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Dionísio Oliveira Soares

A apocalíptica no Zoroastrismo, Judaísmo e Cristianismo


Uma análise das relações entre o Avesta, Dn 12,1-3 e Mt 27,51b-53
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710454/CA

quanto à ideia da ressurreição

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Teologia Bíblica da PUC-Rio como requisito parcial
para obtenção do título de Doutor em Teologia.

Orientador: Isidoro Mazzarolo

Volume II

Rio de Janeiro
Abril de 2011
Dionísio Oliveira Soares

A Apocalíptica no Zoroastrismo, Judaísmo e Cristianismo


Uma análise das relações entre o Avesta, Dn 12,1-3 e Mt 27,51b-53
quanto à ideia da ressurreição

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau


de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Teologia do
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710454/CA

Departamento de Teologia do Centro de Teologia e Ciências


Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora
abaixo assinada.

Prof. Isidoro Mazzarolo


Orientador
Departamento de Teologia – PUC-Rio

Profª. Maria de Lourdes Corrêa Lima


Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Geraldo Dondici Vieira


Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Edgard Leite Ferreira Neto


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Prof. Ricardo Lengruber Lobosco


Instituto Metodista Bennett

Profª. Denise Berruezo Portinari


Coordenadora Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro
de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 12 de abril de 2011


Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução total ou parcial do trabalho sem
autorização da universidade, do autor e do
orientador.

Dionísio Oliveira Soares


Graduou-se em Teologia pela FABAT (Faculdade
Batista do Rio de Janeiro, antigo STBSB–RJ),
turma de 1998. Licenciou-se em Letras Clássicas
pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de
Janeiro) em 2002. Obteve o título de Mestre em
Teologia pela PUC-Rio em março de 2006.
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Ficha Catalográfica

Soares, Dionísio Oliveira


A apocalíptica no zoroastrismo, judaísmo e
cristianismo: uma análise das relações entre o
Avesta, Dn 12,1-3 e Mt 27,51b-53 quanto à
ideia da ressurreição / Dionísio Oliveira
Soares ; orientador: Isidoro Mazzarolo. –
2011.
2 v. ; 30 cm

Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade


Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2011.
Inclui bibliografia

1. Teologia – Teses. 2. Ressurreição. 3.


Zoroastrismo. 4. Judaísmo e cristianismo
primitivo. 5. Literatura apocalíptica. 6.
Exegese. 7. Livro do Avesta. 8. Daniel e
Evangelho de Mateus. I. Mazzarolo, Isidoro. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.

CDD: 200
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Para Cynthia, Isaque, Daniel e Ágatha,


baluartes na execução desta tarefa.
Agradecimentos

Ao Criador, Senhor da vida, pela oportunidade, capacidade e força.

À minha amada esposa, Cynthia, e aos meus filhos Isaque, Daniel e Ágatha, pela
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paciência, compreensão e incentivos.

Ao meu orientador, Professor Dr. Isidoro Mazzarolo, pela confiança, motivação e


acompanhamento na realização desta empreitada.

À CAPES e à PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais a realização desta


tarefa teria se tornado inviável.

Ao Dr. John J. Collins e à Drª. Adela Yarbro Collins, da Yale Divinity School,
pelo acolhimento, orientação segura, confiança e aulas ministradas.

À Drª. Victoria Hoffer, da Yale Divinity School, pelas aulas de Hebraico e a


orientação de grande valia.

Aos professores da Comissão Examinadora, bem como aos demais professores e


funcionários do Departamento de Teologia, pelo ensino e auxílio prestados.

Aos amigos Sílvio Simões, Jorge Leite, Ana Valdez e Kimberly Mines, com suas
respectivas famílias, cujo apoio durante a minha jornada no exterior foi
inestimável; que a eternidade os retribua.
Resumo

Soares, Dionísio Oliveira; Mazzarolo, Isidoro. A apocalíptica no


Zoroastrismo, Judaísmo e Cristianismo: uma análise das relações
entre o Avesta, Dn 12,1-3 e Mt 27,51b-53 quanto à ideia da
ressurreição. Rio de Janeiro, 2011. 387p. Tese de Doutorado –
Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.

É já notório o conhecimento de que o legado da cultura persa no período


pós-exílico do judaísmo não pode ser desprezado, especialmente no final deste
período, quando o gênero literário apocalíptico estava florescendo. A presente tese
analisa a ressurreição individual no que tange às possíveis relações entre a religião
persa e o judaísmo intertestamentário, bem como o cristianismo primitivo. Para
tanto, o trabalho começa verificando as origens e desdobramentos do fenômeno
apocalíptico. Em seguida, focaliza as conexões literárias que poderiam revelar as
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ligações entre persas e judeus: a tradição do Avesta antigo (especialmente o Yasna


30,7 e o Yasht 19.11.89) é cotejada com o texto de Daniel 12,1-3. Posteriormente,
a possível conexão entre Daniel 12,1-3 e Mateus 27,51b-53 é analisada. O
objetivo da tese é verificar em que medida o texto de Daniel refletiria um
desenvolvimento dentro do judaísmo a partir do contato com a apocalíptica
iraniana, bem como em que medida a origem da tradição presente na perícope
mateana refletiria a ressurreição individual a partir da tradição de Daniel. A
despeito das características próprias de cada texto, os pontos de contato são
bastante plausíveis a partir do marco social, gênero literário e objetivo dos textos,
especialmente entre Daniel e Mateus. A perícope mateana revelaria uma tradição
daniélica, na qual a ressurreição foi vista como uma recompensa aos judeus que
morreram em virtude da justiça divina. Como o redator em Daniel, o evangelista
revela uma comunidade em conflito, agora com o judaísmo formativo; ela deixa
transparecer uma crença em um reino messiânico que atende à expectativa de uma
era escatológica que se inicia justamente na morte e ressurreição de Jesus Cristo.

Palavras-chave

Ressurreição; zoroastrismo; judaísmo e cristianismo primitivo; literatura


apocalíptica; exegese; livro do Avesta; Daniel e Evangelho de Mateus.
Abstract

Soares, Dionísio Oliveira; Mazzarolo, Isidoro (Advisor). The Apocalyptic


in Zoroastrianism, Judaism and Christianity: the relations between
The Avesta, Dn 12:1-3 and Mt 27:51b-53 regarding to the resurrection
idea. Rio de Janeiro, 2011. 387p. Ph.D. Dissertation – Departamento de
Teologia. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

It is well known that the legacy of the Persian culture in the Jewish post-
exilic period cannot be despised, mainly in the end of this period, just when the
apocalyptic literary genre was flourishing. This thesis analyzes the individual
resurrection regarding to the possible relationships between the Persian religion
and the intertestamental Judaism, as well as the Early Christianity. So, the work
begins by reviewing the origins and development of apocalyptic phenomenon.
Then, it focalizes on the literary links that could reveal the connections between
Persian and Jews: the tradition of the Old Avesta (notably the Yasna 30:7 and the
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Yasht 19:11.89) is collated with the text of Daniel 12:1-3. Afterward, the possible
connection between Daniel 12:1-3 and Matthew 27:51b-53 takes place. The aim of
this work is to ascertain the extent to which the text of Daniel would reflect a
development within the Judaism based on the apocalyptic Iranian features. After
this, verify the extent to which the origin of the tradition revealed by the Matthean
pericope would reflect the individual resurrection from the tradition of Daniel. In
spite of the own features of each text, the contact points are quite likely from the
social setting, literary gender and the aim of the texts, mainly between Daniel and
Matthew. The Matthew’s pericope would reveal a tradition drawn from danielic
tradition, where the resurrection was seen as a reward to the Jews who died
because of the divine righteousness. Like the editor of the text in Daniel, the
evangelist reveals a community in conflict, now with the formative Judaism. His
community presents a belief in a messianic kingdom that meets the expectation of
an eschatological era that begins with the death and resurrection of Jesus Christ.

Keywords

Resurrection; Zoroastrianism; Judaism and Early Christianity; apocalyptic


literature; exegesis; The Book of the Avesta; Daniel and Gospel of Matthew.
Sumário

1. Introdução 18

2. O fenômeno apocalíptico: a expressividade pelo gênero literário 41


2.1. Taxonomia e definições 41
2.2. O discurso apocalíptico 59
2.3. Função e marco social 65
2.4. A experiência visionária 83
2.5. O fenômeno da pseudonímia 85
2.6. Origens e influências 91
2.6.1. As relações com o profetismo e a sabedoria 91
2.6.2. Tradições clássicas e do antigo Oriente Próximo 111
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3. O Zoroastrismo: apocalíptica, ressurreição e contatos com o


Judaísmo primitivo 119
3.1. Zoroastro e sua religião 120
3.1.1. Os fundamentos da religião de Zoroastro 120
3.1.2. As Escrituras Sagradas do Zoroastrismo 123
3.1.3. As ideias fundamentais 130
3.2. A apocalíptica zoroastriana e as evidências de ressurreição 133
3.2.1. A tradição tardia 133
3.2.2. As tradições apocalípticas no Avesta original e as
repercussões no chamado Avesta Mais Novo 138
3.2.3. As evidências de autores gregos e latinos 144
3.3. Apocalíptica iraniana e judaica 156
3.3.1. A questão das conexões entre a literatura iraniana e a
judaica 156
3.3.2. As interações político-culturais no chamado Judaísmo do
Segundo Templo 174

4. Daniel e a ressurreição a partir do Oriente antigo 184


4.1. A fenomenologia do pós-morte no Oriente antigo, na Grécia
arcaica e helenística 184
4.2. A vida no pós-morte durante o Judaísmo antigo 204
4.3. A ressurreição nos textos do AT e nos apocalípticos judaicos 214
4.4. O livro de Daniel e a questão da ressurreição 224
4.4.1. Questões literárias e relativas ao contexto social 224
4.4.2. A narrativa da ressurreição em Dn 12,1-3: a tradução 238
4.4.3. A crítica textual 239
4.4.4. Principais aspectos linguísticos e históricos do texto 244

5. Apocalíptica e Novo Testamento: a ressurreição no Cristianismo


primitivo e o relato de Mt 27,51b-53 252
5.1. As concepções do pós-morte na época de Cristo 252
5.2. O Evangelho de Mateus e o relato de 27,51b-53 269
5.2.1. Questões literárias e relativas ao contexto social 269
5.2.2. O texto de Mt 27,51b-53: a tradução 275
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5.2.3. A crítica textual 275


5.2.4. Principais aspectos linguísticos do texto 276
5.2.5. A origem do material especial de Mateus e seu significado
no contexto do Evangelho 289

6. As relações temáticas entre a tradição do Avesta, Dn 12,1-3 e


Mt 27,51b-53 quanto à ressurreição individual 304
6.1. A tradição do Avesta e o texto de Dn 12,1-3 304
6.2. Dn 12,1-3 e o texto de Mt 27,51b-53 321

7. Conclusão 332

8. Referências bibliográficas 341


8.1. Bíblias 341
8.2. Versões antigas 341
8.3. Edições críticas e textos primários 341
8.4. Dicionários, léxicos e enciclopédias 342
8.5. Periódicos, teses e dissertações 344
8.6. Congressos e obras em geral 360
Lista de tabelas

Tabela 1 – As Escrituras Sagradas do Zoroastrismo 129

Tabela 2 – Estrutura frequente das visões nos apocalipses judaicos


históricos 226

Tabela 3 – Comparação de Dn 12,2 no TM e na LXX de Ziegler 241

Tabela 4 – Variante textual em Mt 27,52 segundo Nestle-Aland 276

Tabela 5 – Proposta de leitura variante em Mt 27,51b-53 280

Tabela 6 – Frases concisas na base original de Mt 27,51b-53 286


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Tabela 7 – Estilo de parataxe em Mt 7,25 287

Tabela 8 – O texto de Mt 23,32-36 cotejado com Lc 11,49-51 323

Tabela 9 – O texto de Mt 23,29-31 cotejado com Lc 11,47-48 327


Abreviaturas e siglas

AA.VV. ̶ Vários autores


AB ̶ Dictionnaire grec-français, de Anatole Bailly
ABD ̶ Anchor Bible Dictionary
ABR ̶ Australian Biblical Review
a.C. ̶ antes de Cristo
amp. ̶ ampliada
ANET ̶ Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament
ANRW ̶ Aufstieg und Niedergang der römischen Welt
aor. ̶ aoristo
APOT ̶ The Apocrypha and Pseudepigrapha of the Old Testament
Ap Sy Br ̶ Apocalipse Siríaco de Baruque
apud ̶ em, junto a (citado por, segundo)
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AT ̶ Antigo Testamento
aufl. ̶ Auflage (edição)
ausg. ̶ Ausgabe (edição)
BASOR ̶ Bulletin of the American Schools of Oriental Research
BCE ̶ Before the Common Era
Bd. ̶ Bundahishn (Grande)
BEThL ̶ Bibliotheca Ephemeridum Theologicarum Lovaniensium
BHS ̶ Bíblia Hebraica Stuttgartensia
Bib ̶ Biblica (Roma)
BibInt ̶ Biblical Interpretation
BJ ̶ Bíblia de Jerusalém
BR ̶ Biblical Research
2Br ̶ 2 Baruque
BS ̶ Bibliotheca Sacra
BSOAS ̶ Bulletin of the School of Oriental and African Studies
BYt. ̶ Bahman Yasht
CAH ̶ The Cambridge Ancient History
CBQ ̶ The Catholic Biblical Quarterly
Cf. ̶ Conferir, conforme, comparar, confrontar
CHCL ̶ The Cambridge History of Classical Literature
CHI ̶ The Cambridge History of Iran
CHJ ̶ The Cambridge History of Judaism
col. ̶ coluna
Coord. ̶ Coordenador
CQ ̶ The Classical Quarterly
CgQ ̶ The Congregational Quarterly
CurBS ̶ Currents in Biblical Research
3d ̶ Third edition
d.C. ̶ depois de Cristo
DEB ̶ Dicionário Enciclopédico da Bíblia
DITAT ̶ Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento
DITNT ̶ Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento
Dk. ̶ Dinkard
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DLNTD ̶ Dictionary of the Later New Testament & Its Developments


DSD ̶ Dead Sea Discoveries
DTB ̶ Dicionário de Teologia Bíblica
DTMAT ̶ Diccionario Teológico Manual del Antiguo Testamento
DTT ̶ Dansk Teologisk Tidsskrift
durc. ̶ durchgesehene (revista)
ed. ̶ editor, editores, edição, edizione
edn. ̶ edition
1En ̶ 1 Enoque
eng., enl. ̶ enlarged (ampliada)
4Esd ̶ 4 Esdras
EST ̶ Escola Superior de Teologia
EstBib ̶ Estudos Bíblicos (Vozes)
Estbíb ̶ Estudios Bíblicos (Madri)
EstTh ̶ Estudos Teológicos
et al. ̶ et alii (e outros: coautores ou tradutores)
ETL ̶ Ephemerides Theologicae Lovanienses
Ev Pd ̶ Evangelho de Pedro
EvQ ̶ The Evangelical Quarterly
fasc. ̶ fascicle
fr. ̶ francês
frg. ̶ fragmento
HAL ̶ Hebräisches und Aramäisches Lexicon zum Alten Testament
HELOT ̶ Hebrew and English Lexicon of the Old Testament
HR ̶ History of Religions
HeyJ ̶ The Heythrop Journal
HTR ̶ Harvard Theological Review
HvTSt ̶ Hervormde Teologiese Studies
HUCA ̶ Hebrew Union College Annual
IBB ̶ Imprensa Bíblica Brasileira
IBS ̶ Irish Biblical Studies
Ibidem ̶ no mesmo lugar (da mesma obra citada anteriormente)
ICC ̶ The International Critical Commentary
IDB ̶ Interpreter’s Dictionary of the Bible
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IDBSup ̶ Interpreter’s Dictionary of the Bible Supplementary Volume


Idem ̶ o mesmo (autor)
IEJ ̶ Israel Exploration Journal
imp. ̶ impression
Int ̶ Interpretation
JA ̶ Journal Asiatique
JAAR ̶ Journal of the America Academy of Religion
JAOS ̶ Journal of the American Oriental Society
JBL ̶ Journal of Biblical Literature
JBQ ̶ Jewish Bible Quarterly
JCOI ̶ Journal of the K.R. Cama Oriental Institute
JCS ̶ Journal of Cuneiform Studies
JETS ̶ Journal of the Evangelical Theological Society
JianD ̶ Jian Dao: A Journal of Bible and Theology
JJS ̶ Journal of Jewish Studies
JNES ̶ Journal of Near Eastern Studies
JRC ̶ Listening: Journal of Religion and Culture
JSJ ̶ Journal for the Study of Judaism in the Persian, Hellenistic
and Roman Period
JSNT ̶ Journal for the Study of the New Testament
JSOT ̶ Journal for the Study of the Old Testament
JSP ̶ Journal for the Study of the Pseudepigrapha
JSS ̶ Journal of Semitic Studies
JTS ̶ The Journal of Theological Studies, New Series
KuD ̶ Kerygma und Dogma
L. Jub ̶ Livro dos Jubileus
Loc. cit. ̶ Loco citato (no mesmo local: página (s) de texto já citada (s)
pouco antes)
LS ̶ Louvain Studies
LSJ ̶ A Greek-English Lexicon
LTP ̶ Laval Théologique et Philosophique
LXX ̶ Septuaginta, editada por Alfred Rahlfs
4Mc ̶ 4 Macabeus
MG ̶ Materia Giudaica
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n. ̶ nota
NCB ̶ A New Concordance of the Bible
2nd ̶ second (edition, impression)
Neotest ̶ Neotestamentica
NIB ̶ The New Interpreter’s Dictionary of the Bible
NLH ̶ New Literary History
NovT ̶ Novum Testamentum
NT ̶ Novo Testamento
NTA ̶ New Testament Apocrypha
NTG ̶ Novum Testamentum Graece
NTS ̶ New Testament Studies
NVI ̶ Nova Versão Internacional
Op. cit. ̶ Opus citatum (obra citada na mesma página da tese ou na
página anterior)
Org. ̶ Organizador, organizadores
O. Sal ̶ Odes de Salomão
OTP ̶ The Old Testament Pseudepigrapha
p. ̶ página (s)
par. ̶ paralelos (textos)
pass. ̶ passivo
passim ̶ aqui e ali (citado em vários lugares da mesma obra)
pes. ̶ pessoa
PIBA ̶ Proceedings of the Irish Biblical Association
pl. ̶ plural
PR ̶ Pálavi Rivayat que Acompanha o Dadestan î Denig
PRSt ̶ Perspectives in Religious Studies
4Q491 ̶ Manuscrito da quarta gruta de Hirbet Qumran
QH ̶ Qumran Hodayot
QR ̶ Quarterly Review
RB ̶ Revue Biblique
RBI ̶ Rivista Biblica Italiana
3rd ̶ third (edition)
repr. ̶ reprinted, republicado (em)
rev. ̶ revista, revisada, revised
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RHPR ̶ Revue D’histoire et de Philosophie Religieuses


RHR ̶ Revue de L’histoire des Religions
RSB ̶ Ricerche Storico Bibliche
RSLRF ̶ Rivista di Storia e Letteratura Religiosa Firenze
s, ss ̶ seguinte (s): verso (s), página (s)
SBE ̶ The Sacred Books of the East
SBL ̶ Society of Biblical Literature
SBLSP ̶ Society of Biblical Literature Seminar Papers
s/d ̶ Sem data (de publicação)
sg. ̶ singular
sic ̶ assim mesmo (conforme original)
Sl Sal ̶ Salmos de Salomão
ST ̶ Studia Theologica
STJ ̶ Scottish Journal of Theology
STR ̶ Sewanee Theological Review
SVTQ ̶ St. Vladimir’s Theological Quarterly
t. ̶ tomo
T. Bj ̶ Testamento de Benjamin
TDNT ̶ Theological Dictionary of the New Testament
4th ̶ Fourth
ThEH ̶ Theologische Existenz Heute
ThWAT ̶ Theologisches Wörterbuch zum Alten Testament
T. Jud ̶ Testamento de Judá
T. Lev ̶ Testamento de Levi
TM ̶ Texto Massorético
T. Mos ̶ Testamento de Moisés
transc. ̶ transcription
transl. ̶ translation, translated
translit. ̶ transliteration, transliterated
TynBul ̶ Tyndale Bulletin
v. ̶ verso (s), versículo (s), volume (s)
Vd. ̶ Vendidad
VT ̶ Vetus Testamentum
VTSup ̶ Vetus Testamentum, Supplements
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WZ ̶ Wizidagiha î Zadspram
Y. ̶ Yasna
Yt. ̶ Yasht
ZAW ̶ Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft
ZThK ̶ Zeitschrift für Theologie und Kirche
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Quando esta Âramaiti (a Devoção dos santos personificada) se aproximou, com


ela veio o Soberano Poder, a Boa Mente e a Justa Ordem. E (para as criações
espirituais do bem e do mal) Âramaiti deu um corpo, ela, a eterna e sempre
vigorosa. E para estes (Teu povo), para permitir que (este corpo) seja (eterno), ó
Mazda, como ele era quando Tu chegaste primeiro com a criação!
Yasna 30,7

  


E muitos daqueles que dormem no pó da terra acordarão, uns para vida eterna, e
outros para a censura, para repulsa eterna.
Daniel 12,2

KaiV taV mnhmei~a a*newv/cqhsan kaiV pollaV swvmata tw~~n kekoimhmevnwn a&givwn
h*gevrqhsan
E os sepulcros foram abertos, e muitos corpos dos santos que haviam dormido se
levantaram.
Mateus 27,52
1. Introdução

A verificação de contatos da cultura e religião persas com o Judaísmo do


Segundo Templo é já analisada há muito, especialmente na literatura apocalíptica
judaica intertestamentária. Os conceitos judaicos de vida após a morte, ressurrei-
ção e expectativas acerca do final dos tempos, por exemplo, sofreram considerá-
veis modificações. Essas modificações teriam criado uma nova perspectiva acerca
do reino messiânico, especialmente a partir do livro de Daniel, incluindo a ressur-
reição, primeiramente dos mártires judeus. Essas modificações levaram os cristãos
primitivos a duas perspectivas diferentes em relação à implantação desse reino,
uma mais “histórica” e outra de cunho mais “escatológico”. A primeira seria mais
condizente com a tradição judaica, um reino implantado em sequência a outros
reinos na história humana, e a segunda reflete um reino em outra dimensão tempo-
ral, abrangendo todo o cosmos.
Sabe-se que a expectativa provocada pelo desconhecimento do futuro a
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partir da morte está presente já nas mais antigas civilizações, moldando ideias que
foram se adaptando a novas formas de conceber a questão. Pelo estudo da História
Comparada das Religiões, sabe-se hoje que Israel, desde sua formação, não foi
uma espécie de povo santo, isolado das demais nações em termos políticos e só-
cio-culturais; ao contrário, ele interagiu com esses povos assimilando conceitos e,
muitas vezes, adaptando-os. O javismo, por si só, estabeleceu seus pressupostos,
inclusive éticos, com conotações positivas ou negativas, a partir do contato com a
cultura e o imaginário religioso de seus vizinhos e predecessores. Alguns autores
admitem que os antigos israelitas, ao registrarem seus textos, não estavam tão pre-
ocupados com o futuro no pós-morte; seu interesse se concentrava principalmente
na vida presente, focando seu relacionamento de fé com Iahweh, diferentemente
de seus vizinhos.1
Apesar disso, ao longo das Escrituras Hebraicas encontram-se textos que
remetem ao pós-morte, textos esses que merecem apreciação adiante, devendo ser
tratados individualmente. Para tanto, deve-se efetuar também uma análise das
concepções acerca do tema presentes na literatura dos predecessores e vizinhos de
Israel. A temática da vida no pós-morte envolve conceitos que não podem ser tra-

1
Cf., por exemplo, JOHNSTON, P. S. Shades of Sheol: Death and Afterlife in the Old Testament,
p. 69: “A vida em si mesma era o ponto de partida e o foco da fé de Israel, ao passo que a morte e
suas consequências traziam pouca preocupação”.
19

tados de forma isolada, mas sim como parte integrante das sociedades e culturas
em que surgiram e se desenvolveram. O tema normalmente vem à tona no bojo do
fenômeno apocalíptico.
Quanto a esse fenômeno e sua expressividade, iniciou-se uma nova era na
pesquisa acadêmica desde a declaração de Ernst Käsemann de que a “apocalíptica
é a mãe de toda a teologia cristã”2 e o artigo de Wofhart Pannenberg sobre revela-
ção e compreensão histórica do judaísmo e cristianismo.3 Questões sobre defini-
ções, taxonomia e fenômenos que envolvem a apocalíptica se seguiram, com
Klaus Koch4, Hanson e Vielhauer5 e John J. Collins.6
Assim, todos esses trabalhos tiveram como auge o clássico Apocalypticism
in the Mediterranean World and the Near East,7 com trinta e três artigos divididos
em três seções: “The Phenomenon of Apocalypticism”; “The Literary Genre of
Apocalypses”, e “The Sociology of Apocalypticism and the ‘Sitz im Leben’ of
Apocalypses”. Os trabalhos nesta obra descreveram e analisaram quase todas as
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questões relativas ao estudo da literatura apocalíptica na antiguidade, introduzin-


do, assim, o mundo acadêmico definitivamente no tema em toda sua complexida-
de. Estudiosos de gerações anteriores tendiam a ignorar ou negligenciar a literatu-
ra apocalíptica, considerando-a tardia. Em verdade, durante muito tempo os escri-
tos apocalípticos foram tratados como esotéricos e de difícil compreensão. Somen-
te no século passado começaram a ter sua importância investigada. Essa importân-
cia cresceu na medida em que foi sendo constatada a grande participação desses
escritos na formação do pensamento cristão, com sua influência nas crenças e ex-
pectativas do judaísmo tardio e, por conseguinte, do cristianismo primitivo, sendo
os livros intertestamentários o principal exemplo disso.
Interessante notar também que o interesse pela literatura apocalíptica nor-
malmente cresce em tempos de crise, como aconteceu após a Primeira Guerra

2
KÄSEMANN, Ernst. Die Anfänge christlicher Theologie. In: ZThK 57 (1960), p. 162-185; aqui
p. 180.
3
PANNENBERG, W. Dogmatische Thesen zur Lehre von der Offenbarung. In: Offenbarung als
Geschichte, p. 91-114.
4
KOCH, Klaus. The Rediscovery of Apocalyptic, 1972 (original alemão em 1970).
5
HANSON, Paul D. The Dawn of Apocalyptic: The Historical and Sociological Roots of Early
Jewish Apocalyptic Eschatology, 1975 (2. ed. em 1979); VIELHAUER, Philipp. História da litera-
tura cristã primitiva: introdução ao Novo Testamento, aos Apócrifos e aos Pais Apostólicos, p.
513-555 (original alemão em 1975).
6
COLLINS, J. J. The Apocalyptic Imagination: An Introduction to Jewish Apocalyptic Literature,
1984 (2. ed. em 1998).
7
HELLHOLM, David (Ed.). Apocalypticism in the Mediterranean World and the Near East: Pro-
ceedings of the International Colloquium on Apocalypticism, Uppsala, August 12-17, 1979 (Se-
gunda edição ampliada com bibliografia complementar em 1989).
20

Mundial, assim como no primeiro século da Era Cristã (sob o domínio do Império
Romano) e também na época macabaica da história de Israel (II século a.C.).
Assim, vários fatores contribuíram para o renascer do interesse pela apoca-
líptica, como a disponibilidade de novos textos (por exemplo, os manuscritos en-
contrados em Qumran),8 o reconhecimento pelos teólogos em geral da importância
da apocalíptica no estudo teológico9 (ao contrário do pequeno valor dado ao tema
no século XIX), ajudando na compreensão não só da profecia do AT, mas também
dos Evangelhos e epístolas neotestamentárias, e a afinidade com o mundo moder-
no, em que incertezas, temores e tentativas de predizer o futuro, tudo calcado em
crises sociopolíticas e religiosas, lembram circunstâncias de escritos apocalípticos.
Atualmente se reconhece que a apocalíptica representa um desdobramento signifi-
cativo no judaísmo intertestamentário, sendo fator importante para a compreensão
do contexto histórico e teológico do NT, sobretudo em relação às crenças de teor
escatológico e messiânico.
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Uma das tendências nos estudos modernos é mudar o foco sobre a literatu-
ra apocalíptica: do papel de resistência cultural desempenhado pelos textos (enfo-
que dado do início da segunda metade do século XX até a década de 1980) para as
experiências visionárias descritas nos textos (da década de 1990 em diante). Não
se pode esquecer, porém, de que em muitos casos a experiência do visionário está
em conexão com a resistência cultural pretendida pelo autor do texto, como repre-
sentante de um grupo. Assim, a ênfase em enxergar a apocalíptica como literatura
de resistência tem, recentemente, ganhado proeminência de novo.
Russell foi um dos pioneiros em afirmar que o gênero apocalíptico “era,
essencialmente, um fenômeno literário que emergiu no judaísmo durante o domí-
nio do rei selêucida Antíoco Epífanes (175-163 a.C.)”.10 Sobre a designação do
gênero, ele assinala que:
A palavra “apocalíptico” é derivada do substantivo grego apokalypsis, que signi-
fica “revelação”. Entretanto, seu uso, com referência a esse gênero de literatura, é
devido com toda probabilidade não ao caráter revelatório dos livros em questão,

8
Nas análises que já foram feitas no material encontrado em Qumran, fica clara uma estreita afini-
dade entre essa comunidade e outros grupos apocalípticos que deram origem a esse material. No
caso de Daniel, por exemplo, foram encontrados pelo menos “sete manuscritos qumrânicos do li-
vro de Daniel, o que certamente acusa sua apreciação entre os membros da comunidade” (RUS-
SELL, D. S. Desvelamento divino: uma introdução à apocalíptica judaica, p. 23). O mesmo ocor-
reu com outros livros do período intertestamentário, como o Livro dos Jubileus (fragmentos de
pelo menos dez manuscritos) e 1 Enoque (material de dez manuscritos aramaicos diferentes).
9
Além de E. Käsemann e W. Pannemberg, citados acima, pode-se acrescentar, dentre outros, Jür-
gen Moltmann.
10
RUSSELL, D. S. Apocalyptic: Ancient and Modern, p. 3.
21

mas preferivelmente ao fato de que eles têm muito em comum com o Apocalipse
do Novo Testamento, com seu linguajar esotérico, sua imaginação bizarra e seus
pronunciamentos relativos à consumação de todas as coisas em cumprimento das
promessas de Deus.11

A antiga rejeição aos estudos apocalípticos resultou, em parte, de um dese-


jo de associar judaísmo e cristianismo a um estágio anterior, não “contaminado”
com temas e teologias que envolvessem a apocalíptica.12 Quando objeto de aten-
ção, os apocalipses eram normalmente considerados não mais do que repositórios
de tradições midráxicas, sendo raramente estudados como literatura religiosa.13
Eles eram considerados “deficientes” por seu escopo imaginativo, demasiadamen-
te obcecados pelo fim do mundo e com um forte dualismo moral que demonizava
seus inimigos e promovia autojustificação entre seus adeptos.14 Além disso, quase
todos os apocalipses antigos não foram inseridos nos cânones judeu ou cristão na
Antiguidade, e muitos deles, marginalizados na tradição manuscrita, estiveram
perdidos até os séculos XVIII e XIX. Após a redescoberta de muitos textos, essa
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divisão das obras em canônicas e não-canônicas, pautada em justificação teológi-


ca, relegou a maioria dos apocalipses à categoria de “pseudepígrafos” e caracteri-
zou o seu estudo: houve uma “época de ouro” na segunda metade do século XIX e
início do XX, seguida por cinco ou seis décadas de aparente negligência, para, en-
tão, a partir da década de 1970, chegar-se a uma completa redescoberta de interes-
se.15
Assim sendo, não é de se admirar que em 1971 ainda se escrevesse: “Para

11
Ibidem. Em nível corrente, palavras como “apocalipse” e “apocalíptica” são, modernamente,
encontradas em temas de novelas, filmes e até em jogos de computador, sempre envoltas em tra-
mas de indescritível terror e derramamento de sangue; nesse aspecto, resumem a ideia de “catástro-
fe absoluta” e “colapso total” da sociedade, indicando completa destruição do gênero humano e
devastação por guerra nuclear do planeta Terra. Afora isso, a apocalíptica tem uma mensagem que,
reinterpretada na forma dos modelos contemporâneos e culturais, pode ser de extrema relevância
para o mundo atual (Cf. RUSSELL, D. S. Desvelamento divino, p. 16).
12
CROSS, F. Moore. New Directions in the Study of Apocalyptic. In: FUNK, Robert W. (Ed.)
Apocalypticism, p. 157-165; aqui p. 159-160; GRABBE, Lester L. Poets, Scribes, or Preaches? The
Reality of Prophecy in the Second Temple Period. In: GRABBE, L.; HAAK, R. D. (Ed.). Knowing
the End from the Beginning: The Prophetic, the Apocalyptic and Their Relationships, p. 192-215;
aqui p. 193-197.
13
STONE, M. E. On Reading an Apocalypse. In: COLLINS, J. J.; CHARLESWORTH, J. H.
(Ed.). Mysteries and Revelations: Apocalyptic Studies since the Uppsala Colloquium, p. 65-78;
aqui p. 78.
14
COLLINS, J. J. Apocalyptic Literature. In: PERDUE, Leo G. (Ed.). The Blackwell Companion
to the Hebrew Bible, p. 432-447; aqui p. 432-437.
15
CHARLESWORTH, J. H. A History of Pseudepigrapha Research: The Re-Emerging Impor-
tance of the Pseudepigrapha. ANRW II.19.1 (1978), p. 54-88; Idem. The Old Testament Pseudepi-
grapha and the New Testament: Prolegomena for the Study of Christian Origins, p. 6-26; Di
TOMMASO, L. A Report on Pseudepigrapha Research since Charlesworth’s Old Testament Pseu-
depigrapha. JSP 12.2 (2001), p. 179-207.
22

os dados atuais da literatura apocalíptica, nós ainda recorremos a obras em sua


maioria escritas por volta de cinquenta anos atrás”.16
O grande e definitivo estímulo à pesquisa acadêmica foi o volume de Se-
meia 14, Apocalypse: The Morphology of a Genre, editado por J. J. Collins.17 Seus
vários artigos incentivaram a pesquisa do tema. Entretanto, o trabalho de Uppsala
já citado supra efetuou uma grande mudança de perspectiva, embora, como toda
mudança, os seus efeitos não tenham sido apreendidos de forma uniforme. Os tra-
balhos reunidos no volume de Uppsala abordaram o tema a partir de ângulos di-
versos, confirmando que o valor de uma abordagem reside mais em seus frutos do
que em suas raízes. Após o congresso de Uppsala, três coleções merecem desta-
que: uma menos abrangente, com oito trabalhos e concentrada principalmente nos
textos judaicos antigos, cujo título é Mysteries and Revelations: Apocalyptic Stu-
dies since the Uppsala Conference;18 outra intitulada The Encyclopedia of Apo-
calypticism, publicada no final do século XX, sendo atualmente a introdução pa-
drão nesse campo de estudo;19 a terceira coleção chama-se Wisdom and Apocalyp-
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ticism in the Dead Sea Scrolls and in the Biblical Tradition,20 mais especializada
do que as anteriores, e muitos de seus 23 artigos constituem um novo marco para o
estudo do tema.
O número de estudos ainda tem aumentado desde a última década do sécu-
lo passado, o que torna sua seleção inevitável. Como mais relevantes, além das
coleções indicadas acima, podem ser citados os seguintes: os artigos de Murphy e
de Decock21 possuem ampla abrangência; G. M. Nápole escreveu um longo artigo,

16
BEARDSLEE, W. A. New Testament Apocalyptic in Recent Interpretation. Int 25.4 (1971), p.
419-435; aqui p. 421.
17
COLLINS, J. J. (Ed.). Apocalypse: The Morphology of a Genre. Semeia 14 (1979), 221 p.
18
COLLINS, J. J.; CHARLESWORTH, J. H. (Ed.). Op. cit. Vários de seus ensaios foram direcio-
nados a tópicos ignorados ou tratados apenas parcialmente no volume de Uppsala. Nesta obra, G.
Boccaccini abrange a contribuição dos autores italianos (Jewish Apocalyptic Tradition; The Con-
tribution of Italian Scholarship, p. 33-50).
19
McGINN, B; COLLINS, J. J.; STEIN, S. J. (Ed.). The Encyclopedia of Apocalypticism (3 v).
Embora alguns de seus artigos sejam tratados de forma maciça e mais abrangente no volume de
Uppsala, outros são direcionados a tópicos não explorados por aquela obra ou por Mysteries and
Revelations, além de atualizar e prover novos insights para o tema. O primeiro de seus três volu-
mes é intitulado The Origins of Apocalypticism in Judaism and Christianity e inclui treze artigos
relevantes para a origem da apocalíptica no judaísmo e cristianismo. Na introdução geral, os edito-
res afirmam que mais incentivos financeiros foram destinados ao estudo do tema nas últimas três
décadas do que nos três séculos anteriores (p. ix, v. 1).
20
GARCÍA MARTÍNEZ, Florentino (Ed.). Wisdom and Apocalypticism in the Dead Sea Scrolls
and in the Biblical Tradition, 2003.
21
MURPHY, F. J. Apocalypses and Apocalypticism: The State of the Question. CurBS 2.1 (1994),
p. 147-179; DECOCK, Paul B. Some Issues in Apocalyptic in the Exegetical Literature of the Last
Ten Years. Neotest 33.1 (1999), p. 1-33. Neste artigo Decock discute especialmente a questão da
definição do gênero apocalíptico.
23

ainda útil, apesar de limitar-se a estudos anteriores a 1980;22 igualmente, J. N.


Oswalt concentra-se principalmente entre o final dos anos 1960 e início dos anos
1980, sendo, ainda assim, útil para a investigação sobre as origens e características
dos antigos apocalípticos judaicos;23 entretanto, Heinrich Hoffmann oferece o re-
sumo mais abrangente acerca das questões de definição e classificação do fenô-
meno apocalíptico.24
A. M. Woodruff abrange a contribuição dos autores brasileiros;25 Alf C-
hristophersen discute a influência do teólogo alemão Friedrich Lücke, um verda-
deiro pioneiro no estudo do tema, durante o século XIX;26 o mesmo faz A. Köhn
acerca da obra de Ernst Lohmeyer.27 Já o extenso artigo de R. E. Sturm resenha a
maioria dos trabalhos desde Lücke até meados dos anos 1980, com ênfase no apo-
calipsismo no NT como uma concepção teológica, especialmente o pensamento
paulino; logo no início do artigo, ele afirma: “Uma questão particular que teremos
em mente é se podemos ou não identificar o pensamento do apóstolo Paulo como
‘apocalíptico’”.28 R. Barry Matlock traça a história do conhecimento acadêmico
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acerca do apocalipsismo paulino, concentrando-se em Schweitzer, Dodd, Bult-


mann, Cullmann, Käseman e Beker.29
Os quatro primeiros capítulos do livro de Scott M. Lewis sobre apocalípti-
ca e NT são muito relevantes,30 bem como o já antigo artigo (1982) de Michael
Knibb;31 o livro de David Sim constitui importante estudo sobre a escatologia a-
pocalíptica presente no Evangelho de Mateus;32 por fim, embora não seja uma re-
senha acerca das pesquisas anteriores, Ferdinand Hahn examina a literatura apoca-

22
NÁPOLE, G. M. Desarrollo y evolución de los estudios sobre “la apocalíptica”. EstBíb 59
(2001), p. 325-363.
23
OSWALT, J. N. Recent Studies in Old Testament Apocalyptic. In: BAKER, D. W.; ARNOLD,
B. T. (Ed.). The Face of Old Testament Studies: A Survey of Comparative Approaches, p. 369-390.
24
HOFFMANN, H. Das Gesetz in der frühjudischen Apokalyptik, p. 21-70.
25
WOODRUFF, A. M. Thirty Years of Near Neglect: Apocalyptic in Brazil. JSNT 25.2 (2002), p.
127-139.
26
CHRISTOPHERSEN, Alf. Die Begründung der Apokalyptikforschung durch Friedrich Lücke.
Zum Verhältnis von Eschatologie und Apokalyptik. KuD 47.3 (2001), p. 158-179.
27
KÖHN, A. Ernst Lohmeyer und die Apokalyptik. In: BÖTTRICH, C. (Ed.). Eschatologie und
Ethik im frühen Christentum: Festschrift für Günter Haufe zum 75 Geburtstag, p. 149-167.
28
STURM, R. E. Defining the Word “Apocalyptic”: A Problem in Biblical Criticism. In: MAR-
CUS, J.; SOARDS, M. L. (Ed). Apocalyptic and the New Testament: Essays in Honor of J. Louis
Martyn, p. 17-48; aqui p. 18.
29
MATLOCK, R. Barry. Unveiling the Apocalyptic Paul: Paul’s Interpreters and the Rhetoric of
Criticism, 1996.
30
LEWIS, Scott M. What Are They Saying about New Testament Apocalyptic?, p. 1-70.
31
KNIBB, Michael. Prophecy and the Emergence of the Jewish Apocalypses. In: COGGINS, R.;
PHILLIPS, A; KNIBB, M. (Ed.). Israel’s Prophetic Tradition: Essays in Honour of Peter R. Ack-
royd, p. 155-180.
32
SIM, David C. Apocalyptic Eschatology in the Gospel of Matthew (1996).
24

líptica da época do Segundo Templo e a apocalíptica do cristianismo primitivo.33


Quanto ao estudo das possíveis interações entre a cultura iraniana e a ju-
daica, a intensidade e extensão da conexão entre elas e, indiretamente, também
com o cristianismo, é uma questão há muito tempo bastante polêmica. Os adeptos
da chamada Escola da História das Religiões (Religionsgeschichtliche Schule), nas
três primeiras décadas do século XX (por exemplo, Wilhelm Bousset, Richard
Reitzenstein e Eduard Meyer), sugeriram uma profunda influência das tradições
iranianas, especialmente sobre o apocalipsismo, o messianismo e a escatologia
cristã. A descoberta dos textos de Qumran deu um novo impulso para a discussão
do impacto das ideias iranianas sobre a religião judaica primitiva, especialmente
no que concerne às noções dualistas professadas pela comunidade de Qumran.
De fato, a partir de então foi trazida uma nova perspectiva sobre o apoca-
lipsismo judaico. Os Manuscritos de Qumran fornecem a possibilidade de amplas
reflexões sobre a origem do mal, a periodização da história, a batalha final e, mais
caracteristicamente, a participação humana no mundo celestial.34 Continua sendo
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um enigma o motivo pelo qual os autores dos Manuscritos não usarem muito o
gênero apocalíptico, o qual era bem conhecido no período; apesar disso, os Ma-
nuscritos dão expressão a uma cosmovisão apocalíptica expressa em diferentes
gêneros.
Entretanto, durante muito tempo a tese da influência persa no judaísmo
pós-exílico foi rejeitada (e em parte ainda o é atualmente) tanto por especialistas
em judaísmo antigo quanto por especialistas na literatura iraniana, apesar de haver
fortes indícios advindos desses dois campos de estudo.35 Mais recentemente, espe-
cialistas na literatura iraniana se retiraram da discussão, e os especialistas no cha-
mado Judaísmo36 do Segundo Templo contentaram-se em assumir em notas intro-

33
HAHN, Ferdinand. Frühjüdische und urchristliche Apokalyptik: eine einführung, p. 13-139.
34
Cf. as evidências apresentadas em GARCÍA MARTÍNEZ, Florentino. Apocalypticism in the
Dead Sea Scrolls. In: McGINN, B.J.; COLLINS, J.J.; STEIN, S.J. (Ed.). The Continuum History of
Apocalypticism, p. 89-111.
35
Cf. um tratamento geral do tema pela crítica antiga em DUCHESNE-GUILLEMIN, Jacques.
The Western Response to Zoroaster, p. 20-37. Mais recentemente, cf. YARSHATER, Ehsan. In-
troduction; Iranian Influences. In: CHI: The Seleucid, Parthian and Sasanian Periods, p. lxv-lxxv.
v. 3.1. Uma visão panorâmica da discussão encontra-se em WINSTON, D. The Iranian Component
in the Bible, Apocrypha, and Qumran: a Review of the Evidence, HR 5.2 (1966), p. 183-216, assim
como em: SHAKED, S. Iranian Influence on Judaism: First Century B.C.E. to Second Century
C.E. In: DAVIES, W. D.; FINKELSTEIN, L. (Ed.). CHJ: Introduction: The Persian Period, p.
308-325. v. 1; BOYCE, M.; GRENET, F. A History of Zoroastrianism: Zoroastrianism under Ma-
cedonian and Roman Rule, p. 415-436.
36
Usamos o termo “judaísmo” na designação deste período histórico mas entendemos que, histori-
camente, não havia ainda um “judaísmo” no sentido que o termo adquiriu posteriormente. Assim, o
25

dutórias de suas obras que existiram “influências persas”, ignorando essas influên-
cias no corpo principal de suas pesquisas.
O número de especialistas em ambos os campos de conhecimento (Judaís-
mo do Segundo Templo com sua literatura, e Zoroastrismo ou história iraniana de
um modo mais geral) é, no entanto, extremamente reduzido. Tal fato fez com que
em muitas ocasiões as noções desatualizadas de um campo recebessem nova in-
terpretação no outro. Tais campos de estudo são diferentes em muitos aspectos.
Além de ser em número reduzido, a maioria dos especialistas na literatura
iraniana são linguistas ou especialistas em determinados aspectos da língua e cul-
tura pré-islâmica, e não especialistas na religião persa; seu interesse não é esse.
Pesa também o fato de eles trabalharem em um campo caracterizado por uma
grande escassez de fontes datáveis. Os acadêmicos da área bíblica, por outro lado,
não somente são em número muito mais numeroso como também trabalham em
uma área melhor documentada, mais propícia a questões de datação e localização
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de textos e seus desenvolvimentos. Para os estudos iranianos do período pré-


islâmico (anterior a 651 d.C.),37 por exemplo, não há dicionários atualizados, há
poucas edições críticas confiáveis, e cada vez menos traduções de textos que po-
dem ser utilizados com segurança por não-especialistas.38 Também as opiniões de
especialistas sobre a maneira de escrever a história das religiões iranianas, por ou-
tro lado, são notoriamente diferentes em cada caso individual.
Quanto ao livro de Daniel, desde o seu aparecimento nas Escrituras He-
braicas as suas narrativas e visões apocalípticas alcançaram grande popularidade,
e muita controvérsia. Os intérpretes do livro já encontraram um pastiche de gêne-
ros e pontos de vista sociológicos e ideológicos, afora as questões de autoria, data-
ção e marco social. Além disso tudo, existe a questão linguística (é uma obra bi-
língue), que também não ajuda a discernir uma estratégia hermenêutica tão coe-
rente. Na pesquisa recente, três grandes publicações traçaram o rumo a ser segui-
do, todas em 1993: o livro de Thompson, o qual provê um ponto de partida seguro
para o estudo da história da interpretação do livro de Daniel, com múltiplos índi-
ces de autores, temas e referências em quase duas mil entradas;39 o volume do 40º

uso do termo neste trabalho não implica anacronismo.


37
Para os períodos da História Persa e secular, seguimos a divisão comum proposta por Mary Boy-
ce e outros (cf. BOYCE, M. Textual Sources for the Study of Zoroastrianism, p. 7-8).
38
Daí nossa abordagem da literatura sagrada persa ser mais histórico-fenomenológica do que lin-
guística, diferentemente do caso de Daniel e Mateus (cf. adiante).
39
Cf. THOMPSON, Henry O. The Book of Daniel: An Annotated Bibliography (1993).
26

Colloquium Biblicum Lovaniense (BEThL), editado por Van der Woude, com 30
papers das conferências organizados sob quatro títulos principais: bilinguismo e
versões gregas; questões de crítica literária, crítica da forma e da tradição; aborda-
gens literárias e sociológicas; questões gerais de história e história religiosa, além
de outros estudos;40 e o livro de Collins, da Série Hermeneia, o qual fornece um
levantamento abrangente das questões histórico-críticas no que concerne ao texto,
linguajar, composição, gênero, marco social e história da interpretação.41
Mais recentemente, Collins e Flint apresentaram em dois volumes trinta e
dois amplos ensaios divididos em oito seções: temas gerais; Daniel em seu ambi-
ente do Oriente Próximo; questões de interpretação de passagens específicas; am-
biente social; contexto literário (incluindo Qumran); recepção no judaísmo e cris-
42
tianismo; história textual; e a teologia de Daniel. Os ensaios introdutórios de
Collins e Knibb sumariam os temas abordados nos dois volumes.43
Outro trabalho recente digno de nota, dentre tantos outros, é o de W. E.
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Mills, o qual fornece uma bibliografia da pesquisa no século XX, importante para
a compreensão do texto e do background de Daniel.44 Mais de mil entradas estão
organizadas em categorias de citações bíblicas, citações temáticas e comentários.
Dentre os trabalhos antigos, não se pode deixar de mencionar, entre os
mais importantes, a obra de S. R. Driver, um dos pioneiros no tratamento acadê-
mico do livro de Daniel, com ampla introdução abarcando as questões históricas e
literárias e o comentário de todo o texto do livro,45 o comentário de R. H. Charles,
outro pioneiro,46 o livro de J. A. Montgomery, com ampla discussão acerca de
questões linguísticas e de crítica textual de todo o livro,47 e os importantes comen-
tários de Otto Plöger, N. W. Porteous, Mathias Delcor, André Lacocque, Hartman-
Di Lella, além de um comentário de Collins, mais antigo e muito menos abrangen-
te que o da Hermeneia. 48 Somam-se a isso diversos artigos especializados. A pes-

40
VAN DER WOUDE, A. S. (Ed.). The Book of Daniel in the Light of New Findings (1993).
41
COLLINS, J. J. Daniel: A Commentary on the Book of Daniel (1993).
42
COLLINS, J.J.; FLINT, P.W. (Ed.). The Book of Daniel: Composition and Reception (2001).2 v.
43
COLLINS, J. J. Currents Issues in the Study of Daniel. In: COLLINS, J. J.; FLINT, P. W. (Ed.).
Op. cit. p. 1-15; KNIBB, M. A. The Book of Daniel in Its Context. In: Ibidem, p. 16-35.
44
MILLS, W. E. Old Testament Series: Daniel (Bibliographies for Biblical Research, 20), 2002.
45
DRIVER, S. R. The Book of Daniel: With Introduction and Notes (1901).
46
CHARLES, R. H. A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Daniel (1929).
47
MONTGOMERY, J. A. A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Daniel (ICC),
1927.
48
PLÖGER, Otto. Das Buch Daniel, 1965; PORTEOUS, N.W. Daniel: A Commentary (1965);
DELCOR, M. Le livre de Daniel (1971); LACOCQUE, A. Le livre de Daniel (1976); HARTMAN,
27

quisa atual privilegia temas como a utilização do livro em tradições atuais, os gê-
neros literários no livro, os diferentes Sitzen im Leben, a história da interpretação e
questões ético-teológicas levantadas no livro.
Segundo Towner, “nenhuma discussão da autoria do livro pode estar isola-
da, sem atenção para a data e a ocasião histórica da escritura do livro. Entretanto,
em vez de pegar todos esses temas simultaneamente, a questão deve ser levantada
passo a passo”.49 Qualquer aspecto do livro de Daniel deve ser visto no todo que
envolve o livro. No presente trabalho, a importância de Daniel está no tema da
ressurreição individual seguida de um julgamento, o qual aparece pela primeira
vez no AT de forma clara em Dn 12,1-3. Para tanto, tornam-se importantes as
questões de datação, gênero e marco social.
Quanto ao fenômeno apocalíptico no NT, a cosmovisão apresentada por
esse fenômeno representou um papel extremamente importante no judaísmo hele-
nístico e cristianismo primitivo. Em outras épocas, o debate sobre o apocalipsismo
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no NT era formulado com base na oposição entre o existencialismo de Rudolf


Bultmann (abordagem desmistificadora), o qual tentava retirar a ênfase ou até
mesmo remover muitas das características apocalípticas da escatologia do NT, e a
abordagem mais antropológica de Ernst Käsemann, que procurou enfatizar nova-
mente essas características.50 Embora os parâmetros do debate tenham sido alar-
gados e os seus termos e vocabulário tenham sido modificados desde então, a
questão da extensão e do ponto exato em que a influência apocalíptica se deu na
compreensão escatológica de Jesus e dos cristãos primitivos continua em voga.
Na Encyclopedia of Apocalypticism já referida supra há vários artigos so-
bre a questão. Allison contempla a escatologia de Jesus, analisando as interpreta-
ções de Weiss, Schweitzer e seus descendentes intelectuais, para os quais Jesus era
um pregador apocalíptico; em seguida, ele revê as posições de Crossan e outros

L. F.; DI LELLA, A. A. The Book of Daniel (The Anchor Bible 23), 1978; COLLINS, J. J. The
Apocalyptic Vision of the Book of Daniel (1977).
49
TOWNER, S. W. Daniel, Book of. In: SAKENFELD, Katharine D. (Ed.). NIB, p. 15-23; aqui p.
17. v. 2.
50
BOERS, H. W. Apocalyptic Eschatology in I Corinthians 15: An Essay in Contemporary Inter-
pretation. Int 21.1 (1967), p. 50-65; FUNK, R. W. Apocalyptic As an Historical and Theological
Problem in Current New Testament Scholarship. In: Apocalypticism, p. 175-191. Käseman chega a
chamar a apocalíptica de mãe da teologia cristã primitiva (cf. adiante). Cf. ainda BULTMANN,
Rudolf. Ist die Apokalyptik die Mutter der christlichen Theologie? Eine Auseinandersetzung mit
Ernst Käsemann. In: Apophoreta. Festschrift für Ernst Haenchen zu seinem 70. Geburtstag am 10.
Dezember 1964, p. 64-69; MARSHALL, I. H. Is Apocalyptic the Mother of Christian Theology?
In: HAWTHORNE, G. F.; BETZ, O. (Ed.). Tradition and Interpretation in the New Testament:
Essays in Honor of E. Earle Ellis for His 60th Birthday, p. 33-42.
28

que, ao contrário dos primeiros, enxergam a mensagem original de Jesus como


sendo em grande parte desprovida de elementos escatológicos e acreditam que e-
les foram acrescentados pela Igreja primitiva.51 Ele analisa temas e tradições rela-
cionados à escatologia, bem como aspectos relacionados com as expectativas de
Jesus, incluindo julgamento escatológico, ressurreição dos mortos, restauração de
Israel, tribulação escatológica e os ditos do Filho do Homem. Ele considera a es-
catologia de Jesus como sendo em sua maior parte convencional, porém não sem
novos elementos, o mais importante dos quais a conexão feita por Jesus entre sua
situação existencial e as expectativas criadas em torno e recebidas por ele. Allison
se dedicou em uma obra inteira à pessoa de Jesus e sua auto-compreensão dentro
do ambiente contemporâneo de expectativas apocalípticas,52 como já havia feito
antes dele Corsani.53 Allison foi seguido por Ehrman.54
Mais recente é a obra de Kloppenborg e Marshall, a qual inclui um ensaio
de Allison sobre as razões teológicas pelas quais os estudiosos têm incentivado ou
rejeitado a ideia de “um Jesus com fervor escatológico”.55 Na mesma obra, Miller,
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que afirma que Jesus era “um sábio não-apocalíptico”, pesquisa em campo seme-
lhante, mas do ponto de vista temático.56 Kloppenborg indaga pela razão do inte-
resse ou importância do apocalipsismo de Jesus, e em sua resposta encontra-se
uma análise à suposição implícita de que frequentemente o suporte para um Jesus
apocalíptico flui naturalmente a partir das fontes, ao passo que os argumentos con-
trários procedem necessariamente a partir de interesses ideológicos.57
No que tange à ocorrência do fenômeno nos Sinóticos, Rowland discorre
sobre os pontos de contato entre Mateus, a mística judaica e a tradição apocalípti-

51
ALLISON, D. C., Jr. The Eschatology of Jesus. In: COLLINS, J. J. (Ed.). The Encyclopedia of
Apocalypticism, p. 267-302. v. 1.
52
Idem. Jesus of Nazareth: Millenarian Prophet (1998).
53
CORSANI, Bruno. L’Apocalisse e l’apocalittica nel Nuovo Testamento (1997).
54
EHRMAN, Bart D., Jr. Jesus: Apocalyptic Prophet of the New Millennium (1999). Outras obras
importantes e interessantes sobre o tema são: MILLER, R. J. (Ed.). The Apocalyptic Jesus: A De-
bate (2001), com artigos de Allison (fazendo a defesa de Jesus como profeta apocalíptico) e de
Borg, Crossan e Patterson (defendendo opinião contrária); mais recente, LAPORTE, Jean. Les
Apocalypses et la formation des idées chrétiennes (2005).
55
ALLISON, D. C., Jr. The Problem of Apocalyptic: From Polemic to Apologetics. In: KLOP-
PENBORG, J. S.; MARSHALL, J. W. (Ed.). Apocalypticism, Anti-Semitism and the Historical
Jesus: Subtexts in Criticism, p. 98-110; aqui p. 98.
56
MILLER, R. J. Theological Stakes in the Apocalyptic Jesus Debate. In: Ibidem, p. 111-121; aqui
p. 111.
57
KLOPPENBORG, J. S. As One Unknown, without a Name? Co-opting the Apocalyptic Jesus.
In: Ibidem, p. 1-23. Este é um artigo reflexivo que deveria ser de leitura obrigatória para os estudi-
osos de ambos os lados da questão.
29

ca.58 Humphries-Brooks discorre sobre a parênese em Mt 6,19-34.59 Cope e Sim


abrangem em seus estudos a influência da apocalíptica sobre a escatologia de Ma-
teus.60 Horsley discute a relação entre os Sinóticos, apocalipsismo e os movimen-
tos de Jesus, com uma ênfase no gênero apocalíptico como literatura de resistência
em face às pressões imperialistas ou tirânicas.61 O discurso escatológico em Mc 13
é o tema dos artigos de Beasley-Murray, Dyer e Bird.62 Yarbro Collins analisa o
segredo messiânico de Marcos, do qual Jesus revela os mistérios em uma “forma
parcial e velada”, como acontece com os apocalipses judaicos.63 Ela sustenta que,
da mesma forma que os adeptos das religiões de mistério helenísticas, Jesus foi
entendido como tendo sido capaz de atravessar a fronteira que separa o humano do
divino. Em outro artigo, ela considera o apocalipsismo de Mc 13 e 2Ts como sen-
do uma resposta exegética cristã primitiva para a guerra judaica contra Roma.64
Em relação aos escritos paulinos, M. C. de Boer analisa em dois artigos a
temática de Paulo e o apocalipsismo, com ênfase especial sobre as ideias de Bult-
mann e Käsemann.65 Por meio de uma série de indagações a pressupostos estabe-
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lecidos, ele argumenta que a escatologia apocalíptica paulina não pode ser reduzi-
da à concepção do apóstolo acerca da parousía e do fim, “mas abrange também a
sua compreensão do advento de Cristo, da morte e ressurreição”.66 Já Roetzel de-
lineia como o pensamento de Paulo solucionou tanto as tensões inerentes ao apo-

58
ROWLAND, C. Apocalyptic, the Poor, and the Gospel of Matthew. JTS 45.2 (1994), p. 504-
518.
59
HUMPHRIES-BROOKS, S. Apocalyptic Paranesis in Matthew 6.19-34. In: MARCUS, J.;
SOARDS, M. L. (Ed.). Apocalyptic and the New Testament: Essays in Honor of J. Louis Martyn,
p. 95-112.
60
COPE, O. L. “To the Close of the Age”: The Role of Apocalyptic Thought in the Gospel of Mat-
thew. In: MARCUS, J.; SOARDS, M. L. (Ed.). Op. cit. p. 113-124; SIM, David C. Apocalyptic
Eschatology in the Gospel of Matthew, especialmente p. 73-249.
61
HORSLEY, R. A. The Kingdom of God and the Renewal of Israel: Synoptic Gospels, Jesus
Movements, and Apocalypticism. In: COLLINS, J. J. (Ed.). The Encyclopedia of Apocalypticism,
p. 303-344. v. 1.
62
BEASLEY-MURRAY, G. The Vision of the Mount: The Eschatological Discourse of Mark 13.
Ex Auditu 6 (1990), p. 39-52; DYER, K. D. “But Concerning That Day…” (Mark 13:32). “Pro-
phetic” and “Apocalyptic” Eschatology in Mark 13. SBLSP 38 (1999), p. 104-122; BIRD, M. Mis-
sion as an Apocalyptic Event: Reflections on Luke 10:18 and Mark 13:10. EvQ 76.2 (2004), p.
117-134.
63
YARBRO COLLINS, A. Messianic Secret and the Gospel of Mark: Secrecy in Jewish Apoca-
lypticism, the Hellenistic Mystery Religions, and Magic. In: WOLFSON, Elliot R. (Ed.). Rending
the Veil: Concealment and Secrecy in the History of Religions, p. 11-30.
64
Idem. Christian Messianism and the First Jewish War with Rome. In: HEMPEL, C.; LIEU, J. M.
(Ed.). Biblical Traditions in Transmission: Essays in Honour of Michael A. Knibb, p. 333-343.
65
De BOER, M. C. Paul and Jewish Apocalyptic Eschatology. In: MARCUS, J.; SOARDS, M. L.
(Ed.). Op. cit. p. 169-190; Idem. Paul and Apocalyptic Eschatology. In: COLLINS, J. J. (Ed.). The
Encyclopedia of Apocalypticism, p. 345-383. v. 1.
66
Idem. Paul and Apocalyptic Eschatology. In: Ibidem, p. 379.
30

calipsismo quanto aquelas que resultaram de sua missão e teologia.67


Opondo-se à perspectiva de Bultmann, o qual desmistificou a natureza es-
pacial dos conceitos cosmológicos de Paulo pela tradução deles em categorias
temporais do próprio Paulo, Tronier destaca como ponto de principal interesse na
cosmovisão de Paulo justamente essa perspectiva espacial cosmológica.68 Em ou-
tro artigo, Tronier analisa a dimensão escatológica dos apocalipses (com atenção
especial feita às suas raízes epistemológicas) para concluir que “a posição dos co-
ríntios pode ser colocada ‘em algum lugar entre’ uma posição como a de Filo e
aquela dos apocalipses”.69
E. Rudolph discute escatologia e ideologia política no apocalipsismo de
Paulo e no livro de Apocalipse.70 R. Penna se concentra no papel do “apocalipsis-
mo de Enoque” em relação aos aspectos da concepção de Paulo acerca do pecado
como sendo uma condição ou o poder que o precede e está além das transgressões
humanas específicas.71 Segal descreve como a noção de Paulo acerca da atividade
do Cristo ressurreto deriva do apocalipsismo judaico.72 Em contraste, Forbes pos-
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tula que, em sua concepção de “mundo espiritual”, Paulo não se baseou no back-
ground do apocalipsismo do Segundo Templo, e nem se ocupou em desmitificar
as ideias apocalípticas.73 Segundo ele, os paralelos mais próximos ao poder de
persuasão do linguajar paulino podem ser encontrados na filosofia platônica. O
background paulino, então, seria a filosofia grega.
Hall investiga a natureza apocalíptica da retórica em Gálatas,74 e G. Willi-

67
ROETZEL, C. J. Paul as Organic Intellectual: The Shaper of Apocalyptic Myths. In: HILLS,
Julian V. et al (Ed.). Common Life in the Early Church: Essays Honoring Graydon F. Snyder, p.
221-243.
68
TRONIER, H. Åbenbaring, himmelrejse og opstandelse hos Paulus. DTT 63.1 (2000), p. 36-63
(cf. a resenha em inglês sobre esse artigo em PETERSEN, A. K. JSJ 31.1-4 (2000), p. 459).
69
Idem. The Corinthian Correspondence between Philosophical Idealism and Apocalypticism. In:
ENGBERG-PEDERSEN, Troels (Ed.). Paul beyond the Judaism/Hellenism Divide, p. 165-196,
294-298; aqui p. 196.
70
RUDOLPH, Enno. Apokalyptik und Eschatologie: Endzeit und Zeitende in der Johannes-
Apokalypse und bei Paulus. In: Theologie, diesseits des Dogmas: Studien zur systematischen
Theologie, Religionsphilosophie und Ethik, p. 16-28; Idem. Politische Apokalyptik –
apokalyptische Politik. In: HOLZHEY, H.; KOHLER, G. (Ed.). In Erwartung eines Endes:
Apokalyptik und Geschichte, p. 113-128.
71
PENNA, R. Enochic Apocalypticism in Paul: The Idea of Sin. Henoch 21 (1999), p. 285-303.
72
SEGAL, A. F. Paul’s Thinking about Resurrection in Its Jewish Context. NTS 44.3 (1998), p.
400-419. Cf. também o estudo mais antigo de HAYS, R. B. “The Righteous One” as Eschatologi-
cal Deliverer: A Case Study in Paul’s Apocalyptic Hermeneutics. In: MARCUS, J.; SOARDS, M.
L. (Ed.). Op. cit. p. 191-215.
73
FORBES, Chris. Paul’s Principalities and Powers: Demythologizing Apocalyptic? JSNT 82
(2001), p. 61-88.
74
HALL, Robert G. Arguing Like an Apocalypse: Galatians and an Ancient Topos outside the
Greco-Roman Rhetorical Tradition. NTS 42.3 (1996), p. 434-453.
31

ams oferece “uma interpretação apocalíptica e mágica” para a referência de Paulo


a uma luta com animais selvagens em 1Cor 15,32.75 Já Matlock, de forma ampla,
ajuda a contextualizar a discussão.76
O status canônico do livro do Apocalipse, cuja textura e teor permearam
profundamente o que os estudiosos pensaram acerca dos apocalipses em geral,
também teve uma forte influência sobre o estudo do apocalipsismo do Novo Tes-
tamento. Entre os estudos mais recentes, é digno de nota o artigo de Yarbro Col-
lins em The Encyclopedia of Apocalypticism, o qual trata da datação do Apocalip-
se, seu conteúdo e estrutura, seu marco social e propósito, a história de sua inter-
pretação, e a questão das mulheres e do simbolismo feminino.77
A obra de Vielhauer sobre o apocalipsismo no NT, embora antiga, conti-
nua sendo de grande valia.78 A recente obra de Lewis possui ampla abrangência,
ainda que de forma sumária.79 Schüssler Fiorenza sumaria antigas abordagens para
descobrir “por que elas não vieram a descrever a apocalíptica cristã primitiva co-
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mo uma constelação peculiar dentro do fenômeno apocalíptico sincrético inserido


no mundo greco-romano”.80 Holman conclui que “a expectativa apocalíptica cris-
tã” partilha com o apocalipsismo do Segundo Templo os seguintes aspectos: uma
“expectativa-iminente/ansiedade-delongada”; um reconhecimento de que o livre
arbítrio afeta a chegada do reino esperado; o advento de aflições escatológicas; e
uma reinterpretação de fontes mais antigas para atender às necessidades da comu-

75
WILLIAMS, Guy. An Apocalyptic and Magical Interpretation of Paul’s “Beast Fight” in Ephe-
sus (1 Corinthians 15:32). JTS 57.1 (2006), p. 42-56.
76
MATLOCK, R. Barry. Unveiling the Apocalyptic Paul: Paul’s Interpreters and the Rhetoric of
Criticism, p. 23-340.
77
YARBRO COLLINS, A. The Book of Revelation. In: COLLINS, J. J. (Ed.). The Encyclopedia
of Apocalypticism, p. 384-414. v. 1. Ainda sobre a apocalíptica joanina, cf. COURT, J. M. The
Book of Revelation and the Johannine Apocalyptic Tradition (2000), KORNER, R. J. “And I
Saw”… An Apocalyptic Literary Convention for Structural Identification in the Apocalypse. NovT
42.2 (2000), p. 160-183; ARCARI, L. Apocalisse di Giovanni e apocalittica “danielico-storica” del
I sec. e.v.: prospettive per una “nuova” ipotesi. Vetera Christianorum 39.1 (2002), p. 115-132; e os
estudos mais antigos de AUNE, D. E. The Apocalypse of John and the Problem of Genre (p. 65-
96) e HELLHOLM, D. The Problem of Apocalyptic Genre and the Apocalypses of John (p. 13-64),
ambos em YARBRO COLLINS, A. (Ed.). Early Christian Apocalypticism: Genre and Social
Setting. Semeia 36 (1986). Cf. ainda, sobre a polêmica apocalíptica em Jo 8,38-47, VON
WAHLDE, Urban C. “You Are of Your Father the Devil” in its Context: Stereotyped Apocalyptic
Polemic in John 8:38-47. In: BIERINGER, R.; POLLEFEYT, D.; VANDECASTEELE-
VANNEUVILLE, F. (Ed.). Anti-Judaism and the Fourth Gospel: Papers of the Leuven Collo-
quium, 2000, p. 418-444.
78
VIELHAUER, P. Apocalyptic in Early Christianity. In: HENNECKE, E.; SCHNEEMELCHER,
W. (Ed.). New Testament Apocrypha, p. 608-642. v. 2 (1965, original alemão em 1964).
79
LEWIS, Scott M. What Are They Saying about New Testament Apocalyptic?, 2004.
80
SCHÜSSLER FIORENZA, E. The Phenomenon of Early Christian Apocalyptic: Some Reflec-
tions on Method. In: HELLHOLM, D. (Ed.). Apocalypticism in the Mediterranean World and the
Near East, p. 295-316; aqui p. 297.
32

nidade, incluindo superação de crises. 81


No entanto, de uma forma geral, a apocalíptica cristã primitiva difere de
sua variante judaica em sua expectativa mais “real e urgente”, bem como, num
segundo momento, dando um sentido relativamente positivo ao papel desempe-
nhado pela demora escatológica, afetando assim sua compreensão da escatologi-
a.82
O ensaio de Charlesworth investiga as implicações da visão de que “estu-
diosos do Novo Testamento tendem a concordar que a teologia do NT é funda-
mentada e definida pelo pensamento apocalíptico”.83 Myers conclui que o apoca-
lipsismo no NT não é restrito a poucos textos, e que nem uma demora na segunda
vinda de Cristo elimina as expectativas apocalípticas entre a segunda e a terceira
geração de cristãos.84 Rowland se preocupa em “considerar a importância funda-
mental da tradição apocalíptica, derivada como era do judaísmo antigo, para a teo-
logia cristã”.85 Em estudo mais recente, ele delineia a proeminência de elementos
proféticos e místicos nos livros do NT;86 suas ponderações, cuidadosamente deli-
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neadas, refletem a tendência de suas pesquisas em outras obras: a revelação de


mistérios celestiais era um foco fundamental dos cristãos primitivos.
A coleção de ensaios sobre a temática publicada por Yarbro Collins revela
uma variedade de temas relativos ao apocalipsismo cristão e ao livro do Apocalip-
se em particular.87 Já Aune fornece um considerável resumo acerca das informa-
ções básicas relativas aos antigos apocalipses judaicos e cristãos, bem como acer-

81
HOLMAN, C. L. Till Jesus Comes: Origins of Christian Apocalyptic Expectation, p. 153-158. A
reinterpretação de antigas fontes para atender às necessidades da comunidade é um importante
aspecto abordado pelo presente trabalho em relação à comunidade mateana e ao ciclo daniélico (cf.
infra).
82
O estudo panorâmico de Fusco é digno de nota (cf. FUSCO, V. Apocalittica ed escatologia nel
Nuovo Testamento: tendenze odierne della ricerca. In: CANNOBIO, Giacomo; FINI, Mario (Ed.).
L’eschatologia contemporanea. Problemi e prospettive: atti del IV corso di aggiornamento per i
docenti di teologia dogmatica, Roma, 2-5 gennaio 1994, p. 41-80).
83
CHARLESWORTH, J. H. Ancient Apocalyptic Thought and the New Testament. In:
KRAFTCHICK, S.J.; MYERS, C.D., Jr.; OLLENBURGER, B.C. (Ed.). Biblical Theology: Prob-
lems and Perspectives in Honor of J. Christiaan Beker, p. 222-232; aqui p. 222.
84
MYERS, C. D., Jr. The Persistence of Apocalyptic Thought in New Testament Theology. In:
Ibidem, p. 209-221; 323-327.
85
ROWLAND, C. “Upon Whom the Ends of the Ages Have Come”: Apocalyptic and the Interpre-
tation of the New Testament. In: BULL, Malcolm (Ed.). Apocalypse Theory and the Ends of the
World, p. 38-57; aqui p. 40.
86
Idem. Apocalypse, Prophecy and the New Testament. In: GRABBE, Lester L.; HAAK, R. D.
(Ed.). Knowing the End from the Beginning, p. 149-166.
87
YARBRO COLLINS, A. Cosmology and Eschatology in Jewish and Christian Apocalypticism
(1996).
33

ca do apocalipsismo no NT.88 Em outro estudo mais antigo, ele investiga a trans-


formação do apocalipsismo no cristianismo primitivo, com atenção especial à in-
fluência da escatologia helenística.89 Para J. W. Marshall, o conflito interno que
tipifica muitos dos apocalipses judaicos do Período do Segundo Templo foi am-
pliado em proporções universalistas e empregado em contextos religiosos particu-
lares por escritores cristãos posteriores. Nesse sentido, os elementos das críticas de
alguns judeus em relação a outros judeus foram transformados em críticas estereo-
tipadas dos judeus para com os cristãos, e Jesus se tornou o “judeu contrário ao
judaísmo”.90
Por fim, o NT é um veículo fundamental para o estudo do discurso apoca-
líptico. Uma das mudanças em relação ao discurso profético e ao sapiencial é a
concepção de vida no pós-morte.91
Em se tratando do Evangelho de Mateus, o interesse pela apocalíptica con-
tida no livro, especialmente sua escatologia, cresceu progressivamente até o auge
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no final do século XX. Mark A. Powell inicia sua análise da monografia de David
Sim (já citada neste trabalho como importante para o estudo da escatologia de Ma-
teus) com o seguinte comentário: “Chame isso de febre de milênio, se quiser, mas
o assunto até aqui negligenciado da escatologia de Mateus está subitamente rece-
bendo muita atenção”.92 Pela mesma época, “escatologia” foi o tema da SBL para
o estudo do Evangelho de Mateus (encontro de 1996) e uma série de trabalhos re-
lacionados ao tema foram publicados pouco tempo antes e depois do encontro.93
No entanto, desde a virada do milênio, a ênfase parece ter se esvaído um pouco.
Por um lado, pode ser que a forma básica da interpretação de Mateus no que tange
aos eventos finais quase não tem sido contestada, e nessa forma básica há pouca
88
AUNE, David E. Understanding Jewish and Christian Apocalyptic. Word & World 25.3 (2005),
p. 233-245; um estudo indicado especialmente para não-especialistas.
89
Idem. Transformations of Apocalypticism in Early Christianity. In: GRABBE, Lester L.;
HAAK, R. D. (Ed.). Op. cit. p. 54-64.
90
MARSHALL, J. W. Apocalypticism and Anti-Semitism: Inner-Group Resources for Inter-Group
Conflicts. In: KLOPPENBORG, J. S.; MARSHALL, J. W. (Ed.). Apocalypticism, Anti-Semitism
and the Historical Jesus: Subtexts in Criticism, p. 68-82; aqui p. 81.
91
Para o tema da ressurreição no NT, a recente obra em homenagem a J. Lambrecht é de extremo
valor: BIERINGER, R.; KOPERSKI, V.; LATAIRE, B. (Ed.). Resurrection in the New Testament:
Festschrift J. Lambrecht (2002).
92
POWELL, M. A. Review of David Sim, Apocalyptic Eschatology in the Gospel of Matthew. JBL
117.3 (1998), p. 534-536; aqui p. 534.
93
Cf., por exemplo, ORTON, D. E. The Understanding Scribe: Matthew and the Apocalyptic Ideal
(1989); CHARETTE, B. The Theme of Recompense in Matthew’s Gospel (1992); BALABANSKI,
V. Eschatology in the Making: Mark, Matthew, and the Didache (1997); GIBBS, J. A. Jerusalem
and Parousia: Jesus’ Eschatological Discourse in Matthew’s Gospel (2000); e, mais recentemente,
WILSON, A. I. When Will These Things Happen?: A Study of Jesus As Judge in Matthew 21-25
(2004).
34

coisa a mais a ser dita.


Donald Hagner, por exemplo, sumariza as principais características da es-
catologia de Mateus especialmente em duas hipóteses: a primeira é que existe uma
tensão presente-futuro, na qual a vinda de Jesus cumpre algumas expectativas es-
catológicas (uma escatologia “efetivada”), ocorrendo também uma ênfase ainda
maior no futuro julgamento dos ímpios e bênçãos dos justos (uma escatologia “fu-
tura”);94 a segunda é que há uma iminente-delongada tensão na apresentação de
Mateus: alguns ditos sugerem uma consumação dentro de uma geração, ao passo
que outros sugerem um período de ínterim significativo ou um atraso considerá-
vel.95 Essas observações parecem ser comuns na fundamentação dos estudos da
escatologia de Mateus, ainda que os comentaristas possam optar por enfatizar os
diferentes lados das tensões. Por exemplo, Georg Strecker argumenta que o con-
texto teológico-histórico indicado pelo Evangelho é aquele em que a iminência
não é enfatizada, e existem textos que sugerem que a Igreja deve ter um papel a
desempenhar em longo prazo;96 já David Sim responde que “nenhum desses textos
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carrega o peso que é depositado sobre eles” e, se vier a ocorrer algum delonga-
mento, este pode ser entendido como sendo uma pequena demora.97
Por outro lado, ao passo que as publicações mais recentes tendem a assu-
mir que Mateus tem uma visão consistente acerca dos eventos do fim, parece ha-
ver um consenso bem menor sobre o que essa visão possa ser e sobre como resol-
ver as tensões na apresentação do evangelista. De fato, essa conciliação permane-
ce sem conclusão satisfatória, e os estudiosos do Evangelho de Mateus continuam
a busca por mais soluções. Como James Dunn observa, o próprio evangelho, em
sua forma final, parece estar “notavelmente impassível pela presença da tensão
presente/futuro em sua tradição”, fazendo declarações contraditórias aparentemen-
te “sem qualquer sinal de tensão” na acomodação dessas oposições.98
Em uma recente publicação, Ben Cooper intenta resolver esse conflito “tra-
tando o Evangelho de Mateus como uma narrativa convincente, isto é, uma narra-
tiva concebida para evocar uma resposta que se constrói a partir de seus leito-
94
HAGNER, D. Matthew’s Eschatology. In: SCHMIDT, T.E.; SILVA, M. (Ed.). To Tell the Mys-
tery: Essays on New Testament Eschatology in Honour of Robert H. Gundry, p. 49-71; aqui espe-
cialmente p. 65-66.
95
Ibidem, p. 66-68.
96
STRECKER, Georg. Der Weg der Gerechtigkeit: Untersuchung zur Theologie des Matthäus, p.
41-49.
97
SIM, David C. Apocalyptic Eschatology in the Gospel of Matthew, p. 148-177; aqui p. 151.
98
DUNN, J.D.G. The Significance of Matthew’s Eschatology for Biblical Theology. SBLSP 35
(1996), p. 150-162; aqui p. 151.
35

res”.99 Uma determinada escatologia deve ser lida em sua localização dentro do
enredo da narrativa e levar em consideração sua função naquele determinado pon-
to em questão. No caso de Mateus, a partir de uma ampla escatologia judaica se
adapta o presente progressivamente em uma escatologia cristã, tendo como influ-
ência a história mateana de Jesus; em uma escatologia que é tanto esperada quanto
efetivada, os eventos escatológicos do fim que se esperam são temporariamente
“resolvidos” em duas fases: eles são experimentados primeiramente em Jesus,
tendo Deus como principal agente escatológico, de tal forma a garantir que, poste-
riormente, esses mesmos elementos sejam experimentados da mesma forma por
seus seguidores.
A escatologia que envolve épocas de dificuldade próximas ao final dos
tempos estava já presente em Hesíodo e no zoroastrismo tardio com tradição bem
antiga.100 O Judaísmo do Segundo Templo também evidencia essa noção. Além de
Dn 12, o Livro dos Jubileus descreve um período em que as pessoas gozariam de
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um curto período de vida com aumento de tribulação e opressão (L. Jub 23,11-25),
após o que haveria um tempo de longevidade, justiça e graça (cf. 23,26-31). Isso
não implica que as expectativas fossem as mesmas em todas as ocasiões em que a
noção aparece. No Testamento de Moisés, que alguns estudiosos datam na época
de Antíoco IV, o autor revela uma “visitação e ira como não tem acontecido desde
o princípio até aquele tempo” (cf. T. Mos 8,1, o que lembra Dn 12,1 bem como Mt
24,21); no caso desse apócrifo, esse tempo parece ocorrer no presente momento,
mas será imediatamente seguido pelo Reino de Deus se manifestando por toda a
sua criação e pelo fim de Satanás e da tristeza (T. Mos 10,1). No Testamento de
Levi, a execução de “juízo sobre os filhos dos homens” é o tempo no qual “toda a
criação [estará] em dificuldades” e ocorrerá em algum tempo indeterminado no
futuro (cf. T. Lev 4,1).
Observa-se, entretanto, que não havia uma uniformidade na doutrina esca-
tológica do judaísmo tardio,101 falta de uniformidade que se dá também nas ideias
do judaísmo em geral e do cristianismo primitivo. O como essas noções escatoló-
99
COOPER, Ben. Adaptive Eschatological Inference from the Gospel of Matthew. JSNT 33.1
(2010), p. 59-80; aqui p. 60 (grifo do autor).
100
Cf. infra.
101
ALLISON, D. C., Jr. The End of the Ages Has Come: An Early Interpretation of the Passion
and Resurrection of Jesus, p. 25. Contra o consenso geral, Carson postula tese contrária, chegando
a afirmar que “há mais uniformidade nessa literatura do que parece haver” (cf. CARSON, D. A.
Summaries and Conclusions. In: CARSON, D.A.; O’BRIEN, P.T.; SEIFRID, M.A. (Ed.). Justifi-
cation and Variegated Nomism: The Complexities of Second Temple Judaism, p. 505-548. v. 1;
aqui p. 544).
36

gicas judaicas influíram na escatologia de Mateus dependerá da análise de sua au-


toria, objetivo e, especialmente, seu marco social.
Isto posto, este trabalho tem como temática a origem da ressurreição na
apocalíptica judaica e o desdobramento no cristianismo primitivo, levando-se em
conta especialmente os textos de Dn 12,1-3 e Mt 27,51b-53. O objetivo é verificar
a possibilidade de o autor mateano ter se servido da tradição de Daniel, bem como
a possibilidade de contato deste último com as ideias persas, especificamente da
religião de Zoroastro, a qual teria se tornado religião oficial do Império Persa por
volta do VI século a.C., no reinado de Ciro II. Em outras palavras, a tese pretende
investigar em que medida o pensamento cristão acerca dos acontecimentos do fi-
nal dos tempos (como ressurreição e juízo final) seria devedor ao livro de Daniel
(II século a.C.), especialmente a tradição sinótica.
No caso específico de Mt 27,51b-53, a investigação se dará sobre a origem
da tradição expressa nesta perícope, bem como seu posicionamento e função den-
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tro da narrativa do evangelho como um todo. Quanto a Daniel, o objetivo é anali-


sar o possível contato com o tema da ressurreição através do zoroastrismo antigo,
expresso em textos do Avesta, especialmente nos Gathas, como o Y. 30,7 (os Ga-
thas são a parte mais antiga do Avesta, o conjunto de textos considerados sagra-
dos), tendo em vista que a ideia de ressurreição individual (corporal ou não) se-
guida por um julgamento não encontra respaldo bem estabelecido em outros textos
das Escrituras Hebraicas e nem nas crenças dos povos antigos que serão analisa-
dos.
Assim, como um todo, este trabalho apresenta certa complexidade, pois se
concentra sobre três corpora diversos, os quais não serão relacionados entre si
com tríade, mas dois a dois: a tradição do Avesta com Dn 12 e este com Mt 27.
Daí também os três textos fundamentais não serem posicionados lado a lado, mas
sim dois a dois. Além disso, dada a carência da certeza de dados linguísticos do
Avesta (cf. assinalado supra), a abordagem histórico-fenomenológica para o zoro-
astrismo se torna mais histórico-linguística em Daniel e Mateus.
De qualquer forma, o fio condutor de toda a temática da tese é a análise da
origem da ressurreição individual (corporal ou não e independentemente do tipo
de corpo) com julgamento final na apocalíptica judaica e o seu desdobramento no
cristianismo primitivo.
Para se chegar ao objetivo proposto, a pesquisa começará analisando o fe-
37

nômeno apocalíptico de uma maneira geral, sua origem, expressividade e tendên-


cias da pesquisa atual, pois é neste horizonte que a noção da ressurreição individu-
al brota e ganha espaço. Em seguida, analisará o pensamento sobre a vida no pós-
morte a partir das principais civilizações mais antigas ou contemporâneas à judai-
ca (Egito, Mesopotâmia, Canaã, Grécia arcaica e helênica), verificando a possíveis
interação de noções associadas ao tema com o judaísmo antigo. Assim, é apresen-
tada uma abordagem fenomenológica cujo objetivo foi simplesmente averiguar,
em literatura oriental mais antiga, as noções de vida no pós-morte. Tratamento es-
pecial é dado à análise do tema no zoroastrismo antigo, especialmente nas evidên-
cias a partir dos Gathas e de sua tradição, mais conhecida a partir da Idade Média.
É justamente entre os persas que a ideia de ressurreição sofre consideráveis modi-
ficações, além do surgimento de novos entendimentos, como o de um julgamento
universal no final dos tempos seguido de ressurreição também universal.
Posteriormente, o estudo verificará a ideia do pós-morte e ressurreição no
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judaísmo primitivo conforme expressa em textos do AT e, especialmente, no Juda-


ísmo do Segundo Templo, onde se observa mudanças importantes em relação ao
primeiro. Neste ponto, a pesquisa se concentra principalmente no livro de Daniel,
pois em Dn 12,1-3 se encontra a primeira referência clara à ressurreição individual
seguida de julgamento em toda a Bíblia Hebraica.
Numa segunda etapa, será abordada a questão da apocalíptica e ressurrei-
ção no NT, especialmente no Evangelho de Mateus, tomando como fundamento a
perícope de Mt 27,51b-53, a qual revela uma ressurreição dos salvos antes da res-
surreição final e não se encontra nos demais evangelhos canônicos, bem como sua
tradição não se acha em nenhum outro texto do NT.
O tema do trabalho visa, então, à comunidade acadêmico-teológica, na área
específica de Teologia Bíblica, bem como a estudiosos de História Comparada das
Religiões, de Crítica Literária e a outros tantos interessados no assunto.
O método utilizado para a análise dos textos bíblicos é o mais usado na e-
xegese, o histórico-crítico, a partir dos textos em suas formas atuais. Esse método
é “histórico, não só porque ele se aplica a textos antigos – no caso, aqueles da Bí-
blia – e estuda seu alcance histórico, mas também e sobretudo porque ele procura
elucidar os processos históricos de produção dos textos bíblicos, processos diacrô-
38

nicos algumas vezes complicados e de longa duração”.102 É crítico “porque ele


opera com a ajuda de critérios científicos tão objetivos quanto possíveis em cada
uma de suas etapas”.103 Essas têm como fase preliminar a crítica textual,104 e a
partir dela “passa-se a uma crítica literária que decompõe (pesquisa das fontes),
depois a um estudo crítico das formas, enfim a uma análise da redação, que é aten-
ta ao texto em sua composição”.105 Além disso, a crítica histórica pode completar
a crítica literária “para determinar seu alcance histórico, no sentido moderno da
expressão”.106 Essa última postura, aliada a uma crítica da tradição, faz parte da
metodologia aplicada para a análise dos textos do Avesta, entendendo-se neste
trabalho uma crítica sociológica também inserida nesta análise histórica.
Essas etapas estão interligadas de tal forma que uma acaba, necessariamen-
te, remetendo às outras, sem que cada uma delas seja menos importante. Além dis-
so, essas etapas não precisam, necessariamente, estar expostas nessa ordem rigo-
rosa na exposição final do trabalho. Sumariando, podemos descrever os métodos
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histórico-críticos como aqueles que buscam entender o texto a partir de seus pres-
supostos, intenção e compreensão originais, bem como também as interpretações
sucessivas em seu processo de estabelecimento.107
Os textos primários utilizados neste trabalho são as edições críticas. Para o
texto dos Gathas, os que são considerados como sendo os melhores pela crítica
atual: o texto crítico de Jean Kellens e Eric Pirart, Les textes vieil-avestiques (3 v.,
1988-1991), e o texto de Helmut Humbach, P. O. Skjaervo e J. Elfenbein (Die Ga-
thas des Zarathustra, 2 v., 1959) traduzido para o inglês, The Gâthâs of Zarathus-
tra and the Other Avestan Texts (2 v., 1991). Esses textos foram cotejados com
traduções de Mary Boyce (Textual Sources for the Study of Zoroastrianism, 1990)
e a antiga tradução de L. H. Mills editada por F. M. Müller (SBE v. 31). Para os
demais textos do Avesta Posterior e os da tradição medieval foram usadas as edi-
ções críticas mais conhecidas. Pela extensão das escrituras zoroástricas, não foi
possível analisar de forma abrangente todas as ocorrências referências ao tema;
assim sendo, o trabalho se limitou aos textos considerados de maior importância
102
PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja, p. 41 (grifo do au-
tor).
103
Ibidem.
104
Vale ressaltar que a crítica textual não faz parte do método (não é uma etapa): trata-se da fase
preliminar que estabelece o texto para nele se aplicar o método.
105
Ibidem, p. 40.
106
Ibidem, p. 43.
107
SIMIAN-YOFRE, H. (Org.). Diacronia: os métodos histórico-críticos. In: Metodologia do Anti-
go Testamento, p. 73-108; aqui p. 74-75.
39

para o objetivo proposto.


Para o livro de Daniel foi utilizado o texto e aparato crítico da Bíblia He-
braica Stuttgartensia, 5ª edição (1997); já para o texto de Mateus foi utilizado o
Novum Testamentum Graece, 27ª edição (1993), bem como a obra de Kurt e Bar-
bara Aland.108 Para os textos bíblicos em português foram usadas a Bíblia de Jeru-
salém, nova ed. rev. amp. (2002, da qual se usou também as abreviações dos no-
mes dos livros e a forma de citação adotada por ela), a Nova Versão Internacional
(Sociedade Bíblica Internacional, 2000), e a Versão Revisada da Imprensa Bíblica
Brasileira (1994). Em alguns textos importantes para o trabalho além das períco-
pes de Daniel e Mateus, optou-se por tradução própria devido a questões exegéti-
cas.
Para o texto da LXX foi usada especialmente a edição de A. Rahlfs (Stutt-
gart) e, para uma importante variante no texto grego de Dn 12, a antiga obra de J.
Ziegler (Göttingen).
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Em relação à tradução dos textos bíblicos objetos da pesquisa, prezou-se


por respeitar a sintaxe hebraica e grega, a escolha das palavras e outras peculiari-
dades desses idiomas, mas procurando fazer o mesmo em relação à língua portu-
guesa, respeitando também sua sintaxe e o caráter literário da transposição de um
texto para outro. A segmentação foi feita baseada no seguinte critério: para cada
verbo (explícito ou implícito) uma linha; essa adoção do critério praticamente úni-
co (o do verbo) foi feita simplesmente com o intuito de não alongar muito a expo-
sição da tradução.
No caso dos chamados apócrifos e pseudepígrafos, as traduções presentes
no trabalho foram feitas a partir da obra de R. H. Charles (Oxford, APOT) e da
obra de J. H. Charlesworth (Princeton, OTP, editada por Doubleday, NY), mais
recente, sempre cotejando aquela com esta e, por vezes, com a versão espanhola
editada por A. D. Macho (Apócrifos del Antiguo Testamento, Madrid, 2. ed.). Para
os textos do Oriente Antigo, as traduções se deram especialmente a partir da obra
de J. B. Pritchard (ANET, Princeton), sendo que, para o poema de Gilgamesh, foi
usada também a edição de Benjamin Foster (Yale). No caso de Hesíodo, as tradu-
ções se deram a partir da edição de M. L. West (Oxford), cotejada com a edição de
P. Mazon (Paris). Citações de outros textos antigos são indicadas em notas de re-

108
ALAND, K.; ALAND, B. The Text of the New Testament: An Introduction to the Critical Edi-
tions and to the Theory and Practice of Modern Textual Criticism (2. edn. rev. eng., 1989).
40

ferência.
Nos casos em que foram feitas transliterações (especialmente de nomes
próprios e conceitos-chave nas narrativas), foram usadas, para os caracteres gre-
gos, as Normas de transliteração de palavras do grego antigo para o alfabeto la-
tino, adotadas pela Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos,109 e para os caracte-
res hebraicos a proposta do Diccionario Teológico Manual del Antiguo Testamen-
to.110 Para o texto do Avesta, tendo em vista não existir uma padronização acadê-
mica uniforme, optou-se pelas transcrições mais utilizadas pelos estudiosos.
Enfim, por fugir ao escopo e à extensão propostos neste trabalho, deixou-
se de realizar uma análise da aplicação teológica da mensagem de Dn 12,1-3 e de
Mt 27,51b-53 ao mundo contemporâneo, o que seria um importante complemento
ao tema tratado. Em princípio, a realização de tal análise chegou a ser pretendida
em um último capítulo, dada a relevância da mensagem de cada um deles. Entre-
tanto, longe de esgotar o assunto (o que, pelas suas próprias implicações vastas,
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seria impossível), esperamos que este trabalho incentive novos estudos do tema
junto à crítica histórico-literária e à exegese bíblica.

109
Cf. texto e comentários em MURACHCO, H. G. Língua grega, p. 40-42. v. 1.
110
JENNI, E.; WESTERMANN, C. (Ed.). Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento,
p. 20-22. v. 1.
2. O fenômeno apocalíptico: a expressividade pelo gênero
literário

2.1. Taxonomia e definições

A primeira dificuldade no estudo do fenômeno apocalíptico reside já na ta-


xonomia do tema. Não há unanimidade entre os trabalhos publicados até o presen-
te momento, reflexo da não concordância em como o próprio material naturalmen-
te se divide. Em verdade, a complexidade do tema desmente as arrumações cate-
góricas postuladas. Essa complexidade possui evidência antiga e é enfatizada por
estudos recentes, os quais sugerem a existência de conexões fundamentais entre
aquilo que já foi em outros tempos considerado apenas como possuindo parcas
ligações.
A principal causa de confusão durante a fase inicial do debate moderno a-
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cerca de apocalíptica e apocalipsismo diz respeito à relação entre a classificação


do próprio fenômeno em si mesmo e questões relativas à sua origem, elementos
constitutivos, literatura e marco social. Quando o relacionamento parecia ser in-
discutível, revelou-se, em verdade, difícil de definir. Isso ficou muito claro através
das objeções feitas contra as antigas tentativas de formular a questão de maneira
adequada em termos sistemáticos. Por exemplo, muitos textos designados como
“apocalipses” careciam da maior parte dos elementos considerados primordiais
para classificá-los como tal, ao passo que muitos dos mesmos elementos apareci-
am de forma evidente em muitas obras até então não consideradas como “apoca-
lípticas”.1 Tais objeções resultaram em parte de um crescente reconhecimento de
que os conceitos e origens sociais do apocalipsismo se estendiam além do que po-
deria ser descrito como sendo tradição profética israelita. Como alternativa, alguns
sentiram que as categorias, por serem tão amplas, haviam se tornado sem sentido.2
Outra preocupação foi a de que as definições propostas privilegiavam cate-
1
STONE, Michael. E. Lists of Revealed Things in the Apocalyptic Literature. In: CROSS, F.M.;
LEMKE, W.E.; MILLER, P.D., Jr. (Ed.). Magnalia Dei, the Mighty Acts of God: Essays on the
Bible and Archaeology in Memory of G. Ernest Wright, p. 414-452 (republicado em STONE, M.E.
Selected Studies in Pseudepigrapha and Apocrypha with Special Reference to the Armenian Tradi-
tion, p. 379-417, com uma nota suplementar nas p. 417-418); SANDERS, E. P. The Genre of Pal-
estinian Jewish Apocalypses. In: HELLHOLM, David. (Ed.). Apocalypticism in the Mediterranean
World and the Near East: Proceedings of the International Colloquium on Apocalypticism, Uppsa-
la, August 12-17, 1979, p. 447-459.
2
Cf. CARMIGNAC, J. Description du phénomène de l’Apocalyptique dans l’Ancien Testament.
In: HELLHOLM, D. (Ed.). Op. cit. p. 163-170.
42

gorias escatológicas e negligenciavam a mística essencial, historiográfica, ou ele-


mentos existenciais.3 Objeções adicionais afirmaram que as categorias ou classes
foram impostas sobre as evidências, ou que as classificações tinham se tornado tão
complexas que cada texto efetivamente acabou por ter seu gênero literário próprio.
As objeções foram em grande parte resolvidas através do reconhecimento
crítico de que o termo “apocalipse” define o gênero,4 “apocalipsismo” seria uma
ideologia ou movimento social, e “escatologia apocalíptica” seria uma cosmovi-
são, ou uma perspectiva (a profecia escatológica). Cada uma dessas entidades e-
ram distintas e seu valor heurístico, embora significativo, não era absoluto. Essa
distinção tríplice foi proposta especialmente por Paul D. Hanson.5 Ele afirma que:
Nas recentes tentativas em acrescentar precisão à terminologia utilizada na dis-
cussão do fenômeno vagamente chamado de apocalíptico, “apocalipse” veio a de-
signar um gênero literário, em contrate com os conceitos relacionados “escatolo-
6
gia apocalíptica” e “apocalipsismo”.

Ele ainda chama a atenção para a cautela no uso dessa tríade como instru-
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mento metodológico para investigação do fenômeno apocalíptico antigo, tendo em


vista que, no contexto original dos escritos, tais categorias não eram rigidamente
distinguidas pelos autores apocalípticos:
Ao usar tais ferramentas, é conveniente lembrar que os antigos escritores apoca-
lípticos não distinguiam rigidamente entre gênero, perspectiva e ideologia, e disso
conclui-se que essas categorias devem ser sempre utilizadas com uma grande sen-
sibilidade para com a integridade e complexidade das composições em si mes-
7
mas.

Hanson usa o termo apocalipse para designar o gênero literário que pode
ser encontrado ao lado de outros gêneros, como o testamento, o oráculo de julga-
mento e de salvação e a parábola. O Apocalipse de João, nos seus dois primeiros
3
Cf. WEBB, Robert L. ‘Apocalyptic’: Observations on a Slippery Term. JNES 49.2 (1990), p.
115-126; aqui p. 119.
4
A literatura apocalíptica abrange, primeiramente, os escritos judaicos e cristãos compreendidos
ente 250 a.C. e 100 d.C., época em que esse tipo de literatura floresceu abundantemente, embora
traços dela possam ser encontrados em escritos anteriores e posteriores. Entretanto, a palavra “apo-
calíptica”, além de seu uso frequente como simples sinônimo para “cataclismo” na literatura mo-
derna, possui uma gama variada de nuanças e interpretações, ocasionando uma dificuldade óbvia
no estudo desse gênero (cf. RUSSELL, D. S. Apocalyptic: Ancient and Modern, p. 21). Assim, a
designação costuma abarcar, também, outros gêneros que fazem parte do mesmo ambiente (Idem.
Desvelamento divino: uma introdução à apocalíptica judaica, p. 26).
5
HANSON, P. D. Apocalypse, Genre; Apocalypticism. In: CRIM, Keith (Ed.). IDBSup, p. 27-34.
Cf. também STONE, Michael. E. Lists of Revealed Things in the Apocalyptic Literature. In:
CROSS, F.M.; LEMKE, W.E.; MILLER, P.D., Jr. (Ed.). Op. cit. p. 439-443, e o panorama em
WEBB, Robert L. Op. cit.
6
HANSON, P. D. Apocalypses and Apocalypticism. Introductory Overview. In: FREEDMAN,
David N. (Ed.). ABD, p. 279-292. v. 1; aqui p. 279.
7
Ibidem.
43

versos, daria, como paradigma, os quatro pontos da estrutura típica desse gênero:
uma revelação que é dada por Deus; a transmissão se dá por um mediador; o re-
ceptor é um visionário; os temas tratados dizem respeito a eventos futuros.8 Seu
marco social também é tomado do livro do Apocalipse, em 1,19: esclarecer aos
eleitos aquilo que ainda há de acontecer, servindo então de coragem e conforto
numa época de opressão, com o intuito de manter a fidelidade deles. 9 Um exemplo
desse gênero se daria nos capítulos 7 a 12 do livro de Daniel. Hanson assevera que
os escritores utilizaram o gênero apocalíptico com considerável liberdade, adap-
tando-o aos seus propósitos, resultando numa diversidade de expressões. Assim,
um apocalipse não é necessariamente o gênero exclusivo numa obra assim classi-
ficada (é dominante na maioria dos casos), mas encontrado com muitos outros gê-
neros.
Por escatologia apocalíptica ele entende não um gênero, nem um movi-
mento sociorreligioso ou um sistema de pensamento, mas uma “perspectiva religi-
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osa”, uma cosmovisão, ou seja, “um modo de ver os planos divinos em relação
com realidades mundanas”, 10 não sendo exclusividade de uma religião ou grupo
político específicos, mas podendo ser adotada por diferentes grupos ou indivíduos
em diferentes épocas e diferentes níveis. Essa perspectiva concebe a ação salvífica
de Deus como uma realização para fora da ordem presente, caminhando para uma
ordem transformada e futura; essa nova ordem, diferentemente da escatologia dos
profetas do AT (os quais concebiam uma reabilitação da ordem presente), implica
necessariamente o fim da presente ordem pela sua destruição. O futuro é tomado
como contexto de julgamento e salvação eterna; nessa perspectiva acerca do futu-
ro, a escatologia apocalíptica “pode ser vista como uma continuação da escatolo-
gia profética”. 11

8
Na pesquisa, a expressão apocalíptica foi usada pela primeira vez para designar o gênero por
Friedrich Lücke (1791-1855); entretanto, de fato, a Igreja Cristã utilizou, a partir do II século, a
expressão “apocalíptica” para indicar todo escrito semelhante ao Apocalipse canônico, pegando
deste o nome para designar o estilo de escrever, ou seja, o gênero. Assim, além da função adjetiva,
a expressão é usada também como substantivo coletivo, podendo ainda designar tanto a “literatura
apocalíptica” quanto o conjunto de ideias que a produzir, ocasionando confusão no debate apoca-
líptico no correr dos anos. J. J. Collins apresenta três razões para esse uso indistinto do termo: o
uso do nome “apocalipse” para designar um amálgama de elementos literários, sociais e fenomeno-
lógicos; a falta de clareza no reconhecimento e na classificação desse gênero na Antiguidade (rotu-
lado como gênero somente a partir do Apocalipse neotestamentário), e o fato de os próprios apoca-
lipses judaicos abrangerem várias formas literárias distintas, como visões, preces, legendas, testa-
mentos e outros (COLLINS, J. J. Daniel, with an Introduction to Apocalyptic Literature, p. 2-3).
9
HANSON, P. D. Apocalypse, Genre; Apocalypticism. In: CRIM, Keith (Ed.). Op. cit. p. 27.
10
Ibidem, p. 29.
11
Ibidem, p. 30. Isso não significa, entretanto, que essas duas escatologias, em essência, sejam a
44

Assim, a realidade é dividida em duas eras: a presente era má e a futura era


de justiça, retidão e paz (4Esd 7,50, do primeiro século d.C., afirma: “O Altíssimo
não fez uma era, mas duas”). Vale ressaltar que, além de se referirem a épocas
temporais, essas eras também implicavam duas realidades cósmicas diferentes.
Acrescenta-se a isso o fato de que essa escatologia não se preocupa apenas
com a era vindoura, mas também com a interpretação do passado e da era presen-
te, sendo esta considerada a era do mal. Além disso, ela não é limitada aos apoca-
lipses, mas aparece também em outros gêneros literários.
Já o apocalipsismo está relacionado a “um movimento religioso-social”
que adota a perspectiva da escatologia apocalíptica: é “um sistema de pensamento
produzido por movimentos visionários, construídos sobre uma perspectiva escato-
lógica específica”.12 Assim, a realidade é vista através do universo simbólico no
qual o grupo apocalíptico codifica sua identidade e sua interpretação dessa reali-
dade. Esse universo é desenvolvido como uma forma de protesto contra a socieda-
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de dominante, expressando o senso de “impotência” do grupo frente a essa domi-


nação. Ele serve como resposta a essa situação; esse novo universo simbólico de-
verá substituir a velha ordem.
Entretanto, esse “movimento” se expressa de diversas maneiras como re-
sultado de condições históricas que se modificam, não sendo possível, assim, dar
uma definição formal cognitiva do apocalipsismo; abrange diferentes temas, tradi-
ções e gêneros, sendo que “o resultado é com frequência uma coleção de conceitos
e motivos de alta natureza eclética e caracterizada pelo esotérico, bizarro e arca-
no”.13
Hanson acrescenta ainda que esses movimentos apocalípticos podem ser de
dois tipos: um grupo marginalizado ou oprimido dentro de uma sociedade, ou uma
nação inteira sob o jugo de um poder estrangeiro (como revelam os capítulos 7-12
de Daniel). 14 A base do apocalipsismo é a alienação (exclusão e opressão), e a res-
posta a esta situação é a adoção da perspectiva da escatologia apocalíptica. Os a-
pocalipsistas judeus antigos criaram um novo “universo” (universo esse “simbóli-
co”) em resposta à experiência de alienação e opressão que viviam, subjugados às
autoridades políticas e religiosas de sua época.

mesma coisa (cf. HANSON, P. D. The Dawn of Apocalyptic: The Historical and Sociological
Roots of Early Jewish Apocalyptic Eschatology, p. 11).
12
Idem. Apocalypse, Genre; Apocalypticism. In: CRIM, Keith (Ed.). IDBSup, p. 28.
13
Ibidem, p. 30 (cf. também The Dawn of Apocalyptic, p. 433).
14
Idem. The Dawn of Apocalyptic, p. 434-435.
45

Essa divisão tripartida do fenômeno possibilitou o reconhecimento dessas


categorias distintas, o que situou os elementos constituintes do debate acerca da
classificação (como também a relação deles com todos os aspectos da evidência
literária) em um nível apropriado para as evidências em si mesmas, acabando por
ser esse nível identificado como o ponto de partida da discussão acerca das facetas
do fenômeno. Por sua vez, isso permitiu na pesquisa moderna definições sintéticas
para aplicação de forma significativa às fontes antigas, ao mesmo tempo em que
reflitam a profunda complexidade e diversidade dessas fontes. O resultado foram
categorias academicamente rigorosas, estáveis e úteis, informadas pela literatura,
podendo ser analisadas sincronicamente como textos religiosos cujo conteúdo,
mensagens e funções podem variar amplamente, e analisadas diacronicamente
como representativas do gênero, da ideologia e (por vezes) do Sitz im Leben, os
quais foram sujeitos a processos históricos.
Assim, como resultado, a maior parte dos debates sobre a questão ao longo
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das três últimas décadas se pautou sobre a terminologia e as definições propostas


por Hanson, bastante desenvolvidas pela Society of Biblical Literature (SBL) A-
pocalypse Group em Semeia 14, citado acima, e posteriormente clarificado, refi-
nado e, em certa medida, expandido em publicações subsequentes de Collins, in-
cluindo sua introdução ao tema, a obra The Apocalyptic Imagination (citada su-
pra). Entretanto, nem todos os problemas acerca da classificação do tema foram
resolvidos; ao contrário, os estudos de Hanson, Collins e outros têm, efetivamente,
apenas respondido ao apelo de Koch (cf. infra) para o dilema da definição do tema
e fornecido uma base sólida o suficiente para permitir que a discussão acadêmica
avance para questões mais profundas.
Não se pode olvidar que Hanson também restringiu o rótulo “apocalíptico”
a certas aplicações adjetivas, deixando margem para considerável confusão, parti-
cularmente quando o termo foi empregado como um substantivo descritivo.15
Mais recentemente, Collins concluiu que “A questão, então, de fazer ‘apocalipse’
em vez de ‘apocalíptica’ como a categoria principal, foi que poderíamos agora nos
referir a um grupo específico de textos, ao invés de um corpo literário indetermi-

15
Notem-se já anteriormente os comentários sobre este aspecto em GLASSON, T. F. What Is A-
pocalyptic? NTS 27.1 (1980), p. 98-105.
46

nado com vagas semelhanças familiares”.16


Vale relembrar a proposta de Klaus Koch, anterior à divisão tripartida na
classificação do fenômeno e considerada um apelo ao mundo acadêmico pela ma-
nifestação sobre o tema. Ele define o termo genérico “apocalíptico” como “espe-
culação que – frequentemente em forma alegórica (...) – pretende interpretar o
curso da história e revelar o fim do mundo”.17 Ele trouxe certa clareza à confusão
terminológica que reinava então; o “apocalipse” trata-se de um “macrogênero”, do
qual se faz necessário distinguir os diversos tipos literários que o compõem. Dis-
tingue “apocalipse” (tipo ou gênero literário) e “apocalíptica” (“movimento inte-
lectual”). Ele tomou como referência os escritos apocalípticos compostos em he-
braico ou aramaico (ou que mostrassem claramente essa influência), os quais iden-
tificou como sendo Daniel, 1 Enoque, 2 Baruque, 4 Esdras, o Apocalipse de Abra-
ão e o Apocalipse de João.18
Assim, submetidos esses escritos à crítica das formas, eles parecem mos-
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trar que havia um estilo apocalíptico em torno da virada da era, ou seja, o apoca-
lipse constituía tipo literário reconhecível, apesar do caráter complexo e de absor-
ver em si mesmo outros gêneros. A “apocalíptica” seria um termo coletivo indi-
cando “um movimento de mente” histórico, cujos motivos19 também seriam identi-
ficáveis, embora não tão fáceis como as marcas crítico-formais do apocalipse co-
mo gênero literário.
Segundo Koch, os motivos desses escritos seriam as condições existenciais
em termos da iminente convulsão em uma grande catástrofe cósmica como ápice
do curso predeterminado da história, em que desempenham papel importante os
“anjos das nações”. Após a catástrofe, os justos viveriam uma salvação paradisía-
ca que nasce no trono de Deus e se torna visível como “o Reino de Deus” sobre a
Terra ou como “a era vindoura” em contraposição a “era presente”; muitas vezes,
a redenção final está associada a “um mediador exercendo funções reais” e é des-
crita como “ressurreição gloriosa” que caracterizará a era vindoura no céu.
Koch identifica oito grupos de temas presentes nos escritos apocalípticos:
uma insistente expectativa de iminente destruição de todas as condições terrestres;

16
COLLINS, J. J. Prophecy, Apocalypse and Eschatology: Reflections on the Proposals of Lester
Grabbe. In: GRABBE, Lester L.; HAAK, R. D. (Ed.). Knowing the End from the Beginning: The
Prophetic, the Apocalyptic and Their Relationships, p. 44-52; aqui p. 46.
17
KOCH, Klaus. The Rediscovery of Apocalyptic, p. 33.
18
Ibidem, p. 18-35.
19
O termo aqui, obviamente, usado no sentido da motivgeschichte (“história dos motivos”).
47

o fim através de uma imensa catástrofe cósmica; a relação entre o tempo do fim e
a história antecedente da humanidade e do cosmos; anjos e demônios; catástrofe
seguida por salvação; a entronização de Deus com a vinda de seu reino; o apare-
cimento de um mediador com funções reais; e a glória da era que virá. Ele acredita
que “os oito grupos temáticos que escolhi podem ser indicados para ser distribuí-
dos mais ou menos uniformemente por todos os diferentes apocalipses”.20
Em verdade, ele se baseia no critério de listas formais para determinar a
natureza da apocalíptica, propondo uma solução para o problema da definição ao
listar seis características formais e oito elementos idealizados, um procedimento
cuidadosamente refinado por ele e também por J. G. Gammie,21 severamente criti-
cado por Hanson e W. R. Millar.22 Estes últimos autores propõem substituir o mé-
todo de “lista formal” por um método “contextual-tipológico” construído sobre as
técnicas da crítica da forma e as tipologias de métrica poética (estrutura), tipo de
oráculo profético e continuidade escatológica.
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No caso da escatologia, não estava claro se era uma característica intrínse-


ca à apocalíptica ou um tema à parte, incorporado por ela em alguns casos. Alguns
defendiam já um significado bem restrito para o termo, ao passo que outros defen-
diam uma ampliação na semântica dele.23 S. Mowinckel, por exemplo, defendia
que o adjetivo “escatológico” deve envolver, necessariamente, a ideia de “fim do
mundo”. Segundo ele:
Escatologia é uma doutrina ou um complexo de ideias sobre “as últimas coisas”, o
qual é mais ou menos organicamente coerente e desenvolvido. Cada escatologia
inclui, de uma forma ou de outra, uma concepção dualista do curso da história, e
implica que o presente estado de coisas com a ordem mundial atual repentinamen-
te chegará ao fim e será substituído por outro de tipo essencialmente diferente.
(...) Escatologia também inclui o pensamento de que esse drama tem um caráter
universal, cósmico. O universo em si mesmo, céu e terra, é lançado no crisol. 24

Essa definição foi considerada, posteriormente, insatisfatória. Collins asse-


vera que “expressões do tipo ‘a atual ordem das coisas’ são extremamente vagas.
Toda a esperança futura pode ser descrita por ‘uma nova ordem das coisas’. Isso
em si mesmo não nos dá base para distinguir um tipo de esperança futura de ou-

20
Ibidem, p. 33.
21
GAMMIE, John G. The Classification, Stages of Growth, and Changing Intentions in the Book
of Daniel. JBL 95.2 (1976), p. 191-204.
22
Cf. HANSON, P. D. Jewish Apocalyptic Against Its Near Eastern Environment. RB 78.1 (1971),
p. 31-58; MILLAR, William R. Isaiah 24-27 and the Origins of Apocalyptic, p. 1-9.
23
Cf. VON RAD, Gerhard. Teologia do Antigo Testamento, p. 546-552. v. 2.
24
Cf. MOWINCKEL, Sigmund. He That Cometh: The Messiah Concept in the Old Testament and
Later Judaism, p. 125-126.
48

tro”.25 A única coisa que Collins considera essencial nessa definição é a ideia de
um “fim definitivo”.26
Não deixa de ser útil também reiterar as definições de Collins,27 uma vez
que ele estabeleceu a definição que se tornou referência para o estudo posterior da
apocalíptica, e seus postulados continuam a ser os mais conhecidos e mais fre-
quentemente citados. Para ele, um apocalipse “não é constituído por um ou mais
temas distintivos, mas por uma combinação de elementos, os quais são encontra-
dos em outros lugares”.28 Collins define apocalipse como:
Um gênero literário de revelação com uma moldura narrativa, na qual uma reve-
lação é mediada por um ser sobrenatural a um receptor humano, revelando uma
realidade transcendente que é simultaneamente temporal, na medida em que prevê
a salvação escatológica, quanto espacial, na medida em que envolve outro mundo,
29
este sobrenatural.

Como especificação do gênero literário apocalíptico, conforme apresente


mais marcadamente o aspecto temporal ou geográfico (o mundo sobrenatural, con-
forme definição acima), Collins sugere que existem dois tipos básicos: aqueles
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marcados por visões reveladoras relativas à informação ex eventu da história natu-


ral (os apocalipses “históricos”), e aqueles realçando viagens a outros mundos (os
apocalipses de viagens a outro mundo, ou transcendentais), os quais são mais in-
clinados à especulação cosmológica. Como exemplos de apocalipses “históricos”,
ele cita Daniel, o Livro dos Jubileus, 4 Esdras, 2 Baruque e, no 1 Enoque, o Livro
dos Sonhos (83-90) e o Apocalipses das Semanas (91,11-17; 93,1-10); já os apo-
calipses transcendentais seriam o 2 Enoque, 3 Baruque, Testamento de Abraão,
Apocalipse de Abraão, Apocalipse de Sofonias, Testamento de Levi 2-5 e, no 1

25
COLLINS, J. J. Apocalyptic Eschatology As the Transcendence of Death. CBQ 36.1 (1974), p.
21-43; aqui p. 25 (repr. Seers, Sybils and Sages in Hellenistic-Roman Judaism, p. 75-97).
26
Ibidem.
27
Cf. o primeiro tratamento do tema pelo autor em COLLINS, J. J. Introduction: Towards the
Morphology of a Genre. In: Apocalypse: The Morphology of a Genre. Semeia 14 (1979), p. 1-20;
Idem. The Jewish Apocalypses. In: Ibidem, p. 21-59.
28
Idem. The Apocalyptic Imagination: An Introduction to Jewish Apocalyptic Literature, p. 8.
29
Idem (Ed.). Apocalypse: The Morphology of a Genre, p. 9; cf. também Daniel, with an Introduc-
tion to Apocalyptic Literature, p. 4, e The Apocalyptic Imagination, p. 5, onde ele retoma a mesma
definição. Essa não foi a primeira tentativa de definição acadêmica de “gênero apocalíptico’, pelo
menos de “apocalíptica” ainda entendido como termo sinônimo: Robert Noth havia alguns anos
antes definido apocalíptica como sendo “qualquer escrito dito como ou parecendo ser divinamente
inspirado a explanar o verdadeiro sentido e a relevância de revelações anteriores para o futuro ou
os últimos dias, aplicando-os enigmaticamente a eventos presentes em uma estrutura histórica e
astro-cósmica unificante de erudição teórica, com imagens estranhas ou extra-espaciais, e relacio-
nado a um mundo intensamente ativo de seres cuja natureza se encontra entre o divino e o huma-
no” (NORTH, Robert. Prophecy to Apokalyptik via Zechariah. In: ANDERSON, G. W. et al.
(Ed.). Congress Volume: Uppsala 1971 (VTSup 22), p. 47-71; aqui p. 61). Sua definição não en-
controu muita aceitação à época.
49

Enoque, o Livro dos Vigilantes (1-36), as Parábolas (37-71) e o Livro de Astro-


nomia (72-82).30
No primeiro tipo, é feita uma inspeção da história enquanto conducente a
uma crise escatológica sem referência à viagem transcendental; no segundo, estão
aqueles que descrevem viagens para outro mundo e podem se referir à inspeção
histórica, a fenômenos cósmicos ou à sorte do indivíduo após a morte.
Os apocalipses históricos podem ter como meio de revelação a visão de um
sonho simbólico (como em Dn 2 e 7), a epifania, um discurso angelical, um diá-
logo de revelação, midraxe, pesher, e o relato de revelação. O conteúdo da reve-
lação pode ser a profecia ex eventu (que pode ser de dois tipos: periodização da
história, como em Dn 2 e 7, e a profecia relativa a reinado) ou as predições esca-
tológicas.
Já os apocalipses transcendentais, cujas “formas componentes frequente-
mente sobrepõem-se com aquelas dos apocalipses ‘históricos’”,31 podem ter como
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meio de revelação a transportação do visionário e a narrativa de revelação, e co-


mo conteúdo listas de coisas reveladas, as visões das moradias dos mortos, cená-
rios de juízo, visões de trono, e listas de vícios e virtudes.
Quanto ao Apocalipsismo, Collins define como “a ideologia de um movi-
mento que compartilha a estrutura conceptual dos apocalipses”, e apoia “a visão
de mundo na qual a revelação sobrenatural, o mundo celestial e o julgamento esca-
tológico ocupam partes essenciais”.32 Os estudiosos normalmente empregam “ide-
ologia” e “visão” de forma intercambiável.33 Na apocalíptica como visão de mun-
do, afirma Collins: “Os elementos essenciais dessa visão de mundo são: (1) a pro-
eminência de seres sobrenaturais, anjos e demônios, e sua influência sobre os a-
contecimentos humanos e (2) a expectativa de uma decisão final, não somente de
nações, mas do ser humano individualmente”;34 ele afirma também que “eu tenho
argumentado de vez em quando para o uso do substantivo ‘apocalipsismo’ para se

30
COLLINS, J. J. Daniel, with an Introduction to Apocalyptic Literature, p. 6-19.
31
Ibidem, p. 14.
32
COLLINS, J. J. From Prophecy to Apocalypticism: The Expectation of the End. In: The Encyc-
lopedia of Apocalypticism, p. 129-161. v. 1; aqui p. 147. Cf. também Prophecy, Apocalypse and
Eschatology: Reflections on the Proposals of Lester Grabbe. In: GRABBE, Lester L.; HAAK, R.
D. (Ed.). Knowing the End from the Beginning, p. 44-52; aqui p. 46.
33
O mesmo se dará neste trabalho, embora essa terminologia requeira um estudo adicional (especi-
almente no que diz respeito à historiografia e à teologia da história), o qual foge ao escopo desta
pesquisa.
34
COLLINS, J. J. From Prophecy to Apocalypticism: The Expectation of the End. In: Op. cit. p.
147.
50

referir à visão de mundo dos apocalipses: uma visão de mundo que enfatiza a ati-
vidade de agentes sobrenaturais e que olha para o julgamento escatológico além da
história, que inclui o julgamento individual dos mortos”.35 Embora o apocalipsis-
mo seja a ideologia (visão de mundo) dos apocalipses, transcende o gênero. Ele
circunscreve mais do que preocupações escatológicas, mas suas coordenadas são
definidas principalmente pela expectativa escatológica e pelo mundo sobrenatu-
ral.36
Quanto à questão da escatologia apocalíptica, Collins assevera que as esca-
tologias apocalípticas são tão distintas quanto as composições literárias das quais
fazem parte, mas em seu núcleo há uma transcendência que “olha para uma retri-
buição além dos limites da morte”.37 De acordo com ele, a antecipação do julga-
mento individual no pós-morte distingue a escatologia apocalíptica de outras ex-
pectativas para com tempo futuro.38 Essas definições assumem que a escatologia
apocalíptica é um tipo de escatologia, enquanto questões escatológicas são fre-
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quentemente questões primárias na apocalíptica, mas não o tema exclusivo dela.


Gêneros literários são normalmente difíceis de serem definidos;39 apesar
disso, Collins afirma que eles não são totalmente resistentes a uma definição,40 e
nem uma inconsistência em sua aplicação compromete a sua utilização intrínseca.
Ao mesmo tempo, ideologias e gêneros desafiam definições perfeitas; a simples
procura pelo isolamento do elemento essencial de qualquer um deles ignora a na-
tureza dinâmica historicamente complexa da evidência. Poderia ainda ser adicio-
nado que não é razoável esperar por uma definição uniforme do gênero de qual-
quer grande grupo de textos compostos durante um período significativo de tem-
po. Assim, embora o apocalipsismo não possa ser reduzido a um gênero literário
uniforme ou apreendido somente como uma convenção literária, qualquer análise
35
Idem. Prophecy, Apocalypse and Eschatology: Reflections on the Proposals of Lester Grabbe.
In: Op. cit. p. 46.
36
Idem. Genre, Ideology, and Social Movements in Jewish Apocalypticism, juntamente com Ap-
pendix: A New Proposal on Apocalyptic Origins. In: COLLINS, J. J.; CHARLESWORTH, J. H.
(Ed.). Mysteries and Revelations: Apocalyptic Studies since the Uppsala Colloquium, p. 11-32;
aqui p. 16. Ligeiramente revisto e republicado, sem o apêndice, em Seers, Sibyls, and Sages in Hel-
lenistic-Roman Judaism, p. 25-38.
37
Idem. The Apocalyptic Imagination, p. 11. Cf. também o tratamento do tema pelo mesmo autor
em Apocalyptic Eschatology as the Transcendence of Death. CBQ 36.1 (1974), p. 21-43; e The
Symbolism of Transcendence in Jewish Apocalyptic. BR 19 (1974), p. 5-22.
38
Idem. Prophecy, Apocalypse and Eschatology: Reflections on the Proposals of Lester Grabbe.
In: Op. cit. p. 44-52.
39
Cf., por exemplo, a opinião de Alastair Fowler, para quem essa definição torna-se extremamente
subjetiva (FOWLER, A. The Life and Death of Literary Forms. NLH 2.2 (1971), p. 199-216).
40
COLLINS, J. J. Genre, Ideology, and Social Movements in Jewish Apocalypticism, juntamente
com Appendix: A New Proposal on Apocalyptic Origins. In: Op. cit. p. 18.
51

envolvendo esses fenômenos deve ser iniciada com os próprios textos antigos.41
Conforme Koch corretamente compreendido,42 esses textos são produtos
de um movimento histórico e devem ser compreendidos dessa forma. Essa prerro-
gativa é ignorada em diversos estudos que buscam analisar o contexto social dos
antigos apocalipses com pouca referência aos textos em si mesmos ou ao seu
background histórico.
A despeito de diversas dificuldades, incluindo uma tendência a ser molda-
do ao seu conteúdo, o rótulo “literatura apocalíptica” permanece uma definição
útil em termos gerais, embora deva ser restringido a casos em que definições pre-
cisas sejam desnecessárias ou inapropriadas. Ele engloba, potencialmente, textos
que funcionam como apocalipses, mas que não são exemplos formais do gênero e,
em termos característicos, uma nebulosa associação de composições cujas defini-
ções permanecem em questão, mas que, tendo em vista determinados fins, podem
ser incluídas numa categoria mais vasta. Conforme a afirmação de Collins, os que
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usam a designação para um determinado texto são responsáveis por identificar de


que forma os constituintes desses textos lembram o corpus central da apocalípti-
ca.43 A designação “apocalíptica”44 descreve uma categoria de textos que admite
apocalipses intimamente relacionados a composições como oráculos apocalípticos
ou testamentos, os quais funcionavam como apocalipses enquanto havia a falta de
um aspecto formal de definição do gênero, por exemplo, como a mediação da re-
velação da figura sobrenatural. Markus Bockmuehl assevera que “o testamento
pode ser mais comum como gênero na apocalíptica do que o próprio apocalipse

41
COLLINS, J. J. Response: The Apocalyptic Worldview of Daniel. In: BOCCACCINI, G. (Ed.).
Enoch and Qumran Origins: New Light on a Forgotten Connection, p. 59-66; aqui p. 59; Idem.
Prophecy, Apocalypse and Eschatology: Reflections on the Proposals of Lester Grabbe. In:
GRABBE, L.; HAAK, R. D. (Ed.). Knowing the End from the Beginning, p. 44-52; aqui p. 47;
Idem. Genre, Ideology, and Social Movements in Jewish Apocalypticism, juntamente com Appen-
dix: A New Proposal on Apocalyptic Origins. In: Op. cit. p. 13. Cf. também ADLER, W. Introduc-
tion. In: VANDERKAM, J. C.; ADLER, W. (Ed.). The Jewish Apocalyptic Heritage in Early
Christianity, p. 1-31.
42
KOCH, Klaus. The Rediscovery of Apocalyptic, p. 23.
43
COLLINS, J. J. Prophecy, Apocalypse and Eschatology: Reflections on the Proposals of Lester
Grabbe. In: Op. cit. p. 44-52.
44
No presente trabalho, empregamos a designação apocalíptica com certa parcimônia, procurando
seguir a orientação de justificar seu uso. Em linha geral, essa literatura inclui conflito, escatologia e
universalismo. A história humana e a cósmica pertencem conjuntamente a um desdobramento do
grande e dramático conflito entre bem e mal. A era de conflito será difícil e amarga, mas se encer-
rará brevemente. O triunfo do bem, liderado por sua divindade, está assegurado, e junto com ele o
triunfo de seu povo. Essa vitória se alcançará não por desenvolvimento natural, mas ou por revolu-
ção ou, preferivelmente, por uma intervenção catastrófica e sobrenatural. A própria divindade do-
minará sobre a história em um ato poderoso de julgamento e estabelecerá seu reino. Essa noção de
final da história é um tema recorrente nessa literatura, e é esse fim que dá sentido ao presente e ao
passado; e, também nele, todas as coisas, na Terra e no Céu, receberão sua recompensa merecida.
52

em si mesmo”.45
Para Gerhard Von Rad, a apocalíptica não representaria um “gênero” espe-
cífico do ponto de vista literário. Pela história das formas ela é, na verdade, um
mixtum compositum que levaria a uma pré-história muito complexa do ponto de
vista da história das tradições.46
J. G. Gammie também assevera que a literatura apocalíptica não constitui
um bloco monolítico. Ele classifica as variadas formas literárias da apocalíptica
como “subgêneros”:
Os subgêneros recorrentes da literatura apocalíptica são: comunicação de visão,
vaticínio ex eventu, parêneses, gêneros litúrgicos (bênçãos, lamento, hinos e ora-
ções), sabedoria natural, estórias, fábulas, alegorias, diálogos, enigmas, mashal ou
47
parábola, interpretação de profecia ou pesharim e previsões escatológicas.

De qualquer forma, as definições de Collins têm sido aperfeiçoadas, refor-


muladas, ratificadas e criticadas. Diversos trabalhos que contribuíram para a dis-
cussão aparecem no volume de Uppsala citado acima, embora os participantes da
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conferência não tenham conseguido chegar a um consenso sobre uma definição


comum. Desses, a contribuição de Sanders é possivelmente a mais crítica.48 Rea-
gindo a uma aparente incapacidade por parte dos muitos exemplos do gênero usa-
dos para refletir a maioria de seus elementos característicos, ele avança para uma
definição essencial do apocalipse centrando-se na revelação e promessa de reden-
ção ou justificação de um determinado grupo.49 Essa definição é suficientemente
ampla para incluir muitos dos escritos proféticos e é o motivo provável pelo qual
os estudiosos falharam em adotá-la. Além disso, Sanders já supõe há muito o no-
mismo de aliança, o qual ele distingue tanto como padrão de religião comum ao
judaísmo antigo quanto como um elemento central de apocalipses como 1 Eno-
que.50 Collins cita numerosos textos para opor-se à tese de Sanders e observa que

45
BOCKMUEHL, M.N.A. Revelation and Mystery in Ancient Judaism and Pauline Christianity,
p. 24, nota 2 (grifo no original).
46
VON RAD, G. Daniel e a apocalíptica. In: Teologia do Antigo Testamento, p. 723-744; aqui p.
738, n. 453.
47
GAMMIE, J. G. The Classification, Stages of Growth, and Changing Intentions in the Book of
Daniel. JBL 95.2 (1976), p. 191-204; aqui p. 193.
48
SANDERS, E. P. The Genre of Palestinian Jewish Apocalypses. In: HELLHOLM, D. (Ed.).
Apocalypticism in the Mediterranean World and the Near East, p. 447-459.
49
Ibidem, p. 456.
50
Sanders define “monismo de aliança” como sendo “a visão de que a posição ocupada pelo indi-
víduo no plano de Deus é estabelecida com base na aliança e que esta exige do homem, como res-
posta apropriada, a obediência aos seus mandamentos, ao mesmo tempo provendo meios de expia-
ção pelas transgressões (...) A obediência mantém a posição do indivíduo na aliança, mas não con-
quista a graça de Deus como tal (...) Justiça, no judaísmo, é um termo que implica a manutenção da
53

a reivindicação por revelação especial feita pelos apocalipses é em grande parte


incompatível com o conceito de Torá, publicamente bastante difundido à época51.
Essa reivindicação é também a base para a criação e adesão de uma identidade dis-
tinta, o que explica, sociologicamente, que o apocalipsismo tende a se inclinar ao
sectarismo.
Christopher Rowland propõe um diferente tipo de argumento. Ao invés de
extirpar elementos específicos da definição do gênero, ele defende a eliminação de
toda a categoria de conteúdo. O que permanece é um gênero definido unicamente
pela sua forma literária, que ele distingue como a revelação dos mistérios celes-
tes.52 Significativamente, sua definição não relaciona apocalipses à escatologia,53
embora ela proponha uma conexão com misticismo.
Por um lado, muitos estudiosos não aceitam a tese de Rowland. Uma obje-
ção óbvia é que a revelação dos mistérios celestes caracteriza um espectro abran-
gente de literatura de prognóstico, incluindo a adivinhação, a profecia e oráculos,
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e assim ainda deixa o problema da diferenciação entre o gênero apocalíptico e es-


sas outras formas literárias.54 Além disso, uma apreciação do conteúdo faz distin-
ção entre apocalipses e uma categoria mais ampla de revelação de mistérios celes-
tes, e desde que os apocalipses são notavelmente mais preocupados com escatolo-
gia, seria “unilateral” omitir essa preocupação já a partir da definição.55 Em uma
investigação sobre sabedoria esotérica e escatologia, Owen conclui que a literatura
apocalíptica do Período do Segundo Templo é abundantemente preocupada com

condição social entre o grupo dos eleitos” (cf. SANDERS, E. P. Paul and Palestinian Judaism: A
Comparison of Patterns of Religion, p. 75, 420, 544). Em outras palavras, a obediência à Lei nunca
foi considerada um meio de entrar na aliança, mas sim um meio para manter o relacionamento de
aliança com Deus. Sobre isso, Jacob Neusner, embora crítico da metodologia de Sanders, em rese-
nha sobre a obra afirma que “até onde Sanders se propõe a demonstrar a importância do nomismo
da aliança, da eleição, da expiação e de coisas semelhantes para todos os tipos de judaísmo antigo,
seu trabalho pode ser considerado um grande sucesso” (cf. NEUSNER, J. Comparing Judaisms.
HR 18.2 (1978), p. 171-191; aqui p. 180).
51
COLLINS, J. J. Ethos and Identity in Jewish Apocalyptic Literature. In: KONRADT, M.;
STEINERT, U. (Ed.). Ethos und Identität: Einheit und Vielfalt des Judentums in hellenistisch-
römischer Zeit, p. 51-65.
52
Cf. ROWLAND, C. The Open Heaven: A Study of Apocalyptic in Judaism and Early Christiani-
ty, p. 12.
53
Cf. STEGEMANN, H. Die Bedeutung der Qumranfunde für die Erforschung der Apokalyptik.
In: HELLHOLM, D. (Ed.). Op. cit. p. 495-530.
54
Cf. o tratamento da questão, por exemplo, em MALINA, Bruce J. On the Genre and Message of
Revelation: Star Visions and Sky Journeys (1995); GRABBE, L. L. Prophetic and Apocalyptic:
Time for New Definitions – and New Thinking. In: GRABBE, L. L.; HAAK, R. D. (Ed.). Knowing
the End from the Beginning, p. 107-133.
55
COLLINS, J. J. The Apocalyptic Imagination, p. 10; Idem. Genre, Ideology, and Social Move-
ments in Jewish Apocalypticism. In: COLLINS, J. J.; CHARLESWORTH, J. H. (Ed.). Mysteries
and Revelations, p. 11-32; aqui p. 15; WEBB, R. L. ‘Apocalyptic’: Observations on a Slippery
Term. JNES 49.2 (1990), p. 115-126.
54

escatologia, à qual um interesse em segredos celestiais é subordinado.56


Por outro lado, o trabalho de Rowland revelou-se um catalisador para vá-
rios exames criteriosos na definição e classificação do tema, particularmente a re-
lação formal entre apocalipses e outras formas de revelação de conhecimento. Da-
vies, por exemplo, modifica a definição de Rowland com alguns elementos de
Collins: trata-se de “uma comunicação literária de conhecimento esotérico, supos-
tamente mediado por uma figura celeste para (normalmente) uma figura renomada
do passado”.57 Essa definição inclui elementos formais que podem separar o apo-
calipse, por exemplo, da profecia, simultaneamente evitando qualquer menção aos
conteúdos da comunicação de conhecimento esotérico. Bauckham acrescenta certo
conteúdo ao conceito central de revelação: “Os apocalipses são uma literatura de
revelação na qual os videntes recebem, por agente celestial, revelação dos misté-
rios da criação e do cosmos, história e escatologia”.58
Como Rowland, Grabbe concentra sua atenção sobre a noção da revelação
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dos segredos divinos, mas vê isso como um elemento comum nas literaturas profé-
tica, apocalíptica e mântica.59 Sturm se concentra sobre o conceito teológico em
detrimento do gênero apocalíptico, uma abordagem que ilumina o conceito central
de revelação.60 Bilde assevera que “o núcleo da mensagem apocalíptica e dos li-
vros apocalípticos pode ser descrito como o desmascaramento dos planos secretos
de Deus”.61
Alguns criticaram a definição de gênero apocalíptico da SBL como sendo
não-histórica.62 Collins responde sublinhando o caráter fundamentalmente históri-

56
OWEN, Paul. The Relationship of Eschatology to Esoteric Wisdom in the Jewish Pseudepigra-
phal Apocalypses. In: EVANS, Craig A. (Ed.). Of Scribes and Sages: Early Jewish Interpretation
and Transmission of Scripture, p. 122-133. v. 2.
57
DAVIES, P. R. The Social World of Apocalyptic Writings. In: CLEMENTS, R. E. (Ed.). The
World of Ancient Israel: Sociological, Anthropological and Political Perspectives, p. 251-271;
aqui p. 254.
58
BAUCKHAM, R. Apocalypses. In: CARSON, D.A.; O’BRIEN, P.T.; SEIFRID, M.A. (Ed.).
Justification and Variegated Nomism: The Complexities of Second Temple Judaism, p. 135-187. v.
1; aqui p. 135.
59
GRABBE, L. L. Prophetic and Apocalyptic: Time for New Definitions – and New Thinking. In:
Op. cit. p. 107-133; aqui, especialmente p. 123.
60
STURM, R. E. Defining the Word ‘Apocalyptic’: A Problem in Biblical Criticism. In: MAR-
CUS, J.; SOARDS, M. L. (Ed.). Apocalyptic and the New Testament: Essays in Honor of J. Louis
Martyn, p. 17-48.
61
BILDE, P. Gnosticism, Jewish Apocalypticism, and Early Christianity. In: JEPPESEN, K.;
NIELSEN, K.; ROSENDAL, B. (Ed.). In the Last Days: On Jewish and Christian Apocalyptic and
Its Period, p. 9-32; aqui p. 20.
62
Cf., por exemplo, RUDOLPH, K. Apokalyptik in der Diskussion. In: HELLHOLM, D. (Ed.).
Apocalypticism in the Mediterranean World and the Near East, p. 771-789; TIGCHELAAR, E. J.
C. More on Apocalyptic and Apocalypses. JSJ 18.2 (1987), p. 137-144; e a resenha da obra de
Uppsala em GARCÍA MARTÍNEZ, F. Encore l’apocalyptique. JSJ 17.2 (1986), p. 224-232.
55

co da definição e elementos inerentes ao estudo do tema, bem como a complemen-


tação dos aspectos sincrônicos e diacrônicos do estudo de qualquer gênero literá-
rio.63 Na mesma obra, Hellholm postula uma definição mais estruturada de um
gênero literário; ele discute abordagens paradigmáticas e sintagmáticas para as
análises de textos como entidades de gênero, as definições de textos isolados ou
em grupos de gênero, e a relação entre revelação e apocalipse. Ele assevera que
definições hierárquicas são a chave para a compreensão de gêneros literários. Es-
pecificamente, o gênero apocalíptico é uma espécie de escrito de revelação, o qual
inclui escritos proféticos e oráculos e que consiste em três subgêneros: apocalipses
com jornadas transcendentais, sem jornadas, e com ambos (com e sem).64
Os treze “elementos-paradigma” e as seis tipologias promulgadas pelo
grupo da SBL em Semeia 1465 foram ocasionalmente mais tarde usados com rigor
exagerado por aqueles que talvez não tenham compreendido a função de paradig-
ma ou tipologia ou não souberam avaliar a precisa relação de cada um dos dois
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com a evidência literária. Em verdade, os membros da SBL tendiam a não empre-


gar ou até mesmo a não citar de forma completa o paradigma ou tipologia em suas
publicações posteriores. O próprio Collins observa que, enquanto as distinções
mais sutis da classificação original permanecem precisas, “Eu as encontrei menos
importantes em meu trabalho posterior”.66
Apesar de amplamente divulgadas e usadas, as distinções entre apocalipse,
apocalipsismo e escatologia apocalíptica não acharam consenso em nível mundial.
Frequentemente este é o resultado de um uso acrítico da terminologia. Collins as-
severa que a escola britânica permanece mais inclinada a resistir à divisão triparti-
da.67 Nesse caso específico, parece que a influência de Rowland é mais forte, em-
bora se possa suspeitar que tenha sido mais o resultado da difusão geral de suas
ideias do que exatamente uma influência direta. Bauckham, por exemplo, assevera

63
COLLINS, J. J. Genre, Ideology, and Social Movements in Jewish Apocalypticism. In: COL-
LINS, J. J.; CHARLESWORTH, J. H. (Ed.). Mysteries and Revelations, p. 11-32.
64
HELLHOLM, D. Methodological Reflections on the Problem of Definition of Generic Texts. In:
COLLINS, J. J.; CHARLESWORTH, J. H. (Ed.). Op. cit. p. 135-163.
65
Cf. especialmente COLLINS, J. J. The Jewish Apocalypses. In: Apocalypse: The Morphology of
a Genre. Semeia 14 (1979), p. 21-59.
66
COLLINS, J. J. Genre, Ideology, and Social Movements in Jewish Apocalypticism. In: Op. cit.
p. 14.
67
Idem. Prophecy, Apocalypse and Eschatology: Reflections on the Proposals of Lester Grabbe.
In: GRABBE, Lester L.; HAAK, R. D. (Ed.). Knowing the End from the Beginning, p. 44-52; aqui
p. 44-45.
56

que “a apocalíptica não é uma ideologia, mas sim um gênero”.68 Grabbe continua
a utilizar o substantivo “apocalíptico” para descrever um corpo de literatura,69 em-
bora ele também empregue “literatura apocalíptica”, a qual pode ser ou não um
substituto para “escritos apocalípticos e afins”.70 Davila também emprega o termo
“apocalíptico” para se referir a uma coleção de textos literários.71 Neste aspecto,
Collins refuta tanto Grabbe quanto Davila.72
Bloomquist mantém o rótulo de “apocalíptico” à luz de sua crítica acerca
da inadequação das atuais definições.73 García Martínez também prefere o termo,
“pela falta de um nome melhor”.74 Ele define “apocalíptico” como uma corrente
conceitual originada na tradição profética ou sapiencial, mas moldada durante um
longo período de tempo dentro do contexto cultural e religioso da época do Juda-
ísmo do Segundo Templo, no qual essa corrente reagiu de forma interativa com
outras correntes de pensamento, e em diferentes obras hoje designadas “apocalip-
ses”.75 Boccaccini, ao descrever a contribuição da escola italiana para o estudo dos
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apocalipses antigos e do apocalipsismo, deixa entrever que, em certa medida, o


ponto de partida da discussão foi a ideologia em vez do gênero.76 Dimant define
um apocalipse como “um discurso em primeira pessoa relacionado à revelação
divina concedido a um sábio visionário e interpretado por meio de sabedoria divi-
na”.77 Para Tigchelaar, “apocalíptico” é propriamente um modo de pensar, em vez
de uma expressão literária. Isso pode ser aplicado a um tipo de escatologia, mas
somente com a percepção de que a escatologia apocalíptica não é monolítica no

68
BAUCKHAM, R. Apocalypses. In: CARSON, D.A.; O’BRIEN, P.T.; SEIFRID, M.A. (Ed.).
Justification and Variegated Nomism, p. 135-187. v. 1; aqui p. 135.
69
GRABBE, L. L. Poets, Scribes or Preaches? The Reality of Prophecy in the Second Temple Pe-
riod. In: GRABBE, Lester L.; HAAK, R. D. (Ed.). Op. cit. p. 192-215; Idem. Prophetic and Apo-
calyptic: Time for New Definitions - and New Thinking. In: Ibidem, p. 107-133.
70
Idem. Poets, Scribes or Preaches? The Reality of Prophecy in the Second Temple Period. In:
Ibidem, p. 197.
71
DAVILA, J. R. The Animal Apocalypse and Daniel. In: BOCCACCINI, G. (Ed.). Enoch and
Christian Origins: New Light on a Forgotten Connection, p. 35-38; aqui p. 36.
72
COLLINS, J. J. Response: The Apocalyptic Worldview of Daniel. In: BOCCACCINI, G. (Ed.).
Op. cit. p. 59-66; aqui p. 59-60.
73
BLOOMQUIST, L. Gregory. Methodological Criteria for Apocalyptic Rhetoric: A Suggestion
for the Expanded Use of Sociorhetorical Analysis. In: CAREY, G.; BLOOMQUIST, L. G. (Ed.).
Vision and Persuasion: Rhetorical Dimensions of Apocalyptic Discourse, p. 181-203.
74
GARCÍA MARTÍNEZ, Florentino. Qumran and Apocalyptic: Studies on the Aramaic Texts
from Qumran, p. x.
75
Ibidem, p. x, nota 9.
76
BOCCACCINI, G. Jewish Apocalyptic Tradition: The Contribution of Italian Scholarship. In:
COLLINS, J. J.; CHARLESWORTH, J. H. (Ed.). Mysteries and Revelations, p. 33-50.
77
DIMANT, D. Apocalyptic Texts at Qumran. In: ULRICH, E.; VANDERKAM, J. (Ed.). The
Community of the Renewed Covenant: The Notre Dame Symposium on the Dead Sea Scrolls, p.
175-191; aqui p. 179.
57

tipo e nem limitada aos apocalipses em suas manifestações. Sobre gênero e ideo-
logia, ele afirma:
A própria distinção entre um gênero “apocalíptico” e um modo apocalíptico é a-
penas um modelo para explicar as enormes diferenças entre os textos que são to-
dos chamados apocalípticos por uma razão ou outra. Uma aplicação rígida desse
modelo possui dois inconvenientes. O modelo não serve para explicar esses textos
em si mesmos, mas apenas sua relação com um problema surgido a partir de ou-
tros textos. Portanto, essa abordagem provavelmente não produzirá uma nova
perspectiva acerca do problema da apocalíptica. Finalmente, a distinção proposta
entre um gênero apocalíptico e um modo apocalíptico pode não corresponder a
todos os aspectos de forma e conteúdo nos textos chamados proto-apocalípticos.
Primeiramente, pode-se perguntar em que extensão um gênero corresponde à
forma e um modo está relacionado ao conteúdo. Em segundo lugar, a distinção
tradicional entre forma e conteúdo pode ser útil em alguns aspectos, mas, uma vez
que essas são categorias de diferentes tipos, não será possível diferenciá-las cla-
78
ramente em qualquer texto individualmente.

M. Saebo afirma que a “apocalíptica” é simultaneamente um fenômeno te-


ológico e literário, com alguma relação tanto com a “profecia” quanto com a “sa-
bedoria”.79 De igual modo, Bockmuehl emprega “apocalíptica” para descrever
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tanto o gênero literário quanto a “perspectiva teológica”.80 S. L. Cook argumenta


que “apocalipsismo” é ao mesmo tempo gênero, cosmovisão e fenômeno históri-
co-social.81 Todos esses citados representam apenas uma pequena amostra das
múltiplas variações sobre o tema: a definição de apocalíptico ou apocalíptica.
David Sim sustenta que apocalipses e apocalipsismo não estão necessaria-
mente vinculados: algumas expressões clássicas da escatologia apocalíptica não
aparecem em apocalipses, enquanto vários apocalipses contêm quase nenhum ma-
terial escatológico. Ele questiona a distinção de Collins entre apocalipses históri-
cos e apocalipses transcendentais, e considera que uma análise atenta de cada um
dos tipos leva à conclusão de que o problema básico é que existem de fato dois
tipos de apocalipsismo: o primeiro, escatológico, prevê o fim da história, ao passo
que o segundo, místico, aguarda com expectativa a recompensa individual no pós-
morte. Sim observa que houve um fluxo distinto no Judaísmo do Segundo Templo

78
TIGCHELAAR, E.J.C. Prophets of Old and the Day of the End: Zechariah, the Book of Watch-
ers, and Apocalyptic, p. 243.
79
SAEBO, M. Old Testament Apocalyptic in Its Relation to Prophecy and Wisdom: The View of
Gerhard von Rad Reconsidered. In: JEPPESEN, K.; NIELSEN, K.; ROSENDAL, B. (Ed.). In the
Last Days: On Jewish and Christian Apocalyptic and Its Period, p. 78-91; aqui p. 85-87.
80
BOCKMUEHL, M. N. A. Revelation and Mystery in Ancient Judaism and Pauline Christianity,
p. 24.
81
COOK, S. L. Mythological Discourse in Ezekiel and Daniel and the Rise of Apocalypticism in
Israel. In: GRABBE, Lester L.; HAAK, R. D. (Ed.). Knowing the End from the Beginning, p. 85-
106; aqui p. 85.
58

por trás de cada tipo.82


No entanto, pode-se observar que a forma presente de Dn 10-12 e qualquer
forma literária anterior a 70 d.C. de 1 Enoque que contenha o Livro dos Vigilantes
e o Apocalipse dos Animais enfraquecem esse argumento.
Outras concepções de apocalipsismo ampliam ou complementam as con-
cepções propostas por Hanson ou Collins. Detectando a ênfase contínua em ele-
mentos históricos como característicos da escatologia apocalíptica, Himmelfarb
levanta a questão “se a transcendência é a chave para os apocalipses, precisamos
ainda perguntar: Que tipo de transcendência?”.83 Acerca do tema do 1 Enoque,
mas referindo-se ao apocalipsismo em geral, Nickelsburg observa que a revelação
é uma “parte inseparável” da visão de mundo.84 Para os três componentes básicos
da definição, Torleif Elgvin adiciona o elemento social da eclesiologia: a relação
entre revelação e a comunidade escatológica escolhida particularmente para essa
revelação.85 David Aune acrescenta à definição de Hanson de apocalipsismo o
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componente do linguajar da escatologia apocalíptica, ou seja, o fato de que “temas


e motivos encontrados em uma variedade de configurações literárias deixaram de
ser usados no contexto estrutural de uma cosmovisão apocalíptica coerente”.86 Pa-
ra as dimensões espaciais e temporais da definição de gênero estabelecida por Col-
lins, Kreitzer também acrescenta uma terceira dimensão, a dimensão antropológi-
ca.87
J. W. Marshall define a visão de mundo apocalíptica como “a amplitude do
contexto, o alcance além dos modos empíricos de conhecimento, o uso intertextual
particular, a expectativa de uma intervenção de além da fronteira, e a forte preo-
cupação moral”.88 Gruenwald postula três ramos de apocalipsismo, um com rela-

82
SIM, David C. Apocalyptic Eschatology in the Gospel of Matthew, p. 21-92.
83
HIMMELFARB, M. The Experience of the Visionary and Genre in the Ascension of Isaiah 6-11
and the Apocalypse of Paul. In: YARBRO COLLINS, Adela (Ed.). Early Christian Apocalyptic-
ism: Genre and Social Setting. Semeia 36 (1986), p. 97-111; aqui p. 109.
84
NICKELSBURG, G.W.E. The Apocalyptic Construction of Reality in 1 Enoch. In: COLLINS,
J. J.; CHARLESWORTH, J. H. (Ed.). Mysteries and Revelations, p. 51-64.
85
ELGVIN, Torleif. Wisdom with and without Apocalyptic. In: FALK, D. K.; GARCÍA
MARTÍNEZ, F.; SCHULLER, E. M. (Ed.). Sapiential, Liturgical, and Poetical Texts from Qu-
mran: Proceedings of the Third Meeting of the International Organization for Qumran Studies,
Oslo, 1998, p. 15-38; aqui p. 16.
86
AUNE, David E. Transformations of Apocalypticism in Early Christianity. In: GRABB, Lester
L.; HAAK, R. D. (Ed.). Op. cit. p. 54-64; aqui p. 56,
87
KREITZER, L. J. Apocalyptic, Apocalypticism. In: MARTIN, R. P.; DAVIDS, P. H. (Ed.).
DLNTD, p. 61-66.
88
MARSHALL, J. W. Apocalypticism and Anti-Semitism: Inner-Group Resources for Inter-Group
Conflicts. In: KLOPPENBORG, J. S.; MARSHALL, J. W. (Ed.). Apocalypticism, Anti-Semitism
and the Historical Jesus: Subtexts in Criticism, p. 68-82; aqui p. 70.
59

ção às histórias do Gênesis, outro conectando os profetas desde Moisés até Sofo-
nias, e um terceiro ligado a figuras contemporâneas à destruição do Primeiro ou do
Segundo Templo.89 Mais tarde, em outro ensaio, ele reduz esse número a dois ra-
mos: o da época pré-diluviana e o de circunstâncias de pós-destruição.90
Por fim, o tema da escatologia apocalíptica possui fortes pontos de contato
com várias outras questões importantes. A expectativa de julgamento individual
no pós-morte como uma característica definidora de escatologia apocalíptica é
suscetível de ser qualificada por um determinado ponto de vista sobre a interpreta-
ção de trechos críticos, como Is 26,14.19 e Ez 37,1-14, e, possivelmente, também
sobre o valor da categoria “proto-apocalíptica”. Muitas questões acerca da escato-
logia apocalíptica ainda precisam ser mais bem respondidas; algumas são funda-
mentais, como a relação entre escatologia e gênero, e têm sido respondidas satisfa-
toriamente;91 já outras apontam para caminhos os quais os estudos acadêmicos no
século XXI estão trilhando: (1) se a designação de “apocalíptico” deve ser reser-
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vada para os textos que claramente presumem ou pressupõem revelação; (2) se ela
deveria ser aplicada a textos cuja revelação base é de fato um apocalipse; (3) se a
escatologia dualística, mítica provém de textos de revelação; (4) se a autoridade é
concedida aos autores de semelhantes textos por meio de tal revelação.

2.2. O discurso apocalíptico

Linguajar apocalíptico e discurso estão intimamente relacionados e consti-


tuem uma ampliação da visão de mundo que pressupõe e confirma a ideologia da
apocalíptica e que, em última análise, desempenha um papel na produção dos apo-
calipses.92
O linguajar dos apocalipses é poético, expressivo, repetitivo, cheio de alu-
sões mitológicas e a livros sagrados, sendo assim, a partir de uma perspectiva mo-

89
GRUENWALD, I. The Cultural Setting of Enoch-Apocalypticism: New Reflections. Henoch 24
(2002), p. 213-223.
90
Idem. Apocalypticism and the Religion and Ritual of the “Pre-Sinaitic” Narratives. In: BOC-
CACCINI, G. (Ed.). Enoch and Qumran Origins, p. 148-151.
91
Importantes questões sobre a revelação e função da escatologia apocalíptica em Qumran são
levantadas por NICKELSBURG, G. W. E. The Nature and Function of Revelation in 1 Enoch,
Jubilees, and Some Qumranic Documents. In: CHAZON, E. G.; STONE, M. E. (Ed.). Pseudepi-
graphic Perspectives: The Apocrypha and Pseudepigrapha in Light of the Dead Sea Scrolls. Pro-
ceedings of the International Symposium of the Orion Center for the Study of the Dead Sea Scrolls
and Associated Literature, 12-14 January 1997, p. 91-119; aqui especialmente p. 112-113.
92
Para um tratamento inicial do tema, cf. WILDER, Amos N. The Rhetoric of Ancient and Mod-
ern Apocalyptic. Int 25.4 (1971), p. 436-453.
60

derna, inconsistentes ou mesmo incoerentes. De acordo com Aune e Stewart, a


especulação escatológica na literatura apocalíptica do Período do Segundo Templo
“parece resistente à consistência e coerência”, pois contém o que aos olhos mo-
dernos pode parecer um amálgama de cenários desordenados, contraditórios ou
inconsistentes.93 Além disso, o vocabulário dos textos apocalípticos é caracteristi-
camente enigmático e projeta certo grau de mistério e indeterminação que permite
várias compreensões e interpretações, e em muitos casos concomitantes.
De fato, as características dos escritos apocalípticos assinaladas pelos auto-
res em geral incluem o transcendentalismo, a mitologia, a descrição cosmológica,
a unidade da história e descrição pessimista dela, o dualismo com a doutrina das
Duas Eras, a divisão do tempo em períodos, a numerologia, o pseudoêxtase, rei-
vindicações artificiais de inspiração, pseudonímia e esoterismo.94 Russel especifi-
ca essas características gerais como sendo: a concepção da história cósmica relati-
va à Terra e céu, a ideia da originalidade das revelações desses escritos concernen-
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tes à criação e queda dos homens e dos anjos, a fonte do mal no universo e a parte
desempenhada nele por influências angelicais, e o conflito entre bem e mal (que se
dá na forma de luz e trevas, ou Deus e Satanás); além disso, ele acrescenta o sur-
gimento de uma figura transcendental chamada “Filho do Homem” e o desenvol-
vimento da crença em vida após a morte em seus vários compartimentos (como
Inferno, Geena, Paraíso e Céu), com a progressiva ênfase no aspecto individual da
ressurreição e do juízo. Tais aspectos dariam, segundo ele, a impressão de perten-
cerem a um modo particular de pensamento e de crença.95
Quanto às características estritamente literárias (sem levar em conta o con-
teúdo da mensagem), Russell distingue quatro, as quais, além de identificar o mé-
todo adotado pelos apocalípticos, acentuam a diferença de seus escritos para com
os escritos proféticos: o caráter esotérico, a formulação por escrito, o linguajar
simbólico e a pseudonímia da autoria.96 Segundo ele, o caráter esotérico reside no
fato de que os livros apocalípticos alegam ser revelações de segredos divinos fei-
tas a certos indivíduos ilustres, os quais as registraram para instrução e encoraja-
mento aos justos e eleitos entre o povo de Deus. Esses segredos normalmente são

93
AUNE, D.; STEWART, E. From the Idealized Past to the Imaginary Future: Eschatological Res-
toration in Jewish Apocalyptic Literature. In: SCOTT, James M. (Ed.). Restoration: Old Testa-
ment, Jewish, and Christian Perspectives, p. 147-177; aqui p. 175.
94
Cf. RUSSELL, D. S. The Method and Message of Jewish Apocalyptic, p. 105.
95
Ibidem.
96
Ibidem, p. 107-139.
61

conhecidos através de um sonho ou visão em que um visionário é tomado e levado


ao Céu ou ao Hades. A visão pode consistir de uma recapitulação da história do
mundo até a época na qual o visionário e escritor está supostamente vivendo. Por
vezes, um guia angelical explica ao visionário o significado dos acontecimentos
no Céu e na Terra, incluindo o destino e julgamento do mundo, a vinda do Reino
de Deus, o castigo dos maus e recompensa dos justos. Podemos verificar que, nes-
te caso, trata-se dos apocalipses de “viagens” transcendentais propostos por Col-
lins.
Em três desses livros (1 Enoque, Jubileus e Testamento dos XII Patriarcas)
é feita referência a “tabuletas celestiais” nas quais estão registrados os segredos
das Eras, sendo que somente alguns altamente privilegiados têm permissão para
ler e copiar em seus livros secretos. Esses livros eram então finalmente revelados
aos tementes a Deus, o que constituía um sinal de que o mundo estava se dirigindo
para o seu fim, o qual estava próximo, trazendo com ele o cumprimento dos eter-
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nos propósitos divinos.


A segunda característica literária desses escritos, segundo Russell, é o fato
de os apocalipses transmitirem sua mensagem por escrito, diferentemente da tradi-
ção profética. Os profetas, em sua maior parte, declaram sua mensagem de forma
oral, sendo redigida posteriormente por eles, seus discípulos ou, bem mais tarde,
por editores. No período pós-exílico, a profecia passou a ser formulada na forma
escrita, com o surgimento de muitos oráculos anônimos; entretanto, eram atribuí-
dos às falas dos grandes profetas do passado, buscando a autoridade no “assim diz
o Senhor” daqueles profetas. Os apocalípticos, ao contrário, asseguram que sua
mensagem foi escrita em um passado distante, pois deveria ser preservada por vá-
rias gerações até o fim, o qual estava próximo.
A terceira característica é justamente o linguajar simbólico. Para expressar
cenas de altíssima dramaticidade, não seria eficiente utilizar o linguajar sóbrio da
prosa comum; para tanto, os apocalipses utilizam um linguajar imaginativo, extra-
vagante e exótico, com muitas figuras fantásticas e bizarras. Por vezes, as figuras
são reinterpretadas, fazendo com que não haja garantia de mesmo significado de
um livro para outro. Com certeza, empréstimos foram feitos à mitologia babilôni-
ca, usando seus equivalentes judaicos, como a figura de Tiamat, reconhecida como
Dragão, Leviatã, Raab ou Serpente, monstro primevo do Caos.
Assim, muitos símbolos nesses escritos têm origem mitológica; entretanto,
62

às vezes são figuras que não têm origem mitológica, como o caso da visão dos
quatro animais em Dn 7 (leão com asas de águia, urso com três costelas na boca,
leopardo com quatro asas e quatro cabeças, e um grande animal com dez chifres e
grandes dentes de ferro). Com certeza, esses símbolos eram parte de material tra-
dicional cujo uso ajudava a manter o senso esotérico de segredo e mistério. Tal
simbologia aparece também em relação aos números, como o três, o quatro, o sete,
dez, doze e setenta, ou múltiplos deles, com uso recorrente nos escritos apocalípti-
cos.
De fato, os elementos míticos desempenham um importante papel no lin-
guajar apocalíptico, refletindo inclusive antigos mitos no conteúdo de certos apo-
calipses, particularmente os mais antigos.97
A quarta característica literária é a autoria pseudonímica (no caso de Dani-
el, o apocalipse mais maduro do AT, os seis primeiros capítulos são de autoria a-
nônima e os demais pseudônimos). As visões são creditadas a grandes nomes do
passado; suas revelações se dão na forma de profecia ex eventu. 98
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Essas características apontadas por Russell e outros autores são importan-


tes especialmente por três razões: primeiramente, o alto grau de repetição e incon-
sistência torna os métodos acadêmicos, críticos, menos eficazes como ferramentas
para a análise da história e da redação do texto. Repetições textuais ou inconsis-
tências, por exemplo, não são evidência prioritária de múltiplos estratos literários.
No entanto, a estrita aplicação desse argumento, ou seja, da ineficácia dos méto-
dos acadêmicos, pode ser potencialmente incompatível com a função de apocalip-
ses do tipo histórico. Em segundo lugar, as qualidades enigmáticas e alusivas dos
dados revelados permitem a repetição de eventos esperados ou motivos, frequen-
temente a partir de pontos de vista divergentes. Este dispositivo, cuja designação
formal é “recapitulação”, desempenha um papel importante em vários apocalipses
que apresentam elementos histórico-políticos, incluindo-se aqui o livro do Apoca-
lipse.99 Terceiro, essas qualidades permitem interpretações múltiplas ou até mes-
mo sequenciais. Por exemplo, Dn 9 reinterpreta as setenta semanas de Jr 25,11-12;
29,10; a Visão da Águia de 4Esd 11-12 reinterpreta a quarta besta de Dn 7.
No caso do Livro do Apocalipse, seu linguajar, símbolos e técnicas narra-

97
Cf. especialmente HANSON, P. D. The Dawn of Apocalyptic: The Historical and Sociological
Roots of Early Jewish Apocalyptic Eschatology, p. 292-388.
98
Sobre a pseudonímia dos escritos apocalípticos, trataremos adiante.
99
Cf. YARBRO COLLINS, Adela. The Book of Revelation. In: COLLINS, J. J. (Ed.). The Encyc-
lopedia of Apocalypticism, p. 384-414. v. 1.
63

tivas evocam e reforçam a resposta de medo e ressentimento da ordem romana


entre os destinatários do livro.100 Ao mesmo tempo, o véu que encobre a realidade
oculta do Jesus exaltado, o controlador da história e do destino, é removido, e a
verdadeira ordem das coisas é revelada. Isso permite a intenção catártica do livro:
por meio dela a destruição dos inimigos dos fiéis e a garantia da restauração esca-
tológica dos oprimidos permite à audiência livrar-se dos sentimentos emocional-
mente traumáticos com esta resolução sobrenatural para seu dilema atual.101
Carey define o discurso apocalíptico como uma categoria superior à “lin-
guagem apocalíptica” de Collins, como “a constelação de temas apocalípticos tal
como eles funcionam na maior parte da literatura judaica e cristã primitiva e nos
contextos sociais”.102 Afirma ainda:
Portando, o discurso apocalíptico deve ser tratado como um conjunto flexível de
recursos que os antigos judeus e cristãos puderam empregar para uma variedade
de tarefas persuasivas. Sempre que os antigos judeus e cristãos recorreram a te-
mas como visões e revelações, viagens celestiais, catástrofes finais, e assim por
103
diante, eles estavam usando discurso apocalíptico.
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Assim, o discurso apocalíptico não se limitaria a gênero, ideologia ou esca-


tologia, mas atua com esse “conjunto flexível de recursos”.
Bloomquist analisa os critérios metodológicos para o estudo da retórica
apocalíptica.104 Em sua opinião, as tentativas para se definir “apocalíptica” (termo
que ele usa deliberadamente) são arbitrárias e têm sido minadas pelo fato de que

100
YARBRO COLLINS, Adela. Persecution and Vengeance in the Book of Revelation. In:
HELLHOLM, D. (Ed.). Apocalypticism in the Mediterranean World and the Near East, p. 729-
749; Idem. Crisis and Catharsis: The Power of the Apocalypse (1984). Yarbro Collins retorna ao
assunto da retórica apocalíptica em um ensaio sobre temas apocalípticos na literatura bíblica (cf.
Idem. Apocalyptic Themes in Biblical Literature. Int 53.2 (1999), p. 117-130). Ela comenta que
existem dois tipos de temas apocalípticos na literatura bíblica. O primeiro é intrínseco ao gênero
apocalíptico, inclui elementos formais como viagens transcendentais e reivindica visões revelado-
ras, adicionadas às ideias fundamentais relativas ao cumprimento da história encontrado em muitos
exemplos. O segundo contém temas como o do Anticristo e o do mito do combate, menos relacio-
nados ao gênero, mas ainda assim significantes. Ela afirma ainda que o poder da linguagem apoca-
líptica é parcialmente baseado em seu uso de temas e imagens desenfreadamente vívidos, pitores-
cos e míticos para dirigir-se a tensões específicas e preocupações universais de parte de sua audi-
ência.
101
Sobre o linguajar apocalíptico dos primitivos cristãos, cf. também SCHÜSSLER FIORENZA,
E. The Phenomenon of Early Christian Apocalyptic: Some Reflections on Method. In: HELL-
HOLM, D. (Ed.). Op. cit. p. 295-316.
102
CAREY, G. Introduction. Apocalyptic Discourse, Apocalyptic Rhetoric. In: CAREY, Greg;
BLOOMQUIST, L. G. (Ed.). Vision and Persuasion: Rhetorical Dimensions of Apocalyptic Dis-
course, p. 1-17; aqui p. 10.
103
Ibidem. Em outro artigo, Carey enfatiza os meios retóricos pelos quais o discurso apocalíptico