à comunidade, como Senhor do mundo.
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Aqui não se destaca o corporativismo nem a autoridade de uns sobre os


outros. Igreja não é primeiro a entidade, a instituição. É primeiro a comunidade que
se reúne para adorar ao Senhor Ressuscitado. Não se deve dissociar Igreja como
comunidade reunida da Igreja como instituição. Sem a comunidade que se reúne e
adora, não existe a instituição chamada Igreja. A instituição é uma realidade
relativizada e dependente da realidade da comunidade que se ajunta para o serviço da
adoração. Pode-se dizer, numa linguagem aristotélica, que a instituição é uma
abstração, ou seja, uma realidade segunda, que não se concretiza senão na presença
concreta daqueles que se ajuntam para o serviço.22 Pode-se dizer que a Igreja
universal só se compreende a partir da Igreja local e da sua realização concreta.

21
Termo extraído da filosofia de Heráclito (540-480 aC). O devir é a fruição do tempo, onde se
encontra a essência de todas as coisas. Os pensadores originários ainda não eram metafísicos.
Pensavam o ser de outro modo. Ao pronunciarem a palavra το ον, τα οντα, o ente, esses pensadores,
justamente por serem pensadores, não pensam substantivamente a palavra e sim verbalmente. Assim,
το ον (ente), é pensado no sentido de sendo, isto é, de ser, mas ser em ação. Cf. HEIDEGGER,
Martin. Heráclito; A origem do pensamento ocidental lógica. A doutrina heraclítica do logos.
Tradução de Márcia Sá Cavalcanti Schuback. Rio de Janeiro: Relumé Dumará, 1998. p. 73.
22
Hans Küng afirma que a reunião concreta é a atual manifestação, representação e realização da
comunidade neotestamentária. A comunidade é a permanente portadora do evento da reunião a
renascer sempre de novo. Cf. Ser Cristão. op. cit. p. 416-417.
99

4.1.5.
Comunidade de Fé

A Igreja como comunidade acentua que a ekklesia jamais é uma hiper-


organização, abstrata e distante, repleta de pessoas, sacerdotes, doutores e
funcionários eclesiásticos que pairam acima da reunião concreta. Entender assim é,
segundo Barth, uma anomalia no conceito de Igreja, comunidade viva que serve a um
Senhor vivo. Como corpo vivo ela se alimenta da Palavra que emana do próprio
Senhor e se nutre do Pão do seu corpo na ministração dos sacramentos.23

A comunidade cristã, distinta de qualquer outra comunidade, vive a


experiência de ser Igreja, povo eleito de Deus pela graça invocada sobre nós. Essa
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possibilidade de comunhão é que caracteriza o povo que se congrega com o nome de


Igreja. Sua marca distintiva é o amor que deve ser a atmosfera na qual os cristãos
testemunham sua fé.

Districh Bonhoeffer faz uma clara distinção entre sociedade e comunidade.


Um grupo que se reúne por puro impulso natural não pode ser chamado de
sociedade. A comunidade social é, em essência, uma comunidade de vontade (will).24
Uma comunidade humana só existe quando há uma ação consciente na busca de
propósitos e na realização de atos de desejos. Nesse sentido a sociologia pode ser
definida como a ciência que estuda as estruturas das comunidades e os atos de
vontade que as constituem.25 No entanto, sociedade é distinta de comunidade. Mas a
distinção não é fácil.26

23
BARTH, K. La Iglesia comunidad viva de Jesucristo el Senõr que vive. Ensayos Teológicos. op.
cit. p. 191 et. seq.
24
BONHOEFFER, Districh. The Communion of Saints; a Dogmatics Inquiry into the Sociology of the
Church. New York/Evanston: Harper & Row, Publishers, 1963. p. 55 et. seq. cf. CD. IV/2. § 67.2.
The Growth of the Community. p. 641.
25
Id. Ibid.
26
Bonhoeffer afirma que a distinção de Max Weber e Troeltsch pode ser uma concepção falsa.
Segundo Weber família, nação e Igreja são comunidades; um clube, uma empresa e provavelmente
uma seita são sociedades.
100

4.1.6.
Igreja e Comunidade

É quase impossível separar Igreja e comunidade. Os termos são


intercambiáveis. Torna-se claro que ekklesia jamais é uma seqüência desligada de
agremiações religiosas, isoladas e auto-suficientes, mas caracteriza os membros de
uma comunidade complexiva unidos entre si, em serviço mútuo.

Esse conceito está vivo em Karl Barth. A Igreja como comunidade viva do
vivo Senhor Jesus é a comunidade de fé que experimenta a nova vida em Cristo, no
diálogo com o mundo. Ela é Igreja a partir da vivência de determinadas situações
históricas que fizeram com que os primeiros discípulos se sentissem vivendo uma
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nova realidade com sua fé assentada na experiência de Jesus ressuscitado.

A Igreja é uma construção histórico-humana, cuja existência envolve a ação


27
humana. Ela, como comunidade, é a “forma histórico-terrena da existência de
Jesus Cristo em si mesmo. Mas também nela, Jesus Cristo esta vivo como o
crucificado e o ressuscitado em sua forma de existência histórico-celestial.”28 Para
conhecer a verdadeira Igreja não podemos olhar de forma abstrata para o que as
ações humanas parecem ser em si mesmo. Barth afirma que ela é uma comunidade
tão singular que não tem paralelo em sua essência. Ela é também uma construção do
Espírito Santo, o verdadeiro sustentador dessa comunidade. Ele a gera, santifica e a
prepara para cumprir sua missão. Ele é o despertador do poder no qual Cristo formou
a ainda continua renovando seu corpo, ou seja, sua forma terrena de existência: a
Igreja, Uma, Santa, Católica e Apostólica.29

Ela é uma criação espiritual e como tal busca uma liberdade que não se
alcança meramente pelo esforço físico. Antes de buscar a libertação das tiranias e
opressores dos poderes seculares deste mundo, a pessoa pertencente à Igreja deve
buscar, antes de mais nada, libertar-se de si mesmo. Este paradoxo se evidencia na
27
CD. IV/1. § 62. p. 661. O Espírito Santo e a Edificação da Comunidade Cristã.
28
CD IV/1. § 62. Id. Ibid.
29
CD. IV/1 § 62, p. 643. O Espírito Santo e a Reunião da Comunidade Cristã.
101

luta do indivíduo com seus próprios medos. Alcançar a liberdade significa depositar
sua confiança naquele que é capaz de libertá-lo dos cativeiros e das opressões.30 O
sentido aqui é que, Cristo liberta das cadeias concretas da vida e conduz a pessoa a
plena liberdade mas também liberta espiritualmente das crises existenciais. Assim, a
obra da Igreja é completa quanto ao corpo (soma) pois nega que sua mensagem se
dirija apenas ao atendimento das necessidades tidas como materiais, pois tal
distinção é desconhecida da pregação e mensagem de Jesus. Sendo o corpo
constituído de σαρξ (carne) e Φυχη (alma), suas carências são de duas ordens. Deus
mesmo é quem promove a liberdade da pessoa incapaz de libertar-se a si mesma e a
transforma, de escrava do pecado em serva de Cristo, livre do pecado e da morte.
(Rm.6,20-22).
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Falar da Igreja como povo de Deus é levantar a questão do ser da


comunidade. Nos §§ 62 e 67 (CD. IV/1; IV/2) Barth trata respectivamente dos temos
“O Espírito Santo e a reunião dos santos em comunidade” e “o Espírito Santo e a
construção da comunidade”. São temas que pertencem à doutrina da reconciliação,
porque a restauração da comunidade por meio da união entre Deus e a humanidade
significa simultaneamente a recriação da comunidade no mundo pelo Espírito
Santo.31 Ao ver a Igreja como uma parábola e uma promessa para todo o mundo,
Barth apresenta a Igreja como uma representação provisória de toda a humanidade
justificada e reconciliada com Deus. Este universalismo32 não é assumido claramente
por ele, no entanto parece indicar que em Cristo, o representante de todos os homens,
a adoção e a reprovação se fundem numa só coisa, a graça irresistível ressalta o
triunfo final do homem sobre o pecado na pessoa de Cristo.

A essência da comunidade cristã é ser um evento, um acontecimento levado a


efeito por Deus para a restauração de todas as coisas. Ela é definida por suas
atividades e deve ser vista não como uma realidade dinâmica cujo objetivo é permitir

30
KÜNG, Hans. La Iglesia. op. cit. p. 182 et. seq.
31
CD. IV/1; IV/2; 614-426; GREEN, Clifford, (Ed). op. cit. p. 234 et. Seq.; BARTH, Karl. Holy
Ghost. op. cit. p. 11-27.
32
Cf. Nota 213.
102

que o Deus loquitor se torne conhecido pelas ações de seus integrantes. Jesus Cristo,
o Senhor, é o cumprimento de sua existência. Não há Igreja sem que esta esteja em
Cristo. Sem isso, ela se torna um clube, uma associação, mas não um corpo místico
que por meio de suas ações revela o amor de Deus pelo ser humano.

Quando Brunner publicou seu livro Das Missverständnis der Kirche33 (1951),
Barth considerou que ele cometeu um equívoco ainda maior que a proposta do livro,
ao afirmar que a ecclesia do Novo Testamento não tem seguidores. Ainda que haja
elementos daquela Igreja nas igrejas de hoje, não se pode identificar uma com a
outra.34 As Igrejas da Reforma teriam sido construídas por atos humanos,
diferentemente da Igreja do Novo Testamento que fora construída, ou melhor,
tornada (became) como tal pela ação direta do Espírito Santo.
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Evidentemente a Igreja envolve em sua edificação a ação humana, o que não


a impede de ser constituída como tal por obra do Espírito Santo. Não se pode olhar
numa perspectiva abstrata para a Igreja. Na verdade, a operação do Espírito Santo,
que capacita as pessoas e lhes concede carismas os mais variados, lhes concede a
distinção de ministrar esses dons no contexto da comunidade para edificação dos
santos e testemunho diante do mundo.35 É aqui que a Igreja começa de fato a ser a
Igreja do Novo Testamento sem que a experiência dos primeiros discípulos seja
repetida. Mas pode ser reeditada na experiência de comunhão dos santos. Brunner
afirma que ninguém pode chamar Deus de Pai sem ter as pessoas como seus irmãos,
que se vêem a si mesmos como filhos de Deus que partilham as alegrias e lutas do
Evangelho.36 Essa comunidade, Corpo de Cristo, repleto de indivíduos diferentes, se
relacionam por meio de diferentes serviços prestados uns aos outros. Esta diferença
não separa nem divide. Ao contrário, é somente por meio dessas distinções que as
33
BRUNNER, E. O Equívoco Sobre a Igreja. Tradução de Paulo Arantes. São Paulo: Novo Século,
2000. p. 34-35.
34
Brunner afirma que as Igrejas Reformadas resgataram algo do espírito da ecclesia neotestamentária
ao dar mais valor ao sujeito da comunidade que a instituição, algo muito mais presente no calvinismo
que no luteranismo. Para o luteranismo tudo culmina na correta confissão e no modo correto de crer.
BRUNNER, E. O Equívoco sobre a Igreja. op. cit. p. 110; CD. IV/2. § 67. p. 616.
35
CD. IV/2. § 67. p. 616.
36
BRUNNER, Emil. The Word of God and Modern Man. Tradução de David Cairns. Richmond: John
Knox Press, 1964. p. 83-84.
103

identidades aparecem na relação Eu-Tu. Através de diferentes dons somos chamados


a cada dia a viver a realidade do serviço, primeiro um ao outro, servindo aos de casa
e depois a todas as pessoas indistintamente. A verdadeira vida cristã é vivida na
entrega e no recebimento solidário de apoio. Onde o amor governa, desaparece o
egoísmo do individualismo. Aqui, a individualidade e a coletividade se entrelaçam.
Cada um é pessoa em particular com o propósito de buscar o outro para a partilha e a
adesão solidária aos problemas da vida.

Nesse sentido, minha identidade cristã, de indivíduo pertencente a um corpo,


o Corpo de Cristo, me conduz a entender essa individualidade não como algo
cêntrico mas excêntrico. É um tipo de particularidade que, partindo de um centro, se
expande por meio de um carisma dado pelo Espírito Santo.37
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O exercício desses carismas conduz a uma prática cristã libertadora. É


oferecendo-se ao outro que a comunidade, em cada um de seus membros, vive a
verdadeira experiência de ser uma autêntica comunidade de filhos e filhas de Deus
no serviço de Jesus Cristo. O fundamento para essa relação entre os membros do
corpo é a própria experiência trinitária que conduz a uma pericorese da Trindade.38

Como obra do Espírito Santo a Igreja se torna presente por meio de suas
atividades e serviço. Desta forma ela não somente tem uma história, mas existe

37
Id. Ibid.
38
O termo grego περιχορεω vem das palavras περι (em torno de) e χοροs – dançar em torno de. A
palavra é desconhecida dos autores do Novo Testamento. A palavra χοροs é um hapaxlegomena,
aparece apenas em Lucas (15,25) mostrando que o filho mais velho na parábola do Pródigo, ao voltar
para casa ηκουσεν συµφωνιαs και χορων (ouviu músicas e danças). O termo pericorese significa
dançar em torno de. No caso da Trindade significa que a relação das Pessoas, Pai, Filho e Espírito é
circulante. A união, o amor, as relações hipostáticas são circulantes com força de propulsão
centrífuga. Leonardo Boff chama a atenção para o fato de Jesus dizer εγω και ο πατηρ εν εσµεν (Eu
e o Pai somos Um) (Jo. 10,30). O termo εν vem de ειs – Um por união e não numericamente que
nesse caso seria ειs (com aspiração forte, heis). A união do Pai e do Filho não apaga a diferença e a
individualidade de cada um. Antes, supõe a diferença. É unidade na diversidade. O amor
transbordante de Deus conduz para a alteridade. Cf. BOFF, Leonardo. Trindade, Sociedade e a
Libertação. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 16.
104

somente e enquanto se manifesta com uma história definida. Ela se reúne e se junta a
si mesmo no Cristo vivo por meio do Espírito Santo.39

É marcante como Barth torna palpável a realidade da Igreja, apresentando-a


não apenas como uma realidade dinâmica, cuja vida é expressa por meio da ação do
Espírito Santo, mas também o faz ao enfatizar o papel da pessoa humana no projeto
relacional de Deus.

Ele afirma que o ato da criação incluiu não somente a ação de criar mas
também o produto da criação, ou seja, a criatura.40 Assim, criador e criatura estão
juntos como um todo integral. É uma questão fenomenológica. Deus, como criador,
está atento às necessidades de suas criaturas, não somente de um modo geral mas de
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41
modo especialmente particular. A doutrina da criação associa o criador com a
criatura mas ao mesmo tempo distingue ambos. A criação em si é a divina distinção
da criatura. Esta doutrina conduz a uma antropologia, um exercício sobre a atividade
humana em sua relação com Deus. É uma relação especial, embora o homem não
seja criador mas criatura. A criação – criatura – é todo o cosmo que se situa diante de
Deus como obra de suas mãos. Como tal é colocado por Deus no mundo que Ele tem
criado.

39
CD. IV/1. § 62.2. O Ser da Comunidade. p. 650.
40
CD. III/2. § 43. p. 3. A criatura: o ser humano como um problema da dogmática. Ele afirma que isto
é comparativo ao termo obra que significa tanto o ato de fazer algo como o seu resultado.
41
CD. III/2. Id. Ibid.
105

4.1.7.
A Doutrina do Ser Humano

Na doutrina da reconciliação42 Barth trata da doutrina do ser humano. Este é o


objeto desta obra de Deus realizada e levada a cabo por Ele mesmo. A reconciliação
pressupõe dois lados: criador e criatura, que estavam em relações rompidas. A obra
de Deus é promover a reconciliação, a qual, de forma nenhuma seria levada a efeito
senão por Sua iniciativa. Ele afirma que, quando falamos de Jesus Cristo, deveremos
sempre falar de seu trabalho como mediador entre Deus e o ser humano. Falar de
Jesus sem sua obra expiatória é fazer abstração com o Evangelho. A pessoa de Cristo
é idêntica a sua obra como redentor.43
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A obra de Deus é promover a reconciliação, a qual, de forma nenhuma, seria


levada a efeito senão por sua iniciativa. Moltmann afirma que a questão levantada
por Moisés na Montanha do Encontro – quem sou eu para ir ter com o Faraó? –
(Ex.3,11) recebe uma estranha resposta: “Eu estarei contigo!” O nome do Deus que
se põe a esta ação é: “Eu sou aquele que Sou!” (3,14). A pergunta levantada pelo
homem – Quem sou eu? – não recebe resposta direta, pois, ao que parece, se torna
inútil quando Deus garante sua presença e a comunhão no caminho da vida.44

42
CD. IV/1,2 3. (1953-1959) oferece a mais grandiosa sistemática moderna. Além de juntar as
doutrinas, tradicionalmente separadas, sobre Jesus Cristo, pessoa (cristologia) e obra (soteriologia),
reúne também a doutrina das duas naturezas (divina e humana) e dos dois estado (humilhação e
glorificação). No esquema clássico dos três cargos, em três perspectivas contínuas (IV/1; IV/2; IV/3)
aborda os cinco círculos de assuntos da doutrina cristã da reconciliação: Cristologia: Jesus Cristo
como verdadeiro Deus – verdadeiro homem – Deus e homem; cargo sacerdotal – real – profético;
doutrina sobre o pecado: soberba – preguiça do homem; soteriologia: justificação – santificação –
vocação do homem; eclesiologia: reunião – edificação – missão da Igreja; pneumatologia: despertar
para a fé – vida em amor – iluminação para a esperança. Este tomo é provavelmente o mais lúcido
quanto à clarificação da teologia de Barth. Tudo se resume na reconciliação promovida por Deus em
Cristo. O centro de sua teologia é a cristologia, alvo das críticas mais contundentes dos seus
oponentes. Alguns o acusam de ter um cristomonismo e não uma cristologia. Mondin afirma que sua
visão trinitária é prejudicada por um cristocentrismo que tende a se transformar em um
cristomonismo. MONDIN, B. Os Grandes Teólogos... op. cit. p. 76. Cf. tb. KÜNG, H. Ser Cristão.
op. cit. p. 558.
43
Cf. PITTENGER, Norman. Christology Reconsidered. London: SCM Press LTD, 1970; BAILLIE,
Donald M. Deus estava em Cristo; Ensaio sobre a encarnação e a Expiação. Tradução de Jaci Correa
Maraschin. São Paulo: Aste, 1983; BERKOUWER, G. C. A Pessoa de Cristo. Tradução de A.
Zimmermann e P. G. Hollanders. São Paulo: Aste; Rio de Janeiro: Juerp, 1983.
44
MOLTMANN, Jurgen. O Homem: Mistério a Desvendar – Ensaio de Antropologia. Tradução de
Ruth Delgado. São Paulo: Paulinas, 1976. p. 31.
106

É a esse homem, criatura de Deus, que o Senhor se dirige para dizer: “ouvi o
clamor do meu povo. Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu
clamor, por causa dos seus opressores; pois, eu conheço as suas angústias.” (Ex. 3,7).
A obra de Deus é promover essa ação do encontro e da busca. Barth anuncia a
mensagem do Deus Conosco – Emanuel - o Deus que responde a Moisés, que
pergunta sobre si mesmo, com a desconcertante resposta do Deus que garante sua
presença, que se abre à participação na história e oferece uma nova possibilidade de
comunhão.45

Um dos problemas das antropologias teológicas desatentas reside no fato de


tratar a pessoa humana como uma abstração. A generalização amesquinha a relação.
Mesmo quando Deus fala de Povo não trata de uma relação abstrata mas um viver e
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experimentar a luta de determinados grupos. Nietzsche46 afirma que, ao contrário do


Novo Testamento, ele ama o Antigo porque ali encontra um Povo. Um povo nômade,
rústico mas um povo de coração forte. A abstração nega o Deus conosco. O Deus da
Bíblia apresenta, no coração da mensagem cristã, a participação de Deus em meio a
realidade temporal e existencial dos indivíduos na comunidade cristã.47

45
CD. IV/1. § 57. p. 3-21. “Deus conosco!” é a tradução do extraordinário nome Emanuel que é
mencionado três vezes em Isaías (7,14; 8,8; 8,10). Segundo Mateus (1,21) encontra seu cumprimento
no nome de Jesus. Em uma longa nota Barth, embora justificando a não necessidade de entrar nas
questões exegéticas do texto, mergulha na controvérsia quanto aos termos Almah e Immanuel. Os
protagonistas desta guerra são: Acaz, rei de Judá (734/3-728/7 aC), Rezin, rei de Damasco e Pecah,
usurpador do trono de Samaria. O motivo político desta campanha militar foi, provavelmente, a não
participação de Acaz na aliança anti-Assíria. O pano-de-fundo histórico e político foi a crescente
hegemonia da Assíria na Palestina. Deus promete, por meio de Isaías que Judá não seria destruído.
Deus sugere que o rei faça prova do cuidado de Deus pedindo um sinal de garantia da proteção que
venha legitimar a palavra do profeta como palavras de Iahweh. Acaz recusa categoricamente a oferta.
Então, o próprio Iahweh toma a iniciativa e oferece o sinal Immanuel. O problema do sentido do verso
14 é um dos mais discutidos da exegese do Antigo Testamento. Ou seja, o anúncio trata de libertação
ou castigo? A partícula lahen – por isso, geralmente aparece em anúncios de condenação
(gerichtsankündigungen) na literatura profética. Mas é preciso julgar o relato do sinal não a partir
apenas, de uma partícula introdutória, mas sim a partir do sentido do sinal dentro do seu contexto e o
significado encontra-se no nome dado à criança. Deus Conosco torna-se verdade para o Povo de Deus
seja na paz ou na guerra, quando o inimigo invade nossas terras e as devastam. Será sempre verdade a
despeito dos mais incríveis movimentos da história. Deus é o Deus que não age sem o seu povo e
torna-se assim a sua esperança. Cf. BOUZON, Emanuel. Profetismo no Antigo Testamento. Notas de
Aulas. Puc. 2004.
46
NIETZSCHE, F. A Genealogia da Moral. Tradução de Joaquim José de Faria. São Paulo: Editora
Moraes, 1985. p. 101-102.
47
CD. IV/1. p. 4.
107

Por força de nossa herança helenística, somos traídos pelo platonismo que nos
faz caminhar na contramão do Evangelho de Jesus Cristo. Platão privilegia as
formas, as idéias, em lugar da realidade existencial da criatura. Nos discursos
teológicos conservadores e fundamentalistas, Platão é assumido, na maioria dos
casos, de forma inconsciente, como se fosse um Nabi. Na verdade, não coube a ele a
criação da relação. Isso ficou para seu discípulo, Aristóteles que, ao trazer a realidade
para a existência, fêz surgir o Outro. Coube a ele, Aristóteles, produzir o discurso
sobre a alteridade e criando a relação Eu-Tu. O dualismo platônico - corpo/alma –
privilegia a alma como estando nela a essência da criatura sendo necessário cuidar
dela e negar o valor do corpo. Em lugar de uma dualidade sadia propõe-se o
dualismo que opõe corpo e alma e nega o conceito judaico-cristão de Soma.
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Houve civilizações que reservaram o nome de seus integrantes para as


pessoas de seu povo. Certo missionário foi repreendido por um chefe nativo por falar
seu nome para outras pessoas. Ele disse ao missionário: meu nome é para meus
amigos. Pessoas, com nomes, são amigas da tribo. Os estrangeiros não têm nome
nem são pessoas.

Inicialmente as palavras abstratas eram desconhecidas.48 Conheciam-se


palmeiras, cedros e carvalhos. Não a árvore. Estranhamente a idéia veio mais tarde
com a especulação e a filosofia. Quando Cristóvão Colombo descobriu a América, a
dúvida era se índios eram pessoas humanas. A Bula de Paulo III (1537) declarou os
indígenas como pessoas por serem capazes de receber a fé católica e os
sacramentos.49

48
Para uma compreensão filosófica da questão dos universais e dos particulares é necessária uma
inserção na filosofia de Aristóteles. Na lógica estabelece a questão de uma teoria do conhecimento que
inicia com a Razão (ratio) e caminha para o conceito, daí para o juízo e o raciocínio. O conceito não é
um predicado nem um juízo, assim não é verdadeiro nem falso. É uma abstração, uma palavra, um
conceito universal. Para se tratar das coisas concretas é necessário sair do campo das idéias para o das
coisas concretas. Só se pode ajuizar, emitir juízo de valor, ao que tem realidade concreta. Aristóteles
aprofunda a questão tanto em sua lógica quanto na metafísica. Cf. ROSS, David. Aristóteles. Tradução
de Luis Filipe Bragança S. S. Teixeira. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987. p. 31-69 e 161-192;
REALE, Giovanni org. Aristóteles: Metafísica. Trad. Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002.
49
MOLTMANN, J. O Homem, Mistério a desvendar... op. cit. p. 19
108

4.1.8.
Deus Conosco: Aliança

Barth apresenta Deus como parceiro do ser humano.50 Fora a polêmica


exegética em torno de Isaías 7 o aspecto que mais o interessa é que Emanuel é o
Deus que não trabalha e age senão com o seu povo. É o Deus presente e que se
coloca ao mesmo tempo como uma esperança futura.51 Jesus Cristo é o Deus homem
e assim o Deus Conosco. (Mt. 1,21). É o Deus Homem na obra da reconciliação. Esta
é a restituição, o reassumir da comunhão que havia sido perdida mas que agora se
inicia o processo de restauração. Jesus é a expiação e esta é histórica.52 Como tal
deve ser conhecida mas não como qualquer história. É uma história especial, a
história de Deus com a pessoa humana. A aliança, cuja exeqüibilidade depende
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apenas de Deus, visa a justificar o ser humano. Ele é homo peccator e como ser
histórico jamais deixa de ser homo peccator. Mas, uma vez justificado, como pode
ser simul peccator et Iustus?53 A explicação encontra-se no54 fato de que o acesso a
esse estado de justificação dá-se plenamente pela fé em Cristo, por meio de quem
acessamos a graça de Deus que nos é oferecida. (Rm. 5,2). Paulo tem consciência de
que, nesse estado de graça, recebeu o privilégio de se tornar um enviado (apóstolo) e
de estar na posição de falar daquilo que não pode ser falado, de ser testemunha de
coisas que só Deus pode testemunhar. Ele que foi separado para o Evangelho por
Deus (Rm. 1,1) e por esta graça, é o que é. Daí que o resultado é a paz - ειρηνην -
que é propiciada por Jesus Cristo.55

50
BARTH, K. Dádiva... op. cit. p. 394.
51
CD. IV/1. p. 6.
52
CD. IV/1. p. 34, 157.
53
CD. IV/1. p. 517.
54
BARTH, Karl. Carta aos Romanos. op. cit. p. 240-241.
55
A exegese de Romanos 5,1 contém um longo problema textual por apresentar duas formas do termo
“temos”. Alguns manuscritos apresentam a forma εχοµεν, presente do indicativo plural. Outros, a
forma εχωµεν, primeira pessoa do presente do subjuntivo plural, “tenhamos”. As evidências externas
apontam para o favorecimento do subjuntivo. Há um número considerável de manuscritos antigos
como a cópia do Sinaítico, do Vaticano (B)* , o Alexandrino (A), Códice Ephraim (C), D, E, K, L etc.
que apontam para o subjuntivo. A descoberta do MSS 0220, do século III contribuiu decisivamente
em favor do indicativo. As evidências internas contribuem também para firmar o indicativo como a
opção mais plausível. O subjuntivo é contrário ao pensamento de Paulo. Ele, ao dizer – tenhamos –
como que exorta a pessoa a alcançar por seus próprios esforços, sua paz com Deus. O erro pode ser
atribuído a Tércio a quem coube a escrita do texto ditado por Paulo (Rm.16, 22). Cf.
BITTENCOURT, B. P. op. cit. p. 199-200; The Greek New Testament. Ed. by Kurt Aland, Matthew
109

4.2.
A Teologia a Serviço da Igreja

Para que serve a teologia? Esta é uma pergunta recorrente no meio


eclesiástico. Mesmo com seu recente status de disciplina acadêmica,56 há quem
julgue que não serve para nada. A Igreja sobrevive – pensam – sem a articulação do
discurso da teologia. Este ranço é antigo. No caso protestante, sua rejeição remonta
ao século XVII quando a aridez da ortodoxia contribuiu para se impor no imaginário
de uma parcela da Igreja a inaplicabilidade dos conceitos desenvolvidos na teologia
diante dos reclamos e da necessidade prática de apresentar os conteúdos da fé.

O termo “teologia” não é bíblico, não se encontra nas Escrituras. Foram os


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gregos e não os profetas que utilizaram o termo para designar o discurso de seus
poetas em referência a seus deuses.57 Aristóteles designa ‘teologia’ a ciência mais
elevada, a ciência daquela espécie de ser na qual a existência substancial autônoma
se encontra combinada com a ausência de mudanças.58

Black, Carlo Martini, Bruce Metzger and Allen Wikgren. United Bible Society. 3 ed. p. 540-541;
METZGER, B. A Textual Commentary on the Greek New Testament. Second edition. Edited by Bruce
Metzger. p. 452.
56
Este é um fenômeno não apenas brasileiro mas também latinoamericano. No Brasil, a Lei que
reconhece os cursos de teologia é de março de 1999. Na América Latina como um todo, os governos
de cada país têm iniciado o processo de reconhecimento dos cursos de teologia gerando preocupação
por parte das igrejas nacionais no sentido de se promover a qualificação dos cursos, instituições e
docentes. Instituições como a ASTE – Associação de Seminário Teológicos Evangélicos, que abriga
instituições teológicas no Brasil; ASIT, Associação de Instituições Teológicas (Cone Sul), CETELA,
Comunidade de Educação Teológica Ecumênica Latino Americana e Caribenha têm se empenhado na
discussão da dimensão universitária da teologia sem a perda do caráter vocacional que habilita para o
desempenho do mistério pastoral. Um FORO de Educação Teológica tem se reunido periodicamente,
sob os auspícios do CMI – Conselho Mundial de Igrejas. O último encontro se deu em agosto de 2007
em Buenos Aires.
57
ROLDAN, Alberto F. Para Qué Sirve la Teologia?; Uma respuesta Critica com Horizonte Abierto.
Buenos Aires, Fiet, 1999. p. 24.
58
Aristóteles trata da teologia em sua Metafísica, principalmente no Livro XII (Ε, Λ) Aqui ele afirma:
“se existe algo eterno, imóvel e separado, é evidente que o conhecimento dele caberá a uma ciência
teorética, não porém à física, porque a física se ocupa de seres em movimento (...) São três os ramos
da filosofia teorética: A Matemática, a Física e a Teologia - τεολογικη (E, 112, 1026 a 15-b) REALE,
Giovanni. Metafísica – Aristóteles. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002. 3 v.;
ROSS, David. Aristóteles. op. cit. p. 184.
110

4.2.1.
Igreja e Teologia

O termo “teologia” compõe-se de dois outros que lhe definem a natureza:


Theos + Logia, Deus + Palavra. Teologia tem a ver com “logia”, com palavra, saber,
ciência. Seria a tentativa de colocar Deus em um discurso.59 Tudo que trate de
questões divinas, não necessariamente da fé cristã, é uma teologia. Foi nesse sentido
que Marco Terêncio Varrão (Séc. I aC) usou o termo. Sua distinção de três tipos de
teologia foi transmitida por Agostinho: a mítica, utilizada pelos poetas; a Física
(natural) que é a dos filósofos que estudam o que os deuses são, o lugar que residem,
o gênero e a essência, o tempo e sua perenidade; e a Teologia Civil que é aquela
praticada pelos cidadãos e principalmente pelos sacerdotes que devem ensinar quais
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as divindades que devem ser veneradas publicamente e quais as cerimônias e


sacrifícios devem ser realizados.60

Aristóteles chamou sua “Ciência Primeira” a metafísica da teologia. A ciência


da Ουσια enquanto Ουσια, ou seja, a teologia da substância (Ser) e como tal,
eterna, imóvel e separada. Esse conceito persistiu até a Idade Média. Duns Scoto
chama a atenção para as divergências que reinaram entre os filósofos quanto ao
objeto supremo da metafísica. Para Avicena este objeto é o Ser; para Averróis é
Deus. Scoto opta pela posição de Avicena porque se Deus fosse o objeto da
metafísica seria necessário que a existência desse objeto fosse provada por outra
ciência posto que nenhuma ciência demonstra a existência do seu próprio objeto.

59
Há termos parecidos com “teologia”. A palavra “Teosofia” conota determinado conhecimento de
Deus que remonta a uma especulação filosófica de raiz mística e que diz respeito a um estudo
especulativo da sabedoria divina. Na sua forma vulgar, seria a forma do ocultismo relacionado com a
religião do extremo Oriente. O termo “Teodicéia” criado por Leibniz (1646-1716) e que serviu de
título a uma de suas obras: Ensaio de Teologia sobre a Bondade de Deus, a Liberdade do Homem e a
Origem do Mal, (1710). Ele demonstra que a justiça divina se dá por meio da solução de dois
problemas fundamentais: o Mal e a Liberdade Humana. Depois tornou-se sinônimo de “Teologia
Natural” que à luz da razão humana, ou seja, da filosofia tenta responder as questões “se Deus existe e
qual a essência de Deus”. Cf. LIBÂNIO, J. B. e MURAD, Afonso. Introdução à Teologia: Perfil,
Enfoques e Tarefas. São Paulo: Loyola, 1996. p. 62-63; sobre Religião Natural, Cf. HUME, David.
História Natural da Religião. Tradução de Jaimir Conte. São Paulo: Editora Unesp, 2005.
60
ABBAGNANO, Nicola. (Ed.). DICIONÁRIO DE FILOSOFIA. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
“Teologia”. p. 949-951.
111

Esta outra ciência, segundo Averróis, não pode ser outra senão a física. Desta forma
a metafísica lhe é subordinada. 61

A teologia natural, se utiliza de conceitos tomados da Natureza. Pode ser


chamar também de teologia física62 se remontar aos atributos partindo da ordem e da
constituição do mundo. Segundo Baumgartem é a ciência de Deus na medida em que
pode ser conhecimento sem fé.63

Barth rejeitou categoricamente a possibilidade de uma teologia natural em seu


famoso “Não” (Nein!) de 1934.64 Brunner via na revelação geral de Deus o
apropriado e necessário ponto de contato entre o ser humano e Deus. Barth afirma
que não pode haver qualquer outro ponto de contato senão a graça divina que vem a
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nós na pessoa de Jesus Cristo. Afirmar a possibilidade de uma teologia natural seria
negar a doutrina da justificação pela graça mediante a fé somente. Seria advogar a
cooperação entre graça e esforço humano, o que Barth considera uma grande
heresia.65

A teologia revelada tem sua primeira formulação explícita provavelmente em


Tomás de Aquino que afirma: “a Sagrada Doutrina é ciência porque parte de
princípios conhecidos através da luz de uma ciência superior que é a ciência de Deus
e dos bem-aventurados.”66 No entanto, chamar teologia de ciência tem sido fonte de
grande discussão acadêmica não apenas na Idade Média mas também em nossos dias.

61
BOENER, Philoteus e GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã; desde as origins até Nicolau
de Cusa. Tradução de Raimundo Vier. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 1988. p. 492-493.
62
Os primeiros pensadores originários, como Thales, Anaximandro, Anaxímenes,Heráclito, foram
chamados de Physikois, que pensavam a Physis. O sentido de Physis é “Natureza”, só que natureza em
um sentido bem diferente daquele que lhe aplicamos hoje. Seria o processo de crescimento, a gênese,
aquilo que gera o processo de crescer e desenvolver. É o princípio – arké – de tudo que vem a ser,
designando sempre o que é primário, fundamental e persistente, em oposição ao que é secundário,
derivado e transitório.
63
ABBAGNANO, N. op. cit. p. 950.
64
Natural Theology: a replay “No”. London, The Centenary Press, 1946. (contém “Nature and Grace”
de Emil Brunner).
65
“NO!” answer to E. Brunner. Em: GREEN, Clifford (Ed.). Karl Barth Theologian of Freedom. Op.
cit. p. 151 et seq.
66
ABBAGNANO, N. (Ed.). op. cit. Citando a Suma Teológica. p. 951. Tomás de Aquino distingue
Escritura de Teologia, fé e teologia. A expressão “doutrina sagrada” tem a vantagem de manter, no
112

4.2.2.
Fé e Razão

A teologia propõe um método para a Igreja apresentar um discurso sobre


Deus. Segundo Barth este discurso é impossível do ponto de vista humano. Não
sabemos falar de Deus nem o que dizer nem temos elementos para expor uma
verdade sobre Ele. A linguagem humana, por sua incapacidade de falar sobre o
Numinoso, não dispõe de meios adequados para esta exposição. Só resta o caminho
da metáfora, como no discurso poético ou no que o próprio Barth chama de Princípio
da Analogia Fidei.67

É em Fides Quaerens Intellectum que Barth analisa as condições para uma


ciência teológica. A Fidei busca uma ratio. Necessita entender (intelligere).68 A fé
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que manifestamos no Senhor Ressuscitado carrega um apelo contínuo em busca de


conhecimento e isto está dentro da tradição paulina e agostiniana.69 A teologia tenta
explicitar a fé rejeitando-a como mero sentimento. A fé é a primeira condição de

movimento da fé, a continuidade orgânica da teologia. No interior da doctrina sacra somos


convidados a jamais perder a tensão dialética entre a revelação como ensinamento de Deus e a
teologia como saber humano sobre Deus. Ele admite que a doutrina sagrada é ciência embora afirme
que há dois tipos de ciência. A que procede de princípios que são conhecidos à luz natural do
intelecto, como a aritmética e a geometria e a que procede de princípios conhecidos à luz de uma
ciência superior, como a perspectiva, que se apóia nos princípios tomados à geometria; e à música,
nos princípios elucidados pela aritmética. Desse modo a teologia é ciência porque procede de
princípios conhecidos à luz de uma ciência superior. Cf. AQUINO, Tomás. Suma Teológica. Tradução
de Aimon-Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001. v.1. p. 139-140.
67
A teologia barthiana é chamada de positiva ou afirmativa no sentido de que parte de Deus em
Direção ao finito. Ela se contrapõe a teologia negativa que parte do finito (humano) em direção a
Deus. O Deus de Barth é Aquele que não pode ser nomeado senão por uma linguagem
antropomórfica. Nenhum predicado o pode qualificar nem pode ser designado por nenhum nome.
Pode ser chamado de “Kurie” (Senhor), El-Shaddai (O Todo-Poderoso) como em Êxodo (6,3) mas
não por um designativo próprio. Hoje o chamamos de Iahweh. Mas quem pode dizer mais que isso?
68
Ao trabalhar o termo “intelligere” é vital compreender o significado literal da palavra: Intus Legere.
Intus = do interior da legere (leitura), ou seja, em Anselmo o significado fundamental de intelligere e
legere é refletir sobre o que foi dito no Credo. É ler e ponderar sobre o que já foi dito e assim se
apropriar da verdade. É atravessar essa distância intermediária entre reconhecimento e concordância
com instinto certeiro. Kierkegaard encontrou aqui a coisa que interessa sobre a prova de existência de
Deus de Anselmo. Este, afirma: “Eu quero provar a existência de Deus. Para esse fim eu peço a Deus
que me fortaleça e me ajude.” Esta é, segundo Kierkegaard, uma prova melhor da existência de Deus
que qualquer outra. Para prová-la precisamos da ajuda de Deus. Se pudéssemos provar a existência de
Deus sem a sua ajuda isso seria como se fosse menos certo de que Ele está lá.” Cf. BARTH, K. Fé em
Busca de Compreensão. op. cit. p. 51-52.
69
Segundo Agostinho Nisi Crediteris, non Intelligetis (se não creres, não entenderás). Os termos se
pressupõem e se complementam.
113

possibilidade para a teologia. Esta, tenta responder à indagação sobre o sentido e a


luz da fé. Precisamos evidenciar a Fidei Ratio (Fé Racional) e colocá-la a serviço da
Igreja tornando-a útil à própria Igreja. Essa racionalidade da teologia visa a oferecer
um método para o exercício da investigação que se dá no âmbito da própria Igreja.

Desde a Reforma percebe-se um movimento no sentido de uma volta ao


discernimento da fé através da Revelação de Deus articulada na relação do cristão e
das Escrituras, mediada pelo Espírito Santo, hora em oposição hora em diálogo com
o humanismo.70 Lutero assumiu uma posição de distanciamento enquanto Calvino a
do diálogo. No entanto, ambos enfatizaram o retorno à teologia querigmática e
escriturística.
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Teologia e fé andam juntas como ratio e fidei. Em Schleiermacher não é fé.


Ela reflete a fé, não para substituí-la. O sentimento e seu conteúdo inteligente é o
lugar onde se cristaliza a forma imediata da consciência modificada pela interação
divina e que determina todo o ser humano assim modificado.

Teologia é a ciência cujo objeto não pode ser Deus. É a ciência da Igreja e
que está a serviço da Igreja em sua missão no mundo. Segundo Barth só faz sentido
falar da ciência teologia no interior da Igreja. Afirma que não é a existência da fé
mas sim a sua natureza que deseja conhecimento. Credo ur Intelligam significa: é a
minha própria fé que me intima ao conhecimento.71 Ele busca um argumento capital
em Anselmo para a necessidade do conhecimento de Deus. Deum Veritatem esse
Credimus. Ou seja, Ele é verdade, relacionado com tudo que é verdadeiro não
somente como summa veritas mas também como Criador é causa veritatis. Ele é o
Deus em quem intelligentia e veritas são idênticos. Fé nele é também conhecimento
dele. 72

70
JOSGRILBERG, Rui de Souza. A Fé em Busca da Teologia. Em: MARASCHIN, Jaci, (Org.).
Teologia Sob Limite. São Paulo: Aste, 1992. p. 17-50.
71
BARTH, K. Fé em Busca de Compreensão. op. cit. p. 30.
72
Id. Ibid.
114

Contudo é preciso ter consciência que toda afirmação teológica, por mais
precisa que nos pareça será sempre uma expressão inadequada de seu objeto. Deus
nos fala por meio de sua Revelação e no entanto ao articular uma resposta a essa fala
de Deus nos encontramos como que emudecidos diante do mistério. É como a
personagem de Clarice Lispector se sente diante do mistério da matéria original.73 O
melhor discurso é o silêncio. Diante do Infinito a experiência mística torna-se
impronunciável. Como o sonho da noite anterior, em que não sabemos no dia
seguinte falar do que experimentamos, diante de Deus nenhuma palavra é bem
colocada. Não há sentimento capaz de exprimir o intraduzível. A linguagem
teológica torna-se o esforço humano de plasmar um discurso coerente sobre Aquele
que é Transcendência Absoluta. É aqui que nos defrontamos com o fracasso da nossa
linguagem. Mas ao falhar a construção estética da linguagem nos deparamos com a
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Graça. É aqui que obtemos o que não conseguimos com toneladas de palavras. Mas é
aqui também que se dá a crise da teologia, ou seja, a percepção de sua incapacidade
de descrever seu objeto, que não é, em Barth, diretamente Deus mas sua Palavra
Revelada.

4.2.3.
Letra e Espírito

Chegamos ao ponto em que a teologia como letra precisa ser o fundamento


por meio do qual o espírito, que fala por meio da letra, tem nela uma aliada e não um
opositor, deixando de lado as falácias criadas no seio da comunidade cristã das mais

73
Clarice Lispector (1925-1977) nasceu na Ucrânia e chegou ao Brasil em 1926, tendo passado sua
infância em Recife, mudando-se mais tarde para o Rio de Janeiro. Em 1963 escreveu A Paixão
Segundo GH, um desabafo existencial, mesmo sem que ela admita isso. Nesse texto em que
contracena com uma barata, tenta descortinar o mistério da vida e descobre a imprecisão de sua
linguagem. Chega a conclusão que a interpretação encontra seu limite onde a linguagem se detém.
Termina no silêncio. É o que ela chama de desistência de tentar dizer o indizível. Mas o indizível só
pode ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção é que obtenho o
que ela não conseguiu. Daí a necessidade da desistência. Por isso é impossível falar do mistério - Deus
-. É aqui que literatura e teologia entram em diálogo. Deus é Aquilo que nos toca Incondicionalmente
(Tillich). É a preocupação última do Ser. Ultimate Concern é palavra-chave da teologia tillichiana.
Desistir de nomear é a escolha mais sagrada de uma vida. É o verdadeiro instante humano. “A
desistência é uma revelação.” LISPECTOR, Clarice. A Paixão Segundo G. H. 6 ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1979. p. 172-173; para uma análise do conceito-chave de Tillich Cf. BROWN, D.
Mackenzie. ULTIMATE CONCERN; Tillich in Dialogue. New York: Harper & Row, Publishers,
1965; para o diálogo teologia-literatura Cf. MAGALHÃES, Antonio. Deus no Espelho das Palavras;
teologia e literatura em diálogo. São Paulo: Paulinas, 2000.
115

diferentes confissões onde letra e espírito se opõem em um falso entendimento de


Paulo. (II Co. 3,6). Esta oposição serve, em alguns casos, para justificar certa
animosidade com a reflexão teológica que conduz a uma fala articulada sobre a
palavra da Revelação.

A Igreja tenta justificar esse discurso todo o tempo. Ela tem “funcionários”
para esse fim mas tem também, em cada pessoa, alguém capaz de compreender e
falar desse sentimento indescritível. Paul Ricoeur74 afirma que a nomeação de Deus
ocorre primeiro nos textos que a pressuposição de minha escuta preferiu. Porém os
textos não podem ser colocados acima da vida. O texto é a tentativa de capturar o
sentido da fala como evento. O que Barth tenta é procurar perceber o espírito que
fala por meio do texto e o torna um evento da Revelação. A escuta da pregação não
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afirma que tudo é linguagem. No entanto é sempre por meio da linguagem que se
articula a experiência religiosa, quer ela seja entendida em sentido cognitivo, prático
ou emocional.75 A fé é instruída na rede de textos que a pregação reconduz cada vez
mais para a fala viva. Esta pressuposição da textualidade da fé distingue a fé bíblica
de qualquer outra. Nesse sentido os textos precedem a vida. Assim, posso nomear
Deus em minha fé porque os textos que me foram pregados já o nomearam.

Contudo, há um risco que se corre com essa intertextualidade: quando a


palavra viva é abandonada às “marcas exteriores”, ou seja, às letras, os signos
escritos, a comunicação é amputada. Algo se perde do fogo original. O que Lutero
foi na Reforma originária não pode ser confundido com o que os textos do
luteranismo fizeram dele, tomando-o como exemplo. Platão denuncia essa “perda”
no Fedro. Daí que a palavra escrita precisa ser re-convertida para a fala, para a
recriação dialogal da comunicação.76 Vale aqui recuperar a hermenêutica do “rastro”
de Jacques Derrida (1930-2004). Para ele o importante não é a letra em si mas o que

74
RICOEUR, Paul. Nas Fronteiras da Filosofia. Tradução de Nicolas Myimi Campanário. São Paulo:
Loyola, 1977. p. 181-204.
75
Ibid. p. 183.
76
Id. Ibid.
116

ela oculta. A compreensão se situaria no interdito. A hermenêutica é uma pesquisa do


sentido ocultado pela letra que revela e esconde.77

4.2.4.
O Valor da Teologia para a Igreja

Barth reconhece o valor e o papel da teologia na Igreja. No entanto, assinala


que “nem toda linguagem sobre Deus que encontramos no serviço da adoração
pública da Igreja é palavra da proclamação”. 78 A Palavra de Deus é pronunciada por
Ele mesmo. Porém a teologia é uma possibilidade ainda que só Deus possa falar de
Deus. Ele não faz teologia. Esta, é um exercício humano no sentido de alcançar a
compreensão da Revelação. É possível articular um discurso sobre Deus em primeiro
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lugar porque Deus age e tem falado. (Hb. 1, 1-2). Ele é o criador absoluto e soberano
de todas as coisas mas não deixou a pessoa entregue a sua própria sorte. Ele deseja
travar relações conosco e sua mensagem revela esse esforço, por assim dizer, para
que esse contato se estabeleça e se prolongue. É por reconhecer essa possibilidade
que Barth se alongou durante toda a sua vida na tentativa de promover essa fala de
Deus por meio de sua Dogmática.79

77
Jacques Derrida, nascido na Argélia, estudou na França desde os 18 anos e foi a princípio envolvido
pelo pensamento de Albert Camus (1913-1960) e Jean-Paul Sartre (1905-1980). Enfrentou inúmeras
dificuldades para se encaixar no sistema burocrático da universidade oficial só conseguindo seu
doutorado em 1980. Sua preocupação consiste em destruir a rígida demarcação de domínios. Passou a
ser conhecido a partir de 1966 quando introduziu o termo “deconstrução” aplicado à literatura. Na
linguagem encontramos o signo. As palavras são signos que carregam indícios de significado. Este
não se dá diretamente no signo. O sentido está no que ele não é. A estrutura do signo vai ser
determinada pelo que Derrida chama de rastro. Conf. MARASCHIN, Jaci. Crítica da Hermenêutica.
Em. MARASCHIN, Jaci. (Org.) Teologia Sob Limite. op. cit. p. 125-126; DERRIDA, Jacques.
Gramatologia. Tradução de Miriam Schnaiderman e Renato Janini Ribeiro. São Paulo: Perspectiva-
Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 69 et. seq.
78
CD. I/1. § 3. p. 54.
79
O termo “dogmática” hoje, em alguns círculos cristãos, quase que se tornou um sinônimo de
sistemática. Mas é diferente. Tem um matiz que enfatiza uma doutrina, diferente do conceito de
apresentação de doutrinas por meio de postulados sistemáticos que elabora determinado pensador.
Barth trata da tarefa da dogmática em CD I/1 § 7 – The Word of God, Dogma and Dogmatics.
Distingue entre dogmática regular e irregular. A primeira diz respeito aos escritos dos mestre antigos
da Igreja como Orígenes, Gregório de Nissa, Cirilo de Jerusalém, Agostinho. Na Idade Média
Anselmo e Pedro Lombardo e as grandes summas dos dominicanos e franciscanos. Por dogmática
irregular entende o trabalho secundário da parte de teólogos de diferentes confissões cristãs que
trabalham a história da doutrina em seu grupo religioso. Cf. CD. I/1. p. 319.
117

Em segundo lugar, uma teologia é possível graças à ação do Espírito Santo.


Assim como Jesus Cristo é o “exegeta” do Pai80. Também o Espírito é que nos torna
capaz de entender as coisas de Deus. (I Co. 2,10). Pode-se dizer que não há teologia
se o Espírito está ausente. No entanto, por mais que se esforce esse conhecimento
será sempre imperfeito e impreciso pois as palavras humanas são inadequadas para
expressar com justiça a verdade sobre Deus. Barth insiste que o sujeito da dogmática
é a Igreja Cristã. Por isso, aquele que se ocupa com a dogmática, seja aprendendo ou
ensinando, precisa ter consciência que o faz no contexto da comunidade e sua obra.81
Cada participante da comunidade é convidado a ser teólogo.

4.3.
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Adoração e Serviço

A esta altura observa-se que Karl Barth caminha em direção a uma


nova prática eclesial, animado pelo esforço de longos anos dedicados ao estudo
sistemático de temas recorrentes em seus escritos como a santidade de Deus, o
Totalmente Outro, Diferença Qualitativa entre Deus e o Homem, a Humanidade de
Deus e a pessoa humana à luz da encarnação e da obra expiatória de Cristo.

Ele define a palavra de Deus como ato de Deus. É em sua


consumação na comunidade que se dá a relação de Deus com seu povo. Esta
“linguagem de Deus”, sua forma de se comunicar se torna contemporânea por meio
das Escrituras e da Pregação. Seu caráter é de um poder que reina e que nos torna
submissos. A linguagem é o ato pelo qual Deus fala e assim o faz por meio da
proclamação. Barth insiste em falar da Palavra de Deus sem ligá-la necessariamente
à letra da Bíblia. A própria expressão “Palavra de Deus” é simbólica para ele. Não se
pode tomá-la ao pé da letra como se Deus se exprimisse apenas por uma linguagem

80
Segundo João (1,18) Jesus ao revelar Deus fez sua exegese do Pai. O termo εξηγησατο - ekgesato
– significa ‘trazer para fora’, ‘trazer à luz’, que tem sido traduzido por ‘revelar’: “o Deus Unigênito
que está no seio do Pai é quem o revelou” (RA); “O Filho único, que está voltado para o seio do Pai,
este o deu a conhecer.”
81
ROLDAN, Alberto. op. cit. p. 44-45.
118

grafada. Palavra de Deus é a linguagem por meio da qual Deus se comunica com os
seres humanos. Deus fala e cria. Essa linguagem de Deus é a ação de Deus.
Kierkegaard afirma que Deus não pensa, cria; não existe, é eterno.82 Talvez seja
melhor dizer que Ele é grande porque pensa atuando, ou seja, pensar é criar. Mas, se
Ele cria, o faz por meio de Sua palavra.

A palavra bíblica é superior à proclamação de nossos dias e constitutiva desta,


mas ainda assim, é palavra humana, grafada com caracteres que são nossa forma de
nomear. Simone Weil83 (1909-1943) afirma que nunca em toda sua vida procurou a
Deus e ainda assim foi encontrada por Ele.84 Essa palavra que nos atrai é o
testemunho dos profetas e apóstolos.85 Palavra de Deus pregada significa, desta
forma, a linguagem humana sobre Deus, na qual e através da qual, Deus em si fala
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sobre Ele mesmo.86 A palavra revelada à Igreja é uma lembrança da revelação


passada – monumentum – mas é também um documentum que tem sua função para

82
Citado por UNAMUNO, Miguel de. O Sentimento Trágico da Vida. Tradução de Cruz Malpique.
Porto: Editora Educação Nacional, 1953. p. 190. Certamente Barth não concordaria com essa
afirmação de Unamuno. Segundo o pensador espanhol é o furioso desejo de dar uma finalidade ao
universo, de o fazer consciente e pessoal que nos levou a crer em Deus e querer que exista um Deus.
Numa palavra, criar Deus. Crer em Deus é, de certa forma criá-lo, ainda que Ele nos tenha criado
antes. É Ele quem em nós cria constantemente a si mesmo. Criamos a Deus para salvar o universo do
nada. E necessitamos de Deus para salvar a consciência; não para pensar a existência, mas para vivê-
la, conclui.
83
Nasceu em Paris. Judia e agnóstica. Seu pai era médico e tinha dois irmãos. Nutria complexos
enormes com relação a eles por se achar incapaz. Sua casa era visitada por intelectuais. Pequena,
discutia em casa com Trotski. Apaixonou-se por Platão. Aos 14 anos teve uma crise profunda. Pensou
até em suicídio. Achava que nunca seria uma iniciada para conhecer a verdade. Teve uma fulguração e
percebeu que qualquer um pode conhecer a verdade. Em Portugal, num dia de N.S. das Dores, em
Corva do Varzim, diante de uma procissão de barcos teve um sentido dilacerante, atraída para a fé
cristã. Mais tarde, em Assis (Itália), na pequena capela românica do século XII de Santa Maria degli
Angeli, sentiu qualquer coisa mais forte que ela que a obrigou, segundo seu próprio relato, a se
ajoelhar, pela primeira vez na vida. Cf. WEIL, Simone. Espera de Deus. Tradução de Manuel Maria
Barreiros. Lisboa: Assírio & Alvim, 2005. p. 60-61.
84
Rudolf Otto afirma que o sentimento religioso é maior que nós. O sagrado é algo mais forte do que
eu. Cf. OTTO, R. O Sagrado. op. cit. p. 17 et. seq.
85
Por isso Nietzsche afirma que o cristianismo é uma religião de escravos, não naquele sentido
utilizado por Paulo em sua teologia da cruz. Mas no sentido moral. Ele diz: “a fé cristã é, desde seus
primórdios, sacrifício, sacrifício de toda liberdade, de toda independência do espírito.” Cf.
NIETZSCHE, F. Além do Bem e do Mal. Tradução de Márcio Pugliesi. São Paulo: Hemus, 1977. p.
66.
86
CD. I/1. § 4. The Word of God in Its Threefold Form. P. 106.
119

nossos dias.87 Ela é sobretudo um evento espiritual88 sendo distinta do que é natural
ou corpóreo.

Dizer que Deus fala é compreender que sua palavra é pessoal. Não é algo a
ser descrito nem um conceito a ser definido e nem é um conteúdo objetivo. É a
verdade no sentido de que é a pessoa de Deus que fala.89 Esta palavra tem o caráter
de dirigir-se a nós e ela assim o faz por meio de Jesus Cristo. A Bíblia torna-se
palavra de Deus quando se dirige a nós em nossa experiência concreta.90 A palavra
vem ao nosso encontro na pregação, na Bíblia e na Pessoa de Cristo. Quando ela se
dirige a nós e chega de conformidade com que Deus tem revelado, produz
reconciliação. E aí, onde as pessoas recebem esta palavra, está a Igreja, o conjunto
daqueles que foram chamados pelo Senhor.91
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A linguagem de Deus é a forma pela qual ele se comunica com a Igreja. Ela é
em si o ato92 de Deus. Como ato destaca-se seu caráter de contemporaneidade, ou
seja, como ato pelo qual Deus se manifesta é também um evento desta epifania. Aqui
Jesus se torna contemporâneo na Escritura e na Pregação. Sua presença nos desafia –
87
BARTH, K. A Proclamação do Evangelho. op. cit. p. 54.
88
Ou Intelectual. É o problema da palavra Geistigkeit que tanto pode ser espiritualidade como
intelectualidade.
89
STURZ, Richard J. A Bíblia de Barth a Alves. São Paulo. [s.d.]. Digitado.
90
Aqui Barth se aproxima de Tillich que afirma que não há teologia fora da situação existencial da
pessoa humana. No entanto Tillich critica Barth e sua teologia querigmática, na medida que esta
enfatiza a verdade imutável da mensagem (querigma) contra as exigências cambiantes da situação. É
evidente que Tillich reconhece que Barth teve a grandeza de redescobrir a mensagem eterna dentro da
Bíblia e da tradição. A “situação” não pode ser excluída do trabalho teológico. Cf. nota 156;
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. op. cit. p. 14-15.
91
BARTH, K. Proclamação do Evangelho. op. cit. p. 24.
92
Ato aqui não tem o sentido da filosofia de Aristóteles. O termo ενεργεια, εντελεχεια − latim,
actus, tem dois significados. 1) ação, no sentido restrito e específico desta palavra, como operação que
emana da pessoa ou de um poder específico dele; “ato voluntário” é uma ação voluntária e só; 2) é
uma realidade que se realizou ou vai se realizando. É o ser - ουσια − que está alcançando sua forma
plena e final em contraposição com o que é simplesmente potencial ou possível. Nesse segundo
sentido é que Aristóteles usa o termo em sua Metafísica e faz a distinção entre Ato e Potência. Ato é o
ser-em-si, o Dasein (Heidegger). Potência é a capacidade do vir-a-ser, ou seja, o devir do ser.
Aristóteles afirma que Deus é Ato Puro, o ser que não tem potência porque não pode sofrer variação.
Cf. REALE, G. Metafísica; Aristóteles. op. cit. p. 543-585. Cf. Tb. CD. I/1. § 5.3. God’s Language as
God’s Act. p. 162 et. seq. Palavra em si é passiva. Mas quando se lê palavra de Deus isto não se
sustenta. Como tal é palavra que se torna um ato, ou seja, um evento. Em seu mais alto sentido a
palavra de Deus faz a História porque Iahweh fala e algo acontece. O salmista expressa isso: “porque
ele diz e a coisa acontece, ele ordena e ela se afirma.” (Sl. 33,9). Quando a palavra de Deus veio para
os profetas surge descrita pelo verbo hayah (acontecer). Jeremias (1,2-4).
120

ato contínuo – a uma decisão que é tomada em graça. Nele somos chamados a
decidir em nossa situação concreta. Esta decisão é um ato de graça de Deus que nos
constrange a isso. Sem essa graça nenhuma decisão é tomada. É isto o grande
paradoxo. A palavra não é possuída diretamente e sim sob o véu de seu caráter
humano. Isto é, a palavra é totalmente revelada e totalmente velada, passando de uma
a outra em nossa condição humana.

Surge então o problema de se conhecer esta palavra de Deus. Não se pode


estabelecer parâmetros para este conhecimento. É obra do Espírito Santo. Cabe a Ele
fazer-nos entender e aceitar a palavra da Revelação. Na hermenêutica de Lutero esse
é um dos princípios fundamentais do protestantismo que conduz ao sacerdócio
universal de todos os crentes. Uma vez apresentada a palavra é recebida com fé pela
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Igreja por meio da proclamação e da ministração dos sacramentos.

4.3.1.
Palavra e Sinal

Barth afirma que só existe uma Igreja autêntica onde a palavra é pregada e o
sacramento corretamente administrado. Não são duas coisas distintas. O sacramento
dá visibilidade a palavra. Onde as pessoas recebem esta “Palavra" composta de
proclamação e sinal aí está uma verdadeira Igreja.93

O termo grego “Sacramento” – mysterion – (mistério, segredo) serviu durante


a antiguidade para assinalar os atos misteriosos de consagração que podiam ser
encontrados e praticados nas religiões antigas. O interesse pelo rito sacramental se
desenvolveu porque o mesmo tinha a qualidade de exercer fascínio especial sobre as
pessoas. Esta mesma verdade se aplicou, mais tarde, à prática eclesial. No início, e
durante séculos, o número de sacramentos permaneceu ilimitado. Eram atos
considerados transmissores de graça. Certamente o batismo e a Santa Ceia se
destacavam quando se falava em sacramentos. Além deles, porém, existiam uma

93
BARTH, K. A Proclamação do Evangelho. op. cit. p. 24.
121

série de outros atos sagrados que hoje não são mais reconhecidos como sacramentos
por nenhuma igreja cristã.94

Após as grandes controvérsias dos séculos III, IV e V , quando se estabeleceu


a Doutrina da Trindade, a Cristologia, a Doutrina do Pecado e da Graça, a Igreja
precisou tratar da doutrina dos sacramentos. A controvérsia foi provocada
inicialmente pelos donatistas.95 A Igreja, desde então, já tinha um outro
entendimento para a questão: realizar o sacramento confere graça independentemente
do caráter do oficiante. Os donatistas foram considerados hereges.

O pensamento da Igreja Antiga sobre os sacramentos teve um


desenvolvimento significativo com Ambrósio. Embora ele ainda não tivesse
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conhecimento da doutrina da transubstanciação só usada mais tarde, o conteúdo da


sua concepção se aproxima em muito do dogma emitido na Idade Média. Ambrósio
afirma: “pão e vinho são transformados através das palavras de consagração do
sacerdote, em carne (corpo) e sangue de Cristo”.96

Na visão de Agostinho há um outro sentido para os sacramentos. Sua


definição é: “A palavra é adicionada ao elemento e dali resulta um sacramento, isto
é, uma palavra visível.”97 Isto significa que a palavra se junta ao elemento mas cabe a
ela atribuir graça ao evento. Nesse caso, sem a palavra, pão e vinho serão meramente
o que são fisicamente. Agostinho ainda faz uma distinção entre sinal e conteúdo, em
contraposição ao realismo de Ambrósio. Afirma que há uma distância entre

94
LOHSE, Bernhard. A Fé Cristã Através dos Tempos. Tradução de Sílvio Schneider. 2 ed. São
Leopoldo: Sinodal, 1981. p. 143-144.
95
Movimento cismático do século IV, surgido na igreja do norte da África. Donato, bispo de Cartago
(313-347), ensinava que o papel desempenhado pelo sacerdote nos sacramentos era substancial. Isto é,
tinha de ser santo e estar em devida comunhão com a igreja para o sacramento ser válido. Não era um
papel instrumental, segundo orientação da Igreja desde Agostinho – ex opere operato. O donatismo só
desapareceu no norte da África no século VII com a conquista muçulmana. ERWELL, Walter A.
(Ed.). op. cit. v. 1. p. 493-494. “Donatismo”. A maioria dos doutores medievais fizeram distinção
entre ex opere operato e ex opere operantis. O primeiro termo trata da capacidade do rito em si
conduzir ao seu significado. O segundo termo trata da eficácia do rito a partir da disposição interior do
ministrante. Cf. OBERMAN, Heiko Augustinus. Forerunners of the Reformation. Tradução de Paul
L. Nyhus. Holt/Rinehart/ Winston: New York/Chicago/San Francisco, 1966. p. 244.
96
LOHSE, B. op. cit. p. 146.
97
Ibid. p. 147.
122

sacramento em si e a dádiva por ele proporcionada. Isto porque os sacramentos


fundamentalmente apontam para a graça invisível; são sinais desta e devem ser
honrados por causa da graça invisível presente neles. Como sinais adquirem
visibilidade. Barth afirma a importância desse caráter ao dizer que a Igreja só é
autêntica – em seu caráter, “quando administra o puro ensino (do Evangelho) e a
administração correta do sacramento. (...) Porque não se pode saber o que é a
pregação sem sabermos o que é o sacramento. Só há pregação, no sentido exato do
termo, ali onde o sacramento a acompanha e a esclarece.”98

A tradição reformada segue a compreensão agostiniana sobre os sacramentos.


Na instituição da ceia as palavras são, no sentido de sua definição, “palavra,
enquanto pão e vinho são elementos.” Sobressai uma compreensão simbólica dos
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sacramentos. Agostinho afirma que o pão é um sinal do corpo de Cristo. O


sacramento é uma coisa; a força do sacramento é outra. Esta força conduz alguém a
permanecer em Cristo e o mantém ligado à igreja.

Durante a Idade Média, tornou-se importante a pergunta acerca do número de


sacramentos. Até o século XII havia muita incerteza quanto a isto. Um teólogo
reformista e asceta, de nome Pedro Damiani (+1072), distinguia cerca de 12
sacramentos: batismo, confirmação, extrema-unção99, consagração de bispos, unção
de reis, consagração de igrejas, confissão, consagração dos canônicos, dos monges,
dos ermitões, das freiras e do matrimônio. Na lista de Pedro Damiani ainda faltam a
eucaristia e a penitência e outros sacramentos da Igreja. É digno de nota a inclusão
do monacato como sacramento, dada a importância da ascese na Idade Média.

A fixação em sete sacramentos pode ser encontrada em Pedro Lombardo100


no século XII. A partir daqui a doutrina sacramentarista desenvolveu-se para

98
BARTH, K. A Proclamação do Evangelho. op. cit. p. 24-25.
99
Após o Vaticano II este sacramento passou a denominar-se Unção dos Enfermos.
100
Professor de teologia na escola da Catedral de Notre-Dame. Em 1159 foi elevado a bispo de Paris.
Faleceu em 1160. Em seu texto “Sentenças”, com quatro volumes, estão delimitados claramente os
sete sacramentos: batismo, confirmação, santa ceia, penitência, extrema-unção, ordenação de
123

alcançar, no IV Concílio Lateranense, em 1215, a idéia da transubstanciação.


Segundo o concílio, o corpo e o sangue de Cristo realmente estão contidos no
sacramento.101 Usa-se a palavra “transubstanciação”, termo já usado no século
anterior. Concretiza-se o que vinha sendo difundido a partir de Ambrósio.

Foi porém, no Concílio de Florença, em 1439, que o número de sete


sacramentos foi reconhecido oficialmente. O concílio de Trento (1545-1563)
reforçou o número de sete sacramentos, fez uma extensa explanação acerca dos
mesmos e delimitou a teologia católico-romana, separando-a completamente da
doutrina reformada.
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4.3.2.
A Visão Reformada dos Sacramentos

A Reforma rejeitou desde o início e em seus desdobramentos, a doutrina


sacramentarista desenvolvida nos concílios mencionados acima, basicamente por
uma questão de respeito ao princípio reformado. No protestantismo só há um critério
para estabelecimento da norma evangélica: a Escritura. Para que algo seja admitido
com valor normativo para a Igreja precisa ser uma afirmação encontrada na
Escritura. Não me cabe aqui entrar no mérito das controvérsias relacionadas a essa
questão. Um estudo minucioso da Reforma e dos escritos de Lutero vai mostrar os
caminhos que o conduziram ao estabelecimento de determinados princípios.

Os reformadores rejeitaram o número de sete sacramentos.102 Entendiam que,


acordo com o Evangelho, somente o batismo e a Ceia foram instituídos pelo próprio
Jesus. Por outro lado, ocorreu uma re-interpretação do significado de ‘palavra’ e

sacerdotes e matrimônio. Contudo, Lombardo trata dos sete sacramentos como se fossem já
conhecidos.
101
LOHSE, B. op. cit. p. 162-163.
102
Lutero afirma “em primeiro lugar devo negar os sete sacramentos e admitir, por agora, somente
três: o Batismo, a Penitência e o Pão. (...) Não obstante, se quero falar de acordo com o costume da
Escritura, não temos mais que um sacramento e três sinais sacramentais.” Em: MARTINHO
LUTERO. Obras Selecionadas. 1989. v. II. p. 349. (Do Cativeiro Babilônico da Igreja).
124

‘elemento’, onde se mostrou que os sacramentos, com exceção do batismo e da Ceia,


não possuem ‘matéria’.

4.3.3.
Batismo e Ceia do Senhor

Barth publicou o último tomo de sua Chuch Dogmatics103 como um


fragmento, em 1967, um ano antes de sua morte. Ao abordar a doutrina do batismo
com o Espírito Santo e o Batismo com Água, sustentou uma tese ousada: o batismo
não é um sacramento e sim uma resposta ao único sacramento da história de Jesus
Cristo, da sua ressurreição e do dom do Espírito Santo. Afirma também que o
batismo infantil é uma distorção do batismo ensinado no Novo Testamento.104
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Quanto ao sacramento em si e seus múltiplos sentidos, Barth apresenta cinco


105
aspecto que serão desenvolvidos: a essência do batismo, seu poder, seu
significado, seu princípio e sua eficácia. O batismo é essencialmente uma figura da
renovação do homem devido a sua participação, pelo Espírito Santo, na morte e
ressurreição de Jesus Cristo. Ainda que não seja um sacramento, o batismo manifesta
a graça de Deus na vida daquele que se submete ao rito.

103
Volume IV/1-3 da CD Trata da Reconciliação. (Cf. nota 271). Isto o conduz de volta a Calvino.
Mas, enquanto Calvino concede apenas algumas páginas ao assunto no final da versão latina das
Institutas, Barth analisa os três ofícios e aponta detalhadamente cada tópico com um exame de toda
obra de reconciliação oferecida por Cristo. Em cada uma dessas partes a Igreja é considerada em
relação a esta obra de Cristo. Todavia não apresenta um panorama completo da doutrina dos
sacramentos. A quarta parte estava em preparação quando foi interrompida por sua morte. Deixou
apenas um longo fragmento, (IV.4) intitulado The Christian Life onde ele trata da fundação da vida
cristã e apresenta dois tópicos centrais: 1. o batismo com o Espírito Santo e, 2. o batismo com água.
No final Barth já tinha desistido, para desespero de seu editor, de publicar um quinto volume que seria
a Doutrina da Redenção. Um excelente livro sobre a história da preparação da CD é BROWN, Colin.
Karl Barth and the Christian Message. London: The Tyndale Press, 1967.
104
Cf. GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Século XX. op. cit. p. 29; CD. The Christian Life
(fragments). Op.cit. p. 41-213; VILLETE, Louis. Foi et Sacrament: de Saint Thomas à Karl Barth.
Paris: Bloud & Gay, 1964. p. 285-305.
105
Cf. VILLETE, L. Ibid., p. 286.
125

A prática do batismo simboliza a morte e a ressurreição e atesta, para a Igreja


e para o batizando a soberania absoluta de Deus e sua decisão gratuita de salvação do
homem. É um anúncio e uma atestação desta salvação oferecida ao homem.106

A doutrina do batismo e da Ceia é inspirada no calvinismo ortodoxo. Para


Calvino as marcas mais certas (certioribus) “permanecem na palavra puramente
pregada e nos sacramentos corretamente administrados.”107 Na obra de Barth há três
pontos que são sucessivamente analisados: 1. a concepção do sacramento e sua
função; 2. o papel próprio da fé, no sacramento; 3. a posição de Barth quanto ao
batismo infantil. Ele divide o assunto da seguinte forma:

4.3.3.1.
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Batismo

O batismo cristão é, em sua essência, figura da regeneração do homem, que,


pelo poder do Espírito Santo, participa da morte e ressurreição de Jesus Cristo.108 A
essência do batismo é ser essa figura, esse testemunho e sinal. Paulo testifica em
Romanos (6,3-4) do ato realizado por Jesus. Por volta do ano 30, fora dos portões de
Jerusalém, não somente Jesus, mas nós também, morremos com Ele; da mesma
forma, no jardim de José de Arimatéia, não somente Ele, mas nós mesmos,
ressuscitamos da morte para a eternidade.109

Barth não se prende a questões quanto à forma do batismo. Batizar, com o


significado de submergir é uma possibilidade de tradução, mas não a única. Ver
apenas dessa forma é um reducionismo. Provavelmente os batismos da era
apostólica, em alguns casos, podem até ter sido administrados por imersão. Mas é

106
A doutrina sacramentarista de Barth está exposta, de forma sistemática no livro “La Doctrine
ecclesiastique du baptême”, texto de 1943. A tradução brasileira está na obra BARTH, K. e
CULLMANN, Oscar. Batismo em Diferentes Visões. Tradução de Daniel Costa e Daniel Sotelo. São
Paulo: Fonte Editorial, 2004.
107
GEORGE, Timothy. op. cit. p. 234.
108
A tradução brasileira é deficiente, por isso sigo a citação de Villete: “Dans son essence, lê baptême
chréntien est la figure de la règènération de l’homme qui, par la puissance du Saint-Esprit, participe à
la mort et à la réssurrection de Jésus-Christ.” op. cit. p. 287.
109
VILLETE, L. op. cit. p. 287.
126

certo também que foi praticado por derramamento de água sobre a cabeça.
Testemunha disso a Didaquê que afirma:

Acerca do batismo, batizai deste modo: havendo previamente dito todas estas coisas, ‘batizai
em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo’, em água viva. 2. Mas se não tens água viva,
batiza em outra água; se não podes em fria, (batiza) em quente. 3. E se não tens nem uma
nem outra, derrama água na cabeça, três vezes, ‘em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo’. (...).110

É encontrado, nos clássicos gregos, cerca de 168 vezes o termo ‘batizar’, seja
como verbo ou substantivo. No Novo Testamento o termo aparece 80 vezes. Nos
clássicos, 86 vezes o termo significa ‘submergir’; em 82 significa ‘passar por
cima’.111 Para Barth o batismo com água é o µνοτηπι οου αναγενησεωs – o
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sacramentum regenerationis. No batismo o homem renasce para uma nova vida


agora e na era vindoura, pois se torna plenamente justificado perante Deus pelo
completo perdão dos pecados.112

4.3.3.1.1.
O Poder

Consiste em mostrar ao homem a realidade objetiva à qual ele pertence e que


é um sinal que não se pode desprezar. Segundo Barth o sacramento mesmo são todas
as atividades da igreja, isto é, a Igreja em si, em suas múltiplas ações, é um
sacramento. Quando a Igreja realiza a pregação, ministra a Santa Ceia, ora, adora, faz
obras de caridade, disciplina e promove a educação cristã, isto é realmente um
sacramento porque são atividades que envolvem sinais e símbolos. A Igreja não
inventou o batismo; ela o administra por ter sido instituído pelo Senhor. Ela obedece
ao Seu mandamento. O batismo de João dá testemunho do batismo do Espírito Santo,
com o qual Cristo batiza os que vêm a Ele. Por isso quem autentica o batismo é o

110
Texto recuperado em Constantinopla em 1884 e com data provável de 120 dC. Alguns críticos o
situam antes desta data chegando até 90dC, o que coloca o texto oriundo da época apostólica.
SALVADOR, José Gonçalves. (Org.). O Didaquê ou O ensino do Senhor Através dos Doze
Apóstolos. São Paulo: Imprensa Metodista, 1980. p. 75.
111
WILLIAM, Guillhermo G. El Bautismo Cristiano. Tradução de Daniel H. Hall. Buenos Aires:
Editora La Aurora, 1901. p. 21-22.
112
BARTH, K. Batismo... op. cit. p. 15.
127

próprio Jesus. O poder do batismo depende dele. Não há poder no batismo em si


mesmo assim como não o têm os outros elementos de proclamação da Igreja. A água
do batismo tem necessidade de receber um significado especial. E só o recebe porque
Jesus é o Senhor. Por isso Lutero afirma no Catecismo Menor:

como pode a água fazer coisas tão grandes? Resposta: a água, em verdade, não as faz, mas a
Palavra de Deus que está unida à água, e a fé que confia nesta Palavra unida com a água. Pois
sem a Palavra de Deus, a água é simplesmente água e não batismo. Mas com a Palavra de
Deus a água é batismo, isto é, água da vida, cheia de graça e um ‘lavar de renascimento do
Espírito Santo’.(...).113

4.3.3.1.2.
A Intenção
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A intenção é a glorificação de Deus no desenvolvimento da Igreja. O batismo


atesta a promessa de que, na morte e ressurreição de Cristo, a graça de Deus é
dirigida e oferecida ao candidato. Com base nesse evento ele pode ter a certeza da
presença e ação do Espírito Santo; que seus pecados são perdoados; que também ele
é filho de Deus e que a esperança da vida eterna é também sua.

4.3.3.1.3.
A Ordem

O princípio eclesiástico que assegura a ordem do batismo é a missão aceita


com responsabilidade pela Igreja. Por outro lado, da parte do candidato há o
compromisso de consentir com ele, dar seu voto de lealdade.114

Nesse ponto Barth levanta sérias considerações acerca da prática do batismo.


Este é uma instituição divina, portanto não pode ser anulado nem esvaziado em seu
sentido por conta de alguma falta da Igreja. Sua afirmação dirige-se contra o
argumento da prática do rebatismo praticado desde a Reforma, não somente pelos

113
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. op. cit. v. 7. p. 461. (Catecismo Menor).
114
BARTH, K. Batismo... op. cit. p. 35.
128

anabatistas115 como por igrejas que consideram outros grupos incapacitados ou


inabilitados para este exercício. Ele afirma:

O batismo administrado pela Igreja em obediência ao mandamento do seu Senhor, com


cuidadosa e verdadeira compreensão da sua vontade, e sendo o rito acompanhado pela fiel
pregação da Palavra de Deus é batismo verdadeiro do ponto de vista da ordem.116

Por outro lado, o batizando não é um espectador nesse ato. O candidato é co-
participante. Daí sua dificuldade com o batismo infantil. Pergunta: “com que direito
é ministrado o batismo a uma pessoa que não está convicta de seu significado?117
Aquele que recebe o batismo é o segundo em grau de importância no ato que se
realiza, por isso não se pode negligenciar a situação do mesmo. Aqui Barth condena
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a dogmática católico-romana que atribui ao rito seu próprio efeito – ex opere


operato. Concorda que o batismo pode até ser ministrado a uma pessoa
despreparada. Mesmo assim a pessoa recebe um batismo verdadeiro e eficaz.
Contudo, isto não é correto, afirma Barth. O batismo deve tornar o que o recebe,
consciente de suas implicações e compromissos. Deve ser ministrado a quem o pede
com consciência. Barth lembra da prova bíblica onde as pessoas não eram
conduzidas ao batismo mas, elas próprias, vinham para o batismo.118 Por isso a
criança fica de fora. Elas são conduzidas até o Senhor que as abençoa, o que mostra
que o Reino de Deus é maior do que a Igreja mas não é prova para o batismo delas.

115
Anabatistas ou ‘rebatizadores’ foi nome dado àqueles que negavam a validade do batismo de
crianças, negando base escriturística para a prática. A expansão dos anabatistas partiu de três pontos:
Suíça, Sul da Alemanha e Moravia. Em Zurique, os que passavam pela experiência de conversão,
eram batizados por aspersão. Em março de 1526 o governo de Zurique ordenou que os anabatistas
fossem afogados, parodiando sua crença. Cf. WALKER, W. op. cit. p. 447-453; MARTINEZ, Juan F.
História e Teologia da Reforma Anabatista. Campinas: Editora Cristã Unida, 1997.
116
BARTH, K. Batismo... op. cit. p. 37.
117
Ibid. p. 38.
118
Ibid. p. 41.
129

4.3.3.1.4.
A Eficácia

Finalmente, o batismo significa que a pessoa batizada é colocada, de uma vez


por toda, debaixo do sinal da esperança, isto é, que a morte já está para trás e que tem
somente a vida à sua frente. Os que recebem o batismo com fé verdadeira sentem a
eficácia da morte de Cristo na mortificação de sua carne e sentem também a eficácia
de sua ressurreição na vida do Espírito Santo.

Barth afirma que o batismo nunca pode ser anulado sob qualquer
circunstância. Seu valor e significado é indelével. É um sinal essencial, válido e
eficiente. É sinal de esperança; é também sinal escatológico que aponta para a vida
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que o batizado vive agora, aponta para o passado e o futuro. Mas aponta para o
passado aqui e agora – hic et nunc – mostrando que o perdão de seus pecados
acontece agora em Cristo. Barth insiste que uma pessoa tomada nesse símbolo é
recrutada para uma vida de responsabilidade. Pode falhar, cair e até naufragar. Mas
isto não anula a eficácia do batismo. Ele continua apelando a todos os que estão
nessa situação, que o sinal aponta para o conforto, aviso e promessa.

Mesmo afirmando que o batismo não é um sacramento, no texto de 1943


aparece uma visão nitidamente sacramental do batismo. A eficácia do batismo como
sinal de regeneração e recuperação do indivíduo, aponta nessa direção.

A visão barthiana sobre o assunto só foi completamente mudada quando


voltou a escrever sobre a questão na década de 1960. Estritamente falando, sustenta
que Jesus Cristo é o único sacramento pois, somente em Sua encarnação, o Filho de
Deus e o Homem Jesus, tornou-se sacramento real, a unidade entre Deus e o homem.
Tanto o batismo quanto a ceia são ações humanas realizadas em resposta a Cristo.
Mas não são, em si mesmos, sacramentos. Em 1967, escreveu:

Uma palavra deve ser dita em relação a este livro (CD. IV/4) e aquele do meu filho mais
velho, Markus Barth (Die Taufe ein Sakrament?, 1951), que é, de longe, superior a mim
como especialista no Novo Testamento (...). Estou surpreso deste livro ter sido, até então,
130

ignorado pelos exegetas e sistemáticos. Não porque eu seja o pai do autor! Quando ele
começou a estudar a literatura a respeito do assunto, me disse: “não ficará pedra sobre pedra
do seu trabalho de 1943.” Em face da conclusão exegética do livro de Markus tive que
abandonar a compreensão ‘sacramental’ do batismo que eu ainda sustentava desde aquela
época.119

Isto o conduziu a uma reorientação de sua teologia.120 Na CD afirma: o


batismo cristão é a obra humana da confissão fundamental da fé em que a
comunidade cristã se congrega, com aquele que acaba de ingressar nela. Ao mesmo
tempo que este se junta a esta comunidade.121

4.3.3.2.
Ceia do Senhor
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Quanto à doutrina da Ceia do Senhor122, como é chamada comumente pelos


protestantes, Barth segue a tradição Reformada: a Ceia Eucarística deve acompanhar
a pregação. O batismo confirma o fato de uma pessoa vir a pertencer a uma
comunidade. Estar batizado significa a pertença. É o ponto de partida para uma nova
vida; a Ceia é, por sua vez, o sinal do mesmo acontecimento, só que visto de frente
para o futuro que esperamos (I Co.11:26). Sacramento é pregação em atos; pregação
é sacramento em palavras. Nesse caso, a pregação só é possível no âmbito da Igreja,
onde, na prática do Batismo e da Ceia, o homem é chamado pelo próprio Deus a
fazer parte do corpo de Cristo e assim ser alimentado ao longo de sua viagem à vida
eterna.

A Ceia do Senhor é símbolo da fé e da esperança da comunidade cristã.


Símbolo da comunhão daqueles que se sentam ao redor da mesa para celebrar a
Eucaristia, por ironia, tem sido ponto de separação entre os protestantes desde a

119
CD. IV/4. p. x.
120
BARTH, Gerhard. El bautismo em el tiempo Del Cristianismo Primitivo. Tradução de Constantino
Ruiz-Garrido. Salamanca: Sigueme, 1986. p. 68-69. Título original: Die Taufe in frühchristlicher Zeit.
121
Id. Ibid.
122
Barth trata em poucos lugares em sua CD do assunto Ceia do Senhor (Lord’s Supper), a maioria
em citações incidentais: I, 1; 88(98); I. 2: 162, 226, 249; II, 2: 439 f.; 445, 640 f.,; III, 4: 129; IV, 1:
152, 249, 296, 667, 676; IV, 2: 55, 112, 267, 640, 703 f., 706ff.; IV, 3: 542, 551, 737, 761, 900 f.; IV,
4: ix, 40, 130.
131

Reforma. A Confissão de Fé de Augsburgo (1530) estabeleceu que, 1) a Igreja


autêntica é caracterizada pelo Evangelho, pelo puro ensino e pela correta
administração do sacramento;123 2) Que o corpo e o sangue de Cristo estão
verdadeiramente presentes e são distribuídos àqueles que participam da Ceia do
Senhor.124 Barth afirma que a Santa Ceia e Batismo caracterizam a pertença ao
Corpo de Cristo, sendo o batismo o ponto de partida e a Ceia o sinal do mesmo
acontecimento que contempla o futuro. Ambos anunciam a morte com uma
perspectiva de esperança.125

Não existe uma liturgia reformada. Existem formas litúrgicas em diferentes


expressões de fé entre as igrejas da Reforma. Há uma razão pela qual os protestantes
usam o termo Santa Ceia (ou Ceia do Senhor) e não Sacramento. O termo
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Sacramentum é uma tradução latina do vocábulo grego µυστεριον.126 Podemos


distinguir três modos pelos quais a Santa Ceia é celebrada no culto.127

123
BARTH, Karl. A Proclamação do Evangelho. op. cit. p. 24-25.
124
BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 3ed.
São Paulo: Aste, 1998. p. 318.
125
Id. Ibid.
126
Calvino em suas Institutas faz uma longa análise do termo e seu uso pelas igrejas reformadas. Os
protestantes usam o termo µυστεριον no sentido de Revelação como um todo. Barth afirma que
Revelação significa sacramentos, ou seja, o auto testemunho de Deus, a representação de sua verdade,
na qual ele conhece a si mesmo numa forma adaptável ao nosso conhecimento. CD. II/1. § 25. The
Fulfilment of the Knowledge of God. p. 52; cf. Tb. CALVINO. Institutas da Religião Cristã. v. 4. p.
259 et. seq.
127
Lutero preservou a manutenção da celebração eucarística dominical como também os anglicanos.
As igrejas reformadas a aboliram por achar que a celebração nada acrescenta ao culto cristão cujo
centro é o púlpito e não a mesa do altar. Sobre este debate cf. LUTERO, Martinho. Um Sermão sobre
o Venerabilíssimo Sacramento do Santo e Verdadeiro Corpo de Cristo e Sobre as Irmandades. Em:
LUTERO, M. Obras selecionadas. Os Primórdios: escritos de 1517-1519. 1987. v. 1. p. 425-44;
LUTERO, M. Da Ceia de Cristo: Confissão. Em. LUTERO, M. Obras Selecionadas. Debates e
Controvérsias, II. v. 4. 1993. p. 217-377; LUTERO, M. Do Cativeiro Babilônico da Igreja. Em:
LUTERO, M. Obras Selecionadas. O Programa da Reforma. Escritos de 1520. v. 2. 1989. p. 341-
424; KLEIN, Carlos Jeremias. Os Sacramentos na Tradição Reformada. São Paulo: Fonte Editorial,
2005. A obra trata da influência de Zuinglio na tradição sacramentarista nas igrejas reformadas
brasileiras. BETTENSON, Henry (Ed.). op. cit. 317-320; NELSON, J. Robert. The Realm of
Redemption. op. cit. Cf. especialmente capítulo 5: The Sacraments and the Ministry. p. 120-141;
VILLETE, Louis. op. cit. p. 283-305.
132

4.3.3.2.1.
Memorial da Paixão

Na Comunidade Primitiva a Ceia era celebrada regularmente conforme o


relato de Atos (20,7): “no primeiro dia da semana estavam reunidos com o fim de
partir o pão...” Aqui parece que o texto demonstra um vínculo quase automático
entre o Dia do Senhor e o “partir do pão”

4.3.3.2.2.
Anúncio Escatológico

A Igreja celebra a Santa Ceia como um gesto de espera. Por meio da


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celebração se aguarda a erupção do futuro e sua alegria. É entre esses dois pólos que
a comunidade dos fiéis aguarda o cumprimento dos tempos celebrando a Ceia como
símbolo pascal, que recorda a saída do Egito que foi, para os israelitas, momento de
importância e de significação teológica tão consideráveis, que se marcou sua
significação e perpetuou sua lembrança por um ato litúrgico solene: A Ceia Pascal
(Êxodo 12).128 Ao mesmo tempo ela se situa também na perspectiva do Banquete
Messiânico. A alegria de comer e de beber à mesa de Cristo no seu reino é prometida
àqueles que com ele perseveram em suas provações.

4.3.3.2.3.
Memorial de Comunhão

Ela é Aukündigung – anúncio de um acontecimento por vir mas é também


Verkündigung – anúncio do que está acontecendo. Segundo os textos bíblicos, esse
era o elemento que faltava nas celebrações da Igreja Coríntia. As reuniões
terminavam sempre com o tomar da refeição, mas Paulo lembra que o que eles
partiam não era o Corpo de Cristo pois não celebravam a comunhão – koinonia - dos
santos. (I Co. 11,20).

128
ALLMEN, Jean-Jacques von. Vocabulário Bíblico. Tradução de Alfonso Zimmermann. São Paulo:
Aste, 2001. p. 179-184. “Eucaristia”.
133

Por volta do Século IX costumava-se comungar apenas uma vez por ano, o
que caracteriza uma abstenção quase total da celebração da Santa Ceia. Os
reformadores divergiram sobre o assunto.129 Prevaleceu a não-necessidade da
celebração a cada reunião.

De modo geral as igrejas reformadas brasileiras estabeleceram a celebração


da Santa Ceia uma vez a cada mês ou, até duas vezes no mês. Barth afirma que “é
Jesus Cristo quem reúne os irmãos e irmãs em torno da Mesa onde Ele mesmo
preside, como Senhor e Hospedeiro e Ele próprio é a comida e a bebida que os
alimenta”.130 Afirma que a celebração deveria ser realizada a cada serviço (culto).131
É o sinal visível que nos remete ao acontecimento da Revelação que fundamenta a
Igreja e constitui a Promessa. O sacramento é um ato material, visivelmente
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realizado. A pregação tem o mesmo sentido do sacramento, só que em palavras. As


pessoas são chamadas para fazer parte do Corpo de Cristo e ali, na comunhão e na
celebração, são alimentadas pela Palavra e pelo Sacramento.

Como atividade humana a teologia é sempre passível de falhas e


conseqüentemente requer revisões periódicas. Barth não temeu voltar atrás. Reviu
suas posições, quanto a sua eclesiologia, liturgia e sacramentologia.132

É verdade também que suas posições quanto à teologia em si e os


sacramentos, em particular, foram consideravelmente amenizadas desde a época do
Concílio Vaticano II. Ele, ao lado de Oscar Cullmann (1902-1999) foram dois
protestantes convidados de honra do Concílio. Importantes documentos do Concílio
mencionam pareceres e opiniões de Barth. Isto são os anos de 1960, bem distantes de
1932 quando afirma “que a analogia entis é uma invenção do anticristo e penso que
exatamente por causa dela não é possível tornar-me católico. Quero acrescentar ainda

129
CD. II/1. p. 52.
130
Id. Ibid.
131
BARTH, K. A Proclamação do Evangelho. op. cit. p. 25.
132
How my mind has charged. Em: BARTH, K. Dádiva e Louvor. op. cit. p. 407-429.
134

que todas as outras razões que se podem aduzir para não me tornar católico parecem-
me pueris e sem importância”.133

4.4.
Soma: Igreja como Corpo

KB indica que Jesus tem duas formas de existência: 1) Tem sua forma histórico-
terrena de existência, como o Filho Encarnado de Deus; 2) Em sua forma histórico: a
Igreja, seu Corpo. Como unidade em Cristo, apresenta-se como unidade dinâmica.
Sua mensagem consiste em falar do Senhor Ressuscitado e de sua comunidade que
desde então caminha em direção à revelação futura. Ela vive e tem seu tempo
começando com a Ressurreição e terminando com a Parousia. Esse é seu tempo
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histórico. Como corpo de Cristo tem o ministério de proclamar o Senhor que vive e
reina mas tem também uma dimensão ética. Isto sinaliza no sentido de denunciar as
formas desonestas de relações entre os seres humanos. Na palavra da proclamação é
fundamental não se perder essa dimensão da denúncia presente nos profetas.134 Ao
denunciar, a Igreja se coloca numa posição de ser ameaçada de várias formas.135
Onde há proclamação do Senhor Ressuscitado e onde a Igreja é vista como
constituída da presente anunciação aí está uma comunidade cristã. É somente neste
anúncio de Jesus como Senhor que o evento da Revelação é realizado em e para a
comunhão dos santos. Em seu olhar para o passado ela contempla a morte e a
ressurreição e isto é o pano-de-fundo de sua mensagem.136

Isto significa que anúncio e comunhão são interdependentes. Na anunciação


Cristo é o sujeito seja da anunciação pela proclamação da palavra seja pelo

133
CD. I/1. p. X; GIBELLINI, R. op. cit. p. 27.
134
Barth trata da questão da ética na proclamação em CD. II/1, p. 638; III/2. 91, 201, 228, 633.
135
BARTK, K. Ensaios. op. cit. p. 199.
136
Bonhoeffer afirma que a Igreja anuncia a presença do futuro – zukunft – aquilo que está por vir. A
palavra alemã gegenwart pode ser vista como “presente” e “presença”. A palavra communion significa
comunidade cristã espiritual e nunca eucaristia. Ou seja, a Igreja é constituída pela presente
anunciação, dentro da comunhão e para a comunhão na morte e ressurreição de Cristo. Cf.
BONHOEFFER, D. Act and Being. Translated Bernard Noble. New York/Evanston: Harper & How,
1961. p. 119.
135

sacramento. Ele é a razão de ser do ato da palavra e do sinal (eucaristia). Ele é a


Igreja em sua humanidade (Cl.3,10; Ef. 4,24; Rm. 13,14; Gl.3,27).

No protestantismo a Igreja é concebida em termos pessoais. Deus se revela a si


mesmo na Igreja como uma Pessoa.137 Segundo Bonhoeffer, a comunhão cristã é a
revelação fiel de Deus, existindo como comunidade até a volta de Cristo. No entanto,
a tensão entre o Cristo Vivente e o Cristo Celestial, que é a esperança de todos os
cristãos, faz com que a tensão persista entre o Senhor Vivo que tem se manifestado
na vida da comunidade e Aquele que é o Esperado.

A Igreja não é a comunidade que possui o Cristo como alguém possui o outro.
Não é o conjunto daqueles indivíduos que pertencem a Ele ou cultivam a fé nele. É
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antes o ajuntamento onde Deus se oferece em Cristo para sua comunhão enquanto
comunidade e como indivíduo enquanto membro desta comunhão. É somente na
comunhão pessoal e somente ali que o Evangelho pode ser verdadeiramente
declarado e crido. A revelação acontece dentro desta comunhão e ali os sacramentos
são ministrados.138

137
Pessoa, πρωσωπον, υποστασιs, latim Persona. O conceito de Pessoa é estranho à filosofia grega.
Falta um termo adequado para exprimir a personalidade. No sentido mais comum é o indivíduo em
sua relação com o mundo, mas no sentido geral, porque também foi aplicada a Deus, é um sujeito de
relações. Na antiguidade o termo Persona foi introduzido pelo estoicismo popular para designar os
papéis representados pelo indivíduo na vida. Era também a máscara que permitia ao ator ampliar a sua
voz (personare) e comunicar-se com a assembléia. O conceito de pessoa acentua o singular, o
indivíduo, o concreto, enquanto a filosofia grega dá importância ao universal. O aparecimento do
singular é como uma fenda na natureza e na consciência. Nem sempre se compreende hoje o
escândalo que ele constituiu para o pensamento e para a sensibilidade grega. (E. Mounier, Il
Personalismo. Trad. It.., AVE, Roma, 1966, p.14-6). Quando foi preciso expressar as relações entre
Deus e Cristo e entre estes e o Espírito Santo, o termo foi útil mas deu origem a mal-entendidos e o
surgimento de heresias. A relação acabou somada à substância das coisas - Ουσια (substância) do
το ον (Ente), mas também assumiu o caráter de “máscara”, o que parece indicar seu caráter de
aparência e não de substância em si. Daí surgiram as longas disputas trinitárias. Para evitar a
associação de Pessoa com máscara os escritores gregos adotaram o termo υποστασιs no lugar de
πρωσωπον (face, aparência). O primeiro termo foi usado no sentido daquilo que está por baixo, o
substrato, fundamento do ser. Em teologia o Pai, o Filho e o Espírito Santo têm cada um uma
hypostasis, porque têm existência concreta. Cf. MEUNIER, Bernard. op. cit. p. 60-62;
ABBAGNANO, N. op. cit. p. 761-763. “Pessoa”. MONDIN, B. O Homem, Quem é Ele? Elementos
de Antropologia Filosófica. Tradução de R. leal Ferreira e M.A.S. Ferrari. São Paulo: Paulinas, 1982.
p. 285. Barth apresenta uma extensa nota sobre o conceito de Persona em CD. I/1. § 9. God’s Three-
in-Oneness. p. 408-411.
138
BONHOEFFER, D. Act and Being. Op. cit. p. 121.
136

O termo Corpo139 é meramente uma metáfora para designar a vida cristã em


unidade orgânica, de cooperação, interdependência e harmonia. É a realidade pela
qual a Igreja pode ser concebida como um organismo vivo. Corpo de Cristo é uma
questão aberta em sua compreensão. Käesemann140 e Bultmann141 enfatizam a
influência do gnosticismo sobre o pensamento paulino. Dois fatores apontam para a
interpretação de Corpo de Cristo em termos da mitologia gnóstica. A primeira é a
pesquisa no campo das religiões de mistério helenística e oriental que trouxe à luz as
crenças esotéricas e cosmológicas que ainda perduram no tempo do Novo
Testamento. A outra é explicada pela visão antropológica de Paulo que se orienta
mais pelo pensamento judaico que o grego, ou seja, rejeita o dualismo grego que
afirma ser o homem uma combinação de corpo e alma, sendo o corpo preenchido
pela alma, ou a prisão da alma (Platão). Paulo afirma que corpo e alma são
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indissolúveis. Se σοµα é admitido no sentido grego, o σοµα Χριστου significa a


Igreja “cheia” de Cristo como o corpo é cheio pela alma. Mas, se a interpretação
hebraica prevalece, a Igreja com todos os seus membros, deve representar a pessoa
de Cristo de forma plena.142

Barth aborda o problema do σοµα Χριστου analisando seus diferentes


significados em que a palavra oscila. Soma significa corpo morto (corpse) mas
139
A palavra – Corpo - σοµα - geral alguma confusão por causa do conceito formado a partir do
platonismo. Corpo é para alguns, sinônimo de matéria. É o oposto daquilo que é forma ou espírito.
Mesmo em Aristóteles corpo é extensão. Os estóicos acrescentaram a solidez e Epicuro a
impenetrabilidade. Até Descartes esse conceito permaneceu inalterado. Só Leibniz acrescenta uma
novidade ao distinguir corpo matemático, que é o espaço e contém só as três dimensões do corpo
físico que é a matéria e contém, além da extensão, resistência, densidade e capacidade de encher o
espaço, mas nega que seja uma substância. O que ele tem de real é a capacidade de agir e de sofrer
uma ação. Na teologia paulina σοµα caracteriza a existência do ser humano. O indivíduo é recebido
no σοµα Χριστου por meio do sacramento do batismo (I Co. 12,13) de modo que a existência cristã
pode ser designada por um estar em Cristo - ειναι εν Χριστου. Cf. BULTMANN, R. Teologia do
Novo Testamento. op. cit. p. 374-380; ABBAGNANO, N. op. cit. 210-214, “Corpo”; NELSON, J.
Robert. The Realm of Redemption. op. cit. p. 67.
140
KÄESEMANN, Ernst. Perspectivas Paulinas. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas,
1980, especialmente o capítulo V – O Problema teológico do tema do Corpo de Cristo. p. 117-136.
141
BULTMANN, R. Teologia do Novo Testamento. op. cit. p. 256.
142
Esta compreensão paulina pode ter sido recebida da concepção helênica que vê o Estado como
corpo político. A união dos cidadãos na sociedade desenvolve-se no sentido de atingir-se o bem
comum. Paz e bem-estar. De alguma forma, Paulo entende que o cristão e Cristo participam de uma
união que é mais que moral, pois implica numa união de carne. Cf. FITZMYER, Joseph A. Linhas
Fundamentais da Teologia Paulina. Tradução de José Wilson de Andrade. São Paulo: Paulinas, 1970.
p. 124-129.
137

também corpo vivo. Seja em contraste com alma ou com sangue, no qual ele tem sua
vida. Corpo é o lugar da vida histórico-terrena, que indica o tempo do ser humano
sobre a terra. O corpo no qual ele vive é a limitação desse tempo. É também o meio
pelo qual a pessoa humana experimenta sofrimento e dor, o que expressa o órgão de
sua atividade. 143 Em sua primeira carta aos Coríntios (12,12) Paulo afirma que não é
a comunidade que é chamada um corpo ou comparada com ele, mas Cristo em si
mesmo. Ele é o Corpo. Jesus por natureza é Soma. A comunidade não é soma porque
ela é um grupo social que como tal tem algo da natureza de um organismo. Ela é um
corpo – soma – porque tem sua existência derivada de Jesus Cristo. Porque Ele existe
ela existe como seu corpo. Ele é a Cabeça de seu corpo, o centro que constitui sua
unidade, que organiza sua pluralidade e garante a ambos. (Cl.1,18; Ef. 5,23). Só que
ele faz isso como Aquele que foi crucificado. Nos tornamos mortos para a lei pelo
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σωµατοs του Χριστου. (Rm. 7,4). Pelo seu corpo somos chamados para a paz. (Cl.
1,22). E, Efésios (2,16) Ele propicia a reconciliação no corpo da sua carne através da
morte, destruindo com ela a inimizade. Neste corpo que compreende a percepção do
ser da comunidade, a Igreja será Una, Sancta, Cathólica e Apostólica.144

4.5.
Jesus e os Pobres: O Evangelho em Perspectiva Social

Em 1944, Barth publicou um artigo que trata não apenas da questão do povo145
mas o povo como os pobres a quem há uma distinção especial do Evangelho. Em
Mateus (9,36) Jesus “vendo a multidão” teve compaixão dela, porque estava cansada
e abatida como ovelha sem pastor. Esse compadecimento de Jesus só pode ser
percebido ao se ler o original. Ιδων δε τουs οχλουs
εσπλαγχνισθη περι αυτων (ao ver a multidão teve compaixão dela). A expressão
é forte e foi atenuada pela tradução. O sofrimento do povo o penalizou, machucou
seu coração e o seu sofrimento se tornou mais intenso que o do povo. Jesus tomou

143
NELSON, J. Robert. op. cit. p. 69.
144
CD. IV/1. p. 662-668.
145
Jesus und das Volk. Barth questiona no artigo a questão da Volkskirche – Igreja Popular, o que não
deixa, segundo ele, de ser um termo estranho. Povo não deixa de ser uma abstração. BARTH, K. Jesus
e o Povo. Tradução de Walter O. Schlupp. Em: BARTH, K. Dádiva e Louvor. op. cit. p. 319.
138

essa aflição sobre si. Antes de entrar na apreciação do pobre como sujeito da história
é preciso verificar o tipo de povo que encontramos no texto bíblico.

4.5.1.
Laos

Quando a Bíblia refere-se ao Povo de Israel, usa o termo Λαοs (Laos). A


Septuaginta (LXX) faz essa tradução. A etimologia de Laos é incerta.146 Veio
posteriormente a designar os hebreus como o povo escolhido por Deus para uma
missão. Nos escritos de Qumran freqüentemente significa Israel. É o povo escolhido
com o qual Deus faz uma aliança.

No Novo Testamento o termo ocorre 141 vezes.147 Algumas vezes ocorre


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como sinônimo de ετνε (ethene) mas em sua relação com o povo de Israel. (At.4,10;
13,17; 13,15; 15,8). Quando empregada sozinha, Laos pode designar o povo comum
(At. 2,47). No Novo Testamento serviu aos autores canônicos para designar o
ministério do Batista, de Jesus e dos apóstolos, restrito a Israel. (Mt.4,23; 26,5;
27,64). Este é o Laos e não um ethne.148 Israel é descrito como o Laos de Deus mas o
título é transferido à Igreja. Deus tomou dentre os ethene um Laos para o seu Nome.
(At. 15,14). Convocou para si uma Igreja dente os gentios e os judeus (Rm. 9,24;
Os.1,10). Esta Igreja, mesmo quando representada pela comunidade local é o Laos de
Deus (II Co.6,14).

146
Em Homero significa o número de homens, uma multidão, um exército, companhia militar (Ilíada).
Mais tarde esse sentido desapareceu e a palavra veio a designar povo comum, multidão daqueles que
compõem uma raça. Na LXX ocorre cerca de duas mil vezes com um novo significado sendo o povo
em constraste com os governantes. Eram os habitantes de uma cidade (Gn.19,4) ou os membros de
uma tribo (Gn. 49,16). Era a gente que acompanhava Esaú e os servos de Jacó (Gn. 33,15; 33,8; 35,6).
Os tradutores da LXX achavam que o termo seria adequado para o relacionamento especial de Israel
com Iahweh. Veio a designar o Povo Escolhido. Cf. BROWN, Colin. (Ed.). DICIONÁRIO
INTERNACIONAL DE TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO. Tradução de Gordon Chown. São
Paulo: Vida Nova, 1983. v. III. “Povo”. p. 620-621. (DITNT).
147
84 vezes em Lucas (Lucas e Atos); 14 em Mateus; 12 em Paulo; 13 em Hebreus e 9 em
Apocalipse.
148
Em João (11,50) há uma exceção onde, no decreto de morte de Jesus, aparece os termos
λαου (povo) e εθνοs (nação). “Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra
pelo Povo e não pereça a Nação toda?” Cf. THE GREEK NEW TESTAMENT. Editado por Bruce
Metzger et. al. p. 376-377; DITNT. op. cit. p. 623-625.
139

4.5.2.
Ethne

Israel é o povo da própria possessão de Deus (Ex.19,5) enquanto o restante da


humanidade é o Ethene – nações. Uma passagem típica esta em Êxodo (33,13) onde
Ethnos é a multidão que mediante a graça de Iahweh torna-se o Povo de Deus. O
Ethene se torna Laos.

Há uma prioridade clara dos judeus no livro de Atos onde Paulo somente
prega aos gentios depois de os judeus terem rejeitado o Evangelho (At.13,46; 18,6;
19,9). A questão da missão aos gentios é debatida e decidida no chamado Concílio de
Jerusalém (Atos 15). Os judeus acusam Paulo de ensinar aos da Diáspora – os que
vivem entre os ethne – a abandonarem a Moisés (At. 21,21).149
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4.5.3.
Ochlos

O termo - οχλοs – significa “multidão”, “público” em contraste com os


indivíduos e especialmente a nobreza ou pessoas de posição social elevada. O οχλοs
é freqüentemente a turba sem líder e sem fim. Pode também ser o povo que não
cumpre os mandamentos.150

No Evangelho de Marcos ochlos não se refere nem ao povo de Deus, Israel,


nem ao povo dos gentios. Trata-se de um povo sem identidade religiosa e sem coesão
étnica. É a multidão composta de “pecadores”, ou seja, os excluídos da sociedade
judaica.151 É o povo da terra, empobrecido e sem posses como tantos povos latino-
americanos. O sofrimento desse povo incomoda a Jesus. Ele transforma a aflição
desse grupo de despossuídos em sua causa. Ele é o homem que toma sobre si o

149
DITNT. op. cit. p. 620.
150
Em João (7,49) o povo, é o ochlos. A Versão Revista e Atualizada (RA) traduz por plebe, um povo
que não conseguia cumprir a Lei por isso, maldita. “αλλα ο οχλοs αυτοs
ο µη γινωσκων τον νοµον ετιαροτοι εισαν − mas este povo, que não conhece a Lei, são uns
malditos! (BJ).
151
MOLTMANN, Jurgen. Experiências da Reflexão Teológica; op. cit. p. 214.
140

sofrimento do povo.152 Para os fariseus e doutores da Lei esta turba era a massa
perditionis, a plebe maldita.

Marcos é, por excelência, o Evangelho dos excluídos. É como se Jesus falasse


apenas a esse ochlos embora ele não cometa o erro da exclusão. Evangelho em si é
inclusão. João demonstra que seu ministério consistiu o tempo todo em tentar recriar
as condições para a convivência pacífica entre diferentes grupos sociais, daí suas
longas conversas com diferentes pessoas pertencentes a distintas classes sociais. No
final Ele próprio foi colocado para fora do Laos e foi morto fora das muralhas. Jesus
ensina o povo (7,14); se compadece dele (6,34); cura os enfermos do povo (1,34);
alimenta o povo (cap. 8); prega ao povo de dentro do barco (3,7) anuncia ao povo o
reinado em parábola (4,2ss). Ochlos é o destinatário do envio de Jesus. Ele veio por
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causa do povo e o seu reinado messiânico é destinado aos pobres, o seu amor aos
muitos.

Barth assinala duas coisas muito importantes em seu artigo – Jesus und das
Volk. Primeiro, Jesus se coloca ao lado desse povo excluído para lhe fazer justiça. O
povo não é o pano-de-fundo da história do Evangelho. É o sujeito histórico pelo qual
o Cristo foi crucificado e o Verbo se fez carne. Ao se dizer que Ele tira o sofrimento
e o chama para si pode induzir a que Ele o faz em solidão. Este é um dos perigos que
a teologia enfrenta – tratar com a solidão153 ainda que Jesus tenha algumas vezes se
afastado da multidão para orar; o reino de Deus que Ele anuncia não trata de outra
coisa senão em Ele estar real e literalmente em meio ao povo. Ainda que se dirija à
massa que se encontra na periferia Ele a quer conduzir para o centro do povoado. Ele
chama essas pessoas para si a fim de que o ouçam.154

A Igreja é a comunidade do Povo, ou seja, constituída pelo Povo que se


chama Povo de Deus. Como laos de Deus deve deixar que Deus fale por meio dele

152
BARTH, K. Dádiva e Louvor. op. cit. p. 319.
153
BARTH, K. Introdução á Teologia Evangélica. op.cit. p. 68 et. seq. O teólogo precisa de solidão
para o aprofundamento necessário para sua missão. O intellectus fidei o levará a solidão.
154
BARTH, K. Dádiva e Louvor. op. cit. p. 321.
141

para aqueles que a constituem por meio do ensino (didaquê) mas também para os que
são povo ethene e ochlos. De certa forma a Igreja é constituída por todos esses povos
porque uma de suas características deve ser a inclusividade. É um povo diferente,
constituído para a adoração e o serviço mas isto não lhe dá o direito da
exclusividade. Igreja é inclusão, aprendida do próprio Senhor da Igreja. Barth nota
que Jesus repreendeu os escribas e fariseus e mesmo seus discípulos, nunca o
povo.155 Ele mantém com as pessoas uma relação de solidariedade.

O grande perigo pelo qual a Igreja passa é falar das pessoas, do povo com
certa distância. Um governante, como um rei, um ditador, governa um povo, sem
fazer parte dele. Ele pertence a um outro estrato social. Lidera mas não pertence a um
estrato que lhe é inferior. Quando se refere ao povo, trata dele como seus
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subordinados.156 São os sem voz nem vez, os assalariados, a plebe, a multidão


ignorante, os lumpenproletariat.157

O sentido de “pobreza” tem sido reestudado nas teologias recentes e o debate


foi inflamado pela opção preferencial pelos pobres que conduz à hermenêutica da
libertação latino-americana.158 As releituras dos textos bíblicos se tornam

155
Id. Ibid.
156
Weber estabeleceu três tipos de dominação: a de caráter racional, a tradicional e a carismática. A
primeira é baseada na crença da legitimidade das ordens estabelecidas e no direito de mando daqueles
que, em virtude dessas ordens, estão nomeados para exercer a dominação legal. A segunda, na crença
cotidiana da santidade das tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude
dessas tradições, representam a autoridade (dominação tradicional). A terceira, na veneração
extracotidiana da santidade das tradições vigentes e na legitimidade daqueles que representam essas
tradições. Cf. WEBER, Max. Economia e Sociedade. op. cit. p. 140-141.
157
A reflexão teológica que coloca o pobre como sujeito da história, começa no início de 1960 na
América Latina. No lado católico começou com a reunião de teólogos latino-americanos realizada em
março de 1964 em Petrópolis, Rio de Janeiro, organizada por Ivan Illich, (1926-2002) tendo
participado, entre outros, Juan Luis Segundo, Lucio Gera e Gustavo Gutierrez. Do lado protestante, a
grande contribuição foi a fundação do ISAL – Igreja e Sociedade na América Latina. Mais tarde
Richard Shaull utilizou o termo Teologia da Revolução (1966). Cf. CORTEN, André. Os Pobres e o
Espírito Santo; o Pentecostalismo no Brasil. Tradução de Mariana Nunel Ribeiro Echalar. Petrópolis:
Vozes, 1996. p. 17-19; ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro de. Fé e Eficácia; o uso da sociologia
na teologia da libertação. São Paulo: Loyola, 1991. p. 33.
158
Na obra – Êxodo: Uma Hermenêutica da Liberdade - Croatto (1930-2004) propõe uma nova forma
de abordar o texto bíblico. O acontecimento fundante passa a vigorar como paradigma para novas
possibilidades de releitura do texto em diferentes contextos. A obra se apresenta como geradora de
novas leituras e novos acontecimentos. Por isso a necessidade que o autor sente de sugerir orientações
preliminares para a compreensão dessa nova forma de aproximação do texto. CROATTO, J. Severino.
142

obrigatórias já que se entende que as interpretações clássicas foram prejudicadas por


pressupostos herdados daqueles que leram a Bíblia a partir de uma cultura de
dominação. Nesse sentido volta-se para as interpretações farisaicas em que a pobreza
é um mal, está ligada ao pecado e a intervenção divina tem o objetivo de eliminar
esse mal.

A leitura dos textos de Barth e alguns tópicos da Church Dogmatics159


apontam para o fato de que Deus alia justiça e graça. A ligação entre ambos torna-se
clara. A justiça do crente consiste no fato de que Deus age por ele, de maneira total,
porque ele não pode por si próprio solucionar seu problema e nem um outro pode
fazer isso por ele. Segundo o Evangelho de Lucas e a Carta de Tiago como também a
mensagem do profetas, a pessoa é responsável por todos aqueles que são pobres e
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miseráveis aos seus olhos. Deve-se ter consciência que todos estão diante de Deus
como alguém que tem seu direito assegurado pelo próprio Deus. Todo clamor que
uma pessoa levanta em busca de justiça é um clamor que busca proteção e graça. Por
isso Deus não pode desconsiderar os Direitos Humanos.160

Quem é o povo? Barth afirma que o povo não é a comunidade nem a Igreja.
Daí sua estranheza com o termo Igreja Popular (Volkskirche). O povo é um dado
impessoal. Na verdade é uma abstração.161 Por isso o povo em si não crê em Jesus.
As pessoas dentre o povo, creram nele. (Jo.7,31).

Êxodo: Uma Hermenêutica da Liberdade. Tradução de J. Américo de Assis Coutinho. São Paulo:
Paulinas, 1981. passim.
159
CD. II/1. § 30. The Perfections of the Divine Loving. p. 351 et. seq.
160
CD. II/1. p. 387.
161
Entrar nessa discussão é caminhar em direção a um conceito filosófico desgastante. Segundo Kant
a razão inicia com o Conceito, que é uma idéia, onde ainda não é possível perguntar pelo verdadeiro
ou falso. O Conceito “Boi” é meramente uma nomenclatura. Não é um ser. É uma abstração. Não
existe “Boi”, como não existe “Homem”. Existem pessoas como Sócrates, Platão, Aristóteles. Aliás,
este último, diante do problema das substâncias particulares e universais reconheceu que o que existe
é a substância primeira, Sócrates e não a substância segunda, homem, no juízo, Sócrates é homem.
143

4.6.
A Palavra de Deus como Ação e Serviço

Após os anos de combate ao Nacional Socialismo, Barth, que havia se


dedicado ao professorado na Basiléia, reencontra seu espírito de lutador contribuindo
para a paz na Europa e sua reconstrução. Denunciou os campos de concentração
estalinista, na União Soviética, como também a exploração dos países pobres da
parte do capitalismo dos Estados Unidos da América e da Europa Ocidental.

No verão de 1946, em seu regresso à Alemanha, apresentou palestra em


várias cidades sobre a relação Igreja/Estado.162 O termo “comunidade” em lugar de
Estado procura estabelecer uma relação positiva entre as duas grandezas. A
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comunidade cristã é a entidade que conjuga as pessoas de determinada região e que


se reúne para reconhecimento de Jesus como Senhor e no intuito de professá-lo. A
causa comum tem seu ponto de partida na obediência àquela palavra de Deus em
Jesus Cristo, palavra esta que todos já ouviram mas sempre de novo precisam
escutar.

4.6.1.
Comunidade Civil

É a entidade que conjuga todas as pessoas de um lugar e convive sob a


mesma ordem do direito, válida e obrigatória para cada pessoa. Seu objetivo é
garantir a liberdade individual como também a segurança da comunidade.163 É nesse
Estado que se percebe a diferença entre a comunidade civil e a comunidade cristã.
Esta é chamada a dar seu testemunho em meio a outra, mais ampla quanto à
abrangência das relações entre pessoas que se orientam sob a mesma lei e seguem
um mesmo princípio. O papel da comunidade cristã é alertar para o perigo de não se
transformar a fé em religião e também para distinguir poderes legítimos e ilegítimos.

162
Berlim, Göttingen, Papenburg, Godesburg, Stuttgart. Christengemeinde und Bürgergemeinde –
Comunidade Civil e Comunidade Cristã. Em. BARTH, Karl. Dádiva e Louvor. op. cit. p. 289-315.
163
Ibid. p. 290.
144

A comunidade civil é espiritualmente cega e ignorante. Ela não tem fé nem


amor nem esperança. Não tem confissão nem mensagem.164 Quanto Barth usa o
termo “comunidade” para as duas instituições o faz propositalmente para marcar o
conceito – comunidade – como algo que nos diz que não deparamos diretamente com
instituições mas com pessoas concretas, reunidas em uma entidade comum, com
propósito de elaborar e levar a bom termo tarefas comuns.165

4.6.2.
Comunidade Cristã

Barth interpreta a relação da comunidade cristã com o mundo à luz de sua


responsabilidade na sociedade. Já lidamos, ao longo desse trabalho, com a crítica
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estilizada feita a Barth no sentido de lhe atribuir uma certa neutralidade em sua
Church Dogmatics. No entanto, não só por conta de seus vários escritos políticos,
trata com profundidade e importância a necessidade de se viver a experiência cristã
numa atividade que demande denúncia e compromisso com a Comunidade/Estado à
qual se dirige.

No cristianismo anterior a Barth predominava, por um lado, a atitude pietista


que não dava essencial importância a esse problema porque achava que a Igreja tinha
que se preocupar com a salvação individual de cada pessoa.166 Barth provavelmente

164
Id. Ibid. Suspeito que esta afirmação difícil e perigosa de Barth seja no sentido da perspectiva
cristã. Não no sentido de seus ideais e projetos humanos. O que projeta pessoas e coletividades para o
futuro é exatamente a construção de um projeto social relevante. O projeto de institucionalização da
comunidade civil pretende conduzir a Comunidade/Estado na direção do estabelecimento de padrões
de conduta social para a promoção de mecanismos que promovam a produção e o bem-estar. Sobre
esta questão sugiro a leitura do texto. BERGER, Peter L. e LUCKMANN, Thomas. A Construção
Social da Realidade. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1976.
165
CORNU, D. op. cit. p. 113.
166
Ele devia mais ao pietismo do que podia admitir. A herança familiar da tradição pietista era enorme
tanto do lado de seus avós como de seus pais. Fritz Barth, o pai, foi influenciado pelos círculos
pietistas da Suíça e Alemanha, embora discordasse em vários aspectos. No entanto aceitava a moral e
a insistência da verdade central do Evangelho em sua comunicação objetiva. Barth foi acusado de
escrever muito cedo sobre o pietismo e talvez por isso, teria produzido uma caricatura do movimento
(N. Knappe. Karl Barth und der Pietismus, 1927. p.13) já que ele tinha uma experiência remota do
que de fato era o pietismo. Cf. BUSCH, Eberhard. Karl Barth & the Pietists. Translated Daniel W.
Bloesch. Downers Grove: InterVarsity Press, 2004. p.11-13. A obra se divide em três partes: a parte A
introduz a visão de Barth sobre o pietismo até 1921; a parte B, apresenta uma resposta dos pietistas
145

foi injusto com o pietismo e isso pode ser debitado por sua análise em um tempo em
que era muito forte sobre ele a teologia liberal de seus antigos professores. O que o
pietismo combateu foi a teologia da ortodoxia que defendia a theologia
irregenetorum – a teologia dos não-regenerados, dos que não tinham passado por um
processo de conversão pessoal. Os pietistas diziam que a teologia é uma ciência
positiva e que para se falar da fé cristã é preciso falar a partir da experiência da
regeneração. A análise mais lúcida parece ser aquela de Tillich que afirma que os
pietistas têm e não têm razão em falar da necessidade de um novo nascimento. Ele
afirma que, se a questão for colocada em termos da necessidade do teólogo precisar
viver existencialmente os problemas que tenta responder, nesse caso se poderia
chegar a uma fórmula de união entre a crítica de Barth e a afirmação dos pietistas.167
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Por outro lado, Barth criticou o Evangelho Social por dar pouca atenção ao
indivíduo e sua salvação. O mais importante é a responsabilidade social da Igreja e o
estabelecimento do Reino de Deus na terra. Rauschenbush168 afirma que a novidade
do Evangelho Social é a clareza e a insistência na necessidade e na possibilidade de
redenção da vida histórica da humanidade. Redenção dos erros sociais que
pervadiram a sociedade e que atuam como tentação e acabam incitando o mal como
força de resistência aos poderes da redenção.169 Barth insiste que o problema
fundamental do ser humano é a sua relação com Deus e que essa relação está
completamente errada e precisa ser mudada. Sua ênfase consiste na necessidade de se

para a crítica do pietismo feita pelo jovem Barth até 1930; a parte C é uma tentativa de síntese para o
encontro entre o jovem Barth e o pietismo.
167
TILLICH, Paul. Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. op. cit. p. 40-41.
168
Walter Rauschenbusch (1861-1918) nasceu em Rochester, New York, onde seu pai era professor
no Departamento Alemão do Seminário Teológico Batista de Rochester. Em 1886 tornou-se pastor da
Segunda Igreja Batista Alemã da cidade. Ali viu as sórdidas condições dos imigrantes, a exploração
dos trabalhadores pelos gigantes industriais e a indiferença do governo diante do sofrimento dos
pobres. Isto levou-o a reconsiderar suas categorias religiosas, a começar um novo estudo da Bíblia e a
pesquisar as opiniões dos críticos sociais. Escreveu Christianity and Social Crisis, 1907;
Christianizing the Social Order, 1912 e seu livro mais conhecido, A Theology for the Social Gospel,
1917). M. A. Noll. “Walter Rauschenbusch” Em: ERWELL, W. A. (Ed.). op. cit. v. 3. p. 230-231.
169
RAUSCHENBUSCH, Walter. A Theology for the Social Gospel. New York/Nashville: Abingdon
Press, 1917. p. 95.
146

entender o Evangelho como ação de Deus que, em si, não se identifica com nenhuma
força político-ideológica e nem com qualquer movimento social.170

Essa insistência na natureza do Evangelho e na independência da teologia


com relação ao Estado/Comunidade Civil e em relação a todas as correntes sociais e
políticas, deu à Igreja Cristã a possibilidade e a isenção necessária para agir com
seriedade diante das ameaças reais. A partir dessas dificuldades concretas, Barth
produziu o texto Igreja Nacional, Igreja Livre e Igreja Confessante.171

4.6.2.1.
Igreja Nacional
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Não é uma Igreja Estatal, o que a faria perder a essência do Evangelho. É


antes aquela que vive sua experiência cristã em meio a uma comunidade civil
legítima.172 Diante de situações específicas a Igreja deve optar pelo Estado legítimo
denunciando aquele que pretende se instaurar como Estado opressor. A Igreja se
legitimará como verdadeira Igreja de Jesus Cristo ao proclamar que ela só se
submeterá a Ele, como Senhor da Igreja e do Mundo.173

170
RICHARD SHAULL. Influência de Karl Barth. Em. SEMINÁRIO TEOLÓGICO
PRESBITERIANO INDPENDENTE. op. cit. p. 18.
171
Este Ensaio foi publicado originalmente na revista Evangelische Theologie, III, 1936. p. 411-412.
Foi publicada uma versão francesa em Les Cahiers Protestantes (nº 2, mar/1937. p.101-113). O texto
foi produzido na Suíça, após sua expulsão da Alemanha. A preocupação de Barth é estabelecer as três
formas da relação Igreja/Estado. Paulo de Góes. Karl Barth, “Retalhos” de seu Pensamento Político.
Em: SEMINÁRIO TEOLÓGICO PRESBITERIANO INDEPENDENTE. op. cit. p. 37-48.
172
A questão da legitimidade do Estado é outro problema crucial na teologia de Barth. A comunidade
cristã deve se subordinar ao Estado ao distinguir entre o legítimo e o não-legítimo, ou seja, entre
forma e realidades políticas que se apresentam melhores ou piores, entre ordem e arbítrio, democracia
e tirania, liberdade e anarquia, comunhão e coletivismo, entre direito de personalidade e
individualismo. Enfim, deve distinguir entre o estado de Romanos 13 e o de Apocalipse 13. De
conformidade com este julgamento – discernimento – tratará sobre que bases se levantam as questões
de fundação, preservação e implantação da ordem estatal. Cf. BARTH, K. Dádiva e Louvor. op. cit. p.
297.
173
A Declaração Teológica de Barmen (tb. chamada de Confissão de Fé de Barmen) tem, em seu texto
completo, 17 teses divididas em cinco capítulos e seus comentários. Apareceu em francês em Textes
Symboliques (Genebra. 1960), publicação da série de “Cadernos de Documentação da Igreja
Reformada Ecumênica Confessional”. O texto alemão , que apareceu em Gottes Wille und Unsere
Wünsche, (A Vontade de Deus e o Nosso Desejo) trata apenas das teses sem os comentários. O texto
da Declaração foi oficialmente elaborado por Barth, Thomas Breit e Hans Asmussen. Barth
representando a Igreja Reformada e os outros dois, a Igreja Luterana. Georges Casalis afirma que
Barth o redigiu em poucas horas enquanto os outros dormiam a sesta. Em carta a Niemöller em 1953,
Barth declarou: “enquanto a Igreja Luterana dormia a Reformada permaneceu acordada. Durante as
147

4.6.2.2.
Igreja Livre

Embora o nome possa sugerir liberdade para decidir seu próprio destino, não
despertou a simpatia de Barth. O nome sugere vários perigos como por exemplo a
liberdade que leva a Igreja a se tornar uma sociedade religiosa cujo caráter privado
pode fazê-la esquecer sua relação com o Estado. Sobre esta Igreja paira o risco de
fuga de sua responsabilidade diante do mundo. Este risco, de se tornar uma sociedade
religiosa, seria a negação do Evangelho conforme a ênfase de Barth contra a
Teologia Natural.174

três horas de sesta, revisei o texto fortalecido por um café forte e um ou dois cigarros do Brasil”. Cf.
BUSCH, Eberhard. KB: His Life from Letters and Autobiographical Texts. op. cit. p. 245. Cf. tb.
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CORNU, Daniel. op. cit. p. 40-43; CASALIS, G. op. cit. A citação em Casalis é de Hans Assmussen
(1898-1968), pastor em Altona. “Karl Barth und die Beckennende Kirche” (KB e a Igreja
Confessante) em Die Freiheit der Gebundenen, (A Libertação do Oprimido), livro em homenagem a
Barth pelos seus 50 anos de idade em 10/05/1936. Cf. Tb. CD. II/1. § 26. “The Knowability of God”
onde o autor apresenta uma longa nota comentando o Artigo 1º da Declaração de Barmen. p. 172-178.
O primeiro Sínodo da Igreja Confessante Alemã aconteceu entre 29 a 31 de maio de 1934 na Igreja
Reformada de Barmen com a participação de 138 delegados. Ali foi aprovada uma Declaração de fé
em seis teses. (vide Anexo 1).
174
O problema da Teologia Natural foi tratado por Barth com rigor. Em seu texto Nature and Grace
(Natur und Gnade), Emil Brunner (1889-1966) afirma que “a tarefa de nossa geração teológica é
encontrar o caminho de volta a uma legítima teologia natural”. Barth reagiu com seu famoso Não!
(Nein!). (Cf. nota 293). A maior parte da resposta Barth escreveu entre as 5 e 6 horas da manhã em
seu quarto de hotel em Roma, tendo diante da sua visão o Monte Pincio e São Pedro olhando de longe
para ele. Isto fê-lo pensar que “o perigo Romano da analogia entis o ameaçava juntamente com
Brunner.” Diante de Deus não só o mundo, a história, a filosofia, a religião e a especulação religiosa
são perversas e inautênticas porque Deus não pode ser objeto das faculdades humanas cognitivas e da
experiência humana, da intuição ou do sentimento. Deus só pode ser conhecido em sua Revelação. Na
CD. I/1. § 17 – The Revelation of God as the Abolition of Religion – afirma que não podemos
interpretar Deus como a substância e o homem como a forma, ou seja, não podemos interpretar o
evento da Revelação como um intercâmbio entre Deus e o homem, entre Graça e Natureza (...)
Revelação é de fato um evento que vem ao encontro da pessoa humana. (CD. I/. p. 280). Brunner via a
possibilidade de um “Ponto de Contato” por meio da teologia Natural (Gott und Mensch, 1930). Esse
ponto de contato esta baseado em Gênesis (1,27) onde afirma que a Pessoa Humana foi criada à
Imagem de Deus (Imago Dei). Barth rejeita esse ponto afirmando que a Imago foi perdida na Queda e
o que resta é um simulacro, imagem distorcida. (sobre a teoria do Simulacro, cf. DELEUZE, Gilles.
Lógica do Sentido. Tradução de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Perspectiva, 1974. Cf.
especialmente o Apêndice: Simulacro e Filosofia Antiga, Platão e o Simulacro. p. 259-286. O assunto
lembra também o uso que Descartes (1596-1650) faz de Anselmo sobre as provas da existência de
Deus. No Princípio da Causalidade a idéia do ser Infinito e Perfeito estaria na mente da pessoa como a
marca do artista na obra. Cf. DESCARTES, René. Meditações. Tradução de J. Ginsburg e Bento
Prado Jr. São Paulo: Nova Cultural, 1988. v. 2. p. 44 (Os Pensadores). Barth afirma que o verdadeiro
Ponto de Contato é estabelecido pela fé. Nesta, a pessoa é criada pela Palavra de Deus para a Palavra
de Deus, existindo na Palavra de Deus, não em si mesmo, não em virtude de sua humanidade e
personalidade, nem do ponto de vista da criação, mas somente no ponto de vista da fé. Só pode ser
falado teologicamente e não filosoficamente. Cf. CD. I/1. § 4. The Knowability of the Word of God.
p. 273-274.
148

Igreja Livre, por mais atraente que seja sua designação, conduz ao perigo não
só do alheamento e da alienação mas também da autonomia que é, de certa forma,
arrogância e distanciamento que leva à tentação de determinado status quo que
atenda a interesses de grupos ou pessoas e não ao Evangelho como Palavra de Deus.

4.6.2.3.
Igreja Confessante

A Igreja assume o caráter de confessante quando o Estado a afasta


deliberadamente, quando a oprime e quando deseja modificá-la para atender a seus
próprios objetivos. A Igreja não se torna confessante por simples opção mas por
exigências do próprio Evangelho pois em si, ela não deseja tornar-se como tal.
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Em 14 de julho de 1933, o Reichstag reconheceu oficialmente a Deutsche


Evangelische Kirche. Em 4 de janeiro de 1934 Ludwig Muller, eleito em 27 de
setembro do ano anterior, Bispo do Reich, pelo Sínodo Nacional de Wittenberg,
promulgou um decreto estabelecendo que toda participação de um pastor na política
da Igreja seria considerada uma infração passível de disciplina eclesiástica e o faltoso
seria afastado de suas funções.175 Barth declara, no Artigo 1º da Declaração de
Barmen, que Jesus Cristo é o Único e Verdadeiro Senhor da Igreja e que não há
nenhum outro caminho pelo qual a pessoa seja declarada justa. No Artigo 5º lembra
que o Sacerdócio Universal de todos os crentes é contrário à criação do
Führerprinzip.176

Diante desse estado de coisas, Barth escreve e dá conferências sobre o papel


da Igreja na sociedade. Destaca que a Igreja Confessante não deve se afastar da

175
CORNU, Daniel. op. cit. p. 39.
176
Führerprinzip é o Princípio da Autoridade. Um Povo (Volk); Um Reino (Reich); um Líder
(Führer). Uma tentativa de fazer que a Igreja copie o Estado Nacional Socialista, instituindo um bispo
com poderes absolutos. A Igreja Confessante surgiu a partir da Liga Emergencial de Pastores fundada
por Martin Niemöller em 1933, tomando seu nome do fato que ela baseava sua oposição a Hitler e aos
“Cristãos Alemães” sobre a Confissão de Fé em Jesus Cristo como único Senhor e fonte de toda a fé.
BUSCH, E. KB: His Life from Letters and Autobiographical Texts. op. cit. p. 226.
149

Deutsche Evangelische Kirche (DEK) mas, deve anunciar que a autoridade única é
Jesus Cristo, rejeitando a autoridade eclesiástica instalada pelo Reich.177

Foi essa luta contra um Estado totalitário e uma Igreja que acabou
sancionando uma relação de subserviência ao Estado que levou Barth a anunciar sua
rejeição ao culto estabelecido pelo Estado que cria seu próprio código de ética, não
segundo o Mandamento mas segundo o poder vigente.178

A determinação de Barth por uma opção dolorosa, mas necessária contra os


poderes diabólicos que imprimem terror e medo, pode ser destacada na carta que
escreveu a Hromadka (1889-1969) com data de setembro de 1938.179 Era um teólogo
do Evangelho. Segundo ele o Evangelho é o Alfa e o Ômega da teologia. Sua
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177
Em Darmstadt, numa conferência da DEK, a polícia secreta alemã interveio e em um dos
momentos mais sérios da discussão um policial disse aos pastores: “senhores, se trata agora de decidir
a quem se quer obedecer: a mim, representante visual do Estado ou a esse Senhor imaginário do qual
vocês não cessam de falar.” Barth cita este episódio numa conferência pronunciada na Basiléia em
1937. Cf. CASALIS, G. Retrato de Karl Barth. op. cit. p. 41.
178
Bonhoeffer tem sido reconhecido por alguns como aquele que primeiramente negou o valor da
religião para a fé. Na sua cela da prisão escreveu a Eberhard Bethge (30.4.44): “o que me preocupa
incessantemente é a questão, o que é o cristianismo? Ou, quem é Jesus Cristo para nós hoje? (...)
Passou o tempo da religião de maneira geral. No entanto, reconhece em várias cartas ter sido Barth
aquele que primeiro começou a pensar seriamente nesta direção, embora o acuse de promover um
positivismo da Revelação. Seu respeito a Barth é grande, citando-o constantemente e solicitando o
envio de partes de sua futura CD: “se conseguires encontrar a “doutrina da predestinação” de Barth
(não encadernada) ou a Doutrina de Deus, envia-as para mim”. O volume parcial da Doutrina de
Deus, contendo o 7º capítulo – a Eleição Graciosa de Deus (Doutrina da Eleição ou predestinação) e o
8º capítulo – O Mandamento de Deus (Ética) Bonhoeffer tinha conseguido na terceira viagem à Suíça
na forma de provas de impressão. Por trás do pedido pode estar a idéia de continuar trabalhando em
sua Ética. Cf. BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissa; op. cit. Cf. especialmente as cartas
de 15.12.43 onde KB aparece com o nome de Carolus, por motivo de segurança pois E. Bethge havia
recebido a incumbência de viajar até a Suíça e se encontrar com Barth na Basiléia; carta de 18.12.43;
carta de 30.4.44 que é a mais famosa de todas por tratar do cristianismo a-religioso; carta de 5.5.44; e
carta de 8.6.44 onde menciona o Der Römerbrief e Credo, textos de 1922 e 1935 respectivamente. As
cartas estão em ordem cronológica, portanto de fácil localização.
179
Joseph Hromadka, teólogo da Universidade de Praga, Tchecoslováquia. No Tratado de Munique,
de 30/9/1938 as democracias ocidentais, impotentes, entregaram o território dos Sudetos à Alemanha.
Os Sudetos formam a orla Nordeste do quadrilátero da Boêmia, na antiga Tchecoslováquia. O nome
“Sudetos” aplicou-se à região da Boêmia onde predominava população de origem alemã. A anexação
durou de 1938 a 1945. Quando a Tchecoslováquia recuperou seu território, expulsou a população de
origem alemã. Poucos dias antes da assinatura do Tratado, KB escreveu a carta (19/9) onde afirma
que o Evangelho autoriza o cristão a uma atitude de oposição frente a poderes ilegítimos. (Brief au
Prof. Hromadka in Prag) Trechos da carta estão em CORNU, D. op. cit. p. 81-8. Com a invasão de seu
país, Hromadka foi para os Estados Unidos onde se tornou professor de teologia em Princeton. Foi um
dos fundadores do CMI. Enfatizava a Soberania de Deus em todas as situações históricas e sistemas
seculares.
150

tradição de fé era a Presbiteriana Escocesa Reformada. Sua atitude era a de agir


sempre em uma perspectiva pastoral.

Barth demonstra indignação com o Anschluβ (Anexação). Em 1942 dirá que


o mais grave dia dos últimos anos não foi a derrota da França (1940), a conquista de
Creta (1941) nem Pearl Harbour (1942) mas sim o dia de Munique quando os
Estados Democráticos confessaram sua incapacidade em preservar a ordem
estabelecida desde 1919 e quando os sinos das igrejas repicaram na Europa
acreditando os cristãos que deviam agradecer a Deus por terem evitado a guerra
através de um tratado vergonhoso.180

Criticado por se lançar de forma aberta em problemas entre Igreja e Estado,


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reage afirmando que a transcendência de Deus, a espera escatológica, a pregação do


puro Evangelho, ainda guardam seu lugar central. Contudo, critica a idéia de um
Deus transcendente abstrato, que não acolhe a pessoa humana em sua existência
concreta.181 A mudança se deu não no sentido dos conteúdos da fé mas na forma de
aplicar esses conteúdos às experiências vividas nos anos do Nacional Socialismo na
Alemanha.

Barth estabelece as condições sob as quais a resistência cristã a um Estado


pode se justificar.182 Ele une dogmática e ética talvez mais que qualquer outro
teólogo dogmático o faz. Sua teologia é centrada na situação porque ela é trabalhada
a partir de contextos específicos, como o foi desde o início quando, a partir da
experiência das moças trabalhadoras das fábricas têxteis de Safenwill, decidiu por
estudar a Escritura com o fim de ter uma mensagem que de fato respondesse à
situação vivida por seus paroquianos. Tenta mostrar como o Deus gracioso agiu e
age em nossas situações concretas e como a pessoa vive na luz do fato que o Deus
gracioso tem feito a partir dessa realidade.

180
Brief an einen amerikanischen kirchenmann. Em: Eine Schweizer Stimme (Uma Voz Suiça).
Zurique, 1946. p. 273-274. ap. CORNU, D. op. cit. p. 82.
181
How My Mind has Charged. Em: BARTH, K. Dádiva e Louvor. op. cit. p. 413.
182
Barth estabelece essa ética da situação nas aulas Gifford de 1937-1938 com o título The Knowledge
of God and the Service of God. Em: BARTH, K. e HAMEL, Johannes. op. cit. p. 26.
5.
Conclusão

A teologia precisa de rejuvenescimento periódico. Seu maior perigo não é a


mutilação mas a senilidade.1 O Evangelho precisa da teologia para que este se torne
efetivo, mas a teologia precisa do Evangelho para revitalizá-la. Esta compreensão não
é uma novidade do velho liberalismo teológico dos séculos XVIII e XIX. É antes a
antiga doutrina cristã, desenvolvida pelos profetas e apóstolos. Quando a Bíblia fala
de redenção significa redenção do indivíduo mas também de um povo diante de
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poderes invasores. É a redenção das tiranias políticas, dos usurpadores do poder e das
ditaduras que dominam nações e escravizam as massas.

Após chegar a sua paróquia em Safenwill, Barth começou a dar aulas na


Associação de trabalhadores. Estas aulas são um excelente exemplo de seu socialismo
primitivo.2 Critica o subjetivismo, individualismo e idealismo da teologia liberal, mas
critica também o capitalismo e o cristianismo “espiritualizado” que conduz a Igreja a
um estado de alienação social. Ele a chama para se tornar a campeã na luta em favor
dos fracos e explorados.3

O grande problema das teologias em certos períodos da história das Igrejas da


Reforma tem sido o seu descompromisso com os problemas cruciais da sociedade. A
Igreja tem uma parcela de culpa ao não tematizar em seus discursos e catequeses a
causa da justiça social em prol do direito do pobre e do oprimido. A temática é bíblica
e encontra-se nos profetas e em vários escritores do Novo Testamento. Grandes
teólogos como Basílio Magno (330-379) desenvolveram um ministério voltado para a

1
Cf. RAUSCHENBUSCH, Walter. A Theology for the Social Gospel. op. cit. p. 12.
2
As aulas foram publicadas em dezembro/1911 no diário socialista de Aargau – Der Freie Aargauer.
Nunca foi publicado na Alemanha. A primeira tradução para o inglês foi de 1976 por George
Hunsinger em seu Karl Barth and Radical Politics.
3
GREEN, Clifford. (Ed.). Jesus Christ and the Moviment for Social Justice. Em: Karl Barth:
Theologian of Freedom. op. cit. p. 98-114.
152

ação concreta em favor dos perseguidos. Vivendo numa época de intensas


controvérsias cristológicas, acrescentou a ortopraxia à sua ortodoxia, ou seja, seu
comprometimento com a fé cristã o levou a experimentar uma libertação das coisas
do mundo e a colocar-se do lado dos marginalizados. Seria hoje um teólogo da
libertação no sentido pleno da palavra.

O perigo da teologia da Igreja é ela voltar-se para si mesma e realizar-se como


um fim em si mesma, uma realidade intramuros. Esse alheamento fez com que Lutero
não tomasse conhecimento do descobrimento da América nem tampouco
Schleiermacher tematizasse o tráfico de escravos cujo auge foi em seu tempo.
Tampouco Bultmann, Tillich e o próprio Barth consideraram isso um tema da
teologia. No entanto Barth tem a seu favor o fato de ter denunciado outras formas de
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opressão como a ideologia do Nacional Socialismo na Alemanha e sua vocação para a


exclusividade. Por causa dessa sua atitude tornou-se uma voz profética na Alemanha,
ao lado de Bonhoeffer e Tillich, denunciando o grotesco e ao mesmo tempo
alarmados com a inércia da Igreja Alemã que nada disse nem se pronunciou quanto
ao genocídio. Barth manteve-se atento aos eventos de sua época desde a eclosão da
Primeira Guerra Mundial, a ascensão do nazismo e a questão do confronto Leste-
Oeste do pós-guerra. Seus escritos políticos o mantiveram numa atitude de vanguarda
em seu posicionamento teológico. Partiu do pressuposto que a tarefa da teologia é a
reflexão da Igreja em busca de sua mensagem. Esta busca deve conduzir na direção
de sua vocação para a missão no mundo.

A teologia como meio que promove, assessora e organiza a missão da Igreja


tem uma função propedêutica em Barth. Não se parte dela para daí surgirem os
caminhos para a tarefa cristã da Igreja no mundo. Primeiro se é comunidade, se
experimenta a fé, se vive a relação com aquele que promove a esperança em meio às
lutas. Para Barth a primeira comunidade cristã não foi aquela do Senhor com seus
discípulos. É antes aquela em que Ele se solidariza com os dois ladrões e vive com
153

eles uma comunidade de dor e sofrimento. Ele foi crucificado em meio aos
malfeitores. (Lc. 22,33)4

Diante de um mundo conturbado, o povo de Deus – Laos – se torna o povo


sem pátria e sofrido – ochlos – nas periferias do mundo. A experiência pastoral deve
nos conduzir a uma reflexão teológica sobre o Deus justo que vem ao encontro deste
para que ele se nutra de esperança em um futuro que lhe pertence aqui e agora. Esta
reflexão levou Barth e outros teólogos contemporâneos como Bultmann, Tillich e
Moltmann a repensar conceitos clássicos da teologia como tempo e eternidade.5 A
verdadeira escatologia não tem a ver com a história futura mas com o futuro da
história.6 O eschaton da escatologia cristã não é o fim temporal de nossos dias
históricos mas a presença do Eterno em cada instante desta história.
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Diante do Eterno existe só um tempo: esse, segundo Kierkegaard é a


eternidade. Essa é também a compreensão de Barth quando afirma: “O instante eterno
confronta-se inigualável com todos os instantes, justamente porque ele constitui o
sentido transcendental de todos os instantes.7

Estamos vivendo o tempo da meia-luz de Romanos (13,12) “a noite está


adiantada, o dia já está chegando.” É o tempo do “já e do ainda não”. (C. H. Dodd).
É nesse contexto, da madrugada do tempo que a Igreja deve exercer seu ministério
para o mundo. Barth nos conduz a deixarmos o moderno antropocentrismo para uma
nova teocentricidade onde Jesus é o Senhor do tempo e da história.8 Em seguida de

4
Sermão em Basiléia, 1957. cf. BUSCH, Eberhard. Karl Barth: His life from letters and
autobiographical texts. op. cit. p. 415. CD. IV/3.2. § 71. The vocation of man. p. 639.
5
CD. II/1 § 3. The Eternity and Glory of God. P. 608-77. Barth trata do significado da eternidade de
Deus. Ele é o Primeiro e o Último, o Alfa e o Ômega (Is.43,10; Sl.90,2). A expressão “de eternidade a
eternidade”, comum no Antigo Testamento pode significar “de duração a duração” ou, “pura duração”.
Neste duração Deus é livre (p.609). O termo αιων é o espaço de tempo fixado por Deus; eternidade é
atribuída a Deus sob as categorias de início, sucessão e fim (p.611). Nesse caso Deus é pré-temporal
(621), supra temporal (623) e pós-temporal (629). Cf. Tb. CD. III/2. § 47. Man in his time. p. 437-640.
6
Cf. MOLTMANN, Jürgen. A Vinda de Deus; Escatologia Cristã. Tradução de Nélio Schneider. São
Leopoldo: Editora Unisinos, 2003. p. 26.
7
BARTH. K. Carta aos Romanos. op. cit. p. 762 et. seq.; MOLTMANN, J. A Vinda de Deus. op. cit.
p. 30.
8
CD. III/2. § 47. Man in his time. I. Jesus, Lord of Time. p. 437 et. seq.
154

uma auto-interpretação histórico-psicológica da pessoa “religiosa” para a teologia


histórica e para a humanidade de Deus atestada na Bíblia, para a mudança do discurso
religioso para a proclamação da Palavra de Deus, da religião do sentimento para a fé
cristã, da necessidade humana para o Deus Eterno que em Cristo se torna o Emanuel.

Vimos, ao longo desse trabalho, que Barth percorreu um árduo caminho até
encontrar e apresentar a Igreja como “comunidade viva do nosso Senhor Jesus
Cristo”. É a caminhada de uma vida, saindo da influência de seus renomados mestres
da teologia liberal, passando pelos cristãos socialistas, assumindo o discurso do Deus
Totaliter Aliter até chegar à humanidade de Deus em Cristo. Nele, Cristo, Deus é
revelado como parceiro do ser humano. A Igreja, como corpo vivo de Cristo, assume
um papel fundamental na proclamação da Palavra Revelada. Ela tem a função de
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pregar e atestar a veracidade dessa revelação. Só consegue fazer isso iluminada pelo
Espírito Santo por quem ela foi enviada ao mundo para prestar testemunho do Senhor
Ressuscitado e dizer que a aliança entre Deus e o homem constitui o significado
último da História.

Para exercer o seu ministério a Igreja se utiliza da palavra e da ação. À palavra


pertencem a adoração, a pregação, a instrução, a evangelização, a missão, a teologia.
À ação pertencem a oração, o pastoreio, o serviço em benefício daqueles que
necessitam de apoio e a ação profética. Esses ministérios implicam responsabilidade
por parte de toda a comunidade, seja da parte do ministério ordenado seja por parte
dos leigos.

Teologia é um exercício sobre a revelação no sentido de compreender o dado


da fé. Como atividade humana vai ter sempre suas falhas e em conseqüência, revisão
periódica. Aqui e ali cometemos nossos deslizes e surgem as heterodoxias. Barth
tinha sensibilidade a isso, assim, com certa naturalidade, reviu seu percurso teológico
e ocasionalmente refez seu caminhar. Por isso, ao falar em 1956, sobre a Humanidade
de Deus, sua afirmação fundamental é que Deus se fez ser humano e está conosco.
Deus dá um “sim”, um “sim” muito radical aos ser humano. Não só a pessoa humana
155

mas a tudo que faz parte da vida: às lutas humanas, às esperanças, às empreitadas
históricas dos seres humanos. A encarnação de Deus não é o fecho da história, mas é
sua abertura, à liberdade, à criação, à imaginação, à inventividade. A humanidade de
Deus é a plena aceitação do ser humano. Por isso a teologia tem que ter sempre uma
mensagem positiva. O ser humano não é bom, é verdade que somos pecadores mas é
verdade também que Deus não nos abandona jamais. A teologia que indica um “não”
de Deus vai de encontro ao Evangelho que é um “sim” de Deus a humanidade.

O Evangelho oferece-nos uma boa notícia; aos prisioneiros, a libertação; aos


cegos, a luz; aos pecadores pobres ou ricos, a justificação e a santificação. Mas a
todos é feito um chamado ao serviço e ao amor. Serviço pela causa do Reino quando
Deus nos atinge. Esse Deus nos fala de dentro das situações, não de fora. E Ele nos
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fala de dentro a partir de Jesus Cristo, onde são destruídas todas aquelas noções falsas
de divindade. É Ele quem nos mostra que Deus não existe sem o ser humano, isto é,
sem a caminhada do de cada pessoa ao mesmo tempo que o ser humano é mais
plenamente humano quando partilha, quando se socializa, quando é mais livre,
quando cria uma comunidade.

Quando em 1963 Barth admitiu que dificilmente concluíria sua Church


Dogmatics afirmou que alguns dos teólogos medievais que haviam tentado produzir
uma Summa jamais a completaram e que algumas das mais belas catedrais também
permaneceram inacabadas. No serviço fúnebre, na Catedral da Basiléia em dezembro
de 1968, Visser’t Hooft,9 (1900-1985) expressou a gratidão do Conselho Mundial de
Igrejas ao serviço pastoral e ecumênico que Barth tinha dedicado às igrejas em todo o
mundo e concluiu que este serviço, ainda que não reconhecido totalmente no
presente, seria honrado e redescoberto no futuro por gerações de teólogos que
retomariam seus textos para servir de fonte para lidar com seus dramas e situações
históricas concretas.

9
VISSER’T HOOFT, W. A. Memoirs. London: SCM Press Ltd.; Philadelphia: Westminster Press,
1973. p. 353.
6.
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Clark, 1936-1662. (14 volumes em 4 tomos).

I/1 The Doctrine of the Word of God, Prolegomena, Part 1, 1936, 503 p.

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Index – With Aids for the Preacher.1977, 552 p.

ARTIGOS E CONFERÊNCIAS: PEQUENOS ESCRITOS

ALTMANN, Walter. (Org.). BARTH, Karl. Dádiva e Louvor; artigos selecionados.


Tradução de Walter O. Schlupp, Luís Marcos Sanders e Walter Altmann. São
Leopoldo: Sinodal, 1986. 432 p

-O Cristão na Sociedade (1919)

-Dificuldade e Promessa da Proclamação Cristã (1922)

-A Palavra de Deus como Encargo da Teologia (1922)

-O Problema da Ética na Atualidade (1922)

-Cumprir os Mandamentos (1927)

-O Primeiro Mandamento como Axioma Teológico (1933)

-Existência Teológica Hoje (1922)

-Reforma é Decisão (1933)

-Revelação, Igreja, Teologia (1934)


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-A Igreja e as Igrejas (1935

-Evangelho e Lei (1935)

-A Eleição de Deus em Graça (1936)

-Justificação e Direito (1938)

-Comunidade Cristã e Comunidade Civil (1946)

-Jesus e o Povo (1944)

-A Questão dos Judeus e sua Resposta Cristã (1949)

-A Igreja no Confronto Leste-Oeste (1949)

-A Pobreza (1949)
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-A Realidade do Novo Ser Humano (1948)

-Decisão Política na Unidade da Fé (1952)

-A Humanidade de Deus (1956)

-How My Mind Has Changed (1960)

____________. Ensayos Teológicos. Tradução de Cláudio Gancho. Barcelona:


Herder, 1978. 214 p.

-La Humanidad de Dios (1956)

-Predicacion Sobre Lev 26,12 (1956)

-Actualidad Del Mensaje Cristiano (1949)

-Humanismo (1950)

-La Realidad Del Hombre Nuevo (1949)

-La Palavra Soberana de Dios Y la Decision de la Fe (1939)

-El Don de la Libertad (1953)

-El Mensaje de la Libre Gracia de Dios (1947)


160

-Etica Cristiana (1946)

-La Sagrada Escritura Y la Iglesia (autoridad e importância de la Bíblia)


(1947)

-La Iglesia Comunidad Viva de JesuCristo el Señor que Vive (1948)

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170

ANEXOS

1. Declaração Teológica de Barmen

“Fazendo frente aos horrores dos cristãos alemães e ao Governo da Igreja do Reich
que causam estragos na Igreja e despedaçam a unidade da Igreja Evangélica Alemã,
confessamos as verdades evangélicas seguintes:

TESE I

“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim.”
(Jo. 14,6)

“Em verdade, em verdade, vos digo: quem não entra pela porta no redil das ovelhas,
mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante; Eu sou a porta. Se alguém entrar por
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mim, será salvo.” (Jo. 10,1 e 9).

Jesus Cristo, segundo o testemunho das Sagradas Escrituras, é a única Palavra de


Deus. Devemos escutar a ela somente e nela somente devemos confiar e obedecer,
tanto na vida como na morte.

Rejeitamos a falsa doutrina segundo a qual a Igreja, ademais e ao lado desta única
Palavra de Deus, tenha outros mananciais dos quais possa buscar seu testemunho, ou
seja, outros conhecimentos e poderes, figuras históricas e verdades que seriam, elas
também, beneficiárias da revelação divina.

TESE II

“Jesus Cristo que se tornou para nós sabedoria proveniente de Deus, justiça,
santificação e redenção.” (I Co. 1,30).

Assim como Jesus Cristo é a garantia de Deus para o perdão de todos os nossos
pecados, do mesmo modo e com a mesma seriedade, ele também é a reivindicação
mais poderosa de Deus sobre toda nossa vida; por intermédio dele experimentamos
uma libertação feliz das amarras ímpias deste mundo, para que possamos prestar um
serviço livre e agradecido às suas criaturas.

Rejeitamos a falsa doutrina de que há áreas em nossa vida que não pertencem a Jesus
Cristo mas a outros senhores, áreas em que não precisamos de justificação e
santificação através dele. Afirmamos que toda a vida do crente pertence a seu Senhor
e rejeitamos a dicotomia espiritual, a falsa separação entre o sagrado e o profano.
171

TESE III

“Mas, seguindo a verdade em amor, cresceremos em tudo em direção àquele que é a


Cabeça, Cristo, cujo Corpo, em sua operação harmoniosa de cada uma das suas
partes, realiza o seu crescimento para a sua própria edificação no amor.” (Ef.4,15-16).

A Igreja cristã é a comunhão dos irmãos, na qual Jesus Cristo, em Palavra e


sacramentos, através do Espírito Santo, age de uma maneira presente como Senhor.
Na condição de Igreja de pecadores agraciados, ela tem a tarefa de testemunhar em
meio a um mundo pecador, tanto com sua fé como com sua obediência, tanto com sua
mensagem como com sua ordem, que ela é somente propriedade do Senhor, que vive
e pretende viver somente de seu conforto e a partir de sua orientação na expectativa
de sua volta.

Rejeitamos a falsa doutrina que a Igreja pode ter permissão para mudar a forma de
sua mensagem e de suas ordens se ela assim desejar ou par atender as vicissitudes de
ideologias e convicções políticas de hoje.
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TESE IV

“Sabeis que os governadores das nações as dominam e os grandes as tiranizam. Entre


vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós
seja aquele que serve.” (Mt.20,25-26).

Os diversos ofícios existentes na Igreja não estabelecem o domínio de uns sobre os


outros, porém fundamentam o exercício do ministério confiado e destinado a toda a
comunidade.

Rejeitamos a falsa doutrina que, fora de seu ministério, a Igreja pode e terá permissão
para, dar a si mesmo ou, permitir a investidura de um líder especial.
FÜHRERPRINZIP (Princípio da Autoridade).

TESE V

“Temei a Deus, tributai honra ao rei.” (I Pe.2,17).

As Sagradas Escrituras testemunham que o Estado, por ordem divina, tem a tarefa de,
neste mundo ainda não redimido, no qual também se encontra a Igreja, providenciar a
justiça e a paz. O Estado estará se desincumbindo da tarefa e para a tal poderá fazer
ameaças e o uso da força de acordo com o bom senso e a capacidade humana. A
Igreja reconhece o benefício dessa ordem divina com gratidão e reverência a Deus.
Ela evoca o Reino de Deus, os mandamentos e a justiça de Deus, proclamando assim
a responsabilidade de regente e regidos. Ela confia e obedece ao poder da Palavra,
mediante a qual Deus sustenta todas as coisas
172

Rejeitamos a falsa doutrina que além de sua comissão especial o Estado poderá
tornar-se a única e total ordem para a vida humana e assim cumprirá a vocação da
Igreja como tal.

Rejeitamos a falsa doutrina que além de suas atividades especiais a Igreja poderá vir a
tomar para si, tarefas e dignidades que pertencem ao Estado, tornando-se, desta
forma, um órgão do Estado.

TESE VI

“E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!”
(Mt.20,28)

“”Mas a palavra de Deus não está algemada!” (I Tm.2,9)


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A tarefa da Igreja, sobre a qual se fundamenta a sua liberdade, consiste em pregar a


todos os povos a mensagem da graça libertadora de Deus em Cristo, e por essa razão
está a serviço de sua Palavra e obra, mediante a pregação e sacramentos.

Rejeitamos a falsa doutrina que afirma que pela atividade humana a Igreja tomará
para si a Palavra e a obra do Senhor no serviço de seus desejos, propósitos e planos.

A responsabilidade da Igreja a respeito do povo em sua totalidade e a independência


de sua mensagem em relação com todas as ideologias ou propagandas.

O Sínodo Confessional das Igrejas Evangélicas Alemãs declara que vê no


reconhecimento dessas verdades e na rejeição desses erros a indispensável base
teológica da Igreja Evangélica Alemã como uma Confederação de Igrejas
Confessantes. Ele convoca a todos que podem se colocar em solidariedade com a
Declaração a que sejam cuidadosos no veredito teológico de todas as decisões acerca
da Igreja e do Estado. Apela para que haja uma preocupação total com a volta à
unidade em fé, esperança e amor.

Fontes:
-Comunidad Civil y Comunidad Cristiana
-Retrato de karl Barth
-Karl Barth, Theologian of Freedom
173

2.Manifesto de 93 Intelectuais Alemães para o Mundo


Civilizado

Como representantes da Ciência e das Artes alemãs, nós pelo presente, protestamos
para o mundo civilizado contra as mentiras e calúnias com as quais nossos inimigos
estão empenhados em manchar a honra da Alemanha em sua difícil luta pela
existência em um combate forçado por eles.

O início das hostilidades tem provado as inverdades da fictícia derrota alemã;


conseqüentemente adulteração da verdade e calúnias são os ingredientes em uso por
parte de nossos inimigos. Como mensageiros da verdade levantamos nossas vozes
contra esse estado de coisas.

Não é verdade que a Alemanha tenha conduzido e tenha causado esta guerra, nem seu
povo, nem seu governo, nem o Kaiser procuraram a guerra...
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Não é verdade que invadimos a neutra Bélgica. Está provado que a França e a
Inglaterra resolveram invadi-la e desta forma tem sido provado que a Bélgica tem
concordado com isso. Teria sido suicídio de nossa parte não ter agido previamente.

Não é verdade que a vida e a propriedade de um único cidadão belga tenha sido
profanada por nossos soldados a não ser que o estado de defesa a tenha tornado
necessária...

Não é verdade que nossas tropas trataram Louvaina brutalmente. Furiosos habitantes
têm traiçoeiramente caído sobre nossas tropas em seus quartéis. As tropas, com o
coração dolorido foram obrigadas a atirar sobre a cidade como resposta. A maior
parte de Louvaina tem sido preservada.

Não é verdade que nossa ação bélica não respeita as leis internacionais.Não usamos
crueldade indisciplinada. Mas na frente oriental, a terra está saturada com o sangue de
mulheres e crianças indefesas abatidas pelas selvagens tropas russas, e na frente
ocidental, balas explosivas mutilam o peito de nossos soldados...

Não é verdade que o combate contra o assim chamado militarismo não é um combate
contra nossa civilização, como nossos inimigos hipocritamente pretendem fazer crer.
Por assim dizer, não fosse a força militar alemã, nossa civilização há muito já teria
desaparecido...

Não podemos extirpar o veneno dessa poderosa arma – a mentira – das mãos de
nossos inimigos. Tudo que podemos fazer é proclamar para todo o mundo, que
nossos inimigos estão apresentando falso testemunho contra nós...
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Acreditem em nós! Creiam que nós levaremos esta guerra até o fim como uma nação
civilizada, para quem o legado de um Goethe, um Beethoven e um Kant, é um legado
tão sagrado quanto nossos próprios corações e lares.

SIGNATÁRIOS
1. Adolf von Beeyer,
2. Peter Behrens,
3. Emil Adolf von Behring,
4. Wilhelm von Bode,
5. Aloïs Brandl,
6. Lujo Brentano,
7. Justus Brinkmann,
8. Johannès-Ernst Conrad,
9. Franz von Defregger,
10. Richard Dehmel
11. Adolf Deissmann,
12. Friedrich-Wilhem Doerpfeld,
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13. Friedrich von Duhn,


14. Paul Ehrlich,
15. Albert Ehrard,
16. Carl Engler,
17. Gerhart Esser,
18. Rudolf Christoph Eucken,
19. Herbert Eulenberg
20. Henrich Finke,
21. Hermann Emil Fischer,
22. Wilhelm Foerster
23. Ludwig Fulda
24. Eduard Gebhardt
25. J. -J. de Groot,
26. Fritz Haber,
27. Ernst Haeckel,
28. Max Halbe,
29. Adolf von Harnack,
30. Gerhart Hauptmann,
31. Karl Hauptmann,
32. Gustav Hellmann,
33. Wilhelm Herrmann,
34. Andreas Heusler,
35. Adolf von Hildebrand,
36. de:Ludwig Hoffmann
37. Engelbert Humperdinck,
38. Leopold Graf von Kalckreuth
39. Arthur Kampf,
40. Fritz-August von Kaulbach,
41. Theodor Kipp,
42. Felix Klein,
43. Max Klinger ,
44. Aloïs Knoepfler,
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45. Anton Koch,


46. Paul Laband
47. Karl Lamprecht
48. Philipp Lenard,
49. Maximilien Lenz,
50. Max Liebermann,
51. Franz von Liszt,
52. Ludwig Manzel,
53. Joseph Mausbach,
54. Georg von Mayr,
55. Sebastian Merkle,
56. Eduard Meyer
57. Heinrich Morf,
58. Friedrich Naumann
59. Albert Neisser,
60. Walther Hermann Nernst,
61. Wilhem Ostwald,
62. Bruno Paul
63. Max Planck,
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64. Albert Plohn,


65. Georg Reicke,
66. Max Reinhardt,
67. Alois Riehl,
68. Karl Robert,
69. Wilhelm Roentgen,
70. Max Rubner ,
71. Fritz Schaper,
72. Adolf von Schlatter,
73. August Shmidlin,
74. Gustav von Schmoller,
75. Reinhold Seeberg,
76. Martin Spahn,
77. Franz von Stuck,
78. Hermann Sudermann,
79. Hans Thoma,
80. Wilhelm Trübner,
81. Karl Vollmoeller,
82. Richard Voss,
83. Karl Vossler,
84. Siegfried Wagner,
85. Wilhelm Waldeyer,
86. August von Wassermann
87. Felix Weingartner,
88. Théodor Wiegand,
89. Wilhelm Wien,
90. Ulrich von Wilamowitz-Moellendorff,
91. Richard Willstätter,
92. Wilhelm Windelband,
93. WilhelmWundt

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