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APOSTILA DE FILOSOFIA
- Sêneca (0 – 65)
FILOSOFIA DA CIÊNCIA
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
FILOSOFIA DA LINGUAGEM
FILOSOFIA SOCIAL E POLÍTICA
FILOSOFIA DA MENTE
Cuidado para não confundir com a estética; essa
confusão é feita até nas universidades; às vezes, os
professores misturam estética com filosofia da arte; a
filosofia da arte trata do conceito de arte mesmo quando
FILOSOFIA DA ARTE este está isento da noção do belo, tal como os gregos e os
romanos pensavam sobre a arte, de início, quando
concebiam por exemplo os trabalhos artesanais como
arte; já a estética trata do belo não só na arte, mas até na
natureza.
ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA Cuidado para não confundir com a antropologia científica.
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1
BARRAL, Manuel. Tecnologia, Técnica e Ciência. Revista: Discutindo Filosofia, nº 3. São Paulo: Escala Educacional, 2006.
5
2
Φιλοσοφία.
3
DELUZE, Gilles. O QUE É A FILOSOFIA? Traduzido por Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Munoz — 1a edição — Coleção TRANS.
Rio de Janeiro: Editora !34, 1992.
4
DELUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Traduzido por Ruth Joffily Dias e Edmundo Fernandes Dias — 1a edição — Rio de
Janeiro: Editora Rio, 1976. P. 50.
5
² Segundo Aristóteles, no livro Metafísica, I.ii.982b11-24, a filosofia se origina do thauma, termo grego que em nosso idioma
significa espanto, admiração, perplexidade, assombro. Há quem compare esse momento com aquele mesmo por que passa um
recém-nascido, em contraste ao que se passa com os adultos que já caíram na rotina, aceitando tudo na vida como normal, e não
se maravilhando quase nada.
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• O que é a beleza?
• O que é o ser humano?
O Mito
A palavra “mito” é traduzida como lenda, fábula, narrativa, relato. Mas essa palavra em seu
sentido original tem mais a ver com relato do que com lenda ou fábula, pois os gregos encaravam os
mitos como relatos sobre o que de fato acontecia. Na Grécia antiga, o mito se propagou primeiro
através da tradição oral. Depois, por volta de 700 a. C., começou a se propagar através das poesias de
Homero: Ilíada e Odisséia.
Nesses relatos aparecem acontecimentos fantásticos e seres fantásticos, tais como deuses,
semideuses, heróis, titãs, gigantes, gênios, ninfas, musas, etc.
Tudo o que acontecia na natureza e na vida das pessoas era explicado como se fosse por causa
desses seres fantásticos. Por exemplo, se houvesse tempestade, isso era explicado como se fosse por
causa da vontade e da ira de Zeus. Se houvesse maremoto, diziam que era por causa de Poseidon. Se
uma pessoa ficasse enamorada de outra, acreditavam que isso se devia à flecha de Eros. Se a colheita
fosse boa, acreditavam que deviam agradecer aos deuses responsáveis pela agricultura. Acreditavam
até que os deuses influenciavam no resultado de uma guerra. Os gregos acreditavam que havia deuses
para tudo, até para a cozinha.
Na Grécia antiga, as pessoas acreditavam piamente nos mitos, pelo menos até quando alguns
homens começaram a buscar as verdadeiras respostas para as grandes questões através do raciocínio,
demonstrando que já não estavam mais plenamente satisfeitos com essas crenças sem fundamento 6.
Essa busca racional da verdade, que se iniciou por volta de 500 a. C., era a filosofia.
O Surgimento da Filosofia
A filosofia surgiu na Grécia por volta de 500 a. C. Alguns dos fatores que contribuíram para esse
surgimento foram:
• o fato de o território grego ser em grande parte fragmentado em diversas ilhas, dispersas pelo Mar
Egeu, o que impulsionava os habitantes à navegação e ao conhecimento de outras culturas;
• o desenvolvimento do comércio marítimo;
• o surgimento da democracia;
• o domínio da escrita;
• a assimilação, por parte dos gregos, das culturas de outros povos;
• a criatividade do povo grego;
• o uso da moeda com valor simbólico.
Só numa democracia, o sujeito pode expressar publicamente o que pensa. Com o domínio da
escrita, o sujeito pode divulgar o seu pensamento, ou seja, levá-lo a público. E só com o domínio da
escrita, no caso de uma sociedade antiga, pode deixar registrado o seu pensamento para as gerações
futuras.
Senso Comum
O senso comum ocorre quando as pessoas pensam a mesma coisa sobre um mesmo assunto.
Através dele, as pessoas observam ingenuamente o que está a sua volta, assimilando passivamente as
informações que lhes são passadas diariamente, sendo por isso facilmente iludidas. No senso comum,
não há questionamento sobre crenças, preconceitos e idéias mal fundamentadas, sendo com isso, muito
difícil desfazer os próprios enganos. Essas mesmas pessoas que estão imersas no senso comum
também se deixam levar mais facilmente por fatores culturais e psicológicos, e são portadoras de um
acúmulo não organizado de idéias.
A expressão “Maria vai com as outras” ilustra perfeitamente o conceito de senso comum.
Senso Crítico
O senso crítico ocorre quando a pessoa se dá conta das suas próprias idéias (concepções) e
também das ideias que lhe são sugeridas diariamente, se separando delas, passando a examiná-las e
6
³ Apesar disso, na Grécia antiga nenhum filósofo era tão louco a ponto de afirmar em público que os mitos não eram verdade ou
que os deuses não existiam, pois quem fizesse isso estaria sujeito a ser acusado, processado e condenado (talvez à morte ou ao
exílio) por blasfêmia contra os deuses.
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questioná-las. Quando isso acontece, a pessoa passa a pensar por si mesma, deixando de ser escrava da
opinião dos outros. Através do senso crítico, evita-se o risco de se deixar iludir facilmente.
Os Filósofos Pré-Socráticos
Os pré-socráticos são os primeiros filósofos de que temos notícias. Não sobrou nenhum livro
completo desses pensadores. Sobraram apenas fragmentos de textos na forma de citação nos livros de
outros autores antigos.
Os pré-socráticos se dedicaram a pensar sobre a physis (natureza), o cósmos (universo), o logos
(palavra/razão) e a arché (princípio). Para o grego daquela época, physis e cósmos eram a mesma coisa.
A preocupação básica era: de onde surgem todas as coisas, todo o universo!?
São 17 os filósofos pré-socráticos: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de
Mileto, Xenófanes de Cólofon, Heráclito de Éfeso, Pitágoras de Samos, Alcmeão de Cróton, Parmênides
de Eléia, Zenão de Eléia, Melisso de Samos, Empédocles de Agrigento, Filolau de Cróton, Arquitas de
Tarento, Anaxágoras de Clazomena, Diógenes de Apolônia, Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera.
De todos esses, vamos dar especial atenção a Heráclito e Parmênides.
Tales de Mileto
Viveu entre 624 a. C. e 547 a. C. Segundo Tales, a água é o elemento primordial de todas as
coisas.
Anaxímenes de Mileto
Viveu entre 585 a. C. e 525 a. C. Para Anaxímenes, o ar é o elemento primordial de todas as
coisas.
Pitágoras de Samos
Viveu até 530 a. C. Segundo Pitágoras, o número é o primeiro princípio; o número e suas
relações ou “harmonias” são os elementos básicos de todas as coisas; o estudo do número reflete-se
também no comportamento humano. São atribuídas a Pitágoras, a forma dualista da teoria dos
opostos, a descoberta de verdades de ordem matemática, sobretudo do famoso teorema (o quadrado
da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos), e também a escala musical, usada nos dias de
hoje em todo o mundo.
Xenófanes de Cólofon
Viveu entre 580 a. C. e 460 a. C. Segundo Xenófanes, a terra é o elemento primordial de todas
as coisas.
Empédocles de Agrigento
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Viveu até 450 a. C. Empédocles dizia que todas as coisas são formadas pelos quatro elementos:
fogo, terra, água e ar.
Anaxágoras de Clazomena
Viveu entre 500 a. C. e 428 a. C. Anaxágoras falava sobre a multiplicidade. Ele dizia que em
cada coisa há uma porção de cada coisa.
Demócrito de Abdera
Viveu entre 460 a. C. e 370 a. C. Demócrito desenvolveu a teoria de Leucipo sobre os átomos.
Segundo Demócrito, a realidade é composta de átomos e de vazio; a combinação dos átomos, que são
infinitos em número e imperceptivelmente pequenos, explica a formação de todos os fenômenos. Pelos
átomos Demócrito explica também a percepção e o conhecimento.
Heráclito de Éfeso
Sabe-se que Heráclito viveu até a 69ª olimpíada, entre 504 e 500 a. C.
Heráclito dizia que:
• todas as coisas estão em movimento;
• o movimento se processa através dos contrários, e é daí que surge a harmonia;
• o fogo gera todas as coisas;
• duas coisas contrárias formam uma unidade.
45 – Mesmo percorrendo todos os caminhos, jamais encontrarás os limites da alma (psikê), tão profundo é o seu Logos.
48 – O arco (bios) tem por nome a vida (bios) e por obra a morte.
49 – Um vale aos meus olhos dez mil, se é o melhor.
49a – Descemos e não descemos nos mesmos rios; somos e não somos.
50 – É sábio que os que ouviram, não a mim, mas às minhas palavras (logos), reconheçam que todas as coisas são um.
52 – O tempo é uma criança que brinca, movendo as peças do jogo para lá e para cá; governo de criança.
53 – A guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei; de uns fez deuses, de outros, homens; de uns, escravos, de
outros, homens livres.
54 – A harmonia invisível é mais forte que a visível.
55 – Prefiro tudo aquilo que se pode ver, ouvir e entender.
58 – (Bem e mal são uma e a mesma coisa.) Os médicos cortam, queimam, (torturam de todos os modos os doentes,
exigem) um salário, ainda que nada mereçam, fazendo-lhes um bem semelhante (à doença).
59 – O caminho da espiral sem fim é reto e curvo, é um e o mesmo.
61 – O mar: a água mais pura e a mais abominável: aos peixes, potável e saudável; aos homens, impotável e prejudicial.
66 – Pois tudo o fogo, aproximando-se, julgará (e condenará).
67 – Deus é dia e noite, inverno e verão, guerra e paz, abundância e fome. Mas toma formas variadas, assim como o fogo,
quando misturado com essências, toma o nome segundo o perfume de cada uma delas.
88 – Em nós, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice. Pois a mudança
de um dá o outro e reciprocamente.
90 – O fogo se transforma em todas as coisas e todas as coisas se transformam em fogo, assim como se trocam as
mercadorias por ouro e o ouro por mercadorias.
91 – Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reúne-se; avança e se retira.
93 – O senhor cujo oráculo está em Delfos, não diz nem oculta, mas dá sinais.
101 – Eu me procurei a mim próprio.
102 – Para Deus tudo é belo e bom e justo; os homens, contudo, julgam umas coisas injustas e outras justas.
103 – Na circunferência, o princípio e o fim se confundem.
110 – Não seria melhor para os homens se lhes acontecesse tudo o que desejam.
111 – A doença torna a saúde agradável; o mal, o bem; a fome, a saciedade; a fadiga, o repouso.
112 – O bem pensar é a mais alta virtude; e a sabedoria consiste em dizer a verdade e em agir conforme a natureza,
ouvindo a sua voz.
113 – O pensamento é comum a todos.
114 – Os que falam com inteligência devem apoiar-se sobre o comum a todos, como uma cidade sobre as suas leis, e
mesmo muito mais. Pois todas as leis humanas nutrem-se de uma única lei divina. Esta domina, tanto quanto quer; basta
a todos (e a tudo) e ainda os ultrapassa.
116 – A todos os homens é permitido o conhecimento de si mesmos e o pensamento correto.
123 – A natureza ama esconder-se.
(BORNHEIM, Gerd Alberto. Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Editora Cultrix, 1998.)
Parmênides de Eléia
Alguns dizem que viveu até 500 a. C. Outros dizem que viveu até 475 a. C.
Parmênides foi o principal opositor de Heráclito, de que não aceitava a doutrina segundo a qual
em tudo há contradição. Segundo Parmênides, cada coisa só pode ser igual a si mesma. Foi daí que
mais tarde Aristóteles assimilou o princípio de identidade e inseriu na lógica clássica.
7 – Jamais se conseguirá provar que o não-ser é; afasta, portanto,o teu pensamento desta via de investigação . . .
8 – Resta-nos assim um único caminho: o ser é. Neste caminho . . .
(BORNHEIM, Gerd Alberto. Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Editora Cultrix, 1998.)
Heráclito Parmênides
• contradição • não-contradição
• movimento (mudança) • estabilidade
• contraste (diferença) • identidade (igualdade)
• os opostos formam uma e a mesma coisa • os opostos são diferentes
• ciclo (eterno retorno) • uma coisa é ou não é
• uma coisa é e não é
Os Sofistas
Na Grécia, por volta do século V a. C., apareceram homens que tinham feito longas
viagens e que, por isso mesmo, tinham conhecido diversos povos, diversas culturas,
diversos costumes, diversos idiomas, diversos sistemas de governo, diversos sistemas de
leis, diversos sistemas de crenças, etc. Eles percebiam a variação entre as culturas de
diferentes povos (por exemplo, eles percebiam que em um povo existia um costume ou
uma crença que em outro povo não existia), e eram levados a não pensar que houvesse
verdades absolutas e universais7.
Com base nos conhecimentos e experiências adquiridos nessas viagens e nos seus
estudos, esses mestres chegavam em Atenas denominando-se “sofistas” 8 e pretendiam
iniciar os jovens interessados na política, filhos dos nobres atenienses, na arte da retórica
e da argumentação, para que esses mesmos jovens estivessem mais capacitados a
participar dos debates públicos e convencer os demais cidadãos nas assembléias
democráticas realizadas na praça pública.
Os sofistas deram importante contribuição para a sistematização do ensino.
Elaboraram um currículo de estudos constituído pelas seguintes disciplinas: gramática (da
qual foram os iniciadores), retórica e dialética; por influência dos pitagóricos,
desenvolveram a aritmética, a geometria, a astronomia e a música. Essa divisão foi
retomada no ensino medieval, constituindo o trivium (referente aos três primeiros) e o
quadrivium (referente aos quatro últimos).
Mas os sofistas cobravam por suas aulas. Por isso, Sócrates os acusava de
prostituição.
Os sofistas mais famosos foram: Protágoras, Górgias e Híppias. Protágoras foi
quem disse a famosa frase: “o homem é a medida de todas as coisas”.
Sócrates
Sócrates (469 – 399 a. C.) viveu em Atenas. Não deixou nenhum livro escrito, mas
foi um dos pensadores que mais influenciaram o Ocidente. Platão, seu discípulo, foi quem
escreveu os livros nos quais se encontram registrados os diálogos e o pensamento de
Sócrates.
Algo que exerceu influência sobre sua atividade filosófica foi o fato de seu pai ter
sido escultor e sua mãe ter sido parteira. Essa influência pode ser verificada no seu
perfeccionismo e no seu método de obtenção da verdade.
Sócrates conversava com qualquer pessoa em Atenas com o objetivo de tentar
levá-la de encontro à verdade. Para isso, os seus dois métodos eram:
• a ironia – método que consiste em fingir que de nada se sabe; em se fazer de
desentendido;
7
Esse pensamento de que haveria verdades absolutas e universais seria assumido por filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles.
8
Como sóphos sognifica sábio, sophisté significa passador de saberes.
11
A Alegoria da Caverna
SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer.
Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm
os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas
cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um
caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores
para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.
GLAUCO - Imagino tudo isso.
SÓCRATES - Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e
animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros
guardam em silêncio.
GLAUCO - Singular quadro e não menos singulares cativos!
SÓCRATES - Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo
mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?
GLAUCO - Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.
SÓCRATES - E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras?
GLAUCO – Não.
SÓCRATES - Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes dariam os nomes que
elas representam
GLAUCO - Sem dúvida.
SÓRATES - E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem
articulados pelas sombras dos objeto.
GLAUCO - Claro que sim.
SÓCRATES - Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
GLAUCO – Necessariamente
SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria, se eles se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um
destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer
tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via.
Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da
realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam
ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais
real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
GLAUCO - Sem dúvida nenhuma.
SÓCRATES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria
realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à
plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor
ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens têm por serem reais?
GLAUCO - A princípio nada veria.
SÓCRATES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras,
depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria
mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia.
GLAUCO - Não há dúvida.
SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos,
depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.
GLAUCO - Fora de dúvida.
SÓCRATES - Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa
no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.
GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.
SÓCRATES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria,
não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram?
GLAUCO – Evidentemente.
SÓCRATES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos
objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em
lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não
preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e
viver a vida que antes vivia?
GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga.
SÓCRATES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar.
Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a vista confusa – porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à
obscuridade – tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em
cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera apenas o esforço, e que
assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
GLAUCO - Por certo que o fariam.
SÓCRATES - Pois agora, meu caro GLAUCO, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O
antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se
eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro.
Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito esforço
se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no
mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir
com sabedoria nos negócios particulares e públicos.
(Extraído de "A República" de Platão , 6° ed. Ed. Atena, 1956, p. 287-291)
15
Aristóteles
Aristóteles nasceu em Estagira (colônia grega da Trácia) em 384 a. C. e morreu na Eubeia
em 322 a. C.
Aos dezoito anos, Aristóteles ingressou na Academia, escola fundada por Platão, de quem
foi discípulo.
Em 343 a. C., foi convidado pelo Rei Filipe para a corte da Macedônia, como preceptor
(mestre/professor) do Príncipe Alexandre (que futuramente viria a ser Alexandre Magno), então
jovem de treze anos. Aí Aristóteles permaneceu por três anos.
De volta a Atenas, em 335 a. C., treze anos após a morte de Platão, Aristóteles fundava,
perto do templo de Apolo Lício, a sua escola. Daí o nome de Liceu dado à sua escola, também
chamada peripatética devido ao costume de dar lições de filosofia em amena palestra, passeando
nos umbrosos caminhos do ginásio de Apolo.
Quando Alexandre morreu, em 323 a. C., desfez-se politicamente o seu grande império e
despertaram-se em Atenas os desejos de independência, estourando uma reação nacional,
liderada por Demóstenes. Aristóteles, malvisto pelos atenienses, foi acusado de ateísmo. Prevendo
uma possível condenação, retirou-se voluntariamente para Eubéia, onde faleceu, após
enfermidade, no ano seguinte, no verão de 322 a. C.
Aristóteles discordava e criticava a teoria das ideias de Platão. Para Platão, tudo o que
percebemos (através dos cinco sentidos) na natureza é cópia do que está no mundo das ideias e na
alma humana. Mas, para Aristóteles, o que existe na alma humana provém do que existe na
natureza. Para Platão, há dois mundos, sendo um deles o mundo das coisas sensíveis, e o outro, o
mundo das formas inteligíveis. Sendo assim, segundo Platão, as coisas sensíveis estão separadas
das formas. Mas, para Aristóteles, só existe um mundo, no qual as formas estão presentes nas
próprias coisas.
Segundo Aristóteles, as coisas têm quatro causas ou explicações:
causa material – aquilo de que as coisas são feitas;
causa formal – a forma e o padrão de uma coisa;
causa eficiente – a origem de uma mudança ou estado de repouso em qualquer coisa;
causa final – a finalidade ou o objetivo de alguma coisa.
A doutrina da potência e do ato é fundamental para Aristóteles. Potência significa
possibilidade, capacidade de ser, não-ser atual (por exemplo: uma semente é uma árvore em
potência). Ato significa realidade, perfeição, ser efetivo (por exemplo: uma árvore, já
completamente desenvolvida, é uma árvore em ato). Um ser desenvolve-se, aperfeiçoa-se,
passando da potência ao ato.
Aristóteles escreveu vários livros sobre os mais diversos assuntos. Além de ter iniciado os
estudos que resultaram em muitas das ciências de hoje 11, também fundou a lógica clássica e a
linguagem formal12.
Epicurismo
Epicurismo é a doutrina filosófica fundada por Epicuro de Samos (341 a.C. – 271 ou 270
a.C.). Esse filósofo prega a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de
tranquilidade e de libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal pelo conhecimento
do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos.
No entanto, quando os desejos são exacerbados podem ser fonte de perturbações
constantes, dificultando o encontro da felicidade que é manter a saúde do corpo e a serenidade do
espírito.
Existem vários fundamentos básicos do Epicurismo, porém, se distingue o desejo para encontrar a
felicidade, buscar a saúde da alma, lembrando que o sentido da vida é o prazer, objetivo imediato
de cada ação humana, considerando sem sentido as angústias em relação à morte, e a
preocupação com o destino.
11
A biologia e a física são exemplos de cieêcias fundadas por Aristóteles.
12
A mesma linguagem objetiva utlilizada nos textos acadêmicos formais, científicos e jornalísticos.
16
Lógica
17
A palavra “lógica” vem do termo grego lógos, que significa palavra, razão.
A lógica como disciplina é o estudo das leis do raciocínio correto.
Existem vários tipos de lógica: a lógica clássica (que não admite contradição), a
lógica matemática (que também não admite contradição), a lógica dialética (que
admite contradição), etc.
Lógica Clássica
13
A lógica clássica é assim chamada por ter se desenvolvido no período clássico
da Grécia (por volta de 300 a.C.) na doutrina de Aristóteles, especialmente no seu livro
intitulado Organon. Esse título significa Instrumento. Apesar disso, Aristóteles não
empregava o termo “lógica”, e sim, “analítica” (solução). Para ele, a analítica não é
uma ciência substantiva e sim um aspecto da cultura geral a que todos devem se
submeter antes de estudar qualquer ciência14.
Ela se divide em lógica material e lógica formal. A lógica material trata da
condição de verdade dos argumentos; trata de saber do verdadeiro e do falso nas
afirmações; o verdadeiro e o falso são os materiais do raciocínio. Já a lógica formal
trata da condição de validade dos argumentos; estabelece a forma correta do
raciocínio; trata da disposição com que os materiais são reunidos.
Se as regras da lógica clássica forem aplicadas corretamente na argumentação,
podemos concluir automaticamente. Exemplo:
Todo homem é mortal
Ora, Sócrates é homem
Logo, Sócrates é mortal
No raciocínio acima, a matéria é verdadeira (ou seja, nada do que está sendo
dito é falso), mas a forma é inválida.
Todos os homens são primatas
Ora, os gorilas são primatas
Então, todos os gorilas são homens
Alguém que chorou no enterro dos pais é alguém de quem não se pode suspeitar que tenha participado no assassinato dos pais
Ora, Suzane Von Richthofen é alguém que chorou no enterro dos pais
Então, Suzane Von Richthofen é alguém de quem não se pode suspeitar que tenha participado no assassinato dos pais
13
A lógica clássica teve como precursor Parmênides (que viveu até 475 a. C ou 500 a. C), filósofo que formulou em sua doutrina o
princípio de identidade: “ser é, não ser não é”. Esse princípio foi adotado por Aristóteles, no posterior desenvolvimento da lógica
clássica.
14
Ainda hoje, para muitos estudiosos, a lógica não é uma ciência, e sim, o instrumento de que se serve o raciocínio.
18
Já estes três raciocínios acima têm as suas formas válidas, mas suas matérias
são falsas, pois são falsas as afirmações contidas nas premissas maiores.
Consequentemente, as afirmações contidas nas conclusões também serão falsas,
embora as afirmações contidas nas premissas menores possam ser verdadeiras.
Também há os casos de argumentos com erro na matéria referente à premissa menor,
possuindo entretanto conclusão verdadeira:
Todo peixe é animal
Ora, a baleia é peixe
Logo, a baleia é animal
O argumento15 que tiver sua forma inválida ou sua matéria falsa pode ser
chamado de sofisma ou de falácia.
Princípios Básicos da Lógica Clássica
Entre as numerosas leis, temos quatro fundamentos:
1) Princípio da Identidade – cada coisa é sempre igual a si mesma;
2) Princípio da Não-Contradição – não podemos afirmar e negar um enunciado ao
mesmo tempo;
3) Princípio do Terceiro Excluído – dado um enunciado ou ele é verdadeiro ou ele é
falso; sempre se verifica apenas um destes dois casos, ficando excluído um terceiro
caso;
4) Princípio da Razão Suficiente – todas as coisas devem ter uma razão suficiente para
serem o que são e não outra coisa; o cumprimento dessa lei confere ao pensamento a
possibilidade de demonstrar e fundamentar.
As Três Operações do Espírito
1a operação do espírito) Conceber – formar uma simples apreensão; formar um
conceito; formar uma ideia sobre alguma coisa; é o primeiro ato da inteligência, mas
não o primeiro ato do conhecimento, pois o conhecimento supõe a interação dos
sentidos. Exemplos: A, B, C, professor, escola, aluno, réu. Os conceitos formam os
juízos, os quais por sua vez formam os raciocínios ou argumentos.
15
Muitos autores de livros de lógica e muitos professores de lógica se referem a raciocínio e argumento como sendo a mesma
coisa. Mas parece mais coerente se referir a raciocínio quando este for uma realização mental não necessariamente expressa, e a
argumento quando este for uma realização mental expressa através de pronunciamento ou de escrita, pois a palavra “argumento”
está carregada do sentido de convencer os outros, ao passo que a palavra “raciocínio” não necessariamente está carregada desse
sentido.
19
Conceito x Imagem
- caráter universal - caráter particular
- propriedades essenciais - aspectos acidentais
- representação intelectual - representação sensível
Elementos da Argumentação
Todo argumento apresenta elementos logicamente simples (indivisíveis) e
elementos logicamente complexos (divisíveis). Os elementos logicamente simples são
os termos. Exemplo: escola. Os elementos logicamente complexos são as
proposições, as quais possuem dois termos que por sua vez estão ligados por
afirmação ou negação. Exemplo: A escola é antiga.
O Termo
Termo é a expressão imediata do conceito e mediata da coisa, pois o que
pretendemos manifestar com as palavras é o que nós pensamos das coisas, isto é,
nossos conceitos e não diretamente as coisas. Termo oral é a expressão oral do
conceito, ou mais exatamente, todo som articulado que significa convencionalmente
um conceito.
O Conceito
Conceito é o que você percebe sobre alguma coisa; é como você pensa essa
coisa; é a ideia mais simples que se pode fazer sobre alguma coisa. Seus objetos são a
essência, o objeto formal, o objeto material, o objeto incomplexo e o objeto complexo.
A essência é aquilo que a coisa é. É a natureza da coisa, ou seja, o cerne dessa coisa. É
o principal da coisa a ser conhecido. O objeto formal é a coisa tal como ela se
encontra no pensamento. O objeto material é a coisa que será apreendida pelo
pensamento; é o objeto que existe por ele mesmo, mas que será pensado. O objeto
incomplexo é a coisa que tem apenas uma essência e que, por isso, é indivisível em si
mesma. Ex.: carteira escolar. (Obs.: não tem como dividir “carteira escolar” em duas
essências, pois quando se falasse em “carteira” sem o “escolar”, o que se pensaria
imediatamente seria numa carteira de guardar dinheiro; então a essência de “carteira
escolar” estaria quebrada.) O objeto complexo é a coisa que tem várias essências e
que, por isso, pode ser dividida em tantas coisas quantas sejam as essências. Ex.: a
escola rigorosa que tem bons alunos. (Obs.: não confundir essência com termo.)
A Definição
A definição é um conceito complexo ou locução que expõe o que uma coisa é
ou o que significa um nome. A definição está associada à primeira operação do
espírito, que é a simples apreensão.
O Juízo
O juízo é o ato de afirmar ou de negar algo a respeito de alguma coisa. Uma
das características do juízo é o assentimento, que é justamente o pronunciamento
afirmativo ou negativo sobre alguma coisa. Julgar é essencialmente assentir. Quando
alguém afirma alguma coisa, esse alguém pretende que as outras pessoas aceitem a
sua afirmação como verdadeira. Por exemplo, eu afirmo que Paulo é inocente quanto
20
ao crime de que é acusado de praticar. Este é um juízo e nele está implícita uma
pretensa garantia sobre o que afirmo.
A Sentença
A sentença é apenas uma frase contendo uma afirmação ou uma negação, sem
contudo possuir o assentimento da parte de quem a pronuncia. Por exemplo, “Pedro é
inocente” – foi o que o juiz disse. Essa frase, enquanto eu a pronuncio, no mero intuito de
citar as palavras do juiz, é apenas uma sentença ou uma proposição, pois não sou eu que
estou garantindo que Pedro é inocente. Só passaria a ser um juízo meu se eu ao
pronunciá-la estivesse concordando com o juiz e dando o meu assentimento.
Propriedades dos Conceitos
a) Generalidade (Universalidade) – o conceito é sempre geral (universal), isto é,
estende a toda uma classe aquilo que é constatado em alguns seres; e sendo aplicado à
totalidade (toda a classe), passa a ser válido em qualquer tempo e lugar. Por exemplo, o
conceito que você tem de “casa” se aplica a qualquer casa, em qualquer lugar do mundo,
tanto hoje como na Grécia de dois mil anos atrás, ou uma casa que você planeja construir
no futuro.
b) Consistência – sé dá pelo fato de usar conceitos para definir conceitos, o que
pressupõe um sistema conceitual cuja finalidade é expressar a compreensão da realidade.
O caráter da consistência está em conexão com o processo de definição.
Notas de Um Conceito
São as características que pertencem necessariamente a um conceito; determinam
a compreensão de um conceito de tal modo que quanto maior o número de notas, maior a
compreensão do conceito. As notas conotam o conceito. Exemplo:
homem – animal racional
nota nota
amortalhar – envolver com mortalhas
nota nota nota
Extensão e Compreensão de Um Conceito
Chamamos compreensão de um conceito a sua amplitude em relação às notas que
o caracterizam; é o conjunto de características que dizem respeito ao significado do
conceito (homem significa ser animal e ser racional). Chamamos extensão de um conceito
a sua amplitude quanto a particulares; assim o conceito homem estende-se a todos os
indivíduos da espécie humana particularizados; o conceito bípede estende-se a todos os
animais que andam apenas com duas pernas, ou seja, todos os homens e todas as aves. A
extensão (denotação) e a compreensão (conotação) variam inversamente, isto é, quanto
maior a compreensão (no de notas de um conceito), menor será a sua extensão (n o de
objetos) e quanto maior for a sua extensão, menor será a sua compreensão.
Conceito Universal ou Distributivo (todo ou nenhum) – ocorre quando a extensão
do conceito não é necessariamente restringida. Isto é, quando ele é referente a todos os
indivíduos nele compreendidos.
Conceito Particular (algum, este, esse) – é o caso em que a extensão é restringida,
sem ser limitada a um único sujeito individual e determinado.
Conceito Individual (este, aquele) – é o caso em que a extensão é restringida a um
único sujeito individual e determinado.
21
A Dedução (Silogismo)
A dedução é uma forma de argumento em que uma conclusão que une dois
termos é deduzida de duas premissas que unem esses dois termos a um terceiro. A
16
A indução é a base do método científico, o qual é constituído pelas seguintes etapas: observação, hipótese (= suposição),
experimentação e (se a hipótese for confirmada pela experimentação) generalização (ou teoria).
23
O termo médio é sujeito na O termo médio é predicado em O termo médio é sujeito em ambas O termo médio é predicado na
premissa maior e predicado na ambas as premissas. as premissas. premissa maior e sujeito na
premissa menor. premissa menor.
Todo homem é mortal Toda ave é ovípara Todo ornitorrinco é ovíparo Nenhum pássaro é mamífero
Ora, Socrates é homem Todo ornitorrinco é mamífero Ora, algum mamífero é voador
Ora, nenhum morcego é ovíparo
Logo, algum mamífero é ovíparo Logo, algum voador não é pássaro
Logo, Sócrates é mortal Logo, nenhum morcego é ave
Tabela Verdade
V V F V V V V
V F F V F F F
F V V V F V F
F F V F F V V
Falácias e Sofismas
da sua vida particular ou até mesmo através de insultos) em vez de refutar os seus
argumentos. Exemplo: “O que Fulano diz sobre o balanço da empresa não pode ser
levado a sério, afinal ele traiu a mulher”. Outro exemplo: “Você não pode me
criticar por comer carne. Afinal, você usa sapatos de couro”. Outro exemplo: “É
claro que a seu ver discriminação racial é absurda. Você é negro”. Outro exemplo:
“Você não sabe do que está falando seu bastardo, seu filho de uma… Nenhum
bastardo sabe do que fala”.
Apelo à força ou apelo ao medo (argumentum ad baculum) – Ocorre quando
o argumentador, visando legitimar a sua conclusão, recorre à advertência da sua
própria “força” ou “poder” ou capacidade de causar prejuízos como forma de
intimidação e convencimento. Exemplo: “...em todo caso, sei seu telefone e
endereço; já mencionei que possuo licença para portar armas?”. Outro exemplo:
“Faça assim ou você vai para o Inferno quando morrer!”. Outro exemplo: “É melhor
você votar pela condenação do réu ou você pode ser a próxima vítima dele.” Outro
exemplo: “A casa está cercada. Renda-se ou será morto”.
Apelo à piedade (argumentum ad misericordiam) – Ocorre quando o
argumentador recorre à piedade ou compaixão pelos envolvidos com o objetivo de
legitimar a sua conclusão a favor dos mesmos envolvidos. Exemplo: “Como você
se atreve a dizer ao Joaquim que não há vida após a morte? Ele é viúvo!”. Outro
exemplo: “É claro que Suzana von Richtoffen não teve nada a ver com a morte dos
pais! Você não viu como ela chorou no enterro?”
Apelo à tradição (argumentum ad Antiquitatem) – Ocorre quando se tenta
associar a ideia de antiguidade à ideia de verdade estabelecida, ou seja, quando se
tenta passar a ideia de que algo que é antigo ou que “sempre foi assim” é
consequentemente bom ou verdadeiro, a favor de promover o respeito e a
credulidade em algo ou em alguma ideia. Exemplo: “As lendas sobre os duendes
têm séculos e séculos de existência, então, é claro que eles existem!".
Apelo à novidade (argumentum ad novitatem) – Ocorre quando se tenta
associar a ideia de novidade à ideia de excelência, ou seja, quando se tenta passar a
ideia de que algo que é novo é consequentemente bom, a favor da aceitação de
um produto que se quer promover. Exemplo: “Saiu o novo modelo X68000. Com
um design moderno, arrojado, perfeito para você, sintonizado com o futuro”.
Apelo ao status sócio-econômico (argumentum ad crumenam) – Ocorre
quando o argumentador sugere que alguém é mais capacitado, mais honesto ou
virtuoso só porque é rico ou pertence à classe mais alta da sociedade, como se a
riqueza fosse condição para se ter razão. Exemplo: “O meu candidato a prefeito
não precisa roubar. Ele já é muito rico”.
Apelo à pobreza (argumentum ad lazarum) – Ocorre quando o
argumentador sugere que alguém é mais capacitado, mais “puro”, mais honesto ou
virtuoso, só porque é pobre ou pertence à classe mais baixa da sociedade, como se
a pobreza fosse condição para se ter razão. Exemplo: “Eu sou o melhor candidato a
prefeito, porque não sou nem doutor, nem madame”.
Apelo popular ou apelo à multidão (a rgumentum ad populum) – Ocorre
quando o argumentador sugere que algo é verdadeiro devido a muitas pessoas
terem a opinião de que é verdadeiro. Exemplo: “Dez milhões de pessoas não
27
podem estar erradas. Junte-se à nossa igreja você também”. Outro exemplo: “Todo
bom brasileiro deve reconhecer a importância do que estou dizendo. Você é um
bom brasileiro, não é? Você concorda comigo?”.
Apelo à ignorância (argumentum ad ignorantiam) – Ocorre quando o
argumentador, com o objetivo de convencer e impor o seu ponto de vista, se utiliza
da impossibilidade momentânea do seu interlocutor de demonstrar um argumento
contrário ao seu. Essa falácia é muito empregada sobretudo em questões
polêmicas onde, até o momento, não ficou suficientemente demonstrada nem sua
verdade ou mesmo sua falsidade. Exemplo: “É claro que houve um dilúvio;
ninguém nunca conseguiu provar que não houve”. Outro exemplo: “Como você
pode criticar o meu candidato? Você entende de economia por acaso?”.
Ignorância da questão (ignoratio elenchi) – Ocorre quando o orgumentador
introduz material irrelevante à questão sendo discutida, desviando do assunto,
substituindo o assunto em pauta por outro e comprometendo a objetividade da
conclusão. Ex.: “Para a imprensa, que quer saber se eu mantenho contas bancárias
em paraísos fiscais, eu lembro as obras mais importantes da minha administração,
entre elas um hospital, e que estive de férias na Suíça quando me acusaram
injustamente”. Outro ex.: “Você pode até dizer que a pena de morte é ineficiente
no combate à criminalidade, mas e as vítimas? Como você acha que os pais se
sentirão quando virem o assassino de seu filho vivendo às custas dos impostos que
eles pagam? É justo que paguem pela comida do assassino de seu filho?”.
Mudança do ônus da prova – Ocorre quando o argumentador transfere do
falante para o ouvinte (ou seja, de si mesmo para seu interlocutor) a necessidade
de dar provas ou evidências para apoiar uma ideia. O "ônus da prova", isto é, a
responsabilidade de comprovar uma afirmação, é sempre da pessoa que faz a
afirmação. Transferir essa responsabilidade para o ouvinte é uma tática desonesta,
e dá a impressão de que algo é verdade a não ser que possa ser comprovado como
errado. Exemplo: “Dizer que os alienígenas não estão controlando o mundo é
fácil... eu quero que você prove.” Outro exemplo: “Você está me traindo com outra
mulher. Se não está, então prove que não está”.
Questão complexa ou pergunta capciosa – Ocorre quando o argumentador
faz uma pergunta na qual já está implícita alguma afirmação, acusação ou
insinuação, e cuja resposta, por parte do seu interlocutor desprevenido, implicará
necessariamente na aceitação dessa afirmação, o que pode lhe comprometer. Em
alguns casos, qualquer resposta do tipo “sim” ou “não”, compromete o sujeito em
atos ilícitos. Exemplo: “Você já parou de roubar?”. Outro exemplo: “Você já aceitou
Deus na sua vida?”. Outro: “Onde você escondeu o diamante que roubou?”.
Falsa dicotomia ou falsa bifurcação – Ocorre quando o argumentador sugere
que só há dois duas opções a serem consideradas, ignorando ou negligenciando um
conjunto muito maior de possibilidades. Exemplo: “Brasil: ame-o ou deixe-o!”
Redução ao absurdo (reductio ad absurdum) – Ocorre quando o
argumentador apela em sugerir as consequências absurdas das ideias ou do ponto
de vista do seu interlocutor com o objetivo de invalidar essas mesmas ideias.
Exemplo: “Você permite que seu filho de seis anos roube um beijo na bochecha da
coleguinha de escola hoje e logo ele vai querer agarrá-la e, mais tarde, se tornará
28
um maníaco sexual. Você não tem vergonha?”. Outro exemplo: “Se você permite o
aborto em casos de risco de vida para a mãe nos hospitais públicos, logo todo o
mundo vai querer abortar por qualquer motivo, ninguém mais vai valorizar a
gravidez e a taxa de natalidade vai acabar despencando, prejudicando a economia
do país”. Outro exemplo: “Se legalizarmos a maconha, então mais pessoas
começarão a usar crack e heroína, e teríamos de legalizá-las também. Não levará
muito tempo até que este país se transforme numa nação de viciados. Logo, não se
deve legalizar a maconha”. Outro exemplo: “Se você cumprimentar aquele seu
amigo que abandonou nossa igreja, ele vai encher sua cabeça de mentiras, você vai
perder a fé e vamos ter de tratar você como um traidor também”.
[Falácia da] Composição – Ocorre quando o argumentador atribui as
características das partes ou dos indivíduos, considerados isoladamente, ao grupo.
Exemplo: “Esta comissão deve ser preconceituosa, uma vez que todos os seus
membros, como todas as pessoas, têm preconceitos”.
[Falácia da] Divisão – Ocorre quando o argumentador atribui as
características do todo ou do grupo às partes. Exemplo: “Você estuda num colégio
rico. Logo, você é rico”. Outro exemplo: “Formigas podem destruir uma árvore.
Logo, essa formiga também pode”.
“Não Segue” (non-sequitur) - Ocorre quando o argumentador apresenta
uma conclusão que não é derivada das premissas ou evidências dadas. Exemplo:
“Esse é o melhor anúncio que eu já vi. Então, deve melhorar nossas vendas”. Outro
exemplo: “Já que os egípcios fizeram muitas escavações durante a construção das
pirâmides, então certamente eram peritos em paleontologia”.
Paradoxo – Ocorre quando o argumentador parte de uma premissa não que
leva a duas conclusões que se excluem mutuamente. Exemplo: “O barbeiro barbeia
aqueles que não se barbeiam. Mas como é que o barbeiro se barbeia? O barbeiro
não se pode barbear porque senão o barbeiro seria aquele que barbeia os que se
barbeiam. Logo, o barbeiro barbeia os que não se barbeiam e os que se barbeiam”.
Outro exemplo: “O poeta cretense Epiménides afirma que todos os cretenses são
mentirosos. Atendendo ao facto de Epiménides ser também cretense, podemos
saber se esta afirmação é verdadeira?”.
Equívoco – Apesar de o equívoco e a ambiguidade serem duas falácias
diferentes, ambas nos induzem ao erro através dos múltiplos sentidos das palavras.
No equívoco, o argumentador se utiliza de uma mesma palavra com sentidos
diferentes. Exemplo: “Todo macaco é um animal. Ora, essa ferramenta usada
para levantar um carro é um macaco. Então, essa ferramenta é um animal”. Outro
exemplo: “Quatro e dois são seis. Logo, quatro são seis e dois são seis”.
Ambiguidade – Na ambiguidade, o argumentador se utiliza de palavras que
nos levam a uma interpretação duvidosa do assunto em questão. Exemplo: “A
mãe bateu na filha porque estava bêbada”. Outro exemplo: “O primo de Pedro
entrou com seu carro na garagem”. Observe que, nesse último exemplo, não fica
claro a quem pertence o carro, e isso pode levar a interpretação de que o carro
pertence a Pedro ou a interpretação de que o carro pertence ao primo de Pedro.
29
Teoria do Conhecimento
17
Antes da Idade Moderna, a atenção da filosofia voltava-se apenas sobre o objeto do conhecimento.
18
Para muitos filósofos de hoje em dia, a metafísica e a teologia não têm fundamento algum. Por isso, a partir da Idade moderna,
com essa emancipação, a teoria do conhecimento é levada mais a sério.
19
É considerado por muitos como o verdadeiro pai do ceticismo.
30
sobre todas as outras coisas, tendo sempre como base e ponto de partida o seu “eu
pensante”, a sua razão, pois esse é o núcleo que possibilita todo o conhecimento.
Empirismo - do século XVI ao XVIII - essa corrente surgiu no Reino Unido a partir de
Francis Bacon (1561-1626), passando por Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-
1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776); dentre esses, as teorias que
mais se destacam são as de Hume e de Locke; segundo os filósofos empiristas, a experiência
através dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar) é a base fundamental do
conhecimento, ou seja, o conhecimento provém principalmente da experiência sensível (ou
sensorial); essa corrente contrapõe-se ao racionalismo; por exemplo, segundo David Hume,
há ideias simples e ideias complexas; as ideias simples são cópias das impressões através dos
sentidos (por exemplo, a impressão de uma bicicleta que nós já vimos); as ideias complexas
são resultado da nossa imaginação (por exemplo, o cavalo alado Pégaso, pois ninguém nunca
viu um cavalo alado); segundo Hume, a imaginação é capaz de manipular as ideias simples e
gerar as ideias complexas; segundo Hume, associamos as ideias de causa e efeito em nossa
mente (por exemplo, quando miramos uma bola de bilhar A em direção a uma bola de bilhar
B, para acertá-la, nós pressupomos que do choque de A com B resultará o movimento de B); o
empirismo exerceu grande influência na ciência, pois graças a valorização da experiência
sensível no método científico, passou-se a buscar resultados práticos no domínio da natureza;
a partir do empirismo surgiu a metodologia científica.
Criticismo - séculos XVIII e XIX - essa corrente foi fundada por Immanuel Kant, quando,
ao tentar superar o impasse criado entre o racionalismo e o empirismo, ele fez uma crítica da
razão sobre si mesma; Kant dizia ter revolucionado a filosofia 20 ao perceber que o
conhecimento dependia mais do sujeito (ou seja, da mente humana) do que do objeto; para
ele, o entendimento possui certas estruturas que possibilitam ao sujeito conhecer o objeto tal
como este aparece; ou seja, são as formas que o sujeito possui de assimilar a realidade que
vão organizar a experiência 21; segundo Kant, é impossível conhecer a realidade ou as coisas
em si mesmas, o númeno; só é possível conhecer as coisas tal como elas aparecem para nós,
ou seja, o fenômeno.
Positivismo - a partir de Comte - em sua exaltação do saber científico, o qual é obtido
por meio de métodos apropriados, essa corrente o reconhece como a única fonte válida de
conhecimento.
Idealismo de Hegel - para Hegel, o conhecimento só se torna concreto quando se
analisa o modo como a realidade foi produzida, sendo criada e recriada pelo processo
dialético; segundo essa corrente, o mundo é derivado do pensamento, ou seja, o espírito é
responsável pelas mudanças no real.
Materialismo de Marx - segundo essa teoria, é o espírito que deriva do mundo
material; a consciência é reflexo da matéria, em constante movimento e processo de criação;
a teoria materialista, anterior a Marx, pregava o mecanicismo/determinismo, ou seja, reduzia
o homem a um mero animal condicionado pelo ambiente; entretanto, a partir de Marx, o
materialismo passa a ser dialético, e segundo este, a consciência determina e é determinada
pelo real; a ação do homem sobre o mundo o liberta.
Escola de Frankfurt - a partir de 1923 - uso da razão instrumental - para dominar a
natureza - repetindo Descartes e Marx, desta vez criticando a sociedade; os frankfurtianos
sabem que a ciência e a técnica eliminam a autonomia do sujeito, ao sufocar suas emoções
pela dominação e imposição do coletivo.
20
Ele comparou esse seu feito à revolução de Nicolau Copérnico, segundo o qual, não era o sol que girava em torno da terra, e
sim, era a terra que girava em torno do sol.
21
É muito divulgado que Kant fez uma síntese entre o racionalismo e o empirismo. Entretanto, muitos interpretes e especialistas
na obra de Kant não concordam com isso.
32
22
BARRAL, Manuel. Tecnologia, Técnica e Ciência. Revista: Discutindo Filosofia, nº 3. São Paulo: Escala Educacional, 2006.
33
A Dialética de Hegel
Georg Wihelm Friedrich Hegel, filósofo alemão (Stuttgart - 1770, Berlim - 1831), é o
preconizador da dialética, recorrendo para isso aos fragmentos de Heráclito de Éfeso, que já estava
quase esquecido desde alguns séculos, e aos diálogos entre o mesmo Heráclito e Parmênides de
Eléia. Heráclito é tão importante para o a filosofia dialética de Hegel, que este chega a dizer: “não
há um fragmento de Heráclito que eu não tenha incluído em minha lógica”.
A palavra “dialética” vem do grego dialektike (dia – através de, por meio de, entre; lektike
– palavra, razão, discurso), que significa entre (dois) discursos; entre (duas) opiniões
(provavelmente contrárias).
Poderíamos definir a dialética como a arte de dialogar, a arte do discutir. Porém, como
não discutimos só com os outros, mas também com nós mesmos, a dialética acaba sendo
considerada o método filosófico por excelência.
Toda a vida do homem é um diálogo ininterrupto. Organicamente, somos frutos do diálogo
biológico dos nossos pais terrestres. Ninguém consegue aprender sem o diálogo com os outros. E,
mesmo calados, estamos dialogando com nós mesmos.
Também podemos entender a dialética (no sentido usado por Hegel) como o método de
raciocínio que consiste em analisar a realidade, pondo em evidência suas contradições e buscando
superá-las.
Hegel concebe o processo racional como um processo dialético no qual a contradição não
é considerada como algo que se oponha à razão, nem como algo que deva ser recusado, mas como
o verdadeiro motor do pensamento. Para Hegel, o pensamento não é estático, pois nele acontece o
processo dialético.
Como processo, como desenvolvimento do pensamento, a dialética é constituída pelas
seguintes etapas: tese, antítese e síntese. Tese é afirmação. Antítese é negação da afirmação.
Síntese é negação da negação, mas pode ser considerada também como conciliação entre tese e
antítese. Por exemplo, suponhamos que eu esteja dialogando com você; eu faço alguma
afirmação, tese, e você não concorda, fazendo uma afirmação contrária, antítese; quando
entramos em acordo, ou seja, quando encontramos uma solução para o problema, essa solução é a
síntese; a síntese, por sua vez, é uma nova tese, para a qual vai haver uma nova antítese,
resultando de ambas uma nova síntese, e assim por diante.
Segundo Hegel, a dialética se aplica tanto a uma discussão, quanto à explicação da
aquisição de conhecimento, à explicação dos processos da natureza, da história, da política, etc.
Para Hegel, a verdadeira ciência do pensamento coincide com a ciência do ser.
Hegel chega ao real, ao concreto, partindo do abstrato: a razão domina o mundo e tem
por função a unificação, a conciliação, a manutenção da ordem do todo. Essa razão é dialética, pois
procede por unidade e oposição dos contrários. Aqui Hegel assim retoma Heráclito.
Tese
É a afirmação geral sobre o ser, por exemplo: a cadeira é de madeira. Tal afirmação pode
ser negada.
Antítese
Constitui a negação da tese, por exemplo: "a cadeira não é feita só de madeira", mas
produto de árvores destruídas pelo trabalho humano e pelos instrumentos utilizados pelo homem.
A antítese é a primeira negação que também pode ser negada.
Síntese
Constitui a negação da negação, nela se encontram a tese e antítese repensadas, no caso
reformuladas: a cadeira é produto do trabalho humano com o auxilio de instrumentos. A síntese
constitui uma nova tese a ser desenvolvida. Esta em constante movimento, não é estanque em
momento nenhum.
35
Filosofia da Arte
O termo “arte” procede etimologicamente do termo latino ars, que por sua vez
corresponde ao termo grego techné. Para os gregos, techné designava habilidade, perícia
ou capacidade de produzir algo, de acordo com regras. Ou seja, techné significa o que é
ordenado ou toda espécie de atividade humana submetida a regras. Seu campo
semântico se define em oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural.
Para os gregos e para os romanos, um carpinteiro era um artista: seguindo certos
conhecimentos e regras revelava habilidade e perícia, e por isso o que produzia era arte.
Nesse primeiro sentido da palavra, Platão considerava a arte uma forma de
conhecimento. Não distinguia a arte das ciências nem da filosofia (como a arte, estas são
atividade ordenadas). Ele distinguia dois tipos de arte ou técnica: as que são dedicadas
apenas ao conhecimento e as que são voltadas para direção de uma atividade com base
no conhecimento de suas regras.
Segundo Aristóteles, a ciência e a filosofia tratam do que é necessário, “o que não
pode ser diferente do que é”, mas a arte trata do que é contingente ou possível, “o que
pode ser diferente do que é”. Ele dividiu a arte, techné, em práxis (ação: política e ética) e
poíesis (fabricação: fazer objetos).
Plotino, distinguia as artes cuja finalidade é auxiliar a natureza (medicina,
agricultura) daquelas cuja finalidade é fabricar objetos com os materiais oferecidos pela
natureza (artesanato).
Na Idade Média, através de São Tomás de Aquino, efetuou-se a distinção entre
artes liberais e artes mecânicas. (Havia o pensamento de que a alma é livre e o corpo é
sua prisão. Assim, as artes liberais são superiores às mecânicas.) As primeiras exigiam
esforço mental e da sua lista constavam sete artes: a gramática, a retórica, a lógica (a arte
36
Estética
A palavra “estética” apareceu com o alemão Alexander Baumgarten por volta
de 1750 em seu livro Aesthetica23. Nessa obra, o problema principal é o da essência do
belo, ou seja, o que é o belo24.
A estética, enquanto disciplina da filosofia, é a reflexão sobre o belo natural 25
ou artístico26.
Entretanto, Immanuel Kant, em sua Terceira Crítica 27, introduz na estética uma
nova categoria, o sublime, que é um sentimento que supera o sentimento do belo. Ele
diz que “o sublime comove, o belo encanta”. Na sua visão, a tragédia 28 desperta o
sentimento do sublime, enquanto a comédia29 desperta o sentimento do belo.
Segundo Kant, diante de uma tempestade ou de uma sinfonia de Beethoven, o
sentimento, mais que o do belo, é o do sublime.
O belo é percebido através dos sentidos físicos 30, e essa sensação ou percepção
sensível serve justamente como significado para o que na Grécia antiga era chamado
de áisthesis. Dessa palavra grega deriva a moderna palavra alemã aesthetica, a qual
nós pronunciamos como estética.
Verificando os fragmentos dos textos dos filósofos pré-socráticos, encontramos
algumas referências ao belo natural em algo muito significativo para eles, como o
cósmos, a physis, etc., mas não na arte propriamente dita.
Ao que tudo indica, Platão foi o primeiro a escrever sobre os assuntos
abordados na estética, embora ele mesmo ainda nem usasse essa palavra. Ele foi o
primeiro a formular explicitamente a pergunta: “o que é o belo?”. O belo para Platão
era identificado com o bom, o justo e o verdadeiro. Entretanto, ele considerava a arte
(no sentido de mímesis, ou seja, imitação de coisas já existentes no mundo) como algo
negativo, pois as obras de arte para ele eram meras imitações das coisas sensíveis, que
por sua vez eram cópias imperfeitas das ideias, que estavam no mundo inteligível. Ou
seja, sendo a arte a imitação da imitação, ela era mais imperfeita ainda do que aquilo
que ela imitava. Apenas o que estava no mundo das ideias era belo e perfeito.
Aristóteles já encontra as portas abertas para tal assunto e, ao contrário do seu
mestre Platão, exalta e reconhece o papel da arte na vida pública.
A teoria de Aristóteles sobre o belo na obra de arte se encontra num livro, hoje
incompleto, chamado Poética. Nele, Aristóteles faz uma abordagem geral de todas as
manifestações da arte existentes na Grécia de sua época.
23
BAUMGARTEN, Alexander Gottlieb. Estética, A lógica da arte e do poema . Traduzido por Miriam Sutter Medeiros. Petrópolis:
Vozes, 1993.
24
Entretanto, esse problema já havia sido investigado na antigüidade especialmente por Platão, Aristóteles e Plotino. Cabe
lembrar que, na Grécia clássica, a reflexão sobre o belo era separada da reflexão sobre a arte, a qual era chamada de poética.
25
Por exemplo, a beleza do rosto de uma pessoa; a beleza de uma paisagem; a beleza do entardecer.
26
Por exemplo, a beleza de uma escultura; a beleza de uma pintura. Nesse caso, estética é a mesma coisa que filosofia da arte.
27
KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Traduzido por Valeriuo Rohden e António Marques — 2a edição — Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1993.
28
Drama representado no teatro.
29
Idem
30
Por exemplo, se percebe a beleza de uma escultura através da visão; se percebe a beleza de uma música através da audição.
38
a) as que possuem uma utilidade prática, isto é, completam o que falta na natureza;
b) as que imitam a natureza, mas também podem abordar o que é impossível,
irracional, inverossímil.
Segundo Aristóteles, o que confere beleza a uma obra de arte é a sua
proporção, simetria, ordem, isto é, uma justa medida.
Para Aristóteles, a arte (no sentido de mímesis, ou seja, imitação de coisas já
existentes no mundo) é uma imitação sim, mas não uma imitação vulgar como
pensava Platão. É uma imitação até mais que perfeita da natureza. O artista é um
imitador da natureza, mas nem por isso ele deixa de ser um criador. O que ele imita
não é o aspecto superficial das coisas sensíveis, e sim a natureza interna destas. Ou
seja, o artista imita a essência das coisas.
Na Poética, Aristóteles fala da poesia e do teatro, no qual é representado o
drama, que se divide em comédia e tragédia. Mas dá mais ênfase ao estudo das
tragédias, que se caracterizam pela luta das personagens principais 31 contra o
destino32, o qual muitas vezes é profetizado, porém, de acordo com as crenças da
Grécia antiga, sempre é inevitável. Essa luta muitas vezes é inconsciente, ou seja, as
personagens não sabem que estão lutando contra o seu próprio destino.
Na estrutura das peças trágicas, se destacam três conceitos: a peripécia, o
reconhecimento e a catarse.
A peripécia (ou reviravolta) é uma mudança no rumo dos acontecimentos. Essa
mudança se dá de modo que os acontecimentos venham justamente em direção
oposta, contrariando o rumo anterior dos acontecimentos. Porém, tal reviravolta só
acontece no rumo dos acontecimentos, e não do destino, que é infalível.
O reconhecimento ocorre quando o herói descobre a submissão da sua vida ao
destino, contra o qual nada pode fazer. Para Aristóteles, o mais belo reconhecimento
é o que acontece junto com a peripécia.
A catarse talvez seja, para Aristóteles, a mais importante função da tragédia,
pois através da catarse, o público se purifica e se livra do que poderia sentir e praticar
de ruim.
A compaixão e o medo sentidos diante das cenas chocantes na apresentação da
tragédia, encenada por atores no palco do teatro, faz com que os espectadores
percebam certos aspectos de sua natureza íntima. Ou seja, as cenas trágicas expõem
(ou tornam explícitos), diante do público que assiste ao teatro, os sentimentos ruins
dos próprios espectadores e as ações ruins que estes não praticam para não serem
reprimidos pelos outros (pela sociedade). Desse modo, esses espectadores se livram
desses sentimentos e ficam impedidos de praticar tais ações, que por serem
reprimidas pela sociedade, poderiam a qualquer momento estourar no indivíduo (caso
não houvesse essas peças).
Então, para Aristóteles, a tragédia funciona como uma espécie de descarga, e é
nesse sentido que ela tem uma função educativa, função esta muito importante para o
público grego daquela época.
Durante a Idade Média, o Cristianismo difundiu uma nova concepção de beleza,
tendo como fundamento a identificação de Deus com a beleza, o bem e a verdade.
31
Aristóteles se refere aos heróis trágicos (Édipo, por exemplo), que são nobres e se situam entre os homens e os deuses.
32
As moiras (em grego: Μοῖραι), na mitologia grega, eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto
dos seres humanos.
39
Santo Agostinho (354-430 d. C.) concebeu a beleza como todo harmonioso, isto é, com
unidade, número, igualdade, proporção e ordem. A beleza do mundo não é mais do
que o reflexo da suprema beleza de Deus, de onde tudo emana. A partir da beleza das
coisas podemos chegar à beleza suprema (a Deus).
São Tomás de Aquino (1226-1274 d. C.) identificou a beleza com o Bem. As
coisas belas possuem três características ou condições fundamentais: a) integridade
ou perfeição (o inacabado ou fragmentário é feio); b) a proporção ou harmonia (a
congruência das partes); c) a claridade ou luminosidade. Como em Santo Agostinho, a
beleza perfeita identificou-se com Deus.
No Renascimento (séculos XV só em Itália, e XVI em toda a Europa), os artistas
adquirem a dimensão de verdadeiros criadores. Os gênios têm o poder de criar obras
únicas, irrepetíveis. Começa a desenvolver-se uma concepção elitista da obra da obra
de arte: a verdadeira arte é aquela que foi criada unicamente para o nosso deleite
estético, e não possui qualquer utilidade. Entre as novas ideias estéticas que então se
desenvolvem são de destacar as seguintes:
a) Difusão de concepções relativistas sobre a beleza. O belo deixa de ser visto como
algo em si, para ser encarado como algo que varia de país para país, ou conforme o
estatuto social dos indivíduos. Surge o conceito de "gosto".
b) Difusão de uma concepção misteriosa da beleza, ligada à simbologia das formas
geométricas e aos números, inspirada no pitagorismo e neoplatonismo.
c) Difusão de uma interpretação normativa da estética aristotélica. Estabelecem-se
regras e padrões fixos para a produção e a apreciação da arte.
Entre os séculos XVI e XVIII predominaram as estéticas de inspiração
aristotélica. Procurara-se definir as regras para atingir a perfeição na arte. As
academias que se difundem a partir do século XVII, velam pelo seu estudo e aplicação.
Na segunda metade do século XVIII, a sociedade europeia atravessava uma
profunda convulsão. O começo da Revolução Industrial, a Guerra da Independência
Americana e a Revolução Francesa criaram um clima propício ao aparecimento de
novas ideias.
O principal movimento artístico desse período foi o neoclássico, que toma
como fonte de inspiração as antigas Grécia e Roma. A arte neoclássica será utilizada
de forma propagandística durante a revolução francesa e no Império napoleônico.
É nesse contexto que surge Immanuel Kant, um dos filósofos que mais
influenciou a estética contemporânea. Para Kant, os nossos juízos estéticos têm um
fundamento subjetivo, dado que não se podem apoiar em conceitos determinados. O
critério de beleza que neles se exprime é o do “prazer desinteressado” que suscita a
nossa adesão. Apesar de subjetivo, o juízo estético aspira a universalidade.
Ao longo do século XIX a arte atravessa profundas mudanças. O academismo é
posto em causa; artistas como Courbet, Monet, Manet, Cézanne ou Van Gogh abrem
uma ruptura com as suas normas e convenções, preparando desta maneira o terreno
para a emergência da arte moderna. Surge então múltiplas correntes estéticas, sendo
de destacar as seguintes:
a) A romântica, que proclama um valor supremo para a arte (F. Schiller, Schlegel,
Schelling, etc). Exalta o poder dos artistas, os quais através das suas obras revelam a
forma suprema do espírito humano, o Absoluto.
b) A realista, que defende o envolvimento da arte nos combates sociais. As obras de
arte assumem muitas vezes, um conteúdo político manifesto.
40
Ética
Definição de Ética e de Moral
Ética é a disciplina que estuda o comportamento moral dos homens em
sociedade; é um estudo da essência da moral.
A moral, enquanto objeto de estudo da ética, é constituída por um certo tipo
de atos humanos: os atos conscientes e voluntários dos indivíduos que afetam outros
indivíduos, determinados grupos sociais ou a sociedade em seu conjunto.
Os atos morais dizem respeito a, no mínimo, dois indivíduos (o que pratica a
ação e o que é afetado pela mesma ação; por exemplo: o ato de uma pessoa pedir a
mão de outra em casamento, um ato de caridade, ou até mesmo um assassinato,
embora este seja um ato reprovável) ou a vários indivíduos (quando várias pessoas
participam de uma mesma ação e/ou quando várias pessoas são afetadas pela mesma
ação; por exemplo: o ato coletivo de uma torcida agredir com paus e pedras a torcida
do time adversário). Se um indivíduo pratica um ato que diga respeito apenas a si
mesmo, então já não se trata de um ato moral.
Os atos morais dividem-se em atos moralmente aprováveis e atos moralmente
reprováveis.
Significado das Palavras “Ética” e “Moral”
A palavra “moral” vem da palavra latina mos ou mores, que significa costume
ou costumes, no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito. A
moral se refere, assim, ao comportamento adquirido ou modo de ser conquistado pelo
homem.
A palavra “ética” vem da palavra grega ethos, que significa analogamente modo
de ser ou caráter, enquanto forma de vida também adquirida ou conquistada pelo
homem.
Assim, portanto, originalmente, ethos e mos, “caráter” e “costume”, assentam-
se num modo de comportamento que não corresponde a uma disposição natural, mas
que é adquirido ou conquistado por hábito. É precisamente esse caráter não natural
da maneira de ser do homem que lhe confere sua dimensão moral, de acordo com
alguns dos antigos filósofos gregos e romanos.
Condições para A Responsabilidade Moral
Há algumas condições para que a pessoa possa ser responsabilizada
moralmente quanto aos atos que pratica. São elas:
a) consciência: a pessoa tem que estar em perfeitas condições mentais, sã (lúcida) e
consciente do ato que pratica; se a pessoa ignora as circunstâncias e as conseqüências
do seu ato, então não pode ser responsabilizada moralmente por esse mesmo ato;
por exemplo, se Fulano, em seu passeio pelo bosque, encontrou um objeto (um
artefato metálico em formato de abacaxi), e não sabendo do que se tratava, logo em
seguida entregou o artefato a Cicrano, nas mãos de quem se desfragmentou e
explodiu, fazendo com que os pedaços do corpo de Cicrano voassem pelos ares,
Fulano não pode ser responsabilizado moralmente por isso; só poderia ser
responsabilizado se soubesse que era uma bomba com potencial para causar a morte
de alguém;
41
b) liberdade: a pessoa tem que estar em condições de optar e agir por si própria; se
está sendo obrigada a praticar um ato contra a sua vontade, então não pode ser
responsabilizada moralmente por esse mesmo ato; por exemplo, se um funcionário de
um banco entregou todo o dinheiro do cofre porque alguns assaltantes estavam
apontando uma arma para sua cabeça, esse funcionário não pode ser responsabilizado
moralmente por isso; só poderia ser responsabilizado moralmente se entregasse o
dinheiro de livre e espontânea vontade, ou se tivesse participado da trama do assalto
de livre e espontânea vontade.
Problemas Morais e Problemas Éticos
Os problemas éticos são problemas de caráter mais teórico.
Exemplos de problemas éticos:
O que é o bem? O que é a justiça? Qual o mais importante: o bem ou a justiça? Há
alguma circunstância em que a prática do aborto poderia ser justificada? Há alguma
circunstância em que a prática da eutanásia poderia ser justificada? Existem normas
morais universais (ou seja, normas válidas e que devem ser seguidas em todo o mundo
por todas as pessoas), ou cada sociedade ou grupo com a sua cultura específica possui
suas próprias normas morais (as quais, embora seguidas apenas por determinada
sociedade ou por determinado grupo, devem ser respeitadas e toleradas pelas outras
sociedades e pelos outros grupos no mundo)?
Essas são questões que não obrigam o indivíduo a tomar qualquer atitude
referente a outro indivíduo. Quando muito, essas questões apenas incitam à reflexão.
E as respostas para essas questões, quaisquer que sejam, serão respostas teóricas.
Já os problemas morais são problemas com os quais os indivíduos se deparam no dia-
a-dia e têm que resolver o que fazer. Ou seja, a situação exige uma resposta prática
por parte do indivíduo. E diante desses problemas, o que for feito pelo indivíduo, de
fato, terá conseqüências na vida de outra pessoa.
Exemplos de problemas morais:
Devo cumprir a promessa que fiz ontem ao um amigo meu, embora hoje
perceba que o cumprimento me custará certos prejuízos? Se alguém se aproxima de
mim, à noite, de maneira suspeita e receio que possa me agredir, devo atirar nele,
aproveitando que ninguém pode me ver, a fim de não correr o risco de ser agredido?
Devo dizer sempre a verdade ou há ocasiões em que devo mentir? Quem, numa
guerra de invasão, sabe que um amigo seu está colaborando com o inimigo, deve calar,
por causa da amizade, ou deve denunciá-lo como traidor? Se eu encontro uma
carteira com muito dinheiro e documentos através dos quais eu possa identificar e
encontrar a pessoa que deu o azar de perder, o que eu devo fazer: não entregar nada
e ficar com o dinheiro, entregar apenas os documentos e não o dinheiro, ou entregar a
carteira com tudo o que foi achado nela?
Juízos Morais
Exemplos de juízos morais:
Fulano agiu bem, ao denunciar o seu amigo traidor. Fulano agiu desonestamente, ao não ter
entregue o dinheiro que achou na rua, posto que podia encontrar o dono do dinheiro. Ao não
cumprir o que prometeu, Cicrano agiu de maneira reprovável.
Desta maneira temos, pois, de um lado, atos e formas de comportamentos dos
homens em face de determinados problemas, que chamamos morais, e, do outro lado, juízos
que aprovam ou desaprovam moralmente os mesmos atos. Mas, por sua vez, tanto os atos
42
quanto os juízos morais pressupõem certas normas que apontam o que se deve fazer. Assim,
por exemplo, o juízo “Fulano devia ter denunciado o seu amigo Cicrano por traição”,
pressupõe a norma “os interesses da pátria devem ser postos acima dos da amizade”.
Os problemas éticos se caracterizam pela sua universalidade / generalidade. Já os
problemas morais se caracterizam por dizer respeito ao indivíduo que pratica a ação. Se na
vida real um indivíduo concreto enfrenta uma determinada situação, deverá resolver por si
mesmo, com a ajuda de uma norma que reconhece e aceita intimamente, o problema de como
agir de maneira a que sua ação possa ser boa, isto é, moralmente valiosa. Será inútil recorrer à
ética com a esperança de encontrar nela uma norma de ação para cada situação concreta. A
ética poderá dizer-lhe, em geral, o que é um comportamento pautado por normas, ou em que
consiste o fim — o bom — visado pelo comportamento moral, do qual faz parte o
procedimento do indivíduo concreto ou o de todos. O problema do que fazer em cada
situação concreta é um problema prático-moral e não teórico-ético. Ao contrário, definir o
que é o bom não é um problema moral cuja solução caiba ao indivíduo em cada caso
particular, mas um problema geral de caráter teórico, de competência do investigador da
moral, ou seja, do ético. Assim, por exemplo, na antiguidade grega, Aristóteles se propõe o
problema teórico de definir o que é o bom:
Voltemos agora para o bem que estamos procurando, e vejamos qual a sua natureza. Em uma atividade ou arte
ele tem uma aparência, e em outros casos outras. Ele é diferente em medicina, em estratégia e o mesmo acontece
nas artes restantes. Que é então o bem em cada uma delas? Será ele a causa de tudo que se faz? Na medicina ele é
a saúde, na estratégia é a vitória, na arquitetura é a casa, e assim por diante em qualquer outra esfera de atividade,
ou seja, o fim visado em cada ação e propósito, pois é por causa dele que os homens fazem tudo mais. Se há
portanto um fim visado em tudo que fazemos, este fim é o bem atingível pela atividade, e se há mais de um, estes
são os bens atingíveis pela atividade. Assim a argumentação chegou ao mesmo ponto por um caminho diferente,
mas devemos tentar a demonstração de maneira mais clara.
Já que há evidentemente mais de uma finalidade, e escolhemos algumas delas (por exemplo, a riqueza, flautas ou
instrumentos musicais em geral) por causa de algo mais, obviamente nem todas elas são finais; mas o bem supremo
é evidentemente final. Portanto, se há somente um bem final, este será o que estamos procurando, e se há mais de
um, o mais final dos bens será o que estamos procurando. Chamamos aquilo que é mais digno de ser perseguido em
si mais final que aquilo que é digno de ser perseguido por causa de outra coisa, e aquilo que nunca é desejável por
causa de outra coisa chamamos de mais final que as coisas desejáveis tanto em si quanto por causa de outra coisa, e
portanto chamamos absolutamente final aquilo que é sempre desejável em si, e nunca por causa de algo mais.
Parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este bem supremo, pois a escolhemos sempre
por si mesma, e nunca por causa de algo mais; mas as honrarias, o prazer, a inteligência e todas as outras formas de
excelência, embora as escolhamos por si mesmas (escolhê-las-íamos ainda que nada resultasse delas), escolhemo-las
por causa da felicidade, pensando que através delas seremos felizes. Ao contrário, ninguém escolhe a felicidade por
causa das várias formas de excelência, nem, de um modo geral, por qualquer outra coisa além dela mesma. 33
33
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Mário da Gama Kury. 3a ed. Brasília: Editora da UNB, 1999. 23. Livro I. Cap. 7.
43
desequilíbrio nas ações leva à deficiência moral ou vício. O vício, por sua vez, leva à
infelicidade, e a virtude leva à felicidade.
Problemas éticos – são problemas teóricos com que os filósofos da ética se ocupam e expõem nos livros de ética; exemplos de
problemas éticos:
• O que é o bem?
Problemas morais – são aqueles com que nos deparamos no dia-a-dia e cujas respostas se mostram em forma de ações (ou atos
morais) que afetam a vida de outras pessoas; exemplos de problemas morais:
• O que fazer quando a caixa do supermercado se atrapalhou e te deu o troco acima do valor: ficar com o dinheiro? Devolver o
dinheiro que recebeu a mais?
• O que fazer quando, numa bela manhã, numa rua sem ninguém por perto testemunhando, você, que está sem nenhum
dinheiro, encontra na sua frente uma carteira cheia de dinheiro e documentos: passar por ela sem tocar na mesma? Apanhar a
mesma e não devolver nada? Apanhar a mesma e devolver apenas os documentos? Apanhar a mesma e devolver tudo à pessoa
que a perdeu?
• Eu estou grávida e sem nenhuma condição financeira de cuidar de uma criança: devo abortar? Devo ter a criança e criar?
Devo ter a criança e dar para alguém adotar?
Ato moral – ato consciente e voluntário de um ou mais indivíduos que afeta outro ou outros indivíduos. Pode ser aprovável ou
reprovável.
Costume, hábito ou comportamento – conjunto de atos morais do mesmo tipo que a pessoa vai praticando durante a vida.
Aristóteles dizia que só é possível avaliar o comportamento de uma pessoa depois de a mesma já ter morrido.
Virtude – costume ou hábito bom, louvável, chamado por Aristóteles por uma expressão grega correspondente a “excelência
moral”.
Vício - costume ou hábito ruim, deplorável, chamado por Aristóteles por uma expressão grega correspondente a “deficiência
moral”.
Norma moral – é uma regra que, embora não esteja escrita em nenhum livro (e portanto não sendo cabível coerção ou punição
pelo seu descumprimento), alguns filósofos supõem que a noção da mesma se encontra presente em todas as nossas
consciências, noção essa que nos indica o que é certo ou errado praticarmos; alguns filósofos dizem que as normas morais são
universais, outros filósofos contextualizam e dizem que as normas morais variam de época para época e de povo para povo.
Norma jurídica – é a lei escrita que vigora na sociedade, cujo descumprimento acarreta em coerção ou punição; toda norma
jurídica é ao mesmo tempo uma norma moral, mas nem toda norma moral já se tornou uma norma jurídica.
Juízo moral – é a avaliação que nós fazemos dos atos morais dos outros, classificando-os como louváveis, deploráveis, bons,
ruins, etc.
Juízo de valor – é a associação que fazemos, em nossas mentes, de coisas e ações com as ideias de bom ou mau; essa associação
costuma ser guiada pelas noções de bem e mal que temos em mente; todo juízo moral é um juízo de valor, mas nem todo juízo
de valor é um juízo moral; por exemplo, como disse Aristóteles, o maior bem é a felicidade, então todas as ações humanas
devem ser equilibradas, e portanto, boas para atingir a felicidade. Ou seja, Aristóteles julgou que o equilíbrio ou moderação nas
ações é algo bom.
44
* * *
* * *
* * *
34
Monarquia, tirania, aristocracia, oligarquia, democracia, etc.
35
Estrangeiros, mulheres, escravos e crianças ficavam de fora.
36
A palavra grega “democracia” é composta pelas duas palavras démos (que inicialmente designava os diversos distritos que
constituíam as dez tribos em que a cidade de Atenas fora dividida pelo legislador Clístenes, no século VI a.C., e posteriormente
passou a significar genericamente povo ou comunidade de cidadãos) e kratía (que deriva de krátos, o qual significa governo,
poder). Portanto a palavra grega “democracia” significa governo do povo.
37
Clístenes (Atenas, 565 a.C. – 492 a.C.) promoveu reformas na democracia ateniense.
45
38
Maquiavel, no livro O Príncipe, trata da política promovida pelos monarcas, embora os conceitos e teorias presentes nesse livro
sirvam como referencia para todas as formas de governo.
46
39
Zoon politikón.
40
Zoon logikón.
41
Idem.
47
42
Derivado do nome do próprio Maquiavel.
43
Homo homini lupus.
44
Bellum omnia omnes.
48
45
Jó 41.
49
Com efeito, cada indivíduo pode, como homem, ter uma vontade particular oposta ou diversa da
vontade geral que tem como cidadão. Seu interesse particular pode ser muito diferente do interesse
comum... 46
Entretanto, Rousseau diz também que mesmo que um indivíduo possa ter uma vontade
particular oposta à vontade geral, ele não deve se recusar a obedecer à vontade geral.
Segundo Rousseau, o estado civil nasce com o pacto social, e sucede o estado de natureza,
no qual impera a lei do mais forte.
Contrariando o pensamento medieval de que todo poder emana de Deus, Rousseau disse
que “todo poder emana do povo”. Dez anos após a sua morte, os franceses, influenciados por suas
ideias, tomaram a Bastilha, decapitaram o rei e revolucionaram a França.
Ideologia
Esse termo foi criado por Destut de Tracy ( Idéologie, 1801), para designar “a análise das sensações e
das ideias”, segundo o modelo de Condillac.
A ideologia constitui a corrente filosófica que marca a transição do empirismo iluminista para o
espiritualismo tradicionalista e que floresceu na primeira metade do século XIX. Como alguns ideologistas
franceses eram hostis a Napoleão Bonaparte, este empregou o termo “ideologia” em sentido depreciativo,
pretendendo com isso identificá-los como “sectários” ou “dogmáticos”, pessoas com falta de senso político e,
em geral, sem contato com a realidade. Aí começa a história do significado moderno desse termo, não mais
empregado para designar qualquer espécie de análise filosófica, mas uma doutrina mais ou menos destituída
de validade objetiva, porém mantida pelos interesses claros ou ocultos daqueles que a utilizam.
Nesse sentido, em meados do século XIX, a noção de ideologia passou a ser fundamental no
marxismo, sendo um dos maiores instrumentos na luta contra a chamada cultura “burguesa”. Karl Marx de
fato afirmava que as crenças religiosas, filosóficas, políticas e morais dependiam das relações de produção e
de trabalho, na forma como estes se constituem em cada fase da história econômica.
Ao observar e mostrar as diferenças entre as classes sociais, Marx mostra também as diferenças
entre as ideologias próprias de cada classe, e declara que “a ideologia dominante é a ideologia da classe
dominante”47.
Hoje, por ideologia entende-se o sectarismo por um conjunto dessas crenças religiosas, filosóficas,
políticas e morais. Essa noção de sectarismo foi atribuída à palavra “ideologia” por Napoleão. E essa noção
de conjunto de crenças foi atribuída a essa palavra por Marx.
Alienação
Na linguagem comum, a palavra “alienação” significa perda de posse, de um afeto ou dos poderes
mentais. Essa palavra foi empregada pelos filósofos com certos significados específicos.
Rousseau usou essa palavra para identificar a passagem dos direitos naturais ao direito civil,
passagem essa efetuada através do contrato social. Sobre isso, ele diz: “as cláusulas desse contrato
reduzem-se a uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, a toda a
comunidade”.
Na sociedade, segundo Rousseau, os indivíduos se submetem a contratos. Isso é alienar-se.
Hegel usou essa palavra para indicar o alheamento da consciência quanto a si mesma, pelo qual se
considera como uma coisa, como algo que pode ser pensado. Esse alhear-se é a fase do processo que vai da
consciência à autoconsciência.
Esse conceito puramente especulativo foi retomado por Karl Marx, nos seus textos juvenis, para
descrever a situação do operário no regime capitalista. Segundo Marx, Hegel cometeu o erro de confundir
objetivação com alienação. Marx diferencia ambos os conceitos. Para ele, objetivação é o processo pelo qual
o homem se coisifica, isto é, exprime-se ou exterioriza-se na natureza através do trabalho, enquanto a
alienação é o processo pelo qual o homem se torna alheio a si, a ponto de não se reconhecer. Enquanto a
objetivação não é um mal ou uma condenação, por ser o único caminho pelo qual o homem pode realizar a
sua unidade com a natureza, a alienação é o dano ou a condenação maior da sociedade capitalista. Nesta, a
propriedade privada produz a alienação do operário.
No processo da alienação, segundo Marx, o trabalhador vende a sua força de trabalho ao dono do
meio de produção (o patrão). Então, o produto do trabalho passa a ser algo estranho ao próprio trabalhador,
46
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrado Social. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. 3 a ed. São Paulo: Martins Fontes,
1996. Capítulo VII (Do Soberano). Pp. 23 a 25.
47
MARX, Karl. A Ideologia Alemã. Tradução de Luis Cláudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
50
que já não é o proprietário do mesmo e nem sabe o seu destino. O dono do meio de produção é quem
dispõe do produto do trabalho alheio, e quem futuramente poderá vender esse mesmo produto, ficando com
o lucro.
Marx, ao se referir à alienação do operário, diz o seguinte: “logo, no seu trabalho, ele não se afirma,
mas se nega, não se sente satisfeito, mas infeliz... E somente fora do trabalho sente-se junto de si mesmo, e
sente-se fora de si no trabalho”.
O médico francês Philippe Pinel, considerado por muitos como o pai da psiquiatria, criou uma
especialidade médica chamada de “alienismo”, e usou o termo “alienado” para se referir a doente mental,
introduzindo o enfoque na abordagem da alienação mental.
O pisicanalista Jacques Lacan usa o termo “alienação” para especificar as relações entre o sujeito e o
outro, como a dependência do sujeito para com o outro.
Referências Bibliográficas:
CAIO, José Sotero. Rumo à Filosofia do Futuro. Rio de Janeiro: Imprensa Metodista e
Instituto Metodista Bennett, 1982.
CUNHA, José Auri. Filosofia: iniciação à investigação filosófica . São Paulo: Atual
Editora, 1992.