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Idhea

A todos, em especial meu pai, mãe, Mariana, amigos e aos

grandes mestres, que me ajudaram a encontrar meu caminho.


Sumário

1 - Introdução 7

2 - Glossário 9

3 - Solipsismo 11

3.1 – Definição 12

3.2 – Do que é composto 13

3.3 – Elementos Anteriores 15

3.4 – Elementos Individuais 17

3.5 – Elementos Exteriores 20

3.6 – Cognição e Individualidade 24

3.7 – Memória e Experiência 26

3.8 – Lógica e Individualidade 28

3.9 – Das Limitações 32

3.10 – Elementos Exponencializadores 37

3.11 – Ego e Consciência 47

3.12 – Dialética e Guerra 53

3.13 – Da Subjetividade 56

3.14 – Solipsismo Justificado 60

3.15 – Anexo 62

4 – Amor 64

4.1 – Definição 65

4.2 – Exposição do Problema 69

4.3 – Da Queda Inicial 73

4.4 – Do Idealismo 81

4.5 – Autoconhecimento 85

4.6 – De como é possível que se haja em amor 87


5 – Idhea 95

5.1 – (Meta)Definição 96

5.2 – A Priori e a Posteriori 99

5.3 – Ética a Priori 103

5.4 – Breve Crítica à Modernidade 110

5.5 – Estética 129

5.6 – Linguagem 133

5.7 – Do amor como meio 139

5.8 – Positivismo 144

5.9 – Mundo das idheas 150

6 – Notas 155
“Penso, logo, sou”
Introdução

Até o momento só havia escrito livros por demais subjetivos e que mais falavam sobre mim do
que sobre o mundo em si. Com o passar do tempo fui percebendo e apreendendo que a realidade
e os fatos independem de mim, que o mundo existe por si só e que existe o “outro”, que eu sou o
fruto e não a figueira, logo, percebi que não poderia estar sozinho. Busquei então encontrar onde
estava, quem eu sou, para então poder tentar decifrar para qual lado seguir. Acabei por me
descobrir ao lado dos idealistas, fato este que deixo de antemão avisado ao leitor: Este é um
escrito de viés idealista. Não apenas isto, como também passei a enxergar que uma das grandes
mazelas que afligem a humanidade atual é o seu excesso de realismo: Tudo aquilo que não pode
ser confirmado a posteriori (via método científico, principalmente), de nada vale. Tal verdade se
estendeu até mesmo ao campo ético.

Não é de meu intento, neste escrito, discutir sobre a morte de Deus, versar sobre metafísica ou
empreender grandiosas críticas à modernidade, porém tal será impossível de não se realizar,
mesmo que minimamente, em alguns momentos. A grande doença da modernidade é não
possuir um sistema, em não acreditar em nada além de si mesma, respaldando-se apenas no
relato científico (que, particularmente, não sei como é tão amplamente aceito, visto que a
realidade dos “cientistas” é tão distante da nossa, meros mortais que não possuem seus próprios
laboratórios e que não podem testar estas “verdades” a posteriori) e em si mesma, na descrença
para com o passado, para legitimar sua existência e suas causas. Como dito anteriormente, o
mundo existe por si só, e o “cogito ergo sum” de Descartes certamente infligiu algum dano à
mentalidade moderna ao colocar o “ser”, o eu, no centro de tudo, a pedra de toque de tudo. Não
que o indivíduo, de fato, não seja a porta de entrada das mais altas verdades, e sobre isto
deixarei um capítulo específico somente para tratar deste assunto, porém confundiu-se a
subjetividade com o centro de toda e qualquer existência. O “penso logo existo” descartiano se
tornou a máxima inevitável da sociedade moderna, que não mais possui o “outro” como sua
preocupação mas sim se ampara e legitima em si mesma, assim naturalmente distanciando-se de
qualquer forma de alteridade. Se tornou irrelevante, em nossos tempos, falar sobre este “outro”,
sobre diferenças e qualquer coisa deste tipo pelo simples fato de que tais assuntos são sempre
discutidos mas nunca praticados: A modernidade e o mundo lançaram um véu, como o véu de
Maya, que a tudo cobre e nos torna invisíveis uns aos outros. Não mais é possível discutir
assuntos de relevância com os demais, não mais é possível sair de casa sem se preocupar, não
mais é possível falar sobre uma “comunidade humana” e não mais é possível falar sobre Deus:
Tudo isto não mais é possível na modernidade, o progresso se tornou o nosso próprio Deus e é
muito mais fácil acreditar no remédio que nos é oferecido do que em uma reza. O materialismo
se tornou nossa doença vital, indissociável não apenas do método e sistema capitalista, porém e
também da humanidade como um todo. Em uma realidade que somente valoriza a si mesma, o
real, e ao material, pouco espaço há para tratar de ideais. Talvez seja isto o que tenhamos
perdido de fato, e isto é o que tento recuperar, ainda que, no fim das contas, seja uma tarefa
inútil, pois o fluxo e ritmo do mundo são grandiosos demais para quaisquer indivíduos,
sozinhos, poderem controlar. Somos apenas os grãos de areia de uma praia, porém acabamos
por aceitar isto como uma verdade universal, acreditamos ser apenas os grãos e esquecemos que
existe a água do mar, que ela está logo ali e que acima e abaixo de nós existem seres
desconhecidos, tais como caranguejos, peixes, pássaros, etc. Aceitamos que somos grãos de
areia e nos tornamos, literalmente, apenas grãos de areia. A realidade e a modernidade se
tornaram nossas únicas realidades, não mais existindo espaço para qualquer coisa que seja em si
mesma, ou seja, a priori, assim contribuindo para nossa inevitável decadência, tanto individual
quanto social. Nestes escrito, buscarei elucidar um dos principais problemas do ser humano
como um todo, o solipsismo, que creio ter sido pouco tratado no passado e subvalorizado, e
tratarei sobre como a subjetividade é tanto a porta de entrada quanto porta de saída das grandes
verdades, sendo ela nosso grande mal e nossa grande bênção, e sobre como é possível sair deste
“labirinto inescrutável” do solipsismo. Ainda que todos os esforços para a elaboração de um
sistema evidente em si mesmo sejam em vão (devido ao estado atual da humanidade em si), é a
priori mesmo a minha resposta, por isto sobre a “verdade” a posteriori é assunto do qual pouco
me ocuparei, sendo este outro dos temas que merecerão especial capítulo neste tratado. Enfim,
que não nos deixemos desanimar pelos males da modernidade, pois o mundo ainda é o mundo e
nós ainda somos nós, ou seja, ainda podemos acreditar em algo, em nossas individualidades,
mesmo que todo o resto não mais o faça.
Glossário

Tal qual ditado por Confúcio em seus Analectos, acredito que seja de vital importância que, em
termos de comunicação humana, se seja sempre o mais claro possível e assegurando-se que uma
mesma palavra, expressão, gíria, etc, tenha sempre os mesmos significados para os mais
diversos tipos de pessoas. Que todos entendam por igual uma mesma mensagem, em suma
(embora, claro, seja impossível de assegurar isto com certeza). Dito isto e por acreditar que
muitos dos termos que aqui utilizarei são termos do cotidiano comum, porém dotados de um
significado próprio aos quais eu mesmo os atribui, decidi fazer este glossário, antes de tudo,
para melhor entendimento de expressões e palavras que muitas vezes neste livro utilizarei.

A priori: Em si mesmo, e/ou através da via racional, ou seja, conhecimento atingível pela via
racional e/ou aquilo que é em si mesmo, sem necessidade de conhecimento e/ou método
científico;

A posteriori: De suas consequências, daquilo que vem a seguir, ou seja, conhecimento atingível
pela via empírica e/ou aquilo que segue ao ato;

Cognição: Chamo de “cognição” tanto os processos mentais do indivíduo responsáveis pelo


processo de conhecimento quanto também, e principalmente, sua capacidade de percepção e
interpretação do mundo exterior, ou seja, os cinco sentidos, nossa capacidade de apreensão e
suas limitações. Muitas vezes tratarei por “cognição” fatores e capacidades de ordem mais
empíricas, e não apenas aquelas relacionadas à capacidade de conhecimento e aprendizagem em
si;

Consciência: Último estágio do ser em si mesmo. Estágio somente presente no ser humano,
mistura de ego, fatores biológicos, fatores sociais, experiências passadas, etc. Aquilo ao qual
chamamos de “nós mesmos” (eu mesmo);

Ego: Penúltimo estágio do ser em si mesmo. Estágio dotado tanto de fatores e atributos
conhecidos (conscientes) quanto também de fatores e atributos desconhecidos (inconsciente). É,
também, o nome que se dá por vezes ao nosso mecanismo de defesa psicológico e auto
validação;

Em si: A coisa em si mesma, em sua essência;

Exterioridade: Tudo aquilo que é exterior ao “eu”, ou seja, tudo aquilo que não é o indivíduo e
sobre o qual este não possui poder direto;

Pedra de toque: Padrão aferidor de valor;

Subjetividade: Conjunto de todas as características tanto inerentes do indivíduo quanto também


de suas características desenvolvidas. Que depende do indivíduo. É da subjetividade em aliança
com o indivíduo em si mesmo que provém as diferentes formas de interpretar um mesmo fato e
diferentes formas de pensar uma mesma situação. Possui valor e influência tanto sobre a
experiência empírica e cognitiva em geral quanto também sobre nossos atributos e capacidades
racionais, diga-se reflexão prioritariamente. Sobre as diferenças entre subjetividade, cognição e
solipsismo, estas serão explicitadas ao longo deste livro;

Sujeito: Indivíduo qualquer da espécie humana e pedra de toque da mesma (em conjunto),
imagine você mesmo.
Solipsismo
Definição
Solipsismo é tudo aquilo que se vê. Não apenas isto, mas solipsismo é tudo aquilo que está
contido em nós, que está fora de nós mesmos e o que pensamos. Ou seja, solipsismo é a soma
tanto das forças motrizes reais (que existem de fato, no mundo prático e objetivo, externo a nós)
quanto irreais e abstratas (como nossa imaginação, consciência, etc) que nos movem, é tudo
aquilo que conseguimos perceber, conceber e sobre o qual atuar. Tudo aquilo que vemos faz
parte do solipsismo, tudo aquilo que ouvimos faz parte do solipsismo, tudo aquilo que pensamos
faz parte do solipsismo, e assim por diante. Em resumo, é tudo aquilo que o indivíduo é (ou
pensa ser) tanto em sua interioridade quanto no exterior (porque o que compõe o exterior
também acaba fazendo parte do indivíduo, em especial as limitações da capacidade cognitiva).
É composto, claramente, de tantas partes que caímos em tentação de dizer que são infinitas,
embora claramente não sejam. Dentre seus fatores aferidores de valores universais temos:
Criação pelos pais, fatores genéricos, meio social no qual o indivíduo está inserido, história de
vida, limitações na capacidade de cognição e capacidade empírica (limitações estas que existem
de maneira singular no indivíduo, porém em seu todo são universais), capacidade de exercício
do intelecto, “natureza” do indivíduo, etc. São diversos, e dos mais distintos, os fatores que nos
compõem, mas quando pegos pela subjetividade todos estes encontram um ponto em comum:
Se somam, se modificam e nos definem, fazendo parte de um único ser singular que somos nós
(o indivíduo). São tantos os fatores somados e tão diferentes valores de fatores que estes nos
fazem, em tese, únicos e “diferentes de todo o mais”. É a subjetividade e a consciência que
“organizam” o nosso solipsismo, e isto ocorre tanto de maneira consciente quanto inconsciente.
Tratarei a seguir de alguns campos específicos do solipsismo, os que considero de maior
importância, visto que se fosse tratar de todos este livro haveria de ser de tamanho muito maior,
e sobre como todos eles se encaixam e se enquadram na lógica individual de qualquer sujeito, e
como estes se estabelecem e compõe a força vital do solipsismo.
Do que é composto
No capítulo anterior descrevi, de maneira por demais resumida, o que seria o solipsismo. Por
estar em resumo, em formato muito mais generalista do que específico, é possível que a
definição sobre o que considero como sendo o solipsismo não tenha ficado bem clara, problema
este que elucidarei a seguir em minha explicação, mais abrangente sobre a questão.
Todos nós, de nosso concebimento até morte, somos compostos por três variáveis que nos
limitam e delimitam: Elementos anteriores a nós, elementos individuais e elementos exteriores a
nós, cada um destes, do ponto de vista de um novo sujeito, relativos à passado, presente e futuro
(respectivamente).
Dos elementos anteriores a nós são compostas as características hereditárias, aquelas que vêm
de nossos pais, avós, etc, e que existiam antes mesmo de existirmos, tais como: Características
genéticas, características do ser humano enquanto espécie (ter cérebro humano, ser bípede,
mamífero, etc), árvore genealógica, possíveis doenças transmitidas por hereditariedade, etc.
Por elementos individuais me refiro àquilo que é do indivíduo, ou seja, suas características de
cunho mais individual (sim, acredito na existência de individualidade, embora um tanto quanto
fragmentada na modernidade e atacada de todas as formas possíveis), tais como: Histórico de
vida e experiências pessoais, gostos pessoais adquiridos e /ou desenvolvidos, “natureza”, etc.
Por elementos exteriores me refiro ao meio, àquilo que cerca o indivíduo (e que faz parte do
mundo real, não exatamente abstrato, daí sua diferenciação dos elementos anteriores): Sua
família e modo de criação, o meio social no qual está inserido (sua classe social), a educação e o
modelo educacional e pedagógico que recebeu na escola desde cedo, seu contexto histórico, etc.
Todos nós, mesmo antes de nosso nascimento, somos delimitados e limitados por todas estas
três características (com exceção da segunda enquanto ainda não nascemos, é claro). Os meios
dos quais nossos pais fazem parte serão muitos dos meios dos quais nós mesmos faremos parte,
suas profissões, opções e predisposições genéticas serão muitas vezes também nossas
predisposições, e assim por diante. Por mais que a individualidade exista, é simplesmente
impossível a existência de um indivíduo sem nada de exterior que o limite, todos nós somos
limitados por natureza nos mais diversos pontos possíveis (ponto este ao qual reservarei um
capítulo em especial deste livro).
Assim sendo, todos nós possuímos características tanto inatas quanto individuais quanto
socialmente adquiridas. É simplesmente impossível separar o indivíduo de tais influências e
predisposições pelo simples fato de que o indivíduo não se cria sozinho e todos possuímos
características próprias inevitáveis. O solipsismo é composto por todas estas características e
predisposições acrescidas de mais uma característica/capacidade: A cognição. O que pensamos,
aprendemos e conseguimos perceber também entra na soma do que somos e do que acabo por
chamar de solipsismo, que seria a soma de todas as nossas influências, do que conseguimos
perceber e do que somos de fato.
Desde cedo, nosso cérebro armazena informações, aprende e emula o mundo exterior. Com o
passar do tempo passamos a ter raciocínio lógico (embora, claro, uns o utilizem mais, outros
menos) e passamos a ter nossas próprias ideias e disposições sobre o mundo, ideias estas que,
obviamente, quase sempre são influenciadas ou pegas de outrem. O que percebemos, pensamos
e concebemos faz parte do nosso conjunto de crenças, conjunto este que, mais uma vez,
denomino solipsismo. Solipsismo e nós (sujeito) são o conjunto de tudo aquilo que conseguimos
perceber e conceber, e que somos de fato, em suma.
Tudo o que está em nossa consciência, tudo o que nos cerca (pois o que nos cerca sempre
envolve e passa necessariamente pela capacidade de percepção individual sobre “isto” que nos
cerca) e tudo aquilo que pensamos é o que podemos chamar de “sujeito”. O sujeito analisa o
mundo, o compreende (de alguma forma) e então adota x comportamento, baseado em
informações e padrões pré-existentes em seu cérebro, sobre quaisquer situações. Esta soma é
válida para quase quaisquer situações sobre as quais estejamos passando, e diz respeito ao
sujeito adulto e sobre situações do quotidiano, sendo o raciocínio lógico de crianças e perante
situações atípicas variante e não exatamente seguindo tal lógica. O que somos desde cedo e pelo
que somos influenciados desde cedo nos influencia, influencia a tal ponto que não mais
conseguimos deixar de sê-lo após algum período de tempo (com o envelhecer). Neste ponto, o
solipsismo já está consolidado e, muitas vezes, nunca deixará de sê-lo, pela quebra do
solipsismo demandar alguma forma de “experimentação” que quebra a lógica de nosso cérebro
e lógica individual, ainda que inconsciente (tratarei sobre isto mais a frente).
Assim, somos enquanto espécie, enquanto família, enquanto sujeitos que passaram por algum
projeto pedagógico e educacional, enquanto sujeitos mesmo, em nós mesmos, enquanto nossas
companhias, enquanto nossos meios e círculos sociais, enquanto lugares e possibilidades que
nos estão disponíveis, etc. Como pode-se perceber, somos um conjunto de muitos fatores e
influências, sendo o indivíduo nunca (embora possa-se ter esta ilusão em certos momentos,
ainda mais no mundo moderno) solitário e excluído de influência do meio, seja este qual for.
Mesmo para aqueles longe do convívio social comum, ainda assim o meio lhes exerce alguma
influência, assim sendo seu “pai” quase literalmente em alguns casos (sobre isto ver o caso de
Kamala e Amala, por exemplo). Somos seres criados de fora para dentro, em suma, que porém,
com o passar do tempo, passamos a nos expressar e escolher baseado no de dentro para fora.
Disto compõe o solipsismo e é sua marca. Na inversão do “exterior para interior” e
estabelecimento do “interior para exterior” é que nasce e se consolida o indivíduo na maioria
dos casos, e assim surge qualquer sujeito. Que, porém, passa a somente considerar o “interior”
como pedra de toque, ainda mais e quanto mais passa o tempo, e é justamente neste ponto que
se inicia o problema e temática tratada neste livro.
Elementos Anteriores
Por “elementos anteriores”, como dito anteriormente, me refiro aos elementos que já vêm
embutidos no sujeito de maneira pré-estabelecida, como fazer parte da espécie humana (homo
sapiens), ser de natureza bípede (característica esta que, dependendo do meio em que o
indivíduo está inserido, pode não ser desenvolvida), ter a anatomia de um ser humano e cérebro
também humano, etc. Além destes fatores universais para a nossa espécie, existem os fatores
mais específicos, que dizem respeito mais às pré-disposições de nossos familiares do que às pré-
disposições universais, tais como tendência ao desenvolvimento de certas doenças específicas,
árvore genealógica, etnia, porte físico e predileções físicas (embora estes não sejam regras
absolutas), etc. Todos estes elementos dizem mais respeito ao “anterior” do sujeito, ou seja, ao
seu passado, do que ao seu presente, e como dito estão presentes mesmo antes do indivíduo
existir.
Além destes, podemos citar também como pré-disposições do sujeito suas tendências biológicas
mais básicas, sendo as duas mais importantes a tendência à autopreservação e autoproteção e a
tendência à reprodução. Se a segunda é causa da primeira é uma discussão sobre a qual não
pretendo abarcar, tratarei apenas sobre estas duas tendências sem entrar muito a fundo em
discussões neste ramo da psicologia e biologia.
Além destas, há outras tendências básicas, tais como estabilização no conforto e tendências não-
monogâmicas por parte de ambos os gêneros, porém igualmente não entrarei em discussão e me
referirei apenas aos dois instintos mais básicos, constitutivos maiores do que chamo de
solipsismo (e que por vezes, chegam a delimitar sujeitos inteiros de forma completamente
inconsciente, com a biologia imperando sobre o indivíduo).
Ademais, há também imperativos de ordem “inconsciente”, alguns destes parte dos citados
elementos anteriores e alguns outros não, tratarei sobre tais imperativos de maneira específica
em um capítulo a frente.
Os elementos anteriores permanecem no plano de influência tanto com relação ao passado e ao
inconsciente como também, frequentemente, como parte da justificação do solipsismo e
egoísmo, visto que não são escassos, mesmo em discussões de ordem acadêmica, argumentativa
e/ou filosófica, os momentos em que se utiliza a “autoproteção” como justificativa e
argumentação para quaisquer atos, atos estes frequentemente envoltos em uma atmosfera
materialista e de ordem “política” e/ou correlata. O instinto de autopreservação faz parte não
somente da “genética” e tendência humana, como também de boa parte da sua justificação e
legitimação de atos. Não apenas humanos, mas todos os seres vivos em geral que habitam este
planeta seguem tal lógica (ainda que não pela via do racional, como fazem muitos humanos).
Através do instinto sexual se mantém a hereditariedade. Se não fosse pelo mesmo talvez não
estaríamos aqui, ou pelo menos boa parte de nós não o estaria. O instinto, ainda que onipresente
e apresentando-se sob diversas facetas (sendo certos indivíduos mais tendentes ao “amor” e
certos indivíduos mais tendentes à “paixão”, conforme a natureza de cada um), é relativo em sua
intensidade, o que significa que em certos grupos e pessoas é maior e em outros menor. Sobre a
existência ou não de pessoas assexuadas é outro assunto sobre o qual igualmente me absterei de
responder, porém é certo que o instinto reprodutivo, como representação e/ou consequência ou
não do primeiro instinto, existe universalmente, e igualmente partilhado tanto entre humanos
quanto não-humanos. Há em certas culturas e sociedades um igual incentivo, além da influência
e do incentivo biológico, à reprodução e à tomada de decisões e comportamentos de ordem
libidinosa, porém estes serão tratadas em um capítulo a frente e certamente não fazem parte dos
“elementos anteriores” aqui referidos.
Além das variáveis já citadas, podem e devem existir outras variáveis que influenciam e entram
na ordem dos “elementos anteriores” (tal como uso de drogas por parte da mãe durante o
processo de gestação, para citar breve exemplo), como dito tudo aquilo que é anterior ao
indivíduo e que mesmo assim lhe afeta e/ou faz parte de seu solipsismo (portanto, parte de si
mesmo) se encontra nesta categoria. Como também já dito, tais são onipresentes, existem em
todos os indivíduos, porém variam em importância e afecção de valor em relação a cada sujeito,
o que é o mesmo que dizer que alguns elementos anteriores são determinantes de alguns
sujeitos, ao ponto até mesmo de lhes servir como forma de “identificação própria” e
identitarismo (muito comum no mundo moderno), mesmo o fato em si estando inserido e
contextualizado em um passado muitas vezes distante, e não tão determinantes mas meros
influenciadores de outros sujeitos, por vezes até mesmo uma “memória distante”. Nenhum dos
elementos e variáveis citados neste escrito são pedras de toque absolutas, ou seja, nem todos
sentem os fatos e conferem valor da mesma forma, e isto é uma das características de nosso
solipsismo (enquanto no indivíduo, sujeito). Enquanto para uns a influência da família, por
exemplo, pode ser mais “marcante” no processo de formação e identificação do sujeito, para
outros tal pode não ser realidade e o círculo social, digam-se amigos e companhias fora da
família, podem ser maiores pedras de toque durante o processo de formação e validação do
sujeito. Os padrões de importância e aferimento de valor variam conforme os sujeitos variam,
em suma.
Elementos Individuais
Antes de abordar o que chamo de “elementos individuais”, permitam-me fazer uma breve pausa
para falar sobre a individualidade nos tempos modernos, assunto este que certamente merece
alguma consideração.
A individualidade em nossos tempos tanto é hiperestimulada, por um lado, quanto condenada
por outro. E o que quero dizer com isto?
No plano prático, do material, do capitalismo e da rotina, a individualidade é estimulada
principalmente como fim cujo meio é a posse do capital. O que quero dizer com isso? Que a
individualidade é, nada mais nada menos, do que um produto do capital e que em nossa
sociedade “possuímos para sermos”. Nossos bens materiais expressam o que somos, e se
queremos ser (ou parecer) x devemos ter x objeto ou valor que expresse x, e o mesmo vale para
y, z e qualquer valor que se queira aferir. O capitalismo, de maneira quase óbvia, se apropria e
se apropriou tanto do conceito de “liberdade e individualidade” que muitos teóricos políticos
automaticamente associam capitalismo com liberdade, e, segundo estes, não é possível ser
“livre” em uma sociedade que não seja capitalista. Sobre tal discussão não pretendo abarcar,
apenas me cabe pontuar o quanto a individualidade nos tempos modernos está atrelada ao
capitalismo. Se você tem, você é, e isto é uma das maiores sinas legadas tanto pelo capitalismo
em si quanto pela onda materialista na qual estamos imersos há pelo menos dois mil anos ou até
mais tempo.
No plano ideológico, nunca se viram combates tão imensos travados contra a individualidade.
Não apenas a esquerda política quanto até mesmo a direita, centro, etc, pregam que somos
“muito mais do que nós mesmos” (o que não está errado, porém tomam tal afirmação do ponto
de vista materialista, logo, coletivista, e não metafísico) e que somos meros frutos da sociedade
em que vivemos. Não apenas existe o determinismo social pregado por muitos sociólogos como
também existe o determinismo biológico e psicológico, com suas afirmações, em suas mais
diversas vertentes, à la Freud por exemplo de que somos apenas “instintos inconscientes”. Que
tais instintos, afecções ou tendências por assim dizer existam é inegável, porém devo dizer que
muito particularmente me incomoda qualquer narrativa e prerrogativa que retira o papel do
indivíduo do que quer que seja, transformando-o em um autômato. Se o indivíduo não existe e
não é responsável por nada, então, por que ainda existem leis e por que alguém deveria ser
preso?
Existem, além dos determinismos, os mais diversos discursos, muitos deles “polidos” e não
explícitos, contra toda e qualquer forma de individualidade, de discordância ou mesmo de não
aceitação. Tornou-se quase obrigatória, em nossos tempos, a aceitação da “diversidade”, daquilo
que antes era tido como “errado” (o dizem) e do que quer que a maioria pense e que tenha se
tornado senso comum. Não somente existe um incentivo ao pensamento de manada, mas quase
uma obrigação, e não digo isto me referindo à algum plano ou lado político específico, mas sim
a todos os lados (há muito que a direita política, para citar um breve exemplo, não é mais direita
de fato). Basicamente formaram-se “manadas”, de todos os lados, em que todos repetem frases
prontas e velhos jargões, e ou aceita-se isto ou simplesmente se está fora do “movimento”, este
qualquer que seja.
O indivíduo, de fato, é muito fraco, e este é um dos principais argumentos dos pró-coletivistas.
Contra toda a maré social e mais diversos grupos identitários existentes na modernidade e
contra todos os outros grupos e pensamentos existentes o indivíduo certamente pouco pode
fazer, mas tal não deveria ser tomado como argumento evidente e a priori para a “queda” da
individualidade e sua justificação para “renúncia de si mesmo”. De fato, existem os mais
diversos fatores influentes, ainda mais no mundo moderno, sobre nós e pouco de nós é, de fato,
nós mesmos e/ou uma parte de nós mesmos que não sofre/sofreu influência de outrem, mas isto
não é sinônimo, obviamente, de que a liberdade não exista e de que não existam seres singulares
mesmo neste universo encharcado de almas mortas. Prova contundente disto é a existência
atemporal, ainda que em nossos tempos talvez decrescente, de mentes controversas, singulares,
que mudaram o tempo em que viveram e às quais muitas vezes nos referimos como estando “à
frente de seu tempo”. É certo que para cada um Kant, por exemplo, existam 10.000 candidatos à
Kant, mas isto obviamente não é o mesmo que dizer que Kant nunca existiu. Existem nomes, a
humanidade sempre esteve povoada por almas singulares e que algo fizeram no curso da história
humana, e isto por si só já é uma evidência de que a singularidade, de fato, existe de alguma
forma, ainda que de forma ambígua e conturbada.
Porém, voltando ao assunto sobre o qual quero tratar, os fatores individuais de formação do
“eu”, consciência e solipsismo.
O eu, ou os elementos individuais, como já dito, são aqueles situados no presente. Estes
elementos são, tanto do ponto de vista temporal quanto literal, o fator do “meio” na interação e
formação do sujeito em si mesmo. Explicarei a seguir.
Antes do nascimento, os elementos anteriores delimitaram boa parte do que seria (ou veio-a-ser)
o sujeito. Após, o sujeito, cresce, se desenvolve e passa a ser influenciado não apenas pelos
elementos anteriores, quanto também pelos elementos exteriores, sobre os quais tratarei no
próximo capítulo. São os elementos individuais, ou seja, interiores, as características interiores
que realizam a mediação tanto entre o sujeito e aquilo que veio antes dele quanto também entre
sujeito, aquilo que lhe cerca e aquilo que lhe diz respeito. O sujeito é quem media, em suma, as
suas relações, tanto interiores quanto exteriores (ainda que por vezes o indivíduo não aprenda,
por x motivos, a mediar dentro de si mesmo aquilo que lhe é prioridade). O sujeito é o meio e
mediador tanto da relação passado, presente e futuro quanto da relação meio/si mesmo, sendo
ele o núcleo de processamento das informações exteriores e núcleo de reconhecimento do
exterior e de si mesmo (daí a famosa afirmação de Descartes, “cogito ergo sum”).
Dito isto, devo pontuar que os elementos individuais são aqueles que se dão tanto pela ação do
tempo e adquirimento de experiência e tempo de vida quanto também aqueles citados que
realizam a medicação entre o interior e exterior, assim gerando a subjetividade. Os elementos
individuais se formam através da influência parental, educação recebida e personalidade
própria. Ainda que um indivíduo receba educação de caráter “conservador”, por exemplo, suas
tendências individuais podem ser mais liberais e/ou progressistas, o que pode eventualmente
acabar por entrar em choque com a educação recebida e preferências dos pais. Ainda que se
eduque um filho de determinada maneira, nada garante necessariamente que o filho seguirá por
tal caminho, e este é mais um argumento a favor da prerrogativa de que a individualidade, de
fato, existe (ainda que de modo abstrato, em que só o indivíduo em si mesmo pode perceber).
O indivíduo é quem media suas relações baseado em diversos fatores que vão desde si mesmo
(seus elementos individuais) até os outros dois elementos, e é igualmente também influenciado
pelos dois outros elementos. Não existe em si mesmo indivíduo algum que não tenha sido
afetado pelos outros elementos que não individuais (à exceção, quem sabe, de sociopatas, porém
esta é uma discussão à qual, mais uma vez, não pretendo me ater), e todos certamente somos
tanto nós mesmos quanto os outros também. Tanto existimos de forma individual, com nossas
características individuais, quanto também os outros, o “meio”, ao nos perceber e nos
determinar por vezes também acaba nos gerando influência (basta ver o caso, para exemplificar,
de pessoas que assumem uma alcunha, um “apelido”, pois assim passam a ter uma identidade
social, quando em si mesmas não estão bem certas do que são e ainda assim dependem da
aceitação alheia).
Dito isto, vale pontuar, ainda que fato óbvio, que o indivíduo é muito pouco de si mesmo. Se
desde cedo sofremos interferência e influência do externo, o que de fato sobra de nós mesmos?
Esta é uma discussão tanto longa quanto inútil, visto que sua resposta é tanto subjetiva quanto
relativa, e o que quero dizer com isto? Quero dizer, pura e simplesmente, que varia de indivíduo
para indivíduo. Uns são mais determinados pelo meio, outros pela família, outros pelas afecções
e tendências biológicas e outros por si mesmos, ainda que estes sejam minoria. Dito isto, o que
determina o “si mesmo”?
Como já dito, tanto experiências passadas quanto o meio e sua influência determinam o
indivíduo. Porém este, com o passar do tempo, experiências pessoais e até mesmo podemos
citar o poderio econômico, passa a desenvolver suas próprias tendências e visões de mundo. O
“eu” nasce, de fato, somente após alguns anos de vida, diria eu que é na adolescência que se
iniciam os primeiros sinais de distanciamento e diferenciação entre eu/mundo (ainda que, de
fato, nem todos bem se desenvolvam nesta diferenciação, sendo estes a maioria dos seres
humanos em todos os tempos, eu diria).
O indivíduo nasce e cresce tanto das suas experiências subjetivas quanto sequente
sentimento/preferência subsequente ao ato em si. A partir de suas preferências, descobertas,
ideias próprias sobre algo, etc, formam-se os elementos individuais, elementos estes que são os
únicos referentes somente ao indivíduo em si, e não à sua criação ou qualquer forma de
influência externa.
Sobre este ponto, certamente hão de questionar se isto não entra em confronto, até mesmo em
contradição, com o exposto anteriormente, de que todos somos igualmente influenciados por
elementos externos e anteriores, e de fato o somos, porém ao aceitarmos tal influência/nos
deixarmos levar por tal, revelamos uma característica de nós mesmos: Nossas próprias
tendências.
Ao aceitarmos, seja por boa vontade ou opressão, o que nos é imposto via exterior, se nos
revela, geralmente, uma das duas: Nossa tendência em si mesma (se aceitamos a criação e
influência de pais conservadores por exemplo, é porque nós mesmos temos tendências
conservadoras em nós) ou nosso medo, covardia, conivência ou o que quer que seja de nos
impormos e mudarmos tal situação. Ainda que não ajamos em tal ou qual situação, esta não
ação revela parte de nosso caráter: Mesmo a não ação já é um sinal de nossa natureza (muitas
vezes, designando uma natureza passiva ou simplesmente não combativa). A não ação também
é um sinal da ação de nós mesmos, um sinal de quem nós somos em nós mesmos.
O indivíduo é a pedra de toque não somente da experiência exterior, como também da
experiência interior (sobre isto falarei mais à frente, no capítulo sobre subjetividade). Assim,
realiza influência não somente sobre o meio e sua relação com este, mas também sobre si
mesmo (a reflexão é, foi e sempre será a melhor forma de mudar-se e mudar de ação e sem ela
certamente estamos tendentes a repetir ações e erros passados).
Os acontecimentos, assim, são universais, acontecem ou não de forma universal com todos
porém somos nós os mediadores e o “toque final” da sua relação conosco mesmos e de seus
significados: Somos a pedra de toque de todos os acontecimentos exteriores. Consequência
última disto é que somos nós mesmos quem aferimos qualquer valor possível aos
acontecimentos que nos cercam e nós mesmos quem determinamos que estes acontecimentos
possuem valor e qual é este valor. Disto se segue que os acontecimentos são universais e
inevitáveis, porém somos nós quem os deixamos, falando de maneira simples, ou não que estes
nos aflijam e determinamos como nos afligem. Darei um exemplo.
Suponhamos que um indivíduo possua um bem material universalmente culturalmente
reconhecido como de alto valor, um carro caro, por exemplo. Suponhamos que tal indivíduo
possua tal carro, mas não tenha uma condição financeira suficiente para efetuar nova compra do
mesmo, visto seu alto valor. Agora suponhamos que o carro de tal indivíduo seja o centro das
atenções, e assunto em comum, pedra de toque das relações humanas de tal indivíduo, por onde
quer que este passe. Em uma situação hipotética, após anos com este carro e este lhe sendo de
muito serventia nos mais diversos aspectos possíveis, suponhamos que qualquer coisa aconteça
(uma queda de árvore durante uma chuva forte, por exemplo) e o indivíduo perca o carro.
Obviamente, a reação mais geral e mais comum e o que nós mesmos mais frequentemente
imaginamos sobre tal situação é o indivíduo furioso e/ou triste pela perda, sendo esta perda
talvez até mais profunda do que a perda, por exemplo, de um familiar. Ainda mais na sociedade
moderna, sabemos o quanto um bem material de alto valor possui valor não apenas em si
mesmo, mas também no seu aferidor de valor tanto naquele que o possui tanto em suas relações
como um todo. Enfim, a maneira mais lógica de imaginar as consequências da perda de tal carro
é imaginar seu dono devastado, inevitavelmente triste por, provavelmente, nunca mais conseguir
obter carro igual, visto o seu altíssimo valor, e pelo impacto negativo que tal perda ocasionaria
nas suas relações sociais.
Pois bem, agora imaginemos uma pequena mudança na situação acima ilustrada: Ao invés de ter
uma condição financeira que não o permita ter outro carro daquele, suponhamos que o mesmo
indivíduo é muito mais rico em uma nova situação e possua condições suficientes para ter
quantos carros quiser, quais carros quiser. Mudado o panorama, suponhamos que a mesma coisa
lhe suceda, este perca o carro por qualquer motivo. Sua reação será a mesma da primeira
situação em que este perdeu o carro e não poderá trocá-lo? Certamente que não, visto que nesta
situação ele pode obter quantos e quais carros quiser, assim, se perder qualquer carro, mesmo
que este seja de muito valor, pouca falta o fará comparado com o que ainda lhe é possível, assim
não havendo drama algum nesta nova situação.
Agora e por fim, imaginemos um terceiro cenário em que a situação é semelhante ao primeiro
caso em termos de acontecimentos, porém o indivíduo muda: Este é um estóico (por mais que
possa ser uma contradição em termos um estoicismo aliado a bens de alto valor, mas ignoremos
esta parte). Imaginemos que lhe suceda a mesma coisa, este possua um carro caro e o perca por
quaisquer motivos. Ainda que a situação seja a mesma da primeira, sua reação é completamente
diferente: Se chateia como é de comum acontecimento a todos, porém, não se lamenta, nem
mesmo se enfurece ou enternece frente à tal acontecimento: Sua natureza (ou conhecimento)
estóico o levam a não se importar em demasia com a perda, mas entendê-la como parte natural
da vida, e por isto não apenas aceita a perda como nem sequer pensa em tentar reavê-la. Segue
sua vida normalmente após tal acontecimento.
Mesmo cenário, contextos e indivíduos diferentes. Para um mesmo cenário, aquilo que o
indivíduo é afere valor diretamente sobre, até mesmo, aquilo que lhe acontece exteriormente, e
mudanças de concepção conferem também mudanças completas nos cenários e maneiras como
cada um reage ao que lhe acontece, bem como interpretações. Não se muda o empírico, porém
se muda o individual e o mudando, o mundo inteiro também muda (do ponto de vista do
indivíduo). Assim, o indivíduo é não somente a pedra de toque de si mesmo, como também do
exterior inteiro, sendo esta pedra de toque composta pelo que aqui chamei de “elementos
individuais” (e sobre esta relação indivíduo/meio falarei mais à fundo no capítulo sobre
subjetividade).
Elementos Exteriores
Por “elementos exteriores” me refiro aos elementos, como sugere o próprio termo, que estão no
exterior do indivíduo, ou seja, que o cercam e unidos constroem a sua realidade objetiva e
ajudam na composição da realidade subjetiva. Tudo aquilo que não se refere ao interior e ao
passado do indivíduo (em termos de biologia, genética e hereditariedade, etc) entra nesta
categoria, sendo esta referente ao “futuro” do sujeito que acaba de nascer, visto que este só
passa a perceber o “exterior” e ser mais afetado por este à medida que se desenvolve.
Há elementos exteriores que se ligam a outros elementos, como os anteriores, como é o caso da
criação dos pais e da prática pedagógica e epistemológica presente em determinado momento,
que influenciam não apenas a criação em casa como também os valores passados em escolas por
exemplo. Já outros elementos, tais como amizades, meios sociais que se frequenta e contexto
histórico em que o sujeito está inserido, só são percebidos pelo indivíduo (ainda que, desde
sempre, exerçam influência mesmo que de maneira inconsciente) quando este passa a tomar
consciência dos fatos, ou seja, em uma idade próxima ou presente na adolescência em geral, que
é quando o sujeito passa a ter pensamentos mais “próprios” e começa a se desgarrar dos pais
(seja como for). Podemos dividir os elementos exteriores em geral em várias categorias, sendo
algumas delas:
Educação e epistemologia pedagógica: Aqui me refiro não apenas à educação e influência
advindas dos pais, mas também à influência escolar no processo educacional e de formação do
indivíduo. Não apenas a rotina familiar e seus costumes, como também estas e a “cultura”
escolar, a maneira como dados conhecimentos são passados, influenciam e atuam sobre o
indivíduo e são presentes em sua vida até o seu fim. A maneira como o indivíduo aprende,
geralmente, é também a maneira como este ensinará futuramente, daí também a influência do
processo pedagógico. Se dado indivíduo também passará pelos exercícios da mente ou será mais
testado no campo dos exercícios físicos também é de muita influência, lhe pré-servindo como
aferidor de objetivos à longo prazo (uma educação aceita que priorize o físico por exemplo lhe
condicionará aos exercícios físicos e esportes pelo resto da vida, para citar um breve exemplo).
O indivíduo é, assim, influenciado e formado tanto dentro de casa pelos pais como também na
escola pelos professores e funcionários de tal, sendo as relações e processos pedagógicos
“espelhos” que serão absorvidos e certamente reproduzidos pelo indivíduo na posterioridade.
Contexto histórico: O contexto histórico, bem como a realidade social na qual o indivíduo está
inserido, também é importante fator de formação do consciente e subconsciente do indivíduo.
Para citar um breve exemplo que atesta esta afirmação, um indivíduo nascido hoje pensa,
interage e gasta bem mais tempo com tecnologia avançada, por exemplo, do que um indivíduo
nascido há mil anos, quando tal tecnologia ainda nem existia e seu cotidiano era
predominantemente de atividades e trabalhos braçais. Um indivíduo hoje nascido pensa sobre e
gasta muito mais tempo com um computador do que em uma caminhada no campo, por
exemplo, e isto por si só já o condiciona em grande parte e faz parte de seu solipsismo. O
contexto histórico e social na qual um indivíduo está inserido condiciona não apenas sua
realidade e possibilidades, como também seus campos de interesse e capacidades de
imaginação. É bem certo que, ainda tomando o exemplo anterior, o indivíduo atual possua
muito mais “possibilidades” e incentivos ao conhecimento do que o indivíduo de mil anos atrás,
porém o indivíduo antigo certamente possuía muito mais “potencial imaginativo” do que o
indivíduo atual, já que a este tudo se lhe apresenta já pronto e sem necessidade imaginativa
alguma. Assim, o contexto histórico do indivíduo condiciona não exatamente o fato do
indivíduo ter “sonhos”, mas sim quais sonhos lhes serão possíveis.
Meio social: Por “meio social” me refiro tanto aos locais frequentados pelo indivíduo como
também pelas amizades, o círculo social frequentado por tal indivíduo. Este começa a receber
influência deste meio, geralmente, na adolescência ou final da fase infantil, fase em que começa
o processo de “afastamento” dos pais e aproximação do social. Como forma de autoafirmação
ou afirmação da própria existência, o indivíduo se alia à um “meio”, à uma “roda”, para então
sentir que é mais “independente” do que seu “eu” infantil e esta aliança certamente passa tanto a
lhe condicionar e ser pedra de toque quanto este também passa a se reconhecer como parte
daquela. Assim, nossas amizades e locais frequentados por nós em contato com estas amizades
também são, certamente, fonte de influência e prioridade sobre o indivíduo.
Mídia e propaganda: Outros dos elementos exteriores são a mídia e propaganda, fator este que
vai além do que comumente é pensado (e apontado). Por “mídia e propaganda” me refiro não
apenas aos reflexos mais “óbvios” do termo, como comerciais, jornais, campanhas políticas, etc,
mas sim e também à toda forma de condicionamento do indivíduo ao que é socialmente aceito e
aceitável. Por mídia e propaganda me refiro também, por exemplo, à música popular e à
informação que nos é transmitida de forma gratuita e “fácil” por quaisquer meios. Me espanta (e
aqui não entrarei neste assunto à fundo, visto que não seria o lugar correto para tal) que
simplesmente todos os anos, para citar um breve exemplo, novos “artistas” surjam
aparentemente de lugar nenhum e da mesma forma como subitamente aparecem, subitamente
estão fazendo “sucesso” e sendo ouvidos e consumidos por toda uma comunidade durante certo
período de tempo. Tal forma de surgimento súbita e criação de novos ídolos, quase sempre
inquestionada, também é, certamente, uma forma de dominação social imposta pela mídia e
propaganda e vale notar que quase tudo o que é “popular”, neste sentido, é inofensivo às elites,
sejam elas quais forem, assim servindo de incentivo à manutenção das massas tais como estão
atualmente. Enfim, sobre “mídia e propaganda” me refiro não somente aos aspectos mais óbvios
do capitalismo e sistema, como também a tudo que é tido como popular e amplamente aceito e
que dificilmente é posto sob contestação. Certamente, tudo aquilo que nos é oferecido
gratuitamente e de fácil acesso deve possuir um “porquê” que serve a alguém ou a alguns
grupos, se assim não o afirmássemos estaríamos desfazendo todas as acusações possíveis ao
sistema capitalista, acusações esta que, certamente, não podemos desfazer e estaríamos sendo
ingênuos se o fizéssemos.
Moral presente: Também faz parte e influência dos elementos exteriores, certamente, a moral
presente em dado momento vivido por dado indivíduo, e certamente esta se alia ao contexto
histórico para condicionar tanto a realidade em que vivemos e percebemos como também nossas
possibilidades. Por mais que um ato x, por exemplo, não seja exatamente “ilegal” ou fora da lei,
só do fato deste não ser apreciado socialmente, muitas vezes sendo condenado, já nos é
suficiente em muitas situações para nos fazer desistir deste ato x. Por “moral presente” me refiro
não apenas ao conjunto de leis de dado momento histórico, como também às regras e diretrizes
sociais que influenciam no comportamento de dada sociedade. Por mais que, atribuindo um
valor à x citado anteriormente, trair em uma relação conjugal não seja exatamente um crime
citado por lei, este é desapreciado socialmente e certamente fonte de muita vergonha e
retaliação no meio social, familiar, etc, e só por isso com alguma frequência os indivíduos
deixam de trair, mesmo com o medo da “prisão” não sendo presente. Aqui, não apenas a lei se
faz como limitadora do indivíduo, como também a moral social presente também exerce tal
papel.
Locais-comuns: Vale mencionar, por último, também os locais frequentados por tal indivíduo, e
aqui me refiro não exatamente aos locais mencionados nos meios sociais frequentados pelos
indivíduos com seus círculos sociais, mas aqueles que lhes são mais comuns, tais como sua
própria casa, sua escola frequentada, universidade, local de trabalho, praça pública frequentada,
etc. Tais locais fazem parte, também, do universo de possibilidades do indivíduo e certamente
delimitam o seu “universo pessoal”, assim servindo e sendo-lhe fonte de solipsismo. Para citar
um breve exemplo, imagine as diferenças existentes nos pensamentos e preferências de um
indivíduo que muito frequenta um ponto de venda de drogas (para fazer o que obviamente se faz
em tal local) e um indivíduo que muito frequenta uma biblioteca. Certamente, suas prioridades e
“universos” serão muito diferentes, mesmo que o ponto de venda de drogas fique a apenas
algumas centenas de metros de distância da biblioteca. Não apenas com quem entramos em
contato e interagimos nos afeta e delimita, como também os lugares que mais frequentamos nos
delimitam e nos aferem x possibilidades e tendências de pensamentos, sendo a nossa casa, local
onde geralmente passamos mais tempo, aquela que deveria nos ser maior fonte de preocupação
neste assunto, e sendo a estética (assunto que tratarei mais à frente neste livro) uma das
preocupações necessárias àqueles que desejam sair de si mesmos e ser cercados de qualquer
forma de “beleza” e encantamento, seja como forem.
Certamente há alguns outros elementos, como filosofias presentes, nível de conhecimento
possível, posses materiais, etc, que também poderiam ser mencionados como formadores do
indivíduo e de seu universo, de seu solipsismo pura e simplesmente, porém em sua maior parte
estes são sub aspectos, ou aspectos específicos, de fatores citados anteriormente e se fôssemos
muito nos aplicar a estes muito tempo gastaríamos de forma desnecessária, visto que aqui se
busca dar um entendimento geral sobre o assunto sobre o qual quero tratar, e não sobre um
aspecto específico de tal assunto. Enfim, por “elementos exteriores” me refiro a tudo que está no
exterior do indivíduo e que portanto, por consequência, passa a lhe estar e delimitar no interior,
em sua própria interioridade e subjetividade, assunto este específico que tratarei a seguir.
Cognição e Individualidade
Por “cognição”, como mencionado no glossário, me refiro substancialmente ao conhecimento
que pode ser adquirido através dos cinco sentidos. Conhecimento empírico, em suma. Aqui
necessitamos de fazer distinção e mencionar que também existe certamente o conhecimento a
priori, racionalista, mais fruto da mente humana e de suas capacidades de compreensão do que
do mundo exterior e capacidade de apreensão humana, porém sobre o conhecimento a priori
tratarei em específico em capítulo posterior.
Sobre o conhecimento a posteriori, ou seja, empírico, vale notar que este é o conhecimento em
si enquanto a cognição seria o conjunto de aparatos do indivíduo capazes de absorver e/ou
produzir tal conhecimento. Ou seja, a cognição percebe, o conhecimento a posteriori se produz.
E, aqui, vale pontuar um importante fato.
O que somos capazes de perceber é o que compõe os limites de nosso mundo individual, de
nossa subjetividade. Todos fazemos parte de uma realidade limitada (e sobre tal limitação,
falarei mais à fundo em breve em capítulo posterior) cuja limitação se dá tanto por fatores
empíricos quanto também por fatores racionais. Aqui me aterei às limitações de caráter
empírico.
O que conseguimos conceber (perceber) é o que compõe não apenas o nosso mundo de forma
objetiva, como também o nosso mundo de forma subjetiva. Igualmente, o que não conseguimos
perceber ou conceber é como se, para nós, simplesmente não existisse (mesmo que exista, de
fato).
Darei um exemplo de pergunta para atestar o que digo: Você consegue imaginar um animal com
estrutura corpórea completamente diferente às estruturas corpóreas que por ti já foram
percebidas e assimiladas de alguma forma? Pense um pouco e tente. Certamente a resposta,
assim como para mim e como para todos provavelmente, será não, não apenas você, como todos
nós seres humanos não conseguimos conceber, em nosso universo interno, aquilo que escapa
completamente da realidade percebida no universo externo. Ou seja, por mais que o interno se
difira do externo, o externo é quem dita o que o interno é capaz de conceber.
Certamente e obviamente existe muito mais, e aqui poderia fazer uma extensa crítica à
modernidade porém me absterei de fazê-lo, do que podemos perceber e não é necessário ir
muito à fundo para constatar isto. Um exemplo simples já prova que, mesmo no planeta Terra,
pouco podemos perceber: As ondas sonoras emitidas por morcegos, que entre eles são fonte de
comunicação porém nós, humanos, não conseguimos perceber.
O fato de não percebermos, certamente, por limitação da espécie, do indivíduo ou qualquer que
seja o motivo não indica que tal coisa necessariamente não existe. Como simplesmente
exemplificado acima, sabemos através da ciência e da tecnologia que o mundo vai além do que
sabemos, inclusive já conseguimos detectar que por mais que nós, seres humanos, não
consigamos ouvir os sons que algumas espécies de morcego emitem ainda assim os sons estão
ali, sendo a limitação na nossa capacidade auditiva o responsável pela não percepção de tal
comunicação, o que não quer dizer que ela não exista porém apenas aponta que somos limitados
em nossas capacidades de percepção.
Nossas capacidades cognitivas são o quarto grande fator de formação do “eu” e de nossas
capacidades subjetivas. O que conseguimos perceber é o que compõe o nosso mundo subjetivo e
o que está além da nossa capacidade é o que não podemos sequer imaginar, visto que a
imaginação somente engloba o campo do conhecimento. Mesmo para as mais diferentes
criaturas já concebidas pela mente humana, Cthulhu, por exemplo, ainda assim nada mais são
do que somas e/ou mudanças de criaturas que existem em nosso mundo empírico (no caso de
Cthulhu por exemplo, nada mais é do que a junção de um polvo com um corpo humano, assim
formando um híbrido de dois corpos que existem de fato em nosso universo). Certamente isto
não tira o mérito daqueles que conceberam tais criaturas, porém só prova que, de fato, mesmo
nossa imaginação é limitada pelo empírico. Aquilo que não conseguimos perceber é, para nós,
como se não existisse, mesmo que de fato exista.
Os limites e capacidades empíricas de nossa condição se somam à força do hábito para criar um
mundo interno, individual, parte da subjetividade. O que quero dizer com isto é que, pura e
simplesmente, quanto mais consumimos daquilo que está ao nosso redor, quanto mais passamos
tempo de fato nos mesmos ambientes, sejam eles quais forem, mais estes serão parte imutável e
inviolável de nossa mente em quaisquer que sejam os termos. Um exemplo:
Imaginemos um indivíduo que durante toda a sua vida morou no mesmo bairro em determinada
cidade e nunca sequer saiu de sua cidade, nunca viajou nem mesmo para muito longe de seu
bairro. Imaginemos ainda que tal indivíduo não possua acesso à televisão, internet, celular,
livros, etc, em suma, nenhuma forma de se comunicar e visualizar o “mundo exterior” (tal,
acredite, é realidade de muitas comunidades isoladas ao redor do mundo). Certamente se
questionado o indivíduo só saberá falar sobre coisas, e imaginar coisas, que fazem parte de seu
universo empírico, de seu pequeno bairro, e certamente sequer será capaz de conseguir imaginar
ou de falar sobre quaisquer outros lugares do mundo que não o seu. Certamente não fará a
mínima ideia sobre o que seria a Torre Eiffel, as pirâmides do Egito, onde fica o Japão, etc,
certamente estranhará se fosse perguntado sobre o que pensa de tais lugares e arquiteturas. Seu
universo interno seria completamente condicionado à pequenez de seu lugar e seu conhecimento
bem como imaginação apenas repousaria sobre os domínios não muito extensos de seu pequeno
bairro, sendo a linha do horizonte que enxerga todos os dias, qualquer que seja e qualquer que
seja esta visão, o seu limite. Em tal situação, certamente saberá falar sobre macacos (se em sua
região existirem), sobre as árvores que estão na linha do horizonte, ali mesmo, desde que nasceu
e sobre a estatura e fisionomia dos habitantes de tal lugar, mas certamente será incapaz de
compreender e de imaginar de maneira exata, sem antes ter visto, o que seria um “homem
branco”, “amarelo”, “indígena”, etc (se tal não for a sua realidade). A força do hábito acaba por,
frequentemente quando não tomamos consciência de nossos atos, ditar os limites de nosso
mundo, mesmo para as atividades de caráter mais “intelectual” e baseamos nossas escolhas
naquilo que está “preso” em nosso universo. Isto explica porquê, por exemplo, se uma pessoa de
origem e vida no geral muito pobre ainda assim, em um restaurante luxuoso, provavelmente
ainda escolheria comer o “de sempre”, arroz, feijão e bife, mesmo que à ela fossem oferecidas
as mais diversas opções. No máximo variaria ligeiramente tal prato, adicionando algo à esta
fórmula, mas muito dificilmente fugiria completamente de tal estrutura, sendo o arroz e feijão,
para ela, obrigatórios independente de onde esteja. Assim, a força do hábito compõe não apenas
o seu limite interno, como também a sua inclinação natural, especialmente quando levada pelo
jugo do inconsciente. Os limites de seu mundo empírico constituem, também, os limites de seu
mundo inteiro.
Memória e Experiência
Continuando do ponto em que paramos no capítulo anterior, vale notar que a cognição também
está classicamente ligada à memória. O que quero dizer com isto? Basicamente, quando algo se
torna experiência em nossa subjetividade, com muita frequência este “algo” não somente se
torna uma memória posterior como também posteriormente vem acompanhado de uma
sensação, mesmo que esta seja inconsciente, vivenciada durante a experiência em si e que, como
dito, permanece mesmo após a ocorrência do ato. Um breve exemplo:
Suponhamos um indivíduo que, durante a infância (em geral, as experiências e suas sensações
relativas se fixam de maneira mais intensa quanto mais novos somos, visto que nosso “filtro” de
subjetividade ainda está se formando e ainda se firmando), é picado por uma aranha
medianamente nociva ao ser humano. Tal indivíduo, pelo tal caráter da aranha, provavelmente
sentirá dor ao levar a picada, terá de ser levado ao hospital e, quiçá, passar alguns dias internado
para tratamento. Para uma criança, obviamente, sofrer o “isolamento” além da dor física
causada já é, por si só, uma dor que talvez para ela seja a maior dor sofrida (e que consegue se
recordar em toda a sua vida). Com tão grande trauma sofrido, o que acontecerá ao indivíduo
após a picada? Certamente nunca mais conseguirá olhar e encarar aranhas da mesma forma, pois
um vínculo em sua mente e sistema de autodefesa foi formado: Aranhas são não apenas fonte
potencial de dor, mas também uma ameaça última à manutenção de sua própria vida. Estas
informações, quando processadas pelo indivíduo, acabam por se tornar uma máxima na mente
do sujeito mesmo de forma inconsciente: Toda e qualquer aranha se torna uma ameaça de
morte. Resultado de tal experiência é que, muito possivelmente, o indivíduo passará o resto da
vida traumatizado e nunca conseguirá “estar em paz” em um ambiente povoado por aranhas.
Claro que tal cenário não é regra absoluta, podem perfeitamente haver indivíduos que passem
por esta situação sem, contudo, passar a encarar aranhas como uma ameaça e fonte de medo
máximas, porém fato é que, após tal acontecimento, certamente o indivíduo, com maior
frequência, criará um laço subjetivo em sua mente que ligará aranhas com a sensação sentida
durante a picada que levou, ou seja, dor. Em última instância, a aranha significará dor para o
indivíduo e uma ameaça, mesmo que o indivíduo já esteja crescido e com algum porte de
consciência ao seu dispor.
Tudo aquilo que é não apenas percebido porém também acompanhado da experiência direta e de
alguma sensação subsequente é mais fortemente fixado em nossa mente. Posso dar inúmeros
exemplos para justificar esta máxima, dentre eles: A comparação e diferença existentes em
nossas mentes entre parceiros sexuais casuais e parceiros sexuais “sérios”, a sensação e
diferença existentes entre enxergar uma ex-companheira e enxergar uma mulher aleatória na
rua, a sensação e diferença existentes entre a personalidade de um indivíduo que “já viveu muita
a vida” e outro que não, etc. Os exemplos são inúmeros. Quanto mais intensos os sentimentos
que acompanham uma memória cognitiva, sejam eles quais forem, mais significados estes terão
para nós, consciente e/ou inconscientemente.
Por fim, vale frisar que, obviamente, a cognição em conjunto com suas limitações, experiência
vividas pelo indivíduo e sensações associadas são fonte de influência sobre nossas
personalidades, subjetividades e decisões. O que percebemos, o quanto percebemos e o que
sentimos ao perceber são fonte de influência para qualquer sujeito e compõem, certamente,
conjunto importante e justificador do solipsismo de qualquer indivíduo, pois, retomando:
O indivíduo possui instintos básicos, instintos estes que são anteriores ao indivíduo, imutáveis e
cujo principal destes é o princípio de autopreservação. O indivíduo, ao lidar com qualquer coisa
que potencializa o seu instinto básico ou o ameaça, guarda tal informação para o restante da sua
vida e, baseado em tal afirmação e tomando o seu instinto como máxima, age de maneira a
desejar ou evitar tal situação dependendo de qual estímulo e sensação foram produzidos durante
a experiência. Retomando o exemplo da aranha, pelo indivíduo ter percebido (às vezes, com
exagero, visto a pouca idade citada no exemplo) a picada de aranha como algo que não apenas
lhe provocou dor como também o fez ir para o hospital, tomar remédios, etc, ou seja, que o
imbuiu de um significado “negativo”, de ameaça à sua existência, tal indivíduo nunca mais
conseguirá perceber aranhas da mesma forma e, certamente, a maioria dos indivíduos que
sofrem tal experiência passarão o restante de suas vidas não sendo muito amigáveis à este ser
vivo. É claro que, como dito, a reação a qualquer estímulo especialmente à longo prazo é
mutável de indivíduo para indivíduo, porém a máxima imutável é a de que experiências nos
condicionam de uma forma ou de outra, muitas vezes de maneira irreversível. O instinto e o
inconsciente, assim, tendem a buscar aquilo que lhes supre e lhes causa (falando de maneira
simplificada) algum prazer e repelir aquilo que lhes causa dor e/ou lhes parece uma ameaça.
Todo e qualquer ser vivo, não apenas o ser humano na verdade, segue tal lógica.
Lógica e Individualidade
Somados, os elementos anteriores, interiores, exteriores e o aparato cognitivo formam grande
parte do que podemos chamar de “lógica individual”, ou seja, o conjunto de teoremas, regras,
experiências, etc, que, somadas, formam fator primordial para todas as nossas tomadas de
decisões presentes e futuras. Explicarei a seguir.
Um indivíduo, desde seu nascimento como já dito, carrega fatores, tendências e
“conhecimentos” inatos que com ele estarão até o término de sua vida provavelmente. Com o
passar do tempo e de seu desenvolvimento, entram outros fatores além destes em seu aparato
cognitivo e subjetivo, tais como experiências de vida, relacionamentos familiares, experiências
com seus círculos sociais, etc, todos os fatores já mencionados anteriormente. Quando somados,
todos estes fatores, por mais diferentes que possam ser e por mais conflitantes interesses que
possam gerar (e sobre isto poderia muito tratar, mas aqui não se trata do lugar correto), formam
a lógica individual, ou seja, o “guia” subjetivo sobre o qual o indivíduo amparará toda a sua
existência. Explicarei um pouco mais a seguir no exemplo.
Retomemos o caso do indivíduo que ainda na infância é picado por uma aranha e passa por
todas as complicações já ditas. Tal indivíduo, como relatado e como empiricamente
comprovável, passará o restante de sua vida não tendo um bom relacionamento com aracnídeos
em geral e, dependendo do sujeito, poderá até se tornar aracnofóbico. Pois bem, fará parte da
lógica deste indivíduo, da data do acontecimento até posteriormente, por vezes até sua morte, o
registro de que aranhas são um perigo potencial à sua existência, resultado disto será a sua
potencial fobia desenvolvida para com o inseto. Percebam que, por mais que os anos possam
passar e quiçá uma aranha nunca mais se aproximar tanto do indivíduo como naquela situação,
visto que esta não é a tendência de tal animal, o indivíduo certamente dificilmente mudará a
informação já registrada em seu “sistema” de que aranhas são ameaças, pelo simples fato de que
dificilmente viverá outra experiência intensa novamente com tal animal e de que dificilmente
terá de reverter tal espécie de “preconceito” para com ele. Explicarei ainda mais.
É de senso comum que aranhas, em algumas espécies, são seres moderadamente perigosos e
alheios aos seres humanos, sobre cuja presença todos nós precisamos tomar precauções. Não
apenas isto, mas se a geração de uma espécie de “retaliação” (vulgo medo) para com aranhas,
durante os anos seguintes, gerou a autoproteção desejada pelo indivíduo (seja à nível consciente
ou inconsciente), por que o indivíduo haveria de desejar reverter tal medo? Simplesmente, em
pouquíssimas situações seria exigido do indivíduo do exemplo que este se recomposse diante de
aranhas e reavaliasse seu comportamento, tão poucas situações que mais frequente o indivíduo
nunca passará por elas e com igual frequência ele sequer se questionará sobre pelo simples fato
de que o “trauma” gerado pela experiência também gerou, com o passar do tempo, a sua
proteção e existência garantida, sendo sua revisão e quiçá remoção não um passo adiante a favor
do instinto mais básico, o de auto proteção, mas sim poderia ser encarada como um passo atrás,
um revés à autoproteção.
Assim sendo, o indivíduo, tanto pela via do social quanto pela via do inconsciente ou mesmo do
consciente, dificilmente encontraria motivos suficientes para remover sua fobia de aracnídeos,
mesmo após anos passados. Tal lógica, infelizmente ou não, pode ser estendida até mesmo nas
relações humanas, com humanos evitando outros humanos a todos os custos possíveis, mas este
é assunto que tratarei mais para frente.
Fato é que, basicamente, nossas experiências cognitivas, ensinamentos absorvidos, histórico
familiar, conhecimentos obtidos, etc, formam uma rede de informações em nosso cérebro que
compõem parte vital da nossa subjetividade e garantem a nossa sobrevivência. É por sabermos
naturalmente que grandes alturas são “ameaças” à nossa sobrevivência e ameaça de quebra do
instinto mais básico que, neste exemplo, evitamos estar expostos à grandes alturas e dificilmente
nos questionaremos sobre, visto que pura e simplesmente não há necessidades suficientes para
nos questionarmos (exceto para aqueles que, em situações atípicas, venham a trabalhar por
exemplo lidando com grandes alturas) e questionar poderia significar romper, pouco a pouco,
com nossa garantia de sobrevivência. Nosso solipsismo, amparado pelo nosso instinto mais
básico em suma, dificilmente nos deixa sair da nossa lógica individual que, até dado momento,
garantiu nossa sobrevivência. Se x comportamento me permitiu continuar vivo por y anos, por
que eu deveria mudar este x comportamento? Esta é uma das premissas mais básicas do
solipsismo.
Aqui, fica claro que, por mais que isto se dê pela via do inconsciente para muitos indivíduos
(muito mais do que o desejado), tudo o que somos, passamos, aprendemos, vivemos, etc,
constroem, com o passar do tempo, uma lógica que está presente em todas as nossas atividades,
desejos, inclinações, etc, lógica esta que dificilmente é questionada e mais dificilmente ainda
modificada com o passar do tempo. O ser humano, assim, acumula informação e, quanto mais
tal informação se prova correta ou incorreta, mais passa a adotar x informação correta e evitar y
informação incorreta, o que constrói não apenas uma rede de tendências individuais que
dificilmente muda, como também outra tendência humana: A tendência a achar-se sempre
correto.
Visto que construímos uma rede lógica, seja pelo consciente ou não, e por esta rede lógica
passamos a visualizar o mundo e o julgarmos, dificilmente qualquer pessoa, pelo simples fato
de tal pessoa ter passado por muitas experiências, valores, círculos sociais, etc, diferentes, terá a
mesma lógica interna que a nossa. Resultado disto é que sua vida será regida e tomada por
princípios e valores completamente diferentes e alheios ao nosso, e por “sabermos” (a maioria
de nós, infelizmente, não o sabem de fato, mas apenas pela via do inconsciente) quais são os
nossos valores e dificilmente nos questionarmos a respeito, qualquer pessoa que se apresenta a
nós passa a parecer, no mínimo, estúpida, visto que seus padrões, comportamentos, prioridades,
etc, seguem uma lógica completamente diferente da nossa. É como se, em suma, falássemos e
entendêssemos o mundo pela língua inglesa por exemplo, enquanto outra pessoa fala e entende
pela língua espanhola, outra pelo latim, outra pelo chinês e assim por diante. Resultado disto é
que não apenas não entendemos o que os outros querem dizer (obviamente) como estamos
fadados à, se colocarmos nossa “linguagem própria” (não estou falando apenas de linguagens,
mas sim do “todo” subjetivo) como pedra de toque de toda e qualquer tentativa de comunicação,
nunca chegarmos à um acerto, um domínio em comum, visto que x indivíduo se possui e se trata
por x variáveis, y indivíduo por y, 784 indivíduo por 784 variáveis, etc. Basicamente e
resumidamente, ninguém passa a entender ninguém pois ninguém fala uma linguagem em
comum, e é pela falta de uma língua em comum (corretamente pontuada pela Bíblia no caso da
Torre de Babel, por exemplo), e aqui, repetindo, não estou apenas falando da linguagem, mas
sim de todo o aparato subjetivo, que inclui cognição, valores socialmente e familiarmente
aprendidos, experiências passadas, etc, que toda sorte de desentendimento e desgraças na esfera
das relações humanas acontecem. Desentendimentos e desgraças estas que são, neste contexto,
mais do que naturais e simplesmente impossíveis de serem evitados e/ou não existirem, mas que
simplesmente persistem sem sequer serem questionados e sob o falso tratamento do tempo e do
“progresso” (crítica aqui que não tratarei a respeito), sendo impulsionados naturalmente pelo
nascimento e crescimento de novos indivíduos, expansão de seus solipsismos, expansão dos
“novos valores” da modernidade, etc. Em suma, a comunicação e o entendimento mútuo
humano neste contexto (em nossa realidade até mesmo objetiva) se tornam, simplesmente,
impossíveis.
Vale, aqui, fazermos uma pausa e tratarmos, nem que seja por brevemente, sobre o inconsciente
e sobre como este nos afeta em nossa lógica individual.
Por “inconsciente” me refiro não apenas ao conceito de inconsciente clássico, ou seja, de
elementos presentes em nossa psicologia individual que não são normalmente
pensados/constantemente presentes em nossa psiquê individual e mesmo assim nos afetam, mas
também ao desconhecimento de nós mesmos (por parte do indivíduo para consigo mesmo).
Explicarei a seguir.
Não apenas o indivíduo é influenciado pelo “inconsciente”, como também podemos dizer que
há uma relação direta entre autoconhecimento e consciente. De que modo tal relação direta se
dá? Quanto mais o consciente se dá, menos o inconsciente se dá e o afeta (o que é até lógico de
se dizer). Falando em termos mais claros, quanto mais o indivíduo se conhece, menos os fatores
inconscientes estarão presentes. Explicarei mais à fundo.
Creio que, por demais que sejam os elementos que podem nos influenciar nas mais diversas
esferas possíveis, com a busca pelo autoconhecimento tais elementos podem não exatamente ser
de todo conhecidos (pois, de fato, são muitos os elementos e influentes que constituem o
indivíduo em sua interioridade), mas ao menos as causas e as máximas podem ser alvejadas e
conhecidas. Com isto quero dizer que por mais que seja impossível o autoconhecimento
completo, ou seja, conhecer-se 100% a si mesmo, ainda é possível que uma boa porcentagem de
autoconhecimento seja possível, e tal é realidade quando se conhece principalmente quais são as
causas dos nossos pensamentos/comportamentos/prioridades. Darei um exemplo.
À um indivíduo de caráter prioritariamente conservador, por exemplo, o conhecimento de tal
caráter por extensão lhe propiciará as respostas para muitas perguntas posteriores que lhes
possam surgir. Por exemplo, só de conhecer que se é conservador já se pode automaticamente,
com muita probabilidade de chance, aferir que não se gostará do consumo de substâncias
ilícitas, logo, poderá não cair em tentações do tipo, assim como também pode-se evitar muitos
lugares, situações, tipos de personalidades, etc, só de se saber que se possui tal caráter e
tendência. Em suma, em uma pessoa que conhece a causa dos próprios pensamentos e ações,
estes se tornam não mais um enigma à si mesmo mas aliados, indicadores que podem ajudar a
consciência a determinar aquilo que está antes de si (no ego, principalmente).
O indivíduo nunca pode escapar de si mesmo. Há um “eu” interior que, por mais que se busque
tentar mudar, pouco pode-se mudar exceto em situações atípicas, como na ocorrência de
grandes traumas e experiências de vida significativas. Em uma parte significativa de tais
experiências, o caráter negativo desta é predominante, o que equivale a dizer que, em geral, o
indivíduo em seu interior, no mais íntimo, só muda ao passar por traumas e tristezas de grandes
proporções, o que pode ao mesmo tempo tanto mudar o indivíduo inato quanto também lhe ser
causa de imensa dor. Ou seja, o indivíduo muda perante o grande negativo, o que não constitui
algo exatamente “bom” e desejável de nossa parte, pelo menos não desejável que ocorra com
muita frequência. Assim, mais vale ao indivíduo conhecer-se e seguir o seu “eu” íntimo do que
combatê-lo, sendo tal combate frequentemente improdutivo e/ou causa de muita dor psíquica.
Peguemos o exemplo acima, do indivíduo de caráter conservador, e transformemos-no em um
caso em que o indivíduo ainda tem o mesmo caráter, porém está inconsciente deste. Em tal
situação, o indivíduo pode não apenas vir a conhecer e consumir substâncias ilícitas por
exemplo, pelo desconhecimento de que tais não são de seu caráter, como também vir a
frequentar e participar de muitas rodas e “círculos” que não são seus lugares desejados no mais
íntimo. Tais fatos e participações podem ocorrer ao indivíduo por pressões sociais, pressões de
amigos, pressões do ambiente, etc, e, ao indivíduo que pouco se conhece, dificilmente surgem
argumentos suficientes para não realizar aquilo que lhe é pressionado, mesmo que porventura
saiba que após o ato não se sentirá bem (ainda que não saiba as causas disso e, por vezes, nem
mesmo entenda ao certo porque está agindo de tal forma). Para o mesmo indivíduo, o
autoconhecimento serve tanto para evitar situações e se afirmar como também a sua falta serve
para se perder e deixar-se ser moldado pelo meio/ambiente, mesmo que ainda assim em sua
interioridade não se sinta plenamente feliz.
Quanto mais o indivíduo se conhece, em suma, por menos deixa-se ser moldado pelo ambiente e
por elementos principalmente externos a ele, sendo um indivíduo conservador por exemplo
especialmente moldado pelos elementos anteriores, mas dificilmente influenciado por elementos
exteriores, enquanto o contrário, um sujeito de caráter mais liberal tenderá a desprezar a
influência de elementos anteriores e buscar “aceitação” nos elementos exteriores. O indivíduo
que se conhece, por mais que não possa conhecer a si mesmo completamente pelo simples fato
de que muitas noções sobre si mesmo requerem experiências, e nem sempre estas ocorrem, é,
assim, em geral mais consciente sobre suas decisões e prioridades do que um indivíduo que não
se conhece, e este, por vezes, deixa-se levar não apenas pelo que não é pensado, pelo
inconsciente, como também pelo meio. O inconsciente participa na tomada de decisões tanto
quando é o exterior que gera decisão no indivíduo (porém, neste caso nem sempre o exterior é a
causa sozinha) como também quando simplesmente não se pensa sobre o que fazer em
determinadas situações.
Para finalizar este assunto, também pode ser citado, como fator de “contribuição” ao
estabelecimento do inconsciente e de sua existência, o fato de que muito custa ao nosso cérebro,
à nossa “energia mental”, estarmos presentes e pensantes a todo momento. Nosso cérebro possui
tendência natural, tanto para poupar energia quanto para privar-nos da autocrítica, de tomar
decisões inconscientemente, no “automático”, e isto por si só também acaba contribuindo para a
tomada de decisão inconsciente e para o desconhecimento de si mesmo. Aqui, vale pontuar que
o indivíduo, para tomar decisões que estejam mais conforme si mesmo, a quem se é, deve não
apenas se conhecer, mas também pensar, estar presente ao tomar qualquer decisão. Por mais
simples que isto possa parecer, tal não é realidade quando levado para a rotina, para o dia a dia,
e certamente todos ou quase todos que tentarem a prova empírica atestarão tal fato. O indivíduo,
assim, ao não tomar decisões conscientes e “rememorar” aquilo que é em si mesmo e suas
prioridades e valores, acaba por contribuir para com o inconsciente, visto que sua tomada de
decisões se dá de maneira automática e “preguiçosa”, com o cérebro, o ego, agindo e decidindo
ao invés de nossa consciência (tal diferenciação entre ego e consciência necessita ser feita nestes
termos, e sobre esta tratarei mais à frente).
Somado tudo isto, construímos uma lógica individual aparada em toda a nossa subjetividade,
tanto consciente quanto inconsciente, vivemos por tal lógica que garante nossa sobrevivência
por algum tempo e com muita frequência julgamos o mundo ao nosso redor por esta lógica
individual que diz respeito a nós e somente nós (ao “eu”, indivíduo, e somente ao eu,
indivíduo), sendo tal lógica pedra de toque universal plenamente compatível apenas consigo
mesma, e não compatível para quase todo o restante do mundo, da “exterioridade”. Disto resulta
não apenas nossa proteção enquanto nesta existência, como também toda a sorte de
desentendimentos na esfera das relações humanas, desentendimentos estes que serão
exponencializados (bem como o solipsismo também o é) por fatores que tratarei a seguir.
Das Limitações
O solipsismo é limitado pois nossas capacidades empíricas, cognitivas e racionais também o
são. Sobre isto, podemos fazer a divisão sobre nossas limitações solipsistas baseado em nossas
duas principais fontes de conhecimento e apreensão: O empírico e o racional.
Sobre as limitações empíricas, retomarei o que foi dito no capítulo Cognição e Individualidade:
Uma limitação em nosso sistema cognitivo, seja ela qual for, limita toda a nossa capacidade não
somente empírica por si só, como também de racionalização e até mesmo de imaginação.
Explicarei de forma simples a seguir.
Um indivíduo cego, por exemplo, por mais que possa ter outros sentidos mais aguçados para
“substituir” a falta da visão não será capaz de imaginar, pelo menos não e com certeza com a
mesma riqueza e intensidade de detalhes, a aparência estética de qualquer objeto. Para um
indivíduo comum, para imaginar um copo por exemplo basta que este relembre em sua cabeça
como é a aparência do copo, e o indivíduo que possui visão certamente fará isto com facilidade,
e mesmo que não saiba o que é um copo, podemos facilmente lhe entregar um e pedir para que
ele memorize como é a sua aparência, assim posteriormente a “imagem” do copo ficaria
gravada na mente e aparato cognitivo e imaginativo de tal indivíduo. Porém, a um indivíduo
cego de nascença, mesmo que entreguemos o copo, peçamos para que o apalpe e tente descrever
como é este copo, o indivíduo no máximo conseguiria descrever a “textura” do copo e se este é
duro, mole, macio, etc, mas nunca seria capaz de detalhadamente descrever a sua aparência e
provavelmente sequer poderia apreender e representar em sua cabeça o que seria exatamente a
cor “branca”, por exemplo. Assim, pela limitação em seu aparato cognitivo, o indivíduo cego
porventura seria capaz de dar até mais detalhes sobre o tato que um copo providencia ao tato
humano, mas nunca seria capaz de descrever exatamente qual a aparência, cor, se brilha, etc, de
tal objeto.
Não apenas os indivíduos com algum “defeito” em seu aparato cognitivo/empírico são
limitados, como também todos nós. Para isto, basta retomarmos o exemplo da comunicação
entre morcegos, que “existe” de fato, o sabemos porém que mesmo assim não conseguimos
apreender, não importa o que tentemos (exceto se recorrermos a aparatos tecnológicos). O
mesmo vale para uma infinidade de outras coisas existentes, que existem de fato porém a nós
parece que não existem de forma imediata, como a comunicação entre baleias, as cores que não
conseguimos enxergar devido à nossa limitação na capacidade de apreensão das cores, o que
está além da linha do horizonte, etc. Outros animais nos provam que não apenas estes são
limitados (como já muito se pensou) como nós também. Um gavião por exemplo consegue
muito mais longe enxergar, em média, e muito mais “visão acima” possuir do que todo e
qualquer ser humano, por mais alto que este possa ser.
Até mesmo limitações “simples”, como nossa altura, influenciam na maneira como enxergamos
o mundo e o caracterizamos, assim compondo nosso solipsismo. Darei um exemplo simples:
É certo que a maioria de nós têm alturas semelhantes, uns mais altos, outros mais baixos, porém
com não tão grandes variações e é certo também que, quanto mais alto o indivíduo, por mais
longe e ampla é o seu campo de visão. Aos indivíduos com dois metros de altura ou mais, é
certo que o maior alcance de suas visões deve surtir efeito sobre suas personalidades e
ambições, visto que qualquer mudança no aparato cognitivo influencia profundamente o
solipsismo do indivíduo. Diria que quanto mais “alta” e “ampla” é a visão do indivíduo, assim
também tenderão a ser seus sonhos, ambições, objetivos e tudo relacionado a isto. Visões mais
“limitadas”, geralmente, ocasionam planos de vida mais limitados (porém, obviamente, isto e o
dito acima não são regras absolutas por si só) e, como já dito, quanto mais o indivíduo está
habituado à uma visão e meio, tanto mais será moldado por estes, pouco havendo espaço até
mesmo em seu imaginário para qualquer coisa que fuja desta realidade.
Há, além de tais limitações empíricas que todos possuímos, mesmo aqueles com saúdes
“perfeitas”, as limitações e degeneração referentes à passagem do tempo. É certo que, quanto
mais envelhecemos, mais nosso aparato cognitivo vai se empobrecendo. Nossa visão já não é
mais tão boa, nosso olfato já não consegue tão bem diferenciar, nosso tato já está acostumado e
“viciado” à certas sensações, nossos ouvidos já não conseguem discernir mais tantos sons e
nosso paladar perde muito de sua capacidade de perceber sabores e “graça” por assim dizer. Tal
é um fenômeno universal, vivenciado não apenas por humanos quanto por animais em geral
também: Quanto mais velho se fica, mais o aparato cognitivo vai se desgastando e não mais
funcionando de maneira perfeita, consistindo assim em uma limitação natural do corpo de
qualquer indivíduo.
Além de tal limitação em si só, quanto mais ficamos velhos mais tendemos à repetição e à
pouca inovação, sendo a justificativa disto o fato, como já dito, de que um “sistema que está
ganhando”, ou que garantiu a sobrevivência do indivíduo até aquele momento, tende a se
instalar e consolidar e quanto mais tempo passar, mais difícil será de mudar tal sistema. Chega à
tal ponto que se torna inimaginável, para a maioria de nós quando idosos, mudar qualquer
variável, qualquer mínimo aspecto do dia a dia de tão “viciados” e confortáveis que estamos
com nossa realidade, já provada e afirmada há cinquenta, sessenta, oitenta anos, seja lá quanto
tempo for. Portanto, além de não mais sentirmos os sabores como antes sentíamos, ainda por
cima quando velhos pouco tendentes nos sentiremos a experimentar qualquer coisa de nova ao
nosso paladar, e isto valendo para tudo o mais também.
Além destas, existem também as limitações de caráter racional sobre as quais tratarei agora.
Em consequência, anterior e durante as limitações empíricas impostas pela velhice e pelo
decaimento do aparelho cognitivo, também ocorre o lógico decaimento do aparelho racional.
Tal degeneração ocorre por muitos fatores, dentre os quais podemos citar: Degradação da
memória (relativa em cada indivíduo, porém onipresente em avançadas idades), hábito e
dificuldade de sair do “pensamento padrão” (por fatos já mencionados, quanto mais o indivíduo
se habitua e o tempo passa, mais se torna difícil a ele qualquer efetivação de mudança), a
degradação do aparelho empírico que por consequência limita ainda mais o aparelho racional (já
limitado), degradação da capacidade de racionalização e pensamento por si só, bem como
pensamento “viciado”, etc. Quanto mais o indivíduo envelhece, mais seus “vícios de
pensamento”, assim como todos os demais vícios, tendem a se consolidar, assim dificultando
ainda mais o pensamento livre.
Além destas limitações impostas pela idade e já tratadas tanto no âmbito cognitivo quanto
racional, há muitas outras cujas quais podemos citar:
Limitações do cérebro humano em si: Sobre estas, basta afirmarmos e estarmos cientes de que,
obviamente, como seres limitados nosso cérebro também o é. Há uma relação proporcional
entre o aumento da chamada “inteligência” e o tamanho cerebral, logo, quanto maior o cérebro,
mais tendente à inteligência (tal como a conhecemos) o indivíduo será. Disto se conclui que, por
mais que provavelmente sejamos os seres mais inteligentes habitando este planeta Terra, não
temos o maior nível de inteligência possível, visto que poderiam existir seres com cérebros
maiores (seja em nosso planeta ou não) que por consequência provavelmente seriam mais
inteligentes do que nós. Mesmo que estes não existam em lugar algum, é facilmente
compreensível que nosso cérebro, pelo tamanho limitado, possui também uma inteligência
limitada, logo não somos capazes de compreender muitas das coisas que estão ao nosso redor
(seja à nível racional ou até mesmo empírico, nem mesmo a ciência e seu conjunto de
informações propiciados pela internet ainda não conseguirem desvendar tudo aquilo que nos
cerca, nem mesmo nos limitando à Terra).
Limitações sobre a capacidade de apreensão e explicação: Sobre estas, intimamente ligadas com
as limitações do cérebro humano e também com as limitações de ordem empírica, é lógico e
resumido dizer que, por sermos seres limitados empiricamente falando, também o somos
racionalmente falando. Como dito, é o mundo exterior que propicia as ferramentas do
“pensamento” ao indivíduo, e se nossa capacidade de apreensão sobre o mundo exterior é
limitada, logo, nossas capacidades de racionalizá-lo também o serão.
Limitações impostas pelo ego: De natureza mais “pessoal” do que as anteriores, tais limitações
dizem mais respeito ao indivíduo que, tomado por seu solipsismo, deixa de investigar os fatos
empíricos, racionais, a priori, etc, e passa a se ater somente àquilo que bem lhe convém seja por
qualquer que seja o motivo, desprezando todas as outras evidências que não o servem e que
poderiam levá-lo à outras conclusões lógicas. Neste caso, o indivíduo segue uma linha bem
embasada e que chega até as “últimas consequências” do final que é de seu uso, porém ignora
todas as outras linhas e até mesmo outros meios que poderiam chegar ao mesmo fim e ignora
mesmo as possíveis contradições em seu sistema. Prioriza o fim sobre os meios e só aceita o que
chega naquele fim que lhe é adequado. Aqui, a limitação é mais de caráter individual do que da
razão em si, porém por se embasar no indivíduo e em suas razões, que se encontram no plano
racional de pensamento, aqui estou listando.
Limitações impostas sobre e pela linguagem: Sobre esta limitação, sobre a qual muito
poderíamos nos estender neste assunto, porém que não é de minha intenção, basta-nos dizer que,
fazendo uma analogia, a linguagem é o “sistema operacional” do nosso cérebro, que seria o
nosso computador. Imagine que seu cérebro é um computador, o computador físico, e a
linguagem é o sistema operacional deste, ou seja, a linguagem é o “programa” que traduz todas
as atividades cerebrais em informações para nós e propicia o desenvolvimento lógico e
potencial da chamada “consciência”. Agora, basta-nos dizer que quanto mais expandido e
desenvolvido é um sistema operacional, mais nosso cérebro também potencialmente o será, e o
contrário também é verdadeiro (basta retomar, como dito, o caso Amala e Kamala mais uma vez
como prova de exemplo disto) *. Imagine-se sem o domínio e uso da linguagem, como o seu
“computador”, vulgo cérebro, funcionaria e seria apresentável à ti (consciência) sem a presença
de um sistema operacional (linguagem)? Aqui, fica evidente a dificuldade, se não
impossibilidade, de qualquer forma de expressão e até mesmo de desenvolvimento lógico sem o
artífice da linguagem, que tanto é o que nos propicia o pensamento lógico e indutivo como
também é o que limita o nosso pensamento e capacidade de articulação como um todo. Como
belamente expresso por Wittgenstein, “Os limites da minha linguagem são os limites do meu
mundo”, para resumir.
Limitações de ordem familiar: Ainda que o QI e a consciência, por exemplo, não sejam apenas
delimitados por fatores familiares, hereditários, etc, creio que o tratamento familiar e os
primeiros anos de vida de um indivíduo muito influem sobre como este utilizará ou não o seu
potencial intelectual. Para atestar tal fato, basta citarmos o fato de que, por exemplo, filhos de
famílias pobres dificilmente chegam a se destacar em áreas de talento e aptidão de ordem mais
“racional”, visto que desde cedo têm de trabalhar, seguir uma vida “adulta”, se preocupar com
questões mais de ordem prática do que teórica, etc, o que por si só acaba por limitar a
capacidade racional da prole, ou ao menos não fazê-la exercer tal capacidade plenamente. Não
quero aqui entrar em uma discussão sobre a clássica disputa esforço x talento, porém me parece
minimamente razoável afirmar que o incentivo familiar à intelectualidade desde cedo, seja ela
em qual campo for, acaba por potencialmente influenciar a capacidade intelectual do indivíduo
em seu futuro, sendo as limitações impostas pelos familiares, neste aspecto, também fortes
limitantes ao potencial intelectual e racional do indivíduo.
Limitações impostas pelo solipsismo: Aqui, basta citar que, em ligação com o ego, quanto mais
tendente a seguir uma linha de raciocínio clara em sua interioridade (e aqui não querendo julgar
o valor desta, mas apenas afirmando o que é evidente em si), mais tendente a aceitar somente tal
linha o indivíduo será, visto que, sobre linhas seguidas por outros indivíduos, tanto a “pedra de
toque” universal do indivíduo não será capaz de apreciá-las e sequer entende-las muitas vezes,
quanto também pelo fato de possuir uma resposta própria ao que quer que seja, o indivíduo
tenderá a não buscar “respostas” e pontos de vista de outrem sobre qualquer questão. Aqui, a
capacidade racional fica limitada e delimitada pelo próprio indivíduo em si e sua capacidade
racional e de inteligência, sendo que sua visão sobre seu sistema pode ser x e resolver todos os x
problemas propostos e antevistos pelo indivíduo, porém outra pessoa com um entendimento y
poderia levantar outras y questões não previstas pelo indivíduo e que, de fato, poderiam ser um
problema ao sistema x elaborado pelo indivíduo.
Regras impostas pela lógica: Sobre estas, vale citar dois aspectos: O campo da lógica por si só
(que possui regras e métodos consideravelmente estáticos, logo, que pouco podem compreender
ou mesmo “aceitar” aquilo que não contempla tais regras e métodos, assim se limitando em si
mesmo) e o campo da realidade em si, do mundo empírico (visto que este segue um conjunto de
“regras” imutáveis, por exemplo, que a gravidade exista e que esta sempre atraia corpos para o
seu centro. Fugir de tais regras imutáveis se torna quase impossível, se não ilógico, para nossos
cérebros e raciocínios “viciados” e acostumados a tais lógicas). Por necessitarmos de seguirmos
uma lógica e modelos que contemplem e expliquem toda a realidade, sem se valer de
contradições, “buracos” na teoria, especulação, etc, somos incapazes de imaginarmos e
seguirmos qualquer teorema ou sistema que fuja de tais regras lógicas (o que, no meu ponto de
vista, não necessita exatamente ser “problematizado” e tampouco é grave problema). Por
consequência, só aceitamos como ponto de vista válido aquilo que segue as regras de nossa
lógica, que são delimitadas por um cérebro lógico, limitado e que determina como “pedra de
toque” universal aquilo que funciona ao seu nível limitado, porém que pode não estar em
consonância com a realidade mais “universal” de fato, assim impondo uma limitação que se
calca na vista e fixação do micro em contraste com a vista do macro, maior e de mais
abrangente contemplação (ainda que o micro possa se “espelhar” e conter aspectos, mesmo que
menores ou espelho, do macro, porém tal é outro assunto).
Incapacidade de compreensão ontológica: Ainda hoje não é unânime qual seria a resposta sobre
o que é o “ser”, sobre o que seria a alma e sobre o que somos de fato, bem como o que é o
mundo que nos cerca, assim encontramos sérias dificuldades em responder perguntas muito
simples sobre até mesmo o que é “ser” humano e sobre o que são as coisas que nos rodeiam, se
são meros objetos, se possuem “almas”, se somente algumas destas coisas possuem almas e
outras não, sobre como atestar qualquer forma de metafísica e sobre até mesmo se esta “existe”
de fato, etc. Possuímos uma séria dificuldade de respondermos o que “é” a coisa em si, e isto
por si só já delimita nosso pensamento (exceto nos poucos casos de indivíduos que, através de
sistemas próprios, conseguiram explicar à sua maneira o que eram eles mesmos e as realidades
que os cercavam, dando respostas à tais questões e sobre os quais podemos citar Kant, Hegel,
Espinosa, Descartes, etc).
Enfim, fica assim evidente que tanto nossa capacidade intelectual como um todo quanto também
nosso solipsismo (por consequência e por não consequência) são limitados tanto em si mesmos
quanto também por fora de si, sendo assim infinitamente limitados porém pouco esclarecidos e
rememorados sobre tais limitações na maior parte do tempo devido à “riqueza” lógica e
argumentativa que, ainda assim, conseguimos conferir aos nossos raciocínios, mesmo quando
estes são mais de ordem inconsciente do que consciente e mais do jugo do ego do que da
consciência em si (todos nós, mesmo os mais tolos, precisamos de respostas que atendam aos
nossos anseios, podendo estas serem respostas fabricadas ou não pelos nossos solipsismos para
atender às nossas necessidades, assim podendo submeter a causa em si a princípios utilitários, o
que já nos é uma limitação por si só). Acabamos por, em termos simples, demasiadamente
“enfeitar” a realidade objetiva e acabar por confundir tais enfeites com a realidade nela mesma,
o que é por si só erro com raiz em nosso solipsismo.
Elementos Exponecializadores
Aqui, não é de meu intento (ainda) fazer uma crítica geral à modernidade, porém não há muito
como se desviar disto, mesmo que em um grau menor (aqui será feita uma resumida, visto que
somente em um capítulo posterior tratarei sobre a modernidade de forma mais específica): Boa
parte do que chamo de “elementos exponencializadores”, aquilo que, direta ou indiretamente,
aumenta o potencial solipsista do indivíduo e o encarcera em si mesmo (cuja epitome na
filosofia é o existencialismo), provém da modernidade e de seus aparatos que a caracterizam
como “modernidade” e propiciam o seu funcionamento. Detalharei a seguir.
Podemos citar os mais diversos fatores possíveis que exponencializam a ação do nosso ego em
nós mesmos e nos “cegam” do outro, nos fazem esquecer da existência de semelhantes e não
nos propiciam a visão justamente de que nossa visão é a nossa visão, e não a visão do todo: O
capitalismo, a tecnologia, o “movimento” filosófico no qual estamos inseridos, o funcionamento
da sociedade atual, etc. Percebam que, como dito, boa parte destes elementos são características
típicas da modernidade, ou da idade contemporânea, e somente nela podem ser observadas, o
que torna a crítica à modernidade em vias de regras gerais quase impossível de não ser feita.
Sobre estes quatros primeiros elementos (os elementos-mores provavelmente da questão, eu
diria) tratarei a seguir.
Primeiramente, sobre o capitalismo, é preciso dizer que aqui me refiro também às fases pré-
capitalistas das sociedades anteriores (principalmente daquelas anteriores à revolução
industrial), em que o capitalismo ainda não se encontrava na forma como hoje se dá, porém que
ao mencionar “capitalismo” aqui me refiro mais especifica e intensamente ao modelo do capital
atual (o qual ainda muito funcionará e mesmo no futuro muitas de suas características ainda se
manterão).
Vivemos, na maior parte do mundo, em uma espécie de “capitalismo liberal”. O que isto
significa? Significa, em suma, que no plano econômico, de maneira resumida, vivemos em um
mundo de caráter e modelo capitalista, em que o modelo padrão da teoria do capitalismo se faz
presente e aplicado, com algumas modificações aqui e acolá, porém no plano moral e ético se
fazem presentes elementos de cunho liberal e que não necessariamente tem semelhanças com o
modelo ideal de capitalismo clássico (alguns deles implicam em, mas não são necessariamente
“características base” do capitalismo). Novamente, o que isto significa?
Significa que, basicamente, nosso valor enquanto indivíduos para com a sociedade e o estado se
apresenta no que podemos propiciar a estes, sendo que para o justo funcionamento da sociedade
um estado de “liberalismo geral” deve ser implantado nos indivíduos e no sistema em geral,
para que estes não apenas funcionem “à la capital” como também justo integrem-se com a
“comunidade global” que vem se formando nas últimas décadas (e sobre esta, tratarei no
aspecto da tecnologia) e se estabelecendo via aumento populacional.
O capitalismo afirma que, se você tem capital, você pode e mais ainda você é, e então você
compra e se afirma tanto para si mesmo quanto para os outros (via redes sociais principalmente,
nos últimos tempos). Não apenas isto, como também tudo é permitido com consentimento, visto
que vivemos em uma sociedade de cunho e valores liberais em que “o que acontece entre quatro
paredes é problema único e somente do indivíduo”. Não apenas isto novamente, mas a
“democracia” em quase todos os seus valores foi incorporada completamente não somente à
modernidade, mas também à sociedade capitalista, o que contribui ainda mais com a visão
predominante de que “tudo e todos devem ser respeitados”. Resultado colateral disso é que, em
última instância, o que quer que o indivíduo pense ou seja, este tem valor em si mesmo
assegurado não apenas pelo capitalismo, que afirma que “você pode”, como também pela
sociedade e estado como um todo com o seu ideal generalizado de tolerância e valor equitativo
de todos os indivíduos para com todos os indivíduos. Resultado disso é, resumidamente, que
não importa o que o indivíduo faça, seja, pense ou acredite, se este é parte de alguma
engrenagem qualquer do sistema, este possui valor em si mesmo, bem como o seu pensamento,
ação, existência, etc, também possuem valores em si mesmos. E se isto é ruim ou não? Bem.
Vivemos uma epidemia, quase ditatorial, de “aceitação”. Todos têm que aceitar todos e uns
oprimem os outros, é o que dizem quase todas as correntes contemporâneas. A atribuição de
“valor” social foi distribuída igualitariamente entre os indivíduos, e mesmo que você esteja, em
tese, excluído da sociedade, sendo uma pessoa em situação de rua por exemplo, certamente uma
causa identitária ocasionalmente será oferecida a você para você provar o seu valor e provar, por
vezes, que foi injustiçado porque alguma faceta do sistema localizou, observou e te oprimiu e
diminuiu de alguma forma tal que você esteja na situação em que está. Se se pode desviar a
culpa para o “social”, e isto certamente quase sempre pode ser feito, então isto deve ser feito e
assim o indivíduo passa a fazer parte de uma bolha identitária supostamente “perseguida” e
“oprimida” que, pelo próprio sistema e valores liberais o dizerem, possuem valor em si mesmos
e que representam problemas que precisam ser urgentemente corrigidos, visto que as causas
individuais (identitárias com muita frequência) são as “causas maiores” (aparentes) deste
sistema. Assim, se faz um círculo, em que:
O indivíduo trabalha para a sociedade > sociedade, que obviamente não é perfeita e nem nunca
o será > bolhas identitárias dizem e apontam sobre quem é culpado e sobre quem é herói dos
problemas da sociedade, bem como no “valor” em si do indivíduo > indivíduo passa a acreditar
em tais > indivíduo passa a consumir novos e identitários (muitas vezes) tipos de produtos >
indivíduo se afirma no discurso de cunho social e muitas vezes identitário, assim legitimando-se
tanto no capital quanto também (supostamente) em si mesmo > indivíduo passa a ser não si
mesmo, mas o “todo” ao qual pertence (ou se identifica)
E pronto: Formou-se o esquema perfeito para que o indivíduo, em última instância, seja
condicionado não apenas pelo social, quanto também por si mesmo ao acreditar que este esteja
sendo “oprimido” e sofrendo de alguma forma por alguma entidade externa e “invisível” que
está profundamente enraizada na sociedade (o que, por vezes, não está errado, porém que é
completamente ministrado e “ensinado” de maneira questionável). Assim, o capital se mantém
enquanto sistema e roda girando ao mesmo tempo em que mantém o indivíduo preso numa
bolha tanto de cunho solipsista quanto de cunho pseudo-revolucionário, onde aqueles
“culpados” apontados pelo indivíduo são, quase sempre, nada mais nada menos do que
fantoches criados para nos manter ocupados lutando por algo que, em suma, não é nem o
problema em si. Assim, fazemos as perguntas erradas, obtemos respostas certas para as
perguntas erradas e então, por esta relação de pergunta e resposta parecer “correta” em nossas
mentes, visto que ela serve aos nossos ideais solipsistas, de ego e muitas vezes de aceitação
social também, prosseguimos na luta contra os “agentes do mal” que são apontados nada mais
nada menos por quem, adivinhem? Pelo próprio sistema. Lutamos, em suma, uns contra os
outros enquanto o real sistema permanece intacto. E o nosso solipsismo, obviamente, se perde
(em excesso de informações que instantaneamente nos são oferecidas) e vangloria nessa briga
tola, com as clássicas lutas entre direita e esquerda, cristãos e ateus, liberais e conservadores,
etc.
O capitalismo, para manter-se e manter-nos em funcionamento e não-revolta necessita,
basicamente, não apenas de si mesmo e de suas instituições e bases clássicas para o seu
funcionamento, quanto também de uma “nuvem social” e valores que estejam ligados à ele
(capitalismo) na luta para que o indivíduo não apenas se afirme de alguma forma, como também
para que tenha a sensação de que está lutando e combatendo um inimigo real que, basicamente,
não é de fato um inimigo, mas de fato nada: Como um cachorro perseguindo a própria cauda, o
indivíduo passa a vida inteira não apenas definhando em bens materiais, como também se
identificando a estes, aliando-os à sua personalidade individual e apontando os dedos para quem
quer que as redes sociais e a internet apontem, bem como sua bolha identitária também. E aí
começa o segundo elemento sobre o qual aqui quero tratar: A tecnologia.
A tecnologia, em si, não é nem boa e nem má. Assim como podemos perder milhares de horas
de nossas vidas com discussões inúteis feitas na internet (diga-se e principalmente, em redes
sociais por exemplo), também é inegável que todo o aparato tecnológico que já criamos salvou,
ao longo dos últimos três séculos, milhões de vidas através tanto da medicina quanto dos
avanços da ciência e do conhecimento humano. É inegável que a internet, a tecnologia, a
medicina, etc, vêm se mostrando de grande valor à humanidade e criado uma nova realidade
para todos nós, realidade esta em que muito mais acessível nos é o conhecimento do que em
milênios anteriores por exemplo, muito mais se sabe a causa de diversas doenças do que em
séculos anteriores, muito mais estamos confortáveis do que em milênios anteriores, etc, porém,
e exatamente por causa de alguns destes aspectos positivos, assim como há os efeitos positivos
advindos de nossa expansão e consolidação na tecnologia como um todo também há os efeitos
negativos e efeitos colaterais, que impactam não apenas ao indivíduo mas também à todas as
sociedades cujos aparatos tecnológicos por nós criados estão disponíveis. Tratarei a seguir.
Retomando, a tecnologia, em si, não é boa e nem má, e certamente podem argumentar que tudo
depende do uso que damos à esta, o que certamente é correto. Porém, há alguns “aspectos
globais” da tecnologia cujas consequências são tanto negativas em si mesmas como também
globais, atingindo a todos que utilizam dos aparatos tecnológicos mais recentes. Citarei alguns
destes aspectos.
Por um lado, diz-se que a tecnologia e seus produtos advindos ajudaram o ser humano a ser
mais “livre” e independente, e certamente hoje conseguimos com muito maior facilidade
atravessar um oceano do que há quinhentos anos, o que de fato acontece. Porém, ao mesmo
tempo e como já argumentado por muitos (Ted Kaczynski, para citar um breve exemplo), tal
“liberdade” vem com um preço: Por um lado, se é de fato mais “livre” e abriu-se um mar de
possibilidades que até trezentos anos atrás não existiam, por outro, paga-se tal com a vida.
Explicarei a seguir.
De fato, qualquer um de nós pode ter um carro, abastecê-lo e dirigi-lo para onde quer que seja.
Em tese somos livres para fazê-lo, porém tal “liberdade” vem com um custo não apenas
financeiro, como de tempo também. Se se deseja comprar um carro, precisa-se de dinheiro, se
precisa-se de dinheiro (o que todos nós certamente precisamos, vivendo em uma sociedade
capitalista) precisa-se trabalhar. Não apenas para pagar o carro, mas para pagar sua
documentação, tirar sua habilitação, pagar sua gasolina, manutenção, etc. Ou seja, precisa-se
muito trabalhar para poder ter um simples carro, e não apenas isto ocorre como também, ao
despendermos grandes quantidades de dinheiro e tempo em bens materiais, passamos a
naturalmente valorizá-los, o que confere às nossas vidas um caráter mais materialista do que se
tais recursos nunca tivessem sido a nós apresentados. Em suma, trabalhamos muito para poder
comprar e manter nossos bens e de tão preciosos que estes se tornam, acabamos por girar nossas
vidas em torno destes. Nos tornamos não quem somos de fato, mas o que temos. E neste caráter
esta não é a pior contribuição dos bens materiais ao nosso solipsismo inerente, mas sim o fato
de que acabamos por gastar mais tempo centrados em obter e manter nossos bens materiais
(quando trabalhamos em um emprego comum, assim estamos fazendo, mesmo que não
percebamos) do que em pensar ou ter contato com qualquer outra pessoa que não nós mesmos e
nossos bens.
Obviamente, além da armadilha do tempo e dinheiro gasto com bens materiais que nos faz por
vezes mais valorizar estes do que qualquer forma de ideal, também há a armadilha do ego, que é
socialmente impulsionado pela máxima do “quanto mais se possui, mais se é”, e que acaba por
se firmar ainda mais em tal realidade. Neste contexto dificilmente pensamos na necessidade dos
outros, mas somente em nossas mesmas, pois muito há de se gastar, em todos os aspectos
possíveis, para muito poder se ter (inclusive para se obter a tal “liberdade”, que sempre vem
com uma dependência e lealdade ao sistema).
Não apenas o quesito “liberdade” ganha e acaba por nos prender em nós mesmos e fortalecer
nossos solipsismos, como também o leque imenso de opções que temos hoje em dia.
O indivíduo em nossa sociedade vive um paradoxo: Nunca fomos, ao mesmo tempo, tão
autossuficientes como também dependentes. Por um lado, podemos pedir, por exemplo, a
comida que quisermos, japonesa, chinesa, italiana, mexicana, etc, a hora em que bem
desejarmos e somos “livres” (desde que tenhamos o capital necessário, obviamente) para fazê-
lo, porém por outro percebam aí o paradoxo: Somos livres para pedir em um aplicativo qualquer
tipo de comida a hora em que quisermos, porém nunca somos nós quem produzimos tal comida,
mas sempre os outros. Por um lado, podemos pedir o que quisermos, por outro, quase nunca
somos nós quem fazemos o serviço e “trabalho” em si e acabamos por terceirizar a
responsabilidade da produção (quase sempre com a justificativa do tempo, que se gasta muito
tempo para produzir uma refeição, mas se somos tão livres de fato, porque produzir uma
simples refeição, que entra em uma de nossas tarefas e funções mais básicas, nos é tão penoso?).
Somos suficientemente dependentes dos outros para nos satisfazermos.
Não apenas criamos esta ilusão de “independência” (o que, por si só, acaba por fortalecer nossos
solipsismos) como também o imenso número de opções também nos é danoso. O indivíduo, em
meio a tantas opções do que comer, de onde ir, de com quem estar, de para onde viajar, etc, não
sabe o que escolher e quanto mais opções aparecem, mais acaba por cair em indecisão, sendo tal
verdade especialmente para os indivíduos (maioria) que pouco se conhecem.
Tal realidade acaba não apenas por criar no sujeito uma espécie de “confusão” e indecisão,
como também lhe gerar uma sensação de potência. O indivíduo pode ter tudo a qualquer
momento, pode conversar com quase qualquer pessoa ao redor do mundo a hora que quiser, há
abundância em quase todos os sentidos possíveis, então, por que ser dependente e que espaço
há, nesta retórica, para qualquer tipo de preocupação que não sejam as minhas próprias e do
micromundo que acabo por criar para mim mesmo?
Entra, aí, outro paradoxo: O paradoxo da escolha. Podemos escolher o que quisermos a hora em
que quisermos, porém, por estarmos sempre centrados em nós mesmos, em nossos bens e em
nossas próprias preocupações, acabamos por inconscientemente sempre escolher mais do
mesmo pois não somente nosso cérebro como também a tecnologia em si cria uma zona de
conforto tão imensa e que nem percebemos que, fora disso, tudo parece loucura, “estranho” ou
sobre cujo mal conseguimos raciocinar, mas simplesmente “bloquear”.
Tal fato é alimentado, também, pelos algoritmos de redes sociais e mecanismos de busca em
geral. Qualquer indivíduo que possua um mínimo de conhecimento em tais algoritmos sabe que
estes “capturam” nossos perfis, nossos interesses, nossos desejos, etc, e se utilizam destes
mesmos para delimitar o que será ou não visto por nós em tais locais. Um simples exemplo:
Suponhamos indivíduo x cujo caráter e personalidade sejam conservadores, de direita política
por assim dizer. Tal indivíduo, obviamente, não simpatizará e se interessará por visões de
esquerda ou mais liberais, mesmo que estas partam de seus amigos e colegas, e muito mais
clicará em “posts” e textos conservadores do que em posts, textos, etc, de esquerda e liberais.
Após algum tempo seguindo tal lógica, os algoritmos das redes sociais automaticamente
detectam tal padrão e, baseado neste, escolhem o que aparecerá ao indivíduo x quando este
estiver rolando sua barra de notícias e “feed”, no caso, somente notícias, textos, posts, etc, de
caráter conservador aparecerão ao tal indivíduo. Tais fortalecerão suas crenças já conservadoras
e acabarão por mantê-lo “preso” em uma bolha em que somente se farão presentes pessoas que
pensam de forma semelhante a este. Pessoas de esquerda, liberais ou simplesmente apolíticos,
etc, por não compartilharem e postarem tal tipo de conteúdo, mesmo que sejam amigos pessoais
do indivíduo x, não aparecerão a este no tempo em que ele gastar visualizando seu feed, barra
de notícias, etc. Em suma, somente aparecerá ao indivíduo, em redes sociais e semelhantes,
aquilo que se assemelha a ele, sendo o “diferente” inexistente e assim acabando por nos
condicionar não apenas ao “mais do mesmo”, como também a encararmos como “abominação”
(por não estarmos acostumados a) o diferente (ainda mais depois de consumirmos 10.000
argumentos a favor de nossa causa. Com tal quantidade, que mais seria, se não um louco, aquele
que não segue tal visão?).
A tecnologia, assim, acaba não apenas por “expandir” nosso ego e, tanto por consequência tanto
por expansão do “material”, assim fortalecer nossa capacidade solipsista, como também nos dar
uma falsa sensação de “poder” e “excesso de opções”, assim igualmente contribuindo não
apenas com o fortalecimento e estabelecimento de nossos egos, como também enfraquecendo a
imagem do “outro” e do que quer que esteja fora da nossa zona de alcance, ou simplesmente da
nossa zona de conforto. A tecnologia, em conjunto com o capitalismo, nos dá tal liberdade
aparente a tal ponto que simplesmente se torna desconfortável, e mais ainda, desnecessário, nos
questionarmos sobre nossas escolhas, sobre nossas vidas, sobre opções possíveis, etc. Estamos
confortáveis demais, e aí entra outro problema.
O excesso de conforto, por si só, também pode ser apontado como um dos elementos
exponencializadores de nossas tendências solipsistas. Quase sempre, quando se trata de agir
segundo uma máxima que transcenda nós mesmos e englobe também o “outro”, é necessário
não apenas certo “sacrifício” de si mesmo como uma evidente saída de nossas zonas de
confortos. Se já estamos tão condicionados, acostumados e “empoderados” por nossas zonas de
conforto, então, por que faríamos tal saída? Não havemos, socialmente e materialmente e por
consequência maximamente falando, nada de ganhar com isto, então o que tal sacrifício há de
nos oferecer, se não nos exponencializa mas sim nos “diminui”? Neste contexto, tudo aquilo
que não nos “empodera” é não apenas impensável como também opressor, sendo parte de um
conjunto de “pensamento” maior que potencializa o “eu” através do “nós” (diga-se bolha
identitária).
Por último e ainda falando sobre a tecnologia, esta exponencializou não apenas o fenômeno do
eu, como também exponencializou e propiciou o fenômeno da “minha turma”: As chamadas
bolhas identitárias, que servem não apenas à mim como também “solucionam” o desejo “maior”
que temos (eu e o “nós”) por uma metafísica, porém “resolvendo” tal impulso através de uma
degeneração deste impulso metafísico, da necessidade humanista de uma real comunidade
humana, transformando-a em uma degeneração em forma de colmeia e de “metafísica
materialista”. Sobre tudo isto, falarei em breve e mais à frente, pois tal se trata não apenas de
um fenômeno da tecnologia, mas também do momento histórico e social em que estamos
vivendo.
Ainda e com certeza, podem-se citar mais aspectos ligados à tecnologia que acabam por
consolidar nossos solipsismos individuais, porém creio que tais aspectos anteriormente citados
sirvam para dar uma noção clara e breve de como a tecnologia é, neste ponto, impreterivelmente
um problema, a ser resolvido ou não.
Agora, podemos começar a falar também sobre outro aspecto da modernidade que acaba por
exponencializar nossa capacidade solipsista: O período “filosófico” no qual estamos inseridos.
É possível dizer que, a priori, não há “filosofia” predominante alguma sobre o período no qual
estamos vivendo, o que não quer dizer que não há filosofias que reinem sobre a maioria em tal
período. O exato fato de não haver uma “ética”, uma filosofia, ou simplesmente um sistema
único e universal que reja o comportamento dos homens já é em si uma forma de
comportamento que nos dá alguns indícios sobre a sociedade atual. Falarei sobre tal filosofia
não existente.
Não há, como dito, um sistema universal a priori que julgue e dite o sistema e método sobre os
quais a maioria dos indivíduos devem viver. Sob os constantes ataques da antropologia,
sociologia, dos ideais “democráticos”, etc, é impossível nos dias atuais conceber um sistema
único que reja toda a existência (não apenas impossível, mas uma heresia por assim dizer
principalmente para os antropólogos). Não apenas não há um padrão universal aferidor de valor,
como também e consequência disso, o gênero (do indivíduo mesmo, ou sua índole) acaba por
ser a grande pedra de toque do indivíduo. Detalharei um pouco mais.
Não apenas não possuímos um sistema único, um consenso, sobre o que devemos ser e como
nos portar em sociedade, como também sabemos que existem demasiados sistemas e
“respostas” para demasiadas perguntas. Em suma, muitos filósofos, teóricos, pensadores, etc, já
se propuseram a responder (e muitos conseguiram com certa satisfação, de fato) as principais
perguntas da humanidade, e muitos deixaram fórmulas não apenas para o tempo em que
viveram como também para os tempos futuros (por isto ainda hoje são lidos), porém, é
exatamente aí que se inicia o problema: Muitos já responderam, muitos parecem concisos e
quase todos diferem de quase todos. Assim sendo, afinal, quem deles está certo?
Kant, Hegel, Locke, Espinosa, Platão, Aristóteles, Schopenhauer, Tomás de Aquino, Santo
Agostinho, Heidegger, Nietzsche, Descartes, etc. Somente no campo da filosofia, quando se
trata de “sistemas” que expliquem a vida, vários nomes aparecem. O que pode ser um tanto que
“bom” por envolver uma série de respostas e teoremas que a muitos podem servir, também pode
ser um tanto quanto “mal” no que tange tanto ao excesso de conhecimento quanto à pergunta
sobre quem de fato está certo (pois, ainda que tenham feito “sistemas”, o pensamento de
Nietzsche é por demais afastado e com poucas similaridades ao pensamento de Agostinho, para
citar um breve exemplo, e igualmente ambos são reverenciados por muitos indivíduos).
No que concerne ao quanto cada um advoga e dá razão à cada um destes pensadores, me parece
muito mais uma questão de gosto individual, de solipsismo por si só, o quanto algum filósofo,
autor, pensador, etc, parece correto ao indivíduo. Por mais que todos possam estar corretos,
acabamos por só “herdar” a influência de alguns, muito mais por afinidade natural de ideias do
que por comparação pura e simples das ideias dos pensadores, para verificarmos quais possuem
hipóteses e consequências válidas e quais não. Enfim, acaba por se admitir algum ou alguns por
mera afinidade natural de concepções, enquanto se despreza outros pelo mesmo motivo oposto,
por ideias opostas de concepções.
O indivíduo que vai além da afinidade natural e explora mais à fundo os diferentes teóricos e
diferentes ideias acaba por frequentemente se perder em tais. Não apenas isto, como deixa de
acreditar em seus próprios referenciais. Como posso acreditar na tese kantiana, se a tese
agostiniana tanto quanto a espinosiana, a descartiana, etc, me parecem legítimas e de certa
veracidade?
Assim, embuídos de um certo “excesso de conhecimento” passamos a não mais acreditar em
sistemas, ou melhor, a não mais acreditar em nada exceto naquilo que se nos aparece na
experiência empírica, e aí mora um grande problema.
Não apenas os indivíduos enfastiados de filosofia acabam por cair em um certo “niilismo e
ceticismo ético e filosófico”, como também aqueles mais atingidos pela modernidade.
Retomarei alguns pontos.
Como já dito, o sistema trabalha em favor de si mesmo e faz o indivíduo se identificar com
tudo, menos com ele mesmo. O indivíduo comum, naturalmente, é tanto um escravo do sistema
quanto vítima deste, e passa, em parte, a acreditar no que o sistema prega (em uma espécie de
“niilismo cientificista”. Niilismo na área metafísica, e cientificismo na área ética/a priori), e em
parte negar toda e qualquer forma de influência externa (pois o indivíduo é, como dizem, o ser
supremo da liberdade na modernidade) e então se afirmar na própria experiência empírica. Que,
por depender do indivíduo, inconstante e inexato, nunca retorna e possui valores exatos e
objetivos porém que só servem e fazem sentido ao indivíduo (ele mesmo). Resultado desta
“ética geral subjetiva” é não apenas o desentendimento comum entre as massas (aqui já citado),
como também uma espécie de niilismo de massa em que nada possui valor e nada faz sentido,
exceto o que o indivíduo determinar. Consequência última do existencialismo e, certamente,
exponencializador de nosso solipsismo.
Sobre o existencialismo, vale fazer aqui uma breve pausa para tratá-lo, pois ele também é parte
do “sistema” e da “filosofia” moderna que nutre e sustenta as coisas como estão.
O existencialismo é, em última instância, não apenas a consolidação do solipsismo individual (o
indivíduo existe e só então o resto também existe, em uma espécie de má interpretação da
máxima descartiana “cogito ergo sum”) como também o descarte de todo e qualquer padrão e
pedra de toque objetiva sobre a qual poderíamos reger nossas existências. O indivíduo, por ser a
pedra de toque do universo inteiro, colide com outros indivíduos cujas visões são semelhantes
(em termos de também serem pedras de toque ambulantes) e assim, sem possuírem um padrão
objetivo de valores e pedras de toque, nada consegue se estabelecer e tampouco a comunicação
é efetiva pois os padrões são completamente diferentes. Mais uma vez, tal realidade não apenas
gera tais consequências, como os já apontados desastres nos relacionamentos humanos. O
existencialismo é, em suma, a epitome do solipsismo, e por justamente ser a “filosofia”
moderadamente predominante de nosso tempo não é de se espantar que já, há alguns séculos,
nenhum novo Kant tenha surgido, ao contrário das expectativas *. O padrão e a realidade não
mais são a realidade externa, mas sim o próprio indivíduo.
Somados todos estes elementos, que certamente não existem de fato, não são fatos objetivos,
porém que com certeza influenciam em nosso mundo objetivo e principalmente legitimam
internamente e inconscientemente nossos solipsismos individuais, forma-se o indivíduo que, por
não possuir deus, por não possuir um sistema, por não possuir qualquer filosofia que explique a
realidade, etc, e dopado pela realidade tanto em si mesma quanto capitalista, em que o indivíduo
possui um infinito de possibilidades, acaba por possuir como única pedra de toque não o
conhecimento e padrões de valor, éticos, filosóficos, etc, objetivos, mas sim seus valores
subjetivos, de gênero a posteriori e de experiência individual e de caráter altamente utilitarista.
Assim, só há valor naquilo que me gera valor, só há significado para aquilo que me há
significado. Os limites do mundo são os limites do meu mundo, em suma.
Se o utilitarismo é uma consequência ou causa de boa parte disto é uma discussão sobre a qual
não pretendo muito me empenhar aqui, porém creio que se possa dizer que tanto a lógica
capitalista moderna quanto o “sistema” filosófico mais ou menos predominante atual, cuja pedra
de toque máxima é o indivíduo, acabam por se amparar em boa parte de seus pressupostos no
utilitarismo. Por consequência do excesso de opções, excesso de “poder” e de individualidade,
acabamos por naturalmente escolher somente aquilo que há um valor para nós, pois ou
escolhemos isto ou escolhemos termos de lidar com mil outras opções que nos colocariam em
choque sobre nós mesmos. Quem seríamos nós, se realmente não tivéssemos certeza de que
gostamos supremamente de pizza aos finais de semana?
Consequências últimas de todo o citado anteriormente neste aspecto “filosófico” da questão se
torna o fato de que vivemos em uma sociedade, e somos, mortalmente materialista. Podemos
perceber isto não apenas pelo apego extremo à vida e apelo extremo à medicina em situações
em que claramente “não há muito o que fazer”, como também na busca materialista e
consumista clichê. A experiência é o que gera, me dá valor, e o capitalismo prega que ser livre é
poder escolher e comprar, logo, como não haveríamos de vincular valor supremo ao
materialismo sobre nossa existência? Prova de que o materialismo está tão ligado à nossa lógica
tanto social quanto individual é o fato de que todas as metafísicas estão se “enfraquecendo” nos
últimos séculos. Muito mais é interessante à juventude estudar e ler Charles Darwin, por
exemplo, do que ler Leibniz, visto também que afirmar uma metafísica é, em última instância,
afirmar uma realidade exterior, mais ainda, uma realidade objetiva, sobre as quais obviamente e
como já dito, não há lugar no tempo em que vivemos. Consequência do “enfraquecimento” da
metafísica é que a única realidade restante é esta, a palpável, e o materialismo se torna a única
forma de enxergar os fatos. Como já dizia Nietzsche, Deus está morto.
Por último, também pode ser citado como “elemento exponencializador” o funcionamento da
sociedade atual, que é, em suma, consequência de todos os aspectos citados anteriormente,
porém assim mesmo tratarei sobre.
Todos os três elementos citados anteriormente, o capitalismo, a tecnologia e o sistema
“filosófico” no qual estamos imersos acabam por gerar uma sociedade, certamente, de cunho
individualista e materialista. Resultado disto é, como já apontado, o enfraquecimento de toda e
qualquer metafísica bem como na justificação do materialismo em si próprio, frequentemente
alimentado pelas novas mudanças e promessas trazidas ano após ano pela tecnologia e ciência.
Resultado disso é nossa perda de fé em uma oração e nossa total e imediata devoção ao que
médicos dizem, para citar um breve exemplo (e é claro que aqui não é de meu desejo afirmar
que ir em médicos em caso de doença é “errado”).
Tal sociedade de cunho individualista e materialista é, ainda assim e paradoxalmente, também
uma sociedade da vigilância, uma sociedade da “comunidade”, em que de certa forma todos
vigiam a todos e o que prevalece é a regra da maioria. Somos livres para fazermos o que
quisermos, e temos um número gigantesco de possibilidades, porém estas precisam estar em
consonância com os interesses da sociedade e obviamente não ferir seus alicerces, alicerces
estes que se baseiam tanto na “democracia” quanto no “igualitarismo”. E como estes servem
para nutrir o solipsismo? Bem.
A noção moderna de que, em si mesmo, todo ser é provido de valor (o que não é uma premissa
necessariamente errada, porém cujos motivos são materialistas) concebida pela sociedade, ou
por uma espécie de “contrato social” à la Rousseau, acaba por criar uma sociedade de
indivíduos que tanto podem opinar sobre toda e qualquer coisa quanto também devem ser
respeitados, independente de quais sejam suas expressões. Resultado disto é que, basicamente,
vivemos em uma sociedade de expressão, em que todos podem opinar sobre tudo, e de valor
igualitário, ou seja, em que todos podem opinar sobre tudo e mesmo que suas opiniões tenham
embasamento nenhum e sejam totalmente calcadas na ignorância, ainda assim devem ser
respeitadas e ouvidas. Tal fato se tornou máxima de boa parte das democracias modernas e fator
exponencializador do solipsismo por si só.
Se o indivíduo tem valor em si mesmo, bem como suas opiniões, pontos de vista, valores, etc,
mesmo que estes não sejam nem um pouco pensados e analisados, mesmo que sejam totalmente
concebidos e desenvolvidos na ignorância e contradição, por que haveria de pensar ou até
mesmo, por que haveria de se analisar? O fato de que todos temos valor inerente garantido pelo
estado e pela sociedade acaba por contribuir tanto para nosso solipsismo quanto para a criação
de uma geração de “mimados” e de pessoas que não aguentam ser contrariadas (alimentados
pela tecnologia, pelos algoritmos que nos fazem ver somente aqueles que pensam semelhantes a
nós). Tal, em suma, é uma das facetas da sociedade capitalista e liberal em que vivemos.
Não apenas isto, mas retomando o assunto das bolhas identitárias, tal também são uma das
máximas da sociedade moderna, ocorrendo àqueles que necessitam de alguma forma de
“metafísica” ou principiado de valor-objetivo maior do que apenas o eu. Sua ocorrência ocorre
também pelo fenômeno global do avanço da tecnologia moderna, cujo uma de suas
características são a rápido e fácil comunicação e integração com todo o mundo, assim
propiciando uma espécie de “comunidade global” ligada pela internet. Em meio à desintegração
do “nacionalismo”, do avanço do capitalismo liberal, da democracia e da formação de uma
“comunidade global” regida pelas máximas tanto tecnológicas quanto do capital liberal,
indivíduos por vezes acabam por sentir a necessidade de reafirmar qualquer forma de
“nacionalismo”, comunidade ou mesmo de qualquer laço que os una com algo anterior a eles.
Então, se formam laços de uma metafísica degenerada, em que o princípio “intangível” e a
priori é substituído pelo princípio materialista e social, este sendo fruto de mera aparência e/ou
ancestral em comum e não de uma metafísica de fato. Para o indivíduo não “se perder”, em
suma (quando este dependente dos elementos exteriores, sendo mais “movido” por estes
elementos), tal passa a fazer parte de um grupo, um grupo com características em comum ao
indivíduo e que o faz se sentir “parte de algo maior”, assim suprindo a sua necessidade
metafísica ou pura e simplesmente necessidade comunitária. Ou mais simplesmente ainda,
respondendo seus anseios pela existência própria (visto que na sociedade comum todos somos
apenas números, e nada mais).
Os grupos identitários acabam servindo como forma de controle social (pois, como já explicado,
estes nunca atingem o cerne real do problema, mas apenas são como cachorros perseguindo o
próprio rabo) e como forma de exponencialização do indivíduo e de seu solipsismo natural.
Assim, o indivíduo encarna os valores de seu grupo e constrói uma pedra de toque universal
baseada em tais valores. Por exemplo, se sou do grupo identitário dos negros, que coloca valor
prioritário e maior sobre tudo aquilo que remete às suas origens, automaticamente estarei muito
mais tendente a conversar e ouvir um negro do que um branco, mesmo que o branco possua
argumentos muito mais “lógicos” e convincentes do que o negro. Não apenas isto, mas ao
perceber a realidade acima por exemplo, passo a utilizar x justificativas para justificar a “falta”
do meu colega negro, e baseio toda a minha existência em tal prerrogativa. Assim, nunca
parando para realmente analisar de um ponto de vista imparcial aquilo em que acredito, acabo
por ter meu solipsismo tanto aumentado quanto também justificado, ilusão esta alimentada pela
já apontada sensação de que “estou combatendo um inimigo real” (que quase nunca o é, de
fato).
Assim, somados os valores democráticos, que concebem um valor ao indivíduo mesmo que seus
pontos de vista e ética, em si, não tenham valor algum, com a perfeita integração a qualquer
grupo identitário o indivíduo passa a acreditar não apenas que sua opinião, qualquer que seja,
tem valor, como também que esta é bem embasada pelo grupo, pois um grupo inteiro de pessoas
não podem estar errados (mesmo que todos, como comumente acontece, do grupo repitam
exatamente as mesmas informações). Tais se somam ao caráter “informativo” da sociedade em
geral e ao caráter extremamente a posteriori e cientificista dos meios em que vivemos, o que
acaba por naturalmente contribuir tanto para o solipsismo de muitos grupos quanto também para
a morte de qualquer forma de metafísica e princípio a priori (o que naturalmente também acaba
por ser um aspecto solipsista), porém sobre tais pretendo abordar mais à frente, no capítulo de
crítica à modernidade, por estes serem mais frutos da modernidade em geral do que da
sociedade em si atual.
Também e por último, podemos apontar as formas de entretenimento atuais como
exponencializadoras do solipsismo e por manter o sistema, sendo parte de seu funcionamento. O
entretenimento moderno não atua diretamente na expansão do solipsismo, porém indiretamente
por dois motivos: Ao nos conferir excesso de “autonomia” (posso escolher o que quiser, na hora
em que quiser) e por ser quase sempre desprovido de incentivo ao pensamento. E mesmo
quando provido, tal incentivo quase sempre é inofensivo ao sistema, sendo uma espécie de
“variação” dos pensamentos e apontamentos citados pelas bolhas identitárias, que como já dito
perseguem fantasmas ou simplesmente criam problemas inexistentes até então. O
entretenimento atual, em suas mais diversas facetas, por acabar por “empoderar” o indivíduo e
por raramente ou nunca propiciar uma fonte de pensamento legítima (até porque dificilmente se
pode ensinar o indivíduo a pensar por conta própria, e tal é realidade ainda mais difícil na
modernidade, em que quase nada é pensamento próprio de fato, ainda mais quando ler livros por
exemplo é sinônimo de pensamento próprio), assim contribuindo indiretamente para com nosso
solipsismo individual. No fim das contas, tudo aquilo que nos dá demasiadas opções, que tem
custo aparente extremamente baixo (a maioria de nós sequer enxerga o custo das coisas, tal é a
realidade “fácil” em que vivemos. É muito mais difícil enxergar o custo de qualquer coisa ao se
pagar por esta com um papel do que ao se enxergar todo o processo de produção da mesma),
que nos leva à solidão, que nos mantém “dopados” e com pouco ou nenhum pensamento, etc,
acaba por exponencializar nosso solipsismo de maneira natural, resumidamente.
Ego e Consciência
Diversas vezes anteriormente utilizei os termos ego e consciência de forma diferenciada, porém
sem explicar tal diferenciação. O farei agora.
Considero que a mente, e não apenas a mente, como também a existência humana como um
todo, possui várias camadas, sendo as mais baixas aquelas ligadas aos impulsos corporais (os
instintos, por exemplo) e as mais altas aquelas ligadas ao exercício intelectual (a consciência,
por assim dizer). O homem, por ser o único animal que possui a última camada conhecida de
desenvolvimento intelectual, a camada da consciência, é, portanto, o único animal que pensa
não apenas em si mesmo como também em seu arredor, bem como em formas de controlar este
arredor e em formas de agrupamento e comunicação (esta última característica não sendo
exclusiva do ser humano). Se assim não fosse, não seríamos nós os “dominadores” do planeta
Terra, mas sim outra espécie.
Considero que nossa primeira camada interna (daquilo que é abstrato, se fôssemos também
tratar sobre aquilo que é objetivo teríamos primeiramente de tratar sobre o corpo em si) sejam os
instintos, sendo os dois principais como já dito o instinto de autopreservação e o instinto de
reprodução.
Os instintos, por mais que ligados à alguma forma de consciência na humanidade, são a camada
mais baixa da mente humana pelo simples fato de estarem presentes não apenas no ser humano
como em todo e qualquer ser vivo. Não apenas isto, mas os instintos dizem muito mais respeito
à conservação do corpo do que à conservação do “ser” por assim dizer. Os instintos, por não
poderem ser mudados e tampouco racionalizados (em termos de serem uma escolha e não algo
pré-determinado), estão intimamente ligados com a lógica de nossa e de toda e qualquer espécie,
seja por motivos biológicos ou metafísicos. Fato é que, basicamente, tudo aquilo que não é
racionalizado e que “vem de fábrica”, não podendo ser escolhido e tampouco mudado, por mim
é considerado como camada mais baixa da mente humana (não que a consciência humana possa
ser mudada e não nos acompanhe desde o nascimento, porém esta possui capacidade de
mudança bem como é o centro de nossas escolhas, ou seja, o contrário do que os instintos são.
Tratarei em breve).
Em seguida, diria que os movimentos automáticos, que ocorrem, por exemplo, quando se bate
em certa parte do joelho e este se levanta “inconscientemente”, seriam a segunda de nossas
camadas, porém por estas não serem exatamente uma “camada” mas sim um atributo (pois é
uma capacidade, uma atribuição do organismo humano como um todo, e não uma camada em si
da consciência) e por não possuir papel algum em nossa racionalidade (sequer há muito o que se
racionalizar sobre, exceto para estudantes de medicina, biologia e afins) não tratarei
demasiadamente sobre.
Após e tratando por último das camadas mais baixas, vem o inconsciente, que como dito,
quanto mais um indivíduo está “consciente” sobre si mesmo e se conhece, menos o inconsciente
lhe influencia. Resumidamente, o inconsciente não é absoluto, porém varia de importância e
grau de influência de sujeito para sujeito. No inconsciente se encontram desde os impulsos mais
baixos (instintos, porém, estes não são sinônimos de inconsciente, visto que o inconsciente
também engloba outros “conhecimentos”) até aquilo que é retido pela influência do social
(normas sociais e moral, por exemplo) e também aquilo que se desconhece sobre si mesmo
(como o fato de um indivíduo ser x, não possuir consciência sobre este x mas ainda assim ser
influenciado por tal característica, mesmo sem a consciência de tal). Em suma, o “inconsciente”
engloba não apenas os impulsos e instintos mais baixos como também toda e qualquer forma de
ponderação social, desconhecimento sobre si mesmo ou até de situação atípica que nos gera
uma resposta também atípica, portanto por vezes inconsciente e ligada ao instinto. O
inconsciente é, ao mesmo tempo, a mais baixa camada da consciência e a última das camadas
mais ligadas ao “corporal”, podemos resumir.
Após esta e pulando-se algumas camadas (se fosse tratar sobre todas as camadas, bem sobre
todos os aspectos que compõem nossa psicologia individual e detalhes sobre, teria de escrever
um livro à parte a este), encontra-se o ego, penúltima camada da mente humana como um todo
só perdendo para a consciência.
O ego é um misto de inconsciente com consciente. Por mais que estejamos conscientes sobre
nós mesmos na maior parte do tempo, é impossível agir completamente sem envolver instintos e
formas de consciência inferiores pelo simples fato de que nosso cérebro humano tem a
tendência natural a “desligar” e agir no automático para economizar energia. Estar o tempo
inteiro consciente é, frequentemente, não apenas cansativo ao cérebro humano, como também
forte fonte de crises existenciais no geral. Todos precisamos de uma certa influência, ou pelo
menos de um momento, do inconsciente e que este faça decisões por nós de vez em quando.
Este inconsciente, ou melhor, estas “repostas automáticas” quase sempre são regidas pelo nosso
ego, e representam não apenas aquilo que somos de maneira consciente, mas também aquilo que
somos de maneira não assumida. Explicarei.
O ego engloba tanto muitas das características individuais como também boa parte dos instintos,
justificativas e “éticas” que possuímos. Vale notar que, antes de prosseguir, as últimas camadas
de consciência possuem não apenas a si mesmas como às camadas anteriores, assim sendo as
camadas mais altas da consciência humana englobam não apenas a intelectualidade, como
também os instintos e o inconsciente por exemplo. E por que isto acontece? Porque com a
consciência surge o fenômeno do conhecimento sobre aquilo que vem antes de nós, ou seja, não
podemos mudar o fato de que os instintos estejam em nós e de que são imutáveis, porém
podemos pensar sobre este fato bem como pensar em suas causas, assim o englobando com a
consciência. Já o instinto não possui a consciência pois o instinto não pode pensar sobre a
consciência, o instinto não é intelectualidade.
Dito isto, podemos avançar e dizer que o ego seria o local de maior “aglomeração” e
consolidação tanto das nossas camadas mais baixas, instintos, inconsciente, etc, como também
das camadas mais altas e mais relativas à individualidade, como quem o indivíduo é de fato e
como se enxerga. O ego é, frequentemente, a camada legitimadora para nós mesmos, em nossa
interioridade e subjetividade, de nossa existência, sendo ele o responsável por atribuir a nós um
“lugar no mundo” (e assim resultando nas famosas brigas de ego que a todo momento vemos
por aí). Darei um exemplo.
X indivíduo nasceu e possui, conscientemente ou não, o sonho de ser cantor. Seja adquirido por
influência social, seja adquirido de forma natural, tal sonho (ou qualquer “sonho” que seja) se
desenvolverá em nós com o passar do tempo, principalmente na fase da infância e da
adolescência, para nos servir tanto de “motivador” quanto também de legitimador da existência.
Assim, existo, e sou importante (porque o ego, sob o ponto de vista do indivíduo e sob
influência tanto do solipsismo quanto da modernidade como um todo, para poder se definir e
também como mecanismo de defesa do indivíduo, requer uma diferenciação do todo, que
frequentemente é confundida com atribuição de “importância própria”) porque sou um cantor,
nasci para ser cantor e portanto, a legitimação psicológica de minha existência (todos
precisamos de uma legitimação psicológica para nossa existência, um “porquê” de estarmos
aqui, desde o ateu até o cristão. Pode-se chamar isto de “metafísica necessária” já mencionada
no capítulo anterior. Prova de tal necessidade é que frequentemente indivíduos que não sabem o
porquê de estarem aqui e nem possuem meta alguma de vida são depressivos e desprovidos de
qualquer ânsia de viver, fenômeno este encontrado apenas no ser humano por ser um fenômeno
exclusivo da consciência) se calca nisto.
O ego, assim, é responsável não apenas pelas respostas inconscientes ou simplesmente de pouca
reflexão, como também é responsável por nos fazer nos “identificar” com alguma faceta/função
no mundo exterior e assim justificar nossa existência baseada em tal identificação. É no ego,
também, que se encontram as principais características do que aqui venho largamente chamando
de solipsismo, por tais características ocorrerem e serem de cunho mais frequentemente
inconsciente do que consciente (visto que, obviamente, ninguém permanece o tempo inteiro
pensando sobre suas influências de infância ou sobre a criação e influência dos pais e dos meios
sociais, por exemplo).
O ego, exponencializado sobre si mesmo mas mais frequentemente pelo mundo que o cerca,
busca a sua legitimação e identificação com as características do mundo ao arredor, por isto
quase sempre se identifica com uma possibilidade real (mesmo que muito difícil) ao indivíduo,
sendo esta quase sempre legitimador real da existência do indivíduo. Assim, atentar contra o
ego de um sujeito (e isto qualquer um que já tenha entrado em uma discussão irracional pode
facilmente constatar) é quase a mesma coisa que atentar à existência do sujeito, pois o sujeito se
legitima não em si mesmo, mas na “identificação” com o mundo exterior que o ego lhe propicia.
Excluindo-se o ego, no caso do cantor citado anteriormente, é excluir a motivação de existir de
“ser cantor” e, por consequência, excluir a “racionalidade”, a razão que se possui sobre a própria
existência, assim induzindo o indivíduo não apenas à um estado depressivo, como também ao
niilismo frequentemente. Por isto é tão perigoso atacar o ego de alguém, pois atacando-se o ego
também ataca-se a base de sustentação existencial (por mais tosca que esta possa ser) de
qualquer indivíduo, assim fazendo-lhe correr o risco de ser jogado ao caos.
Se possuíssemos ego porém não possuíssemos consciência (enquanto última camada e “razão”
real) provavelmente não haveria grandes nomes na história da humanidade, pelo fato de que os
indivíduos que mais se diferenciam da maioria serem indivíduos que, em maior ou menor grau,
tomam consciência sobre si mesmo e se tornam diferentes de seu ego, superior a seus egos
individuais, alguns superando estes através de sua minimização (Siddhartha Gautama e
Yehoshua, para citar breves exemplos) e outros através de sua exponencialização (Friedrich
Nietzsche e Adolf Hitler, iguais exemplos). Quanto maior é o ego de um indivíduo, mais este
acha que o mundo é feito para ele (por maior ser seu mecanismo de identificação com o
mundo), e quanto menor, menos este acha que o mundo é de sua propriedade.
A consciência é a última camada da mente humana por ser a única capaz de “dominar” o ego.
Mas antes de tratar sobre esta possível dominação, explicarei o que entendo por consciência.
A consciência é a última camada (a mais “avançada”) do desenvolvimento intelectual possível e
como conhecemos (tomando o ser humano, provavelmente o ser mais inteligente da Terra,
como base visto que foi este quem acabou por “dominar” a Terra e sendo justamente sua
intelectualidade e capacidade de comunicação os seus diferenciais sobre as demais espécies).
Ela engloba e possui tanto as características e camadas anteriores, ditas “inferiores” e/ou carnais
quanto as propriedades e características que a caracterizam de forma propriamente dita. Dentre
estas propriedades e características se encontram:
Capacidade de raciocínio lógico – Presente apenas nos seres humanos, é a capacidade de pensar
logicamente, ou seja, em termos de ação/consequência sobre uma ação qualquer, prevendo seus
resultados e/ou regressando nas premissas até encontrar a causa provável de determinado
acontecimento.
Memória e capacidade de aprendizagem advinda da experiência – Característica não exatamente
exclusiva do ser humano (principalmente sobre a segunda parte, porém os animais ditos
“irracionais” mais o fazem por instinto do que por capacidade de racionalização propriamente
dita) mas uma de suas características mais proeminentes, possuirmos uma desenvolvida
capacidade de armazenamento de informações, sensações e lembranças também constitui
características importante da consciência, sendo importante até mesmo para com nosso instinto
de sobrevivência (e assim servindo também aos propósitos das camadas anteriores à
consciência).
Capacidade de pensamento abstrato – Não exatamente sinônimo de raciocínio lógico, o
“pensamento abstrato” aqui também engloba a imaginação, por exemplo, e simples
pensamentos que não exatamente são “lógicos”. Somos capazes tanto de imaginar quanto
também de conjecturar sobre as mais diversas questões, o que traz à tona pensamentos e
questionamentos que, aparentemente, só em nossa espécie existem, tais como a existência de um
deus, possibilidade de vida após a morte, limites do universo, etc.
Capacidade de aprendizado estendida – Por “aprendizagem estendida” me refiro ao fato tanto de
sermos capazes de armazenar muitas informações em nosso cérebro (relativo também à nossa
memória) quanto também ao fato de sermos capazes de aprender os mais diversos macetes
possíveis nas mais diversas áreas possíveis. Nosso cérebro é capaz tanto de aprender aspectos de
trabalhos braçais por exemplo (o que não significa que plenamente nos adaptemos ao mesmo,
visto nossas características individuais e/ou solipsistas) quanto também de trabalhos
intelectuais, fazendo com que cada ser humano tenha capacidades, interesses e aprendizados
únicos que unidos dificilmente se repetem em comparação com outros seres humanos.
Capacidade de pensamento sobre si mesmo – Somos os únicos seres com dúvidas e dores
existenciais (aparentemente), sendo isto resultado de nosso cérebro “avançado” e com a
consciência que aqui estamos tratando. Pensar sobre nós mesmos é não apenas um aspecto da
nossa capacidade de pensamento abstrato, como também característica da consciência mesma.
E por aí vai. Basicamente, por “consciência” entendo nossas capacidades de armazenamento,
compreensão e indagação não somente sobre nós mesmos como também sobre o mundo
exterior. Ter consciência é, resumidamente, pensar e questionar de maneira mais aprofundada,
bem como ter conhecimento sobre si mesmo e saber se diferenciar do ambiente exterior
(característica esta desenvolvida no geral após a infância).
Por termos “consciência”, somos atormentados pelos mais diversos questionamentos e
perguntas possíveis, questionamentos estes que não existem nas demais espécies. Não apenas
isto, como deixamos um “legado” às gerações posteriores advindo tanto da nossa capacidade de
comunicação (escrita principalmente) quanto também da nossa consciência sobre a morte e
consciência do mundo exterior (outras pessoas virão após nós mesmos). Possuímos por causa da
consciência, ao mesmo tempo, sérias dúvidas e tristezas de natureza existencial que
frequentemente nos atormentam, até mesmo durante nossas vidas inteiras, mas são estas
mesmas características que nos diferenciam e nos tornam “superiores” aos demais animais
(sendo este inclusive argumento de parte das religiões monoteístas tanto para legitimar nossa
dominância sobre a natureza quanto também legitimar a nossa maior “aproximação” de Deus e
consequente maior favoritismo da parte d’Ele).
Dito isto, é importante pontuar que a consciência é a única camada possível e responsável pelo
pensamento próprio, inclusive sobre aspectos das camadas anteriores a ela, porém que ela
possui as camadas anteriores pois é capaz de pensar e raciocinar sobre elas, porém é
inevitavelmente incapaz de modificá-las (de maneira mais aprofundada). Explicarei.
Um indivíduo pode ter consciência sobre seus dois instintos mais básicos, o de sobrevivência e
de reprodução, porém não é por ter consciência que pode, necessariamente, mudar isto. Prova
disto é que, mesmo tendo consciência, em tese, sobre estes dois instintos, ainda assim a sua
reação natural ao avistar uma cobra por exemplo (que constitui uma ameaça ao seu instinto de
sobrevivência) será querer se distanciar da cobra, até mesmo sair correndo dependendo do caso.
É claro que pode haver indivíduos de natureza mais curiosa que não sigam tal máxima, mas em
tal caso o fato se dá pela soma da possível dita consciência quanto também ao fato de uma
personalidade mais “experimental” e quiçá curiosa, sendo consequência não exatamente da
consciência sozinha, mas sim do solipsismo de tal indivíduo como um todo. Ou seja, ainda
assim, o indivíduo em parte segue máximas que o antecedem.
Outro exemplo, agora falando sobre um aspecto mais “mutável” de nossa
personalidade/consciência e que mesmo assim pode perdurar, são as características próprias do
indivíduo. Suponhamos que um indivíduo possua como gênero musical favorito Rock no geral.
Tal preferência se dá por gosto próprio do indivíduo, por experimentação seja esta como for.
Digamos que o indivíduo possua consciência sobre tal gosto e pensa sobre. Dificilmente, em
ocasiões normais, o fato de ter consciência sobre será suficiente para mudar o gosto por Rock do
indivíduo, visto que primeiramente tal não constitui nenhuma deturpação aos seus princípios
mais básicos (autopreservação, reprodução, etc) e segundamente ter consciência não implica
necessariamente no acréscimo de uma motivação para mudança. Se o indivíduo tiver
consciência sobre seu gosto musical porém não tiver nenhuma motivação para querer mudá-lo,
em suma, ele dificilmente o fará porque a consciência por si só promove a reflexão, mas não a
mudança imediata.
Aí entramos em outro ponto importante de nossa argumentação e que ajuda a explicar porquê
ainda somos seres solipsistas, mesmo sendo tão “avançados”, regidos sob a luz do “progresso”,
com muito conhecimento disponível, etc: Ter consciência não implica em, necessariamente,
querer realizar uma mudança, mas implica pura e simplesmente em ter conhecimento sobre.
Mesmo que indivíduo x possua consciência sobre uma característica x que lhe desagrada, tal
não é o suficiente para fazê-lo mudar esta característica x, tanto porque a consciência por si só
não propicia a mudança imediata quanto também porque nem sempre se possui motivos
suficientes para realizar a mudança, ou até mesmo porque a mudança custará muito ao
indivíduo. E aí poderíamos ligar tal fato com o aspecto predominantemente “utilitarista” da
sociedade em que vivemos, mas deixo isto para um capítulo futuro.
Aqui, se soma a necessidade de conhecimento com aspectos mais “individuais” necessárias para
a realização de quaisquer mudanças individuais e às vezes até mesmo sociais. Em suma, nossa
consciência, por mais elevada e nobre que seja, quase sempre se curva perante a nossa vontade e
tendências inatas e/ou desenvolvidas, e se estas forem “malignas” ou simplesmente
“acomodadas” dificilmente o indivíduo, mesmo que dotado de uma extraordinária consciência,
mudará qualquer coisa sobre si mesmo ou o arredor. Em suma, a consciência nunca é suficiente
em si mesma para propiciar uma mudança e real reflexão, mesmo possivelmente sendo de valor
e de consequência sobre o que quer que seja, mas está subordinada aos valores e interesses das
camadas mais exteriores, principalmente da camada do ego (ainda que todos possamos ser
“inteligentes”, poucos o são de fato pelo simples fato de que, socialmente falando e
especialmente na modernidade, inteligência não é um atributo com valor social elevado, mas
sim frequentemente desprezada de maneira subjetiva e/ou desincentivada, visto que o que é
“comum” é o que gera maior comoção, e não o contrário. E o comum, obviamente, é quase
sempre desprovido de intelecto) *.
A consciência, por mais que nos seja uma “benção” e aquilo que propicia tanto o surgimento de
grandes seres humanos quanto aquilo que nos possibilita a chance de mudança real sobre nós
mesmos ou o que quer que seja, bem como nossa última camada de desenvolvimento, ainda
assim pode ser “postergada”, evitada, ou simplesmente pouco desenvolvida por fatores e
influências advindas de camadas anteriores à ela ou pela simples “inanição” que podemos
conferir à esta camada (acredito fortemente que se pode alimentar, de maneira “individual”,
cada uma de nossas camadas, e se fortemente alimentamos a primeira camada por exemplo, com
muito sexo e atividades e valores de caráter sexual, fortemente esta será regente sobre nossa
vida e até mesmo sobre nosso intelecto e consciência, assim será esta camada a nossa
“consciência” e pedra de toque universal, e não a consciência real mesmo, que vai muito além
da esfera e dos instintos sexuais). Em suma, por mais que todos possamos ser “inteligentes” e
em tese possuamos o mesmo cérebro, ou pelo menos semelhante, ainda hoje são poucos os
indivíduos que, de fato, “treinam” e desenvolvem a consciência sobre si mesmos e sobre o
mundo exterior, sendo a intelectualidade de fato um bem raro em qualquer época humana da
qual se fale (basta pegar quase qualquer livro de quase qualquer autor da esfera “intelectual”
para se constatar que, tanto hoje quanto há dois mil anos, o questionamento é o mesmo: Por que
existem tão poucas pessoas que, de fato, pensam e são elas mesmas? De Sócrates a Nietzsche tal
questionamento é facilmente verificável).
Aqui, podemos implicar que quanto menos o indivíduo possui a “consciência” de uma forma
geral, mais é semelhante às grandes massas e não a si mesmo. Resumidamente, quanto menos
intelectual é o indivíduo, menos características próprias este possui, sendo apenas mais um no
meio de tantos outros (visto que a intelectualidade e consciência são as únicas capazes de
propiciar um pensamento próprio sobre si mesmo, assim propiciando o “autodescobrimento”, e
até mesmo a “liberdade”).
Basicamente, a maioria dos indivíduos possuem ego, e um ego até bem “desenvolvido” tanto
pela modernidade quanto por si mesmos, mas poucos possuem consciência de fato (ainda que
este seja, em tese, um bem universal de nossa espécie). Alguns até podem ter alguns lampejos
de “consciência” e momentos de tal, mas estes são, como dito, momentos, exceções, e não a
regra sobre a vida do indivíduo. Creio que tanto as influências anteriores (pais, educação,
familiares, etc), quanto as influências do meio (círculo social, valores sociais, momento
“filosófico” no qual se vive, etc) e aptidões mais “individuais” do indivíduo podem condicioná-
lo a tanto se aproximar de sua capacidade intelectual (i/e consciência) quanto também afastá-lo,
sendo que nos últimos séculos creio estar havendo mais uma tendência natural ao desincentivo
ao pensamento próprio e desenvolvimento da “consciência” do que o contrário (as causas disto
vão desde o nosso número populacional até o maior e mais fácil “controle” das populações
quando estas não possuem nenhuma forma de pensamento e existência próprias, bem como no
simples fato de que pensar de fato é difícil), assim resultando em grandes massas movidas tanto
por ego quanto por seus solipsismos individuais (impulsionados por aspectos citados no capítulo
anterior). Resumindo, ainda que a razão (aqui se referindo à consciência) seja um bem universal
e em tese aquilo que pode nos tornar mais “elevados” falando de maneira simples, esta não é
bem utilizada pela maior parte de nossa espécie, sendo quase sempre subjugada pelos princípios
e características das camadas anteriores e quase sempre pouco desenvolvida na maioria dos
indivíduos (assim gerando toda forma de dano possível tanto ao indivíduo quanto ao social). Em
geral, o indivíduo só se utiliza da “consciência” quando seu ego está de alguma forma sendo
ameaçado, assim evocando toda a sorte de “argumentos” possíveis para combater aquilo que lhe
soa como uma ameaça. Em suma, a consciência quase sempre somente é evocada em casos de
ameaça ao nosso solipsismo como um todo, sendo pouco utilizada quotidianamente e
individualmente para qualquer questão que não seja referente ao “eu”, assim servindo muito
mais aos nossos ideais solipsistas e egoístas do que ao pensamento por si só. Assim, ocorre a
prostituição da consciência em nome de ideias solipsistas, assim subjugando a razão à ideias e
pedras de toque utilitaristas, fenômeno este que acontece com quase todos os que vivem na
modernidade. Finalizando, acabamos por pensar somente em benefício próprio, abandonando e
deslegitimando qualquer pensamento que fira o nosso “eu”. O nosso ego, em suma.
Dialética e Guerra
Após tudo o que foi dito podemos seguir e dizer que, no campo das ideias, por consequência de
todo o dito acabam por ocorrer três fenômenos:
O primeiro diz respeito ao conteúdo da ideia em si. Quando uma nova ideia nasce (embora seja
quase impossível de, de fato, uma “nova” ideia nascer, porém não adentrarei em tal assunto)
esta frequentemente possui como fim e motivação não ela mesma, ela não foi criada e
legitimada a partir do “nada”, de uma espécie de contemplação filosófica de seu portador, ou de
uma suposta liberdade filosófica que é em si mesma impossível à nós humanos, mas sim as
motivações de seu autor, daquele que a pensa e imagina. Explicarei.
Toda ideia nasce na mente de um indivíduo (pelo menos por enquanto, visto que tal realidade
está prestes a mudar pois logo seremos superados por máquinas, porém este é um outro
assunto). Como já dito e evidente, somos os únicos seres neste planeta que conseguimos
elaborar, pensar e propor ideias. O grande problema é que estas sempre são frutos do indivíduo
e, em consequência e em última instância, de nossos solipsismos individuais. Explicarei mais
detalhadamente.
Uma ideia não pode fugir ao jugo do aparato cognitivo e/ou subjetivo do indivíduo pelo simples
fato de que nosso cérebro é limitado e assim também são nossas ideias. Só possuímos
consciência e ideias sobre aquilo que nos rodeia, em suma. Consequência disto é que tais ideias
sempre serão relativas àquilo que nos cerca, bem como nossas crenças sejam elas quais forem, e
não à realidade absoluta, visto que para tratarmos de tal necessitaríamos de ter não apenas uma
visão mais ampla das coisas (i.e. sermos capazes de apreender não apenas o planeta Terra, mas
também todo o resto do universo o quanto possível), mas também termos cérebros maiores e
mais desenvolvidos. Consequência disto é que nossas ideias sempre estarão vinculadas, em
suma, à nossa própria realidade, e não à “realidade maior”, o quadro maior do universo em que
vivemos, estando assim sempre limitadas ao contexto daquele indivíduo e daquela situação em
que este vivenciava (embora, certamente, alguns poucos indivíduos tenham conseguido penetrar
um pouco mais à fundo no véu de Maya e tentado estabelecer verdades mais “universais” do
que individuais, tais como Kant e Espinosa).
Não apenas isto, como, segundamente, também frequentemente há uma prostituição da ideia e
da intelectualidade em si ao ego do indivíduo. Explicarei.
Como já dito, por vezes a última camada da mente humana, a consciência, está subjugada à
penúltima, à camada do ego. Por consequência também neste campo, por vezes se pensa não por
e para se pensar em si mesmo, mas sim para se produzir um efeito desejado, ou seja, se pensa
não de forma imparcial, mas sim buscando parcialmente e autoritariamente se chegar à uma
conclusão preestabelecida. Resultado disto é que, frequentemente, filosofias e ideias inteiras são
resultados não de pensamentos e exames puros, a priori, mas sim de vontades e do ego do
sujeito, ou seja, a ideia não se baseia e legitima em si mesma porém em sua causa utilitária, que
é calcada e baseada intimamente no solipsismo do indivíduo e não em uma causa “pura” por
assim dizer. A ideia se forma por uma necessidade de refutação e autodefesa e não numa
necessidade de conhecimento pura, resumidamente.
Destarte, além destes dois obstáculos de ordem qualitativa há um terceiro obstáculo que se
apresenta no simples fato de que se existem ideias que afirmam x, também existem ideias que
contrariam as afirmações feitas sobre este mesmo fato x, tão natural como o fato de que se
existe a cor denominada preta, existe também o seu contrário, a cor branca. Explicarei
novamente.
Para cada ideia que surge, em consequência natural e por fatores egoístas e/ou solipsistas, surge
uma ideia contrária. Para cada tese, há uma antítese como é pontuado por Hegel. A ideia, por ser
fruto da mente e intelecto limitado do indivíduo e por, frequentemente, refletir a sua realidade
seja ela objetiva ou subjetiva, portanto por não ser dotada de universalidade, acaba por muito
frequentemente se deparar com indivíduos que, por possuírem realidades diferentes, acabam por
discordar de tal ideia. Então, o embate, tanto pela via do ego quanto pela via do pensamento
natural, se torna inevitável. Em suma, é impossível para uma ideia existir, neste plano em que
vivemos, sem possuir oposição, sendo mesmo as boas intenções severamente investigadas e mui
frequentemente condenadas. Como já diz o ditado, “nem Jesus agradou a todos”.
Resultado puro e simples disto é que por mais que uma ideia seja moralmente boa, completa
e/ou objetivamente humanista e de melhor aproveitamento e utilização mesmo pela maioria da
humanidade no geral, esta nunca será unânime e com muita frequência será até mesmo
combatida. A gênese pura e simples disto tudo é a de que não há paz neste plano, exceto a
constante e inflexível guerra e discussão, ainda que mais no plano ideológico e intelectual do
que no plano físico de fato. Resumindo, pela via comum das ideias, que frequentemente estão
corrompidas pelo ego e por quaisquer espécies de “preconceitos” e utilitarismos, não é possível
se chegar à conciliação, porém muito pelo contrário, novas ideias quase sempre alimentam
novos conflitos.
Podemos sumarizar tudo o dito na “famosa” tese hegeliana de tese e antítese, sendo que,
particularmente, acredito que nem sempre ocorre a síntese de fato: Uma teoria qualquer surge
(tese), seu contrário naturalmente e por consequência também surge (antítese) e então, o conflito
é inevitável. Podemos observar isto nos mais diversos campos e tempos possíveis, sendo o mais
antigo exemplo conhecido disto a discussão entre Parmênides e Demócrito sobre a natureza do
“ser”. Nem sempre e como afirmado a antítese de tais discussões é claramente visível, sendo
que no caso de Parmênides e Demócrito ainda é frequente que uns se unam à um lado e outros
ao outro, não se chegando à qualquer forma de conclusão definitiva (síntese) sobre o assunto
pela mera natureza “subjetiva”/filosófica do mesmo, muitas vezes sendo dependente mais da
contemplação individual do que da realidade objetiva. Assim sendo e como já afirmado, nunca
se há paz e consenso, pelo menos não pela via comum da intelectualidade e tampouco
(infelizmente) da racionalidade. Aparentemente, somos muito mais tendentes (por motivos mais
explicitamente de ego, eu diria) à discórdia do que à concórdia, sendo a busca por fama e razão
quase universal mesmo entre os ditos “filósofos”.
Finalizando e fazendo aqui uma breve alusão, é de certo que podemos identificar em muitos dos
grandes pessimistas e céticos da humanidade, ainda hoje, uma boa dose de razão. É impossível
de refutar o texto de Eclesiastes, os aforismos pessimistas de Schopenhauer e de Cioran, etc,
pelos simples fatos de que tanto estes versam sobre aquilo que não é objetivo, assim carecendo
de certo “consenso” pela via empírica, quanto também versam sobre algo que todo e qualquer
ser humano pode vivenciar: A decadência na qual vivemos e a total, completa e absoluta
ignorância na qual praticamente todas as massas estão jogadas. É impossível conviver com a
humanidade num geral por muito tempo sem, por consequência e tanto pela via do racional
quanto também da ignorância, se tornar um pessimista de alguma forma. Somos seres
naturalmente (em âmbito social) voltados ao conflito, à discórdia e a guerra *, sendo estas nem
sempre literais mas podendo ocorrer mesmo na via do suposto intelectual. A academia é um
claro exemplo de local de cunho supostamente “intelectual” onde muitas discussões e teorias
versam não sobre o conhecimento em si próprio, mas sim sobre o ego daquele que as emitem.
Somos seres dotados e “abençoados” pelo dom da comunicação, mas dificilmente fazemos uso
desta de fato e mesmo quando o fazemos, mais fazemo-no para nos amaldiçoarmos do que para
nos abençoarmos de fato. O solipsismo assim se demonstra não apenas em si mesmo, mas
também nos únicos potenciais possíveis de curá-lo que por vezes degeneramos, mesmo sem
percebermos: A consciência e a comunicação.
Da Subjetividade
A subjetividade é, talvez, o maior presente que recebemos ao vir à esta existência. É através da
subjetividade e de tudo aquilo que engloba o indivíduo (i.e. todo o seu aparato cognitivo) que
compreendemos o mundo e lhes damos algum valor. Se não fosse pela subjetividade certamente
ainda pensaríamos, porém as grandes dúvidas existenciais não mais existiriam e tampouco as
diferenças entre cada um de nós. Interpretaríamos um mesmo fato da mesma forma, em suma,
ao contrário do que acontece desde a antiguidade e até hoje, e tal diferença entre nossos
pensamentos certamente tanto é nossa maior dádiva quanto também nossa maior maldição. É a
subjetividade que cria as nossas diferenças, porém é o solipsismo que cria as barreiras, até
mesmo de forma literal. Tratarei a seguir sobre a subjetividade e da sua diferença para com o
solipsismo, visto que podem ser mal interpretados como sinônimos.
Primeiramente, sobre a definição de subjetividade. Subjetivo é tudo aquilo que se refere ao
indivíduo. Às suas características gerais tanto inatas quanto obtidas, em suma. Faz parte da
subjetividade a história de vida do sujeito, a influência advinda de seu círculo familiar e social,
suas possibilidades propiciadas pela sua condição financeira, seu senso estético, etc. Em suma e
resumidamente, subjetividade é a soma dos elementos anteriores, individuais e exteriores bem
como de seu aparato cognitivo, memória e consciência. Subjetividade é tudo aquilo que o
indivíduo é, sem o acréscimo do solipsismo, que seria a primeira e também última camada de
processamento e julgo de informações. A subjetividade é quem assimila e soma a si mesma, e o
solipsismo é quem busca tirar algum proveito próprio, em suma.
Somos diferentes porque pensamentos diferentes e somos seres subjetivos, que possuem uma
interioridade. Sobre o mundo exterior, aquele que nos cerca, toda forma de consenso é possível,
e é por isso mesmo que os grandes movimentos populares e políticos são tão onipresentes em
toda a história humana em geral, porém sobre a subjetividade pouco pode ser dito da mesma
forma. Raramente, ou praticamente nunca, houve qualquer movimento em que todos os
membros pensassem exatamente da mesma forma sobre qualquer assunto, e certamente nunca
houve uma “marcha contra a angústia”, ou “marcha contra o medo”, por estes serem
sentimentos subjetivos e que só podem ser sentidos pelo indivíduo e por ninguém mais (é claro
que, citando o segundo exemplo, é possível sim se “capitalizar” sentimentos e transformá-los
em uma espécie de movimento e/ou movimento coletivo, porém e apenas quando estes se dão
no sentido de fora para dentro, e não de dentro para fora. Ou seja, é possível fazer uma marcha
contra o “medo”, porém medo este sendo inspirado pelo estado, pelo governo, por certo ditador,
etc, e não pelo medo individual, subjetivo, seja por qualquer coisa. Somente pode se transformar
em símbolo do coletivo aquilo que é sentido pelo coletivo, sendo o individual, por vezes e
dependendo do viés político do qual se trata, descartado).
Como dito, é da subjetividade que provém as diferentes formas de encarar e sentir o mundo. Um
mesmo fato pode ser não apenas pensado de formas diferentes, como também até mesmo ser
sentido de formas diferentes. Um exemplo:
Imaginemos que um novo sistema político é instalado no país, seja por qual motivo for, e que tal
sistema possui aprovação de 99% da população em geral e que possuem inclinações a este
mesmo partido político que está no poder. Por mais que possa-se dizer que 99% das pessoas
ficarão “empolgadas”, felizes, satisfeitas ou qualquer coisa do tipo pela posse do novo governo,
1% da população poderá sentir tristeza, desesperança e mesmo desespero ao perceber o quão
poucos são em comparação com os outros 99% da população. Ou seja, os 1% restantes que não
apoiam o novo sistema político poderão se sentir exatamente de forma contrária à grande
maioria da população, mesmo que esta seja quase absoluta, com um número de adesão de 99%.
Em resumo, nenhum fato empírico, por mais objetivo que possa ser, é sentido da mesma forma,
sendo a subjetividade o nosso principal motor e “pedra de toque” universal, até mesmo
inconsciente, tanto do mundo que nos cerca quanto do nosso mundo interior, da nossa
interioridade.
Sobre a interioridade, defino-a simplesmente como o “mundo interior” que possuímos, isto
englobando não apenas os nossos sonhos e imaginações, como também nossas impressões sobre
o mundo exterior e pessoas, nossos devaneios, etc. A interioridade é a soma de toda
intelectualidade por nós possível com certos atributos imaginativos, o que tornam nossa
interioridade, em tese, infinita, porém cuja realidade não é exatamente “infinita”. Explicarei.
Como já dito, o indivíduo só consegue pensar, raciocinar e imaginar sobre aquilo que lhe cerca,
sendo sua própria representação na interioridade advinda de imagens exteriores. Quase sempre,
em ligação com o ego, o indivíduo imagina-se maior do que realmente é, superior ao que
realmente é, excetuando-se casos de depressão e correlatos. Tudo o que pensamos e
conseguimos imaginar provém das nossas impressões sobre o mundo exterior, e é por isso
mesmo também que é tão difícil para nós imaginarmos qualquer forma de metafísica (é
impossível, tanto pela nossa temporalidade quanto também pela falta de um “referencial”
exterior, por exemplo, imaginar o que é o infinito, o que é o eterno, o que é o onipresente, etc).
Assim, a interioridade, por mais que seja uma característica do “interior” do indivíduo, se forma
a partir das características de seu exterior, podendo ser esta tanto mais “rica” quanto mais seu
exterior for rico também (aqui não falo apenas no sentido material, mas também no sentido de
estímulos, relações familiares saudáveis, boas amizades, contato com a natureza, etc).
A interioridade imagina o universo, a subjetividade lhe dá alguma ordem e “valor”.
A subjetividade versa não apenas sobre o mundo interior, como também sobre o exterior.
Possuímos opiniões próprias e “impressões” sobre a realidade graças à subjetividade em
somatória com nossos valores num geral e solipsismo. Por mais que, em tese, a subjetividade
atue “sozinha” no julgo sobre si mesma e sobre o mundo exterior, esta nunca está sozinha de
fato pois sempre está em um contato, nem sempre por nós percebido, com nossos solipsismos
individuais. Explicarei como se dá a contextualização e legitimação filosófica de tal no próximo
capítulo.
A subjetividade é a soma de todos os valores A, B, C, D, T38, $#2, etc, presentes em nossa
consciência desde antes de nosso nascimento até o momento presente. Tudo o que nos cerca e
absorvemos se torna parte, em resumo, de nossa subjetividade, sendo determinados valores,
influências e elementos de mais peso e valia conforme o indivíduo (por isto mesmo certos
indivíduos veem mais valor no “nós”, e outros no “eu”, alguns na religião e outros na ciência,
em suma). Somando-se tudo, absolutamente tudo o que é referente ao indivíduo, tanto fora de si
quanto também em si mesmo, chegamos e surge então a subjetividade, que engloba tudo aquilo
que somos e a forma como percebemos o mundo exterior.
Vale notar, antes que apareçam objeções, que não é a subjetividade que determina o que é o
mundo exterior de forma objetiva, ou seja, não é a subjetividade o melhor determinante para o
que é o mundo exterior, visto que possuímos consciência sobre nossas limitações empíricas e
cognitivas, mas sim a consciência em si mesma e sua capacidade de racionalização (e, ainda
assim, a resposta sobre o que seria o mundo exterior de forma objetiva ainda não é satisfatória,
mas é o mais próximo que podemos chegar de uma). É a cognição (parte da subjetividade) que
percebe o mundo e o transforma em “algo” para nós, mas esta mesma, que é o receptor mais
“imediato” do mundo exterior, não é a pedra de toque mais confiável quando se trata de um jugo
e análise mais aprofundada sobre a realidade objetiva, sendo, certamente, a atenção, paciência, o
tempo e análise características essenciais à todos aqueles que quiserem sequer sonhar em sair da
caverna de Platão, fruto esta das armadilhas sensíveis e da pouca profundidade filosófica que se
pode ter sobre o mundo exterior e sobre si mesmo. Para a subjetividade, esta é em si mesma
(ainda mais sob auxílio do solipsismo) tudo, mas não se pode cair em tal armadilha se se quer ir
mais longe do que si mesma, ou seja, se se quer ir mais longe do que as impressões imediatas do
indivíduo: É preciso submetê-la ao exame da consciência, parte de nós que poucos utilizam de
fato.
Tanto a subjetividade quanto o solipsismo acabam por se “servir” do aparato cognitivo como
um todo para formar suas próprias concepções e conclusões. A subjetividade mais
possivelmente se alia e está ligada ao pensamento e impressões próprias, por isto é uma dádiva,
enquanto o solipsismo mais se alia aos instintos e à legitimação de si mesmo bem como do ego,
principal camada de consciência que se serve do solipsismo (e também que serve ao).
Para resumir as diferenças entre cognição, subjetividade e solipsismo, visto que todas estas três
partes do indivíduo estão muito intensamente integradas, trago a seguinte fórmula de uso geral:
A cognição percebe e assimila (no sentido de memorizar) os acontecimentos, a subjetividade os
interpreta (muito frequentemente de forma inconsciente) e lhes confere algum valor e o
solipsismo realiza a integração entre os dados desenvolvidos pela subjetividade e aquilo que já
está “instalado” no indivíduo, ou seja, seus preconceitos, valores e instintos, em suma. Ou seja,
o solipsismo utiliza os dados obtidos tanto pela cognição quanto também pela subjetividade em
prol do indivíduo, na tentativa de avaliar como estes podem lhe ser de algum uso até mesmo
pela via (camada) do ego. O solipsismo não é uma das camadas do sujeito (como expostas no
capítulo Ego e consciência) e tampouco é parte do processo de conhecimento, mas sim parte do
“instinto” natural do indivíduo e parte de sua subjetividade natural que busca justificar a
existência do mundo exterior através de sua própria existência, como se o mundo existisse não
por conta própria, mas sim por causa da existência do indivíduo (daí sua semelhança com o
existencialismo). O solipsismo, assim como a consciência, consegue se utilizar de engrenagens
e características que não são deles propriamente dito. Em si, possui poucas capacidades
próprias, mas é capaz de plenamente se “aproveitar” das capacidades de outros mecanismos
internos que frequentemente não tem relação com o solipsismo.
A subjetividade, por mais que presente em todos os indivíduos, ainda assim é mais ou menos
desenvolvida conforme for o conhecimento do sujeito, tanto sobre si mesmo quanto sobre o
mundo que lhe rodeia, e conforme for a sua “bagagem” de vida. Tal como a consciência, todos
os indivíduos, em tese, a possuem, mas poucos a desenvolvem de fato. Não que a subjetividade
esteja pouco presente na maioria dos sujeitos, mas pura e simplesmente esta é completamente
“genérica” e comum na maioria destes, tanto mais estes estão mais integrados às grandes
populações e movimentos identitários do que a si mesmos. Em suma, todos possuem um
sistema subjetivo, mas poucos possuem sistemas subjetivos próprios, pois poucos possuem
capacidade de análise própria suficientemente satisfatória para perceberem (e modificarem) o
que lhes influencia e o que constituem suas formações individuais. Resultado puro e simples
disto é que pouquíssimos sujeitos possuem personalidade própria, de fato.
Por sermos influenciados de tantas formas diferentes, termos pais e criações tão diferentes,
fazermos parte de meios tão diferentes, vivermos em culturas tão diferentes, possuirmos
interesses inatos tão diferentes, etc, e por subjetividade ser a soma de todas estas características,
é seguro dizer que, em si mesmo, o indivíduo é único, de tão grandes que são o número de
variáveis e suas possíveis características. Ainda assim, poucos são os que possuem
características, sejam elas quais forem, memoráveis, sendo como já dito a maioria apenas um
“espelho” do que os outros são, visto que com certeza é muito mais fácil seguir a maré do que
lutar contra ela (não que aqui haja muitos meios de luta, mas imagine que o sentido comum do
rio é, sempre, maligno e de pouca valia). Possuímos entendimentos diferentes mesmo quando o
assunto é o mesmo, e por isso mesmo uma tentativa de conciliação entre a maior parte da
humanidade é praticamente impossível, assim como apontado no capítulo interior. Em suma,
nossa subjetividade é talvez a principal responsável pela formação e pela nossa identidade
própria, porém também é ela a responsável, bem como nosso solipsismo, por nossas diferenças
e pelos frequentes “choques” de diferença que daí ocorrem. Outrossim, não importa o ambiente,
não importa a formação, não importa nem mesmo a genética, se se é humano, se possui
subjetividade, mesmo que pouco desenvolvida.
A subjetividade, tal como seu portador, possui uma lógica única e individual que, mesmo não
consciente, se faz onipresente. Tal como relatado no capítulo Lógica e individualidade, a
subjetividade também possui seus mecanismos próprios que se aliam, construindo uma grande
rede de informações e conceitos que se cruzam e medem tanto o nosso mundo interior como
também o mundo exterior. Para citar um breve exemplo, retomemos o caso do indivíduo de
“caráter” mais conservador, porém alterando-se os motivos: Não se é conservador por
personalidade própria (elementos individuais), mas sim por se ter passado por experiências mais
“liberais” que foram, ao indivíduo, de consequências extremamente negativas. Por mais que tais
experiências não sejam necessariamente correlatas com outras experiências, não é pequena a
chance do indivíduo, a partir de tais experiências de caráter mais “liberal” e sentimento
negativo, com o tempo passar a taxar todas as experiências com este igual atributo e sentimento
negativo e passar a evitá-las, preferindo por experiências, pessoas e situações de caráter mais
“conservador”, mesmo que o atributo subjetivo em si inicial e desenfreante tenha sido apenas a
experiência, ou seja, a cognição, e não as demais capacidades presentes no indivíduo. Resultado
disto é que, por mais que não se saiba conscientemente o porquê, o indivíduo do exemplo não
conseguirá mais ou evitará de se envolver em situações mais de “risco” por ligá-las às
experiências negativas. Passará a não apenas evitar experiências “liberais”, como também
poderá preferir pessoas de cunho mais conservador, começar a ouvir música mais
“conservadora” (no sentido de estilos musicais mais “clássicos”, tais como Rock, Pop, a própria
música clássica, etc), evitar filmes de terror (que remetem ao “inexplorado”), etc. Em suma, um
simples elemento captado pela subjetividade tem o potencial de mudar toda a forma como a
pessoa enxerga e lida com o mundo. Se atribuo x valor universal à determinada coisa,
determinada coisa sempre terá o valor x, mesmo quando não raciocino conscientemente sobre
(até que se pense sobre ou se tenha uma experiência mais ou menos radical sobre, tal tendência
tende à não mudar. Um x atributo não apenas tende a assim permanecer como x, como também
influenciar em nosso jugo sobre outras determinadas coisas relacionadas a este atributo x). A
subjetividade, tal como nossa lógica individual, rapidamente e inconscientemente calcula todas
as variáveis e seus valores já captados pelo indivíduo e então, de maneira automática, dá uma
resposta ao indivíduo conforme o resultado obtido da “conta”, podendo ser esta resposta não
apenas um “sim” ou “não”, um “permitir” ou “não permitir”, mas até mesmo uma sensação e/ou
sentimento e/ou lembrança. Enfim, o que lhe serve de maneira positiva e/ou está ligado à uma
memória positiva certamente é incentivado, enquanto o contrário é evitado de uma forma geral
(isso quando tal decisão baseia-se apenas no inconsciente, sendo que, como já dito, a
subjetividade pode ocorrer de forma consciente, e aí se encontra sua diferença para com o
solipsismo).
Para finalizar, é importante dizer que a subjetividade, em contrato com a consciência, é a única
camada capaz de “frear” o nosso impulso solipsista natural, ou de simplesmente cessar de
enxergar as coisas somente ao modo e interesse próprios. São estas duas as principais aliadas no
“combate” ao mundo próprio e na megalomania solipsista, sendo suas capacidades e seus
entendimentos próprios especialmente frisados a partir da próxima parte (Amor) deste livro.
Solipsismo Justificado
O principal motivo, puro e simples, do solipsismo ser tão vigente e predominante na maior parte
da humanidade é o simples fato de que o solipsismo é a nossa condição natural. Se se age
apenas por base do inconsciente, deixando que este tome todas as decisões por nós, se deixa que
o solipsismo, com muita frequência, decida por nós. O solipsismo é, em suma, aquele que provê
as respostas mais fáceis, rápidas e autônomas, e não apenas isto, mas também nossa reação
natural à muitas situações, quanto mais o indivíduo for inconsciente e/ou egoísta/individualista.
Como a maior parte da humanidade tende a não passar a maior parte da vida “acordada”, mas
sim “dormindo”, é certo que o domínio do solipsismo sobre a consciência quase sempre seja
regra para a maior parte desta. Sobre isto, não há o que culpar e nem o que ser dito, pois querer
mudar as massas é uma tarefa inútil (estas sempre assim serão, não há coisa alguma a se fazer
sobre), porém desejo aqui tratar sobre uma tendência até mesmo no campo filosófico que vem
cada vez mais se consolidando e que já faz parte da “nuvem cultural” do ser humano do novo
século, tendência esta sobre a qual também abordarei no capítulo Breve crítica à modernidade:
A mentalidade e “consciência” de que o mundo é fruto da consciência individual, e não o
contrário.
Desde, provavelmente, Descartes (ainda que provavelmente não tenha sido esta a sua intenção),
se comete o grande erro (através de uma má interpretação da maioria sobre o “cogito ergo sum”,
acredito) de atribuir a existência do mundo à existência do “eu”, como se, sem mim, o mundo
certamente não fosse existir, ou como se o mundo inteiro fosse uma consequência da minha
existência, que o mundo inteiro só existe por minha causa e não o contrário. Como se, fazendo
uma analogia moderna, “eu” fosse o computador, o hardware, a estrutura básica e vital para a
existência de um sistema, e como se o mundo exterior fosse o software, ou seja, a consequência
da existência do “eu”, ou mesmo uma simulação que o “eu” projeta em uma espécie de “sono
longínquo” que é a nossa existência terrena. Tal forma de “consciência” trouxe consequências
terríveis ao indivíduo e à sociedade em geral por ter contribuído tanto para que
permanecêssemos mais longinquamente em nosso estado de “sono”, porém agora de maneira
estimulada e justificada, como também, e certamente, por ser um dos pilares e bases “sociais”
que se instalam no psicológico do indivíduo, assim lhe servindo de influência social para mais
facilmente absorver e viver em um meio materialista i.e. capitalista. Falarei um pouco mais, de
maneira resumida (visto que tal crítica será mais abrangente no capítulo de crítica à
modernidade), sobre como o solipsismo é justificado na modernidade tanto em si mesmo quanto
também pelo social.
É certo que a subjetividade, e nossa consciência, são as únicas que, com certeza e sem duvidá-lo
em momento algum (ao contrário do que pode acontecer em alguns momentos, se tratando da
consciência de outrem), estão presentes a todo momento e existem por si só em nossa
percepção. Podemos sentir o exterior a partir do interior e isto é pura e simplesmente um fato.
Porém ocorre que na modernidade se acredita que só podemos fazer afirmativas sobre a nossa
própria consciência e nada mais pode ser dito sobre o mundo exterior, visto que não podemos
ter certeza, sem dúvidas (em tese), sobre se os outros também possuem consciência ou não
(ainda que muito provável). Resultado disto é que só podemos “provar” a verdade que se faz
presente em nossa cabeça (na cabeça do indivíduo), e em nenhuma mais além da nossa.
Resultado disto é que o mundo ao meu redor só pode ser definido em suas características gerais
e até definido como “existente” a partir da minha existência, e nada mais. Somente com minha
existência posso provar algo lógico sobre o mundo exterior, e se eu não existisse não haveria
como, do meu ponto de vista, eu provar coisa alguma. Resultado quase natural (porém não tão
lógico) disto é que, em consequência, o mundo deve ser uma consequência da minha existência,
visto que somente através dela posso comprovar o mundo, e não o contrário. O mundo se torna,
então, consequência da minha existência, visto que sem ela eu não poderia provar o mundo. Tal
forma de racionalismo, certamente, serviu como uma das premissas mais básicas do
existencialismo que, como já dito, é um dos fatores exponencializadores das nossas tendências
solipsistas. Enxergamos o mundo não porque o mundo em si mesmo existe, mas sim porque,
antes de tudo, nós existimos, o que contribui imensamente para a legitimação do eu e da
individualidade. E, quase como por consequência, do solipsismo também.
É certo que, do ponto de vista do “eu”, eu sou tudo e sem mim mesmo nada poderia afirmar
sobre qualquer coisa, visto que eu sou uma unidade presente no todo, que percebe o todo e que,
sem tal unidade, quiçá (certamente) não se poderia perceber o todo, do ponto de vista do eu.
Porém, e aí é que está, consequência lógica disto não é que, necessariamente, o mundo só exista
porque eu existo e posso percebê-lo, mas sim que, necessariamente, eu seja uma unidade de
percepção e aferimento do mundo, mas que não necessariamente eu TENHA de existir, de
maneira obrigatória e necessária, para que o mundo então exista. Prova pura e simples do que
estou falando é a consciência de que, anterior a mim mesmo, bilhões de outras pessoas,
semelhantes à mim, com a mesma forma que eu e até mesmos pensamentos (se costumo ler e/ou
falar sobre pensamentos e sentimentos), já passaram por aqui, algumas deixaram seus nomes na
história e este chegaram até mim, comprovando que, se aqui estou neste momento, é porque
antes de mim houve outros. Logicamente e em consequência, se outros existiram e aqui
deixaram suas marcas (algumas de caráter inegável), é certo que o mundo já existia antes de
mim mesmo. Se estou aqui, é porque minha mãe e meu pai também estão, ou estiveram, aqui, e
posso percebê-los, sei de suas existências, e o mesmo acontecerá caso um dia eu tenha um filho.
O mero fato de poder dar a “luz” à uma outra existência, e esta outra existência aqui poder
continuar enquanto nossa consciência poder não mais estar, e esta outra existência poder até
mesmo ser muito diferente (em termos de opiniões, valores, etc) de nós mesmos, já é uma
evidência em si de que o mundo, quando se fala do individual, só pode ser percebido com
certeza por este, mas de que o mundo não é consequência deste mas sim pura e simplesmente
percepção deste e aquilo que permite que este exista por ser o espaço em que se dá tal
existência. Em suma, o mundo é “maior” do que o indivíduo, visto que este continua enquanto o
indivíduo perece, bem como já estava presente antes mesmo deste existir. O racionalismo,
quando tomado por tal raciocínio incorreto de legitimar o mundo através da “minha visão” e não
o contrário, acaba naturalmente sendo um justificador natural do solipsismo, e, como dito,
várias são as correntes, dentre elas os individualismos e existencialismos no geral, que se
servem deste raciocínio.
Enfim, não há muito o que dizer tanto sobre este ponto de vista “ilógico” quanto sobre a imensa
maioria da população que está imersa em seus solipsismos individuais, a nós basta-nos dizer que
o caráter geral da modernidade é o de defender, tanto implicitamente quanto até explicitamente,
a existência do indivíduo, sua importância e como esta deve ser o centro do mundo, o centro do
universo inteiro. Não há o que fazer para tentar mudar tal, e aqui apenas é de meu desejo ilustrar
de forma resumida o que percebo que acontece em nossa realidade e como esta, em maior ou
menor grau, sempre nos afeta de forma a nos fazermos pensarmos que estamos “sozinhos”
quando na realidade não o estamos. Basta ler um livro de Tolstoi, ou um de Dostoievski, por
exemplo, para se perceber o quanto sentimentos humanos podem ser universais e/ou
universalizáveis e o quanto partilhamos em comum, e que esta “solidão” sobre a qual muito se
fala * muito mais nos é fruto de uma ignorância do que de um conhecimento, tal como o
solipsismo também naturalmente o é. Na próxima parte deste livro falarei sobre aquilo que pode
ser tido como seu contraponto, o amor, e sobre como, em realidade, poucas pessoas amam de
fato.
Anexo
Amor
Definição
Quando concebi a ideia deste livro, defini como amor a simples definição “unidade de ordem
transcendetal”. Assim, amor seria uma unidade de ordem trancedental cujas cada uma das
palavras desta sentença possui um significado e elemento do que chamaria de “amor”. Seguem
tais significados:
Unidade – Daquilo que é uno, unificado, e da ordem do uno, incorruptível. Daquilo que é
uniforme mesmo que seja constituído por mais de um componente, daquilo que é perfeitamente
encaixado. Daquilo que possui uma natureza e realidade mais ligadas à ideia de algo do que ao
algo em si.
De ordem – De natureza.
Transcendental – Daquilo que quebra a lógica humana, ou melhor, daquilo que quebra a lógica
natural de todas as coisas sencientes que conhecemos. Daquilo que, pura e simplesmente,
quebra o solipsismo, assim seguindo uma lógica guiada não mais pelo “eu”, mas sim pelo
“nós”.
Seguindo tal definição, chegaríamos à concepção de que amor em minha tese seria uma espécie
de “imperativo categórico”, em que tal imperativo se daria não pela ordem da razão, mas sim
pela ordem do que seria o ideal, daquilo que estaria mais ligado, como dito, ao mundo das ideias
do que ao mundo ao qual pertencemos de fato. Por muito tempo me guiei por tal definição e
realmente nela acreditei, porém, com o passar do tempo, experiência e com o próprio
desenvolvimento deste livro e de sua ideia em si, percebi que tal concepção deveria ser
modificada à fim de ser melhor acessível à maior parte da humanidade, assim como à mim
mesmo, pois seguir uma espécie de “imperativo categórico”, e aqui longe de querer tecer uma
crítica à Kant, é um passo grande demais à todo ser da modernidade, e certamente adotar tal
lema de vida seria como querer abraçar o mundo inteiro apenas com os dois braços, curtos e
frágeis, como diz o ditado.
Assim, para não nos enfastiarmos com uma definição que poderia ser por demais “pesada” para
a maioria de nós, e até mesmo que desembocaria em um caráter muito mais subjetivo do que
objetivo da ideia do que quero passar (visto que haveria de definir “amor” como uma
transcendência de si mesmo, porém tal transcendência é individual e cada um sabe ou não o que
mais lhe pesa no processo, assim não podendo estabelecer um padrão “x” que haveria de ser o
mudado, visto que tal padrão variaria conforme o número de pessoas que existem), decidi por
me ater mais à realidade das coisas do que à busca do idealismo sobre as coisas, o que não quer
dizer que este escrito não mais será um escrito idealista, pelo contrário, apenas quer dizer que
mais próximo torna o ideal a ser atingido da possibilidade em si para a maioria de nós, coisa que
de muita dificuldade seria caso houvéssemos de seguir minha concepção antiga.
Enfim, tenho como nova definição de “amor” algo não menos complicado, porém mais possível
à aplicação na vida real, e não e puramente (e somente) no campo das ideias: A boa vontade
geral para com as coisas em si.
A natureza do amor, tanto na minha versão anterior quanto nesta que utilizarei neste livro,
permanece a mesma, permanecendo como algo que “transcende” a condição e imperativo
categórico humano natural, ou seja, o solipsismo, porém altero a frequência do amor para algo
não que seja como a natureza do absoluto (como antes era), indissolúvel e inegociável, mas sim
como algo que deve ser aplicado de forma específica conforme cada pessoa, de acordo com sua
tematicidade * (sobre o conceito de tematicidade, sugiro a leitura do livro A alma do mundo, de
Roger Scruton) e de acordo com o que nos é possível. Explicarei.
Antes, como conceito e forma absolutas, o “amor” seria um mandado absoluto dirigido a tudo
aquilo o que existe. Ou seja, seria uma tentativa de “transcendência” para com tudo e para com
todos, desde para com nossos pais por exemplo até para com um estuprador, uma árvore e um
cachorro, por exemplo. Assim, o amor era dirigido não à uma criatura, mas à absolutamente
todas, visto que a natureza do absoluto abrange ao todo e não à apenas parte, tal qual a natureza
de Deus por exemplo. Agora, o amor ainda possui como objetivo tal natureza absoluta, mas não
mais é imperativo. O que quero dizer é que o amor se torna um dever, mas não uma obrigação
moral passível de repreensão extrema tal qual poderia nos ser gerado caso o considerássemos
em si como algo absoluto de fato (assim nos gerando tal pressão que todas as formas de
punições e culpas nos seriam passíveis como forma de apaziguar as crises de consciência que
daí sofreríamos). O amor deve ser o meio, mas não o fim em si da coisa, e sobre isto explicarei
melhor apenas na última parte deste livro.
Amar seria ter uma boa vontade geral para com alguma coisa. Não mais como princípio
absoluto, o amor poderia ser tematizado com aquilo que nos requer/nos podemos dirigir. Amor
seria, em suma, uma boa vontade para com aquilo que não atende aos nossos interesses, um
estado de “bondade” geral para com tudo aquilo que não nos traz benefício algum. Seria agir
como agimos com nossos pais e parentes amados, por exemplo, porém de maneira universal. É
uma boa disposição, em suma, mesmo que nada ganhemos com isto.
Como tal definição seria diferente da definição de amor que é mais comumente aceita, a do
amor carnal por exemplo? Porque tal definição, em primeiro, não envolve a carnalidade e as
relações carnais, muito pelo contrário com muita frequência, e em segundo lugar que nada
obtemos disso e que nenhum laço, em tese, possuímos com tais pessoas aos quais os nossos
“bens” ou pelo menos nossa “boa vontade” podem ser dados. Explicarei.
Tomemos um exemplo de um casal de namorados. É de comum entendimento e consenso que
tal casal, em uma relação saudável, se ama e o conceito de amor, como deve ser tomado,
frequentemente envolve “sacrifício pelo outro”, definição pela qual estou de acordo. Tal
relação, em si, pode ser chamada de amor, porém está bem longe do que defini como amor no
sentido mais “universal”, aquele amor que seria mais nobre e movido não por interesses
próprios e individuais mas sim pelo amor na coisa em si (e aqui, começaríamos a avançar na
narrativa, mas justamente por isto aqui me limitarei). O que quero dizer com isto?
Quando o indivíduo, por exemplo, faz um bom ato à namorada, este o faz porque possui um
laço com ela, e porque disto pode ganhar outras coisas em troca. Quando em casal, tudo pode
ser negociado, acertado e com muita frequência se realizam atos ou desejos que mais são feitos
pela espera do “troco” do que pelo desejo, em si, de querer fazer o outro feliz. Tal relação, que
pode não ser baseada somente na troca, mas que querendo ou não sempre tem um pouco de
“trocas” (ainda mais quando se fala de relacionamentos a longo prazo), não é o que aqui desejo
ser desenvolvido, já que, primeiramente, tal relação, a de ganho e perda, se encontra também no
materialismo (capitalismo) e caso fôssemos buscar desenvolvê-la, nada mais buscaríamos a não
ser repetir a já predominante lógica do mundo.
Segundamente, o indivíduo ama a namorada por fatores também biológicos. Porque tem
relações carnais com esta, porque esta lhe supre o “instinto”. Não que a realização do amor
pleno seja impossível em uma relação em casal, não quero correr o risco disto afirmar, mas sim
que, certamente, tanto mais a relação carnal é a prioridade do casal, tanto menos se amam por se
amar, mas sim por instinto. Porque se deixa o biológico imperar sobre as razões racionais, e
assim se mantém um relacionamento não pelo amor em si mas pura e simplesmente para suprir
o segundo instinto, de auto reprodução, e não muito além disso.
Tal lógica e “ética” das relações de ganho e perda pode com muita frequência ser estendida à
todas as relações do sujeito, assim estas se dando mais por interesses e trocas, quando não por
mera e puramente “hábitos” e aparências, do que pelo amor em si, pela bondade em si e pelo
desejo de se fazer bem, mesmo que nada se ganhe com isso. Sobre isto, pode-se dizer que
infelizmente o capitalismo e utilitarismo impregnaram todas as esferas possíveis, até mesmo a
esfera das relações íntimas, onde passa a acontecer casamentos e relacionamentos que, a partir
do momento que não mais trazem ganho ou benefício algum para uma ou ambas as partes, são
seriamente postos em cheque e quase sempre cedem.
Não estou afirmando que não existe “amor” em relação humana alguma comum, mas sim que
estas, com muita frequência, também são regidas por motivos que não são a coisa em si e o que
se deve para com esta, mas sim pelo que esta coisa pode nos proporcionar (visto que esta é, em
tese e resumidamente, a função mais básica do solipsismo, procurar proveito e motivação
própria para construir um significado sobre alguma coisa, sendo, se tal significado for positivo,
o resultado “apego”, e se tal for negativo, indiferença).
Amor, no sentido mais universal e que aqui estou tomando, seria basicamente uma boa
disposição não apenas para com aqueles que em tese se ama, mas também com tudo o que for
possível, sendo que, desta máxima se pode extrair outra máxima, cuja formulação é a seguinte:
Tanto mais extenso é o amor (no sentido de abrangente, de número de coisas possíveis que se
ama), tanto mais este estará próximo da perfeição, ou pura e simplesmente, do amor perfeito, ou
amor de Deus, como dizem os cristãos (excetuando-se, aqui e claro, o amor aos defeitos, aos
vícios, ao desentendimento, etc, coisa que certamente tanto nós como Deus não devemos amar).
Amar seria, basicamente, estender a boa disposição, a boa vontade e a bondade para tudo o
possível e que pode ser bom, mesmo quando não há ganho próprio. Tal lógica, por si só, quebra
o solipsismo e seria alguma forma de “transcendência”, visto que o solipsismo busca
naturalmente para si mesmo aquilo que lhe trás benefício próprio, e com muita frequência
imediato, e não o que para ele não possui motivo algum de ser (porque para ele, tal motivo
encontra-se apenas em si mesmo, e não nas necessidades das outras coisas que por ele são tidas
com indiferença e até desconfiança sobre sua natureza, mas que, na maior parte dos casos,
possuem tal natureza como a nossa).
Quanto mais se ama, tanto maior é o número de pessoas e de seres viventes aos quais se estende
a boa disposição, tanto maior será nosso amor e mais próximo do perfeito ele será, sendo esta a
diferença principal da minha antiga concepção. Nela, uma “aproximação” é inaceitável pois tal
ainda não é absoluta, não segue a natureza do absoluto, e somente esta deveria ser aceita. Como
previ o imenso choque de consciência que daí poderia se originar, pensei que nos atermos ao
real, pelo menos por enquanto, nos seja de melhor uso e máxima do que nos atermos ao que
seria o ideal, que é, de fato, o absoluto e o imperativo categórico. Mas como já dito e como
ainda será exposto, à nós é ainda mais difícil, na modernidade, amarmos à alguns poucos do que
nos era antigamente, imagine então amar a humanidade inteira! (Não que esta não o mereça,
enquanto conceito, porém é um conceito que abarca um coletivo, um coletivo de humanos, e
amar tal coletivo em sua completude se chocaria tanto com o seu tamanho que pode-nos parecer
“assustador” quanto também com a falta de uma “tematicidade” se amássemos ao gênero mas
não ao indivíduo em si que carrega o gênero. Por isto e por enquanto, mais vale o amor pelo
individual e com o passar do tempo, quiçá, o coletivo).
O amor, assim, mais nos é um exercício do que uma máxima, ainda mais visto que tal máxima
precisa com muita frequência considerar as diferenças entre os indivíduos, porém e ainda assim,
deve ser tratada (porém não entendida) como se fosse uma máxima, mesmo não sendo. Por
pequenas ações e pelo intelecto pode-se estender o amor aos outros, tanto mais como nos for
possível, e realizar bons atos para com aqueles que não são de nossa família natural, por
exemplo, já pode por nós ser tido como um bom sinal. Como realizar a máxima do amor, como
estendê-lo, e por que nos encontramos tão distantes do amor pleno, e por isto sofremos tanto
para realizá-lo, serão justamente os temas que buscarei desenvolver tanto a seguir quanto na
próxima parte deste livro, buscando adentrar nas partes que não são tão evidentes sobre esta
questão.
Exposição do Problema
Como é evidente, o exercício do amor bem como edificar-se em tal conceito acaba por logo
encontrar uma série de problemas, desde a sua concepção (o que não implica em defeitos
estruturais, mas sim em uma dificuldade de sairmos de nossos estados naturais e nos adaptarmos
a este) até a sua execução. Enunciarei alguns destes.
Como já dito, o nosso estado natural é regido tanto pelo inconsciente quanto também pelo
solipsismo. Quando agimos de forma “automática” e pouco reflexiva, quase sempre tendemos a
escolher aquilo que nos é melhor, o que não é necessariamente um problema porém quando
muito repetido, e por populações inteiras o repetindo, se torna fruto da modernidade que hoje
temos. A maioria de nós, pura e simplesmente e como já enunciado, passa a maior parte da vida
seguindo os mesmos ou quase mesmos pressupostos, poucos ousam qualquer coisa em qualquer
campo, e resultado puro e simples disso é que até mesmo no campo do material poucos
alcançam o “sucesso” e se tornam “milionários” ou qualquer coisa do tipo. Poucos se destacam,
em suma.
Nossa ação mais natural, quase como se fosse um reflexo à algum estímulo/incentivo, é a de
agir em prol de nós mesmos. Como se o mundo houvesse sido feito somente para o nosso
desfrute individual, como já dito, tudo aquilo que nos gera e possui algum valor é por nós
valorizado, enquanto tudo aquilo que não, ou seja, a gigantesca maioria dos objetos e entes
existentes, é por nós ignorado ou mesmo negligenciado. Tendemos a agir sempre em favor
próprio, mesmo quando fazemos decisões de forma consciente, e isto por si só é um grande
entrave à superação do solipsismo.
Alguém certamente neste ponto deve perguntar: “Então, se é tão difícil lutar contra o solipsismo
e se isto é o meu instinto mais natural, por que eu deveria combatê-lo? O que ganho com isto?”.
A própria pergunta já demonstra o problema dentro do problema.
É, para nós e como já dito, muito difícil sairmos da lógica de ganho/perda, sendo a relação por
trocas parte natural tanto do funcionamento humano (o behaviorismo por exemplo muito tem a
falar sobre isto) quanto também do funcionamento social. Não estou querendo aqui combater tal
sistema, afinal, dificilmente funcionaríamos e comporíamos sociedade se não existisse um certo
“sistema de troca”, mas o que quero dizer é que, à nível pessoal e de relações íntimas, tal
sistema tende a criar indivíduos mesquinhos, egoístas e tal como vemos em especial nas
sociedades modernas. Ou seja, indivíduos completamente desprovidos de interesse por qualquer
coisa que não sejam eles mesmos.
A problemática desta questão se demonstra na sociedade moderna como um todo. O único
argumento concreto que possuo para demonstrar o quanto o solipsismo é um verdadeiro entrave
nas relações humanas é a sociedade moderna em si mesma, e se o indivíduo concorda comigo
que a sociedade moderna, em suas relações humanas, com certeza não é um modelo a se seguir
eu diria que já pode extrair daí uma boa motivação para combater o seu solipsismo de alguma
forma. Porém, no caso em que o indivíduo é plenamente a favor do estabelecimento e
manutenção da sociedade moderna como um todo, não enxergando problema algum tanto nas
relações sociais e familiares predominantes quanto também nos rumos que o ser humano, tanto
em termos de ideias quanto também em termos concretos, está tomando, então aconselho tal
indivíduo a parar a leitura deste livro neste exato momento, pois pouco daqui poderá extrair por
não enxergar como “problemas” o que aqui é exposto como.
Não se deve combater o solipsismo por qualquer forma de interesse próprio. Assim fazê-lo já é
estar a favor do solipsismo. Em verdade, não há nenhum argumento concreto, que seja rápido,
simples e fácil, para se tentar substituir a rotina do solipsismo pela rotina do “amor”. Me parece
de tão difícil defesa como defender, em situações atípicas, que se faça o bem mesmo quando o
mal não seria pego e punido por tal ação. Por que a maioria de nós não faria o bem em ocasiões
em que o mal não seria pego (problema já exposto até mesmo pelos filósofos antigos)? Pelo
simples fato de que fazer o bem, com muita frequência, não implica em um ganho na relação de
troca, ganho e perda, mas fazer o mal, com também muita frequência, implica, por implicar
ganhos advindos de posses alheias, bem como mentiras em proveito próprio, dentre outros
crimes possíveis. Os fatores e argumentos materiais quase sempre se amparam, e ocorrem de
fato, seguindo a lógica do ganho e perda, e qualquer um que deseja sair disto certamente deve
abandonar à todas as formas de ganhos materiais.
Por implicar quase sempre nesta relação de ganho e perda, não há motivo algum para se
substituir a lógica do solipsismo pela lógica do amor. Quando se pensa em termos materiais,
aderindo-se à tal filosofia de vida muito mais se tem a perder do que a ganhar. Ganhos materiais
não se fazem com caridade, e isto por si só já é um forte fator contra a minha tese. A pergunta,
assim, permanece, então, por que alguém deveria sair do julgo solipsista e entrar no julgo da
anulação de si mesmo, em certos casos?
Porque esta, quiçá, é uma das poucas formas de se encontrar paz na modernidade, tanto consigo
mesmo quanto para com os outros. Não responderei de forma mais extensa à esta questão, pois
se o fizesse estaria tornando a causa utilitarista, e não algo em si mesma que se justifica. Basta-
nos responder que quebrar o domínio do solipsismo é sair dos domínios deste mundo, e sair
destes significa sair de tudo aquilo que o mundo moderno implica: Contradição, desavenças,
prazer rápido e fácil, consumo, individualismo exacerbado, etc. Assim, quebrar o julgo do
solipsismo é romper com todas (ou quase todas) as mazelas causadas pela sociedade moderna, e
chamo de sociedade moderna não apenas a sociedade atual, mas toda e qualquer sociedade que
usufrui da revolução industrial e eventos sequentes, ou seja, tal modelo não é exatamente
“atual” como muitos acreditam, mas já se estende por alguns séculos.
Enfim, retomando à enunciação dos problemas relativos ao exercício do amor, podemos
continuar listando o simples fato de que, como implicado pelo fato de que “amor” é quebrar o
ciclo natural do solipsismo, pode-se dizer que certamente muitos, ao ler este livro e também
outros, poderão sentir um verdadeiro estímulo e interesse em sair de suas “cadeias naturais”,
muitos erguerão a bandeira e certamente pensarão coisas como “a partir de amanhã, serei um
novo homem”, porém pelo fato de que o solipsismo engloba toda a subjetividade, sair deste
significa, necessariamente, ter de renovar toda a subjetividade e renovar todas as pedras de
toque contidas em nosso entendimento. Desnecessário dizer, tal processo, além de natureza não
tão de fácil execução, é longínquo, e como a modernidade como um todo condena a dificuldade
mas prega apenas aquilo que é fácil e rápido, fazer este “difícil” exercício se tornar rotina pode
acabar sendo uma verdadeira lástima à maioria dos modernos. Em questão de poucos dias, a
causa certamente há de ser abandona, e a vida segue conforme os padrões já antes estabelecidos
com mudança nenhuma (ou tão pouca que é quase como nenhuma). Outro problema,
resumidamente, é que mesmo muitos daqueles que forem tocados e convencidos por este livro,
tentarão e mesmo assim fracassarão em verdadeiramente apreender o significado destas palavras
e em segui-las. É um processo, longínquo, que implica em mudanças nos mais diversos campos
possíveis.
Para ilustrar com um pouco maior clareza o que quero dizer, imagine um indivíduo com trinta
anos de idade que, com estes trinta anos, tem contato com este escrito e é plenamente
convencido sobre a mensagem que aqui se busca passar. Tal indivíduo passa a afirmar em sua
cabeça que não mais estará e agirá sob o jugo de seus próprios interesses e solipsismo, porém
sob o jugo do interesse próprio dos outros, da “coisa em si” (que tratarei na próxima parte deste
livro). Tal intenção, de certo, não é condenável mas sim certamente louvável, e é óbvio que é de
julgo do autor querer convencer em alguns termos o público à quem este escrito chegar, porém
“ser convencido” e mesmo tentar muitas vezes não se mostrará o suficiente. Voltando no
número da idade e no indivíduo, trinta anos, pensem que todo indivíduo, como já dito, em
estado natural age em benefício próprio, independente de qual o seja. Não apenas isto, mas
também e absolutamente toda a sociedade gira em torno da máxima do benefício próprio, sendo
a relação de trocas o meio mais básico e vital para assegurar a realização de serviços. Um
indivíduo que possui trinta anos de idade passou a vida inteira, de seu nascimento até o
momento presente, vivendo sob o jugo da “relação de troca” e aferimento de valor próprio ao
mundo exterior, mais julgando as causas em seu prol e uso do que no prol próprio da coisa em
si. Trinta anos seguindo tal lógica, que por consequência pura e simples passa a estar
profundamente enraizada na lógica pessoal do sujeito (como também demonstrado no capítulo
Lógica e Individualidade), é lógico e razoável achar, assim sendo, que tal indivíduo seria capaz
de facilmente efetuar mudanças em tal lógica? A resposta é óbvia.
Não apenas isto, mas como também dito toda a sociedade gira em torno das relações de troca.
Em nossa cabeça, é muito difícil conseguirmos não confundir e misturar as coisas. É necessário
exercício de anos até conseguirmos aceitarmos tal lógica sem nos deixamos influenciar pela
mesma. No começo do processo de mudança o desejo do indivíduo pode ser honestamente
querer quebrar tal ciclo, porém tal é impossível em sociedade e a vontade do indivíduo pode se
ver constantemente contrariada, assim gerando um sentimento de frustração ou até mesmo
confusão na cabeça do indivíduo. Entenda, nenhum de nós é o novo Siddharta Gautama,
Yehoshua ou qualquer coisa do tipo, nenhum de nós mudará a sociedade moderna e mesmo que
surjam um novo Siddharta ou um novo Yehoshua, ainda assim a sociedade tal como está
permanecerá. Observar ao ritmo moderno, porém não se deixar ser afetado por este, é um dos
objetivos deste livro e de minha própria filosofia.
Continuando com o caso do indivíduo de trinta anos, pode ser que este realmente queira mudar
sua lógica e passar a olhar as coisas com mais “atenção” do que com interesse ou desinteresse,
mas como dito, todos possuímos uma lógica interna, até mesmo à níveis inconscientes, e tais
lógicas já foram estabelecidas e estabilizadas em nossa subjetividade e consciência há muitos
anos. No caso do indivíduo de trinta anos de idade, há trinta anos, ou há trinta e um, desde que
ainda estava na barriga de sua mãe. É óbvio que mudar tal lógica que se estabeleceu há tanto
tempo não deve ser fácil e certamente tarefa que não se completa do dia para a noite.
É-nos difícil mudar uma lógica que já está funcionando há anos, como no exemplo do indivíduo
acima, imagine ter de mudar toda uma lógica que tanto superficialmente quanto também
profundamente garantiu a existência deste indivíduo por estes mais de trinta anos (porque,
querendo ou não, seu desejo de se manter, de se proteger, de atender aos seus próprios
interesses, etc, foi o que o manteve vivo até então. Ou pelo menos o que o seu inconsciente
assim entende). Certamente, tanto para o consciente quanto também para o inconsciente, é
“melhor” e mais fácil continuar da maneira como se estava, até também para evitar as
consequências sociais desta nova forma de vida, do desapego aos bens materiais e assim por
diante.
Portanto, mesmo àqueles a quem este livro chegar e mesmo sobre quais delegarem a utilidade
deste livro, permaneço cético quando à mudança, que muito mais implica em uma saída da zona
de conforto do que em sua manutenção, e creio não precisar nem mesmo defender a tese de que
somos naturalmente muito mais inclinados a permanecermos em nossas zonas de conforto (o
que o solipsismo é por si só) do que a sair destas.
Os problemas não acabam por aí.
A lógica do amor é algo que entra em choque não apenas com o mundo moderno, mas também
com o que o mundo é desde sempre. Interesses próprios e mesquinhos, disputas por bens
materiais, ilusão e desejo excessivo de segurança, mentiras e comunicação ineficiente, e por aí
vai, são problemas que obviamente assolam a humanidade desde os seus primórdios pois partem
e dependem muito mais da ética dos indivíduos do que da moral predominante. É óbvio que,
ainda assim, a maioria dos indivíduos segue a moral, porém apenas por motivos de punição
quase sempre. Se não fôssemos punidos por nossas más ações, quantos de nós, realmente, ainda
assim não deixariam de pecar de alguma forma?
Desde a nossa concepção somos instruídos, tanto explicita quanto também implicitamente, a
agirmos em interesse próprio e a nos alicerçarmos em todos os campos possíveis aos bens
materiais. Seguir a lógica do amor é, praticamente, entrar em “guerra” não apenas com a
sociedade atual, como também com o mundo inteiro. É por isso que, dentre outros motivos, a
mensagem de Yehoshua por exemplo, mesmo passados mais de dois mil anos após sua morte,
continua revolucionária: Porque continuamos egoístas. E por que continuamos egoístas? Porque
o egoísmo faz parte natural da lógica tanto individual quanto social. Não há, nestes termos,
revolução maior do que o amor.
Bondade é, com certeza, uma das muitas características e qualidades que estão esquecidas. Pior
ainda, tal palavra e qualidade, que deveriam reger as ações humanas como um todo
especialmente no âmbito familiar e de relações próximas, são com muita frequência prostituídas
aos interesses próprios. Não preciso aqui muto dissertar sobre aqueles que só fazem ao “bem”
visando interesses e ganhos próprios, ou mesmo buscando manter uma imagem, mas que não o
fazem quando nada disso tiram proveito.
O amor como imperativo implica em certa “destruição” de nossas pedras de toque universais.
Não se buscar nada, não querer nada em troca, apenas fazer por fazer: Este é o imperativo do
amor. Certamente e particularmente, não possuo esperança alguma de que a maioria dos
indivíduos assim conseguiria agir, mesmo que em um único espectro de suas vidas.
Implica, portanto, uma quebra e reformulação tanto dos modelos e influências dos elementos
anteriores, exteriores e individuais, bem como uma remodelação de nossa subjetividade,
conceitos e ética, etc, a busca pela saída do solipsismo e chegada a qualquer forma de “princípio
maior”, mesmo que não o amor. Isto, por si só, já implica numa dificuldade gigantesca em se
efetivamente colocar em prática aquilo sobre o qual estou tratando aqui.
Da Queda Inicial
Porquanto minhas ideias, bem como o propósito deste livro, não sejam exatamente “cristãos”
creio que a Bíblia nos fornece uma boa analogia do que podemos apontar como a “queda
inicial” que deu início à todas as formas de separação até hoje existentes, formas estas que, no
geral, se amparam muito mais na ignorância do que no conhecimento de fato. Conjugando sobre
fatores e invariáveis que estão além do solipsismo, visto que este certamente não é único
culpado por tudo, não é de minha intenção defender a existência de Deus, o teor de verdade do
cristianismo, etc, mas apenas fazer uso de histórias bíblicas cuja maior parte de nós está
familiarizado para ajudar a explicar o como e o porquê de boa parte do mundo ser da forma
como é hoje, dividido em unidades, famílias, nações, etc (o que não é o problema em si, mas
serve para indicar a raiz do problema em si), e de pouca conciliação entre as partes, bem como
de disputas de todas as ordens. Haverá, sim, um julgo de valor que colocará o “coletivo” acima
do indivíduo, mas não no sentido materialista da coisa (como comunismo e socialismo o
fazem), e sim em um sentido que mais diz respeito a alguns dos ideais humanistas primitivos (e
racionalistas), bem como na noção de que temos mais características em comum do que
diferenças, fato este que poderia nos “aliar” porém que certamente pouco é enxergado e
valorizado, sendo assim parte do motivo de nossa (da humanidade como um todo) separação.
Enfim, tratarei aqui sobre duas histórias bíblicas bem conhecidas: A saída do Eden (história esta
que, mesmo que não seja exatamente “real”, contém belas metáforas e analogias sobre a
existência humana como um todo) e a torre de Babel, aquela sendo o primário da narrativa e
esta sendo o secundário, ou seu complemento.
Sobre a saída do homem do Eden, que indica a sua “queda” e o começo de toda a história
humana (como bem é apontado por Kant em seu pouco conhecido Começo conjectural da
história humana), há alguns fatos que, mesmo que não sejam fatos literais, nos ajudam a
entender, literalmente ou em forma de metáfora, o porquê de nossa separação e predomínio do
indivíduo sobre o meio, tendência esta que se torna cada vez mais evidente com o passar do
tempo (e que gera toda a sorte de desordens como já dito). Listarei alguns dos fatos que
certamente nos servem para explicar o nosso decaimento.
Em primeiro lugar, a ligação entre homem e natureza, em especial entre o homem e os animais
não-humanos. A Bíblia, em gênesis, nos conta que quando Adão e Eva ainda estavam no Eden
estes não haviam de se alimentar de animais no geral, sendo abundante o número de plantas,
grãos e alimentos do gênero (seres sem forma alguma de “consciência”) que poderiam lhe
provir alimento, como dito no seguinte versículo (Gn. 1: 29): “Disse-lhes mais: Eis que vos
tenho dado todas as ervas que produzem semente, as quais se acham sobre a face de toda a terra,
bem como todas as árvores em que há fruto que dê semente; ser-vos-ão para mantimento.” Não
apenas o ser humano era “vegetariano” por assim dizer, mas também todos os animais: “Gn. 1:
30 E a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a todo ser vivente que se arrasta sobre
a terra, tenho dado todas as ervas verdes como mantimento. E assim foi.” Tal relação amigável e
pacífica entre humanos e demais animais tendeu a mudar após a queda inicial, ou seja, após
Adão e Eva terem consumido do fruto proibido.
Em consequência deste ato não apenas foram expulsos do Eden, como também adquiriram o
“dom” da reprodução e do trabalho, e tal “dom” de se reproduzir ocorreu não apenas ao homem
ao que parece, mas também aos animais não-humanos. Novamente em consequência e para
evitar um possível desequilíbrio que poderia ocorrer do número de humanos e “bestas”, Deus
proclama que não apenas o homem, mas também muitas espécies de animais deveriam servir-se
uns dos outros e alimentar-se uns dos outros: “Gênesis 9:1 Abençoou Deus a Noé e a seus
filhos, e disse-lhes: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra. 2 Terão medo e pavor de vós
todo animal da terra, toda ave do céu, tudo o que se move sobre a terra e todos os peixes do mar;
nas vossas mãos são entregues. 3 Tudo quanto se move e vive vos servirá de mantimento, bem
como a erva verde; tudo vos tenho dado. 4 A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu
sangue, não comereis. 5 Certamente requererei o vosso sangue, o sangue das vossas vidas; de
todo animal o requererei; como também do homem, sim, da mão do irmão de cada um
requererei a vida do homem.” A partir daí, não apenas a relação “amigável” entre homens e
demais animais se encerra, mas também a relação de todos os animais em geral.
Tal história e evidência nos mostra que, mesmo que possivelmente irreal (não quero entrar nesta
discussão pois aqui não é meu foco), quanto mais nos “expandimos” e conquistamos a Terra,
mais distantes, em contrapartida, ficamos uns dos outros, e isto valendo até mesmo para aquilo
que expira o humano. Isto pode ser facilmente demonstrado na vida em modernidade. Um
exemplo:
Em São Paulo, maior cidade brasileira e uma das maiores cidades do mundo, habitam mais de
doze milhões de seres humanos. Em tese, um número tão grande de pessoas configuraria um
alto grau de “esbarramentos” e quiçá ligações humanas e de amizade, correto? Pois o fato mais
evidente e que qualquer habitante de São Paulo relata é que não, a alta densidade demográfica
não apenas não confere uma caráter “amigável” à maioria das pessoas, mas muito pelo
contrário: Em uma multidão, mais geralmente se encontra solidão do que companhia, é o que a
maioria relata (tal pode ser facilmente comprovado em qualquer pesquisa na internet ou até
mesmo através da evidência empírica, indo-se morar lá por exemplo e submetendo-se aos
sentimentos subjetivos).
O fato puro e simples é o de que quanto mais nos “expandimos”, nos reproduzimos,
consumimos espaço, etc, mais apertados ficamos e com um maior número de informações a
todo tempo temos de lidar. O cérebro humano, naturalmente, não está preparado para lidar com
a enchente de informações que um ser humano comum tem de lidar diariamente na rotina das
grandes cidades. Consequência direta disto é que, com o passar do tempo e quanto mais
envelhecemos, quanto mais nos “afundamos” em nossas rotinas, mais nos afastamos uns dos
outros. Aqui quero debater e tratar sobre a natureza da empatia, e em seguida sobre o quão é
evidente também a nossa distância da natureza.
Em geral, o conceito de “empatia” denomina a capacidade de se ligar verdadeiramente ao outro,
ou seja, de sentir por este, de ouvi-lo e se colocar em seu lugar. Tal capacidade, obviamente, não
é fácil de ser exercida pelo simples fato de que todas as três características acima citadas, e
ainda mais do que estas se formos mais citar, dependem de uma capacidade: A capacidade de se
focar e de prestar atenção em algo. Não é possível verdadeiramente nos “ligarmos” ao próximo
se não estivermos prestando atenção a este, isto é evidente. E como, na modernidade, em
cidades nas quais ficamos em meio a milhares de pessoas diariamente e sofremos nas mãos dos
mais diversos estímulos, o tempo inteiro, que nos alienam e acabam por nos tornar viciados em
informação, como em meio a isto poderíamos prestar atenção em qualquer coisa, e mesmo como
poderíamos prestar atenção à nós mesmos?
Um dos grandes males da modernidade e do novo ser humano em geral, acredito, é o extremo
desconhecimento de si mesmo. Não temos tempo para nos concentrarmos, não podemos ficar
quietos nem por um segundo, tudo o que não possui explosões, som alto, emoções, etc,
simplesmente nos soa como “tedioso”, chato e assim por diante. Nos desacostumamos ao
silencia, à atenção e ao cuidado. Assim sendo, como poderia ser possível o exercício da
empatia? A resposta, pura e simples, é: É praticamente impossível. Todo aquele que quer prestar
maior atenção em seu meio, naquilo que o cerca, ou simplesmente em seus parentes e amigos
deve, certamente, se afastar da modernidade, das grandes populações, do barulho e assim por
diante.
Por simples e pura consequência da história humana, independente de se os evolucionistas ou
criacionistas estão certos sobre o começo de tudo, nos expandimos, nos reproduzimos e, por
consequência, tanto desmatamos e destruímos o que antes era o “reino animal” que vigorava por
toda esta Terra como também agora sofremos dos males causados pelas altas densidades
demográficas às quais estamos expostos diariamente. Substituiu-se o inferno selvagem pelo
inferno cinza, e neste inferno não apenas sofremos nas mãos da natureza (um moderno reclama
em excesso até mesmo de uma simples picada de mosquito) mas também pelas mãos uns dos
outros, pelo que nos tornamos.
Não apenas a expansão humana, e aqui podemos nos referir à esta com ou sem a Bíblia, o
resultado será o mesmo, mas também o consequente distanciamento da natureza e até mesmo o
fato de não mais a “vermos” nos causam uma diminuição da empatia e um aumento de nossos
egoísmos individuais, bem como uma tendência a não percebermos todo o sofrimento que há ao
redor. Darei alguns exemplos.
A carne que comemos todos os dias. Sabemos, racionalmente, que tal carne provém de um
animal, que certamente houve de ser abatido para podermos nos alimentar deste, ou seja, tal
alimento proveio da morte de um ser vivo. Apesar de o sabermos, não pensamos sobre tal fato
com muita frequência e não apenas isto, mas a maioria de nós nunca viu, pessoalmente, como é
o processo de abate de um animal. Com toda certeza, se a maioria de nós presenciasse os
processos pelos quais os animais que chegam aos nossos pratos são abatidos, mais pessoas do
que o atual seriam vegetarianas, ao menos.
É estúpido pensar, mas muito evidente, que não pensamos no custo das coisas, no sofrimento
das coisas para que possamos ter um pequeno conforto aqui e ali. Para comer carne, por
exemplo, alguém em algum lugar teve de criar o animal, alguém em algum lugar o alimentou
com provavelmente alimentos cheio de estimulantes e hormônios para que este ficasse o mais
“granhudo” o mais cedo possível, alguém o abateu em idade ainda prematura, visto que com os
hormônios este fica maior mais cedo do que o normal seria, alguém, após o abate, organizou as
carnes em algum meio de transporte que foi mandado para algum armazém, que foi negociado e
vendido para algum supermercado e que no supermercado foi vendido à você, após o trabalho
de diversas pessoas que não apenas criaram o animal, como também o colocaram ali, no
açougue, e cortaram sua carne para que você pudesse comprar um pedaço desta, levar para sua
casa e consumir tal pedaço de carne. À não ser que você viva em uma zona rural e/ou consuma
somente aquilo que você mesmo produza, a sua rotina para comprar e consumir qualquer coisa
deve ser mais ou menos esta.
Repare que, até chegar à sua casa, o alimento foi cultivado/criado durante meses, passou por
diversos pontos, foi “alimentado” com estimulantes, agrotóxicos, hormônios, etc, de origem e
consequências duvidosas para só então, após muito tempo e trabalho, poder chegar ao
supermercado por exemplo, onde quem o compra certamente não assiste a todo esse processo.
Há algumas consequências naturais nisto:
Em primeiro lugar, passamos a não valorizar aquilo que consumimos, seja por quais vias forem.
Se assistíssemos a todo o trabalho que se tem até a comida chegar em nossa casa, certamente
valorizaríamos mais esta, ou ao menos o trabalho daqueles que as propiciam que cheguem até
nós. Em segundo lugar, nos tornamos alheios ao sofrimento daquilo que consumimos e como já
dito, certamente boa parte de nós nos tornaríamos vegetarianos se pudéssemos ver pessoalmente
o sofrimento dos animais no momento do abate (visto que estes não apenas sofrem dores físicas,
como também, assim como tudo o que é “vivo”, querem viver) e se houvéssemos de nós
mesmos realizarmos o abate, o número de vegetarianos seria ainda maior. Em terceiro lugar,
não enxergamos que, literalmente, a nossa existência terrena é um peso à Terra, e que só de
estarmos vivos consumimos recursos (recursos estes que nem sempre o planeta possui à nossa
maior e boa disposição).
Pode ser dito que é quase unânime entre os mais diversos grupos, sejam estes cristãos,
ecologistas, historiadores, até mesmo ateus e céticos, etc, de que há algo que perdemos com o
passar do tempo, algo que se deturpou e que se tenta recuperar, mas que não se sabe o que. Diria
que, ainda me utilizando da história e analogia bíblica, este algo certamente pode ser encontrado
e nos remete ao fruto proibido, à árvore do conhecimento: Quando mais tivermos interesse em
nosso conhecimento, pobre, limitado e com os mais diversos custos como acima foi exposto (e
que pode, certamente, ser linkado com o nosso egoísmo, i.e. solipsismo), do que em nos
atentarmos ao que já possuímos e sabemos que é o certo, tal é exatamente o momento em que
decaímos: Quando o conhecimento e a “ciência” estão acima da ética, da moral e de nossa
consciência individual, momento histórico em que exatamente nos encontramos e que faz parte
da decadência moderna sobre a qual mais à frente tratarei.
O consumo do fruto proibido da árvore do conhecimento trouxe não apenas consequências no
campo de nossa relação para com a natureza e em nossa crescente separação uns dos outros
como humanidade, mas também é parte da justificativa de nosso solipsismo atual: Nossa sede
por conhecimento que é e já foi apontada como em parte benigna, em parte mui maligna.
Destarte, pode-se dizer que a saída do Even, ou simplesmente a saída da humanidade de seu
estado de equilíbrio total com a natureza, teve também mais uma consequência ainda muito
pouco identificada em geral: A saída da inocência.
Por mais que possa seguramente ser dito que Nietzsche detestava o cristianismo em geral, uma
das coisas que este possui em comum com o cristianismo é a valorização da inocência. Óbvio
que, em cada uma destas denominações (nietzschianos e cristãos), a palavra “inocência” adquire
contornos diferentes, porém o seu significado ainda é o mesmo: A ignorância sobre o bem e o
mal, sobre qualquer forma de moral.
Tal como uma criança, que faz as coisas por fazer, só para descobrir e sem ainda ter consciência
exatamente sobre o que seria o “certo” e o “errado”, podemos dizer que a saída do Eden, bem
como o condicionamento da humanidade à vida em sociedade acabaram por naturalmente criar
as suas próprias regras. O fruto proibido deu o conhecimento a Adão e Eva sobre sua própria
condição, o que, por si só, já delimitava o fim da ignorância e inocência que até então viviam.
Não apenas isto, mas logo foram (em sua descendência) obrigados a trabalhar, caçar, se
reproduzir, etc, realidade esta que não existiria caso simplesmente fossem inocentes e então não
tivessem adquirido certo senso de “moral” proveniente do fruto proibido.
Quer se acredite ou não na Bíblia, com relação à inocência há aqui outra importante lição:
Quanto mais nos afastamos de nosso estado natural, menos inocente nos tornamos. Isso explica
porquê, na modernidade, tudo está tão mal ajeitado, todos estão tão desconfortáveis e se
sentindo culpados: Há uma culpa inerente em não se estar vivendo da forma mais natural
possível e que deveria ser nossa realidade. Em suma, quanto mais nos expandimos, nos
reproduzimos e nos aglomeramos em grandes cidades, mais temos “conhecimento” que tudo
isto a nada nos serve, mas pura e simplesmente serve para nos controlar, entreter e nos manter
“presos” à vida em sociedade. Quanto mais adaptado à vida urbana, tanto menos se tem
inocência em geral, por mais saber daquilo que é inútil ao indivíduo e que lhe afasta de seu
estado natural e ligação com a natureza.
O fim da inocência nos submeteu tanto à ira divina como também à ira uns para com os outros,
como dito, daí surgiu toda a forma de moral e organização social. Ironicamente, são destas
mesmas que, frequentemente, vem nossas paranoias, desentendimentos e desejos de quebrar
estas mesmas (como já esplendidamente apontado por Freud em O mal estar na civilização).
Quanto mais se age por e pela inocência, tanto menos culpa se possui, e por termos consciência
é que somos culpados.
Há também e evidentemente os problemas que surgem devido à nossa sede desenfreada de
“conhecimento”, sede esta que na modernidade desembocou no paradigma da informação,
porém sobre isto em específico tratarei no capítulo de crítica à modernidade. Aqui, basta-nos
dizer que quanto mais buscamos aquilo que chamamos de “conhecimento”, tanto mais nos
desviamos da consciência de que nada somos e de que nada, ou quase nada, podemos saber
mesmo que devotemos nossas vidas inteiras ao conhecimento (tanto pelas limitações já expostas
como também pelo nosso lugar limitado ocupado no universo). No fim das contas e como já
belamente dito por Pascal, “o homem não passa de um caniço, o mais frágil da natureza; mas é
um caniço pensante.” Tal busca desenfreada pelo conhecimento e (consequente) saída da
inocência, por si só, já são grandes avanços ao solipsismo.
Em consequência da nossa “queda inicial” de termos nos separados uns dos outros e nos
expandido através do planeta (e como dito, isto é uma consequência real que pode ser
observável tanto na Bíblia quanto também na história humana como a conhecemos, mesmo não
envolvendo um Deus no processo), tanto nos afastamos da natureza quanto também uns dos
outros. Aqui, entram também as nossas diferenças culturais que acabam por contribuir com este
processo e aqui se encaixa a história da Torre de Babel.
Para os que não possuem conhecimento sobre tal história, se encontra em Gênesis 11, copiada
como segue abaixo:
“E era toda a terra de uma mesma língua e de uma mesma fala.
E aconteceu que, partindo eles do oriente, acharam um vale na terra de Sinar; e habitaram ali.
E disseram uns aos outros: Eia, façamos tijolos e queimemo-los bem. E foi-lhes o tijolo por
pedra, e o betume por cal.
E disseram: Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e façamo-
nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra.
Então desceu o Senhor para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam;
E o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua; e isto é o que começam
a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer.
Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro.
Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade.
Por isso se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o Senhor a língua de toda a
terra, e dali os espalhou o Senhor sobre a face de toda a terra.”
Gênesis 11:1-9
Não entrarei em discussões teológicas sobre tal trecho da Bíblia, bem como sobre o que penso
deste trecho em particular, mas aqui nos valem duas máximas e conclusões que podemos obter a
partir da leitura deste trecho: A já apontada arrogância humana em querer legitimar-se através
de seu (pobre) conhecimento e o início de uma série de desavenças entre toda a humanidade
provindas de diferenças culturais e de entendimento.
Sobre a primeira conclusão, vale fazer uma breve observação além do já dito antes de
avançarmos, referente ao seguinte versículo: “E o Senhor disse: Eis que o povo é um, e todos
têm uma mesma língua; e isto é o que começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo
o que eles intentarem fazer.”
Aqui, podemos apontar tanto o fato já mencionado da intensa busca pela autolegitimação
humana, o que, neste trecho, fica claro que é condenável aos olhos do Deus cristão, como
também tal trecho nos dá indícios sobre a natureza do conhecimento e do progresso: Quanto
mais os obtém, mais a humanidade possivelmente (provavelmente) se distancia de seus
primórdios, ou simplesmente daquilo que antes lhe norteava. Vivemos em um momento
histórico muito semelhante a isto, sendo o “progresso” no geral aquilo que está gradualmente
eliminando toda e qualquer forma de metafísica, a “velha moral”, e até mesmo abalando o
campo ético das populações como um todo. Se assim não o fosse, o indivíduo do século XXI
não estaria em crise.
Para tentar limitar o nosso avanço, talvez para brecar a nossa própria decaída (aqui, não entrarei
em muitas especulações sobre o porquê das ações do divino), Deus fez com que passássemos a
falar várias línguas diferentes em vez de uma só, para assim nos confundir e brecar tanto a nossa
sede por “reconhecimento” como também por grandeza própria, bem como nos alertar. Os mais
conservadores costumam dizer que este é um trecho clássico que demonstra que não devemos
tentar “brincar de deus”, ou ainda desafiá-lo, almejarmos sermos grandiosos demais, porém
creio que o que se pode inferir pode ir além disso e podemos até mesmo nos questionar a quem
o conhecimento serve. Creio que a tendência atual à expansão do globalismo (espécie de cultura
“única”, global que está sendo propiciada principalmente com o advindo e expansão do acesso à
internet), fenômenos este mais observável nas últimas décadas, é um exemplo claro de que,
quando nos unimos em prol do chamado “progresso”, mais nossas raízes se enfraquecem, e
junto com elas muito frequentemente nosso senso de moral e ética própria, que acabam por ou
tender à sua extinção e hedonismo, ou tender à busca pelo “mesmo” e pela justiça social
extrema, não sendo nada além disto aceito (fenômeno este sobre o qual poderia muito abarcar e
mais ainda, as relações humanas com muita frequência também saem perdendo, mas aqui teria
de me estender em demasia para adentrar nesta questão. Recomendo a leitura de vários dos
livros de Byung Chul-Han sobre tais temas).
Sobre a segunda conclusão que podemos extrair deste texto de Gênesis, vale dizer que aqui
corremos o risco tanto de levar o princípio a rigor demais, passando a colocar nossa própria
cultura como o centro de tudo e pedra de toque universal, como também corremos o risco de nos
afrouxar demais, caindo no relativismo e na clássica concepção de que “ninguém está errado”. É
claro que há alguns povos, alguns costumes, tradições, filosofias, etc, que são certamente
questionáveis e pouco razoáveis, alguns até mesmo poderiam ser passíveis de punições morais,
porém não é do julgo de qualquer um de nós aplicar isto na vida prática, acredito, e certamente
achar-se que se é o “julgador” e “punidor” do mundo segue contrário à máxima do amor, que
não exatamente é a máxima da tolerância máxima, mas sim a máxima do entendimento. Quando
entendemos o porquê do indivíduo pensar de tal forma, o que quase sempre possui de fato um
“porquê”, mesmo que mal embasado e/ou pensado, automaticamente o vimos com menor
estranheza, aceitamos mais facilmente e por vezes “gentilmente” a diferença, mesmo em alguns
casos aterradores (excetuando-se em casos de crimes graves, claro, cujo entendimento pode
diminuir o escândalo mas não deve cessá-lo).
Deus, sabendo de tudo, previu e sabia que as diferenças de linguagens, de pedras de toque
universais e de entendimento acabam por nos desunir e, de certa forma, nos atrasar, visto que
não apenas de imediato não entendemos uns aos outros como também por limitações
linguísticas (nem sempre a palavra do meu dialeto é existente na do seu dialeto, e vice-versa,
bem como pobreza linguística) e pelo simples fato de que entender o outro, aprender o seu
dialeto e coisas do tipo requerem trabalho, alguma dedicação e tempo, desempenhos aos quais
com muita frequência não estamos dispostos a investir especialmente quando não é de nosso
uso investir em tais. Assim sendo, naturalmente, as diferentes línguas e linguagens acabam por
criar distanciamentos evidentes que por vezes geram inúmeros tipos de preconceitos e
“estranhezas”, estes residentes não apenas sobre as linguagens como também sobre os costumes
de determinados povos.
Mais uma vez, não desejo cair em relativismos e como dito, de fato há certos costumes
condenáveis, porém e como dito, o entendimento sobre tais costumes e crenças ajuda a
apaziguar o nosso repúdio natural àquilo que nos parece “sem sentido”, e isso pode ser
estendido às mais diversas áreas e campos de conhecimento do indivíduo.
Fato é que diferenças culturais e de crenças e filosofias, bem como a linguagem, acabam por
contribuir para com nossos solipsismos naturais, visto que aquilo que nos dá qualquer forma de
“trabalho” e pouco nos gera ganho é por vezes lidado com indiferença, ou mesmo com
desprezo. Por isto mesmo, é muito mais fácil cometer atrocidades (diversas guerras passadas são
a prova disso) com outros povos e etnias do que com os seus próprios povos (aparte das
discussões sobre nacionalismo, visto que isto é uma tendência natural do indivíduo). O fato puro
e simples é: Quando estamos alheios uns aos outros, quando não convivemos e entendemos
parte das rotinas daqueles que nos cercam, torna-se muito mais fácil realizar qualquer tipo de
crime e ato imoral pelo simples fato de que quando conhecemos os indivíduos, seja em quais
aspectos forem, se torna mais difícil à nós nos virarmos contra estes, tanto por razões de cunho
sentimental (quando nos identificando com seus dramas e alegrias, nos identificamos com os
mesmos e ataca-los nos parece um ato de atacar a nós mesmos) quanto também racional
(ninguém, ou quase ninguém, é inconsequente o suficiente para assaltar o próprio vizinho, por
exemplo).
Tais distanciamentos naturais causados por línguas e culturas diferentes são evidentes tanto
seguindo-se a história bíblica quanto também somente considerando-se o lado materialista da
questão. Metade, ou mais da metade, das questões de antropologia buscam resolver ou conciliar
estas diferenças culturais, campo de estudo específico de tal disciplina, demonstrando que o
problema existe por si só, independente de sua causa.
Particularmente, acredito que possuímos diferentes ritos para expressar os mesmos sentimentos
e emoções: Tristeza, luto, alegria, independência, desesperança, etc. Ainda que os ritos possam
diferir muito de uns para outros, os sentimentos são universais e se estudarmos, veremos que
diferentes povos sentem da mesma forma o que sentimos, o que muda são suas expressões (um
exemplo clássico disto são os diversos rituais existentes tanto sobre a morte de alguém querido
quanto também os rituais relativos ao luto, que podem ser encontrados de maneira quase
universal na espécie humana e até em algumas espécimes animais).
Assim, por mais diferentes que sejamos uns dos outros, ainda sentimos os mesmos sentimentos,
passamos por muitas situações semelhantes, repetimos as histórias passadas, etc: A cultura é um
véu de Maya à existência humana enquanto fenômenos universal e comum a todos nós.
A “queda inicial” pode ser tida e dada pelos mais diversos fatores: Nosso distanciamento
geográfico, diferenças culturais e de linguagem, o começo da noção de “posse” e propriedade
privada, as linhas que criamos, a noção de “nação e história própria”, etc, todos estes quanto
outros fenômenos e histórias, tanto aqueles relatados na Bíblia quanto também aqueles dos
quais podemos inferir racionalmente, sem o uso da Bíblia, servem de ajuda na explicação do
porquê a humanidade é como é hoje: Separada e inconciliável. Em resumo, por “queda inicial”
me refiro aos diferentes acontecimentos que iniciaram o distanciamento da espécie humana
como um todo, bem como aos diversos acontecimentos que fortaleceram nossos solipsismos
individuais e acabaram por desembocar na modernidade, na era do ego por assim dizer.
Evidentemente e além destes, há o fator modernidade que como já dito, é forte contribuinte para
nossos solipsismos individuais, porém sobre este em específico já tratei e ainda muito tratarei à
frente, de maneira mais específica. Me parece, tanto evidentemente quanto infelizmente, que
quanto mais nos expandimos, seja em quais campos sofrem, também tanto mais nossas supostas
“diferenças” são mais apontadas e valorizadas do que nossas semelhanças, assim contribuindo
para nossa separação. Quanto mais nos expandimos em qualquer aspecto que seja, mais o sonho
de uma “comunidade humana” (no sentido mais “metafísico” da coisa, de uma comunidade
regida pelos princípios da razão e do fim comum e não pelos princípios do “comum” em tudo,
que é o caso do globalismo) se distancia de nossas vistas, e tal chegou à tal ponto que é
impossível sequer sonharmos com isto, visto que a queda já a muito se estendeu e se
consolidou.
Do Idealismo
Até o momento, tratamos prioritariamente sobre o problema em si, explicando-o e
pormenorizando-o para que fique claro ao leitor tanto a problemática da situação quanto
também sua gravidade, e o quanto esta encontra-se profundamente enraizada tanto em nossa
história enquanto humanidade quanto também em nossas histórias individuais, e até mesmo
presente em qualquer um de nós (visto que, como já dito, o solipsismo é um princípio universal,
ou seja, não importa quem se seja e nem onde, em que época se nasceu, o princípio pela busca à
somente aquilo que nos serve de alguma forma ainda assim poderá ser encontrado). A partir de
agora, começaremos a tratar sobre a solução, sobre o que pode ser feito tanto para se contornar o
solipsismo quanto até mesmo para contornarmos nós mesmos, ou seja, para evitarmos de
pensar, tanto consciente quando inconscientemente, de que somos o centro do mundo. Pode ser
que tais soluções somente sirvam de “aliviante” para a maioria pois como já dito, mudar a nossa
base solipsista implica em uma gigantesca mudança do indivíduo para consigo mesmo e o meio,
e certamente implica em extensas mudanças em todos ou quase todos os campos de vida,
porém, ainda assim, não é de meu intento mudar o mundo, mas pura e simplesmente expressar o
que percebo, ainda que tal não traga resultados perceptíveis.
Pois bem, como já exposto, o problema se encontra prioritariamente no indivíduo que, tanto por
impulso e tendências próprias quanto também estimulado pelo social, acaba-se por ver no centro
do mundo, em todos os aspectos possíveis. A única maneira de começar a romper isto é se,
simplesmente, deixarmos de pensar sobre a maneira e lógica do indivíduo, mas começarmos a
pensar de uma maneira que vá além dele, uma maneira relacionada a algo maior que possa ser
por ele identificável à si mesmo (porém, ainda assim, maior do que ele e não completamente
relacionada a ele, pelo menos não na centralidade da questão) e adaptável à sua vida, visto que a
teoria sem prática de pouco vale: Para combater o solipsismo, é necessário, em um primeiro
momento, se aderir a qualquer forma de idealismo, de preferência um que não esteja calcado no
material.
Desnecessário dizer, porém é evidente que, quando o indivíduo se aplica a algo que vá além
dele, a algo que não necessariamente o traga benefícios imediatos, tal ato é em si mesmo um
combate, mesmo que pequeno, às nossas tendências solipsistas e por demais subjetivas. O que
quero dizer é que quando se age por um ideal, ideal este como dito não calcado no material, tal
ação por si mesma acaba por condicionar o indivíduo, ou pelo menos ajudá-lo a aceitar, a ação
em prol de algo que a ele pouco valha, ou seja, uma espécie de caridade, em que pouco, ou
nada, se recebe, mas algo se dá. Agir em benefício de outrem ou de qualquer coisa que não seja
benefício próprio já é o começo do processo da saída de si mesmo, da extensa lógica que nos
leva a pensarmos e agirmos somente quando há benefício próprio.
Aqui, vale pontuar e revisar que o idealismo deve ser algo voltado para um bem maior, ou seja,
para alguém ou qualquer causa que vá além de si mesmo: Idealismos que versam sobre si
mesmos, como o existencialismo e o materialismo de justiça social, tendem a fortalecer ainda
mais as nossas tendências solipsistas, no geral (ainda que possam, em algum grau, serem
utilizados contra nós mesmos por serem uma forma de ideal, em longo prazo tais se voltam ao
benefício próprio pois sua raiz não está projetada para qualquer coisa que não seja o eu mesmo.
Em resumo, quando se segue tais formas de idealismo mais “materiais” acaba-se por realizar
alguma caridade, porém e ainda assim, a viver no luxo de um castelo feito de ouro, como um
rico ou nobre que muito ganha a partir da exploração de seus empregados porém anualmente
realiza alguma doação para alguma instituição de caridade: Esta muito mais é realizada em
beneficio próprio do que por realmente “se importar com o outro”, por assim dizer, além de não
possuir sua raiz e causa em algo que, como já dito, deveria ir além do “eu”, ou além do
solipsismo).
O idealismo, ainda que somente o começo do processo e não suficiente em si mesmo, é
justamente o começo da tomada de consciência sobre uma realidade que cada vez mais se apaga
na modernidade: Não estamos sós e podemos erguer e basear nossas vidas não somente em
nossas aspirações individuais (doença esta que impregna a modernidade como um todo, em
todos os ramos possíveis), mas sim em algo que transcenda nós mesmos, que não possua
nenhuma razão de ser (aparente) para nós e que por isso mesmo podemos chamar de amor: O
idealismo é a consequência do amor.
Quando busca se agir com amor, independente de para com o que e quem estamos falando, é
inevitável que tenhamos de “dar algum crédito” à pessoa ou simplesmente parar para ouvi-la:
Temos de perpassar as nossas tendências mais imediatas, que são justamente o imediatismo e a
busca pelo mais confortável, para dar um passo em direção ao outro e por vezes ceder a este: É
indispensável que saiamos de nós mesmos, de nossas impressões mais imediatas e coloquemos
o outro em um certo “pedestal”, ou seja, que não o acusemos (o que frequentemente é a nossa
tendência mais natural, até instinto de auto defesa) mas sim, que o escutemos e até que voltemos
atrás em nossas acusações. Toda forma de amor requer um quê de caridade, ou simplesmente de
brecarmos os nossos instintos e aptidões mais natos e adotarmos a posição e consciência de que,
talvez, devêssemos parar para ouvir e de que talvez estejamos errados.
O idealismo, aqui, pode ser voltado tanto para a si mesmo (porém, este não deve ser seu fim
maior) quanto também para o outro: Podemos tanto pensar e imaginar que somos mais do que
somos, e por este pensamento conseguirmos agir de forma melhor, ou pelo menos sermos mais
agradáveis no geral, como também podemos pensar que o outro é mais do que podemos ver:
Todo ser humano é algo em si mesmo e possui seus próprios fins e meios, assim como nós
possuímos os nossos.
Quando agimos somente com base nas vias materiais, e/ou até mesmo com base naquilo que nos
foi ensinado desde crianças e/ou até mesmo pelo que nos é de interesse próprio, naturalmente
passamos a desprezar os outros: Como já dito, nossas pedras de toque universais e
subjetividades raramente entram em “concordância” com tais das outras pessoas, e quando
entram, mais utilizamos isto em benefício próprio do que simplesmente “deixamos que assim
seja”. Em resumo, se se age somente pela maneira como previamente se foi ensinado, pela
maneira como socialmente se obterá bem maior, pela mera e pobre impressão do que temos no
aqui e no agora (o que, em mais profunda análise, quase sempre se revela mesquinho, fraco e
tendente ao erro, e quase todos os grandes filósofos, tanto da antiguidade quanto até mesmo da
modernidade, hão de concordar com isto) e/ou quando simplesmente não se age em reflexão,
nossa tendência natural é sempre nos ampararmos no que nos é de maior benefício próprio. A
única saída para isto é, naturalmente, tentar enxergar o além daqui, tentar enxergar e ouvir algo
que vá além de nós mesmos e de nossas impressões mais imediatas: Seguir o idealismo que
melhor se aplica ao indivíduo (me aplicarei a explicar isto no próximo capítulo,
Autoconhecimento).
Ao se seguir uma máxima e não qualquer que seja o imediato, naturalmente seguimos e
investimos em algo que vá além de nós mesmos e do indivíduo: Deixamos de ser escravos de
nossas impressões empíricas e egoístas, que frequentemente se encontram em erros dos mais
diversos, e passamos a agir em prol de uma ética própria: Nos tornamos, em consequência,
indivíduos com ideias, ideias estas que regem a nossa vida e tomam o lugar do que antes nos
comandava (seja ele o instinto, ego, o solipsismo, etc). Em resumo, ao seguir qualquer forma de
idealismo que ultrapasse a nós mesmos estamos, de certa forma, nos tornando maiores do que
nós mesmos: A única maneira de ser um humano, de fato, é se pensando e seguindo suas
máximas (ainda que estas entrem em choque com a realidade, mas é justamente sobre isto que
começaremos a falar mais intensamente neste momento). Em qualquer outra realidade somos,
meramente, comparáveis a animais: No fundo, todos seguimos somente nossos próprios
instintos (que não residem na razão, ou na consciência, que como já dito é a camada mais
elevada encontrável no ser humano e aquilo que propriamente lhe caracteriza. O acima afirmado
é visto que o ego possui algo de animalesco que a razão não possui).
Para melhor explicar tudo aquilo que se quer dizer e torná-lo mais “palpável”, darei um exemplo
de idealismo e como este ajuda-nos a romper, ou controlar, ou ao menos servir de princípio
contra, o solipsismo.
Suponhamos um indivíduo vegetariano. Tal indivíduo vegetariano, por assim sê-lo, por si só já
tenderá a seguir práticas e determinados costumes diferentes da maioria (por não incluir carne
em sua alimentação, o que é o mais comum da maior parte da população da maioria dos países),
tanto pelo que se é o vegetarianismo quanto também para aquele que segue qualquer forma de
idealismo, seja ela qual for, este sempre será parte da minoria, visto que a maior parte da
população sempre vive de maneira irrefletida e vivendo de acordo com o aqui e o agora,
somente. Tal indivíduo vegetariano, ainda que não esteja fazendo diferença alguma ao planeta
em termos de “acabar com a exploração animal” (há muitos vegetarianos e veganos que isto se
tornam devido à esta sorte de argumentos), está vivendo segundo uma ética própria, segundo
um conceito próprio daquilo que é certo e errado, e só por ser vegetariano terá de evitar muitos
lugares e certamente não poderá comparecer em determinados círculos e meios (na cultura
brasileira por exemplo, churrasco é uma das grandes tradições em eventos de ordem social).
Não poderá também e não terá propriedade para falar sobre uma série de assuntos, enquanto
para outros terá mais conteúdo do que a maioria (como por exemplo, como se alimentar de
maneira mais “orgânica” e, em tese, mais saudável), o que certamente fará com que
determinados indivíduos sintam atração por este “meio de vida” e outros indivíduos sentirão o
contrário, sentindo algo como repulsa, revolta, etc. Assim sendo, sua vida como um todo é
impactada e diretamente determinada em vários aspectos pelo seu idealismo sobre a sua
alimentação, no caso, o vegetarianismo, que o faz não apenas seguir um rumo ético próprio,
como também determina a realidade objetiva do sujeito (como os lugares que ele irá frequentar,
os tipos de amizade, seus assuntos mais frequentes, etc). O idealismo eleva o sujeito à uma
condição acima (por gerar diferenciação) da massa, visto que passa a seguir um caminho
próprio e de certo não deve aceitar as coisas de maneira tão fácil como a maioria, se assim o
fosse certamente o indivíduo não seria vegetariano (desde que não tenha sido condicionado,
desde a infância, a assim sê-lo, e tenha adotado tal postura por decisão própria). Por modificar a
vida do sujeito, por vezes limitá-lo, mas também fornecer um “sacrifício em prol de algo maior”
tal decisão, a de ser vegetariano, acaba por naturalmente elevar o sujeito de alguém que só
seguia a manada e aceitava tudo de bom grado, sendo, assim, naturalmente solipsista, a alguém
que possui alguma capacidade de se sacrificar, ou ao menos de se limitar, em prol de um bem
maior, ou de qualquer que seja a sua forma de idealismo e/ou ética própria *.
Ser vegetariano (desde que assim não o seja “desde o nascimento”) implica em realizar
sacrifícios, não apenas porque o sabor da carne pode ser delicioso ao indivíduo como também
este terá de frequentar determinados lugares e círculos, podendo ser possível até mesmo que
acabe por se afastando de algumas pessoas muito ligadas a lugares, círculos e hábitos em
específico. Por estar mais próximo da natureza do sacrifício em prol de algo maior (o bem estar
dos animais, a compaixão por estes, a suposta escassez de alimentos à qual o mundo se
encaminha, etc) do que da natureza do prazer e do ganho próprio, o vegetarianismo (bem como
tantas outras formas de idealismo) acaba por naturalmente combater a tendência solipsista que
há em nós, pois neste caso enxergamos o “outro” (no caso, animais) como algo digno de
respeito e que não está aqui para nos servir, não sendo meio para satisfação alguma mas sim
algo que deve ser preservado e protegido na medida do possível. Ser-se um humanista, da
mesma forma, gera efeito semelhante, pois enxerga-se no outro (um humano) algo em si que
deve buscar os seus objetivos em si, e que não nos diz respeito (em termos de posse e ganhos
próprios através de qualquer forma de exploração).
Seguir a ideia de algo em si, bem como valorar esta ideia como algo “positivo” e desejado (o
que é o fim de todo idealismo), acaba por afetar não apenas as concepções que temos sobre a
ideia de algo, mas também o próprio algo. Por mais que não nos seja possível apreender a coisa
em si, quando a tratamos exatamente como algo em si e “positivo” (e aqui, podemos apontar
que estamos não muito distantes do raciocínio final), tendemos a mudar não apenas a concepção
em si da coisa, de modo abstrato, mas também o nosso trato prático, real, com a mesma, assim o
idealismo impactando não apenas nas nossas ideias sobre as coisas, enquanto ainda na
interioridade, mas também no próprio mundo exterior a nós, o próprio mundo das coisas, por
isto sendo condição vital para superar as nossas meras impressões empíricas e imediatas sobre
qualquer coisa.
Ainda no caso do indivíduo vegetariano, por assim sê-lo certamente tal indivíduo, conquanto
“afaste” outros seres da sua mesma espécie (homo sapiens), com muita frequência possui um
bom relacionamento para com aqueles que possui tal compaixão, digam-se animais não-
humanos, assim sendo o indivíduo não apenas “ganha” em termos éticos e de pensamento
próprio, mas também naturalmente se aproxima daquilo que lhe faz algum bem (no caso,
animais em geral. Raros são os vegetarianos que não possuem bons “relacionamentos” com a
maioria dos animais, exceto em casos de vegetarianos que assim o são por benefício próprio, o
que se relaciona com o que foi dito mais acima).
Ao se seguir qualquer forma de idealismo calcada no autoconhecimento, o indivíduo se
aproxima não apenas da ética do amor e do amor em si, mas também da superação de si mesmo
(visto que, como dito acima, tem de realizar sacrifícios em prol de uma “verdade” maior) e de
um maior estado de bem-estar consigo mesmo. Quando se conhece, e se sabe aquilo que mais
lhe agrada, que provém (com muita frequência) do exterior do indivíduo, e se segue a devoção a
isto, naturalmente o estado de bem-estar geral do indivíduo é maior do que o estado daquele que
não se conhece e que aceita tudo sem muita hesitação.
Para finalizar e como dito, o idealismo também pode estar palpado e calcado no indivíduo
mesmo, em si mesmo, porém toda e qualquer forma de idealismo que gere uma sensação de
“engrandecimento” do indivíduo, mais exponencialhizando-lhe do que “humilhando-se” por
assim dizer, acaba por gerar tendências megalomaníacas no geral e como já dito, toda sorte de
aumento de tendências solipsistas. Quem deseja seguir um idealismo de ordem individual, deve
segui-lo no sentido de reconhecer e acreditar em suas capacidades e potencialidades, e não no
sentido de aumentá-las e assim buscar um prazer e poder ilimitados. Tais, com muita
frequência, tendem ao hedonismo, que é o justo contrário de tudo aquilo que está sendo exposto.
O idealismo para consigo mesmo muito mais deve ser seguido de uma forma de consciência
sobre si mesmo do que uma forma de “soberba” para consigo mesmo, e tal, apesar de ser uma
forma de idealismo, não convém aos nossos propósitos (de combate ao solipsismo).
O idealismo, assim, conquanto possa servir como forma de nos “apoiarmos” e valorarmos algo
que está fora de nós mesmos, pode ser a primeira porta rumo à fora de nós, rumo à quebra de
nossos solipsismos individuais, e por isto mesmo aqui está sendo citado.
Autoconhecimento
É necessário (se não o é, muito próximo disso) aqui fazermos uma pequena pausa para citar um
certo tipo de conhecimento que pode nos auxiliar na jornada filosófica que desde o começo
deste escrito estamos empreendendo: O autoconhecimento.
Ainda que não possua, em si, função vital no e ser parte fundamental do processo desta causa, o
autoconhecimento pode possuir alguma valia para chegarmos ao objetivo que será exposto no
final do livro. Em outras palavras, o autoconhecimento, ainda que não parte do processo, o
auxilia, de forma secundária ao processo como um todo.
A importância do autoconhecimento reside em fatos que extrapolam os domínios e objetivos
deste livro e da temática aqui tratada, portanto não posso me estender muito e nem me detalhar,
porém basta dizer que o autoconhecimento é simplesmente vital para a boa existência de
qualquer ser humano, em qualquer época, e é aí mesmo que reside sua importância: Esta é
atemporal e universal.
Para responder à pergunta sobre a importância do autoconhecimento, basta-nos pensarmos
brevemente: A única pessoa com quem (não no sentido de companhia literal, mas sim no
sentido de “termos de lidar”) em toda nossa vida passaremos, do momento inicial até o
momento final, somos nós mesmos, então apenas por isto (bem como por outros diversos
fatores) o autoconhecimento já possui em si mui valia. A nós, basta-nos dizer que o
autoconhecimento tanto enriquece nossas vidas quanto também nos ajuda a nos entendermos
bem como entendermos nossos limites, e é justamente aqui que entra sua possível ligação com a
temática que aqui está sendo desenvolvida.
O autoconhecimento, para nosso raciocínio, é de alguma importância pois tanto pode nos
mostrar em qual área primeiro podemos iniciar a nossa busca e consolidação idealista quanto
também nos mostra em quais áreas nos é mais custoso o “exercício do amor”, nos mostrando
então em quais áreas o desenvolvimento pode ser realizado em curto prazo e em quais áreas o
desenvolvimento é de maior prazo. Darei um breve exemplo.
Suponha um indivíduo que se autoconhece suficientemente e possui uma natureza mais
inclinada ao relacionamento com os animais não-humanos do que com o ser humano em si.
Lida melhor com estes do que com aqueles. Tal indivíduo, no começo de sua busca pela
superação de si mesmo, pode muito bem começar a idealizar em campos relativos aos animais
não-humanos, pode por exemplo começar a sua jornada idealista se tornando vegetariano, por
exemplo, e depois quiçá realizando caridades para com instituições que acolhem animais
abandonados. Tal, por já ser de sua natureza, será de desenvolvimento básico e inicial menos
complicado a este indivíduo. Posteriormente, por saber que seu trato e relação com humanos é
mais complicado, pode começar a estender tal bom trato e dedicação à também quantos
humanos lhe forem possíveis, começando pelos mais próximos, que naturalmente nos são mais
fáceis de “gostarmos”, até quem sabe os mais distantes, que sempre são aqueles cujas razões
mais se escondem de nós e, portanto, nos parecem mais “irracionais”. Assim, o
autoconhecimento pode mostrar o começo e o fim do desenvolvimento dialético (e prático) que
estamos tentando propor, sendo não exatamente uma peça fundamental, mas de grande ajuda
para aquele que busca sair de si mesmo, mesmo que não seja esta a máxima vital de sua vida.
O autoconhecimento nos auxilia a entendermos tanto o que é de mais fácil realização a nós,
portanto aquilo que pode ser colocado em primeiro lugar no desenvolvimento do amor, quanto
também aquilo que é mais difícil, portanto que deve ser colocado para posterior realização (pelo
menos assim penso que nos fica de menos complicada realização, mas isto é o que penso, não
sendo uma regra universal e muito menos algo a ser decorado). Nos conhecendo, sabemos no
que pecamos com maior frequência, no que nos é caro e no que podemos buscar mudar, e isto
por si só nos auxilia no processo contra o solipsismo.
Assim sendo, o autoconhecimento nos auxilia no processo aqui abordado, demonstrando as
variáveis mais importantes e que podem servir de “começo” ao processo, ficando a nosso cargo,
ao cargo de nossas consciências, definir os como’s (a ordem de desenvolvimento) e os porquê’s
(as justificativas) de nosso desenvolvimento nesta narrativa (visto que a justificativa não é de
cargo somente do autoconhecimento, mas também de nossa consciência e individualidades
como um todo. Se a consciência não acata, nada pode ser mudado, e esta é uma máxima quase
universal). Sabendo-se quem se é, em suma, todo o processo exposto fica menos complicado,
bem como se facilita enxergar as próprias limitações e o próprio ego agindo frequentemente
(propósito este de demonstração deste livro), o que por si só auxilia em nossa causa.
De como é possível que se haja em amor
Antes que iniciemos de fato este capítulo e continuemos nossa empreitada, é necessário
fazermos uma pausa para delimitar um aspecto importante cuja importância se faz já no título
deste capítulo.
Amar está, em si, no ato, e não no pensamento. Detalharei e explicarei a seguir.
Não existe amor de forma imediata, pelo menos não para a imensa maioria da humanidade. O
que quero dizer com isto é que, naturalmente, nossas mais automáticas e rápidas respostas
sempre serão regidas por princípios solipsistas, e nunca pelo amor de fato. Novamente, o que
quero dizer com isto é que, em última instância, nunca se é possível apresentar (mesmo que
apenas em pensamento, exceto em pequena parcela dos casos) uma resposta automática que se
baseie no amor, quer ela esteja na consciência, quer ela seja uma resposta que se dá no mundo
prático, no mundo empírico mesmo.
O solipsismo individual está tão arraigado em absolutamente toda a humanidade que se pode
compará-lo com os nossos movimentos autômatos: Tal como se batermos em determinadas
regiões de nossos joelhos, nossas respostas à grande maioria dos estímulos sempre serão aquelas
que, conscientemente ou inconscientemente, são mais automáticas e “gravadas em nosso DNA”,
sendo estas quase sempre as que mais nos trazem benefício próprio, ou pelo menos que evitam a
perda. Em suma, nossa resposta mais automática e fácil, para praticamente absolutamente
qualquer estímulo/situação que seja (excluindo-se os movimentos autônomos), sempre será
aquela concedida pelo solipsismo, seja ele em qual área de maior destaque for (pois, como já
dito, cada um de nós se “apoia” e tem maior influência de determinado elemento/área, sendo
uma pessoa, por exemplo, que valora reconhecimento social uma pessoa que frequentemente
decidirá por quaisquer decisões que tragam prestígio social à tal pessoa, e evitará o contrário).
Assim sendo, não há como fugir da máxima de que sempre, pelo menos de maneira mais
automatizada, responderemos conforme nós mesmos e com o que nos foi condicionado: O amor
nunca se encontra nas respostas mais imediatas, mas sim naquilo que pode ser refletido (e aqui,
começo a entrar na temática deste capítulo de fato).
Realizar um ato ou pensamento de amor é, como já dito, ir contra nossas tendências mais
naturais. Não apenas naturais, mas que foram estabelecidas e nos regeram durante anos,
décadas, às vezes até mesmo mais de um século (para aqueles poucos que conseguem
ultrapassar a fronteira dos cem anos de idade). Desnecessário é dizer que, por mais que
estejamos empenhados em mudar esta empreitada, não seria do dia para a noite que
mudaríamos. Não apenas isto, mas temos de estar vigilante para conosco mesmos para, dia e
noite, não mais agirmos segundo a resposta mais automática e fácil, mas sim sobre aquela que é
ponderada. Explicarei mais a seguir.
Como dito e evidente, nossas respostas mais rápidas aos estímulos sempre serão aquelas que
mais naturalmente estão de acordo com nossos princípios e instintos mais básicos. Ou seja, de
autopreservação, de autoafirmação, etc. Acontece que a grande maioria de nós, e mesmo
aqueles que dizem “pensar” e que se gabam por isso, mesmo aqueles que nem sequer se gabam,
mas que mesmo muito pensam, acabam por, frequentemente, se deixar levar por estas respostas
automáticas e agirem pelo jugo do ego, o que ajuda a explicar as mais diversas disputas
existentes na história sobre quaisquer assuntos que sejam, vide as disputas teológicas, as
dezenas de respostas diferentes para uma mesma questão (ainda que possam ser também fruto
da subjetividade por si só), a política de uma forma geral, etc. Seguimos, de maneira mais geral,
a necessidade de nos provarmos sempre certos e de nos afirmamos quaisquer que sejam os
custos. Não importa qual é a questão, nossa resposta mais automática para o que quer que seja
sempre será o ataque, ou ao menos a autodefesa, sendo o silêncio exceção à regra na maioria
dos espetáculos por assim dizer.
Visto que nossas respostas mais automáticas em qualquer que seja o campo sempre será o
interesse do solipsismo, o amor não pode ser amparado na teoria, no pensamento, mas sim na
ação, na resposta. O que quero dizer com isto é que, basicamente, pouco valem boas intenções
se não estiverem acompanhadas de ação, de fato. Visto que o interesse próprio sempre é o
primeiro a agir, sem nem mesmo pensar, o contra-ataque do amor deve ser tomar a dianteira e
agir primeiro do que o interesse próprio, ou ao menos brecar a ação, parar e analisar. Só de nos
mantermos em silêncio e evitarmos de tomarmos uma ação inconsequente, frequentemente,
estamos agindo em amor. “O amor se cala perante a multidão de pecados”, como já dizia
Kierkegaard (As obras do amor).
Assim sendo, qualquer um que queria agir em amor deve, ao transpor a intenção para a ação de
fato, primeiramente passar a analisar melhor tudo aquilo que lhe aparece como opção. Demorar
a responder, se tornar “lento” aos olhos do mundo, fazer os outros perderem suas “paciências”
(que pouco são paciência de fato) é, no mínimo, obrigação de todo aquele que deseja agir em
amor, pelo menos nos primeiros momentos. O amor está prioritariamente na ação, mas começa
com a decisão de se agir nele, sem motivo algum, e aí está outro ponto importante.
Abandonar, como já indicado, toda e qualquer relação de ganho e perda, bem como passar a se
desgarrar dos bens materiais no geral é também outro dos requisitos do amor. “Quanto mais
coisas possui, por mais coisas serás possuído”, e quanto mais se pode perder (ou se pensa que se
pode perder), também menos se age.
A idealização, bem como a virtude suprema (que seria o agir sem visar um retorno, além do
autoconhecimento, que também pode ser chamado de suprema virtude), versam sobre a
capacidade de agir sem ganhar nada em troca. Poucos de nós humanos são os que,
verdadeiramente, conseguem agir sem esperar coisa alguma, e este é um dos tantos motivos
pelos quais a mensagem de Yehoshua continua revolucionária: Desprender-se do ganho e das
relações materiais é, em última instância, desprender-se de todo o mundo, e pura e
simplesmente a maioria de nós sequer consegue imaginar isto.
Há um abismo de distância entre o ser humano comum e o amor de fato. A começar que, mesmo
quando este deseja agir sem buscar um ganho “em troca”, ainda assim acaba por frequentemente
fazê-lo, pois com muita frequência não buscamos (e assim utilizamos como desculpa,
autojustificação para nós mesmos) aquilo que é palpável, mas sim aquilo que é impalpável,
como a consideração, o respeito social, e como já dito, qualquer que seja a resposta, se a busca e
esta é elemento vital para a tomada de decisão, já não é amor, mas sim interesse próprio.
Agora, iremos apurar quais são aquelas ações que, de fato, fazemos sem interesse próprio
algum. Analise consigo mesmo: Até hoje, quantas foram as vezes em que você,
verdadeiramente e sem máscaras, agiu em prol não de si mesmo, mas por qualquer outro motivo
que não seja o si?
Certamente, muitas respostas do tipo “ajudo minha mãe”, “faço x coisa para minha
namorada(o)”, “ajudei meu amigo” poderão lhe vir à cabeça, mas tais atos possuem em si uma
motivação em comum: Todos são feitos por nós a pessoas por quem possuímos afeto. Ou seja,
fazemos tais não sem intenção, mas pura e simplesmente por convivência em comum, laços
sanguíneos, razões de cunho sexual e reprodutivas e para mantermos uma boa relação com
alguém próximo, ou ao menos cumprirmos uma “agenda social”. Tais ações, em si, são atos de
bondade de fato, mas isto não implica necessariamente que sejam sem motivo.
Agora, imagine-se fazendo parte destas ações que tomas com indivíduos próximos com aqueles
que não lhe são em nenhuma medida “próximos”, como com pessoas que você nem conhece.
Algum dia, você chegou a realizar um ato de caridade, ou mesmo de atenção, desinteressada por
alguém que nada podia lhe oferecer ou que simplesmente não lhe significava coisa alguma?
Aí está outro ponto importante para nos ajudar a investigar a causa de nossas boas ações: O
significado e a implicação deste.
Na grande maioria das vezes, quando bem fazemos algo é por este algo possuir algum
significado consideravelmente “positivo” para nós. Se não o possui, majoritariamente não
fazemos.
Alguém certamente pode argumentar que, quando ajo buscando a alegria do outro, estou agindo
pela alegria que sei que propiciarei para o outro, e não por que eu mesmo também receberia
alguma alegria ao agir de tal forma, como quando damos um presente a alguém, por exemplo.
Tal é uma verdade incompleta, pois, de fato, quando agimos buscando a alegria do outro o
objetivo principal do ato é o outro, mas, ainda assim, tal se faz porque este outro possui um laço
para conosco e um significado para nós: Se assim não o fosse, não faríamos. Se queres a
comprovação empírica disto, responda à seguinte pergunta: Quantas vezes, em toda a sua vida,
você deu presentes de semelhante qualidade (presentes que damos aos entes queridos) à um
completo desconhecido, por exemplo?
A alegria deste “outro”, que nos é caro e por quem possuímos laços, legitima nossas boas ações
para com ele, porém isto não nos isenta de, de fato, ainda estarmos praticando o egoísmo: Pois
se não se possuísse “laço” afetivo algum, nunca se agiria de tal maneira. O ganho do outro,
neste caso, é visto e encarado como o meu ganho. Em última instância, “amamos” quem nos faz
nos sentirmos especiais, quem cuida de nós, quem depende de nós de alguma forma, ou seja,
quem nos engrandece ou quem nos garante a existência de alguma forma. A todo o resto, quase
nada sentimos exceto, quase sempre, indiferença.
Há um meio termo que não necessariamente ”amamos” da maneira como aqui vem sendo
descrita mas que ainda assim, ocasionalmente, fazemos atos de caridade, que são os amigos,
mas estes, mesmo se brevemente pararmos para analisar, não nos são amados e apreciados de
fato: No máximo, podemos conceder algumas poucas coisas aqui e ali, mas nunca que nos
sacrificaríamos, em igual medida e quase sempre, da mesma forma que nos sacrificaríamos por
nossas mães para com nosso amigos. Além do fato de que, obviamente e atemporalmente,
“amigos de verdade são poucos”, como já diz o ditado. Ainda assim, é certo falar que, em uma
“amizade verdadeira”, há um quê de amor mesmo que não explícito e da mesma forma que
amamos as pessoas mais próximas, como nossos pais e amantes.
O ato do amor é um ato de “se voltar ao outro” de maneira completa, pois quando não o
fazemos completamente, quase sempre a parte que não está voltada para o outro está voltada
para nós mesmos. Poucos são, de fato, os atos de amor neste mundo, pois quase sempre
podemos encontrar razões mesmos nos amores mais, em tese, legítimos, como o amor de mãe
por exemplo (não que este não seja amor, mas, com certeza, não é sem intenção).
O amor, para sê-lo de fato, e ser realizado, necessita ser e estar presente como base do
indivíduo, como seu idealismo, como aquilo que se pretende “converter em” o solipsismo. Pois
a nossa base solipsista é tão grande e abrangente que, para combatê-la, só lhe contrapondo com
algo que se assemelhe à esta em grandeza: Um princípio de amor absoluto (e portanto, por ser
absoluto, em minha antiga concepção sobre o amor este deveria ser automaticamente dirigido e
reservado à toda humanidade, mas como já dito e evidente, tal é ato grandioso demais, portanto
esta minha segunda concepção que vem sendo desenvolvida).
Quando digo “princípio de amor absoluto” estou querendo dizer não que devemos deixar de
“amar” nossos pais, mães, amantes, amigos, etc, pois tais, embora não sejam os amores mais
puros de fato, mesmo com suas limitações ainda são uma forma de amor e nos servem de
“modelo primeiro” sobre o que seria amar (ainda que corrompido pelo interesse próprio na
maioria das vezes, vale sempre lembrar), mas sim que devemos buscar estender este princípio à
toda a humanidade, ou ao menos ao maior número de pessoas possíveis. Devemos eliminar a
fronteira do “amo porque me faz bem”, “amo porque cuida de mim”, “amo porque é presente”,
etc, e passarmos a tentar agir simplesmente para e por transformar o amor numa máxima: Não
deve haver um porquê, apenas uma ordem que, assim transformada e institucionalizada, nos
levará a agir em sua plenitude sem buscar interesse próprio. Assim, o amor que se desenvolve
para com os outros pode ser até mais “puro” do que o amor que se tem pelos próprios, em
última instância, e por isso mesmo é admirável o sacrífico de Yehoshua (Jesus Cristo). O amor
deve ser a ignorância de si mesmo.
O sacrifício de Yehoshua em prol da humanidade inteira é, sem sombra de dúvidas, um dos atos
de amor mais notáveis de toda a história da humanidade, independente se de fato aconteceu ou
não (ainda como metáfora, é uma metáfora que influencia, de alguma forma, bilhões, por isto a
sua presença destacada na história mesmo que não seja real de fato). Que Yehoshua poderia e
deveria se sacrificar em prol dos “eleitos” e dos “bem aventurados” não seria de espanto algum,
poderia até mesmo ser esperado, porém que este morrera pela humanidade inteira, por aqueles
que até mesmo nunca mereceriam tal sacrifício ou que até mesmo o negligenciam, é algo que
todo aquele que mais intensamente se debruçar sobre logo será naturalmente convencido da
grandiosidade de tal ato, pois é ação simplesmente grandiosa demais para toda a humanidade
entender, mesmo após vinte séculos desde seu sacrifício.
Yehoshua veio para trazer e institucionalizar a salvação (como direito) para todos, tanto para os
“escolhidos” quanto para aqueles que até então (e até hoje) estão perdidos. Se sacrificou não em
prol de quem o merecia, mas sim e justamente daqueles que não o mereciam de forma alguma:
“Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as
coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; E Deus escolheu as coisas vis deste mundo,
e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são (1 Coríntios 1:27,28)”. Yehoshua
se sacrificou, em última instância, em prol da humanidade inteira, em prol especialmente
daqueles que, sem este sacrifício, quiçá não o encontrariam de forma alguma. Tal sacrifício de si
mesmo em prol daqueles que muito frequentemente ainda nos parecem odiosos ainda nos é, em
última instância, um mistério, e ato admirável, para minimamente dizer. Yehoshua explicita
bem o amor sobre o qual estou me referindo: O amor que apedreja ao seu próprio portador, se
necessário.
Mas não é de meu desejo, ao citar Yehoshua, que todos nos tornemos como tal, até porque se
assim fosse a humanidade seria extinguida e, destarte, com toda certeza pouquíssimos de nós
possuímos tal capacidade de amor, para não dizer quase nenhum de nós (visto que, como dito, a
resposta mais imediata é o solipsismo, e Yehoshua conseguiu dominar este e, aparentemente,
embora não possamos afirmar com certeza, substituiu tal princípio solipsista pelo amor de fato,
assim estendendo em si a sua política do amor até o campo dos instintos). Ao citá-lo, apenas
desejo citar a prova cabal de tudo o que está sendo aqui argumentado: Ao ser exposto um ato de
amor puro, ainda nos é praticamente incompreensível como tal seria possível, mesmo mais de
dois mil anos passados, o que indica que nossas bases solipsistas continuam as mesmas e que,
como muito dizem os cristãos em geral, “A salvação é individual”.
Não desejo necessariamente que todos nos convertamos ao cristianismo, até porque este, em
última instância, pode até acabar servindo aos nossos princípios solipsistas e os reafirmar de
alguma forma (vide, por exemplo, a extensa “militância cristã” existente nos dias de hoje e
pessoas que transformam a religião em uma forma de política e/ou se elegem por promessas
nesta área, para não citar, por serem mais “invisíveis”, os exemplos subjetivos e individuais de
autolegitimação amparados na religião), mas desejo que retornemos nossos olhos ao seu
exemplo e ao exemplo de alguns outros que deixaram uma mensagem de amor: Mesmo quando
crucificado, Yehoshua não perdeu o seu princípio de amor, e mesmo lá continuou a nos dar
exemplo: "E Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem"” (Lucas 23:34).
Ao citar Yehoshua (bem como Siddhartha Gautama também poderia aqui ser citado, embora o
seu exemplo de amor seja substancialmente diferente do exemplo de Cristo), minha intenção é a
de que olhemos para este como um exemplo: Não devemos ser como ele, pois como ele só
existiu um, que é ele mesmo, mas sim aspirarmos a sermos como tal. Inegavelmente, o seu
exemplo de amor é, quiçá, o exemplo mais fiel e possível ao amor que aqui se quer desenvolver:
O amor desinteressado e universal. O amor deve ser uma máxima, deve estar presente não como
ação imediata, mas como aquilo que se faz em um segundo momento seja a partir da reflexão
ou, preferencialmente, da ação mesma, pois o amor é, provavelmente, a única forma de se
combater o solipsismo (visto que é sua “transcendência”. Combater o solipsismo, de maneira
literal, só nos faz eliminar uma forma de solipsismo e criarmos outra, como o indivíduo que
deseja ajudar os pobres e então acaba por se aliar à esquerda política).
O ato (e aqui não me refiro apenas ao ato mesmo, mas também ao pensamento, visto que amar
muitas vezes engloba a ausência de ação, ou simplesmente o pensamento, a tomada de
consciência) de amor deve começar e se estender primeiramente às pequenas atitudes e à
“pequena comunidade”, e é aqui onde começamos a de fato responder à “pergunta” suscitada no
título do presente capítulo e a desenvolver a segunda versão do amor que nos é desejada.
Visto que o amor se encontra em um “segundo momento” e não no campo das reações mais
imediatas, tem-se como evidente que este leva algum tempo para ser criado, expandido e
estabelecido na mente (e no coração) daquele que deseja possui-lo. Dito isto, convém que
aquele que deseja desenvolver em si as qualidades do amor que comece desenvolvendo-as com
aqueles que lhes são mais “imediatos” e presentes, no geral com os familiares e colegas de
trabalho, de ambiente ou seja lá o que for. Podemos dizer que, quase como padrão, o campo
mais imediato e intuitivo de aplicação do princípio do amor é o campo familiar, devendo este
ser estendido às outras dimensões da vida do indivíduo conforme este se sentir apto.
Aqui, pequenas atitudes bem como pensamentos também contam. Como dito, nem sempre o
amor se encontra nas atitudes mas às vezes na resiliência perante as atitudes. Em um ambiente
familiar desestabilizado, onde brigas, desentendimentos e xingamentos imperam por exemplo,
em um primeiro momento o simples fato de conseguir sair de uma briga sem pronunciar uma
única palavra já é uma vitória em favor do amor, da saída de si mesmo. Mas devemos nos
atentar pois aqui encontramos um ponto importante: Nem sempre o amor muda os fatos.
No exemplo acima por exemplo, o mero fato de alguém não mais se envolver no clima de briga
do ambiente familiar não garantirá que coisa alguma mudará. Mesmo que este alguém passe a
conversar decentemente com seus familiares, mesmo que lhes demonstre afeto e lhes diga que
não deseja que eles continuem brigando, ainda assim a situação, seja ela aparente ou não, pode
não mudar, ou mudar em muito pouco. E também por isto mesmo, aqui volta a máxima
instituída neste capítulo: O amor não deve buscar retorno.
Como muito bem dizem os cristãos, “o mundo jaz no maligno”. O amor, certamente, não
mudará o mundo pois a estrutura do mundo inteiro é, em última instância, corrompida. Por isto,
os esforços, a “paixão” com a qual alguém empregar o princípio do amor não deve esperar
retribuição, pois com muita frequência não a encontrará e isto se deve não apenas pela intenção
própria das outras pessoas, mas mais pelas suas ignorâncias, eu diria.
Agir em prol de si mesmo, de seu solipsismo com muita frequência, acaba por nos cegar. Abrir-
se às portas do conhecimento significa com muita frequência sair de si mesmo, pois o
conhecimento que não se possui está além de nosso alcance (na maioria das vezes). Conhecer, e
então mudar o seu agir, está além da capacidade da maioria das pessoas, que sequer podem
saber seja por preguiça, desinteresse próprio, solipsismo exacerbado ou qualquer que seja a
justificativa. Quando age-se muito seguindo o “automático”, que como já dito, é solipsismo em
quase todos os casos, acaba por seguir-se os mesmos padrões, as mesmas linhas de pensamento,
os mesmos interesses, e seguir a repetição é, por si só, fator limitador de uma série de
potencialidades que nós, seres humanos, possuímos, principalmente daquelas relativas à
intelectualidade (aqui, estou fazendo uma defesa explícita do “experimentalismo”, não porque
creio que ele é superior ao marasmo, mas porque pura e simplesmente este está mais de acordo
com a natureza do “sair de si mesmo” do que com o contrário).
O amor, em primeiro momento, deve ser regido e agir em pequenas atitudes. Na próxima parte
deste livro tratarei sobre alguns assuntos em específico destas “pequenas atitudes”, porém
podemos aqui pontuar alguns exemplos simples e repetir a definição dada no começo desta
parte: Amor é a tendência geral à bondade/boa vontade, e quanto mais “universal” for esta
tendência (no sentido de quantos mais pessoas, de tantas mais esferas, atender), tanto mais
próximo do perfeito (do amor de Deus por exemplo) será.
Dentre os exemplos de atitudes e princípios de amor podemos citar: Ouvir e observar mais e
falar menos, agradecer mais e blasfemar menos, pensar mais e “explodir” menos, tentar
enxergar o viés do “outro” e ponderar sobre o assunto, perdoar os males que nos são infligidos,
ser indiferente às perdas materiais bem como a quaisquer prejuízos do tipo, não se deixar ser
levado pela cobiça e pela avareza, ponderar sobre o que é de fato necessidade e o que é apenas
desejo, dar atenção à quem lhe pede atenção, etc. A lista é longa, muitas das atitudes e
princípios desta são clichê e encontram-se “na boca do povo”, bem como algumas destas
características também são, aparentemente, incentivadas pela mídia, mas tudo isto apenas segue
o aparente: Muito pouco disso, à nível social, é realmente aplicado.
Para tornar o princípio do amor mais “prático” e facilitar a enunciação (ao invés de transformar
este em uma lista de afazeres), aquilo que deve ditar nossas atitudes e ideais deve ser um só
princípio: O puro e simples bem. Devo seguir e escolher por aquilo que não apenas me faz bem,
como também potencialmente faz bem ao outro.
Não quero aqui adotar a mesma linha do imperativo categórico kantiano, pois tal acabaria por
desencalhar na primeira definição de amor enunciada, e tal como dito é simplesmente
inaplicável à maioria da humanidade (por esta se encontrar, ainda e em todo sempre, em um
estado muito primitivo de consciência), portanto defino como o princípio do amor aquilo que
nos faz bem. Aquilo que posso saber que me faz bem, como ser bem tratado, ser respeitado, ser
cuidado, receber atenção, etc, e que portanto posso saber que ao outro também o faz bem, na
maioria dos casos. Tirando as características mais “peculiares” do indivíduo (que podem
facilmente não ser enxergadas no universal), tal deve ser o princípio cujo conhecimento é
“fácil” porém aplicação nem tanto (pois se o fosse, eu não estaria aqui e você não estaria aí,
ainda me lendo).
A conduta do amor deve ser aquela que beneficie ao maior número de pessoas, mesmo que tal
atitude entre em detrimento do benefício próprio. Como dito, o amor nunca deve buscar o
interesse próprio, muito menos o lucro, e mesmo quando é feito ao outro deve carecer de
intencionalidade, pois quando acompanhado por esta frequentemente age-se pelo “eu”, e não
pelo outro de fato (por uma espécie de, como já dito, culpa por consciência social, desejo de ser
“prezado” e valorizado pelos outros e assim por diante). O amor deve ser um princípio não
enunciado (o que condiz dizer que não deve ser feito com intenção, mais uma vez).
Aqui, também cabe-nos fazer um breve adendo de que o amor pode ser estendido também às
criaturas não racionais: Se não é certo, exatamente, de que viver em harmonia com os animais
não humanos seja necessariamente uma virtude, pelo menos pode-se dizer com certeza de que
este é sinal de nobreza: Ter piedade e compaixão para com aqueles que estão “abaixo” de nós já
naturalmente nos auxilia (e nos contorna com características) a agirmos de igual maneira
perante os nossos semelhantes, pois quando se entende que o amor é um princípio universal e se
deseja assim segui-lo já não haverá mais sentido criar distinções entre aquilo que nos é muito
semelhante e aquilo que não: Amar o meu cachorro, por exemplo, é, em última instância, um ato
de amor para com o todo. Deixar de comer um animal e se alimentar de algo que não sente dor
(e aqui, não entrarei na discussão sobre a natureza das plantas, sobre se estas sentem “dor’ ou
não, pois tal está muito mais tendente a ser uma discussão de ego do que de racionalidade
mesmo) é, em última instância, igualmente um ato de amor (por se tratar de um ato de
compaixão).
Para ascender ao plano do amor é necessário que percebamos as ilusões que nos são passadas
desde os nossos nascimentos e que percebamos, de preferência, que todos mais temos
características em “comum” do que diferenças e que, em última hipótese, todos podemos ser
chamados de “irmãos”. É claro que a modernidade criou um abismo entre a maioria das pessoas
e criou gostos tão “peculiares” (para não dizer únicos, ou até bestializados) que são de difícil
identificação nos demais indivíduos, porém como dito isto não exclui as semelhanças que
possuímos uns para com os outros, na verdade, a aceitação da diferença individual e o
estabelecimento de uma moral de caráter mais “coletivo” não exclui o direito à personalidade
individual, pelo contrário, visto que o amor sempre vem do “eu” e não do mundo (pois como já
dito, o mundo há muito está perdido), agir por tal é muito mais traço de uma personalidade
própria do que de uma personalidade coletiva. Ou seja, não faria o menor sentido agir com
quaisquer formas de “preconceitos” para com a alteridade visto que o amor, em si, já é
alteridade no meio social (e, como já dito, todos possuem suas razões de ser, mesmo quando
estas estão ocultas a nós). Assim sendo, possuímos mais um motivo para amar aos outros, amar
aos diferentes, pois estes são nós mesmos.
O amor deve ser uma máxima não racionalizada. Tanto porque o amor não é racionalizável
(como dito, ao fazê-lo estaríamos prostituindo-o à possíveis princípios utilitaristas) tanto
porque, em si, o amor é “transcendência” da razão. Pois a razão com muito frequência aponta
para os nossos próprios interesses e para o que é de interesse social (que é frequentemente
degenerado), já o amor aponta para o incompreensível e está, em tese, mais de acordo com o
respeito ao outro: Visto que este nos é incompreensível pela diferença de solipsismos, a única
resposta possível é justamente o amor, visto que este é o único princípio que não compreende,
mas ainda assim aceita.
Tal dito acima não é sinônimo de que devemos aceitar quaisquer características do outro, que
não devemos repreender-lhe, que devemos cair em relativismos, etc, mas sim que devemos
abandonar as discussões, abandonar a tentativa de convencimento pelo racional e convencer
pelo exemplo, e não pela língua: O exemplo é a maior e principal enunciação de nossos
princípios.
Ao enxergamos e deslumbrarmos algo que objetivamente é “errado”, não nos convém querer
mudar a atitude do outro, mas sim aceitarmos que o outro é imperfeito e, caso possível,
demonstrarmos em alguma situação semelhante como agimos. Quando se cai, ou apela, para o
julgo da língua e das discussões, frequentemente acaba por se cair em disputas de ego, e estas
como já ditas são do reino do solipsismo. Não devemos, minimamente, tentar corrigir, mas
meramente aceitar, agirmos segundo nossos princípios e ocasionalmente outros notarão e quiçá
tentarão agir como nós: A atitude convence, a palavra separa.
O estilo de vida daquele que deseja seguir o princípio do amor deve ser o mais austero possível
consigo mesmo porém o mais “flexível” possível para com os outros. Mesmo que não
concordemos com as atitudes destes, faz parte do belo princípio sermos tolerantes, desde que a
nossa tolerância ao princípio do outro não traga sofrimento à um terceiro, sendo necessária nesta
ocasião especial ponderação sobre se devemos fazer algo de diferente disto ou não. Deve-se ser
austero e crítico consigo mesmo, ao ponto de frequentemente se questionar sobre suas máximas
e sobre quem o nosso interesse serve, se a nós mesmos ou se ao bem do exterior de fato, porém
e ao mesmo tempo não devemos ser severos demais para conosco: O perdão é uma máxima que
deve valer não somente aos que nos ferem, mas também para nós mesmos. Devemos saber nos
perdoar (quando estamos compromissados com a melhora).
É um processo longo e livrar-se das garras do interesse próprio, repito, não é tarefa rápida e
fácil, e muito menos deve ser de utilidade. O amor não busca nenhum fim exceto a si mesmo, e
mesmo que no horizonte haja guerra, se em nosso teto agimos com amor para com o que nos é
possível podemos dormir em paz: O amor não busca a mudança, e mesmo assim traz o bem
próprio. Não nos importa que o mundo mude, mas sim que nós mudemos, pois a única coisa que
está inteiramente (ou quase isso) ao nosso controle somos nós mesmos, e nada mais.
Assim e finalizando, deve ser dito que o amor, apesar de ser o fim em si mesmo, é o meio ao
qual desejamos chegar, e não a chegada em si. É o meio de nosso raciocínio, e não o fim. O fim
apresentará uma justificativa racional (pois nem sempre se pode agir apenas pelo coração, ou
apenas pelo amor, ou apenas por princípio próprio sem haver racionalidade, seríamos menos
racionais se assim fôssemos capazes e certamente as mentes analíticas assim não agem) para a
saída do solipsismo e sobre como isto pode tanto nos trazer bem quanto também trazer bem ao
exterior e sobre como é possível que se enxergue no outro um fim em si, e não os nossos
próprios fins.
Idhea
(Meta)Definição
Até o momento, tratamos da solução do problema (na parte anterior deste livro) sob uma
perspectiva subjetivista, que valorizava mais a “emoção” do que a razão de fato. Não que meu
intento fosse o de empreender um “reino do amor” baseado apenas em promessas (que podem
ser consideradas) vazias e falta de senso de realidade, mas convinha a nós tocarmos no cerne da
questão do ponto de vista subjetivo e emocional. Agora, adentraremos no reino da razão de fato
e exporemos nossos motivos e forças maiores para a realização de um “reino do amor” bem
como da tentativa de superação tanto do solipsismo quanto também do niilismo moderno,
vertente esta que se encontra em voga no pensamento ocidental moderno predominante.
Por “idhea” me refiro ao reino daquilo que é perfeito. Por idhea me refiro à certa dose da teoria
do mundo das ideias de Platão, porém agora esta sendo contextualizada e achando um meio para
sua possível realização terrena: O amor. O amor, como dito anteriormente, seria o meio, mas
não o fim para a chegada ao mundo das ideias e somente pela ideia é possível estabelecer o
amor como plano prático, e não mais meramente teórico, relativo e subjetivo. Se somente
tratássemos do “amor” e parássemos nosso raciocínio na parte anterior, acabaríamos por
dissolver toda a nossa teoria no ar: Pois tudo aquilo que somente se calca no campo do subjetivo
e emocional tende a se dissipar com o passar do tempo. A razão, nestes assuntos, é a única
capaz de conseguir calcar uma estrutura, base e meta de longo prazo e que independe do tempo,
pois aquilo que é acordado pela razão pela emoção pouco é abalado. A emoção é temporal, mas
a razão é eterna e aquilo que nos liga (ou pode nos ligar) ao divino: É unicamente através dela
que podemos alcançar qualquer tipo de “transcendência” (e justamente também por isto, a
ascensão do materialismo é também a derrocada da ética, e indo mais à fundo ainda, da razão
em si mesma).
Idhea, aqui, possui o contexto das coisas que são, que exprimem o verbo em toda a sua vida. “E
o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (João 1, 14). Para aqui não nos alongarmos neste
assunto, basta-nos dizer que, no plano prático, pouquíssimas, ou nenhuma, são as coisas que são
de fato, tanto pelo já notado por Platão, que as coisas neste plano são imperfeitas, incompletas,
suscetíveis à defeitos, quanto também porque a unidade do “ser” é irrealizável no plano terreno
quanto também por fatores solipsistas. O solipsismo busca se afirmar, utilizar o verbo “ser” com
muita frequência, quando na verdade se olharmos para nós mesmos de maneira honesta e
consciente, com muito mais frequência perceberemos que não somos do que somos de fato.
Somos seres honestamente frágeis, falhos e cujas premissas são frequentemente esquecidas, e
somente a razão (i.e. consciência) pode nos ajudar a revertermos, mesmo que minimamente,
este processo.
Ao olhar para uma coisa, obviamente vemos a coisa, e não o conceito da coisa. Porém, a coisa
como conceito, pelo já expresso acima, sempre é mais perfeita do que a nossa visão, a nossa
percepção sobre a coisa (tanto porque esta é limitada, quanto porque nossa capacidade de
percepção e apreensão também). Assim sendo, ao tratar a coisa como a percebemos, ou seja, ao
perceber a imperfeição e tratá-la com mais imperfeições que sejam, acabamos por construir
conceitos que frequentemente denigrem, ou que diminuem, ou que muito frequentemente nos
tornam indiferentes, à coisa, visto que tanto ela é imperfeita, quanto nós também quanto esta
não nos serve (tendemos a enxergar com maior “beleza” natural tudo aquilo que nos é útil). Ou
seja, ao tratar a coisa pela coisa, acabamos por fazê-la de coisa mesma (muito frequentemente
até menos do que isto) e, por impulso automático solipsista que não vê fim nesta coisa por esta
não se aliar ao nosso fim, passamos por tratar com indiferença a coisa e não enxergá-la como
algo em si mesma, intransponível, e que pouco nos diz respeito (e que por isso mesmo, deve-nos
mais ser indiferente, em tese, do que desprezada, mas quero chegar um passo adiante disto.)
Assim sendo, a lógica materialista, tanto por tratar a coisa por coisa mesma quanto por,
frequentemente, usurpada pelo nossos solipsismo e tendências mais naturais, acaba por
naturalmente tratar como imperfeito aquilo que é de fato imperfeito, porém pelos motivos
errados. Como dito, tanto a coisa é imperfeita quanto nós também somos, mas isto não significa
que não possamos ser algo mais do que isto (o que aqui implica, necessariamente, em um passo
além do ceticismo, tendência esta que eu mesmo compartilho).
Justamente por sermos dotados de razão e de algo mais “sublime” que calca nossa existência
(nossa consciência e subjetividade como um todo), certamente pode ser argumentado que
podemos ser mais do que isto. É certo que, racionalmente e empiricamente falando, pelos meios
de raciocínio comuns, a relação entre indivíduo e objeto cessa sua conclusão na percepção e
relação mesma: Devemos reagir ao que apreendemos, da forma como apreendemos. Porém,
aceitar tal retórica (que é a mais comum e difundida, em quaisquer meios que se trate) é aceitar
a nossa limitação e mais do que isto, se deixar ser limitado: Se não fosse pelo exemplo de
algumas poucas grandes mentes e corações da humanidade (como os já citado Yehoshua e
Siddharta Gautama), acabaríamos por pensar, justificadamente, que é isto, simplesmente, o que
a vida é: Impulso, ação e reação. Apenas isto. Não haveria nada além disto e certamente os
determinismos, bem como todos os ceticismos, estariam objetivamente corretos: Porém, é pelo
exemplo de alguns poucos, de algumas poucas raras unidades que já passaram por esta
existência que podemos perceber que o que aqui existe pode ser muito maior do que o que
conseguimos apreender. Em resumo e em tese, o que podemos apreender pela via empírica e
cognitiva comum não é, em última instância, tudo o que existe e o que podemos fazer de nós
mesmos. E este raciocínio por si só, já é o começo da quebra do solipsismo.
Por idhea me refiro tanto à ideia da coisa quanto também ao ideal que podemos fazer sobre a
coisa (e assim, transpô-lo para o real, prático). Certamente a objeção maior, muito já debatida
no meio filosófico, que pode se fazer à esta tese é a de que, justamente, a coisa em si é
inapreensível. De fato e não pretendo rebater e nem mesmo argumentar contra isto, porém, um
adendo importante aqui deve ser feito (e que muito é esquecido, mesmo pelas mais engenhosas
mentes que já passaram pela humanidade): Mesmo que não possa ser apreendido, mesmo que
sequer sua existência possa ser afirmada ou conhecida, ainda assim, não significa que não possa
nos servir de modelo, ou que meramente devemos descartá-lo como hipótese válida. Como já
dito em capítulos anteriores e como até mesmo a ciência (empírica) comprova, não é porque não
apreendemos que necessariamente não existe (aqui, podemos mais uma vez retomar as ondas
sonoras emitidas por um morcego, como já mencionado).
Certamente, e deve ser feita a menção e diferenciação, seria um erro colocar na mesma
categoria uma inapreensão de ordem biológica com uma inapreensão de ordem metafísica.
Certamente, porém, aqui podemos dar um outro passo na direção de um ideal: Mesmo que, em
absoluto, algo não exista (ou que, mais provavelmente, nunca possa ser legitimamente
comprovado pelas vias mais comuns), não quer dizer, e muito menos implica, em seu descarte
de todo e qualquer âmbito, e mesmo e especialmente do plano ético. Não é porque a coisa em si
possivelmente não existe que devemos descartá-la da influência em nosso plano ético: Assim
como a coisa em si, o outro também possui os seus próprios fins, que são inalcançáveis,
inapreensíveis para nós mesmos, talvez até mesmo (nos pareçam) ilógicos, porém que, ainda
assim, podemos saber que devem ser respeitados e considerados de valia (mesmo que não sejam
os nossos fins) porque estes existem por si e para si. Mesmo que a coisa em si seja
inapreensível, e que provavelmente nem exista de fato, não passando de mera idealização, é
somente pela idealização que podemos chegar a ser algo mais do que nós mesmos somos, é
somente pela idealização que podemos ser melhores, e de forma objetiva. A idealização, a
consideração do exterior inteiro como algo “em si” é o fio de Ariadne que pode nos conduzir
para fora do labirinto que se chama solipsismo e ego. Seria, em tese, a única adoção possível
para uma humanidade que consiga conviver em paz, pois tratando-se o “outro” como algo que
eu mesmo sou e enxergo (ou seja, uma ideia, uma idealização, algo mais além da aparência),
passo também a naturalmente respeitá-lo, e respeitar seus fins. Em suma, ao assumir a idhea
geral sobre as coisas, passamos a tratá-las como tratamos a nós mesmos: Como o fim último de
toda a existência. Mais uma vez em resumo, superamos a barreira imposta pela nossa
individualidade, e finalmente integramos nosso solipsismo individual com o outro, seja ele qual
e quem for. Seguir a idhea é, assim, seguir o outro em si mesmo.
Para finalizar, não há como definir a idhea. Como dito, a coisa em si mesmo é inapreensível a
nós e não podemos saber, em tese e consequência natural da corporeidade, o que seria uma
árvore, por exemplo, e qual seria a sua natureza. Se esta pensa, se possui uma alma, se sente, são
questões às quais pouco podemos responder com certeza (e antes que apareçam objeções, vale
lembrar que tanto a ciência moderna quanto também, por exemplo, as velhas tradições de povos
indígenas e associados, e até mesmo donas de casa comuns, provém teorias bastante
interessantes no que concerne à uma explicação geral sobre a natureza das plantas, à ponto de
não sabermos qual é realidade) e que frequentemente permanecem sob o jugo da subjetividade e
do solipsismo. Se pendo mais para o materialismo, certamente enxergarei a planta como algo
sem alma e que não deve sentir, acreditarei na ciência em suma, porém se naturalmente pendo
mais para quaisquer formas de “espiritualismos”, certamente penderei mais para a explicação
fornecida por velhos mitos bem como os ditos de donas de casa que afirmam que “tratar bem
suas plantas” as ajuda tanto a crescer quanto também bem se desenvolver e até mesmo em suas
aparências. Em resumo, a grande maioria das questões relativas ao “ser” perdurará sem uma
resposta definitiva, pois esta é tão relativa quanto a subjetividade, logo, não há como ser
definida, e assim também é a idhea. Basta-nos dizer que estamos tratando a coisa por ela
mesma, ou pelo menos tentando. E sobre o que seria este “ela mesma”, ao solipsismo condiz tal
discussão. Por isto, esta é uma (meta)-definição.
A Priori e a Posteriori
Aqui, se faz necessário que façamos uma pausa para tratar sobre os dois principais gêneros do
conhecimento humano: O conhecimento a priori e o conhecimento a posteriori.
Não será aqui o lugar de tratar e divergir com maior profundidade sobre tais formas de
conhecimento, portanto hemos de resumir tais conhecimentos segundo estas definições: Por
conhecimento a priori, me refiro ao conhecimento alcançável através da razão, ao conhecimento
que é inteligível através dos nossos processos próprios de conhecimento (em uma aliança entre a
já dita razão e consciência) e independentes do mundo exterior, e por conhecimento a posteriori
me refiro ao conhecimento que igualmente é processado na razão, porém cujo ônus da prova é a
experiência, ou seja, que se dá em nosso mundo “real”, mundo prático, e não mais apenas na
razão, na teoria. A priori se trata daquilo que é evidente para a mente, enquanto a posteriori se
trata daquilo que é evidente no mundo real, daquilo que pode ser testado nele e portanto é
evidenciado por ele, através de nossa experiência empírica (embora também possamos tratar e
elaborar conhecimentos e métodos a posteriori sobre a mente humana, porém tais são menos
comuns do que aqueles verificáveis pela experiência e pela ciência de uma maneira geral).
O conhecimento a priori é de maior propriedade dos ditos racionalistas, ou seja, daqueles que
concebem o conhecimento e toda a fonte de consciência oriunda da razão pura. Dos ditos
descendentes de Descartes, em suma (embora mesmo dentro do racionalismo existam críticas à
Descartes, portanto tal é uma definição genérica). Já o conhecimento a posteriori é de maior
propriedade tanto de alguns racionalistas (estes porém, colocam o conhecimento empírico,
prático, acima daquele obtido pela razão) quanto também, e principalmente, dos adeptos da
ciência de uma forma geral. A priori se refere mais puramente aos filósofos, enquanto a
posteriori se trata de toda a tradição científica (tanto pós quanto pré-descartiana, visto que a
tentativa de conciliação com a realidade já é verificável desde os socráticos).
Não é de meu julgo aqui querer ditar por qual destes dois caminhos o indivíduo deve seguir,
bem como não é de minha intenção afirmar que um é superior ao outro, mas sim é de minha
intenção afirmar que uma destas formas de conhecimento (a priori), infelizmente, acabou por
ser subjugada pela outra forma que já há algumas décadas, quiçá, um século, passou a ser a
única forma de enxergar o mundo, o que acabou por criar alguns problemas principalmente na
esfera ética e individual (pois uma ética, se não quiser se tornar relativista, não pode ser a
posteriori, porém ainda chegaremos à este tema mais à frente). Tratarei, portanto, da crise do
julgo e da crise de consciência que assola o mundo moderno, crise esta causada pelo caráter
demasiado cientificista adotado pelo homem moderno.
Visto que, em última instância, as verdades metafísicas ou simplesmente “verdades da mente”
não podem ser comprovadas empiricamente, ou seja, não podem ser postas à prova “para todos
verem”, somado à uma crescente especialização do indivíduo que cada vez mais tem de se
especializar e se fechar em uma única área (se não quiser passar o risco de ficar de fora do
mercado de trabalho moderno), já ocorre há algum tempo a derrocada e colapso da consciência
humana. Não como um todo, mas em seu sentido racional, cada vez menos tem sido aceitas
respostas que são provenientes do raciocínio próprio do sujeito, de sua capacidade de encarar os
fatos, interpretá-los e de dar um significado ao mundo, enquanto as respostas a posteriori, ou
seja, aquelas obtidas pela ciência num geral e obtiveis através de números e estatísticas (embora
a matemática seja uma ciência de natureza a priori), se tornam as únicas respostas possíveis para
qualquer dilema. Resultado disto é que não apenas não aceitamos respostas que não sejam
provenientes da ciência, que não tenham sido testadas em um “laboratório”, quanto também nos
tornamos “reféns” dos especialistas. Farei uma pequena pausa.
Toda e qualquer forma de pensamento próprio se inicia na reflexão, e posteriormente na
especulação. É vital, para que pensemos de maneira autônoma, que utilizemos de nossa
subjetividade, de nossa interioridade (imaginação) e de nossa capacidade de raciocínio lógico
para que tentemos resolver as grandes questões às quais todos somos expostos diariamente. Se
existe um deus, se o universo é infinito, se existe vida após a morte, etc, devem ser questões de
julgo, caráter e respostas individuais, porém o que acontece é que frequentemente tais
perguntas, que servem para legitimar a nossa existência e constituem as nossas bases de vida e
de princípios, o que chamam de “cosmovisão”, são respondidas por outrem e quase sempre ou
advindas da ciência ou advindas de alguém “com maior estudo”. Resultado disto é que a maioria
acaba por acreditar não nas respostas próprias, mas no que quer que esteja escrito em um livro
(como a Bíblia) ou em um periódico (como uma publicação científica).
A especulação filosófica é parte evidente e importantíssima do julgo próprio sobre o mundo.
Desde os socráticos, e até mesmo contando-se os pré-socráticos, fica evidente que o “pensar
próprio” se ampara, obviamente, no pensamento em si mesmo e na elaboração própria de uma
resposta para quaisquer que sejam as questões. Obviamente que isto não nos proíbe de sermos
influenciados, quiçá até aceitarmos as respostas de terceiros para as grandes perguntas que
permeiam a existência humana, porém há uma grande diferença entre ser influenciado e se
deixar ser definido, e há um outro ponto nesta prerrogativa que aumenta a gravidade da
situação.
Na modernidade, há centenas de “especialistas” para o que quer que seja. Para uma mesma
questão, por exemplo, sobre o porquê de aparentemente homens terem contribuído mais em toda
a história para a “ciência” do que as mulheres, tanto podemos obter respostas de filósofos,
quanto historiadores, quanto biólogos, quanto sociólogos, quanto antropólogos, quanto
geneticistas, quanto leigos e identitários e quanto mais trocentas outras profissões que possuem
algo a dizer sobre tal questão (devido à alta especialização requerida na modernidade). A
questão se apresenta de uma mesma maneira a todos estes indivíduos, porém cada área terá uma
resposta diferente sobre a mesma questão e mesmo numa mesma área, as respostas divergirão.
Resultado disto é que, em última instância, se cogitarmos e creditarmos as opiniões e “fatos” de
todas estas áreas, não saberemos qual delas está correta, se sequer há uma correta ou se o
correto seria a soma de todas estas áreas. Resultado disto é que, em suma, podemos adotar a
opinião daquele que mais nos agradar e descartar todas as outras opiniões (como manda nossos
solipsismos, consciente ou inconscientemente). E aqui há mais um adendo importante a se fazer.
Quanto mais passível de comprovação empírica, ou seja, de comprovação no mundo real, de
comprovação para que todos os olhos possam ver, mais creditada será a resposta. Visto que
todos, em tese, ao darem suas respostas mais imediatas, o fazem seguindo o julgo a priori,
construindo um raciocínio em tese próprio para explicar um fenômeno universal, tal se torna
“confuso” à nossa mente, pelo julgo ser o mesmo e as respostas divergirem, e então
naturalmente buscamos por outra forma de comprovação, forma esta mais “universal”, que não
divirja, que possa ser observável e que, portanto, quase sempre se trata da resposta a posteriori
e/ou “científica”. Tal é extremamente entendível (visto que faz parte do paradigma da
comunicação, esta necessita sempre de um ponto em comum entre as partes) e plausível, porém
que acaba por naturalmente denegrir o julgo a priori: Pois o julgo a priori não é comprovável no
mundo real e com muita frequência diverge, logo, passa a naturalmente cair em desuso e ser
descreditado em termos de comunicação e “comprovação universal”. Por consequência, todas as
áreas, mesmo as áreas citadas no exemplo acima, ao máximo buscarão se calcar não na
racionalidade, mas sim na busca pela comprovação empírica, no experimento, seja ele de ordem
social, biológica, genética, etc. A comprovação empírica acabou por se tornar a grande pedra de
toque universal para a busca da “verdade” na modernidade, e é justamente aqui onde muitos
problemas surgem.
Não é de meu intento desvalidar o conhecimento a posteriori, ir contra os chamados “avanços”
da ciência ou sequer entrar em embate com Locke, Hume e tantos outros “pensadores do
empírico”, porém e como afirmado acima, tais conhecimentos nos servem de “ponto em
comum” para responder às perguntas de ordem prática, porém pouco nos ajudam nas grandes
questões que tanto movem toda a humanidade quanto também ainda hoje permanecem sem uma
resposta definitiva. E, tragicamente, acabamos por introduzir o julgo a posteriori mesmo em
nossas éticas pessoais, assim acabando por, naturalmente, construirmos e solidificarmos uma
ética materialista (visto que o conhecimento a posteriori está mais inclinado ao material do que
ao metafísico) e deixando que aqueles que possuem “laboratórios” e recursos suficientes
respondam por nós sobre as grandes questões que todos temos. Resultado disto é tanto a
derrocada do pensamento próprio, como também fator influente no fim de toda a metafísica.
Ao deixar que os outros, com mais recursos do que nós, respondam por nós acabamos por nos
tornarmos parte da “manada” e com certeza nos tornamos muito mais expostos à condução de
outrem do que à condução própria. Ao somente creditarmos a comprovação empírica e não mais
creditarmos nossas capacidades próprias de pensamento, intelecção e aplicação de lógica sobre
quaisquer questões, acabamos por tanto limitarmos nosso intelecto quanto também por
naturalmente nos tornarmos mais “preguiçosos” (visto que pensar por conta própria é
trabalhoso, logo, ao não exercitar tal, fica evidente a tendência à “preguiça” e desleixo que tal
indivíduo possui, visto que assim trata as questões que delimitam os limites e objetivos de sua
vida, suas pedras de toque e subjetividades universais e aquilo que lhe deveria ser de maior
importância).
É óbvio que, como já abordado, tanto a nossa capacidade empírica, ou seja, cognição, quanto a
nossa intelecção, nosso intelecto, são limitados, e certamente não é de meu intento endeusar a
racionalidade ou defender que esta conseguiria, de maneira eficiente, resolver todos os
problemas da humanidade. O intelecto humano é, tanto em si quanto fora de si, limitado, e não é
de meu desejo que retomemos à uma espécie de era cartesiana e que retomemos muitos dos
ideais iluministas da época, mas sim é de meu intento evidenciar que não se produz o
pensamento próprio com a completa deficiência de uma das formas de conhecimento e
completo crédito de outra forma. Como já dito, é impossível o exercício do pensamento próprio
e da consciência sem a construção de uma tentativa de racionalidade, e mesmo que esta
racionalidade seja predominantemente empírica ainda assim esta se dá no plano do racional, ou
pelo menos da escolha racional, ou seja, na nossa capacidade de apreender e de pensar sobre
aquilo que é empírico (o conhecimento é creditado no empírico, porém processado no racional,
na consciência). Ao nos tornarmos tanto desleixados com o pensamento próprio quanto também
creditarmos todas as grandes respostas à terceiros, acabamos tanto por nos tornarmos
preguiçosos quanto também não vivemos legitimamente, o que é um problema por si só não
apenas da modernidade, mas também da humanidade como um todo, em todos os tempos
possíveis (e um grande exemplo, e parábola, disto é Sócrates, cuja narrativa sobre é auto
evidente e desnecessária de nossa parte).
O conhecimento a posteriori, como já afirmado, está como um todo mais próximo do
materialismo do que de qualquer forma de metafísica, mais próximo do realismo do que do
idealismo. Isto, por si só, acaba por se tornar um entrave a todo aquele que desejar seguir o
“caminho do amor” que vem sendo aqui relatado, e aqui cabe-nos finalizar este capítulo.
Não é de necessidade do aspirante ao caminho do amor que seja necessariamente um filósofo,
um pensador ou um especialista do pensamento a priori. Basta que este considere as coisas em
si mesmas e tudo como possuindo uma causa própria, que não nos diz respeito. É óbvio que
tanto a teoria criacionista quanto a evolucionista podem estar corretas, bem como tantas outras
teorias, mas o que se quer dizer aqui é que faz pouca diferença prática em nossa teoria quem
estaria correto: Em primeiro lugar, porque somos todos limitados e nunca saberemos as
respostas das grandes perguntas (pelo menos não a nível social, em um nível de reconhecimento
coletivo), e em segundo lugar porque ainda assim a premissa de se considerar tudo como algo
em si, ou seja, que possui existência própria e que não depende de nossa existência, deve ser
seguida por todo aquele que desejar estar mais próximo da superação de seu solipsismo. Se
entendemos que um animal dito irracional, uma vaca, por exemplo, é algo que possui um fim
em si e cuja existência não deve implicar posse ou interrupção alguma de nossa parte (visto que
existe por si só, independe da nossa vontade ou das nossas concepções de “utilidade”), isto
naturalmente nos ajuda a nos determos sobre qualquer forma de aproveitamento próprio que
faríamos da vaca, como matá-la e comê-la por exemplo, ou mesmo cortar uma das partes de seu
corpo e utilizá-la como roupagem ou coberta. O mesmo vale para os demais seres humanos ao
nosso redor, quando os consideramos como “coisas em si” que possuem um fim e meios
próprias para sua própria existência, automaticamente tanto nos limitamos (pois limitamos
nossos solipsismos naturais de querermos nos aproveitarmos de tais pessoas) quanto também
passamos a vê-los como seres humanos de fato, e não como meios para atingirmos nossos fins
(uma das grandes pragas rogadas pela modernidade, pelo materialismo e individualismo). Assim
sendo, não exatamente ao entender o externo pela via a priori, mas sim (e também)
considerando este externo como embutido de características a priori, ou seja, que dizem respeito
a somente o objeto mesmo (pois a coisa em si é inapreensível do ponto de vista exterior, como
já muitos pontuaram), passamos a naturalmente não mais desejar a interrupção, mas sim desejar
a contemplação: Aí está o começo de todo o amor.
Ética a Priori
Aqui, chegamos em um ponto crucial de nossa narrativa: A tentativa de estabelecimento de uma
ética a priori (visto que, se as coisas não mais são apenas fenômenos como na perspectiva a
posteriori mas sim algo em si, necessitamos da apreensão, compreensão e elaboração de um
modelo ético a priori, embora a maioria dos modelos éticos existentes já sejam, de fato e em
tese, a priori).
Por a priori e como já dito, entendemos a capacidade da mente em si e por si mesma de entender
o mundo e articulá-lo. Isto significa que, por mais que o mundo em si mesmo nos seja
intransponível e talvez mui pouco dotado de significado próprio (para dizer o mínimo), ainda
assim, pela via do racional, somos capazes de transpor tal barreira e criarmos um sentido
próprio mesmo onde aparentemente não há sentido algum. É por nossa capacidade de apreender
e de atribuir um significado que nos tornamos, de fato, superiores aos demais animais (porém,
que poucos o exercitam de fato, o que os faz ser comparáveis aos animais ditos irracionais).
Para formularmos um modelo ético é necessário primeiramente que entendamos o que é ética,
por mais que a maioria já possa estar familiarizada com este termo. Por ética me refiro ao
conjunto de crenças e normas que formam um sistema complexo sobre o que seria “correto” e o
que seria “errado”. Ou seja, a ética seria um sistema próprio (pois é relativo ao indivíduo, e não
ao coletivo como a moral) que busca regrar as atitudes próprias (bem como julgar o mundo
exterior também, em especial as atitudes dos outros indivíduos), responsável pelo nosso
conceito de “justiça” propriamente dito.
Ao entendermos a exterioridade como algo em si, dotado de características semelhantes às
nossas mesmas e que certamente possui uma complexidade que nos é intransponível, ficamos
mais próximos de podermos elaborar um conceito ético que seja a priori, ou seja, que considere
o “certo” e o “errado” em si mesmos. Aqui, podemos resumir que tal modelo ético visa o ato em
si, e não a sua consequência, bem como é pensado a intenção em si e não a posteridade do ato.
Visto que a ética é sempre individual, focaremos nas atitudes do indivíduo e como ele pode
fundamentar, por conta própria, um modelo ético para si mesmo.
Sabendo-se que as coisas podem (e devem, em nosso modelo) ser em si e conter algo que nos é
impróprio (tanto pela via cognitiva quanto também pela via da utilidade) devemos formular uma
ética que tanto limite nosso poder sobre as demais coisas quanto também que nos ajude a estar
em um “lugar comum” com elas. Ou a lhes fazer bem seja como for, basicamente. Se o objetivo
é sair de nossos solipsismos individuais e abarcarmos no reino do amor, a ética
consequentemente deve ser orientada neste sentido, e não somente porque o fim é este (se assim
tomássemos o modelo ético, este penderia para o utilitarismo), mas também porque
reconhecemos que algo em nós é limitado, egoísta e que somos seres naturalmente limitados
tanto em nossa capacidade de articulação e comunicação quanto também em nossa capacidade
de entendimento. Entender que as ações humanas estão calcadas (para a imensa parte da
humanidade) no erro é entender que necessitamos, com muita frequência, sermos não apenas
maleáveis com os outros, mas com nós mesmos (visto, também, que como já dito, o caminho é
longo e a estrada não é em linha reta). Assim e por pura consequência, um modelo ético que
parta do zero será um modelo ético com consequências semelhantes às nossas crenças, em
especial as crenças de que devemos evitar de enxergar os demais como “meios” e enxergá-los
mais como fins em si, a crença (certeza) de que todos somos limitados e por último a crença de
que o que é de maior bem é aquilo que atinge a exterioridade no mais do possível (e não quero
aqui colocar um aspecto quantitativo ou qualitativo na afirmação, sobre isto tratarei em breve).
Dito isto, primeiramente podemos falar em um modelo ético a priori clássico, já desenvolvido
pelos filósofos clássicos (principalmente a tríade Sócrates, Platão e Aristóteles), porém que não
é exatamente completo ao nosso sistema e que posteriormente será implementado. De qualquer
forma e como dito, comecemos pelo modelo ético a priori que priorize o “bem” em si mesmo, e
que já representa um passo adiante em nossa narrativa.
Sobre o modelo ético a priori, basta-nos dizer que este pode nos servir de norte para a primeira
concepção de uma ética que esteja de acordo com nossos fins (não em uma perspectiva
utilitarista, mas sim em uma perspectiva daquilo que condiz com a linha de raciocínio aqui
elaborada até o momento). Basear-se no bem em si mesmo já é, especialmente na modernidade,
passo importante e que muito nos coloca à frente daqueles que não podem pensar.
Platão, Sócrates e Aristóteles muito versaram sobre a virtude e tentaram desenvolver um
modelo ético que se baseie no desenvolvimento desta virtude. Não apenas isto, mas
consideraram a justiça como o supremo bem (em especial Aristóteles) e viam no homem justo,
regrado e com pensamento próprio o indivíduo mais próximo da virtude como um todo. Tal
concepção nos serve para demonstrar que, mesmo passados mais de dois mil anos, ainda hoje a
justiça e o bem em si mesmos devem ser ideais e que o pensamento próprio, mesmo após dois
mil anos, ainda é escasso. Mas em primeiro lugar, nos foquemos na definição de “bem” que nos
diz respeito.
Por “bem” me refiro ao conjunto de características e atos que levam o indivíduo à virtude,
virtude esta no sentido clássico dos antigos gregos. Por bem me refiro à características tais
como bondade, gratidão, coragem, pensamento próprio, busca pela justiça, temperança,
paciência, etc. Tais características, bem como muitas outras, são consideradas como “bem” em
si mesmas e caminho para a virtude por serem condições essenciais para o bem viver, ou seja,
aquele que deseja viver com sabedoria deve, necessariamente, possuir ou buscar desenvolver
tais características. Um exemplo simples do que estou narrando é a capacidade de paciência,
pois muitos dos mais belos prazeres, deleites e amizades possíveis desta vida se encontram no
exercício da paciência, e como já argumentado certamente os bens maiores, ou seja, aqueles que
servem à “alma” e ao intelecto muito mais são construídos no longo prazo do que no curto
prazo. Ou seja, tendo-se ou obtendo-se paciência o indivíduo fica mais tendente ao
desenvolvimento de relações mais verdadeiras bem como o de construção de bens maiores (pois
pouco do que vale à pena em nossa narrativa é de curto prazo, de fato, sendo o prazer imediato
uma característica quase sempre da degeneração), o que já é, por si só, um bem pois leva o
indivíduo à uma vida melhor. Assim sendo, a paciência, por exemplo, é uma virtude essencial
para aqueles que desejam tanto serem virtuosos como, por consequência, bem viver.
Exercer e buscar o modelo clássico de ética a priori significa não se amparar na utilidade da
ação em si mas sim no significado, em si, da ação e de qual seria o seu pressuposto. Assim, ao
agir em nome da amizade por exemplo, não estou agindo em bem próprio, pelo menos não
seguindo este modelo, mas sim em nome da amizade mesma: Porque a amizade é um bem e
certamente o sacrifício próprio em certos momentos é necessário em termos de significado da
verdadeira amizade.
Ainda, podemos dizer que por mais variantes que sejam os modelos e perspectivas do mundo,
um modelo ético a priori deve ser imutável, pois por ser a priori não é sujeito à organização
social, mas sim e meramente à organização e pensamento racionais. Ao se buscar o bem em si,
se busca este enquanto o é e enquanto se auto justifica, e não a sua utilidade ou conveniência à
moral praticada. Infelizmente, com muita frequência seguir o bem ou qualquer tipo e forma de
virtude se choca com os valores morais vigentes, visto que a sociedade, o mundo atual, a
modernidade ou o que quer que seja nem sempre se amparam naquilo que é verdadeiro e bem
em si de fato (se assim o fosse, as massas não estariam condenadas desde os mais remotos
tempos e estas são prova de que a moral vigente não é necessariamente regida pela virtude ou
qualquer tipo de bem em si mesmo).
Exercendo e buscando a virtude, ainda que esta não faça necessariamente parte de nossa retórica
inicial, nos tornamos mais tendentes e aptos a “sairmos de nós mesmos”, visto que nossas
tendências e impulsos mais naturais são muito mais relativos à preguiça, estagnação e benefício
próprio, e ao buscarmos qualquer forma de virtude, por esta ser de natureza necessariamente
contrária à tais características, estamos naturalmente indo contra o nosso instinto natural, ou
seja, contra o solipsismo. Aqui, não importa qual modelo ético a priori tomemos como base, se
o de Platão ou o de Aristóteles por exemplo (pois ainda que possam ser agrupados
conjuntamente, possuem pequenas divergências entre si), mas sim que consideremos como
justo, virtuoso e bom aquilo que estes filósofos também o consideravam como. Se iremos
buscar mais o desenvolvimento intelectual (como pregava Aristóteles) ou se iremos priorizar
tanto o intelecto quanto também a educação do corpo (como pregava Platão) é do exercício e
escolha de cada um e pouco interfere no resultado, desde que se escolha com base no
conhecimento e aferimento próprio e que não se negue a importância tanto do intelecto como
também do corpo (visto que a educação corporal é, em grande medida, educação da vontade e
de si mesmo também).
Agora, tratemos sobre o segundo modelo ético por nós desejado, que seria um “passo à frente”
em relação ao modelo ético anterior (que já é de mui difícil aplicação nos dias atuais, visto que a
virtude é regra da minoria).
Consideremos como nosso ponto inicial para o desenvolvimento de um modelo ético a priori a
concepção clássica de bem em si mesmo. Bom é aquilo que leva à uma vida virtuosa, boa é a
virtude, a temperança, o respeito, a justiça, etc. Estes são bons porque trazem bem não apenas
àquele que pratica tais virtudes, como também e com muita frequência para aqueles que estão ao
seu redor, e é aqui onde se inicia nossa narrativa na tentativa de estabelecer um modelo ético
mais abrangente.
Se tudo é em si mesmo, se tudo possui um fim em si mesmo (visto a concepção que começamos
a desenvolver no capítulo anterior) logo nossa ética deverá reconhecer tais coisas e causas em si
mesmas. Se tudo, assim como eu mesmo, possui uma interioridade que para aquilo que é
exterior é indecifrável (o que, até mesmo empiricamente falando, é verdade visto as diferenças
subjetivas e diferentes respostas sobre uma mesma pergunta), logo, tudo deve ser considerado
como eu mesmo, ou seja, se tudo é a priori assim como a minha razão também o é enquanto
capacidade de elaboração e interpretação de um mundo “real” (e aqui falo tanto em sentido
cartesiano quanto também tratando a exterioridade como algo necessariamente real), logo, tudo
deve ser abordado por minha ética, por reconhecer no “tudo” uma característica universal que
diz respeito tanto à mim quanto também ao universo mesmo. Explicarei a seguir.
Se o “bem” diz respeito a tudo aquilo que me faz bem e que, ao mesmo tempo, condiz com a
verdade (pois se assim não o for, não é bem em si mesmo, mas causa utilitária e que, muito
frequentemente, acaba por desembocar e/ou levar aos mais diversos vícios, como o “bem”
obtido através do prazer sexual, que pode desembocar na transformação do indivíduo com quem
se relaciona em apenas um meio para a obtenção do prazer próprio), e se este, portanto, é
sempre desejável e o outro, assim como eu, deve buscar este bem (de maneira ideal), logo, o
bem deve ser estendido não apenas à mim, mas também ao outro, à humanidade inteira, à
quantos objetos e indivíduos forem possíveis. Adentrarei mais.
Tomemos como ponto de partida a prerrogativa de que, em essência, não somos muito
diferentes uns dos outros e mais possuímos características em comum do que contrárias.
Corporalmente falando, todos temos necessidades semelhantes: Necessitamos nos
alimentarmos, respirarmos, algum tipo de proteção, algum tipo de “afeto” (embora não seja
exatamente necessário, este, do ponto de vista psicológico ideal, o é), etc. Assim sendo, estamos
submetidos às mais diversas necessidades que, embora variem de importância e requerimento de
sujeito para sujeito, ainda assim estão presentes universalmente. Não obstante, existem também
as necessidades de cunho dos indivíduos, que mesmo sendo das mais diversas em muito, ainda
assim, se assemelham: Frequentemente estão calcadas no solipsismos e não são necessidades de
fato, se analisadas mais profundamente (não que não haja, decerto, indivíduos com necessidades
a priori que construíram tais necessidades baseadas em uma personalidade própria, porém estas
são exceção de tão pouco frequência e certamente o que desejamos e necessitamos é, com muito
maior frequência, mais pautado pelo social e “biológico” do que pela personalidade inata de
fato, sendo assim mais de “lugar comum” do que de exceção de fato).
Todos possuímos, como já argumentado, uma pequena “célula” que podemos chamar de eu e
que já nomeei como “elementos individuais”. Este eu, certamente, varia de indivíduo para
indivíduo e com mui pouca frequência é muito semelhante, porém assim como os elementos
individuais existem também outras fontes de influência que compões o indivíduo, os chamados
elementos exteriores e do meio, e tal, por si só, advoga que a influência destes sobre nós é maior
do que a influência da nossa personalidade própria, pelo menos se tratando à nível geral. É
óbvio que, como já dito, o quanto alguém é influenciado pelo social por exemplo certamente
varia de sujeito para sujeito, porém também é inegável que, conforme o tempo de vida e
experiências que o sujeito vivencia, este se torna, com este passar do tempo, muito mais
tendente a seguir os desejos e regalias do social por exemplo, do meio, do que seguir qualquer
instinto e impulso próprio por assim falar, acabando por transformar a grande maioria dos
sujeitos humanos em “cópias” de outros (o que infelizmente é real em todos os tempos que se
trate). Infelizmente é minoria aqueles que envelhecem e mais se deixam levar e decidir pelo
“eu” do que por qualquer elemento que seja exterior a este (e sobre isto, tratarei mais a fundo no
próximo capítulo).
Este eu, tanto por se “espremer” em meio à outras influências que acabam por lhe “oprimir”
quanto também por naturalmente ser por nós frequentemente desconhecido (daí a importância
do autoconhecimento, evidentemente), se assemelha na maior parte dos casos. Exceto em
alguma minoria de casos, é seguro dizer que mesmo para o “eu” em si mesmo, por mais que este
possa ser “especial” e insubstituível (no sentido de não poder ser substituído à custa alguma,
ainda mais por este fazer parte intrínseca da subjetividade), ainda assim este se assemelha, na
maior parte dos casos, aos outros “eus” em si mesmos. Logo, chegamos à conclusão, quase
evidente, de que o que me faz bem deve certamente fazer bem ao outro também, ou seja, o bem
é desejável não apenas para mim mesmo, mas também para o outro, e é nesta constatação que
adentramos em outro ponto importante de nossa narrativa: O bem, em primeiro momento, seria
aquilo que me faz bem de maneira verdadeira, e em um segundo momento, o bem seria aquilo
que faz bem não somente à mim, mas também ao todo, e quanto mais se estender este “todo”,
tanto maior será tanto o bem do qual deverei usufruir quanto o bem que estarei cometendo. A
priori, tal ética deverá se fundamentar, pelas proposições acima citadas, naquilo que é de maior
verdade e benigno para o todo, e não apenas para mim mesmo, visto que o todo contém uma
porção de mim mesmo. Quanto mais se estender o ato que contempla o bem, tanto mais, assim
como o amor, este será perfeito e completo.
Porém, antes de prosseguirmos, devemos parar para nos atentarmos para um ponto importante,
que pode ser justamente causa de objeções: O sacrifício próprio.
Como dito, o sacrifício próprio pode ser um dos pontos levantados por aqueles que venham a se
opor à exposta tese. É claro que não espero, e nem é de meu intento, que um número maior do
que o esperado tome como verdade a máxima do “sacrifício próprio se necessário”, até porque
não acredito que a maioria absoluta da população seria capaz de tal, então parte da objeção que
pode se apresentar, a de que sociedade ou população alguma pode se sustentar baseada em tal
máxima, cai por terra pelo simples fato de que na prática, empiricamente falando, a maioria
sempre preferirá salvar a si mesmo do que fazer aquilo que traria maior “bem” à população em
geral, assim sendo a máxima do sacrifício próprio sempre de uma minoria populacional. Em
segundo lugar, a alta objeção, e repúdio, à esta máxima só ajuda a comprovar o quanto vivemos
em uma sociedade de caráter extremamente individualista, materialista e egocêntrica: Não mais
o sacrifício próprio é visto como algo belo, mas sim como máxima subversão e sinônimo de
subserviência (o que não está de todo errado, porém com certeza não está necessariamente
correto, pois como já afirmado, o caminho do amor requer personalidade e individualidade,
visto que esta é uma escolha individual e que com certeza é inacessível à maioria). Em terceiro
lugar, se se vê o “si mesmo” como algo de extrema importância se corrobora com o segundo
ponto citado acima: Em tal sociedade, o individualismo exacerbado é a nova lei e tudo aquilo
que “fere” o indivíduo deve ser mortalmente combatido.
Desde o começo, a trilha que viemos seguindo já dava sinais de que desembocaria em tal ponto,
no sacrifício próprio, e se algum dos leitores chega à tal conclusão com pavor, arrependimento e
objeções, é porque certamente não percebeu que até o momento tudo se trata de combater o
maior dos males: O mal que habita em nós mesmos. Nenhum mal nos atinge, nem pode ser tão
influente sobre nós, quanto o mal que está em nós mesmos e que praticamos não apenas a nós,
como também para com os outros.
O sacrifício próprio não é uma máxima a ser levada de forma leviana, algo como um “qualquer
coisa me sacrificarei”, mas sim algo sagrado e que só deve ser levado a cabo se estritamente
necessário, porém e justamente por este ser o último dos nossos recursos, deve ser feito com
alegria: Porque é a única, e maior expressão e comprovação do princípio que aqui vem sendo
desenvolvido, saída a ser feita e último estágio do que é requerido de nós. Se a este ponto
chegarmos, resta-nos apenas aceitarmos o destino, nos alegrarmos pelo reconhecimento de
nossa capacidade de sacrifício próprio e não fraquejarmos, e aceitar é muito menos complicado
do que lutar, tanto neste caso quanto também em muitas situações da vida.
Como dito, o sacrifício próprio deve ser a “última atitude” a ser tomada quando tudo o mais não
é mais possível ou não ocorreu corretamente. Tal como Sócrates perante sua condenação,
devemos aceitá-la não apenas como parte do destino, mas também para demonstrarmos e
ensinarmos através do exemplo, visto que nada possui maior capacidade pedagógica do que o
exemplo: De nada adiantariam todas estas palavras se em hora do extremo sacrifício não
estivéssemos prontos à realização de tal, e muito mais, ainda tendêssemos a amaldiçoá-lo do que
abraçá-lo com alegria.
Destarte, sendo o sacrifício próprio aquilo que finda a subjetividade (e por isto deve ser tratado
de maneira tão “sagrada” e não leviana, pois o fim de uma subjetividade é o fim de um universo
inteiro, se não empiricamente, ao menos para a subjetividade em si da qual se trata, sem contar
que, como dito, o auto sacrifício quebra o nosso princípio e instinto mais básico, por isto não
deve ser pensado e formulado de maneira leviana, tal como o fazem muitos religiosos), deve ser
tratado, em parte, como uma “benção” justamente por significar o fim de uma prisão (não da
subjetividade, mas sim do solipsismo).
Aqui, é importante que paremos e que se explique a conclusão anterior, que muito pode ser
acusada de “negativista” e de certa forma uma versão alternativa à “política de rebanho”
encontrada por exemplo nas acusações de Nietzsche contra o cristianismo.
Não é de meu intento, como já dito, convencer ninguém sobre o cristianismo ou mesmo de
apelar à alguma espécie de espírito religioso. A ética que estamos buscando desenvolver é a
priori e mais encontrada e congruente com os fins da razão do que com a fé em si (até porque e
mais uma vez, como já dito, não espera-se coisa alguma do ato, mas apenas se age pela beleza e
bondade do ato em si, e por isto mesmo este é desejável em si mesmo sem necessidade alguma
de retribuição, quer seja nesta vida, quer na “próxima”). Não apenas isto, mas novamente e
repetindo, a ética do amor e do sacrifício próprio, por mais paradoxal que possam ser, exigem
certa personalidade, individualidade e caminho próprio, visto que se afastar do solipsismo é
certamente se afastar dos instintos mais básicos, e isto, por si só, nos afasta da maioria (ainda
muito condicionada pelos instintos mais baixos). No fim das contas, o exercício ao qual aqui
estamos nos propondo é muito mais um exercício de razão do que de fé propriamente dito, e
sobre a possível acusação de que tal desenvolvimento é contra o “desenvolvimento guerreiro”
de certas correntes nietzschianas e pagãs, pode-se retomar o já dito argumento de que a
capacidade de sacrifício próprio é a capacidade de superação dos instintos mais básicos, o que é
presente tanto em nossa versão do “iluminado” (Yehoshua e semelhantes) quanto nas versões
pagãs e nietzschianas. Aqui, não buscamos o sacrifício como necessidade, como acusa
Nietzsche contra os cristãos, mas sim como recurso (de maneira não-literal, é necessidade, de
maneira literal, é recurso). Não apenas isto, como é questionável em que fim desembocam tais
concepções e filosofias que podem nos acusar, visto que a modernidade como um todo
(principalmente em sua “espiritualidade” e filosofia) muito é influenciada por tais correntes, e
como já dito e ainda há de ser dito, a modernidade é tudo, menos o ideal ascético
pagão/nietzschiano, e muito pelo contrário ela o é *.
Assim sendo, a ética por nós desenvolvida busca um fim em si mesma, que justifique a si
mesma, ou seja, a priori. Tal fim pode ser encontrado na noção de “bem” dos antigos, e por
acreditarmos que não deve se limitar a isto pois assim sendo se limita ao indivíduo e a si mesmo
(ao seu solipsismo, por mais que a ética grega deveria ser contra tal, mesmo o conceito de
“solipsismo” não existindo na época), por acreditarmos que somos mais essencialmente
parecidos do que contrários, e o que mui nos agrada também há de agradar aos demais,
passamos a estender e buscar tal “bem” não apenas para nós mesmos, mas também para com os
outros. Assim, estender a oportunidade do bem não apenas para nós mesmos quanto também
para os outros é não apenas uma maneira simplória de ajudar a comunidade, mas também uma
forma de levarmos mais à fundo a nossa filosofia: Nos ampararmos nos outros é, em si, uma
forma de controlar si mesmo, ou o ego, como podem dizer. Ou seja, o bem que possui um
caráter mais “universal”, que é presente não apenas em nós quanto também nos outros e
praticado tanto por nós quanto pelos outros, é um bem mais desejável justamente por ser mais
“universal” e não poder ser estendido e submetido aos nossos caprichos mesquinhos, assim
sendo uma prova do amor em si, que tanto mais é perfeito quanto mais abrangente for (assim
provando a sua existência “real” e engajamento da individualidade para com a exterioridade).
Por fim, é necessário dizer que o pensamento que aqui vem sendo desenvolvido não busca
definições tampouco qualquer forma de alinhamento e aliança política. Antes que possam nos
acusar de “aliança com a esquerda” por exemplo, vale notar que aqui não defendemos nenhuma
forma de estado, tampouco acreditamos na capacidade da maioria de mudar coisa alguma, muito
pelo contrário: Já foi defendido como as massas, infelizmente, se encontram nas camadas mais
baixas de consciência, não podendo vir delas nada de mui “iluminado” ou simplesmente de
brilhante e decisivo. Aqui não se busca nenhuma forma de aliança e conluio com quaisquer
concepções políticas e ideologias materialistas, porque aqui se busca fundamentar o bem em si
mesmo, em suas capacidades e atribuições, e não em qualquer forma de busca por “revolução”
ou mudança neste material. Neste aspecto, particularmente mais recomendaria o completo
niilismo do que a esperança no material e na política: Pois qualquer um destes afetarão nossa
busca pela “pureza” e pelas coisas em si e imediatamente colocarão adjetivos no que quer que
seja, bem como nos impedirão de certos entendimentos somente pelo fato de que “tal ideologia
é contra a minha ideologia”, assim se tornando um entrave natural à busca pelas coisas em si e
intrometendo o julgo a posteriori naquilo que deveria ser a priori. Em resumo, não se pode, e
nem se deve, buscar o caminho do amor e do desenvolvimento de uma ética a priori
fundamentada no bem universal ao mesmo tempo em que se busca alianças com o material, pois
ocasionalmente este sempre interferirá em nossos meios ou até mesmo em nossos fins. Em
última instância, a aliança com a política é mais uma forma degenerada e de deturpação de uma
“busca pelo bem universal” do que uma busca legitimada em si mesma, visto que tal é
impossível (pela imbecilidade da maioria) e necessitaria de uma mudança ideológica quase
absoluta por parte da população, o que implica em não aceitar a alteridade tal como ela é, mas
sim buscar mudá-la *. Tal, em si mesma, é uma concepção muito mais materialista do que o
viés que adotamos desde o início, que se trata de um viés idealista.
Breve Crítica à Modernidade
Já foi antecipado no capítulo Elementos Exponencializadores que muitas das mazelas sobre as
quais o ego e o solipsismo se impõem são não apenas exponencializadas pela mas também fruto
da modernidade, porém não foi feita uma crítica em específico aos tempos em que vivemos, e
esta será feita aqui.
Muito pode ser dito contra a modernidade. Em verdade, muitos são os autores, filósofos,
pensadores, etc, que já muito questionaram a ordem vigente das coisas e como a sociedade veio
a se organizar nos últimos trezentos ou mais anos. Basicamente, elaborar uma crítica à
modernidade nada mais é do que chover no molhado, porém creio ser necessária esta pausa para
que possamos identificar e apontar para quem são os nossos principais “adversários” e como
estes se impõem tanto para o nosso bem quanto para o mal. É necessária uma desintoxicação,
desintoxicação esta que nem sempre se percebe pois o mal se encontra muito mais na “raiz” da
modernidade do que em seus galhos, por isto muito passa desapercebido. Não trataremos sobre
a modernidade de forma leviana, abordando aspectos que já são supostamente bem conhecidos
pelas massas (como os males do capitalismo, a luta de classes, a escassez da chamada “empatia”
e ascensão dos individualismos, a decadência da política, etc), mas sobre aspectos existentes na
mente do moderno, que já estão pré-instalados nele antes mesmo que este o reconheça. Aqui,
abordaremos muito do que faz parte do “inconsciente coletivo”, e este, por mais que a
modernidade já tenha sido suficientemente atacada, ainda não foi claramente articulado e
estabelecido para a maioria, portanto, ainda carece de evidência.
Antes de iniciarmos, é necessário dizer que por “modernidade” não abordarei apenas o que se
reconhece como tal, mas acontecimentos e “eventos” até mesmo anteriores, com o advento da
mentalidade moderna se dando início particularmente pós idade média, e podendo até mesmo
serem apontados algumas características do ser humano comum, há milênios de “distância”, que
entram em concordância com o padrão moderno, porém estas não serão citadas e abordadas por
não constituírem, ainda, a mente do moderno propriamente dita em toda a sua extensão e crença,
nos limitando, assim, a abordarmos o ser humano dos últimos quinhentos anos.
Muitos foram, em tese, os avanços da humanidade nos últimos quinhentos anos ou pós saída da
idade média (não que esta tenha sido um “período negro” da história como muitos afirmam, mas
sim que é indiscutível o quanto a ciência, a medicina e outras áreas do conhecimento humano
avançaram após a idade média, e o quanto em quinhentos anos a humanidade muito mais
“avançou” do que em mil). Da medicina até a filosofia, praticamente todas as áreas do
conhecimento humano tiveram seu advento há não muitos séculos de distância, e mesmo
algumas áreas, como a psicologia e sociologia, só tiveram seu reconhecimento firmado de dois
séculos para cá. Iluminados pela chama do conhecimento e pelo iluminismo, nos tornamos, em
tese, autossuficientes e passamos a creditar à nossas próprias forças o nosso próprio destino, nos
tornando, assim, tanto auto evidentes como também donos dos processos de chegada à verdade
e razão. Obviamente, muitos problemas aí se iniciaram.
O iluminismo, e mais adiante a revolução francesa, acabaram por afirmar o nosso infinito
potencial. Ambos nos fizeram crer que somos capazes de conhecer qualquer coisa e que a
humanidade é, em tese, uma espécie com potenciais ainda não completamente explorados. Nos
tornamos conscientes demais de nós mesmos e do nosso redor, ao ponto da filosofia florescer tal
visão de mundo (existencialismo) bem como até mesmo outras áreas do dito conhecimento
surgirem devido à tal consciência (sociologia e antropologia, bem como alguns ramos da
pedagogia). Não que tais não sejam válidos e não possam ser chamados de “conhecimento”, tal
não é minha intenção de afirmá-lo, mas sim que a exagerada consciência e o exagerado “senso
de nós mesmos” que desenvolvemos possuem suas consequências e exposições na dita
modernidade. Explicarei a seguir.
Faz parte da mentalidade do homem moderno tanto a busca pelo suposto “conhecimento”
quanto também a busca pelo suposto “si”. O conhecimento, por necessitar no mundo moderno
de validação externa e de um “ponto em comum” para verificação (e assim especialmente prega
a academia, por exemplo), se tornou de caráter muito mais “científico” do que racional por
assim dizer e como já dito, tal causou a decadência do jugo a priori como forma de validação e
conhecimento. A busca pelo suposto si, tanto de causa natural (o homem, desde sempre, busca
saber quem este é e para isto mesmo serve sua consciência) quanto também por causas não-
naturais (o capitalismo, certamente, se aproveita dessa “busca por si mesmo” e certamente
oferece muitos produtos que demonstram uma suposta “personalidade”), também acaba sendo
uma máxima da modernidade, e a grande ironia é que nesta busca raramente o indivíduo
consegue alcançar a si mesmo (basta ver o extremo número baixo, ainda hoje, de pessoas que
pensam por si só. Óbvio que tal não é um critério e pedra de toque muito “objetiva” para se
fazer tal observação, porém é inegável que há nos conhecimentos ditos mais “humanos” e
práticos parte valiosa tanto da aferição de valor da experiência quanto também da realidade em
si e quem os imediatamente descarta por estes não serem de natureza “analítica” certamente
deve fazer papel de “bobo”, para dizer o menos, na vida prática).
Em uma espécie de deturpação dos princípios originais, aqueles que regiam a filosofia socrática
e pós-socrática (i.e. a busca pelo conhecimento e pelo autoconhecimento), nos tornamos tanto
“sedentos por informação” quanto também sedentos por nós mesmos, em uma busca que
raramente traz resultados individuais mas certamente traz consequências sociais. Explicarei.
Por, como já afirmado, a pedra de toque do conhecimento ser sua validade empírica o
conhecimento racional já foi há muito menosprezado nas vias e discussões comuns do
conhecimento. Certamente pode ser apontado, além dos fatores já citados em capítulos
anteriores, que tratar a validação empírica como única pedra de toque do conhecimento válido
pode ser justamente uma das ferramentas de controle populacional e do pensamento, visto que
ao assim tratar o conhecimento se retira o protagonismo e responsabilidade do sujeito e se a
transfere para os grandes laboratórios, o estado, os centros de pesquisa, as universidades ou o
que quer que seja. Assim, ao somente validar o que é dito pela ciência, não apenas nos
distanciamos do conhecimento em si, mas também “passamos o bastão” para um grupo de
cientistas numa busca que deveria ser individual e não de outrem. Nos tornamos, como já dito,
não responsáveis por nossas próprias existências e alheios a nós mesmos, não dotados de
valores próprios, e como já dito o caminho do amor é justamente e necessariamente o contrário
disto: Amor implica em responsabilidade.
Certamente que a filosofia racionalista está e sempre esteve próximo de seus limites: Já há
duzentos anos não surge nenhum grande sistema racionalista para explicar a existência e
provavelmente este, até o momento, morreu após a queda do idealismo germânico. Após este (e
após a percepção de que a racionalidade e o conhecimento a priori são tanto limitados como,
como já afirmou Kant, “inapreensíveis sobre a coisa de que se trata”), a humanidade, em termos
filosóficos e de pesquisa, aparentemente aceitou as suas “limitações” e passou a investir mais no
campo daquilo que, em tese, ainda é de muita exploração do que no campo daquilo que
supostamente já foi esgotado. Resultado disto é o apogeu da era científica e decadência da
racionalidade como um todo, sendo a comunicação uma máxima incontestável e pedra de toque
para qualquer conhecimento que se queria validar. Resumidamente, o conhecimento explícito,
aquele que trata sobre as coisas, foi valorizado e “verificado” e o conhecimento implícito,
aquele que trata sobre a natureza, a “alma”, o si mesmo, etc, foi deixado de lado. Resultado mais
uma vez, como já afirmado em capítulos anteriores, é a fé na ciência e a decadência da fé de
outrora e como um todo.
Houve, aqui, uma inversão importante porém ainda pouco notada: A fé não se baseia e não é
mais forte naquilo que é “supranatural”, “hipersensível”, etc, na metafísica em suma, mas agora
se baseia naquilo que é material, que pode ser tocado e que, em última instância, não se constitui
como fé propriamente dita pelo simples fato de que possui comprovação empírica: Tal é uma
das características da morte de deus (e aqui, muito poderia expandir sobre o assunto, mas não é
de meu intento e não entra em nossos fins) *.
Consequência básica disto é que não apenas deixamos para outrem a tarefa do conhecimento,
não apenas nos subjugamos e desprezamos o valor do autoconhecimento, como também só
passamos a acreditar, creditar e reconhecer aquilo que é sensível: Em uma espécie de inversão
dos valores platônicos, passamos do mundo das ideias ao mundo sensível, e nos orgulhamos de
tal decadência. Tal é uma das características mais marcantes da modernidade, o orgulho pela
animalidade.
Não estou aqui, repetindo, querendo desvalidar todo o conhecimento científico e que a
humanidade pare de fazer pesquisas no campo científico, apenas estou demonstrando o quanto o
conhecimento científico, em tese, deveria dizer respeito somente às questões vinculadas ao
“nós”, que necessitam de validação empírica e o mais universal possível, e não às questões
vinculadas ao “eu”. Ao se aceitar o que a ciência diz sobre nós mesmos, acaba-se não apenas
por não se autoconhecer, como também por ser frequentemente deixado levar por materialismos
e até mesmo levado a desistir de si mesmo e de sua própria alma (e aqui, não falo em sentido
literal pois não é de meu intento provar nenhuma religião ou metafísica, mas sim no sentido que
está se construindo em todo este livro: No sentido de enxergar algo além do próprio algo). O
cientificismo é, em última instância, instrumento de controle das massas, pois as torna não
apenas não protagonistas de si mesmas como também mera massa de manobra: O destino fica
em mãos de cientistas que, sabe-se lá onde, como e o porquê, tomam decisões sobre nossas
próprias vidas e decidem o que nós mesmos somos com o nosso consentimento (e com a
comprovação empírica que dificilmente pode ser alcançada por nós, sem laboratórios).
O apogeu da ciência proporcionado pelo iluminismo da era renascentista e pós esta acabou por
nos conceder uma “fé ilimitada” na ciência e esta em muito contribui para a decadência das
religiões de uma forma geral. Como já afirmado, muito mais nos é fácil ter fé em um remédio
do que em uma reza por exemplo, e sabemos que o que a ciência delimita como “verdade” é
muito mais “empírico” e de fácil comprovação (e chegada) do que aquilo que é de caráter
racional, que por muitas vezes é idemonstrável no mundo prático e até mesmo desprovido de
formas de ser demonstrado: É impossível se demonstrar o “eu”, pelo menos não pela via não
artística ou pelas vias não tradicionais e “empíricas”. Pela ascensão da validação do
conhecimento empírico, pela queda de toda a metafísica e pelo “julgo das massas” (no sentido
destas mesmas terem aceitado e deliberadamente “engolido” toda a ladainha cientificista) acaba-
se por naturalmente fortalecer os nossos potenciais solipsistas e naturalmente enfraquecer tanto
a individualidade própria como também e até qualquer forma de amor: O amor não possui
comprovação empírica.
Em segundo lugar e como afirmado acima, há a busca exacerbada por si mesmo, que acaba por
desembocar nas diversas formas tanto de individualismos como também formas identitárias e de
exploração por parte do “capitalismo” e do sistema sobre as grandes massas. Tratarei tal busca a
seguir.
Um dos efeitos colaterais do crescimento populacional e do surgimento de grandes cidades e
cidades com alta densidade demográfica é o sentimento generalizado de “perda de si”, ou ao
menos de busca incessável de si, o que indica que, com muita frequência, habitantes de grandes
cidades/cidades densamente povoadas tendem a não conseguir realizar uma auto identificação e
justificação eficiente devido ao contraste constante com as mais diversas influências externas,
sejam estas desde estar cercados constantemente por outros seres humanos até a mídia e
propagandas excessivas que se apresentam desde que o indivíduo abre seu celular até os
momentos fora de casa. Em meio a tantas “influências” e vivendo ao caótico das grandes
cidades, não é incomum que o indivíduo simplesmente não conheça a si mesmo, ou caia na
armadilha de se identificar com grupos identitários e com “políticas” que atribuem a este uma
função social e identidade própria, a troco do apoio inegável à tais grupos. Simplesmente e
naturalmente, parecem contrários os princípios da “comunidade forçada” e do
autoconhecimento, bem como do barulho e distrações constantes com a concentração, foco, etc.
Não são poucos os autores que apontam e argumentam sobre como o excesso de distrações da
vida moderna acaba por criar seres naturalmente menos imaginativos, menos providos de si e
mais irritadiços, no geral. Basicamente, ao vivenciar-se o excesso, acaba-se tanto por não se
conhecer como também e com muita frequência ser manipulado por qualquer grupo como
também cair nas armadilhas do ego e busca por autoafirmações, com indivíduos chegando a
praticar atos “hostis” à moral (como pichações e vandalismo, podendo chegar até mesmo no
homicídio) somente para se autoafirmar de alguma forma, mesmo que inconscientemente. Não
são poucos que, em meio à “loucura” e super estímulos do ritmo moderno, acabam por se perder
em quaisquer armadilhas propostas pelo mundo moderno, ou mesmo nunca se acharem.
Há, como já afirmado, tanto um impulso natural do indivíduo, impulso este provavelmente
universal visto que somos providos da razão, e é ela que propicia tal, para o autoconhecimento
quanto também um certo “impulso social” para tal. Infelizmente, tal impulso social quase
sempre é seguido e proposto por propagandas e subversão do “ser” em detrimento do “ter”,
assim o indivíduo compra para assim ser, e tal já foi muito assinalado mesmo no passado. Não
obstante, no momento vivemos uma inversão que está indo ainda mais fundo na prerrogativa:
Agora não importa somente “ter”, mas também aparecer (vivemos não mais envoltos na época
da propriedade, mas sim na ética da aparência, da aparência de propriedade. Ou seja, o que é
valorado agora não é mais apenas a mera posse, mas mais ainda do que isto a exposição da
posse, visto ascensão das redes sociais e dos meios instantâneos de comunicação. Para mais
detalhes sobre tal prerrogativa, sugiro a leitura do livro No exame, de Byung-Chul Han).
No meio do enxame, acabamos por ser “apenas mais um”, e resultado disto é tanto a busca por
autoafirmação como também a busca exacerbada por si mesmo em busca de “não ser mais um”,
o que está acabando por criar um fenômeno exclusivo da modernidade: A busca pelo (aparente)
diferente.
Não são poucos hoje os gêneros e estilos musicais, somente para citar um breve exemplo, que
existem na “experimentação” e quebra de padrões: A cultura Pop não apenas os incorporou, mas
estes estão, com maior intensidade, se tornando a cultura Pop. O “novo Pop” é o diferente e
inovador, que não pode ser classificado em nenhuma instância e dificilmente definível, porque
tudo o que o moderno busca é expansão, e não contração. Expansão significa expandir seu “ser”
por onde quer que seja possível, ou em outras palavras, legitimar seu estilo de vida ou “estilo
próprio” à qualquer custo: Assim se criam as muitas mazelas e “correntes de pensamento” que
muito apoio recebem das grandes massas, mas que são altamente questionáveis sob o ponto de
vista racional e mesmo científico: Um breve exemplo é a teoria queer, que não apenas serve e
vem servindo de justificativa própria para muitos indivíduos nos últimos anos, como também
cada vez mais vem sendo globalmente aceita pela cultura popular.
É óbvio que há diferenças regionais e que o quanto se deixa influenciar pela “nova ordem” é
relativo à cada cidade, cada densidade demográfica, acesso à tecnologia, etc, porém pode-se
perceber a formação de um grande centro global universal: A internet, que, para o bem e para o
mal, acaba por “conectar” todos os indivíduos do globo, o que acaba servindo de
exponencializador para a busca de si mesmo, visto que na internet há contato intenso com
outros indivíduos e nesta se encontram diversas teorias altamente questionáveis que com muita
frequência são adotadas pelo indivíduo, podendo a teoria queer ser mais uma vez citada como
exemplo (bem como tantas outras teorias seguidas pelos mais diversos indivíduos diferentes,
englobando deste teorias como “Terra Plana” até teorias da conspiração, terrorismo e desvio de
preferências sexuais, com muita frequência muito incentivadas em determinados círculos).
Não é de meu intento, vale mais uma vez deixar claro, aqui querer “refutar” ou me opor a
quaisquer conceções que encontram amplas aceitações na internet, sejam estas aceitações de
pequenos grupos ou aceitações mais globalizadas, me cabe apenas indicar que tal é parte do
fenômeno chamado “modernidade” e que acaba tanto por contribuir para a “procura excessiva”
de si mesmo quanto para sua perda: Ao se aceitar o que quaisquer outrem relatam sobre nós
mesmos, acaba-se por se adaptar a isto, “talhar” o si para se enquadrar nisto, culminando em
uma espécie de intoxicação e castração do si em prol do consenso de outrem. O indivíduo, na
modernidade, não apenas nunca se encontra, como também aceita qualquer que seja a teoria
externa que diga, supostamente, respeito a si mesmo, assim se servindo e se prostituindo a
qualquer grupo identitário que seja ou a qualquer causa exposta na internet.
Como relatado no já citado livro No exame de Byung-Chul Han, o que com muita frequência
ocorre nos ambientes virtuais são as “shitstorms”, ou seja, tempestades de meda cujo significado
real é metafórica e literalmente isto: Pequenos fenômenos e acontecimentos que quando
noticiados (e dependendo, também, da maneira como são noticiados) acabam por repercutir no
mundo inteiro, até mesmo em locais sem relação causal alguma com o acontecimento original.
Para citar um breve exemplo, citemos o caso de Jorge Floyd, cuja morte repercutiu não apenas
no país do acontecimento original, mas também em todo o mundo.
A internet acabou tanto por nos manter “ligados” no que acontece no mundo inteiro como,
também e por consequência, nos “desligar” de nós mesmos: Ao prestarmos atenção ao que
acontece fora de nós, acabamos por deixar de lado as questões que deveriam nos ser mais
importantes e mais caras em detrimento a qualquer acontecimento “absurdo”, “ultrajante” ou
qualquer coisa do tipo noticiado pela mídia, que obviamente e já sabido popularmente, muitas
vezes é questionável sobre a maneira como lida com as informações. Em resumo, o ser humano
moderno é um ser que tanto não se conhece, quanto também é incentivado a assumir uma
“bandeira social”, assim permanecendo alheio a si mesmo durante a maior parte da vida, ou até
mesmo toda a vida (o que contribui, como já dito, para o fato infeliz de que pouquíssimos
humanos sejam, de fato “diferentes” e si mesmos: A maioria é apenas um reflexo, puro e
simples, de outrem e de qualquer que seja a convenção social vigente).
Aqui, cabe-nos fazer uma pequena pausa para tratar sobre mais dois assuntos (e fenômenos)
referentes à modernidade que acabam por muito influir na ascensão do solipsismo como
fenômeno até mesmo social: A internet e a valorização da informação.
A internet é um fenômeno consideravelmente recente, porém cujas consequências já estão sendo
mais intensas e notáveis do que as consequências de grandiosos momentos históricos de alguns
séculos passados. A internet é, propriamente dita, um fenômeno moderno.
Seja qual for a intenção original da internet, é certo dizer que esta cumpre importantíssimo papel
atualmente no que tange à comunicação. A internet facilitou e agilizou a comunicação em larga
escala de forma nunca antes vista, e hoje já é realidade que nos comuniquemos com alguém que
mora do outro lado do mundo, apenas para citar um breve exemplo, rotineiramente e com delay
de apenas alguns poucos segundos. Assim sendo, a internet não apenas propiciou que
pudéssemos nos comunicar de maneira muito mais rápida e eficiente, mas também
“universalizou” o acesso a alguns dos recursos mais nobres e mais recentes já construídos pela
humanidade, e é justamente aí onde começam os problemas, para o bem e para o mal.
É certo que, se não fosse pela internet, ainda estaríamos estagnados em uma espécie de “idade
quase medieval” em que somente os mais afortunados, financeiramente falando, possuem
acesso ao conhecimento. É certo que existem diversas formas de se obter “conhecimento” de
maneiras quase gratuitas e de mui pouco gastos, porém e ainda assim, são muitas certamente as
famílias que mesmo assim não poderiam obter tal “luxo”, tanto por questões de ordem social
quanto também e puramente de ordem econômica (o que se gasta com um livro em um sebo
pode ser o valor da janta da pessoa em questão). A internet subverteu este quadro e tornou de
acesso quase universal (para aqueles que possuem acesso à esta, claro) tanto o conhecimento
quanto também muitas das informações que antes só eram disponíveis àqueles que
acompanhavam as grandes centrais de mídia e notícias. Hoje em dia, se recebe informação
desde ao adentrar em sites específicos para isto como também na maior parte das redes sociais,
sendo este tipo de conteúdo, vale dizer, um dos mais creditados e valorados socialmente.
A internet, basicamente, tornou realidade a epopeia do “acesso universal” a tudo que de “bom”
já foi produzido pela humanidade, desde o conhecimento até o entretenimento, a comunicação
de longa distância com os parentes amados e até a possibilidade de encontrar o “amor da vida”,
como muitos falam. E, para o bem e para o mal, os problemas começam tanto na faceta do
“bem” quanto na faceta do “mal”.
Uma das grandes mazelas causadas pela internet é que estamos nos tornando por demais
dependentes desta. Atualmente em qualquer grande cidade todo e qualquer jovem,
principalmente, deve possuir acesso à internet e se este não o possui sua vida em muito é
complicada. Desde acesso aos grandes meios de conhecimento e leituras até a obtenção e
procura de cargos sociais (digam-se empregos), tudo hoje passa pelo fio condutor da internet e
certamente que esta muito impactou e modificou as dinâmicas sociais humanas. Não apenas
nossas “relações sociais” foram modificadas pela internet, mas também nossos entretenimentos:
Se antes nosso entretenimento principal era sair, conversar e passar horas com amigos por
exemplo, agora nosso entretenimento é ficar em casa, conversar por qualquer aplicativo que seja
e jogarmos juntos: A relação se mantém, porém a forma como esta se dá e é desenvolvida foi
profundamente modificada.
Certamente há os adeptos do “saudosismo” e aqueles que preferem as velhas formas de
interação e entretenimento, porém estes são mais parte das gerações passadas do que das
gerações presentes: Estas já nasceram acostumadas com a tecnologia, a pouca interação social
pessoal e o contato pela tela de qualquer que seja o dispositivo: A vida enxergada através de
uma pequena tela, seja a de um celular ou a de um notebook, já há muito se tornou regra das
gerações mais recentes, sendo a adaptação destas às novas tecnologias não apenas plena como
também e até mesmo dependentes destas tecnologias: Não são poucos os jovens da atualidade
que entram em pânico à qualquer sinal de falta de energia ou perda de sinal da internet. Hoje o
supremo pecado entre as gerações mais recentes é permanecer por muito tempo alheio ao
mundo virtual.
Consequência pura e simples disto é que a internet e o mundo virtual se tornaram mais
interessantes do que o mundo e a vida real: Na internet, posso ser quem quiser, com o nome, os
atributos, os itens, etc, que eu quiser, enquanto no mundo real, obviamente, tal não é verdade.
Se posso escolher entre um mundo em que tudo é ilimitado e possível e entre um mundo em que
tudo é limitado bem como minha força de vontade e opções também o são, e se fui habituado a
pouco enxergar diferenças entre tais mundos e a acreditar que o primeiro nada mais é do que um
“direito natural” do segundo, então, passo a naturalmente preferir o mundo virtual, não
existindo motivo algum para que eu queria me limitar ao invés de me exponencializar, e aí é
onde se encontra o ponto: Nos últimos cerca de cinquenta anos, quase todas as tecnologias
criadas serviram, em última instância, para nos “exponencializar” de alguma forma, e não
precisando ser dito, tal é muito mais característica dos nossos ideais solipsistas (egoísmo) do
que do amor de fato. Aqui temos de fazer uma pausa, justamente para tratar sobre as
capacidades que a internet nos dá e que, por serem aparentemente “gratuitas” e de pouco
esforço, acabam por nos aprisionar ainda mais em nós mesmos, de tão fáceis, óbvias, e
calculadamente “intuitivas” (o que é igual a dizer que sim, foram pensadas para serem
justamente intuitivas, ou seja, o mais fáceis possíveis e até mesmo o mais “deterministas”
possíveis) que são.
Visto de uma maneira geral, a internet e a comunicação rápida e de longa distância nos tornaram
tanto mais “preguiçosos” em um aspecto geral quanto também mais egoístas e exigentes, e isso
sendo verdade até mesmo no campo dos relacionamentos amorosos e sexuais (que,
ironicamente, é justamente um dos campos onde tais tendências mais são verificáveis de forma
até mesmo empírica, com as taxas de divórcio em alta). Nos acostumamos (e as novas gerações
já estão nascendo com isto valendo como regra, como algo completamente “normal” e habitual)
com a rapidez da conexão e com resultados rápidos, fluídos e muitas vezes fáceis. Passamos boa
parte de nossos dias envoltos nessa comunicação rápida e com muita frequência desempenhando
multitarefas. Resultado puro e simples disto é que tanto perdemos boa parte da nossa capacidade
de concentração e foco quanto também nos tornamos, em maior ou menor grau, dependentes da
tecnologia: No mundo real, nem tudo é tão rápido e nem sempre múltiplas tarefas são possíveis
de serem desempenhadas, enquanto no mundo virtual tal é regra. Além do, como já dito, fato de
que no mundo virtual posso ser quem eu desejar ser e não apenas isto, como a internet (e em
especial alguns grupos identitários) também me incentivam a sê-lo: Aquilo que é inato perdeu o
lugar para aquilo que é socialmente (e identitariamente, bem como politicamente) construído.
Não mais há espaço para o “ser” e qualquer forma de personalidade inata, como tudo hoje é
contestável (bem como a contestação se tornou regra).
Por podermos conseguir o que quisermos com rápida velocidade (hoje, em qualquer grande
centro urbano há a possibilidade por exemplo de se efetuar uma compra ontem e hoje mesmo já
recebe-la no conforto de sua casa) e na hora em que quisermos (basta abrir qualquer aplicativo
de entregas de comidas, por exemplo, para se deparar com diversas opções dos mais diversos
tipos possíveis de comestíveis), acabamos por nos tornar tanto impacientes, quanto mesquinhos
e de tendências claramente egoístas e muitas vezes narcisistas. Tanto a internet quanto também
o capitalismo (um dos grandes “carros chefe” por trás da tecnologia, visto que o capitalismo
muito se aproveita do avanço tecnológico, indubitavelmente) acabam por nos convencer de que
podemos “ter o que quisermos na hora em que quisermos”, e não apenas isto como nos
convencem de que é possível e passível de se comprar uma personalidade, bem como por vezes
incentivam-nos a demonstrá-las em suas redes sociais. Na grande teia tecnológica que está
sendo construída e fomentada pela modernidade (sim, a grande “prisão” está sendo construída
bem diante de nossos olhos, e nada podemos fazer para poder parar isto) tanto tenderemos a nos
tornar seres humanos de pior qualidade ética no geral quanto também outra tendência se mostra
clara: A exclusão, literalmente falando, de toda e qualquer forma de alteridade.
Se mostra tendente e evidente que a tecnologia fomentou e “demonstrou” o que boa parte de nós
somos. Antes da tecnologia, discussões sobre política por exemplo se desenvolviam e resolviam
em uma mesa de bar ou em um encontro de família, por exemplo, e muitas vezes estas
acabavam não se desenvolvendo pelo simples fato de que, pessoalmente, a maioria de nós não é
tão “corajoso” quanto protegidos pela proteção tanto do mundo virtual quanto também do
monitor e/ou tela do celular. Atualmente, com a exclusão de encontros pessoais (visto tanto a
decadência do social no geral quanto também o atual momento em que vivemos, de pandemia
global e pós-pandemia, também pode ser dito) e com um certo “incentivo” às discussões no
plano das redes sociais (visto que estas mesmas parecem “apoiar” determinados tipos de debates
que são, com certeza, altamente questionáveis sobre seus fins), acabamos não mais discutindo e
debatendo em “território neutro” e frente a frente, onde todas as discussões acabam por
geralmente ter um “fim” e onde no final acabamos por perceber que não vale a pena me
desgarrar do “outro” somente pela opinião ou ponto de vista deste, mas sim acabamos por não
ter este momento de “epitome” (que é justamente quando as tensões chegam ao ponto mais
elevado, olhamos para os envolvidos e, finalmente, fazendo pequenos cálculos e pensamentos,
chegamos à conclusão de que tais diferenças não valem as amizades ou laços que se criaram) e
com muita frequência acumularmos diversos “debates” e questões não resolvidas com aqueles
que amamos, o que acaba por fazer, naturalmente e em fator de outros elementos da
modernidade, nos afastarmos de tais indivíduos, mesmo que sua relação conosco já seja de
longa data e mesmo que se a internet não existisse nada disto estaria acontecendo e certamente
sabemos disso. No fim, ao invés de servir ao “esclarecimento”, tanto as redes sociais quanto a
internet acabaram por culminar tanto na separação familiar e de relações sociais muitas vezes já
consolidadas quanto também nos adaptam e nos estimulam ao “novo”, ao “grupal” e àquilo que
é socialmente aceito e bem-visto. Tratarei um pouco mais sobre a seguir.
Uma das consequências da ascensão das redes sociais é justamente o aspecto “comunitário” e
materialista que os valorandos se tornaram. Hoje em dia, vale a máxima daquilo que é mais
aceito entre a maioria, e isto é tanto decorrência da dinâmica mesma das redes sociais quanto
também dos ideais de democracia que, desde cedo, são implantados em nossas individualidades.
Hoje, vale não apenas aquilo que é reconhecido socialmente, mas também aquilo que demonstra
maior conformidade ao pensamento da maioria que, como já dito, é composto por
imbecilidades, pois a maioria sempre estará condicionada ao que existe de mais baixo. Estamos
em um momento histórico em que não mais são somente as tendências do capital que regulam o
popular, mas sim que o popular regula as tendências do capital (para maior adentramento sobre
tal tema, sugiro fortemente o documentário O século do ego). Cada vez mais o capital, visto o
seu poderio tanto econômico quanto em si mesmo, é capaz de atender a quaisquer que sejam as
demandas de seu público tanto limitado quanto também castrado naturalmente, logo este não
necessita temer de seguir as ordens do público, mas também assim muito facilita o seu trabalho
(pois ao invés de ter de criar novas tendências, agora este meramente apenas tem de reproduzir
o ideal de seus clientes, que quase sempre não representam nada de novo). Assim, em um
círculo que se autoalimenta, tanto a imbecilidade das massas alimenta o “sistema” quanto o
sistema alimenta a imbecilidade das massas. O resultado, puro e simples disto, tanto é
catastrófico quanto também uma enchente de conformação social: Na modernidade, já não é
mais possível se falar de “revolução” alguma de fato, pois é evidente que para ocorrer tal um
forte abalo na estrutura econômica e social teria de ser feito, mas é justamente aí que entra a
grande pergunta: Quem estaria disposto a abrir mão de suas regalias, regalias estas
proporcionadas pela modernidade, tais como produtos que desejar a hora em que desejar na
porta de casa, possibilidade de trabalho sem sair de sua própria casa, múltiplas possibilidades de
parceiros tanto para cópula quanto para relacionamentos amorosos a hora em que desejarmos,
etc, em prol de uma já mal fadada, ultrapassada e certamente questionável “revolução”? Esperar
por qualquer tipo de revolução na modernidade soa quase como esperar pelo retorno do Messias
dos cristãos, com a vantagem de que pelo menos os cristãos já esperam, e continuam esperando,
por milênios enquanto os modernos não possuem sequer rigidez suficiente para saber o que são
séculos.
Outro aspecto importante sobre tal ponto (porém sobre este não muito me adentrarei pois
necessitaria de um livro à parte para tratar sobre tal e creio que já muitos outros autores
formularam teses mais ou menos corretas sobre o tema, tais como o conhecido Bauman e mais
uma vez Byung-Chul Han) é a completa e total decadência que vivemos tanto no campo
amoroso quanto no campo sexual. Aqui, cabe-nos apontar apenas que a dessacralização tanto da
união conjugal quanto também do sexo em si mesmo (que cada vez mais é tratado como
símbolo de “empoderamento” e tratado como assunto de lugar comum, ao invés de reservar
certa importância à esta temática) acabaram por culminar em consequências catastróficas nas
massas, com a taxa de divórcios e a taxa também de prova “empírica” sobre isto (cada um de
nós, em meio às massas, consegue e pode claramente perceber o quanto os relacionamentos
amorosos da atualidade estão, em sua gigantesca maioria, fadados ao fracasso) aumentando
exponencialmente quanto mais tanto a modernidade é implantada quanto também as tecnologias
se desenvolvem. Basta-nos dizer que nossos parceiros se tornaram não apenas “dessacralizados”
e por vezes até “desnecessários”, mas também produtos: Bem como produtos de um
supermercado, posso apertar um simples botão para me “desligar” de qualquer produto que não
seja mais de meu uso ou interesse, assim reduzindo seres humanos à condição de objetos e os
tornando semelhantes a produtos presentes em prateleiras de supermercado, sendo que a
qualquer momento podemos trocar de prateleira e assim como em um vídeo game, iniciar novas
“emoções” e descarta-las no momento em que bem desejarmos. A internet, ao contrário do que
muitos esperavam, muito mais serviu para nos afastar dos ideais iluministas clássicos do que
para nos aproximar destes, nos transformando mera e puramente em produtos, em uma imagem
2D estática cujo último “bem” que podemos adquirir de tal é o gozo, e nada mais. E aqui, vale
citar a pornografia.
A pornografia é, certamente, um dos grandes males da modernidade. Muito poderíamos tratar
sobre tal assunto e divergir sobre suas consequências tanto sociais quanto individuais, porém tal
assunto pode ser expandido de tal maneira que requeriria um livro para tal, cujo não é meu
intento. Sobre tal assunto, basta-nos dizer que a pornografia é mais um dos galhos podres da
modernidade: Cria expectativas erradas sobre relacionamentos amorosos e transforma o “amor”
em algo meramente de cunho sexual, sem absolutamente nenhuma metafísica e/ou interesse no
ser envolvida. A pornografia é apenas mais um dos ramos da árvore podre chamada
modernidade que acaba por consolidar, ainda mais, a nossa tendência em enxergar os outros
como objetos, como meros instrumentos para o nosso prazer próprio: A pornografia nada tem de
amorosa e nada nos ensina (ao contrário do que muitos argumentam, é impossível de se ensinar
a “amar” ou a “fazer amor”, e com certeza o que é mostrado em filmes pornográficos não é
fruto do amor, mas sim de dinheiro, com obviamente os atores sendo pagos para fazerem o que
fazem), mas apenas corrobora com nossas tendências e ideais solipsistas e muito contribui para
que enxerguemos o outro pela via meramente do material e não pela via metafisica: O outro é só
um pedaço de carne, pedaço de carne este cujas algumas partes podem me proporcionar prazer,
e nada mais. Qualquer um que deseja seguir o caminho do amor deve, certamente, se abster de
práticas pornográficas e se abster também daquilo que é aparentemente inofensivo, mas muito
tem de pornográfico: Desde amizades que somente residem nos planos materiais e sexuais até
meios e redes sociais cujos estímulos e instintos imperem sobre a razão: Tais somente acabam
por exponencializar nosso solipsismo.
Enfim, cabe, por último nesta temática, abordar outro tema referente e que muito contribui para
o quadro geral que estamos tratando, que é a supervalorização da informação comum.
Já foi, em capítulos anteriores, abordada a valorização do conhecimento a posteriori em
detrimento do conhecimento a priori e uma das consequências de tal senso é tanto a valorização
quanto a validação automática daquilo que podemos chamar de “informação”. Antes de
prosseguirmos na narrativa, é necessário fazermos uma distinção para evitar confusões sobre os
múltiplos significados que uma mesma expressão pode possuir.
Por “informação” me refiro ao conjunto de “conhecimentos”, estatísticas, curiosidades, etc, que
podem ser obtidos de maneira rotineira e pelas vias mais comuns de “conhecimento”, em
especial pela mídia, propaganda e marketing, sejam eles vinculados nestes ou em quaisquer
outros meios. Me refiro à informação de caráter mais informal, como notícias em geral,
informações obtidas em revistas, valores e notícias de ordem econômica, até mesmo o que
aprendemos nas escolas no começo de nossas vidas e o que é de senso comum, etc. Ou seja, por
“informação” me refiro ao conjunto de notícias e conhecimentos que nos rodeiam e que são de
senso comum, sendo muito pouco frequentemente questionados pela maioria. Por conhecimento
me refiro tanto àquilo que pode ser obtido através de livros e meditação (contemplação), ou
seja, que envolve certo envolvimento e desenvolvimento próprio, quanto por aquilo que é obtido
e observável pela subjetividade, e não que é meramente informado por quaisquer meios que
sejam. Ou seja, por informação me refiro ao conjunto de “conhecimentos” quase sempre inúteis
e que são de senso comum, bem como aos “fatos” relativos ao mundo físico, enquanto por
conhecimento me refiro tanto ao aprendizado derivado de livros e fontes genuínas de
conhecimento em si e de aprendizado quanto também ao desenvolvimento das características e
capacidades próprias de interpretação e conhecimento sobre os fatos. A informação é
meramente transmitida, não havendo lugar para contestação, enquanto o conhecimento é aquele
que é pensado na cabeça que recebe a mensagem. Feita esta distinção, é importante apontar que
aqui somente me referirei à justamente estas informações que podem ser obtidas em revistas,
jornais, noticiários, redes sociais, etc, que são de fácil “pensamento” e obtenção pela maioria, ao
contrário da realidade de boa parte dos livros e do pensamento próprio (o que não condiz em
dizer que todo e qualquer livro desenvolve as nossas potencialidades intelectuais e racionais,
mas sim que com muita frequência e infelizmente, livros também podem fazer parte da “cultura
inútil” às quais estamos submetidos diariamente) *.
Trato a informação como “inútil” por uma série de fatores. Em primeiro lugar, qual é a
vantagem, a mim ou a qualquer pessoa exceto aos envolvidos, de saber que, por exemplo, no
Cazaquistão uma bomba explodiu e matou oito pessoas em uma mesquita? Ou a utilidade de
saber que em alguma cidade do Brasil ocorreu o estupro de uma criança? Ou qualquer que seja a
notícia do tipo? Tais “conhecimentos” em nada mudam a minha vida e se mudam é para o mal,
pois mais me fazem crer que a alteridade e o mundo são malignos do que o contrário (não que
necessariamente o não sejam, mas este é um assunto complexo e filosófico por demais para ser
“resolvido” por notícias diárias de jornais e noticiários cuja função é, exatamente, muito mais
tratar das desgraças do que das boas potencialidades humanas). Em segundo lugar, em que
momento, exatamente, solicitamos por esse conjunto de informações? Costumo dizer (e crer)
que tudo aquilo que é facilmente transmitido e permitido pela via social assim o é porque possui
algum fim que não o nosso próprio, mas sim o de outrem. Em terceiro lugar, há o excesso (já
apontado por outros autores antes de mim como Byung-Chul Han e Bauman) justamente desse
tipo de informação cuja presença se dá em praticamente todos os meios tecnológicos de
transmissão e comunicação, desde rádios até a internet e redes sociais, e tal produz as mais
diversas consequências que vão desde a nossa crescente dificuldade de concentração e foco (o
que muito perturba e diminui a nossa capacidade de amor, visto que amor requer tematicidade,
que requer, quase obrigatoriamente, foco e atenção para com aquele de que se trata) até uma
certa “imbecilização”: Se deixa levar e acreditar pelo que se ouve em qualquer destes meios, e
se deixa de pesquisar e pensar sobre suas causas legítimas e mesmo sobre o porquê de tantas
informações serem facilmente obtiveis e ainda por cima “gratuitas”. Em quarto lugar, ao muito
consumirmos tal tipo de material estamos contribuindo, consciente ou inconscientemente, com o
acréscimo do jugo a posteriori: Acreditamos em tal não porque nossa razão chegou a tal, mas
sim porque o noticiário, a partir de seja lá qual for a fonte, o noticiou. Acreditamos não porque
nossa própria mente, racionalidade e cérebro conseguiram chegar a tal, mas sim porque algum
laboratório ou universidade qualquer, sabe-se lá aonde e através de quais métodos, chegou a tal.
A valorização da informação acaba por, também, contribuir para com a decadência do
pensamento e razão própria, o que contribui ainda mais com as “massas impotentes” da qual já
muito abordamos.
A informação não apenas é onipresente mas também tratada pela massa como valorando
positivo e “incontestável”, fonte de conhecimento genuíno que pode, e sempre é, utilizado como
valor e argumento para qualquer que seja a tese. Em quinto lugar, é necessário apontar que a
informação também é utilizada para fins próprios daqueles que as recebem, ou seja, também é
utilizada em prol egoísta. Por exemplo, se sou da corrente política de esquerda utilizarei
qualquer informação que seja que valorize (ou aponte como “correta” e/ou superior) a minha
posição e automaticamente descartarei e tratarei como “iverídica”, “irreal”, “anticientífica”, etc,
quaisquer fontes de informação que afirmem o contrário (e que sempre existem, para qualquer
que seja o lado). Com muita frequência, tal leva à alienação e aliamento a determinados meios e
fontes extremamente específicos, que sempre priorizam fins específicos quaisquer que sejam os
meios, contribuindo assim para a já tratada prostituição do conhecimento. Assim, nascem os
jornais, revistas, fóruns, etc, que somente creditam e compartilham informações que derivem,
concordam e levam à x, sendo todas as outras informações e conclusões, por mais que haja
evidências suficientes que as sustentem, descartadas. Assim, acompanhar e crer piamente em
tais meios enfraquece nossas capacidades próprias e mais nos torna animais irracionais do que
humanos (bem como nos torna mais indivíduos narcisistas do que indivíduos “saudáveis”).
Há, ainda, um sexto fator e talvez mais grave e não tão evidente sobre a informação: A
hipervalorização da ciência como pedra de toque universal da “verdade”.
Em primeiro lugar, é necessário elaborar um “ponto objetivo” sobre o que seria a verdade. Tal
conceito, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, não é de fácil elaboração e
explicação.
Por “verdade” podemos entender aquilo que se demonstra de maneira eficiente nas duas vias
centrais do conhecimento, ou seja, que pode ser verificável e que retorna um valor “verdadeiro”,
“correto” e/ou “benigno” tanto pela via empírica quanto também pela via racional. Por
“verdade” podemos considerar aquilo que é congruente e que, em geral, possui uma linha de
raciocínio com começo, meio e fim, ou que simplesmente faz parte do ciclo de causa e efeito.
Pela sua própria natureza, é evidente que poucas coisas (se não nenhuma) possam ser
consideradas como “verdade” e que com muita frequência o que consideramos de fato como
verdade nada mais é do que a verdade sob um ponto de vista limitado e inclinado ao solipsismo,
sendo, em maior estância, apenas um pequeno reflexo do “todo” verdadeiro sobre o qual
residiriam as mais altas verdades. Sob o ponto de vista humano, quer por ignorância, quer por
inocência, acabamos por mui frequentemente considerar como “verdade” o que nossos olhos
(metaforicamente falando) conseguem enxergar, ignorando que, como nós mesmos já
possuímos conhecimento sobre, nossos olhos sejam limitados e que certamente há fenômenos,
acontecimentos, seres vivos, etc, cujos quais fogem aos nossos olhos e que sequer conseguimos
teorizar ou elaborar sobre. E é aí que começam os problemas.
Que estou, neste momento, sentado em uma cadeira enquanto escrevo isto é evidente e
verdadeiro, e certamente não é de minha intenção contestar uma informação que pode ser
comprovada tanto empiricamente quanto racionalmente, tanto meus sentidos percebem que
estou sentado em uma cadeira quanto parece à minha razão que estou sentado em uma cadeira
(caso contrário, seria absurdo que eu estivesse flutuando no ar, sem nenhum apoio). Não é de
meu intento contestar esta simples verdade, mas sim demonstrar o seu caráter completamente
“fútil” e de resultado imediato, sendo os resultados imediatos quase sempre somente
correspondentes à nossa realidade limitada, e não ao todo mais “universal”.
Pelas verdades mais recorrentes só poderem ser, quase sempre, comprovadas pela via mais
“imediata”, daquilo que se pode provar mesmo no aqui e no agora, tais verdades e conceitos
acabam por naturalmente se aproximar mais do conhecimento da via empírica do que do
conhecimento da via racional. A via empírica responde baseada no exemplo, e o exemplo é auto
evidente sendo argumento em si mesmo, enquanto o racional delimita uma maior apreensão e
capacidade de elaboração sobre o todo, bem como nem sempre possui tal comprovação
empírica. Por sua própria natureza, o conhecimento científico é muito mais valorizado na
modernidade do que o conhecimento racionalista, visto que o conhecimento científico é
argumento em si mesmo, pelos seus próprios métodos e capacidade de elaboração, enquanto o
argumento racional só pode sê-lo enquanto perpassa a subjetividade individual. Em outras
palavras, o argumento científico não necessita de validação subjetiva, ele simplesmente é em si
mesmo quer o reconheçamos como tal, quer não, enquanto o argumento racional necessita de
uma capacidade de elaboração própria daquele que recebe e/ou elabora o argumento, sendo a
subjetividade parte vital do processo. Em uma época em que a subjetividade é cada vez mais
descartada (pois cada vez mais somos “nós” e não “eu”), certamente os argumentos de ordem
científica hão de se erguer em detrimento dos argumentos racionais, que ficam fechados e
delimitados à apenas alguns poucos círculos e sendo tratados como “loucos” e “excêntricos”
pela população em geral. Por requerer certa capacidade de elaboração e esforço próprio, a
racionalidade está em decadência, pois tal característica certamente não é desejável à
modernidade (não no sentido de que esta tema aqueles que “pensam”, mas sim no mero e
simples sentido de que o que é valorizado na modernidade é aquilo que é mais imediato e
aparente como um todo).
A informação vem de encontro a tal pois a informação, como já dito, é da ordem do “imediato”,
do “incontestável” (por ser empírico e como dito, argumento em si mesmo) e daquilo que pode
ser socialmente verificável (socialmente, e não universalmente, ressalva importante), sendo
assim aliada das ciências empíricas. Como já dito, que cientistas e estudiosos possam ter
chegado a x resultados não me parece de necessidade alguma de argumentação, agora, que eu
tenha de reconhecer x e que x seja, como ocorrem nos últimos tempos, incontestável pois
proveio sabe-se lá de qual “método” e que serve sabe-se lá para qual fim, me parece este motivo
suficiente para questionamento.
Não quero questionar a dita lei da gravidade, para citar um brevíssimo exemplo, e argumentar
que descartemos todo o conhecimento científico. O grande problema não é que a ciência e o
empirismo existam, mas sim que estas tenham tomado um papel grandioso demais na aferição
do que seria a “verdade” e o real, sendo que, em si mesmas, tais possuem ciência de suas
próprias limitações. São muitos os cientistas que argumentam sobre as falhas e problemas nas
próprias teorias do conhecimento, e certamente não é falha destes a hiper valorização da ciência,
sendo esta, talvez, um fenômeno de ordem muito mais social e do “sistema” do que da ciência
em si. Ao valorizar demais a ciência e a informação, acaba-se por convencionar aquilo que é
mais fácil e que exclui o papel individual, pois é evidente que é muito mais fácil acatar e
divulgar à uma notícia saída em um jornal sobre um suposto vírus, por exemplo, do que tentar
pensar por conta própria sobre o que seria tal vírus, sobre o que está por trás de tal e sobre quais
lados ganham e quais lados perdem com os acontecimentos recentes, em suma, realizar uma
investigação sobre determinado tema. Aí entra outro problema que é um problema justamente
relativo à limitação humana: A nossa ignorância sobre as causas, sobre as quais, com muito
mais frequência, só podemos teorizar no racional mas não observar pelo empírico.
Que a lei da gravitação universal seja uma verdade não me parece impossível, mas me parece
impossível de aceitação que tal seja universalmente tratada como uma verdade e não apenas isto
como, especialmente socialmente falando, o espaço para subjetividade tenha quase
completamente sido descartado. Não quero contestar a lei da gravitação e atribui-la como
“falsa”, mas sim contestar o fato de que hoje se faz simplesmente “inaceitável” à maioria que
um indivíduo qualquer, por exemplo, não acredite em tal lei, mas sim acredite que a gravitação
universal seja resultado de demônios querendo nos puxar para o centro da Terra, ou seja, para o
inferno. Segundo tal teoria, se Satanás deseja vencer sobre Deus pode-se argumentar que este
deseja o maior número possível de servos para travar a batalha final com Deus como relatado na
própria Bíblia, sendo assim possível um desejo do demônio de querer nos arrastar para o seu
reino e nos transformar em seu exército. Por mais que tal teoria, como dita exemplo, possa
parecer absurda e certamente contestável, principalmente àqueles que não são de religiosidade
cristã, tal teoria deveria possuir espaço em si mesma para existir, pois é disto mesmo que se
trata o conceito de teoria: Uma explicação não comprovada empiricamente e temporalmente
sobre qualquer acontecimento, sendo tal definição o que abre espaço para que tantas teorias
existam no conjunto da história humana. Não é de meu intento, repetindo, discutir sobre se a
gravidade é um fato ou não, mas sim questionar o porquê do parecer, aos modernos
principalmente, inquestionável a teoria da gravidade e mais ainda, a demonização daquilo que
não é científico e que se demonstra evidente somente ao indivíduo. Tal fato ajuda a explicar a
derrocada geral das religiões na modernidade, porém este é outro assunto. Que possamos
acreditar no que quisermos é um dos pilares supostamente defendidos pela modernidade, porém,
ao testar tal, logo somos rechaçados, humilhados e contestados por todos os lados ao tentar
minimamente que seja empreender o exercício da racionalidade ou até mesmo o exercício da
imaginação. A verdadeira imaginação se encontra minada por aqueles que por não possuírem
vida interior alguma, acabam por aceitar o que é de mais fácil validação e aceitação comum, ou
seja, o conhecimento científico.
Repetindo, não quero aqui descartar todo o conhecimento científico e promover um embate à
Locke por exemplo, mas simplesmente demonstrar o quanto a modernidade é inimiga, como um
todo, de qualquer forma de individualidade, pensamento próprio e subjetividade, sendo as
grandes personalidades não apenas humilhadas, como também e muitas vezes “caçadas” em
seus próprios contextos, e quando aceitas assim são apenas em pequenos nichos. A linguagem
na modernidade acaba por fazer o trabalho do Diabo cujo senhor é este mesmo, o maligno, que
desaprova qualquer forma de individualidade pois como já dito, “a salvação é individual” (e
sobre tudo isto se trata de forma alegórica, não exatamente literal).
A verdade seria, ao meu próprio ver, de muito difícil chegada para não dizer impossível. Sobre a
consciência da própria ignorância e inclinado ao caminho do amor, mais vale pensarmos no
quanto desconhecemos do que no quanto conhecemos de fato: Aqui, vale uma das mais famosas
máximas socráticas: “Só sei que nada sei”. Que não saibamos de coisa alguma faz parte da
tragédia, mas não é a tragédia em si, sendo esta não o desconhecimento e a ignorância, mas a
ignorância sobre a própria ignorância: O solipsismo se alimenta da certeza, e não da dúvida, e
pelos modernos possuírem tantas “certezas” que foram comprovadas não por eles mesmos, mas
por outrem, é que se pode chamá-los, objetivamente falando, de imbecis. Aqui, vale a máxima
popular de que “em local em que muitos pensam a mesma coisa, é porque ninguém está
pensando verdadeiramente”.
A informação, por ser grande divulgadora da ciência e das verdades “inquestionáveis” à nível
social e acadêmico, acaba por, mais uma vez, fazer o papel do demônio, contribuindo mais
ainda à imbecilização e domínio das massas. Onde tudo se comprova pelo exterior, o interior
pouco papel possui (até mesmo os materialistas de esquerda hão de concordar comigo nisto) e
pouco o indivíduo pode fazer frente ao sistema. Não somente o “sistema”, mas a modernidade
como um todo necessita da imbecilização das massas, e tal não apenas é compreensível, como
também aceitável em um contexto de crescimento populacional acelerado e diferenças sociais
exorbitantes em muitos países. A diferença e a alienação, assim sendo, acabam por ser parte
vital do sistema pois sem estas o sistema não consegue sustentar a si mesmo: Imagine
populações inteiras, milhões ou até mesmo bilhões iradas com as situações atuais de seus países.
Tal seria de difícil controle e manutenção, obviamente, sendo os confortos provenientes dos
sistemas a possível grande sustentação deste ao embate com a população em geral: Como já
argumentado, por poucos confortos se vende até a alma.
Em sétimo lugar, e tal problema é um problema mais evidente àqueles que desejam seguir o
caminho do “conhecimento próprio”, a informação é contrária aos grandes sistemas, sendo os
grandes sistemas formados por um conjunto de argumentos, e não informações, que analisam os
efeitos, versam sobre as causas de tais efeitos e que se ligam entre si, assim sustentando outros
argumentos sobre assuntos mais variados, e assim formando uma grande rede causal em que x
argumentos servem de base para y consequências que são sustentados por z escólios e que
dependem de w condições. A informação, por ser desconexa àqueles que estão “do lado de fora”
da produção da mesma e por com muito mais frequência ser por nós captada na aleatoriedade,
na rotina, no não pensamento e muito frequentemente no ego, acaba por não conseguir construir
linha de raciocínio alguma e formar apenas “pensamentos” isolados e sem ligação alguma com
outros pensamentos, logo, “pensamento” não complexo que se encerra em si mesmo e está
longe de ser um sistema, sendo meramente uma “explicação” casual. Por sua própria natureza
contrária ao pensamento próprio, a informação previne a formação de pensamentos mais
“grandiosos” e “além” sobre quaisquer que sejam os temas, assim não podendo fazer parte de
nenhum grande sistema ou pensamento filosófico qualquer que seja.
Por fim, é suficiente dizer que, pelos argumentos já expostos e por outros ainda que se poderia
expor, mas que não se quer deter nisto, a modernidade como um todo acaba convencionando e
normatizando tudo aquilo que é regido pelo “social” porém que, quase invariavelmente, descarta
o papel do individual. Assim sendo, só é considerado como “verdade”, valor, moral, etc, aquilo
que condiz aos interesses e alcance da maioria, sendo estes, infelizmente, muito baixos. Assim,
o padrão é o baixo, e podemos fácil e claramente enxergar isto ao enxergamos a mais completa
ignorância e animalidade à qual a sociedade moderna vem sido mergulhada já há algumas
décadas, ignorância e animalidade, ironicamente, exponencializadas justamente por uma das
maiores esperanças que alguns já tiveram em nosso avanço: A tecnologia.
O cérebro humano é, em si e infelizmente, o mais “potente” e avançado dos cérebros
conhecidos e ainda assim, o cérebro de um animal (no sentido negativo do termo). Somos os
animais mais inteligentes desta Terra é o que convencionou-se dizer, porém tal inteligência
muito frequentemente apenas se revela como capacidade, e não como um fato em si por tal não
ser com muita frequência comprovável entre as massas. É seguro dizer que tal é o nível de
alienação destas que um observador exterior facilmente pode se questionar, e certamente o faz,
se somos de fato seres ditos “racionais”: Na maior parte do que fazemos, não se encontra razão,
mas apenas reflexo e o automático, e a modernidade e a tecnologia acabam por exponencializar
tal. Tratarei de maneira resumida a seguir.
Como já dito, a tecnologia foi desenvolvida, principalmente se tratando das tecnologias mais
recentes, de forma a ser intuitiva, criada para que o usuário, independente de quem seja e de
qualquer que seja o seu nível de consciência, consiga utilizar este aparato tecnológico sem
muito esforço. O capitalismo, que se apropria da tecnologia para seu uso, é em sua natureza
inclusivo (o que não é, necessariamente, uma boa coisa) e expansivo. Decorrente de tal natureza
“simplista” e de fácil inclusão, muito frequentemente aparelhos, programas, objetos, etc, que
demandam qualquer forma de esforço por parte do usuário são taxados de maneira negativa e
por vezes rendem “más avaliações” por parte de seus usuários, pois a regra é aquilo que é
simples e de pouco ou nenhum pensamento e não o contrário, o que acaba por frequentemente
obrigar os produtores a fabricar produtos mais e mais simplificados para que estes não fiquem
atrás de sua concorrência. Por essa tendência geral à simplificação e à intuição no grau mais
baixo, podemos dizer que a tecnologia contribui para com a imbecilização evidente das massas
bem como ao desgarramento das mesmas da verdadeira vida e do que deveria ser a realidade: A
vida, vivida da maneira mais difícil e “simples” (no sentido de ausência de bens e sentimento de
posse materiais) possível. A vida era muito mais “complicada” em séculos anteriores, e
certamente muito menos cheia de luxos, etapa esta da história humana à qual poucos querem
retornar (o que já é um sinal evidente por si mesmo, embora alguns possam objetar sobre isto),
porém, era uma vida muito mais próxima da natureza e muito mais próxima do real *.
Desnecessário dizer, mas em tal panorama a tecnologia acaba por contribuir tanto para com
nossos solipsismos quanto também para a formação de novas gerações mais “fracas e
vulneráveis” do que as anteriores, gerações estas que pouco preparadas estariam para a vida no
campo e/ou sem aparatos tecnológicos, por exemplo.
Não apenas isto, a tecnologia e a internet atuais, por suas naturezas “privativas” e de proteção ao
usuário, acabam por fomentar fenômenos que dificilmente aconteceriam no mundo real, fora
deste mundo virtual. Por exemplo e lugar comum, a tendência dos seres humanos serem hostis
uns com os outros em ambiente virtual: Tal tendência, como facilmente e empiricamente é
comprovável, com muito menor frequência ocorre na vida real e prática, tanto porque na vida
real não se tem as proteções de uma tela e do anonimato, por exemplo (é impossível ser
agredido fisicamente, por exemplo, por causa de uma discussão virtual), quanto também pelo
maior fluxo de informações e comunicação que ocorre na internet. Enquanto na vida real
estamos limitados ao contato e interação com somente uma ou poucas pessoas ao mesmo tempo,
bem como às leis sociais, no mundo virtual podemos ter contato com diversas pessoas ao
mesmo tempo, sendo estas tanto conhecidos quanto desconhecidos (e isto ocorre em especial
em redes sociais) e, quando são desconhecidos, acabamos por ter tendência maior a agirmos de
forma deliberada e impensada, assim gerando os frequentes choques e atritos que
provavelmente não aconteceriam no mundo real. Também, pelos “limites” da internet ainda não
estarem muito bem fixados tal como sua “moral dominante” (por mais que alguns grupos já
tenham começado a assumir tal papel), acaba-se por mais frequentemente cruzar a linha do
“seguro” nas relações sociais e assim gerar um maior número de atritos. Por sua natureza
“democrática” e de exposição, a rede social acaba por revelar muitas de nossas opiniões,
tendências, opções, etc, que no mundo real não seriam reveladas e sequer abordadas, assim
fomentando discussões e desentendimentos que no mundo real com pouca frequência
ocorreriam, visto que em uma conversa informal pouco haveria lugar para falar de política ou de
opções sexuais, por exemplo, e que são assuntos que com muita frequência tocam em nosso
cerne solipsista (autojustificação). Por trazer à tona o que de pior há na escala do conhecimento
possível, ou seja, a opinião, e por este se dar de maneira muitas vezes excessiva e exacerbada, a
própria natureza da rede social é o conflito. Somado a isto, nossos cérebros ainda pouco
instruídos.
É certo que somos a espécie mais “desenvolvida e inteligente” deste planeta Terra. Somos e
fomos os únicos capazes de criar aparatos tecnológicos bem como de profundamente modificar
o ambiente ao nosso redor, também conseguimos nos articular mesmo com seres humanos que
não fazem parte de nossa “matilha”. Ainda assim, nosso cérebro pode ser um tanto quanto
primitivo quando não bem exercitado e não apenas isto, como também tal se mostra tendência
evidente principalmente na maior parte da massa. Explicarei.
Desde a República de Platão (ou talvez até mesmo antes disso) é dito que a maior parte da
massa de qualquer reino é composta pelos indivíduos com as capacidades intelectuais mais
baixas, ou seja, indivíduos que, no máximo, conseguem obedecer a lei porém não possuem
nenhum senso crítico sobre ou sequer conseguem escapar das armadilhas dos instintos mais
baixos, ou seja, indivíduos com instinto sexual aflorado (ou ao menos, não controlado). Tais
indivíduos, em qualquer época e em qualquer tempo, são maioria, sendo os de aptidão mais
intelectual/racional a minoria em qualquer tempo. Não à toa, Sócrates desconfiava da
democracia justamente por isto, pois se a democracia é o reino da maioria, e a maioria é
composta por sujeitos de baixo nível intelectual, logo a democracia também seria regida por
regentes de baixo nível. Enfim, acerca de tais fatos há pouco a ser dito, pois estes podem ser
verificáveis em quaisquer tempos e em quaisquer contextos, porém tais fatos (o baixo nível da
maioria e as tendências de ordem mais sexual do que intelectual) encontram consequências um
pouco “inesperadas” no novo contexto da tecnologia. Tratarei sobre.
A tecnologia avançada em um geral e a internet foram duas das grandes revoluções humanas
dos últimos séculos. Tais avanços e invenções demonstram o poderio e capacidade da espécie
humana de reger e de ser, de fato, a espécie “superior” habitante do planeta Terra. Porém,
juntamente e infelizmente com tais características se mostra um paradoxo: Criamos as mais
altas tecnologias para, em tese e em maioria, nos embriagarmos com pornografia e escapismos.
Criamos a internet para que a maioria pudesse desfrutar dos “benefícios” da pornografia bem
como de programas e redes sociais que promovem as relações carnais/sexuais de maneira
desenfreada, e nada mais. Em última instância, a tecnologia de última geração e a internet
contribuíram, gostemos ou não, para aprisionar ainda mais a maioria no âmbito e reino das
relações pura e meramente carnais. Criamos a internet, as mais altas e inovadoras tecnologias,
para seguirmos o que há de mais baixo, o mais básico na linha de comportamento, para nos
masturbarmos com pornografia e realidade virtual pornográfica, em resumo.
Aqui, muito podemos nos questionar sobre se os avanços promovidos pelo que é considerado
como “avanço” pelo senso comum, em especial tratando a tecnologia, foram de fato “avanços” e
se de fato contribuíram para uma melhoria efetiva da maior parte da população. É certo que o
advindo da internet proporcionou muito conhecimento e informação “gratuita” para milhões,
quiçá bilhões que antes não possuíam tal oportunidade, porém esperar que que a maioria destes
milhões ou bilhões utilizem tal recurso para causas “benignas” e de autodesenvolvimento é um
tanto quanto esperar demais. Prova disto são as receitas dos sites pornográficos (que podem ser
encontradas em qualquer breve pesquisa em mecanismos de busca), o aumento exponencial das
chamadas “relações líquidas” (ainda que estas não possam ser comprovadas empiricamente de
fato, porém há fortes indícios como o apontado a seguir), da taxa de divórcios, da porcentagem
populacional que recorre a antidepressivos e remédios de tarja preta, etc. Tudo o que é
relacionado a pornografia, na modernidade, obtém certo lucro, e a pornografia nos dias de hoje
se revela não somente em si mesma, como também nos comportamentos e conteúdo “soft porn”
que podem com muita frequência ser encontrados mesmo na população comum. Em suma,
“crescemos” e nos desenvolvemos em tecnologia e muito expandimos a possibilidade de nossos
conhecimentos, porém ao custo da maioria que, mais do que nunca, se prende no âmbito das
relações carnais e por isto vive, sendo a “carnalização” da massa evidente em qualquer
grupo/pesquisa que se realize dentro das camadas populacionais mais “abastadas”.
É evidente que, como dito, em qualquer época que seja as massas ainda seriam de teor mais
instintivo do que intelectual, porém isto não tira a responsabilidade e crítica da modernidade ao
exponencializar ainda mais a capacidade “irracional” que a maioria possui: Que esta vive e
possui como metas somente no instintivo é de pouca discussão, porém que esta, mais do que
nunca, encontre prazeres infindáveis e que mais ainda se aliene nisto do que no passado é
certamente o alvo de nossa crítica. Tanto por isto como também por outros fatores, creio ser
impossível falar de “revolução” nestes novos tempos, tão alto é o grau de alienação e conforto
em aplicativos de encontros rápidos e sexo casual. Em última instância e repetindo, criamos as
mais altas tecnologias para que a maioria desfrute de sua pornografia em alta definição e/ou de
suas conversas e redes sociais com alto teor de busca sexual e “ativa” (em termos carnais),
sendo a realidade e busca do “conhecimento”, como sempre, limitada a alguns poucos grupos,
nichos e indivíduos específicos.
Em suma, é questionável o valor e avanços, de fato, que a tecnologia nos proporcionou. Na
mesma medida em que há avanços, estes ficam restritos a somente alguns grupos e estes
provavelmente sempre serão a minoria. Alguém pode argumentar que isto ocorre, também,
porque as gerações mais velhas são pouco instruídas sobre a tecnologia e seus usos, bem como
possuem pouco autoconhecimento, o que é em parte real, porém que não explica o fenômeno
como um todo. Mesmo que as gerações mais novas sejam mais “instruídas” sobre a tecnologia
bem como possuam mais conhecimentos sobre os males da pornografia, por exemplo, tal não
exclui uma série de outras mazelas que são causadas justamente por este “excesso” de
consciência: Grupos e sociedades inteiras que se amparam mais no que é dito e ocorre no virtual
do que no que ocorre no real de fato, e o surgimento de um certo “senso de consciência” que
muitos chamam de “politicamente correto”, que também e certamente muito pode ser criticado,
porém minha principal crítica à estas novas gerações não seria este politicamente correto, mas
sim a sua demasiada consciência (e exigência) do “nós” em detrimento do “eu”.
É senso e lugar comum das novas gerações a crítica a tudo aquilo que é “reacionário”,
“conservador”, que me traz benefícios (benefícios ao eu), que pouco é pensado socialmente, etc,
o que seria por si só um belo pensamento se não fosse pelo seu caráter e tese exacerbadamente
materialistas e de cunho claramente político. Em nossa época, ofender, ou simplesmente
desagradar, qualquer grupo que seja, ainda que possam existir inúmeros grupos, se tornou um
dos máximos pecados, e todos aqueles que praticam tais atos são expostos e até mesmo
“caçados” por determinados grupos. A modernidade, a tecnologia e a confusão do senso do
“real” com o “virtual” acabaram por criar seres exageradamente sensíveis, ou ao menos seres
que pensam exageradamente no “nós” e não conseguem enxergar o ser humano como um ser
individual mas sim e sempre como uma construção social. Tal acontecimento (e normalização)
já sugere aonde chegaremos nos próximos séculos, sendo o fim ou ao menos a condenação da
individualidade a máxima maior de tudo o que está por vir (porém este seria um assunto bem
maior do qual haveria de tratar em um outro local, e não aqui).
Por fim, há ainda outros aspectos da modernidade que podem ser comentados e criticados
certamente pelas suas múltiplas consequências negativas no que tange ao solipsismo e à
decadência tanto da metafísica como também do senso de “comunidade humana”, impossível
em nossos tempos, sendo que destes podemos aqui citar a democracia moderna e os seus
caráteres implícitos e as consequências advindas do iluminismo e da pós-revolução francesa
(acontecimentos importantes que, mesmo para a história comum, marcam o começo da
modernidade e/ou idade contemporânea).
Em resumo, a democracia foi responsável por criar uma impressão (e até mesmo valor objetivo,
porém com os universais, ou seja, as bases, questionáveis) universal de que todo e qualquer ser
humano possui um valor e participação social efetiva, o que acabou não apenas realizando o
temor de Sócrates, como também criou novas gerações que pensam possuir elevado valor
somente pelo fato de existirem: Tais gerações muito questionam, pouco aceitam e pouco
produzem, porém muito opinam e em mais alto grau e conta possuem tanto a existência de si
quanto também de seus grupos identitários. Tal pode ser apontado como um dos principais
fatores que está levando o ser humano à derrocada e à imbecilização social: Se possuo valor em
mim mesmo, se só de nascer possuo direitos e valores invioláveis que de forma alguma podem
ser contestados, bem como de poder me expressar e fazer ouvir os mais diversos (através de
redes sociais e tecnologia, principalmente), logo, pouco devo fazer para provar meu valor
próprio, ou ao menos para tentar ser algo mais do que isto: Se o máximo já sou, à nível social e
se o social é tudo de que necessito, então, por que haveria de me esforçar para coisa alguma,
exceto para os meus discursos políticos de uso e lugares comuns?
Em conluio com a democracia moderna e seus direitos universais e inquestionáveis, há o senso
pós-revolução francesa de validade e direitos universais que mais ainda contribuem com os
sensos apontados acima. Se a democracia moderna resultou no muito valor pouco fazendo, o
iluminismo e a revolução francesa resultaram tanto no espírito de rebeldia imanente quanto na
fé exacerbada na capacidade humana: Na nova realidade, o ateísmo se tornou a fé natural de
todo e qualquer homem, sendo pedra de toque tudo aquilo que é cognitivo e nada mais (isto
sendo, por si só, exponencializador das nossas tendências solipsistas). A democracia (em aliança
com a tecnologia, vale dizer, embora esta não seja necessariamente parte da democracia) nos
deu “direitos” demais com poucas exigências, enquanto o iluminismo e a revolução francesa nos
atribuíram valor e fé demais em nós mesmos, o que pode-se comprovar, pelas mais diversas vias
que sejam, falho especialmente ao se observar as massas, o quanto estas ainda são frutos do
material e do irracional, e o quanto a democracia neste aspecto pode corroborar com a
decadência e corrupção da política, em uma realidade em que as divergências de Sócrates com a
democracia se mostram perfeitamente fundadas.
Enfim e para finalizar, o homem moderno é aquele que nasceu da mentalidade e
desenvolvimento dos pensamentos de quinhentos anos atrás: Seu valor em si mesmo é inato,
universal e seu conhecimento, mesmo o a priori, é científico, o que em si mesmo já demonstra a
contradição. Dentre as suas numerosas características e em resumo, podemos citar como
características do homem moderno: Suas claras tendências ao ateísmo (bem como à todo tipo de
“espiritualidade” sem fé ou religião declarada, visto que tais são tidas por muitos como
características passadas de sociedades retrógradas), sua fé demasiada na humanidade e na
política (a política, em maior ou menor grau, se tornou o novo “deus” do homem moderno e seu
novo motor de combate), suas claras tendências ao relativismo (pois, assim como a ciência
moderna, o homem também está sempre mudando, de acordo com os interesses sociais que
estão acima dele), seu demasiado enfoque no “coletivo”, ao ponto de originar o que se chama de
“politicamente correto”, seu engajamento compulsório em meios tecnológicos e de redes sociais
(bem como seu estranhamento para com aqueles que não fazem parte destas), sua “dependência
independente” (podemos pagar para que o capitalismo e seus serviços façam os mais diversos
serviços por nós e quando temos capital quase sempre optamos por esta opção com a
justificativa de “ganho de tempo”. Assim, somos independentes ao mesmo tempo que sempre
dependentes de outrem que faça o serviço por nós), sua tendência à vida noturna e urbana
(muitos são os que dizem que querem ir “morar no campo” por exemplo, mas poucos são os que
abandonam de fato as regalias da cidade grande), seus ideais “revolucionários” e quase sempre
contestadores, porém sempre pontuais sobre os mesmos assuntos (características herdadas da
revolução francesa), a predominância da opinião sobre a razão, o julgo elevado da ciência e
aferimento desta como “verdade” (o que acaba contribuindo para com o ateísmo do homem
moderno), seu caráter por demais democrático (ao ponto de qualquer especulação sobre
diferenças inatas entre indivíduos ser considerada como um dos supremos pecados, por
exemplo), etc. O homem moderno é, em suma, um perdido, que procura por deus nos meios
errados e então se volta para o terreno, além de cometer toda sorte de enganos levado pelas mais
diversas influências (que, mais do que nunca em toda a história humana, são abundantes). Seu
dasein é o niilismo e seu modus operandi é o capitalismo (mesmo que este o critique das
mesmas formas de lugar comum), sendo por isto e naturalmente solipsista (daí, também, suas
claras tendências ao existencialismo).
Àqueles que desejam escapar da armadilha da modernidade, trabalho árduo, e ao mesmo tempo
simples, deve ser feito, e começar a trabalhar sobre os efeitos pode ser de bom uso nesta
empreitada. O principal “risco” e oferta que a modernidade como um todo nos propicia são os
confortos, como dito a modernidade nos propicia os mais diversos confortos que vão desde o
conforto em si mesmo (uma cadeira mais confortável, uma cama mais confortável, e assim por
diante) até a economia de tempo (com os serviços apontados no parágrafo acima). Um dos
grandes e vitais passos para sairmos da modernidade é rejeitar a todos estes confortos, visto que
estes nos tornam mimados, impacientes e pouco tendentes ao esforço e características próprias,
e isto é de importância principalmente àqueles que já nasceram acostumados e em meio à tais
confortos. Após se evitar os confortos, deve-se também buscar o conhecimento além da opinião,
e muito poderia tratar sobre isto porém aqui não seria o lugar recomendado. Uma vida de caráter
austera e, em certa medida, estoica também é de ajuda no processo. Os “ensinamentos” contidos
neste livro e a busca pela verdade a priori (mesmo que o resultado individual desta busca não
seja, em última instância, um fim a priori) também são bons combatentes ao modernismo. Nossa
justificativa para tal combate é a realidade em si mesma: A todos aqueles que não se deleitam
com esta, certamente tal texto poderá ser de alguma ajuda e identificação. E por último, não se
deve esquecer o papel de nossa subjetividade, pois pouca adiantaria tudo isto dizer sem, no seu
interior, o individuo o reconhecer, e com certeza mais vale aquilo que é naturalmente
reconhecido e sentido do que aquilo que é forçado (exceto em casos de vício, o que a
modernidade infelizmente está cheia).
Estética
A estética se encontra mais no campo do desenvolvimento da questão do que na resposta
propriamente dita, e mais também se encontra no caminho do amor do que no caminho da idhea
propriamente dita, porém, pela beleza ser algo em si (bem como a idhea), que se auto justifica (e
que justificarei o porquê disto a seguir), e por esta também habitar o campo das análises finais
da questão, ou seja, é um dos ramos, um dos galhos, da questão, e não o campo da solução em si
decidi abordá-la em já avançado capítulo, visto que a preocupação estética é uma preocupação
que naturalmente acaba surgindo quando se desenvolve a inclinação ao amor e à idhea à longo
prazo.
É necessário abordar dois pontos neste capítulo sobre estética: Que a estética revela uma
tendência ética e que a bela estética naturalmente inclina o indivíduo tanto à contemplação
quanto ao caminho do amor aqui desejado, portanto sua importância e menção. Não é de meu
intento construir uma nova teoria estética ou muito divagar sobre este tema, mas apenas me
amparar naquilo que já foi dito * para que então este enriqueça a nossa tese.
Sobre o primeiro ponto, é necessário dizer que a estética com muita frequência (se não sempre)
revela os ideais éticos daquele que emite o padrão estético. Tomemos um exemplo simples: Se
um indivíduo considera que seu ideal de beleza é a pichação, o vandalismo e a desordem, tal já
demonstra claramente a sua inclinação ao niilismo, ou ao menos à confusão que habita no plano
das ideias de tal indivíduo. Se para tal um monte de riscos é “arte”, tal arte revela o que é sua
filosofia: Simples, sem técnica, sem precisão e sem qualquer significado para aqueles que estão
no exterior, na contemplação. Com muita frequência, o ideal estético nada mais é do que uma
consequência do ideal ético dos indivíduos, sendo, por isto, de necessária observação e cuidado
para aqueles que querem desenvolver qualquer bom caminho.
Não é de meu intento defender aqui, objetivamente falando, qual deveria ser o ideal estético
universal ou quais estilos de arte podem ser considerados como arte propriamente dita, ou até
mesmo entrar na discussão sobre o que seria a arte, porém é de meu intento defender que deve
haver padrões objetivos, sim, sobre o que seria esta e sobre o que denotaria uma ética (estética)
nobre e sobre o que denotaria uma ética (estética) degenerada. Se o indivíduo enxerga beleza no
rabisco e na não objetividade, mas não na técnica e na arte da representação, bem como por
vezes detesta tais fatores devido ao caráter supostamente “eurocêntrico” (apenas citando um
exemplo de argumentação de lugar comum de tais indivíduos) de tais, tal inclinação já revela,
em si, um teor de revolta e rebeldia: Tal indivíduo deturpa a arte em prol do fim e a transforma
em um meio, ou seja, um meio para atingir à um fim, o que condiz dizer que tal indivíduo
submete a arte à causas políticas, invalidando tudo aquilo que não vai de encontro à sua causa, o
que, por si só, já desqualifica o ideal artístico de tal indivíduo (por gerar uma prostituição da
arte).
A arte não deve ter limites e deve ser uma representação de algo “ideal” e não realizável no real
(por vezes), o que não condiz dizer que esta deva ser desprovida de quaisquer formas de técnica
e estudo. Pelo contrário, quanto maior é a técnica e o estudo empregado, maior é a tendência do
autor da arte ser um indivíduo que realmente a valorize tal como é, e a faça por interesse e
tendência própria e não por tendência social. Como dito, não quero defender qualquer forma ou
caráter da arte, porém é inegável que esta deva ter uma “forma mínima”, ou seja, deva ter um
padrão universal simples para poder ser considerada arte, sendo aquilo que não possui tal forma
mínima descartável do conceito de arte.
É justamente por esta carência de denotação objetiva do que seria “arte” que até mesmo leigos
percebem facilmente a degeneração que a arte tomou no novo século. Como citado de exemplo,
a arte hoje em dia muito mais é um meio do que um fim em si mesma, transformando-se assim
mais em uma causa política do que possuindo uma autojustificativa de fato. A justificação da
arte deve-se encontrar em um fator objetivo e universal, que independa de causas e partidos
políticos e que seja realizável mesmo naqueles pouco instruídos. A arte deve, necessariamente,
levar à contemplação, o que por si só já demonstra o caráter desejado da arte como instrumento
do amor.
Porém tal contemplação não é o fim em si mesmo, mas sim a consequência natural, o que por si
só responde às possíveis objeções que a sentença acima poderia fazer surgir. O paradoxo da arte
é o de que esta é um instrumento para o seu autor, mas algo em si, para aquele que a consome,
para aquele que a aprecia, daí sua justificativa ser a priori.
A arte não deve possuir utilidade alguma em si mesma, bem como na sua realização (o objeto da
arte em si). Um quadro, por exemplo, não possui utilidade alguma, não nos serve para nos
barbearmos, para deitarmos, para limparmos o chão, etc, portanto é desprovido de qualquer
utilidade. Porém e ainda assim, seu valor é inegável para aquele que bem o aprecia, e é
justamente aqui que começamos a adentrar na necessidade de educação sobre a estética.
É, com certeza, um dos grandes demonstrativos da ignorância e dos germes da modernidade o
crescente desinteresse e relativização pelo que é artístico, bem como a sua prostituição aos
interesses sociais e de classe. Infelizmente a arte se encontra atualmente em período lamentável,
tanto pelo quanto está desvalorizada como também pela quantidade de pseudo-arte que se
produz (que, ouso dizer, supera, e muito, a quantidade de arte em si que se produz na
atualidade). Tais fatos não são em si a semente da degeneração, mas sim o seu
desenvolvimento: Demonstram não o porquê do homem estar corrompido, mas o como tal
corrupção se estende até mesmo aos seus objetos de contemplação: Hoje em dia, arte é
considerada como uma pichação em um muro cinza, e não mais uma representação campestre
por exemplo, o que por si só revela não apenas uma tendência estética mas também uma
tendência solipsista moderna: A necessidade, quase imperativa, de identificação.
Não que tal “identificação” não seja em si mesma um atributo da verdadeira arte, mas quando
tal identificação somente ocorre pelos atributos e características da modernidade se percebe o
caráter completamente degenerado de tal arte: Não mais há identificação com o belo, com o
natural e com aquilo que o homem vivenciou e vivencia há milênios, com a história humana
universal por assim dizer, mas somente identificação com o que é deste século e que, como já
argumentado, certamente possui sua justificação não no universal, mas pura e simplesmente no
“eu” do aqui e do agora. Tal identificação muito mais é sinônimo de egoísmo do que de
qualquer tendência ética virtuosa de fato, por não se identificar com o universal, mas somente
com o particular.
A tendência ética (e por consequência, estética) por nós mais desejável é aquela de maior
capacidade universalizável, aquela que prioriza o bem em si mesmo e que seja um “bem”
universal e que, portanto, certamente nos é desejável mesmo que apenas como ideal. Tal já
demonstra qual é a tendência estética que daí deve nascer: Não como um meio de justificação,
mas como um florescimento natural de tal visão. A falta de qualquer senso estético e a
deturpação da arte à uma “mensagem” e tendência política demonstram a fraqueza do indivíduo
moderno ao entendimento e plena realização de uma estética de caráter positivo, ou seja, de uma
estética permeada por um ético impermeável (pois é idealista, e não realista).
Portanto, se se deseja observar uma possível e provável “comprovação” do desenvolvimento do
caminho do amor deve-se observar o ideal estético do indivíduo: Este revela, por si só, o seu
caráter, sua índole que deseja ser perpassada ao público bem com a sua inclinação natural (pois
a estética trata da representação, ou seja, da exteriorização de algo que se encontra no interior,
daí os mais diversos “mistérios” no que diz respeito ao porquê de tais indivíduos produzirem
tais artes que, aparentemente, não condizem com o seu temperamento aparente).
Por “belo” podemos entender tudo aquilo que é objeto de contemplação e que não
necessariamente possui uma técnica, porém que com muita frequência é amparado nesta. Tal
estética, por nos levar para fora de nós mesmos, mesmo que por poucos instantes (tal é por si
mesma a definição de “contemplação”, pois nos retira do plano das preocupações materiais e
individuais e nos leva à especulação, ou imaginação, sobre aquilo que é exterior a nós), já é
desejável em si mesma (porém não objetivando-se sua instrumentalização) pela sua
compatibilidade com o caminho do amor: Se trata mais do universal do que do individual, sendo
a atenção maior dada ao exterior e não ao interior. Sobre o desenvolvimento específico de tal
conceito de belo (pois muito poderia-se discutir, por exemplo, se a técnica em si e somente por
si só já denotaria beleza e qual seria o grau desta), não pretendo muito adentrar pois tal
necessitaria de uma maior investigação sobre o campo estético, cuja realização não é o ideal
deste livro, mas meramente uma abordagem das máximas maiores e não de seus
desmembramentos.
Em segundo lugar e sobre o segundo ponto (que já está sendo trabalhado mesmo antes desta
anunciação), tal já demonstra uma certa preocupação com o nosso senso estético (de maneira
mais “comunitária” e não apenas individual) e até mesmo certa necessidade de educação do
homem comum sobre a estética. Elaborarei a seguir.
Tal como Schiller em sua A educação estética do homem, defendo aqui a necessidade de uma
educação universal dos ideais estéticos. Não que deva haver ideias muito objetivas sobre o que
seria o belo, mas sim que o indivíduo comum, em especial aquele que deseja se inclinar ao
caminho do amor enunciado neste livro e afora este também, deve passar por certo período de
educação estética e apreciativa, se a mudança ética em si mesma já não produzir uma mudança
natural nestes ideais estéticos, que condiga com o novo ideal ético desejado (aquele que priorize
o universal e não mais o individual, cuja argumentação está em todo este escrito).
A estética não deve ser um campo de preocupação universal, mas apenas de entendimento
universal. Ao priorizar e apreciar aquilo que é belo estamos priorizando um objeto exterior, ou
seja, aquilo que se encontra fora de nós e disponível para quaisquer outros indivíduos, logo
estamos tanto “passando uma mensagem” ao exterior quanto também realizando o objetivo
artístico de contemplação. Demonstrando-se o ideal estético, se demonstra a ética por trás, e
pelo estético ser de natureza exterior tal mais facilmente demonstra à exterioridade, neste caso
aos demais indivíduos, os nossos ideais éticos, os ideais do amor propriamente dito. Em última
instância, a apreciação estética e seu gosto são uma demonstração possível dos ideais éticos e
portanto, se se deseja o bem em si mesmo como máxima e universal, tal apreciação deve ser de
desejo àquele que exercita o amor, servindo como forma de exemplo.
Falando em termos simples, tanto mais estivermos cercados de belas artes e da beleza em si
mesma, tanto mais estaremos tendentes (não por influência a priori em nossas decisões, mas sim
em uma espécie de “influência a posteriori”, ou influência sobre os sentidos) ao exercício do
amor como um todo. Exemplificarei a seguir.
Suponhamos dois indivíduos de situações financeiras semelhantes, porém, um destes investe o
seu capital em bens materiais comuns (como computadores e celulares novos, carros e motos
novos, novos eletrodomésticos, etc) enquanto o outro investe seu capital em materiais e
“acessórios” para ilustrar sua casa e deixá-la com um toque artístico de seu desejo. O primeiro
indivíduo, certamente e justamente por sua inclinação evidente, deve ser um indivíduo de
capacidade imaginativa menor do que o segundo e que certamente muito preza pelos seus bens,
sendo estes, possivelmente e inconscientemente, a razão de sua existência, de seu trabalho e de
tantas coisas mais. Comparado com o primeiro indivíduo, o segundo certamente deve ter um
senso estético e imaginativo maior do que o primeiro, visto que, em primeiro lugar, prioriza a
“arte” sobre os bens materiais comuns e em segundo lugar e este é o ponto sobre o qual desejo
chegar, aquele que está cercado, simplesmente, de arte num geral estará mais propenso a
desenvolver uma interioridade mais “rica” do que o indivíduo que está munido da mesmice e da
falta de cor e de imaginação em sua vida. Não apenas tal poderia ser verificável neste exemplo,
como também em qualquer exemplo que se pegue um indivíduo com uma realidade “cinza”,
que more em um bairro pouco arborizado, que não possua nenhuma obra de arte nas paredes de
sua casa sem cor e cinza propriamente dita, que não possua interação com os demais que lhe
cercam, etc, e um outro indivíduo que more em um bairro mais arborizado e com vizinhança
mais receptiva, bem como possua pôsteres, por exemplo, de obras de arte em sua casa, bem com
objetos de mera e pura apreciação estética, bem como um canto qualquer da casa onde
simplesmente possa “contemplar e estar em paz”, etc. É evidente que com uma probabilidade de
chance muito maior, os segundos indivíduos terão tanto uma imaginação com maior potencial
em si mesma quanto também uma vida mais “rica” em termos de satisfação consigo mesmo e
com os demais que lhe cercam bem como uma tendência um pouco maior ao exercício do amor
do que os primeiros indivíduos. Pois, pura e simplesmente, estes segundos sujeitos com maior
frequência saem de si mesmos e contemplam o mundo exterior, ato que já é, por si só, tendente
ao amor.
Assim sendo, pela contemplação estética envolver um “terceiro” alheio a nós e que com muita
frequência não nos diz respeito e cuja única possibilidade de apreensão é a contemplação (tal
como a própria coisa em si), o exercício da contemplação estética não apenas nos aproxima do
amor, como também exercita nosso foco, atenção e capacidade de receptividade, ou “empatia”
como muitos dizem. Porém, tal exercício deve ser feito de maneira honesta e desinteressada, o
que condis dizer que quando a contemplação é realizada por fins próprios frequentemente
sociais, ou seja, como forma de apreciação social e de pedantismo intelectual, o efeito é
justamente o contrário: Mais se fortalece o ego do que nossa capacidade de amor em geral ao
realizar tal (e, justamente por isto, mesmo a contemplação estética na modernidade está
impregnada de solipsismo, pois com muita frequência se “contempla” somente para se tirar uma
foto e postá-la em redes sociais, o que certamente pode ser considerado ato abominável de nossa
parte).
Portanto, todo aquele que deseja desenvolver seus galhos (pois, como dito, a contemplação e
desenvolvimento estéticos são uns dos galhos, uns dos desenvolvimentos, da capacidade de
amor em si e não suas raízes) no caminho do amor deve se preocupar com aquilo que lhe cerca,
com o que seus sentidos estão consumindo: Pois, querendo ou não, tudo aquilo que consumimos
sob a forma dos sentidos nos influencia em algo, sendo facilmente visível por exemplo os
efeitos que músicas altas, jogos acelerados, interação de alta velocidade com múltiplos usuários,
etc, causam em nossas mentes e como já argumentado, parte das causas que exponencializam o
solipsismo em nós. Portanto e finalmente, deve-se ser de muito cuidado aquilo que consumimos
e que nos habituamos pela via dos sentidos, tanto porque tais revelam a nossa intenção e
tendência ética quanto também porque estes influenciam (também, no campo a posteriori) em
nossos atos e pensamentos principalmente de forma inconsciente, sendo certamente necessária a
ponderação sobre aquilo que nos cerca e consumimos. Aqui, vale uma relação: Tal qual nossa
alimentação (em termos de comidas), também somos o que consumimos pela via dos sentidos,
sejam eles quais forem.
Linguagem
Assim como a preocupação estética, todo aquele que deseja seguir no caminho do amor, rumo à
idhea, deve preocupar-se também, mesmo que minimamente, com a linguagem. Abordarei a
seguir.
A linguagem, tal como a estética, é um dos ramos, um dos galhos, do desenvolvimento do
tronco de qualquer filosofia de cunho ético. Igualmente tal como, a linguagem denuncia quais
são as premissas por trás daquilo que se demonstra, e pode-se dizer que assim como o gosto
estético, a forma com a qual se usa a linguagem também denuncia alguns aspectos de nossas
“filosofias” mais profundas.
Um exemplo extremamente simples do que quero dizer é que a linguagem que utilizamos pode
demonstrar de quais grupos fazemos parte (visto que certas gírias são muito características
apenas de determinados grupos, tanto gírias de grupos mesmo quanto regionalismos), quais são
os verbos e ações que mais utilizamos/realizamos no dia a dia, nossa riqueza cultural e até
mesmo intelectual (como será argumentado mais a frente), nossa capacidade de nos
expressarmos e nível de autoconhecimento, etc. Tal como a estética, a linguagem denuncia
nossa filosofia mais pessoal, porém a linguagem pode ir até além disso e demonstrar algumas de
nossas capacidades intelectuais: Em última instância, uma maior capacidade linguística e
expressiva denota uma capacidade e aptidão quase sempre maior no campo intelectual (e, como
dito acima, tratarei sobre mais à frente).
Abordaremos aqui a linguagem sob dois aspectos: Seu aspecto simples, daquilo que pode ser
observado mesmo entre os mais leigos, ou o que se pode resumir pela frase medianamente
popular “a língua tem poder”, e seu aspecto mais filosoficamente adentrado, sobre o quanto a
nossa linguagem influencia em nossa capacidade racional e mesmo intelectual.
Sobre o primeiro aspecto não é necessário nos aprofundarmos muito, visto que este é até
demasiadamente simples: A linguagem, ou o linguajar, que utilizamos rotineiramente tanto
denuncia quem somos quanto também nos delimita (aqui, no sentido até mesmo de influenciar
nossas ações). Darei um exemplo.
Suponhamos um indivíduo que muito se expressa através de palavrões. Tal indivíduo,
certamente, não possui um nível intelectual muito elevado visto que a intelectualidade muitas
vezes é alimentada pela leitura por exemplo, e na maioria dos bons livros, bons autores, boas
filosofias, etc, não se encontram muitos palavrões, e como somos em boa parte aquilo que
consumimos, para tal sujeito já podemos imaginar que este não é muito assíduo da leitura.
Enfim, o simples fato de tal indivíduo utilizar muitos palavrões em seu vocabulário não apenas
expressa a sua pobreza intelectual, como também e até mesmo a sua pobreza enquanto pessoa,
como um todo. Se tal indivíduo mais utiliza palavras de caráter negativo, no caso palavrões, do
que palavras de caráter positivo ou simplesmente neutras, tal já denota a sua dificuldade, ou até
mesmo incapacidade, de enxergar as coisas além de seu próprio “filtro cinza” (pedra de toque
universal, ou subjetividade) que a tudo interpreta como “ruim” ou “negativo”, assim utilizando
demasiados palavrões para se referir a tudo que é valorado como ruim (que é a maior parte das
coisas na realidade de tal pessoa). Como nos expressamos não apenas expressa exteriormente o
que é interior, mas também ajuda a consolidar este interior. Assim, ao muito se expressar de
maneira negativa, o sujeito com muita frequência está não apenas retificando o negativo
exterior, mas também consolidando e afirmando o negativo interior (o que torna a mudança
ainda mais difícil).
É claro que o simples fato de bem nos expressarmos e sermos “positivos” em uma realidade que
é como um todo “negativa” não influirá e mudará a realidade do dia para a noite,
transformando-a em uma espécie de “mundo cor de rosa” que pode ser simplesmente regido por
frases de impacto, porém se a afirmativa sobre a negativa pouco muda a situação, a negativa
sobre a negativa tende a consolidar ainda mais a negação como um todo, não apenas fazendo
com que o exterior nos seja “ruim” como também nós mesmos nos tornando pessoas “ruins”
(por muito tempo passarmos reclamando e tudo interpretando como negativo, assim deixando,
com muita frequência, de sairmos de nós mesmos, aqui mais uma vez citando solipsismo).
Não que a linguagem determine a realidade, mas a linguagem ajuda a moldá-la. Nos
expressarmos de maneira “positiva” mesmo em situações de caráter “negativo” não exatamente
muda a situação negativa ou torna o fardo mais fácil, porém pode nos servir de consolo ou ao
menos não nos aprisiona na mente fechada e no solipsismo, que com frequência nos faz pensar
que assim tudo será para sempre e que não há esperança alguma na causa (o que, para certos
assuntos, não deixa de ser verdade, porém e mais uma vez, aqui não importa a realidade em si,
mas sim o que podemos fazer dela, o que podemos idealizar dela, tal é o julgo do amor).
Mesmo autores não exatamente “filosóficos” e de linguagens e termos não muito semelhantes
aos aqui usados já perceberam o tamanho e a capacidade de influência que a linguagem pode
exercer sobre nós. Prova disso é o livro Desperte seu gigante interior, de Anthony Robbins, que
argumenta durante um capítulo inteiro sobre a importância da linguagem, a importância da
vigilância e da observação sobre os termos que utilizamos e sobre a importância de “ser
positivo” mesmo quando a realidade não o é. Não é de meu intento querer convencer indivíduo
algum a ler tal livro, até porque eu mesmo não me convenço sobre determinados pontos
levantados em sua maioria por “coaches”, porém tal fato estar em um livro de um coach, ou
alguém com uma capacidade intelectual que muitas vezes podemos questionar, já demonstra
que até mesmo aqueles sem muito viés filosófico percebem a importância da linguagem nas
relações cotidianas (e para consigo mesmo).
Não é de meu intento desejar que todos utilizemos um linguajar de caráter “positivo” e
“afirmativo” e que neguemos a realidade em favor de um otimismo desmedido, mas sim o de
que maneiremos e ponderemos sobre os termos, os verbos, os adjetivos, etc, que utilizamos
sobre quaisquer situações de nossa vida. Ao invés, por exemplo, de utilizarmos a expressão
“que ódio” para algo qualquer, que simplesmente acontece rotineiramente e que facilmente é
esquecido, mais convém utilizarmos outras expressões como “droga”, “deu errado”, “puts” ou
qualquer coisa do tipo pelos simples fatos de que tais expressões são mais “leves” sobre aquilo
que é, exatamente, leve e rotineiro e também pelo fato de que atribuir sentimentos intensos ou
“elevados”, como o ódio, a situações de importância questionável com o tempo acaba por nos
condicionar a acreditarmos que realmente sentimos “ódio” por qualquer situação e assim
acender a chama do “ódio” com maior frequência. Mais ainda, se se sente “ódio” até mesmo ao
escorregar da escada, por exemplo, o que se sentiria ao se enfrentar os fatos cruéis da vida?
Enfim, em primeiro lugar é importante denotar que a linguagem, tal como o gosto estético,
revela a nossa tendência ética (no caso específico da linguagem, revela a “riqueza” do nosso
aparato ético) e a longo prazo pode até mesmo influenciar em nossa postura ética e posições e
visões para como o mundo. Em segundo lugar, a linguagem pode demonstrar nossa capacidade
intelectual e servir de influência e influenciada para o aumento ou diminuição de tal atributo.
Sobre tal, explicarei a seguir.
É certo que, por tendência, tanto mais o indivíduo possua a via intelectual desenvolvida e tanto
mais leia livros por exemplo maior será o seu repertório linguístico. Pelas puras e simples
diferenças de repertório de expressões e palavras utilizadas pelos mais diversos autores o
indivíduo que os consome tende a absorver destas muitas palavras, expressões, gírias, etc,
diferentes, o que contribui para o enriquecimento de seu repertório linguístico. Não apenas isto,
mas as diferenças na linguagem, quando somadas a um interesse natural por tal assunto e
enriquecimento, podem levar o indivíduo a descobrir novas palavras, expressões e sinônimos
pela simples busca de seu significado: Felizmente, esta é uma das poucas funções realmente
“produtivas” da internet, que pode servir como uma “substituta” à uma professora de português.
Tanto maior for o repertório linguístico, tanto maior tende a ser o domínio do indivíduo sobre a
linguagem, ou ao menos a sua capacidade de expressão, e justamente tal domínio é um dos
requisitos para o que podemos chamar de “inteligência”.
Parte da inteligência se resume à capacidade de expressão e de comunicação para com os
demais. De nada, ou pouco, adiantariam os mais avançados cérebros e teses se estes pouco
soubessem se comunicar. A linguagem, querendo e gostando ou não, é a “ponte” que une os
indivíduos em torno de algum assunto em comum, e tanto maior for o seu domínio e a sua
capacidade de se expressar corretamente, tanto maior será a capacidade de fazer “aliados” ao
tratar sobre o tema (ou de, ao menos, encontrar pessoas realmente interessadas no assunto, ou,
ainda, conseguir tratar sobre este sem que as pessoas se percam, ou simplesmente nada
consigam apreender).
O correto domínio da linguagem é o domínio dos meios de comunicação predominantes, bem
como o domínio da capacidade de comunicação e ligação com outrem. Por tal caráter e pela sua
importância evidente, o correto domínio da linguagem faz parte dos componentes necessários ao
correto desenvolvimento intelectual e racional, bem como do indivíduo, pois o domínio da
linguagem envolve não apenas a capacidade de comunicação, exterior, como também a
capacidade de apreensão, interior. Tal domínio nos auxilia não apenas na comunicação, mas
também na apreensão. Tal processo é de importância não apenas na influência do interior para o
exterior, quanto também do exterior para o interior.
Tanto maior for o desenvolvimento linguístico de qualquer indivíduo, tanto maior será sua
capacidade de apreensão e raciocínio sobre o que quer que lhe esteja presente no mundo
exterior. Assim, saber ler e escrever corretamente bem como saber se expressar e o significado
inato da maioria das palavras auxilia-nos não apenas em tais processos em si, como também na
nossa capacidade de compreensão sobre o mundo. Especialmente em termos de subjetividade e
individualidade, a linguagem se demonstra de vital importância, pois tanto esta é o “elo” entre a
subjetividade e a exterioridade (fazendo com que uma incorreta comunicação acabe passando
impressões incorretas sobre a interioridade) como também um maior desenvolvimento
linguístico nos auxilia até mesmo no processo de autoconhecimento e de autoreconhecimento.
Explicarei a seguir.
Em qualquer linguagem (e em especial na língua portuguesa, língua natal deste escrito) há
diferenças e nuances sutis entre as palavras. Por exemplo, as palavras “saudade” e “tristeza”
podem facilmente se confundir e possuir significados bastante semelhantes dependendo de seu
contexto. Ao indivíduo que pouco possui conhecimento e repertório linguístico, tais podem
acabar se confundindo com muita frequência, o que pode fazer com que o indivíduo ache que é
naturalmente triste por exemplo, e não que está com saudades de sua mãe por exemplo. É de
vital importância que saibamos o significado das palavras e absorvamos o máximo possível
destas para que possamos nos comunicar e identificar corretamente o que estamos sentindo: E,
mesmo com tal domínio, ainda assim a subjetividade humana é capaz de sentir aquilo que não
está prescrito comumente na linguagem comum, daí comumente a necessidade da arte para
alguns (assunto este que não adentrarei).
Não apenas para reconhecimento a linguagem é de importância evidente, como também para
propósitos de adaptação e/ou de controle de ego. Trarei um mesmo exemplo dado nas páginas
anteriores: A expressão “que ódio”.
Ao se investigar o que se está se sentindo de fato e ao consultar dicionários, internet, livros, etc,
o indivíduo pode perceber que, na verdade, o que lhe aparenta como “ódio” pode ser meramente
uma “raiva”, pois ódio possui significado tão intenso que certamente poucas situações lhe
despertam “ódio” de fato. Ao realizar tal reconhecimento e conhecimento, o indivíduo pode
substituir a expressão “que ódio” por uma mera e simples “que raiva”, ou até mesmo expressões
como as utilizada no exemplo original. E tal pode ocorrer com diversas outras situações e
expressões, que com muita frequência podem ser reinterpretadas e adaptadas ou simplesmente
reservadas ao seu significado correto: Ao se mal interpretar os sentimentos e palavras, tende-se
a construir juízos incorretos, sejam estes tanto sobre nós mesmos quando à exterioridade.
As capacidades de correta comunicação e expressão e correta identificação e interpretação
podem muito bem ser tratadas como componentes essenciais ao desenvolvimento da
inteligência e da capacidade racional como um todo. Tal fato, por si só, já evidencia a
importância da linguagem no desenvolvimento tanto cognitivo quanto intelectual. Assim sendo,
basta-nos dizer que o desenvolvimento linguístico certamente é parte importante, embora não
exatamente necessária, ao desenvolvimento intelectual bem como ao desenvolvimento de nossa
causa, pois como dito acima, o expansível conhecimento linguístico pode nos auxiliar a
corretamente interpretarmos o mundo exterior e interior bem como reinterpretá-lo e torná-lo
mais “amável”: Pois se se for agir e comedir somente em prol dos fatos exteriores certamente se
será como os fatos exteriores: Degenerado e de caráter “negativo”.
Tanto mais nos bem comuniquemos e bem apreendemos, tanto mais teremos domínio não
apenas sobre nós mesmos, como até sobre o mundo exterior. Como dito, de pouco adianta a
maior inteligência se esta não estiver aliada à uma boa comunicação e capacidade de apreensão:
Tanto porque o indivíduo não conseguirá demonstrar o propósito de sua inteligência, quanto
porque as dificuldades mais práticas, simples e triviais se apresentarão à tal indivíduo em sua
vida prática. O modo como nos expressamos determina e delimita os nossos contornos éticos e
também por isto, devemos “observar nossas línguas” sobre coisa qualquer que nos
expressarmos.
Por último e ainda tratando sobre a possibilidade de expansão intelectual embasada na
linguagem, é certamente correta a frase mais famosa de Wittgenstein: “Os limites da minha
linguagem são os limites do meu mundo”. Sobre tal frase e sobre sua ligação com a temática
que vem sendo desenvolvida tratarei a seguir.
Primeiro, pela via simples, é certo dizer que aquilo que me é desconhecido, ou que
simplesmente ao qual não sei denominar, quase sempre por mim tenderá a ser tratado de
maneira “negativa”, quase sempre com sentimentos que vão de estranhamento, desconforto ou
até mesmo medo. O que nos é desconhecido quase sempre é tratado com menor afeição do que
aquilo que é conhecido, e tal pode ser comprovado até mesmo empiricamente, nas relações
humanas por exemplo (com o fato de tratarmos com afeição os que são próximos e com certo
“medo” o vizinho, por exemplo, que pode ser alguém mais parecido conosco do que
imaginamos). Assim, ao possuir um vocabulário abrangente e saber com o que estamos lidando,
bem como sinônimos e antônimos, saberemos melhor tanto “aonde estamos pisando” quanto
também lidaremos com a situação com maior familiaridade, de forma mais amigável: Ao
possuir um vocabulário que abranja o monstro, acabo por humaniza-lo e mais facilmente lidar
com o mesmo. Ao saber que o medo é medo, que a raiva é raiva, e que a tristeza é tristeza,
posso não apenas identificar qual é o efeito, mas também mais facilmente identificar a causa
(pois ao saber o que cada um destes sentimentos implica, o seu significa e possíveis causas,
mais facilmente chego até suas causas de fato, assim melhor lidando com estas tanto pela maior
facilidade na chegada quanto também pelo seu conhecimento). Em resumo, tanto maior possuo
conhecimento sobre as palavras e seus efeitos, tanto maior possuo conhecimento sobre o
mundo, e certamente um maior vocabulário e conhecimento geral nos faz melhor lidarmos com
a exterioridade e quase sempre acharmos um sinônimo ou relação entre aquilo que se trata e
aquilo que já é propriamente nosso (seja ele a própria linguagem ou o conhecimento em si
mesmo), assim estabelecendo uma “ligação” com maior facilidade e combatendo os “sintomas”
de estranhamento e diferença descritos acima.
Em segundo lugar, pela via mais filosófica, é certo dizer que quanto maior é o nosso repertório
linguístico e capacidade de comunicação, tanto maior será a nossa capacidade de apreensão.
Utilizando a linguagem como “elo” com outras formas de comunicação pode-se servir como
forma de metalinguagem e de desenvolvimento da própria linguagem, cujo um dos usos mais
corriqueiros e simples de exemplo é a transformação da arte exterior em linguagem, ou seja, a
transformação da pura exterioridade em pura interioridade. Explicarei a seguir.
Imaginemos uma pintura. Uma pintura não possui linguagem alguma introduzida nesta, no
máximo e quase sempre a assinatura daquele que a fez. Destarte tal não há linguagem alguma
em uma pintura, porém não é exato dizer que não possui “mensagem” alguma a nos passar.
Uma pintura pode não apenas nos tirar de nós mesmos e servir de exercício de contemplação,
como argumentado no capítulo anterior, mas também pode nos servir de “elo” ao autor, ou até
mesmo à uma mensagem mais profunda, algo mais íntimo sobre a existência tanto daquele que
trouxe tal quadro à vida quanto também à existência daquele que observa o quadro.
Ao observar o quadro, posso racionalizar o que o autor quis passar como “mensagem” e mesmo
que isto não seja possível, ainda assim posso racionalizar um quê do universo subjetivo de seu
autor. Ao racionalizar, através da observação, os caráteres e características da pintura através da
linguagem construo uma ligação metalinguística com o autor, em que nada é expresso, porém
racionalizado na linguagem e expressamente, quase imediatamente, sentido, pois o “fim” da
obra em si não é o racionalizar, mas sim o sentir (quando desprovida de utilitarismos, o que é,
como já argumentado, requisito primário da verdadeira arte). É somente através do sentimento,
possível somente à observação e possível racionalização, que se pode apreender
verdadeiramente aquilo que o autor quis passar, seja de maneira consciente ou inconsciente.
Aqui, se une a nossa capacidade linguística, interpretativa e intelectual com a experiência
subjetiva, assim tornando a linguagem mais “universalizável” com a realidade humana como
um todo e a aproximando da arte, que tem caráter quase puramente subjetivo. Ao aprimorar a
linguagem à um caráter de ordem mais “subjetivo” e que contemple este (vale aqui denotar o
tamanho do “salto” que realizamos ao conseguir tal, pois a linguagem é objetiva e por vezes
exclui a subjetividade, por ser algo que “adotamos” do mundo exterior e não do mundo interior,
portanto que acaba por não ser necessariamente “exata” e própria sobre aquilo que é subjetivo),
acaba-se por “aperfeiçoar” a linguagem através de uma metalinguagem e acaba-se por
“universalizar” algo que é objetivo: Assim se transforma a experiência objetiva em experiência
subjetiva, que nos ajuda a entender, herdar, sentir, etc, aquilo que diz respeito (por vezes)
somente à exterioridade, e não a nós. Assim, acaba-se por fomentar a ligação correta e
necessária para com a exterioridade: Tal é uma das possibilidades de realização do amor.
Ao expandir a nossa capacidade linguística bem como aliá-la à outras formas de expressão,
acabamos por expandir a própria linguagem e criar novas formas de vinculação, conhecimento e
universalização: Tanto mais se possa fazer ser entendível, tanto mais será entendível tanto a si
mesmo quanto também à exterioridade, o que é um verdadeiro milagre em termos linguísticos.
Ao possuir um vocabulário objetivo, de afluência exterior, para aquilo que é de fato exterior (ao
se observar um quadro, novamente), acabo por transformar em subjetivo, trazer para o interior,
aquilo que em si não possui nada de interior: Tanto a linguagem quanto a obra em si são
exteriores e não condizem comigo, porém ao serem entendidos (através da expansão do
vocabulário) e traduzidos para a interioridade acabam transformando o que é puramente exterior
em algo que pode ser puramente interior: Realiza-se assim, a integração e aliamento da
subjetividade com a exterioridade, fato e possibilidade estes desejáveis ao caminho do amor.
Ao conseguir identificar, consigo compreender. Ao conseguir compreender, consigo me
apropriar. Ao conseguir me apropriar, consigo pensar sobre. Ao conseguir pensar sobre, consigo
elaborar um raciocínio completo. Ao conseguir elaborar um raciocínio completo, consigo
justamente expressar. Ao conseguir justamente expressar, outros conseguem identificar, e assim
recomeça o processo na exterioridade: Daí, a importância inata da linguagem, não apenas para
conosco mesmos como também àquilo que é exterior a nós e propósito geral deste livro, daí a
necessidade evidente de abordarmos tal assunto *.
Do amor como meio
Necessária e exatamente aqui, podemos dizer que iniciamos o processo de finalização deste
livro, porém final este que ainda nos reserva alguns adendos importantes à nossa tese e
consequências e implicações da soma do que foi dito anteriormente.
Em primeiro lugar, é necessário relembrar que o objetivo da dialética aqui estabelecida não é o
amor em si, mas a ideia de algo em si. Como dito, o amor é o meio para atingir o fim que
consiste na tomada de princípios “universais” baseados em uma ética de caráter “positivista” e
idealista em aversão aos novos dogmas apresentados e representados pela modernidade. O
amor, embora parte essencial do processo, não é o fim do processo pois o amor em si mesmo
careceria de realização pela maior parte da humanidade, tanto por seu caráter utópico quanto
também pela sua questionável falta de realidade, ou meramente racionalidade, e quando
submetemos tal meio e priorizamos não este mas sim a palavra em si, o conceito em si de
qualquer coisa, racionalizamos a escolha do amor que serve como meio à esta espécime de
“imperativo categórico” baseado no amor. A solução do solipsismo de qualquer ordem pode ser
justamente esta aplicação do amor, a “saída de si mesmo”, cujos contrários são os
comportamentos humanos e padrões sociais mais gerais que podem ser facilmente encontrados e
comprovados pela via prática, empírica, em nosso mundo atual e nos últimos quinhentos anos
pelo menos (se não em todo o sempre por parte da humanidade geral).
Em segundo lugar, é necessário que aqui desenvolvamos mais uma vez uma dialética
esclarecida do que foi dito até então, retomando a máxima de que o amor é o meio, mas não o
fim em si de nossa ação e pensamento.
O que condiz dizer que o amor é o meio? Condiz dizer que o amor é o “instrumento” para que
possamos chegar ao nosso fim que é o conceito de algo. Que o algo em si (ou a coisa em si,
como já diziam os idealistas alemães) seja inapreensível à observação exterior é fato de pouca
discussão, porém como já argumentado tal não é fato suficiente e, mais ainda, necessário para
que descartemos a coisa em si como um devaneio e adotemos quaisquer formas de realismos
exacerbados. Não apenas tal é necessário, porém também é necessário se admitir que tais formas
de realismos exacerbados são justamente causas de boa parte das decadências presentes na
modernidade, sendo o aqui e o agora, o empírico e o que é da comunicação comum os
valorandos máximos de tal dialética. É necessário desenvolver, se se deseja sair deste rumo,
uma dialética de caráter idealista, que não se calque apenas no idealismo em si porém que não
descarte tal, visto que tal descarte vem se provando de caráter muito mais nocivo do que
benevolente à humanidade geral. Desenvolvamos aqui a nossa dialética nestes moldes:
Devemos desejar a nós mesmos o bem em si. Que é o bem em si? O bem em si são todas as
características, qualidades, acontecimentos exteriores, etc, que nos levam à uma maior
capacidade de esclarecimento, bondade e justiça. Ou seja, o desenvolvimento do bem em si
depende muitas vezes de acontecimentos exteriores como dito, porém o bem em si reside no
interior, ou seja, no indivíduo (pois tanto a priori se demonstra de impossível atribuição a
característica de “bem” ou “bom” à exterioridade em geral como também a posteriori se
comprova, como já dito em todo este livro, que a maior parte da humanidade simplesmente não
é boa, por estar perdida em ilusões e devaneios criados por si própria e por toda a ordem de
exterioridades no geral). Assim sendo, ser bom e a capacidade de exercer o bem são
características mais calcadas e dependentes do indivíduo em si mesmo do que qualquer forma
de influência exterior, sendo inclusive vital que se diferencie o indivíduo do meio, visto que o
meio mais nos influencia a seguirmos contra os propósitos aqui expostos do que a favor.
Assim sendo, o bem deve ser desejado em si mesmo porque em si mesmo é um bem, tanto para
nós mesmos quanto também e frequentemente para o exterior. Porém, tal dialética ainda é
insuficiente, como os próprios antigos (a tríade grega) reconheciam, “o homem é um animal
social” (o que não condiz dizer que nosso objetivo seja político ou de caráter social, muito pelo
contrário). Ao se realizar e agir segundo o bem em si mesmo, ainda assim estamos, em certa
parte, agindo em solipsismo, pois mesmo o solipsismo pode encontrar causas para si mesmo que
apoiem a adoção do bem. É necessário um passo maior se se deseja ir além da prisão solipsista.
Por solipsismo consideramos tudo aquilo que é referente ao “eu” (indivíduo) e toda a forma com
que este enxerga (através de todo o aparato cognitivo) o mundo. Tanto mais for “irracional” tal
ser, tanto maior será sua tendência solipsista. Tal é facilmente comprovável quando enxergamos
e estudamos o comportamento e “crenças” dos animais não-humanos, por exemplo, que
acreditam que seus donos só existem quando eles (os animais) conseguem percebê-los (daí
causa de boa parte de suas “alegrias” ao nos visualizarmos novamente). Os animais não-
humanos agem quase sempre e puramente por instinto, não podendo fazer escolhas porque a
escolha é a capacidade do ser livre, ou seja, do ser que consegue agir fora do campo do
instintivo, portanto nenhum animal não-humano é livre. Qualquer forma de ação que seja
calcada na liberdade deve necessariamente ir além do instinto: Pois quando se age somente por
este, se age em prol de algo que não é exatamente nós mesmos, mas sim por espécime de
“determinismo biológico” ao qual se deixa sucumbir em prol do prazer carnal, da apreciação
social ou de quaisquer outras formas de reconhecimento exterior ou “prazer” puro e simples. De
fato, boa parte das angústias humanas se calcam justamente aí, na possibilidade de escolha
como dizem os existencialistas, na tentativa de superação da mente pelo corpo (sendo que, na
maior parte das vezes e justamente por tal, o corpo se faz mais presente e influente do que a
mente, do que a racionalidade, daí justamente a causa de sua angústia, ao perceber ser um ser
“racional” porém não conseguir sê-lo de fato). Assim sendo, agir fora do solipsismo requer
liberdade, que requer saída do campo instintivo, egoísta e autômato, de maneira resumida.
Os propósitos do solipsismo são aqueles que servem somente a si mesmo. Sob sua regência,
enxergamos tudo e todos apenas como meios à nossa realização plena. Não há, em si mesma,
causa suficiente alguma para querermos sair dos comportamentos e padrões solipsistas, visto
que tais aderências nos trazem “bens” até mesmo no âmbito social, porém é necessário dizer que
nem todos se adaptam a tal lógica e mais ainda, muitos podem enxergar que tal lógica é
justamente causa das mais diversas mazelas possíveis e empíricas existentes na sociedade em
geral e nos indivíduos em si mesmos. Nossa incapacidade de sairmos de nós mesmos, de
adotarmos quaisquer padrões que não sejam os nossos, de seguirmos uma ética de caráter inato
e imperativa demonstra nossa incapacidade de lidar com o ser humano em si mesmo, fato este
cuja epitome é a modernidade com algumas de suas características já expostas.
Outro motivo para alegar que não há causa suficiente em si mesma para sair do solipsismo é
justamente a nossa tentativa de não subordinação da causa pela utilidade. Ao se perguntar o
“para que” de qualquer coisa estamos submetendo a coisa à uma utilidade, fato este que pouco
deve ser de nosso interesse pois como já exposto, a ética utilitária é contrária à ética do amor,
visto que o amor, tal como a arte por exemplo, não deve ter justificativa alguma, mas apenas ser
por si mesmo, para aqueles que saibam lhe apreciar tal como é. O amor não deve nos trazer
vantagens materiais, tampouco necessariamente o contrário, porém àqueles que desejam
adentrar em seu reino certamente certa paz de espírito há de lhes estar presente: Pois, como já
dito, o ser humano mais está em paz consigo mesmo quando sabe que agiu por bem seja qual for
o resultado final de sua ação. Se o bem é um propósito em si mesmo e se este se justifica, ao
agirmos por tal tanto em nosso prol quanto em prol alheio, automaticamente podemos nos lavar
de toda a culpa (e aqui, necessariamente alguns poderão argumentar situações incomuns e
“extraordinárias” para tentar levantar refutações à isto, porém tais, como dito, seriam tão
incomuns que desnecessário seria contra argumentar, sendo a nossa lógica de caráter geral e não
universal, visto que até mesmo a visão do autor deste livro é limitada em si mesma sobre sua
própria tese) e nos amparar em nós mesmos, mesmo que todo o mundo seja contra. Ao se
propor e se adotar padrões “transcendentais” de comportamento e crenças éticas, se permanece
objetivamente alheio ao julgo do mundo, sendo o distanciamento dos conceitos sociais, aliás,
acontecimento inevitável para aqueles que desejam trilhar o caminho do amor, e posteriormente,
o da idhea em si.
Assim sendo, a ética que se baseie no bem em si mesmo é necessária, porém não suficiente para
sairmos do reino do solipsismo. Para tal, ainda é necessário estender tal bem à toda forma de
exterioridade, sendo o imperativo do amor, então, necessário para o empreendimento de tal
tarefa. E aqui, começamos a tratar sobre o amor como meio de maneira propriamente dita.
“Tu deves amar” é o imperativo exposto nas Obras do amor de Kierkegaard. Tal imperativo é
contextualizado na crença e dialética cristã e como dito, não é do interesse do autor do presente
livro defender quaisquer crenças, porém tal “lema” muito pode nos servir e ilustrar aonde
desejamos chegar. Se a única forma de, desinteressadamente, exercer o bem em si mesmo para
com os outros é através do amor (pois esta é a única forma ilimitada em si mesma, que não
depende do caráter de outrem), logo, devemos adotar o amor como meio para que tal aconteça
de fato. O amor deve ser não apenas o meio, mas também quiçá a única forma de sairmos do
solipsismo, visto que a ligação com o outro, a verdadeira e real amizade, a contemplação
artística como já argumentado, etc, são justamente formas de, mesmo que minimamente,
sairmos de nós mesmos. Se tais são um princípio de saída do indivíduo em si mesmo, tais são
desejáveis em si mesmos.
O amor, tanto mais for universalizável e aplicável, tanto mais será perfeito, o que não condiz
dizer que tal é uma obrigação necessária, mas apenas que tal deve ser o nosso ideal. Justamente
por isto e como mencionado, minha concepção sobre o amor mudou durante o desenvolvimento
do livro, pois atualmente acredito que se deva ir “de passo em passo” e não de uma única vez
para atingir tal objetivo. Tão distante e de quase impossível realização estamos da “comunidade
humana”, tão necessariamente se prova a dificuldade de adotar os padrões expostos neste livro.
Tão habituados estamos a agir em nós mesmos e somente por interesses próprios, por lógicas
próprias (que se amparam nos expostos da primeira parte deste livro), tão difícil se torna o
exercício do amor.
O amor deve ser o imperativo necessário para a sobreposição do solipsismo. Deve ser um amor
desinteressado, um amor que, assim como o bem, se justifique em si mesmo e não necessite de
utilidade. Se se justifica o amor no que o outro nos confere de bem já não é amor, mas
meramente determinismo e utilitarismo. O outro deve nos ser precioso justamente por ser este
“outro”, esta exterioridade que devemos tratar como algo em si mesmo cujos fins não nos digam
respeito por serem inapreensíveis, mas meramente nos sejam de atuação através do bem
aplicado pelo amor. Se agirmos para com o outro, deve ser buscando-lhe o bem na medida do
possível e não buscando forma alguma de “troco” ou reconhecimento, sendo tais mais
características e esperas do ego e do solipsismo do que de seus contrários, do amor em si
mesmo.
Ao se buscar o amor como meio, tal deve se tornar a nossa pedra de toque máxima, o padrão
universal de valores. Dizer isto implica que o bem deve ser buscado de forma comunitária, de
forma a não apenas fazer e ser bom para comigo mesmo, mas também para com os demais. Ao
tornar o amor pedra de toque universal, conferimos e aferimos maior valor àquilo que diz
respeito a todos, que pode ser de bem a todos, que eleva a todos e que confere um melhor estado
à “humanidade” do que anteriormente, em suma, que eleva a humanidade como um todo.
Lembrando-se que para o exercício de tal é (quase) necessária a aplicação de uma ética que
perpasse não apenas a ética mesma, mas também variados outros campos como os já citados
estética e linguagem por exemplo.
O amor é o meio para a realização da idhea. A idhea é o conceito em si de qualquer coisa, a
ideia em si de qualquer coisa. Inapreensível e de existência questionável, porém que devemos
considerar como ”certa” não apenas porque assim nos aproximamos do “próximo”, como
também porque tal eleva nossos padrões éticos (como já argumentado, uma das grandes fontes
de decadência social moderna é justamente o seu elevado padrão e rigor realistas). Ao se tratar o
outro, seja este qual for, até mesmo algo de não-humano, como algo nele mesmo, algo em si,
algo sobre o qual só podemos ter esta ideia que nos conduz à uma ética sobre como devemos
trata-lo e vê-lo, nos comportamos de formas mais benéficas tanto socialmente quanto também
para conosco mesmos com relação à este outro, considerando-o como um meio em si e para
consigo mesmo e não para conosco, ainda que possamos ter qualquer relação para com este. Ao
considerarmos o outro como um meio para nós mesmos, acabamos por frequentemente
descartar tanto sua subjetividade quanto também seu valor em si mesmo, assim abandonando
qualquer forma de humanismo e idealismo e submetendo-o a quaisquer formas desejadas de
utilitarismos, o que por si só reduz, se não extingue, o valor inato do indivíduo em geral.
E por que deveríamos adotar a idhea? Tanto porque esta supõe respostas (que reconhecidamente
não são respostas consensuais, universais, servindo somente de resposta a nós mesmos
justamente pela sua falta de comprovação empírica) como também porque esta retoma os
valores e respeitos inatos que há muito foram perdidos e vendados pela modernidade. Porém,
tais motivos, dentre outros que ainda se poderia citar, não devem ser nossa motivação em si
mesma para a adoção de tal, mas sim a contemplação e justo pensamento e análises sobre tais,
bem como posterior aceitação, devem ser a real forma de ligação a este ideal. Qualquer um que
contemplar tais meios, motivações e fins e achar algo de justo e “nobre” em tais fins pode adotar
tais premissas mesmo que não busque os supostos motivos para adotá-los: Pois, como já
repetido, ao se adotar motivos se adota o utilitarismo, cujo não é nosso objetivo.
Se não nos é possível, pelas vias práticas e mais comuns, que tratemos qualquer coisa como a
coisa em si que isto pode ser, devemos mudar as nossas concepções teóricas e práticas não pela
via do prático mesmo, mas sim pela via do teórico. Como dito em capítulos anteriores, em geral
a nossa resposta mais imediata sempre será aquela que serve aos bens do solipsismo, aos
propósitos do egoísmo e do “eu” simplesmente, portanto não devemos buscar modificar tal
resposta mais imediata, mas sim trabalhar sobre nosso poder e capacidade de ponderação sobre
qualquer assunto e acontecimento para que estes possam imperar sobre as respostas mais
automáticas e levianas. Assim sendo, ao invés de nos condenarmos por nossos instintos por
exemplo, em situações em que estes “desejem” aflorar devemos trabalhar nossa capacidade de
autocontrole e de ponderação sobre o assunto, qualquer que este seja, e não nos condenarmos
por tais instintos existirem. Como dito na primeira parte deste livro, somos compostos pelas
mais diversas fontes e fatores de influência, alguns deles inatos, sendo os instintos parte vital
disto e principalmente de nossos compostos inatos, compostos biológicos. Assim sendo, a
realização do amor é a realização que começa na mente, em nosso racional, visto que o amor
pela lógica comum é extremamente irracional e até mesmo nocivo. Portanto, todo aquele que
desejar seguir no caminho do amor deve certamente tomar um tempo para si mesmo para que
pondere e “treine-se” sobre o que precisa ser trabalhado, sobre o que é de maior trabalho e
esforço para consigo mesmo, antes que comece a efetivamente tentar seguir o caminho do amor
que como já dito, é de mui grande percurso.
Agir pelo amor significa abdicar das causas materiais, abdicar de toda forma de materialismo,
ou seja, quem desejar seguir neste caminho certamente deve começar por livrar-se, ou ao menos
libertar-se de seu apego, de seus bens materiais que lhe são de maior “apelo”. Não desejo com
isto pregar formas de ascetismo mais “extremas” e defender uma vida eremita ou uma vida de
monges por exemplo, mas sim dizer que entre um indivíduo comum e um eremita por exemplo,
o eremita está mais próximo do amor do que o indivíduo comum, por este não possuir bens e
por ser a “mudança” a sua lei, a sua regra, estando assim mais adaptado à alteridade da
exterioridade. Não devemos exata e necessariamente abdicar de todos os bens do capitalismo,
de abandonarmos tudo e todos em prol de nossa causa, mas sim não nos limitarmos a estes e
lembrarmos que, na maior parte das vezes, os valorandos do capital são algo, em si, mortos:
Plásticos, componentes eletrônicos, rodas, materiais sintéticos, etc, que não possuem vida em si
mesmos e que só são úteis a nós mesmos, humanos, não sendo úteis de forma alguma a
quaisquer outros animais ou até mesmo seres vivos que não nós mesmos. Como dito são algo,
em si, morto.
Por fim, o caminho do amor deve valorizar e começar por aquilo que é de mais simples para
posteriormente migrar para o que é de mais difícil, o que equivale a dizer que devemos começar
no amor em ato e teoria sobre aquilo que nos é mais “fácil” e acessível para então agirmos sobre
aquilo que nos é de maior trabalho e penoso. Se tens dificuldade em perdoar por exemplo, que
deixe tal ato para estágio avançado de desprendimento de si mesmo, sendo que quando tal
ocorre o ato de perdoar se torna até natural, visto que deixamos de guardar quaisquer formas de
“mágoa” visto que tais não são características inatas do eu: Ao se desprender de si mesmo, só
sobra aquilo que é mais inato, que é mais importante e mais individual, não havendo espaços
para quaisquer formas de mágoas, pré-julgamentos, conceitos negativos, etc. O passado deixa de
existir em grande parte, em suma.
A idhea deve valorizar os conceitos intangíveis cuja realização plena, por serem justamente
intangíveis, abstratos, só se dá possivelmente através do exercício do amor. Tal é a tentativa de
trazer para o prático, para o “real”, algo que é meramente conceitual, abstrato, e que
naturalmente não existe em nosso mundo real. Portanto o ser humano é o único ser conhecido e
possível que pode versar, tratar e agir sobre o amor: O amor depende da escolha sobre tal, da
capacidade de teorizar e apreender e da capacidade de liberdade, portanto sendo atributo único
do ser humano, pois o ser humano é o único animal livre, ou seja, que é capaz de agir “contra”
os seus instintos mais básicos. Ainda que haja determinismos, tais não são justificativas
suficientes para quaisquer formas de apologias a qualquer ser esclarecido, ou qualquer ser que
se suponha esclarecido, visto que agir meramente pelo instinto constitui característica que não é
propriamente humana, mas sim animal e até mesmo forma de pessimismo deplorável. Adotar o
amor é, assim, adotar a liberdade, adotar a capacidade de razão sobre o corpo, adotar nossa
capacidade racional como um todo e afirmar que esta pode ser maior do que o mundo, ainda que
o mundo seja contra tudo o que podemos acreditar.
Com o auxílio da estética, da linguagem, das formas de conhecimento mais “primitivas” (que
nos provém, frequentemente, contato direto com a natureza e com nossos “antepassados”,
servindo de “laço na história”), etc, podemos moldar e nos disciplinar sobre e no amor, sendo a
adoção de tais formas auxílios possíveis para que encontremos não apenas a “idhea” em si, mas
também e até mesmo consolo na difícil empreitada que nos aguarda. Ainda que o amor seja de
difícil realização e o mundo inteiro seja contra a sua implementação, podemos encontrar
consolo na arte, nos bons livros, na linguagem afetuosa para com os que são próximos, no
exercício em contato com a natureza, etc, que, mesmo não sendo o amor em si e de fato, são
parte deste e que nos auxiliam, como já argumentado, em nossa empreitada. Mesmo que em
nosso caminho só haja espinhos, ao menos podemos nos cercar por rosas, e estas podem ser, ao
menos em período prematuro de nossa tese, nosso consolo aos males que sofreremos, tão grande
é a ignorância absoluta da humanidade em geral.
Positivismo
O presente capítulo tratará tanto sobre parte inevitável da dialética presente quanto também
sobre uma das consequências de sua aplicação, trata-se do “positivismo lógico” (as aspas aqui
estão pois o positivismo que adotaremos é significativamente diferente do conceito de
positivismo lógico que já existe outrora, sendo tal positivismo mais ligado à “fé” na ciência e no
suposto conhecimento humano e que compõe parte do que já chamei de neoiluminismo. Nosso
positivismo, neste sentido, é muito mais “metafísico” do que material por assim dizer e é
resultado de nossa conduta ética em si mesma bem como de nossa moral e não dos supostos
avanços da humanidade que aqui já foram questionados).
Consequência da adoção do amor pleno e puro é o inevitável positivismo. Não exata e
necessariamente para com a alteridade, mas sim para conosco mesmo. Após a adoção e plena
aceitação de ideias de vida ascéticos e por vezes estóicos, pouco de verdadeiramente
“desastroso” pode ocorrer àquele que segue a ética do amor, sendo o otimismo perante o destino
inevitável. Falando em outros termos, aqui inferimos que o que é bom não pode ser
verdadeiramente atingido pelo mal, e o que é bom tende a permanecer bom, mesmo na presença
do mal.
Certamente haverá questionamentos sobre o quanto esta tese pode ser “provada”, ou o quão
difícil é para qualquer um permanecer “bom” e “correto” em um mundo de insanidade, porém a
prova da retidão do indivíduo é justamente esta retidão imutável: Se a mudança fosse quesito
necessário e base do comportamento ético, o comportamento ético não poderia ser chamado de
“bom”, por ser mutável e hora ser bom de fato e hora não. Como já argumentado, certos padrões
são em si mesmos bons enquanto outros são ruins, sendo que a retidão no caminho do bom e do
justo é justamente sinal de caráter e da natureza positiva de certo indivíduo. Mais uma vez como
já dito, nossos comportamentos e ações “de dentro para fora” revelam o nosso caráter, portanto
a capacidade de manter certo padrão mesmo em meio à mudança já revela em si mesma (e por
definição) a nossa natureza e consequente consistência. Um caráter forte requer,
necessariamente, para ser forte justamente esta tempestade na exterioridade: Como diz o ditado
popular, “mar calmo não forma marinheiro bom”.
Não apenas isto, mas também se as nossas “metas” e ideais se calcam naquilo que é imaterial,
no metafísico, na “ideia” como já dito, tais devem ser o que verdadeiramente influi sobre nós, e
não quaisquer acontecimentos enredados no material. Assim sendo, a verdadeira tragédia para
nós é que deixemos de amar, que deixemos de ver fim em si no amor, e não quaisquer tipos de
perdas materiais ou acontecimentos mais relativos à exterioridade do que à interioridade. Sendo
a ideia de algo, a teoria de algo, mais importante do que a prática, e por ser esta de caráter como
dito teórico e não prático, ou seja, que mais reside no indivíduo em si do que fora de si,
naturalmente hemos de nos abatermos mais por uma suposta contradição ou extrema mudança
interna do que pelos golpes que o mundo possa nos dar. Se viermos a sofrer, é por nossas
próprias mãos e/ou consciência, sendo tal sofrimento desnecessário e inexistente à medida que
estejamos convencidos da extensão do amor que nos é possível e de sua justa e plena aplicação.
O amor se mune em si mesmo contra o mundo.
Assim sendo, o que é verdadeiramente bom e convencido sobre a bondade dos próprios atos
tende a permanecer bom, mesmo que com pequenas mudanças ao decorrer do tempo. O ponto é
que pequenas mudanças podem ocorrer, porém o caráter intrínseco, inato, se verdadeiramente
bom não há de mudar, mesmo com grandes acontecimentos. Tal faz parte do grande “teste” que,
falando de forma simples, é a vida, e cujos testes são aplicados a todos nós. Aqui, podemos sair
do raciocínio simples e iniciar um raciocínio mais elaborado, raciocínio em que começaremos a
misturar ética com matemática.
Em matemática e cálculo existe um conceito chamado “variância”. A definição simples de tal
conceito é que variância é a soma de todos os resultados inesperados de qualquer cálculo e/ou
variável, sendo assim variância é o conjunto dos resultados fora do comum que qualquer
variável ainda não estabelecida/finalizada pode ter. Tal conceito é muito utilizado em
matemática e principalmente em cálculo e probabilidade para a mensuração de resultados
inesperados, seja por puro cálculo em si mesmo seja também para preparação e prevenção de
empresas. Embora tal conceito seja, em si, de natureza matemática e que poucos de nós
certamente utilizamos no dia a dia, tal pode ser utilizado em nossa prerrogativa e aliado ao
comportamento ético, assim nos ajudando a desvendar qual seria a conduta mais desejada de
nossa parte.
Um exemplo simples de variância é um investimento de risco, suponhamos jogar em um cassino
por exemplo. Certamente os resultados, ou o dinheiro, os valores que obteremos de volta após a
jogatina, serão variáveis e cada vez que fomos à tal, sairemos do cassino com mais ou menos
dinheiro (mais pendendo para o menos, neste caso). Tal variação nos resultados, no quanto
ganhamos e no quanto perdemos em tal ambiente é um exemplo simples de variância aliada à
vida e controle financeiro. Agora tragamos um exemplo da vida mais cotidiana e apliquemos o
mesmo conceito.
Suponhamos um indivíduo que deseje passar no processo seletivo de uma universidade. Para tal
e assim como a ética, existem uma série de comportamentos, hábitos, rotinas e crenças que
podemos valorar como “positivos” (ou bons em si mesmo) para o final desejado (no caso,
passar no processo seletivo, vulgo vestibular, da universidade), tais hábitos constituem o estudo
pesado, o regramento em questão aos horários de estudo, o distanciamento de entretenimentos e
passa tempos sem relação alguma com o fim desejado (pelo menos enquanto se tem tal meta),
etc. Em suma, tais comportamentos e hábitos constituem crença objetivamente “positiva” (ou
boa) e até mesmo necessária para atingir o fim desejado. Suponhamos que tal indivíduo,
seguindo os hábitos corretos para passar no vestibular, preste-o, e mesmo assim de primeira não
consiga ser aprovado em tal vestibular.
Adotando-se a crença da “variância” para a vida real e prática, podemos dizer que a primeira
falha de tal indivíduo possivelmente pode ter ocorrido por pura e simples variância mesmo. Se o
indivíduo se dedicou, seguiu todos os procedimentos corretos para a realização da prova,
chegou adiantado no local da prova, etc, e mesmo assim não conseguiu passar há tanto os
fatores intrínsecos à questão que podem ser responsáveis pelo resultado (como a alta
competitividade e poucas vagas para muitas pessoas) quanto também fatores variantes mesmo
que podem ter afetado o resultado final (como por exemplo, a extrema ansiedade que tal
indivíduo sentiu durante a realização da prova e que surtiu efeitos indesejados nesta realização,
com o indivíduo podendo até mesmo ter vindo a ter diarreia, ou ataques de pânico, durante tal,
que não desvalidam todo o esforço anterior feito pelo indivíduo e que são resultados pura e
simplesmente “variantes”, inesperados). Assim sendo, a primeira reprovação do indivíduo em
tal vestibular não deve ser necessariamente um atestado da incapacidade de tal passar no
vestibular, mas sim na prova do quanto (neste caso) a variância está presente em todas as nossas
vidas e no quanto devemos ser maleáveis e “compreensivos” para com resultados negativos, ou
simplesmente inesperados.
Ainda tomando tal exemplo e descartando a explicação do porquê da reprova, suponhamos que
tal indivíduo mantenha a sua rotina de estudos e hábitos anteriores, porém desta vez aprenda
com a prova passada, some a experiência da realização de tal ao seu repertório cognitivo e desta
vez melhor se prepare, num geral, para realizar a prova novamente. Obviamente, tal fato em si
mesmo não é suficiente para que possamos afirmar que com certeza o indivíduo desta vez
passará no vestibular, porém é inegável que tais fatos em si mesmos aumentam a chance do
indivíduo, das posteriores tentativas, obter sucesso em sua empreitada. Suponhamos que o que
ocorreu e afetou no seu resultado esperando foi o segundo exemplo citado, a ansiedade extrema.
Tanto ao se melhor preparar para o dia da prova quanto também ao se somar a experiência em si
ao seu repertório cognitivo o indivíduo tanto mantém viva em sua memória a experiência da
ansiedade e de suas possíveis causas quanto também sabe que esta pode acontecer no dia do
novo teste, e melhor se prepara para a possibilidade do acontecimento. Tais, por si só, tanto
diminuem a chance do indivíduo ter uma crise de ansiedade no momento mais precioso quanto
também se o tiver o ajudarão a lidar com isto. Em suma, sem a experiência em si mesma da
crise de ansiedade vivenciada, se este foi o caso, o indivíduo estaria menos preparado tanto para
a prova em si mesma quanto também para os fatores “variantes”, que em si mesmo não foram
pensados e podem ser tanto previsíveis quanto de variância extrema e impensável (como um
avião atingir o local da prova ou uma bomba explodir em tal local, citando exemplos extremos
que não deixam de constituir fatores “variantes”).
Assim sendo, por mais que tal indivíduo não tenha atingido o seu objetivo final de primeira,
certamente a sua primeira reprovação tanto lhe servirá como experiência e se somará ao seu
repertório cognitivo e subjetivo, o que, por si só, lhe tornarão mais “resistente” em posteriores
tentativas, quanto também este poderá melhor se preparar e antever alguns fatores variantes que
antes da experiência subjetiva citada ainda nem haviam sido previstos e pensados. Assim sendo,
podemos levantar duas conclusões advindas do citado exemplo:
- A experiência em si mesma traz enriquecimento ao indivíduo, seja em qualquer aspecto
possível. O indivíduo, ao vivenciar experiências tanto positivas quanto também e
principalmente experiências negativas, melhor se prepara para a posteridade e traz isto com
maior frequência à sua cogitação e consideração, sendo que se não passasse pela experiência em
si mesma certamente não teria ciência dos fatores variantes, seria, pura e simplesmente, um
completo ignorante sobre a questão em seu lado prático. Fazendo uma analogia e simplificando,
como diz uma das mais famosas frases de Nietzsche, “Tudo o que não me mata me fortalece”;
- O indivíduo, se somar as experiências negativas com seu repertório cognitivo e adaptar este
àquele, poderá ter mais chance de sucesso em suas posteriores tentativas. Aqui podemos dizer
que o indivíduo pura e simplesmente aprende por “tentativa e erro”, sendo esta experimentação
muitas vezes necessária para atingir o resultado final, e aqui entra um ponto muito importante:
Se o indivíduo permanece no caminho da retidão, no caminho do que é “bom” e do que
objetivamente contribui ao seu fim, este, por maior que seja a variância, com muita frequência
atingirá o seu “resultado esperado” por maiores que sejam os obstáculos. Em suma, o que é bom
e que se prova bom pelos testes da vida atingirá, por maiores que sejam as variâncias, aquilo
que almeja se seguir neste caminho por demasiado tempo. Aqui, encontramos outro ponto
importante para a nossa narrativa e que nos auxilia na sustentação de nossa tese: O
desenvolvimento a longo prazo.
Um dos grandes males da modernidade como um todo é buscar resultados simples e imediatos
em todos os campos possíveis. Seja no campo do “amor” até o campo do financeiro, o moderno
está habituado à rápida velocidade, à não burocracia e ao pouco esforço para o que quer que
seja. Como já argumentado, tais comportamentos e crenças não apenas são nocivos para a nossa
tese, como também são nocivos ao desenvolvimento do bem em si pois o bem em si mesmo, em
última tese, é de desenvolvimento de longo prazo e que certamente requer trabalho árduo e
contínuo, o que condiz dizer que é difícil fazer o bem, enquanto é “fácil” fazer o mal, ou
simplesmente agir pela ignorância.
Trazendo novamente o exemplo citado acima, tal indivíduo, se deseja passar em um vestibular
que seja muito concorrido, certamente deverá não apenas se preparar para a possibilidade de
falha, como também aprender com esta e aprender a persistir, a ter paciência e esperança
falando de maneira simples. Tais características e capacidades, em si mesmas, são benignas e
qualidades não somente para este indivíduo, como também a qualquer um, sendo tais virtudes
tanto em nossa tese quanto também no conceito de virtude clássica já citada. Assim sendo, os
requisitos para passar no vestibular por exemplo são não apenas de hábitos, mas também de
virtudes em si mesma, pois requerem muitas vezes que o indivíduo tenha paciência e tolerância
à frustração para poderem ser lidados e superados. O indivíduo que aprende com seus erros, ou
que simplesmente busca a melhoria de suas já existentes qualidades, assim tende a vitalidade e à
virtude à longo prazo mesmo que pouco possua conhecimento sobre variância e mui pobre seja
em seu conhecimento sobre matemática.
A “insistência”, ou pura e simples perseverança, em um fim em si mesmo ou qualquer que seja
o bem referido tende ao seu alcance se se pratica a virtude de uma forma geral. Falando em
termos simples, se a virtude é praticada a longo prazo, mesmo com a variância e mesmo com o
curto prazo trazendo resultados “negativos”, a virtude tende a preponderar sobre tais no longo
prazo, pois tanto esta em si mesma se aperfeiçoa quanto também e matematicamente, tanto mais
a conta se repete e os números se tornam absolutos, mais os resultados tendem a se aproximar
do número absoluto desejado. Façamos aqui outro breve exemplo.
Suponhamos, novamente tomando o exemplo do indivíduo e do vestibular, que a soma do
estudo certo com a realização da prova certa seja a aprovação, cujo resultado é dois. Em termos
simples, um (indivíduo em estado certo) mais um (prova realizada em estado correto) é igual a
dois (aprovação na prova). Porém, suponhamos que tal indivíduo ainda não está seguindo a
rotina e hábitos inteiramente corretos, então suponhamos que este não seja um, mas meio.
Mesmo que o indivíduo bem realize a prova, sua soma não será o suficiente para passar nesta,
pois meio mais um é igual a um e meio, que não é igual a dois, assim ficando evidente a sua
reprova. Posteriormente, suponhamos que o indivíduo novamente tente realizar a prova, porém
que aprenda e melhor se prepare para esta e melhore suas rotinas e hábitos, assim se tornando o
número um. Porém, tal indivíduo foca por demais nisto, e se esquece da justa e boa preparação
para o dia da prova, reduzindo esta de um para meio. Novamente, seu resultado será ineficiente
e menor do que dois, pois se somará um com meio, que é um e meio e inferior a dois.
Suponhamos que, após estas duas primeiras reprovas, o indivíduo some tudo ao seu repertório
cognitivo e subjetivo e, desta vez, justo se prepare tanto para o “antes” da prova quanto também
para o “durante”, e se torne absoluto nos dois, um e um. Nesta terceira tentativa, se não houver
demasiada variância seja por quaisquer motivos (como por exemplo, uma diarreia que poderia
diminuir o número um para 0,85 por exemplo), o resultado obtido deverá ser justamente o
resultado esperado: dois. Em suma, tanto ao se aprender e assimilar com a variância quanto
também ao se trabalhar para que a virtude se torne mais absoluta e mais “próxima” (falando em
termos figurados, pois obviamente não se pode quantificar habilidades com números por
exemplo) de números absolutos e inteiros, naturalmente se aproxima mais do resultado
esperado, que pura e simplesmente é o nosso objetivo final. Traduzindo tudo o que foi dito para
números:
Primeira tentativa: 0,5 (estudos e rotinas não tão bem aplicados) + 1 (justa e boa preparação
para o dia da prova e realização da prova em si) = 1,5 (inferior a 2, portanto insuficiente. Nota
final insuficiente, em termos simples)
Segunda tentativa: 1 (estudos e rotinas bem aplicados) + 0,5 (“relaxo” com o dia da prova) = 1,5
Terceira tentativa: 1 (aprendido e desenvolvido) + 1 (igualmente aprendido e desenvolvido) = 2
(resultado esperado desejado)
Assim sendo, por maiores que sejam a variância e variáveis com as quais se está lidando, se se
lida com estas com virtude e focando nos resultados a longo prazo os resultados tendem a se
superarem e o objetivo tende a ser atingido. Se se desenvolve e se se realiza um justo
entendimento da questão, tudo a tende a estar em seu lugar devido, e o lugar da virtude é junto
com a virtude em suma. Por mais que no curto prazo o “mal”, por exemplo, possa e tenda a
prevalecer, no longo somente a virtude consegue se sustentar em si mesma e ser compreensiva
tanto consigo mesmo quanto também com o indivíduo que a carrega, sendo assim a sustentação
e “forte” daquele que deseja o que quer que seja ou mesmo o bem em si mesmo. Para a
realização do bem, é necessário tanto o bem teórico quanto o bem prático, sendo o longo prazo
uma comprovação daquilo que é da essência (por isso mesmo, o “mal” não se sustenta a longo
prazo, sendo, tomando o exemplo já citado, um indivíduo indisciplinado, não humilde, que
reclama com muito maior frequência do que gratifica, etc, um indivíduo que dificilmente
conseguiria passar no vestibular a longo prazo, sendo o curto prazo sua única tentativa, tanto
porque na reprova já se desanimaria quanto também porque o esforço, a persistência e a
paciência fazem parte da lógica do virtuoso, e não daquilo que é mal em si mesmo. Assim, ou
tal indivíduo deve passar de primeira no vestibular, ou simplesmente tenderá a não passar
posteriormente/desistir após esta primeira tentativa). O bem é uma condição necessária à
manutenção de si mesmo, basicamente.
Porém, ressalva importante deve ser feita aqui tanto para quem quer que possa ficar empolgado
com tais palavras quanto também a críticos: Não existem cálculos corretos e “necessários” para
a vida real e prática, sendo somente o esforço e a repetição não suficientes em todos os casos.
Que as regras ditadas acima possam fazer com que a maioria obtenha os resultados esperados a
longo prazo, por exemplo, é de certo, porém tal não é absoluto e certamente varia de indivíduo
para indivíduo. O que aqui se defende é que o que é bom e o esforço tendem para estes mesmos,
e não que estes necessariamente chegarão a si mesmos. Se não se chega ao que se deseja mesmo
com o esforço e com a reflexão, pode ser que pura e simplesmente o resultado esperado seja
elevado demais para o indivíduo em determinado momento, sendo necessária a ponderação por
parte de tal sobre se seu desejo está em seu alcance de fato ou não.
Aplicado à ética, façamos aqui um exemplo bem simples do que se quer dizer em suma:
Suponhamos que Platão tivesse nascido nos dias atuais e não há mais de dois mil anos atrás. Por
mais que a realidade objetiva atual seja completamente diferente (em termos simples) da
realidade objetiva da época em que nasceu de fato, suponhamos que Platão ainda fosse Platão e
tivesse todas as suas crenças mesmíssimas da época em que nasceu verdadeiramente (embora tal
seja impossível, pois assim Sócrates também haveria de ter nascido juntamente a este e o
mesmo, em tempos modernos, teria de lhe suceder, mas apenas tudo isto suponhamos aqui).
Agora nos indaguemos:
Platão haveria de andar com “más” companhias?
Platão haveria de culpar terceiros por sua própria e possível infelicidade?
Platão haveria de deixar de ser virtuoso somente porque nasceu hoje e não há mais de dois mil
anos atrás?
A resposta, se mantido tudo o que sabemos que Platão era e foi, para estas três perguntas será o
provável “não”, não apenas porque Platão foi Platão, mas também porque a virtude tende a ser
acompanhada pela virtude. Na primeira pergunta por exemplo, seja hoje ou há dois mil anos,
quem consegue imaginar Platão andando com drogados por exemplo? Ou mui frequentando
prostíbulos? Obviamente, seja hoje ou há dois mil anos, a índole de Platão, até onde
conhecemos, não condizia com tais comportamentos, e o mesmo vale também para a segunda e
terceira perguntas, assim como a tantas outras perguntas que poderíamos fazer e que igualmente
nossa resposta provável seria “não”. Aqui e por si só, chegamos à conclusão deste capítulo e no
que o desenvolvimento da virtude pode desembocar: No positivismo.
Se somos bons, tendemos ao bem, e tal é verdade não exata e necessariamente no curto prazo
(pois este é do jugo do maléfico, da ignorância e da “sorte”, infelizmente, com muita
frequência) mas principalmente no longo prazo. Se se repete a virtude, o bem e uma série de
comportamentos objetivamente bons, no longo prazo tende-se a atingir o bem em si mesmo
tanto porque um mais um sempre será igual a dois quanto também porque a variância tende a
menor afetar o longo prazo se se age de forma correta: O bem tanto repete-se em si mesmo que,
hora ou outra, a variância não mais lhe será capaz de afetar, assim fazendo com que o bem surja
e prevaleça em si mesmo, superando tal variância que existe para todos os assuntos da vida.
Assim sendo, o que é bom e que busca este “bom” como objetivo de vida tem motivos para se
alegrar e adotar certa dose de otimismo: Pois assim como não faria sentido Platão andando com
“degenerados” por exemplo, não faria sentido que nós arranjássemos confusões, que fôssemos
mal a nós mesmos e que lidemos mal com as adversidades se somos seres bons em nós mesmos.
Se ainda se encontra problemas e impedimentos em tais campos, é porque o bem ainda não está
completamente consolidado ou porque simplesmente não se é tão bom quanto se pensa: Porque
o bem não deixa atingir-se por nada, exceto por si mesmo (assim como já foi argumentado que
o amor verdadeiro não é atingível a qualquer mal externo, exceto somente pela própria falta de
fé em si mesmo, ou seja, por um mal que reside em si mesmo, que faz com que o amor não seja
amor de fato ou pelo menos não inteiramente consolidado).
O que é bom tende para o bom, e isto por si só já nos é motivo para certo otimismo e
positivismo: Se somos bons, o tempo nos provará como bons e mal algum poderá nos atingir,
tão grande serão nossas determinações e virtudes (ainda que no curto prazo, em si mesmo,
possamos ser desprezados, o que aliás não seria vergonha para qualquer um, visto que a
vergonha do mundo é o sinal da nossa correta virtude).
Mundo das idheas
Paradoxalmente, tanto mais se se aproxima do idealismo e do suposto “mundo das ideias” aqui
estabelecido, tanto mais se atinge padrões éticos mais elevados do que se nos propuséssemos a
seguir um sistema realista, pois o realismo se prende aos fatos e interpretações em si mesmas, e
não no que podemos fazer com estes fatos. Não que seja de nosso objetivo fugir da realidade,
mas certamente é de nosso objetivo reinterpretá-la, e ter ciência de que não apenas a
exterioridade é limitada como nós também o somos. Se somos limitados e se nossa capacidade
de interpretação também o é, tal já é motivo suficiente para que deixemos de nos inclinar à
rejeição, à barbárie e a qualquer forma de pessimismo, mas sim mais nos aliemos à esperança,
nem que apenas a nós mesmos, de que a salvação não depende apenas de nós mesmos, mas sim
que está aí à quem desejar (assim como as antigas virtudes gregas, cuja leitura, apreensão e
desenvolvimento poderiam ser universais, porém mesmo com sua consagração exacerbada
pouco são absorvidas e verdadeiramente valorizadas pelos modernos).
Ao tratar a coisa em si como algo de importância maior do que a própria coisa, podemos superar
os possíveis defeitos de sua aparência e tratá-la tal como ela (possivelmente) é em sua essência:
Não nos interessa o quanto alguém seja maligno, o quanto alguém possa subverter a ordem
geral das coisas ou o quanto este seja nosso rival: O que nos interessa é a sua qualidade (e
característica geral) de “humano” e a sua capacidade de encontrar a salvação por si mesmo.
Óbvio que isto não é atestado de uma espécie de “cristianismo filosófico”, ou seja, que não se
deve exatamente oferecer a outra face para aqueles que queiram nos agredir, mas sim de que se
deve tentar mostrar ao agressor que este pode ser muito mais do que um agressor, e ser
verdadeiramente um humano. Nossa meta deve ser de demonstrar a capacidade universal de
entendimento e raciocínio que é justamente o que nos torna humanos, e em certos casos
demonstrar também como esta é limitada pois também é isto o que nos torna humanos. Nossa
esperança deve ser não nos fatos em si e nas experiências imediatas, mas pura e simplesmente
em nós mesmos e no que aqui se construiu: Tendo-se esperança nesta filosofia de vida,
automaticamente se estende a possibilidade de tal ao “próximo”, pois a filosofia que aqui se
estabelece é a filosofia da alteridade, e não do individualismo.
Assim sendo e para encerrar, podemos resumir todo o fluxo dialético que aqui tentou se
estabelecer no seguinte:
Embora tenha sido tratado do amor em primeiro lugar sobre a idhea, o amor como já dito é o
nosso meio, e não o fim em si mesmo. Por havermos tratado do solipsismo em primeiro lugar
(de maneira até exaustiva) e pelo amor ser seu justo oposto, se decidiu por tratar do amor em
primeiro lugar antes mesmo que pudéssemos tratar sobre a idhea em si, visto que o amor é
nosso aliado não apenas na causa filosófica da idhea mas também na pura e simples
generalidade da vida humana *, ou no combate ao que se chamou de solipsismo. Qualquer um
pode chegar a razões racionais na pura generalidade da vida humana para combater o
solipsismo, porém a longo prazo acredita-se que tais razões não se sustentarão, visto que é
necessária uma base maior para que o amor possa se estabelecer e se realizar a longo prazo, ou
como se pode chamar um sistema mais “robusto”, que se alie à pura racionalidade sem
necessidade da emoção (pois a emoção não se sustenta com o passar do tempo). Fazendo uma
analogia e um quadro mais completo do agora adicionado:
Paradoxalmente, embora a idhea e toda a tese aqui apresentada estejam instituídas no campo do
teórico, ou seja, no campo do pensamento individual, esta precisa ser provada no campo prático,
ou seja, no exercício do amor de fato, com uma possível primeira tentativa e falha e posterior
apreensão de um “imperativo categórico” e adoção de uma nova forma de idealismo que visa o
intangível, o inapreensível, que mesmo que não exista de fato (e no fato) pode ser tratado como
realidade visando não apenas a elevação ética como também a elevação intelectual e racional,
bem como a elevação das coisas em si mesmas. Como já argumentado, tratar as coisas pelas
suas características e capacidades a priori é exercer a própria intelectualidade e capacidade de
entendimento e raciocínio lógico, requisito necessário para a própria elevação e
autoconhecimento.
Enfim, sobre a adoção dos princípios das idheas, é necessário descrever o que seria este mundo
das idheas, ou uma existência baseada nestas e que afete o mundo prático, não ideal:
Assim como o mundo das ideias de Platão, a idhea remete a algo que é intangível, irreal, não-
prático. Igualmente à teoria platônica, podemos considerar que tudo o que existe neste mundo é,
em absoluto, imperfeito e temporário, carente do verbo “ser”, o que condiz dizer que mais
temos/estamos do que somos de fato (em verdade, muito mais nos convencemos de que somos
do que o somos de fato, sendo tal necessidade de convencimento o atestado em si). O que se
quer dizer é que, em absoluto, poucas pessoas são corajosas de fato, poucas pessoas são fracas
de fato, poucas pessoas são pacientes de fato, e assim por diante. É claro que possuímos
características predominantes, e alguém que seja predominantemente paciente não pode ser
chamado de impaciente por causa de algumas situações atípicas, mas o que aqui se quer dizer é
que justamente neste plano há sempre exceções, o que já configura uma não absolutez por si só.
Se se “é” algo este algo independe das circunstâncias, e quantos de nós somos, de fato, qualquer
coisa?
Pode-se ser corajoso na maior parte das situações, mas dificilmente se mostra tal coragem
contra alguém reconhecidamente maior ou mais forte do que nós, por exemplo. Igualmente se
pode ser fraco na maior parte das situações, porém igualmente sob determinadas circunstâncias,
como em realidades em que ou se atua com toda a força ou se corre risco de vida, por exemplo,
tal tende a mudar. Igualmente se pode ser paciente, mas não quando tal é requerido em
determinados assuntos, por exemplo a alguém que muito é apegado à família, porém lhe é
requerido que seja paciente após horas de espera sentado em uma cadeira de um hospital
aguardando pelo resultado da cirurgia de risco de alguém familiar e amado. Ou seja, se pode ser
qualquer coisa, porém tal é realmente incomum e como argumentado, pouco deste plano, ou
quase nada, é absoluto, sendo quase sempre o número 1 na verdade um 0,927951998877 e não o
1 de fato.
Óbvio que tal convenção não é justificativa para que “fiquemos parados” e ajamos sob as
circunstâncias, mas meramente aqui se convém de que as aceitemos tais como são. Assim como
o mundo das ideias platônico, viver segundo a idhea não pode ser um princípio absoluto
(embora deva ser tratado como tal), pelo simples fato de que todos possuímos limites e o que
chamamos de características inatas, ou seja, que fazem parte de nossa psiquê e que dificilmente
mudam. Tal, por si só, já configuram uma série de características, situações, sistemas, etc, que a
nós (individualmente) seriam difíceis de aceitar, porém a noção e consciência do imperativo,
aqui, deve estar acima da ação em si, o que já bastaria. O que se quer dizer é que, por exemplo,
que seja impossível de perdoar ou não denunciar um estuprador é de perfeito entendimento,
porém que este não deixa de ser um humano e que como todo humano este é dotado de
subjetividade e que possui fins que não os nossos também deve ser considerado, sendo a justiça
com as próprias mãos pouco justificável embora entendível sob nossa perspectiva (e aqui, não
se quer defender também a “necessidade do estado”, pois este é degenerado assim como a moral
presente). Repetindo, se deve colocar os conceitos, a “coisa em si”, ou ideia em si de algo acima
deste algo, e mesmo que este algo seja imperfeito (o que sempre será) se deve agir com amor, na
medida do possível, para com tal algo, a fim de que permaneçamos ligados ao que este
indivíduo é em essência e conceito, e não ao que ele é de fato (o que, por si só, nos ajudaria a
manter alguma “fé” na humanidade, mesmo que em nosso íntimo saibamos que tal fé é tola.
Ainda assim, agir visando o indivíduo, e não o “geral”, é viável).
Tal qual o mundo das ideias platônico, concebemos que estamos presos em um universo cheio
de contradições aparentes, ignorância (tanto no exterior quanto em nós mesmos) e cheio
injustiças no mundo humano, porém concebemos que haja uma realidade superior, uma
possibilidade (agora para nós, e não no plano platônico) de agirmos de maneira semelhante à tal
realidade superior, ou seja, que hajamos por princípios que vão além daqueles que estão aqui,
que, especialmente quando criados pelo ser humano em geral, são em geral podres e
degenerados, levando ao que chamamos de modernidade. Seguir a idhea significa seguir o
princípio do amor, que significa agir em boa vontade, que leva à melhor aceitação da
exterioridade, diminuição do princípio solipsista e, por consequência, à uma maior aproximação
da coisa em si (mesmo que esta seja apenas um ideal, e não algo de fato, porém cuja acepção e
adoção, como já argumentado, elevam os nossos ideais e práticas éticas).
Assim sendo, se povoa este mundo, o mundo das coisas de fato, com as coisas em si, cuja
percepção é quase impossível à cada um de nós e em especial em aparência, porém que pode
(ou não) ser possível àquele que aceita a sua possibilidade e aceita a difícil tarefa de sair de seu
próprio solipsismo, sendo esta talvez a única forma de se sair deste mundo aparente e ascender a
um “mundo iluminado”. Aqui, se desejaria que toda a humanidade nos seguisse, cada um à sua
própria subjetividade, porém é esta mesma subjetividade que nos impede de seguirmos pelos
mesmos caminhos e que faz com que cada um siga o seu próprio, o que não pode ser
condenável mas que certamente pode ser lamentado sob alguns vieses. Enfim, aliados a nós,
temos a nossa própria capacidade intelectual, a estética, a ética do amor desenvolvida para
conosco mesmo, a linguagem e a capacidade de conhecimento e autoconhecimento que, por si
sós, já estão em patamar mais elevado do que a maioria, sendo, infelizmente, realidade de uma
minoria, que sequer serão estes que estão lendo este livro neste momento, sendo a realidade bem
mais dura do que aparenta.
Para finalizar, deve-se dizer que o ideal ético é o fim deste livro, sendo a adoção do ideal ético o
“ponto principal” e ponto de partida, meio e fim de tudo o que aqui pôde ser expresso. Assim
sendo, de pouco adiantam todas estas palavras e páginas se aquele que as contempla pouco
mudar de suas concepções, métodos, certezas, etc, sendo a virada ética necessária para qualquer
forma de mudança. E justamente por ser a ética questão do “eu” e não do nós, é que se centra tal
neste livro, pois como argumentado, não há nada de ser esperado do social, muito pelo
contrário, somos nós que devemos agir pela mudança do social (ainda que este não deva ser
nosso fim e em última instância de impossível mudança). Tal qual as ondas do mar, somos
temporários e logo seremos esquecidos e provavelmente superados, mas tal como o céu que as
contempla, podemos elevar nossos ideais e viver pelos mesmos, vivendo do “inexplorado” e do
que não é perturbado pelo que está abaixo, assim rebaixando nossos solipsismos (se assim o for
nosso desejo individual) e seguindo a doutrina do amor se necessária, assim se aproximando da
coisa em si, ou meramente da coisa (pois a boa vontade e bondade inata por si sós nos
aproximam dos demais, mesmo que para tolices ou para que sejamos enganados). Ainda assim,
sabemos que o universo é muito mais do que as ondas do mar ou o céu de nossa Terra, e
justamente a consciência de nossa ignorância e o conhecimento de nossos limites devem ser o
que nos motivam a adotarmos tais ideais, ainda que nosso máximo possível e individual seja o
céu e não o universo inteiro em si (tal qual nossa natureza imperfeita e limitada).
Notas
Solipsismo
Das Limitações
* Obviamente, aqui não quero excluir os problemas “lógicos” e evidentes de se possuir por
exemplo um computador com um ótimo sistema operacional, de última geração, porém sendo
este computador velho, ultrapassado e insuficiente para sequer compreender tal sistema
operacional. Novamente obviamente, seria impossível um computador de 20 anos atrás rodar o
Windows 10, e o contrário também se mostra evidente, com um computador atual muito melhor
funcionando e muito melhor utilizando seus recursos se instalado o mesmo Windows 10 ao
invés de um Windows 95, por exemplo. Assim, a linguagem, o software, não expande o
hardware em si, porém pode melhor otimizá-lo e melhor fazer uso de todas as potencialidades
existentes no hardware, sendo o “hardware” anterior ao “software” também neste plano lógico.

Elementos Exponencializadores
* Aqui, me refiro principalmente e basicamente aos grandes sistemas idealistas, sendo o sistema
idealista germânico talvez a última “escola” a levar o idealismo em geral adiante e transformá-lo
em um grande sistema que explique a realidade. Após Kant e Hegel, poucos foram os autores
que tentaram formular qualquer tese de caráter idealista e/ou dotada de metafísica (ainda que em
Hegel tal metafísica não seja onipresente), sendo as teses de cunho/fim materialista muito mais
onipresentes em todos os meios nos últimos duzentos anos.

Ego e Consciência
* Tal, obviamente, não é regra, porém é facilmente demonstrável em meio à maioria/massas em
geral. Se assim não o fosse, “bastaria querer” que a maior parte das massas poderiam ser
intelectuais (ou o que quer que se desejasse) por si mesmas, porém obviamente tal é por
demasiado distante da realidade. A realidade é que, infelizmente, a consciência da maioria
sempre cede perante a utilidade, principalmente da camada do ego.

Dialética e Guerra
* Não que a guerra e a discórdia sejam os estados naturais do homem, até porque se assim o
fosse não haveria qualquer forma de sociedade (visto que a associação seria impossível entre
seres completamente desprovidos de qualquer forma e anseio por pacifismo), mas sim que estas
acabam por mui frequentemente ocorrer quando fora do nosso âmbito familiar e afetivo, ou seja,
quando fora de nossa consideração solipsista. Sempre que fora de casa, tendemos a desconfiar
de tudo e de todos tanto por impulso natural quanto também por razões racionais (o “outro”, de
fato, quase sempre pode ser um ladrão ou algo do tipo), o que por si só já configura o clima de
“desconforto” ao qual o homem está frequentemente submetido quando em sociedade e que o
leva a naturalmente exercer mais facilmente o conflito. Se o estado natural do homem, de fato,
fosse a guerra, a maioria de nós nem existiria e estaríamos ainda vivendo na idade da pedra, e
sua natureza “social” e por demais (na modernidade em especial) voltada ao conforto são
atestados de que o ser humano é um animal predominantemente pacífico e “passivo” em certo
sentido, porém isto não nos isenta de todo o apontado acima e muito menos contradiz a extrema
falta de ética com a qual frequentemente somos capazes de lidar com aqueles desconhecidos ou
que pouco nos trazem ganhos: Tais são testemunhas sobre o quanto somos capazes de exercer
barbáries por mui pouca coisa, mesmo quando não há qualquer motivo racional para tal.

Solipsismo Justificado
* Tanto pela via comum (pelos assuntos comuns das massas) quanto pela via do
existencialismo muito se fala da “solidão” e da onipresença desta, em especial na modernidade.
Tal, porém, é um reflexo muito mais da mentalidade moderna, humana e individual do que de
um fato empírico, visto que mesmo empiricamente falando podemos comprovar e perceber que
muitos antes de nós já sentiram as mesmas angústias, questões, pensamentos, etc, que agora
sentimos. Como dito, se se duvida disto basta ler algo de Tolstoi, Dostoievski, Kafka ou de
outros autores semelhantes para perceber como suas angústias e questões para com a vida se
assemelham muito com as nossas próprias questões, mesmo séculos passados e realidade
consideravelmente modificada. Se estamos “sozinhos” é porque em verdade desconhecemos o
exterior, e nada mais do que isto.

Amor
Definição
* Para aqueles que não desejem efetuar a leitura do livro sugerido e mesmo assim queiram saber
o que seria “tematicidade”, tematicidade, de forma resumida, seria a contextualização de
qualquer coisa, ou seja, contextualizar aquilo que se quer passar ao contexto específico (aqui
valorizando o foco e a atenção à exterioridade) ao qual se quer passar. Ou seja, adaptar a
mensagem àquele a quem se deseja passá-la, assim facilitando tanto o entendimento daquele que
recebe quanto também a justa integração e comunicação entre as partes (aquele que emite e
aquele que recebe).

Do Idealismo
* Não que o “ser diferente da manada” constitua necessariamente uma virtude e nem que isto
seja necessário e objetivamente benigno, porém a bondade e o idealismo são sempre,
necessariamente, sinônimos de minoria. Aqui, também podemos pontuar que a adoção de um
ideal não necessariamente implica em uma existência objetivamente melhor ou mais “ética” do
que aquela sem ideais, mas sim que a adoção de um ideal implica que o ser não mais está imerso
somente em si mesmo e em seu próprio solipsismo, mas sim em algo que está acima (além) dele
e que porventura pode elevar-lhe.

Idhea
Ética a Priori
* Como já dito, se há um paradoxo na modernidade é aquele condizente com a individualidade,
que tanto é socialmente incentivada (pelo capitalismo) quanto, intimamente, desprezada e de
certa forma “caçada” pelo sistema em geral. Tanto o nosso sistema quanto o sistema
nietzschiano e pagão requerem certa dose de individualidade e pensamento próprio, o que já
são, por si só, características que vão contra a modernidade.
* Para não corrermos o risco de entrar em contradição, esclareçamos que o nosso exemplo pode
(e deve) converter não pela via da pressão e do convencimento, mas sim pela via do exemplo
mesmo, do bem em si que causamos tanto a nós mesmos quanto também aos outros: O bem, por
si só, atrai aquele que lhe busca e acalenta (em geral) aquele que o contempla, não sendo
necessária qualquer forma de argumentação ou intervenção para com a exterioridade, e muito
menos de embate.

Breve Crítica à Modernidade


* O farei futuramente em um livro que já tenho intitulado como “A morte de deus”.

* Se assim não o fosse, o pedantismo intelectual demonstrado por muitos “amantes e defensores
dos livros” não poderia ser contestável e condenável, quando na verdade com muita frequência
o é (pois tal defesa muito mais provém do ego do que por preocupação mesma para com o
conhecimento, sendo o teor dos livros geralmente lidos por tais identitários, quase sempre livros
de “entretenimento”, prova empírica disto).

* Por “real” me refiro à vida em si mesma, à vida fora do virtual (que, extraordinariamente, é
como um “novo” universo inteiro criado pela humanidade, como se esta fosse Deus). Que
tenhamos avançado tanto, nos últimos cem anos, em termos tecnológicos à tal ponto que todas
as atividades braçais e contato com a natureza hoje sejam vistas com espanto e restritas à poucas
camadas da população é fato igualmente extraordinário sobre o qual podemos muito versar,
igualmente sobre o fato do quanto este avanço nos afastou da vida em si mesma.

Estética
* Me amparo, aqui, principalmente nos pensamentos de Kant, Schiller e Scruton sobre o
pensamento estético.

Linguagem
* Destarte, pela linguagem, como dito ainda na primeira parte do livro, ser o “sistema
operacional” que faz corretamente funcionar o computador (nosso cérebro) e que apresenta uma
interface deste ao usuário (nós mesmos), é evidente que, quanto mais desenvolvida tal
linguagem e conhecimento linguístico, tanto mais potencialmente será desenvolvido e
aproveitado nosso “computador” (ou cérebro, ou intelectualidade, seja como for).

Mundo das idheas


* Na generalidade, no dia a dia, na rotina, naquilo que não necessariamente necessita de
apreensão e que mais é “automático” do que inovador.
A distribuição e leitura deste “livro” são gratuitas, porém você pode fazer uma
doação/pagamento por PIX caso queira me agradecer de alguma forma. Toda forma de ajuda é
bem-vinda. Estes são meus dados no PIX para caso deseje fazê-lo:
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Escrito por Thiago Limeira

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