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Robyn Carr

Virgin River 03
A Rocha Dos Sussurros

1
Sinopse

A comunidade coesa de Virgin River tem sido um refúgio seguro para mais de algumas almas
perdidas ao longo dos anos, e há sempre espaço para mais uma...
Um reservista condecorado da Marinha dos EUA, policial de Los Angeles, Mike Valenzuela
foi gravemente ferido no cumprimento do dever, mas encontrou esperança e cura em Virgin River.
Quando ele concorda em se tornar o primeiro policial do povoado, faz isso sabendo que é hora de
se estabelecer. Duas vezes divorciado e amante de muitas mulheres, ele anseia secretamente pelo
tipo de compromisso e felicidade que seus amigos fuzileiros encontraram, uma mulher que pode
amarrar o seu coração para sempre. Ele acha a mulher em Brie Sheridan, uma promotora de
Sacramento que compreende seu ímpeto para proteger e servir. Virgin River torna-se um refúgio
seguro para Brie depois de quase perder a vida nas mãos de um louco criminoso. Embora dura e
corajosa, ela tem alguns medos dos quais não pode escapar, mas agora tem alguém que vai
mostrar para ela o que significa confiar novamente.
Mike vai fazer de tudo para ajudar Brie a se libertar de memórias dolorosas. Apaixonado,
forte e gentil, ele promete devolver a ela o que ela tão abnegadamente lhe deu, o seu coração, e
com ele, um novo começo.

Capítulo 1
2
Mike Valenzuela estava acordado e com o jipe carregado muito antes do nascer do sol.
Tinha uma longa viagem até Los Angeles e queria sair cedo. Dependendo do tráfego ao redor da
área da baía, a viagem seria entre oito e dez horas desde Virgin River. Ele trancou o trailer, que
era a sua casa. Deixou-o no bar de Jack para que esse e Pastor ficassem de olho nele enquanto
estivesse fora, não que Mike esperasse qualquer tipo de problema. Aquela era uma das muitas
razões pelas quais decidiu viver em Virgin River: era um lugar sossegado. Um povoado pequeno
e tranquilo no qual não havia nada que pudesse perturbar sua paz de espírito. Mike já teve o
suficiente em sua vida anterior.
Antes de vir para Virgin River permanentemente, Mike tinha feito muitas viagens para o
Condado de Humboldt, povoado montanhoso, para caça e pesca. Para se reunir com o antigo
esquadrão de fuzileiros que ainda estava perto. Seu trabalho em tempo integral tinha sido como
policial, um sargento da divisão de gangues. Isso tudo tinha terminado quando foi baleado em
serviço, levou três tiros e teve que trabalhar duro para se recuperar. Precisava da comida forte
do Pastor e da ajuda da mulher de Jack, Mel com a fisioterapia no ombro. Depois de seis meses,
Mike estava tão perto de ficar completamente recuperado, quanto podia.
Desde que se mudou para Virgin River tinha estado em casa apenas uma vez para visitar
seus pais, irmãos e suas famílias. Ele planejava levar uma semana, um dia dirigindo em cada
sentido e cinco dias com aquela multidão sorridente dançante de mexicanos. Conhecendo as
tradições de sua família, seria uma festa sem parar. Sua mãe e irmãs iriam cozinhar de manhã
até a noite, seus irmãos estocariam a geladeira com cerveja, amigos da família e amigos policiais
do departamento passariam por lá. Seria um ótimo momento, um grande regresso a casa depois
de sua longa recuperação.
Estava dirigindo há três horas quando seu celular toca. O som o sobressaltou. Em Virgin
River não havia cobertura, então a última coisa que esperava era um telefonema.
— Alô? — Ele respondeu.
— Eu preciso de um favor — disse Jack, sem rodeios.
Estava com a voz rouca, como se acabasse de acordar. Certamente nem sequer se
lembrava de que Mike se dirigia para o sul.
Mike olhou para o relógio. Ainda não eram nem sete da manhã. Ele riu.
— Bem, claro, mas eu estou quase em Santa Rosa, por isso pode ser inconveniente me
aproximar de Garberville para comprar gelo para o bar, mas ei…
— Mike, é Brie — disse Jack.
Brie é a irmã mais nova de Jack, sua mascote, sua favorita. E ela era muito especial para
Mike.
— Ela está no hospital.
Mike esteve a ponto de sair da estrada.
— Espere — disse ele.
— Fique aí. — Ele saiu da estrada para o acostamento, olhando para ver se era seguro.
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Então respirou fundo. — Vá em frente. — Ele disse.
— Ela foi agredida em algum momento na noite passada — disse Jack. — Espancada e
estuprada.
— Não! — Disse Mike. — O que?
Jack não repetiu.
— Meu pai me ligou há pouco. Mel e eu já estamos fazendo as malas, vamos pegar a
estrada o mais rápido que pudermos. Escute, preciso de alguém que conhece a aplicação da lei,
a criminologia, para fazer o caminho do que está acontecendo com ela, para mim. Eles não tem
o cara que fez isso. Tem que ter uma investigação. Certo?
— Quão ruim ela está? — Perguntou Mike.
— Meu pai não entrou em detalhes, mas ela já saiu da emergência, está em um quarto,
sedada e semi consciente, não vai precisar de cirurgia. Pode anotar alguns telefones? Você pode
manter o seu celular ligado para que eu possa chamá-lo. Perguntas? Esse tipo de coisa?
— Claro. Sim — disse Mike. — Me passa os números.
Jack forneceu os números do hospital, do pai de Jack, Sam e do velho celular de Mel que
eles vão recarregar a caminho de Sacramento e depois levar com eles.
— Será que eles têm um suspeito? Será que ela conhece o cara?
— Não sei de nada, exceto seu estado. Depois de pegar a estrada, se o telefone recarregar
e estivermos fora das montanhas e através da floresta de sequoias, vou ligar para o meu pai e
ver o que ele pode me dizer. Agora eu tenho que ir. Tenho que ir lá em baixo.
— Certo — disse Mike. — Tudo bem. O meu telefone vai ficar no meu bolso vinte e quatro
horas. Vou ligar para o hospital, ver o que posso descobrir.
— Obrigado, aprecio isso — disse Jack, desligando.
Mike permaneceu no acostamento olhando para o telefone por um longo minuto,
impotente. Brie não, pensou. Oh Deus, Brie não!
Sua mente se transportou para os momentos que passaram juntos. Alguns meses atrás, ela
estava em Virgin River para ver seu novo sobrinho, o bebê de Jack e Mel. Mike a levou a um
piquenique no rio, para um lugar especial onde o rio era amplo, mas não era suficientemente
profundo para os pescadores, para se preocupar. Eles almoçaram contra uma pedra grande,
perto o suficiente para ouvir o sussurro da água quando passava por cima das rochas. Era um
lugar frequentado por jovens amantes e adolescentes, aquela enorme rocha devia ter
contemplado coisas maravilhosas na margem do rio e devia guardar muitos segredos.
De fato, guardava também um segredo de Mike. Ele segurou a mão de Brie por muito
tempo naquele dia, e ela não o afastou. Foi a primeira vez que percebeu que ela era uma mulher
especial para ele. Apaixonou-se. Aos trinta e sete anos, apaixonou-se como se fosse um homem
velho, mas dane-se, sentia-se como se tivesse dezesseis.
Quando Mike conheceu Brie pela primeira vez há alguns anos, ele tinha ido ver o irmão
dela, enquanto Jack estava de licença, visitando sua família em Sacramento antes de sua última
missão no Iraque. Naquela época, Mike ignorava que a unidade a que ele pertencia e que estava
na reserva podia ser também ativada e ao final, ele também terminou no Iraque, sob as ordens
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de seu amigo. É obvio, Brie estava então em Sacramento e acabava de se casar com um policial.
Um bom sujeito, pelo que Mike pode observar. Brie trabalhava como promotora do condado em
Sacramento, a capital do estado. Era uma mulher pequena, por volta de um metro e sessenta,
com longos cabelos castanhos que fluíam quase até a cintura e a fazia parecer quase uma
menina. Mas não era uma menina. Tinha encarcerado muitos criminosos, além da fama de ser
uma das promotoras mais duras do condado. Mike admirou imediatamente sua inteligência e
sua coragem, sem mencionar sua beleza. Durante o que ele chamava de sua “vida anterior”,
Mike nunca deixou que o desanimasse a presença de um marido, mas quando conheceu Brie,
estava recém-casada, além disso, muito apaixonada; para ela não existia nenhum outro homem
a não ser seu marido.
Quando Mike tornou a vê-la em Virgin River, depois do nascimento do filho de Jack, Brie
estava tentando se recuperar de um doloroso divórcio: seu marido a deixou por sua melhor
amiga e Brie estava destroçada. Sentia-se sozinha, ferida. Bastava vê-la para sentir vontade de
abraçá-la e oferecer seu consolo, porque ele também estava ferido. Mas Brie, triste pela
infidelidade de Brad, estava decidida a evitar que partissem seu coração novamente e não
queria saber nada de homens, menos ainda de outro mulherengo com um agitado histórico
sentimental. Como se não bastasse: Brie era irmã de Jack e este a protegia até um ponto que
chegava ao ridículo. Além disso, Mike deixou de ser um Dom Ruan. Era um aleijado. O corpo já
não respondia como antes de ser baleado.
Passaram-se algumas semanas desde a última vez em que a viu. Brie retornou a Virgin River
com o resto da família para ajudar a erguer a estrutura da casa nova de Jack. Pastor e a noiva
dele, Paige se casaram assim que a estrutura ficou pronta. Para um homem que mal conseguia
andar há seis meses, Mike ofereceu a Brie um baile mais que decente durante a celebração do
casamento. Foi uma festa fantástica cheia de boa comida tradicional, churrascos, as cadeiras
empurradas para trás e a banda situada na fundação da casa inacabada de Jack, a estrutura
adornada com guirlandas de flores. Ele agarrou-a, rindo, em seus braços e girou em torno dela
com abandono, e sempre que o ritmo permitia, pressionava sua bochecha contra a dela,
sussurrando em diversão conspiratória:
— Seu irmão está nos observando com o cenho franzido.
— Pergunto-me por quê.
— Eu acho que ele não quer te ver perto de nenhum homem que se pareça tanto com ele.
Aquilo a divertiu. Brie inclinou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.
— Não se iluda. Esse cenho não tem nada a ver com seu grande êxito com as mulheres. É
um homem e está perto de sua irmãzinha. Isso é o suficiente.
— Já não é uma criança — replicou Mike, estreitando-a contra ele. — E acredito que você
adora provocá-lo. Não é consciente de que Jack tem um temperamento perigoso?
— Não comigo — respondeu Brie em um sussurro.
Mike jurou que também o abraçou então com mais força.
— Existe uma diabinha dentro de você — respondeu Mike, e a beijou no pescoço.
— E você é um tolo — respondeu Brie, inclinando a cabeça ligeiramente para permitir um
melhor acesso a seu pescoço.

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Anos atrás, Mike teria procurado uma maneira de ficar a sós com ela, de seduzi-la e fazer
amor de maneira que não pudesse esquecê-lo em toda sua vida. Mas aquelas três balas
tomaram muitas decisões por ele. Sabia que embora pudesse afastá-la do olhar protetor de seu
irmão, não poderia agir diferente com aquela mulher. Então se limitou a dizer:
— O que você quer é que voltem a me balear.
— Oh, eu duvido que ele realmente vá atirar em você. Mas faz anos que não vejo uma boa
briga em um casamento.
Quando eles se despediram, ele a abraçou brevemente. A doce essência de Brie ficou
gravada em sua mente, assim como o contato de sua bochecha contra a dele e de seus braços ao
redor da cintura dela, puxando-a para perto. Um pouco mais do que apenas um gesto amigável,
um sugestivo, que ela devolveu. Ele assumiu que ela estava se divertindo com o flerte, agitando
as coisas um pouco, mas significava muito mais do que isso para ele. Brie entrou em seus
pensamentos de uma forma perturbadora, que sugeria que se ele fosse capaz de dar seu amor,
ela iria capturar seu coração e mente dessa forma poderosa que apaga todas as outras mulheres
do passado. Ele realmente não tinha mais o que oferecer. Embora isso não o impedisse de
pensar nela; e tampouco o impedia de desejá-la.
Não suportava imaginá-la ferida e violada, deitada na cama de um hospital. Seu coração
estava em pedaços, doendo por ela. Morrendo de vontade de saber se ia ficar tudo bem com
ela.
Colocou o jipe em marcha, olhou por cima do ombro e retornou à estrada. Girou o volante,
pisou no acelerador e cruzou as duas faixas de transito rápido para pegar a saída para
Sacramento.

Quando Mike chegou ao Hospital do Condado poucas horas depois, ligou para o número
do celular de Sam e deixou uma mensagem dizendo que tinha chegado e queria saber onde eles
estavam. Uma promotora, vítima de um crime, não podia ser atendida como qualquer outro
paciente. Sem dúvida alguma, teriam tomado alguma medida de segurança.
Sam chegou à entrada do hospital, estendendo a mão.
— Mike, que bom que você veio. Sei que Jack também pensa assim.
— Estava a caminho do sul, e estava quase aqui de qualquer maneira. Brie é uma amiga
especial para e vou fazer tudo que eu puder.
Sam virou-se e se dirigiu para os elevadores.
— Infelizmente, eu não tenho certeza do que você pode fazer. Ela vai ficar bem.
Fisicamente. Eu não tenho nenhuma ideia pelo que uma mulher passa depois de algo assim.
— Diga-me o que você sabe até agora — disse Mike. — Será que ela conhece seu agressor?
— Oh, sim. Lembra-se daquele terrível julgamento que ela participou aproximadamente ao
mesmo tempo em que o filho de Jack nasceu? O estuprador em série? O circo da mídia? Foi ele.
Ela o identificou para a polícia.
Mike parou de andar e fez uma careta.
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— Ela tem certeza? — Perguntou.
Esse foi um movimento doente, ousado para alguém que tinha acabado de se livrar do
cárcere. Brie tinha perdido o julgamento e foi uma perda difícil, especialmente vindo após seu
divórcio. Era como se o céu estivesse caindo sobre ela. Além disso, não era algo que homens
assim faziam. Homens como aquele, normalmente tendiam a se afastar de qualquer um que
tivesse a coragem de ir atrás deles, como Brie fez.
— Ela tem certeza, — disse Sam.
Mike não podia ajudar, mas perguntou.
— Ela foi atingida na cabeça? Alucinações? Dentro e fora da realidade por causa do trauma?
— Que tipo de ferimentos tem? — Perguntou.
— O rosto dela foi golpeado, há duas costelas quebradas e as habituais… — ele fez uma
pausa. — As lesões habituais sujeitas durante um estupro. Você sabe.
— Eu sei, — disse ele. Arranhões, sangramento, hematomas. — Ela fez exame de corpo de
delito?
— Sim, mas ela quer que Mel a atenda. É compreensível.
— É claro, — disse Mike.
Mel, a esposa de Jack, era enfermeira e parteira em Virgin River e tinha anos de
experiência em um grande Centro de Trauma em Los Angeles. Tinha experiência em
espancamento e agressão sexual e poderia cobrir os aspectos médicos daquele caso e Mike os
aspectos policiais.
— Jack ligou às sete da manhã. Suponho que chegarão dentro de duas ou três horas,
dependendo de quão rápido saiam do povoado.
Mike se fixou em um policial uniformizado que estava diante de um dos quartos.
Evidentemente, aquele tinha que ser o quarto de Brie.
— Bem, falarei com alguns de meus contatos e veremos se podemos descobrir mais
alguma coisa. Mas antes, eu gostaria de ver a família.
Aproximou-se de um grupo de pessoas que se reuniram na sala de espera. Estavam as
outras três irmãs de Jack, seus maridos e algumas de suas sobrinhas. Todos agradeceram a
presença de Mike. Depois, foi falar com as enfermeiras e conseguiu o telefone do detetive
encarregado do caso através do policial que montava guarda no hospital.
A única coisa que o detetive disse até agora foi que o suspeito ainda estava solto. O médico
o informou sobre as lesões de Brie. Ao parecer, a recuperação física não teria nenhum problema.
Três horas depois, Jack, Mel e o bebê chegaram. Jack abraçou seu pai e olhou para Mike,
surpreso.
— Você aqui?
— Estava muito perto e resolvi passar por aqui. Pensei que se puder ajudar em algo, é mais
fácil fazê-lo estando aqui.
— Obrigado, Mike, não esperava — respondeu Jack.

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— Diabos, Jack, você tem feito muito mais por mim. E sabe que quero muito bem a Brie.
Mel — lhe estendeu os braços para pegar o bebê — ela disse que queria vê-la assim que
chegasse.
— Claro — disse Mel, entregando David.
— Acredito que quer saber a opinião de Mel sobre como recolheram os dados da violação
— explicou Mike a Jack. — Vá abraçar sua irmã, com certeza agora já podem vê-la.
— Você não já a viu?
— Não. Só autorizaram as visitas da família, mas falei com algumas pessoas para ter uma
ideia do que aconteceu.
— Ótimo — disse Jack, dando-lhe um forte abraço. — Obrigado, Mike, não esperava por
isso.
— Pois deveria — respondeu. — Assim é como funcionam as coisas entre nós. Certo?

Jack levou quase doze horas sentado ao lado da cama de sua irmã. Chegou às onze da
manhã e já eram onze da noite. A família esteve reunida na sala de espera durante a maior
parte do dia, mas à medida que foi caindo à noite, retornaram a suas casas, sabendo que Brie
estava sedada e fora de perigo. Mike levou Mel e David para a casa de Sam, mas Jack não queria
separar-se dela. Brie era muito unida a toda sua família, porém com ele tinha um vínculo
especial.
Jake estava se sentindo destroçado por ver sua irmã nesse estado. Brie tinha o rosto roxo e
inchado. Parecia pior do que aparentava, afirmou o médico. O dano não era permanente e seria
questão de dias para recuperar sua beleza. Todo o tempo Jack estendia a mão para alisar
gentilmente seu cabelo e tocava sua mão. De vez em quando, e apesar dos sedativos, Brie se
agitava durante o sono.
Se não fosse pelas costelas quebradas, Jack a teria estreitado entre seus fortes braços
durante aqueles pesadelos. Mas tinha que limitar-se a se inclinar sobre ela e lhe dar um beijo na
testa.
— Estou aqui, Brie — dizia. — Você está segura.
Era quase meia-noite quando sentiu uma mão no ombro, virou-se e descobriu Mike detrás
dele.
— Vá para casa, Jack. Precisa descansar. Eu ficarei com ela.
— Não posso deixá-la.
— Sei que não quer ir, mas eu já descansei o suficiente — mentiu. — Sam me reservou um
dos quartos da casa. Não acredito que desperte, mas caso aconteça, estarei aqui. E temos um
policial na porta. Fique tranquilo. Descanse para que você possa estar aqui para ela amanhã.
— Se caso acordar e eu não estiver aqui…
— Deram-lhe um sedativo que durará toda a noite — respondeu Mike calmamente. — Não
acontecerá nada.
Jack riu ligeiramente.
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— Quando o balearam, passei uma semana te velando pelas noites.
— Sim. Então já é hora de que te devolva o favor. Vemos-nos amanhã na primeira hora.
Para surpresa de Mike, Jack consentiu em partir. Era o tipo de homem capaz de chegar até
o esgotamento para estar ao lado de alguém que se preocupava. Mike se sentou na cadeira ao
lado da cama. Os machucados de Brie não o surpreenderam, tinha visto coisas muito piores, mas
o feriu profundamente. Não era capaz de imaginar que tipo de monstro podia fazer uma coisa
dessa.
As enfermeiras foram passando durante toda a noite para verificar o soro, verificar a
pressão de Brie e inclusive trouxe café da sala de descanso delas para Mike.
Mike tirou soldados feridos da zona de perigo; esteve ao lado de homens agonizantes
enquanto as balas passavam assobiando a centímetros de sua cabeça. Mas jamais havia sentido
nada parecido ao que sentia aquela noite enquanto estava ao lado de Brie. Pensar que a
machucada desse jeito. Pensando na sua violação o enchia de uma raiva até então desconhecida
para ele. Embora Brie fosse uma mulher bonita e forte, ele conservava a imagem da mulher
vulnerável que levou para um piquenique alguns meses atrás. Uma mulher jovem que seu
marido acabava de abandonar, uma mulher que foi esmagada pela traição. Que classe de idiota
podia renunciar a uma mulher como Brie? Mike não era capaz de entender.
O julgamento do estuprador foi o mais duro de sua carreira. Demorou meses para preparar
o caso contra um suspeito de vários estupros. Os exames periciais eram indiscutíveis, mas no
final, a única testemunha do caso era uma prostituta com antecedentes criminais e o tipo tinha
saído em liberdade. Quando recuperou a consciência, Brie o identificou como o homem que a
estuprou.
Era madrugada quando Brie virou para Mike seu rosto ferido e abriu os olhos. Ou, pelo
menos, tentou. O olho esta parcialmente fechado por causa do inchado. Mike se aproximou
mais dela.
— Brie — sussurrou, — sou eu, estou aqui.
Brie levou as mãos ao rosto e gritou.
— Não! Não!
Mike puxou delicadamente os pulsos dela.
— Brie! Sou eu, Mike, fique tranquila, vai ficar tudo bem.
Mas não conseguiu impedi-la de esconder o rosto.
— Por favor — Brie suplicou, — não quero que me veja assim.
— Querida, já a vi — respondeu. — Estive sentado aqui há horas. Vamos, Brie, não se
preocupe.
Ela lentamente deixou-o afastar as mãos de seu rosto ferido.
— O que está fazendo aqui? Não deveria ter vindo!
— Jack queria que eu o ajudasse a compreender o que estava acontecendo com a
investigação, mas, de qualquer modo eu queria vir, Brie. Queria estar aqui com você. — Disse
ele, afagando-lhe o rosto com extrema delicadeza. — Você vai ficar bem.
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— Ele me tirou a pistola.
— A polícia já sabe querida. —Você não fez nada de errado.
— É um homem muito perigoso. Eu tentei prendê-lo, por isso me atacou. Queria tirá-lo para
sempre de circulação.
Mike sentia muita raiva, mas mantinha um tom de voz tranquilo.
— Tente ficar tranquila Brie. —Acabou agora.
— O encontraram?
Mike temia que Brie fizesse aquela pergunta.
— Ainda não.
— Sabe por que não me matou? — Uma lágrima escapou de seu olho inchado e escorreu pelo
nariz arroxeado. — Disse-me que não queria que morresse, queria que tentasse processá-lo
outra vez para que eu visse como voltava a escapar. Ele usou preservativo.
— Querida…
— Eu vou encontrá-lo, Mike.
— Por favor, não pense nisso agora. Vou chamar uma enfermeira para que lhe apliquem
outro sedativo — pressionou um botão e a enfermeira chegou imediatamente. — Brie necessita
de algo que a ajude a dormir.
— Claro — disse a enfermeira.
— Mas voltarei a despertar — advertiu Brie a Mike, — e continuarei pensando o mesmo.
— Tente descansar — pediu Mike, inclinando-se sobre a cama para lhe dar um beijo na testa.
— Estarei bem aqui. E tem um policial na porta. Está completamente a salvo.
— Mike? — ela sussurrou— Segurou a mão dele durante um longo tempo. — Jack pediu que
viesse?
— Não — respondeu, acariciando sua face, — mas assim que soube o que aconteceu, vim o
mais rápido que pude, — ele sussurrou.
Logo após a enfermeira injetar um sedativo no soro, Brie voltou a fechar os olhos. Suas mãos
soltaram a dele e Mike se sentou de novo na cadeira, apoiou os cotovelos sobre os joelhos,
tampou o rosto com as mãos e chorou em silêncio.

Jack retornou ao hospital antes do amanhecer. Não parecia ter dormido, embora tenha
tomado banho e se barbeado. Tinha profundas olheiras e um brilho assustador nos olhos. Mike
também tinha irmãs que adorava; podia imaginar perfeitamente a raiva que fervia dentro de
Jack.
Saiu ao corredor para falar com ele. Explicou-lhe que a noite foi tranquila e que pensava que
Brie conseguiu descansar. Enquanto estavam ali, o médico e a enfermeira deram inicio à ronda
de visitas. Mike aproveitou aquele momento para ir ao banheiro. Olhou seu reflexo no espelho.
Estava com pior aspecto que Jack. Precisava se barbear e tomar uma boa ducha, mas não queria
deixá-la. Logo chegariam outros membros da família, mas não acreditava que pudessem ficar
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durante muito tempo no hospital.
De volta ao quarto de Brie, viu Jack falando com um homem na porta. De fato, a expressão de
Jack era quase ameaçadora. O policial que estava de guarda na porta estava fazendo gestos com
as mãos como se quisesse indicar que deviam separar-se. Então Mike percebeu que era o ex-
marido do Brie, Brad, e que provavelmente Jack estava a ponto de matá-lo.
Avançou rapidamente para eles.
— Basta — disse, interpondo-se entre eles. — Basta — repetiu. — Nada disso. Vamos.
Jack olhou Brad por cima do ombro de Mike e exigiu:
— Que demônios esta fazendo aqui?
Brad o fulminou com o olhar.
— Eu também me alegro de te ver, Jack — respondeu.
— Não tem nenhum direito de estar aqui — Falou Jack gritando. — A abandonou. —Você a
deixou, fez isso com ela.
—Hey
— Eu nunca deixei de querer a Brie, e nunca deixarei de querê-la. Estou indo vê-la.
— Acho que não — replicou Jack. — Ela não está em condições de falar com você agora.
— Isso não é você quem decide Jack. É Brie quem vai.
— Vamos —disse Mike com firmeza, — não podem discutir aqui dessa maneira.
— Se quiser, podemos discutir lá fora — replicou Jack.
— Como quiser.
— Já disse que basta! — Exclamou Mike, interpondo-se de novo entre eles. — Não podem
montar uma cena no hospital!
Brad continuou tentando aproximar-se de Jack, mas baixou a voz.
— Sei que está zangado, Jack, com o mundo e comigo. E não o culpo, mas agindo assim só vai
piorar as coisas, vai ser pior para você.
Jack rangeu os dentes e voltou a colocar-se ao lado de Mike. Estava cada vez mais difícil
mantê-los separados.
— Não sabe a vontade que tenho agora mesmo de bater em alguém — disse entre dentes. —
E você me viria tão bem como qualquer outro. Abandonou a minha irmã, deixou-a quando
estava trabalhando no caso contra esse filho de uma cadela, tem ideia de como sofreu?
Mike estava desesperado. Aqueles dois iriam começar a brigar a qualquer momento, bem nos
corredores de um hospital. Mike era um homem alto e forte, mas Brad e Jack eram mais fortes,
altos e estavam com raiva. Além disso, não estavam com uma ferida no ombro.
— Sim — respondeu Brad — já sei. Mas quero que saiba que ainda me preocupo com o que
possa lhe acontecer. Estamos divorciados, mas temos uma história e a maior parte dela é boa. E
se puder fazer alguma coisa por ela, eu farei.
— Amigo? —Mike chamou o policial. — Venha aqui, por favor.
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O policial por fim se aproximou e se colocou ao lado de Mike.
— Muito bem, cavalheiros. Tenho ordens a cumprir. Nada de brigas diante da porta da
senhorita Sheridan. Se quiserem conversar com calma, recomendo irem pra outro lugar.
Essa não foi uma boa ideia, pensou Mike. Se ficassem sozinhos a última coisa que fariam seria
falar. Mike se aproximou de Jack e o levou para longe.
— Acalme-se — disse. — Você não quer fazer isso.
Jack fulminou Mike com o olhar.
— Tem certeza?
— Já basta — disse Mike com toda a autoridade que foi capaz de reunir.
Justo nesse momento saiu uma enfermeira do quarto de Brie. Brad se aproximou tão rápido
da mesma que Jack não pode intervir.
— Senhora, sou o ex-marido da senhora Sheridan, e também sou detetive de polícia — disse
enquanto mostrava sua credencial. — Agora não estou de serviço. Pode lhe perguntar se posso
vê-la, por favor?
A enfermeira voltou a entrar na habitação.
— O que ele está fazendo aqui? — Perguntou Brad, apontando Mike com o queixo.
Grave engano pensou Mike imediatamente, enrijecendo. Brad ficou louco? Expulsando o cara
que estava mantendo Jack longe dele para não matá-lo? Abriu e fechou os punhos. O ex de Brie
queria saber o que estava fazendo outro homem ali? Deixou sua esposa por outra mulher, mas
supunha que ninguém tinha direito de sair com ela? Esboçou um frio sorriso enquanto pensava
se deveria deixar que Jack acabasse com ele.
— É policial — respondeu Jack. — Veio a um pedido meu, para ajudar nas investigações.
— Pois já pode partir — replicou Brad, — não há necessidade de sua ajuda.
Foi então que Mike perdeu a cabeça. Partiu pra cima de Bred, mas uma mão forte em seu
ombro machucado o deteve. Deixou passar. Não queria deixar Brie chateada com isso, mas se
voltasse a se encontrar em qualquer outra parte com o sujeito, não prometeria nada. Nesse
momento, tinha tanta vontade de acabar com ele tal qual o próprio Jack.
A enfermeira saiu do quarto e disse a Brad:
— Quando o médico terminar de falar com ela, pode entrar.
Brad teve a sensatez de não olhar para eles com ar de superioridade. Entretanto, não evitou o
contato visual com seus inimigos.
— Deixe-me fazer uma última pergunta. — Disse Jack a Brad, tentando manter a voz sob
controle para evitar que fosse expulso pela policial. — Estava de serviço a noite que ocorreu
isso?
— Não.
Jack apertou os dentes.
Então, se não estivesse indo se encontrar com outra mulher, estaria em casa na noite em que
Brie foi atacada. Certamente, teria ouvido seus gritos.
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— Bem... — começou a dizer Brad.
Era evidente que estava desejando esclarecer aquela questão, mas Jack se separou dele e se
dirigiu ao corredor. Nesse momento o médico saiu do quarto. Passou diante dos três homens
com o olhar fixo no chão. Brad elevou o queixo, dirigiu-lhes um olhar fugaz e seguiu em direção
ao quarto de Brie.
Mike deixou escapar um suspiro
— Isso não terminaria bem — se lamentou.
Sentou-se na cadeira próximo à porta do quarto de Brie. Jack continuou caminhando nervoso,
afastando-se da porta.
Mike apoiou os cotovelos nos joelhos e passou as mãos pela barba. Notou então que o
policial estava em pé ao seu lado.
— Está sendo difícil pra ele, — comentou o policial, apontando Jack, que estava a uns metros
de distância, com os punhos apertados em ambos os lados de seu corpo.
Mike voltou à cabeça para o jovem oficial. Olhou a seu melhor amigo. Jack estava destroçado,
podia sentir no ar sua impotência.
— Nada nos prepara para algo assim, principalmente quando acontece com a mulher que
você ama. — Disse em voz baixa. — Nada.

Brie saiu do hospital nessa mesma tarde e seguiram para a casa de seu pai. Sam e Jack a
levaram de carro e Mike os seguiu em seu próprio veículo, observando-os com preocupação.
Não tinha atendido muitos casos de agressão sexual durante seu passado como policial, mas
esteve em contato com alguns. Jamais viu uma mulher tão estóica, tão distante. Assim que
chegaram à casa de Sam, Brie seguiu direto para o quarto que era dela quando mais jovem e
pediu a Jack que cobrisse o espelho.
Levaram o jantar em seu quarto naquela noite, cada uma das irmãs entraram para lhe fazer
companhia por alguns momentos. Eram cinco os irmãos Sheridan, quatro garotas e um menino,
e Brie era a única que não estava casada. Duas das irmãs eram mais velhas que Jack, outra
alguns anos mais jovem, e depois vinha Brie, a mais nova, com onze anos de diferença de Jack.
As três irmãs mais velhas tinham contribuído com oito meninas para a família, já Jack e Mel, o
único menino até então, David. De modo que quando a família se reunia, formavam uma
multidão quase ingovernável. As risadas eram sempre constantes, Mike pode ver pessoalmente
nas curtas visitas. Aquela casa se parecia muito com a dos Valenzuela. Mas naquele momento,
parecia mais um mausoléu.
Mike teve um jantar tranquilo com Sam, Jack e Mel.
— Deveria ir para Los Angeles — comentou Jack a Mike quando ficaram a sós na mesa.
— Posso ficar alguns dias para ver como se desenvolvem os acontecimentos.
— Não quero te reter aqui — disse Jack.
Levantou-se e se dirigiu ao pátio traseiro. Mike o seguiu.

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— Posso te ligar se ocorrer algo.
Sam saiu também, levando uma bandeja com três copos de uísque. Sentaram os três. Sem
dizer nada, cada um dos homens tomou um copo e bebeu em silêncio. O calor úmido de
Sacramento estava quase opressivo. Após alguns minutos, Sam se levantou e lhes desejou boa
noite. Jack terminou o uísque e entrou também. Uma a uma, foram apagando-se as luzes,
somente a da cozinha ficou acesa, a que iluminava Mike. Mas apesar de estar esgotado, sabia
que não poderia dormir. Serviu-se de outro copo de uísque, saiu ao pátio e acendeu a vela que
havia sobre a mesa.
Toda a família estava em estado de choque, pensou. Moviam-se em silêncio, sofrendo pelo
que aconteceu com Brie. Era como se cada um deles sentisse a dor dos ferimentos de Brie.
— Deveria partir.
Mike elevou a cabeça e viu Brie parada na porta do pátio. Estava vestida com a mesma roupa
que saiu do hospital.
— Brie. Disse ele levantando-se.
— Falei com os detetives várias vezes. Seguiram o rastro de Jerome Powell, o agressor, até o
Novo México, mas depois o perderam — disse de uma maneira impessoal. — Por experiência,
posso assegurar que há noventa e cinco por cento de probabilidade de que tenha saído de nossa
jurisdição. Vou começar a ir a uma psicóloga e a um grupo de terapia e decidi deixar o trabalho
por um tempo. Jack e Mel insistem em ficar o resto da semana, mas você deveria partir. Tem
que visitar sua família.
— Você gostaria de vir comigo? — Perguntou Mike.
Brie negou com a cabeça.
— Quero estar em contato todos os dias com o Procurador do Distrito para ver se há alguma
novidade do caso. Quero ficar aqui, e se necessário ajudarei o departamento de polícia, tenho
um ex-marido que se sente muito culpado e está mais que disposto a colaborar — tomou ar. —
Vim me despedir. E agradecer por ter tentado ajudar.
— Brie — disse Mike, dando um passo para ela com os braços abertos.
Brie o deteve e dirigiu-lhe um olhar que o fez ficar onde estava.
— Suponho que compreende — disse, o advertindo em silêncio que não se aproximasse.
— É obvio.
— Dirija com cuidado — acrescentou Brie, e desapareceu no interior da casa.

Capítulo 2

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Uma semana depois, Mel e Jack retornaram a Virgin River, voltando à rotina de sempre. Mel
ia ao consultório do doutor Mullins pelas manhãs e levava David com ela. Se surgia algo urgente,
sempre podia levar o bebê para Jack, no bar. E no caso de Jack não estar lá, Paige ou o Pastor ou
Mike estavam mais do que dispostos a cuidar dele. Em geral, David ficava tranquilamente com
qualquer pessoa durante o tempo que Mel necessitasse para atender um paciente, sempre e
quando, claro, não tivesse fome e ficasse com a fralda suja. Ainda tirava dois longos cochilos ao
dia, um pela manhã e outro à tarde.
Uma semana depois de sua volta ao povoado, apareceu para consulta uma adolescente de
Virgin River e perguntou por ela. Carra Jean Winslow tinha quinze anos e era a primeira vez que
Mel a via. De fato, embora levasse já quase um ano trabalhando e vivendo no povoado,
tampouco conhecia os pais da garota. Tomou nota de sua idade e de seu evidente estado de
ansiedade e a levou à sala de exames sem perguntar sequer o que queria. Quando chegava uma
adolescente de quinze anos sem sintomas de gripe e só à consulta de uma parteira, as
possibilidades eram bastante limitadas e óbvias.
— Ouvi dizer que há uma pílula para não ficar grávida depois de ter tido relações sexuais —
disse com a voz baixa, olhando para o chão.
— A pílula do dia seguinte. Mas só faz efeito se tomar pouco tempo depois de ter tido
relações.
— Faz duas noites — disse a garota com um fio de voz.
— É suficientemente recente — disse Mel. Tentando sorrir. — Há algum problema? Dor?
Hemorragia?
— Tive uma hemorragia.
— Foi sua primeira vez? — Perguntou Mel com um sorriso.
A garota assentiu.
— Já fez algum exame ginecológico?
Carra negou com a cabeça e voltou a baixar o olhar.
— Eu gostaria de te examinar para me assegurar de que não houve nenhum problema. Não é
tão terrível quanto pensa — tranquilizou-a Mel. — Sangrou muito?
— Não muito, um pouco. Estou passando.
— E como se sente…?
— Um pouco dolorida, não é ruim.
— Ótimo. Suponho que se está interessada na pílula do dia seguinte é porque não utilizaram
preservativo.
— Não — respondeu Carra.
— Muito bem. Agora preciso que se dispa e coloque essa camisola.
— Ninguém sabe que estou aqui.
— Não se preocupe Carra. Isso ficará entre você e eu. A única coisa que me interessa é sua
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saúde, certo?
— Certo.
— Voltarei dentro de alguns minutos, dispa-se e ponha a camisola.
Pobrezinha, pensou Mel. Sofria por todas aquelas adolescentes que chegavam nesta situação
sem terem planejado, sem estarem seguras do que faziam. E isso descrevia a maior parte delas.
Pelo menos Carra estava ali, evitando outro possível desastre.
Deu a Carra o tempo suficiente para se trocar e retornou à sala de exames.
—Primeiro vou verificar sua a pressão e escutar o coração— explicou.
— Tenho que pagar a consulta — advertiu Carra. — Não quero que meus pais saibam de que
estive aqui.
— Carra, a confidencialidade é muito importante aqui, confie em mim — garantiu Mel. — Vai
ficar tudo bem.
Ela começou a ferir a pressão e viu dois pequenos hematomas na parte superior do braço.
— O que são esses hematomas? — Perguntou.
— Não é nada. Machuquei jogando voleibol. Às vezes é um jogo bastante brusco.
— Parece como se alguém a tivesse agarrado.
A garota deu de ombros.
— Às vezes acontece.
Mel verificou a pressão, que estava normal. Depois escutou os batimentos cardíacos da
adolescente e lhe examinou as pupilas. Exceto pelo nervosismo que lhe acelerava o coração,
parecia estar em perfeitas condições físicas. Ensinou-lhe o procedimento, explicou como se
utilizava e a ajudou a se posicionar na maca para examiná-la.
— Escorrega lentamente para frente, assim. Muito bem. Tente relaxar. Abre as pernas,
querida. Obrigada. Não vou machucá-la, assim respire e fique calma.
— Certo — respondeu Carra, mas começou a chorar.
— Não, agora não chore — pediu Mel com delicadeza. — Não vai acontecer nada. Obrigada
pela confiança, tudo vai sair bem.
Entreabriu-lhe as pernas brandamente e ficou gelada. A garota tinha os lábios vaginais
arroxeados e inchados, também tinha hematomas na parte interior das coxas muito similares
aos do braço; era evidente que se tratava da marca de dedos.
Mel se levantou do tamborete no qual estava sentada para olhar Carra nos olhos.
— Carra, pelo que vejo, tem que estar muito dolorida. Eu gostaria de fazer um exame mais
detalhado para me assegurar de que está tudo bem, mas só se você quiser. Está de acordo?
Carra fechou os olhos com força, mas assentiu.
— Serei o mais delicada possível — prometeu Mel. Ficou com as luvas, mas deixou o
especulo de lado. — Agora vou apalpar a vagina e o útero. Não vou utilizar o espéculo porque
está ferida. Mas eu gostaria que respirasse fundo. Respira e depois solta o ar lentamente. Isso.
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Vamos, serei rápida. Não se contraia, relaxe os músculos, Carra. Pronto, muito bem. Diga-me,
dói se eu pressionar aqui?
— Não muito — respondeu Carra.
Por que esses tipos de casos sempre chegavam juntos? Pensou Mel. Ainda não superou o de
Brie! As paredes vaginais de Carra estavam arranhadas, estavam em carne viva. O hímen estava
rompido. Completou o exame rapidamente e embora não tinha o kit de estupro à mão, ela tinha
um swab estéril com o qual tomou uma amostra vaginal, embora possivelmente fosse muito
tarde para encontrar rastros de DNA do agressor.
— Muito bem. Carra, agora me deixe ajudá-la a se levantar — Mel tirou suas luvas e ajudou
Carra a se sentar na maca. — Me preocupa o que te aconteceu. Parece que alguém a machucou.
Quer falar a respeito?
Carra negou com a cabeça. Deslizaram algumas lágrimas por suas bochechas. Carra era uma
garota magra, com o rosto alargado, a sobrancelha espessa e um ligeiro problema de acne. E
nesse mesmo instante, era pura imagem do arrependimento e do medo.
— Será algo completamente confidencial — assegurou Mel com ternura. — Não são só os
hematomas, Carra. Tem a vagina rasgada. O dano não é muito grave, vai se curar, mas pelo que
pude ver…
—Fui eu, a culpa foi minha.
—Algo assim nunca é culpa da mulher — respondeu Mel, e utilizou intencionalmente a
palavra mulher, embora Carra fosse apenas uma menina. — por que não me conta o que
aconteceu?
—Mas me dará a pílula? — perguntou desesperada.
—Claro que sim. Não vou deixar que fique grávida, nem que adoeça.
Carra suspirou aliviada, mas continuava chorando.
—Troquei de opinião quando já era muito tarde, isso foi tudo. Então a culpa é minha.
Mel pousou a mão em seu joelho.
—Começa pelo princípio. E tente não ficar nervosa.
—Não posso.
—Claro que pode querida. Eu só escutarei.
—Decidimos que íamos fazer o amor. Ele estava muito excitado. Quando terminamos, disse
que sentia muito, mas que como já tínhamos começado, não podia parar.
—Claro que podia — replicou Mel. — Se vêem as marcas de seus dedos, como se tivesse te
agarrando, te obrigando a separar as pernas. Vêem-se as marcas e os arranhões. Eu quero te
ajudar.
—Mas eu queria…
—Até que deixou de querer, Carra. E disse a ele, não é?
Carra negou com a cabeça.
—Não, eu também queria.
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—Se disse que não queria, isto é uma violação, Carra.
Carra se inclinou e a olhou com expressão suplicante.
—Mas eu fiz muitas coisas com ele. E eu as quis.
—Tiveram relações completas antes? — Carra negou com a cabeça. — Carra, tem direito a
dizer não até o último momento. E pode dizer mesmo que o tenha feito antes com ele. Diga-me,
é seu namorado ou é alguém que conhece há pouco tempo?
—Conheço-o há muito tempo, vamos ao mesmo colégio, mas é meu noivo há duas semanas.
—E já chegaram até ali? —Perguntou Mel.
—Carra, foi muito rápido. Quero que pense nisso. Estão namorando há pouco tempo. É um
menino muito determinado.
— Quantos anos ele tem?
—Não — repetiu Carra, sacudindo a cabeça,— não vou dizer nada a você. Não quero colocar
ele em problemas. A culpa não foi dele. O engano foi meu e ele está arrependido do que
aconteceu.
—De acordo Carra, não fique nervosa. Se trocar de opinião e quiser falar sobre isso, me ligue
ou venha me ver. A qualquer hora. Agora, vou te dar algum método anticoncepcional que
possa…
—Não, não vou voltar a fazer isso outra vez. — Respondeu, apertando os lábios em uma linha
dura enquanto as lágrimas se deslizavam por suas bochechas.
Então definitivamente foi estuprada. Soou como se ela não tivesse tido um encontro,pensou
Mel.
—Carra, se continua vendo esse rapaz vai acontecer novamente.
—Não vou fazer outra vez — respondeu com firmeza. — Necessito dessa pílula, isso é tudo.
—Por agora isso é tudo— disse Mel. — Quero que venha dentro de uma semana ou duas para
que possamos fazer alguns exames de DST para ter certeza que você esta bem. Ainda é muito
cedo para detectá-las, mas é muito importante que façamos esses exames. Você virá?
Ao final, conseguiu que Carra aceitasse fazer os exames, mas não estava disposta a utilizar
nenhum tipo de anticoncepcional. Em um tom muito formal perguntou a Mel:
—Quanto lhe devo?
—Esqueça Carra, é por conta da casa. Mas me ligue se precisar, em qualquer momento, tanto
de dia quanto de noite, falo a sério. Darei o telefone daqui e o da minha casa, tudo bem?
—Obrigada — respondeu Carra com um fio de voz.
Mel ficou angustiada depois da despedida. Carra partiu em sua bicicleta. Não tinha nem
sequer idade para conduzir um carro, e tinha que pedalar em pé sobre a bicicleta, porque os
ferimentos não a permitiam se sentar.
Mike ligou para Brie. Não conseguiu evitar. Passaram-se duas semanas desde a última vez que
ouviu sua voz. Jack esteve mais do que feliz em mantê-lo atualizado sobre a sua recuperação,
mas Mike necessitava de mais.
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—Como você está? —perguntou.
—Ainda estou um pouco nervosa, mas é normal, afinal, faz pouco tempo que aconteceu.
—E fisicamente?
—Eu… Bom, acredito que o pior já passou. Os hematomas estão começando a desaparecer,
mas é surpreendente o quanto demora em curar um par de costelas.
—Jack me disse que solicitou uma licença. – Comentou Mike.
— E ele disse também o por quê?
—Não, mas não tem que me contar se não quiser. — Não quero que fique desconfortável.
—Não importa — respondeu Brie friamente. — A questão é que não posso trabalhar nessa
situação. Tentei prender sem êxito um suspeito de estupro — sorriu com amargura, — e o
suspeito terminou violando a mim.
—Oh, Brie, sinto muito.
—Se tiver a oportunidade de encontrá-lo, mato-o, eu juro.
Mike respirou fundo.
—É uma das mulheres mais valentes que conheço. Estou muito orgulhoso de você. Se houver
algo que eu possa fazer…
—Agradeço que tenha ligado — respondeu Brie com mais suavidade. — Além da família, não
há muita gente com suficiente coragem para fazê-lo. Suponho que têm medo do que poderiam
ouvir. Jack sabe que ligou?
Não demoraria muito para ele descobrir. Foi Sam quem atendeu ao telefone e lhe perguntou
com quem queria falar.
—Não te liguei porque é a irmã de Jack, liguei porque é minha amiga e quero saber como
está. Na verdade, não me importo se Jack vai gostar ou não, a única coisa que me preocupa é
que você não se importe se te ligar.
—Claro que não me importa. Normalmente, o caráter protetor de Jack me diverte, ou me
irrita. Mas neste momento, não. Faz-me sentir segura.
—Eu também sentiria a necessidade de protegê-la se fosse minha irmã — disse Mike. — De
fato, sinto-o, embora só possa falar com você por telefone. É normal nestes casos, Brie. De
algum jeito, afeta todo mundo: à vítima, os seus amigos e a sua família. E tudo faz parte do
processo de cura. Vi minha família e meus amigos passarem por algo parecido. E essa foi uma
das razões pelas quais parti de Los Angeles, o ambiente começava a ficar opressivo. Era como se
todo mundo necessitasse que me curasse para se sentir melhor.
—Tinha esquecido. Estou tão centrada em mim mesma que nem sequer me lembrava de que
você também foi vítima de um crime.
—É lógico que esteja centrada em si mesma, é uma maneira de se proteger.
—Aconteceu o mesmo com você?
Mike riu.
—Eu gostaria que tivesse visto como era a minha rotina. Começava o dia me arrastando da
19
cama, com uma dor terrível. Tomava os antiinflamatórios; colocava uma bolsa de gelo no ombro
e tomava o suplemento de proteína de Mel, que era tão repugnante que lhe teria feito vomitar
uma lesma, e depois começava a levantar pesos. Levantava algumas gramas, mas terminava
chorando de dor. Depois precisava me deitar. Demorei quase dois meses sem poder me sentar.
Mel me ajudava todos os dias fazendo massagens e me exercitando o ombro, mas só conseguia
relaxar depois de tomar uma cerveja que me ajudasse a suportar a dor. É uma mulher pequena,
sim, mas é capaz de te triturar um músculo até te fazer chorar como um bebê. Toda minha vida
estava dedicada à minha recuperação física.
—Queria que o meu fosse somente um problema físico — respondeu Brie.
—Também havia os pesadelos — acrescentou Mike, quase a contragosto. — Gostaria que
soubesse que… já superei.
E estavam, além disso, embora ela possivelmente ainda não percebesse as sequelas que um
trauma como aquele deixava no corpo de uma mulher. Mike se sentia no inferno pelo que
passavam as mulheres vítimas de uma violação e sabia que ia passar muito tempo antes que Brie
pudesse desfrutar de uma vida sexual saudável.
Mike se surpreendeu quando Jack não fez menção em nenhum momento daquela ligação.
Isso só podia significar uma coisa, que nem Brie nem seu pai comentaram nada, embora não
estava seguro do por quê. Pensou em tirar ele mesmo a limpo, podia explicar a Jack sua
preocupação por sua irmã. Naquele momento tinham muitas coisas em comum e podia lhe
oferecer seu apoio. Mas no final, não disse nada. Não tinha por que compartilhar com Jack seus
sentimentos por Brie. No que se referia a ele, nada mudou naquele aspecto, salvo que depois do
ocorrido, tanto Brie quanto ele estavam sexualmente aleijados.
Passaram-se duas semanas do mês de julho; o tempo era caloroso e úmido. Mike ligava para
Brie a cada dois dias e Jack continuava sem dizer nada. Mike tinha a sensação de que Brie
aguardava suas chamadas. Raras vezes falavam sobre a violação ou o processo de recuperação.
Estavam acostumados a falar de coisas mais mundanas, como as pescarias de Mike, as leituras
de Brie, o tempo, a família, algum programa de televisão ou as cartas que Ricky, um jovem que
durante muito tempo foi o protegido de Jack e do Pastor e ajudava no bar, que enviava da
unidade do exército em que estava.
Brie lhe falou de suas novas fobias: a escuridão, os lugares públicos e os ruídos noturnos;
ruídos que certamente, até então nem sequer tinha reparado. Pôs sua casa à venda porque não
tinha intenção de voltar a viver lá. Pensava que, com o tempo, seria o suficientemente forte para
voltar a viver sozinha, mas não na casa em que se ocorreu o ataque.
—Não tem saído?
—Vou à psicóloga, às sessões de terapia de grupo e de vez em quando às compras com meu
pai — respondeu. — Na verdade não quero sair de casa. Sei que é algo que tenho que superar
em breve, mas no momento só quero me sentir segura. Isso é o suficiente agora.
Apesar dos novos temores de Brie, Mike percebia a cada vez uma maior determinação em sua
voz. Suas risadas eram mais frequentes e o som daquela voz o tranquilizava. Mike brincava com
ela, contava piadas e inclusive tocava violão por telefone e ela falava que estava melhorando.
Jack, entretanto, continuava sem dizer nada. Mike decidiu falar com ele. Perguntou
diretamente como andava a situação de sua irmã.
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—Eu gostaria que voltasse a ser a de sempre — respondeu Jack, sombrio. — Brie… sempre foi
tão forte…
Mike agarrou Jack pelo braço.
—Voltará a ser a mesma. Superará tudo isso.
—Espero que tenha razão.
—Claro que tenho razão — respondeu Mike. — Amanhã precisa de mim para alguma coisa?
Porque estou pensando em dar uma volta pela costa.
—Não, divirta-se. —respondeu Jack.

Em circunstâncias normais Mike teria ido a Sacramento sem contar a Jack, mas as
circunstâncias não eram normais e ele não era nenhum estúpido, Jack gostaria de saber o
motivo. Então não disse nada, preferiu ocultar qual era seu destino. No dia seguinte, levantou-se
antes de Jack começar a cortar lenha na parte traseira do bar, um ritual que não abandonava
nem sequer no verão, quando não fazia falta acender a chaminé. Tomou a estrada antes do
amanhecer e chegou a Sacramento às dez da manhã.
Depois de tocar a campainha, viu uma sombra através da janela. Quase imediatamente, a
porta se abriu.
—Mike? —perguntou Sam. — Não esperava vê-lo por aqui.
—Achei melhor não avisar — pensei que… — Brie apareceu naquele momento detrás de seu
pai.
—Mike? — perguntou tão surpreendida quanto Sam.
Mike sorriu.
—Você me parece bem — disse aliviado. — Está ótima. Estava dizendo a seu pai que pensei
que era melhor não ligar porque se apareço de repente, talvez pudesse te convencer a sair um
pouco de casa. Se tivesse avisado, teria tido tempo de pensar em um milhão de desculpas para
não sair.
Brie retrocedeu um passo.
—Não sei…
—O que você acha de irmos para Folsom? — disse. — Podemos desfrutar da vista das
montanhas, dar um passeio pelas lojas, comer e possivelmente parar em algumas adegas. Só
serão algumas horas. Um pouco de ar fresco e, ao mesmo tempo, é uma oportunidade de
começar a sair de novo. Em algum momento terá que fazê-lo.
—Mas não tão em breve.
—Parece cedo pra você porque ainda não o fez. Você vai ficar bem, Brie…
—Já sei, mas…

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—Brie —disse Sam, — deveria aproveitar esta oportunidade. Mike foi policial durante muitos
anos, não poderia estar em melhores mãos.
Mike inclinou a cabeça ligeiramente, olhando para Sam.
—Muito obrigado, Sam. Se quiser, pode vir conosco.
Sam riu.
—Não, acho que prefiro ficar em casa. Mas é uma boa ideia, Brie — insistiu, enquanto tomava
a mão de sua filha. — Deveria sair pelo menos uma hora, duas talvez. Mike teve todo o trabalho
de vir até aqui.
Brie dirigiu a Mike um olhar muito significativo.
—Não disse a Jack que vinha — não era uma pergunta.
—É obvio que não. Teria tentado me convencer a não vir. Preferiria ser ele o primeiro a te
convidar para sair de casa — sorriu de orelha a orelha. — Não podia me arriscar.
Brie pareceu pensar durante alguns segundos e ao final disse:
—Será melhor eu trocar de roupa.
—Não, está bem assim. Em Folsom podemos ir perfeitamente com bermudas. Além disso,
não estaremos muito tempo fora.
—Papai…?
—É uma boa ideia, Brie. Saia um momento. Aproveita para comer fora, para tomar uma taça
de vinho. Quando voltar para casa, estarei aqui.
Em poucos minutos, Mike a acompanhou até o carro e seguiram caminho. Como era previsto,
Brie seguia em completo silêncio.
—A princípio estará um pouco tensa, mas com o tempo vai passar — disse.
Após vários minutos de completo silêncio, acrescentou:
—Quando temos um trauma, tendemos a nos fechar em nós mesmos.
Brie continuava sem dizer nada, olhando para frente, agarrada ao cinto de segurança com
uma mão e pousando a outra sobre seu ventre em um gesto de autodefesa.
—Eu sou o quarto de oito irmãos, tenho três irmãos mais velhos — explicou Mike enquanto
começava a conduzir pelas estradas da serra. — Quando comecei a ir para a creche, tinha
também três irmãs mais novas do que eu, com isso minha mãe estava sempre muito atarefada.
Minha família é muito tradicional. Meu pai mal podia nos sustentar, mas mesmo assim, estou
seguro de que teria gostado de ter mais filhos. O caso é que era uma casa barulhenta e cheia de
gente e quando fui pela primeira vez ao colégio, meu inglês não era muito bom. Em casa
falávamos quase sempre em espanhol e no bairro se falava muito mal o inglês. Embora meu pai
tenha crescido financeiramente, naquela época éramos considerados pobres.
Desviou o olhar, tomou fôlego e continuou falando.
—Durante a primeira semana de colégio, alguns meninos maiores que eu, me bateram. Tinha
hematomas e ferimentos no rosto, mas não contei a ninguém o que estava me acontecendo - —
Tinha o olhar fixo na estrada. — Nem sequer ao meus irmãos, que se ofereceram a acrescentar
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mais hematomas no meu rosto se não dissesse quem fez aquilo e por quê. Eu não falei nada
durante um par de meses.
Brie virou a cabeça para ele. Mike a olhou nos olhos.
—Tive casos de meninos que sofreram abusos e é algo normal. Permanecem em silencio
durante compridos períodos de tempo. Outra coisa que aprendi em meu trabalho é que não é
ruim recuperar as forças antes de começar a falar.
—O que o levou a falar? — perguntou Brie.
Mike riu para si.
—Não lembro exatamente, mas acredito que minha mãe me sentou à mesa da cozinha e
disse ‘’temos que conversar sobre o que aconteceu Mike, não deixarei voltar ao colégio até me
contar’’. Algo assim. Foi o fato de saber que não podia voltar para o colégio. Embora me desse
medo que me pegassem outra vez, dava-me mais vergonha ainda que esses meninos pensassem
que eu era um covarde. Mesmo com pouca idade, já era um machista sem cérebro — riu.
—Sua mãe não contou nada aos professores? — Perguntou Brie.
—Não — Mike riu outra vez. — Disse aos meus irmãos que se acaso eu voltasse para casa
com um só ferimento, meu pai e ela lhes dariam uma surra.
—Que horror — disse Brie.
—Já avisei que era uma família muito tradicional — sorriu. — Não se preocupe Brie. Havia
mais ameaça que surras. Na verdade, me lembro de apanhar muito. Meu pai às vezes nos batia
com o cinturão no traseiro, mas nunca nos machucou. A arma de minha mãe era uma colher de
pau; uma colher de pau mais comprida que seu braço. Assim que víamos meu pai desabotoar o
cinturão ou minha mãe tirar a colher, saíamos correndo como se o próprio diabo estivesse nos
perseguindo. A seguinte geração dos Valenzuela renunciou a essa forma de educar seus filhos. E,
por certo, não tem nada a ver com nossas origens mexicanas, a não ser com aquela geração.
Brie permaneceu calada durante alguns segundos antes de responder:
—As duas mulheres com as quais se casou eram hispânicas?
Mike a olhou com curiosidade.
—Sim, as duas. Na verdade, eram meio mexicanas.
—Suponho então que está muito ligado à sua cultura…
—Bom, eu adoro muitas das tradições de minha família, mas não acredito que isso tivesse
nada a ver com meus casamentos. Saí com muitas mulheres que não eram hispânicas. Meus
casamentos foram breves fracassos de juventude.
—O que ocorreu?
—A primeira vez, éramos muito jovens. Eu estava na marinha e ela trabalhava para meu pai.
Correspondíamo-nos, então nos casamos durante uma de minhas licenças e voltei para o
exército. Quando retornei, descobri que estava interessada em outra pessoa. Poderia ter me
zangado, mas a verdade era que eu tampouco lhe tinha sido fiel. Aos vinte e um anos, já estava
divorciado. E minha mãe se envergonhava de mim.
—E sua segunda esposa?
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—Casei-me com ela alguns anos depois. Ela também trabalhava para o departamento de
polícia. Aos seis meses já estávamos divorciados. Minha mãe perdeu completamente a
esperança de que formasse uma família.
—Suponho que não são todas as tradições de família que você gosta.
—Sabe o que sinto falta de minha família? A comida de minha mãe, as habilidades de meu pai
e sua ingenuidade. Meus pais organizavam todo tipo de comida no pátio para toda a família.
Tiravam a churrasqueira e deixavam panelas enormes a fogo lento. Minha mãe seguia uma
receita ancestral de família, tamales, enchiladas e carne assada. Ela prepara um molho e uma
salada de abacate que podem ressuscitar um morto, e um pescado com azeitonas delicioso. E os
camarões com tomate, abacate e tapatío são incríveis.
—Tapatío?
—Um molho picante, muito picante. E meu pai era capaz de fazer qualquer coisa. Ampliou os
cômodos da casa, construiu um caramanchão no jardim e levantou uma cerca ao redor do pátio.
Estou seguro de que fez tudo sem permissão, mas nunca perguntei. E desenhava jardins
incríveis. Dedicava-se a isso, à jardinagem. Começou podando arbustos e cortando a grama, mas
com o tempo, chegou a montar seu próprio negócio. Agora é proprietário de uma empresa
bastante importante, com muitos bons clientes. Muitos parentes e filhos, e a nenhum deles lhe
nunca faltou trabalho em sua empresa. Meu pai era imigrante e minha mãe pertencia à primeira
geração de sua família nascida em Los Angeles. De fato, ele conseguiu a residência ao se casar
com ela. Mas, curiosamente, é minha mãe quem mantém as tradições. Meu pai queria adaptar-
se rapidamente aos Estados Unidos, montar um negócio e ganhar essa pequena fortuna com a
qual sonham todos os hispânicos sem dinheiro. E conseguiu, mas teve que trabalhar muito
duramente para isso.
Chegaram ao Folsom. Mike procurou um lugar para estacionar e saiu do carro para abrir a
porta a Brie.
—Agora, me fale de sua infância.
—Não foi tão interessante quanto a tua.
—Deixa que eu julgue isso. — Respondeu Mike.
Segurou-a pelo braço e cruzou com ela a estrada para dirigir-se ao comércio.
Enquanto Mike a conduzia através de lojas de presentes, galerias de arte, padarias e lojas de
antiguidades, Brie foi falando de sua vida com três irmãs mais velhas que a tratavam como um
bebê e um irmão, Jack, que a mimou com todos os caprichos até sair de casa quando ela tinha
seis anos. Entretanto, cada vez que estava em casa de licença, continuava mimando-a o quanto
podia. A família de Brie não era muito diferente da de Mike, embora sua mãe não cozinhasse no
jardim e seu pai fosse um gênio com os números e os investimentos, e não com os jardins. Os
dois pertenciam a famílias numerosas e unidas, cheias de risadas, mas também de brigas
devastadoras entre irmãos.
—Minhas irmãs brigavam como animais — contou, — mas nunca comigo. Eu era a mais nova.
Jack era ameaçado de morte se fizesse algo com as garotas, então elas iam atrás dele, sabendo
que não podia fazer nada.
—Não têm um vídeo com essas cenas?

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—Se tivéssemos feito um vídeo, Jack já o teria destruído. Minhas irmãs eram terríveis com
ele. É incrível como eles as ama agora. É obvio, ele tinha sua própria maneira de se vingar. Fazia
todo tipo de brincadeiras, mas tenho que reconhecer que jamais tocou em um fio de cabelos
delas. E claro que elas revidaram, quando ele retornou para casa, acho que preferia estar morto.
Mike deixou de caminhar na porta de um bar em uma esquina e olhou o relógio.
—Suponho que esteja faminta.
—Há um restaurante mexicano nesta rua.
—Não, não há um só restaurante mexicano no mundo que eu goste. Sempre fui fiel à comida
de minha mãe. Que tal um hambúrguer?
Brie sorriu.
—Claro. Está sendo mais fácil do que esperava.
—Demos um passeio agradável e tranquilo e a conversa contribuiu para que se distraísse.
—Isso soou muito profissional — comentou Brie enquanto entravam em uma lanchonete. E
eu que pensava que você estava se divertindo…
Mike a olhou sorrindo.
—Suponho que percebeu como estou completamente aborrecido. — respondeu. — Claro que
estou me divertindo. Mas vim aqui com uma missão: fazê-la sair de casa. E se estou fazendo isso
me divertindo é melhor ainda.
Seguiram diretamente a um reservado num canto da lanchonete, e fez com que sentasse
tendo a visão de todo o restaurante, para não se sentir vulnerável. Sugeriu uma cerveja ou uma
taça de vinho. Havia pouca gente no estabelecimento, então podia observar todos enquanto
comia. Pediram os hambúrgueres e continuaram a conversar sobre seus anos de adolescência;
falaram das notas que tiveram, os encontros e das confusões que se meteram daquela época. Ao
parecer, tinham sido bem diferentes. Brie foi uma estudante excepcional, Teve namorados
educados e jamais se causou problemas. Mike não foi capaz de sentar a cabeça até que
completou vinte anos, saía com tantas garotas quanto podia e teve problemas até com a polícia,
que o levou para casa tarde da noite em mais de uma ocasião, acordando seus pais.
Mas ainda não haviam terminado a refeição quando começou uma pequena confusão na
lanchonete. Um homem gritou com o garçom:
—Isto é inaceitável!
Brie arregalou os olhos e Mike olhou por cima do ombro. Havia dois casais de meia idade
ocupando uma das mesas. Um dos homens estava furioso e o outro tentava lhe apaziguar
pousando a mão em seu braço e falando com voz calma. As mulheres pareciam preocupadas. O
garçom se agachou, disse algo ao homem que parecia zangado e este reagiu agarrando a cerveja
e lançando-a pela janela. Se houvesse mais gente no bar, teria sido perigoso.
— Não é o suficiente! — ele gritou.
Brie engoliu em seco e endureceu aterrorizada. Mike olhou para ela, voltou a olhar por cima
do ombro e olhou para Brie novamente. Ela estava começando a entrar em pânico.
Então, o proprietário ou gerente entrou correndo no restaurante, aproximou-se da mesa e se
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dirigiu tranquilamente ao garçom e depois ao cliente irritado. O cliente respondeu, embora não
fosse possível entender o que dizia. Seu companheiro de mesa tentou tranquilizá-lo, mas ele se
levantou bruscamente e empurrou o gerente, fazendo-o retroceder vários passos.
Mike olhou para Brie, que estava aterrorizada, e pensou que aquilo era a última coisa que
precisava agora: encontrar-se com um valentão em sua primeira saída em público. Agarrou-a
pelo braço.
—Fique aqui e tente se acalmar. — pediu.
Levantou-se e caminhou rapidamente para a mesa. Os empregados da cozinha já estavam
aparecendo à porta.
Mike se colocou entre o garçom e o gerente, diretamente diante do cliente enfurecido, e se
alegrou de ser mais alto que todos eles, além de jovem e mais forte que aquele desgraçado.
Encarou o garçom nos olhos e disse com calma:
—Ligue para a polícia, por favor.
—Obrigado, senhor, mas acho que podemos controlar a situação.
—Nesse caso, se me permitir utilizar seu telefone, eu mesmo ligarei.
O cliente tentou tirar Mike de seu caminho com um empurrão e disse:
—Prefiro ir embora desta pocilga.
Mike se limitou a se endireitar, agarrou-lhe pelo braço para evitar o empurrão e lhe bloqueou
o caminho.
—Por favor, sente-se, senhor — Lhe disse em tom autoritário. — Acredito que ainda não
pagou.
Seu tom era firme, mas educado. O homem se sentou. Depois, Mike olhou para o garçom.
—Chame a polícia, por favor.
—Deixe-o — Disse o outro homem que estava na mesa. Tirou a carteira. — Deixe-me pagar
isto e…
—Sinto muito, senhor, mas seu amigo vai ter que se ver com a polícia. Atirar uma jarra dessa
maneira e tentar agredir uma pessoa é um delito — Olhou para o garçom, arqueou uma
sobrancelha e lhe fez um gesto com a cabeça.
—Liga para a polícia — Disse o gerente ao garçom e este saiu disparado.
Vinte minutos depois, a polícia local levava o cliente insatisfeito, que continuava
resmungando contra a comida. Ao que pareceu, como não gostou da comida servida, o garçom
se ofereceu para trocar ou conceder um desconto, mas independente dos protestos de sua
esposa e do outro casal, ele não pretendia pagar a conta. Resultou também que o homem estava
bêbado e completamente incontrolável. Não precisou algemá-lo, mas a polícia considerou ser
melhor conduzir aqueles quatro turistas fora do povoado. Assim que se foram, a lanchonete
recuperou a tranquilidade.
O gerente levou uma cerveja para Mike e para Brie uma taça de vinho por conta da casa.
—Em agradecimento por sua intervenção — Disse sorrindo.

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—Muito obrigado — Respondeu Mike. Depois, voltou-se para Brie, pegou em sua mão e
disse: — Lamento por isso. Espero que não esteja muito afetada.
—Foi meu batismo de fogo — Respondeu.
—É uma pena que encontramos precisamente hoje um palhaço desse tipo.
Mas Brie respondeu rindo.
—Meu Deus. Por um momento, revivi todos os meus medos, mas de repente me tranquilizei.
Chamaram a polícia, tiraram-no do bar e aí terminou tudo. Além disso — Levantou sua taça, —
Ganhamos as bebidas.
Mike franziu o cenho, temendo que aquela reação fosse produto de histeria.
—Deixarei uma boa gorjeta. Espero que isso não a deixe traumatizada.
—Não — Voltou a rir, — mas foi um bom aviso. Tive que enfrentar muitos tipos de aparência
terrível, mas em noventa e nove por cento dos casos, são todos uns fanfarrões. Gostam de
ameaçar e fazer-se notar, mas assim que vem a polícia, são capazes até de chorar — se inclinou
sobre a mesa e disse quase sussurrando. — Venho recitando um mantra durante semanas.
Passaram mais de dez anos da última vez em que um advogado foi atacado por um de seus
clientes e na verdade apenas o tocou. Repito-me constantemente que o que me aconteceu não
é algo habitual. É muito mais normal o que aconteceu hoje.
—Suponho que de percentagens entende muito mais que eu.
—Pelo menos em noventa e cinco por cento dos casos — Respondeu com um sorriso.

Cada semana, como um relógio, Jack recebia uma carta de Ricky, aquele menino que foi sua
sombra durante alguns anos até que decidiu se alistar na marinha e logo depois que terminou o
ensino medio. A carta, que sempre chegava dirigida a Jack, começava com um “Queridos Jack,
Pastor, Mike e todo mundo”, era o melhor momento da semana.
Quando Jack veio pela primeira vez a Virgin River, comprou a cabana em que se encontrava o
bar por que era grande e ficava bem no centro do povoado. Dormia em um quarto e trabalhava
em outro. Então estava montando o bar sem estar muito seguro de que seria um negócio
rentável em um povoado de seiscentos habitantes. Acrescentou um cômodo no piso superior e
um pequeno apartamento atrás da cozinha, no qual viveu até que Mel chegou à sua vida.
Ricky era um adolescente que morava no final dessa mesma rua, um menino sociável, com a
cara coberta de sardas, um enorme sorriso e a disposição de um cachorrinho carinhoso. Quando
Jack descobriu que era apenas ele e a sua avó, começou a se comportar como uma espécie de
pai substituto ou um irmão mais velho. Teve o privilégio de vê-lo crescer e se tornar em um
jovem forte, valente e honrado. Jack o ensinou a pescar, a atirar e a caçar. Passaram juntos
momentos muito bons, e também situações difíceis. O dia em que Ricky se alistou no exército
com apenas dezoito anos, foi para Jack um dia de admiração e tristeza. Uma parte o enchia de
orgulho por decidir se alistar, mas a outra parte o corroia de preocupação, porque sabia melhor
que ninguém quão perigosa podia ser a vida militar.
Quando recebia a carta, compartilhava-a com Pastor e com Mike e depois se dirigia a casa de
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Lydie, a avó de Ricky. Ali trocavam notícias, porque Rick escrevia pelo menos duas cartas por
semana, uma ao bar onde trabalhou desde o quatorze anos e outra para a avó. As notícias que
Lydie recebia estavam sempre censuradas, Rick tentava lhe economizar os momentos mais
duros e difíceis de sua experiência, mas Jack lia as cartas para ela em voz alta e Lydie ria ,
estremecia e se preocupava, mas adorava ouvir a versão sem censura.
Assim que os habitantes do povoado se inteiravam do recebimento de uma carta,
começavam a aparecer no bar. Connie e Rum, os tios da adolescente que saía com Rick,
chegavam sempre famintos de notícias. E também o doutor Mullins, Mel e Paige. Os Carpenter,
os Bristol, Hope McCrea… Todo mundo sentia falta de Ricky.
Estivemos correndo sob a chuva, carregando mochilas de mais de vinte quilos durante
quilômetros e quilômetros. Gritavam-nos que tínhamos que pagar tudo o que devíamos, nos
tornar homens duros, e me dava vontade de me deitar de rir, escrevia Rick. Não posso deixar de
pensar que isso não é nada. Que já paguei tudo o que tinha que pagar em Virgin River.
Rick e Liz, uma adolescente de quinze anos, estiveram a ponto de serem pais seis meses atrás.
Mas o bebê não sobreviveu. Eram muito jovens, muito frágeis para terem um bebê, muito mais
para confrontar uma tragédia como aquela. Jack, pai há poucos meses, não tinha nenhum
problema em imaginar que, comparado com aquilo, os rigores do exército deviam parecer para
Rick um jogo de meninos.
Sentia falta de Rick. Como um pai sentia falta de um filho.

Mike começou a ligar para Brie quase diariamente. Aquelas chamadas lembravam seus
amores de adolescente, pela quantidade de tempo que passava grudado ao telefone. Horas
falando de coisas triviais, como o que tinham feito naquele dia ou suas famílias. Algumas vezes
entravam em terrenos mais delicados, como religião ou política. Em uma ocasião, Mike
perguntou-lhe se já voltou a dirigir e ela respondeu que um pouco. Somente uma visita às suas
irmãs, e uma vez para fazer compras, mas nunca se aventurando em ir mais longe.
—E como se sente no carro?
—Não tenho nenhum problema para dirigir. Quando saiu de casa é que começo a me sentir
vulnerável. Insegura. Tenho uma pistola nova, para substituir a que perdi.
Mike permaneceu em silêncio durante alguns segundos.
—Certo… Brie, espero que a segurança que sente no carro não seja motivo de disparar no
primeiro bom samaritano que se aproximar para te ajudar a trocar um pneu.
—Não é exatamente isso o que queria dizer, mas…
—Não importa. Não quero saber nada mais.
Brie riu. Cada vez ficava mais fácil fazê-lo, pelo menos com Mike.
—Estou me sentindo mais segura, embora anteriormente não me sentisse assim.
—Estava me perguntando… Gostaria de sair para comermos outra vez? Sempre e quando não

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quiser ir muito longe e esteja de acordo em deixar a pistola em casa, claro.
—Aonde?
—Poderíamos ir a Santa Rosa— sugeriu Mike. — Ficarei encantado de voltar a Sacramento,
acho que seria bom dirigir um pouco além da esquina de sua casa.
—Parece-me uma viagem muito longa só para ir a uma lanchonete.
—Será uma maneira de expandir seus horizontes. De que consiga sair de Sacramento.
—E pra você o que será? —perguntou Brie em voz baixa.
—Eu pensei que estivesse sendo claro — respondeu ele. — Há centenas de razões pelas quais
quero ajudar em sua recuperação. Uma delas é obvio, eu gosto de você, e outra, é que passei
pelo que está passando agora.
Funcionou. Comeram em Santa Rosa, em um pequeno restaurante italiano no qual
desfrutaram de vários pratos de massa e chá frio. Depois de comerem, Mike segurou a mão de
Brie entre as suas, apoiando-as na mesa.
Era curioso. A primeira coisa que o atraiu em Brie foi seu caráter duro e lutador, mas depois
do ocorrido, apesar das dificuldades de Brie até para lhe sustentar o olhar, além de falar com
uma voz tão baixa que apenas ele ouvia, seus sentimentos por ela não mudaram muito.
É óbvio que, se chegasse a se recuperar novamente, receberia entusiasmado a Brie de antes,
mas era consciente de que se continuasse sendo uma mulher frágil e vulnerável, sentiria por ela
algo muito intenso e não conseguiria esquecer facilmente.
—Aonde disse ao seu pai que estaria? — perguntou Mike.
— Sair contigo — respondeu encolhendo os ombros. — Disse em qual restaurante estaria e a
hora que voltaria para casa. Ele estava entusiasmado. Claro, é o primeiro a querer minha
recuperação e a vida de sempre. Não faz ideia do quanto me falta ainda para consegui-lo. Isso é
algo… bom, na verdade, não é voltar para o mundo, mas sim comer com um amigo, e eu gosto.

Duas semanas depois, voltaram a se encontrar em Santa Rosa. Naquela ocasião em um


restaurante francês, situado em uma adega. Era um restaurante pequeno, no qual Brie podia ver
todos e os clientes. E outras duas semanas depois, voltaram pela terceira vez a Santa Rosa.
Bastava vê-la para desejar correr ao seu encontro, levantá-la em seus braços e estreitá-la
contra ele, mas afundava as mãos nos bolsos, sorria-lhe e se limitava a saudá-la com um simples
“olá”. Na sexta semana e a quarta comida, Brie já foi capaz de despedir-se dele com um abraço.
—Obrigada — disse. — Acho que tudo isso está sendo de grande ajuda.
Entre os encontros falavam-se assiduamente por telefone. Quando isso acontecia, a
lembrança daquela mulher brilhante e atrevida pela qual Mike se apaixonou estava sempre
presente. Mas, ao mesmo tempo, era consciente de que se encontrava frente a uma mulher
insegura, uma mulher a quem destroçaram a confiança em si mesma, embora no fundo
continuasse sendo a mesma mulher sincera, divertida e batalhadora de sempre.
Mike estava enfrentando um desafio que para ele era completamente novidade. Ser amável
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e delicado com ela não lhe custava nada, porque acima de tudo, sempre foi um cavalheiro. Mas
lhe custava fingir que não estava preocupado, que não se compadecia com ela, quando a
verdade era que não havia nada tão duro quanto saber que uma mulher que admirava
profundamente e queria intensamente, foi agredida daquela maneira. Não podia acrescentar
sua própria dor à lista de preocupações por Brie; a recuperação já lhe estava resultando
suficientemente difícil. Mas não era fácil afastar a tristeza e a preocupação de seu olhar, de seu
sorriso. Brie necessitava de força naquele momento, nada devia debilitá-la.
Nunca mencionavam Jack em suas conversações, exceto quando Brie falava da família, de
sua infância e do quanto sentiu sua falta quando ele se alistou na marinha. E, até então, Jack
tampouco tinha mencionado nem os telefonemas nem os almoços.

O verão estava indo embora, Jack e Mel estiverem em Sacramento desde junho e o verão
trouxe uma nova tensão à vida de Mel. Não podia deixar de pensar em Carra, que não voltou à
clínica para fazer os exames. Tinha além dela, duas mulheres grávidas a seu cargo, sem falar dos
outros pacientes que passavam pela clínica do doutor Mullins.
E seu marido sentia sua falta.
A rotina de Jack continuava a mesma de sempre: levantava-se cedo, ia cortar lenha e
consultava Pastor sobre as tarefas pendentes no bar. Depois, podia permitir-se trabalhar na
casa que estavam construindo.
Aquela última tarefa parecia ocupar a maior parte de seu tempo, porque era a que lhe
permitia estar sozinho. E de repente, Jack parecia ter mais necessidade de solidão que antes da
agressão de sua irmã. Nunca falava do que aconteceu com Brie e estava especialmente calado.
Às vezes, quando não havia nenhuma novidade no consultório médico, Mel seguia até a casa
que estavam construindo e observava Jack enquanto este cravava pregos na madeira ou
carregava as enormes madeiras sobre seus largos ombros. Antes de Brie, Jack deixava de
trabalhar assim que a via e aproveitava aqueles momentos para estar com ela. Mas há várias
semanas, o silêncio parecia estar consumindo-o.
Brie ligava para sua cunhada diariamente, porque se ela não o fizesse, sabia que o faria Jack.
Era evidente que Brie estava melhorando, tanto física quanto mentalmente, mas Jack não. E Mel
era dolorosamente consciente de que aquela era a razão pela qual não faziam amor há semanas,
um tempo que em sua relação era uma eternidade. Desfrutaram até então de uma vida sexual
tão frequente quanto satisfatória. O sexo era um dos pilares de seu casamento. Jack era um
homem apaixonado, de desejos intensos, e Mel ficou dependente da plena satisfação que
sempre lhe proporcionava. Nada a fazia sentir-se mais adorada que as carícias de Jack. E lhe
respondia fazendo tudo o que estava em suas mãos para demonstrar a profundidade de seu
amor.
Consciente de que era a agressão a Brie que o preocupava e anulava seu desejo, Mel estava
fazendo um enorme exercício de compreensão e paciência. Mas não era fácil deitar-se a seu lado
a cada noite e não receber suas carícias. Compreendia o sofrimento de Jack, seu aborrecimento,
mas também não podia permitir que seu marido continuasse encerrado eternamente em sua
dor.
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Tinha que recuperá-lo.
Um dos costumes do casal era passar uma ou duas horas no bar ao final da jornada no fim do
dia. Às vezes jantavam ali e outras se limitavam a tomar um café ou uma cerveja com algum dos
clientes antes de voltar para casa para jantar. Naquele dia em particular, Mel foi diretamente
para casa ao sair do trabalho. Nem sequer passou pelo bar para se despedir. Deu de mamar a
seu filho; deitou-o; tomou banho; vestiu uma das camisas do Jack e se sentou no sofá, deixando
que a brisa que se infiltrava pela fresta da porta a refrescasse. Podia apreciar a fragrância de Jack
em sua camisa, aquele aroma almiscarado misturado com os aromas da madeira, do vento e do
rio.
Jack a chamou por telefone e quando perguntou por que ela não foi ao bar essa noite, Mel
respondeu:
—Porque no bar não havia ninguém com quem quisesse falar.
—Mas eu estou aqui.
—Exatamente — Respondeu. E se despediu dele.
É obvio, Jack demorou perto de vinte minutos para se despedir de Pastor e retornar para
casa. Mel sabia que se dissesse o motivo daquela conversa, Jack teria adiado. De fato, estava
muito preocupada, mas tinha que tentar. Passou muito tempo. Muito tempo e o bem estar de
seu casamento significava tudo para ela.
—O que está acontecendo? —perguntou Jack assim que cruzou a porta da cabana.
—Sinto-me sozinha.
Jack se sentou a seu lado no sofá de cabeça baixa. Eram precisamente esses gestos de derrota
e seus silêncios que a estavam destroçando por dentro.
—Sinto muito, Mel. Sei que já deveria ter superado. Eu também esperava havê-lo feito. Não
sou um idiota, mas é Brie e…
—Jack, Brie precisa de você e eu quero que a apóie. Não teria me casado com um homem
que não o fizesse. Mas quero que supere todo o ocorrido, porque eu amo você Jack, e também
preciso de você.
—Sou consciente de que a decepcionei. Tentarei fazer as coisas melhor…
Mel se ajoelhou no sofá, a seu lado.
—Beije-me.
Jack se inclinou para ela e tomou seus lábios: fez inclusive um notável esforço por mover a
boca sobre a sua, por entreabrir os lábios e permitir que Mel afundasse a língua entre eles. Mas
não havia paixão naquele beijo, não havia desejo. Não a acariciou, nem a atraiu para ele, não
gemeu contra sua boca como se fosse incapaz de conter seu desejo.
Mel tinha a sensação de que o estava perdendo.
—Vem comigo — disse.
Tomou suas mãos e o conduziu ao dormitório.
—Sente-se.

31
Agachou-se diante dele e lhe tirou as botas. Levantou-se e começou a desabotoar sua
camisa.
—É possível que isso não termine do jeito que você espera — advertiu Jack.
—Psiu. Já veremos.
Abriu-lhe a camisa e começou a deslizar as mãos sobre os pelos que cobriam seu peito.
Beijou-o ali e lhe acariciou os mamilos com a língua. Depois, tirou-lhe o cinto, abriu-lhe as calças
e desceu lentamente o zíper. Beijou seu ventre e tirou os jeans para deixar seus quadris
descobertos. Logo percebeu que Jack estava ficando excitado, um pouco espantoso nele, que se
excitava com a mínima insinuação. Mas não se deixou desanimar. Baixou-lhe a cueca, acariciou-
o para continuar alimentando o incipiente desejo e passou os lábios sobre ele, como sabia que
Jack gostava.
E ouviu então aquele gemido que não ouvia durante tanto tempo e do qual sentiu saudades.
Um gemido profundo. Jack não era capaz de permanecer passivo naquelas circunstâncias.
Respondeu, apesar de tudo, mas para Mel não importava. Pelo menos já era um princípio.
Jack não teve problemas com o sexo jamais em sua vida. De fato, nos momentos de maior
estresse e tensão, o sexo era para ele uma via de escape. Mas não naquela ocasião. Depois do
que aconteceu com Brie, ficou paralisado, incapaz de reagir, pelo menos até que esposa exigir
uma resposta e o fez perceber que sua tristeza não afetara só a ele.
Sentiu a deliciosa boca do Mel sobre seu sexo e permitiu esquecer-se de suas preocupações
durante um instante. Fechou os olhos, deleitando-se naquela sensação. Mel se colocou sobre
ele, ardente e doce, e Jack deslizou as mãos por seu traseiro e por suas costas, para alcançar o
final de seus seios cheios e a ouvir gemer de prazer.
—Jack, necessitava tanto sentir suas mãos…
Aquela frase o impactou; era um reflexo do muito que dependiam um do outro. Nos
momentos difíceis, deveriam ajudar-se e não fechar-se obstinadamente em si mesmos.
Tirou a camisa de Mel pela cabeça e aproximou a boca até seus seios túrgidos. Rodou com
ela na cama e a colocou embaixo dele, enchendo-a e desfrutando de seus suspiros e gemidos.
—Mel, sinto muito — sussurrou, — A ultima coisa que queria era abandoná-la.
Moveu-se ligeiramente. Mel dobrou os joelhos e elevou os quadris para que se afundasse
mais profundamente nela.
Aquela era uma das coisas que mais agradava Jack em sua esposa: desfrutava do sexo
tanto quanto ele. Naquele aspecto se entendiam perfeitamente, e naquele momento, Mel tinha
necessitado mostrar-se especialmente audaz para lhe fazer voltar a vida. Jack nunca tinha
sofrido uma etapa de seca como aquela, e significava muito para ele que Mel não estivesse
disposta a permitir que aquela situação se prolongasse, que lhe desejasse com tanta paixão que
estivesse decidida a recuperar o sexo em seu casamento. Não havia outra mulher como ela.
Imaginava que muitas outras teriam se mostrado mal-humoradas, se zangado, tomado sua
atitude como uma ofensa, inclusive teriam ignorado aquela crise. Mas Mel, não. Mel estava
comprometida com seu casamento. Comprometida com a paixão que compartilhavam.
Jack passou a mão no sexo de sua esposa e a acariciou com aquela fricção perfeita que a
levava sempre a ofegar e a gritar seu nome. Riu então, porque adorava vê-la assim, porque
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gostava que não fosse capaz de permanecer em silêncio, gostava de saber que se entregava por
completo.
O som daquela risada sensual indicou a Mel que Jack estava de novo a cargo da situação,
concentrado unicamente em fazê-la gozar. Imediatamente, rodeou-o com as pernas, fazendo-o
sentir seu próprio orgasmo de tal maneira que o fez tremer. Enquanto se debilitava entre seus
braços, soube imediatamente que Jack conseguiu se conter. E que ia voltar a fazê-lo antes de
deixar-se levar pela paixão.
Mel acariciou seu rosto perfeito enquanto admirava o sorriso que curvava seus lábios e o
fogo do desejo que ardia em seu olhar.
—Bem vindo em casa, querido. Bem vindo.

Brie tinha que se obrigar a levantar do sofá. Raras vezes saía da casa de seu pai desde o
acontecido. Só ia ao psicólogo, ao grupo de terapia ou para desfrutar com Mike alguns almoços
os quais aguardava sempre com ilusão e desejo. Sam, que tinha medo das coisas piorarem, não
dizia nada sobre aqueles encontros, mas ele sabia. E Brie sabia que ele tinha conhecimento
disso.
Brad também ligava quase todo dia, e embora Brie não tivesse nenhum interesse em falar
com ele, sabia que Brad lhe diria sempre a verdade sobre o andamento da investigação. Essa era
uma das coisas que tinham em comum desde o primeiro momento: o trabalho. E se Brad
pudesse lhe dar algum dia a notícia de que prenderam Powell, sua vida mudaria drasticamente.
Mas, é óbvio, ainda não o encontraram.
Outra pessoa que ligava regularmente era Christine, que foi sua melhor amiga até que a
traiu com Brad. Aquelas eram chamadas que se negava a aceitar. Sam aconselhou Christine a
deixar de ligar, mas não conseguiu dissuadi-la.
—Disse que acabará falando com ela, diz estar muito preocupada e que quer muito bem a
ti.
—Sim, parece amar todo mundo.
Com cada uma de suas chamadas, revivia o drama de sua separação. Christine e ela eram
amigas antes de Brie e Brad se casassem. O marido de Christine, Glenn, também era policial.
Christine era enfermeira e trabalhava para um cirurgião. As duas foram muito unidas. De fato,
deixando de lado suas irmãs, Christine era a mulher com quem Brie teve uma relação mais
íntima. Falavam quase todos os dias e se viam várias vezes por semana.
Brie era consciente de que Christine e Glenn tinham problemas. Discutiam por qualquer
coisa: pelo sexo, dinheiro e a família. Com dois trabalhos que exigiam grande dedicação, dois
meninos pequenos e uma casa enorme, parecia que Christine estava destinada a continuar
brigando periodicamente com seu marido, pelo menos até que as crianças crescessem e
pudessem pagar suas próprias contas. Mas Brie se equivocou. Alguns anos depois de Brie e Brad
se casarem, Christine e Glenn se divorciaram.
Depois do divórcio. Brad e Brie mantiveram contato com os dois. Brad via Glenn no
trabalho e este último passava de vez em quando por sua casa para tomar uma cerveja. Por
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outro lado, Brie e Christine continuaram sendo amigas. E assim que passou o primeiro impacto
da separação do Glenn, Brie teve a sensação de que, em muitos sentidos, sua amiga estava mais
tranquila e mais contente que antes. Podia controlar seus gastos e, além disso, tinha dois dias
livres na semana, quando Glenn levava os meninos a sua casa.
É obvio, havia sinais que Brie não notou. Christine não saía com ninguém, nem falava de
homens. Um ano depois de seu divórcio, suas conversações telefônicas começaram a diminuir,
mas Brie sabia que não era fácil ser mãe solteira e trabalhadora, seu próprio trabalho requeria
tanta atenção que tampouco podia estar disposição para sua amiga. De fato, pra ser sincera
consigo mesma, tinha que admitir que Christine era quem sempre ligava e a convidava para sair.
O que Brie ainda não era capaz de compreender era o fato de que Brad não parecia ter mudado
em nenhum momento sua atitude. Falavam por telefone várias vezes ao dia, compartilhavam
todas as noites que Brad não estava de serviço e ele continuava fazendo amor com ela com a
mesma frequência de antes. Até quando Brad lhe disse que estava indo e que precisava de
espaço, ela nem suspeitava que pudesse haver algum problema em seu casamento.
Brie não sabia como começou a relação entre Christine e ele, mas Brad admitiu que seu
relacionamento com sua amiga já durava um ano.
—Não sei o que aconteceu — havia dito Brad, dando de ombros com impotência. —
Suponho que nos sentíamos solitários. Glenn saiu de casa, você sempre estava trabalhando e
Christine e ficamos muito próximos...
—OH, não diga tolices! —tinha-o reprovado ela. — Em nenhum momento se queixou
comigo. Claro que te convinha que estivesse trabalhando para ter tempo para ela!
—Se é nisso que quer acreditar… — foi a resposta do Brad.
Foi um golpe muito duro para Brie. À dor da separação se somaram a surpresa e a
incredulidade. Seis meses depois do divórcio, acreditava ter superado em grande parte o
ocorrido, mas a violação a fez reviver tudo.
Dedicava a maior parte de seu tempo em assistir televisão, dormir e limpar a casa. Não
podia se concentrar suficientemente para ler uma novela, algo que desejava quando o trabalho
não permitia. As palavras cruzadas e os quebra-cabeças tampouco, porque não era capaz de
fixar sua atenção. Quando estava casada com o Brad, aos domingos, pela manhã, antes dele
levantar, dedicava-se a fazer palavras cruzadas. Nem sequer era capaz de ir a um centro
comercial. Mas continuava almoçando com Mike. Chegou a pensar naquelas refeições como
uma espécie de encontros clandestinos. Era certamente a única ocasião em que se permitia
esquecer-se de si mesma e de tudo o que sofreu durante aquele ano. O silêncio de seu pai sobre
aquelas saídas a intrigava; mas ela nem sequer falou daqueles encontros com suas irmãs. Como
se temesse que se contasse a magia se perderia.
Não reconhecia a mulher em que se converteu. Ela, que sempre foi tão forte. Eram muitas
as pessoas, sobretudo homens, que a consideravam uma mulher dura. Mas se converteu em
uma paranóica e temia não ser capaz de superar nunca seus medos. Durante anos teve contato
com vítimas de muitos delitos, algumas delas, de violações. Viu-as murchar, deter suas vidas,
incapazes de voltar a ser como antes. Ela tentava convencê-las a dar testemunho em julgamento
e muitas vezes se sentiu frustrada e furiosa pela debilidade e a impotência que transmitiam. Mas
a vida a converteu em uma delas.

34
Não estava disposta a ceder, continuava dizendo a si mesma, dia após dia. Entretanto, a
recuperação estava levando semanas. Meses.
—Preciso fazer um pouco de exercício — disse a Mike durante um de seus encontros. Sou
incapaz de me levantar da cama ou do sofá se não tiver um forte motivo ou sair para comer
contigo.
—Não está tomando antidepressivos? —perguntou Mike. — Eu pensei que fosse habitual
em caso de vítima de delito dessa natureza.
—Prefiro não tomar antidepressivos se puder evitar. Até agora, sempre fui uma pessoa
com muita energia…
—Eu tive que tomá-los — admitiu Mike. — Acreditava que não necessitava, mas ao final,
compreendi que tinha depressão. Pelo visto, é normal depois de ter sido vítima de agressão, ou
de sofrer uma intervenção cirúrgica como a minha.
—Não acredito que eu…
—Então terá que pensar em uma alternativa se não quiser que a situação piore —advertiu.
— Brie, tem que lutar!
—Eu estou me esforçando — respondeu com um fio de voz. — Sei que não parece, mas
estou tentando.
Mike tomou suas mãos e disse com delicadeza:
—Tem que lutar com mais força. Não posso te perder por culpa disto.
Brie não era capaz de sair para correr sozinha, dava-lhe medo inclusive à luz do dia. Não
podia ir à academia porque não suportava que os homens a olhassem. Recordava quase com
nostalgia como em outra época de sua vida adorava que os homens se fixassem nela. Era uma
mulher pequena, com muito bom tipo de cabelos longos, os quais mantinha presos quando tinha
que ir aos tribunais, mas os usava solto na maioria das vezes. Isso a fazia se sentir poderosa,
capaz de despertar o interesse de homens atraentes. Naquele momento, bastava que um
homem a olhasse para sofrer um ataque de pânico.
Entretanto, não ia deixar se afundar, então procurou um ginásio feminino, onde começou
a correr em uma máquina e levantar pesos. Se não era capaz de desfrutar de uma vida plena,
pelo menos inventaria uma falsa.
O exercício funcionou: um par de semanas indo ao ginásio e já começou a dormir e a
comer melhor. Tinha a sensação de que aquilo a ajudou a avançar um passo mais em sua
recuperação, cada dia se encontrava um pouco melhor que o anterior.
Havia vezes em que pensava que se não fosse pela atenção de Mike, naquele momento
estaria perdida. É obvio, sua família estava se comportando de uma forma extraordinária.
Animavam-na e estavam sempre ao seu dispor. Mas Mike, um homem que se prometeu não se
envolver, quando começou a flertar com ela na primavera anterior, era o único que a fazia
sentir-se como uma mulher. Algo pelo qual estaria sempre agradecida.
Tommy Booth era um menino novo no povoado. Acabava de se matricular no último curso
no Instituto de Valley. Seu pai, Walt Booth se retirou esse ano do exército e deu a Tommy a
opção entre a academia militar, um internato privado ou o instituto de Valley. Tommy decidiu

35
morar com seu pai em Virgin River por um par de motivos: tinha perdido a sua mãe em um
acidente de carro anos atrás e ambos só tinham um ao outro e se davam bastante bem para ser
pai e filho. Além disso, sua irmã mais velha, casada, grávida e separada de seu marido pelo corpo
da marinha, também ficaria em Virgin River até Matt, o cunhado de Tommy, retornar do Oriente
Médio. Queria ter seu filho no povoado e a Tom entusiasmava a ideia. Além disso, havia os
cavalos, dos quais teria que se separar se fosse a um internato.
O pai de Tom era um general reformado que comprou aquela propriedade alguns anos
atrás. Tinha uma irmã e uma sobrinha que moravam a poucas horas dali, em Baía de Adega, e
por isso procurou uma propriedade na Califórnia que não estivesse longe delas. Sua tia Midge
estava muito mal; estava há anos doente e os últimos três estava em uma cama. Era uma doente
terminal, sofria de uma enfermidade degenerativa e sua filha, Shelby, ocupava-se de atendê-la.
Walt Booth estava disposto a instalar-se em Baía de Adega, apesar de preferir a montanha e os
bosques à praia. Mas Midge o convenceu a não fazer isso porque, ela não viveria por mais alguns
anos. Talvez quando Walt se aposentasse, poderia estar morta. E se não, ele sempre poderia ir
visitá-la. Além disso, Virgin River estava suficientemente perto para se verem e era um povoado
no qual Walt podia criar raízes. E Midge estava certa: não lhe restava muito tempo de vida.
Quando Walt e Tommy foram morar em Virgin River, ela já necessitava de atenção durante as
vinte e quatro horas do dia e estavam pensando em levá-la para o hospital.
Enquanto Walt finalizava sua última missão com o Pentágono, foi reformada a casa e
construído o estábulo e o curral. Tommy só esteve ali uma vez antes da mudança definitiva, mas
se encantou com aquele lugar, as árvores, os rios, a costa, as montanhas e os vales pelos quais
poderia montar à vontade.
As aulas começaram no fim de agosto. Tom não estava muito animado com a ideia de ir ao
instituto. Era um pouco tímido até conseguir conhecer alguém. Sendo aquele um instituto de
zona rural, certamente as pessoas se conheceriam durante toda a vida, de modo que lhe custaria
fazer amizade. Era um menino alto, forte e atlético, mas chegara muito tarde para fazer parte da
equipe de futebol.
Nos primeiros dias de aula conheceu um menino. Jordan Whitley, um tipo divertido. Era
magro e nervoso, mas também muito sociável. Ficou com ele em um par de ocasiões ao sair do
instituto. Vivia perto dali, enquanto Tom tinha que dirigir cada dia até chegar a Virgin River. Os
pais de Jordan estavam divorciados, era filho único e sua mãe trabalhava, de modo que ficava
sozinho todos os dias até às seis.
Contanto que chegasse em casa antes do jantar a tempo de cuidar dos, o pai do Tom não se
importava que ele saísse com os amigos.
Jordan lhe contou que eram frequentes as festas em uma área de descanso abandonada
que havia à saída de Virgin River. Insistia sempre em que fosse a uma dessas festas nos finais de
semana, mas Tom sempre encontrava alguma desculpa para não ir. Não conhecia ninguém,
apenas Jordan. E tampouco havia dito nada sobre o fato de que tinha uma casa para ele sozinho
durante vários dias durante a semana, quando seu pai ia visitar sua tia. Não queria que Jordan e
sua tribo invadissem sua casa.
Não sabia muito bem como, mas Jordan sempre arrumava para ter cerveja em casa e
estavam acostumados a tomar uma cerveja cada dia ao sair do instituto. Tom tinha um cuidado
especial com isso, porque se seu pai sentisse cheiro de álcool, seria um homem morto. Outra das

36
obsessões de Jordan eram as garotas. Cada dia parecia sair com uma diferente. Até então,
nenhuma pareceu particularmente atraente a Tom. Mas, sendo o menino novo do instituto,
divertia-o ir a sua casa e ver-se convertido no centro de atenção de alguma daquelas garotas.
—Na sexta-feira de noite você tem que ir à casa de meu amigo Brendan — convidou
Jordan. — Tenho certeza de que vou ter sorte.
—Ah, sim? — Perguntou Tommy com um sorriso. — E com quem vai ter sorte?
—Tem essa garota que me deseja tanto que estou certo de que não vai poder se conter. E
está tomando pílula.
—Então o que quer é que eu vá ver a sorte que tem. Acho que eu passo — Respondeu
rindo.
—Vai levar uma amiga — disse Jordan.
—O máximo que vai me acontecer é tomar uma cerveja — Respondeu Tommy – Pensarei a
respeito. Não conheço Brendan.
—Ele é legal — disse.
— Se graduou faz alguns anos e sua mãe está fora, algo que faz frequentemente, então
tem toda a casa para ele. Se tivermos sorte, podemos ficar ali toda a noite… Não sei se me
entende.
—Claro que entendo — respondeu Tom.
Não podia deixar de pensar que eram uns estúpidos. Não entendia como podia presumir se
deitar com garotas que anunciavam de antemão que estavam tomando a pílula. Ele não era
nenhum estúpido. Assim era como se contagiavam essas porcarias. Bastou imaginar a si mesmo
dizendo a seu pai que tinha gonorréia para começar a tremer.
Mas acabou indo. Serviram-lhe algumas cervejas, mas não as terminou. Viu maconha, mas
Tommy não queria nem aproximar-se das drogas. Era um risco muito grande para um menino
que estava pensando em ir a West Point e com um pai como Walt, que seria capaz de
esquartejá-lo se ficasse sabendo.
A garota que supostamente era para Tom, no caso de se interessar, era muita avançadinha
e pronta para tudo, ele não conseguia nem olhar para ela. Além disso, Jordan e Brendan estavam
muito ocupados tentando embebedar todo mundo o mais rapidamente possível e Tom estava se
aborrecendo mortalmente. Acabou indo embora sem ninguém perceber.
Na segunda-feira pela manhã, Jordan lhe perguntou onde esteve:
—Onde esteve na sexta-feira?
Tom deu de ombros.
—Tinha que voltar para casa. Meu pai é muito exigente com os horários.
—Mas tínhamos garotas e cerveja!
—Tomei algumas cervejas. E as garotas… Bom, não havia nenhuma que realmente me
interessou.
Jordan riu então a gargalhadas.

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—E o quê? Não é virgem ainda, é?
A verdade era que sim, era virgem.
—Claro que não — Respondeu.
Que outra coisa podia responder a uma pergunta como aquela? Tom nunca se deitou com
uma garota, mas não porque não quisesse, mas porque teve sempre muito cuidado. Com a
última garota com quem saiu logo tinham começado algumas carícias íntimas, foi antes de se
mudar para Virgin River. Tom estava desesperado para sair com alguém, mas tinha que ser uma
garota magnífica, alguém que realmente gostasse. E quando a encontrasse, seria um verdadeiro
cavalheiro com ela.
—Podemos sair depois da escola — disse Jordan, — talvez a gente encontre algo.
—Olha, Jordan, sei que só está tentando ser um bom amigo e me dar uma mão, mas que
tal você se preocupar com suas coisas e eu com as minhas?
—Amigo, não sabe o que está perdendo.
Mas depois de ter visto a cerveja, as garotas e a maconha, Tom pensava que sabia
exatamente o que se estava perdendo. Através de Jordan não conheceu ninguém que o
interessou. Pelo menos até então.
—Você se ocupe de si mesmo e eu me ocuparei de mim.
Mesmo assim. Jordan era um dos poucos amigos que fez e gostava de passar pelo rancho e
montar a cavalo de vez em quando. O general não gostava dele, mas não tinha nenhuma boa
razão para isso. Por sua parte, Tom se encontrava em uma situação contraditória: agradecia ter
pelo menos um amigo, mas esperava não demorar muito em encontrar alguém que tivesse mais
em comum com ele.

Entrou um homem no bar e se sentou em frente ao balcão. Por seu aspecto, não devia
chegar aos trinta anos. Jack olhou a camiseta pólo, as calças cáqui e os mocassins. Não era um
traje habitual no povoado. Certo de que não era um caçador, nem um pescador. Aproximou-se
dele, limpou o balcão e perguntou:
—O que vai querer?
—Uma cerveja.
—É nossa especialidade — Brincou Jack, enquanto lhe servia. — Está de passagem?
—Na verdade não, ou, pelo menos, assim espero. Acabo de começar a dar aulas no
instituto e pensei que deveria ir conhecendo os pais de alguns dos meninos — Bebeu um gole de
cerveja. — Você tem filhos no instituto?
—Não — Respondeu Jack, e bebeu um gole de café. — Acabo de ter um filho. Quando ele
for ao instituto, eu já necessitarei de um andador.
O professor pôs-se a rir. Estendeu-lhe a mão.
—Zach Hadley.

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—Jack Sheridan. Bem vindo a bordo. Como se saiu até agora?
—A verdade é que tudo é muito novo. Estou acostumado a institutos maiores, a cidades
maiores. Mas queria provar a vida no campo — Sorriu. — Os meninos me acham muito
interessante. Estão sempre rindo das minhas roupas.
Jack lhe devolveu o sorriso.
—Por aqui só se vêem granjeiros, boiadeiros e essa classe de gente. Ah, e caçadores e
pescadores — Lhe assinalou com a cabeça. — Não vem muita gente vestida de golfista.
—Isso é o que pareço? Um golfista? —riu de novo. — Deveria imaginar.
Mel entrou nesse momento no bar com o bebê nos braços. Passou o menino a Jack e ele
disse:
—Senhor Hadley, apresento David, seu futuro aluno.
David sorriu e meteu um dedo na boca.
—Sim, acho que com este vai ter diversão garantida — Comentou Jack.
Tirou uma mochila de debaixo do balcão, colocou David nela e colocou os suspensórios nos
ombros.
—Mel — Disse, enquanto acomodava David, — Apresento Zach Hadley. Acaba de começar
a dar aulas no instituto.
Apertaram-se as mãos e Zach explicou que morava em uma casa alugada no subúrbio de
Clear River e que estava dando uma volta pela zona para conhecer tanto as pessoas por ali como
os pais de seus alunos.
—Você chegou no momento certo. Esta é a hora que começa a aparecer gente pelo bar
para tomar um café ou uma cerveja.
—Excelente. Você trabalha no bar com seu marido?
—Não, eu trabalho como enfermeira e parteira. Ali em frente, no consultório do doutor
Mullins.
— Verdade? — Perguntou Zach, intrigado.
— Verdade, e o que é mais verdade ainda é que neste povoado ninguém dá à luz em uma
hora decente — Acrescentou Jack enquanto servia a Mel um gole de cerveja.
—Ele é meu ajudante — Disse Mel. — Quando tenho que atender algum parto,
normalmente fica acordado durante toda a noite se por acaso eu precisar de ajuda.
Mike entrou nesse momento no bar e se sentou ao lado de Mel. Jack lhe apresentou e
disse que era policial e que serviu com ele no corpo da marinha. O próximo a chegar foi o
médico.
—Ora, neste bar existem experiências vitais muito interessantes — Comentou o professor.
— Com certeza alguns dos meninos não achariam ruim aproximar-se daqui para falar de
possíveis opções de futuro.
—Em realidade, já tivemos alguma experiência parecida — Respondeu Mike.
—Ah, sim? E como foi?
39
—Bom — respondeu Mike, sacudindo a cabeça, — os meninos só queriam saber duas
coisas: se alguma vez atirei em alguém e se alguma vez atiraram em mim. Minhas respostas
foram “sim” e “ainda não”. Pouco depois disso levei três tiros. Não acredito que depois disso
existam muitos que estejam interessados em ingressar na academia de polícia.
—Pois eu adoraria poder falar com os meninos de métodos anticoncepcionais,
enfermidades de transmissão sexual e agressões sexuais — Disse Mel. — Levo tempo tentando
encontrar a maneira de trabalhar esses temas no instituto. Estamos em uma zona muito
conservadora.
—Mel — disse Jack, — Zach acaba de me dizer que é novo na região e que espera poder
ficar algum tempo por aqui — Pastor entrou nesse momento com uma bandeja de copos limpos
Pastor, — apresento- lhe Zach, está trabalhando no instituto e busca voluntários para falar com
os seus alunos de possíveis profissões.
Pastor deixou a bandeja embaixo do balcão, secou as mãos no avental e cumprimentou
Zach.
—Prazer em conhecê-lo.
—Você poderia lhes falar de seu trabalho como cozinheiro - propôs Jack.
Pastor olhou a Zach, sorriu e disse:
—Sem chance. Apenas falo com minha mulher. Bem vindo ao povoado — e, sem mais,
retornou à cozinha.
Zach se inclinou para diante, olhou a Mike, a Mel e depois ao médico.
—Doutor Mullins? — perguntou esperançoso.
O médico levantou seu copo de uísque e arqueou uma de suas cheias sobrancelhas. Bebeu
um gole, deixou o copo na mesa e respondeu:
—Nos seus sonhos meu jovem.
Zach terminou sua cerveja.
—Isso foi bom — disse com ironia.
—Bom, já sabe o que pode encontrar por aqui — disse Jack. — Um excelente lugar para
tomar uma cerveja.
—E você, Jack? Você estaria disposto?
—Claro que sim, Zach. Falarei com os meninos das vantagens de ser proprietário de um
bar. Em seguida, Mel pode lhes falar do sexo responsável. Assim tudo ficará em família.
—Tem razão — disse Zach. — Um lugar excelente para tomar uma cerveja.

Capítulo 3

40
Sue e Doug Carpenter, Carrie e Fish Bristol foram ao bar um par de tardes durante a
semana, depois do trabalho assim que Jack abriu, então Mel os conhecia muito bem. E Sue tinha
chamado Mel para lhe pedir uma consulta com sua filha, uma adolescente de dezesseis anos.
“Está grávida e temos que fazer algo”, havia-lhe dito, este era o trabalho de Mel, em oferecer
assistência médica a mulheres grávidas, independente de sua idade ou classe social.
—O que se passa exatamente, Brenda? —perguntou Mel à garota quando chegou à
consulta.
—Acredito que estou grávida.
Mel leu seu relatório. Brenda estava no primeiro ano de instituto. Pelo que Mel ouviu dizer
no bar, era uma estudante muito boa, animadora na equipe de futebol e membro do conselho
escolar. Era uma firme candidata a conseguir uma vaga para ir à universidade. Mas a natureza
não fazia discriminações, pensou Mel.
—Sabe quantos períodos está atrasada?
—Três, poderei abortar?
Mel inclinou a cabeça, surpreendida pela dureza da pergunta. Brenda sempre foi uma
garota doce e amável. Normalmente, esse tipo de tragédia em adolescentes como ela, que de
repente pareciam dispostas a jogar fora um brilhante futuro, devia-se a um romance imaturo de
juventude. Mas Brenda não parecia uma adolescente apaixonada.
—Há muitas opções, mas antes de pensar nisso, tenho que te examinar para estar segura
do que está acontecendo.
—Muito bem, faça o que tiver que fazer.
—De acordo. Dispa-se e vista esta camisola, de acordo?
Em vez de responder, Brenda tomou bruscamente a camisola e esperou que Mel saísse da
sala de reconhecimentos para começar a se despir.
Mel foi à cozinha, deu um gole da sua coca diet e tentou pensar no que estava
acontecendo ali. No mínimo Brenda estava zangada com sua mãe porque esta descobriu o que
ela escondia. Ou talvez o garoto a tinha deixado. Muitas opções, pensou. E se recordou a si
mesmo que por enquanto devia se fixar nos fatos.
Deixou Brenda alguns minutos a sós e retornou com ela.
—Tem feito exames periódicos? —perguntou-lhe
—Não —respondeu cortante, — mas se tiver que me fazer isso agora, faça.
—É obvio. Mas antes, preciso medir sua pressão e ver como está o pulso.
—Que seja.
—Brenda, desculpe-me, está zangada comigo?
—Estou zangada em geral.
Mel se sentou em um tamborete e olhou à garota.
—Por quê?
41
—Por tudo.
—Bem, todos cometem erros. É humano.
—Ah, é? Eu poderia viver com isso sabendo que foi um erro?
—De acordo, comecemos desde o começo. Quer me contar o que houve?
—Para que se incomodar? Só serviria para que pensasse que sou tão estúpida como
realmente sou.
—Tente — disse Mel.
Brenda cruzou as pernas e apoiou os braços nos joelhos.
—Fui a uma festa. Havia cerveja e me embebedei. Despertei enjoada. Enjoada e com
vontade de vomitar. O tipo que estava comigo me disse que dormiu e não aconteceu nada. Mas
se estiver grávida, é evidente que alguém estava mentindo.
Mel não pôde evitar. Ficou boquiaberta.
—Brenda, contou a sua mãe?
—Não disse nada até que meu período não veio pelo segundo mês, como ia dizer algo se
nem sequer sabia o que aconteceu? Uma desses testes de gravidez deu positivo. Era a última
coisa que esperava…
—Estava dolorida, a sua vagina?
—Doía-me todo o corpo! Sentia-me como se tivesse caído das escadas. E estava tão
enjoada que queria morrer. A última coisa que pensei naquele momento foi em minha vagina!
—Quando despertou, estava vestida? Havia alguma prova de que a tivessem violado?
—Estava completamente vestida. Tinha a saia coberta de vômito. E o cabelo.
—Foi à festa com alguma amiga? Alguém viu alguma coisa?
—Fui com um par de amigas e com um inútil. Todos terminaram tão bêbados quanto eu.
Nós nunca… era a primeira vez que fomos a uma festa desse tipo. Eu tinha bebido cerveja em
alguma ocasião, mas nunca me juntei com ninguém para esvaziar um barril.
—Recorda ter bebido muito?
—Não me recordo virtualmente de nada. Alguns meninos disseram que estava
completamente bêbada. Que bebi até perder os sentidos. E uma de minhas amigas jura que o
menino com quem fui também se embebedou.
—Não te ocorreu pensar que podiam ter jogado algo na cerveja? Alguma droga?
—Que tipo de droga? — perguntou Brenda.
—Você suspeita do que aconteceu? —perguntou Mel.
—Eu acredito que me embebedei e deixei que alguém… Bom, é evidente que não estava
em condições de decidir. Além disso, supunha-se que estava entre amigos. Bom, pelo menos as
garotas com as quais fui são amigas minhas, elas mentiriam.
—Todas as pessoas que estavam ali eram amigas suas?

42
—Parece que alguém não. A não ser que também haja algum menino que não se lembre
do que aconteceu.
Mel se inclinou para frente.
—Em geral, os homens, quando bebem muito, nem sequer são capazes de ter uma ereção.
Então, quem quer que seja que se deitou contigo, recorda perfeitamente o que aconteceu.
—E está mentindo.
—Sim, alguém está mentindo. E se estiver grávida e não se lembra de como ocorreu, não
acho que você seja a responsável. Brenda é possível que lhe tenham violado.
—Ou que me embebedasse tanto que nem sequer sabia o que estava fazendo.
—Para mim é o mesmo. Falou com a polícia?
—Sim, claro — respondeu Brenda com sarcasmo. — Não tem sentido dizer nada à polícia.
Mel alargou a mão para lhe tocar o joelho e Brenda pareceu encolher-se. Mel pensou
imediatamente em Carra.
—Podemos encontrar restos de DNA, Brenda. Será fácil encontrar à pessoa que te fez isto.
—Sim, deve ser interessante — pôs-se a rir. — Não estaria nada mal.
—Escuta Brenda…
—Não quero saber, — interrompeu. — Quem quer que seja que fez isso, dirá que estive
disposta. E eu nem sequer poderia dizer o contrário. E então, não só todo o instituto, mas
também o povoado inteiro pensará que me deito com qualquer um, e que, além disso, me drogo
— olhou Mel com amargura. — Não se dá conta de que é absurdo?
—De verdade? Pois me deixe te dizer algo. As garotas que não são sexualmente ativas
normalmente não costumam embebedar-se e ficar grávidas voluntariamente — Brenda desviou
o olhar. — Teve relações sexuais antes? Embora, é obvio, isso é o de menos.
—Ano passado tive um namorado que… eu gostava muito. Mas não chegamos tão longe
— baixou o olhar.— Eu não quis. Queria estar segura, queria que fosse um momento especial.
Os olhos se encheram de lágrimas, que desapareceram tão rapidamente quanto tinham
chegado. Mel lhe acariciou a mão.
—E será algo muito especial — disse Mel, e se levantou — Quando estiver preparada para
isso. Agora vou examiná-la e tomarei uma amostra de sangue para faze exame de HIV.
—HIV? — perguntou Brenda sobressaltada. — meu Deus…
—Cada coisa há seu tempo. Está em dia com a vacina contra a hepatite B?
—A hepatite B? Mas isso o que tem a ver?
—Também é uma enfermidade de transmissão sexual.
—OH, meu Deus — disse Brenda com um fio de voz.
—Tenta ficar tranquila, querida. Agora, coloca os pés aqui e deslize para frente. Já está
bom — colocou as luvas. — Tome ar, solte lentamente e relaxe os músculos o quanto puder.
Assim.
43
Mel a examinou visualmente e advertiu que estava ligeiramente inflamada. Depois apalpou
o interior e tomou uma amostra na zona cervical para lhe fazer a prova das clamídias e a
gonorréia.
—Agora vou guardar as amostras. Escute, lembra-se das pessoas que estavam na festa? E
de onde eram?
Brenda levou a mão ao rosto. Tremia-lhe o queixo.
—Somente quero acabar com o embaraço e continuar com minha vida de sempre. O
instituto já começou e tudo…
—Compreendo, mas estou preocupada. Esta não é uma situação que devamos ignorar. O
que ocorrerá se atacarem outra garota? Se a deixarem grávida sem que ela consentisse sequer
em ter relações?
—Ou sem que se lembre de haver se embebedado?
—Recorda se no dia seguinte tinha hematomas? Nos braços, na pélvis…
—Tinha o peito muito dolorido, e também a garganta, mas pensei que teria sido pelo
vômito.
—Onde doía exatamente? — perguntou Mel.
Brenda levou a mão à parte superior do peito, ao esterno, por cima dos seios.
—Pela parte de fora? Como se te tivesse golpeado uma bola de basquete?
—Sim — respondeu Brenda, aparentemente surpreendida pela analogia.
Mel terminou de explorá-la e a ajudou a se sentar.
—Estaria disposta a falar disso com alguém? Por exemplo, com uma das enfermeiras do
centro de planejamento. Estaria disposta a dar todos os detalhes que possa recordar?
—Para quê?
—Para poder proteger às garotas que não sabem dos perigos que podem encontrar em
uma dessas festas — disse Mel.
Brenda baixou o olhar.
—Não sei.
—Ninguém vai saber que você falou isso. Ninguém te obrigará a enfrentar alguém no caso
de haver denúncias. E acho que merece algo melhor do que não ter nem ideia do que te
aconteceu.
—Não sei. Tenho que pensar nisso.
—De acordo. Agora, se vista. Mas antes, poderia me dizer uma coisa? A festa foi aqui, em
Virgin River?
—Sim, muito perto daqui.
Mel teve uma longa conversa com a enfermeira do centro de planejamento de Eureca. Esta
esteve de acordo em que era muito importante falar com aquela paciente, mas antes de ter essa
entrevista, Brenda abortou de maneira espontânea. E menos de uma semana depois, as análises
44
deram positivas para as clamídias.
Mel entrou em contato imediatamente com Carra Winslow. Felizmente, foi ela que
atendeu a ligação. Mel explicou que havia uma enfermidade venérea na zona e que deveria
passar pela clínica para fazer alguns exames.
Também nela deu positivo. Mel lhe entregou alguns antibióticos e a fez prometer que
voltaria para a clínica em alguns de meses para que pudesse lhe fazer um acompanhamento.
Carra continuava negando-se a utilizar um método anticoncepcional. Disse-lhe que fazia mais de
duas semanas que não via seu namorado. E, apesar de tê-la contagiado com aquela infecção,
continuava sem culpá-lo do ocorrido.
Para Mel tudo aquilo estava representando um autêntico quebra cabeça. Pelo que estava
vendo, tinham um sério problema no povoado.

Chegaram setembro e outubro, uma época do ano que Mel não gostava, mas que era muito
boa para o bar. Era a temporada da caça do urso e do cervo. Como não se podia caçar dentro
dos limites de Virgin River, viam os caçadores passarem pelo povoado de caminho para os
refúgios e os acampamentos de Shasta e Trinity, onde se cobravam algumas das melhores peças.
Normalmente, era gente decente. Muitos deles passaram pelo bar em anos anteriores e não
deixavam de parar por ali para desfrutar da comida do Pastor. Para Pastor representavam uma
pequena provocação: sabia que contribuíam com dinheiro no bar, mas também que eram altas
suas expectativas. É obvio, cobravam-lhes o mesmo preço que às pessoas do povoado, o que
lhes resultava particularmente barato, mas sempre deixavam generosas gorjetas.
Como mulher de cidade que era, Mel se aborrecia ao ver um pobre cervo na baca de um
jipe ou na parte detrás de uma caminhonete. Mas suportou uma temporada de caça e estava
casada com um homem que desfrutava do que alguns consideravam um esporte, então
aprendeu a guardar suas opiniões para ela.
Quando se abriam as portas, já havia clientes, o bar funcionava até mais tarde que o
habitual e pela manhã abria quase ao amanhecer. Normalmente, Jack ficava para ajudar pelo
menos até às nove, hora em que, invariavelmente, enviava Mel pra casa para que preparasse
David para a noite.
Justo nessa hora, quando Mel estava disposta a ir jantar, surgiu-lhe uma visita com o
doutor Mullins e teve que levar David ao bar. O menino, que tinha cinco meses e crescia robusto
e saudável, passava muitos momentos nas costas de seu pai.
Mike estava jantando no bar quando entraram seis caçadores. Como Jack não os saudou
como a outros caçadores, pensou que era a primeira vez que se aproximavam do povoado. Eram
homens jovens, deviam rondar os vinte anos. Entraram no bar fazendo brincadeiras sobre o fato
de que o garçom tivesse vários empregos, inclusive o de babá, brincadeiras que Jack tomou com
bom humor. Não quiseram jantar e começaram a beber. Ficaram em uma mesa onde estiveram
fazendo comentários sobre a jornada de caça.
—Quem acha que vai começar? —perguntou Mike a Jack.
Jack os observava, mas não disse nada. E Mike observou Jack, porque ele sabia como dirigir

45
aquelas situações. As vozes e as risadas não incomodavam ninguém no bar, sempre e quando os
clientes fossem capazes de conservar a cabeça. E aqueles meninos continuavam pedindo cerveja
e uísque; pediram outra jarra de cerveja e uma garrafa de uísque e o escândalo era cada vez
maior.
Paige não demorou muito em sair da cozinha.
—Perguntou a eles se querem jantar? —perguntou ao Jack.
—A última vez que ofereci disseram que não.
—Muito bem. Vou perguntar novamente — se aproximou da mesa. — Meu marido
preparou uma lasanha excelente e pão de alho, e também temos carne à churrasqueira, esturjão
fresco e verduras ao vapor.
—Marido? —burlou-se um deles. — Maldita seja, não importa aonde vá, chateiam-me a
caça.
Paige retrocedeu um passo instintivamente, mas o homem alargou a mão para ela e a
obrigou a aproximar-se outra vez.
—Mas pode se desfazer de seu marido, não é querida?
Os jovens riram, às gargalhadas altas, mas Mike compreendeu que se formava um
desastre. Aquilo não era um bom sinal. Meter-se com a mulher do Pastor era uma sentença de
morte. Olhou para o balcão e viu Jack com os olhos entrecerrados.
Paige se limitou a retirar a mão, sorriu educadamente e se voltou para retornar à cozinha.
Mas quando chegou ao balcão, Jack a deteve e lhe pediu que cuidasse de David. Tirou a mochila
e quando estava passando o menino a Paige, um dos caçadores gritou:
—É sua esposa, amigo?
Jack curvou a boca em um lento sorriso e negou com a cabeça.
— Não, mas seguro que não teriam nenhuma vontade de conhecer seu marido.
E o que tampouco sabia nenhum daqueles idiotas era que Jack passou um mau verão.
Ainda não superou o trauma do que ocorreu a sua irmã e podia chegar a estar de muito mau
humor. Havia uma parte de Jack que era todo amabilidade e preocupação por todos, mas outra
parte dele estava disposta a assassinar. Aquele não era um bom momento para brincar com ele.
Ao ver que Jack deixava David a cargo de Paige, Mike pensou que valeria a pena intervir.
Levantou-se do tamborete no qual estava sentado ao final do balcão e se aproximou da mesa
dos jovens. Tomou uma cadeira de uma mesa próxima, girou-a e se sentou escarranchado nela.
—Então, meninos, tiveram sorte na caça?
Os jovens o olharam com receio.
—Caçamos um cervo muito jovem. A verdade é que não temos muito do que reclamar. E
você quem é?
—Meu nome é Mike — se apresentou. — Escute, estava pensando que não deveriam
beber muito. Sobretudo se tiverem que conduzir esta noite.
Após ouvi-lo, estalaram em gargalhadas e se olharam como se estivessem

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compartilhando alguma piada privada.
—Está falando a sério? E quem vai nos vigiar para que não bebamos?
—Ninguém. Mas eu não gostaria que tivessem um acidente. Essas estradas são terríveis, e
muito escuras. Não têm iluminação de nenhum tipo e não há proteção.
Justo nesse momento Mel entrou no bar. Pendurou a jaqueta na porta e se sentou no
balcão, diante de seu marido. Apoiou os cotovelos na mesa e se inclinou para lhe dar um beijo.
—Minha mãe — disse um dos homens. — Olhem que mulher. Esse sim que é um bom
exemplar.
Jack se endireitou antes de beijar sua esposa e o fulminou com o olhar.
—Sabem? —disse Mike com uma risada irônica. — É melhor que não importunem as
mulheres daqui se não quiserem ter problemas. Deveriam seguir meu conselho, de verdade.
Aquele comentário provocou um estalo de risadas na mesa dos caçadores.
Desgraçadamente, um deles respondeu em voz excessivamente alta:
—Melhor perguntar à garota. Acredito que a decisão seja dela.
Mike olhou por cima do ombro e percebeu que Jack ouviu aquele comentário. Depois do
que sofreram no verão anterior, não podiam deixar passar esse tipo de comentários.
E foi então que Mike se convenceu que aqueles tipos já tinham chegado bastante alterados
a Virgin River. Sem um pingo de bom senso. Caçar e beber ao mesmo tempo era uma loucura.
Beber depois da caça era outra história, sobretudo se as armas estivessem descarregadas e em
lugar seguro, restando apenas voltar caminhando ao acampamento.
Olhou por cima do ombro e viu que Jack sussurrava algo a Mel. Esta se levantou do
tamborete e desapareceu na cozinha. Mike soube então que estavam perdidos. Levantou-se.
—Muito bem, meninos. Acabem as bebidas e caiam fora enquanto ainda sejam capazes de
se manterem em pé.
— Relaxa, garoto. Ainda não terminamos.
Garoto? Aquela era uma palavra que muitos utilizavam para dirigir-se com desprezo aos
homens de origem latina.
Mike lhe observou pela extremidade do olho. Imaginava que ia aparecer em qualquer
momento. Pastor acabava de sair da cozinha e permanecia detrás do balcão, ao lado de Jack,
com os braços cruzados sobre seu musculoso peito e o cenho franzido com um gesto que
ninguém como ele podia fazer resultar mais ameaçador. O diamante que levava na orelha
pareceu resplandecer. Jack enviou Mel para buscá-lo. Estavam preparados para desfazer-se
daqueles tipos. Para defender seu bar.
Mike girou o ombro ligeiramente, tentando relaxar. Não recordava ter presenciado
nenhuma briga no bar. E muito menos desde que Pastor trabalhava ali em tempo integral. Só
mesmo estando bêbado e estúpido para se meter com ele.
Mas aqueles tipos se encaixavam perfeitamente naquele perfil. Eram mais jovens que Jack,
Pastor e Mike. Mas tinham bebido muito. E a equipe da casa não tinha consumido nada mais
forte que um café.
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Mike sabia que Jack odiava brigas no bar. Talvez não se movesse de detrás do balcão e se
conformasse em deixá-los partir. Ou talvez tivesse vontade de um pouco de briga depois de um
verão como aquele.
—Vamos, moços. É hora de ir-se. Estou seguro de que não querem confusão… —
aconselhou Mike.
Os caçadores intercambiaram olhares e se levantaram lentamente. Começaram a se
afastar da mesa, mas não deixaram dinheiro para pagar as bebidas, o que indicava que ninguém
ia se livrar de problemas. O que estava mais perto de Mike, girou de repente e lhe deu um murro
que o lançou contra o balcão.
—Vai se arrepender de ter começado isso. — murmurou Mike.
Levantou-se e lhe deu um murro com o punho esquerdo que o fez voar para onde estava o
grupo, levando dois de seus amigos no processo.
E ali começou a briga. Pastor e Jack estavam fora do balcão antes que Mike tivesse
terminado de dar o murro. Pastor chocou as cabeças de dois daqueles jovens enquanto Jack se
encarregava de dar um bom murro num terceiro no queixo. Mike agarrou seu atacante, tombou-
o de um golpe e fez cair outro de seus amigos junto a ele. Alguém se aproximou de Jack com o
punho preparado, mas Jack o agarrou pelos pulsos, torcendo-lhe o braço e o empurrou contra
seus amigos.
Em menos de dois minutos, seis jovens bêbados estavam no chão do bar. Havia alguns
copos quebrados, duas mesas derrubadas e alguma caídas. Todos os jovens estavam gemendo
de dor. Além do primeiro golpe que tinha recebido, Mike, não conseguiram tocar nele de novo.
O mais forte dos seis se levantou. Pastor o agarrou pelo colarinho, elevou-o e o advertiu:
—De verdade quer continuar com essa estupidez?
O menino elevou imediatamente as mãos e Pastor o deixou cair ao chão.
—Muito bem, muito bem. Vamos — disse.
—Temo que já seja muito tarde para isso — disse Mike. E gritou —: Paige! Traz uma corda.
—Não, amigo, não faça isto — suplicou um dos tipos.
—Deixa que partam e esqueça-se deles — respondeu Jack aborrecido.
—Não posso — respondeu Mike. Dirigiu-se aos caçadores. — Tentei adverti-los. Não
deveriam provocar ninguém se não têm intenção de brigar. Pelo menos por aqui. Que bando de
idiotas — Sussurrou quase para si.
Mike explicou a Jack que aqueles tipos não só podiam representar um perigo conduzindo,
mas também eram capazes de chamar à polícia e dizer que foram agredidos. Como eram os
únicos tinham ferimentos e a equipe da casa tinha os nódulos inflamados, era melhor não correr
riscos e deixar que a polícia se ocupasse o quanto antes daquele assunto.
Quinze minutos depois, estavam todos os jovens no alpendre. Meia hora mais tarde,
acompanhava-lhes o ajudante do xerife.
—É incrível — comentou Henry Depardeau, — cada vez que dou meia volta, alguém recebe
uma surra ou um disparo neste povoado.
48
—Sim, Henry, e não sabe o quanto sentimos — Disse Jack.— Nós somos os últimos a
querer qualquer tipo de problema.
—E o que aconteceu desta vez? —perguntou Depardeau com impaciência.
—Foi esse — disse Jack, assinalando ao que tinha começado a briga. —Tentou nos pegar.
Mas como pode ver, não estava em condições de brigar.
—O caso é que sempre termino tendo que passar por aqui.
—Vou convidá-lo para jantar qualquer dia desses, combinado?
—Sim, claro. Muito bem, vamos resolver isso, espero que tenham licença de caça — pela
cara que fizeram alguns dos caçadores, iam receber uma boa multa.
Jack soltou uma gargalhada.
—É incrível — Disse Depardeau. — Normalmente, eles passam sem se quer nos darmos
conta. Deveria lhes dar uma multa como estúpidos.

Hope McCrea, uma anciã lutadora e valente, passava quase diariamente pelo bar. Ali
gostava de tomar um uísque e fumar um cigarro ao final do dia. Normalmente se sentava no
balcão com o médico, mas às vezes Mike também passava um bom momento falando com ela.
—Sabia que fui eu quem decidiu contratar Mel? —perguntou Hope a Mike uma daquelas
noites.
—Sim, foi o que me disseram.
—Passe em minha casa um dia desses. Tenho que te fazer algumas perguntas.
—Wow, Hope, isso começa a ficar interessante…
—Me refiro a um trabalho, estúpido — Respondeu Hope, empurrando os óculos.
Mas do jeito que falava, sorria de orelha a orelha.
—Não estou procurando trabalho, Hope — Replicou Mike.
—É o que veremos. Jack te dirá como chegar a minha casa. Encontramos-nos amanhã às
quatro — apagou o cigarro e partiu.
Mike foi à casa de Hope no dia seguinte, porque Jack lhe disse que talvez valesse à pena
ouvir o que ela tinha a dizer. Hope tinha setenta e sete anos e ficou viúva vinte anos atrás. Foi
ela quem contratou Mel durante um ano e proporcionou a cabana em que morava. Quando
acabou o contrato, o doutor Mullins ofereceu a ela um trabalho em seu consultório com um
modesto salário sem necessidade de recorrer a Hope. Mike recebeu tais informações através de
Jack.
E, também segundo Jack, Hope queria um policial para o povoado e pretendia que se
repetisse o mesmo que se passou com Mel: no início ela pagaria o salário por um ano, depois, o
povoado perceberia que era um investimento útil e em conjunto poderiam lhe pagar um salário
decente.
Hope vivia fora do povoado, em uma enorme casa vitoriana comprada cinquenta anos
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atrás, juntamente com seu marido. Não tiveram filhos, mas a casa estava cheia de todo tipo de
objetos.
—Eu nunca entrei — Disse Jack a Mike,— mas há rumores que Hope não alterou nada e a
casa está assim há setenta anos.
Mike estacionou junto àquele enorme casarão e encontrou Hope na varanda, tomando um
café e fumando um cigarro. Tinha diante de si, uma pasta cheia de documentos. Quando o viu
subir os degraus da varanda, sorriu vitoriosa.
—Sabia que no final conseguiria.
—Não sei o que pretende Hope. Não tenho nem ideia do que faz o policial de um povoado.
—Eu tão pouco. Mas você tem anos de experiência como policial e é evidente que
podemos aproveitá-la. Além disso, ultimamente estamos tendo muitos problemas.
—Não com pessoas daqui.
—Que diferença faz? Tudo o que acontece em Virgin River se converte em nosso
problema.
—O que tem aí? —perguntou Mike, mostrando a pasta.
—São só documentos. Eu precisava de um pouco de ajuda legal do advogado do condado e
ele me indicou o que posso fazer: posso contratar você como agente da polícia local. Apesar da
sua graduação em uma das academias de polícia mais duras do país, não pode ser reconhecido
como policial do estado, mas isso não importa. Se descobrir que alguém fez algo contra a lei,
pode pará-lo e chamar o xerife, que é o que esteve fazendo até agora. Também tem direito a
investigar. Na verdade, é o mesmo que fazem os detetives particulares. Deveria ir visitar o
departamento do xerife, o de caça e pesca, o florestal e o de tráfego, e também será bom ir a
alguns povoados da região que têm polícia local. E te asseguro que todos agradecerão poder
contar com ajuda, levando-se em consideração a quantidade de território que estão obrigados a
cobrir.
—E você espera que eu faça?
—Bom, é obvio, seu trabalho não vai consistir em aplicar multas por excesso de velocidade
— Riu.— Você vai descobrir. Terá que ser você que analise as necessidades do povoado. É um
lugar tranquilo, então não terá que suportar muitas tensões. Mas como aconteceu
recentemente, ocorrerem problemas, quero ter por perto um policial com experiência.
—E quando pretende que eu comesse?
—Eu gostaria que estivesse de serviço sempre que andar pelo povoado. É óbvio, sou
perfeitamente consciente de que todo mundo tem suas necessidades e de que terá que sair de
Virgin River de vez em quando. Mas se estiver aqui cinco ou seis dias por semana, são cinco ou
seis dias que teremos para contar com você. E espero que ninguém cometa um delito quando
não estiver por aqui.
A única coisa em que pensou foram as refeições com Brie em Santa Rosa a cada quinze
dias.
—Serão como umas férias pagas — comentou.
—Se tivermos sorte.
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Abriu a pasta e mostrou o contrato de um ano. Um contrato com um salário patético.
—Bom, não são exatamente umas férias pagas.
Mas a verdade era que esteve procurando algo para fazer, e não necessitava do dinheiro.
Contava com o dinheiro da aposentadoria e a pensão por invalidez, além de umas boas
economias.
—Por que está fazendo isso? —perguntou. — Primeiro Mel e agora eu.
—Alguém tem que pensar nas necessidades deste povoado. Virgin River está
completamente desorganizada e é algo que quero solucionar. E acredito que estamos
conseguindo, pouco a pouco — tragou seu cigarro. — Sei que não vou estar aqui para sempre,
embora às vezes tenha a sensação de que sou imortal.
Entregou-lhe uma placa. “Polícia de Virgin River”, dizia.
—Mandei fazer há cinco anos. É bonita, não é?
—E espera que eu aceite isso?
—Se preferir, pode levá-la no bolso. Não terá que usar uniforme nem nada parecido. De
qualquer maneira, não seria o único homem do povoado que anda armado. Ah, recomendo
também que prepare algum tipo de formulários para colher informações quando fizer algo.
Teremos um registro de tudo o que fizer. Quer que compre um arquivo?
Mike sorriu.
—Sim, seria bom. Não deve ser muito grande. E também quero cartões, por favor, para
que os moradores tenham meu número de telefone quando precisarem.
—Isso parece bom — sorriu e apontou a caneta. — Por enquanto, só quero que pense
nisso. Sente-se na varanda do bar e converse com as pessoas. Vá pescar e pense. Pense em
como terá que ser seu trabalho. Disso você sabe muito mais que eu.
Parece bom! Pensou Mike. Policial de um povoado em um lugar de seiscentos habitantes
absolutamente respeitosos com as leis.
—Sinto-me como Andy do Mayberry, aquele policial da série de televisão.
—Ele seria um bom exemplo para começar — disse Hope e lhe estendeu a caneta para que
assinasse o contrato.
—Não, ainda não — respondeu Mike. — Antes me deixe pensar com calma e depois
falaremos do contrato.
—Está pensando em tentar negociar? —perguntou Hope com receio.
—OH, tenho a sensação de que não me serviria de nada. Mas antes de me comprometer
contigo e com o povo, quero saber quão receptivos são os policiais da região quanto a trabalhar
com alguém como eu. Farei essas visitas que me propôs. Na polícia há pessoas muito
competitivas, Hope. Alguns não aceitariam ajuda de um tipo como eu mesmo se estivessem se
afundando em um terreno de areia movediça. E se for esse o caso, poderíamos economizar
tempo e dinheiro.
—Não me importa o que possam pensar outros de um homem como você.

51
Mike se levantou.
—Pois deveria. Provavelmente poderia dar uma ajuda ao povoado, mas um policial nunca
trabalha sozinho. É possível que fique sem polícia local, mas seria preferível do que sua ideia
deixe ao povo sem outro tipo de cobertura. Cada coisa há seu tempo.

Mike pediu a Pastor o computador para reorganizar seu currículo, mas como ele não
tinha uma boa impressora, dirigiu-se a Eureca para imprimi-lo. Escolheu um formato simples,
constando sua experiência e incluiu vários números de telefone para referências.
Se Mike estivesse se oferecendo como candidato a um posto de trabalho, teria explicado
mais detalhadamente sua preparação, as medalhas ganhas e as missões especiais que lhe
atribuíram. Mas em sua situação, tinha a impressão que o fato de ter pertencido ao
Departamento de Polícia de Los Angeles podia considerar-se como um gesto de fanfarronice.
Não via sentido em minimizar sua experiência como agente da lei, mas para se encaixar em um
perfil de polícia local, não queria parecer arrogante. O equilíbrio era complicado. Seu objetivo
era converter-se em um deles e tinha curiosidade em saber se o aceitariam. Era um homem da
cidade, um hispânico, e além disso com uma vasta experiência. Uma das coisas que mais
incomodava aos policiais locais era que os tipos da cidade atuassem como se soubessem tudo,
vindos de Los Angeles ou de Eureca. Eram muitos os policiais que gostavam de se gabar do seu
passado e estavam encantados de contar suas experiências, embora muitas delas fossem
ridículas.
Em primeiro lugar, foi ao Departamento de Polícia de Fortuna. O chefe, Chuck Andersen, era
um tipo grande e poucos sorrisos. Mike teve imediatamente a impressão de que regulava os
sorrisos para que ninguém soubesse o que estava pensando.
—Obrigado por me receber — disse Mike enquanto lhe estendia as duas folhas de seu
currículo. — Me ofereceram a possibilidade de trabalhar em Virgin River, seria algo como um
policial local.
—Claro — respondeu Andersen.
Indicou-lhe uma cadeira com a mão, mas ele permaneceu em pé detrás de sua mesa, assim
Mike tampouco se sentou. O chefe de polícia revisou o currículo rapidamente.
—Há quanto tempo está por aqui?
—Cheguei pouco antes do Natal. Dois de meus melhores amigos vivem em Virgin River.
—E por que não pediu trabalho em nenhum dos departamentos de polícia da região?
—Não estava procurando trabalho — respondeu Mike. Foi uma surpresa para mim.
Suponho que a mulher que me ofereceu o contrato estava procurando um policial para seu
povoado, mas a verdade é que eu não vim ao condado do Humboldt para trabalhar. Cheguei
aqui para me dedicar a caçar e a pescar.
—Não há muitas pessoas que possam fazer isso aos… — olhou o currículo,— trinta e sete
anos.
Mike percorreu o escritório com o olhar. Viu uma fotografia da família do policial. Tinha
uma esposa atraente, dois filhos e um cão. Sorriu com certa inveja.

52
—Não tenho família. E tive que me retirar por incapacidade.
O chefe de polícia lhe olhou então aos olhos.
—O que houve?
—Fui alvejado — disse sem dar nenhuma importância. — Durante a última missão que
aparece no currículo.
—Estava na Unidade de Gangues de ruas — disse Andersen. E olhou de novo o currículo,
como se de repente quisesse memorizá-lo. — Patrulhas, drogas, roubos, e gangues outra vez.
—Trabalhava com as gangues e depois fui aprovado no exame de sargento e voltei para
esse departamento. Eu adorava esse trabalho. E odiava o das drogas.
Ao final Chuck se sentou e Mike o imitou. O policial elevou o olhar para ele. Parecia
ligeiramente surpreso.
—E esteve também no corpo da marinha.
—Sim, senhor. Quatro anos na ativa e dez na reserva.
Depois dos quatro anos na marinha, Mike começou a estudar graças aos programas de
ajuda aos veteranos do exército e se licenciou em Direito ao tempo que trabalhava como
policial.
O chefe de polícia continuou lendo.
—E o que o trouxe aqui? — perguntou quando terminou.
—Refere-se a Virgin River ou a seu escritório?
—Quero saber por que veio me ver.
—Em realidade queria me apresentar, conhecer os diferentes departamentos. Se vir que
não há ninguém interessado em minha ajuda, não assinarei o contrato. Mas se os policiais da
região acharem que podem aguentar um tipo como eu dando uma ajuda a Virgin River, verei o
que posso fazer.
—Um tipo como você?
—Um ex-policial. Conheço tantos policiais afastados exercendo ainda a profissão e sou
consciente de que muitos chegamos com muita bagagem, com muitas histórias. Antes me
queixava de como eram aborrecidos, desfrutando-se de seus dramas. E aqui estou, convertido
em um deles. Com meu próprio drama —encolheu os ombros.— Me pareceu que não seria
demais comprovar as reações que despertava minha presença. Seria o justo para todos os
policiais da área.
—Este departamento não tem nenhuma presença em Virgin River.
—Sempre existe a possibilidade de que um problema em Virgin River me obrigue a entrar
em contato com outro departamento e, nesse caso, eu gostaria de pensar que posso ligar para
alguém que esteja disposto a me ajudar.
O policial pareceu pensar nisso. Depois, quase esboçou um sorriso.
—E a incapacidade?
— Recuperei cem por cem do que seja possível recuperar. A lesão principal está no ombro
53
— o moveu um pouco, — mas posso disparar perfeitamente, e também melhorei minha
pontaria com o braço esquerdo.
—Mas está recebendo pensão?
—É obvio — respondeu Mike, assentindo. — Estive pagando um seguro durante quinze
anos para ter direito a ela. Também gostaria que soubesse: se fosse possível me liberar desses
tiroteios, o teria feito, mas não foi assim — assinalou para seu currículo.— Se quiser, pode
consultar o relatório do ocorrido. Foi uma espécie de… emboscada. É Isso.
—Com um currículo como este poderia conseguir um bom trabalho. Há muitos outros
postos na empresa privada, em departamentos menores…
—Sim, obrigado —riu — agradeço a amabilidade. Se quiser, pode ligar para esses números
de telefone pedindo referências. Ou procurar referências em pessoas que não apareçam em
meu currículo. Se puder dar uma mão em Virgin River, ótimo. Se não, me dedicarei a pescar e a
caçar.
—Acredita que pode ter muito trabalho em Virgin River? —perguntou Andersen.
—Espero que não — respondeu Mike, e apontou com a cabeça a fotografia sobre a mesa.
— Bonita família —disse.— E bonito cão.
—Pode levar — respondeu o chefe. — A cadela.
Então foi Mike quem sorriu.
—Estou certo de que não quer se desfazer dela.
—Não, mas a trocaria por terra suficiente para encher os buracos que faz no jardim.
Mike soltou uma gargalhada e lhe estendeu a mão. Anderson a estreitou.
—Obrigado, chefe, apreciei a visita.
Fez um gesto com a cabeça, o chefe de polícia respondeu com outro idêntico e Mike
partiu.
Encontrar-se com pessoas receosas não era uma experiência nova para Mike, mas isso não
queria dizer que não era agradável. Mike se alegrava imensamente de não estar procurando
trabalho. Teve que se controlar para não se sentir ofendido. Foi um policial condecorado várias
vezes em um departamento não grande, mas enorme. Lembrou que aquele era precisamente
seu problema: naquele lugar era um intruso.
Apesar de intimidante e difícil, aproximou-se também do Departamento de Polícia de
Eureca, visitou o xerife, a polícia de Garberville e a de Grace Valley, além de entrevistas com
alguns policiais locais de povoados da região. A reação inicial de todos eles foi sempre a mesma;
não entendiam por que não procurava um trabalho de verdade.
Dias depois, recebeu uma chamada de Chuck Andersen.
— Pensei que poderia passar por aqui. Poderíamos dar uma volta para que conheça alguns
lugares. Dessa forma verá como se trabalha em uma população pequena. Aqui as coisas são um
pouco diferentes. Seria bom ter uma nova perspectiva…
—Gostaria disso, senhor.

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—Liguei para pessoas da polícia de Los Angeles. Tem muito boa reputação.
Uma reputação excelente, de fato.
—Obrigado, senhor. Algumas coisas fiz melhor que outras. Mas não fiz um mau trabalho
como policial.
—Parece que sim. Será uma sorte poder contar com sua ajuda. Bom, fará um patrulha com
um de nossos homens. Ah, e traga um travesseiro.
Mike soltou uma gargalhada.
—Obrigado, senhor.
Ligou também para o xerife e depois para o chefe de polícia de Eureca. Tom Toopeek, o
chefe de polícia do Grace Valley também ficou em contato com ele, mas houve povoados que
não teve retorno, ou seja, nada. Mesmo assim, não importava. A opinião geral era que era bem
vindo como agente local. Pelas regras do estado, não podia ser exatamente um oficial de polícia,
mas pelo que parecia, os policiais da região o consideravam mais um na equipe. Mike estaria
encantado em poder ajudar qualquer um que necessitasse, mas o que mais o preocupava era
poder contar com sua ajuda quando surgisse algum problema no povoado.
Por fim assinou o contrato. E Brie foi a primeira pessoa que ligou para contar.

Tom Booth estudava com uma garota na classe de física que pensou valer a pena conhecer.
Brenda, a maravilhosa Brenda. Uma garota doce, brilhante, de cabelos castanhos, olhos azuis,
um corpo incrível e um sorriso capaz de fazê-lo entrar em transe. Era mais bonita que qualquer
outra garota que conheceu no Distrito de Columbia, o que era quase um milagre, porque as
garotas dali eram incríveis.
Felizmente, parecia tão tímida com os meninos assim como ele era com as garotas, uma
coisa que podia funcionar a seu favor. Tom tinha conseguido falar com ela na classe e soube que
estava no primeiro ano do instituto, mas foi incluída nos programas avançados de ciências e
matemática. Esse sim que era um golpe de sorte. Bonita, inteligente e simpática. Uma autêntica
ganhadora.
Falaram dos planos para ir à universidade e também de cavalos. Tom lhe perguntou se
gostaria de sair com ele alguma vez e lhe respondeu que possivelmente.
—Agora mesmo não vou poder. Estou passando por uma gripe terrível. Começou no
princípio do curso e ainda estou me recuperando, então minha mãe está especialmente
protetora comigo.
—Não se preocupe. Talvez possamos fazer juntos os deveres algum dia, quando começar a
me conhecer melhor —dirigiu-lhe o mais encantador dos sorrisos e acrescentou —: Se não se
importar que eu lhe diga, não parece estar doente.
—Sim, já sei que não pareço.
—Então, concorda que te chame pra sair quando se encontrar melhor?
—Sim — respondeu ela com um sorriso, — tudo bem.

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—E o que gosta de fazer quando não… quando não está doente?
—Não sei —encolheu os ombros.— esportes, dançar, ir ao cinema…
—Genial — respondeu Tom .— ligarei qualquer dia desses.
E pensou que talvez aquele lugar não fosse tão aborrecido quanto pareceu no princípio.
Ligou para ela nessa mesma noite. Afinal, perder tempo por quê?

Capítulo 4
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O ar estava frio e Mel, que continuava dando voltas quanto aos casos das duas
adolescentes, aproximou-se do bar à tarde enquanto David dormia no consultório médico.
Encontrou Mike sentado na varanda, com os pés apoiados no corrimão e o chapéu inclinado no
rosto para proteger os olhos do sol, enquanto relaxava naquela tranquila tarde de outono. Mel
se sentou em uma cadeira de balanço a seu lado.
—Veio ver seu marido? — Perguntou.
—Na verdade, estou aqui para vê-lo. Quem está no bar? — Perguntou.
—Pastor e Paige, preparando o jantar.
—Estamos sozinhos?
—Sim.
Mike jogou o chapéu para trás, baixou os pés do corrimão e se virou para Mel. Apoiou os
cotovelos nos joelhos e se inclinou para frente.
—O que houve? Não parece muito contente.
—Deixe-me perguntar uma coisa. Até onde chega seu trabalho como policial neste
povoado? O que poderia fazer no caso se suspeitasse que há um possível problema? Poderia
investigar?
—Bom, tenho alguma experiência como detetive, mas estou acostumado a ter um
laboratório forense que me ajude. Tem algo pra me contar?
Mel tomou ar.
—Não posso te dar nomes nem entregar nenhuma prova, mas tenho a suspeita de que
está acontecendo algo muito grave. E levo tempo pensando nisto.
—Conte-me.
Mel olhou-o nos olhos.
—Preocupa-me que possa haver um estuprador na região. Acredito que é um menino
muito jovem. Atendi duas pacientes que foram forçadas, embora nenhuma esteja disposta a
admiti-lo. Os cenários são diferentes, mas as similaridades são alarmantes.
—Continue.
—A primeira garota chegou pedindo uma pílula do dia seguinte. Disse-me que fazia uns
quinze dias, seu namorado e ela decidiram ter relações sexuais. No último momento, ela perdeu
a coragem, mas o namorado não foi capaz de parar. Tinha hematomas e arranhões e estava
visivelmente afetada, mas insistiu que ninguém a forçou. A segunda garota foi a uma festa, era a
primeira festa com álcool que participava, embora admitisse ter bebido cerveja em alguma
ocasião. Embriagou-se e não se lembra de ter se deitado com ninguém, mas suas regras
falharam durante três meses, fez um exame de gravidez e contou tudo a sua mãe. Todos os
meninos que estiveram na festa estavam bêbados e ninguém se lembra de nada.
—Sim, claro — respondeu Mike com sarcasmo.

57
—Tentei explicar a ela, tentei lhe dizer que se alguém foi capaz de ter relações com ela, é
pouco provável que tivesse bebido tanto para não se lembrar.
—Pouco provável? Eu acreditava que era uma lei da natureza.
—Sim, eu também — disse Mel. — Quando veio, já era muito tarde para perceber os
hematomas, mas me disse que esteve dolorida durante algum tempo, e que lhe doía todo o
peito — levou a mão ao esterno. — Era como se alguém a tivesse golpeado no peito com uma
bola de futebol.
—Talvez porque a seguraram quando tentava resistir. Viu algum ferimento na parte
interior das coxas?
—Ela não se lembrou, mas tampouco prestou muita atenção porque tinha todo o corpo
dolorido e estava tão enjoada que não podia pensar em nada. Entretanto, a primeira garota
tinha marcas de dedos na parte interior das coxas. As análises de ambas indicaram que têm
clamídia. A que ficou grávida, abortou e, evidentemente, quer esquecer tudo. Nenhuma das
duas quer fornecer nomes, nem dizer sequer a idade do menino ou meninos com quem
estiveram.
Mike tomou ar e elevou os olhos ao céu.
—Meu Deus.
—Não posso ir a nenhuma parte com esses dados. Não posso denunciar se nenhuma delas
está disposta a dizer que foi violada. No segundo caso, a garota não recorda ter bebido muito,
então me pergunto se não foi drogada.
— Rohypnols, talvez? Gama-hidroxibutirato? Se for assim, o enjôo deve ter sido
monumental.
—Despertou coberta de vômito.
—O fato de ter despertado foi uma sorte. Um efeito secundário do gama-hidroxibutirato é
que suprime o reflexo que nos permite respirar. Poderia ter morrido — assinalou.
—Este assunto está me consumindo, Mike. Não posso fazer nada. Bom, fiz algo, que foi
tomar uma amostra de DNA de uma das garotas, mas isso aconteceu dois dias após ter relações
e estou certa que tomou banho pelo menos duas vezes antes de vir à consulta. Embora a
amostra estivesse em bom estado, é possível que não encontrássemos nada.
—De qualquer forma, foi uma boa ideia. Tem fotografias dos ferimentos?
—Não, não tenho nada. A garota estava virtualmente histérica e insistia que não foi
violada. Se tivesse me dito que a forçaram, eu informaria. Mas do jeito que as coisas estão,
minha intuição me diz que nos encontramos diante de um adolescente completamente
descontrolado.
—Acredito que está na hora de começar a conhecer os jovens de Virgin River.
—Esperava poder contar contigo. Já me sinto um pouco melhor.
—Comentou o assunto com mais alguém?

—Sim. Falei com June Hudson e com seu marido, John Stone. Eles também estarão de olho
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quando aparecerem pacientes com sintomas parecidos. E na clínica de planejamento familiar de
Eureca também sabem o que ocorreu. Mas o que realmente me adoece, Mike, é que a segunda
garota disse que tudo aconteceu em Virgin River.
—Então se trata de um adolescente com a testosterona desatada ou de algum garoto novo
no povoado. Investigarei o caso.
—Obrigada.
—Evidentemente, se aparecer alguma outra garota que…
—É obvio, ficará sabendo.
—Eu também queria falar de algo, Mel. Acho que já estou preparado para deixar de tomar
os antidepressivos que me receitou durante a recuperação.
Mel sorriu de orelha a orelha.
—Já se encontra bem?
—Sim, e me sinto muito mais forte. No momento me pareceu uma boa ideia, mas…
—Claro. Combinamos que seriam somente alguns meses, não é? Parece-me bem. Mas terá
que ir deixando-os pouco a pouco. Escreverei como deve diminuir a dose e em duas semanas
terá terminado, o que acha?
—Perfeito.

John, Pastor para os amigos, tinha trinta e dois anos, sabia muito sobre a guerra, sobre
cozinha, caça e pesca. Serviu no corpo da marinha durante doze anos e seguiu Jack a Virgin
River, onde se converteu em um dos melhores cozinheiros da região. Mas seus conhecimentos
sobre as mulheres eram muito limitados.
Nesse sentido, sua educação começou ao conhecer a mulher que se tornou sua esposa.
Até então, ele mal teve alguns encontros com mulheres e jamais se considerou um grande
amante. De fato, no início Paige lhe inspirava um medo mortal; era tão pequena e feminina que
tinha medo de machucá-la.
Mas Paige o ajudou a superar. Entre outras coisas, porque estava convencida de que era o
homem mais gentil que conheceu. E a verdade era que Pastor se transformava quando estava
entre seus braços. Depois de sua experiência com Paige, não só passou a conhecer o corpo
feminino, mas também o idolatrava. Coisas que até então nem sequer sabia que existiam,
converteram-se em uma segunda natureza para ele. Sua esposa era para Pastor um tesouro, o
melhor presente que a vida podia ter lhe dado. Fazê-la se sentir bem era uma de suas obsessões.
Conhecia até a última de suas zonas erógenas, sabia como beijá-la, como acariciá-la, e o melhor
de tudo era que quanto mais conseguia fazê-la desfrutar, mais desfrutava ele de sua própria
experiência.
Durante o dia, Paige era sua companheira no bar, trabalhavam juntos na cozinha, e de
noite, convertia-se em um anjo em seus braços. Cuidavam ambos de Christopher, o filho de
Paige, com quatro anos, e Pastor desfrutava de uma felicidade que sempre considerou fora de
seu alcance. Só havia um pequeno problema. Paige e ele queriam um filho. Paige deixou de
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tomar pílulas seis meses atrás e não engravidou.
Ele estava decepcionado, mas Paige estava muito pior. No ano anterior, ficou grávida e por
culpa de uma terrível surra de seu ex-marido, perdeu o bebê. Paige temia ter sofrido alguma
lesão nos órgãos reprodutivos que a impedia de ter filhos com John e, às vezes, aquilo a
consumia em uma profunda tristeza.
Todos os dias, quando terminavam de organizar a cozinha à noite, colocavam na porta do
bar o pôster de “FECHADO”, liam para Christopher uma história depois do banho, retiravam-se
ao pequeno apartamento que compartilhavam detrás da cozinha e se amavam. Pastor se sentia
renascer entre seus braços noite após noite.
Em uma daquelas noites, encontrou-a no banheiro, com uma de suas enormes camisetas e
chorando. Passou-se muito tempo desde a última vez que a viu chorar e aquilo foi um duro golpe
para ele.
—Vem aqui, Paige — envolveu-a em seus braços fortes,— está chorando.
Paige secou as lágrimas e elevou o olhar para ele.
—Não é nada. A regra veio. Não queria que viesse. Não sabe a vontade que tenho de ficar
grávida.
—Está se sentindo muito mal?
—Não, não, mas pensei que o melhor…
—Tudo bem, talvez seja hora de falar com Mel ou com John Stone, talvez. Se pudermos
fazer algo…
—Mas os tratamentos de fertilidade são muito caros.
—Não se preocupe pelo dinheiro. É a última coisa que importa neste momento. O que
verdadeiramente importa é que sejamos felizes. Queremos um filho, e para isso faremos o que
for necessário, tudo bem?
—John, sinto muito…
—Sente por quê? Não está sozinha. É coisa de dois, de acordo?
—Mas mês após mês…
—Bom, agora vamos enfrentar os fatos e pedir conselhos. Pediremos ajuda e já não terá
que chorar mais.
Mas Paige apoiou a cabeça em seu peito e continuou chorando com tanto sentimento que
rasgou o coração de Pastor. Não suportava vê-la sofrer. Vivia para fazê-la feliz. Ela era seu
mundo, sua vida.
—Chora porque está com TPM?
—Não, não é isso.
—Sente dor? Quer que te faça uma massagem nas costas?
—Não, de verdade, estou bem.
—Não tem por que sentir nenhuma vergonha comigo. Não há nenhuma parte de sua vida
ou de seu corpo que eu possa rejeitar. Amo cada centímetro de você.
60
Paige suspirou profundamente.
—Deveria tomar banho e me colocar na cama.
Pregador passou por detrás dela e abriu o chuveiro. Deslizou a mão sob a enorme camiseta
que usava e a estreitou contra ele para beijá-la. Quando abandonou seus lábios, tirou-lhe a
camiseta por cima da cabeça. Adorava vê-la nua e em pé em frente a ele, deixou que seus olhos
se enchessem de sua imagem. Procurou com os lábios seu seio nu e sugou delicadamente um
mamilo, fazendo-a jogar a cabeça para trás e suspirar profundamente. Se havia algo de sua vida
com Paige que realmente admirava, era a facilidade que conseguia excitá-la. Sua vida amorosa
era para Paige um constante resplendor. E Pastor sabia o que tinha que fazer exatamente para
afastar as lágrimas.
Abriu a cortina da ducha para que Paige pudesse se meter sob a água, despiu-se
rapidamente e correu a seu lado. Voltou a estreitá-la entre seus braços, a beijá-la e a percorrer
seu corpo com as mãos.
—Não tem por que fazer isso — sussurrou Paige contra seus lábios.
—Jamais faria nada que não gostasse de fazer — respondeu ele. — a única coisa que quero
é te dar algo agradável para pensar — lhe deu um beijo na testa. — Te amo muito, Paige.

Mel e Jack acabavam de jantar juntos no bar quando Paige se aproximou de sua mesa.
—Mel, tem um instante? Eu gostaria de te perguntar uma coisa. É uma consulta médica.
—Claro. Eu tenho que dar de mamar ao David, então poderemos ir a seu apartamento e
assim matamos dois pássaros com um tiro.
Jack lhe passou o bebê.
—Eu fico atendendo no balcão. — disse.
Mel não tinha muitas ocasiões para estar no pequeno apartamento que viviam Paige e
Pastor, atrás da cozinha do bar, mas cada vez que entrava ali, fluíam boas lembranças. Ali vivia
Jack quando ela chegou a Virgin River, e foi ali, sem dúvidas, que conceberam David. Mel
recordava perfeitamente aquela noite; derrubou-se emocionalmente e Jack a encontrou
chorando sob a chuva no dia que completou um ano da morte de seu marido. Jack a abraçou,
serviu uma bebida e a deitou em sua cama. Pouco depois, deitou-se com ela e devotou um amor
até então desconhecido para ela.
Aquele espaço refletia naquele momento a influência de Paige, havia fotografias de
Christopher, alguns brinquedos em um canto e flores na mesa. Fazia exatamente um ano que
Paige entrou em suas vidas. Era uma mulher maltratada que tentava escapar de seu marido;
com o apoio de Pastor, conseguiu se divorciar e enviar seu marido à prisão.
Paige se sentou no sofá e Mel em uma poltrona para amamentar David.
—John queria que falasse contigo. Sinto incomodá-la neste momento, mas ainda faltam
dois dias para a consulta.
—Não se preocupe, não me incomoda absolutamente.

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—Não consigo engravidar, Mel. Sei que só faz seis meses que deixei de tomar pílula, mas
até perder o bebê, eu engravidava com muita facilidade. O que acha que devo fazer?
—Bom, vejamos. Suas regras são regulares?
—Como um relógio.
—Isso quer dizer que a ovulação é regular. Normalmente, quando se analisa a
possibilidade de tratamento de infertilidade, inicia-se com o pai, com a contagem de
espermatozóides. É a prova mais fácil e mais rápida, e até sair o resultado, não se começa a
trabalhar com a mãe. Ainda mais no seu caso, quando todos sabem que pode engravidar.
—Bom, era assim antes.
—Depois do aborto não encontramos nenhuma lesão em seus órgãos reprodutivos. A
hemorragia cessou rapidamente e depois não houve nenhum sintoma estranho, como períodos
mais abundantes que o normal, não foi assim?
—Não, absolutamente.
—Têm relações sexuais com frequência?
Paige elevou os olhos ao céu.
—Lembre-se que, potencialmente, Pastor acaba de descobrir o sexo — respondeu e sorriu
com acanhamento.
—OH — disse Mel — Devo entender então que…? — mas se interrompeu.
—Nunca tem suficiente — respondeu Paige. — Mas como eu nunca tive um marido
carinhoso, a verdade é que não me posso queixar.
—Bom, pois esse poderia ser precisamente o problema. Ter relações sexuais com muita
frequência não é a melhor maneira de ficar grávida. Reduz-se o número de espermatozóides no
sêmen. Antes de começar a fazer algum exame, deveria ir a Fortuna, comprar em uma farmácia
uma prova para a ovulação e pedir a Pastor que tente se segurar. Faça-o esperar. No máximo,
fazer amor a cada três dias. Se puderem aguentar mais, melhor, e, é obvio, façam só uma vez,
nada de maratonas — Sorriu. — Ah, e no dia que ovular, conceda a ele um indulto, é obvio.
—Meu Deus — Murmurou Paige com certa desolação.
—Quer mesmo engravidar? — Perguntou Mel. — Porque é possível que tenha que agir
assim durante um mês. Talvez seguir neste ritmo por dois ou três meses. O fato dos dois serem
férteis não significa engravidar na primeira tentativa.
—Não posso nem imaginar o que John vai dizer quando souber. Terei que lembrá-lo que
foi dele a ideia de falar com você.
—Se quiser, podemos fazer uma contagem de espermatozóides antes de fazê-los passar
por isso, mas se resultar que não possui muitos, a receita continuará sendo a mesma: esperar
para ver se a situação melhora. Por outro lado, se realmente ele ainda possuir uma boa
percentagem depois de tanto sexo, é extremamente fértil, então não haverá nenhuma razão
para reprimi-lo. Você gosta de apostas?
—Tenho a sensação de que no final será isso o que faremos — disse Paige.— Pastor está
disposto a fazer qualquer coisa, mas...
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Mel sorriu.
—Bom, até o momento desfrutou de alguns meses de felicidade. Suponho que agora vou
vê-lo todos os dias com o cenho franzido. Aconselho a tentarem durante três meses e se não der
certo, começarem com o tratamento para a infertilidade, com a recontagem de
espermatozóides. Está segura de que quer seguir adiante com todo o processo? — Perguntou.
Afastou David de seu peito e o colocou sobre seu ombro, para arrotar.
—Quero ter um filho, sim. Mas a verdade é que foi John o primeiro a dizer que queria ter
um filho comigo.
—Sempre pode esperar até o ano que vem — disse Mel.— Esperar todo um ano para ver o
que acontece.
—Falarei com o John.

Poucos dias depois, Mel estava almoçando no bar quando Jack se aproximou dela.
—Quero te perguntar uma coisa — disse. — E não tenho a menor ideia do que você vai
responder.
—Isso soa aterrador — Respondeu Mel enquanto levava uma colherada da deliciosa sopa
de Pastor à boca.
—Depende de como olhe. Ricky está a ponto de celebrar a graduação da instrução básica
no corpo de marinha e quer ver todos na cerimônia.
Mel se encolheu de ombros e respondeu:
—É obvio Jack.
—Gostaria que fôssemos sozinhos.
Mel tragou saliva.
—Sozinhos?
Jack assentiu.
—Acho que é importante Mel. Temos que reservar algum tempo só para nós.
—Sente-se abandonado?
—Absolutamente. Mas acho que deveríamos ter uns dias de vez em quando e nos
afastarmos do povoado, do bebê, do bar, dos pacientes… de tudo.
Mel lhe dirigiu um sorriso sedutor e arqueou uma sobrancelha.
—Ok, Jack…
—Não, não tem a ver com isso — Replicou ele.— Bom, ou melhor, tem.
Sorriu, cruzou os braços sobre o balcão e se inclinou para ela.
—É minha mulher, minha amante e minha melhor amiga. Quero tê-la só para mim de vez
em quando.
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—Mas tenho que dar de mamar ao David…
—Daremos um jeito, pode tirar mais leite que o habitual e, além disso, ele não se alimenta
só de leite materno. Temos muitos amigos que estariam encantados em ficar com ele durante
algumas noites, mas pensei em chamar Brie. Ainda não está trabalhando, então não há
nenhuma desculpa para não vir. Além disso, faz muito tempo que não a vejo. Quero vê-la e
voltar a estar com ela para saber como está — Se inclinou para frente e lhe beijou os lábios. —
Venha comigo Mel. Serão apenas algumas noites.
—É claro Jack. Ligarei para Brie esta tarde.

Mel deixou David dormindo com o médico e dirigiu até sua nova casa. Estacionou e saiu do
Hummer. Apoiou-se contra o carro e olhou para Jack, que estava cravando pregos na estrutura
de madeira da casa. Assim que a viu, deixou o que estava fazendo para se aproximar dela. Abriu
os braços e Mel correu a refugiar-se neles. Mel agradeceu em silêncio ter conseguido recuperar
Jack. Deixaram para trás os dias de distante silêncio.
—O que está fazendo aqui? — Perguntou Jack.
—Queria te dizer uma coisa— Respondeu ela. — Brie está disposta a vir. Está animada para
cuidar de David. Ficará pelo menos uma semana, provavelmente duas. De fato, diz que em
Sacramento não há nada que a obrigue acelerar a volta.
Elevou o olhar para ele e viu a batalha que estava liberando em seu interior. Jack gostava
muito de sua irmã e a queria perto dele se isso pudesse ajudá-la. Queria cuidar dela ao mesmo
tempo que desejava a intimidade de estar mais com sua esposa. Uma intimidade que reclamou
só alguns dias atrás. E na cabana, em que se ouvia tudo, não havia lugar para nenhuma
intimidade.
—Me alegro que decidiu vir — Disse Mel. — Acho que sua irmã precisa sair de Sacramento,
Com certeza se sentirá bem. E quando terminarmos de construir esta casa, poderemos tentar
comprar a cabana de Hope. Parece-me um bom lugar para quando tivermos que hospedar muita
gente. Sua família é muito numerosa.
Jack sorriu.
—Bem, senhora Sheridan, parece que temos dinheiro sobrando, né?
Mel deu de ombros.
—Temos muito dinheiro, Jack. De fato, acho que até deveríamos ir pensando em contratar
alguém para terminar de construir a casa.
—Eu queria fazê-la para você. Queria demonstrar tudo o que posso fazer por você.
—Parece incrível que pense que ainda não sei.

—Não pode estar falando a sério — Disse Pastor a Paige. — Isso não pode ser verdade.
—Bom, foi o que Mel me disse — esclareceu ela.
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—Bem. Quem iria pensar que para engravidar o melhor é não ter relações sexuais? —
Sentia-se como se lhe tivessem dado um golpe na cabeça.
—John, tudo depende de você. Não temos por que fazê-lo. Pelo menos, não neste
momento. Não insistirei…
—Não, claro que o faremos. Queremos ter um filho. Eu tenho tanta vontade de ter um
filho com você, e o fato de menstruar te faz chorar, então faremos — sacudiu a cabeça. — Mas
quando será? — Bom, teremos que fazer amor esporadicamente, sabe? E nesses dias somente
uma vez. Exceto quando eu ovular — sorriu. — No dia da ovulação, poderá fazer tudo o que
quiser.
—Santo Deus. Terei que tomar muitos banhos frios.
—John, não sei muito a respeito, mas não acredito que todo mundo faça amor tantas
vezes quanto nós.
Pastor deu-lhe um olhar confuso.
—E por que não?
Paige respondeu com uma gargalhada.
—OH, John.
—E já tem o que necessita para saber quando vai ovular?
—Irei a Fortuna comprar coisas necessárias ao bar e comprarei também aparelhos para
controlar a ovulação, porque segundo Mel, embora o problema seja o que ela acredita, é
possível que demore mais de dois meses.
—Mais de dois meses?—perguntou Pastor com um fio de voz.
“Não ria, não ria”, pensava Paige.
—Provaremos durante dois ou três meses. Se não funcionar, terá que fazer o exame e
talvez tenhamos que tentar outra coisa.
Pastor apoiou a cabeça na mão.
—Deus Meu — Depois, elevou a cabeça com determinação e disse—: De acordo. Vamos
fazer.
Paige pousou a mão em seu braço.
—John, a ovulação é só um dia ao mês. Mas nesse dia terá sua recompensa.
—E te prometo, Paige, que você também a desfrutará.
Bem, pensou Paige, aquilo seria interessante.
—Acredito que no dia que ovular vamos ter que procurar alguém para cuidar de
Christopher e fechar o bar — Respondeu.

Antes que Mel e Jack fossem celebrar com Ricky sua graduação, chegou uma nova vizinha
em Virgin River. Tinha terminado já a agitação da hora do almoço e Jack estava atrás do balcão
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quando entrou uma jovem no bar. Era ruiva, com lábios de cor pêssego e sorria de tal maneira
que Jack inclinou a cabeça e lhe devolveu o sorriso enquanto se perguntava quem poderia ser.
—Jack Sheridan? —perguntou ela.
—Sim, sou eu.
A jovem lhe estendeu a mão.
—Sou Vanessa Rutledge, a mulher de Matt Rutledge. Temos alguns conhecidos em
comum.
Jack lhe estendeu a mão.
—Certamente, o primeiro seu marido. Como vai?
—Teve que voltar para o Oriente Médio. Ficará lá alguns meses, mas me pediu que viesse
aqui, visse como está e me inteirasse de quando pensam em se reunir, porque o melhor amigo
do Matt é Paul Haggerty.
—Sim, é certo, agora recordo que me comentou isso. Tive esses meninos em minha
brigada quando ainda eram meninos: Paul, Matt, Pastor e Mike Valenzuela. Estiveram comigo
em minha última missão no Iraque e ainda estamos muito unidos. Paul esteve por aqui
recentemente, sempre tentamos nos ver na temporada de caça, embora nem todos possam vir.
—Paul e Matt estudaram juntos —explicou Vanessa .— Depois se alistaram e terminaram
combatendo juntos. De fato, também estavam juntos no dia que conheci meu marido.
—Pastor e Mike vão ficar encantados em vê-la por aqui — Disse Jack.
Separou-se do balcão e deu um golpe na parede que separava o bar da cozinha para
chamar Pastor.
—Ouvi falar de Pastor. Matt me falou muito de todos vocês e do bar. E a verdade é que foi
uma estranha coincidência que meu pai tenha decidido se instalar aqui.
—Onde vive seu pai exatamente?
—Comprou um antigo rancho nos subúrbios do povoado faz há alguns anos, antes de sua
última missão. Antes de se aposentar, reformou-o. Este verão trouxe para cá meu irmão mais
novo e os cavalos e se instalou definitivamente aqui.
—Sua última missão?
—Sim, meu pai é o general Walter Booth, da armada.
Jack a olhou surpreso.
—E um general permitiu que sua filha se casasse com um marinheiro?
Vanessa arqueou uma sobrancelha; seus olhos, de cor água marinha, resplandeciam.
—Eu não aceito ordens de ninguém.
Os dois sorriram.
Pastor saiu da cozinha com o cenho franzido por aquela chamada inesperada. Mas ao se
encontrar com o radiante sorriso daquela preciosa ruiva suavizou sua expressão.
Vanessa não se surpreendeu com aquele gigante de expressão carrancuda. E tampouco ver
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como se transformavam suas feições para dar um sorriso de curiosidade.
—Você deve ser Pastor —disse e lhe estendeu a mão.— Teria reconhecido-o em qualquer
parte, embora me dissessem que era muito grande e usava a cabeça raspada. Não o vejo tão
grande. Sou Vanessa Rutledge, a esposa de Matt Rutledge.
—Não me diga! —exclamou Pastor, estendendo a mão. — Sabia que se casou, por onde
anda agora?
Vanessa encolheu os ombros e sorriu.
—A última vez que ouvi, em Bagdá.
—Bem, e você está aqui? — Perguntou Pastor compassivo.
—Meu pai acaba de se instalar em Virgin River. Vive em um rancho precioso, com seus
cavalos e com Tommy, meu irmão mais novo.
—Meu Deus, não posso acreditar, que casualidade!
—O mundo é um lenço — disse Vanessa. Deu um passo para trás e abriu o casaco para
mostrar seu ventre volumoso .— Também vim ver a esposa de Jack. Temo que vou necessitar de
seus serviços.
—Caramba — disse Jack. — É o primeiro?
—Sim, e só restam alguns meses para dar a luz.
—Matt estará aqui quando nascer o bebê? — Perguntou Jack.
—Não, mas se nascer na data prevista, será permitido uma licença bastante longa quando
tiver dois meses — olhou a seu redor. — Então este é o bar? Não sabem o quanto ouvi falar
deste lugar.
—Os meninos adoram — Disse Jack. — Quando Matt deixar o exército assegurarei que
passe por aqui como todos os outros.
—Quando deixar o exército? Acredita que isso vai ocorrer alguma vez? Matt é um militar
de carreira — Mas sorria com orgulho enquanto o dizia.
Ao ser filha de um general, estava mais que familiarizada com os rigores da vida militar.
Paige saiu também para conhecer Vanessa. Mike não demorou muito em fazer sua
aparição pelo bar e adorou conhecer a esposa de Matt. Jack disse a Vanessa que convidasse o
general a passar pelo bar e prometeu ficar em contato com ela e seu pai antes da seguinte
reunião do grupo, a que não faltaria Paul.
—Mas, por favor, não diga a Paul que estamos aqui — suplicou Vanessa. — Eu adoraria lhe
fazer uma surpresa.

Capítulo 5

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Mike Valenzuela chegou à conclusão de que sob a aparente tranquilidade de um povoado
pequeno podiam ocultar-se também muitos delitos; alguns insignificantes e previsíveis. Outros,
de natureza mais insidiosa. Enquanto visitava os vizinhos da área e se interessava por suas
formas de diversão, pensava frequentemente nas duas pacientes que Mel lhe falou. A maior
parte das vezes recebia as respostas imagináveis: os adultos se reuniam com os amigos,
organizavam festas e piqueniques, frequentavam restaurantes, adegas e locais da costa e, é
óbvio, todo mundo saía para pescar e caçar. Muitos dos mais jovens participavam das atividades
que se organizavam ao redor do instituto: das atividades esportivas até a banda de música ou o
coro.
Zach Hadley compareceu em algumas ocasiões a tomar uma cerveja no bar e Mike
aproveitou a oportunidade para tentar conhecê-lo um pouco melhor e, através dele, acessar a
informação sobre o instituto. Este lhe contou que os meninos participavam dos bailes e festas do
instituto, mas que também organizavam outro tipo de encontros, como festas em casas dos pais
ou reuniões nos bosques. Ouviu falar de um lugar isolado na autoestrada, uma área de descanso
abandonada em que se celebravam festas. A autoestrada 109 tinha sido muito transitada tempo
atrás, até que construíram a nova autoestrada e se converteu em uma estrada secundária, usada
à noite somente pelos adolescentes. Um lugar perfeito, quando o tempo permitia, para levar
um barril ou uma caixa de cervejas e celebrar uma festa.
—Sempre e quando não entrarem nos bosques, provavelmente estarão a salvo dos
problemas se por acaso encontrassem os cultivadores de maconha — Do que não estava tão
seguro era de que estariam a salvo uns dos outros.
—Então é verdade? —perguntou Zach. — Há plantações ilegais por esta área?
—Sim, claro que é verdade — confirmou Mike.— Escuta, se alguma vez tiver algo que o
preocupe e acredite que possa ajudar, estou à disposição.
—Pois a verdade é que vi algo que me preocupa. É um rumor e não sabia com quem
confirmar.
—Pode falar comigo.
—É só um rumor e já sabe que os meninos nessa idade têm uma imaginação muito fértil.
Mas a nota dizia alguma coisa do tipo ser preferível afastar-se dessas festas. Há rumores que
uma garota terminou grávida em uma delas e nem sequer se lembra de haver se deitado com
ninguém.
Mike abriu os olhos com espanto.
—Como ficou a par dessa informação?
—Uma aluna deixou uma agenda em classe —encolheu os ombros, — E dei uma olhada.
Mike sorriu.
—Eu gosto de seu estilo. É um tipo intrometido. E de quem era a caderneta?
—Não tenho nem ideia. Deixei-a onde a encontrei e depois do almoço desapareceu. Não
tornei a vê-la outra vez e estive observando os meninos, para ver se algum deles a levava à sala
de aula. A única coisa que sei é que era de uma garota. A letra era muito feminina.

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—Fique atento, de acordo? Poderia ter informação importante.
—Sei que há meninos que vão a essas festas para tomar cerveja. Mas se for verdade o que
dizia essa nota, é possível que bebam também algo um pouco mais forte.
—Sim — Respondeu Mike, e penso que com certeza não tomavam somente cerveja. — Me
mantenha informado.
Mike visitou o instituto, apresentou-se aos meninos e tentou mostrar-se amistoso com
eles. Sabia que investigando um pouco poderia encontrar meninos que consumissem maconha.
Também comentava algo sobre as metanfetaminas, mas ninguém dizia uma só palavra sobre
soníferos e Rohipnoles. Ter Zach na equipe era uma grande vantagem, mas Mike esperava
chegar a ter um informante próximo aos próprios alunos que pudesse lhe dar uma mão. A polícia
local e o departamento do xerife estavam investigando o consumo de álcool e drogas por parte
dos menores, mas ele queria saber se as garotas que foram à consulta de Mel foram violadas, e,
a não ser que alguém informasse em segredo, a polícia não tinha nenhuma notícia sobre aquilo.
E para Mike, aquelas garotas se converteram em uma responsabilidade dele.
Deu uma volta pela área de descanso da auto-estrada e descobriu preservativos e garrafas
vazias em um cesto de papéis. Decidiu aproximar-se por ali com certa regularidade, para ver se
encontrava algo interessante. Considerou inclusive a possibilidade de vigiar a área. Mas o
inverno estava perto e suspeitava que até que não acabasse, ia ter que descartá-la.
Pelo que até agora averiguou, só havia um menino novo na região, Tom Booth, o irmão de
Vanessa e filho do general. Tom não estava há muito tempo no povoado, pelo menos não o
suficiente para fazer algo mau. Walt Booth, que convidou Mike a visitá-lo, apresentou-o a Tom,
que parecia um menino inteligente, amável, educado e sincero. Provavelmente chegaria a ser
muito popular entre as garotas, mas ainda não conhecia muita gente. Se Tom tivesse muitos
conhecidos no instituto, poderia ser uma boa fonte de informação, mas não era esse o caso.
Quando a segunda paciente de Mel engravidou, depois de ter participado de uma festa, Tom
ainda vivia no Distrito de Columbia.
Curiosamente, a única pessoa com a qual Mike gostava de falar daquele tema era Brie, mas
não acreditava preparada para uma conversa desse tipo. Ainda fazia pouco tempo o que
aconteceu com ela.
Mike não esperava ter que retornar tão logo ao departamento do xerife, mas se sentia
obrigado a comentar o que estava investigando. Como não havia vítimas reconhecidas, nem
suspeitas, nem provas, esperava que o xerife se limitasse a lhe dar educadamente os
agradecimentos e a lhe dizer que o mantivesse informado. Mas, para sua surpresa, o xerife
pediu a um detetive chamado Delaney que fosse a seu escritório e o apresentou como o
representante da agência antidrogas.
—Temos um detetive trabalhando em casos de violência sexual, mas pelo que nos contou,
não sei se esse assunto nos compete investigar. De todas as formas, falarei com ele. Perguntarei
possui alguma informação sobre o caso — Disse o xerife.
—Obrigado, senhor — Respondeu Mike. — Entendi que esta é uma grande área para o
cultivo de maconha — disse ao detetive Delaney.
—Sim, há muita maconha, mas cada vez estamos tendo mais problemas com o pó branco e
queremos eliminá-los.
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Quando falava de “pó branco” se referia a metanfetaminas, cocaína e heroína.
—Entendo. E tem alguma notícia sobre consumo de êxtase ou Rohipnoles?
—Há um pouco de êxtase, embora pouco. E sobre o Rohipnoles… não, não ouvi nada, mas
se averiguar algo…
—Nos mantenha informados — Terminou o xerife.
—É obvio, embora tendo em conta que as garotas não querem dar nenhuma informação, o
processo poderia ser longo.
—Uma razão a mais para me alegrar de que fique atento sobre o assunto — Disse o xerife.
— Se não houver denúncia, eu não posso intervir. Então obrigado pela ajuda — estendeu a
mão. — Virgin River tem sorte de encontrá-lo.
—Obrigado — Respondeu Mike.
O que não explicou foi que em seu caso, a motivação era mais profunda que a de querer
deter um delinquente. Aquele caso o estava tocando muito de perto, porque estava relacionado
ao que aconteceu com Brie.
No dia seguinte conduziu até Eureca e comprou um computador e uma impressora.
Chegou o momento de conectar-se à Internet e aproveitar seus contatos para montar uma
verdadeira investigação.

Quando Brie chegou a Virgin River, passou um par de dias com Jack, Mel e David, antes
que seu irmão e sua cunhada fossem a San Diego assistir à graduação de Rick. Depois, trocou os
lençóis do dormitório principal e desfrutou de umas horas de tranquilidade na cabana. Cuidou
do bebê, esteve lendo enquanto o bebê dormia e se aproximou do bar à hora do almoço.
David era um bebê que estava acostumado a ficar com qualquer um. Quando seus pais
trabalhavam, ele estava no bar ou no consultório, então se adaptou a estar com pessoas
diferentes. Mas precisamente pela ocupada vida que levavam seus pais, também era um menino
que se aborrecia facilmente. Estar tranquilamente sentado em casa não ia com ele, assim Brie se
dedicou a visitar seus conhecidos.
Esteve com Paige, que lhe contou que estava tentando ficar grávida. Comeu no bar e
passou um momento no consultório, jogando cartas com o doutor Mullins enquanto o menino
dormia. Depois foi visitar Connie na loja e ficou assistindo com ela e Joy a telenovela. Quando
voltou para o bar, era quase hora do jantar e os moradores do povoado começavam a passar por
ali. Brie tomou uma cerveja enquanto Pastor esquentava para David umas verduras. Todos os
que entravam no bar saudavam carinhosamente Brie, mas, quase imediatamente, começavam a
fazer bajulações ao bebê para entretê-lo. David era um dos habitantes mais queridos de Virgin
River, e não só por ser um menino encantador, mas porque era filho de Mel e de Jack.
Às cinco, Mike chegou ao bar e, é obvio, foi diretamente para eles. Tomou uma cerveja
enquanto Brie acabava a sua e jantaram juntos. Mike lhe falou do quanto estava percorrendo a
região, tentando conhecer pessoas e inteirando-se se havia alguma problema que ele pudesse
ajudar a aliviar.

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David não demorou muito em começar a se inquietar. Necessitava que lhe trocassem a
fralda e uma mamadeira.
—Acho que tenho que ir — Disse Brie.
Levantou-se e pegou o carrinho.
Mike também se levantou.
—Quer que esta noite a acompanhe?
—Obrigada, mas acredito que será melhor que me concentre em meu trabalho — Sorriu —
Embora quando voltarem papai e mamãe, talvez possamos fazer alguma coisa.
—Sim, será bem divertido — Disse Mike com um sorriso. — Talvez seja muito cedo para
ver as baleias, mas logo começarão a emigrar para o sul.
—De toda forma, poderíamos tentar.
Quando Brie chegou com David em casa, o primeiro que lhe impactou foi a escuridão. Não
deixou nenhuma luz acesa na cabana e embora só fossem sete horas, a noite chegava muito
rapidamente. As árvores que rodeavam a cabana projetavam sua sombra de uma forma que
resultava quase ameaçadora. Aquele lugar sempre pareceu a Brie uma sensação de paz e
segurança, e a surpreendia aquele repentino nervosismo. Tentou ignorar a ansiedade e falou
com o bebê como se sua companhia pudesse lhe bastar para tranquilizar-se.
—Vamos, pequenino. Agora irá tirar uma soneca. Iria bem, não é?
Depois, estava a questão de que deixou a porta aberta ao sair de casa. Sentiu que lhe dava
um tombo o coração, mas entrou na cabana, acendeu as luzes e fechou com chave. Correu até a
porta traseira e também a fechou. As primeiras duas noites na cabana foram muito tranquilas,
jamais lhe ocorreu pensar que pudesse ter problemas. Depois, apesar de David ainda não
parecer ter sono, deixou-o no berço e tirou a pistola da bolsa. Pistola em mão, percorreu a
cabana, tentando tranquilizar-se. Olhou dentro dos armários, debaixo da cama e no porão.
Felizmente, não demorou muito em chegar à conclusão de que não havia nada ameaçador na
cabana, porque seu sobrinho cada vez estava mais impaciente. Deixou a pistola na mesinha e
atendeu ao David. Trocou-lhe a fralda e lhe esquentou uma mamadeira do leite que tinha
deixado Mel.
Inquietava-lhe que não houvesse persianas nem venezianas para fechar as janelas. Mas
quem ia espiar de fora estando no meio do bosque? Nas duas noites anteriores não se importou.
Mesmo assim, continuou olhando nervosa a seu redor. Depois, deu-se conta de que aquela era a
primeira noite que passava sozinha desde o mês de junho.
—Mas terá que acontecer alguma vez. Tem que superar, disse em voz alta.
Quando terminou de dar a mamadeira a David, voltou a colocá-lo no berço. Não sabia o
que ia fazer durante o resto da noite, salvo estar sentada no sofá, temendo que alguém a
estivesse espiando de fora. A televisão não funcionava porque Mel e Jack nunca se
incomodaram em pôr uma antena. Então apagou as luzes, despiu-se e vestiu um pijama,
recordando com desejo os dias em que era capaz de deitar-se nua. Não havia tornado a dormir
nua desde aquela noite. Embora ainda não fossem oito, meteu-se na cama. O coração lhe
pulsava a toda velocidade e tentava tranquilizar-se pensando que ninguém queria lhe fazer
nenhum dano, que estava sozinha no meio do bosque.
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Cruzou os braços sobre o ventre e se obrigou a fechar os olhos durante alguns minutos.
Teve a sensação de demorar uma eternidade em começar a relaxar. O mínimo som a fazia
tremer. Olhou o relógio da mesinha às oito e quinze, às oito e meia e às nove.
Em algum momento, conseguiu dormir, para despertar sobressaltada e assustada pouco
depois. Sentou-se na cama e percebeu que estava empapada de suor, ofegando e com o coração
pulsando a toda velocidade. Agarrou a pistola e a sustentou frente a ela, apontando a um lugar
desconhecido. Escutou com atenção. Ouvia-se o sussurro do vento entre as agulhas dos
pinheiros e chegavam até ela os ruídos amortecidos do quarto do bebê. Levantou-se sem deixar
a pistola e foi até o dormitório para assegurar-se de que não havia ninguém ali. David se movia
no meio do sono.
OH Deus, pensou Brie. Estava entrando no quarto de um bebê com uma pistola carregada!
Encheram os olhos de lágrimas. Era um caso perdido.
Foi à cozinha, desprendeu o telefone e chamou Mike. Quando respondeu, disse-lhe em um
sussurro.
—Sinto muito, mas estou assustada.
—O que houve?
—Nada, pelo menos nada que eu saiba. Fechei as portas e revistei toda a casa, mas agora
estou voltando a percorrê-la com uma pistola na mão. Estou completamente louca.
—Deixa a pistola, por favor — Pediu Mike com calma, — Estarei aí dentro de dez minutos.
—Ok — Respondeu Brie com voz trêmula.
Tinha a sensação de que, de algum jeito, falhou. Falhou com seu irmão e Mel e falhou
consigo mesma.
—Por favor, Brie, deixa a pistola — Repetiu Mike.— Estou a caminho agora mesmo.
—De acordo — Repetiu Brie.
Mas não deixou a pistola. Meteu-se na cozinha e se sentou no chão, apoiada contra um
dos armários de onde podia ver o resto da cozinha. Se entrasse alguém, atiraria. Em meio de seu
desespero, pensou imediatamente que era uma sorte que David não soubesse andar. Porque
naquele momento, seria capaz de disparar em qualquer coisa que se movesse. Tentou manter o
dedo afastado do gatilho e se repetia mentalmente que não dispararia a menos que estivesse
segura.
Dez minutos eram uma eternidade quando alguém tinha medo. E não havia nada pior que
o medo, houvesse ou não um motivo real para ele. A adrenalina deixava um sabor metálico na
boca e o pulso acelerado. Ao final, ao que lhe pareceu uma eternidade, quando estava com os
nódulos brancos pela força com que apertava a pistola, chegou até ela o som de um motor.
Levantou-se, deixou a pistola na mesa da cozinha e correu a abrir a porta. Viu Mike em
frente a ela, com uma jaqueta de frio e uma pistola no cinto. Aquilo a fez se sentir melhor. Era
como se pelo menos Mike tomasse a sério. Como se seu medo, embora infundado, tivesse
algum fundamento real.
—Meu Deus — Murmurou enquanto se jogava contra ele. — Tenho medo de tudo.
—Acalme-se —pediu Mike, lhe acariciando as costas, mas tendo muito cuidado de não
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apertá-la. — Estas coisas levam tempo.
—Sinto-me completamente estúpida.
—Pois não tem por que. É compreensível — Se separou dela.— É a primeira noite que
passa sozinha?
—Sim — Respondeu. — E, francamente, não o vi chegar. Estive tão bem desde que cheguei
a Virgin River que não esperava isso.
—Quer que reviste a casa?
—Sim, embora eu já o tenha feito. E também eu gostaria que desse uma volta por fora.
—Muito bem. Você sente-se, respire fundo e tente relaxar.
Viu a pistola sobre a mesa e a apalpou. Ainda estava quente. Brie teve tanto medo que
nem sequer foi capaz de soltá-la.
Percorreu a casa inteira, apagando e acendendo luzes e depois saiu. Tirou uma lanterna do
carro e deu uma volta pelos arredores da casa. Não encontrou nada suspeito. Quando voltou ao
interior da casa, fechou a porta, tirou a pistola e a deixou na mesa, ao lado da pistola de Brie.
Continuando, tirou a jaqueta e a deixou no respaldo de uma das cadeiras da cozinha. Entrou na
sala de estar e se agachou diante da chaminé. Jogou um par de troncos, acendeu-os e observou
erguer as chamas. Esfregou as mãos diante do fogo, aproximou-se do sofá e se sentou ao lado de
Brie.
—Obrigada — Disse ela com um fio de voz.
—Não há nada, Brie. Tem que se sentir segura para poder cuidar do David. Agora isso é a
única coisa que importa.
—Mas te chamei no meio da noite. Deveria estar zangado.
—Brie, ainda não são nem dez horas.
—OH, Meu Deus! Então não dormi nem meia hora!
Mike se pôs a rir, reclinou-se sobre o sofá para tirar as botas e disse:
—Agora pode dormir tranquilamente. Vou ficar aqui e passar a noite.
—Não sei se será uma boa ideia.
—Relaxe, Brie. Sabe que estou a par de tudo o que está fazendo para recuperar sua vida de
antes. Acredita que seria capaz de fazer algo que pudesse prejudicá-la?
—Bom…
—Não me ofenda. Reconheço que fiz coisas imperdoáveis, mas jamais pressionei uma
mulher. Sou um cavalheiro. E você precisa dormir.
—Sei que se for embora, voltarei a ter um ataque de nervos. Pelo amor de Deus, quando
vai terminar este pesadelo?
—Não estou seguro, mas sei que acabará. Ainda é muito cedo, então não há necessidade
de se sentir mal pelo que aconteceu. Ninguém irá comentar nada. Ninguém me viu vir, e
ninguém vai estranhar se houver um carro estacionado fora da cabana.

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Brie suspirou e se reclinou contra as almofadas do sofá.
—Não suporto no que me converteu isto. Eu pensava que era mais forte.
—Por Deus, Brie, não faça isso. Já é suficientemente mau o que te aconteceu para que se
castigue dessa forma. Não é algo fácil de superar, Brie.
Brie se levantou e massageou as têmporas.
—Está com dor de cabeça? — Perguntou Mike.
—É só um pouco de tensão. Vai passar — Riu brandamente. — Planejei vir a Virgin River
em busca de diversão. Antes que me acontecesse aquilo, estive pensando em possíveis maneiras
de te romper o coração.
Mike inclinou a cabeça e sorriu.
—Ah, sim? Isso soa interessante. Então agora eu também tenho algo que esperar.
Mike se levantou, foi à cozinha, procurou algo na geladeira e retornou com duas cervejas.
Abriu uma delas e a estendeu a Brie. Depois, voltou a sentar no sofá. Esperava que ela não
notasse que só o fato de poder contemplar seu rosto iluminado pela luz do fogo era para ele
uma delícia. A visão de Brie com o cabelo revolto, os pés descalços e a respiração agitada ainda
pelo medo, tirava-lhe o fôlego. Era consciente de que Brie se assustava tanto com os homens
que nem sequer era capaz de ir à academia, e não lhe escapava que também ele entrava nessa
categoria, apesar do tempo que estiveram juntos. Sabia que se tentasse se aproximar mais dela,
poderia assustá-la.
—Talvez devesse pensar em voltar a trabalhar — sugeriu.
—Sim, eu também estive pensando nisso, mas perdi o interesse em perseguir
delinquentes. Não perdi o interesse na advocacia, mas não tenho certeza de que campo eu
gostaria de me dedicar. Só tenho experiência em Direito Penal, e agora mesmo é um terreno que
não me interessa.
—E trabalhar com vítimas de violações?
Brie suspirou profundamente.
—Não quero continuar sendo uma vítima durante toda minha vida. Estou tentando
superar esta etapa, embora seja consciente de que há coisas que me acompanharão sempre —
Sacudiu a cabeça. — Estive trabalhando durante anos com vítimas de violações e agora eu me
converti em uma delas. Não quero ficar presa nesse ciclo. Meu Deus, o que quero é superá-lo o
quanto antes!
—Parece-me razoável. Talvez pudesse utilizar parte de sua experiência como fiscal para se
converter em uma advogada defensora.
Brie o olhou estupefata.
—Agora mesmo não acredito ser capaz de defender um delinquente.
—Tem que haver algo que a interesse. Direitos humanos, casos de discriminação, direitos
das mulheres, direitos civis…
Brie encolheu os ombros.

74
—Você está acostumada a ter objetivos, a lutar pela justiça. Sempre trabalhou duro. Não
estou seguro de que seja bom que tenha tanto tempo para pensar.
Brie estirou as pernas e apoiou os pés sobre a mesinha de café para esquentar-se com o
fogo que ardia na lareira.
Mike a imitou, mas tendo muito cuidado para não tocá-la. E Brie tirou o chapéu
perguntando-se, e não pela primeira vez, se Mike teria compartilhado uma amizade com suas
ex-mulheres. Perguntou-se também se seria capaz de enganá-la como as tinha enganado. Deu
um gole em sua cerveja.
—Quando Mel e Jack voltarem, se não tiver pressa para voltar a Sacramento, poderíamos
ir um dia à costa — Sugeriu Mike .— Não sei se poderemos ver as baleias, mas há muitas outras
coisas para ver ali. Galerias de arte, adegas, restaurantes. Podemos ser turistas durante um dia.
—Seria uma espécie de… teste?
Mike sorriu.
—Algo assim — Admitiu.
Brie lhe devolveu o sorriso.
—Poderia ser. Mike, antes de se casar, também foi um bom amigo para suas namoradas?
—Acredito que não deveria responder a mais perguntas sobre minhas ex-namoradas.
—Por que não?
—Porque isso te daria uma vantagem injusta em sua estratégia para me romper o coração.
E quero que joguemos em idênticas condições.
Aquilo a fez rir. Ou talvez fosse a cerveja. Mas aquela era uma das coisas que gostava em
Mike; não levava as coisas muito a sério, mas, ao mesmo tempo, tomava muito a sério. E Brie
confiava nele, algo que a reconfortava e a inquietava ao mesmo tempo. Baixou os pés da mesa,
encolheu as pernas na poltrona e se voltou para Mike.
—Mas foram amigos?
—Não, já te disse que era um conquistador.
—Seguro que tem muito mais para contar…
—Não muito mais.
—Estou tentando averiguar certas coisas — explicou. — O da violação, por exemplo, não
me perece difícil compreender o que aconteceu. Parece-me incrível, mas é algo completamente
compreensível. Foi uma vingança.
—Em meu caso, foi uma emboscada. Algo do que não tem forma de se proteger. Isso foi o
que me resultou mais duro, que não havia nada que pudesse ter feito para que as coisas fossem
diferentes. Você também teve que lutar contra essa sensação?
Brie pensou nisso um momento.
—Sim, é algo que pra mim é difícil de aceitar. Mas o que ainda não consigo superar é ter
feito fracassar meu casamento. Por alguma razão, da violação, sinto-me como se estivesse
revivendo a dor do divórcio.
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—O que te faz pensar que foi você que o fez fracassar?
—Não tinha nem ideia de que Brad era um homem capaz de fazer o que fez. Em nenhum
momento desconfiei. Estive pensando em nossa relação desde o nosso primeiro encontro, e em
todos os dias de nosso casamento. Acredito que trabalhava muito. Tinha um horário
excessivamente longo. Deveria ter prestado mais atenção. Ou melhor, o compromisso com
minha carreira era mais forte que meu compromisso com o Brad. Eu nunca…
—Brie, talvez tenha sido ele o culpado do fracasso de seu casamento, não você. A primeira
vez que a vi, anos atrás, seus olhos refletiam compromisso, confiança e amor. Meu Deus estava
absolutamente apaixonada por ele. Além disso, foi uma mulher forte, brilhante, uma mulher
valente e poderosa. Não pode culpar a si mesma de que tudo isso não foi suficiente para Brad.
—Me fale de suas ex-mulheres. Conte-me por que falharam seus casamentos.
Mike esticou a mão lentamente para lhe acariciar o cabelo.
—Carinho, não é nada interessante. Não acredito que te ajude a compreender o Brad. A
única coisa que tenho em comum com o Brad é que os dois fomos uns estúpidos.
—Conte-me. Pediu lentamente.
Mike tomou ar.
—Carmel tinha dezenove anos quando começou a trabalhar para meu pai como secretária.
Nos conhecemos quando eu estava de licença. Depois, ela continuou me mandando cartas que
pouco a pouco foram sendo mais românticas. Seis meses depois, em minha seguinte licença,
fizemos amor, e depois daquilo, ela decidiu que tínhamos que nos casar. Assim que nos casamos,
e quase imediatamente, me enviaram ao Iraque. Aquela mulher me rompeu o coração, e, ao
mesmo tempo, salvou-me a vida, porque eu não teria sido capaz de deixá-la e, entretanto, teria
sido um marido terrível para ela. Naquele momento só queria viver o presente. E só era capaz de
pensar em mim mesmo.
—E a seguinte?
Mike encolheu os ombros.
—Casamo-nos porque nos sentíamos culpados. Ela estava com outro homem quando
começamos a sair e o deixou para estar comigo. Também nesse caso foi ela que decidiu que
devíamos nos casar. Suponho que nenhum de nós era capaz de superar o sentimento de culpa,
então nos casamos. Eu tentei converter o que em realidade somente tinha sido uma aventura
em verdadeiro amor, mas não funcionou. Menos de seis meses depois, ela me deixou. Foi um
engano desde o começo, mas demorei bastante tempo para compreender. Assim que
encontrava uma mulher disposta… eu estava disposto também, a viver o momento. Não posso
justificar o que fiz a nenhuma delas, mas quando terminou meu segundo casamento, só tinha
vinte e seis anos e continuava sendo um estúpido.
Interrompeu-se para tomar ar.
—E a outra questão era que não levava o casamento a sério. Pensava que seria algo
virtualmente automático. Encontraria uma mulher, casaria com ela e teria um punhado de filhos
— Deu de ombros. — Como meus irmãos. Começavam a sair com alguém, casavam-se e fim da
história. Todos desfrutam de casamentos felizes. Jamais me ocorreu pensar que em realidade
eles sabiam o que estavam fazendo.
76
—Queria ter filhos?
—Certamente. Graças a Deus, não os tive. Odiaria que tivessem sido vítimas de minha falta
de maturidade. Antes que me visse envolto nessa emboscada, não tinha paciência, na verdade
não tinha escrúpulos. De fato, se não a visse tão apaixonada por seu marido, quando a conheci
teria sido capaz de tentar te seduzir.
—E por que esses tiros que levou fizeram com que mudasse de opinião?
—Sério? Estive a ponto de morrer. Tive muito tempo para pensar em como esbanjei minha
vida, e quantas pessoas desiludi. Eu não era muito diferente de Brad, o tipo capaz de arriscar
coisas e pessoas sem pensar no que fazia. Nisso Brad é culpado. E eu também — Bebeu um
sorvo de cerveja. — Meus ex-relacionamentos podem não ter sido perfeitos, mas te asseguro
que eu sou o único culpado do que ocorreu.
—Vê? —disse Brie, erguendo-se na poltrona. — Alguém tem que te romper o coração.
—Sim, e estou seguro de que alguém terminará conseguindo. — Respondeu Mike.
—O que não consigo superar é o medo de me apaixonar por outro homem, começar uma
vida com ele supostamente maravilhosa e perfeita e de repente…
—Brie, nesta vida não temos garantia de nada, você sabe melhor que ninguém. É possível
que com o tempo você conheça outra pessoa e que mude de opinião. — Seus olhos
resplandeciam à luz do fogo. — Ou talvez tenha uma relação destinada a durar toda uma vida,
encontre o homem perfeito para ti, e de repente acontece algo que não pudesse prever, como
escorregar montanha abaixo ou cair de um navio — Lhe tocou o nariz com o dedo. — Se te
encontrar alguma vez de novo nessa situação, acreditando que vale a pena se arriscar por
alguém, a pessoa em que mais terá que confiar será você mesma.
Estiveram falando até meia-noite e Brie começou a bocejar uma e outra vez. Ao final, Mike
disse:
—Agora, tem que se deitar. Eu ficarei aqui, no sofá. Estarei atento a qualquer som, assim
dorme tranquila e me deixe a cargo de tudo.
—Está seguro?
—Claro que estou seguro. Além disso, não vai acontecer nada. Em primeiro lugar, porque
estamos em uma cabana bem sólida, com todas as portas fechadas. Em segundo lugar, porque
se algo se mover, despertarei. Despertarei embora não queira. É algo que devo a todos os anos
que passei dando cabeçadas quando estava de guarda. E isso não é nada comparado quando se
vela o sono de alguém quando está em um país como o Iraque.
—Mmm. Está dizendo a verdade?
—Claro que sim. Nunca menti pra você.
Brie pensou em todas as coisas que Mike lhe contou sobre si mesmo; coisas não
especialmente aduladoras e que não incentivavam um envolvimento emocional com ele,
decidiu então, que ele não seria capaz de mentir para ela.
—De acordo, então — Disse, e se levantou. — Obrigada, falo a sério. Acredito que não
seria capaz de ficar sozinha. Quer um travesseiro?
—Não, estou bem.
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Brie foi para a cama. Mike a ouviu escovar os dentes e deitar-se. Deitou-se no sofá; era tão
curto que teve que apoiar as pernas no braço. Sabia que terminariam dormentes os pés, mas
não se importava. Queria fazer aquilo por Brie.
Não muito tempo depois, abriu os olhos e descobriu Brie em frente a ele, observando-o.
—Bem… — começou nervosa.— Poderia…? Isto é um pouco embaraçoso. Ainda me põe
nervosa que um homem me olhe na academia, mas seria capaz de se deitar comigo vestido sem
tentar fazer nada?
—Estou bem aqui, Brie, não se preocupe por mim.
—Não estou preocupada. É só que… esse sofá é muito pequeno. Há uma cama no sótão,
mas não quero que suba lá. E eu… poderia deitar-se a meu lado sem que…?
—Não vou tentar fazer nada contigo, Brie. Sei perfeitamente como está.
—Não acredito que seja capaz de dormir a não ser que… — Terminou com um fio de voz.
—Carinho…
—Então vamos — Disse, voltando-se para o dormitório.
Mike permaneceu no sofá durante alguns segundos, pensando. Mas não demorou muito
em tomar uma decisão. Queria estar ao lado de Brie, mas, ao mesmo tempo, preferiria não
desejá-lo. Em qualquer caso, se Brie necessitava dele, ali estaria. Levantou-se, tirou o cinto para
que não se ferisse com a fivela dormindo e seguiu para o quarto.
Brie estava encolhida na cama, de costas para a porta. Mike se deitou em cima das mantas,
para lhe dar segurança.
—Você está bem? — Perguntou-lhe.
—Sim, estou bem.
Era uma cama de casal, mas não muito grande, era impossível deixar algum espaço entre eles.
Mike se deitou ao lado dela com o braço apoiado no quadril.
—Assim está bem?
—Sim, está bem.
Pousou a bochecha contra a maciez de seus cabelos e envolveu o corpo de Brie com os
braços por cima das mantas. Brie não demorou muito em ficar sonolenta. Pelo som de sua
respiração, Mike sabia que estava descansando placidamente, e aquilo o fez se sentir bem.
Quando despertou na manhã seguinte, Brie tinha virado enquanto dormia e descansava no
oco de seus braços, encolhida contra ele, com os lábios ligeiramente entreabertos, deixando que
seu quente fôlego lhe acariciasse a bochecha, Brie estava conquistando-o; aquela noite bastou
para lhe romper o coração.

Jack e Mel seguiram até Eureca e dali tomaram um vôo para San Diego e assim chegar na
noite anterior à graduação de Rick. Dessa maneira puderam desfrutar de uma noite para eles
sozinhos em um bonito hotel. Banharam-se na piscina, algo impossível em Virgin River. Depois
compartilharam um jantar agradável e uma noite maravilhosa. Na primeira noite conseguiram

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concentrar-se unicamente neles, mas a primeira coisa que Mel fez na manhã seguinte foi
telefonar para Brie e se assegurar que o menino estava bem.
—Estou muito feliz. Disse Mel
—Sei — disse Jack.— E eu também. Obrigado por fazer isto por mim — a estreitou em seus
braços.
—Não o faço só por você. Também o faço por mim. Mas mesmo assim, jogo muito baixo. E
acredito que não voltarei a deixá-la só em muito tempo.
Ver Rick em posição de sentido enquanto era admitido no corpo da marinha encheu Jack
de orgulho. Foi um dos primeiros de sua promoção, um autêntico líder, um jovem forte e
inteligente. Quando o comandante se despediu da companhia e os jovens marinheiros
retrocederam um passo e gritaram em uníssono, “Sim, senhor!”, Mel se inclinou para Jack,
emocionada. Jack lhe passou o braço pelos ombros e a estreitou contra ele. Permaneceram no
final do campo, esperando Rick se aproximar deles.
Quando o fez, depois de se despedir de seus companheiros. Jack lhe estreitou a mão com
firmeza.
—Bom trabalho, estou orgulhoso de você.
—Obrigado — Respondeu Rick.
Mas Mel o abraçou chorando.
—Hei, Mel! — Disse Rick, dando tapinhas em suas costas. Tranquilize-se.
—OH, Rick, está tão bonito. Olhe para você. Cresceu tanto.
—Temos diferentes opções, Rick. Alugamos dois quartos em um hotel, podemos ir
desfrutar de um bom jantar e partir amanhã de avião. Ou talvez prefira ficar com seus
companheiros e posso vir te buscar amanhã pela manhã.
—Não, acredito que com meus companheiros já passei tempo mais que suficiente.
—Esta noite não haverá alguma celebração por aqui?
—Sim, com certeza que sim, mas eu prefiro abandonar já a base. Eu gosto mais da sua
primeira ideia.
Jack suspeitava que muitos daqueles jovens marinheiros passariam a noite em um hotel,
porém antes iriam sair para beber e procurar algumas garotas. Depois do que Rick passou no
ano anterior com a garota com quem começou a sair, provavelmente não tinha nenhum
interesse em uma celebração desse estilo. Então Jack levou-os para jantar. Depois acompanhou
Mel à cama e se dirigiu ao quarto de Rick com seis cervejas. Bateu na porta e Rick abriu recém-
saído do chuveiro, em calças de moletom e com o peito nu.
—Oba! Isso sim que é um amigo — Disse Rick ao ver a cerveja.
Jack surpreendeu-se com a mudança de Rick depois daqueles meses de instrução. Já era
um jovem forte e atlético quando ingressou no exército, mas se via muito mais forte. A barba
começava a espessar-se, assim como o pêlo que cobria seu peito. Jack pôs-se a rir e sacudiu a
cabeça.
—Maldito seja, moço. Já não parece ter dezoito anos.
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—Eu tampouco me sinto como se os tivesse. Tenho a sensação de ter completado cento e
dez — Tomou uma garrafa de cerveja e tirou a tampa com outra. — Obrigado por vir, Jack.
Significa muito para mim.
—E significa muito mais para mim — Respondeu Jack.
Sentou-se em uma das cadeiras do quarto enquanto Rick se sentava na beirada da cama.
—Alguns de meus antigos companheiros virão para caçar e nós gostaríamos que viesse
conosco —convidou Jack.
—Sim, eu gostaria. Embora haja algumas coisas que quero fazer antes. Tenho que passar
um pouco de tempo com minha avó. E depois eu gostaria de ir a Eureca — Disse, baixando o
olhar.— Quero saber como está Liz.
—Soube algo dela? — Perguntou Jack.
—Sim, algo. Mas normalmente só tenho notícias dela quando não está bem. Digo-me
mesmo que não deve estar muito mal, se não me escreveria mais. O que diz Connie?
—Não muito. Que parece que o está superando. E você como está?
Rick encolheu os ombros.
—Não sei. Acredito que cada vez estou mais perto de superar o ocorrido. Mas Liz é só uma
menina. Agora tem dezesseis anos. Teve que crescer quase à força. Numa situação terrível para
uma garota de sua idade.
Jack não podia evitar pensar que Rick só tinha dois anos mais que ela e que, mesmo assim,
assumiu toda a culpa como se fosse ele o único responsável pelo ocorrido. Ele também sofreu
muito com tudo o que passou.
— Volto a repetir filho. Você não teve culpa do bebê não sobreviver.
—Não, mas sim da gravidez — Respondeu, e bebeu um comprido gole de cerveja.
—Somos homens, Rick. Somos idiotas. E se não acredita nisso, pergunte a Mel.
—Sim — Rick pôs-se a rir.
—Faça o que tiver que fazer e depois venha caçar conosco.
—Você também irá?
Jack soprou.
—Sim, terei que desobedecer a minha rainha e entrar com um rifle entre os bosques. Mas
se conseguir alguma caça, jogarei a culpa em você.

Capítulo 6

80
Quando Mel, Jack e Rick chegaram a Virgin River, era quase hora do jantar. Rick era um dos
jovens mais queridos do povoado e todo mundo estava desejando voltar a vê-lo, assim Rick
passou pela casa de sua avó para levá-la ao bar. Lydie raras vezes passava por ali, mas aquela era
uma ocasião especial.
Apesar de ser cedo, estava cheio de gente que queria lhe dar as boas-vindas. Brie e David
ficaram a maior parte da tarde no povoado e assim que o menino viu sua mãe, estendeu-lhe os
braços e gritou de emoção. Mel o abraçou imediatamente e correu ao apartamento de Paige
para lhe dar de mamar. Estava com muitas saudades de seu filho.
Pastor preparou um bolo enorme com uma mais que notável reprodução do medalhão dos
marinheiros no centro. Preparou também uma enorme quantidade de aperitivos, além de
grandes quantidades de pãezinhos, comida favorita de Rick.
Não demorou muito e o bar ficou lotado de amigos e vizinhos. Mike chegou alguns minutos
antes de Rick e Lydie. Quando o jovem marinheiro entrou no bar, houve um grito coletivo de
alegria. Recebeu também muitos abraços, palmadas nas costas e um inconfundível ambiente de
festa.
Em noites como aquelas, Jack se alegrava especialmente de ter aberto o bar.
Transbordante de amigos, vizinhos e felicidade. Naquele tipo de celebração, não se pagava nada
pela comida. Deixava-se uma jarra vazia em algum canto do bar para que as pessoas dessem o
que pudessem oferecer, mas ninguém partia sem deixar algo. A cerveja e os refrescos também
se serviam gratuitamente.
Depois de mamar, David também retornou à festa, e foi passando de braço em braço. Ao
Rick também chegou a vez de carregar o bebê e ficou maravilhado de como havia crescido em
tão pouco tempo.
Atrás do balcão, e desfrutando de seu prato favorito, Jack perguntou a sua irmã:
—Ficou tudo bem, Brie?
—David se comportou maravilhosamente bem. Estivemos muito ocupados, não paramos
de fazer visitas.
—E você está bem?
—Claro que sim — respondeu Sorrindo. — Nos divertimos bastante. Quando precisar de
uma tia, pode contar comigo.
Jack se inclinou por cima do balcão e lhe deu um beijo na testa.
—E como foi a escapada? — Perguntou Brie em um sussurro.
—Foi perfeita. Mel sentiu falta de David, mas eu também.
Depois de jantar, os granjeiros e rancheiros da área começaram a desaparecer; o gado não
entendia de festas e as pessoas locais se deitavam cedo. Rick se sentou em um dos tamboretes
no balcão sorrindo de orelha a orelha.
— Foi fantástico, Jack — disse.— Estou feliz de ter voltado. Agora vou ver minha avó, que
se deita cedo, e vou até Eureca.
—Esta noite? — Perguntou Jack, surpreso.

81
—Sim — respondeu, ruborizando-se ligeiramente. Deu de ombros. — Tenho que ver Liz.
—Mas vais chegar muito tarde.
—Já combinamos e estará me esperando — Disse Rick. Estendeu-lhe a mão. — Obrigado
por tudo.
—De nada, Rick.
Gostaria de ter dito que tomasse cuidado. Seguiu-o com o olhar enquanto saía do bar.
Quando Mel se aproximou de seu lado, com David nos braços, Jack a abraçou pelos
ombros.
—Vai a Eureca esta noite — disse.
—Tenho certeza que ficará tudo bem, Jack — Tranquilizou-o Mel.
Jack baixou o olhar.
—Me sentiria muito melhor se tivesse dez anos a mais.
—Já sei. É como uma mamãe galinha. Mas eu acabo de passar dois dias com Rick e não
estou absolutamente preocupada com ele. Acredito que sabe o que faz. Bom, agora vou levar
David pra casa e o farei dormir. Estou esgotada, foi um dia muito comprido. Você pode ficar todo
o tempo que quiser.
Jack se inclinou e lhe deu um beijo na face.
—Nos vemos mais tarde.
Brie também se levantou do tamborete.
—Eu a acompanharei, Mel —disse.
E então Jack se fixou em outra coisa. Algo aconteceu enquanto eles estavam fora.
Enquanto Mel se dirigia para a porta com David, Brie se aproximou de Mike, que estava falando
com Paige no outro extremo do balcão. Tomou a mão, reteve-a entre as suas e lhe disse algo.
Algo que a fez sorrir. Este se inclinou para ela, deu-lhe um beijo na bochecha e lhe apertou
carinhosamente o braço.
Aquilo não podia significar nada bom, pensou Jack. Brie não conhecia Mike tão bem
quanto ele.
Assim que o convidado de honra partiu, o bar terminou de esvaziar-se. Paige subiu com
Christopher para o quarto, de modo que ficavam somente Jack, Mike e Pastor no bar. Jack
baixou três taças, serviu a Pastor seu uísque favorito e para ele escolheu um uísque escocês.
—Você também tomará uma taça, Mike? —perguntou-lhe.
—Claro.
—Como foram as coisas por aqui enquanto estive fora? —perguntou Jack a Mike enquanto
servia.
Mike encolheu os ombros.
—Me parece que bem — respondeu.— Pastor?
—Sim —respondeu ele,— pelo que eu sei, ficou tudo bem. Parece que Rick está contente.
82
Pelo visto não o amassaram muito.
—Acredito que lhe fez bem a experiência.
—Certamente — Comentou Pastor e terminou sua taça.— Podem fechar o bar?
—Sim, claro —Respondeu Jack.
Pastor cruzou a cozinha para dirigir-se a seu apartamento. Jack abriu a garrafa outra vez e
pôs um dedo de uísque em cada copo.
—A verdade é que não tinha intenção de perguntar, mas já que estamos sozinhos, me diga,
me fale de Brie.
—O que quer que te conte Jack?
—Quando se foi… Pareceu-me que havia algo…
—Desabafe.
—Pareceu-me que havia algo entre vocês.
—O que?
Jack tomou ar. Não parecia muito contente.
—Está saindo com minha irmã?
Mike bebeu um gole de uísque.
—Amanhã iremos à costa, para ver as baleias, visitar algumas galerias de arte e comer em
um restaurante.
—Por quê?
—Porque Brie disse que gostaria de fazer todas essas coisas enquanto estivesse aqui.
—Muito bem, mas já sabe a que me refiro.
—Acredito que será melhor que me diga, para que não haja nenhum mal-entendido.
—Eu gostaria de saber quais são suas intenções com minha irmã.
—Acha que tem direito de me fazer essa pergunta?
—Me conte o que houve entre vocês enquanto estávamos fora.
—Jack, será melhor que se controle um pouco. Brie é uma mulher adulta. De minha parte,
somos apenas bons amigos. Se quiser saber o que está acontecendo entre nós, terá que
perguntar a ela. Mas não recomendo que o faça, porque poderia sentir-se ofendida. Apesar de
tudo, considera-se uma pessoa adulta.
—Para você não é nenhum segredo que passou um ano muito difícil.
—Não, não é nenhum segredo.
—Você está dificultando as coisas.
—Não, é você quem está dificultando.
—Não, acredito que é você quem está dificultando — Insistiu Jack. — Esta noite passou
muito tempo ao seu lado.
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—Acha isso ruim? Pareceu que estivesse preocupada com algo? Porque eu acredito que
está bem e que você se preocupa muito.
—Sim, claro que me preocupo. Preocupo-me, além disso, recorreu a você em busca de
consolo. E que você pode se aproveitar dela.
—E? —Mike levantou seu copo, mas não bebeu.
—E se você bancar o conquistador e depois abandoná-la? —Jack bebeu um gole de uísque.
Não quero que faça isso a minha i rmã.
Mike deixou o copo sobre o balcão.
—Jamais faria a Brie uma coisa assim. E isso não tem nada a ver com o fato de ser sua
irmã. Boa noite, Jack — Concluiu e saiu do bar.
Mike pensou em como se sentia em relação as suas irmãs para justificar a conduta de Jack;
sabia que era algo que escapava do controle. Se Jack estivesse de olho em alguma de suas irmãs
mais novas como provavelmente Mike estava em Brie, certamente teria dito o mesmo. Os
irmãos maiores podiam chegar a ser muito possessivos.
Era uma situação que chateava Mike, mas, sobretudo, preocupava-o. Na verdade, não
acreditava que tivesse muitas chances com Brie por um bom número de razões, mas não queria
explicar nenhuma dessas razões a seu melhor amigo.
Naquela noite o sono demorou a vir, apesar de que durante as duas noites anteriores
dormiu com mais facilidade. Não podia deixar de desejar que Jack e Mel demorassem um pouco
mais para retornar. Dormiu ao lado de Brie durante duas noites maravilhosas. Foram duas noites
absolutamente platônicas, mas também insuperáveis. Em sonhos, Brie se aconchegava junto a
ele, procurava refúgio na segurança de seus braços, confiava, acreditava nele. Sua fragrância
ainda permanecia em seu cérebro; era tão real que tinha a sensação de que bastaria estender as
mãos para acariciá-la.
Mas aquela noite estava sozinho. E quando por fim se rendeu o sono, foi agitado e
infestado de imagens, imagens que seu cérebro tinha deixado de recriar fazia tempo.
Via seus corpos em sua mente; a pele clara cor de marfim de Brie contra sua pele morena;
suas mãos grandes pressionando seu traseiro perfeito. Estavam muito perto. Embora ele a
observasse de longe, podia experimentar todas e cada uma das sensações; o ligeiro roçar de
seus dedos afundando nos cabelos escuros de Brie, seus lábios no pescoço, no peito, no ombro.
Saboreava sua pele e enchia as mãos na suavidade de seu cabelo. Estava dentro dela enquanto
Brie elevava a pélvis para se afundar profundamente em seu interior e ele se balançava a um
ritmo lento e intenso. Sussurrava palavras em seus ouvidos, animando-a, dizendo a ela o quanto
desejava agradá-la.
Viu as mãos pequenas de Brie deslizando ao longo de suas costas, de seus ombros. E
quando lhe disse que a amava, que a adorava, que não poderia seguir vivendo se ela não estava
disposta a tomar parte de sua vida, Brie lhe respondia em espanhol, a língua materna de Mike,
que também o amava, que o levava sempre em seu coração, que o queria…
Mike ouviu seus gritos de prazer, sentiu-a fechar-se a seu redor com uma força tão
assombrosa que todo seu corpo se convulsionou. Quando Brie voltou a gritar seu nome, Mike
explorou o orgasmo mais fabuloso e intenso de toda sua vida.

84
Despertou bruscamente, ofegando, com o coração pulsando a toda velocidade e
empapado de suor. E sozinho. Mas não, não estava sozinho;
Brie tinha estado com ele naquela bendita fantasia noturna. Era incrível, não estava morto de
tudo!
O que pensou imediatamente depois, foi que era uma sorte que não ocorresse nada
parecido enquanto estava dormindo com Brie na cabana. Teria lhe dado um susto de morte.

Brie despertou antes do normal. Uma só ducha para três pessoas podia representar todo um
desafio. Quando saiu da ducha, Mel e Jack estavam acordados, ouvia-os falar no dormitório com
o bebê. Enquanto subia à habitação para se vestir, voltou a ouvir a ducha em um par de
ocasiões. Também Mel e Jack estavam se preparando para a jornada. Quando seu irmão chegou
à cozinha, ela já tinha uma xícara de fumegante café na mão.
Jack a olhou de cima abaixo, notando-lhe a saia, a blusa e o colete. Não era um traje muito
apropriado para o campo. Sua irmã se arrumou para uma entrevista. Aquilo foi como um murro
nas vísceras. Baixou lentamente a xícara que acabava de se servir.
—Mike comentou ontem que ia levá-la a Mendocino.
—Sim, vamos fazer turismo.
—Escute, Brie. Há algo que deveria saber sobre Mike. Esteve casado duas vezes.
—Sei.
Mel chegou à cozinha a tempo de escutar as últimas frases da conversação. Pegou uma
xícara, deixou-a na pia, levantou a cafeteira e fulminou seu marido com o olhar. Jack a ignorou
por completo.
—É famoso por… Bom, digamos que é muito volúvel no que se refere a mulheres.
—Sim. Também sei.
—Me escute, Brie, conheço esse homem há anos e tem certa reputação com as mulheres.
—Ah, sim? Dedicou-se a conquistar todas as mulheres de Virgin River e lhes tem quebrado
o coração?
Jack olhou a sua irmã com o cenho franzido.
—Enquanto estava se recuperando, sossegou um pouco, mas já voltou a ser o de sempre.
—Jack, não se meta nisso — Advertiu Mel.
Brie riu de seu irmão.
— Relaxe, Jack. Estou bem com Mike. É um bom amigo. Conversamos muito desde o mês
de junho. Inclusive comemos juntos com certa regularidade. Está sendo um apoio muito
importante para mim em todo este processo.
O olhar do Jack foi de absoluta surpresa. Por um momento, pareceu lhe faltar o ar.

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—O quê? — Perguntou.
—Ligava-me para ver se estava bem, conversávamos e um dia apareceu em casa para me
convidar para sair. E, acredite, graças a ele, mudou muito minha situação. Temos muitas coisas
em comum, sabia? Ambos fomos vítimas de delitos violentos.
—E esse tempo todo eu não soube de nada? — Era evidente que se sentia traído.
—Estou passando por situações que Mike compreende e que para pessoas que não
passaram por experiências como as nossas é difícil compreender.
—Por que ninguém me contou? Mike é meu amigo, e você é minha irmã.
Brie encolheu os ombros.
—Com certeza ninguém queria enfrentar um de seus ataques de mau humor.
—Papai sabia? — Perguntou com incredulidade.
—Claro que sabia. Agora nunca saio de casa sem dizer exatamente aonde penso em ir. E
nunca deixo de telefonar.
—Brie, escuta, confiaria a Mike minha própria vida, mas isso não significa que esteja
disposto a lhe confiar a minha irmã — Disse Jack quase desesperado.
—Você não confiaria a sua irmã nem Papa. O que sugere que faça? Se não fosse por Mike,
ainda estaria encolhida no sofá, vendo televisão e com medo de sair à rua inclusive durante o
dia.
—Já te disse que se precisasse de algo...
—Meu irmão mais velho viria correndo a Sacramento para me resgatar — Terminou Brie
por ele.— O que o faz pensar que sabia o que necessitava? E não sabe o quanto agradeço a Mike
que me ajudasse a compreendê-lo!
Mel saiu para a varanda com o café e permaneceu ali, lamentando quase ter que continuar
ouvindo essa discussão do lado de fora. Em menos de cinco minutos, foi despertar David. Dez
minutos mais e ela mesma mataria Jack.
—Sim, nisso Mike sempre foi um perito. Sempre soube o que está procurando uma
mulher.
—Procurando? Idiota, eu não estou procurando nada! Estou tentando continuar com
minha vida.
—Genial, simplesmente genial, porque se pelo menos me tivesse explicado de que forma
pretende fazê-lo…
—Sei que esteve na guerra com ele em algumas ocasiões, saem para caçar de vez em
quando, mas o que sabe sobre Mike que eu não tenha podido perceber durante estes meses? —
Perguntou Brie, quase gritando. — E que diferença houve entre você e ele no que se refere às
mulheres durante uns vinte anos?
Mel bebeu um gole de café e tentou, desesperadamente, recordar-se que aquilo só era
uma briga entre irmãos. Joey e ela não haviam tornado a ter uma discussão tão forte desde que
o primeiro marido de Mel foi assassinado, mas o fato de se tornarem adultas não tinha não quer
dizer que ainda não discutiam.
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—Eu não me casei até que conheci Mel! —replicou Jack.
Nesse momento, apareceu Mike com o carro no pátio. Mel lhe sorriu e o saudou com a
mão. Imediatamente depois, entrou na cabana.
—Brie, vieram te buscar —disse com mais calma que sentia.
Brie fulminou seu irmão com o olhar e agarrou a bolsa que deixou na mesa.
—Está levando a pistola? —perguntou Jack com sarcasmo.
—Não, deixei-a lá em acima, na mala. Se estivesse com ela nas mãos, agora mesmo teria
um buraco em sua estúpida cabeça — Deu meia volta e saiu furiosa da cozinha.
Quando ficaram sozinhos, Mel olhou fixamente para Jack durante alguns segundos, antes
que ele se voltasse, lhe dando as costas. Acabava de ter uma discussão com sua irmã, não estava
com humor para brigar também com Mel.
David começou a chorar.
—Idiota — Disse Mel, e saiu da cozinha para ir cuidar de seu filho.

Brie entrou no carro, furiosa ainda pelo ocorrido.


—Bem — disse Mike ,— Quer conversar a respeito?
—Não! —replicou Brie. Tomou ar antes de continuar. — Houve… Tive uma discussão com
meu irmão a respeito de minha pistola nova. Mas relaxe, não a trouxe.
Mike pôs o carro em marcha e sorriu.
—Relaxarei se você também relaxar.
—Vou necessitar de pelo menos cinco minutos — Respirou fundo várias vezes.
E então percebeu uma coisa. Tinha discutido! Não se sentiu débil e indefesa, não estava
assustada, atacou diretamente seu irmão! É obvio, tratava-se de Jack, não de um homicida, mas
mesmo assim era um passo importante. Ela sempre procurou a aprovação de Jack e, pela
primeira vez em sua vida, plantou-se diante dele. Um lento sorriso apareceu em seus lábios. Que
bom que nem tudo estava perdido. Talvez pudesse voltar a ser ela mesma. Reclinou-se contra o
assento.
—Ah — suspirou, — Preciso de um dia livre. Tenho que me afastar de tudo —
Especialmente, do estúpido do meu irmão.

Mel tinha decidido dar a Jack algum tempo para recuperar a calma e deixar de se
atormentar pelo fato de sua irmã ter saído com Mike, mas no fim, foi ela quem precisou de
tempo para se acalmar. Seu marido conseguiu tirá-la do sério. Estava furiosa.
Quando David dormiu no consultório, Mel o deitou no berço que mantinha ali, deixou o
Hummer na clínica e partiu na caminhonete do médico em direção ao terreno onde estavam
construindo sua casa. Assim que chegou, soube que Jack estava ali. Não podia vê-lo, mas se
ouvia o som da serra mecânica. Conduziu até a parte dianteira da casa, estacionou e saiu.
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Passou por cima das tábuas para cruzar o interior da casa e viu Jack de costas para ela. Não
se voltou e Mel sentiu ferver o sangue nas veias. Jack sabia que ela estava ali, sempre soube.
Como não deixou de serrar, gritou indignada:
—Não se atreva a fingir que não sabe que estou aqui!
Jack se voltou lentamente e teve a audácia de olhá-la com o cenho franzido e os olhos
entrecerrados.
—Jack Sheridan! Já basta!
—É minha irmã. Sofreu muito — Respondeu Jack com impaciência.
—Exatamente, e por isso mesmo tem direito de desfrutar, de tomar suas próprias
decisões. É muito importante que tome suas próprias decisões! E se quer estar com Mike, não
precisa da sua permissão.
Jack deu um passo para ela.
—Não compreende. Sei como ele é com as mulheres.
—Sim, estou segura. E ele também viu você com muitas mulheres!
—Isso é diferente. Tudo isso terminou quando a conheci!
—E talvez tenha terminado para ele!
—Sei! Não acredite nisso nem por um momento. Não sabe como se cansa rápido das
mulheres…
—E nisso não se parece muito com você?
—Mike se divorciou duas vezes! Brie já sofreu bastante com seu divórcio, sem mencionar a
agressão. Não quero que volte a sofrer!
—Nesse caso, será melhor que tome cuidado, porque no momento é o que lhe tem feito.
—Eu jamais prejudicaria minha irmã. Só quero mantê-la a salvo!
Mel pôs as mãos na cintura e arqueou uma sobrancelha.
—Sim, da mesma forma que queria manter Pastor a salvo de Paige e esteve a ponto de
fazê-lo perder a melhor coisa da sua vida.
—Sim, admito que nisso me equivoquei.
—E também está equivocando agora! Não pode se intrometer nas relações dos outros —
Deu um passo para ele. — Jack, sua irmã se sente sozinha e ferida. Deixa-a livre para encontrar
um pouco de felicidade, não tem por que controlá-la.
—Se a fizer sofrer, não sei o que seria capaz de fazer. Sim, eu o matarei isso é o que farei.
—Nesse caso, peça que parta daqui antes que tenhamos que vê-la sofrer uma vez mais.
Desista de lhe dar uma oportunidade de voltar a ser feliz, de recuperar-se. Diga a ela a verdade,
e que não suporta ver como tenta se reerguer — Tomou ar. Jack baixou o olhar. — Como
aconteceu comigo — Acrescentou mais brandamente, e Jack ergueu a cabeça. — É o mesmo que
aconteceu comigo, Jack. Quando o conheci, você também era um homem que tinha saído com
centenas de mulheres sem se comprometer nunca com nenhuma. Se tivesse um irmão mais
velho, eu também teria renunciado à felicidade — As lágrimas corriam por suas bochechas.
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—Mel — Sussurrou Jack, dando um passo para ela.
Mel sacudiu a cabeça.
—Nunca me agrediram, mas eu também sofri muita violência emocional — Baixou a voz
até convertê-la em um sussurro. — Nossa relação não tinha por que ter funcionado. Você,
precisamente você! Certamente foi tão mulherengo quanto Mike, provavelmente mais. Não quis
saber de compromissos e nunca se apaixonou. E o mesmo poderia ter acontecido comigo.
Depois de alguns meses, assim que se aborrecesse me trocaria por outra…
—Mel — Disse Jack. Aquela vez não ia deixar que a interrompesse. Estendeu a mão para
ela e a estreitou em seus braços. — Meu Deus, Mel, por que tudo isso?
—Mas fiquei grávida, então não pôde evitar, não é?
—Pelo amor de Deus, Mel.
Mel elevou o olhar para Jack.
—Estamos falando de Mike — Disse Mel em um sussurro. — Um homem que esteve
velando durante dez longos dias, esperando que despertasse, e que recuperasse a consciência e
pudesse falar. Veio a Virgin River para estar perto de nós, para recuperar-se junto a seus amigos,
de verdade acredita que pode fazer algum mau a sua irmã? Por Deus, Jack. Mike te considera
como um irmão! Onde esta com a cabeça?
Jack a estreitou com força contra ele.
—Neste momento, não tenho nem ideia — Lhe deu um beijo na testa. — Me Diga uma
coisa, acha que vou terminar me afastando de você? Que só estou contigo pelo David? Diga-me
Mel.
Mel elevou o olhar para seu rosto. Tinha as bochechas banhadas em lágrimas.
—Não, mas se tivesse sabido tudo o que Mike sabe sobre você, acredito que teria saído
correndo.
—Mas eu lhe contei isso, Mel. Nunca menti. Tudo mudou no momento que a vi. Diga que
acredita em mim, diga-me que lhe demonstrei isso.
Mel tocou seu rosto e acariciou suas bochechas.
— Acredito. Jamais em sua vida me deu uma razão para duvidar de você.
Jack deixou escapar um suspiro de alívio e a abraçou com força.
—Meu Deus, Mel, não me faça isso. Não me jogue na cara meu passado desta forma. Sabe
que não posso me desfazer dele.
—Não, mas não pode fazer isso a sua irmã. É ela que tem que tomar uma decisão.
—Compreendo-o. É difícil para mim, mas compreendo o que está dizendo.
Mel lhe rodeou a cintura com os braços, apoiou a cabeça em seu peito e chorou. Jack lhe
acariciou o cabelo, beijou-lhe a cabeça e a balançou para frente e para trás sob o teto daquela
estrutura inacabada.
—Tranquilize-se, Mel. Sabe que o é tudo para mim. David e você são tudo para mim.
Mas enquanto dizia, pensava que aquilo era algo muito estranho em sua esposa. É obvio,
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tinha-a visto chorar alguma vez, mas por coisas pelas quais era inevitável fazê-lo, como a perda
de um bebê ou o aniversário da morte de um ser querido. Mas aquela forma de chorar indicava
que algo não andava bem.
Depois de um tempo parou de chorar. Mel elevou o olhar para ele e secou as lágrimas.
—Sinto muito — disse. — Me zangou tanto que me deu vontade de te matar.
—Sim, bem vinda ao clube. Brie também ameaçou me dar um tiro — sorriu. — Obrigado
por ter entrado em minha vida. Tem razão. Tenho que deixar de pressioná-la. Já é uma mulher
adulta. E é mais inteligente que eu. Tentarei deixar de pressioná-la.
—Não tente, ajude-a. Quando solicitar, receba-a com os braços abertos, mas quando
estiver tentando retomar sua vida, brinda por ela, celebra que possa voltar a emancipar-se. E,
pelo amor de Deus, recorda que pode confiar em Mike.
—Tem razão. Já aprendi a lição. A partir de agora, seguirei seus conselhos.
—Não é fácil ser a parte mais sensata do casamento.
—Suponho que a pressão seja terrível — Disse Jack com um sorriso.
Mel acariciou as têmporas de Jack.
—Está com rugas. Suponho que, em parte, seja minha culpa.
—Provavelmente, mas sou um homem muito duro.
—OH, Jack — disse Mel, inclinando-se de novo contra ele. — Por favor, não quero estar
brigando sempre contigo.
Jack lhe levantou o queixo com o dedo.
—Não seja tola, briga como ninguém. De fato, sempre ganha.
—Mas é horrível. E depois do que aconteceu com Brie, houve vezes que esteve tão
distante que me dava medo.
—Não deveria ter medo. Enquanto for minha esposa, farei todo o possível para que nunca
tenha medo.
—Nesse caso, quero que saiba de uma coisa, Jack. Morreria se não tivesse a meu lado.
Você entendeu?
Jack assentiu, mas disse:
—Ninguém vai morrer. Vamos envelhecer juntos. E nisso, não admito discussão.
Combinado?

Tommy sabia que estava sendo bastante óbvio: chamava Brenda todas as noites. Quando a
via entrar na classe de física, não conseguia disfarçar um enorme sorriso. Conseguiu ir um dia
estudar na sua casa e para ele foi como se tivessem tido um encontro no Ritz. Quando desceram
da caminhonete, segurou em suas mãos durante alguns segundos.
Brenda ia muito devagar, e disso gostava. Qualquer dia desses se atreveria a abraçá-la e a

90
beijá-la.
Teria gostado de passar mais tempo com ela no instituto, mas assim que terminava a aula
de física, suas amigas a rodeavam e a levavam, então tinham que se conformar com as
chamadas telefônicas e as sessões de deveres ao sair da classe.
—Deveríamos sair algum dia —propôs Tommy.— Parece que já superou a gripe.
—Dentro de umas algumas semanas haverá um baile — disse Brenda.
—Pois já tem um encontro —prometeu Tommy, — embora eu não goste da ideia de
esperar tanto tempo. Poderíamos fazer algo antes. Seria como um encontro de aquecimento.
Brenda deu um lindo sorriso.
—Que engraçado. Mas agora, deixa de me olhar e se concentre em seu caderno.
A mãe da Brenda estava sempre por perto em sua casa, então não havia nenhuma maneira
de fazer nada. Mas Tommy estava de acordo com a situação, entre outras coisas, porque quando
Brenda o acompanhava até sua velha caminhonete, aproveitava os poucos metros que os
separavam da varanda para se aproximar dela. Passava o braço por sua cintura e ela se inclinava
contra ele, de maneira que os lábios de Tommy roçassem sua bochecha.
—Sabe que seu cabelo cheira a baunilha?
—Claro que sei.
—Agora me divirto muito mais fazendo os deveres que antes.
—Alegra-me poder ajudá-lo — disse Brenda.
—Bem, gostaria de ir a uma festa?
—Onde?
—Ouvi dizer que há uma área de descanso abandonada onde…
Brenda se separou dele tão bruscamente que Tommy se assustou; Sua amiga estava
olhando para ele com uma expressão de puro terror.
—O que há? —perguntou.
—Eu não vou a essas festas.
—Sem problema, eu pensei…
—Você vai a essas festas? — perguntou Brenda furiosa.
Tommy deu de ombros.
—Ainda não estive em nenhuma, mas ouvi falar delas, por quê? Não são divertidas?
—Bebem-se litros e litros de cerveja, os meninos se embebedam e terminam vomitando.
Tommy esboçou uma careta.
—Uff, não parece muito divertido. Gostaria de ir ao cinema? Poderíamos ir a Fortuna.
—Acho melhor.
—Bem, o que houve? Disse alguma coisa errada?

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—É só que… Essas festas na área de descanso têm muito má fama. E eu não quero ter má
fama.
Tommy sorriu.
—Ao menos pelo que eu ouvi, tem muito boa fama. Assim que… — Encolheu os ombros,—
Esqueça a festa.
—Você bebe cerveja? —perguntou Brenda.
—Tomei alguma, mas nunca me excedi. Tem que conhecer meu pai — deu um sorriso,—
Saberia imediatamente que não me convém aborrecê- lo.
Brenda pareceu relaxar um pouco.
—Poderíamos ir ao cinema, sim. Mas deveríamos ir com outro casal.
—Como quem?
—Talvez com alguma de minhas amigas e seu amigo.
—Como você quiser. Mas também quero sair a sós com você alguma vez. Porque com
todos esses deveres estou me tornando tão inteligente que mal me suporto.
Brenda sorriu.
—De acordo, Tommy. Eu te telefono.

Capítulo 7

Parecia impossível para Brie ter morado na Califórnia durante toda sua vida sem ter

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visitado a costa do Mendocino. Adorou a vista espetacular da costa, os povos de estilo Vitoriano,
as galerias de arte, a comida… Desfrutaram dela em um precioso restaurante com vista para o
mar e binóculos nas mesas. Antes de terminar de comer, estavam compartilhando os binóculos
para ver as baleias que emigravam para o sul. Estavam tão longe que necessitavam os binóculos
para vê-las.
—Na primavera, quando retornam com as crias, aproximam-se muito mais da costa.
Voltaremos então — disse Mike.
A desculpa para aproximar-se daquela área foram às baleias, mas havia muitas outras
coisas para desfrutar na costa. Passaram por várias galerias de arte, provaram vinhos e
passearam pelos escarpados. Visitaram o jardim botânico, subiram em um farol e se sentaram
sob uma árvore no banco de um parque para comer pipoca. Riram, falaram e ficaram durante
muito tempo com as mãos entrelaçadas. E antes que dessem conta começou a escurecer.
Mike encolheu os ombros.
—Não tenho ideia do que disse ao Jack. Talvez fique preocupado se não chegar em casa
antes de escurecer.
Ao lembrar da discussão daquela manhã, Brie esteve a ponto de responder que Jack se
preocuparia de maneira especial aquela noite, mas respondeu:
—Embora só seja por cortesia, acredito que devo lhe telefonar. Mas ainda estou me
divertindo muito para voltar para casa.
Mike lhe acariciou a bochecha com o dorso da mão.
—Fala a sério, Brie? — perguntou suavemente.
—Acho que não precisa perguntar — respondeu ela com um sorriso.
—Ali tem um telefone — disse Mike, assinalando para a calçada em frente, — tem
moedas?
—Tenho várias.
—Eu irei procurar algo para beber. Podemos nos aproximar do escarpado e ver o pôr-do-
sol dali.
Jack atendeu rapidamente o telefone do bar e Brie lhe disse que estava passando muito
bem e que queriam ver o pôr-do-sol antes de voltar para Virgin River. Embora tentasse manter
um tom de voz neutro e não ficar na defensiva, a verdade era que esperava algum protesto por
parte de seu irmão. Mas, contra todo prognóstico, Jack respondeu:
—Sinto sobre a discussão. Brie, estive completamente desesperado. Quero que desfrute
de tudo o que puder, de verdade.
—Caramba, Jack — respondeu Brie divertida, — Mudou muito rápido de opinião.
—Sei, nisso sempre fui um gênio.
—Aposto que Mel o ajudou.
—E isso sempre multiplica minha inteligência.
—Adoro você — disse Brie rindo. — Nos veremos esta noite em casa.

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Ainda estava sorrindo quando encontrou de novo com Mike.
—O que ele disse?
—Que me divirta — respondeu sem deixar de rir.
—O que parece tão engraçado?
—Bem, esta manhã, quando estava para sair de casa, recordou-me quão irresponsável
você era com as mulheres. Mas agora está dócil como um cordeirinho. Pediu-me desculpas e
disse para me divertir.
—Está começando a me tirar do sério com essa história de mulheres — disse Mike,
agarrando-a pelo cotovelo. — Essa fase já está mais que superada. Além disso, ele saiu com um
monte de mulheres antes de encontrar Mel.
Brie sorriu.
—Não lhe contei que estivemos nos vendo durante todo o verão — disse.
—Já lhe disse, não saía contigo por ser a irmã de Jack, mas sim porque você é você.
—Contou-lhe o que aconteceu na cabana quando ele esteve fora?
Mike riu a gargalhadas.
—Acredita que estaria com as pernas se contasse?
—Poderia ter explicado que fui eu quem pediu que viesse.
—Nesse caso, ele esperaria que ficasse de guarda na varanda.
—Contou que tive muito medo?
Mike lhe passou o braço pela cintura.
—Teria contado se você quisesse que ele soubesse.
—A quem de nós está protegendo? —perguntou Brie entre risadas.
Mike foi perfeitamente consciente de que Brie não se afastou.
—Você, a mim e a nossa intimidade. O que ocorre entre nós não é assunto dele. E se quer
saber a verdade, seu irmão me perguntou o que havia ente você e eu. Não sei como se inteirou,
eu acreditava que não tinha dado nenhuma pista. Devo estar perdendo o juízo, antes era muito
mais sigiloso. Bem, o caso é que queria saber se havia algo entre nós.
—E você o que respondeu?
—Que eu jamais te faria nenhum dano e que se quisesse saber de alguma coisa, teria que
perguntar a você. Sugeri também que tomasse cuidado, porque você já se considerava uma
mulher adulta.
Brie riu a gargalhadas.
—OH, com certeza o chateou.
—Ele vai superar. E pode estar segura de que também me chateou que me dissesse isso.
Continuaram caminhando até encontrar uma colina para sentarem. O sol estava a ponto
de afundar-se no mar e Brie tirou o chapéu desejando que não o fizesse tão rápido. Não podia
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dizer que estivessem sozinhos ali. Havia dezenas de pessoas passeando, meninos correndo e
casais se abraçando.
Mike se sentou com as pernas esticadas. Brie sentou e encolheu as pernas, e muito perto
dele.
—Venha — disse Mike, convidando-a a reclinar-se contra seu peito, — fique confortável.
E ali, inclinada contra seu musculoso peito, Brie conseguiu relaxar como não o fazia há
meses. Sentir a força de Mike a seu lado era como sentir-se apoiada contra firmes alicerces. É
óbvio, também ajudava o fato de que foi capaz de dormir a seu lado durante duas noites sem
que acontecer nada. Brie começou a pensar que talvez estivesse equivocada sobre sua
capacidade de sentir. Claro que podia sentir. Confiança, em primeiro lugar, e segurança. Mike a
fazia se sentir a salvo, e não só do perigo. Estava completamente convencida de que confiar nele
não era nenhuma loucura.
O sol foi ocultando-se no horizonte. O número de pessoas diminuía à medida que ia
obscurecendo e ao final, ficaram sozinhos. Permaneceram ali, em silêncio, até que já fosse noite.
A escuridão já não parecia assustá-la, porque estava com Mike.
Ao final, perguntou-lhe muito lentamente:
—Há algo entre nós?
—OH, há muito entre nós.
—Me diga o que é…
—De minha parte, estou decidido a fazer algo para estar a seu lado e você está decidida a
me romper o coração. E te advirto que esse assunto de romper o coração de alguém é muito
sério.
Brie soltou uma gargalhada. Sentiu que Mike inclinava a cabeça para seu ombro e aspirava
o aroma de seu cabelo. Pousou a mão em seu ombro esquerdo, apertou com delicadeza e disse:
—Brie, você acendeu uma chama em meu coração.
Brie se endireitou ligeiramente, mas não se afastou. Mike a aproximou ainda mais dele.
Deslizou um braço por sua cintura com muita ternura, fazendo-a apoiar-se em seu peito, mas
tendo muito cuidado de que não se sentisse presa.
—Quero que sinta sobre seu corpo mãos capazes de te acariciar.
Acelerou o coração de Brie, mas sabia que não era de medo. Dizia a si mesma que devia
deixar que fossem as mãos de Mike as primeiras a voltarem a acariciá-la, mas ainda não estava
preparada.
—Eu gosto muito das coisas que me diz. —Sussurrou.
—Por fim você está em meus braços — respondeu Mike então em espanhol.
—Me diga o que disse? — pediu Brie.
—Nada, na verdade. Eram só palavras carinhosas. O espanhol é um idioma muito
romântico.
Brie podia ter dito que também falava seu idioma e que sabia que havia mentido, mas não

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queria romper o feitiço que Mike criou, pensando que não podia compreender. Falou com o
coração porque acreditava que Brie não entenderia.
—Me diga alguma coisa, algo sincero — pediu Brie sem se virar.
Mike lhe acariciou os cabelos, afundando neles seus dedos.
—Tenho te desejado durante muito mais tempo do que imagina.
Brie fechou os olhos.
—O que disse? —perguntou em um sussurro.
—Que você merece toda a felicidade do mundo — mentiu ele.
Nos lábios de Brie apareceu um sorriso.
—Não a mereço, sei que não a mereço, mas quero que faça parte de minha vida -
Continuou dizendo Mike em espanhol.
—Acredito que seduz às mulheres falando em espanhol.
—Brie, deveria saber que me importa tanto como qualquer de minhas irmãs. Ou como
minha mãe, que para mim é uma rainha.
Brie se pôs a rir.
—Não sei se isso é muito adulador.
—O que quero dizer é que quero que se sinta protegida e a salvo quando estiver comigo.
Prometo que não tem nada a temer.
—Acho que está me manipulando.
—Ah, sim? — perguntou Mike divertido.
—Está tentando me transmitir uma falsa sensação de segurança para que me esqueça de
meu plano de te romper o coração pelo menos cem vezes.
Mike riu enquanto acariciava os cabelos que desciam pelas costas de Brie.
—Sei que é uma mulher decidida e que se estiver disposta a me romper o coração, não se
deterá até conseguir.
—Penso em fazer picadinho.
—Não tenho nenhuma dúvida.
Brie se voltou para ele. A noite estava tão escura que era difícil distinguir a luz de seus
olhos. Inclinou-se para Mike e beijou suavemente seus lábios. Foi um beijo vacilante, breve,
quase receoso.
—Suponho que antes terei que conseguir ganhar sua confiança.
—Uma boa ideia — respondeu Mike, consciente de que o desejo enrouquecia sua voz. —
Tem lábios que estão pedindo para serem beijados — continuou em espanhol.
Inclinou-se para ela muito lentamente e tomou sua boca, arrastando seus lábios entre os
dele com uma sucção doce e sensual. Queria acariciá-la, mas não estava seguro de que Brie
pudesse suportá-lo ainda. Pousou uma mão em sua cintura, mas não aplicou pressão alguma.

96
—Acho que gosto disso, de começar a confiar em você. Sabia que ia valer a pena que me
rompesse o coração.
—Não sabia que era capaz de fazer algo assim — murmurou Brie, quase sem respiração.
—Eu sabia. Já lhe disse isso, só era questão de tempo.
—Isto pode nos trazer problemas…
—Não, Brie. Não vamos ter nenhum problema. Vai ficar tudo bem.
—Parece muito confiante.
—Não há nada que me preocupe, porque não penso permitir que te aconteça nada.
—Não estará tentando me romper o coração antes que possa romper o seu?
—Está em meu coração. Adiante, faz o que tenha que fazer. Sou um homem forte e estou
acostumado à dor.
—Me beije — pediu. — Me Beije como se não me achasse tão frágil.
—OH — Mike pôs-se a rir, — está falando a sério?
—Só uma vez.
Mike lhe rodeou a cintura com os braços para sentá-la em seu colo. Brie pousou as mãos
em seus ombros e esperou. Mike procurou seus lábios e os roçou apenas com os seus. Depois,
muito lentamente, lhe dando tempo de trocar de opinião, pressionou-os contra sua boca. Brie
elevou lentamente as mãos, abraçou o pescoço e pousou uma mão em sua cabeça para mantê-
la contra sua boca. Com um gemido de desejo, Mike moveu seus lábios apaixonadamente sobre
os seus e os abriu. Brie o imitou, permitindo que deslizasse a língua entre eles e Mike esteve a
ponto de morrer de prazer ao desfrutar do gosto daquela boca doce e deliciosa. Estreitou-a com
força contra ele, sentindo a firmeza de seus seios contra seu peito.
E então aconteceu. Começou a excitar-se. Era a primeira vez que respondia dessa forma
desde há muito tempo e por um momento, esteve a ponto de deitar-se com Brie no chão e
pressionar-se contra ela. Mas sabia que não podia atuar daquela maneira. Ela só estava medindo
o terreno, ainda se sentia insegura, ainda estava muito assustada. Aquele beijo, úmido e
profundo, representava um passo enorme para ela. Era possível, além disso, que estando
sentada em seu colo, pudesse perceber seu desejo. E Mike não queria que se assustasse.
Ouviu-a suspirar, sentiu seu quente fôlego contra seu rosto e se separou de seus lábios.
—Brie, sinto muito, mas não posso — murmurou.
—Não pode?
—Não posso te beijar desta maneira. É uma tentação e ainda não está preparada para ter
intimidade. Tenho que te levar pra casa.
Brie se levantou de seu colo e alisou a saia.
—Uf — exclamou.
Mike deslizou a mão desde seu ombro até seu braço.
—Está bem?

97
—Sim, estou bem.
—Agora temos que ir. Já anoiteceu e tivemos um dia muito cheio.

Na manhã seguinte. Jack estava cortando lenha fora do bar quando Mike saiu de seu trailer
para ir tomar o café da manhã. Com as mãos nos bolsos, dirigiu-se para o bar à procura do café.
—Bom dia — Saudou ao passar diante de Jack.
—Mike? — chamou Jack.
Mike se voltou. Jack apoiou o machado em um tronco.
—Acho que deveria dizer algo sobre a outra noite — disse Jack.— Mas não sou capaz de
me lembrar o que.
Mike sorriu.
—Pois é uma pena, porque eu adoraria ouvi-lo.
—O que eu posso dizer é que não quero me intrometer em seus assuntos.
—Não acredito, mas gostei de ouvir.
—Você também tem irmãs, compreende perfeitamente o que sinto.
—Sim — disse Mike, e deu um passo para ele, — compreendo.
—Amo Brie e estou muito preocupado com ela.
Mike lhe estendeu a mão e enquanto Jack a estreitava o advertiu:
—Não vou falar contigo sobre Brie, e não há nada mais a dizer.
—Os meninos virão aqui dentro de alguns dias. Quero ir a Eureca comprar provisões.
—Precisa de ajuda?
—Precisa que lhe traga algo?
—Não, tenho de tudo — respondeu Mike.
Jack assentiu.
—Obrigado —disse.
—Por quê?
—Por se negar a falar de minha irmã. Acredito que isso quer dizer muitas coisas — Pousou
a mão no ombro de seu amigo. — Vamos tomar um café.
Uma hora depois, Jack estava em Eureca e o Hummer estava estacionado diante de casa
do médico. Mike saiu do povoado. Pensou que era possível que Brie estivesse no consultório
com Mel, mas não foi confirmar. Conduziu até a cabana, estacionou no portão e tocou a buzina.
Desceu do carro e se apoiou contra a porta do condutor. Em poucos segundos apareceu Brie na
varanda, com os cabelos molhados e uma toalha na mão. Vestia um jeans ajustados e uns
mocassins. E parecia muito jovem e vulnerável. Sorriu ao vê-lo ali.

98
—O que está fazendo aqui?
—Queria saber como estava esta manhã.
Brie deixou a toalha sobre uma das cadeiras de balanço da varanda e começou a descer os
degraus para dirigir-se a ele.
—Bem, muito bem.
—Parece que tem quinze anos — disse Mike, sentindo o peso de todos e cada um de seus
trinta e sete anos.
Brie deu um passo para ele e Mike aproximou a mão de sua cintura. Brie pousou as mãos
em seus antebraços e o olhou. Mike a atraiu rapidamente para ele e a elevou de maneira que
seus rostos ficassem quase ao mesmo nível.
—Senti sua falta — disse.— Não deixei de pensar em você.
—De verdade? Então é isso que tem feito?
—Brie, eu tenho feito isso há seis meses — respondeu Mike.— Como estou me saindo?
—Acredito que está sendo muito óbvio.
—Não posso evitar. Nunca fui homem de grandes sutilezas.
Brie se pôs a rir e lhe tirou o chapéu que levava na cabeça.
—Acredito que tem mais do que parece. Pelo menos, o suficiente para se tornar perigoso.
—Com você sou completamente inofensivo — roçou seus lábios. — Meus dias de
periculosidade terminaram.
—De verdade? E desde quando?
Mike encolheu os ombros.
—Faz vários meses que comecei a perder o interesse pelas mulheres. E há alguns dias o
perdi por completo. Somente uma me interessa.
—Está me seduzindo.
—Sim, estou tentando.
—Se levasse as coisas mais a sério, tentaria me beijar —advertiu Brie.
—OH, estava desejando que dissesse isso.
Cobriu seus lábios com um apaixonado beijo, sustentando-a com força contra ele. Brie
abriu os lábios sob os seus e, imediatamente, Mike tentou deslizar a língua entre eles. Brie lhe
deu boas-vindas movendo a boca sob seus lábios e estreitando-se contra ele. Ao menos pelo que
ele podia dizer, Brie parecia estar desfrutando muito daquele beijo. E, por sua parte, naquele
momento nem sequer podia recordar a última vez que beijou uma mulher. Tinha que ter sido
milhares de anos atrás. Porque Brie era tão pura e tão doce quanto o mel.
—Gostaria de entrar? — sussurrou Brie quando Mike interrompeu o beijo.
—Não — Mike sorriu.— Acho que ainda não está preparada para dar esse passo.
—Pois a verdade é que tenho minhas dúvidas — voltou a beijá-la com paixão.

99
—Quando deixar de duvidar, falaremos — sussurrou Mike contra seus lábios.
—Poderia tentar se aproveitar de minha debilidade — respondeu ela.
Mike a deixou de novo no chão e lhe deu um beijo na testa.
—Aqui ninguém vai se aproveitar de ninguém, amor. A única coisa que quero é te fazer
desfrutar.
—Meu Deus, agora entendo como conseguiu se casar duas vezes.
Mike pousou um dedo em seu nariz.
—Brie, nunca havia sentido nada assim.
—Não acredito.
—Eu tampouco acreditaria se estivesse em seu lugar, mas é certo.
Abraçou-a e ela se reclinou contra ele, apoiando a bochecha em seu peito e a mão em sua
cintura. Permaneceram assim durante vários minutos, desfrutando do prazer da proximidade.
Mike lhe acariciou as costas e cobriu de beijos seu cabelo molhado, sentindo-se mais vivo do que
se sentiu em muito tempo. Enchia-o de orgulho que Brie não se esticasse nem tremesse quando
a abraçava. Pouco a pouco, foi se acostumando a seu contato, a seus abraços, e se sentia segura
a seu lado. Embora sua relação não fosse muito mais longe, aquela já era suficiente recompensa.
— Sabe que daqui a pouco nos reuniremos com nossos antigos companheiros?
—Sim, Jack já está preparando tudo. Você irá caçar com eles?
—É obvio. Isso significa que durante o dia não estarei por aqui. Se por alguma razão
necessitar de algo, terá que me dizer antes.
—Estou ajudando Mel em um projeto importante. Um pouco relacionado com a
possibilidade de fazer mamografias gratuitamente às mulheres da área.
—Poderemos nos ver mais tarde?
—Claro que sim.
Mike lhe deu um beijo nos lábios e se separou lentamente dela. Recuperou o chapéu que
Brie lhe tirou, voltou para o jipe e se afastou dali. Continuou olhando-a pelo espelho retrovisor e
pôde ver que Brie não se moveu até que o veículo se perdeu de vista.

Mel entrou no bar para tomar um café, com David na cadeirinha, e encontrou Paige
sentada em uma das mesas com o periódico estendido em frente a ela.
—Como vão as coisas? — perguntou, enquanto deixava a cadeirinha ao lado da mesa e se
aproximava do balcão para pegar um café.
—Bem — disse Paige.— Olá, fofinho — saudou David, fazendo-o sorrir.
Imediatamente pegou uma casca de pão e a deu a David para que a mordesse. Este tomou
encantado.
Mel levou o café à mesa e se sentou com sua amiga. Ao ver que David estava mordiscando
100
uma torrada, disse sorridente:
—Você gosta, não é? — depois se voltou para Paige. — Onde está todo mundo?
—Acho que Jack foi a Eureca fazer compras e John está preparando a comida, com o
Christopher a seu lado, como sempre.
—E Mike?
Paige encolheu os ombros.
Pastor entrou nesse momento no bar com uma bandeja de copos que deixou bruscamente
no balcão.
—Olá, Pastor — saudou Mel. — Onde está Jack?
—Em Eureca.
—E Mike?
—Hoje não posso vigiá-lo — respondeu Pastor mal-humorado, e voltou para a cozinha.
—Caramba — disse Mel. Olhou para Paige; esta a olhou por sua vez com olhos faiscantes.
— O que houve?
—Ultimamente, Pastor está um pouco tenso. É incrível que tenha passado tantos anos sem
desfrutar do sexo todos os dias.
—Todos os dias? Meu Deus me admira que não tenha ficado grávida — olhou por cima do
ombro para assegurar-se de que estavam sozinhas antes de perguntar—: Como está reagindo à
seca?
—Está um pouco irritado — respondeu Paige divertida. — Eu lhe digo que se quiser,
podemos deixar pra lá. Ou que se lhe parecer excessivo, podemos tentar adaptá-lo a nossas
necessidades. Mas ele quer fazer tudo dar certo.
—Espero que não termine explodindo.
—Perguntou-me se poderemos fechar o bar no dia da ovulação.
Elas se entreolharam por um momento e estalaram quase imediatamente em gargalhadas.

Jack não tinha visto Rick desde há vários dias. Virtualmente acabava de chegar de Eureca
quando Rick apareceu. Havia um casal de caçadores tomando o café da manhã em uma das
mesas, então Rick se sentou em um dos tamboretes do balcão Jack lhe serviu um café.
—Bem vindo —disse.
—A festa foi genial, Jack. Obrigado por tudo o que fez.
—Eu não fiz nada. Já sabe que as pessoas deste povoado têm o costume de aparecer por
aqui quando sabe que há alguém importante.
—Estive com a Liz. Está muito bem. E muito bonita — pôs-se a rir. — Acredito que não
poderia estar mais bonita.

101
—E essa comprovação parece que te fez muito bem. Você também parece mais contente.
Rick sorriu e inclinou ligeiramente a cabeça.
—Sim, estou melhor. Além do mais, minha relação com a Liz ainda não está clara, não
podemos prometer nada um ao outro. Vamos esperar que Liz termine os estudos e depois
resolveremos o que fazer. Quero que tenha mais oportunidades. Não acredito que para ela seja
bom agarrar-se a mim, quero que tenha espaço suficiente para tomar suas próprias decisões.
Nesse momento ainda estamos muito centrados um no outro. Entende, não é? Depois de tudo
o que passamos… — Bebeu um gole de café,— Há um vínculo muito forte entre nós. Eu estarei
ao seu lado sempre que precisar. É o mínimo que posso fazer por ela.
—E você como se sente?
—A verdade é que muito bem. Eu gosto de Liz, sempre gostei. Mas preciso de tempo para
saber se é algo permanente ou só se deve a tudo o que nos passou.
—Não quer correr riscos, certo?
—É obvio que não. E tampouco quero que tenha que se preocupar. Não quero que pense
que sou um completo estúpido, que não me importo com ela.
Jack pousou a mão em seu braço.
—Jamais pensaria nada parecido.
—Obrigado — Rick permaneceu em silencio durante quase um minuto — Quando não se
sofre, quando não há lágrimas, ter alguém a seu lado é maravilhoso.
—Sim — respondeu Jack.— Irá caçar conosco ou prefere ficar pensando mais um pouco?
Rick sorriu.
—Irei caçar — terminou o café.— Faz muito tempo que não caçamos, não é?

Toda Virgin River parecia estar esperando a chegada dos marinheiros, do ambiente de
camaradagem e celebração que alegrava o povoado com cada uma de suas visitas. O primeiro a
chegar foi Zeke, que viajou até ali com sua caravana desde Fresno. Chegou à primeira hora da
tarde e só um par de horas depois apareceram Joe Benson e Paul Haggerty, juntos. Depois
chegou Corny, de Washington e a seguir Phillips e Stephens, os dois de Nevada, justo do outro
lado da serrania. Por volta de seis da tarde, estavam todos reunidos, inclusive Rick, e o bar era só
animação.
O doutor Mullins permanecia no meio do alvoroço desfrutando de seu único uísque do dia
com aqueles já velhos amigos. David passava de marinheiro em marinheiro, Rick recebia toda
sorte de conselhos de Mel, Brie e Paige eram abraçadas com tanta força que lhes rangiam os
ossos. É obvio, também apareceram por ali outros vizinhos do povoado, desejando tomar parte
daquela reunião, embora fosse somente durante um momento. Entre eles, Connie e Rum e seus
amigos Joy e Bruce, Harv, Doug Carpenter e Fish Bristol.
Paul passou o braço pelos ombros de Mel e perguntou:
—Por que está aborrecida? Não está se divertindo?
102
—Odeio a caça. Poderia suportar que caçassem alguns patos, mas os cervos não aceito. Eu
gostaria que meu marido não saísse para caçar.
—Mas Mel, não se preocupe, se for eu a caçar com seu marido, os cervos estarão
completamente a salvo.
—Melinda, teremos carne de veado para todo o inverno, e estou seguro de que você
adorará — disse Jack.
—Não se preocupe, Mel — sussurrou Paul. — Ele nãi conseguir nada. Podem sentir o
cheiro dele..
Entre as pessoas que entraram no bar, Mel reconheceu imediatamente Vanessa, sua nova
paciente. O homem que a acompanhava devia ser seu pai. Deixou Paul, aproximou-se dela e lhe
deu um abraço. Vanessa a apresentou a Walt.
Paul ficou parado onde estava, com os olhos arregalados e um sorriso nos lábios. Vanessa!
Era a esposa de seu melhor amigo. Vanessa o viu e correu para ele com os braços abertos. Paul a
abraçou e a balançou em seus braços. Separou-se dela e contemplou seu ventre com expressão
satisfeita.
—Não sabia que estava aqui!
—Queria te fazer uma surpresa. O rancho que meu pai quer curtir a aposentadoria está
muito perto daqui, e penso ficar com ele até que Matt volte do Iraque. Mel vai me ajudar no
parto.
—Quando?
—Dentro de alguns meses. Meu Deus, não sabe quanto me alegro de te encontrar. Não
nos víamos desde...
—As bodas — respondeu ele. — Nossa! Está maravilhosa — pousou a mão em seu ventre.
— O menino acaba de me dar um chute!
—Ainda não sabemos o sexo.
—Vai ser menino.
O pai de Vanessa se aproximou deles e estendeu a mão para Paul.
—General, que bom revê-lo, senhor — disse Paul. – Deixe-me apresentá-los.
Alguns dos homens já conheciam Matt, mas das pessoas reunidas no bar, o único que já
conhecia o general Booth era Mike, por causa da investigação que estava fazendo. Embora Walt
convidasse todo mundo para comer, só as mulheres se atreveram. Para aqueles militares, a fila
era algo sagrado. O general Booth rechaçou o convite para unir-se à caça, dizendo que
possivelmente o fizesse da próxima vez. Depois de vinte minutos de apresentações e
conversações, Paul agarrou Vanessa pela mão e a levou a uma mesa para falar tranquilamente
com ela. Queria saber tudo de Matt, queria saber como estava seu irmão mais novo e como ia a
vida nas montanhas.
E Vanessa queria ter notícias da vida de Paul. Paul, tinha a mesma idade de Matt, trinta e
cinco anos, tinha deixado os marinheiros depois de quatro anos de serviço e permanecia na
reserva. Ao passar à reserva, terminou sua carreira e trabalhava na companhia construtora que
sua família tinha no Grande Passo, em Oregon, não longe da fronteira da Califórnia.
103
—Está saindo com alguém? — perguntou Vanessa, pegando suas mãos.
—Não, e até que não apareça uma mulher tão bonita quanto você, continuarei esperando.
—Sempre foi muito tímido. A estas alturas, deveria estar casado e com uma dúzia de filhos,
seria um grande pai.
—Sim, suponho que tenha razão.
—Senti sua falta, Paul. Poderemos nos ver mais agora que estou aqui?
—Claro que sim, voltarei a Virgin River de vez em quando.
Às oito, começaram a partir alguns clientes do bar. Mel e Brie foram para casa com David,
não sem antes ordenar que Jack dormisse no trailer de Mike no caso de se exceder com a
bebida. Paige já tinha subido para deitar com Christopher e o general voltou com sua filha para
casa, mas prometeu voltar ao bar no dia seguinte para tomar uma cerveja e inteirar-se de como
foi a caça. Rick foi para casa de sua avó e prometeu estar no bar às quatro da madrugada para
caçar.
Assim que os marinheiros ficaram sozinhos, começaram a jogar cartas, o dinheiro e os
charutos. Imediatamente começou uma partida de pôquer. Perto das dez da noite, Paige
caminhou entre a névoa de fumaça e deu em Pastor uns tapinhas no ombro. Este deixou suas
cartas sobre a mesa.
—Volto já.
—Que estranho ver Pastor se comportar como um maridinho — disse Stephens.
—Como um maridinho?
—Sim, vocês entenderam. Basta que Paige mova um dedo para que fique de joelhos.
—É que não tem olhos na cara, Stephens. Também me bastaria se essa mulher movesse
um dedo para me pôr de joelhos — replicou Joe.
—E o maridinho poderia te derrubar com um murro — disse Jack.
—Quis dizer se não estivesse casada — protestou Joe.
Pastor retornou depois, pegou um charuto e o acendeu.
—Amanhã não vou caçar — anunciou. — Tenho que ficar aqui.
—Por quê?
—É o dia da ovulação — respondeu.
—O quê? — perguntaram os três homens em uníssono.
—O dia da ovulação — respondeu Pastor muito sério. — Estamos tentando ter um filho e
se eu perder o dia da ovulação, só Deus sabe quanto tempo terei que esperar. E não gosto de
esperar. Já esperei demais.
Aquela explicação foi recebida com um silêncio absoluto. Nenhum dos homens da mesa
tinha ideia do que era isso, nem mesmo Jack. Mas depois de um momento de estupefação,
estalaram em umas gargalhadas tão selvagens que estiveram a ponto de cair das cadeiras.
Quando o grupo recuperou o controle, Pastor perguntou:
104
—Parece engraçado que seja o dia da ovulação? Porque eu não vejo a graça.
—Não, não é engraçado, Pastor — respondeu Joe. — É… curioso, só isso.
—Mas, na verdade, Pastor, eu te aconselharia que saísse para caçar e me deixasse em seu
lugar. Assim o menino sai mais bonito que você — propôs Zeke.
—Você já tem filhos o suficiente, estúpido — respondeu Pastor. — Deveria ser a sua
mulher que deveria caçar para poder tomar um descanso de vez em quando. Quem parte esta
mão?
Enquanto continuavam jogando, Jack notou que Paul não ria tanto quanto os outros, mas
que, entretanto, estava bebendo mais que todos eles. A um dado momento, deixou as cartas,
serviu-se um uísque e se sentou em um dos tamboretes do balcão. Jack deixou também a
partida e se colocou detrás do balcão. Paul se voltou para ele com o rosto ruborizado e os olhos
cheios de lágrimas.
—Bem, quer falar a respeito?
—Do que?
—Não está bem e não sei por que, mas acho que o que te incomoda tem a ver com
Vanessa — disse Jack.
—Matt é meu melhor amigo. Isso deveria me bastar.
—O que aconteceu?
—Não aconteceu nada, pelo menos comigo — deixou o copo vazio sobre o balcão.
Jack era consciente de que Paul já tinha bebido muito, mas mesmo assim, voltou a lhe
encher o copo. Queria que seu amigo pudesse desabafar.
—Muito bem, sei que estou me aproveitando de ti, mas sempre fui um homem curioso.
Vanessa me contou que Matt e você estavam juntos na noite que se conheceram.
—Sim, faz anos que deveria ter deixado de sair com ele. Eu a vi primeiro.
Jack arqueou as sobrancelhas.
—E como ele pediu ela em namoro?
Paul bebeu o uísque de um só gole.
—Porque o filho de uma cadela a pediu — apoiou a cabeça no balcão e dormiu.
Então era isso o que tinha acontecido. Porque se Matt foi o primeiro a falar com ela, e se
conseguiu impressioná-la o suficiente para que estivesse disposta a sair com ele, nenhum
marinheiro iria mexer com a mulher do seu irmão. Nem sequer Mike Valenzuela tinha
ultrapassado essa linha.
Vanessa casou-se com Matt, estava esperando um filho dele, mas Paul continuava
sentindo-se tragicamente atraído por ela.
—Vou para casa — disse Jack.— Voltarei aqui às quatro. Que alguém se encarregue de
colocar Haggerty na cama — vestiu a jaqueta.— E tentem não queimar o bar.

105
Capítulo 8

Mel pediu a Brie que a ajudasse a levar adiante um projeto no qual esteve trabalhando
desde o nascimento de David. Embora Brie estivesse encantada em ajudar Mel em algo que ela
lhe pedisse, a verdade era que se surpreendia e muito que estava desfrutando com aquele
projeto em particular.
106
Enquanto Mel estava em casa com o bebê, podia conectar-se à Internet e fazer algumas
chamadas telefônicas. A maior parte das mulheres do povoado precisava de seguro médico, mas
estavam dispostas a pagar uma quantidade acessível em troca de contar com bons serviços
médicos. Alguns rancheiros e granjeiros da área tinham seguro para cobrir acidentes, mas aquilo
não incluía nenhum serviço relacionado com a medicina preventiva, como as citologias e as
mamografias. Mel conseguiu que a maioria delas se fizesse a citologia anual lhes cobrando
somente os gastos de laboratório e pressionando para que passassem todas pela consulta. Mas
com as mamografias, que ela considerava importante e deveriam se submeter a elas todas as
mulheres com mais de quarenta anos, não teve o mesmo êxito. Havia noventa e duas mulheres
no povoado maiores de dezoito anos, quarenta e oito delas tinham mais de quarenta e nenhuma
delas havia feito ainda uma mamografia.
Conseguiu localizar uma unidade móvel que administrava uma fundação. Com a ajuda da
doutora June Hudson, de Grace Valley, estavam tentando programar uma visita ao povoado e
converter o dia em uma espécie de festa.
—Podemos consegui-la a muito bom preço, mas mesmo assim, faltará dinheiro,
provavelmente mais do que meus pacientes podem pagar —explicou Mel.
June tinha a ideia perfeita para subvencionar os gastos das mamografias. A feira de outono
de Grace Valley estava a ponto de acontecer; organizava-se sempre na segunda semana de
outubro. Pensavam em montar uma barraca e vender produtos feitos pelas mulheres em casa,
desde objetos, tecidos até biscoitos. Eram muitos os turistas que chegavam à feira dispostos a
comprar algum objeto com encanto rural. A missão de Mel era percorrer Virgin River, rancho a
rancho e casa a casa, pedindo às pessoas que doassem objetos que pudessem vender na
barraca.
Contar com a colaboração de Brie não somente representou para ela uma grande ajuda,
mas também era muito divertido apresentar a sua cunhada. Enquanto os marinheiros se
dedicavam à caça, Mel e Brie percorreram as estradas de Virgin River, visitando todas as
mulheres que Mel conhecia: muitas porque tinham assistido às festas que tinham organizado
antes de dar à luz ou porque participavam das festas do bar, outras porque foram suas
pacientes. Era a primeira vez que Brie se encontrava com muitas delas e adorou seu caráter
aberto e hospitaleiro. Recebiam-na como se a conhecessem há anos. Cada parada implicava
tomar uma xícara de café, alguns biscoitos e uma fatia de bolo, de modo que, quando terminou
o dia, eram incapazes de jantar. É óbvio, David sempre as acompanhava e era tratado com
atenção com todo o tipo de doces e biscoitos.
A resposta das mulheres de Virgin River foi fantástica, nisso não houve surpresas.
Prometeram de tudo, desde bolos até colchas, todos os objetos que seriam recolhidos um dia
antes da feira, a não ser que as mulheres preferissem levá-los pessoalmente a Grace Valley.
Quando os caçadores retornaram, Mel se mostrou encantada de ver que não havia
nenhum rastro de caça em nenhuma das caminhonetes. Mas sua alegria durou pouco, porque
uma vez dentro do bar, inteirou-se de que tinham matado dois cervos que foram levados ao
matadouro para que os esquartejassem.
—Não —se lamentou com tristeza,— e quem os matou?
—Acredito que Rick — disse Jack.

107
Mel olhou Rick nos olhos e o menino elevou as mãos. Não tinha sido ele. Mel se inclinou
para seu marido e pôs-se a chorar. Jack sacudiu a cabeça, passou-lhe o braço pelos ombros e se
dirigiu com ela para a cozinha. Enquanto o fazia, David começou a mover-se, tentando ir com
seu pai.
—Melinda — a consolou Jack,— já sabia que saíamos a caça. Não torturamos nenhum
cervo, e vamos ter carne de veado.
—Odeio-o.
—Já sei, mas não é tão cruel como você pensa. Provavelmente seja até mais humano que a
forma em que se trata o gado.
—Não tente me convencer.
—Por Deus, não me atreveria. O que está havendo, Mel?
—Não sei. Tenho vontade de chorar.
—Não, por favor. Vamos, me passe o menino.
—Querido, tenho que lhe dar de mamar.
—David vai ter que ir pensando em deixar de mamar.
—Ainda não está disposto a renunciar ao peito.
—E é compreensível. Mas você está esgotada. Acredito que deveria ir para casa descansar
um pouco.
—Não durmo até que ele durma. E isso só acontece se ele mamar.
—Muito bem — disse Jack, e pegou seu filho nos braços. — Agora, chore tudo o que tiver
de chorar, lave o rosto e sente-se um momento. Eu ficarei com o menino até que esteja mais
tranquila — e lhe deu um beijo na testa. — Você não é assim, Mel, nem sequer pela morte de
um cervo.
—Seu cheio é péssimo.
—Obrigado, meu amor. Você cheira maravilhosamente. Mas não se preocupe, tomarei um
banho antes de chegar perto de você novamente, de acordo?
Mel se dirigiu ao banheiro enquanto Jack levava David de novo para o bar.
—Ela está bem? —perguntou Brie.
—Logo ficará bem. Adora os cervos.
—Quer que eu fique com David?
—Não, não precisa. Com certeza, está muito excitado. Aposto que passou por todas as
granjas da área e comeu pelo menos cinquenta biscoitos.
—Possivelmente não cinquenta, mas…
Jack olhou o rosto de seu filho. Tinha os olhos brilhantes, sorria de orelha a orelha e
aplaudia com entusiasmo. Era evidente que a overdose de açúcar estava fazendo efeito.
—Deveriam ter sido mais cuidadosas — disse. — Tome uma cerveja, Brie. E
provavelmente, deveríamos dar outra a David. Está muito nervoso.
108
Justo no momento que estava fazendo aquela sugestão, Mike se aproximou de Brie com
uma cerveja. Quando ela a aceitou, passou-lhe o braço pelos ombros com familiaridade. Na
verdade, Mike não tinha por que lhe contar nada de sua irmã, pensou Jack. Independente do
que estivesse acontecendo entre eles, conseguiu devolver a luz a seus olhos.
—O que, já fizeram o que tinham que fazer? — gritou alguém a Pastor.
—Acredito que sim — respondeu ele, estufando o peito.
—John, fecha o bico — advertiu Paige.
—Bom, eu acredito que conseguimos, você não?
Paige elevou o olhar para ele e sacudiu a cabeça desgostosa.
—Certamente, fez tudo o que podia — respondeu, e retornou à cozinha.
Mike levou Brie a um canto e disse:
—Até o momento, é a única mulher que há no bar que ainda não se zangou com seu
menino. Quer ir antes que diga alguma tolice?
—Então é meu menino, não é?
—Bom, tinha a esperança de ser…

Morreram três cervos, mas nenhum urso. Os fuzileiros navais partiram de Virgin River, Rick
retornou ao exército e estava a ponto de começar a feira de Grace Valley.
Colocaram o aviso de fechado no bar e deixaram um mapa de como chegar à feira.
Carregaram caminhonetes e carros com todos os produtos para as barracas. Mel, Brie e
Jack saíram cedo com o bebê e se encontraram em Grace Valley com Pastor, Paige e
Christopher. Com o passar do dia, foram chegando muitas mulheres de Virgin River com mais
peças de cerâmica para vender; todo mundo cumpriu com os turnos atribuídos e os produtos
desapareceram como por encanto. Mel não teve que passar todo o dia na barraca, mas esteve
observando todo momento o dinheiro que foram arrecadando.
Foi um dia de reencontro com velhos amigos e de iniciar novas amizades. Quando
começou a anoitecer, Mel estava tão cansada que lhe doía até o último dos ossos. E já não
restava nada para vender.
—Amanhã porei um aviso para os donativos — disse June.— Acho que com apenas uns
dólares mais, já teremos suficiente para trazer o aparelho.
—Tem certeza que não se importa? —perguntou Mel.
—De todas as formas estarei aí. Teremos a clínica aberta e com todo o pessoal enquanto
durar a feira. Para mim não será nenhum problema.
Quando a noite chegou, a orquestra começou a tocar. Houve baile e foguetes. Enquanto
Mel e David estavam contemplando o baile, Jack se aproximou dela, rodeou-a com os braços e
deu com ela umas voltas bastante decentes sobre o asfalto.
—Bem, não sabia que era tão bom bailarino.
109
—Não sei se pode chamar isso de dança, mas você é uma grande parceira. Está esgotada
—sussurrou,— quando quiser, iremos para casa.
—Foi um longo dia. Talvez devêssemos procurar Brie e…
—Acredito que já a encontrei. Estou tentando celebrar seu…
Mel seguiu o curso do olhar de seu marido e viu que Brie estava do outro lado da pista,
dançando com Mike.
—Quando Mike chegou?
—Faz um tempo. Passou a maior parte do dia em Virgin River, cuidando do povoado
enquanto a gente estava aqui se divertindo. De fato, acredito que veio por uma só razão.
—Uma razão que nos servirá muito bem. Podemos pedir a ele leve Brie para casa.
—Darei a eles alguns minutos e logo perguntarei — respondeu Jack.
No outro lado da pista, Mike abraçava Brie com mais força do que o permitido. E então,
para seu imenso prazer, a música se fez mais lenta. Tentou se conter, mas foi impossível, e
terminou afundando o rosto no pescoço de Brie e respirando sua embriagadora fragrância.
—Brie — sussurrou contra seu pescoço.
Deu-lhe um beijo na bochecha e depois outro nos lábios. Brie emoldurou seu rosto com as
mãos, estreitou-se contra ele e abriu a boca sob a sua, fazendo-o enlouquecer de desejo.
—Mike —disse suavemente, — amanhã volto para minha casa.
Mike retrocedeu e a olhou desconcertado. Havia milhões de perguntas em seus olhos.
—Estou me despedindo — disse Brie. — Quero passar algum tempo com minha família e
Mel e Jack precisam estar sozinhos.
—Mas voltará?
—Sim, claro que voltarei — deu de ombros.— Mas ainda não sei sequer onde quero estar,
ou o que quero fazer.
—Reconheço que tive esperança de que talvez quisesse ficar aqui — disse. — É obvio, não
porque você disse ou tenha feito algo que me levou a pensar isso. Era só uma ilusão. Gostaria
que eu continuasse te ligando? Ou que vá visitá-la?
—Ficarei decepcionada se não o fizer. Acho que faz muito tempo que não passa um só dia
sem que nos falemos.
Mike lhe acariciou os cabelos.
—Desde que veio pra cá, ficou mais linda ainda. Ri com mais frequência e tem mais
energia. Tem as bochechas rosadas e transborda saúde.
—Muitas dessas coisas têm a ver com você. Com seus beijos e com sua ternura. Vou sentir
sua falta.
—Já sabe que estarei aqui quando quiser voltar. E até então, se quiser que vá vê-la, a única
coisa que tem a fazer é me ligar.
Jack os interrompeu.
110
—Vou levar Mel para casa. Você quer ficar? — perguntou a sua irmã.
—Não — respondeu Brie.— Vou com você.
Enquanto Jack se afastava, Brie se inclinou para a frente, ficou nas pontas dos pés e deu
um beijo na bochecha de Mike.
—Sentirei sua falta — repetiu, e se afastou com seu irmão.
—Não tanto quanto eu a sua — sussurrou Mike enquanto Brie se afastava.

Várias manhãs depois, Jack despertou com os choramingos de David. Mas em vez de ouvir
os habituais arrulhos de sua esposa enquanto cuidava das necessidades matutinas do bebê,
ouviu um som muito diferente. E muito desagradável. Mel estava vomitando. Sentou-se na
cama, vestiu a cueca que deixou no chão na noite anterior e se aproximou do berço.
—Bom dia, amigo — disse ao David enquanto tirava-o do berço. — Bem, hoje está bem
encharcada a fralda. Não sei como consegue.
Levantou-o nos braços depois de trocá-lo e se aproximou do banheiro.
Mel estava agachada em frente ao vaso sanitário, segurando o cabelo com a mão, colocou
David no quadril, molhou uma toalha e estendeu a Mel.
—Vamos, Melinda. Não pode seguir negando eternamente. Nós dois sabemos que está
grávida.
—Ugh! — suspirou Mel, aceitando a toalha úmida.
Passou-a no rosto, na testa e no pescoço. Não sabia o que dizer.
Mas Jack sabia. Viu lágrimas, esgotamento e náuseas. Mel se voltou para ele com os olhos
cheios de lágrimas. Jack encolheu os ombros e disse:
—David tem que deixar o peito. Não pode alimentar dois meninos. Vai enfraquecer e já
está suficientemente cansada.
—A última coisa que quero agora é estar grávida. Acabo de superar uma gravidez.
—Compreendo.
—Não, não compreende, porque você nunca esteve grávido.
Jack pensou que provavelmente aquele não era um bom momento para dizer que
compreendia porque viveu com uma pessoa grávida e esteve atento a todas às suas queixas.
—Deveríamos ir ver agora mesmo John para nos explicar como é possível ter engravidado
nesta situação.
—Desde quando suspeita? — perguntou Mel.
—Não sei, há várias semanas. Talvez um pouco mais.
—De verdade?
—Sim, de verdade, porque faz muito tempo que não tem regra. Caramba Mel, para ser

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uma mulher estéril, sua fertilidade é assombrosa.
Sorriu de orelha a orelha, plenamente consciente de que se não tivesse David nos braços,
teria levado um bom empurrão.
Mel se separou dele e foi sentar se na cama. Tampou o rosto com as mãos e começou a
chorar. Era o que Jack esperava. Ultimamente houve muitas lágrimas e sabia que Mel não ia
aceitar com entusiasmo uma segunda gravidez. Sentou-se a seu lado, passou o braço pelos
ombros e a estreitou contra ele. David lhe acariciou suavemente a cabeça.
—Tudo vai sair bem. Desta vez não serei eu a ajudar no parto. Quero que isso fique claro
desde o começo.
—Tente não fazer piadinhas. —respondeu Mel entre lágrimas. — Acredito que já está
começando a me doer as costas.
—Quer que eu traga algo? Um refresco? Bolachas salgadas? Arsênico?
—Muito engraçado — Mel se voltou para ele. — Está zangado?
Jack negou com a cabeça.
—Claro que não. Lamento que tenha sido tão cedo. Sinto por você. Sei que durante a
gravidez às vezes se sente muito incômoda e preferia que descansasse mais.
—Não deveria ter ido nesses dois dias com você.
—Não, acho que já estava grávida. Quer apostar?
—Já sabia então?
—Perguntava-me por que estava tão sensível, e essa era uma possível razão. Nunca
acreditei que fosse estéril. Mas não me importo. Eu quero ter mais filhos, eu gosto da ideia de
ampliar a família. Afinal, eu venho de uma família numerosa.
—Estou certa que não penso em ter cinco filhos —advertiu-o Mel, e lhe deu uma encarada
séria. — Vou lhe cortar isso.
—Não vou deixar que me cape, Mel. Eu sugeri que utilizasse algum método
anticoncepcional, várias vezes, de fato. Foi você quem dizia que era impossível voltar a ocorrer. E
depois me explicou toda essa história de que quando se está amamentando não se ovula. Parece
que não é bem assim, não é?
—Vá para o inferno.
—Bom, é evidente que…
—Eu gostaria que compreendesse que não confiava unicamente na lactação como método
anticoncepcional. Sou parteira e sei que não é um método infalível. Se de verdade acreditava
que não era possível era por que… É terrível — suspirou fundo, — agora que começavam a me
caber os jeans.
—Sim, esses jeans. Fico louco quando coloca jeans. Não conheço ninguém que fique tão
bem quanto você em um jeans.
—Não está farto de estar casado com uma mulher tão gorda?
—Não está gorda. Está perfeita. Eu adoro seu corpo tanto quando está grávida como
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quando não está. Sei que tem vontade de discutir, mas não vai conseguir. Não seria uma briga
justa e nós dois sabemos. Tem alguma consulta esta manhã?
—Por que a pergunta?
—Porque quero ir a Grace Valley para que faça uma ecografia. Eu gostaria de saber para
quando tenho que terminar a casa.

Durante todo o trajeto a Grace Valley, Mel esteve desabafando. Ameaçou com todo tipo
de consequências terríveis se ele se vangloriasse de sua façanha. Para ele era muito fácil levar as
coisas com calma. Exatamente, quantos bebês de quase quatro quilos ele tinha dado à luz? E se
ele tentasse fazer uma só brincadeira sobre sua gravidez, iria fazê-lo pagar caro. Talvez durante
toda sua vida.
Jack tinha algumas premonições. Durante os seguintes sete meses, sua paciência ia ser
posta duramente à prova. Não poderia desfrutar muito do sexo. John Stone, o ginecologista de
Mel, ia fazer muita graça sobre tudo aquilo. E era possível que ficasse com vontade de matá-lo.

—Bem, Melinda, aqui está seu bebê — disse John sorrindo enquanto fazia a ecografia.
Mel levou a mão aos olhos enquanto John e Jack examinavam a tela, concentrados
naquele coração diminuto que palpitava no que era uma bolinha de carne.
—Quando foi a última vez que menstruou? — perguntou-lhe.
Mel tirou a mão dos olhos para fulminar seu marido com o olhar.
—Bem, ainda não voltou a menstruar — respondeu Jack por ela.
—Ah, não?
—Pelo menos, não que eu saiba — disse Jack, encolhendo os ombros.
—Faz um ano e meio, certo? — replicou Mel. — Aproximadamente. Estive dando de
mamar a um bebê, estive grávida. E parece que estou condenada a passar o resto de minha vida
com os seios doloridos e os tornozelos inchados.
—Parece que estamos de mau humor, não é? Muito bem, eu acredito que está há oito
semanas grávida. É um cálculo bastante preciso, acredito. O parto será no fim de maio, o que
acha?
—Genial — respondeu irritada.
—Terá que perdoar a minha esposa — disse Jack. — Ela pensava que era estéril. Suponho
que depois dessa gravidez deixará de pensar assim.
—Já avisei que se voltasse a fazer alguma piadinha…
—Melinda — respondeu Jack com expressão firme, — não era uma piada.
—O que não entendo é como pôde me acontecer algo assim! Minha primeira gravidez foi

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quase um milagre e David ainda está mamando quando já estou grávida outra vez.
—Alguma vez ouviu dizer que uma gravidez pode curar a infertilidade? —perguntou John.
—Sim — respondeu desgostosa.
—Sabe a que me refiro, e provavelmente melhor que eu. Mas suponho que não pensou
que poderia acontecer com você, não é?
—Do que estão falando? — perguntou Jack.
—Muitos dos fatores que provocam a infertilidade desaparecem depois de uma gravidez, a
endometriose é um deles. Muito frequentemente, depois de uma concepção que se considera
milagrosa, as seguintes gestações são muito mais fáceis. Além disso, quando há uma troca de
casal, troca também a química. Procurem não esquecer — sorriu abertamente. — Quer
continuar amamentando David? — perguntou John a Mel.
Mel encheu os olhos de lágrimas.
—Ainda não estou preparada para suspender — disse.
—Mel pretende amamentar David até iniciar o colégio — interveio Jack.
—Pensava que seria meu único filho e queria fazer as coisas com calma — respondeu Mel.
Uma lágrima deslizou por sua bochecha. Tinha um aspecto desolador.
Então Jack se aproximou dela e a abraçou. Tinha uma intuição única para saber quando
podia funcionar um gesto como aquele ou quando podia lhe valer uma bofetada. Sabia que
naquele momento, Mel necessitava de apoio.
—Nesse caso, estudaremos seu programa de vitaminas e acrescentaremos alguns
suplementos. É possível que possa seguir dando de mamar ao David algumas vezes ao dia, o que
for melhor para você e para ele. Terá que beber muita água para manter também os fluidos do
feto — John pegou sua mão. — Tenta se acalmar, Mel. É uma mulher saudável, seu primeiro
parto foi uma maravilha e anos atrás teria passado pela gravidez como uma resposta a suas
súplicas. Procure fazer com que Jack não se sinta um miserável por tê-la engravidado.
Aquela noite, enquanto Jack a abraçava, Mel perguntou:
—Tenho feito você se sentir um miserável?
—Só um pouco. Mas não acho que possa dizer que eu a enganei. Pelo que me lembro,
você esteve mais que encantada em colaborar — suspirou. — Foi incrível, de fato.
—O que acontece é que ainda estou assustada com a notícia. Não me sinto preparada para
passar por outra gravidez.
—Sei, mas tem ideia de como fica linda quando está grávida? Resplandece, é como se
emitisse luz. Seus olhos ficam mais brilhantes, as bochechas rosadas, sorri constantemente e
acaricia o ventre.
—É você quem sorri constantemente e me acaricia o ventre.
—Não posso acreditar que consegui tudo isso — disse Jack emocionado. — Você e dois
filhos. Um par de anos atrás estava convencido de que passaria sozinho o resto de minha vida.
—Sabe quantos anos terá quando David sair da universidade?
114
—E o que importa isso? Sam parece um homem velho? Acho que poderei aguentar em
perfeitas condições até então — deu meia volta na cama e cravou o olhar no teto. — Não sei o
que acontece, mas ultimamente parece que todo mundo a meu redor está de mau humor.
—Sério?
—Em primeiro lugar, Pastor. Quando não é o dia da ovulação, está bastante irritado. De
fato, acredito que você deveria ter me avisado que…
—Essa deveria ser uma informação confidencial.
—Pois não é mais. Acho que Paige não gostou nem um pouco de Pastor nos contar que
não poderia sair para caçar porque tinha que ficar em casa para deitar-se com sua esposa.
—Acha? —perguntou Mel, rindo com pesar.
—E Mike também está de péssimo humor. Acho que é porque minha irmã não está aqui.
Não sei como aceitar isso. Eu quero que Brie seja feliz, e eu adoraria também ver Mike contente,
mas para isso teria que sair com o Brie. E, se não se importa que eu diga, esta pequena surpresa
também teve um certo efeito em seu humor.
—Mente.
—Eu só quero que as coisas voltem ao normal.
— Ao normal? — perguntou Mel. — Quando é foi que as coisas já foram normais para
nós?

A caderneta em que Jack vinha fazendo os cálculos para a construção da casa já estava
gasta e enrugada. Carregava-a sempre no bolso traseiro da calça enquanto trabalhava e mal se
enxergavam os números. Mas tinha um carinho especial por ela e por isso ficava ao lado da
calculadora enquanto falava por telefone. Aproximou um tamborete do balcão da cozinha e fez
uma lista de construtores, todos eles recomendados e cujo trabalho tinha visto em alguma
ocasião.
Mas, parecia que todos estavam muito ocupados.
Ao final, chamou Paul Haggerty a Oregon.
—Sei que este é um tiro no ar, Paul, mas poderia me ajudar? Agora mesmo não estou em
condições de continuar trabalhando e não consigo encontrar nenhum construtor que queira se
encarregar da casa.
—O que fez até agora?
—Bom, a estrutura está já levantada, a maior parte das tubulações também, o telhado está
terminado e… Melinda está grávida.
—Parabéns, Jack! Felicidades!
—Obrigado, mas Mel não está muito contente. E necessita de uma casa.
—Entendido. Deixe-me fazer algumas ligações e veremos se podemos arrumar. Com um
pouco de sorte, teremos a casa terminada quando acabar o inverno.
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—Estou disposto a pagar o que for. A te vender minha alma se for preciso. Paul achou
graça.
—Fique calmo. Além disso, não preciso de sua alma, estou convencido de que está muito
danificada. Em qualquer caso, trabalhando horas extras poderíamos cortar muito os prazos.
—Não sabe o quanto lhe agradeceria por isso. Bom, ficarei aguardando notícias.
Quando desligou o telefone, Pastor deixou de cortar verduras para a sopa.
—O que está acontecendo Jack?
—Tenho que terminar essa casa.
—Mel está começando a ficar impaciente?
—Não, Mel está grávida, Pastor.
—Nossa! Isso é genial! — exclamou Pastor, estendendo a mão.
—Obrigado, mas te advirto que ainda não está muito entusiasmada com a ideia, então
tome cuidado com o que diz.
—Ah, não? E por quê?
—David ainda é um bebê e Mel tem a sensação de não ter superado ainda o primeiro
parto. Além disso, está esgotada e de muito mau humor e acredita que tudo é minha culpa.
—Sério? Sinto muito. E você? Você está bem?
—Eu estou ótimo — sorriu de orelha a orelha. — Se fosse por mim, teria mais cinco. Mas
se ela souber disso, corro perigo de morte.
—E não te faz te sentir… velho?
—Claro que não. Cada vez que Mel fica grávida me sinto dez anos mais jovem. E se contar
a ela que disse isso, morremos os dois.

Quando um policial era designado para uma nova área, uma das primeiras coisas que tinha
que fazer era familiarizar-se com ela. Aprender todas as entradas, as casas, os veículos que a
frequentavam e as pessoas que viviam nela. Na cidade, em que a densidade de população era
muito alta, representava um grande investimento de tempo, mas ao final, as pessoas
terminavam conhecendo até o último beco de cada bairro. Cada edifício, cada negócio e cada
suspeito terminavam tomando parte de uma paisagem familiar.
No campo, nas montanhas, o terreno que devia cobrir um policial era imensamente maior,
havia centenas de estradas e caminhos escondidos, mas a população, os edifícios e os veículos
eram muitos menos. Mike passava muitas horas do dia conduzindo pelas estradas de Virgin River
e dos povoados aos arredores. Parava com frequência na área de descanso, mas até então não
havia percebido grandes mudanças. No caso de que se celebrasse ali alguma festa, certamente
encontraria montes de lixo.
Aquele dia, enquanto conduzia pelos arredores de Clear River, viu um par de estruturas
que preferiria não se aproximar até então; uma parecia ser uma casa pré-fabricada e a outra um
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armazém. Ambas tinham sido levadas ali recentemente. Nenhuma delas era facilmente visível,
embora tampouco se pudesse dizer que estivessem escondidas entre as árvores. Provavelmente
o proprietário era somente um homem discreto, mas diante da possibilidade de tratar-se de
construções ilegais, Mike preferia manter-se à distância… Às vezes, esse tipo de empresas
podiam tornar-se uma armadilha. Além disso, apesar da curiosidade de saber o que podia estar
acontecendo ali, na verdade aquilo não era assunto dele. Só era parte do seu dever informar-se
de tudo que pudesse no povoado.
Encontrou muitos sinais interessantes por aquele caminho. “Não passar”, “Não caçar”,
eram sinais bastante comuns, mas havia outros, quase todos escritos à mão, mas que
ameaçavam aos que transpassassem os limites da propriedade recebendo um tiro, advertiam da
presença de cães guardiães aos caçadores ou inclusive proibiam a entrada com armas de fogo.
Mike terminava muitas daquelas excursões naquela curva do rio no qual esteve com Brie
na primavera anterior. Estacionava seu jipe e caminhava às margem do rio. Às vezes via algum
pescador, embora aquela não era uma área de águas suficientemente profundas para a pesca.
Também se encontrou com um casal deitado sobre uma manta, fazendo o que pareciam ser os
deveres do colégio. Quando se aproximou deles, olharam-no entre surpreendidos e nervosos
por sua inesperada presença, então Mike se limitou a saudá-los com a mão e deixá-los em paz.
Gostava de aproximar-se dali na última hora da tarde, quando o sol ainda brilhava. Quase
podia imaginar Brie recostada contra aquela pedra enorme, com os olhos entrecerrados e
sorrindo para ele. Um daqueles dias permaneceu ali mais tempo que o habitual para desfrutar
do pôr-do-sol. Estava começando a pensar que foi uma loucura fazê-lo sem levar lanterna
quando ouviu o som de um motor. Pensou imediatamente que se tratasse de um casal de jovens
amantes, posto que aquele não era um lugar para estar às escuras: não havia luzes na área e
estava bastante afastado da estrada principal. Antes de perceberem sua presença, começou a
caminhar rio acima, disposto a retornar a seu veículo. Mas algo o fez se deter. O veículo que
acabava de chegar entrou até a clareira e continuava com as luzes acesas, mas não ouviu o som
da porta. Deteve-se e escutou com atenção. Se se tratasse de um casal, certamente apagariam
as luzes. Que outra coisa poderia fazer em um lugar como aquele quando já era noite?
Esperou. O motor continuava ligado, e também os faróis do veículo. Mike percorreu a
escassa distância que o separava daquele lugar e espiou através das árvores. Viu que se tratava
de uma caminhonete; em seu interior havia um homem esperando. Mike, movido pela
curiosidade, continuou observando.
Passaram perto de dez minutos antes que aparecesse outra caminhonete. Os motores dos
dois veículos permaneciam ligados e os faróis iluminando a clareira. Mas assim que chegou a
segunda caminhonete, saiu um homem de cada uma delas.
Aquilo começava a ficar interessante. Da primeira caminhonete saiu o detetive Delaney e
da segunda um homem ao que Mike reconheceu como um cultivador de maconha. Era um
homem alto e levava sempre um chapéu inconfundível. No ano anterior, tanto Mike quanto Jack
e Pastor tiveram vários encontros inesperados com ele. Em uma ocasião, antes que Mike
chegasse a Virgin River, aquele homem levou Mel até uma plantação ilegal para que ajudasse em
um parto. Mais recentemente, o mesmo homem os mostrou o lugar no qual o ex-marido de
Paige a fez prisioneira: podia dizer-se que aquele homem salvou a vida de Paige. Era um tipo
enigmático, um delinquente, sim, mas, pelo visto, com um lado humanitário.

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Os homens se mediram com o olhar. Delaney permaneceu apoiado contra a caminhonete
e o cultivador o olhou com as mãos nos bolsos. Não houve aperto de mãos, nem se saudaram
como amigos, tampouco houve intercâmbio de dinheiro. Aquilo não tinha nada que ver com a
venda de drogas. Em menos de cinco minutos, cada um deles retornou a sua caminhonete e
abandonou a área.
Mike fez todo tipo de suposições, mas a mais plausível era que aquele homem era um dos
informantes de Delaney na área.

Capítulo 9

Paul Haggerty ajudaria Jack em qualquer momento e em qualquer coisa. O fato um


empreendimento grande ajudava também. Mas quando pensou melhor sobre isso, o maior
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motivo de estas ali era por causa de Vanessa estar morando em Virgin River.
Procurou seis homens que estivessem dispostos a ficar e trabalhar imediatamente.
Preparou um contrato e o enviou por fax a Jack. Depois, alugou um trailer que o levou até o
terreno onde Jack estava construindo a casa, junto a um banheiro portátil e um contêiner. A
equipe dormiria no trailer durante a semana e nos finais de semana poderiam voltar para casa se
preferissem. Jack teria que lhe dar uma mão como supervisor de obra porque Paul não podia
ficar em Virgin River sempre. Teria que deixar a empresa nas mãos de seus irmãos e de seu pai
enquanto ele se encarregasse daquele projeto e teria que retornar de vez em quando a Gran
Paso para dar uma mão.
Enquanto terminavam com a estrutura da casa, se encarregava de procurar pintores,
carpinteiros e marceneiros pela área. Jack começou a casa na primavera e avançou bastante,
mas se tivesse que trabalhar sozinho, demoraria pelo menos um ano para terminá-la. Com uma
equipe de construção, a casa estaria terminada em questão de meses. Se o tempo não o
impedisse, poderiam inaugurá-la na primavera.
E durante todo aquele tempo, poderia ver Vanessa, algo que ameaçava sua tranquilidade.
Adorava estar perto de Vanessa. O problema era que continuava achando-a linda grávida como a
primeira noite que Matt começou a sair com ela. Pensou em todas as noites agitadas que passou
pensando nela e compadecendo-se porque ele nunca, jamais, seria capaz de tocar na mulher de
um amigo. De fato, bastava desejá-la para se sentir culpado.
Mas aquele seria seu segredo. Ninguém tinha que saber que a adorava. E enquanto Matt
estava na guerra, ele iria vê-la de vez em quando para assegurar-se de que estava bem.
Paul e Matt eram como irmãos. Estudaram no mesmo instituto, compartilharam um par de
anos na universidade e ingressaram juntos no exército. Mas Matt era um homem atrevido com
as garotas enquanto que ele sempre foi muito tímido. Custava-lhe horrores fazer o primeiro
movimento; antes de dar o primeiro passo, tinha que pensar muito bem. Melhorou muito desde
que era um adolescente, mas não o suficiente. Ele jamais teria a rapidez e a confiança de seu
melhor amigo.
Recordava a noite que Matt conquistou Vanessa como se tivesse sido no dia anterior. Matt
estava de licença e ficaram em São Francisco. Estavam tomando uma bebida quando viram um
grupo de aeromoças que faziam escala em São Francisco entrando no bar.
—Meu Deus, viu essa garota? Viu?
—Qual delas? — Perguntou Matt.
—A ruiva de pele dourada. Vou me apresentar.
—Não, não faça isso. Espera até que veja a maneira de…
Mas Matt sorriu e disse:
—Três, dois, um… Vou até lá.
E não voltou. Pelo contrário, fez um gesto a Paul e tentou aproximá-lo de uma das amigas
da Vanessa.
E Paul ignorou, porque não podia fazer outra coisa. Se tivesse tido suficiente coragem, faria
valer o fato de ter sido ele que a viu primeiro.

119
E não havia um só dia que não se arrependesse de sua falta de iniciativa.
Antes que aquele fim de semana terminasse, Matt e Vanessa estavam apaixonados. Como
aeromoça, Vanessa tinha certos privilégios e como Matt estava no momento nos Estados
Unidos, passavam todos os fins de semana juntos. Um ano depois, Paul foi padrinho de
casamento e jurou uma e outra vez que se em alguma ocasião voltasse a ver uma mulher pela
que se sentisse atraído, se aproximaria imediatamente e provavelmente jamais sairia de seu
lado.
Quando Paul chegou a Virgin River, dirigiu-se diretamente a seu lugar de trabalho para
assegurar-se de que tudo estava em ordem. O trailer já estava instalado e preparado para alojar
os pedreiros. Manny, o melhor de seus supervisores, levaria o material em uma das
caminhonetes da empresa e depois chegariam os trabalhadores. Uma vez feitas as verificações,
colocou a quinta marcha e conduziu para o rancho dos Booth. Enquanto cruzava suas portas,
pensou que talvez devesse ter ligado antes para Vanessa. Mas se o fizesse, estaria dando a
entender que ela exercia um papel importante na sua presença em Virgin River, quando na
verdade estava fazendo aquilo por Jack. Não, não estaria certo, então bateu na porta sem avisar
previamente de sua chegada.
Foi Walt que abriu, com os óculos sobre a testa e o periódico na mão.
—Paul! Maldito seja menino, o que está fazendo aqui?
—Vim por uma questão de trabalho, senhor — respondeu Paul rindo. Embora ache que
devemos mantê-lo em segredo. Acredito que ainda não é de domínio público.
—Entre, entre —convidou o general, abrindo a porta. — Assim poderá nos contar tudo.
Vanessa! Adivinha quem veio nos ver?
Paul entrou no vestíbulo da casa e olhou admirado a seu redor. Por fora não dizia nada
aquele rancho, mas o interior era muito espaçoso e tinha muitas janelas que permitiam
contemplar os cavalos do rancho do interior da casa. Provavelmente reformado por completo. O
vestíbulo se abria a um enorme salão com uma chaminé imensa e poltronas de couro. Ao entrar,
Paul viu a sala de jantar que estava à direita, e se inclinou ligeiramente para jogar uma olhada à
também grande e moderna cozinha. Ao final do corredor, deduziu, deviam estar os dormitórios.
As janelas não só permitiam desfrutar da vista dos cavalos, mas também dos estábulos,
montanhas e o rio. Não era difícil adivinhar por que o general escolheu aquele lugar; era um
homem que amava a caça e a pesca e adorava seus cavalos.
Lá fora, junto ao curral, havia um adolescente. Certamente era Tommy. Estava desejando
conhecer de perto esse menino. Nas bodas de sua irmã, um par de anos atrás, desfrutou de seu
senso de humor. Já era então um garoto bonito e inteligente e com uma educação que refletia a
mão firme do general.
Vanessa apareceu no corredor e correu para ele sorridente.
—Meu Deus, como é que voltou tão rápido?
—Bom, agora mesmo lhes explico. Como vai? Está fantástica!
—Temo que estou começando a engordar de verdade — respondeu rindo.
—Me parece que está perfeita. Mais bonita que nunca, de fato. Tem tirado fotos para que
Matt a veja?
120
—Cada semana envio uma fotografia, para que perceba a diferença.
—Isso é bom.
—Aceita uma cerveja, Paul? —ofereceu Walt.
—Claro, por que não. Esse que está ali é Tommy?
—Sim, acredito esta de mau humor. Vou buscar sua cerveja.
—Vamos.
Vanessa tomou a mão e o conduziu para uma enorme poltrona de couro situada perto das
janelas, de onde se contemplava o curral.
Paul acabava de se sentar em frente a Vanessa quando apareceu o general com uma
cerveja servida em um copo alto. Também se serviu de uma.
—Vanni, não te trouxe nada, querida. Nem sequer me ocorreu.
—Tudo bem, papai. Dentro de alguns minutos irei tomar um copo de água. Embora essa
cerveja tenha muito bom aspecto… Tenho que admitir que esteja desejando voltar a prová-la.
O general era um homem alto, de ombros largos e cabelo prateado. Fez uma carreira
impressionante no exército, que se estendeu por trinta e cinco anos. Alguns anos atrás, sua
esposa morreu e foi então que decidiu se aposentar. Sem aquela grande companheira, uma
mulher que elogiavam frequentemente, mas que Paul não conheceu, já não restou nenhum
interesse na vida militar.
—O que há com Tommy? —perguntou Paul enquanto dava um gole em sua cerveja.
—Problemas de adolescente — disse o general. — Sai com um garoto que eu não gosto e
que é aficionado em celebrar festas com abundante cerveja no bosque. Inteirei-me que Tommy
também tem tomado cerveja com ele ao sair do instituto e baixou as notas em algumas
disciplinas. E acredito que este menino é o culpado de tudo.
—Mas isso não é tudo. Meu pai não vai com sua cara.
—Ah, não? — perguntou Paul surpreso.
O general negou com a cabeça.
—Esse menino tem um olhar estranho e um sorriso falso. Todos tivemos dezessete anos, é
óbvio, bebemos quando não tínhamos que fazê-lo e tentamos impressionar a alguma garota.
Mas este menino é diferente. É um safado e não quero que prejudique Tommy. Sinto utilizar
esta linguagem, Vanni.
Vanessa riu.
—É a primeira vez em minha vida que o ouço falar assim.
—Sei o que digo — acrescentou o general.
E Paul pensou que provavelmente tinha razão. O general passou muitos anos estudando os
rostos de jovens soldados e aprendeu a lê-los com bastante precisão.
—Então o castigou?
—Sim, agora está de castigo, mas também disse a ele que quero que faça melhores
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amigos, porque se voltar a mentir, o mandarei a um internato. Eu pensei que este seria um lugar
tranquilo, que os meninos seriam mais sãos. Mas acredito que alguns são piores que muitos
meninos de cidade. Esse moço é uma má influência para Tommy. Bom, já chega de falar dos
problemas da família, o que está fazendo por aqui?
Paul olhou para Vanessa e explicou:
—Já havia dito a seu pai que temos que manter isso em segredo até que saiba quantas
pessoas sabem, mas vim terminar a casa de Jack. Reuni uma equipe de trabalhadores e instalei
um trailer para alojá-los enquanto durar a obra. Queremos acabar a casa o quanto antes, porque
sua parteira está grávida e necessitam de mais espaço.
—De verdade? Que maravilha.
—Meu informante me disse que não está particularmente entusiasmada com a ideia, que
ainda não estava preparada para ter outro filho. Assim Jack, que no fundo é como um príncipe
azul, decidiu contratar uma equipe para acabar a casa rapidamente.
—Ah, que gesto tão romântico. E diz que ainda não sabem sobre a gravidez?
—Não estou seguro, mas prefiro não ser eu o que espalhe a notícia, então não diga nada. E
tampouco sei se ela sabe que Jack me contratou.
—E onde se alojará enquanto estiver aqui? —perguntou Vanessa.— Poderia ficar conosco.
—Bom, estou seguro de que Jack não demorará em contar a Mel a notícia sobre a equipe,
porque, pelo que entendi, ela passa com muita frequência pela casa para ver como vai a obra.
Suponho que verá que há gente no trailer, e que eu trouxe uma caravana.
—Não! Fique aqui conosco!
—É obvio, temos muitos quartos — se somou o general.
—Não poderia — respondeu Paul,— Passarei o dia indo e vindo. Vou ter uns horários
muito estranhos. Estou seguro de que além disso, passarei bastante tempo com Jack e com
Pastor no povoado.
—Isso não nos importa. Pode entrar e sair quando quiser! Ficará com uma chave — disse
Vanessa rindo, — embora aqui ninguém feche as portas de casa.
—Vou ter que viajar constantemente, deixei meus irmãos a cargo da empresa e terei que
de vez em quando ir lá. Sinceramente, vai ser…
—Não penso permitir que viva em um alojamento, e não me importa quais sejam seus
horários — protestou Vanessa.
—Para dizer a verdade, Paul, na verdade seria bom que ficasse pelo rancho — disse Walt. –
Tenho passado alguns dias da semana em Baía de Adega, com minha irmã. Lembra-se de Shelby,
a prima de Vanessa que se casou?
—É obvio — respondeu Paul, e se endireitou em seu assento.
—Sua mãe, minha irmã, tem uma enfermidade degenerativa e não pode mover-se da
cama.
—Sinto muito, senhor, tinha esquecido. Tem esclerose múltipla, não é?

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—Sim. Francamente, nenhum de nós esperava que durasse tanto tempo, mas ainda está
conosco. Jamais conheci uma mulher tão valente, mas como não posso convencer Shelby a levá-
la a uma asilo, faço o que posso, embora só seja para lhe oferecer apoio moral. Vanessa também
vai vê-la de vez em quando. Mas estou seguro de que ficaria mais tranquilo se soubesse que há
alguém cuidando da casa enquanto não estou aqui.
—Suponho que o que quer dizer é que esteja cuidando de Tommy — disse Vanessa com
um sorriso. — E estou segura de que Tommy preferiria que você o vigiasse e não eu .
—Estarei encantado de poder ajudar, senhor —respondeu Paul.— Sinto muito sobre sua
irmã.
—Obrigado. Agora já não sofre dores. O mais difícil de tudo isto é que minha sobrinha está
cuidando de sua mãe o tempo todo, quando é só uma menina.
—Shelby está exatamente onde quer estar — replicou Vanessa. — Está certa no que faz. Se
se tratasse de minha mãe, eu faria o mesmo que minha prima.
—Estou seguro de que poderemos nos organizar, general. Se você tiver uma viagem
prevista à costa enquanto eu estiver aqui, não me importaria de ficar em casa para me assegurar
de que não ocorre nada estranho — sorriu, mas lhe deu um aperto no coração.
Estar sob o mesmo teto que Vanessa estando seu pai fora, não ia ser nada fácil.
—É um bom homem, Paul — disse Walt.
Mas Paul pensou que se realmente fosse um bom homem, não sentiria o que estava
sentindo.

Jack apareceu no consultório do médico às onze da manhã e encontrou Mel em frente ao


computador. David brincava no parque, perto dela.
—E então, como vai à manhã? —perguntou Jack.
—Não houve grandes novidades — respondeu ela. — Estou programando as mamografias.
E a sua como foi?
—Temos que conversar, se puder fazer uma pausa, claro.
—O que é?
—Não prefere que seja uma surpresa?
—Eu não gosto muito de surpresas.
—Sim, já sei, é algo que deveria trabalhar. Onde está o doutor?
—Não sei, mas está em casa.
—Bom, pois iremos procurá-lo e lhe diremos que tem que sair. David irá conosco. Acredito
que vai gostar.
—Jack —advertiu Mel, levantando-se, sabe que odeio quando faz isso.
—Nunca lhe fiz uma surpresa desagradável — respondeu Jack, levantando seu filho nos

123
braços. Quando Mel o fulminou com o olhar, defendeu-se. — É verdade! Faço uns filhos
preciosos e você teve uma surpresa, acho que a culpa foi sua.
—Sim, mas não preciso que me esfregue isso.
Mel demorou só uns minutos em arrumar-se, ir procurar o médico, agarrar a maleta com o
instrumental médico que levava aonde quer que fosse e vestir o casaco. Jack sentou David na
cadeirinha: o menino estava encantado em poder sair.
Quando giraram por volta da estrada que conduzia ao que logo seria seu lar, Mel pareceu
animar-se um pouco. Parecia contente, inclusive.
—O que quer me mostrar?
—Espere e verá. Estou seguro de que vai gostar. E de que voltará a me querer como antes.
—Nunca deixei de te querer, embora não me faça muita graça que seja tão fértil.
Quando Jack subiu ao alto da colina, Mel se endireitou no assento e pôde ver dali a
atividade que estava se desenvolvendo ao redor da casa. Havia toda uma equipe de construção,
carros, um trailer, uma equipe de operários, um alojamento e um quarto de banho portátil. E
diante do trailer estava Paul.
—O que está acontecendo aqui?
—Estamos terminando a casa, Melinda. Paul trouxe uma equipe do Oregon para avançar o
trabalho. Teremos que ir a Eureca e escolher a pintura, os ladrilhos, os armários… A partir de
agora tudo vai avançar muito rápido.
—Jack — murmurou Mel quase sem fôlego, e se voltou para ele.
Procurou sua mão.
—Quero nos instalar aqui antes que o bebê nasça. Penso fazer todo o possível para te
facilitar as coisas — encolheu os ombros. — Se pudesse, levaria o bebê para você — sorriu.—
Graças a Deus, isso é impossível. Mas assim que este menino nascer, penso fazer tudo o que
esteja em minha mão para me assegurar de que possa desfrutar de seus filhos. E da próxima vez,
provaremos meus métodos anticoncepcionais em vez dos seus. Só quero fazê-la feliz.
—Eu sou feliz.
—Ultimamente esteve muito irritada.
—Jack, sinto muito, querido. Você não tem culpa… sou eu. Sinto-me completamente
estúpida. Sou como uma dessas adolescentes que vêm me ver com uma gravidez de cinco meses
sem terem a menor ideia do que lhes aconteceu, algo que, tendo em conta minha profissão, é
bastante vergonhoso. Pensava que ter concebido David fosse um milagre, um milagre que não
voltaria a acontecer. Mas as pessoas com um trabalho como o meu não deveriam ser capazes de
negar algo tão evidente. Não entendo o que houve…
—Tem ideia do quanto te amo, Mel? Jamais faria nada que pudesse magoá-la, que pudesse
fazê-la se sentir incômoda — sorriu. — O problema é que não sou capaz de afastar as mãos de
você.
—Sei, Jack. E eu tampouco sou capaz de resistir.
—Portanto, o único problema que temos é que você é mais fértil do que pensávamos. Mas
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poderemos solucioná-lo. Dê-me um beijo.
Mel se inclinou para ele, pousou a mão em sua nuca e lhe beijou com paixão. Jack a
abraçou e gemeu, mostrando o quanto gostou daquele beijo.
—Vê? Era disso que estávamos falando. Sabe tão bem… Mas agora vamos ver o que Paul
esta fazendo.
Mel saiu da caminhonete enquanto Jack tirava David da cadeirinha. No instante que Paul
os viu fora da caminhonete, correu para eles e abraçou Mel.
—O que acha? Seu marido está conseguindo fazê-la feliz?
—Não posso acreditar nisso, é maravilhoso, Paul!
—Não, vai ficar. Estão me pagando muito bem. Mas vai ficar uma casa preciosa, Mel, posso
garantir. Você também vai ter que trabalhar, claro, e ir pensando nos eletrodomésticos e em
alguns acessórios. Há coisas que demoram muito para enviar.
—Vou começar imediatamente. Ficará em nossa casa enquanto estiver aqui?
—Recebi alguns convites, mas no momento ficarei no alojamento que, embora não
acreditem, eu gosto. E acho que quando não estiver aqui ou em Gran Paso, ficarei na casa do
general.
—Parece-me perfeito — disse Mel. — Esta semana poderíamos fazer um jantar no bar,
convida também Vanessa e sua família. Tudo bem, Jack?
—Claro, como quiser.
Mel sorriu.
—Eu gosto que me diga isso. Já deu a notícia?
—Que notícia? —perguntou Paul, fazendo-se de desentendido.
Mel o beliscou carinhosamente o braço.
—Deixa de fingir, já sei que sabe. Por isso está aqui.
Paul lhe passou o braço pelos ombros.
—Só soube, porque está radiante. Outra vez.
—Eu não estou tão segura. Até às nove da manhã pelo menos, estou verde como uma
ervilha.
—Mas a partir dessa hora resplandece — se mostrou de acordo Jack.
—Não há nada mais bonito que uma mulher grávida — disse Paul.
—OH, Meu Deus! — lamentou-se Mel.
—Fez um bom trabalho —Paul felicitou Jack.
A caravana com o aparelho para as mamografias chegou a Virgin River numa segunda-feira
pela manhã. Todas as mulheres com quem Mel se pôs em contato estavam lá, algumas com seus
filhos e muitas delas com comida e bebida. Estavam reunidas na sala de espera e faziam as
mamografias em turnos. Foi um dia exaustivo para Mel, e também para o médico, embora quem
o olhasse de perto, sua careta podia parecer quase um sorriso.
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No dia seguinte, a caminhonete foi a Grace Valley, à clínica de June Hudson.
No dia seguinte, Mel tinha três visitas programadas de mulheres grávidas, uma delas era
Vanessa Rutledge.
Mel não se surpreendeu que as duas primeiras preferissem dar à luz em suas casas, em vez
de irem ao hospital, onde teriam ao seu dispor a anestesia peridural. Por fim, eram de famílias
da área e aqui, ter filhos em casa era um hábito. Mas o que realmente a surpreendeu foi que
Vanessa, que era uma garota de cidade, também optasse por um parto em casa.
—Faltam só três meses para o parto e está perfeitamente saudável — disse Mel.— Mas
talvez devesse ir ao Grace Valley fazer uma ecografia. Deveríamos nos assegurar que não vai
haver nenhuma complicação. Quer saber o sexo do bebê?
—A verdade é que eu adoraria, para contar a Matt.
— Concorda em ir semana que vem?
—Por mim, tudo bem. Não tenho nada mais a fazer — respondeu Vanessa, encolhendo os
ombros.
—Deve ser muito duro Matt estar tão longe estando grávida.
—Sim, é, mas parece que sempre foi assim na família Booth. Meu pai tampouco esteve
com minha mãe no nascimento de meu irmão. A vida militar pode chatear os melhores planos.
—Não sei como suporta.
—Mas Jack não esteve no exército durante quase vinte anos? — perguntou Vanessa.
—Sim, mais de vinte, mas eu não o conhecia então. Conheci-o aqui, quando vim de Los
Angeles trabalhar com o doutor Mullins , já estava aposentado.
—E já tem um menino!
—Sim — levou a mão ao ventre,— e outro a caminho — sacudiu a cabeça.— Temo ter que
alojar Jack durante uma temporada na casa de convidados que temos no pátio.
Vanessa se sorriu.
—Escuta, amanhã à noite vamos celebrar algo especial e nós adoraríamos que viessem
você, Jack, Pastor, Paige, e Mike, se for possível. É claro, Paul também estará conosco. Vamos
nos conectar na Internet com uma videocâmara de Baghdad. Falaremos com Matt e depois
desfrutaremos de um grande jantar.
—Vanessa — respondeu Mel, tomando a mão,— não prefere tê-lo só pra você?
—Uma parte de mim sim, mas também penso em Matt. Está muito longe de todos nós e
vai ter a oportunidade de ver algumas das pessoas que mais quer bem. Não tem ideia do quanto
fala de Pastor, de Jack e de Mike. E para ele, falar com Paul é quase tão importante quanto falar
comigo. Agora mesmo irei ao bar para convidar todo mundo. Diga-me que virá, por favor.
—Está completamente segura? Porque seria compreensível que…
—Claro que estou segura. Eu adoraria poder contar o sexo do bebê. Isso seria a cereja do
bolo.
Mel sorriu.
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—Pois, amiga, nisso posso te ajudar. Tenho alguns contatos. Poderá dirigir amanhã pela
manhã?
Vanessa iluminou os olhos.
—Claro que posso, tem certeza que pode conseguir que me façam amanhã a ecografia?
—Certamente. É o mínimo que posso fazer por ti.

No dia da videoconferência com Matt, Tommy se dirigia para sua caminhonete ao sair do
instituto quando Jordan lhe agarrou o braço.
—Ei, cara. Por onde andou?
—Por aí — respondeu Tommy, não muito contente.
Esteve evitando Jordan. O que Brenda contou sobre as festas na área de descanso,
despertou sua curiosidade, então foi verificar. Como Brenda explicou, tudo era uma loucura. Não
havia muitos meninos e fazia frio, mas mesmo assim se celebrou a festa e as coisas chegaram a
um extremo que ele não gostou nada. Jordan e seu amigo levavam as garotas de tempos em
tempos fora do grupo. Tommy não conseguiu ver o que faziam, mas retornavam com uma
expressão de prazer excessiva, assim suspeitava que consumiam êxtase ou talvez um pouco mais
forte, como cristal.
Ao final, tomou uma cerveja e voltou para casa. Ali estava esperando seu pai, disposto a
lhe cheirar o hálito. E tinham começado os problemas.
—Fazia tempo que não o via. Quer vir a minha casa? Tenho cerveja.
—Não, não quero saber de nada disso.
—Desde quando?
—Desde que estive em uma festa e tive problemas com meu pai ao voltar para casa.
Agora, tenho que ir.
—O que está acontecendo com você? Vai me cortar assim sem mais? Conheço uma garota
que você adorará conhecer.
—Já tenho uma garota, Jordan. E agora tenho que partir.
—Que garota?
—Estou saindo com uma garota que se chama Brenda.
—Brenda? Brenda Carpenter? —lhe iluminou o olhar. — Sim, conheço a Brenda — seu
rosto enrubesceu como se repente tivesse subido a temperatura. — Conheço muito bem.
A expressão do Tommy se escureceu.
—Não, não a conhece.
—Claro que sim — respondeu Jordan rindo. — É uma garota muito quente.
Tom esteve a ponto de perder a cabeça. O cérebro deixou de funcionar. Tinha a sensação
de que lhe saía fumaça pelas orelhas. Deu um passo para Jordan.
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—Do que está falando?
—De nada, irmão. Aconteceu faz muito tempo, e não teve nenhuma importância.
Simplesmente, estivemos juntos.
Tommy o agarrou pela camisa.
—Isso não é certo!
—Muito bem — respondeu Jordan, — Você quem diz.
Tommy retrocedeu alguns centímetros e lhe deu um murro que o atirou no chão. Mas
Jordan se levantou como uma mola e devolveu o golpe, surpreendentemente forte levando em
conta sua envergadura. E assim continuou a briga. Estiveram brigando até que chegaram dois
professores a separá-los.
No escritório do diretor, Tommy admitiu imediatamente qual tinha sido o motivo da briga
e Jordan confessou que o que havia dito não era certo. O diretor disse a Jordan:
—Parece que estava procurando isso. Se houvesse dito algo assim de minha filha, teria
deixado-o muito pior que seu amigo. Agora quero que procurem se manter separados, porque
se voltar a acontecer, os dois serão expulsos.
O problema era que estavam há muito tempo ali e Tommy desejava voltar para casa.
Queria ter a oportunidade de falar com Matt.

A casa dos Booth transbordava emoção à medida que ia se aproximando a hora da


conferência com Matt através na Internet. O general levou o computador a sala para aquela
noite tão especial, conseguiu uma tela maior. Vanessa se movia nervosa por toda parte,
preocupada com a maquiagem. Mike e Jack se dirigiram à cozinha assim que chegaram,
dispostos a ajudar o general a servir as bebidas e os aperitivos. Jack fechou o bar aquela noite.
Paige e Mel estavam dedicadas a assegurar a Vanessa que nunca esteve mais bonita. Pastor
segurava Christopher em seus braços enquanto David dormia tranquilamente em um dormitório
no final do corredor.
Quando chegou o momento de estabelecer a conexão, o general ligou o computador e a
tensão pareceu vibrar por toda a casa. Os minutos para estabelecer a videoconferência
pareceram uma eternidade. E de repente, ouviu-se uma voz conhecida em meio ao salão.
—Ei! Há alguém em casa?
Vanessa correu para a tela. Por um momento, ficou sem fala, olhando o rosto de seu
marido. Estendeu a mão para ele.
—Ei — repetiu Matt.— Vanni, está aí?
—Matt — murmurou Vanessa. Voltou-se para a câmara e se obrigou a dizer com mais
força—: Matt, querido!
—Vanni, querida. Deixe-me ver essa barriga.
Vanessa ficou de perfil diante da câmara.
—Bem, Vanessa, está ficando enorme. Vamos ter um menino muito grande!
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—Matt, tenho muitas surpresas para ti. A primeira é que nesta manhã fiquei sabendo o
sexo do bebê. É um menino! Um menino, Matt!
Produziu-se um silêncio ensurdecedor.
—Vanni — respondeu Matt, sem poder dissimular sua emoção. — Te amo, pequena. Amo-
te muito.
—Eu também te amo. Está bem? Vai tudo bem?
—Sim, Vanni, vai tudo bem. Estamos trabalhando muito, mas para isso estamos aqui. De
todas as formas, já não vai demorar muito tempo. Está bonita.
—Emagreceu? — perguntou Vanessa. Matt riu.
—Querida, aqui todo mundo emagrece. Mas não acredito que tenha problemas para
recuperar o peso. Estou desejando te abraçar.
—Eu também, Matt. Quando voltar para casa, poderá abraçar os dois. E deveria ir
pensando em um nome, de acordo?
—Tudo bem. Como estão as coisas por Virgin River? Você está bem?
—Claro que sim, estou muito bem. E tenho mais surpresas para você. Jack, Pastor, Mike…
se aproximem.
Um a um, foram colocando seus rostos diante da câmara.
Jack os saudou com um grito de guerra e um sorriso. Pastor franziu o cenho ante a câmara
e disse:
—Tudo bem, soldado?
—Tem uma cerveja paga quando voltar —disse Mike com um sorriso.
Matt gargalhou diante daquela inesperada surpresa.
—Maldita seja, estão muito bem! Seguro que não ganham a vida trabalhando, se não, não
teriam tão bom aspecto. Não sabem quanto me alegro de que Vanni esteja com todos vocês. Já
disse que adoraria estar ali. Como está o general? Podem ir buscá-lo?
Walt se aproximou da câmara.
—E quem disse que falta ir me buscar?
—Ei, Walt! Como vão as coisas, senhor? — perguntou com fingida cordialidade. —
Vigiando seu futuro neto?
—Quando chegar em casa, já saberá ficar firme.
Matt riu, estava desfrutando muito daquela pequena reunião.
—Tommy também está aí?
—Temo que chegará tarde. Matt, e não posso imaginar por quê. Estava desejando vê-lo.
Mas há alguém mais que também quer falar com você — disse Walt, e convidou Paul a
aproximar-se.
—Haggerty! Que demônios…? O que está fazendo aí? — perguntou Matt.

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—Estou ajudando Jack a terminar sua casa. Tem um filho e outro a caminho.
—Jack tem um filho? —perguntou Matt com incredulidade.
—Sim, viu que loucura? Necessita de ajuda. Como vão as coisas por aí?
—Digamos que a situação não é muito agradável. Algumas surpresas, sabe? Quanto tempo
pensa em ficar por aí?
—Alguns meses possivelmente. Mas de todas as formas, não vivo longe. Quando voltar,
virei a…
—Escuta Paul, se me ocorrer algo…
—Não fale dessa forma, Matt.
—Paul, se algo sair errado, cuida da Vanni, ok? De todas as formas, acredito que sempre
gostou mais dela que eu — soltou uma gargalhada.— Mas não se preocupe, que estou seguro de
que tudo vai bem.
—Não estou preocupado. Ei, não queremos lhe roubar mais tempo com sua esposa. Agora
nos retiraremos para que possam falar a sós.
—Obrigado, Paul… Paul? Você sabe que me é muito querido, não sabe?
—Claro que sim —respondeu Paul. — Não se mova daí. Vanni volta! — disse Paul.
Como se acabasse de dar uma ordem, todo mundo abandonou o salão para que Vanessa e
Matt pudessem ficar algum tempo a sós. Ouviam-se suas vozes ao fundo enquanto esperavam
na cozinha. Walt ia servindo bebidas enquanto comentavam aquele pequeno encontro.
—Parece que está bem. — disse Jack.
—Para um soldado, sim — brincou o general. — Se supunha que Tommy deveria estar
aqui. Volta a chegar tarde — depois se voltou para Mel. — O que fez foi maravilhoso. Obrigado
por conseguir que fizessem em Vanessa a ecografia antes da videoconferência.
—Quando eu estava no exército não havia essas coisas — comentou Pastor. — Mas é uma
pena que não permitam falar com suas famílias cada dia, ou cada semana.
Passou o braço pelos ombros de Paige e a atraiu para ele. Era evidente que não seria capaz
de se separar dela.
Após alguns minutos, deixaram de ouvir as vozes no salão. Paul parecia estar em alerta e
foi o primeiro a dar uma olhada por ali. Viu Vanessa sentada diante da tela às escuras, chorando,
com a cabeça encurvada e os braços cruzados.
Paul se aproximou dela.
—Vanni, vamos, Vanni —disse, agachando-se a seu lado para abraçá-la.
Vanessa se voltou em seus braços, apoiou a cabeça em seu ombro e continuou chorando.
—Sei que é muito difícil — tentou consolá-la, — mas pelo menos está bem. Você mesma o
viu. É um homem duro, Vanessa, não lhe acontecerá nada. Voltará para casa e sabe disso.
Vanessa elevou o olhar e olhou Paul nos olhos.
—Pelo menos consegui aguentar enquanto falava com ele.
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—Sim, fez muito bem. Vamos — animou-a a se levantar. — Agora, lave o rosto e tente se
acalmar. Não queremos que tudo isso afete o bebê, vamos.
Passou-lhe o braço pelos ombros e a conduziu ao banheiro.
Walt foi o próximo a sair da cozinha.
—Suponho que demorará alguns minutos para se acalmar — comentou. — Eu já sabia que
isso ia ter um duplo efeito. Mas você estando aqui, vai se recuperar mais rápido, aproveitará a
noite e ficará a boa lembrança de tê-lo visto bem.
Nesse momento se abriu a porta da rua e entrou Tommy a toda velocidade.
—Cheguei tarde? — perguntou, olhando a seu redor.
— Chegou, filho, onde estava?
—Papai, sinto muito. Tentei voltar…
Walt caminhou para seu filho com o cenho franzido. O menino era tão alto quanto seu pai,
embora mais magro. Tinha o lábio inferior quebrado e a roupa suja e enrugada.
—O que houve? Brigou com alguém?
—Não — respondeu Tommy.— Bom, sim, um pouco. Papai,sinto muito não ter conseguido
falar com ele. Depois explicarei o que houve. Não vou voltar a decepcioná-lo, prometo.
—Me diga só uma coisa, isto teve algo a ver com Jordan Whitley?
Tommy sorriu de orelha a orelha.
—Sim, e ele acabou pior que eu. Já não quero saber dele, papai. De verdade.
—Bom, suponho que isso já é alguma coisa.

Depois da videoconferência, Paul ficou dormindo várias noites na casa do general, decidiu
dar uma de irmão mais velho. Um daqueles dias encontrou Tommy nos estábulos, limpando os
cubículos dos cavalos.
—Olá, Tommy, como vão as coisas?
—Bem, o que quer?
—Passar um momento fora da cozinha. Vanessa não quer que eu volte a tentar fazer o
jantar. Estava me perguntando…
—Sim?
—Não quero me intrometer em sua vida, então se considerar que não é da minha conta, só
tem que me dizer, mas há algum problema o incomodando?
—De que tipo?
—Do tipo que o obriga a brigar com alguém.
—Ah, isso. O que contou meu pai?
Paul encolheu os ombros.
131
—Disse-me que você fez amizade com um menino de quem ele não gostava, nada mais.
—Foi ódio à primeira vista, e ainda não entendo. Não sei como é capaz de olhar a alguém e
saber imediatamente que é um idiota.
—Bom, seu pai conheceu muitos jovens durante todos esses anos. No final tinha razão?
—Sim — respondeu Tommy com um sorriso, e levou imediatamente a mão à boca, para
aliviar a dor do corte.— Mas não lhe diga que disse isso. Acredita que sabe tudo.
Paul lhe devolveu o sorriso.
—Seu segredo está a salvo comigo. Como ficou amigo dele?
—Suponho que foi a síndrome do menino novo — disse Tommy. Deixou apoiada a pá em
uma das paredes do cubículo. — Cheguei muito tarde para me incorporar à equipe de futebol e
não tinha nada melhor para fazer. Pareceu-me um menino um pouco estranho, mas já sabe,
sempre tinha um par de cervejas disponível e possibilidade de organizar festas — encolheu os
ombros.— Já sabe como funcionam essas coisas.
—Sim, suponho que sim — respondeu Paul, embora seus anos de instituto tenham sido
bastante tranquilos. — E de que classe de idiota resultou ser?
—É um mentiroso, vai se gabando de todas as garotas com quem se deitou.
—Infelizmente, é algo que fazem muitos homens.
—Sempre me ensinaram que um homem não deve fazer esse tipo de alarde. Além disso,
eu não tenho nada do que me gabar.
—Não se envergonhe disso, Tommy. Este é um momento no qual deve ter um cuidado
especial, não sei se sabe o que quero dizer.
—Sei exatamente o que quer dizer, Paul — respondeu sorrindo com certo receio. — E não
se preocupe, já tive essa conversa com meu pai centenas de vezes. Mas Jordan conseguiu me
chatear de verdade, estava falando de uma garota com quem estou saindo. Só estivemos
algumas vezes juntos, fazendo os deveres em sua casa, e é uma boa garota, sabe? Vai muito
devagar. Esse idiota falava dela como se já tivessem transado quando é impossível que lhe tenha
segurado sequer a mão. Tinha que pegá-lo, compreende?
—Sei, e romperam para sempre?
—Certamente. Cada vez que olho a cara dele, tenho vontade de surrá-lo.
—E como vai com a garota?
—Muito bem. Deveria vê-la. É bonita. E muito inteligente. Eu acredito que gosta de mim.
—Por que não gostaria?
—A verdade é que para mim é uma surpresa — disse Tom e desviou o olhar.
Paul achou graça daquela modéstia.
—Certo, tem tempo para ganhar um pouco de dinheiro?
—Nunca me parece mal ganhar algum dinheiro.
—Claro, se está saindo com uma garota, necessitará de dinheiro para convidá-la — Paul riu
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outra vez.— Se te interessar, há trabalho de sobra na obra. É um trabalho duro. Terá que ir
retirando tudo o que sobra para manter limpa a obra. Mas Jack paga bem, e pagam também
horas extras. Poderia ir trabalhar nos fins de semana ou ao sair do instituto.
—Aceito — disse Tom com um sorriso.

Capítulo 10

A rotina de Brie em Sacramento não tinha nenhum desafio, mas ainda não tinha vontade
de voltar para o escritório do promotor. Durante as manhãs, fazia um pouco de exercício,
limpava a casa de seu pai e cozinhava para os dois. Quando estava suficientemente relaxada

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para se concentrar, lia sempre livros de ficção que permitissem escapar. Por fim encontrou
alguns restaurantes na cidade nos quais era capaz de se sentir bem, pelo menos durante o dia.
Sentia-se a salvo no supermercado e no ginásio, mas não na biblioteca. Aqueles corredores
estreitos e abarrotados de livros lhe produziam claustrofobia. Então comprava os livros pela
Internet que eram entregue diretamente em sua casa. Mas continuava tendo medo, de modo
que variava as horas em que ia à academia, consciente dos criminosos que vigiavam suas vítimas
e estudavam atentamente suas rotinas.
Às vezes visitava suas irmãs e outras vezes eram elas que iam à casa do pai. Aos domingos
a família toda se reunia. Todos eles notaram que, embora a vida de Brie não tinha mudado
muito, mudou seu humor. Estava muito mais animada e ria com facilidade.
—Acredito que Virgin River te fez bem — observou Donna, a irmã mais velha. — E não é a
primeira vez que vai lá depois de uma crise.
—Não é o povoado — admitiu. — E tampouco Jack.
Quando foi lá depois do nascimento de David, e do fracasso do julgamento, sentia-se vazia
por dentro, sozinha. Era uma mulher que acabava de se divorciar e de perder o julgamento mais
importante de sua carreira. Sentia-se como um zero à esquerda, como se nem sequer
pertencesse à categoria de pessoa. Era uma mulher que não tinha conseguido conservar seu
casamento, uma promotora incapaz de ganhar um caso. Mas as saídas ao campo, os bailes e as
paqueras com Mike serviram para voltar a se sentir mulher outra vez. Depois, a violação havia
tornado a rompê-la em mil pedaços. Mas as chamadas telefônicas de Mike, encontros, seus
abraços e seus beijos havia tornado a ajudá-la. De fato, só com Mike se sentia como uma mulher
e não como uma vítima.
Desde que voltou para Sacramento, só havia tornado a vê-lo duas vezes em várias
semanas. Se encontraram em Santa Rosa, deram as mão durante as refeições e se despediram
com alguns beijos maravilhosos. Falavam por telefone rigorosamente cada noite e durante
quase uma hora compartilhavam os acontecimentos do dia. Contavam tudo, falou-lhe da
videoconferência na casa do general, dos clientes que jantavam no bar… À própria Brie
surpreendia o interesse com que recebia qualquer informação sobre o povoado.
À medida que a conversa ia se estendendo, suas vozes se faziam cada vez mais tênues,
suas palavras mais intensas.
—Sinto sua falta Brie — disse Mike com voz rouca durante uma daquelas conversas. —
Estou desejando que volte a me ameaçar em romper meu coração. Mas acho que na verdade já
perdeu o interesse.
—Absolutamente. Romper seu coração continua sendo uma de minhas prioridades. Pode
estar seguro de que voltarei.
—Mas ainda falta muito para que volte…
—Sinto falta de seus braços.
Disse-lhe em espanhol:
—É como se tivesse você em meus braços, Brie. Não sabe quanto te quero — e mentiu ao
traduzir suas palavras ao inglês—: vou beijá-la inteirinha.
Novembro chegou, e com ele, o frio. Brie teve notícia de que começou a nevar nas
134
montanhas. O caminho de Rede Bluff através de Trinity a Virgin River não demoraria para ficar
interditado. A partir de então, para ir a Virgin River terei que ir por Ukiah e subir pelo vale do
Mendocino. Mesmo assim, aquela estrada, embora traiçoeira e lenta, era espetacular. Brie
passou muito tempo pensando em que rota seguiria quando por fim decidiu retornar.
Falou com suas irmãs sobre Mike, mas de uma vez.
—Fala-me em espanhol, e minta ao traduzir porque não sabe que o entendo.
—E o que ele diz? —perguntou Jeannie.
—Bom algo como “quero te abraçar e fazer amor contigo”. E depois traduz pra mim como
se quisesse me beijar.
—Acha que poderá voltar a desfrutar de uma relação tão íntima? Está preparada para isso?
—Estou com muito medo, mas, ao mesmo tempo, tenho muita vontade de estar com ele.
—E confia no Mike?
—Quando estou com ele me sinto totalmente a salvo. Protegida. Ele está respeitando
completamente meu ritmo. Está sendo muito prudente. Agora mesmo, é o único homem com
quem sou capaz de ficar a sós e ele sabe — estremeceu.— Mas há fogo dentro dele, posso senti-
lo — tomou ar.
Estava há um mês em Sacramento e começando a pensar em retornar a Virgin River depois
de Natal. Mas um dia, Brad foi vê-la com uma agenda que modificou todos os seus planos. Era à
tarde e Brie estava pensando em preparar o jantar quando ouviu que seu pai abrir a porta.
Sempre sentia um ligeiro tremor quando soava o timbre, mesmo quando soava de dia. Tinha
medo de que seu pai se esquecesse de olhar no olho mágico e a pessoa do outro lado pudesse
lhes fazer algum mal.
Sam entrou minutos depois na cozinha e disse sombrio:
—É Brad.
Brie secou as mãos com um pano de cozinha.
—Está aqui?
Sam assentiu.
—Levei-o a meu escritório.
Brie se dirigiu para lá e encontrou seu ex-marido no sofá, com a jaqueta de couro que Brie
lhe deu de presente dois anos atrás. Tinha as mãos nos bolsos e a cabeça encurvada. Era tão alto
quanto Jack, o peito também largo, como seu irmão. Ao pensar nisso, percebeu que se parecia
muito com Jack e por um instante se perguntou se se casou com ele precisamente por isso.
Mike não se parecia em nada com os homens da família Sheridan; era alto, mas não tanto
quanto seu pai e seu irmão. Tinha os ombros largos, mas era um homem de compleição magra.
Seu cabelo e seus olhos eram negros como o carvão, e as maçãs do rosto muito marcadas, a pele
morena e os dentes tão brancos que quase resplandeciam. Mãos fortes, de dedos largos e ágeis.
Brie nunca o viu sem camisa, mas sabia que tinha o ventre e o peito musculosos e sem pelos. As
pernas eram longas, fortes, como de um corredor, e recordava a dureza de suas coxas quando a
sentou em seu colo.
135
Teve que fazer um esforço para deixar de pensar nele e voltar para a realidade.
—Brad, o que está fazendo aqui?
Brad elevou a cabeça, voltou-se e sorriu ao vê-la. Dirigiu-se para ela com os braços abertos,
como um velho amigo. Brie lhe permitiu abraçá-la, mas se separou rapidamente dele.
—Tenho que falar com você, Brie. Este é um bom momento?
—Sim, sente-se — respondeu, assinalando o sofá. Quando Brad se sentou, Brie se
acomodou em frente a ele.
—O que tenho a dizer é difícil — disse Brad, baixando o olhar. — Levo meses tentando
averiguar como fazê-lo — falava com o olhar cravado no chão.
—O que há, Brad? —perguntou Brie com impaciência.
Brad tomou ar.
—Christine e eu nos separamos. Já não estamos juntos. Terminamos faz vários meses. Não
muito depois… do que te aconteceu.
Brie demorou vários segundos em assimilar aquela informação. Depois, riu em tom
zombador.
—Não sei o que espera que eu diga, que sinto muito?
Brad estendeu as mãos para ela, mas só conseguiu segurar uma.
—Brie, fui um estúpido, cometi um terrível engano. Não sei no que estava pensando. Sei
que sou um idiota, mas continuo te querendo. Nunca deixei que te querer.
Brie afastou a mão e o olhou com expressão de absoluta incredulidade.
—Não está falando a sério.
Brad procurou de novo sua mão, mas Brie a afastou.
—Sei, sei que é uma loucura. Faz meses que nos separamos, mas muito antes começamos
a ter problemas, tentávamos seguir juntos embora tenha sido pelo que fizemos sofrer nossas
famílias. Brie,sei que não é uma resposta, mas demorei para compreender o que me passava.
Meu Deus, Brie, sinto muito.
Brie estava estupefata pelo que acabava de ouvir. Certamente, nem sequer Brad era
consciente do que revelava: “o que fizemos sofrer nossas famílias”, havia dito. Tinha falado no
plural.
—Então, ela não estava divorciada quando tudo começou — disse suavemente.
—Não sei — respondeu Brad.— Não, a verdade é que não. Já sabe que tinham problemas.
O casamento estava condenado ao fracasso. Glenn não sabia do nosso problema — acrescentou,
encolhendo os ombros,— embora a verdade é que não havia muito que saber.
—Christine e Glenn romperam por sua culpa! — levantou-se.— Fazia mais de um ano que
havia algo entre vocês… Meu Deus, tirou a esposa de seu melhor amigo e ele nem sequer
desconfiou — se voltou, lhe dando as costas.
Brad se aproximou dela e apoiou a mão em seu ombro.

136
—Não foi exatamente assim — disse. — Sentíamos algo, houve alguns beijos. Mas quando
te disse o tempo que estávamos juntos não menti. Fisicamente, sexualmente… Não posso te
dizer exatamente quando começou tudo porque, sinceramente, não sei. Meu Deus. Brie…
Brie se voltou para ele e o olhou furiosa.
—Deixou-me faz um ano. Levava um ano se deitando com ela. Mas pelo visto, muito mais
tempo me enganando. Enganava-me com cada beijo de boa noite que lhe dava, com cada
carícia…
—Era algo puramente físico. Era algo… Não posso descrevê-lo, mas não conseguia evitar.
—Algo físico? — riu com amargura. — Meu Deus. Brad, estava se deitando com as duas!
Pelo menos ela deixou Glenn, mas você não. Tinha duas mulheres! Duas mulheres que o
queriam. Suponho que estava em glória. E de verdade crê que é algo que vou esquecer algum
dia?
—Sinto muito, não tenho nenhuma maneira de me justificar, fui um estúpido.
—estive te pagando uma pensão sem estar sequer trabalhando.
—Tenho tudo, não gastei nada.
Brie sacudiu a cabeça.
—Jamais pensei que isso poderia piorar.
Brad deu um passo para ela.
—Se me der uma oportunidade, demonstrarei o quanto sinto, Brie. Não podemos…? Não
podemos voltar a tentar? Poderíamos começar a sair, ver se podemos retomar nossa relação. Sei
que nos levará tempo. Se não formos capazes, serei eu o único culpado, mas deveríamos tentar.
Brie voltou a rir.
—Pobre Brad, de duas mulheres passou a não ter nenhuma. Agora não está se deitando
com ninguém, não é? É patético.
—Sei que está zangada. Mas me deixe tentar emendar o que fiz. Dê-me tempo. Dê-nos
tempo…
—Não, Brad, não — e riu outra vez.— Meu Deus, Brad, não sabe quanto cheguei a desejar
ouvir essas palavras. Inclusive quando o odiava, estava desejando que voltasse comigo —
sacudiu a cabeça com incredulidade. — Meu Deus. Menos mal que esperou até agora para dizer.
—Brie…
—Pelo amor de Deus, acredita que quero ter algo com um homem capaz de enganar sua
esposa porque sente algo “físico”? Perdão, mas eu acreditava que o que havia entre nós
também era algo “físico”.
—Claro que sim, e voltaremos a ter.
—Não, claro que não. E agora, some daqui. Deixou-me por minha melhor amiga e agora
pretende que te dê uma oportunidade. Não sei como pode ser tão tolo. Nem sequer sou capaz
de entender o que vi em você. Agora, saia.
—Não, Brie, tenho algo mais a dizer.
137
—Acredito que não estou em condições de ouvir uma só palavra mais.
—Encontraram-no.
Brie ficou paralisada. Por um momento, nem sequer foi capaz de respirar.
—O que disse? O que está dizendo, Brad?
Brad tomou ar.
—Encontraram-no. Está na Flórida, detido, e já tramitou a ordem de extradição. Acredito
que amanhã receberá uma chamada do promotor do distrito.
Brie deu um passo para ele. Logo que pode conter a fúria.
—E por que não me disse isso antes? — perguntou em um sussurro.
—Porque queria que soubesse que a quero. Eu gostaria de ajudá-la a superar todo o
processo. Estar com você quando o trouxerem. Quero cuidar de você.
—Pelo amor de Deus, pensou que sua presença me ajudaria a deixar de ter medo? É um
idiota, Brad, isso é o que é. Um idiota.
Brad deixou cair a cabeça.
—Não se dá conta do quanto sinto tudo o que aconteceu? Matou-me não poder estar a
seu lado depois daquilo. Meu Deus, Brie, certamente foi isso me fez romper com Christine.
Brie esteve a ponto de tornar a rir. Mas lhe encheram os olhos de lágrimas.
—Sempre pensando em si mesmo, não é, Brad?
—Quero que me dê a oportunidade de fazer a coisa certa.
—Bom, pois não vai ter. Tomou uma decisão, Brad, agora terá que conviver com ela.
E saiu correndo do escritório. Entrou no seu quarto e fechou a porta com força.
Brad se dispunha a segui-la quando Sam lhe bloqueou o caminho.
—Acredito que será melhor que vá, filho — disse, sem perder a paciência, mas com
firmeza.
—Esteve nos ouvindo?
—Ouvi todas as suas ridículas palavras. Adeus, Brad.
Brad se voltou para partir e Sam o seguiu para fechar a porta atrás dele.
Brie estava no dormitório, dobrando sua roupa. Estava pensando no que disse Brad sobre
querer cuidar dela. Aquele homem não tinha a menor ideia do que era cuidar de uma mulher.
Bateram na porta.
—Papai? — perguntou Brie do interior do dormitório.
—Sim, Brie, sou eu.
—Entre — quando seu pai abriu a porta, Brie correu para seus braços.— OH, papai…
—Fique calma, Brie, estou seguro de que poderemos superar tudo isso.
—Papai, vou a Virgin River — elevou o olhar para ele.— Quero ver Mike. Quero estar lá.
138
Vou agora mesmo.
—Não quer que eu a leve? — perguntou Sam com um sorriso.
—Não, no carro me sinto bem. Mas se não for agora mesmo, acredito que poderia perder
a coragem. Papai, seja sincero, acredita que me equivoco em estar com o Mike? Em confiar
nele? Não se importa que saia com ele?
Sam parecia não saber o que dizer.
—Mike? Por que me importaria de que saia com Mike?
Brie encolheu os ombros.
—Jack me advertiu que era um homem muito volúvel com as mulheres. Disse-me que era
um autêntico mulherengo.
Sam se pôs a rir.
—Claro, e Jack foi sempre limpo e puro como a neve. Tá bom! Suponho que Mike e Jack se
conhecem bastante bem, Brie — respondeu enquanto lhe colocava uma mecha de cabelo detrás
da orelha. — É possível que eu esteja errado e, de fato, já me equivoquei em outras ocasiões,
mas não me ocorre nenhuma razão para não confiar em Mike — a olhou nos olhos e sorriu.—
Seu irmão confiou nele durante muitos anos porque o considera um bom homem. E é evidente
que Mike gosta de você.
—Eu me sinto como uma pessoa com ele — explicou Brie com voz fraca,— como uma
mulher. Não voltei a me sentir como uma mulher desde que Brad me deixou e depois… — se
interrompeu bruscamente. — Tenho que ir antes que tragam aqui o monstro para o julgamento.
Antes de enfrentá-lo e eu não seja capaz de recordar o que é uma carícia.
—E acha que é isso o que a espera em Virgin River?
Brie assentiu.
—Acredito. Ou espero. E se estiver enganada…
—Se está fazendo as malas é porque acredita que não há muitas possibilidades de se
enganar. — Brie negou com a cabeça. — É minha filha mais nova e está a ponto de fazer trinta e
um anos. Não quero que se sinta sozinha. Quero que volte a desfrutar do amor, e acredito que
Mike pode te dar isso. Então… vá — lhe deu um beijo na testa. — Já sofreu bastante e já
demorou muito tempo para começar a desfrutar. — a abraçou. — Mas volte logo, porque vou
sentir sua falta.

Quando Brie chegou em Virgin River, havia vários carros e caminhonetes estacionados na
porta do bar, apesar de ser a hora que Pastor e Jack estavam acostumados a fechar. Deixou o
carro ao lado do trailer de Mike. Só falaria com seu irmão na manhã seguinte. Nesse momento,
necessitava dos abraços de Mike. Sem tirar sequer as malas do carro, dirigiu-se à porta do trailer.
Quando Mike abriu a porta e a descobriu olhando para ele, levou um susto.
—Brie! — disse quase sem fôlego.
Estreitou-a entre seus braços e afundou o rosto em seu cabelo.
139
O mundo inteiro pareceu girar sobre seu eixo. Brie sentiu um calor intenso estendendo-se
por todo seu corpo; bastava que Mike a abraçasse para sentir-se bem, para que de repente tudo
fosse como tinha que ser. Abraçou-o, deleitando-se na sensação de seus lábios e sua respiração
contra seu pescoço.
—Brie — sussurrou Mike, — o que está fazendo aqui? Por que não me avisou que viria?
—Foi uma decisão repentina. Se não incomodar, eu gostaria de ficar com você.
Mike deslizou um dedo em sua bochecha até o queixo e a fez elevar o rosto para ele.
—O que você quiser está bom pra mim.
Brie esteve pensando nisso durante as cinco horas de trajeto e ensaiou centenas de
maneiras de dizer de uma forma mais delicada, mas no final, tirou o chapéu expondo
abertamente:
—Quero fazer amor com você.
Em vez de mostrar-se surpreso ou emocionado diante daquela proposta, Mike perguntou:
—O que aconteceu, Brie? Algo vai mal?
Brie sacudiu a cabeça e o olhou nos olhos.
—Brad — disse. — Apareceu na casa de meu pai para me pedir que lhe desse outra
chance. E na mesma conversa me disse que encontraram o estuprador e que vão extraditá-lo
para a Califórnia para julgamento.
Fez-se um momento de silêncio. Depois, apareceu nos lábios do Mike um meio sorriso.
—E você acha que eu possa fazer esquecê-lo?
—Não, mas sabia que se não viesse logo aqui… Mike, não estou bem, você sabe. Passou
muito tempo e aconteceram muitas coisas… Acabo de descobrir de que meu marido esteve
comigo e com Christine desde muito antes do que eu pensava. E o que Powell me fez… Não
tenho certeza, mas de verdade, não estou segura de que possa chegar a sentir outra vez.
—Shhh — a tranquilizou e lhe acariciou os lábios.— Já está sentindo, se não, não estaria
aqui — sussurrou.
—Quero que me abrace. Quero te amar durante toda a noite — disse Brie em espanhol.
Mike sorriu lentamente.
—Agora não temos nenhum segredo.
—Nenhum — respondeu Brie. E repetiu em inglês—: Nenhum.
Mike riu.
—Não sabia que me entendia — disse, e acrescentou, mais sério—: Brie, está segura de
que está preparada? E está segura de que quer que seja comigo?
—Só estou segura de que quero tentar antes que seja muito tarde, antes que esse canalha
seja levado a julgamento e ao enfrentá-lo volte a me converter em uma mulher de pedra. E
quanto à segunda pergunta, sim, claro que estou segura. Quero-o muito, Mike.
—Já viu Jack? —perguntou Mike.
140
Pousou a mão em seu pescoço e o acariciou suavemente.
—Nem sequer passei pelo bar. Suponho que não lhe custará imaginar por que vim
diretamente aqui quando vir meu carro.
—Quer que a acompanhe e diga que está aqui?
—Não, Mike. Já disse, verei Jack amanhã — riu nervosa. — A verdade é que não estou
segura do que tenho a te oferecer. Sei que quero fazer, mas de todas as formas… Talvez se me
oferecer uma cerveja.
—Não necessita de uma cerveja, Brie. Não vai acontecer nada de mau. Enquanto estiver
comigo, não permitirei que tenha nenhum medo.
—E se eu não for capaz de sentir nada? E se estiver morta por dentro? —perguntou Brie
em um sussurro.
—Sabe que nunca esteve morta por dentro, só está assustada. Confiou em si mesma o
suficiente para vir até aqui. Esqueça todo o resto — roçou suavemente seus lábios. — Além
disso, antes de seguirmos com isso, quero que saiba algo que pode te fazer mudar de opinião. Eu
não sou nenhum bom samaritano, Brie. Não sou só um homem que está desejando ajudar uma
amiga a reencontrar-se de novo com seu corpo. Estou apaixonado por você, Brie — sussurrou
contra seus lábios.
Brie sentiu seu fôlego doce e quente sobre o rosto antes que cobrisse sua boca com um
beijo intenso e apaixonado. Brie se agarrou a ele com um gemido.
—Estou completamente louco por você — disse Mike.
Abandonou seus lábios, levou-a ao interior do trailer e fechou a porta atrás dele.
—Acredita que Jack tentará atirar a porta abaixo? —perguntou Brie.
Mike riu.
—Acredito que até Jack sabe o quanto ama a vida.
Emoldurou-lhe o rosto com as mãos, procurou sua boca e devorou seus lábios. Voltou a
beijá-la outra vez, e outra. Retinha-a contra ele com aqueles braços que tanto desejaram aquele
encontro. Mike sentiu a língua de Brie no interior de sua boca: era tão deliciosa, tão doce, que o
embriagava. A única coisa que esperava naquele momento era ser capaz de fazê-la sentir-se
cômoda com suas carícias, ser o suficientemente delicado para que estivesse disposta a receba-
lo no interior de seu corpo. Depois do que Brie sofreu, queria que tivesse certeza de jamais ter
que voltar a sentir medo ou dor, que seu corpo estava destinado ao prazer. Um prazer tão
selvagem e maravilhoso que encheria sua vida durante tantos dias e noites, como ela quisesse.
Aqueles pensamentos combinados com sua cercania fizeram-no se excitar de tal maneira
que quase doía. Pousou a mão no traseiro de Brie e a estreitou contra ele para mostrar o efeito
sobre ele. Dos lábios de Brie escapou um gemido rouco e profundo.
—Agora tudo depende de você, Brie. Se mudar de opinião…
—Não — sussurrou Brie contra seus lábios.
—Quero que saiba que não temos nenhuma pressa. Quando quiser que me detenha ou
que vá mais devagar, só tem que me dizer.
141
Brie negou com a cabeça.
—Confio plenamente em você.
Mike a conduziu ao pequeno dormitório do trailer. Havia espaço de cada lado daquela
enorme cama de casal e as paredes estavam cobertas de armários, gavetas e prateleiras, mas
era um espaço agradável e mais que suficiente para os dois.
Mike pousou as mãos nos botoes do pulôver de Brie e começou a tirá-los muito
lentamente, deixando-a com a camisa. Voltou a beijá-la e a fez colocar as mãos ao redor de seu
pescoço e, olhando-a nos olhos, começou a abrir os botões de sua camisa. Brie não necessitou
de mais pistas; tirou-lhe a camisa da cintura da calça, desabotoou-lhe rapidamente os botões e
pousou as mãos sobre seu peito nu. Acariciou a cicatriz que trazia no ombro e deslizou
lentamente as mãos pelo restante de seu peito.
—Eu gosto de sentir sua pele — sussurrou, e a beijou na base do pescoço.
Com um ágil movimento, o sutiã desapareceu e Mike estreitou Brie contra seu peito. Pele
contra pele. Brie o abraçou com força. A sensação de suas mãos pequenas deslizando por suas
costas acendeu todos os terminais nervosos de Mike; a firmeza de seus mamilos contra seu
peito conseguiu desatar um incêndio em seu interior. Pousou a mão sobre um de seus seios e
acariciou o mamilo ereto. Depois, inclinou a cabeça e o apanhou entre os lábios, fazendo-a
sussurrar suavemente seu nome.
Mike a desejava com todas as suas forças. Procurou de novo sua boca e enquanto a
beijava, foi empurrando-a lentamente até deitá-la na cama.
—Tudo bem? —perguntou enquanto pousava a mão no fechamento das calças.—
Necessita de mais tempo?
Brie negou com a cabeça.
—Não, estou preparada.
Mike desabotoou-lhe as calças lentamente e as baixou, também com movimentos
delicados. Tirou-lhe os sapatos e terminou de desfazer-se dos jeans. Levantou-se e levou a mão à
cintura da calça, mas vacilou um instante, esperando que Brie lhe dissesse que estavam indo
muito rápido.
Mas Brie afastou suas mãos e as substituiu pelas dela; desabotoou a fivela, baixou-lhe o
zíper e desceu as calças, o liberando por fim da opressão do tecido. Brie fixou o olhar naquela
parte de seu corpo durante uns segundos, mas o elevou até seus olhos, fechou os olhos e se
inclinou para ele. Mike a deteve pousando as mãos em seus ombros.
—Em outro momento, baby. Esta noite é para você.
Deitou-a na cama e tirou as botas para deitar-se a seu lado.
Estando os dois nus, abraçou-a. Sentia-a pequena e forte contra seu corpo. Fechou os
olhos imaginando vê-la sobre os lençóis brancos, com aquele corpo de marfim acariciando sua
pele morena, viu sua própria mão bronzeada acariciando seu quadril e a mão de Brie sobre a
sua. Decidido a encher as mãos daquela pele de seda, cobriu-a de carícias dos ombros até os
joelhos enquanto a beijava com paixão.
Continuou acariciando-a durante vários minutos, lhe dando tempo para se acostumar à
142
sensação de seus corpos nus e entrelaçados. Brie enredou a perna sobre a sua e começou a
mover as mãos ao longo de suas costas, estreitando-o com força contra ela. Mike deslizou a mão
entre seus corpos e abaixou-a por seu ventre plano para descobrir, não sem certa surpresa, que
Brie tinha aberto as pernas para ele. Localizou o botão que estava procurando e o acariciou
muito lentamente, fazendo-a gemer de prazer. Depois, desceu um pouco mais e, com muita
delicadeza, afundou um dedo nela. Descobriu que estava preparada para recebê-lo; Brie era
uma mulher apaixonada que passou muito tempo sem fazer amor. Mas Mike não queria que se
precipitassem, queria as coisas muito devagar. As últimas carícias que Brie sentiu foram brutais;
ele queria apagar sua lembrança com amor e delicadeza para que não voltasse a ter medo nunca
mais.
Deitou-a de costas e tombou sobre ela.
—Me deixe te olhar, Brie — sussurrou.
Continuou acariciando-a, do pescoço até o púbis e uma e outra vez, deixando que seus
dedos se empapassem em sua úmida suavidade e fazendo-a retorcer-se contra ele.
—Acredito que nunca vi nada tão formoso — sussurrou.
Pousou a mão em seu quadril e apertou lentamente enquanto riscava uma linha de beijos
desde seu pescoço até seus ombros, passando por seus seios no caminho para seu ventre.
Incorporou-se, voltou a lhe beijar o pescoço e sussurrar no ouvido:
—Confia em ti, Brie.
Seguiu beijando-a, cada vez com mais paixão e menos delicadeza, até deter-se no centro
de seu corpo. Abriu-lhe as pernas e pousou a boca sobre ela, roçando-a no princípio e exercendo
depois mais pressão. Brie moveu os quadris contra sua boca. Ouviu-a gemer de prazer e sentiu
suas mãos nos ombros, o agarrando com força. Ele a sujeitou pelos quadris e continuou
acariciando-a com a língua até sentir que tremia, que vibrava contra ele. Foi maravilhosa a forma
em que Brie o deixou levá-la até o clímax. Agradou-o e o surpreendeu ao mesmo tempo.
Preparou-se para penetrá-la pouco a pouco no terreno do prazer, mas Brie estava reagindo com
tanta paixão que o estava fazendo consumir-se de desejo. Quando Brie relaxou, Mike se afastou
e foi subindo lentamente até sua boca, beijando o ventre, os seios e o pescoço.
—Brie, é maravilhosa. Absolutamente deliciosa. Para mim é uma honra poder estar a seu
lado.
Brie tinha problemas para recuperar o ritmo da respiração.
— Meu Deus – sussurrava Brie – Meu Deus!
—Parece que não tem nenhum problema para sentir.
—Não — murmurou Brie, potencialmente relaxada entre seus braços.
—Agora está melhor, não é?
—Quero mais, Mike.
—Tem certeza?
—Sim, tenho certeza.
Mas Mike foi com calma. Permitiu que se recuperasse e voltou a excitá-la lentamente,
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valendo-se de suas mãos e da doçura de seus lábios. Empurrava o desejo de afundar-se nela e
procurar sua própria liberação, mas o ignorou. Concentrou-se na resposta de Brie, convencido
de que poderia levá-la outra vez até o extremo do desejo. E como era um homem que gostava
de fazer as coisas bem, sussurrou-lhe ao ouvido:
—Brie, tenho preservativos …
Brie pareceu ficar paralisada.
—Não — disse com veemência, sacudindo a cabeça.— Por favor, não.
—Não, claro que não, meu amor.
—Sinto muito, não posso…
—Não tem problema, Brie. Faremos sem preservativo.
Mike lhe deu tempo para esquecer aquela interrupção. Voltou a cobri-la novamente de
beijos, emprestando particular atenção a seus seios, seu pescoço e seus lábios. Ao final, colocou-
se sobre ela, pôs um joelho entre suas pernas e pressionou ligeiramente para que as abrisse.
Observou seu rosto: Brie tinha os olhos fechados e a cabeça voltada para um lado. Mordia o
lábio inferior com tensão. Mike segurou seu queixo, fê-la voltar-se para ele e a beijou com
ternura. Voltou a beijá-la com mais paixão, convidando-a a abrir os lábios sob os seus.
Brie pousou as mãos em seus quadris, mas Mike não estava seguro se o fazia para afastá-lo
ou para lhe estreitar contra ela. Desceu sobre Brie e no instante em que roçou o lugar onde
poderia afundar-se nela, sentiu-a fechar-se, esticar-se.
—Brie —pediu brandamente, — olhe-me. Sou eu. Diga meu nome, meu amor.
—Mike — sussurrou Brie.
—Leve-me até você —pediu Mike, — Mostre-me o caminho.
Brie lhe rodeou com sua mão e imediatamente Mike se preparou para perder-se
completamente naquele prazer. Não estava seguro de poder aguentar o suficiente para agradá-
la outra vez, mas estava mais que disposto a tentar. Muito lentamente, Brie o conduziu dentro
dela.
—Meu amor — disse Mike, — se concentre em meu rosto. Estamos sozinhos, você e eu e o
amor que quero te dar. Porque jamais te darei outra coisa que não seja amor.
—Mike — disse Brie suavemente.
—Brie — sussurrou Mike.
Deslizou-se lentamente em seu interior, enchendo-a por completo. Brie jogou a cabeça
para trás, elevou a pélvis e, apoiando as mãos na cintura de Mike, o fez afundar-se
completamente nela. A sensação foi tão deliciosa que Mike acreditou estar a ponto de morrer
de prazer. Dobrou os joelhos e começou a mover-se com ela, assegurando-se de criar a fricção
adequada entre seus corpos cada vez que se afundava no interior de Brie. Era muito importante
que Brie desfrutasse. Não se tratava somente de fazê-la sentir outra vez, mas tinha que sentir
até o mais profundo dela.
Sentiu-a esticar-se a seu redor, entregar-se por completo ao momento enquanto chegava
um novo orgasmo, e naquela ocasião, durante a tão temida penetração. Era isso o que Mike
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queria para Brie desfrutasse, que superasse com êxito, provar com um homem que só queria
agradá-la, com um homem que a adorava, respeitava-a e a amava mais que a sua própria vida.
Sabia que tinha que confiar plenamente nele para poder chegar ao orgasmo.
E quando chegou, sentiu-a fechar-se com força a seu redor e lhe cravar os dedos nas
costas. Mike gemeu, incapaz de se conter, enquanto se afundava com força nela. Brie se aferrou
a seu corpo e gritou. Ele acelerou o ritmo de seus movimentos, sem deixar de abraçá-la,
deixando que seus corpos se fundissem como se fossem um.
—Brie — ofegou.— Brie.
Quando sentiu que Brie estava completamente satisfeita, que para ela já tinha passado a
tormenta, voltou a mover-se dentro dela com movimentos fortes e rápidos e conseguiu levá-la
ao topo pela terceira vez. Brie ofegou e se arqueou contra ele. Quando Mike a viu de novo no
limite, permitiu-se entregar-se completamente àquelas sensações. A explosão de prazer foi tão
intensa que o fez tremer.
—Meu Deus — murmurou Brie, sem poder dar crédito ao que acabava de experimentar. —
Meu Deus.
Mike estava a ponto de cair, mas se manteve sobre ela, com o corpo coberto de um filme
de suor. Os dois demoraram um bom momento para se recuperar. Brie permanecia embaixo
dele, com o cabelo sobre o rosto, os olhos fechados e um sorriso nos lábios.
—Brie — sussurrou Mike,— está sorrindo.
—Mmm — respondeu ela sem abrir os olhos, e sorriu ainda mais.
Mike riu.
—Acredito que conseguimos que voltasse a ser o que era antes.
Brie negou com a cabeça.
—Não — murmurou sonolenta.
—Não?
—Não, jamais em minha vida havia sentido nada parecido.
Mike se pôs a rir enquanto lhe afastava o cabelo da testa.
—É incrível.
—Mmm — esticou os braços por cima da cabeça, — obrigada — murmurou.
Mike a beijou com ternura.
—Você está bem? Porque parece bastante relaxada — brincou.
—Jamais teria pensado que o sexo poderia chegar a ser tão relaxante — respondeu. —
Não me meteu um Valium na boca, não é?
—Não, claro que não — respondeu Mike entre risadas. — Só queria que se sentisse bem.
Não imaginava que fôssemos desfrutar tanto.
—Eu tão pouco.
Mike lhe mordiscou o lóbulo da orelha.
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—Não sabia que ia ser assim — sussurrou. — Certamente, não pode dizer que tenha se
transformado em uma mulher sem sentimentos.
—Mas asseguro que não o enganei. Vim com a esperança de me sentir bem — abriu os
olhos durante uns segundos, mas voltou a fechá-los, — Mimada, feminina. Não sabia que fosse
explorar meu cérebro duas ou três vezes.
Mike arqueou uma sobrancelha.
—Dois ou três?
Brie encolheu os ombros. Aproveitando o momento.
Brie deu meia volta na cama e se apoiou sobre um cotovelo.
—Diz a verdade? Mas como é possível? — perguntou.
—Não podemos falar disso manhã? Não quero estragar o momento.
—Se insistir…
—Amanhã voltaremos a tentar outra vez. Então saberemos se fomos realmente
conscientes do que estamos fazendo.
—Se insiste… — repetiu Brie entre risadas.
—Quero voltar a fazer amor com você. De fato, acho que poderia voltar a fazer
imediatamente. Tem um efeito mágico em mim.
—OH — riu Brie, — pobrezinho.
—Amanhã de manhã poderá se arrepender disso.
Brie suspirou.
—Aposto que não.
E Mike voltou a beijá-la.

Quando Jack voltou para casa, David estava dormindo e Mel sentada na cama. Pôs uma das
camisas de Jack e o computador no colo, como se estivesse procurando alguma informação na
Internet ou escrevendo um e-mail. Jack achava engraçado vê-la assim. Ela dizia que gostava de
vestir suas camisas depois de tomar banho, para apreciar seu aroma almiscarado. E gostava de
usar aquelas camisas no dia seguinte, recordando que tinham abrigado o corpo de Mel.
—Tenho uma surpresa para você — disse a sua esposa.
—Que surpresa?
—Brie voltou para o povoado. Está com o Mike.
—De verdade? — perguntou Mel.
Fechou o computador imediatamente e o deixou a um lado. Jack conseguiu captar toda
sua atenção.
—Não a vi, mas ao sair do bar, vi seu carro estacionado ao lado do jipe de Mike. Veio vê-lo,
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não a nós.
Mel encolheu os ombros.
—Bom, suponho que é normal. Mike a quer.
—E como sabe?
—Como é possível que você não saiba?
—Pensava que só queria transar com ela — respondeu Jack, enquanto se sentava.
—Isso é bastante irrelevante — respondeu Mel rindo. — É algo habitual em qualquer
homem. Mas alguns no final se apaixonam pela mulher que estão tentando seduzir.
—Fala como se todos fôssemos uns descerebrados que nos deixamos nos levar pelo que
nos ordena nosso corpo.
Mel achou graça. Naquele momento não parecia uma mulher mal-humorada por causa de
uma gravidez inesperada.
—Perguntou-me por que.
—Pra você parece lógico?
—Parece-me extraordinariamente lógico. Inclusive me faz sentir certa nostalgia.
Então foi Jack que sorriu.
—Suficientemente nostálgica para se deitar comigo?
—Mas me diga uma coisa, já superou a necessidade de proteger continuamente Brie?
—Sim, acredito que sim — respondeu Jack, quase com cansaço. — Não era que não queira
que desfrutasse de uma vida completa, Mel. Eu pensava que já tinha conseguido com Brad. Mas
era Mike que me preocupava. Mike é um mulherengo — reparou na expressão decepcionada de
sua esposa. — Tranquilize-se, não vai voltar a acontecer. Todos têm um passado.
—E duvido que o do Mike seja mais intenso que o seu nesse sentido.
—Sim, mas eu mudei com o casamento. Assim espero que Deus me ajude, porque caso
Mike se case com minha irmã e depois a deixe, vou matá-lo.
—Me parece que está completamente louco por ela.
—Melhor — respondeu Jack, secamente. — De qualquer maneira, eu já não tenho nada a
ver com tudo isto. É coisa de Brie.
Aproximou-se de Mel, rodeou-lhe o pescoço com a mão e a atraiu para ele.
—Como você está? —perguntou.
—Muito melhor que alguns dias atrás, e você?
—Eu? — A única coisa que posso dizer é que sou um homem de sorte.

147
Capítulo 11

Envolto na fria luz da manhã, Mike se apoiou sobre um cotovelo para olhar à mulher que
dormia a seu lado. Brie dormia calmamente e a curva de suas costas e seu pequeno e

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arredondado traseiro lhe pareciam muito deliciosos. Irresistíveis. Não queria incomodá-la,
interromper seu descanso, mas não pôde evitar: acariciou-a. Pousou a mão em seu pescoço e a
deslizou lentamente ao longo de suas costas até alcançar seu traseiro. Brie ronronou algo meio
sonolenta e Mike a beijou nas costas.
Bateram na porta. Brie elevou a cabeça e a juba caiu em cascata sobre seu formoso rosto.
—Shhhh —disse Mike.— Não se mova.
Quando se sentou na cama para recolher as calças que na noite anterior ficaram no chão,
Brie viu pela primeira vez a tatuagem que levava nas costas: era um sol que projetava seus raios
bem no meio de seus ombros. Ficava muito sensual em umas costas tão largas e escuras. Tinha
visto outras tatuagens na noite anterior: era uma banda em um braço em forma de cadeia.
Mike vestiu as calças e abriu a porta do trailer. Viu que alguém, Pastor ou Jack, deixou no
chão uma bandeja com o café da manhã, ao lado da porta. Olhou ao redor, mas não viu
ninguém, e entrou de novo no trailer com a bandeja. Levava dois pratos e um recipiente térmico
com café. Deixou-a na mesa. Tinha a cozinha completamente equipada e dispunha de pratos,
copos e panelas, mas raras vezes os utilizava, porque fazia quase todas as refeições no bar.
Então, percebeu que algo estava estranho. Naquela manhã não se ouviam os golpes do
machado sobre a lenha, apesar de fazer um tempo perfeito. Jack estava lhe dando mais algum
tempo com Brie. Nem sequer queria que sentissem sua presença naquele lugar.
Desse modo, Mike tirou as calças, retornou à cama e continuou dedicado ao prazer de
contemplar as sedosas costas de Brie. Tomou uma mecha de seu cabelo revolto e o levou aos
lábios. Brie ronronou satisfeita.
—Quem era?
—Serviço de quarto — respondeu Mike entre risadas. — Nos trouxeram o café da manhã.
—E tem fome? —perguntou Brie.
—Não de comida.
Deitou-se sobre ela, tendo muito cuidado de não carregar sobre suas costas todo o peso,
afastou-lhe o cabelo, beijou sua nuca e começou a descer para a suavidade de seu traseiro.
—O café da manhã pode esperar — disse Brie, quase sem fôlego, elevando os quadris para
aumentar seu contato com ele.
Então ocorreu ao Mike que apesar do quanto desfrutou do sexo ao longo de sua vida,
nunca viveu nada como aquilo. A intimidade que compartilhava com Brie ia muito mais à frente
do sexo; passaram por muitas coisas juntos antes de fazer amor. Mike se sentia como se não
tivesse estado com nenhuma mulher até então. Nenhuma se entregou a ele com tanta
confiança, com tanta liberdade. Depois da vacilação das primeiras carícias, Brie se entregou por
completo. Devotou a ele seu corpo e se mostrou insaciável. Deu boas vindas a suas mãos, a seus
lábios, a cada centímetro dele, e lhe mostrou o prazer que sentia uma e outra vez.
Quase o fez esquecer que durante uma grande parte do ano esteve plenamente
convencido de que não voltaria a desfrutar do sexo jamais em sua vida. Agradando Brie,
tentando recriar para ela a alegria do sexo, esqueceu completamente sua própria carga, nem
sequer se preocupou com a qualidade de sua atuação. Brie acendeu um fogo que nada poderia

149
extinguir. E pela reação de Brie, por sua resposta, era evidente que também ele provocou a
mesma reação. Ela não era a única que precisava se libertar dos problemas do passado. Ele
também precisava voltar a vida. Até esse momento, esteve concentrado unicamente em ajudá-la
a sarar, mas não percebeu que Brie o ajudou a curar suas próprias feridas.
Deslizou-se sobre ela, fazendo-a elevar a pélvis ligeiramente e lhe abriu as pernas.
—Você gosta assim? —sussurrou, pressionando-se contra ela.
—Sim, eu adoro.
Mike se afundou nela com um rápido movimento e começou a balançar-se lentamente.
Uma investida mais rápida e mais forte fez Brie suspirar, movendo-se contra ele, buscando em
cada uma de suas penetrações.
Havia um lugar especial dentro de cada mulher, um lugar secreto e particularmente
sensível, e Mike sabia perfeitamente onde estava. Voltou a mover-se, com delicadeza, mas com
firmeza, e sem descanso. Brie empurrava para trás, recebendo com prazer a pressão que Mike
aplicava, acompanhando com gemidos e ofegos e, após alguns segundos, fechou-se a seu redor
com repentina firmeza. Mike a sustentou contra ele enquanto Brie se elevava a um mundo de
prazer tão ardente e intenso que, por um momento, deixou até de respirar. Mike desfrutou de
seu êxtase; sentiu os espasmos de Brie a seu redor e o líquido de fogo que saía de seu interior o
empapava, fazendo-o se unir a ela naquele momento de plenitude que deixou ambos
absolutamente satisfeitos.
Quando Brie começou a se recuperar, Mike se separou dela e se deitou de costas.
—Meu Deus, nunca havia sentido nada igual em minha vida — disse Brie admirada.
Mike se apoiou sobre um cotovelo, contemplou seus lábios avermelhados e as bochechas
rosadas.
—Gostou?
—Meu Deus — repetiu Brie, com voz trêmula.— O que você me fez?
—Foi magia. Um truque. Localizei seu ponto G.
Brie o olhou abismada e soltou uma gargalhada.
—Eu acreditava que isso era um mito! Uma lenda!
—Pois é algo completamente real, evidentemente.
—Como é possível que você saiba mais de meu corpo depois de uma só noite que eu em
toda minha vida?
—É graças a você — respondeu Mike, deslizando a mão por seu braço e entrelaçando os
dedos com os seus, — foi por sua maneira de confiar, de me deixar entrar em você.
—E acredita que poderia repetir?
—Receio que terá que esperar um bom momento — respondeu Mike entre risadas.
—Assombra-me a quantidade de coisas que sabe — disse Brie, lhe acariciando o peito.
—Estive com muitas mulheres, Brie, sinto muito. Não posso apagar meu passado. Mas
nunca senti o que estou sentindo com você. É como se fosse a primeira vez que tenho uma
150
relação íntima com alguém. Não consigo explicar isso melhor.
—Mmm — murmurou Brie, fechando os olhos lentamente.
—Foi como uma explosão. Você sentiu?
—Sim, claro que senti — respondeu Brie.— E o que vamos fazer agora?
—Ficará entediada se ficarmos o dia todo aqui, nus, e pedíssemos que nos trouxessem a
comida durante um mês ou dois?
—Quanto tempo acha que Jack será capaz de aguentar sem dizer nada?
Mike encolheu os ombros e sorriu.
—Suponho que no final teremos que nos vestir…
—Lembra-se de quando estive aqui depois que David nasceu? Ouvia-o tocar violão nas
manhãs.
—Não sabia.
—Eu gostava de imaginar que tocava para mim. Comovia-me muito sua música. E já
naquela época eu gostava.
Mike se pôs-se a rir.
—Não fazia ideia. Naquele momento não parecia disposta a ceder nem um centímetro.
—Estava absolutamente convencida de que todos os homens eram uns canalhas.
—E somos, não merecemos nada. Mas mesmo assim, continuo afirmando, — acariciou seu
rosto. — Mudei desde que começou a tomar parte de minha vida.
—Estava convencida de que nunca poderia voltar a me apaixonar — disse Brie
brandamente, e imediatamente sorriu, — e agora não estou segura de que possa evitar.
—Quero que me explique uma coisa — pediu Mike. — Ontem à noite, na primeira vez,
quando falei em pôr um preservativo, ficou assustada durante alguns segundos.
Brie fechou os olhos e sacudiu a cabeça. Abriu-os depois, olhou ao Mike e disse:
—Não podia. Não podia sentir o látex dentro de mim porque ele…
—Sei meu amor — disse Mike com doçura. — Não há problema. Vieram-lhe lembranças?
—Só por alguns segundos. Depois, fez-me retornar ao presente e ficou tudo superado —
sorriu. — E agora estou melhor ainda.
—Há algo que deveria tentar lembrar — respondeu Mike, lhe acariciando o cabelo. — Por
mais perfeitas que possam parecer as coisas, sempre existe a possibilidade de que descubra
algo...
—Sim, eu sei, revivendo aquele momento — terminou Brie por ele.— estive fazendo
terapia. Os psicólogos me estiveram preparando para esses momentos. Foi o que me ocorreu a
primeira vez que fiquei sozinha na cabana — deslizou um dedo ao longo de sua orelha e baixou
depois por seu pescoço. — Agora me fale de sua carga…
Mike a olhou nos olhos sorrindo.

151
—Todo mundo tem algo, Brie. Algum fantasma que o persegue. E a melhor maneira de
desfazer-se dos fantasmas é encará-los de frente.
—É muito bom, Mike — murmurou Brie.
—Não há nenhum perigo de que contraia alguma doença. Não estive com nenhuma
mulher depois de que levei um tiro e no hospital analisaram até a última célula de meu corpo.
Mas há outro assunto que me preocupa… Está tomando a pílula?
Brie negou com a cabeça, mas não parecia preocupada.
—Bom. Mel pode te ajudar nisso. Pode te dar uma dessas pílulas para evitar a gravidez.
—E se não quiser tomá-las? — perguntou Brie.— E se não quiser ver Mel?
Mike se ergueu ligeiramente na cama.
—Suponho que tirou boa nota em biologia quando estava no instituto. Não tenho por que
lhe explicar isso. Aquela confissão satisfez os desejos mais profundos de Mike.
—Mas isso não significa que vá acontecer — encolheu os ombros. — Provavelmente não
acontecerá nada.
—Se a intensidade do prazer tiver alguma relação com as possibilidades de gerar uma
criança, daqui a uma semana teremos feitopelo menos cem.
—Se preferir que vá ver Mel, eu vou. Provavelmente tudo isto seja uma loucura. Não quero
assustá-lo nem que fuja.
—Brie, não vou fugir. Quero te dar isso tudo. Se quiser ter um filho, lhe darei um. Mas só
se estivesse disposta que seja nosso filho, seu e meu. E talvez devesse pensar nisso um pouco
mais.
Brie sorriu.
—Ah, sabia que me esqueci de algo. Uma das razões por que vim aqui. Não foi somente
por necessitar que me abraçasse, mas porque estar com você me faz sentir mais forte. Era muito
mais que isso. Não podia estar longe de você nem um segundo mais. Acredito que é o melhor
amigo que tive na vida. De fato, estivemos tão unidos durante os últimos seis meses de uma
maneira que me parecia impossíveis conseguir estar tão perto de alguém — pousou a mão nos
lábios de Mike. — Entretanto, isto está superando até minhas expectativas mais selvagens. Se
estiver fingindo, é um grande ator.
—Não estou atuando, Brie. Quero-a. Quero-a como louco.
—Eu também.
Aquela confissão satisfazia deixou Mike satisfeito.
—Fala a sério?
—Sim, Mike. Não sou capaz de imaginar a vida sem você. Ficou ao meu lado durante todos
estes meses.
—Jamais teria imaginado que poderia chegar a ter uma coisa assim.
—Eu nem sequer sabia que existia.
—E é o que quer? Deixar a natureza seguir seu curso?
152
—Provavelmente não seja o mais arriscado. Antes pensava… — tomou ar. — Deixei de
tomar pílula ainda casada com o Brad. Estivemos falando em termos um bebê e queria lhe fazer
uma surpresa. Não sabia que estava começando uma aventura entre ele e minha melhor amiga…
Pelo visto, sua relação não começou um ano antes dele me deixar, mas muito tempo antes.
—Isso foi o que disse ontem? —perguntou Mike. — E ao mesmo tempo contou que
encontraram Powell?
—Acho que lhe escapou — respondeu.— Suponho que ela deixou seu marido com a
desculpa de que tinham muitas brigas, mas a verdade era que estava apaixonada pelo Brad. E
Brad sabia. Entretanto, isso não o impediu de continuar se deitando comigo. É claro, eu não
tinha nem ideia. E aí estava, tentando surpreendê-lo com um bebê. Mas não aconteceu. Não
fiquei grávida.
—E suponho que foi o melhor, levando-se em conta as circunstâncias. Mas poderia ser
diferente. Deveria andar com os olhos bem abertos. Já te disse que não se pode confiar na água
desta área. Eu acredito que, para seu próprio bem, seria mais sensato que utilizássemos algum
método anticoncepcional. Não sei se percebeu, mas vivo em um trailer.
—Esses são detalhes sem importância. Asseguro-te que me sinto como se estivesse em
minha própria casa — lhe acariciou o rosto. — Se ontem à noite fizemos um bebê, será uma
menina preciosa. Não quero tomar nenhuma pílula. Se o bebê estiver aqui, é seu, quero que
fique.
—Então, assim será — respondeu Mike, e a beijou com paixão. — Faremos o que você
quiser.
—Não quero que termine nunca.
—E não vai terminar meu amor, confie em mim.

Jack não esteve próximo do trailer durante a manhã, embora não por falta de vontade.
Mas foi pura casualidade que visse o momento no qual se abria a porta e Brie saía, olhou o
relógio; eram onze horas, quase hora do almoço. Bem atrás dela estava Mike. Provavelmente,
deveria ter dado meia volta, mas não o fez. Sua irmã parecia quase uma menina com os jeans, o
mocassim, a jaqueta com franjas e aquela juba que chegava até sua cintura.
Viu-a voltar-se para Mike e oferecer seus lábios para um beijo. Inclusive àquela distância
era fácil perceber que não tinham nenhuma vontade de se separar. Mas afinal, Mike se dirigiu
para seu carro enquanto Brie caminhava para a porta do bar.
Jack permaneceu tranquilamente atrás do balcão, como se não tivesse estado observando-
os. Pegou um copo que estava perfeitamente limpo e começou a limpá-lo com um pano. Brie
abriu a porta e entrou. Jack esteve a ponto de retroceder ao vê-la. Jamais a viu assim. Estava
radiante. Com um brilho nos olhos e um sorriso de orelha a orelha.
Brie não vacilou. Meteu-se detrás do balcão e abraçou seu irmão. Jack deixou o copo
imediatamente e também a abraçou.
A única coisa que Jack desejou desde o mês de junho era poder recuperar sua irmã. Vê-la
outra vez viva e feliz, sem o medo e a insegurança que irradiou durante todos aqueles meses.
153
Queria que retornasse a ser a Brie que ele conhecia. Jack não tinha sido capaz de renunciar a ela.
Nenhum membro de sua família foi capaz de fazê-lo. E a jovem que tinha entre seus braços
quase tremia de felicidade. Não era só que houvesse retornado a velha Brie, mas retornou
renovada, como se fosse uma mulher nova. Uma mulher que estava desfrutando do amor como
se o estivesse vivendo pela primeira vez.
Às vezes, Jack custava a aceitar certas coisas que no fundo sabia. Muitas delas, por
exemplo, descobriu nos braços de sua esposa. O que Brie necessitava em sua vida, aliás, todo
mundo, era amor. Um amor perfeito. Ele o encontrou com Mel. Pastor o encontrou com Paige e
sua irmã parecia havê-lo encontrado com Mike. Deu um beijo na face de Brie.
Brie levantou a cabeça para olhar seus olhos.
—Não volte a duvidar dele nunca mais — advertiu.
Jack pousou a mão em seu cabelo e sorriu com ternura. Concordou em silêncio. Brie
escolheu seu companheiro apesar das dúvidas de Jack, parecia ter escolhido bem.
Jack resistiu quando deveria ter confiado que sua irmã saberia do que necessitava, e
deveria ter aceitado também que Mike seria capaz de tratá-la como merecia. Porque era
evidente que o que havia entre Mike e sua irmã ultrapassava muito o aspecto puramente físico.
Mel, pensou Jack, sempre teve razão.

Mel começou a encarar um pesadelo na forma de Sophie Landau. Pensou que podia ter
acontecido alguma coisa com ela. Soube inclusive antes que começasse a falar.
—Minha amiga Becky e eu fomos a uma festa a que talvez não devêssemos ter ido. Eu
disse que dormir na casa de Becky e ela disse que iria dormir na casa de minha irmã. Brendan
Lancaster nos convidou. Ele é mais velho que a gente, graduou-se faz dois anos — estava com os
lábios tão vermelhos que parecia que os estar mordendo-os.
—Continue — a animou Mel.
Sophie estava sentada na maca, ainda vestida, enquanto Mel, apoiada no armário,
escutava-a com atenção. Sophie era uma adolescente um pouco gordinha, com cabelos lisos e
castanhos. Um leve problema de acne e os dentes ligeiramente tortos. Suas unhas roídas e a
maneira de tocar constantemente o cabelo evidenciavam que era uma garota nervosa.
—Então foi a uma festa. E havia muita gente?
—Não, só umas seis ou sete pessoas.
—Brendan mora sozinho?
—Não, com sua mãe. Mas ela passa muitos finais de semana fora. Brendan agora trabalha
em Garberville, com seu tio. Não havia nenhum adulto.
—E?
—Estávamos sozinhos, bebemos cerveja e fumamos bastante. Eu me embebedei e perdi a
consciência. E Becky acha que ela também.
—Becky acha que ela também?
154
—Não tem certeza porque estava muito cansada e foi dormir no quarto da mãe de
Brendan. Despertou às três da manhã. Eu acho que apaguei, porque no dia seguinte despertei
no dormitório de Brendan e não me lembrava como cheguei lá.
—E como despertou?
—Me sentindo muito mal. Sentia-me como se tivessem me dado um golpe na cabeça. Com
o estômago revolto e desejando ir para casa dormir. Quando cheguei lá, disse a minha mãe que
acreditava estar com gripe e fui deitar. Quando me despi, vi que minha calcinha estava do
avesso.
Um novo caso, pensou Mel preocupada.
—Não dei muita importância porque imaginei que eu mesma fiz isso.
—Bebe muito habitualmente?
Sophie inclinou a cabeça.
—Na verdade, não — respondeu. — Fui a umas três festas com esses garotos, mas nunca
terminou tão mal.
—Então pensa que desmaiou e vestiu as calcinhas no avesso?
—Não, isso não. Mas sei que estava bastante bêbada.
—E não considerou isso? Deixe-me perguntar uma coisa, estava dolorida em alguma
parte? Com hematomas?
—Sim, doía-me um pouco… aí — respondeu, apontando a vagina. — Mas pensei que era
impossível, porque se tivesse acontecido alguma coisa, eu teria despertado. Depois ouvi uma
garota no vestiário da academia, dizendo a uma de suas amigas que nunca fosse a essas festas.
Disse que uma coisa que nem sequer conseguiria contar aconteceu com ela. E então eu soube,
não sei por que, mas soube.
—Você acha que pode ter sido violentada?
—Sim, é possível. Mas não sei. Não acho que esses caras… São nossos amigos. Eu não acho
que sejam o tipo de gente que…
—Teve suas regras?
—Tomo pílula porque meu ciclo é muito irregular. Tive a regra uma semana depois da
festa, mas agora me preocupa outra coisa, como ter contraído alguma doença.
—Fez bem em pensar nisso. Não se preocupe, faremos todos os exames necessários para
que fique tranquila. Mas, Sophie, não é a primeira vez que ouço algo parecido. Não tenho nem
ideia de se te aconteceu alguma coisa mais, além de beber muita cerveja, mas acredito que
deveria falar com meu amigo. É policial e está…
—Um momento, eu não quero problemas.
—Sophie, não vai ter nenhum problema. Eu a aconselho a deixar de ir a essas festas em
que estão a sua disposição drogas e álcool, mas é só um conselho. É possível que meu amigo
queira saber quem estava lá, só para verificar se há correspondência entre o que te aconteceu
e… outras informações que conseguiu falando com outras pessoas.

155
—E se tiver? Prejudicarei alguém? Porque eu não quero causar problemas a ninguém.
—Sophie, posso garantir que ninguém vai se meter em confusão por beber cerveja. Nem
sequer me preocupa o consumo de maconha. Tudo o que me contou ficará entre nós, é
estritamente confidencial. Mas, sério, precisamos saber o que está acontecendo, se alguém a
violou.
—E se na verdade não aconteceu nada?
—Nesse caso, não haverá nada a fazer — respondeu Mel. Mas tinha certeza de que
estavam enfrentando um problema muito sério. — Meu amigo tem muita experiência como
detetive, falou com muitos garotos e está investigando o assunto. Estaria muito interessado em
falar com você. E jamais dirá de onde tirou a informação sem sua permissão. Falará com ele,
Sophie? Embora só seja para evitar que volte a acontecer com outra garota.
—Talvez — respondeu, baixando a cabeça em um gesto de timidez. — Tenho que pensar a
respeito.
Mel fez o exame vaginal, colheu amostras para as análises e a convenceu a falar com Mike.
Pediu que esperasse na clínica um pouco mais, só o tempo de localizar Mike. Podiam conversar
ali com privacidade. Não lhe ocorria outro lugar mais seguro, ali estava longe da família e dos
amigos de Sophie. Se não encontrasse Mike, pediria a Sophie que retornasse no dia seguinte, e
cruzou os dedos para que não falhar.
Mel se sentia cada vez pior com aquele assunto. Estava convencida de que havia um
estuprador no povoado, que fosse um grupo de garotos que estavam utilizando drogas com
garotas inocentes.
Deixou sua paciente na clínica e foi para o bar. Aquela hora, a primeira hora da tarde,
estava tudo calmo. Não viu a caminhonete de Jack, então assumiu que estaria na obra. Pastor e
Paige estavam na cozinha, começando a preparar o jantar.
—Olá, viram Mike?
—Seu carro está aí fora, mas acho que está no trailer com… sabe que Brie está no
povoado? — perguntou Paige.
—Sim — respondeu Mel. Tirou o telefone do gancho e discou o número de Mike.— Olá,
Mike, sinto acordá-lo, mas precisamos conversar. É sobre aquele assunto que falamos — e
terminou dizendo—: Obrigada, fico te devendo.
Aproximou-se do balcão e tomou uma água com gás enquanto esperava Mike. A
velocidade que este apareceu a acalmou. Parece que não tinha interrompeu nada, e se alegrava
terrivelmente disso.
—O que aconteceu? — perguntou.
—Vamos à varanda — pediu Mel.
Uma vez fora, explicou o que acabou de ouvir e disse que a garota estava disposta a falar
com ele. Foi com o Mike à clínica e o apresentou a Sophie. Deveria ter esperado, mas na verdade
se surpreendeu agradecida com a ternura e delicadeza com que Mike tratou Sophie. Conseguiu
tranquilizá-la e ganhar sua confiança em questão de minutos. Mike a levou à cozinha,
aproveitando que não havia pacientes na clínica. Alguns minutos depois, saiu para pedir uma

156
caneta e voltou a se fechar com Sophie.
Mel tinha muita vontade de ver Brie, mas não queria se afastar da clínica enquanto Mike
entrevistava sua paciente. David estava dormindo na área de recepção e ouviu que começava a
se mover, de modo que foi pegá-lo para trocar a fralda antes que começasse a chorar.
Passou perto de uma hora até que Mike e Sophie saíssem da cozinha. Mike pousava a mão
nas costas da garota, enquanto agradecia pela ajuda.
Pelo olhar de Sophie, era evidente que não só tinha conseguido ganhar sua confiança, mas
também sua mais absoluta admiração.
Quando Sophie se foi, Mike olhou para Mel e fez um gesto sombrio.
—Temos um estuprador solto, não é? — perguntou Mel. Mike concordou.
—Vários. Agora tenho nomes. Suspeito que algumas das garotas foram suas pacientes.
Agora posso ver porque não me deu seus nomes.
—E o que fará?
—Só quero fazer algumas perguntas. Também eu gostaria de encontrar alguém que possa
ajudar Sophie. Acredito que deveria falar com um profissional.
—No Centro de Planejamento Familiar talvez possam ajudar com esse assunto. E no
condado também há uma equipe que atende violações.
Mike sacudiu a cabeça com tristeza.
—Quando aceitei este trabalho, isso era a última coisa que esperava encontrar.
—Logo agora que Brie acaba de chegar. — Disse Mel com compaixão.
—Ela entenderá. De fato, receio ter que falar com ela sobre o assunto.
—Não contei a Jack…
—Pedirei que seja prudente com a informação, mas depois de tudo o que Brie teve que
passar, devo ser sincero com ela. Ocultaram-lhe muitas coisas e eu não posso esconder algo
assim. É muito importante. Logo agora que estamos começando a…
Mel o interrompeu elevando a mão.
—Você sabe o que pode fazer e o que não, e sabe também que não podemos permitir que
essas adolescentes continuem correndo perigo — Mike assentiu.— Eu gostaria de ver Brie.
Quando acha que poderei?
—Acho que dentro de dez minutos.

Mike sentiu algo maravilhoso quando chegou ao trailer e abriu a porta sabendo que Brie
estaria ali. Tudo parecia estar saindo bem. Entrou e, efetivamente, ali estava Brie, esperando por
ele. Ela arrumou o trailer e fez a cama. Naquele momento estava sentada à mesa, escrevendo.
Assim que o ouviu, levantou o olhar para ele. E Mike não pôde evitar. A primeira coisa que fez foi
inclinar-se para beijá-la.

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—O que está fazendo? —perguntou enquanto se sentava na frente dela.
—Redigindo minha demissão. E escrevendo uma lista. Tenho que começar a procurar um
emprego. Se for ficar aqui, terei que trabalhar. E vou ficar aqui.
—Um emprego?
—Sim, um emprego. Ainda não tenho certeza a que quero me dedicar, mas sou advogada.
E não posso ter todas as minhas coisas em um trailer. Preciso do meu computador, livros…
—Eu adoro ouvi-la dizer isso, mas está segura de que quer ficar e morar em Virgin River?
—Não me importaria, embora não acho que vá encontrar um local em um povoado tão
pequeno. De fato, nem sequer sei se poderei encontrar trabalho. Talvez tenha que morar em um
lugar maior, ou trabalhar em alguma cidade da região. Mas Mike, você quer partir de Virgin
River? Porque suponho que é consciente de que estou disposta a ir a qualquer parte com você.
Mike tomou sua mão e a reteve entre as suas.
—Eu adoro viver aqui. Neste povoado me aconteceu o melhor de minha vida. Eu gostaria
de sugerir algo, em vez de um emprego, penso em procurar uma casa. Uma casa
suficientemente grande para montar um escritório. Poderia trabalhar em casa.
—Você gostaria?
—Se formos nos deixar levar pelo que dita a natureza, algo me diz que logo vamos
necessitar mais espaço. O que acha?
Brie sorriu.
—Que eu gosto de fazer planos com você.
—Acha que estou indo muito rápido? Quando sua família aparecer vai achar que estamos
loucos.
—Não me importa — respondeu Brie, sacudindo a cabeça. — Faz muito tempo que não me
encontro tão bem e acredito que mereço um pouco de felicidade. Quando começaremos a cair
na realidade?
—Antes do que imagina. Tenho uma tarefa que está me deixando bastante ocupado, mas
é algo muito importante.
—Pode me falar disso?
—Sim, quero contar, mas é um assunto muito delicado e poderia afetá-la.
—Vá em frente. Sou boa com assuntos delicados. E tentarei não deixar que me afete.
—Mel não compartilha este tipo de informação com ninguém, nem sequer com Jack. Quer
que eu a ajude em uma investigação. Disse a ela que contaria a você por muitas razões, mas tem
que ser discreta. Obviamente, sei que pode confiar plenamente em seu irmão, mas este é o
acordo que chegaram como casal e vou respeitar.
—De acordo.
—Mel teve várias pacientes adolescentes e suspeita que foram drogadas e violentadas.
Pelo que descreve, acredito que tem razão. Por fim consegui alguns nomes e quero falar com
essas garotas. Quero saber exatamente o que está acontecendo e tentar chegar ao estuprador.
158
Ou aos estupradores.
Brie sacudiu a cabeça com tristeza.
—É terrível — disse. — Alguma vez trabalhou em casos de violência sexual? Está preparado
para atender um caso como este?
—Nunca trabalhei na unidade de violência sexual, mas me ocupei de alguns casos que
havia também violência sexual e tenho certa experiência. Além disso, trabalhei com muitos
adolescentes e isso me dá certa vantagem nesta situação. No momento posso começar sem sua
ajuda, mas estou seguro de que vou necessitar de seus conselhos. Acha que terá condições de
me ajudar?
—Posso tentar. O certo é que sei muito sobre este tema, e não só por experiência pessoal.
Lidei com muitas vítimas de violações nos julgamentos.
—Esperava que pudesse me ajudar. Bom, agora vou falar com algumas dessas garotas. A
propósito, Mel está louca pra vê-la.
—Está no consultório?
—É possível que agora já tenha terminado.
Abriu a porta do trailer e viu Mel sentada perto da porta traseira do bar, jogando com
David, fazendo-o rir e oferecendo o espaço e o tempo que os dois necessitavam. Mike fez um
gesto para que se aproximasse e Brie se levantou para sair a recebê-la. Abriu os braços para Mel
e a abraçou como teria abraçado uma irmã.

Mel sentou David a seu lado, ao redor da mesa da pequena da cozinha de Brie enquanto
lhe servia um refresco.
—O que acha da minha cozinha? — perguntou Brie a Mel.
Mel sorriu.
—Demorou muito tempo pra se decidir…
—Tinha muitas coisas para pensar.
—Está muito bonita — disse Mel. — A felicidade se reflete em seus olhos.
—Acredita que os homens falam entre eles?
—Não como nós, tenho certeza. Mike não contará nada ao Jack sobre você. Jack agiu de
uma forma ridícula com vocês.
—Mas isso já está superado — respondeu Brie.— Esta manhã, alguém nos deixou a bandeja
do café da manhã fora do trailer e suspeito que foi Jack.
—Me alegro com isso, já era hora de recuperar a razão. Pediria perdão pela ignorância de
seu irmão, mas você o conhece quase melhor que eu — pôs-se a rir. — Deveriam me haver
advertido que era tão intrometido. E tão mandão. Meu Deus — inclinou a cabeça. — Só precisa
ver você para saber que deve estar com Mike. Que ambos devem estar juntos.
—É um autêntico anjo. Jamais em minha vida me trataram com tanta amabilidade e com
159
tanta ternura. Jamais. Mike esteve meses falando comigo sem insinuar em nenhum momento
que queria algo mais de mim. Quantos homens acha que seriam capazes de fazer algo assim,
quando havia muitas possibilidades de que não pudesse conseguir nada de mim?
—Mike é um bom homem — disse Mel. — Jamais poria em uma situação difícil uma
mulher que goste.
—Nem sequer estava segura de que pudesse voltar a estar com um homem, Mel. Não sabe
como estava nervosa.
Mel se limitou a escutar em silêncio. Se Brie quisesse ser mais específica, seria. Ao ver que
não diria nada mais, comentou:
—Me alegro de que no final tudo tenha saído bem. E de que graças a isso esteja outra vez
aqui.
Brie levantou o olhar um segundo e sacudiu a cabeça como se ainda não pudesse sair de
seu assombro. Quando estava em Virgin River, sentia falta de suas irmãs, mas com Mel ali, podia
contar com a cumplicidade feminina que necessitava em uma situação como aquela.
—Tinha muitas coisas para pensar, muitas coisas a considerar. Mas ao final, estou aqui por
algo que ocorreu em Sacramento.
Mel arqueou as sobrancelhas.
—Quer falar a respeito?
—Nem sequer tive oportunidade de contar a Jack ainda, mas Mike sabe tudo. A razão por
que vim tão repentinamente, sem avisar a ninguém, é porque Brad veio visitar-me. Prenderam
Jerome Powell na Flórida e estão emitindo a ordem de extradição para julgá-lo aqui.
Mel tomou sua mão.
—Meu Deus, Brie. E você como está?
—Vou testemunhar contra ele, é obvio, mas quero ficar aqui até o julgamento.
—Querida, já sabe que estaremos todos ao seu lado.
—Achei estranho Brad ter sido portador da notícia. Foi até minha casa. Mas antes de falar
de Powell, pediu-me que lhe desse outra oportunidade, queria que tentássemos retomar nossa
relação onde a deixamos. Já não está com Christine.
—Wow — disse Mel, surpreendida. — E você o que fez?
Brie sorriu lentamente.
—Ensinei-lhe onde estava a porta e fiz as malas imediatamente. Acabei com essa parte de
minha vida — seu sorriso se desvaneceu. — A outra parte, a do julgamento, vai me custar algo
mais superá-la. Será um pouco mais difícil. Muito mais difícil, de fato.

A primeira vez que Mike teve a oportunidade de apresentar a documentação que o


representava como policial local de Virgin River foi no instituto de Valley, no escritório de
psicologia. A senhora Bradford era uma mulher prudente e séria e, embora cordial, não estava
disposta a deixar que aquele recém-chegado falasse com nenhum de seus alunos sem estar

160
completamente segura de quem era. Mike a convidou a comprovar seus dados no escritório do
xerife se duvidasse da autenticidade do documento. Contou-lhe também como chegou a se
converter em policial local e mostrou a placa que Hope lhe entregou. Esteve no instituto em
outras ocasiões, falando com o diretor e com alguns professores, mas sempre foram reuniões
para conhecimento, nunca no curso de uma investigação. Explicou à psicóloga que não
prenderia ninguém, mas que as entrevistas com os alunos podiam ajudar a resolver o problema.
Assegurou também que as estudantes com quem queria falar não teriam nenhum tipo de
problema, mas que, mesmo sem estarem conscientes disso, poderiam contribuir com
informação muito valiosa.
—Será algo como as testemunhas de um acidente de trânsito: pessoas que podem
contribuir com dados necessários para resolver um problema sem sequer saber.
A senhora Bradford desapareceu por volta de vinte minutos. Quando retornou, tinha várias
estudantes dispostas a falar com Mike. Este assumiu que ela chamou o xerife para estar segura
de quem ele era.
Mike falou com adolescentes que lhe proporcionaram os nomes de alguns dos garotos e
garotas que viram nas festas. Perto de uma hora depois, Brenda Carpenter entrou no escritório
da psicóloga para falar a sós com Mike. Ele conhecia os pais de Brenda, mas nunca a viu.
Mostrou-lhe a placa.
—O que está acontecendo? — perguntou Brenda.
—Não se preocupe, não vai acontecer nada a você — assegurou Mike. — Não tem
nenhuma obrigação de falar comigo, mas eu gostaria que o fizesse. Quero te perguntar sobre
uma festa que é possível que tenha participado. Não sei se recentemente ou talvez há algum
tempo.
—Eu não vou a festas — replicou imediatamente.
—Seu nome aparece em uma lista que estou confeccionando sobre alunos do instituto que
participaram de algumas dessas festas. Estou tentando verificar se são consumidas drogas
nesses encontros.
—Eu não consumo drogas.
—Não estou falando de maconha. É possível que houvesse drogas sem que desconfiasse.
—Então como vou poder ajudar?
—Valeu a pena tentar. E, é óbvio, nada do que diga sairá daqui. Conheço seus pais através
de Jack, mas prometo que não vou dizer nada. Nem a eles nem a ninguém. Estou procurando
informação sobre essas festas onde mais de uma pessoa perdeu a consciência.
Brenda o olhou com os olhos entrecerrados.
—A que se refere?
—Esteve alguma vez em uma festa em que alguém desmaiou? Em que alguém perdeu a
consciência? Porque essa informação poderia me ajudar.
Brenda esteve a ponto de levantar-se de um salto.
—Quem lhe falou sobre isso? Achei que não tinha falado com ninguém.
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—Entrevistei uma estudante que diz ter ficado desacordada em uma dessas festas. Não
posso dizer quem é, é algo completamente confidencial. Não sei se você estava ou não nessa
festa e por isso estou perguntando.
—De verdade? E não o contou a nenhum adulto?
—Não. Respondeu Mike, negando com a cabeça. — Esta informação não consegui através
de nenhum adulto. Tem algo a me contar, Brenda? É muito importante, de verdade.
—E por quê? Por que é tão importante?
—Porque quero deter os responsáveis antes que alguém… Bom —se interrompeu e
sacudiu a cabeça com gesto solene.— Me deixe ser mais claro. Poderia chegar a haver vítimas
mortais. Se eu soubesse de alguma coisa, não gostaria de ter essa carga na minha consciência.
—Alguém pode morrer por perder consciência?
—Se foi utilizado algum tipo de droga para fazer que essa pessoa a perca, sim.
Brenda cruzou os braços.
—O que quer que eu diga?
—Voltemos ao princípio. Esteve alguma vez em uma dessas festas?
—Fui a uma festa uma vez, faz muito tempo, e a gente bebia muito, mas não acredito que
seja isso o que quer saber.
Mike encolheu os ombros.
—Poderia ser o que procuro se alguém misturou a cerveja com algum tipo de droga.
Brenda tomou ar.
—Mas já disse que isso aconteceu faz muito tempo.
—Recorda quem estava lá?
—Por quê?
—Seu nome apareceu em uma ocasião, embora tenha havido várias festa como esta —
explicou. — É possível que eu não seja um homem muito inteligente, mas tenho a sensação de
que, na melhor das hipóteses, foi a uma dessas festas e não te agradou muito. Não estou
dizendo que saiba por que— elevou as mãos. — A única coisa que quero é que me dê alguns
nomes. Será uma informação completamente confidencial. Só quero comprovar se há nomes
que apareçam nessas festas com regularidade.
Brenda o olhou sobressaltada, mas se produziu em seu rosto uma lenta transformação. Do
medo passou ao aborrecimento. De repente compreendeu, soube o que estava ocorrendo. Ela
não tinha sido a única. Havia alguém que estava tentando aproveitar-se das garotas.
Mike lhe estendeu uma caderneta e uma caneta.
—Qualquer informação específica, como se houve alguém que passou por ali só um
momento, ou ficou por muito tempo, quem organizou a festa, quem levou a cerveja… esse tipo
de coisa. Tudo pode ser importante.

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Quarenta minutos depois Mike estava no carro revisando as listas, deduziu que
provavelmente Brenda era a paciente que ficou grávida na festa sem saber como. Depois,
apareceu outro nome que reconheceu imediatamente. Aparecia também na lista de Sophie. Ela
lembrou que um menino passou pela festa. O nome voltava a aparecer em uma das festas da
área de descanso, mas também esteve pouco tempo ali. Na lista de Brenda não aparecia e
tampouco no resto. Tom Booth participou da festa em que Sophie passou mal.
Mike poderia ter voltado para o instituto para pedir à senhora Bradford que chamasse
Tom a seu escritório para falar com ele, mas antes que tivesse tempo sequer de considerar
aquela possibilidade, soou o timbre que anunciava o final das aulas e os estudantes começaram
a abandonar o instituto. Paul comentou que Tom estava acostumado a sair do instituto e
trabalhar na casa que Jack estava construindo e se perguntou se poderia encontrá-lo lá.
Certamente, se encontraria também com Jack, compreendeu, e talvez tivesse que
enfrentar duas situações delicadas ao mesmo tempo. Brie passou a noite em seus braços,
compartilharam algo muito mais íntimo que uma excursão à costa ou um baile em uma feira. Se
Jack ia expor algum problema, preferia que fosse sem a presença de Brie. Sabia que Brie viu seu
irmão naquela manhã e que não houve nenhum confronto, justamente o contrário. Entretanto,
isso não queria dizer que não pudesse havê-lo entre dois homens que, cada um a sua maneira,
gostavam de Brie.
Quando chegou à obra, não viu a caminhonete de Tom, mas o lugar fervia de atividade. A
caminhonete de Jack estava estacionada perto da casa.
No interior, Mike encontrou vários homens trabalhando. Jack estava na cozinha, de
joelhos, colocando o piso. Mike o observou trabalhar um momento e depois comentou:
—Está ficando muito bom, Jack.
Jack virou para trás apoiando-se sobre os joelhos e elevou o olhar para seu amigo. Tirou
um lenço do bolso e secou o suor do rosto. Levantou-se. Jack era um homem de muitas
expressões: a de bom tipo, a de companheiro, a de tipo duro capaz de assassinar a qualquer com
o olhar… e havia outra que estava acostumado a reservar para seus momentos de liderança ou
de sargento. Naquele momento olhava Mike com uma expressão que parecia debater-se entre a
dureza e a amabilidade. Possivelmente pretendia mostrar-se insondável, não refletir nenhum
sentimento.
—Obrigado — limitou-se a responder.
—Pensei que tivesse algo a me dizer, queria te dar a oportunidade de dizer agora que Brie
não pode nos ouvir.
—Sim —respondeu Jack, — tenho algo a te dizer. Já falamos sobre isso, mas volto a repetir
uma vez mais para que possa entender. Brie é alguém muito especial para mim e a vi sofrer
muito. Sabe a que me refiro.
Mike assentiu.
—Sim, sei.
—Sabe também que lutei contra o que está acontecendo entre minha irmã e você. A
verdade é que me dá muito medo.
163
—Também sei, mas…
—Porque sou um estúpido — interrompeu Jack, e sacudiu a cabeça frustrado. — meu
Deus, Mike, quantas vezes lutou a meu lado? Colocou-se em perigo para me proteger ou a
qualquer dos nossos. Não sei por que estive contra você. Quando alguém faz uma mulher da sua
família sofrer como sofreu Brie, a única coisa que se quer é trancá-la para que ninguém possa
magoá-la nunca mais, embora seja a pior coisa a se fazer.
Voltou a negar com a cabeça.
—Me perdoe, Mike — disse trocando de expressão. — Sempre gostei de você como a um
irmão. E sei que Brie está a salvo com você.
Mike tirou o chapéu e deu um sorriso.
—Meu Deus — disse. — Mel fez um trabalho incrível em você.
A expressão de Jack se tornou abertamente hostil.
—Eu gostaria de saber por que Mel sempre tem que levar o mérito quando entro em
razão. O que o faz pensar que não cheguei sozinho a essa conclusão?
—Está certo — respondeu Mike, estendendo a mão. —agradeço por isso.
Jack lhe estreitou a mão e o sorriso do Mike desapareceu.
—Jack, dou a minha palavra de que vou fazer tudo ao meu alcance para que sua irmã seja
feliz. Estou disposto a protegê-la com minha vida.
—Acho bom — respondeu Jack com firmeza.— Porque caso contrário…
Mike não pôde evitar um sorriso.
—Faz um minuto a coisa estava indo bem.
—Tem razão, tentarei me acalmar.
—Não o decepcionarei — prometeu Mike.
Jack ficou em silencio durante um tempo antes de dizer:
—Obrigado, eu sabia, Mike. Simplesmente, levei algum tempo para compreender. Os
homens como nós…
—Sim — Mike riu,— os homens como nós. Quem iria imaginar?
Jack passou a mão pelo pescoço.
—Sim, bom, agora tome cuidado. Porque a gente remove a poeira como eu fiz e de
repente está tirando o chapéu alimentando toda uma equipe de futebol.
—Tomarei cuidado —assegurou Mike.— Agora me mostre a casa.
—Certo. Direi a Paul que nos acompanhe. Estava me saindo bem, mas o que ele está
fazendo é uma autêntica obra prima.
Depois de mais ou menos trinta minutos admirando o trabalho de Paul. Mike viu Tom
estacionar a caminhonete, descer e começar a trabalhar. Mesmo assim, adiou o encontro;
continuou conversando com Jack e Paul até que o sol começou a se por. Jack foi tomar banho
antes de ir ajudar a servir o jantar no bar e Paul continuou fiscalizando o trabalho.
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Mike então se aproximou de Tom.
—Olá, tem um minuto?
—Claro — respondeu Tom. Deixou no chão o lixo que recolheu e tirou as luvas. — O que
ocorre?
—Faz algum tempo estive falando com você sobre as festas…
—Olhe, eu já disse Mike, estive em duas delas, mas só por curiosidade, o que quer saber
exatamente?
—Estou procurando uma coisa — respondeu Mike, encolhendo os ombros.— Drogas.
—Drogas? — perguntou Tom. — Vi um ou outro fumar cigarro de maconha, mas eu nem
provei. Conhece meu pai. Se me pegar fumando, é capaz de me enviar diretamente à prisão. Não
é um homem muito liberal, digamos assim.
—Sei — respondeu Mike com um sorriso, — Percebi. Mas na verdade estava procurando
outra coisa, uma que certamente você não viu quando esteve lá.
Tom o olhou boquiaberto.
—Eu não vi nada estranho — o advertiu.
—Filho, olhe-me nos olhos e repita o que disse.
Tom sustentou seu olhar.
—Sério, eu só vi um par de cigarros. Mas…
Mike esperou um instante.
—Mas? — insistiu ao ver que ele não continuava.
—Estava saindo quando suspeitei que alguma coisa iria acontecer— encolheu os ombros.
— Havia alguns caras que se afastaram para fazer algo às escondidas, sabe? Mas não estiveram
fora por muito tempo.
—O que suspeitou que poderia ser? — perguntou Mike, com seu radar em alerta.
—Não faço ideia, êxtase, talvez? Cristal? Não sei, mas com certeza não era nada bom. Eu
não queria tomar nada mais forte que uma cerveja, olhava os fumantes de longe.
—Quem organizou as festas, Tom?
Tom baixou o olhar e sacudiu a cabeça. Depois, antes de Mike pedir que o olhasse nos
olhos, levantou o olhar e disse:
—Olha, eu não me importaria em colocar alguém em problemas, te asseguro. Se soubesse
de alguma coisa e achasse que poderiam fazer mal a alguém, contaria tudo, mas não posso
acusar ninguém estar traficando ou consumindo drogas quando o máximo que fez foi
intercambiar um número de telefone, sabe?
Mike permaneceu em silencio durante um longo momento.
—Sim, sei. Nesse caso, tente lembrar quais pessoas participaram dessas festas, ok?
—Ok. Isso eu posso dizer.

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Capítulo 12

De todas as mulheres moradoras de Virgin River, a última que Mel imaginava que daria
positivo em uma mamografia seria Lilly Andersen, que deu à luz e amamentou a sete filhos. Lilly
era uma mulher de quem Mel gostava de maneira muito especial. Entretanto, aí estava o
resultado: o radiologista a chamou e disse que Lilly deveria ver um especialista imediatamente.
Para Mel era um mau sinal o fato de Lilly ter emagrecido muito ultimamente. Esperou e
rezou para que aquela perda de peso se devesse à carga de cuidar de uma criança de um ano de
idade: Chloe.
Chloe. Só havia quatro pessoas no povoado que sabiam a verdade: Mel, o médico, Lilly e
Buck Andersen. Todos os outros pensavam que Chloe era uma criança abandonada que Lilly
acolheu em sua casa com três semanas de vida. Mas na verdade Chloe era filha de Lilly.
E Mel ia sofrer para dizer àquela mulher que talvez tivesse câncer de mama.
—Sinto muito, Lilly, mas pelo menos pudemos detectá-lo, e embora não seja uma boa
notícia, agora ela pode se concentrar no tratamento. Marquei uma consulta em Eureca para
amanhã.
—Tão rápido? — perguntou nervosa.
—Quanto antes, melhor. Buck pode levá-la ou necessita que a acompanhe?
Lilly, típico dela, sorriu com delicadeza e pegou a mão de Mel.
—Não se preocupe Mel. Direi a Buck que me acompanhe.
—Quer que eu fale com ele? Porque é importante.
—Não, eu me encarregarei de Buck. Não me operarão de um dia para outro, não é?
—Não, mas é possível que façam uma biópsia. No caso de sugerirem uma operação,
recomendo que opere o mais rápido possível. O radiologista disse que a mancha é significativa.
Notou algum caroço?
—Não, mas na verdade nem saberia detectá-lo.
—Lilly, vai precisar de ajuda com Chloe. Acho que deveria dizer a sua família a verdade
sobre a menina. Tem que dizer a seus filhos.
—Superaremos. Mel, não há por que se preocupar.
—Não estou preocupada. Agora há tratamentos muito bons e a percentagem de
sobrevivência em doentes de câncer de mama é muito alta. Mas se tiver que se submeter a
tratamento, é possível que não se encontre muito bem. Acho que seus filhos merecem saber a
verdade. Todos eles são maravilhosos, tenho certeza de que não a reprovarão.
Lilly riu.
—Se você não me condenou, suponho que ninguém me condenará.

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—E tente lembrar que se reagirem mal, será somente por um tempo, pouco a pouco irão
se acostumar. Não deve ter medo, Lilly. Seus filhos a adoram.
—Sim, nisso tive muita sorte.
E aí foi onde terminou a sorte de Lilly. O câncer detectado era muito agressivo e estava
muito avançado; afetado seu sistema linfático e os pulmões. Depois de uma mastectomia em
dobro, efetuada na semana da primeira visita ao cirurgião, seu oncologista estabeleceu duras
sessões de quimioterapia e radioterapia. Sua filha mais velha, Amy, passou a tomar conta de
Chloe.

Infelizmente, no trabalho de um policial era comum perceber quase imediatamente de


quem era o personagem mau do filme, mas isso não significava que dispunha das provas
necessárias para detê-lo. Mike imaginou que em um lugar tão pequeno como Virgin River, onde
todo mundo se conhecia, esses processos seriam mais simples. Mas estava enfrentando os
mesmos problemas que teve em Los Angeles.
Depois de falar com Tommy e em torno de vinte adolescentes, tinha a lista das pessoas
que compareceram àquelas festas durante os últimos meses. Poderia haver mais, mas esses
eram os nomes de que dispunha. Mike fez uma viagem a Garberville para falar com Brendan
Lancaster, um garoto de dezenove anos que, junto com Jordan Whitley, o ex-amigo de Tommy,
foi a todas as festas. Os outros meninos que participaram em mais de uma ocasião, e que,
poderiam ser cúmplices, não pareciam ter ideia do que acontecia lá. A confusão que mostraram
durante as entrevistas pareceu autêntica. Entretanto, no caso de Whitley e Lancaster os dois
pareciam estar fingindo.
Continuava a falta de indício sobre o tipo de drogas que se consumiam naquelas festas,
drogas de efeitos muito diversos: desmaio e perda dos sentidos até a excitação. Era uma
estranha combinação. Poderia haver Rohipnoles e cristal na mesma festa? A mescla tinha que
ser mortal.
Mike estava convencido de que Tom Booth não estava relacionado com esse grupo. Foi a
uma das festas da área de descanso por curiosidade, aguentou menos de uma hora e chegou à
conclusão de que ali não podia acontecer nada bom. Então decidiu ir embora. Também esteve
na casa de seu amigo em algumas ocasiões, até que começou a sair com sua garota. Na casa de
Jordan sempre havia cerveja, mas nunca viu ninguém desmaiar ou enjoar-se, provavelmente
porque nunca ficou durante muito tempo. Não conhecia muita gente, mas forneceu os nomes
que conhecia, e entre eles apareciam, uma vez mais, Whitley e Lancaster.
—Darei a você uma pista — disse Mel a Mike.— O garoto ou garotos que procura têm
clamidea¹.
—Mas isso não me basta para detê-los.
—Nesse caso, terá que apanhá-los com as mãos na massa.
—É provável — respondeu Mike.
Bastou imaginar a si mesmo espiando uma daquelas festas e esperando que um dos
suspeitos drogasse e tentasse violar uma garota para lhe dar vontade de vomitar. Pensou que ia
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necessitar de ajuda, o que significava que teria que voltar a falar com o xerife, mas até agora só
tinha uma lista de nomes de adolescentes que beberam cerveja e talvez fumaram algum
baseado. Nada mais. Até que não descobrisse algum dado mais significativo, não poderia passar
nenhum relatório. Teria que continuar falando com os garotos. Talvez pedir a Zach Hadley que
mantivesse os ouvidos bem abertos.
Aproximava-se o dia de Ação de Graças e Mike continuava tentando esclarecer aquele caso
quando Paul convidou ele e Brie para jantar na casa do general. Vanessa queria oferecer a Brie
um jantar de boas-vindas ao povoado, um gesto generoso e muito próprio dela.
Enquanto o general, que estava no comando da cozinha, deu ordens a Vanessa e a Brie,
Paul e Mike para saírem e tomar algumas cervejas na varanda, sob a luz esbranquiçada daquela
tarde de neve. E acabavam de comentar sobre o trabalho de Tommy na casa do Jack, quando
este chegou montado a cavalo e acompanhado de uma garota que cavalgava em sua própria
sela.
—Agora está se sentindo um verdadeiro Romeu — disse Paul.
—Está saindo com uma garota? — perguntou Mike, olhando-o com os olhos
entrecerrados.
—Sai com a maravilhosa Brenda. Estava há muito tempo apaixonado por ela, mas acho que
a ganhou graças aos cavalos.
Meu Deus, pensou Mike. Aquela era uma situação muito delicada.
—Escuta, Paul, estão acontecendo umas coisas que tentarei explicar mais adiante, mas me
faça um favor, sim? Quando chegarem aqui, leve Tommy um momento. Diga-lhe que necessita
de ajuda acender a chaminé ou algo assim. Eu me encarregarei de seu cavalo. Preciso falar com a
garota.
—Há algum problema com a Brenda? Porque eu acredito que é uma garota encantadora.
—Sim, é, mas tenho que falar com ela. Se não conseguir convencê-la de que jamais irei
prejudicá-la, Tommy poderá perder seu primeiro amor por culpa de um policial nervoso.
—Esteve praticando por aí?
—Sim, no instituto, precisamente.
—Pois será melhor que se saia bem porque Tommy teve problemas com seu pai que não
sei se tiveram a ver com essa garota.
—Sim, tentarei fazer as coisas bem, não se preocupe.
É obvio, tal como Mike esperava, Brenda pareceu assustar-se quando o viu no curral.
Soltou imediatamente as rédeas e freou seu cavalo. Mike tentou tranquilizá-la com um gesto,
entrecerrando os olhos e sacudindo ligeiramente a cabeça, mas Brenda estava apavorada. Não
queria que Tommy soubesse o que lhe aconteceu. E não queria passar todo o jantar tremendo
por culpa de um policial.
—Tommy, pode me ajudar um momento? —pediu Paul.— Necessito que me dê uma mão
com a lenha. Mike se encarregará de seu cavalo.
—Tem certeza? — perguntou Tommy enquanto desmontava. — Talvez Mike devesse
ajudá-lo com a lenha enquanto eu ajudo Brenda com os cavalos.
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—Ainda me incomoda um pouco o braço, sabe? Vamos.
—E conseguirá dar conta dos cavalos, Mike?
—Claro que sim — respondeu Mike. — Se não, sua amiga pode me ensinar o que preciso
fazer.
—Ah, Mike, esta é Brenda. Brenda, este é Mike Valenzuela, um amigo da família.
—Prazer em conhecê-la — disse Mike, estendendo a mão.
Brenda se limitou a cumprimentá-lo em silêncio, surpreendida e preocupada ao mesmo
tempo.
Mike girou a cabeça para observar Paul e Tommy enquanto se dirigiam para a casa. Brenda
desmontou do cavalo e o conduziu para o estábulo.
—Brenda, não tenha medo, ninguém sabe que falei com você, ok?
—Ok — respondeu ela nervosa.
—Fique calma. Tommy é um bom menino. Não se afaste dele por minha culpa. Não vou
dizer nada a ninguém. Vi seu amigo mais de dez vezes da última vez que falei com você e não
disse nada. Já falei que nossa conversa era completamente confidencial.
—Sim, mas esteve por todo o instituto, e as pessoas estão começando a falar.
—Sim, imagino. Escuta, há algo que deveria saber sobre o garoto com quem está saindo.
Acho que pode confiar plenamente nele. Se tiver medo de que ele fique sabendo do que
aconteceu, talvez seja melhor que você conte a ele, mas essa é somente minha opinião. E volto a
repetir que eu não vou dizer uma só palavra.
Quando estavam colocando os cavalos no estábulo, Brenda se deteve de repente e elevou
o olhar para Mike.
—Sabe mais do que está dizendo, não é?
—Sim.
—E sabe quem foi? —perguntou sem especificar nada mais.
Mas Mike sabia perfeitamente a que se referia.
—Sim.
—E me dirá?
—Não.
—Por que não?
—Ainda não tenho nenhuma vítima. Ninguém denunciou e não posso prender ninguém
por ter cometido um delito sem vítimas.
—Há mais de uma possível vítima?
Mike a olhou nos olhos.
—O que você acha?
—OH, não — Os olhos de Brenda se encheram de lágrimas ao pensar que não era a única
169
que conheceu um inferno.— meu Deus…
—Sim, desagradável, não é? Quando quiser falar sobre o assunto, já sabe como me
localizar. Não vou pedir nada, mas eu gostaria que confiasse um pouco mais em mim. Vou te dar
todo o espaço que necessitar e jamais contarei nada a ninguém sobre sua vida nem sobre minha
relação com você, a não ser que me autorize certo? E agora, vamos nos ocupar dos cavalos e nos
comportar como se acabássemos de nos conhecer, tudo bem?
—Não sei se conseguirei.
—Claro que sim. Vamos desfrutar de um jantar agradável com a família Booth.
Apresentarei Brie, vai se encantar —disse com um sorriso.— Vai ver que se parece muito com
você quando tinha dezesseis anos. Tirava boas notas, saía com meninos decentes e tinha uma
família magnífica — alargou o sorriso. — Tudo ficará bem, Brenda, confie em mim. Nunca traí
ninguém.
—E se não encontrar outra vítima e não conseguir prender o culpado?
—Vou pegá-lo. Estou tentando pensar em maneiras que não precisem da sua intervenção.
Desencilharam os cavalos e começaram a escová-los. Após dez minutos de silêncio, Brenda
disse:
—Obrigada, Mike.
—Brenda, acredito que estamos os dois no mesmo barco. Não queremos que alguém volte
a se machucar.

Não se passaram nem duas semanas desde que Brie apareceu em Virgin River, mas Mike se
sentia como se tivessem passado a vida juntos. E todas as noites, assim que fechavam atrás
deles a porta do trailer, jogavam-se nos braços um do outro. Não voltaram a dormir vestidos
desde a noite que Brie chegou ao povoado e certamente não voltariam a fazê-lo em toda sua
vida. Mike passava o dia pensando nela e faziam amor todas as noites. E, é claro, também
algumas manhãs.
—Não acho que alguém pratique sexo tanto quanto nós — sussurrou Brie, quase sem
respiração.
—Nem sequer eu pratiquei tanto — respondeu Mike, também sem fôlego.
—É como uma lua de mel.
—Eu desfrutei de duas luas de mel e não se pareceram em nada a isto.
—Sim, eu também tive uma e não se pode comparar — riu. — É incrível, Mike — disse.
Mike se ergueu ligeiramente e a olhou nos olhos.
—É uma mulher muito apaixonada, Brie. Tem sorte de ter escolhido um latino — sorriu. —
Temos fama de poder satisfazer às mulheres mais ardentes.
—Certamente, a mim sabe como satisfazer. Acha que perderá a intensidade em algum
momento?
—Se a natureza seguir seu curso, sim. Por isso estou me aproveitando agora de você.

170
—Fico esperando que termine o dia. Estremeço simplesmente ao pensar…
—Sim, são como as réplicas de um terremoto — respondeu Mike e deitou-se de costas.—
Também me ocorre —riu. — É um autêntico milagre. Eu nem sequer estava certo de que
pudesse voltar a desfrutar do sexo.
—O que quer dizer?
Mike se apoiou em um cotovelo e a olhou nos olhos.
—Quando despertei do coma, havia muitas coisas que eu não era capaz de fazer. Por
exemplo, não tinha ereções.
—Sério? — perguntou Brie com os olhos arregalados. — Porque agora mesmo as tem
quase continuamente.
—Demorei quase um ano para me recuperar e, além disso, eram completamente
imprevisíveis. A primeira vez que nos deitamos, não sabia o que esperar, nem sequer sabia se
realmente poderia funcionar.
—E mesmo assim o fez?
Mike encolheu os ombros.
—Acho já lhe respondi isso em outra ocasião. Tinha certa esperança…
—Convencido — disse Brie com um sorriso.
—Assim que soube.
—O que teria acontecido se não tivesse funcionado na primeira noite?
—Eu pretendia no início te consolar com minhas carícias, agradar a ti. E estava preparado
para isso. Tinha muitas maneiras de fazê-lo.
Brie fechou os olhos.
—Sim, já me provou — sussurrou.
Mike riu e começou a fazer sua magia. Em sua vida não havia nada que pudesse comparar-
se à felicidade que sentia quando via Brie responder a suas carícias. Ou à doçura dos abraços que
compartilhavam depois do sexo, os sussurros à meia-noite ou as conversas acompanhadas dos
primeiros raios de sol da manhã, fossem conversas amorosas ou conversas rotineiras sobre os
planos para aquele dia. Outras vezes falavam sobre os filhos, sobre sua futura casa e sobre a vida
em comum que lhes esperava. Tudo isso o enchia por dentro, proporcionava-lhe uma plenitude
que sentiu falta durante toda sua vida. Esteve casado duas vezes, mas aquela era a primeira vez
que tinha um verdadeiro casamento.
Brie se ergueu na cama, apoiando-se sobre um cotovelo, e o olhou nos olhos.
—Já estamos muito perto do dia de Ação de Graças. Tem certeza de que quer ficar aqui?
Mike encolheu os ombros.
—Mel e Jack não podem ir porque é possível que Mel tenha partos a atender. Pastor e
Paige estão aqui e todos eles são também minha família. Se quiser passar esse dia com seu pai, a
acompanharei, mas eu ainda não quero ir a Los Angeles.
—Quer manter em segredo nossa relação?
171
—Meu Deus, não. Já falei a todos sobre nós. Até disse que tomem cuidado com você
porque entende o espanhol. Mas ainda não tenho vontade de compartilhá-la com ninguém.
Além disso, minha mãe é muito católica e nos obrigaria a dormir separados porque não estamos
casados. Embora tenha trinta e sete anos e saberem da vida que levei até agora, em sua casa as
coisas são feitas à sua maneira. É claro, também poderíamos ficar em um hotel, mas acredito
que deixarei a visita à família para mais tarde. Agora quero seguir desfrutando de você. Jamais
em minha vida fui tão feliz e passando o dia esperando o momento de ficar a sós com você —
brincou com seus cabelos – Foi a melhor coisa que me aconteceu em toda minha vida, Brie.
—E no Natal? A sua família se incomodaria muito se passasse o Natal conosco? Reunimos
toda a família e também vem a irmã de Mel. E eu quero estar com eles.
—Então, estaremos lá. Poderemos nos reunir com os Valenzuela em qualquer outro
momento. Leve em consideração que minha família é tão numerosa que meus pais não esperam
que todos possam estar juntos.

O dia de Ação de Graças foi na última quinta-feira do mês e Pastor organizou um jantar no
bar. O general Booth e sua família também estavam convidados, mas foram à Baía de Adega
para desfrutar da festa com a irmã e a sobrinha do general. Havia outros vizinhos de Virgin River
que também celebravam no bar aquela festa, eram pessoas de quem Pastor e Jack cuidavam
durante todo o ano, como o Doutor e Hope McCrea, Connie e Rum, os proprietários da única loja
do povoado, Joy e Bruce, e Lydie, a avó de Ricky.
Quando Mel, Jack e David chegaram ao bar, Mel chamou as duas pacientes cujo parto
estava mais próximo para ver como se encontravam. Assim que lhe deram o relatório e soube
que as duas se encontravam bem, pediu uma taça de vinho. A única que pensava tomar em três
meses.
—Uma das garotas sempre adianta o parto enquanto que a o da outra está atrasado, então
é possível que de repente tenhamos não um, mas dois recém-nascidos em Virgin River — disse
levantando sua taça para Brie.
—Deve estar emocionada.
—Sim, a verdade é que ainda me emociona esta espera. Vivo para os bebês.
—E você já se encontra melhor?
—A verdade é que com esta gravidez estou me sentindo bastante mal. Mas aguentarei.
Jack me prometeu não voltar a me fazer isso nunca mais, embora eu estou começando a pensar
em tomar alguma medida de caráter cirúrgico enquanto ele dorme.
O peru era um dos pratos que Pastor melhor cozinhava e as guarnições estavam perfeitas.
Paige ficou encarregada dos bolos, que desde que chegou a Virgin River desenvolveu habilidades
culinárias surpreendentes. Pastor demonstrou ser não só um magnífico cozinheiro, mas também
um grande professor e ela uma aluna aplicada que parecia ter encontrado seu lugar na cozinha,
ao lado de seu marido.
Mel e Brie ajudaram a recolher a louça suja e Jack se encarregou de tirar o lixo. Mike
limpou o balcão e as mesas, mas mesmo assim, Pastor também esteve tanto tempo recolhendo
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que não pôde ler para Christopher o conto que lia cada noite depois do banho. Entretanto, não
deixou de subir e lhe dar um beijo de boa noite.
Depois, desceu para fechar o bar, já vazio, e se dirigiu ao apartamento, onde se deitaria ao
lado da mulher de seus sonhos, rezando para que chegasse o momento que indicasse que já
esperaram o suficiente. Não havia um só dia no qual não se perguntasse quando chegaria aquele
momento. Pelos cálculos que ele se fez, devia faltar uma semana para a ovulação. E Paige era
tão regular que quase poderia averiguar o minuto exato no qual ia fazê-lo.
Ao entrar no quarto, descobriu Paige sentada na cama, apoiada sobre os travesseiros, com
um lençol sobre seus seios nus e um sorriso misterioso no rosto. Quando Pastor inclinou a
cabeça e franziu o cenho com expressão interrogativa, Paige tirou um teste de gravidez de
debaixo do lençol.
—Tcham! — disse. — Conseguimos, papai.
Pastor esteve a ponto de chorar. Os olhos se encheram de lágrimas. Cobriu o rosto com as
mãos tentando se controlar, mas estava sobressaltado por aquela notícia. Três meses de
contenção, três meses esperando o dia da ovulação e já tinha começado a pensar que não
poderiam ter um bebê. Mas Mel tinha razão! Funcionou!
Aproximou-se da cama e se ajoelhou ao lado de sua esposa.
—Meu Deus, Paige. Um bebê! O bebê, está aí? — perguntou, pousando a mão no ventre
da esposa.
—Parece que sim.
Rodeou-a com os braços e a estreitou contra ele.
—Meu Deus!
—Acalme-se, John — disse Paige, rindo.
Pastor a soltou imediatamente.
—Estou-te fazendo mal?
—Não, claro que não. Mas John, se este cartãozinho não mente, já não tem que continuar
se reprimindo.
—Paige — Pastor ficou muito sério,— tem certeza?
—Estou bastante segura. É a primeira vez que me atrasa a regra e o teste deu positivo.
—Meu Deus. Como se encontra? Está bem?
—A verdade é que estou… bastante excitada.
—Não fala a sério… — respondeu Pastor estupefato.
—Claro que sim. Tudo isso de ter que nos aguentar… Suponho que acreditava que você foi
o único que sentia falta, não?
—Bom, esteve bastante zangada durante vários dias…
—Porque contou a todo mundo o que estava nos acontecendo! Vai ter que aprender a ser
um pouco mais discreto a partir de agora.

173
—Como você quiser, querida, como você quiser.
—Maravilha. Agora, se dispa e venha imediatamente à cama. Temos coisas a fazer…

Mike dirigiu até a nova casa de Jack. Estavam na primeira semana de dezembro e o tempo
era frio e úmido. Pastor recebeu um telefonema e pediu a Mike que fosse dar a terrível noticia.
Enquanto isso ele se encarregaria de fechar o bar.
Mike encontrou Jack e Paul colocando os armários; os trabalhadores de Paul trabalharam
durante todo o dia e estavam no trailer, preparando o jantar. O sol começava a baixar no
horizonte e Tommy Booth estava terminando de atirar o lixo no contêiner. Mike desceu do jipe e
esperou que Tom se voltasse para aproximar-se dele.
—Venho de sua casa, Tom. Temos más notícias. Houve uma explosão em Bagdá.
O rosto do Tom se transformou em uma expressão de puro horror. Permaneceu em
silencio durante vários segundos e depois gritou:
—Paul!
Foi um grito desesperado que bastou para que Paul e Jack saíssem correndo para a
varanda da casa e os operários aparecessem na porta do trailer.
Tom se voltou de novo para Mike.
—Está morto? — perguntou em um sussurro.
Mike assentiu e encheram de lágrimas os olhos de Tom. Mike lhe segurou pelo braço.
—Deixa aqui a caminhonete, eu o levarei para casa. Não quero que dirija nesse estado. Sua
irmã quer que me assegure de que não te aconteça nada.
Tom tomou ar, tentando se controlar.
—Sim — sussurrou. — Estou bem.
—Precisa tentar ser forte por ela. Quando não estivermos em sua presença, poderemos
sofrer.
—Sim — repetiu Tom como um autômato, e saiu correndo para o jipe de Mike.
Paul saiu a toda velocidade da casa e foi correndo para Mike, com Jack atrás dele e um
brilho interrogativo no olhar.
—É Matt, Paul. Foi morto por um carro bomba em Bagdá.
—Meu Deus —disse Paul, quase sem respiração.— Vanni!
E correu para sua caminhonete antes que Mike tivesse oportunidade de detê-lo.
—Jack, pedi a Mel que fosse à casa do general para cuidar de Vanessa. Suponho que você
também quererá ir. Brie levará David daqui a pouco.
Tom, Mike, Paul e Jack chegaram a casa juntos. Encontraram lá um recrutador do corpo da
marinha e um capelão, os dois sentados no salão enquanto Walt permanecia em pé. Tommy
correu para seu pai e Paul se ajoelhou no tapete, ao lado da poltrona em que Vanessa estava
174
sentada, e lhe estendeu os braços. Jack acabava de entrar na casa quando Mel chegou,
estacionou a caminhonete e correu ao interior.
Jack a interceptou na porta.
—Tem certeza que pode passar por isso em seu estado?
—Claro, Jack. Tenho que ver Vanni.
—Entre — respondeu Jack.
Observou sua esposa aproximar-se de seu paciente. Mel pousou a mão no ombro de
Vanessa e disse:
—Estou aqui, Vanni. Só queria estar a seu lado.
O que não acrescentou foi que queria assegurar-se de que aquela notícia não tivesse
nenhuma incidência na gravidez.
Continuou chegando gente na casa. Pastor, Paige e Christopher e depois Brie com David.
Pastor levou o jantar que preparou para a noite e duas garrafas de licor.
Ao longo da noite, um membro do corpo da marinha falou com o general para explicar
tudo o que foi feito até o momento e informar que os parentes de Matt no Oregon também
receberam a notícia assim que tinha sido comunicada a Vanessa.
Ficou também ao seu dispor para tudo necessário ao enterro.
Paul levou Vanni ao quarto, mas olhou para Mel antes de ir, pedindo em silêncio que os
seguisse. Uma vez lá, Vanni se deitou na cama e chorou até o desespero. Paul se deitou a seu
lado enquanto Mel a examinava, escutava o coração do bebê e lhe dava um sedativo que não
afetasse o bebê.
Aquela foi a primeira vez que Mel foi realmente consciente do vínculo tão especial que
havia entre Paul e Vanni, embora os havia visto juntos em algumas ocasiões e ouviu o próprio
Matt pedir a seu amigo que cuidasse de sua esposa. Naquele momento, Vanessa parecia
depender completamente de Paul. Não procurava o apoio de seu pai ou de seu irmão, apenas o
do melhor amigo de seu marido.
—Paul, se não se importar, fica com Vanni. Deite-se a seu lado e não a deixe sozinha
durante um tempo. O contato humano é muito importante.
—Vanni? — perguntou Paul.
Vanessa se voltou em seus braços e concordou soluçando. Paul se deitou na cama com ela
e a abraçou enquanto chorava.
—Me chame se necessitar. Estarei no salão — disse Mel antes de sair.

Passou muito tempo antes que cessassem as lágrimas. Vanessa, com os olhos inchados e
avermelhados, voltou-se para Paul.
—Ele sabia?
—Sabia o quê, querida?
175
—Sabia que ia morrer? Ouvi quando ele disse a você que cuidasse de mim se lhe
acontecesse alguma coisa. Era como se soubesse…
—Não, não sabia. Mas quando a gente está no meio de uma guerra pensa sempre nesses
términos. Isso é tudo. Em qualquer caso, ele sabia que não negaria se me pedisse isso.
—O que vou fazer agora? — voltou a chorar.
—Ajudaremos a superar tudo, Vanni. Tem muita gente que goste de você.
—Não conhecerá seu bebê. Seu filho.
—Claro que sim. Acha que não está nos vendo? Sabendo como é, seguro que não quererá
perder nada.
Permaneceram juntos, abraçados. Ninguém os incomodou. Ninguém se aproximou para
perguntar se estavam bem. Paul ouvia um murmúrio de vozes no outro dormitório, mas nesse
momento a única coisa que lhe importava era Vanessa e o bebê. Vanessa estava encolhida
contra ele, com a cabeça apoiada em seu braço, e de repente, Paul sentiu que o bebê se movia.
O alívio foi instantâneo. Já era suficientemente duro que Vanessa tivesse que suportar a morte
de seu marido e tivesse que sofrer também por seu filho, pelo filho de Matt.
O quarto estava às escuras. A única luz que havia era a que se infiltrava pela fresta da
porta. A respiração de Vanessa foi fazendo-se cada vez mais regular e tranquila e ao final
adormeceu, possivelmente graças ao sedativo. Paul a abandonou quase com pena. Sabia que
não tinha nenhuma desculpa para continuar abraçando-a, por mais difícil que lhe resultasse
deixá-la.
Encontrou todos seus amigos no salão esperando-o.
—Está dormindo. —disse. — Mel, senti o bebe se mover, então suponho que esteja bem.
—Está no último trimestre da gravidez. A essa altura, o menino é bastante forte. Confio
que seguirá adiante, apesar do sofrimento de Vanessa.
—Quer chamar os pais dele? —perguntou Walt a Paul.
—Sim, acho que agora estou em condições de fazê-lo. Sabem o que quer fazer Vanessa a
respeito do enterro?
—Sim, mas não sei o que acontecerá — respondeu Walt. — Pelo visto, Matt e ela falaram
que se lhe ocorresse algo, queria que o enterrassem aqui. Não queria ser enterrado na Virginia
porque Vanessa nunca iria viver lá. Oregon também estava descartado porque o menino não
cresceria ali. Sente-se com forças para falar sobre isso com seus pais ou prefere que o eu faça?
—Posso fazê-lo — respondeu Paul. — Quando diz aqui, a que se refere exatamente?
—Neste rancho — respondeu o general.— Eu não vou mover me daqui e também pode ser
uma base para a Vanessa. E, bom, dessa forma o menino poderá ter algum vínculo com seu pai.
—E eu — disse Tommy,— eu também prefiro que esteja aqui.
—Sim, é obvio — respondeu Paul.
Começava a desejar o momento de ficar a sós para chorar por seu melhor amigo, mas
ainda ia demorar muito tempo em poder fazê-lo. Sabia que a família de Matt necessitava que se
mantivesse forte.
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Para realizar o enterro em uma propriedade privada é necessário tramitar uma permissão
e contratar uma equipe de trabalhadores do cemitério de Fortuna. Escolheram um lugar que
podia ser visto da casa, sobre uma colina e sob a sombra de uma árvore. Era uma convocação de
onde se podia contemplar todo o rancho. O contingente do corpo da marinha levou o corpo.
Ninguém falou disso, de modo que não souberam se era normal no corpo que o cadáver
chegasse escoltado por um guarda de honra e se disparassem vinte e uma salvas ou eram
privilégios que um general de três estrelas tinha acesso com algumas ligações.
Colocaram cadeiras dobradiças ao redor da tumba. Vanessa se sentou entre seu pai e seu
irmão. Paul ao lado de Tom. Os pais de Matt se sentaram ao lado do general. Assistiram ao
enterro Pastor, Paige, Jack, Mel, Mike e Brie, além de Joe, Zeke, Josh Phillips e Tom Stephens.
A bandeira que cobria o ataúde entregaram a Vanessa, que a estreitou com carinho contra
seu peito. Dispararam os rifles e soou o lamento do clarim.
Mel tomou a mão de Jack e a levou a ventre. Algo se moveu dentro dela e elevou o olhar
para ele com um ligeiro sorriso. Inclinou-se para ele e sussurrou:
—Querido, jamais voltará a me ouvir me queixar por este bebê. Jamais. Dou graças à vida
por ter encontra você e por ter tido a sorte de conceber dois filhos.

Capítulo 13

Apesar de tudo, talvez, precisamente, por causa de tudo, o Natal em Sacramento esteve
cheia de risadas e alegria. Mel teve muitas mãos para ajudá-la a atender David, o que lhe
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permitiu relaxar. A casa de Sam Sheridan vibrava de alegria, comida, amor e celebração. Mike foi
recebido com entusiasmo; a felicidade que Brie irradiava o fez ganhar a gratidão de toda a
família.
A irmã de Mel, Joey, seu marido e suas sobrinhas também se reuniram com a família
Sheridan. No total, eram vinte e cinco pessoas, e onze se alojavam na casa de Sam, de modo que
teriam que utilizar todos os dormitórios, o sofá-cama e inclusive algum saco de dormir.
A primeira noite foi relativamente tranquila e todo mundo se retirou cedo, mas na véspera
de Natal foi uma loucura. Houve presentes para todo mundo, o exterior da casa parecia um
estacionamento, o jantar foi grandioso e com toneladas de pratos a serem limpos, mas ficaram
até tarde.
—Nesta casa temos algumas tradições —explicou Bob, um dos cunhados de Jack, a Mike.—
Começa no pátio.
—Ao pátio! — Ryan deu o sinal.
—Sempre vamos ao pátio depois do jantar — explicou primeiro Jack. Tomamos uma taça,
depois fumamos charutos e não é estranho tomar uma segunda taça. E a seguir as mulheres
começam a ficar zangadas.
—É como se estivesse em minha própria casa — respondeu Mike.
Enquanto as mulheres se reuniam no salão, Sam acendeu as estufas do pátio.
—Em sua casa também se dividem por sexos? — perguntou Sam a Mike.
—Sim, mas minha mãe se encarrega de que os homens se reúnam na garagem. Lá temos
uma mesa de bilhar e uma geladeira cheia de cerveja. É como um clube.
—Mmm. Poderia tentar conseguir uma mesa de bilhar — disse Sam pensativo.
No interior da casa, as mulheres desfrutavam do café e dos doces e estavam de olho em
David, que tentava caminhar apoiando-se nos móveis. Esteve engatinhando por todo o salão de
pijama; tinham-no preparado para se deitar assim que diminuísse o nível de ruído da casa.
Quando soou o timbre da porta, ninguém prestou especial atenção. Donna, que estava
sentada mais perto da porta, foi abrir. Quando retornou ao salão, agachou-se ao lado de Brie e
lhe sussurrou algo no ouvido.
—Tem certeza? — perguntou Brie.— Mmm, poderia ir procurar Mike?
—Claro, querida.
Brie se aproximou da porta e encontrou Brad no vestíbulo com uma cesta em que havia
vinho, embutidos e queijos, além de um pacote envolto em papel de presente.
—Olá, Brad, o que está fazendo aqui?
—Pensei que já teve tempo de se acalmar e pensar no que te disse. Te trouxe isso. O
presente é para você e a cesta para toda a família.
Estava esperando que o convidasse a entrar, compreendeu Brie. Continuava pensando que
ainda havia alguma possibilidade de reatar o casamento. Estava completamente louco.
—Obrigada, Brad —disse, tomou a cesta e a deixou na mesa do vestíbulo,— mas agora terá

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que partir. Darei lembranças a minha família.
—Vamos, Brie, me dê uma oportunidade.
Brie sacudiu a cabeça com tristeza.
—Sinto muito, Brad, mas já é muito tarde.
Mike apareceu naquele momento atrás dela. Brie sentiu sua presença antes de sentir sua
mão no ombro.
—Brad — saudou com um movimento de cabeça.
Brie pousou a mão sobre a de Mike; este lhe passou o braço pela cintura e a sustentou
contra ele. Brie recordou então o Natal passado, que Brad passou com Christine e com seus
filhos. Ela havia se sentido só e ferida em meio daquela enorme família. Naquele momento, com
Mike a seu lado, não podia recordar ter se sentido mais segura.
Brad trocou de expressão e soltou uma risada zombadora.
—Não, é impossível — disse.
—Deveria partir — advertiu Brie.
—Vamos, Brie — disse Brad em tom de incredulidade, — não estará com esse tipo, não é?
—Feliz Natal, Brad.
Brad soltou uma gargalhada.
—Deveria ter imaginado. Esteve também no hospital. Por isso…
Brie elevou o olhar para Mike e sorriu. Evidentemente, não pensava em dar a Brad
nenhuma explicação sobre sua relação.
Brad baixou o olhar, como se de repente se sentisse incômodo. Olhou Brie nos olhos.
—Está segura?
—Sim, nunca estive tão segura de algo.
Seu ex-marido tomou ar e se voltou lentamente, deixando Brie e Mike sozinhos no
vestíbulo. Brie se reclinou contra Mike e sentiu seu fôlego no pescoço.
—Sinto muito por ele — disse Mike.
—Fala a sério?
—Sim. Tem que ser uma tortura para o Brad saber que a perdeu.
—Acredita que se deu conta disso?
—Vamos, Brie. Brad pode ser muitas coisas, mas não é nenhum estúpido. Renunciou a
uma mulher incrível. A uma mulher forte e apaixonada capaz de comprometer-se para sempre.
Asseguro que não é fácil encontrar uma mulher como você.
—É possível que não perceba. No pouco tempo que vivemos como casal, você descobriu
partes de meu corpo que eu nem sequer sabia que existiam.
—Mmm — murmurou Mike, beijando-a no pescoço. — Mas isso não diz nada especial
sobre mim, a não ser sobre você, que está receptiva a tudo. Não tem curiosidade em saber o que
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há dentro dessa caixa?
—Nenhuma. E é obvio que isso diz muito sobre você. O que quer de presente de Natal,
Mike? —perguntou.
—Quero você — a fez se voltar e a olhou nos olhos. — Está bem?
—Brad já não tem nenhum efeito sobre mim, Mike.
—Não voltou a se perguntar o que falhou entre vocês?
Brie negou com a cabeça.
—Faz seis meses, nem sequer me ocorriam razões para continuar vivendo. Não podia
imaginar que iria ser tão feliz com você.
—Eu tampouco acreditava que tivesse muitas oportunidades com você.
—Entretanto, foi sempre muito bom comigo. Teve muita paciência e foi capaz de esperar
que eu estivesse preparada para iniciar uma relação. E é tão apaixonado… que não fui capaz de
resistir.
— Seu irmão se preocupa com meu passado.
Brie respondeu com uma gargalhada.
—E a toda a família preocupa o seu. O que tem que fazer Jack é preocupar-se com suas
próprias transgressões — lhe deu um beijo. — Já me ocuparei das suas.
—Não tem medo? Não tem nenhum medo que te esconda algo?
—Não, quando estou contigo, não tenho medo de nada.
—Então, está disposta a me dar uma oportunidade? Me deixará te fazer promessas que,
juro pela Virgem, me empenharei em cumprir?
—Quer envolver a Virgem nisso?
—Estou disposto a recorrer a qualquer coisa para que você acredite em mim. Quero que
confie plenamente em mim antes que cheguem os filhos. Porque haverá filhos.
—Comenta-se que há algo na água de Virgin River.
Mike cobriu seus lábios com um apaixonado beijo e a estreitou contra ele.
—O nosso não tem nada a ver com a água, meu amor — disse. — Acha que se
desaparecêssemos por um instante sentiriam nossa falta?
—Sim — respondeu Brie sorrindo.
—Quando despertei no hospital, não sabia o que seria da minha vida. E quando percebi
que tinha que me esforçar para dar um só passo, ou que era incapaz de levantar um copo de
água, não conseguia deixar de pensar que desperdicei toda minha vida vivendo o momento e
atuando de maneira absolutamente despreocupada. O que todo homem quer, o que meus
amigos encontraram, evitei totalmente. E quando você apareceu, furiosa por seu divórcio e
decidida a romper para sempre com os homens, especialmente com os homens como eu, pensei
que fosse um castigo do inferno, porque percebi que você foi era a mulher que eu realmente
queria —beijou-a. — Como é possível que tenhamos chegado a isso? Sei que não mereço tanta
sorte.
180
—Tudo começou com a promessa de romper seu coração. E, de algum jeito, consegui
distraí-lo.
—Casaria comigo, Brie? Quero que seja minha esposa. Quero ser seu marido, seu
companheiro. Será capaz de confiar em mim a esse ponto?
—Claro que sim, Mike. Confio completamente em você.

Era o primeiro Natal em muitos anos que Paul Haggerty não passava com seus pais, seus
irmãos e suas respectivas famílias, mas Vanessa precisava dele. Pediu a ele que ficasse. Dizia que
assim, o Natal seria um pouco mais fácil para todos. E Paul estava disposto a fazer qualquer coisa
por ela.
Outra pessoa que também necessitava muito de Paul, Talvez até mais que Vanessa, era
Tommy. O garoto estava desolado com a perda de seu cunhado. Gostava de sua irmã muito mais
que um adolescente de dezessete anos se atreveria a admitir, mas de Matt não só gostava, mas
o admirava como a um herói. Estava fascinado por sua valentia e seu patriotismo.
É comum que os filhos escolham caminhos diferentes daqueles seguidos por seus pais, mas
embora Tom e seu pai tenham discussões com certa regularidade, Tom também queria ingressar
no exército e seguir o exemplo de seu pai e seu cunhado. Já tinha sido admitido na academia de
West Point e a perda de Matt o deixou desolado.
Paul tentava passar com ele todo o tempo possível. Ajudava-o a cuidar dos cavalos e o
acompanhava enquanto estava na obra de Jack. Na manhã de Natal nevou com formosura e eles
foram juntos cavalgar.
—Acha que ele teve medo? — perguntou de repente Tom a Paul.
Claro que sim, Paul sabia perfeitamente de quem estava falando.
—Talvez não tenha sentido, naquele momento não, porque a explosão foi completamente
inesperada. Mas nessas ocasiões, todo mundo sente medo. Alguns sentem vontade de se
esconder e esperar a que tudo passe. Mas também é emocionante, Tom. Nesses momentos é
que se põe à prova todo o seu preparo físico, tudo o que lhe foi ensinado. Não se pensa nem no
salário nem nas férias. Só no propósito de sua luta, tenta se convencer que vale a pena o que
está arriscando. Isso é o que impulsiona homens como Matt. Homens como Jack. Jack
permaneceu no exército durante vinte anos. Se Matt estivesse tanto tempo quanto ele, com
certeza também teria sido condecorado.
—Não sei se eu terei isso que eles têm. Quero fazer as coisas bem, mas…
—Acho que não deve seguir um caminho que não esteja seguro. Deve possuir a convicção.
Tudo é uma questão de pura adrenalina. Quando a sente, é inconfundível.
—Mas como você pode ter certeza de que esse é seu caminho?
Paul deu de ombros.
—Não posso dizer Tom. Não tive certeza até chegar lá. Para nós, Matt e eu, o Iraque foi a
primeira frente de guerra. Mas uma vez ali, soube a razão por que fui. E lá conhecemos Jack,
Pastor e Mike.
181
—Mas você decidiu deixar o exército.
—Eu não queria fazer uma carreira militar. Eu adoro meu trabalho, construir casas. O mais
importante é não se esquecer de que ainda não há razão para tomar uma decisão definitiva.
Ainda tem muitos anos pela frente.
—Acha que Vanni ficará bem?
—Ainda não. Ainda tem o período de luto pela morte de Matt. Mas com o tempo, será
capaz de continuar com sua vida porque Vanni tem esse dom, que é o amor pela vida. Nunca
conheci uma mulher com tanta vitalidade quanto ela. Além disso, logo terá um filho para se
preocupar. Com certeza voltará a ser feliz. É só uma questão de tempo.
—Ontem à noite a ouvi chorar.
—Sim, eu também.
Conduziram os cavalos ao longo de um caminho estreito na extremidade do rio que
cruzava a propriedade e Paul freou.
—Tommy — sussurrou, — olhe.
Na beira da água estava o cervo mais bonito que Paul viu em sua vida. Estava bebendo no
rio e tinha doze manchas negras, seis de cada lado, o pescoço era branco e um focinho bonito.
—É um exemplar velho. Acredito que conseguiu se esquivar dos caçadores durante anos.
—Eu seria incapaz de atirar.
—Em qualquer caso, sua carne deve ser bastante dura —disse Paul.— Devemos começar a
levar a câmera sempre que sairmos.
Continuaram cavalgando em silêncio, admirando aquele exemplar. Um dos cavalos
relinchou e o cervo elevou a cabeça. Farejou o ar, girou e se escondeu entre as árvores.
—Acha que sentiu dor? — perguntou Tom, e Paul soube que falava outra vez de seu
cunhado.
Paul cobriu a distância que os separava a cavalo e pousou a mão em seu ombro.
—Filho, tenho certeza de que não sentiu nada. Nenhuma dor. E não são especulações, seu
pai tem estado em contato com o comandante que estava no comando daquela seção.
Enquanto se dirigiam para a casa, Tom pediu:
—Me fale de Jack, de todos os seus amigos…
—Jack… —disse Paul.— Quando Matt e eu o conhecemos, já era um homem importante,
foi condecorado várias vezes. Éramos ainda muito jovens. Voltei a ficar sobre suas ordens
quando já estava na reserva, e esse é o grupo que ainda se mantém em contato. Quando se
aposentou, Jack tinha mais medalhas do que era capaz de contar. Salvou muitas vidas e serviu
em cinco zonas diferentes de conflito. Entrou no exército quando era apenas um garoto, mas
maldito seja, deve ter um instinto especial, porque chegou a se converter em um herói de
guerra. Depois, quando se aposentou, veio a Virgin River, casou-se com Mel quando ela
começou a trabalhar no povoado e agora vive como se fosse um tipo normal e pacato.
Paul se interrompeu para tomar ar e continuou:

182
—Mas não é um tipo normal e pacato. Continua brigando como um soldado. Em uma
ocasião, entrou um homem no consultório do doutor. Mel estava lá e ele lhe pôs uma faca na
garganta para obrigá-la a lhe entregar as drogas. O médico ouviu alguma coisa e chamou Jack,
que estava no bar. Jack entrou na casa do médico abrindo a porta de uma patada e enfrentou
esse louco. Atirou nele apesar de ter agarrado Mel e a ameaçava com uma faca. Mas atirou,
quase roçando o rosto dela. Já viu como é com ela. Adora-a. Jamais poria sua vida em perigo, e
entretanto, não hesitou um instante. Atirou na cabeça e o matou.
—É incrível.
—Sim. É um homem que não vacila nunca. Mas porque sabe o que faz, sabe o que pode
fazer e o que não pode.
—Incrível— disse Tom.
Paul sorriu.
—E Mike Valenzuela? — perguntou Tommy.
—Mike? Depois de passar um período no exército, foi para o Departamento de Polícia de
Los Angeles e permaneceu na reserva, como eu. Chamaram-nos ao mesmo tempo. Tivemos que
participar de alguns combates no Iraque e ele conseguiu um par de medalhas. Manteve uns
insurgentes em Fallujah e salvou um esquadrão inteiro. Mas há um ano, trabalhando como
policial em Los Angeles, um menino de uns quatorze anos atirou nele e quase o matou. Teve que
se aposentar e veio aqui para se recuperar. Mel o ajudou com a fisioterapia, e agora se
converteu em policial do povoado. O melhor que Virgin River poderia ter. E a história de Brie já
conhece, não é?
—Qual é?
—Bom, não é nenhum segredo e mais cedo ou mais tarde terminará se inteirando. Brie
trabalhava em Sacramento, era uma das ajudantes do Promotor do Condado. Conseguiu prender
alguns delinquentes muito perigosos, mas seu último julgamento, contra um estuprador em
série, perdeu-o. O tipo em questão violentou brutalmente muitas mulheres, mas saiu do
julgamento sem nenhuma condenação. E depois estuprou Brie.
—Fala a sério? — perguntou Tommy estupefato.
—Claro que sim. Mike me disse que encontraram o estuprador e haverá julgamento. Brie
está decidida a testemunhar contra ele para que não possa voltar a machucar ninguém nunca
mais.
— Grandes histórias — murmurou Tommy,— e aqui mesmo. Um lugar que parece tão
tranquilo e está cheio de pessoas que são autênticos heróis e sobreviveram a traumas terríveis.
Paul sorriu.
—E ainda não contei sobre Pastor e Paige.

O jantar de Natal foi servido às seis na casa dos Booth. Foi um jantar discreto e sombrio.
Paul e o general levaram as coisas para a cozinha e não muito depois, Vanessa foi se deitar. Paul
sabia que não estava dormindo bem e frequentemente a ouvia mover-se à noite. Mas mesmo
183
assim, retirava-se sempre cedo para seu quarto.
Paul suspeitava que quisesse estar sozinha para chorar sua dor sem afetar o resto da
família.
Quando ficaram somente os homens, Paul se despediu para ir ver Paige e Pastor, e Tom
partiu na mesma direção para ver Brenda.
Na casa dela havia luz e parecia haver muita gente no interior. Tom compreendeu então
que deveria ter ligado antes de se aproximar, mas a verdade era que ultimamente não pensava
muito no que fazia. Tocou a campainha e a própria Brenda atendeu.
—Olá — saudou.
—Tommy, olá! Quer entrar?
—Bem… Na verdade vim para ver se gostaria de sair um momento.
—Vou pedir permissão a minha mãe — respondeu. — Vamos, entre.
Deu-lhe a mão e guiou-o para o interior da casa.
No momento em que a mãe da Brenda o viu, levantou-se da mesa que compartilhava com
o pai, os irmãos e os avós de Brenda, foi direto até ele e lhe deu um abraço.
—Como está, Tommy?
—Bem, obrigado — respondeu Tommy dando de ombros. — Sinto chegar sem avisar,
deveria ter telefonado.
—Não se preocupe querido. Como está sua irmã?
Tommy esperava poder responder sem ter vontade de chorar.
—Está passando por um período muito duro, e acho que ainda levará um tempo para
superar.
—Mamãe, posso sair para dar uma volta com Tommy? — perguntou Brenda a sua mãe.
—Claro, querida. Mas não volte tarde. Tommy, procure estar atento à hora.
—Sim, senhora Carpenter.
Ajudou Brenda a vestir o casaco e lhe deu a mão enquanto desciam os degraus da varanda
para dirigir-se à caminhonete. Uma vez dentro, voltou a lhe dar a mão e disse:
—Sinto muito, Brenda, não telefonei antes. Não dei atenção a você.
—Não esperava, de verdade, Tommy. Compreendo. Deve estar sendo um momento muito
difícil para você. Está se sentindo melhor?
—Agora mesmo, estando com você, me sinto muito melhor. Podemos ir para o bosque?
Ou talvez puséssemos ir ao terreno onde Jack está construindo a casa. Brenda, preciso abraçar
alguém — sorriu.— E agora mesmo é minha primeira e minha única opção.
Brenda lhe apertou a mão com carinho.
—Claro.
Tommy pôs a caminhonete em marcha e se dirigiu para a saída do povoado.

184
—Sabe? É a melhor coisa que me aconteceu desde que cheguei a Virgin River. Se não fosse
por você, este ano teria sido horrível.
Brenda riu suavemente.
—Eu sinto o mesmo que você. Tampouco tive um ano muito bom. Não posso dizer que foi
tão horrível quanto o seu, mas mesmo assim, foi péssimo.
—Você é muito importante para mim, Brenda.
—E você também para mim.
—Falo muito a sério. Há muitas garotas que me parecem muito complicadas, mas você me
pareceu incrível desde o primeiro momento. Nunca se preocupa com tolices, está sempre de
bom humor, é tão… Brenda, é a melhor garota que já conheci.
—Obrigada, e você é o melhor garoto que conheci. Embora tenha um defeito.
—Ah, sim? — perguntou Tommy, sorrindo apesar de tudo. — Qual?
—Que vai partir no ano que vem.
—Sim, é certo. Será um ano muito longo, mas me darão licenças e poderei visitá-la. E você
sempre pode ir estudar num lugar perto de West Point. Pessoas fazem isso, sabe? E conseguem
manter a relação durante muito tempo. É claro, tudo depende de você.
—Fico feliz de ouvir isso. – Agora já sabe que gosto de você.
—Não quero que se sinta comprometida durante seu último ano de instituto.
—E você tampouco quer se sentir comprometido durante seu primeiro ano na academia.
—Bem, na verdade não acho que nos deixem sair muito durante o primeiro ano em West
Point. E, em segundo lugar, se você fosse minha noiva, eu adoraria me sentir preso a você, e falo
sério.
Dirigiu a caminhonete até a colina em que Jack estava construindo sua casa. Uma vez no
claro, desligou o motor e acendeu a luz interior da cabine. Abriu o porta-luvas e tirou uma
caixinha embrulhada para presente.
—Comprei isso pra você… antes de Matt. Pensei em muitas maneiras de lhe dar isso e
queria que fosse um momento especial. Asseguro que a opção não era te dar o presente na
cabine da caminhonete. Vamos, abra.
—Não tem nenhuma obrigação de me dar um presente.
—Claro que não tenho nenhuma obrigação, mas quero fazer isso.
Brenda abriu a caixa e encontrou em seu interior uma pulseira de ouro em com seu nome
gravado e uma frase no interior.
—”Com amor, Tom” — leu em voz alta. — Que linda, Tom.
—Você gostou?
—Adorei! Vamos, me ajude a colocar. Depois de pôr o bracelete, Tom acariciou seu
cabelo.
—Agora já sabe, gosto de você.
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—Tom…
—Não tem por que dizer nada. Sei que estou adiantando um pouco as coisas. Mas não
acha que mereço pelo menos um beijo pela pulseira?
—Pelo menos — respondeu Brenda com um sorriso.
Inclinou-se para a frente e pousou as mãos em seus ombros enquanto ele a sujeitava pela
cintura. Foi um beijo que os dois desfrutaram, um beijo apaixonado e aberto. Brenda gemeu
brandamente enquanto a beijava e Tom adorou que o fizesse. Quando deixaram de se beijar.
Brenda lhe disse:
—Obrigada, é o presente mais bonito que já ganhei.
A única coisa que Tom desejava era sentir o calor da Brenda contra ele e naquele momento
não estava conseguindo. Tiveram outras muitas ocasiões em que estavam mais cômodos que ali,
já fora na casa de Brenda quando ela estava sozinha, ou quando saíam para cavalgar e se
deitaram sob a sombra de uma árvore.
—Tenho uma ideia — disse.
Saiu da caminhonete, rodeou-a e abriu a porta para Brenda.
—Vem comigo. Esperemos que tio Paul não tenha fechado tudo.
—No que está pensando? — perguntou Brenda rindo.
Tom a levou até o trailer de Paul e, que Deus o abençoe, a porta se abriu. Entrou, fez
Brenda entrar e cobriu seus lábios com um apaixonado beijo. Deitou-a na cama e a abraçou.
—Assim está melhor. Muito melhor.
—Tommy, não estará pensando que você e eu vamos … — não terminou a frase.
—Espero poder fazer amor com você algum dia, Brenda, mas não vai ser esta noite. Não
me deitei na cama para isso. A única coisa que quero é sentir você a meu lado. Levo muito
tempo me sentindo terrivelmente vazio. Só quero abraçá-la.
—Mas aposto que traz um preservativo no bolso.
Tommy riu e afundou o rosto em seu pescoço.
—Tenho dezessete anos, o que acha?
—Já imaginava.
—Mas não vai se mover de meu bolso, não se preocupe. Vamos, deite-se contra mim. Eu
adoro abraçá-la. Mmm.
—Tommy?
—Sim?
—Eu também quero você.
—Mmm — e a estreitou com força contra ele. — Eu gosto que me diga isso.
—Mas se cairmos no sono aqui, estaremos perdidos.
—Nós não vamos dormir — respondeu ele. Pôs a mão em seu seio e Brenda pousou a mão

186
sobre a sua. — Não vamos ficar dormindo, Brenda. Vamos aproveitar muito durante um bom
tempo.
—Sim — sussurrou Brenda contra seus lábios. — Concordo.

Pastor abriu a porta do bar e deixou Paul entrar. Estreitaram-se a mão com força.
—Olá, Paul — saudou Pastor.
—Feliz Natal, Pastor, que tal foi o dia?
—Bastante bem. Entre. Paige me disse que a chamasse quando você chegasse para que
tomássemos uma taça, o que acha?
—É justo o que preciso — respondeu Paul, e se aproximou do balcão.
Pastor foi avisar Paige e se colocou atrás do balcão.
—Como vão as coisas na casa do general?
—A situação é dura, muito dura.
—Sim, imagino — tirou um par de copos. — Vanni como está?
—Tenta manter o tipo, mas a dor se reflete em suas feições. Está destroçada. Tenta ser
valente, sobretudo em dias como estes, está me matando vê-la assim. E a barriga parece crescer
minuto a minuto.
—É uma sorte que esteja grávida. Pelo menos assim terá um pouco de Matt. Suponho que
lhe serve de consolo — abriu uma garrafa de uísque. — E também é bom que esteja aqui. Sei
que necessita que fique ao seu lado.
—Não sei se foi muito boa ideia. Passamos muito tempo falando de Matt, às vezes rimos
com algumas anedotas, mas quase sempre termina chorando.
—Suponho que é inevitável. Vanni tem que chorar, e, pelo menos conta com o apoio de
um amigo enquanto o faz — Pastor estendeu um copo a Paul e brindou com ele.— Se me
acontecesse algo assim, eu adoraria que qualquer um de vocês estivesse a seu lado, apoiando-a.
—Isso é algo quase automático, Pastor — disse Paul, dando um gole na sua bebida.
Paige entrou naquele momento no bar, aproximou-se diretamente de Paul e lhe deu um
abraço.
—Como está? — perguntou.
—Muito bem, obrigado. E você? Como foi o jantar? Aposto que Christopher o passou em
grande estilo.
—Certamente. E lhe deram de presente tudo.
—E você? Seu marido a mimou como merece?
—Não tem nem ideia. Além disso, temos que dar uma notícia: vamos ter um bebê!
—Isso é genial! — disse Paul. Olhou Pastor e sorriu. — Ao final conseguiu superar com

187
êxito o dia da ovulação, não é?
—Pois sim — respondeu Pastor estufando o peito.
—E John me prometeu que no futuro, quando tivermos que nos ocupar de um assunto
pessoal, como passar um dia inteiro desfrutando do sexo, não vai contar a todo o povoado.
Paul não pôde dissimular um sorriso.
—De qualquer maneira, é uma grande notícia, Paige. Fico muito feliz pelos dois.
—Asseguro que não é nada fácil estar casado com uma mulher como Paige e ter que
esperar o dia da ovulação — acrescentou Pastor. — Acho que tenho feito um grande trabalho e
que deveria reconhecer meu mérito.
—Sim, suponho que deve ter sido muito duro — disse Paul. — Sabe? Era disso que eu
precisava. Boas notícias e dar boas risadas. Parabéns aos dois — ergueu seu copo. — este último
ano foi muito duro, brindemos pelo que nos espera. E por seu futuro bebê.
—Brindo por isso — disse Pastor.
—E agora os deixarei sozinhos, para que sigam falando de suas coisas — Paige ficou nas
pontas dos pés e deu em Paul um beijo na bochecha. — Somos conscientes de que está em uma
situação difícil, Paul. Suponho que agora mesmo só pensa na Vanni e no inferno pelo que está
passando, mas se alguma vez precisar conversar, descansar ou desafogar, conte conosco.
—Obrigada, Paige.
Paul e Pastor conversaram mais um pouco e depois se despediram. Paul queria ir a alguma
parte em que pudesse estar sozinho para chorar, gritar, talvez e não lhe ocorreu outro lugar
melhor que seu trailer. Conduziu até lá, mas quando estava entrando na clareira, viu a
caminhonete de Tommy. Apagou as luzes imediatamente. Pensou que estaria na caminhonete
com Brenda, mas não demorou para perceber que a caminhonete estava vazia.
OH, que encrenca, pensou. Tommy também estava sofrendo muito; estava
particularmente vulnerável e naquele momento, certamente estava no trailer com Brenda. Sabia
que fazia mais de duas semanas que não a via. E aquela noite por fim conseguiu estar de novo a
sós com ela. E desfrutando de uma cama condenadamente boa.
De modo que Paul deu meia volta e não reacendeu os faróis do carro até que esteve
seguro de que não podiam vê-lo do trailer. Conduziu de volta à casa do general. Ao entrar,
descobriu-o dormindo em uma poltrona, diante da televisão e com o jornal no colo. Ao ouvir
Paul despertou.
—Boa noite, senhor — saudou Paul.
—Boa noite — grunhiu. — Devo ter pegado no sono. Como foi o Natal de Paige e Pastor?
—Muito bem. Deram-me uma ótima notícia: Paige está grávida.
—Caramba, finalmente Pastor conseguiu — disse o general entre risadas.— Soube
aproveitar o dia da ovulação.
Paul sorriu.
—Colocou-se em uma confusão por contar a tanta gente.

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—Imagino, mas é tão próprio dele, não acha? É completamente transparente — se
levantou e se estirou. — Acho que vou me deitar.
—Importa-se que me sente? Posso assistir televisão?
—Fique à vontade.
O general estendeu a mão a Paul e este a estreitou.
—Obrigado por ficar conosco. Sei que tudo isto também tem que ser muito duro para
você. E sei que está aqui porque Vanni pediu.
—Faria qualquer coisa que me pedisse, senhor. Dei a Matt minha palavra.
— Agradeço assim mesmo. Boa noite Paul.
Às dez, Paul colocou no canal de notícias da CNN. Às onze, esteve atento às notícias sobre
São Francisco. À meia-noite começou a pensar em dirigir de novo até seu trailer, mas à meia-
noite e meia a porta foi aberta. E era evidente que Tommy se surpreendeu ao encontrá-lo
acordado.
—Hei, está acordado.
—Sim — respondeu Paul.
Ainda estava indeciso sobre qual seria a melhor maneira de abordar aquele assunto. Mas
tinha que fazê-lo antes que fosse muito tarde, e nem Vanni nem o general estavam em
condições de fazer aquele trabalho.
—Me alegro, porque preciso falar um assunto com você. Vou procurar um refresco, quer
alguma coisa?
—Não, obrigado.
Tom foi à cozinha, retornou ao salão com um refresco e se sentou em frente a Paul.
Parecia um pouco nervoso, pensou este.
—Quer tirar o casaco?
—Sim, claro — deixou o refresco em cima da mesa e tirou o casaco. — Escuta, tenho que
te dizer uma coisa. Esta noite utilizei seu trailer, espero que não se importe.
Paul arqueou as sobrancelhas, esperando que continuasse.
—Foi uma situação especial. Teria pedido permissão, mas juro que não foi planejado. Foi
tudo muito repentino. Mas deu tudo certo.
—Quer tentar me explicar?
—Claro. Tinha um presente de Natal para a Brenda. Comprei-o antes de… antes que
ocorresse tudo. Queria entregar-lhe em algum lugar bonito, levá-la à praia, ou para jantar em
algum restaurante agradável… Mas o que houve com Matt acabou com todos os meus planos.
Então procurei um lugar no qual pudesse lhe dar o bracelete que comprei. Uma pulseira que
comprei com o dinheiro que você me pagou.
—E o que aconteceu?
—Bom, a verdade é que foi muito bom. Ficou encantada, e graças a essa pulseira ganhei
muitos beijos. Mas estávamos na caminhonete e de repente me ocorreu… Bom, vi o trailer e
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decidi utilizá-lo. Se soubesse que iria terminar lá, teria pedido, mas na verdade não sabia o que
fazer.
—Então se deitou com Brenda em meu trailer.
—Não! — exclamou Tommy. — Paul, eu não me deito com Brenda — sorriu. — Embora
façamos outras coisas muito interessantes.
—Escuta, Tommy, talvez devêssemos conversar.
—Poupe-me disso. Tive esta conversa centenas de vezes. Não estou me deitando com a
Brenda. É claro, eu adoraria me deitar com ela, mas Brenda quer fazer as coisas devagar, e eu
estou completamente de acordo com ela. Além disso, ainda sou virgem, mas o matarei se contar
a alguém.
—Então o que estiveram fazendo?
—Vamos, Paul, não acha que está sendo um pouco intrometido?
—Dadas as circunstâncias…
—Paul, a única coisa que eu queria era abraçar alguém. Esses meses foram horríveis, e esta
noite, entretanto, pareceu-me maravilhosa. Apenas nos abraçamos e… — olhou Paul com
expressão sonhadora, — disse-me que gosta de mim.
—Certo, está muito bem!
—Estou seguro de que foi pela pulseira.
—Mas conceda a você algum mérito.
—Sim, o mérito de comprar a pulseira.
—Podem utilizar meu trailer —disse Paul. — Sei que terminará se deitando com ela, posso
cheirar. E eu gostaria de ser seu cúmplice ou algo parecido.
—Espero que tenha razão — respondeu Paul, rindo, — mas não acredito. Pelo menos n
momento. Brenda lhe dá muita importância… E você? Você quando perdeu… já sabe?
—Tinha dezessete anos — contou Paul com um sorriso. — Acho que isso já é
suficientemente gráfico. Tem preservativo?
—Responda você mesmo. O general daria preservativos a seu filho? Meu Deus, Paul, se até
me obrigou a colocá-lo em uma banana para ter certeza de que eu sabia como utilizá-lo. E
provavelmente conta cada dia quantos restam. Às vezes me dá vontade de jogar alguns fora só
para lhe pôr nervoso. Sim, tenho preservativos, e, além disso, não vou confiar somente neles. Sei
que não devo me deitar com ninguém que não utilize também seu próprio método
anticoncepcional e não, Brenda e eu ainda não falamos sobre isto. Está satisfeito?
—Começo a ficar.
—Não pretendo me aproveitar da Brenda. Gosto dela de verdade. Não vou permitir que
nenhum de nós corra nenhum risco. E quando ela disser que chegou o momento, assegurar-me-
ei de que se sinta segura, e de que o esteja, claro. Brenda é muito importante para mim, Paul.
Não quero estragar nossa relação.
Pelo visto, pensou Paul, o garoto era responsável.

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—Já não sei se tenho certeza de querer te emprestar o trailer — disse, mas sorriu.
Tommy era um garoto encantador. E o fazia sentir uma grande nostalgia. Lembrou-se da
garota do colégio com a qual, estava convencido, faria amor pela primeira vez. Mas não, no final
não foi com ela. A ocasião tinha surgiu mais adiante, quando ele menos esperava. Paul desejou
que Tommy tivesse mais sorte que ele.
—Você entendeu, não?
—Claro, não está zangado pelo que aconteceu esta noite, não é?
—Não, posso suportar. Está seguro de que de verdade não aconteceu nada preocupante?
Porque ainda estamos em tempo de fazer alguma coisa.
—Sim, já sei, a pílula do dia seguinte. Acredite em mim, Paul, a única coisa que não sei do
sexo é o que se sente ao desfrutá-lo.

Capítulo 14

O julgamento de Jerome Powell se realizou muito em breve. Excessivamente breve, talvez.


Durante a terceira semana de janeiro Brie e Mike tiveram que retornar a Sacramento para que
ela pudesse testemunhar contra o estuprador. Viajaram com muito tempo de antecedência,
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para que Brie pudesse estar preparada. Quando chegou a data do julgamento, Jack também quis
estar lá, mas Mel não podia deixar sozinhas suas pacientes: Lilly estava cada vez mais doente e
Vanni, com gravidez muito avançada, não conseguia superar sua tristeza.
Paige e Pastor prometeram cuidar de Mel, e também John Stone garantiu que estaria de
olho nela, mesmo assim, Jack achou muito difícil deixá-la.
Enquanto se dava o conhecimento dos juri selecionado e ambas as partes apresentavam as
alegações, Brie esteve sentada na mesma sala que seu estuprador. Acompanhavam-na seu pai,
Mike, seu irmão e suas irmãs. Estava muito protegida, embora estivesse ao lado de todo o corpo
dos fuzileiros navais, se sentia vulnerável. Em sua mente revivia o ocorrido uma e outra vez. E
todos esperavam que o julgamento culminasse em uma sentença rapidamente.
Havia muitas provas contra Powell. Apesar de ter utilizado preservativo para não deixar
nenhum vestígio de DNA, contavam com um cabelo do estuprador, além disso, encontraram-no
de posse da pistola de Brie, que ele garantia que tinha achado.
Entretanto, a defesa conseguiu impedir que as mulheres que testemunharam contra ele no
julgamento anterior, testemunhassem, com a intenção de que Brie não pudesse explicar que sua
identificação estava baseada no fato de ter participado de seu caso como promotora. Como não
conseguiu condená-lo, a defesa argumentaria que ela denunciou porque perdeu o caso.
Brie não precisava estar em todas as sessões do julgamento, poderia esperar que a
chamassem para depor, mas queria se acostumar a vê-lo, e reunir coragem antes de depor.
Também queria que ele a visse e soubesse que não iria entrar em colapso. O promotor não
aceitaria um acordo por confissão de culpa nessas circunstâncias.
Mas ver seu estuprador não a tranquilizava, não a acalmava. Começava a compreender
exatamente o que sentido as testemunhas. Brie mal dormia, tinha problemas para comer e se
sentia como se alguma coisa vibrasse sob sua pele. Para ela era difícil aceitar o irracional, o
ilógico daquela reação. No fim das contas, o estuprador estava preso, não podia lhe fazer mal. E
ela sempre tinha a seu lado dois homens fortes que fariam qualquer coisa para protegê-la.
Mesmo assim, bastava olhar para ele pra sentir vontade de vomitar.
Jerome Powell era um homem alto, bronzeado, com o cabelo loiro e a mandíbula
quadrada. Trazia um grande sorriso que, certamente, serviu para ganhar a confiança de muitas
mulheres. Era um homem de mãos grandes e braços fortes. Com os olhos escuros, muito juntos,
e as sobrancelhas espessas.
Olhava Brie de vez em quando. Às vezes sorria e a fazia querer de vomitar. Cada vez que a
olhava, Brie sentia Mike e Jack tensos. Olhava-os e observava suas expressões ameaçadoras.
Aqueles homens não temiam nada. Jerome Powell deveria sentir tanto medo de ir para a prisão
quanto de ficar em liberdade e estar à mercê daqueles dois homens que o odiavam. Entretanto,
não se intimidava, mostrando o tempo todo uma atitude arrogante.
À noite, as conversas na casa de Sam giravam em torno de temas superficiais. Mike, Sam e
Jack estavam acostumados a terminar no pátio, enquanto Brie conversava com suas irmãs. Uma
noite, já na cama, Mike a abraçou com gesto protetor, estreitou-a com força e sussurrou no
ouvido que a amava, que estava orgulhoso dela e que jamais teria imaginado que fosse uma
mulher tão valente.
—Não poderia fazer isso sem você — disse Brie.
192
—Pois eu acho que sim, é muito forte. Mas estou feliz que não tenha que fazê-lo. Nunca
terá que voltar a passar por momentos difíceis sozinha .
Quando chegou finalmente o dia de Brie testemunhar, subiu com calma ao pódio para
fazer o juramento. O promotor não podia admitir o testemunho de nenhuma testemunha que
tivesse sido chamado a declarar em outros julgamentos contra o mesmo delinquente, então
cabia a ela descrever os detalhes do estupro. Enquanto se sentava, viu na parte de trás da sala.
Enfim, pensou, gostasse ou não, Brad também fazia parte de tudo aquilo. Talvez assim pudessem
por um fim naquela etapa e continuar cada um com sua vida.
—Precisei trabalhar até tarde e cheguei em casa depois da meia-noite. Abri a porta da
garagem, mas parei o carro fora porque estava cheio de coisas que há meses queria jogar fora.
Ainda não tinha fechado a porta do carro quando alguém me agarrou por trás e me golpeou a
cabeça contra o carro. Depois, agarrou-me pelo pescoço, como se quisesse me sufocar. Eu joguei
a maleta e tentei abrir a bolsa. Levava uma pistola. Mas a bolsa saiu voando, não estou segura se
porque ele me tirou isso ou porque soltei ao resistir.
—Então resistiu, senhora Sheridan?
—Lutei com todas as minhas forças. Ele me golpeou no rosto duas ou três vezes e perdi os
sentidos. Quando despertei, estava no chão e ele em cima de mim, sorrindo. O medo me
paralisou. Então ele colocou a mão debaixo da minha saia, rasgou minhas meias e me baixou a
calcinha. Me segurou pelo pescoço para que não me movesse enquanto desabotoava as calças.
Eu não podia me mover, porque me sufocava.
Olhou a seu irmão e Mike. Jack franziu o cenho e baixou o olhar, mas Mike lhe sustentou o
olhar com firmeza. Brie sabia o quanto devia estar sofrendo em ouvi-la, mas, por ela, mantinha a
queixo alto e o olhar firme.
—Disse alguma coisa a ele? — perguntou o promotor.
—Protesto, Meritíssimo.
O juiz pegou o microfone com a mão e se inclinou para Brie:
—Poderia responder a pergunta sem introduzir nenhuma informação proibida?
—Claro — respondeu. Olhou no rosto dos advogados. — “Me disse: “Me olhe”“. Quero
que me veja o rosto”. Não vou deixar nenhuma prova”. Não vou te matar”. Quero que continue
vivendo”.
—E isso a fez se sentir mais segura?
—Enquanto ele falava, estava pondo um preservativo. Quando terminou, me estuprou, me
apertando o tempo todo o pescoço. Eu pensei que iria morrer, acreditei que pretendia me
estrangular. Sentia-me como se estivessem me rasgando em duas. Quando terminou, subiu a
cueca sem tirar o preservativo. Levantou-se e começou a me dar pontapés. Eu voltei a desmaiar.
Continuou descrevendo as lesões produzidas ao mesmo tempo em que passavam ao juri as
fotografias tiradas no hospital. Mantinha a voz firme, suas palavras soavam claras e precisas,
mas as lágrimas desciam por suas bochechas e tinha o estômago cada vez mais revolto.
—Ele disse mais alguma coisa?
—Protesto, Meritíssimo!
193
—Admite-se o protesto.
—Isso é tudo por agora — disse o promotor.
Aproximou-se o advogado de defesa e começou a fazer perguntas sobre a hora da
violação. Quis saber se estava cansada, se usava óculos e o tipo de iluminação do local da
agressão. Todas elas eram perguntas destinadas a criar dúvidas sobre sua capacidade em
identificar o agressor naquele momento. Brie sentiu que a sala começava a rodar diante de seus
olhos e balançou a mão no ar. O juiz se inclinou para frente e perguntou se poderia continuar.
—Está um pouco pálida — assinalou.
—Sigamos com as perguntas — sussurrou ela em resposta.
A defesa continuou por quase uma hora mais fazendo perguntas sobre sua saúde, sua
estabilidade mental e inclusive seu divórcio. Ao final, perguntou:
—Houve ronda de reconhecimento?
—Não, foi impossível porque ele conseguiu escapar.
—A polícia lhe mostrou fotografias?
—Sim.
—E quando ocorreu isso?
—Faz sete meses — Respondeu Brie com o rosto empapado em suor.
—E o homem que identificou como agressor está agora mesmo nesta sala?
—Sim, está aí, é Jerome Powell.
—E tem plena segurança de que esse homem é o mesmo que identificou há sete meses em
uma fotografia?
Brie elevou a cabeça bruscamente e o olhou com os olhos arregalados.
—Sim ou não, senhora Sheridan?
Brie se inclinou para frente.
—Não — respondeu.
Pela expressão de seu rosto, era evidente que o advogado de defesa sabia o que acabava
de conseguir.
—Senhoria, podemos conversar? —perguntou o advogado de Brie.
Os advogados se aproximaram do banco e iniciaram uma acalorada discussão que Brie
pôde ouvir com todos os detalhes. O promotor argumentava que tinha direito a se aprofundar
na resposta enquanto o advogado da defesa replicava que isso significaria introduzir um
testemunho a partir de provas que não tinham sido admitidas por estar relacionadas com um
julgamento anterior no qual seu cliente foi absolvido. Ao final, o juiz advertiu ao advogado do
agressor que foi ele quem abriu aquela possibilidade e que o promotor tinha o direito de
continuar perguntando.
—Senhora Sheridan — perguntou o promotor, — por que não está segura de que o
homem que identificou na fotografia é o mesmo que acaba de assinalar?
194
—Porque vi a fotografia, mas não foi esse o momento no qual o identifiquei.
—E como identificou seu agressor?
—Porque o conhecia.
—Por que o conhecia?
—Quando me estuprou, eu estava trabalhando como ajudante do promotor do distrito.
Acabava de tentar processá-lo por ter estuprado seis mulheres, e perdi o julgamento.
Produziu-se tal rebuliço na sala que o juiz teve que chamar a atenção várias vezes e
ameaçar expulsar todos os assistentes. Quando por fim cessou o ruído, o promotor perguntou a
Brie:
—Disse-lhe algo mais o agressor, senhora Sheridan?
—Sim. Disse-me que não iria me matar, que queria que tentasse prendê-lo novamente e
que o visse se livrar da pena.
Os murmúrios eram inconcebíveis. O juiz teve que utilizar o martelo várias vezes para
impor silêncio. Nesse momento, Brie se permitiu olhar Mike. Curvou os lábios em um ligeiro
sorriso e olhou-o nos olhos. Inclusive daquela distância distinguiu o orgulho em seu olhar. O
amor e o orgulho. Mike devolveu o sorriso e assentiu de maneira quase imperceptível.
Conseguiu: iriam acabar com aquele tipo.
—Isso é tudo, senhora Sheridan — disse o ajudante do promotor.
O advogado tentou voltar a ganhar posições perguntando a Brie se havia alguma
possibilidade de vingança contra Powell por não ter conseguido prendê-lo anteriormente. Com
voz clara e forte, Brie respondeu:
—E deixar outro estuprador em liberdade? Deixar em liberdade o homem que me agrediu?
Claro que não.
—Me parece que foi incapaz de identificar o homem que a estuprou, senhora Sheridan, e
viu a oportunidade de se vingar de meu cliente.
—Protesto! — gritou o promotor. — Meritíssimo.
O juiz olhou para o advogado.
—Essa é uma pergunta ou só está tentando me pôr à prova para ver até onde chegar antes
que eu o acuse de desacato ao tribunal?
—É possível, senhora Sheridan?
—Não, vi-o, conhecia-o e o identifiquei.
—Pode abandonar o posto, senhora Sheridan.
Brie se levantou tremendo, e agradecendo por ter sido capaz de terminar o testemunho
sem cair. Era impossível que o soltassem depois daquilo. Nenhum membro do júri teria dúvidas.
Uma vez descoberto os motivos que poderia ter Powell para agredi-la, poderiam começar a
investigar seu passado e ver que foi preso em outras ocasiões.
Brie desceu do pódio e começou a caminhar para Mike. Então, desmaiou.
Mike viu empalidecer ao fazer a declaração final e viu também como, ao terminar, seu
195
rosto se tornava completamente branco. Enquanto caminhava para ele, tinha o olhar vítreo e
era evidente que lhe custava manter-se em pé. E quando começava a se levantar para ir a seu
encontro Brie desmaiou diante seus olhos.
—Brie! — gritou.
Um dos oficiais o deteve até que o promotor o identificou como o marido de Brie, embora
na verdade não fosse.
Mike correu para ela, agachou-se a seu lado e lhe levantou a cabeça. Brie já estava
começando a abrir os olhos.
—Consegui, querido.
—Podem chamar uma ambulância? — gritou Mike.
—Já está vindo, senhor — respondeu alguém.
—Sinto muito — sussurrou Brie. — Sinto estar fazendo você passar por tudo isso.
—Shhh, tranquila. Agora já terminou.
—Amo você, Mike —disse Brie em espanhol.— Muito.
—Eu também te amo, Brie. E finalmente terminou tudo, pequena.

Todas as tardes, na hora em que David dormia, Mel dirigia até o rancho dos Andersen. O
médico passava por ali todas as manhãs e na maioria das tardes. Isso acontecia desde a segunda
semana de janeiro, quando suspenderam as sessões de quimioterapia de Lilly. Havia um
momento na vida de todos quando a cortina começava a descer, e quando chegava esse
momento, já não havia maneira de voltar atrás e a melhor resposta era a dignidade e a
tranquilidade.
Quando Mel chegou ao rancho, saudou os familiares de Lilly e deixou David no berço de
Chloe. Como acabou de tomar a mamadeira, com certeza iria dormir por algumas horas. Depois
se dirigiu ao dormitório de Lilly, revisou a morfina e lhe deu um beijo na frente.
—Como está minha garota hoje? — perguntou.
—Acredito que hoje seria um bom dia para falar com meus filhos — disse com um fio de
voz.— Não quero perder esta oportunidade.
—De acordo — respondeu Mel.
—Vai me ajudar?
—Claro. Vou reunir todos.
Mel foi à sala de estar e à cozinha. Ali estavam as filhas de Lilly. Os filhos estavam no
estábulo, com seu pai.
—Sua mãe quer lhes dizer algo importante. Podem ir procurar seu pai e a seus irmãos?
—Vou agora mesmo — disse Sheila.
Uma vez de volta no dormitório, Mel se sentou ao lado de Lilly e lhe deu a mão.
196
—Tudo vai sair bem, sabe.
—Sim, sei. Devo muito a você, Mel.
—Pois eu acho que é exatamente o contrário. Se não tivesse encontrado Chloe na varanda
da casa do médico, teria ido para Colorado Springs e não teria conhecido meu marido nem tido
meu filho.
Só estavam ali cinco dos sete filhos do Lilly, mas era mais que suficiente para fazer uma
confissão. Buck ficou na cozinha, cuidando de Chloe.
—Vão se surpreender — disse Lilly a seus filhos.— Espero que encontrem em seus
corações a capacidade para me perdoar. Eu menti. Deixei-me levar por um momento de loucura
e menti para vocês — disse.
Um ataque de tosse a interrompeu e teve que descansar um instante. Seus filhos se
olhavam confusos.
—Uf — disse Lilly quando se recuperou. — Tenho que lhes contar. Chloe não é uma criança
adotada. Eu dei à luz nesta casa, nesta mesma casa. Disfarcei a gravidez usando roupa larga e
quando ela nasceu, deixei-a na varanda da casa do médico. Mel? — elevou o olhar para ela.
—Vou ver se posso te ajudar com isso — disse Mel, — sua mãe está muito cansada. O que
aconteceu foi que Lilly se angustiou ao pensar que iria ter que criar outro filho aos quarenta e
sete anos, quando já tinha sete netos. Pensou que, talvez houvesse algum casal jovem
desesperado por um filho e pudesse adotá-la, o que o melhor para todos. Também para Chloe,
que poderia desfrutar de pais jovens. Mas como não apareceu nenhum casal, Lilly decidiu
recuperá-la.
—Sinto muito — se lamentou Lilly. — Seu pai pensava que era uma loucura, mas tinha
medo do que eu pudesse fazer se ele não aceitasse minha ideia. Estava completamente
desesperada. Então fingi que eu a adotava, apesar de ser minha própria filha. Não poderia
morrer sem lhes contar isso.
Amy, a filha mais velha de Lilly, sentou-se a seu lado na cama, tomou sua mão e beijou com
ternura.
—Bem, está explicado por que se parece tanto com o resto dos Andersen — lhe deu um beijo
na testa. — Não deveria se preocupar tanto. Vai ficar tudo bem, mamãe.
—Sinto muito por ter mentido.
—No final, você fez o que tinha que fazer e a trouxe para casa. De todas as formas,
teríamos o mesmo carinho mesmo se não soubéssemos que era nossa irmã.
—É importante saber quais são suas origens — explicou Mel, — não só por razões médicas,
mas também legais. Não poderíamos permitir que Chloe, dentro de alguns anos procurasse sua
família biológica por toda a Califórnia.
—Se algum dia tiverem que contar a ela o ocorrido, por favor, digam que a amei muito. E
que também me arrependi do que fiz — Lilly fechou os olhos.— Estou muito cansada. Espero
que isso não dure muito mais.
Mel se levantou e ajustou as gotas para que caísse um pouco mais de morfina.
Um a um, os filhos de Lilly foram se aproximando da cama e beijando a sua mãe.
197
—Não se preocupe, mamãe. No final, tudo saiu bem, e nós a amamos muito.
—Obrigada por nos dar outra irmã, mamãe.
—Nos ocuparemos de tudo, não tem por que se preocupar com nada.
—Ninguém está zangado com você, mamãe. É a melhor mãe e a melhor avó do mundo.
No final, quando seu filho mais velho se aproximou da cama, Lilly disse:
—Harry, cuida de seu pai. Vai necessitar de toda sua ajuda.
—Eu me ocuparei dele, mamãe, e prometo que ficará bem.
Quando Mel e Lilly voltaram a ficar sozinhas, Lilly disse aliviada:
—Pronto. Levava muito tempo querendo fazer isso. Obrigada.
—Não tem que me agradecer. Tem uma família maravilhosa. São as melhores pessoas que
conheço.
—É muito mais fácil partir deste mundo assim, fazendo um bom trabalho. De verdade,
ninguém poderia pedir mais à vida que a família que tenho. Sinto muito orgulho deles.
—E você não deveria ir deste mundo sem saber que eles também sentem muito orgulho
de você.
Quatro dias depois, Lilly Andersen fechava os olhos pela última vez para ser enterrada
junto ao resto de sua família. Vieram ao enterro a maior parte dos habitantes de Virgin River,
dispostos a lhe dar o último adeus. Mel não pode ter Jack a seu lado e sentia por isso, mas
estava em paz e com enorme alívio de saber que sua amiga deixou de sofrer.

Jack retornou de Sacramento assim que esteve seguro de que podia deixar Brie, embora
ela e Mike continuassem lá. Sua irmã queria saber o veredicto do julgamento antes de partir,
mas Jack se preocupava com sua família e embora falasse com Mel várias vezes ao dia,
lamentava profundamente que tivesse que enterrar uma boa amiga sem contar com seu apoio.
Além disso, sabia que deixava Brie em boas mãos. Mike estava completamente entregue a ela.
Quando entrou no povoado, viu Mel com David nos braços, cruzando do consultório até o
bar. Estacionou imediatamente, saiu da caminhonete e envolveu os dois em um abraço.
—Meu Deus, senti tanto tua falta. Não suporto dormir sozinho.
—Eu não tive que dormir sozinha. Tive companhia todas as noites.
Abraçou David e este voltou sua boca úmida de baba para lhe dar um beijo.
—Agh — disse Jack, — quando será que deixará de fazer isso?
—Como estão todos quando partiu?
—Descansando. Brie está muito bem, embora vá custar um pouco de tempo para se
recuperar. O julgamento foi mais traumático do que esperava.
— Estamos ansiosos esperando notícias dela.

198
—Contarei tudo, mas sabe quem estava também no julgamento?
—Quem?
—Brad. Sentado na última fila. Quando Brie desmaiou e Mike correu para ela, Brad se
limitou a abaixar a cabeça e abandonar a sala. Ele fez burrada e sabe disso — pousou a mão no
ventre de sua esposa. — Como você está?
—Bem. Já superei as náuseas e os vômitos do primeiro trimestre e começo a seguir para a
plácida etapa do segundo, engordando a uma velocidade supersônica. Tenho que fazer uma
ecografia, para saber o sexo.
—Espero que seja uma garota — disse Jack.
—Ah, é?
—Sim, porque tenho a sensação de que não vai querer ter nem mais um filho.
—Digamos que não me entusiasma a ideia de vomitar ou caminhar como um pato, mas
garanto pra você que eu adoro levar dentro de mim um pedacinho seu. E nisso tem razão, faz
bebês maravilhosos.
—Todos têm algum talento oculto.

Brie e Mike passaram outras duas semanas em Sacramento, esperando o final do


julgamento. A espera fez Brie reviver toda a violência a que foi submetida. Às vezes, bastava
sentir o calor úmido do verão para recordar o ocorrido. Em outras ocasiões, fixava-se em sua
mente o aroma de suor de seu agressor. Seus olhos a perseguiam quando dormia. A pressão de
sua mão no pescoço invadia seus sonhos e ela despertava ofegante, com medo de morrer.
Sentia-se então particularmente débil e muitas vezes vomitava.
Mike estava sempre a seu lado. Sustentava-lhe a cabeça, abraçava-a à noite, oferecendo a
segurança que necessitava, e quando despertava no meio da noite a ponto de gritar, fazia-a
voltar lentamente para a realidade na segurança de seus braços. Quando, à noite a sentia
tremer, despertava com delicadeza e conversava até acalmá-la outra vez. De modo que, em
questão de dias, Brie voltou a recuperar as forças, a estar mais tranquila e a sentir-se mais perto
de fechar para sempre aquele terrível capítulo de sua vida.
Quanto a Mike, as crises de Brie o faziam reafirmar seus propósitos; havia um problema
em Virgin River que precisava resolver o quanto antes. Odiava pensar que qualquer outra
mulher pudesse passar por uma experiência tão traumática como a de Brie e se havia alguém no
povoado abusando de jovens inocentes, ia encontrá-lo e levá-lo aos tribunais.
Ironias da vida, depois de tantos anos como policial, voltava a experimentar a necessidade
de proteger outros que em um primeiro momento o levou a se converter em um agente da lei.
Quando Brie e Mike retornaram a Virgin River, levavam com eles uma sentença de
condenatória e duas alianças de casamento, e estavam preparados para iniciar uma nova etapa
em suas vidas.

199
Jack esteve ajudando Paul a dar os toques finais à casa enquanto Brie ajudava Mel com os
móveis e acessórios. Mel, por sua parte, continuava indo ao rancho dos Andersen com certa
assiduidade para se certificar que a família estava superando a perda de Lilly. Normalmente,
quando tinha que fazer alguma visita em domicílio, deixava David com Brie. Também visitava
semanalmente Vanessa para fazer um acompanhamento de sua gravidez.
Com a casa de Jack terminada e sua irmã a ponto de dar à luz, Tom tinha que passar a
maior parte do tempo perto de casa, então tentava encontrar tempo ao sair do instituto para
cavalgar com Brenda pela propriedade. Adorava cavalgar com ela, falar com ela e, é claro,
também poder beijá-la.
—Você estava informado sobre o estupro de Brie? Refiro-me a antes que de saber do
julgamento e todo o resto — perguntou Brenda a Tommy enquanto cavalgavam.
—Sim, Paul me contou pouco depois da morte de Matt. Foi no ano passado.
—E agora não acha estranho estar com ela sabendo o que aconteceu?
—Brenda, ela não teve culpa. De fato, arriscou tudo para prender esse homem, para
assegurar-se de que não pudesse voltar a fazer isso nunca mais. Tem ideia do quanto foi
corajosa? Mike está muito orgulhoso dela, adora-a. E eu acredito que Brie é uma das mulheres
mais fortes que conheci. Bom, Brie, Mel e Vanessa.
Brenda desmontou de seu cavalo quando chegaram ao estábulo.
— Não afeta os homens o fato de que tenham estuprado uma mulher? Talvez não
querem… bom, já sabe. Eu pensei que depois de uma coisa assim, um homem não queria voltar
a tocar em sua noiva…
—Como se estivesse suja ou algo assim? O que vai — respondeu rindo. — Não acredito.
Acredito que se a garota de quem gosta sofrer algo assim, isso faz você gostar dela ainda mais.
—Sério?
—É claro. Realmente.
—Deve ter sentido muito medo, com o julgamento e tudo mais. Pergunto-me se alguma
vez pensou em não fazê-lo… em não testemunhar.
—Duvido. Sei que lhe custou muito, mas o fez.
Tom tomou as rédeas do cavalo de Brenda e conduziu aos dois animais ao interior do
estábulo, onde os liberou das rédeas e das selas. Brenda o seguiu ao quarto dos arreios e uma
vez ali, Tommy se voltou para estreitá-la em seus braços. Aquela era a parte que mais gostava de
suas excursões a cavalo: beijá-la. Maldito seja, adorava essa garota.
—Você quer se deitar na grama? — perguntou.
Mas Brenda estava chorando.
—Brenda? O que houve?
—Sinto muito — respondeu ela. — Tenho que te contar algo que vai parecer horrível.
Tommy secou suas lágrimas.

200
—O que aconteceu? — repetiu com delicadeza.
—Não sou virgem — respondeu ela, soluçando.
—Brenda — Tommy a abraçou com mais força ainda. — E por que se preocupa? A mim
isso não importa tanto quanto pode pensar — se separou rapidamente dela para olhá-la nos
olhos. — É curioso, você está envergonhada por não ser virgem e eu envergonhado porque eu
sou.
—Mas eu não perdi a virgindade porque quis. — replicou Brenda.
—Do que está falando?
—Estou quase convencida de que me violentaram.
Tommy a olhou com o cenho franzido.
—Quase convencida? — perguntou.
Uma vez que começou, Brenda já não podia voltar atrás. Agarrou-se a ele, soluçando. Tom
não era um perito em mulheres, mas era suficientemente inteligente para saber que devia
esperar que Brenda se tranquilizasse um pouco para convidá-la a contar o resto da história.
Sentou-se no banco do quarto dos arreios e sentou Brenda em seu colo. Continuou abraçando-a
enquanto chorava, sussurrando palavras de consolo e acariciando suas costas. E demorou um
bom momento para voltar a falar com ela outra vez.
—Menti pra você, Tommy — disse Brenda, secando as lágrimas com as costas da mão. —
Fui a uma dessas festas da área de descanso. Só a uma. Fui com umas amigas e um garoto que
estava saindo na época. Tivemos que levar sacos de dormir, sabe? Porque fomos passar a noite.
Era como um acampamento. Eu me embebedei muito rápido e desmaiei. Quando despertei,
estava coberta de vômito, um par de garotos me disseram que bebi muito, mas eu não me
lembro de nada. Dois meses depois, percebi que estava grávida.
—Merda.
—Sim — Brenda riu com amargura. — Estava me preparando para abortar quando o fiz de
forma involuntária. Quem quer que tenha sido, contagiou-me com uma infecção. E agora que
sabe, já pode romper comigo.
—Por que romper com você? Já disse que gosto de você — acariciou seus cabelos. —
Quem foi?
—Não sei, e tampouco quero saber. Havia seis garotos nessa festa, já dei os nomes a Mike.
Ele gostaria que eu contasse a história ao xerife, mas acho que não serviria de nada. Eu não sou
como Brie, Tommy. Não sei quem foi, e também não sou suficientemente corajosa para passar
por algo assim. Além disso, não quero que toda a escola saiba que estive grávida. E tampouco
quero saber por que tenho medo de ter sido mais de um… Oh, Meu Deus — exclamou, e voltou
a chorar.
—Brenda, se acalme, de verdade, não passa nada.
—O que você vai pensar de mim agora?
—Já disse, você não teve culpa. E eu te amo.
—Mas eu não quero saber nada mais sobre o que aconteceu. A única coisa que quis,
201
desde que aconteceu, foi esquecer-se de tudo. Não penso em culpar ninguém, nem testemunhar
contra ninguém.
—Talvez apanhem esse tipo sem que tenha que testemunhar.
—E se na verdade não me estupraram? E se eu me embebedei tanto que deixei que
alguém…?
—Não, não foi assim. Estamos juntos há cinco meses, sei como você é. Tomamos às vezes
um par de cervejas e sei perfeitamente como reage. Estou completamente certo de que não foi
isso o que ocorreu.
—Com certeza me deram alguma droga.
Tommy a estreitou contra ele. Era difícil, mas tentava concentrar-se em Brenda e esquecer
a raiva que crescia em seu interior ao pensar no que fizeram a sua garota, antes inclusive de ser
sua garota. Claro, recordava perfeitamente a briga com Whitley. E lhe revolvia o estômago
pensar que aquele imbecil pudesse ter drogado Brenda para abusar dela. Mas não podia se
permitir pensar nesses termos ainda. Tinha que continuar abraçando-a, convencendo-a de que
jamais consideraria que aconteceu.
—Sim, pode ser.
—Desde que isso aconteceu, sinto-me como se fosse um lixo. Lembra-te de quando
começou a falar comigo na escola? Contei que estava doente, mas não era verdade. Ainda
estava tentando superar o que tudo.
—Não é nenhum lixo — sussurrou Tommy suavemente. — É um anjo, você não fez nada.
—Mas não é isso o que sinto, Tommy — replicou com tristeza. — saí com outros rapazes,
mas nunca quis me deitar com eles. Estava me reservando para alguém especial, para alguém
como você. Alguém a quem quisesse de verdade. E agora, não posso.
—Isso ninguém poderá tirar de você Brenda. Quando nós… se alguma vez decidirmos que
chegou o momento, será algo muito especial, prometo.
—Isso é impossível. A primeira vez deveria ser especial. E agora não haverá primeira vez.
Tommy lhe afastou o cabelo da face.
—O que posso fazer para demonstrar que amo você? Como posso convencê-la de que
continuo te respeitando?
—Não sei.
—Eu sei. Vamos cuidar dos cavalos. Depois, te abraçarei e te beijarei até que seja capaz de
acreditar quando eu disser que foi a melhor coisa que me aconteceu na vida. Tudo vai sair bem,
Brenda.
—Senti tanto medo lhe contar.
—Sei, Brenda. Mas já está tudo terminado. Não quero que volte a se preocupar com isso,
ok?
Uma hora depois, deitados na grama, Tommy continuava abraçando sua garota, beijando-a
e acariciando-a delicadamente em lugares que Brenda começava a lhe permitir acessar. Teve
muito cuidado de não ir além do permitido e, após um momento, Brenda se estreitou contra ele
202
com a mesma confiança de sempre. E se restou alguma dúvida se depois daquela confissão
continuaria sendo capaz de excitá-lo, a Tommy não custou nada demonstrar que continuava
excitando-se com a mesma facilidade de antes. Depois, quando a levou para casa, voltou a beijá-
la diante da varanda e lhe disse que, no que lhe dizia respeito, era a garota perfeita.
Talvez estivesse um pouco mais calado que o normal durante o jantar, mas diante do
ambiente que reinava na casa há dois meses, seu silêncio passou completamente despercebido.
Um pouco depois, disse a seu pai que ia dar uma volta pelo povoado e que retornaria em uma
hora ou duas. Provavelmente Walt pensou que ia ver Brenda.
Estacionou a caminhonete atrás do bar, na casa dos Carpenter se lhe ocorresse passar por
lá tomar uma bebida, dirigiu-se diretamente ao trailer de Mike e bateu na porta. O mesmo a
abriu.
—Posso falar um momento com você?
—Claro, quer entrar?
—Preferiria que saísse.
Mike pegou o casaco e saiu.
—Lembra-se daquelas festas que te falei? —perguntou Tom.
Estava ao lado de Mike, mas não o olhava.
—Sim, claro.
—Você pensava que nessas festas poderia haver drogas que faziam as pessoas perderem a
consciência contra sua vontade, não é? — continuava sem olhar para ele.
—Sim, pode ser.
Tom se voltou para Mike.
—Tenho certeza de que sei quem vende essas drogas. E que posso conseguir que me
venda.
—E como sabe?
Tom deu de ombros.
—Digamos que sou um gênio da investigação.
—E estaria disposto a forçar uma venda? Deve saber que estará sendo vigiado pela polícia.
—Sim, sei. De fato, eu gostaria de ver se posso conseguir também alguma coisa mais forte
que maconha. Se for fazer, quero bem feito. Poderia tentar comprar êxtase, ou cristal. Está
interessado?
—Tom, interessa-me qualquer coisa que me ajude a tirar das ruas substâncias que possam
fazer mal às pessoas. E se de verdade acha que pode me ajudar, agradeço por isso.
—Era o que procurava quando fazia todas aquelas perguntas?
—Sim.
—Então, a única coisa que temos que fazer é começar a trabalhar.

203
Capítulo 15

Vanessa perguntou a Paul se ele poderia ficar até que o bebê nascesse e ele respondeu
que, se ela quisesse, ficaria. Pelos cálculos de Paul, a casa estaria terminada quase ao mesmo

204
tempo em que Vanni daria à luz. Jack e Mel ainda teriam que se ocupar de algumas coisas, como
os eletrodomésticos ou a pintura, mas para isso já não necessitavam dele. E a casa estava
funcionando bem. Os pisos, de madeira, já estavam lixados e envernizados, o banheiro principal
completo, a eletricidade e o encanamento concluídos, as paredes preparadas para a pintura e a
varanda pronta para uso. Foi marcada uma data para a entrega dos móveis. Mel passava as
noites preparando caixas na cabana, organizando a mudança.
E Vanessa estava enorme.
Ultimamente, já não chorava tanto. Era como se estivesse concentrando toda sua atenção
em se preparar para o parto. Claro, como era de se esperar, às vezes a via triste, mas em geral se
mostrava tão forte que Paul não podia deixar de admirar sua força.
Um dia, ao chegar do trabalho, descobriu Vanessa o esperando no vestíbulo.
—Vem comigo — disse. — Quero te falar uma coisa.
—Antes eu gostaria de me lavar um pouco.
—Não, vem.
Segurou-o pela mão, conduziu-o ao salão, sentou-se em um dos sofás e indicou pediu que
se sentasse. Fazia tempo que Paul não a via tão animada. Suas bochechas estavam rosadas e os
olhos brilhantes.
—Paul, falta muito pouco para o bebê nascer.
Paul sorriu.
—Isso é bastante evidente.
—É meu melhor amigo, Paul.
—Obrigado, Vanni — respondeu, mas a olhou com receio.
—Por isso quero que esteja comigo durante o parto.
—A que se refere exatamente?
—Quero que você me anime, me ajude a empurrar, que segure minha mão…
—Mas… esse não é trabalho de Mel?
—Estará me apoiando no parto, claro, mas ela será a parteira e estará ocupada com outras
coisas. Sobretudo quando o bebê nascer. Preciso de você, Paul.
—Vanessa — respondeu Paul, inclinando-se para frente em seu assento. — Eu sou um
homem!
—Já sei. Os homens podem fazer isso perfeitamente.
—Não posso Vanni. Não deveria… Vanessa, ouça-me. Não posso vê-la assim. Não me
parece… apropriado.
—Bom, a verdade é que pensei também em meu pai e meu irmão, mas não gostei. Então…
— respondeu, e levantou uma fita de vídeo— vamos ver um documentário sobre parto que Mel
me emprestou.
—Não, por favor — suplicou Paul.
205
Vanessa se levantou, pôs o vídeo e voltou a se sentar com o controle na mão.
—Jack ajudou seu próprio filho a nascer.
—Sei, mas se por acaso se interessar em saber, não ficou deslumbrado e se nega a fazê-lo
uma segunda vez, deixou isso muito claro. E, por certo, Vanni, este filho não é meu. É o filho de
meu melhor amigo.
—Eu sei, talvez por isso Matt ficaria muito grato — pôs o vídeo em marcha. — Agora quero
que se concentre no que faz o casal, não se preocupe pela mãe. Durante quase todo o parto,
terá que estar atrás de mim, me ajudando a andar para que a força da gravidade ajude à
dilatação ou me lembrando de respirar enquanto eu respirar. Não vai precisar ver como nasce o
neném nem nada parecido.
—Estou começando a sentir tontura. Por que não pede a Brie ou a Paige?
—Sim, poderia fazê-lo, mas a verdade é que confio muito mais em você. Estou segura de
que consegue fazer. Assistiremos o vídeo e depois poderá me fazer todas as perguntas que
quiser.
Paul fixou o olhar na tela com o cenho franzido. Entrecerrou os olhos para ver uma mulher
não particularmente atraente dando à luz. Melhor dizendo, a ponto de dar à luz. Tinha uma
barriga enorme, o cabelo gorduroso, usava meias três-quartos nos pés e…
—Vanni, ela não depilou as pernas.
—Se é essa sua preocupação, posso me depilar, embora tenha que admitir que
ultimamente perdi o interesse nesse tipo de coisa.
A camisola do hospital estava colocada sobre o ventre e as pernas da paciente de tal
maneira que, quando começou a se levantar e abrir as pernas, ficou completamente coberta.
Quando a médica ou a parteira ou quem quer que seja que estava a cargo do parto levantou a
camisola, Paul se encontrou frente à cabeça com o bebê saindo do corpo da mãe.
—Meu Deus — gemeu, tampando o rosto com as mãos.
—Já te disse para olhar o acompanhante, não se preocupe com a mulher — aconselhou
Vanni.
—Garanto que é condenadamente difícil não olhar, Vanni — advertiu ele.
—Concentre-se
De modo que Paul levantou o olhar e viu que atrás da mulher havia um homem, talvez seu
marido, segurando-a pelos ombros, sorrindo e lhe dizendo que empurrasse. Mas,
indevidamente, Paul voltou a baixar o olhar, e voltou a ver a cabeça do bebê.
—Isto é um ato de crueldade.
—Esteve na guerra, caça animais, com certeza pode fazer uma coisa dessas — replicou
Vanni em tom autoritário. — Isto é muito mais bonito que matar um animal.
—Isso depende do que estiver acostumado — grunhiu Paul.
Observou que o homem da tela pedia à mulher que respirasse, que respirasse e
empurrasse. Bom, isso não seria tão difícil, não?

206
A mulher suava como se acabasse de correr a maratona. Voltou a segurar as coxas, ergueu-
se ligeiramente e empurrou com um grunhido. E a cabeça da criança saiu!
—Meu Deus — voltou a gemer Paul, afundando a cabeça. Ficou em pé e se colocou diante
da televisão.
—Vanessa, onde está seu pai?
—Mandei Tommy e ele ao estábulo para que pudéssemos assistir o vídeo juntos.
—Vanessa, não vou fazer isto. Não posso…
—Olha, Paul — respondeu Vanessa, assinalando para a tela.
Paul olhou por cima do ombro e viu o bebê deslizando para as mãos da parteira.
Continuava unido a sua mãe pelo cordão umbilical.
Paul se sentou e apoiou a cabeça nos joelhos, temendo desmaiar.
—Vanessa, está cometendo o erro mais grave de toda sua vida.
Vanessa pousou a mão em seu joelho.
—Podemos vê-lo várias vezes até que se acostume.
—Não, por favor — suplicou.
Paul levantou a cabeça a tempo de ver como cortavam o cordão umbilical. Deitaram o
bebê no estômago da mãe e nesse momento, Paul viu aquela coisa horrível que sabia que era a
placenta saindo do interior da mãe. Agora sim, pensou. Ia morrer nesse instante.
Vanessa emitiu um som estrangulado e Paul pensou imediatamente que tampouco ela
podia suportar. Mas quando a olhou, percebeu que não era esse o problema. Com uma mão no
ventre e fazendo uma careta, Vanessa estava fazendo-o voltar numa velocidade vertiginosa à
vida real.
—OH-OH — disse Paul.
—Sim, chegou a hora, mas não fique nervoso. Temos tempo de sobra. Se precisar,
podemos voltar a ver o vídeo.
—Não — respondeu com firmeza.— Não quero voltar a ver o vídeo!
—Então está preparado?
—Eu não disse isso.
—Muito bem — respondeu Vanessa sem lhe dar atenção. — Agora acho que deveria tomar
uma ducha. Leva todo o dia um parto, mas as contrações começam a ser mais fortes, então vou
chamar Mel.
—Está de brincadeira comigo?
—Vou ter o bebê, Paul, e sei que não vai me deixar sozinha.
—Pois não esteja tão segura — respondeu ele. — Porque será um autêntico milagre se eu
for capaz de suportar algo assim. De fato, já foi um milagre que não tenha desmaiado vendo
esse vídeo.
—Preciso de você — explicou Vanessa. — Se Matt não pode estar a meu lado, necessito
207
que você esteja comigo. Por favor…
OH. Deus, lamentou-se Paul. Estava jogando a carta de Matt.
—Por favor...
—Vanni, faria qualquer coisa por você, sabe disso. Mas isso é um engano, um terrível
engano.
—Ohhh — foi a única coisa que Vanessa respondeu enquanto segurava o ventre.
Paul a olhou horrorizado enquanto ela tentava suportar a contração.
Então foi isso que viu em seu rosto ao cruzar a porta, pensou Paul. Naquele momento,
Vanessa estava concentrada em ter seu bebê e todo o resto deixou de lhe importar. Era como
uma mãe loba protegendo seu lobinho. Era incrível a força da natureza. Quando a contração
diminuiu, Vanessa o olhou com determinação.
— Vá tomar um banho — ordenou.
Levantou-se, segurando a barriga, e se aproximou do telefone.
Paul se dirigiu a seu quarto, pegou a roupa limpa e correu para o banheiro. Tomou banho
rapidamente e se barbeou sem saber muito bem por que o fazia. Para ter as bochechas suaves
quando desmaiasse? Ao sair do quarto para ir ao banheiro, ouviu vozes; vozes masculinas no
banheiro e vozes femininas no quarto de Vanni. E risadas, como se houvesse algum motivo para
risada!
Correu para o corredor, onde estavam os homens, esperando encontrar ao menos um
pouco de compaixão. Encontrou Jack com David nos braços, Walt e Tommy.
—Eh, olá, como está? — perguntou Jack.
Paul se aproximou rapidamente de Jack.
—Ouça Jack, não tem nem ideia do que ela pretende que eu faça — disse, quase sem
respiração.
—Sim, claro que tenho. Disse a todo mundo. Mel virá buscá-lo assim que tiver preparado
Vanessa.
—Com certeza você faria isso muito melhor que eu.
—Sim, provavelmente — respondeu Jack. — Mas ninguém pediu a mim .
—Não posso fazer isso — sussurrou Paul.
Jack lhe acariciou as costas.
—Claro que pode. Não acontecerá nada. Além disso, você tem a sorte de poder contar com
uma parteira — sorriu. — No mínimo será uma boa experiência.
—Tenho certeza que está equivocado.
—Paul! — gritou Mel. — Já estamos preparados.
— Meu Deus.
Jack se inclinou para ele.

208
—Vamos, amigo.
Paul abandonou o corredor com dificuldade. Mel, sorrindo feliz, esperava-o na porta do
quarto.
—Como estamos? — perguntou contente.
—Não muito bem. Mel, tenho certeza de que não sirvo para isso. Não tenho nenhuma
experiência.
—Muito bem, Paul, não se preocupe. O bebê ainda vai demorar algum tempo em sair e
agora mesmo o que Vanni precisa é de alguém que lhe acaricie as costas, ajude-a a lembrar de
como deve respirar e umedeça de vez em quando sua testa, isso é tudo.
—Acredito que isso eu consigo fazer.
—Maravilhoso. Se não puder fazer nada mais, não se preocupe. Isso bastará, tudo bem?
—Farei o que puder — respondeu.
Entrou no quarto e suspirou aliviado ao ver Vanni com uma camisola que não deixava nada
descoberto. Estava sentada na cama, com as pernas cruzadas e sorrindo. Então Paul devolveu o
sorriso.
—Como está?
—Neste momento, muito bem, obrigada.
—Vanni. Deveria ter me dito antes que queria que ajudasse no parto. Era a última coisa
que eu esperava.
—Não se preocupe, Paul, vai se sair muito bem.
—Provavelmente, não. Provavelmente…
Interrompeu-se ao perceber que Vanessa já não estava prestando atenção. Fixava o olhar
na distância e acariciava o ventre enquanto exalava lentamente. E em menos de um segundo,
retorceu o rosto em uma careta e começou a acelerar a respiração. Grunhiu, com uma dor
repentina. Quando a dor diminuiu, voltou a respirar lentamente e a acariciar a barriga. Após
alguns segundos, olhou de novo para Paul e sorriu.
Mel entrou naquele momento no quarto com as toalhas.
—Sente dor nas costas? — perguntou.
—Sinto muita pressão, mas estou bem.
—Tente se inclinar um pouco para diante — Paul pressionou os dedos contra suas costas,
— Isso ajuda?
—Sim. Muito, muito.
Paul continuou acariciando suas costas e os ombros.
—Assim estou muito melhor — murmurou Vanessa.
Mel continuava ocupada preparando o instrumental para o parto. Enquanto Vanni
superava outra contração, continuou organizando suas coisas, deixando que Paul acompanhasse
Vanessa no processo.
209
Quando Vanni se reclinou contra os almofadões para vencer a dor, Paul se concentrou em
lhe acariciar os ombros e a parte superior do pescoço e os braços.
De repente, tirou o chapéu dizendo:
—Relaxe, Vanni, respira, assim, lentamente. Bem, muito bem. Como está?
—Uh… Ohhh.
—Mel? — perguntou então Paul.
—Sim?
—Não pode lhe dar alguma coisa?
—Não, Paul, está indo muito bem — Mel olhou para o relógio. — Cada vez está mais perto
— assim que cessou a contração, disse — Agora, levante-se, Vanni. Fique em pé para que nos
ajude um pouco a força da gravidade. Paul, ajude-a a levantar.
Vanni girou na cama e Paul a ajudou a levantar-se. Quando chegou a próxima contração,
sentou-se na cama e dessa forma, para Paul se tornou mais fácil continuar lhe esfregando as
costas. Mel saiu um momento do quarto e fechou a porta atrás dela. Quando a contração
cessou, Paul ajudou Vanessa a levantar-se. E no momento em que Mel voltou a entrar outra vez,
Vanni soltou um gemido quando rompeu sua bolsa, salpicando os sapatos de Paul e empapando
o tapete.
—Bom, esse é um bom sinal. Agora vou estender no chão um par de toalhas e depois verei
como vai a dilatação. A propósito, estão organizando uma festa.
—Sério? —perguntou Vanessa.
Inclinou-se sobre si mesma, ofegando.
—Estou certa de que não estava planejada, mas quando Jack disse que estava dando à luz,
vieram Pastor e Paige, colocaram Christopher para ver um vídeo, mas ficou dormido no sofá.
Também estão aqui Mike e Brie, preparando uns aperitivos na cozinha e fazendo companhia a
seu pai e a Tommy. Jack está dando a mamadeira a David — se interrompeu para ajudá-la a
deitar-se na cama.
Vanessa dobrou os joelhos, Mel colocou as luvas, pousou uma mão na barriga de Vanessa
e a outra mão desapareceu entre suas pernas.
—Bom, Vanessa, está tudo bem, está progredindo muito rapidamente. Se puder, fique
assim até a próxima contração, quero ver se posso te ajudar a dilatar um pouco. Segure a mão
de Paul e respire, talvez não seja muito agradável, mas pode ajudar a acelerar o parto.
Paul deu a mão a Vanessa e a olhou nos olhos.
—Está bem? —perguntou suavemente.
—Estou me esforçando muito — disse ela, quase sem fôlego.
—Sei. Meu Deus, Vanni, eu gostaria de fazer algo mais para ajudá-la.
—Está fazendo muito bem. Paul. OH! Outra vez. Ohhh…
—Boa garota — disse Mel. — Muito bem, muito bem — pousou uma mão em seu ventre e
voltou a apalpá-la. — Respire — pediu.
210
Vanessa respirou, mas não pôde evitar um gemido de dor. Instintivamente, Paul pousou os
lábios em sua testa.
—De acordo, Vanessa — disse Mel, — agora já está quase preparada para começar a
empurrar — tirou as luvas.
Paul viu então que havia sangue em uma das luvas.
—Vai tudo bem? —perguntou, assinalando a luva com a cabeça.
—Sim, claro que sim. E temo que vai ver muito mais. Acredita que poderá suportar?
—Sim — respondeu.
Mas pensou ao mesmo tempo que o tinham enganado de verdade. Como se pudesse
deixá-la em um momento como aquele.
—Vou procurar uma toalha úmida, Vanni. Volto rapidamente.
Cruzou o corredor para ir ao banheiro e lavou o rosto com água fria. Depois, umedeceu
uma toalha e voltou correndo ao quarto. Olhou para o relógio e se surpreendeu ao ver que se
passaram três horas desde que chegou à casa dos Booth depois do trabalho. Ouviu o som do
televisor, ouviam-se também risadas na cozinha.
Uma vez no dormitório, percebeu que começavam a aparecer em Vanessa os efeitos do
parto: a pele empapada pelo suor, o cabelo também e o rosto retorcido em uma careta de dor.
Voltou a ajoelhar-se a seu lado. Mel estendeu algumas toalhas no chão, mesmo assim, seus
joelhos se molharam. Não se importou. Umedeceu o rosto de Vanessa e tomou sua mão para
ajudá-la a suportar uma novas contrações. Então Mel deu o sinal.
—Muito bem, Vanessa, agora vamos. Se sentir necessidade de empurrar, faça isso na
próxima contração.
—Graças a Deus — murmurou Vanessa com um fio de voz.
—Paul, quero que a segure por trás, ajude-a a se curvar um pouco. Vanessa, já sabe o que
tem que fazer.
Paul começou a levantá-la e Vanessa disse:
—Ainda não.
Pouco depois, quando Vanessa começou a curvar-se sobressaltada pela imperiosa
necessidade de empurrar, ninguém teve que lhe dizer que chegou o momento. Sujeitou-a por
detrás enquanto ela deixava escapar um terrível grunhido e empurrava com todas as suas forças.
Ao ver que se derrubava contra os almofadões, perguntou esperançoso:
—Já saiu?
—Não, ainda demorará um momento.
—Mas no documentário…
—Este é o primeiro filho de Vanessa —explicou Mel.— Os primeiros sempre demoram um
pouco mais.
—Quanto?
—Isso depende do bebê — Mel colocou o estetoscópio sobre o ventre de Vanessa e
211
escutou com atenção. — Tem um coração muito forte — disse à mãe.
Paul continuou fazendo seu trabalho: umedecendo a face de Vanessa, animando-a e
apoiando-a. Estiveram assim durante mais uma hora, Vanessa parecia cada vez mais cansada e
Mel continuava ocupada, preparada para atender ao bebê quando nascesse. Enquanto segurava
a mão de Vanessa, ouviu que Mel dizia:
—Aguente um pouco mais, bem onde sente a pressão. Muito bem, respira e volta a
empurrar. Muito bem!
Mel colocou uma toalha na cama e aproximou os fórceps e as tesouras.
—Acredito que já está no ponto. Vamos, um bom empurrão.
—Um bom empurrão, pequena — Paul para si mesmo.— Empurra, empurra, empurra.
Mel estendeu a Paul um lençol.
—Coloca sobre a barriga de Vanessa. Quando o bebê nascer, o poremos aí. Vamos secá-lo
e depois o envolveremos em um lençol limpo, tudo bem?
—De acordo — respondeu Paul, atordoado. Vanessa então voltou a empurrar. Paul
continuou fazendo seu trabalho, como Mel indicou.
—Muito bem! — exclamou Mel. — Estamos quase lá. Acho que vai sair assim que você
voltar a empurrar, Vanni. Sim, vai.
—Muito bem, querida, estamos quase lá, ouviu-se Paul dizer.
Independente do que pensava inclinou-se para frente observando, enquanto aguardava o
nascimento daquele bebê, alegrando-se de poder desfrutar daquele momento mágico. Ouviu o
choro do bebê, ouviu a feliz exclamação de Mel. Agarrou o lençol e viu então um menino sujo e
choroso. Caramba, não parecia muito contente de ter chegado ao mundo.
—Hey! Está fazendo xixi! — exclamou rindo.
Vanessa riu emocionada.
Paul observava aquela nova vida com maravilhado assombro, fascinado pelo que Vanessa
acabava de fazer. Foi incrível ter sido testemunha de algo assim. Então lembrou que se supunha
que ele também tinha algo a fazer. Junto com Mel, secou o bebê e, enquanto ajudava, não
conseguiu evitar contar os dedinhos das mãos e dos pés.
Mel cortou o cordão umbilical, envolveu o menino em um lençol limpo e o estendeu a
Paul. Vanessa tentava acomodar-se na cama e ajeitar-se melhor nos travesseiros. Paul segurou o
bebe em um braço enquanto a ajudava com o outro. Ajoelhou-se ao lado da cama e observou
Vanni estreitando o bebê em seus braços. Sem muita consciência do que fazia, deu-lhe um beijo
no ombro.
Vanessa virou a cabeça e olhou em seus olhos. Estendeu a mão e secou as lágrimas que
molhavam as bochechas de Paul, lágrimas que ele não tinha a menor ideia de onde vieram.
—Bom trabalho — disse Mel, — muito bom trabalho.
Paul estava exausto. Inclinou a cabeça e a apoiou no ombro de Vanni, tentando imaginar o
que aconteceu. Afundou a mão em seu cabelo.

212
—Oh, Vanni — sussurrou. Ergueu a cabeça. — Olhe o que você fez.
Vanessa começou a sorrir, mas de repente contraiu o rosto e as lágrimas começaram a
rolar por suas bochechas.
—Eu gostaria que ele pudesse ver o filho.
Paul secou suas lágrimas.
—E está vendo, querida. Tenho certeza de que está vendo melhor que qualquer um de
nós.
Paul passou o braço por seus ombros e a estreitou contra ele enquanto ela soluçava
suavemente. Embora ele não fosse consciente disso, também ele estava molhando os cabelos de
Vanessa com suas lágrimas.
—Coloque o bebê no peito — aconselhou Mel.
—Sim —respondeu Vanessa com voz trêmula, — agora mesmo.
Começou a subir a camisola, mas suas mãos tremiam. Paul a ajudou, deixando um dos
seios descoberto, mas nem sequer reparar que se tratava de um seio. Para ele era apenas outra
etapa do parto. Ajudou-a a posicionar o bebê, que chorava cada vez mais furioso. De repente, o
menino deixou de chorar e pousou a boca sobre o mamilo até que… zas! Começou a sugar.
—Ohhh! — exclamou Vanessa. É isso aí.
Ergueu o olhar para Paul e sorriu. O bebê sugava com força, fazendo uns ruidinhos
deliciosos.
Paul não percebeu que Mel abandonou o quarto até que a viu entrar com uma bacia de
água que deixou sobre a cômoda. Examinou rapidamente a Vanni, voltou a tampá-la e disse:
—Muito bem, agora, vamos lavar este menino para que possam vê-lo. Como você está,
Vanessa?
Vanessa secou as lágrimas.
—Bem, estou bem.
Paul lhe deu um beijo na testa.
—Você é incrível, Vanessa.
—E você também — sussurrou ela, e fechou os olhos.
Paul permaneceu de joelhos, a seu lado. Enquanto Mel carregava o bebê, observou o rosto
de Vanessa que, pouco a pouco, começou a mostrar esgotamento. Beijou delicadamente as
bochechas dela, cobertas de lágrimas. Alguns minutos depois, Mel deu um pequeno golpe em
seu ombro.
—Toma — pegue o bebê, — Vá apresentá-lo a seu avô e a seu tio. Eu me encarregarei da
mãe e de organizar o quarto.
—Tem certeza?
—Completamente. Você merece.

213
Walt e Tommy ficaram completamente impressionados ao conhecer o mais novo membro
da família, e o mesmo se podia dizer de todos os que se reuniram lá para lhe dar as boas-vindas.
Tiraram fotografias e houve exclamações de alegria ao ver como ele movia as pernas e olhava
para o tamanho de seus pés.
—Aposto que uma bebida seria bom. — disse Pastor.
—Não sabe o quanto — respondeu Paul, esfregando o pescoço.
—O que é isso nas suas calças?
Paul baixou o olhar.
—Acho que é líquido amniótico E terão que lavar o tapete também.
—Com certeza — Pastor abriu uma garrafa de uísque e serviu dois copos. — Eu também
tenho que passar por isso, sabe? Quero estar com Paige quando o bebê chegar. Estou ansioso,
na verdade.
—Espero que você esteja mais preparado do que eu estava. A verdade é que fui pego de
surpresa.
—Mas não se arrepende, não é?
—Não, foi incrível.
—É tudo o que me importa — disse Pastor. — No começo, todo mundo diz que preferiria
não ter que passar por isso, mas depois muda de ideia. Zeke fez isso quatro vezes e estaria
disposto a fazer mais quatro, acho que sua esposa o ameaçou lhe dar um tiro se voltar a ficar
grávida.
—Zeke é enfermeiro, isso pode ser uma vantagem.
—Sim — disse Pastor, e deu um gole no uísque. — E também é um maníaco por sexo, eu
acho. Um maníaco por sexo que adora os filhos.
Jack se reuniu nesse momento a eles.
—Parece que conseguiu.
—Jack, é meu herói. Depois disso, não sei como foi capaz de ajudar David nascer.
Sinceramente, é incrível.
—Recebi as instruções necessárias — respondeu, erguendo sua taça. — Mas garanto que
não vou repetir. Da próxima vez terei tudo preparado antes que entre em trabalho de parto e
depois não penso em fazer nada mais que olhar.
Houve uma celebração, embora contida para não incomodar nem o bebê nem Vanessa,
que estava tendo um merecido descanso. Christopher continuava dormindo no sofá e David na
cama de Walt, rodeado de almofadas. Mel não demorou a sair e receber as felicitações por seu
trabalho. Todo mundo segurou o bebê nos braços e depois disso, levaram-no de volta ao quarto
da mãe.
Reuniram-se todos na cozinha com as bebidas. Na mesa restavam ainda aperitivos. Paul
permanecia apoiado no batente da porta da cozinha. Brie, sentada no colo de Mike e Paige

214
inclinada contra Pastor, deixando que este a abraçasse. Jack não se separava de Mel. Walt
deixou Tom tomar uma cerveja.
—E quando os Velenzuela darão este passo? — perguntou Walt.
—Estamos trabalhando nisso — respondeu Mike com um sorriso, e deu um beijo na
bochecha de Brie.— não é, Brie?
—Sim, Mike está trabalhando duramente nisso — respondeu rindo.
—Pois deveriam tomar cuidado com isso — advertiu Pastor.— Perguntem a Mel. Embora
pareça uma loucura, ter relações todos os dias não é a melhor maneira de engravidar.
—John! — Paige o olhou com o cenho franzido.
E assim que terminou de pronunciar o nome de seu marido pelo menos três pessoas
repetiram:
—Todos os dias?
—Bom, não é proibido, é? — respondeu Pastor, fazendo-os rir de novo.
—Pastor, é meu herói — disse Tommy. — Quando for mais velho quero ser como você.
Walt bagunçou seu cabelo com carinho.
—Meu filho é um mentiroso. Na verdade, sempre quis ser como eu.
—Não, falo sério. A parte do bebê não é tão engraçado, mas o resto parece muito
divertido.
Não demoraram muito em começar a falar que chegou a hora de partir. Procuraram Paul,
que parecia ter desaparecido. Jack se aproximou do quarto de Vanessa e a encontrou dormindo
tranquilamente.
Disse aos outros que esperassem um momento enquanto ele ia ver se Paul saiu para tomar
um pouco de ar. Vestiu a jaqueta e saiu. Não precisava ser psicólogo para imaginar onde estava
seu amigo. Aquele devia ter sido um dia emocionalmente exaustivo para Paul. Encontrou no
montículo mais próximo da casa, era um lugar de onde se podia contemplar todo o rancho.
Ao ouvir ranger a erva sob as botas de Jack. Paul virou a cabeça. Depois, voltou a fixar o
olhar na lápide em que se lia: Matt Rutledge, querido marido, pai, filho, irmão e amigo. Jack
passou o braço pelos seus ombros.
—Tenho certeza que está feliz por você estar aqui.
—Gostaria de lhe contar como foi, mas nem sequer sei o que resta dele aqui.
—Não resta nada — disse Jack. — Matt já não está conosco.
Paul levou a mão ao peito.
—Eu ainda o carrego aqui.
—Claro. Todos que o amavam o levamos dentro de nós, e isso é o que importa.
—Não deveria ter sido eu aqui nesta noite. Deveria ter sido ele. Vanessa pensa o mesmo.
—Cada um de nós escolheu um caminho, Paul. O seu o conduziu onde está agora.

215
Paul assuou o nariz e secou as lágrimas.
—A casa já está terminada. Vanni não demorará em se recuperar e eu já não posso
continuar aqui. Tenho que voltar para Grande Passo.
—Sim, mas de certo voltará logo. São muito fortes os laços que o atam a este lugar.
—Não sei do que está…
—Dê-lhe tempo, Paul. Tudo ainda é muito recente, mas isso mudará.
—A que se refere? — perguntou Paul, olhando seu amigo na escuridão.
—Oh… só estava me perguntando. Bom, suponho que não se lembre. Bebeu muito e… O
caso é que na noite que se embebedou no bar me disse que você a viu primeiro.
—Não, é impossível — replicou Paul imediatamente.
—Acalme-se, Paul. Só eu sei sobre isso. Tive a discrição de te fazer calar antes que alguém
pudesse ouvi-lo. Então, me escute, só desta vez, tudo bem? Porque é importante. Suponho que
agora mesmo ache que é o único homem da terra que se encontra nesta situação, mas eu
também estou casado com uma viúva, lembra? Não foi fácil deixar de me perguntar se sabia
com certeza no que estava me metendo. Se quer saber a verdade, em alguns momentos foi até
humilhante. Mas Paul, todas as noites de insônia que investi nisso valeram a pena. A única coisa
que precisa é dar tempo ao tempo.
Paul pensou nisso em silêncio e apertou os lábios, como se estivesse liderando uma
batalha interna.
—Tenho que voltar para Grande Passo.
—Mas não demorará muito em voltar a estar conosco — disse Jack. — Não deixe de vir
com certa regularidade, Paul. Falo sério, estou convencido que se não o fizer, vai se arrepender.
—Mas não posso continuar aqui, Jack. Tudo isso me está consumindo. Tenho que partir.
Matt era meu melhor amigo e agora está morto. Acompanhei sua mulher durante o parto e…
—E está apaixonado por essa mulher. Sei que é muito difícil Paul, mas se fugir, terminará
se arrependendo — Paul inclinou a cabeça. — Vamos —disse Jack, — todo mundo quer se
despedir e voltar a felicitá-lo.
—Não posso ficar tranquilamente aqui?
—Não. — respondeu Jack. Pousou a mão no pescoço de seu amigo e o fez voltar para a
casa. — O general quer falar com você. Matt escolheu o nome da criança antes de morrer.
Queria que se chamasse Paul, mas decidiram o chamar de Matthew Paul. Acho que deveria
tomar um drink para celebrar, e para pensar no que eu disse.

Capítulo 16

Tom estava muito calado enquanto escovava aos cavalos com Brenda, mas não importava,
216
porque ela não parava de falar. Tom a convidou para conhecer seu sobrinho, que nasceu há uma
semana, e Brenda estava entusiasmada. Saíram para cavalgar e Tom esteve ouvindo-a falar
emocionada da excursão de animadoras que estavam organizando para o ano seguinte. Ele já
aceitou levá-la ao baile que se celebraria em fevereiro e parecia que Brenda tinha muitas coisas
a dizer a respeito. Assim que acabaram com os cavalos, Tom segurou sua mão e a conduziu ao
quarto dos arreios. Uma vez ali, sentou-a em seu colo e a beijou.
—Preciso te dizer uma coisa.
—O que é?
—Eu amo você e a desejo com loucura. Mas vou fazer uma coisa que poderá me custar
tudo o que tenho. Poderá me custar que você deixe de me amar.
—Do que está falando, Tommy?
—Falei com a polícia.
Brenda se levantou de um salto.
—O quê? — olhou-o com incredulidade e sacudiu a cabeça enquanto tentava se afastar
dele. — Não, Tommy, não.
Tom estendeu o braço para ela, mas Brenda permanecia longe de seu alcance, olhando-o
com uma expressão de puro horror. Então Tom se levantou e a olhou de frente.
—Não só com Mike. Falei também com um detetive de uma unidade especial. Vou ajudar
a apanhar o tipo que te deu essa droga, porque é evidente que houve alguma droga envolvida.
—Não — respondeu Brenda, sacudindo a cabeça, — não sabemos se houve.
—Claro que sabemos. Talvez que você seja capaz de deixar tudo no passado, mas eu não
posso. Eu tenho que fazer alguma coisa, Brenda.
Os olhos de Brenda se encheram de lágrimas enquanto se afastava mais um passo.
—Não, você não tem por que fazer nada!
—Sim, Brenda, e vou explicar por quê. Tenho que fazer algo porque quero dormir
tranquilamente à noite. Porque não quero tentar imaginar que neste verão ou no próximo,
haverá outro pobre idiota como eu, abraçando a garota que ama enquanto ela chora destroçada
porque a violentaram. Não quero pensar que uma pobre garota acorda de repente numa bela
manhã grávida, quando provavelmente não ter nem ressaca. Quero que detenham esse sujeito,
mesmo que isso signifique que você não volte falar mais comigo em toda sua vida.
—Mas eu já disse que não sei o que aconteceu! Não posso fazer nada! E mesmo se
pudesse, não quero. Meu Deus, Tommy, não quero que ninguém saiba o que aconteceu.
—E não a culpo. Não falei sobre você à polícia, mas isso é o de menos. Eventualmente, eles
vão querer saber a versão de todas as pessoas que participaram dessas festas, o que aconteceu,
e lidará com isso como você quiser. Mas não permitirei que esse tipo volte a fazer nada a
ninguém. Não sabe o quanto eu sinto que se chateie comigo, mas não me arrependo de ter
falado com a polícia.
—Eu o odeio!
—Eu precisava fazer isso, Brenda.
217
—Eu o odeio!
Tom baixou a cabeça, mas não demorou a voltar a erguê-la.
—Bom, pois eu te amo, e sinto que isso a tenha afetado tanto. Espero que algum dia,
mesmo daqui a um milhão de anos, volte a pensar nisso e, mesmo me odiando, ao menos
respeite por ter feito a coisa certa.
Brenda começou a soluçar, sacudia lentamente a cabeça e seus cabelos castanhos
ocultavam seu rosto.
—Por que fez isso? Por quê? Agora todo mundo saberá… Não deveria ter contado. Eu
pensei que poderia confiar em você. Agora todo mundo pensará que sou uma vagabunda! —
Tom estendeu a mão para ela, mas Brenda retrocedeu. — Não me toque! Não se atreva sequer a
me tocar.
Mas Tom a abraçou e a manteve contra ele enquanto Brenda chorava com tanta força que
parecia que ia vomitar. De fato, começou inclusive a ter espasmos, mas Tommy continuou
abraçando-a até que terminou exausta.
—Por quê? — repetia uma e outra vez. — Por quê? Você não tinha por que fazer nada. Eu é
que deveria ter feito alguma coisa se quisesse.
—-Ah é?E se voltar a acontecer o mesmo com alguém porque você não quis falar?E se
alguém morrer? — perguntou, mas o fez com delicadeza e sem deixar de abraçá-la. — Não me
importa que não queira dizer nada. Essa é uma decisão que cabe a você tomar. Se quiser,
também pode continuar me odiando, pode me culpar por tudo, embora ambos saibamos que o
vilão deste filme não sou eu. Mas eu tenho que viver com minha consciência.
Brenda se separou de seus braços.
—Muito bem, pois espero que possa fazê-lo.
Tom a olhou em silêncio.
—Sim, claro que poderei. Vamos, vou levá-la pra casa.

No dia seguinte, ao sair do instituto. Tom dirigiu até casa de Jordan Whitley. Subiu os
degraus da varanda e bateu na porta. Jordan abriu e Tom perguntou:
—Tem o que eu pedi?
—Sim, claro — respondeu Jordan, rindo. — Vai adorar.
Colocou a mão no bolso e tirou uma bolsinha e um saquinho. Quando Tom estendeu a mão
para pegá-los, perguntou:
—Não se esqueceu de algo?
—Sim, claro. Quanto me disse que era?
—Só cem dólares. E você vai ficar muito feliz.
—O que pôs pra mim?

218
—Rohipnoles, êxtase e cristal
—Cristal não quero — disse Tom, e Jordan guardou a bolsinha,— então agora devo menos.
—Sinto muito, amigo, mas nisso não há devoluções.
—Certo — respondeu Tom. — Você consome muitos Rohipnoles? — perguntou.
Jordan deu de ombros.
—Só de vez em quando. Para me divertir, você entende.
—Sim — respondeu Tom sorrindo, — para se divertir — estendeu um maço de dólares,
pegou as drogas e partiu.
Exatamente nesse momento, dois policiais saíram um de cada lado das laterais da casa
apontando para Jordan. Um deles era uma jovem com uma boina de beisebol e um rabo-de-
cavalo que não parecia ser muito mais velha que Tom. O outro era um tipo grande com calças e
jaqueta jeans.
—Polícia! — disse a garota. — Jordan Whitley, está preso. Temos uma ordem de prisão.
Vire-se e coloque as mãos contra a parede.
A expressão do Jordan não teve preço. Tom esteve a ponto de sorrir.
—Hei! —gritou, — Por quê?
Mas antes de terminar a frase, a garota o obrigava a dar a volta e a abrir as pernas e o
estava revistando.
Enquanto o algemavam, Jordan olhou para Tom por cima do ombro.
—Vai lamentar ter feito isto — advertiu.
—Sim, provavelmente — respondeu Tom, — mas não me arrependerei.
Entregou a droga ao detetive e desceu os degraus da varanda para se aproximar da
caminhonete. Nesse momento, chegou um carro patrulha do qual saiu um policial uniformizado.
Em frente, na outra calçada, havia um jipe com os vidros escuros. Certamente no interior
estavam o detetive Delaney e Mike. Mas Tom se dirigiu diretamente a sua casa para contar o
que fez.

O trailer de Paul já estava enganchado à caminhonete. As malas estavam preparadas e


alinhadas junto à porta da casa do general. Antes de sair disposto a partir, abraçou Vanessa
pelos ombros, atraiu-a para ele e lhe deu um beijo na bochecha.
—Por favor, volte logo — sussurrou Vanessa.— Não teria suportado passar por tudo isso
sem você.
—Eu tampouco teria superado sem você. Mas agora já está bem, Vanessa, e se precisar de
mim, a única coisa que tem a fazer é me ligar.
—Vou ligar mais cedo do que imagina. Para nós é parte da família.
—Sei — respondeu Paul.

219
E pensou que essa era precisamente a razão pela qual precisava partir, porque não queria
continuar sendo para Vanessa mais um membro da família. Não queria ser como um irmão.
Aquilo o estava matando.
—Obrigado por ter me acolhido tão bem, por me fazer ser parte de tudo.
—Não poderíamos fazer de outro modo, Paul. Adoramos ter você aqui. Mas agora que a
casa está terminada, tenho medo que não volte muito frequentemente.
—Não, claro que voltarei. Embora já não haja nenhuma casa para construir, terei que
continuar vindo para me encontrar com os rapazes.
—Eu levarei o bebê a Gran Paso para que a família de Matt o conheça. Poderia me
acompanhar.
—Não pense em não fazê-lo. Deu um beijo em sua face e inclinou a cabeça para beijar o
bebê. —Ligarei logo.
Saiu para a varanda, onde o esperavam Tom e o general. Vanessa o seguiu.
Paul estendeu a mão a Walt.
—Obrigado por tudo, senhor.
—Não seja ridículo. Somos nós que estamos em dívida com você.
Paul estreitou a mão de Tom e lhe deu um abraço.
—Estou muito orgulhoso de você, filho — disse. — Fez algo muito difícil e espero que tudo
saia corra bem no final — e enquanto dizia, o general dava tapinha nas costas de seu filho.
—Obrigado — disse Tom, mas baixou o olhar. — Vou sentir sua falta.
—Sim, eu também. Virei para sua graduação.
—Sabe que pode vir quando quiser — disse o general.
Paul concordou, pegou sua bolsa e a mala e as colocou na caminhonete. Sentou-se ao
volante, tocou a buzina e partiu. Pelo espelho retrovisor, viu que o general passou o braço pelos
ombros de seu filho para entrar na casa. Mas Vanessa continuou ali, olhando enquanto se
afastava.
“Talvez algum dia”, pensou Paul, “Talvez algum dia”.

Jack colocou as últimas caixas no reboque da caminhonete e tocou a buzina. Mel saiu da
cabana, caminhou pela varanda e girou em círculo. Acariciou um dos braços da cadeira de
balanço. Jack sacudiu a cabeça e sorriu; apesar de sua nova casa ser muito maior e mais bonita,
sabia que estava sendo muito difícil para Mel deixar a cabana.
—Mel, vamos — chamou.
—Já vou — respondeu.
Mas não se moveu da varanda. O ventre começava a aparecer. Estava vestida com jeans,
botas e pulôver amarelo. Seu cabelo, loiro e encaracolado, descia por seus ombros e acariciava

220
suas costas. Era tão pequena que parecia uma adolescente grávida, mas Jack sabia que não era
nenhuma menina. Sua esposa era uma mulher.
Ao ver que hesitava em partir, foi procurá-la. Subiu os degraus da varanda de uma vez,
agarrou-a pelo queixo e viu que tinha os olhos cheios de lágrimas.
—Vai chorar outra vez?
—Não — respondeu com firmeza.
Jack se sorriu.
—A cabana é nossa, Mel. Não estamos renunciando a ela.
—Não posso deixar de recordar… Lembra-se daquela noite que teve que me trazer para
casa porque me tomei dois uísques com o estômago vazio?
—Sim, lembro-me perfeitamente.
—Na manhã seguinte, me preparou toda uma maleta de pesca.
—Sim — respondeu Jack. Sorriu ao lembrar-se dela com a maleta de pesca, lançando a
linha na varanda. — Aquela noite estava convencido de que ia ter sorte.
—Teve muita sorte muitas noites — replicou Mel. — E David nasceu nessa cama.
—Falando de sorte — Jack riu e a abraçou.— Cada vez que quiser vir aqui a reviver seu
passado, estou disposto a acompanhá-la.
—Lembro-me da primeira vez que entrei na cabana… Havia até um ninho de pássaros no
forno! — elevou o olhar para ele. — Mas você a limpou e a arrumou para que eu ficasse.
—Soube que estava condenado desde a primeira vez em que a vi. Não sei o que seria de
mim se não tivesse ficado.
—Pois suponho que agora teria menos filhos. Jack, fui muito feliz nesta cabana. Minha vida
mudou completamente estando aqui.
—E a minha. Agora vamos, querida. Temos uma casa nova nos esperando.
—Acha que seremos tão felizes nessa casa como o fomos aqui?
Jack lhe deu um beijo no nariz.
—Garanto que sim. E agora, vamos.
Com um pesado suspiro, Mel desceu os degraus da varanda e entrou na caminhonete.
Continuou olhando pela janela com ar sonhador enquanto percorriam o que até então tinha sido
o caminho para o povoado desde sua casa, sentindo como a movia a nostalgia enquanto se
dirigiam a seu novo lar que, na verdade, estava a um quarto de hora de distância. E voltou a
suspirar quando saíram da caminhonete e avançaram para a varanda da casa nova.
Jack lhe deu a mão e a fez retroceder rapidamente. Depois, levantou-a em seus braços e a
levou a interior da casa. A casa era extraordinária, Paul se superou naquela obra. O piso era de
madeira, o teto do salão abobadado e as poltronas de couro que rodeavam a chaminé
convidavam a se sentar. Jack avançou para o interior da casa até chegar à cozinha, que
certamente seria o centro de muitas reuniões no futuro. Era uma cozinha com a bancada de
granito escuro, eletrodomésticos prateados, armários de carvalho e uma mesa para mais de dez
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convidados.
—O que faz? —perguntou Mel.
Jack a conduziu até o dormitório principal.
—Queria te mostrar toda a casa — apontou a cama. — O que te parece sua nova sala de
jogos?
—Jack — respondeu Mel rindo, e o abraçou.
Jack lhe deu um longo e apaixonado beijo.
—Acho que temos tempo de estrear a casa antes que Brie e Mike nos tragam David.
—Mas Jack, temos muitas coisas a fazer.
—Certamente que sim — respondeu Jack, deixando-a delicadamente na cama e
agachando-se para tirar suas botas. — Temos muitas coisas a fazer.

Os detetives do departamento do xerife se mostraram dispostos a colaborar do momento


que Mike os informou sobre as entrevistas que levaram até Jordan Whitley, Brendan Lancaster e
as estudantes que podiam ter sido vítimas dos suspeitos. Mike considerava que era uma sorte
que só três garotas de Virgin River parecerem ter sido presas daqueles delinquentes, levando-se
em conta a quantidade de adolescentes que participaram daquelas festas. Duas semanas depois
da prisão, começaram a chegar mais queixas.
A fama de Brie como promotora cruzou as fronteiras de Sacramento e quando ofereceu
seus serviços como assessora do promotor do condado, este agradeceu sua ajuda. E algo que ela
jamais teria considerado ser capaz de fazer, colaborar nas entrevistas a adolescentes vítimas de
uma agressão sexual, a fez se sentir extremamente bem. Suas habilidades como promotora
eram impressionantes, mas sua compaixão e sua delicadeza é que provavelmente ajudaram a
que pelo menos uma das vítimas se mostrasse disposta a testemunhar em um possível
julgamento. Carra Jean Winslow sabia exatamente o que lhe aconteceu e quem a estuprou.
O mais interessante para Mike, embora na verdade tampouco lhe surpreendesse, foi que
esses rapazes, Whitley e Lancaster, eram singularmente simples. Eram, simplesmente, dois
idiotas com acesso a drogas perigosas. Lancaster esteve em um par de sítios perto da costa e ali
localizou e comprou gama-hidroxibutirato, uma droga que utilizava para estupros, e também
vender. Além disso, trabalhava para um traficante de maconha da área e trocava a maconha por
êxtase e cristal.
Lancaster não demorou a dar o nome de seus fornecedores. Delaney, que levava tempo
buscando-os, esteve encantado com aquela informação. Tampouco teve nenhum inconveniente
em acusar Whitley das violações, infelizmente para este último, a única pessoa que poderia ter
esclarecido as suspeitas sobre ele, era Lancaster, de modo que se mantiveram as acusações.
Não se publicou o nome de nenhuma adolescente na imprensa local, mas isso não evitou
que corressem os rumores. Em Virgin River, alguns vizinhos quiseram expressar a Mike seu
agradecimento por seu trabalho. Deram de presente uma caixa de garrafas de vinho, meia vitela
e uma dúzia de latas de tomate. Mike ficou com um par de garrafas de vinho para desfrutar com
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Brie e levou o resto do vinho e dos produtos para Pastor. Desde que aceitou trabalhar como
policial para o povoado, Jack e Pastor não lhe permitiam pagar uma só refeição no bar. Assim era
como funcionavam as coisas em Virgin River.
Mike estava apoiado contra o jipe, esperando fora do escritório do xerife a que uma jovem
terminasse sua terceira entrevista com os detetives. Quando a viu sair, afastou-se rapidamente
do carro.
—Olá — a saudou.
—Olá — respondeu Brenda Carpenter.
—Falei com seu pai e avisei que eu a levaria para casa. Eu gostaria de falar um momento
com você.
—Para quê? —perguntou, e encolheu os ombros.— Já fez todas as perguntas que podia.
Mike abriu a porta do passageiro.
—Não quero fazer mais perguntas. Mas há algumas coisas que eu gostaria de dizer.
Brenda suspirou, mas como necessitava que a levassem para casa, não teve opção a não
ser entrar no jipe.
—Brenda, o que fez foi muito corajoso — disse Mike quando se sentou atrás do volante.
—Não tive muita escolha.
—Poderia ter mentido, poderia ter se negado falar com alguém, poderia ter se fingido de
doente… Existem centenas de maneiras de evitar uma entrevista, mas você foi valente. E quero
dar meus agradecimentos porque sei o quanto se afligiu.
Brenda o olhou surpresa.
—Por que quer me agradecer?
—Acredite em mim, Brenda, por experiência pessoal, sei o difícil que é responder a
algumas dessas perguntas.
—Sim, diz isso por causa de sua esposa. Suponho que é ridículo que eu estive tanto tempo
sem dizer nada depois do que fez Brie.
—Absolutamente, Brenda. Em primeiro lugar, minha esposa tem trinta e um anos. Em
segundo lugar, não só é advogada, mas também tem muita experiência em processar
delinquentes. E em terceiro, contou com muito apoio. Você é só uma adolescente que nem
sequer está segura do que aconteceu. Teve que lutar contra muitas coisas.
—Obrigada.
—Falo sério, Brenda. Brie e eu também passamos por situações muito difíceis e agora o
que mais queremos é viver tranquilamente em Virgin River — sorriu. — Meu Deus, espero que
isso não seja pedir muito.
Brenda ficou calada durante alguns segundos.
—Sinto que tenha acontecido tudo isso. Eu sei o quanto é difícil.
—Obrigado, sei que sabe. Mas, felizmente, acho que fomos capazes de deixar para trás.
Queremos formar uma família, sabe? Quando se chega a minha idade, já não se podem deixar
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passar oportunidades como esta.
—Está muito orgulhoso dela?
—Nem imagina. É incrível. Tinha tanto medo… Se sentia tão vulnerável. Mas uma coisa que
se aprende com a idade é que normalmente é melhor enfrentar as ameaças e o medo que tentar
se esquivar deles. No final, o mais importante é que não ter nada do que se arrepender.
—Porque no fim as coisas são mais fáceis do que imaginamos?
Mike sorriu.
—Alguém te disse isso? Porque na verdade, eu acho que às vezes podem ser até piores do
que se imagina. Mas, de qualquer maneira, tem que confrontá-las porque a vida que espera a
um se não o fizer não tem o mesmo valor. Brie é um exemplo disso. Tentou prender esse
indivíduo porque sabia que se não o fizesse, poderia fazer mal a outras mulheres. E sabia
também que se ignorasse, ele continuaria estuprando mulheres e ela teria que suportar isso e o
peso de saber que não fez nada para evitar, ou seja, enfrentar um grande sentimento de culpa e
arrependimento. Tentar algo e fracassar é doloroso, mas no final, é mais difícil viver sem ter
tentado.
—O detetive me disse que não sabe o que acontecerá com esses rapazes. Que nem sequer
tem certeza de que serão presos.
—Não, não sabem. Talvez sejam retiradas as acusações por venda de drogas por ter
proporcionado informação à polícia e permitir prender traficantes de mais peso. Não acredito
que sejam retiradas as acusações por agressão sexual, mas se eu fosse o advogado de Whitley,
tentaria chegar a algum tipo de acordo antes do julgamento. Porque se chegar até lá, estará
perdido. De qualquer forma, não há por que se preocupar, Brenda. Se o deixarem em liberdade
sob fiança, irá embora seu pai para outra cidade. Não vai voltar aqui.
—E se…? —Brenda se interrompeu um segundo antes de voltar a perguntar— O que teria
acontecido se dissesse alguma coisa antes? Teria conseguido salvar alguém?
—Não sei. Mas, querida, quando a chamaram você deu um passo adiante, disse a verdade
e ajudou a resolver este caso. Deveria se sentir orgulhosa. Eu estou muito orgulhoso de você, de
verdade. — Todos estamos.

Na tarde seguinte, por volta das quatro, Mike dirigiu até a casa do general. Estacionou em
frente, mas viu que havia alguém no quintal, com os braços apoiados no muro e um pé na cerca
mais baixa. Era Tom, e Mike foi diretamente até ele.
—Tom — chamou.
Tom se voltou imediatamente para ouvir.
—Olá, como está?
—Bem, e você? —perguntou Mike.
Aproximou-se bem perto da cerca.
—Mais ou menos.
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—Teve algum problema no colégio?
—Não. Fala-se muito do que aconteceu, mas eu não respondo a nenhuma pergunta.
—E o que se comenta? —perguntou Mike.
Tom deu de ombros.
—Acho que há pessoas que sabem que fui eu quem ajudou a prender Jordan, mas não
tenho certeza. Na verdade, a única que deveria saber é Brenda.
—Fez um bom trabalho, Tom. Sei que foi difícil.
Tom riu sem humor.
—De certo, só havia duas opções, fazer isso ou dar nele uma surra de morte.
—Eu sentiria exatamente a mesma coisa.
—Ao final todo saiu bem? Poderão levá-lo a julgamento?
—Sim, está totalmente preso. Começou a confessar quase imediatamente. Durante algum
tempo, pensou que poderia jogar a culpa em Lancaster, mas parecer que Lancaster gosta de se
embebedar de verdade enquanto que a ideia das garotas era de Whitley.
Tom fez uma careta de nojo.
—Genial. Deveria tê-lo matado.
—Isso não ajudaria em nada. O que pensa fazer agora?
Tom deu de ombros.
—Depois da formatura, vou fazer a instrução. E logo irei para West Point.
—Ainda falta muito tempo até lá. Terá que passar pelo baile e tudo o mais.
—Ora! Para isso já não falta muito. Antes que se dê conta, já terei ido.
—E Brenda?
—Já não estou com ela. Terminou comigo.
—Tem certeza?
—Completamente. Não voltamos a nos falar e ela nem sequer me olha.
—Outro dia a vi no escritório do xerife. Usava a pulseira que lhe deu de presente.
—Sim, já sei. Acho que a utiliza para me castigar.
—Acho que está enganado. Só estava zangada e assustada, mas na verdade quer continuar
com você.
—Queria que — Tommy se apoiou na cerca e baixou o olhar. — Mas é impossível, odeia-
me, e me demonstra isso cada vez que me vê.
—Arrepende-se do que fez?
—Não, a situação não podia continuar assim. Teria que prender esse tipo para que
deixasse de fazer o que estava fazendo. E eu sabia qual era o preço.
Mike colocou a mão em suas costas.
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—Tom, um homem capaz de fazer o que fez pagando um preço tão alto merece toda
minha confiança. Fez o que devia.
—Fico feliz que pelo menos você acredita — respondeu Tom, mas não encontrava nenhum
consolo nas palavras de Mike.
—Trouxe alguém que quer vê-lo. — disse Mike.
Tom se endireitou.
—Ah, é? Quem?
Mike olhou por cima do ombro e Tom se virou. Atrás dele, a uns cinquenta metros de
distância, estava Brenda. Tom olhou de Brenda para Mike.
—Meu Deus — murmurou. — Brenda? Deu alguns passos para ela e Brenda correu a seu
encontro.
Mike se afastou e os observou com um sorriso melancólico. Tom abraçou Brenda e a
levantou do chão. Beijava seu pescoço e chorava e ria ao mesmo tempo. Mas o som de sua
risada não demorou a ser amortecido por um beijo desesperado e faminto.
Mike sacudiu a cabeça rindo para si e se dirigiu de novo para a casa. Ao se aproximar, viu o
general em uma das janelas, levantando lentamente a mão para saudá-lo.
Mike devolveu a saudação.

Quando Mike retornou ao povoado, já era quase a hora do jantar. Tinha vontade de tomar
uma cerveja, mas passou antes pelo trailer, no caso de Brie já haver retornado da ajuda a sua
cunhada na casa nova. E, efetivamente, lá estava, com um penhoar e secando o cabelo com uma
toalha. Cada vez que a via. Mike se enchia de orgulho de saber que o escolheu.
Passaram-se seis semanas do julgamento. Havia voltado a cor nas suas bochechas e a luz a
seus olhos. Trabalhar como assessora para o fiscal do condado foi gratificante, e desfrutava
também ajudando Mel e Jack quando cuidava de seu sobrinho. Para Mike era enormemente
satisfatório saber que voltava a se sentir segura e em paz outra vez. E a ele bastava saber que
fazia parte de sua vida, poder abraçá-la e dizer que a adorava para se sentir como um rei.
—Já está aqui — disse enquanto a saudava com um beijo.
—Sim, na verdade já quase terminamos. Coloquei papel de parede no quarto de meu
futuro sobrinho, sem contar com nenhuma colaboração por parte de David, devo acrescentar.
—Tem fome?
—Morro de fome, e você?
—Foi um dia muito longo.
—E como vai todo o assunto das violações?
—Muito melhor do que poderia imaginar. Está fazendo um trabalho fantástico, seu
trabalho foi fundamental. Muito em breve poderemos esquecer tudo isto. Mas temo que haverá
mais casos para você. —acariciou-a no pescoço.— Suas habilidades são muito apreciadas na
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região.
—Temos outras coisas a fazer, Mike. Como trabalhar em nosso futuro filho.
Mike sorriu de orelha a orelha.
—Eu pensei que isso já estávamos fazendo.
—Estou certa de que fez tudo o que podia, embora o trabalho o deixou um pouco
distraído. Mas agora que está tudo arrumado, poderemos levar mais a sério.
—O que acha de jantarmos aqui?
—Excelente ideia — respondeu Brie, enquanto começava a desatar o cinto do penhoar.
Um ano atrás, Mike Valenzuela estava em recuperação, em um hospital de Los Angeles e
Brie Sheridan tentando sobreviver ao abandono de seu marido, que a deixou por outra mulher e,
meses depois, tentando superar as sequelas de um estupro. Nenhum deles se atreveu a esperar
que pudessem superar aqueles traumas, e muito menos, que pudessem encontrar de novo o
amor. Um amor tão pleno e intenso que parecia quase impossível. Entretanto, entre os dois,
conseguiram criar algo que excedia até a mais aventurada de suas fantasias.
—Tem ideia do quanto a amo? — perguntou Mike.
—Essa é a melhor parte— respondeu Brie, — Sim, eu sei.

***

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

ROBYN CARR

Robyn Carr quis ser enfermeira e estudou em uma escola superior para isso. Entretanto,
como esposa das Forças Aéreas se encontrou viajando de base em base. Quando estava grávida,

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e teve que fazer repouso, afeiçoou-se à leitura e mais tarde começou a escrever novelas. Seu
primeiro escrito permanece segundo ela, “enterrado e nunca verá a luz”. Foi em uma
conferência da RWA onde uma escritora a animou a seguir escrevendo pois via nela talento. Seu
primeiro manuscrito foi vendido ao Little, Brown and CO. Dois anos depois e publicado com o
título do Chelynne.
Passou quase vinte anos escrevendo novelas românticas, históricas e contemporâneas.
Depois escreveu novelas de incerteza, livros de não-ficção e algum guia não publicado. Foi em
uma oficina da Universidade de San Diego, onde passou a escrever sobre mulheres reais, com
verdadeiro humor “rir através de um livro, mas não um livro que seja uma paródia”, e com
histórias reais. Nasceu assim a série Virgin River: uma pequena população do Norte de Califórnia
com marinheiros retirados que amam as mulheres, e são inspiração para aqueles que acreditam
nas relações positivas. A série foi laureada com prêmios e se criou uma comunidade de fãs, com
um bar de Jack virtual.
Enquanto isso, ela e seu marido têm seu lar em Las Vegas, realiza entrevistas a autores
famosos para seu “Chat Carr” e realiza frequentes viagens a Humboldt em Califórnia, onde a
série Virgin River está ambientada.

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