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Pastoral
ISSN: 1984-3755
pistis.praxis@pucpr.br
Pontifícia Universidade Católica do
Paraná
Brasil
ISSN 1984-3755
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
[A]
Rosemary Fernandes da Costa
Resumo
As ações evangelizadoras em suas experiências de iniciação, formação e orientação vem
sendo matéria-prima de estudos, reflexão e avaliação. Mais do que buscar novas metodo-
logias que dialoguem com o nosso tempo, a mistagogia nos fala de uma fundamentação
antropológica e teológica que resgata sua essência e aponta caminhos pastorais. A experi-
ência mistagógica vivida nos séculos III e IV, especialmente com Cirilo de Jerusalém, torna-
-se fontal e orientadora de categorias que dialogam com as comunidades contemporâneas.
A crise da fé nos reclama um novo caminho místico, uma espiritualidade integradora. Pede-
-nos urgência de uma revisão profunda dos processos de orientação religiosa, da vitalidade
das comunidades e do modo concreto de viver a relação religião-mundo e fé-cultura. A
partir do processo de elaboração entre a teologia sistemática e o resgate dessa experiência
fontal, apresentamos algumas contribuições que podem se tornar mais do que memória
viva para nosso presente, mas sementes fecundas nos processos de evangelização atuais.
Abstract
The evangelizing actions in their initiation, formation and guidance experiences have been
raw material of study, reflection and evaluation. Beyond searching for new methodologies
that establish a dialogue with our time, the mystagogy speaks of an anthropological and
theological basis to rescue its essence and point out pastoral paths. The mystagogical ex-
perience in the third and fourth centuries, especially with Cyril of Jerusalem, becomes a
source and guidance of categories that establish a dialogue with contemporary communi-
ties. The crisis of faith reclaim a new mystical path, an integrative spirituality. It requests
from us urgency of a thorough review of religious orientation processes, of the communities
vitality and of the concrete mode of living the religion-world and faith-culture relationships.
From this process of drafting between systematic theology and the rescue of this source
experience, we present some contributions that may become more than alive memory for
our present, but fruitful seeds in the process of current evangelization.
[K]
Keywords: Mistagogy. Cyril of Jerusalem. Pedagogy of faith. Evangelization. Religious
initiation.
Introdução
A mistagogia nos Padres dos séculos III e IV é tudo isso, mas é ain-
da mais, porque não é um conceito que se esgota nas categorias teológi-
cas. O grande liturgista A. Triacca leva em consideração que a mistagogia
dos Padres da Igreja deve ser devidamente fundamentada na dinâmica da
Revelação e na caminhada da Igreja. Não consistia em uma experiência
sentimental, piedosa ou vagamente subjetiva. Por outro lado, também
não se tratava de um encontro “face a face” com o mistério divino, mas,
sim, de uma experiência inaugural, de um plano no qual se adentra até o
encontro definitivo (TRIACCA, 1993).
Sublinhamos, portanto, as duas mãos na dinâmica da revelação
— Deus e a pessoa humana — e, nessa perspectiva, podemos perceber o
caráter ativo e criativo desse processo nos contextos pessoais, comuni-
tários, sociais, históricos e escatológicos. Atuando como fermento nessa
dinâmica, a mistagogia é um fundamento e uma experiência na qual se
entra e se caminha até o encontro definitivo de toda a Criação em Deus.
Na teologia contemporânea, K. Rahner resgata a pedagogia do
Mistério e nos fala na presença da mistagogia na evangelização, como uma
dinâmica na qual o anúncio da fé cristã dialoga com as condições e com as
questões que a pessoa humana traz em si. Essa dinâmica não se limita às
exposições doutrinárias, mas dialoga com a busca da verdade experimen-
tada na vida e na comunidade eclesial. Para K. Rahner, se a evangelização
se detiver na dimensão doutrinária estará errando gravemente, estará
indo contra sua própria essência, pois a mistagogia é “apelo irrompido do
mais íntimo âmago da pessoa humana agraciada” (RAHNER, 1978, p. 48).
K. Rahner está em consonância com a experiência da Igreja primi-
tiva ao afirmar que a mistagogia deve estar presente em todo o processo
T. Federici (1985) apresenta um esquema global detalhado do conteúdo mistagógico nos Padres da Igreja.
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O Concílio de Niceia fixou em seu Credo a identidade de natureza (homoousía) do Filho com o Pai: o Filho é
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homooúsios com o Pai, “da mesma natureza” que o Pai, consubstancial ao Pai. O I Concílio de Constantinopla
(381), na linha de continuidade de Niceia, desenvolve o Credo, especialmente com referência ao Espírito
Santo, à Igreja, ao Batismo, à ressurreição dos mortos e à vida eterna. Pela continuidade e relação entre
esses dois Concílios, o Credo aprovado em Constantinopla foi chamado de niceno-constantinopolitano e,
desde então, é assumido por toda a Igreja (ELORRIAGA, 1991, p. 27-28; PADOVESE, 1999, p. 70-71).
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Para aprofundar os estudos sobre o contexto no qual Cirilo de Jerusalém desenvolve sua ação pastoral,
conferir as excelentes edições críticas: CROSS, 1951; CIRILO DE JERUSALÉN, 1991a; CIRILO DE JERUSALÉN,
1991b; CIRILO DE JERUSALÉN, 2006; TELFER, 1955; CYRILLE DE JÉRUSALÉM, 1966; CIRILO DE JERUSALEM,
2004; CIRILLO DI GERUSALEMME; GIOVANNI DI GERUSALEMME, 1994; CIRILLO DI GERUSALEMME 1942;
CIRILLO DI GERUSALEMME, 1966; CIRILLO DI GERUSALEME, 1997.
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As dezoito Catequeses Pré-Batismais e as cinco Catequeses Mistagógicas são a obra catequética atribuída
a Cirilo de Jerusalém. O primeiro grupo de Catequeses é dirigido aos catecúmenos que participarão do
Sacramento do Batismo e o segundo grupo, as Mistagógicas, é dirigido aos recém-batizados.
1) A adequação da linguagem
2) A concepção de Liturgia
3) A ênfase na participação
4) A compreensão de Revelação
5) A estrutura narrativa da Sagrada Escritura
6) O Símbolo da Fé
7) O seguimento e a conversão existencial
Procuramos seguir as orientações quanto aos estudos patrísticos a partir dos especialistas. Cf. PADOVESE,
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1999, p. 39-40. Esta leitura das obras patrísticas é orientada por A. Grillmeier (1997).
8) O embasamento na Tradição
9) A perspectiva missionária
10) A dimensão contemplativa
A adequação da linguagem
Todas as citações das Catequeses Mistagógicas (CM) citadas neste trabalho são da tradução de Frederico
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Vier. Depois da tradução de A. Piédagnel, observamos que o trabalho de F. Vier é o mais próximo do texto
grego. As catequeses serão indicadas em algarismos romanos e os parágrafos em algarismos arábicos (ex.:
CM I, 1 = Primeira catequese, parágrafo 1).
A concepção de Liturgia
A ênfase na participação
A dinâmica da revelação
Por meio das narrativas bíblicas, das relações que vai tecendo en-
tre Cristo e cada pessoa, Cirilo conduz a uma familiaridade progressi-
va com o jeito de Deus olhar. A Palavra de Deus é apresentada como
vida, como revelação de um grande mistério, o próprio mistério de Deus
(COFFY, 1980, p. 13).
A experiência vivida por cada neófito por meio dos sacramentos de
iniciação não se reduz a um conjunto de rituais litúrgicos, mas são eta-
pas centrais de iniciação ao mistério de Deus, de consciência do mistério
salvífico e de sua progressiva inserção nesse mistério (MAESTRI; SAXER,
1994, p. 79).
Observemos um dos trechos que nos conduzem a essa mistagogia:
Mais de 2 mil referências à Escritura fazem com que cada catequese seja
como um rio que canta o rumor da palavra de Deus. Assim, habituado por
formação na Lei ao monoteísmo rigoroso, o ouvinte judio tinha menos
dificuldade para aceitar e compreender a unidade de essência — que já
acreditava e para ele era dogma indiscutível — que o mistério trinitário,
substância da revelação cristã e ensinamento obrigatório a quem se pre-
parava para o batismo (BIELSA, 2006, p. 11).
Depois disto fostes conduzidos pela mão à santa piscina do divino Batismo,
como Cristo da cruz ao sepulcro que está à vossa frente. E cada qual foi
Na iniciação cristã, o processo de entregar o Símbolo da fé era conhecido como traditio Symboli, e sua
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profissão diante da comunidade, como redditio Symboli. A primeira etapa significa a recepção da tradição
apostólica; é a comunidade cristã confiando ao iniciante sua identidade e convidando a assumi-la. A segunda
etapa significa o compromisso assumido; o neófito, já batizado, retorna a profissão de fé à comunidade
professando-a oral e publicamente.
O embasamento na Tradição
A perspectiva missionária
A dimensão contemplativa
Encontramos essa mesma concepção mistagógica em Ambrosio e João Crisóstomo. Ambrosio fala da força
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dos ritos por seu próprio simbolismo e sua linguagem luminosa, e João Crisóstomo, argumenta que apenas
os iniciados podem penetrar o mistério de Deus (Cf. BOROBIO, 1980, p. 43).
Considerações finais
Sobre a pneumatologia em Cirilo de Jerusalém ver os trabalhos de Santana (1998) e Miguel Fernandes
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(1974).
Referências
HAMMAN, A. Guida pratica dei Padri della Chiesa. Milão: Ancora, 1968.
Recebido: 12/09/2013
Received: 09/12/2013
Aprovado: 26/11/2013
Approved: 11/26/2013