Você está na página 1de 248

I"

FÇTÓáD QdIDMBO
Felipe Fernáncfez-Ãhiesto
Boston Public Llbrary
Boston, MA 02116
,S^
^
é^ííi
•;
CRISTÓVÃO COLOMBO
Digitized by the Internet Archive
in 2011

http://www.archive.org/details/cristovaocolomboOOfern
FELIPE FERNANDEZ-ARMESTO^^

r t^

CRISTÓVÃO COLOMBO
Tradução de
Maria José de la Fuente

EDITORIAL E PRESENÇA
FICHA TÉCNICA --:, ^ ^..^ L

o
Título original: Columbus
Autor: Felipe Fernández-Armesto
© Felipe Fernández-Armesto 1991
Obra publicada originalmente em língua inglesa por Oxford University Press
Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 1992
Tradução de: Maria José de la Fuente
Capa: Arranjo gráfico de Teresa Cruz Pinho
Fotocomposição e fotolitos: Textype -Artes Gráficas, Lda.
Impressão e acabamento: Guide - Artes Gráficas
1.^ edição, Lisboa, 1992
Depósito legal 53 087/92
n.°
^^ pp
Reservados todos os direitos
E1 1 1
para a língua portuguesa à
F35
EDITORIAL PRESENÇA 1 992 >c
Rua Augusto Gil, 35-A 1000 Lisboa
Homens como vós, que atravessam o mundo
uma época, abençoar, confundir, espantar,
Para fazer
São no quadro das eras primordiais
- Como insectos insignificantes em folhas obscuras -
Apenas incidentes e sulcos da Terra revelando-se.
(Thomas Hardy, Os Dinastas)

Todos riram de Cristóvão Colombo


Quando disse que o mundo era redondo.

Mas - ha, ha, ha! - quem foi o último a rir?

(Jerome Kern, Roberta)

Se bater suficientes vezes, uma gota de água pode


fazer um furo numa pedra.
(Colombo,
A história da viagem que fiz pela terceira vez)
1

índice

Lista das Ilustrações 1

Lista dos Mapas 12

Cronologia 13

1. Um Homem «Erguido do Nada»:


De Génova ao Atlântico, c.1450 - c.1480 31

2. «Os Segredos Deste Mundo»:


A formação de planos e gostos, c.1480 -1492 53

3. «A Sua Mão Manifesta»:


A procura de patrocínio, c.1484 - 1492 77

4. «A Conquista do que Parece Impossível»:


A primeira travessia atlântica, Agosto de 1492 - Março de 1493 99

5. «A Vossa Viagem mais Divina que Humana»:


Março de 1493 - Junho de 1496 e a segunda travessia 127

6. «A Vossa Vontade de Continuar este Empreendimento»:


Junho de 1496 - Agosto de 1498 e a terceira travessia 147

7. «O Demónio tem Estado a Trabalhar»:


A colónia de Hispaníola, 1496 - 1499 165

8. «Aquele Mar de Sangue»:


1500 - 1504 e a última travessia 185

9. «O Mensageiro de um Novo Céu»:


Declínio, morte e reputação 209

9
LISTA DAS ILUSTRAÇÕES

Xilogravura de uma embarcação ao largo das ilhas de San Salvador, Isabela,


Fernandina e Santa Mana Concepción a partir de uma edição primitiva (Basileia)
da chamada Carta de Colón. Hulton-Deutsch.

Xilogravura de uma galé ao largo da ilha de Hispaníola mostrando uma cena de


comércio, a partir da mesma obra. Hulton-Deutsch.

Xilogravura de Colombo aproximando-se da costa de Hispaníola, com o rei Fernando


de Castela e Aragão em primeiro plano, a partir de outra edição da mesma obra.
Hulton-Deutsch.

Globo terrestre por Martin Behaim de Nuremberga, 1492. Germanisches


Nationalmuseum, Nuremberga.

Pormenor de um planisfério adquirido por Alberto Cantino em Lisboa em 1502, pri-


meiro mapa seguramente datado que mostra as descobertas de Colombo. Biblioteca
Estense, Módena.

Pormenor de um mapa-múndi, assinado por Juan de la Cosa, com data de 1500 mas
geralmente atribuído à última parte da primeira década do século xvi. Museo Naval,
Madrid.

Tabula Terre Nove por Martin Waldseemúller, impressa em Estrasburgo em 1513


como ilustração de um volume suplementar de vinte mapas de novas descobertas
da edição de Waldseemiiller da Geografia de Ptolemeu. Reproduzido sob licença
de The British Library.

Parte restante de um mapa-múndi de Piri Re'is, 1513. Topkapi Saray Museum,


Istambul.

11
LISTA DOS MAPAS

Concepção do Atlântico de Martin Behaim


Colombo no Velho Mundo
Rotas de Colombo através do Atlântico
Colombo nas índias Ocidentais
Viagem de Colombo das Honduras a Darién, 1502-03

12
CRONOLOGIA

1429 O pai de Colombo, Domenico Colombo, era aprendiz de tecelão.


c. 1445 Domenico Colombo casa com Susanna Fontanarossa.
c. 1451 Nasce Colombo em Génova ou arredores.
1472 Colombo associa-se ao pai no negócio de tecelagem da família.
c. 1476 Colombo transfere-se para Lisboa.
1477? Viaja para a Islândia, talvez via Inglaterra e Irlanda.
1478 Viagem registada à Madeira para compra de açúcar para a firma
Centurione.
c. 1479? Casa com Felipa Perestrello e Moniz.
1480 Nascimento do primeiro filho, Diego.
1482-85? Viagem (viagens?) a São Jorge da Mina.
1484? Apresenta pela primeira vez ao rei João II de Portugal o projecto de
uma travessia atlântica.
1485? Transfere para Castela a procura de patrocínio.
1486 Maio: é recebido em audiência por Fernando e Isabel, em Córdova.
1488 Novembro: nascimento de Fernando, seu filho e de Beatriz Enríquez.
Dezembro: Colombo provavelmente de novo em Lisboa.
1489/90? O irmão de Colombo, Bartolomé, apresenta o projecto em França e
Inglaterra.
1489 Maio: Colombo na corte de Fernando e Isabel.
1492 Janeiro: consórcio financeiro dirigido por Luis de Santángel decide
apoiar Colombo.
17 de Abril: Colombo compromete-se com os monarcas castelhanos a
encontrar «ilhas e continente no mar Oceano».
23 de Junho: Colombo obtém embarcações e recruta tripulações em
Paios.
3 de Agosto: parte de Paios na tentativa de atravessar o Atlântico.
12 de Agosto: chega às Canárias; procede a modificações e reparações
nos navios.
6 de Setembro: parte de San Sebastián de la Comera.
12 de Outubro: chega às Baamas, a uma ilha não identificada.

13
28 de Outubro: descobre Cuba.
6 de Dezembro: descobre Hispaníola.
24 de Dezembro: navio almirante (Santa Maria) encalhado e abando-
nado.
25 de Dezembro: forte fundado em Navidad, Hispaníola.
1493 16 de Janeiro: Colombo parte de Hispaníola.
14 de Fevereiro: Colombo vive a sua primeira experiência conhecida
da «voz» celestial.
17 de Fevereiro: avista Santa Maria, Açores; desembarca a 18 de
Fevereiro.
4 de Março: chega a Lisboa, donde parte a 1 1 de Março.
15 de Março: chega a Paios.
Abril: Colombo informa pessoalmente Fernando e Isabel, em Barcelona.
3/4 de Maio: o papa Alexandre VI promulga as bulas Inter Caetera,
concedendo a Castela a soberania sobre as descobertas de Colombo.
25 de Setembro: Colombo parte para a sua segunda travessia atlân-
tica.

13 de Outubro: deixa Hierro, atravessando o Atlântico.


3 de Novembro: primeiro desembarque em Dominica.
18 de Novembro: após uma série de descobertas nas Pequenas Antilhas,
Colombo descobre Porto Rico.
23 de Novembro: chega a Hispaníola.
28 de Novembro: chega ao forte de Navidad, onde encontra a guarni-
ção massacrada.
1494 24 de Abril-29 de Setembro: Colombo deixa Hispaníola para explo-
rar Cuba e Jamaica.
29 de Setembro: Colombo junta-se ao irmão Bartolomé em Hispaníola.
1495 Março: Colombo inicia uma série de campanhas, durante mais de xmi
ano, para dominar o interior de Hispaníola.
Outubro: chega Juan Aguado para conduzir uma investigação judicial
sobre a demissão de Colombo dos seus deveres como governador.
1496 10 de Março: Colombo parte de Hispaníola para Espanha, via Marie-
-Galante e Guadeloupe; chega a Cádis a 1 1 de Junho.
1497 23 de Abril: Fernando e Isabel emitem primeiras instruções para a ter-
ceira travessia de Colombo.
Verão: Colombo passa algum tempo no convento de La Mejorada.
1498 30 de Maio: parte de Sanlúcar de Barrameda para a terceira travessia
atlântica, via ilhas de Cabo Verde.
1 de Julho: chega a Santiago, donde parte a 4 de Julho.

31 de Julho: avista Trinidad.


2-13 de Agosto: explora costa do continente americano ao longo da
península de Pária.
14/15 de Agosto: regista ter descoberto «um continente muito vasto,
que até hoje era desconhecido».
19 de Agosto: chega a Hispaníola, onde encontra a rebelião de Roldán
em curso.
1499 Setembro: fim da rebelião de Roldán. Alonso de Hojeda desembarca
em Hispaníola.

14
25 de Dezembro: Colombo visitado pela sua voz celestial.
1500 Junho: Vicente Yáfiez Pinzón desembarca em Hispaniola.
Agosto: Colombo reprime outra rebelião, chefiada por Adrián de
Muxica; chega Francisco de Bobadilla para conduzir uma investiga-
ção judicial.
Setembro: Colombo é preso.
Outubro: Colombo enviado a ferros para Espanha.
16 de Dezembro: Colombo apresenta-se a Fernando e Isabel, sendo
bem recebido.
1501 Fevereiro: tem início a correspondência, que chegou aos nossos dias,
entre Colombo e Gaspar de Gorricio; parece estar a trabalhar no Livro
das Profecias.
13 de Setembro: Nicolás de Ovando nomeado governador de Hispaniola.
1502 13 de Fevereiro: partida de Ovando.
14 de Março: Fernando e Isabel autorizam Colombo a realizar uma
quarta travessia.
3 de Abril: parte de Sevilha para a quarta e última travessia; atrasado
pelas condições do tempo, deixa Cádis a 1 1 de Maio.

20 de Maio: chega à Grande Canária; parte a 25 de Maio.


15 de Junho: chega à Martinica; a 29 de Junho encontra-se ao largo de
Hispaniola, onde, de acordo com as ordens dos monarcas, lhe é negado
abrigo em Santo Domingo de uma tempestade que se aproxima,
30 de Junho: a tempestade poupa a armada e o tesouro de Colombo,
mas a maior parte da armada que seguia em direcção à pátria é des-
truída, morrendo Francisco de Bobadilla.
14 de Julho: deixa Yáquimo (costa sul de Hispaniola).
30 de Julho: chega a Bonacca; inicia a viagem ao longo do istmo da
América Central.
20 de Outubro: descobre a província de Veragua, rica em ouro.
2 de Novembro: descobre o porto de Porto Bello.
5 de Novembro: forçado a regressar a Veragua devido ao mau tempo.
10 de Novembro: descobre a baía de Nombre de Díos.
1503 6 de Janeiro: lança ferro no rio Belén.
6 de Abril: visitado pela sua voz celestial.
16 de Abril: consegue sair da foz do rio quase fechada em Belén, per-
dendo uma embarcação; segue a costa em embarcações corroídas pelo
caruncho na esperança de atingir o meridiano de Hispaniola.
1 de Maio: dirige-se para norte em direcção ao mar aberto; depois de

ser arrastado até Cuba, chega à Jamaica a 23 de Junho.


25 de Junho: abandona embarcações na baía de Santa Ana, Jamaica.
Julho-Agosto: enquanto as forças de Colombo ficam abandonadas na
Jamaica, Diego Mendéz atinge Santo Domingo em canoa e por terra
para procurar ajuda, que o governador Ovando lhe recusa. Revolta dos
irmãos Forras.
1504 29 de Fevereiro: anunciando um eclipse, Colombo intimida os nativos
da Jamaica, levando-os a abastecer os seus homens.
Março: Diego de Escobar visita o acampamento de Colombo, vindo
de Hispaniola.

15
19 de Maio: a revolta dos Forras é reprimida.
Junho: expedição de socorro organizada por Diego Mendéz salva
Colombo e os seus homens; chegam a Yáquimo a 3 de Agosto.
12 de Setembro: Colombo ruma para Espanha.
7 de Novembro: chega a Sanlúcar.
26 de Novembro: morte da rainha Isabel.
Dezembro: Diego e Bartolomé Colón na corte de Fernando.
1505 Maio: Colombo, recuperando ligeiramente a saúde abalada, viaja para
a corte.
Princípio do Verão: é recebido em audiência pelo rei, em Segóvia,
com resultados pouco satisfatórios.
25 de Agosto: acrescenta codicilo ao seu testamento.
1506 Abril: os novos reis, Felipe e Juana, chegam a Espanha. Colombo
escreve-lhes a última carta conhecida.
20 de Maio: Colombo morre em Valhadolid.

16
- ' —

\ ^,j '-')
,>i r (T

TARTARIA ^^--.^;^ Ori.^ ^' \ f" \[ .}

\')'^'~!^^^
X^^^-x / ^^^'J
~Sv\ "'_^ \ \ ''' \ '"•?,

\k, \y í-*» '\


" ^- »
r ^
'v* r"\
^,i
V. ^£,^ V'^- '3''

CATHAY T
'

/
V
/ ^o '— ^,-''^--.

MANGI / l:' >-»^


^/''

'H\ r'^^^'^^<\ \ 5 ^ CIPANGU


,*

. CIAMBÂ ^ r^W^"^^^---'^-

(
\ ^^^^4;-; ^ (?
«'

IsuRATE [o^ 'Wr"""^\.V> \

^,.^-^-
.'^ TRISTIS ^\
[ (

^
)mOABAR
LOACH/
>^^^ JAVA MAJ0r\
;^^

^
<íi

"^
^
/
Equador

^^^ ^^EACURAM^^
D^
/A^^ r?^ ^ ^ ''

Aandyn,"'-'
*^ ^ /

/ O^
\JANQUANA ; r
'^ ;í
.

>
JAVA MINOR ,-' ;

0"
90°
i ^ 1

Concepção do Atlântico de Martin Behaim


o Açores

Madeira

Canárias !^ c?

Colombo no Velho Mundo


ANOTAÇÕES
AÇORES: destroços de naufrágio aqui reco- GRANADA: Colombo recebe autorização real
lhidos segundo uma biografia primitiva. para a sua viagem atlântica, Janeiro de 1492.
BRISTOL: visita deduzida do contexto da sua ISLÂNDIA: em 1495, Colombo afirma recor-
viagem à Islândia e da sua descrição da altura dar uma viagem a «Thule e cem léguas para
das marés. além» dezoito anos antes.
CANÁRIAS: conhecimento em primeira mão, JERUSALÉM: cruzada de Colombo proposta
anterior a 1492, deduzido do contexto geral da antes de 1492.
experiência atlântica de Colombo e da sua esco- LISBOA: pode presumir-se que a sua pre-
lha das ilhas como ponto de partida para a sua sença aqui, documentada intermitentemente, terá
travessia atlântica. As suas referências à topo- começado em meados da década de 1470 e cer-
grafia e aos habitantes das ilhas demonstram, tamente antes de 1477.
um conhecimento superficial.
pelo menos, MADEIRA: viagem como comprador de açú-
CÓRDOVA: primeira entrevista com Fer- num documento de 1478.
car registada
nando e Isabel, Maio de 1486. NUREMBERGA: os cosmógrafos desen-
ELMINA: em anotações nos seus livros, volveram aqui, talvez independentemente, um
Colombo afirma ter estado aqui numa viagem plano semelhante ao de Toscanelli em 1492,
que se pode localizar entre 1482 e 1485. As suas quando Martin Behaim concebeu o seu globo
referências à região e o seu uso de termos espe- com a reprodução de um Atlântico estreito e
cíficos do calão português da costa corroboram- navegável.
-na. A sua afirmação de ter determinado latitu- PALOS: tradicionalmente desde 1485 e cer-
des na viagem deve ser julgada tendo em vista tamente desde 1491, Colombo cultivou laços
a tentativa do astrónomo português da corte, com os Franciscanos de La Rábida. Embar-
José Vizinho, de usar a rota para aperfeiçoar as cações e efectivos foram aqui recrutados com
técnicas de determinação de latitudes. a ajuda da importante família de navegado-
FLORENÇA: relacionada com Colombo por res e armadores, os Pinzón.
um exemplar que chegou aos nossos dias, com PORTO SANTO: berço da mulher de
caligrafia deColombo, de uma carta de 1714, em Colombo, Dona Felipa Moniz, com quem casou
que Paolo dei Pozzo Toscanelli confidencia a um por volta de 1479.
correspondente português um plano de travessia QUIOS: visitas a este local relacionadas com
do Atlântico para a Ásia. Segundo os relatos pro- o comércio de mástique referido (e directa-
vavelmente interdependentes dos seus primitivos mente citado uma vez) nos escritos de
editor e biógrafo, Colombo estava em contacto Colombo.
com Toscanelli antes da morte deste último em SALAMANCA: visitas em 1486-91 ampla-
1482 e recebeu uma que sobreviveu apenas
carta mente admitidas mas não confirmadas.
em falsificações, incluindo o documento de 1474 SAVONA: durante algum tempo, incluindo
e um mapa teórico da rota. o ano de 1472, local da residência e do negó-
FUENTERRABIA E COLLIOURE: citadas cio familiar, que poderá ter abrangido o comér-
por Colombo em 1493 como as extremidades cio de lã e de tecidos.
da linha costeira de Espanha. SEVILHA, CÁDIS, BARCELONA, GOLFO
GALWAY: numa anotação marginal sem data, DE NARBONA, MARSELHA, NÁPOLES: locais
Colombo regista ter visto náufragos, que pre- recordados por Colombo numa carta de 1502
sumiu serem de proveniência asiática, neste porto como pontos de paragem numa rota de cabo-
de escala habitual do comércio do Norte. tagem.
GÉNOVA: terra natal. Corroborada por mui- TUNES: numa carta de 1495, Colombo afirma
tas referências à sua proveniência genovesa e numa expedição a este local, pre-
ter participado

por um documento em que os seus primos decla- sumivelmente no início da década de 1470. a
ram o parentesco. partir de Marselha.

19
Rotas de Colombo através do Atlântico
1493: 7 Fev. -
1493: 17 Fev. -
mudanças de vento,
chega a Santa Mana.
rota para SSE 1496: 20 Maio - .^^ »
encontra vento oeste __ -
— P^"^^ ^ ^'* '^^^

/
1493: 12 Fev. - 1493: 14 Fev. - Colombo ouve a
atingido por três dias sua voz celeste pela primeira vez
de tempestades violentas /"
.
^
/

/
1492: 8 Set. - partida para Gomera. rota para O
1498: 19 JuN. - rota de Gomera para SSO e por S
/

J-. '
il ^n /
/
/
1493: 13 OuT. - partida de Hierro, rota para O por S — :?».»/

1502: 26 Maio - partida de Hierro.


rota para O e por S

1^
Primeira travessia
'

Segunda travessia
I 1498: 30 .lUN. - Terceira travessia
* chega a Boa Vista

^/
/ Quarta travessia

1498: JUL. - Limite do mar


/ 1

chega a Santiago dos Sargaços

y^ —/ 1498: 13 JuL. calmaria

1498: 22 Jll. - rota pari


c? o

Ê ã
-

1502: 30 JuL. - guanaca (Guanaja, Bonacca)


^Colombo encontra canoa de mercador
vL Ancoradouros registados

PTA.CAXlNAS (C. Honduras). Encontra Índios Nomes usados por Colombo


J^«Sf vestidos de algodão «do Reino de Mava». cm maiúsculas, i.e. pto (,ORtxj
Começa a viagem contra o vento

«Já vi outras tempestades


mas nenhuma tão longa ou violenta»

Pára o vento contrário


1502: 14SET.
C. GRACIAS A DiOS

1502: 25 Dez. - pto. gordo


1502: 2 Nov. - pto. bello

Colombo rejeita
oferta pelo chefe
de duas jovens virgens,
presencia uma batalha
entre um javali e um cuatá

1502:25 Set. - 5 Out


LA HUERTA

Primeiros indícios de ouro


Volta a \ eragua. 1503: 1 Maio-
índios confirmam proximidade do «estreito» c marmóreo-'
chega a Belén
após um mês Ruma para norte
1502: 6-16 Out. - Levado daqui tentando chegar
de mau tempo
ALBukEMA (L. Chiriqui) por violenta a Hispaniola
tempestade até
Pto. Bello

^
Viagem de Colombo das Honduras a Darién, 1502-03
DESIGNAÇÕES ABREVIADAS USADAS NAS NOTAS

Bemáldez A. Bemáldez, Memorias dei reinado de los Reyes Católicos, ed. J. de Mata
Carriazo (Madrid, 1962).
Buron Ymago Mundi de Pierre d'Ailly, ed. E. Buron, 3 vols. (Paris, 1930).
Cartas Cartas de particulares de Colón y relaciones coetâneas, ed. J. Gil e C. Varela
(Madrid, 1984).
Décadas Pedro Mártir de Anglería, Décadas, ed. E. CGorman, 2 vols. (cidade do México,
1964). (Como existem numerosas traduções e edições desta obra, nenhuma delas
proeminente, cito-a pelo número da década, livro e capítulo. O texto que utili-

zei é o da tradução de 0'Gorman.)


Epistolario Pedro Mártir de Anglería, Epistolaria, ed. J. López de Toro, 2 vols. (Madrid,

1953) (Documentos inéditos para la historia de Espana, 11-12).


Historie Le Historie delia vita e deifatti di Cristoforo Colombo per D. Fernando Colombo
suofiglio, ed. R. Caddeo, 2 vols. (Milão, 1958).
Las Casas B. de Las Casas, Historia de las índias, ed. A. Millares Carló, 3 vols. (cidade
do México-Buenos Aires, 1951).
Morison S. E.Morison, Admirai of the Ocean Sea, 2 vols. (Boston, Mass., 1942).
Navarrete Obras de Martin Fernández de Navarrete, ed. C. Seco Serrano, i-ii (Madrid,
1954-55). [Utilizei esta edição pelo seu fácil acesso, mas a original, Colección
de los viages y descubrimientos que hicieron los espanoles por mar desde fines
dei siglo XV, 5 vols. (Madrid, 1825-37), i-iii, é geralmente preferida.]
Oviedo G. Fernández de Oviedo y Valdês, Historia general y natural de las índias, ed.
J. Pérez de Tudela Bueso, 5 vols. (Madrid, 1959), i.

Pleitos Pleitos colombinos, ed. A. Muro Orejón et ai. (Sevilha, 1964- ), i-iv (1964-89),
viii (1964).
Raccolta Raccolta di documenti e studi pubblicati delia Reale Commissione Colombiana,
6 partes em 14 vols., ed. C. de LoUis et ai. (Roma, 1892-96). As partes e os
volumes são citados por números romanos maiúsculos e minúsculos.
Textos Cristóbal Colón: Textos y documentos completos, ed. C. Varela (Madrid, 1984).
Os escritos de Colombo são normalmente citados a partir desta obra, a não ser
que o texto pareça mais satisfatório noutra edição.
Thacher J. B. Thacher, Christopher Columbus: His Life, Work andRemains, 3 vols. (Nova
Iorque, 1903-04).

24
.

PREFACIO

Segundo determinado ponto de vista, Colombo foi um excêntrico. Mesmo


em vida tinha reputação de excêntrico. Os seus patronos não levaram a
sério o seu plano para uma cruzada e os cortesãos consideraram-no uma
brincadeira^. Na
sua primeira travessia do Atlântico, membros da tripula-
ção amotinados decidiram atirá-lo ao mar durante as suas absortas medi-
tações com novos instrumentos de navegação de difícil manejo'. Afirmou
que ouvia vozes celestiais^ Escandalizou a corte dos monarcas espanhóis
aparecendo em público provocantemente vestido, uma vez acorrentado e,
geralmente, usando o hábito franciscano"^
Estas excentricidades são facilmente desculpadas ou mesmo aplaudi-
das pois estão frequentemente ligadas aos génios. Tiveram, porém, um efeito
lamentável. Colombo atraiu excêntricos tal como matéria atrai matéria e
se uma das muitas comissões criadas para honrar o quinto centenário da
descoberta da América oferecesse um prémio pela teoria mais ridícula sobre
ele,a competição seria muito acesa. Os leitores que desejem conhecer
Colombo podem também ser enganados por muitos amadores bem-inten-
cionados induzidos a escrever sobre a sua vida devido à presumível impor-
tância daquele: a maior parte dos livros sobre Colombo tem sido consti-
tuída por biografias, das quais mesmo as melhores parecem subtrair o seu
protagonista ao contexto correcto. O efeito tem sido, predominantemente,
em livros populares versões de um Colombo «avançado para
o de projectar
o seu tempo» - um Colombo inacessível à imaginação disciplinada pelo
respeito pelas fontes e pelo conhecimento da época. Se até agora as bio-

1
Textos, 101.
2 Las Casas, i. 189; este retrato é convincente mas não verificável.
3 Textos, 268.
4 Ver p. 33 n. 8.

25
grafias eruditas, com poucas excepções, não transmitiram qualquer impres-
são geral mais convincente sobre Colombo, deve-se provavelmente culpar
a influência enganadora dos escritores do século xvi tratados vagamente
como fontes primárias^ Durante quinhentos anos, a historiografia de Colombo
tem flutuado sem atender à necessidade de uma boa e longa estadia em
doca seca. Tal como um casco coberto de lapas, necessita de uma vigorosa
limpeza para se livrar da concreção glutinosa de erros e ideias falsas.
Quando devolvido a águas profundas, deverá ser conduzido cautelosamente
para evitar tanto as teorias excêntricas como as especulações indiscipli-
nadas. No Mar das Trevas, erguem-se vozes de Sereias de todos os lados.
Este livro foi escrito na convicção de que os leitores exigem factos puros
sobre Colombo, na medida em que estes possam ser descobertos. Procurei
nada dizer que não possa ser verificado - ou, em certos casos, razoavelmente
deduzido - em fontes inatacáveis. Excluíram-se as narrativas do século xvi,
excepto quando demonstram reflectir fontes que se perderam ou para o aperçu
ocasional que me pareceu útil e que foi claramente sinalizado, com um aviso
ao leitor, no texto ou nas notas. Mesmo os relatos escritos pouco depois da
morte de Colombo por observadores privilegiados foram escassamente usa-
dos, sendo sujeitos a confirmação. As próprias narrativas de Colombo, que
dificilmente podem ser excluídas, foram tratadas experimentalmente e exa-
minadas cuidadosamente quanto aos objectivos de promoção ou justificação
que distorceram quase todos os pensamentos que Colombo confiou ao papel.
Como resultado da minha confiança nos próprios escritos de Colombo e do
tratamento céptico que lhes dei, grande parte deste livro não se refere tanto
ao que aconteceu a Colombo mas ao que se passava na sua mente, que - tal-
vez surpreendentemente - é mais fácil conhecer.
O Colombo que assim se nos revela pode não ser muito mais objectivo
que qualquer outro, quando a sua imagem surgir tremeluzindo entre a retina
do leitor e a minha. O Colombo que vejo - o novo-rico socialmente ambi-
cioso e socialmente desastrado, o autodidacta intelectualmente agressivo
mas facilmente intimidado, o fugitivo amargurado das realidades doloro-
sas; o aventureiro inibido pelo medo do fracasso - é, creio, consistente com
os testemunhos, mas seria sem dúvida possível reconstruir a imagem de

5 Apenas J. Heers, Christophe Colomb modernos,


(Paris, 1981), tem, entre os autores
uma atitude verdadeiramente vincada perante o evemerismo dos do século xvi, mas,
escritos
como noutros grandes estudos biográficos eruditos de S. E. Morison, Admirai ofthe Ocean
Sea, e C. Verlinden, Cristóbal Colóny el descubrimiento de América (Madrid, 1967), demons-
tra curiosamente pouco interesse pela descrição da personalidade de Colombo. Ver a defesa
de Morison sobre a confiança no que ele chama «contemporâneos», i. 67-8. Uma monogra-
fia que capta vividamente algumas das preocupações mais íntimas de Colombo é a de A. Milhou,

Colón y su mentalidad mesiánica en el ambiente franciscanista espanol (Valhadolid, 1983).


C. de Lollis, Cristoforo Colombo nella legenda e nella storia (Roma, 1892), e J. B. Thacher,
Christopher Columbus: His Life, Work and Remains, 3 vols. (Nova Iorque, 1903-04), podem
ainda ser conscienciosamente recomendados.

26
outras formas a partir dos mesmos testemunhos. Outros estudiosos imaf^i-
naram-no essencialmente como um marinheiro experimentado, um materia-
lista impiedoso, um vidente místico ou uma personificação do capitalismo
burguês; a origem dos seus motivos tem sido atribuída a um impulso evan-
gélico, aalguma convicção religiosa mais generalizada, ao espírito de cru-
zada, à curiosidade científica, à sabedoria esotérica ou mesmo «secreta»
ou à ganância. Considero estas versões pouco convincentes, mas não escrevi
para apresentar a minha visão à custa delas - unicamente para satisfazer
os leitores que desejem fazer a sua própria escolha dentro do leque de pos-
sibilidades genuínas.
Existem, no entanto, três tradições da historiografia de Colombo que
vivamente desafio. A primeira é a tradição mistificadora que revela alega-
das verdades crípticas que os testemunhos não podem divulgar Obras deste
tipoargumentam que Colombo não era o que parecia ou que o seu plano
de uma travessia atlântica escondia algum objectivo secreto. Por exemplo,
o testemunho racionalmente incontestável da proveniência genovesa de
Colombo não impediu os mistificadores de fabricarem um Colombo portu-
guês, castelhano, catalão, maiorquino, galego ou ibizino, por vezes com a
ajuda de documentos forjados^. Num nível mais elevado de mistificação,
uma tradição persistente tem insistido num Colombo judeu. A sua própria
atitude para com os Judeus não estava isenta de ambivalência: por um lado,
tratava-os com respeito e afirmava, por exemplo, que tal como os Mouros
e os pagãos podiam ter acesso aos dons do Espírito Santo; por outro lado,
partilhava dos preconceitos característicos do seu tempo, condenando os
Judeus como fonte «réproba» de depravação herética e acusando os seus
inimigos da mancha de proveniência judaica^. A teoria de que ele próprio
era de fé ou origem judaica pode apenas ser defendida ex silentio, na ausên-
cia - e por vezes a despeito - de testemunhos^.
Os crentes nos «segredos» de Colombo desenvolvem-se sem testemu-
nhos porque, como todas as crenças irracionais, a sua alimenta-se da indi-

A. Ballesteros y Berett, Cristóbal Colón y el descubrimiento de América, 2 vols. (Barcelona,


^

i. 90-130, apresenta todas estas teorias, à excepção de uma, com as primeiras


1945), - des-
culpáveis porque anteriores a provas definitivas da proveniência genovesa - retratando Colombo
como grego, corso, inglês, francês ou suíço. E. Bayerri y Bertomeu, Colón tal cual fue (Barcelona,
1961), 451-81, dedica muito esforço inútil à reconstituição de um Colombo catalão da «Islã
de Génova» em Tortosa, teoria que não requere refutação específica, a fortiori. O mesmo se
pode dizer do esforço recente relativamente pouco inventivo de L. Saladini para ressuscitar o
Colombo corso {Les Origines de Christophe Colomb, Bastia, 1983). O Colombo ibizmo é uma
versão relativamente recente, inventada por um jornalista local que conseguiu aprovação pre-
cipitada do actual chefe da família Colón, o duque de Veragua.
^ Textos, 203, 258; Raccolta, I. ii. 366.
«
As Columbus (Londres,
descrições mais cuidadosas são as de S. de Madariaga, Christopher
1949), esp. 50-65, e S. Wiesenthal, The Secret Mission of Christopher Columbus (Nova Iorque,
1979).

27
ferença por provas. Assim, alguns eruditos geralmente dignos de elogio
argumentam, por exemplo, que todos os testemunhos que provam que Colombo
navegou em 1492 numa missão à Ásia deveriam ser «descodificados» para
demonstrar o oposto ou que o seu plano pode ser explicado apenas por
acesso a conhecimentos prévios secretos, transmitidos por um «piloto des-
conhecido» ou ainda por meio de uma pré-descoberta casual da América
pelo próprio Colombo ou até como resultado de um encontro fortuito com
índios americanos^. Os leitores deste livro podem estar certos de que serão
poupados a especulações precipitadas deste tipo.
A segunda tradição discutível trata a escassez de testemunhos como
pretexto para conjecturas intuitivas. As reconstruções imaginativas do que
Colombo «deve» ter pensado ou feito em momentos em que as fontes são
silenciosas ou ignoradas formam a base de conclusões vácuas. Baseando-
-se em tais devaneios, em obras extremamente populares, tem sido atribuí-
da a Colombo uma vigorosa vida amorosa, com relances visionários da
América na Islândia e em Porto Santo, com visitações pelas suas «vozes»
não confirmadas e com um plano para esconder a sua presumível ascen-
dência hebraica^^. Por vezes o método é defendido por um desprezo claro
pelos recursos essenciais do inquérito histórico, por um apelo a «deixar os
documentos poeirentos na prateleira e regressar à carne e ao espírito» ou
à especulação permitida porque «não existem documentos, apenas as vidas
reais destes homens e mulheres, cujo sangue corria nas suas veias como o
nosso corre nas nossas»^^. No entanto, mesmo estando dispostos a aceitar
este raciocínio obviamente falacioso, a premissa em que se baseia é falsa.
Estamos extremamente bem informados sobre Colombo. Nenhum contem-
porâneo de origem humilde ou vocação marítima deixou tantas marcas nos
registos ou tantos escritos próprios.
O último perigo que procurei evitar é o de subscrever uma lenda da
autoria do próprio explorador O retrato transmitido pela tradição histó-
rica deuma figura extraordinariamente decidida é falso, estou certo. Embora
Colombo pudesse ser obsessivamente teimoso, a sua auto-imagem, como
procuro mostrar neste livro, estava manchada pela dúvida. O seu sentido

^ grande entreprise de Christophe Colomb, 2 vols.


E. Vignaud, Histoire critique de la
(Paris,1911),!^ Vrai Christophe Colomb et la legende (Paris, 1921); J. Manzano y Manzano,
Colón y su secreto: El predescubrimiento (Madrid, 1982); L. Ulloa, El predescubrimiento
hispano-catalán de América (Paris, 1928); J. Pérez de Tudela y Bueso, Mirabilis in Altis:
Estúdio crítico sobre el origen y significado dei proyecto descubridor de Cristóbal Colón
(Madrid, 1983).
•o
G. Granzotto, Christopher Columbus: The Dream and the Obsession (Londres, 1986),
esp. 121; P. E. Taviani, ChristopherColumbus: The Grand Design (Londres, 1986), esp. 86,
109; Madariaga, Christopher Columbus, 55, 69.
''
Madariaga, Christopher Columbus, 36; Granzotto, Christopher Columbus, 121; o pró-
prio Morison sucumbe a esta tentação, imaginando, por exemplo, as conversas de Colombo
com sua mulher: i. 161; cf. i. 135.

28
do propósito divino cresceu gradual e irregularmente e nasceu e foi ali-
mentado na adversidade. As suas ideias a respeito da geografia tomaram
forma lentamente, sendo muito volúveis nos primeiros estádios. O seu desen-
volvimento mental prosseguia intermitentemente e conduziu em diferentes
épocas a diferentes direcções. A visão contrária - segundo a qual as suas
ideias surgiram repentinamente, como por revelação ou divulgação «secreta»,
ou foram sustentadas consistentemente, desafiando a troça contemporânea,
com um inflexível sentido do objectivo - tem a sua origem numa imagem
«promocional» que Colombo projectou nos seus próprios escritos na última
fase da sua vida. O seu objectivo era não só dramatizar a sua história e
realçar a base exclusiva das suas reivindicações de recompensas materiais
mas também apoiar um retrato mais amplo de si próprio como agente pro-
videncial. Defendia que fora divinamente escolhido para executar parte do
plano de Deus para a humanidade, tornando o seu Evangelho conhecido
em zonas não evangelizadas da Terra. Essa leitura tendenciosa da sua pró-
pria vida foi adoptada pelos autores das narrativas pormenorizadas do
século XVI, que influenciaram todos os escritores subsequentes. Bartolomé
de Las Casas, cuja obra tem sido fundamental para todos os estudos moder-
nos sobre Colombo, aceitava a auto-avaliação de Colombo como mensa-
geiro divino porque partilhava de uma visão providencialista da história e
escreveu para justificar e celebrar um apostolado entre os índios em que
ele pessoalmente desempenhou um papel importante; a segunda narrativa
mais influente, a Historie deirAmmiraglio, reflecte praticamente a mesma
visão, porque derivava da obra de Las Casas ou talvez porque foi realmente
obra do filho de Colombo, a quem é atribuída'^. Embora poucos historia-
dores modernos admitam uma concepção providencialista da história, quase
todos aceitam uma versão secularizada da lenda, geralmente com resulta-
dos enganadores. Algumas conclusões precipitadas têm-se baseado, por
exemplo, no mito da «certeza» de Colombo, que tem a sua origem na ima-
gem vivida de Las Casas: «estava tão certo do que ia descobrir que era
como se o tivesse num quarto fechado com a sua própria chave»'\
Colombo é melhor conhecido - isto é, compreendido mais completa-
mente - nos contextos a que pertencia: o mundo genovês de fins do século x\';
a Lisboa e a Andaluzia com infiuências genovesas para onde foi num período
crítico da sua carreira; a corte dos monarcas espanhóis, que foi efectiva-
mente a sua base de operações na segunda parte da sua vida; o desenho
de mapas e a exploração do Atlântico na sua época; o mundo da espe-

'2
Asua publicação em 1571 destinou-se, de qualquer forma, a servir os interesses da
família Colón. Ver A. Cioranescu, La primera biograjia de Cristóbal Colón (Santa Cruz
de Tenerife, 1960), e A. Rumeu de Armas, Hernando Colón: Historiador dei descubrimiento
de América (Madrid, 1973).
13
J. Laraer, «The Certainty of Columbus», History, 73 (1988), 3-23; Las Casas, i. 72.

29
culação geográfica que o rodeava, e, num segundo plano mais remoto, a
lenta mudança do centro de gravidade da civilização ocidental do
Mediterrâneo para o Atlântico, para a qual deu um contributo tão impor-
tante. Procurei delinear estes resumidamente. Actualmente, os historiado-
res deveriam apenas exigir um tempo limitado aos seus leitores e o objec-
tivomais importante desta obra é o de abarcar o essencial deforma correcta
mas convenientemente breve.
Quase tudo o que sei sobre Colombo foi aprendido em dez anos de
ensino destinado a trabalhos baseados em parte nos seus escritos, nas
Faculdades de História Moderna e de Línguas Medievais e Modernas na
Universidade de Oxford. Em relação aos colegas e alunos, estou especial-
mente em dívida para com Roger Highfield, Penry Williams, John Hopewell
e Alina Gruszka. Os meus erros, como os de Colombo, provêm de indife-
rença aos conselhos^"*.

Partney House, Lincolnshire F. F-A.


Julho de 1990

^^ Enquanto esta obra estava a ser escrita, o professor A. Rumeu de Armas chamou a

minha atenção para um manuscrito recentemente aparecido, sem qualquer antecedente ou pro-
veniência convincente, parecendo ser uma cópia do século xviii de alguns documentos de
Colombo, incluindo alguns desconhecidos por outras fontes. Tenho o maior respeito pela
apreciação do professor Rumeu, mas senti-me obrigado a deixar de parte este manuscrito, a
que farei uma crítica pormenorizada em devido tempo. Existe uma edição fac-similada: Libro
copiador de Don Cristóbal Colón (Madrid, 1990).

30
1

UM HOMEM «ERGUIDO DO NADA»

DE GÉNOVA AO ATLÂNTICO,
C.1450-C.1480

Colombo uma família de tipo patriar-


iniciou a sua carreira fugindo de
cal e de um humilde. Tanto quanto o conhecimento nos pode permitir a
lar
esta distância, é certo que o Cristóbal Colón que navegou através do Atlântico
em 1492 foi o mesmoColombo que nasceu em Génova ou nos
Cristo foro
seus arredores, filho de um
chamado Domenico, provavelmente um
tecelão
pouco mais de quarenta anos antes. Os testemunhos consistem não só nas
próprias afirmações de Colombo, frequentes e aparentemente sinceras sobre
a sua proveniência genovesa, mas também num documento de incontestá-
vel autenticidade, em
que alguns dos seus parentes genoveses declararam a
intenção de se deslocarem a Espanha para obterem o seu patrocínio, depois
dele atingir a fama^ Este facto ajuda a compreender a trajectória social de
Colombo: o círculo restrito em que nasceu e o grupo unido que o rodeava;
a fuga para o sucesso mundano; a reunião de parentes em tomo do arriviste
afortunado; o papel de sustento da família a que estava obrigado pela sua
posição duramente alcançada no mundo em que fora aceite. No fim da sua
vida, Colombo distribuía honrarias e riqueza (em grande parte imaginária)
aos irmãos ainda vivos e aos seus descendentes. Recorda-nos Napoleão
- outro carácter marginal de um ambiente italiano intensamente «tribal» -,
transformando em
soberanos os seus irmãos empobrecidos.
Embora pouco se saiba sobre os primeiros tempos da vida familiar de
Colombo, é evidente que dela se envergonhava. Mostrava-se evasivo sobre

'
Raccolta, II. i. 16; Cristo/oro Colombo: Documenti e prove delia sua appartenenza a
Génova (Génova, 1931), 116-17.

31
as suas origens. Uma biografia primitiva atribuída a seu irmão mais novo
sugere que tal se devia a modéstia. Preferia, segundo alega o seu biógrafo,
ascender por mérito próprio do que confiar nos seus ilustres antepassados
para marcar o seu lugar no mundo^. Um conceito típico da filosofia moral
do Renascimento encontra-se na base do argumento: a nobreza consiste não
numa linhagem antiga mas na virtude pessoal. No entanto, este, tal como
muitos outros conceitos do Renascimento, não foi inteiramente partilhado
por Colombo. Ter-se-ia gabado de uma linhagem antiga, se a tivesse pos-
suído. O seu desejo de possuir antepassados ilustres pode detectar-se na rei-
vindicação duvidosa de que «eu não sou o primeiro almirante da minha
família». Era mais franco quando admitia que os seus patronos o tinham
«erguido do nada»^
Embora referisse um antepassado almirante, suprimiu qualquer men-
ção a seu pai tecelão. Sua mãe, Susanna, filha de um tecelão, foi abafada
pelo mesmo silêncio, tal como sua irmã, Bianchinetta, que casou com um
fabricante de queijos. Porém, aos irmãos que sobreviveram até à idade
adulta - Bartolomeo e Giacomo, conhecidos exclusivamente segundo a
ortografia castelhana como Bartolomé e Diego - Colombo demonstrou o
devido sentimento familiar: «laços de sangue e grande amor», como disse'*.
Bartolomé foi o companheiro e delegado durante os longos anos gastos a
suplicar patrocínio nas cortes ocidentais da Cristandade latina e o braço
direito nas suas tentativas de estabelecer uma colónia no Novo Mundo.
Diego acompanhou a segunda travessia atlântica de Colombo e continuou
a merecer o seu afecto e a obter o seu patrocínio. «Nunca tive melhores
amigos», recordou Colombo no fim da sua vida, «tanto nos bons como nos
maus momentos, do que os meus irmãos.» Partindo de um homem que fazia
amigos nos bons momentos, muitos dos quais o abandonaram, talvez esta
afirmação não tenha grande significado. A lealdade mútua de Colombo e
seus irmãos durante o período ao serviço de Espanha trouxe-lhe o conforto
da solidariedade familiar numa terra estranha e em companhia hostil, mas
provocou ressentimentos nos subordinados excluídos de viagens e de coman-
dos coloniais. Seus primos de gerações diferentes Giovanni António e
Andrea serviram-no nas terceira e quarta travessias atlânticas, respectiva-
mente, alimentando a desilusão que muitos dos outros seguidores de Colombo
sentiam por todo o grupo familiar^.
Domenico Colombo não terá sido um pai de que fosse fácil orgulhar-
-se. Se, como é provável, pode ser identificado com o tecelão do mesmo
nome registado também como proprietário de um botequim em Savona,

2 Historie, i. 43-55.
3 Ibid. 55.
4 Textos, 189.
5 Cartas, 289, 319; Las Casas, i. 497; Textos, 339, 351

32
podemos presumir que fez algum esforço para melhorar a sua sorte; mas
em 1473, ao necessitar urgentemente de dinheiro, liquidou alguns bens
móveis e dez anos depois sofria pressões dos credores para vender a sua
casa. Uma identificação menos certa refere-se a Domenico Colombo como
guarda de uma porta da cidade em
1447 e 1450; o exercício de uma fun-
ção oficial, embora tão modesta, não poderia ter sido obtido sem o patro-
cínio de uma das facções dominantes na turbulenta história da política geno-
vesa, mas esta linha de pesquisa, embora intrigante, é demasiado vaga para
se prosseguir com proveito^.
«Colombo o pobre» - como lhe chamou um comentador primitivo^ -
não suprimido por modéstia referências a progenitores tão banais. As
teria
origens obscuras constituem explicação suficiente para as suas reticências.
Nem Colombo era homem para fazer qualquer coisa por modéstia. Mesmo
a humildade que aparentou no fim da vida, usando um hábito grosseiro^
era de tipo ostensivo e exibicionista. Afirmou ter sido inspirado divinamente
- o que representa uma forma curiosamente egotista de obscuridade. O papel
de grande nobre e de «capitão de conquistas», idealizado para si próprio
nos últimos anos de vida, estava estranhamente bem descrito e o argumento
impressionantemente bem aprendido para um homem sem educação*^.
Segundo um ponto de vista, o propósito isolado mais consistente a que
a sua própria vida foi dedicada consistiu no desejo de fundar a sua própria
dinastia nobre. As prioridades que afirmou - o serviço de Deus e dos monar-
cas de Espanha, o progresso da ciência - surgem em comparação como
subordinadas ou auxiliares: fios do manto de auto-engrandecimento que o
ex-tecelão criou para si próprio. Os companheiros descontentes na sua pri-
meira travessia atlântica compreenderam bem essas prioridades: queixaram-
-se de que queria, acima de tudo, «ser um grande senhor» e estava disposto
a arriscar a sua vida e a deles para tal^^. Na sua última viagem negou qual-
quer desejo de «posição e riqueza», mas admitiu, implicitamente, que tais
tinham sido os seus objectivos até então''.
A Igreja e a guerra constituíam as vias principais de ascensão na época de
Colombo. Seu irmão mais novo, Diego, terá decidido, em data desconhecida
embora Colombo evi-
anterior a 1498, seguir a carreira eclesiástica'^; mas,
denciasse uma sensibilidade religiosa invulgarmente forte no fim da vida, não
parece ter demonstrado qualquer vocação semelhante quando jovem. Quando

^ II. i. 84-160.
Raccolta,
Thacher, i. 190; cf a ênfase dos primeiros prosopógrafos genoveses nas suas origens
^

humildes: ibid. 196-207.


8 Las Casas, i. 409; Bemáldez, 333.
9 Textos, 269, 272.
'O
Las Casas, i. 189.
11
rejc/05, 329, 361.
12
Ibid. 191.

33
começou a sentir-se como figura quase sacerdotal - usando um hábito fran-
ciscano e levando a luz do Evangelho aos pagãos - na última década da sua
vida, adoptou também, aproximadamente na mesma altura, a autopercepção
marcial «capitão enviado de Espanha para conquistar um povo nume-
como
roso e guerreiro» ^^ Ambas estas simulações, no entanto, foram adições tardias
à sua bagagem mental. A espiritualidade foi abraçada, como veremos, como
refugio da adversidade; o papel marcial foi alegado, durante o seu período de
desgraça em 1500, para esconder as suas deficiências como adm^inistrador.
Numa carta escrita em 1495 insinuou, quase certamente de forma enganadora,
que comandara uma expedição no mar quando jovem, nas guerras entre as
dinastias angevina e aragonesa pelo domínio do reino de Nápoles^'^. Com esta
excepção, não existe qualquer outra indicação de que Colombo alguma vez
tenha tido ocasião de seguir um rumo guerreiro para autopromoção.
Mas o século xv oferecia também aos ambiciosos por ascensão social
a via marítima para concretização dos seus objectivos, geralmente através
de alpondras representadas por ilhas. Um dos mais recentes e populares
livros na Espanha de Fernando e Isabel era o descrito em Don Quixote como
«o melhor do mundo» - o Tirant lo blanc, de Joan Martorell, um extrava-
gante romance de cavalaria, em que uma das personagens é um «rei das
ilhas Canárias» que lança, com ironia presumivelmente consciente por parte
do autor, a invasão da Europa. A criação de um reino numa ilha é um desen-
lace comum nas obras do género: em Don Quixote a tradição é ridiculari-
zada através da aspiração de Sancho Pança de governar uma ilha. Quando
Fernando e Isabel acrescentaram o título de «rei e rainha das ilhas Canárias»
à relação de títulos com que encabeçavam as suas cartas, estavam a ultra-
passar a ficção e a tomar o romance realidade, servindo-se Colombo da
mesma tradição quando se lhes dirigia tratando-os como «rei e rainha das
ilhas do Oceano». Uma alquimia semelhante transformou homens de baixa
condição em príncipes ou governadores no início do século. Um assassino
membro da escória de «cavaleiros e escudeiros» de Henrique*, o Navegador,
foi transformado em «Tristão da Ilha» pelos seus serviços na Madeira.
O aventureiro normando Jean de Béthencourt proclamou-se rei das ilhas
Canárias nas ruas de Sevilha. Um dos homens «feitos» pelas escapadas às
ilhas do «mar Oceano» (como o Atlântico era então conhecido) foi Bartolomeu

'3 Ver n.° 9 acima.


'4 Textos, 166-7.
* Esta apreciação parece ser um tanto exagerada em relação aos dados históricos,
pois está provado que o infante D. Henrique recrutou os seus homens pelas suas apti-
dões teóricas e práticas (cartógrafos, pilotos, escudeiros, cavaleiros). O paralelo que o
autor estabelece entre as tripulações portuguesas e as que equiparam as caravelas de
Colombo tem aqui sobretudo a função de atribuir a estas últimas determinadas caracte-
rísticas contrapondo-as àquele termo de comparação. (A^. da T.)

34
Perestrello, membro do grupo de Henrique, o Navegador, enviado para colo-
nizar e governar Porto Santo: o casamento com a filha de Perestrello, em
data desconhecida entre 1477 e 1480, seria o primeiro grande passo de
Colombo para alcançar o prestígio social '^
O mundo da aventura maritima a que Colombo se juntou era evocado, tal-
vez da melhor forma, pela figura do conde Pêro Nifio, cuja crónica, escrita
pelo seu porta-estandarte no segundo quartel do século xv, constitui um tra-
tado de cavalaria bem como um relato de campanhas: El vitoriai exalta um
cavaleiro nunca vencido em ou amores e cujas maiores bata-
torneios, guerras
lhas eram travadas no mar - «ganhar uma batalha é o maior bem e a maior
glória da vida». Quando o autor discorre sobre a mutabilidade da vida, os seus
«mãe» é o mar «e aí está a minha
interlocutores são a Fortuna e o Vento, cuja
obra principal». O
contemporâneo de Colombo, o jovem poeta português Gil
Vicente, era capaz - graças às conotações cavaleirescas do mar - de compa-
rar uma bela mulher a uma embarcação e a um cavalo de batalha sem parecer
incongruente. Era como se o romance se pudesse sentir entre os ratos e bis-
coitos da vida a bordo ou as ondas pudessem ser montadas como pequenos
cavalos. Não há testemunhos de que Colombo tenha alguma vez lido qualquer
literatura cavaleiresca do mar, mas movimentava-se num mundo mergulhado
nela.A sua vida foi, de certa forma, a personificação desta literatura e as ilhas
que ornamentavam o brasão que conquistou eram dela uma imagem'^.
Para um jovem genovês de origem modesta e pouca educação, a vida
de marinheiro constituía uma opção de carreira perfeitamente natural. Colombo
era franco sobre a sua falta de estudos de base - de forma mais eloquente,
numa retrospectiva feita em 1501 escrita quando passara já o clímax da sua
carreira e a sua saúde e sorte se encontravam em declínio, afirmou:

Velejei por todos os mares navegados até hoje. Conversei e troquei ideias com
homens cultos, clérigos e leigos, latinos e gregos, judeus e mouros e muitos outros de
A esse desejo meu descobri que Nosso Senhor era muito favorável e para
outras religiões.
taldeu-me o espírito da compreensão. Dotou-me abundantemente para a marinharia;
deu-me o suficiente para a astrologia e também para a geometria e a aritmética, com o
talento e a habilidade de fazer representações do globo e desenhar nelas as cidades,
os rios e as montanhas, as ilhas e os portos, todos nos seus lugares próprios. Ao longo
deste tempo vi e estudei livros de todos os géneros - geografia, história, crónicas, filo-

sofia e outras artes -, pelos quais Nosso Senhor abriu o meu entendimento com a Sua
mão manifesta ao facto de que era praticável velejar daqui para as índias •^.

15
F. Femández-Armesto, The Canary Islands after the Conquest (Oxford, 1982), 136-
-40; Monumenta henricina, 15 vols. (Coimbra, 1960), ix. xi. 110, 142; P. Margry,
55, 129;
La Conquête et les conquérants des íles Canaries (Paris, 1886), 253; Fontes Rerum Canariarum
(La Laguna, 1933- ), ix. 31, 33; xi. 107, 215; Historie, i. 61-2.
•6
G. Díez de Games, El vitoriai, ed. J. de Mata Carriazo (Madrid, 1940), 40-7, 86-96, 201,
256-61, 300; G. Vicente, Obras Completas, ed. A. J. da Costa Pimpão (Barcelos, 1956), 55.
1^ Textos, 277.

35
Embora destinada a fornecer uma explicação da génese do seu projecto
para uma travessia atlântica, esta passagem tem o efeito de descrever o seu
próprio processo longo e lento de autodidáctica. Como outros homens devo-
tos em situação semelhante, Colombo atribuía evidentemente a Deus o seu
próprio papel na aquisição de conhecimentos e da perspicácia prática que
o caracterizaram na idade madura. Pela forma como o exprime, é óbvio que
pouco ou nada deste saber foi adquirido na infância.
Não frequentou certamente nenhuma universidade: o seu suposto lugar
entre os estudantes universitários de Pavia foi invenção de um biógrafo pri-
mitivo ^l A sua avaliação por um amigo - o sacerdote e cronista da sua pró-
pria época, Andrés Bemáldez - como um homem de «elevado intelecto mas
reduzida educação» ^^ era exacta. Apresentava as falhas intelectuais caracteris-
ticas de um autodidacta. A sua mente sofria dos defeitos que podem ser cau-
uma absorção de
sados por conhecimentos desordenada e não sistemática, tal
como uma embarcação ao largo num oceano sem estrelas. Lia apaixonada-
mente mas não criticamente; adquiriu, durante um longo periodo, grande quan-
tidade de informação,mas nunca conseguiu utilizá-la da melhor maneira. Era
capaz de imitar grande variedade de estilos em diversas línguas, mas cometia
sempre erros tolos ou risíveis. Saltava - nas suas tentativas de raciocínio -
para conclusões estranhas, com base em testemunhos pouco sólidos, que uma
preparação mais equilibrada o poderia ter ensinado a evitar. Seleccionava obses-
sivamente as suas leituras, escolhendo tudo o que apoiasse as suas próprias
teorias, rejeitandoou distorcendo tudo quanto não se enquadrasse.
Em qualquer caso, segundo as próprias palavras as suas viagens na juven-
tude precederam a sua autodidáctica tanto analiticamente como no tempo.
«Desde muito jovem», escreveu em 1501, «velejei pelo mar, ocupação que
conduz todos os que a seguem a desejarem aprender os segredos do mundo.»^^
Quer isto dizer que as suas experiências de navegação o conduziram como
que soprado pelo vento e arrastado por uma corrente para o oceano da espe-
culação geográfica. Provavelmente, a procura da glória no mar surgiu em
Colombo gradualmente, à medida que aumentava a sua experiência de mari-
nheiro. Seria precipitado supor que iniciou a sua carreira náutica com quais-
quer ambições específicas. Exceptuando o nascimento genovês, a única outra
afirmação digna de crédito por Colombo sobre a sua vida passada foi
feita
a reivindicação de ter ido para o mar «muito jovem». A data é desconhe-
cida. A biografia atribuída a seu filho diz que tal aconteceu quando o futuro
descobridor tinha catorze anos. Em 1492, Colombo datou o mesmo acon-
tecimento de vinte e três anos antes (se se pode confiar na transcrição do
documento)^^ Em 1472, Colombo ainda se encontrava envolvido, pelo menos

i. 56; Las Casas, 31; Raccolta,


^8 Historie, i. II. iii. 29.
19
Bemáldez, 269-70.
20
Textos, 277.
21
Ibid. 89.

36
em certos períodos, no negócio de tecelagem da família - embora isto não
excluísse a realização de viagens marítimas, por exemplo, para compra de
lã ou venda de tecidos^^.
As
suas navegações, cuja realização podemos afirmar com segurança
terem ocorrido entre o início da década de 1470 e meados da década de
1480, podem reconstituir-se a partir de vestígios mais ou menos casuais nas
fontes (ver mapa 1). Julgando pelas aparências, parecem abranger um leque
espantoso, levando-o não só pelas águas territoriais de Génova nos mares
Ligúrico e Tirreno^^ mas também para leste até aos limites do Mediterrâneo,
em Quios^"*, e para oeste até aos pontos mais remotos da navegação efec-
tuada no Atlântico: até à Islândia ao norte, aos Açores ao centro e ao golfo
da Guiné ao suP^ Este impressionante registo de aprendizagem náutica deve
ser tratado com cautela pois deriva quase inteiramente do próprio testemunho
de Colombo. Porém, faz sentido no cenário da Génova do seu tempo - cená-
rio que, se examinado de perto, pode suprir as deficiências do nosso conhe-
cimento sobre os primeiros tempos da vida de Colombo transmitindo uma
ideia do mundo em que ele se movimentava.

Na sua Cosmographia de meados do século xvi, Sebastian Miinster


escolheu para representar Génova a figura de Jano brandindo uma grande
chave^^. Uma lenda medieval mais popular atribuía o nome da cidade a
um suposto fundador troiano, lanos, mas o conceito de Munster representa
melhor o carácter de Génova como ficara definido no fim da Idade Média:
um Jano virado para leste e para oeste, por um lado para o comércio do
Levante, do mar Negro e do Oriente, por outro para o Mediterrâneo
Ocidental, o Magrebe e a Península Ibérica. A partir de fins do século xiii,
quando as embarcações genovesas começaram a cortar em grande número
as correntes contrárias que bloqueavam a navegação mediterrânica nos
estreitos de Hércules, esse olhar para oeste foi prolongado ainda mais para
o Atlântico. Embora considerada, com base num jogo de palavras, como
a «porta» (ianua em latim) para Itália ao longo da estrada costeira ligú-
rica, Génova nunca controlou o acesso por terra em redor dos Alpes ou
através deles. No entanto, o seu crescente poder marítimo, o seu «impé-
rio» impreciso mas
vasto de colónias mercantis ao longo das rotas marí-
timas ibéricas e magrebinas até ao Atlântico e os seus interesses forte-
mente desproporcionados no comércio mediterrânico-atlântico deram-lhe
uma posição privilegiada na abertura medieval tardia do Atlântico. A chave

22
Cristoforo Colombo: Documenti e prove, 187.
23
Textos, 306.
24
Ibid. 55, 78.
25
Ibid. 167; Raccolía, I. ii. 291, 364-9, 375, 390, 406-7; Historie, i. 64-7, indirectamente
confirmado por Textos, 19.
S. Munster, Cosmographia (Basileia, 1554), 139, 178; (1572), 178, 248.
26

37
que Jano empenha no desenho de Miinster deveria ser considerada como
abrindo a «porta» não da antiga estrada romana da Gáha para Itália pela
costa mas das colunas de Hércules.
A rede genovesa de centros de produção e permuta constituía um impé-
rio apenas em sentido muito restrito: em primeiro lugar, porque lhe fal-
tava a direcção central das instituições do Estado; em segundo, porque
abrangia poucas colónias independentes; em terceiro, devido à ambiva-
lência dos mercadores genoveses, cujo sucesso devia muito à sua solida-
riedade mútua mas ainda mais à sua capacidade de adaptação e ao talento
para diferenciar e servir interesses privados ou familiares mais do que os
da sua nação. Além disso, a política genovesa tinha o carácter de «caran-
guejo eremita», satisfeita sempre que conseguisse trabalhar em conjunto
com outros Estados ou ao lado deles. Desde Bizâncio e o Canato da Horda
Dourada no Oriente no Ocidente, os Genoveses
até Portugal e Castela
aceitaram a protecção de príncipes estrangeiros; o resultado foiuma forma
de colonialismo encoberto ou de imperialismo substituto em que, por exem-
plo, grande parte do lucro da expansão ultramarina castelhana foi atraída,
acenando os cordões da bolsa, para mãos genovesas. Outro efeito foi um
meio ideal para Colombo, permitindo-lhe ser auxiliado pela amizade dos
seus conterrâneos quando ao serviço de monarcas estrangeiros. Isto iria
combinar o melhor de dois mundos.
O que transformou a dispersão genovesa pelo Mediterrâneo numa rede,
senão num império, não foi uma política conscientemente imperial do Estado
genovês mas um sentimento - por vezes um sentimento abafado - de soli-
dariedade nacional, apoiado e frequentemente excedido por laços familia-
res. Em em geral caracteristico das comunidades
graus diferentes, isso era
mercantis mediterrânicas. O
exemplo mais notável é fornecido pelos Judeus,
que não tinham um Estado próprio mas que passavam com facilidade de
porto para porto ou de mercado para mercado, entre os seus correligioná-
rios, fazendo os seus investimentos com base em recomendações de irmãos
e primos. Mesmo em Veneza, onde a lei comercial era altamente sofisticada
no século XIII e onde pessoas sem parentesco e até desconhecidas entre si
podiam formar uma sociedade mutualista ou tomar parte em conjunto num
empreendimento accionista, a maioria das empresas comerciais de sucesso
tinha base familiar. Ser genovês, porém, era pertencer a uma comunidade
com características e vantagens bem diferenciadas.
A versatilidade genovesa não excluía a nostalgia da metrópole. Se os
mercadores tinham sucesso ao adaptarem-se a qualquer ambiente econó-
mico e a qualquer clima político, o reverso da sua ambivalência era o sen-
timento permanente de ser genovês e a capacidade duradoura de explorar
os contactos genoveses. Os nomes das ruas da Kaffa do século xiv - a
colónia independente de Génova no mar Negro - lembravam os da pátria.
O poeta conhecido como o Anónimo de Génova relacionou a capacidade
38
de adaptação dos seus conterrâneos com a sua capacidade de reproduzir o
«ambiente» da cidade natal:

Tantos são os Genoveses


E tão espalhados por toda a parte.
Vão para onde querem
E aí recriam a sua cidade^^.

Esta nostalgia pode ter constituído a base da solidariedade nacional dos


expatriados, que iria desempenhar um papel vital na carreira de Colombo.
Os genoveses no estrangeiro eram naturalmente acolhedores para com os
seus. Colombo foi, talvez, o beneficiário mais conhecido deste hábito, pri-
meiro ao ser salvo pelos genoveses em Lisboa, quando se mudou para esta
cidade provavelmente em 1476 ou 1477, depois quando foi «feito» por geno-
veses de Sevilha, que exerceram a sua influência na corte castelhana em seu
proveito e reuniram fundos para os seus empreendimentos. Considerações
comerciais - deve afirmar-se - podiam prevalecer sobre as obrigações da
origem comum: um caso exemplar é a concorrência feroz existente entre as
famílias genovesas Centurione e Lomellini, estabelecidas respectivamente
em Castela e Portugal, por um quinhão no comércio do ouro a partir da
década de 1440^^ Apenas os laços de consanguinidade ou de afinidade eram
suficientemente fortes para assegurar uma ligação inviolável.
Os mesmos apelidos aparecem repetidamente em todo o mundo geno-
vês, desde o mar Negro no século xiii até às Caraíbas no século xvi. Os
Cattaneo, por exemplo, que figuraram entre as primeiras grandes famílias
a criar uma sucursal em Kaffa, estiveram também entre os primeiros mer-
cadores italianos estabelecidos em Mitilene; os seus parentes em Sevilha
tomaram-se colaboradores de Colombo, sendo igualmente a primeira firma
genovesa a abrir uma filial em Santo Domingo. Grandes empresas, como a
Maona (que detinha o monopólio da exploração de Quios), eram mais raras
do que as firmas familiares e a própria Maona adoptou para os seus mem-
bros um apelido comum e algumas das características de uma empresa fami-
liar. Todos os negócios genoveses medievais tardios que têm sido estuda-

dos em pormenor revelaram-se de alguma forma como negócios familiares-^


Assim, para Colombo, que não era membro de um clã mercantil, servir numa
casa desse tipo era uma fonte de oportunidades importante mas limitada.
A admissão na firma Centurione, no fim da década de 1470, por exemplo.

27
Poesie, ed. L. Cocito (Roma, 1970), 566.
28
J.Heers, «Portugais et génois au xv^ siècle: La Rivalité Atlantique-Méditerrannée», Actas
do Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, ii (Lisboa, 1960), 141-7.
III
J. Heers, Genes au xr siècle (Paris, 1961), 200-4, 544-9; M.
29 Balard, La Romanie

génoise, 2 vols. (Génova, 1978), ii. 522-31.

39
tomou-0 independente da família no mundo comercial atlântico,
e iniciou-o
mas era improvável que conduzisse ao tipo de riqueza ou fama a que aspi-
rava e, embora estivesse grato aos Centurione pela iniciação recebida, que
recordou no seu testamento, abandonou a empresa logo que lhe foi possí-
vel. Porém, a relação provou ter valor duradouro, pois os Centurione actua-
ram como banqueiros no financiamento da sua terceira viagem transatlân-
tica em 1498 e continuaram a tratar de assuntos bancários para os herdeiros
de Colombo^^
Os talentos ambivalentes dos mercadores genoveses tornavam-nos
adaptáveis não só a uma variedade de ambientes mas também a uma diver-
sidade de tipos de comércio. Nos séculos xii e xiii, os negócios mais
atractivos tinham-nos conduzido ao Mediterrâneo Oriental, em busca de
especiarias. No decurso do século xiv, no entanto, os Genoveses dedica-
ram a maior parte do seu esforço (a grande maioria em termos de volume
e talvez um pouco mais de 50% em termos de valor) aos produtos locais
da bacia mediterrânica do Nordeste, mais volumosos para o transporte
mas dependentes da oferta: acima de tudo, a mástique de Quios, o alú-
men de Foceia, os produtos florestais danubianos e do Norte, os cereais
de Chipre, as vasilhas do Danúbio ou do mar Negro e os escravos do mar
Negro. As especiarias propriamente ditas tendiam a ser canalizadas atra-
vés de Beirute e Alexandria, onde os Venezianos dominavam. As galés
genovesas deixaram de ter utilidade e foram substituídas - quase na tota-
lidade no fim do século xiv - por embarcações de casco redondo para
transporte de grandes volumes. Aproximadamente na mesma época, as
sedas chinesas, comércio valioso e lucrativo da Roménia genovesa no iní-
cio do século XIV, tomaram-se escassas como resultado da ruptura da
«estrada mongol» para a China^^
Como que para solucionar estas dificuldades, até que a Sicília e o Algarve
começassem a fornecer maiores quantidades de açúcar e seda de melhor
qualidade, sob os auspícios genoveses, Génova encontrou uma região pró-
xima possuidora de açúcar e seda, no extremo ocidental do Mediterrâneo,
no reino mouro de Granada. Embora fosse uma especiaria oriunda mais do
Levante do que do Oriente, o açúcar foi classificado, juntamente com a
pimenta, a canela, a noz-moscada, a mácide e o cravo-da-índia, como con-
dimento exótico. O açafrão e os frutos secos e em conserva eram outros
produtos granadinos aproximadamente da mesma categoria. A indústria do
açúcar de Granada tinha o seu próprio porto em Almería, onde a maioria
dos mercadores genoveses do reino tinha representantes, mas o entreposto

30
Textos, 188, 363; R. Pike, Enterprise and Adventure (Nova Iorque, 1966), 99, 186,
192-3. Colombo reclamava parentesco com os Fieschi {Textos, 332), parentes dos Centurione,
mas até hoje não surgiu qualquer documento comprovativo.
31
M. Lombard, «Kaffa et la fm du route mongole», Annales, 5 (1950), 100-3.

40
principal era Málaga, um excelente porto na rota marítima do Mediterrâneo
para o Atlântico, com acesso à região interior granadina onde se cultiva-
vam esses produtos exóticos.
Além disso, sendo uma espécie de terra oriental deslocada. Granada
gozava de um acesso privilegiado ao Magrebe islâmico e, consequentemente,
ao ouro sariano - o eterno íman e motor do interesse europeu por África e
pelo Atlântico africano no fim da Idade Média. No século xv, Málaga
ocupava normalmente o terceiro ou o quarto lugar entre os portos ibéricos
que faziam embarques directos de ouro magrebino para Génova. Sevilha,
Cádis e Valência eram os outros centros. Mas estas estatísticas podem ocul-
tar a importância primordial do reino de Granada no comércio do ouro.
O ouro, uma vez no mar, viajava por rotas complexas. Os genoveses pare-
cem ter achado conveniente comprar o seu ouro em Castela e Valência, onde
o preço da prata era relativamente baixo. E enquanto grande parte desse
ouro, especialmente em Valência, era proveniente do comércio directo com
a Berbéria, uma das principais fontes de Castela era constituída pelo tributo
granadino, que deve ter passado virtualmente sob os olhos dos genoveses
de Málaga no seu percurso para as mãos dos seus irmãos, primos, sócios e
patrõesem Cádis e Sevilha^^. Ao longo do período de procura de patrocí-
nio feita por Colombo na corte castelhana, os monarcas de Castela estavam
envolvidos na guerra pela conquista de Granada; Málaga caiu em seu poder
um ano depois da primeira audiência concedida a Colombo; o último reduto,
a própria Granada, caiu quase no dia em que decidiram conceder a Colombo
o comando de uma expedição. Neste cenário, o relevo dado por Colombo às
referências ao comércio de ouro na sua correspondência com os monarcas é
prontamente inteligível^^
Todas as indústrias servidas pelo comércio genovês implicavam espe-
cialização geográfica, o que por sua vez implicava comércio a grandes dis-
tâncias. A
indústria têxtil dependia da concentração de lãs e de corantes nos
centros industriais, a «preparação de alimentos» pela junção de alimentos
frescos e de sal. A
indústria de ouro da própria Génova - para transforma-
ção do ouro em bruto em moeda, folha e fio - dependia do fornecimento
de ouro africano aos técnicos italianos; a construção naval exigia um casa-
mento semelhante de matérias-primas com perícia técnica e uma combina-
ção de madeira, ferro, lona e pez. Portanto, parte do estímulo para a pene-
tração genovesa no Atlântico provinha das necessidades e oportunidades
comerciais geradas pela presença de Génova no Mediterrâneo Oriental.

32
A. Boscolo, «Gli Insediamenti genovesi nel sud delia Spagna airepoca di Cristoforo
Colombo», Saggi di storia mediterrânea ira il xiv e xv secoli (Roma, 1981), 74-7; F. Melis,
1

«Málaga nel sistema económico dei xiv e xv secoli». Economia e storia, 3 (1956), 19-59,
139-63; J. Heers, «Le Royaume de Grenade et la politique marchande de Genes en Occident»,
LeMoyen Âge, 63 (1957), 87-121.
33
Verpp. 116, 118-121, 138-140.

41
E quando a actividade colonial genovesa se iniciou intensamente nos arqui-
pélagos atlânticos - especialmente nos da Madeira e das Canárias - no
século XV, o Mediterrâneo Oriental forneceu modelos económicos funda-
mentais e novas mercadorias que transformariam a ecologia das ilhas e for-
mariam a base das economias atlânticas primitivas.
A mais importante daquelas mercadorias era o açúcar. Único entre os
condimentos exóticos apreciados pelos paladares na Cristandade latina, o
açúcar podia ser cultivado no Mediterrâneo. As primeiras plantações de açú-
car possuídas por genoveses em escala comercial parecem ter existido na
Sicília, donde no século xv a colheita era levada primeiro para o Algarve,
depois para as ilhas atlânticas; aqui - na Madeira, Canárias Ocidentais, ilhas
de Cabo Verde e do golfo da Guiné - passou a constituir a base da econo-
mia das ilhas no fim do século^'*. Na altura em que o açúcar completou a
travessia atlântica e foi plantado por Colombo em Hispaníola, o modelo pra-
ticado - como geralmente se supõe -já não era o do Mediterrâneo Oriental
mas o das Canárias. Porém, deve recordar-se que a primitiva carreira de
Colombo abrangeu todo o mundo comercial genovês, desde Quios no Oriente
até aos arquipélagos atlânticos no Ocidente, e que ele tinha em mente ima-
gens mediterrânicas. Afirmou, por exemplo, que Hispaníola produzia más-
tique; devia estar a pensar na ilha como outra Quios em potência, onde,
segundo recordava, o comércio atingia o valor de cinquenta mil ducados
por ano^^.
As principais bases da experiência atlântica de Génova estavam no
Mediterrâneo Ocidental e especialmente no império castelhano da Andaluzia,
com o seu empório do ouro africano e os seus portos de águas profundas
próprios para a navegação atlântica. A natureza da colonização atlântica
genovesa seguiria a tradição mercantil, em pequena escala, centrada na famí-
lia, ambivalente e «sem pátria» que geralmente simbolizava a experiência

genovesa e monopolizava a do Mediterrâneo Ocidental. Tal como no século xiv


o principal teatro do comércio genovês se movimentou do Egipto e do
Levante para norte, para as províncias danubianas dos impérios bizantino e
otomano e para o mar Negro, recuando perante a supremacia veneziana,
assim também no século xv uma deslocação gradual para ocidente foi impe-
lida pela ascensão dos Otomanos, que provaram ser conquistadores rapaces
e parceiros duvidosos no comércio. No fim do século, Quios era a única
possessão genovesa independente que restava no Oriente: tomara-se um
entreposto para a distribuição do açúcar atlântico. Alguns genoveses do
Oriente de espírito aventureiro tinham sido atraídos, para além do alcance
dos Turcos, ao Império Persa, à índia e mesmo à Abissínia. Mas nessas
regiões trabalharam sem contacto com a pátria. O principal impulso da acção

3^*
C. Verlinden, Les Origines de la civilisaíion atlantique (Paris, 1966), 167-70.
35 Textos, 56.

42
colectiva genovesa recaiu sobre as águas territoriais e bases próximas de
Génova e, portanto, sobre o Atlântico. Génova tinha uma relação geográ-
ficacom o Atlântico semelhante à de Veneza com o Oriente. Os Genoveses,
segundo parecia, tinham penetrado por toda a parte: existiam locais com
nomes de aventureiros genoveses no mar de Azov e nas Canárias, mas o
Atlântico era a sua esfera própria.
No entanto, quando surgiu a oportunidade de explorar o Atlântico,
Génova não dispunha dos recursos e, especialmente, do potencial humano
para a aproveitar ao máximo. A expansão genovesa, apesar das suas extraor-
dinárias capacidades de extensão, não era infinitamente elástica. Em parte
devido ao sorvedouro do empreendimento colonial ou simplesmente porque
já não havia espaço na cidade, notoriamente sobrepovoada, para constru-
ção, o crescimento de Génova parece ter sido travado. Estudando as dimen-
sões físicas da cidade e fazendo uma número de edifícios,
estimativa do
Jacques Heers calculou que a população em meados do século xv excedia
os cem mil habitantes; os seus cálculos de densidade populacional, de habi-
tantes por fogo e de fogos por casa parecem, no entanto, exagerados. Os
números dos censos do século xvi sugerem um total de apenas cerca de
metade do valor de Heers - comparável, portanto, a Valência ou Barcelona
mais do que a Veneza ou Sevilha^^. A cidade que Colombo deixou, não
tocada pelo Renascimento, não expandida pelo crescimento, relativamente
pouco adornada pela riqueza dos seus expatriados, já não era a «senhora
dos mares» aclamada no apogeu do seu dinamismo. No comércio atlântico
do século XV!, os Genoveses já não figuravam como pioneiros ou mesmo,
em grau acentuado, como participantes. Estavam limitados a um papel de
delegação, sendo os Castelhanos os delegados principais. Colombo foi pra-
ticamente o último dos pioneiros e os seus apoiantes genoveses eram repre-
sentativos de uma nova geração que preferia a bolsa cheia à vela enfunada.
As suas vantagens e limitações - talento para a expansão por delegação,
base nacional rigorosamente comprimida, tradição de conquista comercial e
de colónias não soberanas - ajudam a explicar por que razão Génova deu um
contributo vital para a exploração e colonização do Atlântico sem criar

um império atlântico soberano.

Para o futuro de Génova no comércio atlântico, os seus estabelecimen-


tos comerciais mais importantes eram os de Castela e, particularmente, da
Andaluzia. Por razões técnicas e geográficas, Cádis, Sevilha e as suas regiões
eram as bases mais importantes dos mercadores genoveses em Espanha.
As razões técnicas diziam respeito às embarcações e ás cargas. Já em 1216
Tiago de Vitry elogiara as grandes embarcações de casco redondo de Génova,
-
que podiam velejar no Inverno e «manter os alimentos e a água frescos»

Heers, Genes au at^ siècle, 35-46.

43
isto é, permitiam consumir os mantimentos a um ritmo mais lento do que
nas galés, que se deslocavam com menor velocidade. Assim, os Genoveses
dispunham de grandes veleiros e de galés para realizarem a viagem atlân-
ticadesde os recuados anos dos fms do século xiii. As galés comerciais
desapareceram de Génova ao longo dos cem anos seguintes^^. É provavel-
mente correcto presumir que foi nas rotas atlânticas, cujas condições não
eram favoráveis às galés, que se utilizaram pela primeira vez as embarca-
ções de casco redondo. Porém, a utilização de embarcações deste tipo não
era feita unicamente ou mesmo principalmente por conveniência dos nave-
gadores: os Venezianos velejavam regularmente para Inglaterra e Flandres
em galés e, quando o comércio atlântico de Florença se iniciou no século xv,
utilizaram-se exclusivamente as galés, que demonstraram a sua aptidão para
essa tarefa e continuaram a fazê-lo até à época da Armada. A preferência
genovesa por uma navegação mais económica resultou da sua confiança no
comércio de carga volumosa e relativamente pouco valiosa. A consequên-
cia foi que uma pequena viagem, directa desde a entrada do Mediterrâneo
até ao canal da Mancha, era possível e mesmo essencial, visto que, ao explo-
rar as qualidades de longo curso das embarcações de casco redondo para
reduzir o número de escalas e encurtar a duração da viagem, os mercado-
res podiam assegurar melhor lucro. Também não havia grande interesse em
vender pequenas quantidades das mercadorias que os Genoveses transpor-
tavam; era preferível reservá-las para os grandes mercados do Norte, onde
os porões podiam ser reabastecidos com lã e tecidos. Finalmente, as embar-
cações genovesas requeriam portos espaçosos de águas profundas, como os
de Cádis e da foz do Guadalquivir. Tomou-se normal, para as embarcações
genovesas em direcção ao Norte, ultrapassarem por completo Portugal, o
mar Cantábrico e a França atlântica.
A Andaluzia tomou-se assim uma região «fronteiriça» de Génova, bem
como de Castela. A colonização, que começara antes da conquista caste-
lhana, desenvolveu-se intensamente no século xiv, quando se estabeleceu o
comércio entre Génova e o Norte e, novamente no século xv, quando dimi-
nuíram as oportunidades no Oriente. Pode ter-se uma ideia da escala e das
características das colónias pela visão da região de Cádis e de Jeréz no
século xv^^ Em primeiro lugar, são evidentes o ritmo crescente da coloni-
zação genovesa e a sua evolução cada vez mais mercantil. Os primeiros
genoveses que se estabeleceram em Jeréz, no século xiii, por exemplo, foram
Benedetto Zaccaria, o célebre comandante naval, e Gasparo di Spínola,
embaixador reformado. Zaccaria parece ter abandonado o comércio durante

" Ibid. 271-9.


H. Sancho de Sopranis, Los genoveses en Cádiz antes de 1600 (Larache, 1939); «Los
3*

genoveses en la región gaditano-xericense de 1460 a 1800 [sic para 1500]», Hispânia, 8


(1948), 355-402.

44
a sua residência em Castela e era frequente que os primeiros colonos geno-
veses, especialmente em centros como Jeréz e Córdova, nas regiões inte-
riores dos grandes portos, casassem dentro da aristocracia local, tomando-
-se rentiers em
vez de mercadores. Em Sevilha e Cádis, o processo era
inverso e a influência genovesa ajudou a converter a aristocracia ao comér-
cio ao longo de mais de dois séculos de crescente relacionamento e de casa-
mentos entre famílias. Na época da nouvelle vague de imigrantes genove-
ses em fins do século xv, as novas colónias eram exclusivamente constituídas
por mercadores e artesãos. No século xvi, três quartos da nobreza de Sevilha
tinham apelidos genoveses e o filósofo seu concidadão, Jacopo Adorno, ali
se encontrava para lhes justificar a compatibilidade entre
comércio e nobreza.
A medida que o ritmo da imigração também o
nível de coloniza-
crescia,
ção fixa aumentava. Os recém-chegados genoveses do século xv, na sua
maioria, tendiam a tomar-se «cidadãos» {vecinos), bem como «passantes»
{estantes), embora os úlfimos fossem preponderantes: tal facto pressagiava
a relativa imobilidade da comunidade genovesa de Castela no século xvi,
quando tomou parte na construção do império castelhano por delegação, a
partirdos seus centros fixos, sobretudo através de comércio bancário e inves-
timentos mais do que continuando a estabelecer novas fronteiras^^.
Ao mesmo tempo, estas comunidades cada vez mais radicadas consti-
tuíam, no século XV, pontos de apoio para nova colonização genovesa a oci-
dente, em Portugal, em Africa e, principalmente, nas ilhas atlânticas. Casas
de familiares estabelecidos na Andaluzia eram escalas para parentes oriun-
dos de Génova a caminho do Ocidente ou dele regressando. Depois de ser-
vir Portugal, nomeadamente, na exploração da costa ocidental de Africa,
António di Usodimare foi acolhido por seu irmão Francesco em Cádis, em
1462. A família Franchi di Luzardo enviou alguns filhos para Tenerife e
Berbéria, os Ascanio para a Grande Canária, os Nigro para Portugal e
Madeira. Nada ilustra melhor as qualidades flexíveis da família genovesa
como instrumento de colonização do que esta capacidade de manter a mobi-
lidade, criando ao mesmo tempo raízes.
Finalmente, os genoveses da Andaluzia demonstraram uma versatilidade
característica como a de Jano. Conseguiam dissimular-se na sociedade local
pelo casamento entre famílias, por naturalização oficial, por bilinguismo,
por serviços prestados à comunidade e à coroa e até por modificação da
ortografia dos seus nomes; conservando, ao mesmo tempo, em grandes cen-
tros como Sevilha e Cádis a sua «outra Génova». Além dos seus hábitos
exógamos, o elevado número de cargos que detinham é o melhor indicador
do seu sucesso quanto à aceitação na sociedade local. Os financiadores de

39M. Ladero Quesada, «Los genoveses en Sevilla y su región (siglos xiii-xvi): elemen-
tos depermanência y arraigo», Los mudéjares de Castilla y otros estúdios de historia medie-
val andaluza (Granada, 1989), 283-312; Pike, Enterprise and Adventure, 1-19, 37-9.

45
Colombo, por exemplo Francesco da Rivarolo e Francesco Pinelli, eram con-
selheiros de Sevilha e confidentes íntimos da coroa; Francesco Adorno per-
tencia ao conselho da cidade de Jeréz e Gianbattista di Ascanio e Christoforo
Maruffo ao de Cádis. Em nível inferior, Agostino Asilio era tesoureiro da
sua paróquia em Puerto de Santa Maria. No entanto, estas posições de des-
taque na sociedade castelhana eram geralmente conseguidas sem sacrifício
da identidade genovesa, especialmente em Sevilha e Cádis, onde as colónias
genovesas se caracterizavam pelos seus antigos privilégios e pelos seus pró-
prios consulados e cais. Era frequente possuírem uma casa em Génova - a
de Rivarolo era citada como prova da nulidade da sua naturalização -, tal-

vez como um refugio. Até a famosa poupança dos Genoveses servia esta
espécie de versatilidade: os registos notariais de Cádis retratam-nos gastando
com moderação fora das actividades comerciais, excepto em jóias, tapetes e
objectos de luxo pequenos e facilmente transportáveis. Na década de 1480
existia uma confraria genovesa específica em Cádis, com a sua própria capela
na catedral, e podem ter existido organizações semelhantes noutros locais.
A confraria do Nome de Jesus, em Jeréz, por exemplo, fora fundada por
alfaiates genoveses. Em Sevilha, a «nação» genovesa manteve no século xvi
o hábito de dirigir cartas colectivas à coroa. Os efeitos da ambivalência foram
expressos de forma bem clara pelo próprio Colombo: «Senhores», escreveu
aos directores do Banco de San Giorgio do Estado genovês - numa altura
em que estava, reconhecidamente, algo desiludido com Castela -, «embora
o meu corpo vagueie por aqui, o meu coração está permanentemente em
Génova.» Esses efeitos terão também realçado a sensibilidade demonstrada
nos versos castelhanos de um dos maiores poetas da Sevilha do século xv,
conhecido como Francisco Imperial e sempre descrito como «natural de
Génova, habitante da mui nobre cidade de Sevilha». Adorava a sua cidade
adoptiva, «a melhor do reino», elogiava a beleza das suas mulheres e a jus-
tiça dos seus reis, exortava-a e aconselhava-a, numa visão explicitamente
dantesca, a purificar-se da heresia e do vício; mas nunca esqueceu também
a sua cidade natal e recordava o fim de lanos de Tróia"^^.

Os círculos genoveses entre os quais Colombo se movimentava - o de


Génova onde nasceu e o da Andaluzia onde morreu - são, portanto, vitais
para a compreensão da sua carreira. Ajudam, ao mesmo
tempo, a explicar
como e por que se mudou para as costas do Atlântico e o que aconteceu
quando aí chegou. As experiências de Colombo como navegador através do
mundo genovês da sua época e a mudança do seu centro de operações para
ocidente estão documentadas no registo de cinco viagens, quatro das quais
mencionadas apenas em fragmentos de uma carta escrita por Colombo em

^^ Textos, 314; Cancionero de Juan Alfonso de Baena, ed. J. M. de Azaceta, 3 vols.


(Madrid, 1956), ii. 497-514; iii. 1105.

46
Janeiro de 1495, muito depois dos acontecimentos a que se refere, aparen-
temente com o objectivo específico de convencer os seus correspondentes
- os monarcas espanhóis - da amplitude e prática da sua perícia náutica.
De qualquer forma, todas as afirmações da carta são inerentemente plausí-
veis. A primeira viagem - se se realizou - deve ter tido lugar no início de
1472. Segundo o relato de Colombo, começou em Marselha e foi ordenada
pelo pretendente angevino ao trono napolitano, com o objectivo de captu-
raruma embarcação aragonesa no porto de Tunes. «Os homens que esta-
vam comigo amotinaram-se», afirmava Colombo, «e decidiram regressar a
Marselha», onde

compreendendo que não conseguia fazê-los mudar de ideias pela força mas apenas por
alguma astúcia, concordei com as suas exigências e, depois de alterar a posição da bús-
sola, dei pano quando estava a escurecer. E no dia seguinte, quando o Sol se ergueu,
encontrávamo-nos para lá do cabo Cartago, estando todos certos de que nos dirigíamos
a Marselha"*'.

E improvável que o episódio seja umapura invenção, visto que ser par-
tidário dos Angevinos não terá sido imaginado para tomar Colombo caro a
Fernando e O cenário da his-
Isabel, herdeiros das pretensões aragonesas.
tória é o golfode Leão e o mar Tirreno - as águas territoriais de Génova,
onde tanto velejou na sua juventude que se recordava das instruções de rota
em pormenor até aos últimos anos da sua vida"^^. A história de como enga-
nou os amotinados tem o sabor de uma sententia de um caderno de exercí-
cios, destinada a ilustrar uma máxima de filosofia moral, mas é caracterís-
tica da forma como Colombo gostava de se ver a si próprio. Contou histórias
semelhantes de como enganara a tripulação na sua primeira viagem transa-
tlântica falsificando o diáriode bordo e de como intimidara os nativos da
Jamaica durante a sua última viagem prevendo um eclipse'*^ Quer estrita-
mente verdadeira quer não, a história deve ser encarada como fiel ao homem
e como parte da sua reivindicação de uma espécie de perspicácia natural,
uma sabedoria de convés, que compensava a sua falta de educação de base.
A história da viagem de Tunes representa uma visão da primeira vira-
gem decisiva na vida de Colombo: da oficina de tecelão para bordo de uma
embarcação. A segunda viragem, do Mediterrâneo para o Atlântico, é exem-
plificada pelo testemunho que chegou aos nossos dias das suas primeiras
viagens. A data da mudança já não pode ser determinada com precisão, mas
deve dado cerca de meados da década de 1470 e não depois de 1477.
ter-se
A tradição primitiva da sua fuga providencial à pirataria e do naufrágio

41 Textos, 167.
'^ Ibid. 306.
« Verpp. 111,204.

47
numa viagem de Génova para norte é demasiado romântica e dramática para
ser aceite sem reservas: a auto-imagem que Colombo apresentava aos pri-
meiros escritores, como protagonista de grandes feitos, divinamente eleito,
é fundamentada pela história de maneira suspeita. Mas quer através de drama
divinamente orquestrado quer por meios prosaicos e esquecidos, em 1477
Colombo mudara-se certamente de Génova para Lisboa, onde iniciou um
longo período de residência fixa ou intermitente em Portugal e uma vida
inteira de navegação no Atlântico. Não é necessário um milagre para expli-
car o que, nas circunstâncias da vida de Colombo, representava uma atitude
perfeitamente lógica. Ao viajar entre o Mediterrâneo e o Atlântico, ao trans-
ferir-se para uma base de operações atlântica e ao empreender mais viagens
atlânticas estava a reflectir as características comuns da época da experiência
genovesa no comércio e na colonização.
A transferência de Colombo para um meio mais
atlântico representou
do que familiarizá-lo apenas com os problemas práticos da navegação que
teria que enfrentar ao tentar uma travessia oceânica. Abraçou um destino
atlântico, bem como uma noiva, provavelmente em Lisboa (mas possivel-
mente na Madeira ou em Porto Santo). A data não está documentada mas
as probabilidades apontam para os anos de 1478 ou 1479. Este casamento
foi o maior passo isolado dado por Colombo em direcção à respeitabilidade
social que parece ter ambicionado. Segundo certo critério, foi um passo bas-
tante modesto. Dona Felipa era efectivamente nobre, descendendo por parte
da mãe de uma família com um longo historial de serviço da coroa, e era
filha de um fidalgo cuja característica definia a nobreza feudal: a jurisdi-
ção sobre os vassalos. Seu pai, Bartolomeu Perestrello, governara um dos
feudos mais pequenos, mais pobres e mais remotos da monarquia portu-
guesa, a ilha de Porto Santo. De qualquer forma, para o filho de um tece-
lão genovês representava um salto enorme. Colombo sentiu, através do casa-
mento, o gosto da forma de nobreza a que podia aspirar elevar-se pelos seus
feitos: um feudo no mar, adquirido por feitos de heroísmo oceânico. O pai
de sua mulher fora um modelo modesto dos efeitos enobrecedores da aven-
tura no mar, uma humilde personificação do tema proeminente da literatura
cavaleiresca medieval. Se podemos confiar numa tradição biográfica pri-
mitiva, o casamento permitiu também a Colombo o acesso aos documentos
do falecido pai da sua noiva, os quais, segundo a tradição, estimularam o
interesse de Colombo pelo testemunho português das descobertas atlânti-
cas'^'*. Dona Felipa prestou mais dois serviços a seu marido: deu-lhe o seu

único filho legítimo, Diego, no qual se concentraram as suas ambições dinás-


ticas e em quem finalmente se concretizaram, e morreu cedo, deixando
Colombo livre e, segundo parece, sem grandes recordações sentimentais.
A sua única referência afectiva à mulher ocorre num resumo dos seus ser-

^ Historie, i. 61.

48
viços aos monarcas espanhóis em que fala de ter que «deixar mulher e
filhos» a fim de ir para a sua corte^^ Mas se isto implica ternura e não ape-
nas um
exemplo da habilidade de Colombo
para a retórica emotiva, deve-
mos afirmar que a referência pode estar ligada a um período posterior à
morte de Dona Felipa e que a «mulher» em questão estava ligada a Colombo
O seu casamento fomeceu-lhe outro contacto poten-
por laços menos formais.
cialmente irmã e um cunhado de sua mulher chamados Violanta
útil: uma
e Miguel Muliart viviam em Huelva, muito perto do futuro ponto de par-
tida de Colombo para o Novo Mundo. Aí os visitou em 1491, numa época
em que procurava estabelecer contactos na comunidade náutica da vizinha
Paios. Seria tentador mas insensato concluir que existiu qualquer relação
causal entre os dois acontecimentos. É mais provável que os laços familia-
res tenham beneficiado o casal Muliart, pois este pediu um empréstimo ao
seu afortunado parente Colombo quando este enriqueceu"^^.
A estrutura da sua vida no fim da década de 1470, durante o período
das primeiras viagens atlânticas, está contida num documento genovês de
1479 que regista uma viagem feita por Colombo à Madeira no ano anteríor
para comprar açúcar como parte de um negócio estabelecido pela firma
Centurione'*^. O seu promotor Luigi Centurione e o intermediário no negó-
cio, Paolo di Nigro, foram recordados no último codicilo do testamento de
Colombo, muitos anos depois, juntamente com vários habitantes de Lisboa,
incluindo outro membro do clã Centurione"*^. A ocupação como comprador
de açúcar para os interesses familiares dos Centurione nas ilhas atlânticas
forneceria também a oportunidade para a viagem entre Lisboa e Porto Santo,
recordada por Colombo na sua carta de 1495"*^, presumivelmente durante o
mesmo período das visitas às Canárias e aos Açores, que não estão regis-
tadas em qualquer documento mas que se podem deduzir com segurança da
sua familiaridade óbvia com ambos os arquipélagos, corroborada, no caso
dos Açores, pela reivindicação dos biógrafos primitivos segundo a qual reu-
nira provas da navegabilidade do Atlântico nessas ilhas^^.

Estes três arquipélagos - Madeira, Canárias e Açores - estavam ligados


por um sistema de ventos e rotas comerciais a um círculo mais amplo de nave-
gação atlântica que se estendia a sul até ao golfo da Guiné e a norte até Inglaterra
e para além desta. Nas suas reminiscências de 1495 e em notas manuscritas
nas margens dos livros que lia^', Colombo registou viagens a esses extremos.
Afirmou que em Fevereiro de 1477 - a data pode ser considerada duvidosa

^5 Textos, 272.
^ Cartas, 205; Pleitos, iv. 245.
"•^
Cristoforo Colombo: Documenti e prove, 137.
^8 Textos, 363.
^9 Ibid. 167.
50 Historie, i. 64-7, 74-8; Las Casas, i. 66-9.
5'
Textos, 1-2, 167; Buron, i. 345, ii. 531.

49
em recordação tão posterior - velejou «cem léguas para lá» da Islândia, numa
viagem a partir de Bristol, como se deduz; e em 1482 ou em data próxima,
segundo as mesmas fontes, viajou para sul de Lisboa até ao novo posto comer-
cial português de São Jorge da Mina, perto da embocadura do Volta, onde
estava concentrado o comércio português do ouro com os centros mineiros do
interior. A primeira destas rotas era normalmente percorrida pelos mercadores

mediterrânicos até Inglaterra, onde Colombo se pode bem ter juntado a uma
expedição de Bristol à Islândia. Não há nada implicitamente improvável na
sua afirmação e a participação em tal viagem forneceria também a oportuni-
dade para a visita a Galway, na Irlanda, mencionada noutra anotação à mar-
gem. A autenticidade da sua viagem à Costa do Ouro é abundantemente con-
firmada pela familiaridade demonstrada para com a Áfiica Equatorial em várias
passagens dos seus escritos que chegaram até aos nossos dias^^.

Assim, em meados
da década de 1480, Colombo quase justificara a sua
vanglória posterior de ter velejado em «todos os mares até agora navega-
dos». Em particular, seguira o curso da expansão comercial genovesa do
Mediterrâneo para o Atlântico - abrangendo quase o mundo genovês desde
Quios às Canárias - e penetrara nos recantos mais remotos do Atlântico tal
como este era conhecido na sua época.

O Atlântico - o «mar Oceano» - era um mundo atraente de oportunida-


des para os contemporâneos de Colombo. A exacerbada especulação suscitada
pela expansão mal defmida do oceano inexplorado pode observar-se nos mapas
da época, que mostram como a exploração atlântica constituía um estímulo à
imaginação e como a consciência de um «espaço» atlântico potenciahnente
explorável aumentou no século anterior às viagens de Colombo. Às posições
imaginárias geralmente atribuídas às ilhas míticas nos mapas do século xiv
- as de São Brendan, Santa Úrsula e Brasil -, um mapa veneziano de 1424
acrescentou grandes e encantadoras ilhas, incluindo «Antillia», identificada
com a ilha das «Sete Cidades», para onde se diz, numa lenda semelhante à de
Santa Úrsula, que se dirigiram refugiados portugueses fiigitivos dos Mouros
no século vni. Estas ilhas tomaram-se comuns na tradição cartográfica subse-
quente e inspiraram viagens em sua busca: Colombo velejou levando-as em
mente. As ilhas por ele descobertas foram chamadas colectivamente «Antilhas»
e deu a um arquipélago o nome das «Virgens» de Santa Úrsula. Ainda em
1514, as instruções de rota oficiais portuguesas continham rotas para ilhas
«ainda por descobrio) e uma das falsificações mais divertidas do século xvi é
uma falsa «crónica» espanhola da conquista da ilha de São Brendan^^

52 J. Gil,«La Vision de las índias», in Textos, pp. xxxvi-xl.


" A. de «The North Atlantic Nautical Chart of 1424», Imago Mundi, 10 (1953),
Cortesão,
1-13; J. de Lisboa, Livro da Marinharia, ed. B. Rebelo (Lisboa, 1903), 121-2; E. Benito
Ruano, San Borondón, octava islã canária (Valhadolid, 1978).

50
Embora se tenham feito tentativas para relacionar estas divagações men-
tais com achados reais, geralmente em ligação com teorias de descobertas
pré-colombianas da América, a única nova descoberta possível no início do
século XV, que se pode considerar, é a do mar dos Sargaços. Mas uma vez
avaliada a genuína excitação provocada no século xv pelas possibilidades
ilimitadas do Atlântico, a fertilidade da especulação parece adequadamente
explicada. As novas descobertas constituíam um estímulo directo: os car-
tógrafos maiorquinos que pela primeira vez colocaram os Açores na sua
posição mais ou menos correcta, em mapas da década de 1430, introduzi-
ram também na tradição novas ilhas de existência duvidosa. Andrea Bianco,
de Génova, demonstrava interesse pelas últimas novidades confirmadas,
como o demonstra o seu mapa de 1448, mas no seu mapa-múndi de 1436
espalhou um punhado de ilhas imaginárias no Oceano e, mesmo no mapa
de 1448, incluiu algumas ilhas tradicionais com a garantia de que uma «ilha
autêntica» se encontrava a 1500 milhas no Atlântico EquatoriaP'*.
Por seu lado, as viagens inspiradas por tal especulação conduziam por
vezes a verdadeiras novas descobertas, o que alimentava o processo. Colombo
cresceu num período em que o Atlântico estava a ser coberto denovos mar-
cos e definido por limites há pouco revelados. Em 1452 - cerca da data pro-
vável do seu nascimento - foram descobertas as duas ilhas mais remotas dos
Açores. Entre meados da década de 1450 e meados da de 1460 foi explorado
o arquipélago de Cabo Verde. Na década de 1470 foram acrescentadas as ilhas
do golfo da Guiné. E durante a década de 1480, quando o próprio Colombo
procurava realizar uma viagem atlântica exploratória, Diogo Cão e Bartolom.eu
Dias seguiram a costa ocidental africana até ao seu limite mais a sul. Seguramente,
em 1480 e 1487, e talvez regularmente na década de 1490, partiam expedi-
ções de Bristol em busca de novas ilhas: um grande aumento na importação
de produtos do Atlântico Norte para Bristol na década de 1480 mostra o acrés-
cimo de comércio com a Islândia que tais viagens produziram ou reflectiram,
mas estas eram viagens conscientemente exploratórias destinadas a «procurar
e descobrir»^^ Os habitantes de Bristol chamavam ao seu objectivo «Brasil».
Para os portugueses e flamengos dos Açores, «Antillia» era um nome com-
parável que englobava todas as novas descobertas potenciais. Pelo menos oito
comissões portuguesas para a descoberta de novas ilhas atlânticas sobrevivem
dos anos de 1462-87. Algumas referem-se especificamente a testemunhos de
cartas náuticas. Os termos mais gerais são os da concessão a Fernão Teles
(1474) das «Sete Cidades ou quaisquer ilhas que descubra»^^ Apesar dos fra-

5^»
H. Yule Oldham, «A Pre-Columbian Discovery of America», Geographical Journal,
5 (1895), 221-39.
« A. Williamson, The Cabot Voyages (Cambridge, 1962), 197-203.
J.
56
Morison, The Portuguese Voyages to America (Cambridge, Mass., 1940), 32;
S. E.
J. Martins da Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, 3 vols. (Coimbra, 1940-71), iii. 124,
130,278,317,320-32,552.

51
cos resultados, as viagens a partir de Bristol e dos Açores continuaram imper-
turbavelmente. O Atlântico estava a tomar-se uma forte atracção, um vácuo
irresistivelmente detestado.
O ritmo de mudança na visão conhecida do mundo parece ter levado
Andrea Bianco, entre outros, a sentir que as antigas certezas geográficas
tinham sido afastadas. A mesma ideia foi expressa alguns anos mais tarde
pelo reconhecido mestre da escola cartográfica veneziana, Fra Mauro, que
confessou em anotação ao seu mapa-múndi - o mais completo até então
concebido - que o seu traçado tinha que ser imperfeito, visto que a exten-
são do mundo era desconhecida. Os cosmógrafos do século xv recordam-
-nos os prisioneiros de guerra das histórias de Mareei Ainé, que, incapazes
de verem as paredes das suas celas à luz de uma vela de sebo, podiam ima-
ginar-se livres. A fértil ignorância do fim da Idade Média transmitiu um
sentimento semelhante de imensidão. Colombo, apesar do seu respeito ser-
vil pelas obras selectivas de autores reputados, exibiu sempre um prazer
infantil quando conseguia, pela experiência, desafiar a sabedoria recebida.
Estava em dívida para com a confiança de alguns dos geógrafos teóricos do
seu tempo, que compreenderam os efeitos libertadores do progresso na explo-
ração. Notou, por exemplo, os argumentos do papa Pio II a favor da nave-
gabilidade de todos os oceanos e da acessibilidade de todas as terras e afir-

mou que a exploração portuguesa da costa de África para sul destruíra as


antigas noções sobre a impenetrabilidade da zona tórrida do mundo.
Pelas suas ambições e vocação de explorador, como em muitos outros
aspectos, Colombo foi uma figura representativa do seu tempo. A imagem
do homem solitário com um destino a cumprir, lutando contra a ortodoxia
dominante para realizar um sonho avançado em relação à sua época, deriva
da sua própria auto-imagem como estrangeiro sem amigos, ridicularizado
por uma comunidade científica e social que tinha relutância em aceitá-lo.
Para explicar o seu extraordinário feito - a descoberta da América - não é
necessário pressupor que começou com um plano extraordinário, uma visão
extraordinária ou um padrão extraordinário de experiência prévia. O desíg-
nio de Colombo para uma nova viagem atlântica pertence claramente ao
contexto de uma época
de especulação intensa sobre os segredos do mar
Oceano. Quase todos os elementos do pensamento subjacente ao seu empreen-
dimento faziam parte do curso comum do debate geográfico no seu tempo.

52
2

«OS SEGREDOS DESTE MUNDO»

A FORMAÇÃO DE PLANOS E GOSTOS,


c.1480-1492

Fernando Colón, o mais novo, ilegítimo, de Colombo, herdou parte


filho
do do seu pai e grande parte dos seus gostos Hterários.
espírito aventureiro
A sua enorme biblioteca - supostamente formada por mais de quinze mil
volumes, dos quais cerca de quatro mil estavam minuciosamente cataloga-
dos, com pormenores sobre o seu conteúdo - era uma das mais notáveis colec-
ções científicas da sua época, especialmente sobre navegação e matemática.
Mas com a morte de Fernando, em 1539, passou para as mãos do seu esban-
jador sobrinho, Don Luis, e aí começou a sua dispersão. Em 1551, o cabido
da catedral de Sevilha assegurou a posse da biblioteca, de acordo com uma
cláusula do testamento de Fernando, em face da negligência do herdeiro. Os
novos conservadores pouco mais cuidados lhe dedicaram; mas entre os frag-
mentos que chegaram aos nossos dias numa sala das dependências da cate-
dral, à direita do Pátio das Laranjeiras, encontram-se alguns livros que per-

tenceram a Colombo, quatro dos quais estão anotados à margem. Estes vestígios
dos seus pensamentos estão depositados perto do suposto túmulo que guarda
os seus restos mortais no transepto da mesma catedral. Formam uma via de
acesso exasperantemente oblíqua mas irresistivelmente convidativa ao pro-
cesso autodidáctico de Colombo do seu projecto de uma tra-
e à formação
vessia atlântica. A informação que contêm pode ser completada pelas refe-
rências às leituras de Colombo, tanto nos seus próprios escritos como nos
relatos de contemporâneos, mas permanece intrigantemente incompleta e enre-
dadamente difícil de interpretar. Embora interrogadas sobre testemunhos das
fontes da cosmografia de Colombo, na verdade as anotações revelam mais
-
como veremos - sobre os seus valores e gostos.

53
o perigo destas fontes é o de nos encorajarem a ver Colombo como um
intelectual - o que era, em modesta escala, mas sem excluir a sua vocação
de homemde acção - e a ver a formação dos seus projectos como um exer-
Colombo era uma criatura muito mais inconstante do que geral-
cício teórico.
mente se pensa, mas defendeu com consistência total a crença na episte-
mologia empírica. Aprendia-se acima de tudo, segundo afirmava, através
da experiência ou, como uma vez disse citando um provérbio, «à medida
que se caminha, o conhecimento cresce»^ Sentia que a sua própria nave-
gação prática e os conhecimentos cosmográficos eram interdependentes.
A «própria ocupação» de marinheiro inclinava os homens a «procurar apren-
der os segredos deste mundo»^ e a cultura literária podia ser aplicada na
prática. Colombo afirmou, por exemplo, que as Caraíbas seriam intranspo-
níveis para navegadores que não conhecessem a arte esotérica do astró-
nomo^ Penso que se pode demonstrar - e espero que o seja no decurso desta
obra - que o impacte da experiência do Novo Mundo afectou as ideias de
Colombo e modificou inclusivamente as suas teorias geográficas depois de
1492 e está extremamente bem documentado que, antes dessa data, Colombo
defendia o seu projecto atlântico tanto com testemunhos recolhidos pelo seu
conhecimento pesssoal do oceano como com referências a obras de autores
conceituados. Um exame do que se poderia chamar as fontes literárias dos
planos de Colombo não deveria ser realizado sem se recordar a sua longa
e vasta experiência do oceano que, só por si, teria sido suficiente para lhe
inspirar o desejo de o atravessar.
A maioria dos estudos sobre Colombo segue os seus elogiadores do
século XVI, os quais presumiram que as justificações complexas do seu
empreendimento, escritas por ele a partir de 1498, já estavam elaboradas
antes da sua primeira travessia com todas as fontes clássicas, apócrifas,
patrísticas e medievais nos seus respectivos lugares. Começou certamente
por adquirir uma cultura literária muito antes de 1492. A sua mudança tem-
porária de vocação - numa data indeterminada, provavelmente bastante cedo
na segunda metade da década de 1480 - de marinheiro para livreiro evoca
a alquimia que transformou Colombo, o agente comercial, em Colombo, o
geógrafo culto"^. Quer a sua cultura tenha ou não contribuído para a forma-
ção do seu plano, contribuiu certamente para a apresentação deste: segundo
as próprias memórias de Colombo, expôs as suas ideias perante os monar-
cas espanhóis com a ajuda de mapas e livros^
Porém, esta conclusão, segundo a qual os conhecimentos em que Colombo
se baseou a partir de 1498 já estavam inteiramente dominados em 1492, é


«Andando más, más se sabe.» Textos, 218.
2 Ibid. 277.
3 Ibid. 325.
^ Ver n.° 30 abaixo.
5 Textos, 203.

54
extremamente precipitada. Por exemplo, tem-se suposto geralmente que a
teoria atribuída por Ptolemeu a Marino de Tiro, segundo a qual a massa de
terra euro-asiática se estende por mais de 255 graus sobre a superfície do
mundo, fazia parte do arsenal intelectual primitivo de Colombo. Tal facto
seria conveniente, a ser verdadeiro, porque ajudaria a explicar a razão que
levou Colombo a pensar que o Atlântico era reduzido em termos de nave-
gabilidade, mas nunca mencionou Marino até ter levado a efeito uma série
de experiências relevantes - começando na Hispaníola Ocidental, em 1494 -
numa tentativa de calcular a largura do oceano em graus^. Possuía um exem-
plar muito anotado da Historia Naturalis de Plínio, a que fez referência em
relação à identificação da planta da mástique em 1492; mas uma nota refe-
rente a Hispaníola na margem deste exemplar mostra que continuava a ler
ou a reler a obra depois dessa data e foi apenas em 1498 que Plínio foi
novamente utilizado por Colombo, no âmbito da exposição de uma teoria
cosmográfica. Mais uma vez a ocasião surgiu dada a necessidade de consi-
derar testemunhos empíricos que, segundo pensava Colombo, pareciam pôr
em causa a opinião de Plínio sobre a esfericidade da Terral Por indícios
que nos chegaram, sabemos que Colombo continuou a adquirir livros pelo
menos até 1496, ano da publicação dos exemplares que possuía da Philosophia
Naturalis de Alberto Magno e do Almanach Perpetuum de Abraão Zacuto;
no mesmo ano encomendou para Inglaterra um exemplar de Marco Pólo^.
Muitas leituras de que se podem encontrar referências nos seus escritos
podem períodos de lazer forçado, em
ter sido realizadas durante os seus
Espanha, em
1496-98 e 1500-02: o peso da erudição está mais fortemente
presente nos escritos desses períodos ou logo a seguir a eles. Em quase
todos os estádios perceptíveis da sua carreira a partir da década de 1480, a
experiência prática e a cultura literária parecem ter-se reforçado mutua-
mente, sem que nenhuma monopolizasse os processos da sua formação inte-
lectual ou desenvolvimento mental. Seria igualmente convincente argumentar
que tendia a basear-se nas obras de grandes autores para confirmar ou comen-
tar ideias provenientes da experiência, de forma a reivindicar que os seus
feitos na navegação atlântica se realizavam no decurso da aplicação de teo-
rias abstractas. A verdade reside, provavelmente, numa simbiose de ambos
os pontos de vista.
A experiência prática adquire-se ao longo de um grande período de
tempo e para um autodidacta a erudição não surge fácil nem rapidamente.
O tempo tende a alterar a linha de costa de qualquer conjunto de ideias, por
erosão nalgumas áreas e por acumulação noutras. É importante não nos dei-
xarmos iludir pela reputação de Colombo quanto à obstinação e à fé inque-

6 C. Varela in Textos, 287 n.


' Textos, 217.
8 Cartas, 267.

55
brantável em si próprio, a ponto de supormos que era incapaz de mudar de
ideias.Era capaz de aperfeiçoar e mesmo de alterar ideias e não deve esque-
cer-se que durante seis ou sete anos na corte castelhana se encontrou prati-
camente na posição de um intriguista profissional, reagindo à necessidade
de modificar a apresentação das suas opiniões quando se dirigia a diferen-
tes patronos e intermediários potenciais. O próprio Colombo era insensível
à sua própria mutabilidade; uma memória selectiva e uma apresentação ten-
denciosa fizeram da sua formação intelectual, em todos os seus relatos, um
coup defoudre. Adoptou um modelo da literatura hagiográfica que lhe em
era apresentada uma verdade anteriormente obscurecida pela «mão mani-
festa de Deus»^ e subsequentemente nunca deixou de o defender. No entanto,
para substituir uma imagem clássica por uma hagiográfica, uma sabedoria
como a de Colombo não brota geralmente completa da mente. É mais pro-
vável que o seu projecto básico de travessia do Atlântico e as ideias geo-
gráficas que o sustentavam tenham surgido lentamente e amadurecido gra-
dualmente. Um
projecto transatlântico podia ser apresentado de várias
maneiras - por exemplo, como veremos, como a procura de novas ilhas, um
impulso para a Ásia, a busca de um novo continente -, podendo ser asso-
ciado a uma variedade de objectivos possíveis. Poderia acrescentar-se-lhe
o «desígnio grandioso», mais remoto, de atacar o Islão pela retaguarda e
reconquistar Jerusalém, como Colombo defendeu inicialmente, antes de
1492, e que retomou intermitentemente, desenvolvendo-o, à medida que o
tempo passava, em termos crescentemente escatológicos, com interpreta-
ções cada vez mais milenaristas^^. Sem se avaliar o potencial de mudança
e desenvolvimento das ideias de Colombo, é impossível apresentar um relato
correcto destas.
Estas ideias também não podem
compreendidas aceitando a sua auto-
ser
-imagem de figura singular, excepcionalmente dotada de visões divinamente
inspiradas. As suas noções geográficas não eram imutáveis nem pouco repre-
sentativas do seu tempo. Antes de examinar em pormenor as influências
intelectuais a que esteve exposto, será útil delinear o ambiente de liberdade
de conjecturas sobre o Atlântico, partilhado por cartógrafos, cosmógrafos e
- presumivelmente - exploradores das regiões da Cristandade latina no
século XV. Neste cenário, o plano de Colombo para atravessar o oceano
parece reconfortantemente compreensível, mesmo previsível.
Foi um período em que o espaço atlântico exercia uma forte atracção
sobre a imaginação da Cristandade latina. Os cartógrafos rechearam as suas
representações do oceano com terras imaginárias e, a partir de 1424, deixa-
ram espaços vazios para serem preenchidos com novas descobertas. A medida
que o interesse pelo espaço crescia, o mesmo acontecia à consciência das pos-

9 Textos, 277.
'O
Ibid. 101, 197, 303; Raccolta, I. ii. 75-160; Navarrete, i. 222.

56
sibilidades da sua exploração. As primeiras colónias permanentes foram esta-
belecidas nas ilhas Canárias em
1402 e nos Açores em 1439. O ritmo do
esforço acelerou na segunda metade do século. A ilha de Gomera foi con-
quistada e as de Flores e Corvo, as de Cabo Verde e as do golfo da Guiné
foram exploradas durante a geração posterior a 1450. A cartografia, com atraso
em relação às descobertas, não incorporou todas estas - nem mesmo repre-
sentou ilhas previamente conhecidas com precisão absoluta - até à década de
1480. No entanto, embora lentos a reflectir as descobertas, os mapas foram
rápidos a encorajá-las: as viagens iniciadas a partir de Bristol nos últimos
anos do século para encontrar a ilha do Brasil referida pelos cartógrafos
demonstram-no, tal como as dos Portugueses a partir dos Açores para encon-

trar «Antillia», invenção semelhante, ou as do próprio Colombo, em parte


baseadas num mapa Os conquistadores das Canárias foram atraídos
teórico.
em 1492 para o oceano em
busca do «Rio de Ouro» assinalado por um car-
tógrafo. Mesmo em mapas-múndi - que davam aos seus compiladores pos-
sibilidades bem recebidas de especular sobre o Oriente - a maior concentra-
ção de coisas novas, depois das desenhadas por Ptolemeu, residia no Atlântico.
A extensão da especulação sobre o oceano é uma das características mais
notáveis da cartografia da época. Até a obra de Colombo definir os seus limi-
tes, as possibilidades do Atlântico eram sedutoramente ilimitadas".
Para além da crença comum de que escondia mais terras por descobrir,
duas teorias especulativas sobre o Atlântico, correntes na sua época, tinham
uma relação directa com o próprio projecto de Colombo: a teoria da exis-
tência dos Antípodas e a teoria de um Atlântico estreito. Embora ambas
tivessemuma longa genealogia, possuíam algo de avançado. Ambas se preo-
cuparam com o mesmo problema básico - a dimensão do globo - e desen-
volveram-se como resposta a esse problema. O perímetro do mundo fora
permanentemente subavaliado desde a Antiguidade, embora o cálculo mais
exacto que se conhece, o de Eratóstenes de Alexandria, tivesse um erro de
pelo menos 5% - talvez 2%, se os valores mais favoráveis forem atribuí-
dos às unidades de medida utilizadas pelo cosmógrafo. Eratóstenes usara
um método teoricamente comprovado, calculando por trigonometria o ângulo
subtendido no centro da Terra por uma linha medida entre dois pontos do
mesmo meridiano. Na prática, porém, o método envolvia uma apreciável
margem de erro: a distância entre os pontos escolhidos era difícil de medir
precisamente e havia decerto alguma diferença, ainda que pequena, entre
os respectivos meridianos reais^^ Assim, embora o método de Alexandria
suscitasse admiração, os seus resultados eram duvidosos.

" F. Femández-Armesto, «Atlantic Exploration before Columbus: The Evidence of Maps»,


Renaissance and Modem Studies, 30 (1986), 12-34.
12
E. H. Bunbury, A History of Ancient Geography, 2 vols. (Londres, 1879), i. 620-66.
Colombo sabia da existência de Eratóstenes mas ignorava a sua obra. Buron, i. 189.

57
Mesmo as subavaliações correntes da dimensão do mundo pressupunham
uma imensa metade desconhecida, a pars inferior, subtraída à investigação
tal como o lado oculto da Lua. Assim como a imagem da orbis terrarum -
a massa de terra única e contínua que compreendia todo o mundo conhe-
cido - estava firmemente gravada na mente de todos os homens cultos, a
noção vulgarmente aceite era a de que o monótono oceano ocupava a parte
desconhecida. O pensamento ousado de que pudesse existir uma segunda
massa de terra no meio do oceano «oposto» ao mundo familiar correspon-
dia ao gosto do Renascimento pela simetria e, de maneira mais geral, à pre-
ferência medieval por uma criação ordenada e «concordante», mas quebrava
dois princípios firmemente defendidos: o de que todos os homens descen-
dem de Adão e o de que os apóstolos tinham pregado «através do mundo»^^
A crença nos Antípodas, no fim da Idade Média, pode bem comparar-se à
crença actual na existência de mundos habitados no espaço exterior: ambos
os mundos foram fervorosamente imaginados e cepticamente rejeitados.
No entanto, a possibilidade da existência dos Antípodas era cada vez
mais debatida. No início do século xv, Pierre d'Ailly, o reformador cardeal
de Touraine, referiu-a na sua Imago Mundi, uma das obras cosmográficas
mais influentes da época, e em dois tratados escritos alguns anos mais tarde
sob a influência de Ptolemeu. Na sua Historia Rerum de meados do século xv,
Eneas Sylvius Piccolomini (o futuro papa Pio II) deu à teoria a sua apro-
vação implícita, para lhe dar mais tarde uma piedosa rejeição, recordando
que um cristão «deveria preferir» a visão tradicional: é evidente que esta
espécie de rejeição não deveria ser considerada seriamente. Os exemplares
de ambas as obras, pertencentes a Colombo, sobreviveram com indícios de
leitura minuciosa. Na sua época, a existência dos Antípodas era amplamente
debatida e, nalguns círculos, especialmente em Itália e entre os humanistas,
a sua descoberta era seriamente esperada. Sob o nome de «Hespérides» apa-
receram nalguns mapas ^'^.

A especulação sobre os Antípodas pode ter sido estimulada pela difu-


são da Geografia de Estrabão no Ocidente. O texto chegou a Itália em 1423
e algumas das ideias de Estrabão circularam largamente desde a época do
Concílio de Florença, em 1439 - uma grande ocasião para a troca de novi-
dades cosmográficas, bem como para o debate eclesiológico. Em 1458 estava
concluída uma tradução completa, da autoria de Guarino de Verona, da
Geografia, impressa em 1469. A sua particular importância devia-se ao facto
deste texto colocar o suposto continente desconhecido na posição aproxi-

^3 Ver W. G. L. Randles, «Le Nouveau Monde, Tautre monde et la pluralité des mon-
des», Actas do III Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, iv (Lisboa, 1961),
347-82; Buron, i. 199.
D. Bennett Durand, The Vienna-Klosterneuburg Map Corpus ofthe Fifteenth Century
^^

(Leida, 1952), fot. xiii, xv, xvi; J. Parker, «A Fragment of a Fifteenth-century Planisphere in
the James Ford Bell Collection», Imago Mundi, 19 (1965), 106-7.

58
mada em que que Colombo ou qualquer dos outros navegado-
se esperaria
res atlânticos do século xv o encontrassem: «Pode ser que nesta mesma
zona temperada existam na verdade dois mundos habitados ou até mais e,
em particular, na proximidade do paralelo de Atenas que é desenhado atra-
vés do mar Atlântico.» No contexto geral do pensamento de Estrabào, parece
que esta observação pode ter tido intenção irónica, mas a ironia é extrema-
mente difícil de detectar em textos oriundos de uma cultura pouco familiar
e os contemporâneos de Colombo interpretaram a citação literalmente. Era
evidente dada a defesa geral de Estrabào de um retrato homérico do mundo
e a rejeição da cosmografia de Eratóstenes: em particular, Estrabão preten-
dia desafiar a visão de Eratóstenes de que «se a imensidade do mar Atlântico
o não impedisse, poderíamos velejar da Ibéria à índia ao longo do mesmo
paralelo». Não se pode provar que Colombo tenha lido Estrabão, mas a car-
teia de um mapa atribuído a seu irmão Bartolomé e conhecido de escrito-
res do século XVI citava o geógrafo, bem como Ptolemeu, Plínio e Isidoro'
O facto de que o próprio Colombo considerava os Antípodas como um
destino possível para a sua projectada exploração atlântica é sugerido pela
resposta de uma das comissões que investigaram os seus planos: «Santo
Agostinho duvida.» Parece constituir uma alusão às dúvidas de Santo Agostinho
sobre a existência dos Antípodas. Quando Colombo regressou da sua pri-
meira viagem, apesar das suas categóricas afirmações de que estivera na
Ásia, a maioria dos comentadores italianos parece ter concluído que as suas
descobertas se situavam nos Antípodas: a rápida aceitação desta teoria em
tantas fontes demonstra que já seria comummente aceite antes da partida de
Colombo. A sua atracção para os humanistas era particularmente forte, tal-
vez porque parecia ter o apoio de autoridades muito consideradas pelo lugar
que ocupavam na tradiçãoclássica, como o De Nuptiis Philologiae et Me reuni,
de Martianus Capella, ou os comentários a Cícero de Macróbio, cuja con-
cepção do mundo parece ter-se baseado profundamente em Eratóstenes e por-
tanto ter pertencido a uma escola bastante diferente da de Estrabão. Macróbio
- embora mais indirectamente que Estrabão - sugeriu também que uma massa
de terra «antípoda» poderia existir no hemisfério norte bem como no sul'^
A segunda grande teoria consistia em que uma massa de terra ampla-
mente espalhada pelo mundo preenchia o espaço atlântico, deixando no meio
uma superfície relativamente menor do globo ocupada pelo oceano. Ptolemeu
mencionara, rejeitando-os, os cálculos do seu colega cosmógrafo Marino de
Tiro, que procurara estender os limites da Ásia a leste para além dos acei-

'5
H. L. Jones (ed.),The Geography of Strabo, i. 243 (I. iv. 6); A. Diller, The Textual
Tradition of Strabo's Geography (Amesterdão, 1975), 97-134; Historie, i. 88; Las Casas,
i. 154.

Santo Agostinho, De Civitate Dei, 16. 9; Macróbio, Commentaria in Somnium Scipionis,


'6

ed. F.Eyssenhardt (Leipzig, 1893), 614-16 (ii. 8); J. K. Wright, The Geographical Lore of
the Time ofthe Crusades (Nova Iorque, 1925), 11, 159-61.

59
tes por Ptolemeu. Seguindo esta ideia, Pierre d' Ailly especulou sobre a hipó-
tese deque os Antípodas fossem não um continente separado mas contíguo
à massa de terra conhecida. D'Ailly referiu uma série de obras notáveis reu-
nidas por Roger Bacon (1214-92), talvez com alguma distorção das inten-
ções originais dos autores, sugerindo que a maior parte da superfície do
mundo era coberta por terra: um Atlântico estreito foi uma conclusão evi-
dente extraída por alguns dos leitores de D'Ailly, incluindo explicitamente
Colombo. Ao que «o mar é pequeno entre
atribuir a Aristóteles a ideia de
a extremidade ocidental de Espanha e a parte oriental da índia», D'Ailly
estava a ser mais fiel a Bacon que a Aristóteles, cujo texto sobre o assunto
é ambíguo e obscuro. Mas a autoridade desta obra, ao ser utilizada ou invo-
cada para defender um ponto de vista específico, tinha um peso enorme. Na
época da sua terceira viagem, Colombo citou-a repetidamente em apoio da
sua reivindicação de ter atingido ou ter-se aproximado da Ásia^^
A teoria de um Atlântico estreito era cultivada no círculo do cosmógrafo
florentino Paolo dei Pozzo Toscanelli, cujas opiniões foram expressas numa
carta de Junho de 1474 dirigida, através de um cónego de Lisboa, ao rei por-
tuguês e numa subsequente recapitulação, de autenticidade duvidosa^^ diri-

gida a Colombo. Toscanelli calculava a distância entre as Canárias e Cathay


em cerca de 5000 milhas náuticas, difícil de transpor pelos padrões da época,
mas pensava que a viagem podia ter uma escala em «Antillia» (a ilha mítica
da tradição portuguesa) ou no Japão, que, segundo Marco Pólo, se pensava
estar a uma enorme distância da China. Como parte da correspondência de
Toscanelli se encontrou em
poder de Colombo, junto dos últimos documen-
tos de um dos seus não pode haver dúvidas sobre o seu conhecimento
livros,
destas opiniões. A data em que lhe foi facultada é, porém, discutível. É pro-
vável, mas não certo, que a tenha recebido antes de 1492. Demonstra, pelo
menos, o tipo de projectos que se admitiam aquando da partida de Colombo
e a diversidade de opiniões sobre a natureza do espaço atlântico ^^. A confi-
guração do Atlântico segundo Toscanelli ou uma versão muito semelhante
foi, em breve, partilhada pelos cosmógrafos de Nuremberga: é, apenas com

1^ Raccolta, I. ii. 366-406; Buron, i. 207-15, 235, ii. 427; Aristóteles, De Caelo,
ed. W. H. K. Guthrie (Londres, 1939), 253.
'^ O caso documentado de H. Vignaud, Toscanelli and Columbus (Londres, 1902), foi
atacado várias vezes, mais eficazmente por D. L. Molinari, «La empresa colombina y el des-
cubrimiento», in R. Levene (ed.), Historia de la nación argentina, ii (Buenos Aires, 1939),
286-337, mas as dúvidas foram reavivadas por A. Cioranescu, «Portugal y las cartas de
Toscanelli», Estúdios americanos, 14 (1957), 1-17. Como todos os argumentos contra a auten-
ticidade das cartas envolvem ramificações fantasistas, é prudente fazer apenas o menor número
de afirmações a seu favor. A objecção principal de
que Colombo nunca citou Toscanelli entre
as suas fontes eruditas é intrigante mas não insuperável: só desenvolveu o hábito de citar
grandes autores a partir de 1498, quando já contava com muitas fontes mais respeitáveis -
clássicas, bíblicas ou apócrifas e patristicas. Rumeu de Armas, Hemando Colón, 257-88, apre-
senta a melhor defesa das cartas conhecida até hoje.
•9
Raccolta, l. ii. 364; I. iii. 67; V. i. 554-88; Historie, i. 55-63; Las Casas, i. 62-6.

60
pequenas modificações, a configuração representada num globo feito naquela
cidade por Martin Behaim em 1492 (ver mapa 2); no ano seguinte, Hieronymus
Munzer escreveu daquela cidade ao rei de Portugal, aconselhando a explo-
ração de uma rota para a Ásia por ocidente^^. Nessa altura, é evidente que a
tentativa já fora realizada, aparentemente sem o conhecimento de Munzer.
Mesmo o Atlântico de Toscanelli era, para fins práticos, demasiado vasto
para ser explorado. Colombo, no entanto, propôs-se diminui-lo conceptual-
mente argumentando que «este mundo é pequeno». Nos seus escritos que
chegaram aos nossos dias, Colombo só muito tarde abordou directamente o
problema da dimensão do globo. A sua primeira análise do problema foi
redigida em Agosto de 1498^'. No entanto, é razoável supor, pelo peso das
provas circunstanciais, que desde uma data muito anterior partilhava ou exce-
dia a tendência dos seus contemporâneos para o subestimar. Os dados em
que os seus cálculos se basearam eram quase todos extraídos da Imago Mundi
de Pierre d'Ailly, que leu provavelmente pela primeira vez em 1488 - data
digna de confiança da mais antiga anotação à margem que ele ou seu irmão
fizeram no texto^^. Quando expôs as suas ideias em pormenor, defendeu uma
subavaliação mais grosseira e distorcida do que qualquer outra conhecida,
25% abaixo do valor real e, pelo menos, 8% abaixo da estimativa mais arro-
jada apresentada na sua época. A base utilizada para este cálculo estava
obviamente errada: segundo afirmou numa nota à margem não datada no seu
exemplar da obra de Pierre d'Ailly, as suas próprias comparações entre lati-
tudes observadas e distâncias registadas durante uma viagem ao golfo da
Guiné tinham-no convencido de «que as minhas medições confirmam a opi-
nião de Alíragano: isto é, que a qualquer grau correspondem 56 2/3 milhas...
Assim, podemos dizer que o perímetro da Terra no equador é de 20 400
milhas». Afirmou também que as suas observações eram confirmadas por
peritos portugueses, incluindo o famoso cosmógrafo José Vizinho^^

20
Molinari, «La empresa colombina», 320-37.
21
Textos, 217.
22
O
problema de explicar as pequenas diferenças nas caligrafias que anotaram os livros
nunca Muitos estudiosos têm-se contentado em atribuir a
foi satisfatoriamente resolvido.
Colombo todas as anotações marcadas com uma cruz. Las Casas estava convencido de que
Bartolomé escrevera muitas das anotações, incluindo a que agora está em causa (i. 146), mas
é mais provável que Colombo tenha estado em Lisboa nessa época do que seu irmão. Alguns
paleógrafos têm detectado mais de duas caligrafias: Fernando Colón, por exemplo, acrescen-
tou notas suas ao exemplar de Marco Pólo pertencente a seu pai (J. Gil in El libro de Marco
Polo anotado por Cristóbal Colón, Madrid, 1987, p. ix) e outras discrepâncias podem atribuir-
-se à intervenção de uma quarta mão, como a de Fray Gaspar de Gorricio.
depositário dos

papéis de Colombo (ver acima, pp. 189-191), ou, mais convincentemente em muitos casos,
pela evolução da caligrafia dos irmãos ao longo do tempo. A defesa do tratamento como holó-
admiravel-
grafas de todas as notas à obra de D'Ailly e, por consequência, à de Pio II está
mente resumida por Gil na sua contribuição para a introdução a Textos, pp. Ivi-lxii. A nota
J.

em questão aqui (Buron, i. 207) está reproduzida em fac-símile in Raccolta, 1. iii, n." 23.

23
Raccolta, L ii. 407 (n.° 490); Buron, ii. 530.

61
Esta última afirmação é incompatível com outras provas sobre a opi-
nião de Vizinho e o resto da nota cria uma impressão fortemente engana-
dora. «A opinião de Alfi*agano» - o cosmógrafo árabe do século x Al-
-Farghani - era expressa em milhas, de extensão muito superior às dos
grandes autores dos mundos grego e latino: Colombo, que conseguiu a infor-
mação através de Pierre d'Ailly, não tomou a precaução elementar de uni-
formizar as suas unidades de medida. E, mesmo que os seus valores esti-
vessem não poderiam ter sido verificados da forma que Colombo
certos,
defendia - usando «um quadrante e outros instrumentos». As inexactidões
deste método de determinação da latitude no mar não foram resolvidas no
século xv; os cálculos de distância efectuados pelos marinheiros eram extre-
mamente rudimentares - as estimativas dos pilotos de Colombo na sua pri-
meira viagem transatlântica, por exemplo, variaram em cerca de 10% e, em
qualquer caso, Colombo não podia estar certo de que a sua rota para a Guiné
o levava ao longo de um grande círculo à volta da Terra^'^.
Seria insensato, portanto, supor que Colombo formara a ideia de um
mundo reduzido logo na data da sua primeira viagem à Guiné, data que
pode ser fixada entre 1482 e 1485, havendo razões a favor deste último
ano^^ As suas memórias dessa experiência poderiam ter sido afectadas por
acontecimentos posteriores e a recordação consequentemente modificada.
Seria, por exemplo, consentâneo com as provas imaginar Colombo relendo
Pierre d'Ailly atentamente em 1498 ou perto desta data, quando preparava
a confirmação pormenorizada da sua reivindicação de ter descoberto uma
via curta para a Ásia; pode ter então atribuído à época da viagem à Guiné
a percepção de opiniões na verdade defendidas mais tarde. De qualquer
forma, teve certamente acesso a alguma espécie de teoria de «mundo pequeno»
ou, pelo menos, a uma teoria de um Atlântico estreito - talvez a de Toscanelli -
ou tê-la-á formulado para si próprio em 1492. De outro modo, seria inex-
plicável a sua repetida defesa, em escritos que podem ser datados desse ano,
da proximidade entre a Ásia e a Europa, viajando para ocidente^^.
Embora aparentemente pensando em destinos situados na Ásia e nos
Antípodas, Colombo parece também ter tido em mente um terceiro objec-
tivo possível. Pelo menos, segundo um biógrafo primitivo e privilegiado,
esperava aumentar a lista crescente de ilhas atlânticas recém-descobertas.
Muitos dos testemunhos empíricos que reuniu sobre o potencial do Atlântico
mais remoto relacionavam-se apenas com novas terras desconhecidas. Embora,

^^ Buron, i. 159, 223, 225-7; ii. 522; A. de Altolaguirre


y Duvale, Cristóbal Colón y
Pablo delPozzo Toscanelli (Madrid, 1903), 42-3, 375; G. E. Nunn, Geographical Conceptions
of Columbus (Nova Iorque, 1924), 1-30; Morison, i. 54-5.
25
O argumento a favor de 1485 baseia-se na presunção de que Colombo acompanhou
pessoalmente a expedição de José Vizinho nesse ano, referida em termos inconclusivos numa
das suas anotações. Raccolta, I. ii, n.° 860.
26
Textos, 15, 22, 27, 32, 42-5, 48-9, 55, 58, 65, 73-5, 78, 95, 99, 132, 142, 144.

62
por exemplo, os náufragos de cara achatada que ele afirmou ter visto na
Irlanda devessem, segundo pensou, ter vindo directamente «de Cathay», as
indicações de vários destroços e pedaços de madeira flutuante atirados para
as costas do Atlântico eram indeterminadas: podiam ter vindo de qualquer
Ainda mais enfaticamente, os relatos que coligiu sobre visões
terra a ocidente.
de marinheiros de terras evanescentes - provavelmente meras formações de
nuvens - para lá dos arquipélagos atlânticos conhecidos alimentaram espe-
ranças de novas descobertas a realizar. A sua obra como cartógrafo familia-
rizou-o intimamente com o dicionário geográfico do fabuloso Atlântico dos
seus colegas: levava consigo um «mapa de ilhas» na sua primeira travessia
do oceano e tratava-o com o respeito devido a uma fonte de confiança'^
Assim, durante o período em que formulou o seu desígnio atlântico e pro-
curou patrocínio para ele, na década de 1480 e princípios da de 1490, Colombo
poderia ter tido três destinos em mente: a Ásia, os Antípodaís e ilhas ainda por
descobrir. Os historiadores e biógrafos procuraram, de maneira geral, ligá-lo a
um destes, seguindo a tradição inaugurada pelo próprio Colombo que parece ter

considerado a firmeza como prova de eleição divina. No entanto, as provas objec-


tivas sugerem que considerou os três destinos em diferentes ocasiões ou, por
vezes, simultaneamente, tendo-os defendido separadamente conforme as audiên-
cias a que se dirigia. Os termos do comando que por fim obteve em Espanha
referem «ilhas e continentes» como seu objectivo - expressão que abrange todas
as possibilidades. As «dúvidas de Santo Agostinho» apontam para um projecto
de descoberta dos Antípodas e a tradição primitiva de que as propostas que apre-
sentou a Portugal não mereciam credibilidade, em parte devido às «suas fanta-
sias sobre a ilha de Cipangu», sugere, se for digna de crédito, que encarava a Ásia
como destino na primeira fase da sua procura de patrocínio^l Se admitirmos que
Colombo podia ter escolhido a exploração não por ela própria mas como um meio
de autopromoção social, então a necessidade de o considerar firme nos seus pro-
jectos específicos de viagens desaparece. A sua «certeza» desaparece. Estava deci-
dido a fazer uma viagem, mas preparado para encarar uma série de destinos.
A concepção mental de Colombo sobre o mundo bem como as suas
noções geográficas em geral tomaram forma entre os inícios da sua auto-
formação em cosmografia, provavelmente na década de 1490, e o período
dos seus escritos sistemáticos sobre o assunto, a partir de 1498. Para ser-
mos mais exactos, o princípio do processo pode ser experimentalmente
localizado antes de 1494, quando, segundo a tradição, se supõe ter feito a
sua primeira apresentação à coroa portuguesa, e o seu termo ou fase de
amadurecimento antes de 1495, quando já granjeara a reputação de sabe-
doria cosmográfica entre os contemporâneos^^. Em qualquer caso, se des-

2^ Ibid. 24.
28 Las Casas, i. 150.
'^'^
Epistolario, i. 307; Navarrete, i. 360-2.

63
contarmos a tradição semi-hagiográfica que considera as suas ideias com-
pletamente formadas antes da primeira travessia atlântica e se nos abs-
trairmos da ideia semelhante mas oposta de detractores que supõem que
Colombo deve ter recebido a sua noção do mundo, de uma só vez, através
de algum criador desconhecido, o processo da sua formação intelectual foi
longo, abrangendo a sua carreira como navegador transatlântico, e foi ali-
mentado pelas suas experiências e observações, bem como pelas suas lei-

turas. Tal como a religião, a sabedoria foi algo que se desenvolveu nele à
medida que o tempo passava e as suas reacções às leituras eram distorci-
das pelos seus próprios triunfos e sofrimentos. Por conseguinte, as suas
ideias sobre a geografia foram evoluindo constantemente e podiam, por
vezes, ser completamente revistas. O Colombo adamantino que herdámos
da tradição necessita de ser recriado em mercúrio e opala. Tempera-
mentalmente era sem dúvida obstinado e obsessivo, mas podia sê-lo suces-
sivamente sobre ideias diferentes.

De qualquer forma, é provavelmente correcto considerar a década de


1480 como crucial na formação do intelecto de Colombo, pois ao longo dela
se tomou geógrafo, bem como navegador experimentado, e adquiriu conhe-
cimentos suficientes para poder apoiar projectos de viagens exploratórias
com argumentação retirada de obras de autores consagrados. Durante, pelo
menos, parte deste período, Colombo abandonou a vida de mercador e dedi-
cou-se aos ofícios de livreiro e cartógrafo: o testemunho primitivo de Andrés
Bemáldez, que o conheceu bem, e de Bartolomé de Las Casas, que teve
acesso aos seus documentos, é corroborado - pelo menos no que respeita
aos mapas - pela própria jactância de Colombo de que Deus lhe ensinara a
arte da cartografia e de que mostrara mapas aos seus patronos ao pedir-lhes
apoio^^. Se este testemunho merecer confiança, Colombo acrescentara uma
faceta literária ao seu carácter durante o período em questão, que se deve
situar, no contexto das afirmações de Bemáldez e Las Casas, na segunda

metade da década de 1480. Pelo seu trabalho no comércio tinha acesso pri-
vilegiado a livros. A tradição de que seu irmão Bartolomeo (sempre citado,
na ortografia castelhana, como Bartolomé Colón) se lhe juntara em Lisboa,
onde aprendera a fazer mapas, pode ajudar a explicar a mudança de activi-
dade de Colombo e sugere que o início da sua aventura em comum num
ofício ligado às letras tenha tido lugar ainda mais cedo, pois o período de
residência habitual de Colombo em Lisboa não se pode ter prolongado para
além de 1485.
Nos poucos livros dos dois irmãos que chegaram aos nossos dias, as
anotações rabiscadas à margem, em caligrafias pouco claras e quase indis-
tintas, fomecem-nos o único testemunho directo da formação do intelecto

30 Las Casas, i. 155; Bemáldez, 269.

64
de Colombo. Em anos recentes têm sido estudadas por eruditos com minu-
cioso cuidado^^ A dificuldade de datar essas obras, que podem ter sido
muitas vezes durante um longo período, gera o perigo de
lidas e relidas
atribuirmos a um
período recuado da vida de Colombo crenças formula-
das e preocupações surgidas muito mais tarde.
Algumas das prioridades reveladas são difíceis de enquadrar num per-
fil convincente da evolução de Colombo. O seu interesse por problemas de
hidrografia, por exemplo, é óbvio, mas parece apenas relevante para a sua
vocação de cartógrafo e não para a de explorador. Estava claramente obce-
cado pela lenda das Amazonas, anotando todas as referências que encon-
trava e, na verdade, por duas vezes durante as suas explorações do Novo
Mundo pensou ter encontrado ou ter estado prestes a encontrar tais seres.
Mas Amazonas faria parte do seu «grande desígnio»? Estava
a procura das
interessado nelas meramente como motivo decorativo para os seus mapas
teóricos? Via-as como uma fonte de imagens próprias para lisonjear a rai-
nha de Castela, que se considerava uma femina foríisl As anotações mos-
tram também o seu interesse, surgido quase certamente antes de 1492, pelos
cálculos da idade do mundo e, por consequência, pelos cálculos da data do
milénio. O milenarismo tomou-se, no fim da década de 1490, uma das obses-
sões mais importantes preferidas por Colombo e a conquista de Jerusalém,
que afirmava ter proposto aos monarcas espanhóis como projecto futuro,
depois da expedição ao Novo Mundo, foi tratada como um símbolo esca-
tológico nos seus últimos escritos. Mas significa isto que Colombo já era
um fantasista milenarista, alimentando uma «agenda secreta» quiliástica,
antes de 1492? É prudente pensar apenas que as anotações iniciais consti-
tuem orientações das tendências no pensamento de Colombo, que podem
ter começado cedo e amadurecido mais tarde.
Entre a meia dúzia de livros que leu mais minuciosamente e que se pode
presumir terem exercido alguma influência nele, pelo menos quatro devem
ter chegado às suas mãos antes de 1492. Porém, foi apenas no fim da década
de 1490 que Colombo começou (segundo os escritos que chegaram até nós)

3'
Especialmente por Pérez de Tudela y Bueso, Mirabilis in Altis; P. Moffitt Watts,
«Prophecy and Discovery: On the Spiritual Origins of Christopher Columbus's Enterpnse of
the Indies», American Historical Review, 90 (1985), 73-102, e J. Gil, El libro de Marco Polo
(Madrid, 1986), mas não na obra do mesmo título de 1987. As anotações estão coligidas e
reproduzidas em fac-símile in Raccolía, I. ii. 289-525, I. iii (1892) e I. iii {Supplemento)
(1894). Existem edições que incluem os textos de Pierre d'Ailly in Buron (mas esta é incom-
pleta) e, em fotostato, in Imago Mundi by Petrus de Aliaco (Pierre dAilly) wiíh annotations
by Christopher Columbus (Boston, 1927) e de Marco Pólo in Gil, El libro de Marco Polo.
Não consultei a edição de L. Giovanni, // Milione con le postille di Cristoforo Colombo
(Roma, 1985). As anotações a Pio II são estudadas na tese de mestrado apresentada na
Universidade de Londres e não publicada de A. Phillimore, «The Postille of Chnstopher
Columbus to the Historia Rerum Ubique Gestarum of Pius II» (1988). Agradeço a Lady
Phillimore o empréstimo de um exemplar desta obra.

65
a compilar informações sobre o que se pode chamar cosmografia sistemá-
tica e seria apressado supor que Colombo, por exemplo em 1498, estava
simplesmente a recapitular ideias consistentemente expostas desde os anos
anteriores a 1492. De qualquer forma, os livros em questão continuam a ser
um guia valioso para o estudo das diversas ideias à disposição de Colombo
durante a formulação do seu objectivo. Constituíram, muito provavelmente,
os alicerces da defesa escrita da sua causa, os quais, segundo mais tarde
recordou, apresentara durante a sua campanha para obter patrocínio:

foram citados textos de autores conceituados, que escreveram obras históricas em que
afirmaram a existência de grandes riquezas nessas partes do mundo. E igualmente foi

necessário apresentar para apoiar isto os ditos e opiniões dos que descreveram a geogra-
fia do mundo por escrito. E por fim Suas Ahezas resolveram que devia ser efectuado^^.

Destes textos essenciais, nenhum foi tão importante, quer para Colombo
quer em termos gerais para a geografia do seu tempo, como a Geografia
de Ptolemeu^^ Redescoberto por eruditos ocidentais no início do século xv,
este compêndio alexandrino do século ii reunia muita sabedoria e especula-
ção clássicas. Em Itália e Portugal, onde Ptolemeu desfrutara do mais
longo e amplo êxito, a autoridade da Geografia era considerada superior
à de todos os outros textos. Pela mão remota de Ptolemeu, Colombo apren-
deu ou confirmou algumas informações fundamentais à elaboração dos
seus planos para atravessar o Atlântico: em primeiro lugar, que o mundo
era uma esfera perfeita - observação inexacta mas universalmente aceite
como verdadeira na época, que serviu os propósitos do explorador até,
como veremos, a rejeitar, por força das suas próprias observações, em
1498. Em segundo lugar, Ptolemeu ensinava que o mundo conhecido se
estendia por uma massa contínua de terra desde a extremidade ocidental
da Europa até ao limite mais oriental da Ásia e que entre esses dois pon-
tos se encontrava um oceano; este fora um lugar-comum da concepção do
mundo medieval antes da divulgação de Ptolemeu, mas a sua autoridade
confirmava que era teoricamente possível passar da Europa para a Ásia
através do Atlântico. O último ponto em que a ciência de Ptolemeu coin-
cidia com os planos de Colombo era a existência de terras desconhecidas
ao sul do mundo conhecido: dependendo da latitude que escolhesse para
as suas travessias, este facto oferecia a possibilidade de realizar novas e
importantes descobertas. Além disso, Ptolemeu - tal como a maioria dos
leitores o compreendia - bloqueava a rota oriental para a índia com ter-

32 Textos, 203.
A edição conhecida por Colombo existe em fac-símile, com introdução de R. A. Skelton
"
(Amesterdão, 1966). A única edição actual de confiança é a Ptolemaei Geographia, ed.
C. F. A. Nobbe (Leipzig, 1843-5). Existe uma tradução útil, Geography ofClaudius Ptolemy,
tr. e ed. E. L. Stevenson (Nova Iorque, 1932).

66
ras hipotéticas que rodeavam o oceano Índico. Não há provas de que
Colombo partilhasse desta opinião, mas era encarada seriamente na época:
em 1490, Portugal enviou uma missão exploratória ao oceano Índico pre-
cisamente para a verificar. Se a rota em redor de África fosse impraticá-
vel, tal facto constituiria uma razão adicional para tentar, de preferência,
a transnavegação directado Atlântico.
Ptolemeu encorajava Colombo, o cartógrafo, bem como Colombo, o
explorador. Colombo adoptou o princípio alexandrino de elaborar mapas
sobre uma grelha, fixando a posição dos locais pelas suas coordenadas de
O mapa que regista as suas descobertas atlânticas, pro-
longitude e latitude.
metido aos seus patronos, foi concebido segundo princípios ptolemaicos e
os esforços - sempre sem grande êxito - para determinar a longitude e a
latitude marcam os relatos das suas viagens. Como não sobreviveu qualquer
mapa autêntico da autoria de Colombo, é impossível garantir a fidelidade
deste, na prática, aos padrões de Ptolemeu. A história da realização do seu
mapa do Novo Mundo está apenas documentada pelos insistentes pedidos
dos monarcas espanhóis para o verem concluído - o que suscita a possibi-
lidade de ter sempre permanecido incompleto. Tem-se argumentado que o
mapa com maiores probabilidades de ter sido copiado da obra de Colombo -
um mapa turco de 1513, obtido através de documentos espanhóis captura-
dos - mostra sinais de ter sido copiado de um mapa exposto numa grelha-^'*;
mas como Colombo não sabia determinar correctamente a latitude e, tal
como todos os seus contemporâneos e os que se seguiram durante mais de
um século, nunca se aproximou sequer da solução para a determinação da
longitude, quaisquer esforços que possa ter feito foram, na melhor das hipó-
teses, experimentais.
Noutros aspectos, as doutrinas de Ptolemeu não auxiliaram tanto Colombo.
Na opinião de Ptolemeu, partilhada pela maioria dos contemporâneos de
Colombo, o mundo conhecido ocupava exactamente metade da superfície
do globo. Embora Ptolemeu admitisse que o Oriente desconhecido se pudesse

estender para lá desses limites, uma travessia atlântica implicaria uma via-

gem através de metade do perímetro do globo - o que corresponderia a uma


distância fora do alcance de qualquer embarcação da época, especialmente
Colombo escolheria. Além disso, o cálculo
nas latitudes bastante a sul que
de Ptolemeu sobre o perímetro da Terra era exagerado em relação ao que
Colombo desejaria - cerca de 8% superior ao valor defendido pelo explo-
rador. Colombo reagiu, rejeitando Ptolemeu e procurando outras autorida-
des que prometessem uma viagem mais curta. O próprio Ptolemeu o apre-
sentou à primeira delas, Marino de Tiro, cujo cálculo excedia em quarenta
e cinco graus a estimativa de Ptolemeu sobre a extensão da massa de terra

^^
C. H. Hapgood,Maps ofthe Ancient Sea-Kings (Londres, 1979), 4-30. O autor desen-
volve teorias amplamente fantasistas, mas a afirmação sobre a grelha parece possível.

67

k
conhecida. O seu valor sobrevivera apenas devido à rejeição do mesmo por
Ptolemeu. No fim da sua vida, Colombo afirmaria ter provado que Marino
estava certo e Ptolemeu errado^^
A sua atitude para com Ptolemeu constitui uma indicação curiosa da
forma como a sua mente trabalhava e dos problemas da investigação cien-
tífica numa época em que a experiência começava a rivalizar com a tradi-
ção como fonte de autoridade científica. Colombo tinha profundo respeito
pelos textos: como seria natural num autodidacta, sentia-se provavelmente
um pouco intimidado por eles. Mas sabia que não podiam satisfazer a sua
vontade de conhecer «os segredos deste mundo»; posteriormente, sempre
que pela sua própria experiência conseguia contestar alguma afirmação de
Ptolemeu, exultava de alegria. Já se orgulhara de ter testemunhado que as
zonas tropicais eram habitáveis, pace o sábio de Alexandria, na sua viagem
à Costa do Ouro (embora, tal como muitas observações de Colombo, esta
estivesse errada, visto que na altura em que se julgou no equador estava
realmente cinco graus a norte dele)^^. Por outro lado, o estudo e conheci-
mento dos textos e a aceitação de autoridades, incluindo a de Ptolemeu,
quando servia os propósitos de Colombo, constituíram influências funda-
mentais no aparecimento das suas ideias. Porque as notas de Colombo à
Geografia de Ptolemeu não sobreviveram, esta não pode ser investigada
como as outras obras anotadas, para compreensão específica dos valores e
prioridades de Colombo e do seu tipo de raciocínio. No entanto, parece justo
atribuir-lhe um lugar primordial na formação das suas noções de geografia.
Uma correcção parcial a Ptolemeu encontrava-se nas viagens aos limi-
tes da Ásia descritas em O Livro de Marco Pólo. A edição de Colombo,
publicada em 1485, não foi quase com certeza adquirida para a sua biblio-
teca antes de 1496, mas os seus próprios escritos mostram que conhecia bem
a versão de Marco Pólo, relativamente a nomes de locais orientais, em 1492.
O texto do viajante era muito antigo e muito lido na época de Colombo, mas
a sua autoridade era objecto de controvérsia. Entre os eruditos da Itália e do
Sul da Alemanha, o veneziano era digno de cordial confiança, enquanto nou-
tras regiões e entre estudiosos mais tradicionais o seu livro era olhado com
cepticismo. Em
Espanha parece ter sido pouco conhecido. Os homens da
Idade Média tinham sido ludibriados por demasiadas histórias de riquezas
infinitas e de prodígios ocultos da Natureza no Oriente para poderem acre-
ditar imediatamente numa narrativa tão repleta de maravilhas como a de
Marco Pólo. O epíteto comum do livro, // milione, é um tributo irónico à
hipérbole de um suposto charlatão. O texto não conferia o tipo de autoridade
que Colombo deveria invocar quando argumentasse sobre os méritos do seu
plano, mas era sempre pouco critico na sua selecção de testemunhos e con-

35 Textos, 319-20.
3^ Morison, i. 54-5.

68
siderou Marco Pólo especialmente útil em três aspectos. Em primeiro lugar,
Colombo calculou que as viagens do veneziano na Ásia o deveriam ter levado
muito para além do que Ptolemeu considerara o limite extremo da Terra. Este
facto, por si só, diminuiria o oceano de Ptolemeu, demasiado grande para
ser facilmente navegado. Além disso, Colombo dedicou especial atenção ao
registo de Marco Pólo sobre a existência de, pelo menos, 1378 ilhas ao largo
da costa da Ásia. Isto equivalia à esperança de encontrar terra antes do fim
da travessia até ao continente. Por último. Marco Pólo registara, a 1500
milhas da China, a ilha dourada, verdejante e fértil de Cipangu. Esta era a
primeira notícia digna de crédito a chegar à Europa sobre a existência do
Japão, mas por não estar confirmada suscitava dúvidas. Marco Pólo calculara
incorrectamente a distância que a separava da China e não fornecera indi-
cações adequadas sobre a sua localização. No entanto, Colombo aferrou-se
à ideia da existência de Cipangu como a sorte dourada no meio do oceano.
Na sua primeira travessia atlântica, embora inicialmente não se dirigisse para
ela, alterou a rota na esperança de a encontrar. Quando estava nas Caraíbas,

procurou-a frequentemente e, por vezes, pensou que a encontrara. A tradi-


ção primitiva segundo a qual a sua proposta fora rejeitada na corte portu-
guesa por ser «fantasista na sua crença na ilha de Cipangu» reflecte uma
reputação manchada pelo contágio de Marco Pólo^^.
O interesse de Colombo pelo viajante veneziano foi, na melhor das
hipóteses, de reduzido carácter científico. Foi atraído pelo exotismo e
extravagância das maravilhas do Oriente. As suas anotações não mostram
qualquer interesse pela geografia ou etnografia, mas sim e em larga escala
pelas riquezas dos reinos orientais. Nas páginas do exemplar de Colombo
da obra de Marco Pólo aproximamo-nos talvez mais dos gostos literários
do explorador do que dos seus conceitos geográficos. Marco Pólo era mer-
cador por tradição familiar e funcionário por adopção. As viagens que des-
creveu foram empreendidas ao serviço de Kublai Khan, que lhe ordenou
a elaboração de relatos interessantes sobre as suas observações, quase
como uma Scheherazade masculina. Era como contador de histórias que
o veneziano se distinguia, excitando através delas a sua audiência. Podemos
pensar noutras razões, para além da curiosidade objectiva, que justificas-
sem as suas descrições sobre a hospitalidade sexual tibetana ou as suas
próprias evocações sobre os truques do oficio das prostitutas chinesas.
As suas afirmações cândidas sobre a existência de homens com cauda, de
homens com cabeça de cão e de ilhas povoadas respectivamente por homens
e mulheres que, periodicamente, se juntavam para se reproduzirem justi-
ficavam a sua reputação de mero inventor de histórias viajante. Pelo menos.
Marco Pólo viajou efectivamente por algumas das terras que descreveu de
forma tão sensacional. Outro escritor viajante que atraiu a atenção de

Las Casas, i. 150.

69
Colombo foi o famoso «Sir John Mandeville», que descrevia fantasias
muito mais ricas que as de Marco Pólo, sem viajar muito para além da
colecção de livros mais próxima. O que atraía particularmente Colombo,
além das histórias espantosas, eram as descrições de produtos exóticos,
que anotava nas margens do seu exemplar: «especiarias, pérolas, pedras
preciosas, tecidos de ouro, mármore», gengibre, açúcar, sedas, minas de
lápis-lazúli e prata, casas repletas de ouro, vitualhas copiosas e abundân-
cia de ricas mercadorias^^
A primeira vista, poder-se-ia esperar mais ajuda para o conhecimento
das fontes de influência no pensamento geográfico de Colombo no seu exem-
plar da Imago Mundi de Pierre d'Ailly. D'Ailly era o autor mais minucio-
samente estudado da biblioteca do explorador. Fragmentos do seu livro e de
dois tratados cosmográficos e astrológicos encadernados em conjunto foram
retirados do seu contexto, memorizados, ordenados segundo estranhos padrões
e lançados em apoio de algumas das teorias posteriores mais polémicas
- mesmo bizarras - de Colombo, tais como a de que tinha descoberto uma
rota curta para a Ásia, a partir de 1492, a de que tinha localizado o Paraíso
terreno em 1498 ou a de que as suas descobertas eram divinamente inspira-
das como prenúncios do milénio, a partir de cerca de 1500. Das páginas de
D'Ailly Colombo retirou algumas das suas especulações acerca da existên-
cia dos antípodas e a maior parte dos seus argumentos a favor de um mundo
pequeno e de um Atlântico estreito, incluindo o valor de Al-Farghani para
o comprimento de um grau; da mesma fonte reuniu anotações que revelam
interesse pelos métodos de previsão da data do milénio e copiou uma tabela
da duração do dia solar no solstício através da latitude, a qual, como vere-
mos, utilizou na sua primeira viagem transatlântica como base das suas ten-
tativas para determinar a latitude à medida que velejava^^. A influência de
D'Ailly é tão fundamental que parece particularmente importante estabele-
cer a data em que se exerceu. A edição de Colombo não tinha data, mas fora
publicada em 1480 ou 1483; este facto também não estabelece um firme ter-
minus a quo, visto que Colombo pode ter tido previamente acesso a um texto
anterior. Uma das anotações à margem refere o ano de 1481 como se fosse
feita nesse mesmo ano, mas pode tratar-se de uma citação. Um terminus ad
quem inquestionável para a primeira leitura do livro por Colombo é forne-
cido por outra anotação que refere um acontecimento «deste ano de 1488»;
pelo menos uma anotação, numa passagem de um dos tratados reunidos onde
D'Ailly discute métodos astrológicos para calcular a data do fim do mundo.

38 M. Pólo, The Description ofthe World, ed. A. C. Moule e P. Pelliott (Londres, 1938),
i. 86, 270-1, 328-9, 376, 378, 424; Mandeville's Traveis, ed. S. M. Letts, 2 vols. (Londres,
1953), i. pp. xxii-xxv; Mandeville 's Traveis, ed. M. C. Seymour (Oxford, 1967), p. xiv; Gil,
El libro de Marco Polo, 30.
3^ Buron, i. 144, 159-63 e pi. v p. op. 272; R. Laguarda Trías, El enigma de las latitu-

des de Colón (Valhadolid, 1974), 9-10, 16.

70
foi escrita como se 1489 ainda fosse uma data futura. Outra nota refere-se

ao «presente ano de 1491» e cita Março de 1491 como data futura"*". Mas
como a obra pode ter sido lida - e certamente o foi - muitas vezes no decurso
da vida de Colombo, procurando nas suas páginas mais «segredos deste
mundo», mais pistas sobre a natureza das suas descobertas, mais argumen-
tos a favor das suas próprias reivindicações, é impossível extrair quaisquer
conclusões fiáveis sobre a cronologia exacta da evolução das ideias de
Colombo. O facto de na década de 1480 já contemplar com interesse a pers-
pectiva do fim do mundo não significa, por exemplo, que já imaginasse o
papel pessoal que mais tarde atribuiria a si próprio no precipitar dessa con-
sumação a desejar devotamente. O livro de D'Ailly fornece não tanto um
guia para o estudo do desenvolvimento do pensamento de Colombo mas
antesuma perspectiva sobre o leque das suas prioridades. De facto, a impres-
são geral mais nítida provocada pelas suas anotações - subjacente a todos
os aspectos particulares da sua preocupação com problemas geográficos, com
projectos atlânticos e com prognósticos astrológicos - é a sua grande paixão
pelo exótico.A parte do livro com mais anotações está recheada de imagens
das maravilhas do Oriente e das riquezas da índia - ouro e prata, pérolas e
pedras preciosas, fauna e animais fabulosos.
A mesma imagem de um Colombo atraído pelo exótico e excitado pela
riqueza revela-se nas suas anotações ao compêndio geográfico de Pio 11, o
Historia Rerum ubique Gestarum. O exemplar de Colombo, impresso em
1477, estava quase tão anotado como o seu Imago Mundi, com 861 notas à
margem contra as 898 deste último. As margens de ambas as obras estão
salpicadas de passagens de especial interesse ou curiosidade. Cobrem um
vasto campo mas preocupam-se predominantemente, de uma forma ou de
outra, com as riquezas e a diversidade do Oriente. Além das Amazonas, da
hidrografia e do exotismo em geral, os tópicos específicos do livro que mais
atraíram a atenção de Colombo foram a navegabilidade de todos os ocea-
nos, a habitabilidade em todos os climas'*' e a questão da existência dos
Antípodas. Ao discutir a primeira destas questões. Pio II demonstrava uma
crença implícita - ou disposição para crer - numa rota navegável entre a
Ásia e a Europa através do Atlântico. Colombo notou, por exemplo, a sua
história de mercadores italianos que teriam desembarcado na Alemanha no
século XII. O papa humanista tinha o hábito de justapor testemunhos tex-
^0
G. Caraci, «Quando cominciò Colombo a scrivere le sue postille?», in Seriai geogra-
fia inonore di Carmelo Colamonico (Nápoles, 1963), 61-96; Raccolta, I. ii. 291, 376-7
(n.° 23, 621, 753); Buron, i. 206-9, iii. 737. Imago Mundi by Petrus de Aliaco, 60.
^^
O Historie afirma que Colombo possuía o livro De Locis Hahitahilihus atribuído a
Julius Capitolinus, que - se realmente existiu- parece ter-se relacionado com o mesmo tema
{Historie, i. 67). Bemáldez poderia estar a pensar no capítulo oito de Imago Mundi. «De quan-
titate terrae habitabilis», que estava bastante anotado por Colombo, ou numa
obra perdida de
Julius Honorius. A. Riese, Geographi Latini Minores (Heilbron, 1870), 15-55, edita
todas as

obras sobreviventes.

71
tuais e empíricos, isto é, de usar os resultados práticos de supostas nave-
gações e o testemunho observado de viagens reais para confirmar ou con-
da sabedoria recebida. Colombo, que não recebera educa-
testar as ideias
ção de base mas reclamava uma vasta experiência prática no mar, baseava
os seus próprios desafios aos eruditos nos seus conhecimentos superiores
do embora citando a autoridade escrita - cada vez mais, segundo
ofício,
parece, à medida que o tempo passava - num plano secundário. O seu método
pode ter sido inspirado pelo exemplo de Pio II ou adoptado faute de mieux.
Confere um carácter especiosamente científico aos seus próprios escritos
com os frequentes apelos a valores empíricos. Pelo menos, pode dizer-se
que Pio II o encorajou a ver a geografia como terreno excitante para novas
descobertas, em que pequena parte do retrato recebido está isenta de sofisma
e todo um mundo parecia estar aberto ao desafio.
A data da leitura do livro por Colombo não pode ser definida com muito
maior rigor do que no caso da Imago Mundi. Uma anotação que refere as
leituras de latitude de José Vizinho ao longo da costa ocidental da África
deve ser posterior a 1485; outra - que contém uma nova referência a
Bartolomeu Dias, o descobridor do cabo da Boa Esperança - deve datar de
1488, pelo menos. O que parecem ser alusões convincentes a afirmações
de Pio II no chamado diário de Colombo da sua primeira viagem transa-
tlântica tomam praticamente certo que o livro já era bem conhecido do
explorador antes de 1492 e pelo menos partes dele estavam presentes na
sua mente quando realizou a sua última viagem em 1502-04^^^.
Os outros livros anotados da biblioteca de Colombo que chegaram
até nós foram a História Natural de Plínio e Vidas de Plutarco. São últi-
mas edições, de 1489 e 1491 respectivamente, mas a que Colombo teve
acesso antes de atravessar o Atlântico. A influência que tiveram nos seus
planos parece insignificante. Embora a tradição do século xvi atribuísse
a Plínio um papel formativo na génese dos planos de Colombo, a única
referência que lhe foi feita pelo descobridor, num contexto teórico, é irre-
levante e quase todas as vinte e quatro anotações são tentativas de tra-
duzir o texto italiano da edição de Colombo para espanhol. Uma nota que
refere Hispaníola deve ter sido escrita depois de 1492. Se Colombo estava
interessado em medicamentos para doenças de olhos, para si próprio, uma
leitura, pelo menos, pode ser de data posterior a 1494, quando a sua
doença crónica e dolorosa surgiu pela primeira vez durante a exploração
de Cuba. Além das curas - sobretudo para cálculos biliares -, o interesse
de Colombo era principalmente atraído pela mesma gama de assuntos
anotada nos seus exemplares de Marco Pólo: ouro, prata, pérolas, âmbar
e «muitas maravilhas»"^^.

^^ Caraci, Scritti geografici; Textos, 115, 325; Raccolta, I. ii, n° 6, 858, 860.
^^ Raccolta, I. iii, pi. Cl.

72
No Plutarco, anotado com grande pormenor, é possível encontrar mais
algumas das obsessões específicas de Colombo. Das 437 notas, noventa e
nove ligam-se a augúrios, prodígios e, ocasionalmente, formas mais miste-
riosas de adivinhação, como o exorcismo de demónios por Numa. Nesta
matéria, Colombo mostra-se particularmente interessado em visões e dá
especial atenção a quaisquer «vozes etéreas» como as que aconselharam
Marcus Caecius. Não é difícil detectar aqui provas de um interesse que pode
ter sido suscitado pelos próprios diálogos com as suas «vozes». Com excep-
cional abertura de espírito, Colombo anotou também os argumentos de Dio
Cassius contra a crença em visões. O tema seguinte mais representado é o
do embuste como instrumento político. Colombo observou todos os aspec-
tos da astúcia de um político ou dos estratagemas de um comandante. O capi-
tão que viciava a bússola e falseava o diário de bordo encontrava certamente
inspiração nestes exemplos. Colombo manifestou também um interesse
excepcional por circunstâncias de extrema fleuma e sang-froid épatant -
particularmente em heróis como Brutus e Manlius Torquatus, que estavam
dispostos a reclamar a pena máxima para seus próprios fílhos quando o
dever assim o exigia. Colombo nunca tomou explícito o paralelo, mas inte-
ressa recordar que em Hispaníola, em 1500, se sentiu obrigado, embora com
relutância, a executar um amotinado: ao justificar este procedimento arbi-
trário e extremo, declarou que não hesitaria em fazer o mesmo a seu pró-
prio filho, em circunstâncias semelhantes. Admirava a frieza de Péricles, a
quem nada emocionava, excepto a dificil situação de seu filho: Colombo
podia identificar-se com o ateniense, pois passara por momentos de intenso
sofrimento pelos seus próprios filhos - especialmente durante a viagem de
regresso da sua primeira travessia atlântica, quando pensou que não os vol-
taria a ver, e durante a sua última viagem, quando assistiu ao sofrimento e
fortaleza de ânimo de seu filho mais novo, que o acompanhou. As suas ano-
tações abordam igualmente formas de «boa morte» e, de maneira mais geral,
o modo como morreram os heróis da Antiguidade. Algumas das suas obses-
sões mais familiares estão representadas por estranhas notas: reconhece-se
uma femina fortis na mulher de Manlius e refere-se a localização das
Amazonas. Velhas anedotas e contos morais revelam um aspecto do gosto
característico de Colombo: apreciava, por exemplo, a história do roubo da
cria de leão que comeu o seu ladrão, das duas mulheres de Roma que mor-
reram de prazer, do amor de Numa por águias ou do prodigioso camaleão
que pode assumir todas as cores, excepto o branco. A meticulosidade com
que anota os heróis sensíveis ao «desejo indizível» toma surpreendente que
ninguém ainda tenha escrito um livro em que se afirme que Colombo era
homossexual"^.

^ Raccolta, I. iii, Supplemento, passim, esp. n.'' 6, 13, 18, 28, 47, 57, 66. 75, 88, 92,

112,243,329.

73
Assim, embora seja difícil, talvez impossível, estabelecer um discurso
coerente sobre a geografia de Colombo a partir do testemunho dos seus
hábitos de leitura, é possível respigar alguns aspectos dos seus gostos.
Gostava de ler mas não era erudito, sendo pois um «leitor» sem grandes
exigências. Gostava do sensacional e do trivial, do sentencioso e do salaz.
Recolhia aspectos que reproduziam a sua própria experiência ou que se rela-
cionavam com as suas ambições. Através das suas notas, essas ambições
surgem como materiais, pelo menos tanto como científicas; interessava-se
pela Ásia devido às suas «maravilhas» de literatura sensacionalista e riqueza
de livro de ouro. A sua atitude perante a autoridade científica era uma curiosa
mistura de servilismo e de reacção. Recolhia nozes de informação como um
esquilo e quebrava-as como um crítico. A partir dos escassos testemunhos
que sobrevivem, é tentador ver o seu interesse pelos despojos da erudição
a aumentar à medida que o tempo passava e supor que as suas leituras pas-
saram a ter um propósito mais definido a partir de 1498, quando vasculhava
os seus livros sistematicamente em busca da defesa da sua carreira até essa
data, mas tal não significa necessariamente que não tivesse tentado uma
exposição académica das suas ideias antes de 1492.

Em 1492, na verdade, Colombo adquirira suficientes conhecimentos lite-

rários para acrescentar aos atributos de geógrafo amador as qualidades de


navegador experiente. Os problemas intransponíveis da cronologia impe-
dem-nos, porém, de garantir confiantemente a exactidão das teorias geo-
gráficas que defendia e do projecto que nelas baseou. As notas à margem
nos seus livros constituem o único testemunho de que dispomos sobre o que
se passava na sua mente antes de 1492 e possivelmente a maioria delas terá
sido escrita mais tarde. Está confirmado pelas notas que encarava a trans-
navegação do Atlântico assim como a afirmação de que estava interessado
na Ásia, mas, de acordo com estas fontes, não é possível afirmar quando é
que o projecto atlântico se identificou com a procura da Ásia na sua mente.
Antes de 1492 admitira igualmente uma viagem para descobrir os Antípodas;
com base em alguns testemunhos, parece ter-se contentado simplesmente
com a descoberta de novas ilhas. Enquanto hesitava entre três objectivos
possíveis, parecia insistir mais na sua determinação de descobrir alguma
coisa do que em pormenorizar o que se propunha descobrir. Tendo-se cons-
ciência do elevado, ou mesmo primordial, lugar atribuído à autopromoção
social na escala de ambições de Colombo, é fácil compreender a natureza
indecisa e indistinta da sua geografia em evolução. Ter-se-ia preocupado
menos com o local de destino do que, em termos sociais, com a possibili-
dade de conseguir «chegar».
Em 1492 ainda não se comprometera a mais do que uma procura de
«ilhas e continentes», mas, no decurso desse ano, toda a ênfase que se pode
distinguir nas fontes veio a ser colocada na esperança de encontrar uma rota

74
curta para o Oriente. Esta surgia tanto pelos preparativos feitos por Colombo
- levando a bordo um intérprete oriental, munindo-se de salvos-condutos
implicitamente dirigidos ao governante da China, assegurando aos seus patro-
nos que «iria para oriente pelo ocidente» - e pelas provas consistentes do
seu próprio relato da primeira travessia atlântica, que insiste num destino
asiático com convincente monotonia. A partir do momento em que se fez
ao mar, Colombo nunca mencionou qualquer outro destino possível e quando
regressou, embora não faltassem pseudo-eruditos para identificar as suas
novas descobertas como os Antípodas ou simplesmente como ilhas previa-
mente por descobrir, Colombo excluiu rigidamente, pela forma como as
apresentou, todas as descrições que não fossem asiáticas. Se os testemunhos
sobre a sua formação intelectual não auxiliam quanto a sabermos quando e
como surgiu esta concentração de atenção, poderá ser útil investigar o outro
processo em que Colombo se empenhou nos mesmos anos - a procura de
um patrono.

75
3

«A SUA MÃO MANIFESTA»

A PROCURA DE PATROCÍNIO,
c.1484-1492

Dois episódios da lenda de Colombo mostram o contraste entre a penú-


ria dolorosa do visionário sem amigos, que chegou pobre a Espanha, e o
grande triunfo do momento em que, em 1492, «seis ou sete anos» mais
tardei pelas próprias palavras de Colombo:

no segundo dia do mês de Janeiro, vi o estandarte real de Suas Altezas içado nas torres
do Alhambra, que é a fortaleza da dita cidade, e vi o rei mouro chegar às portas da dita
cidade e beijar as mãos reais de Suas Altezas e do meu senhor, o príncipe... e depois,
nesse mesmo mês... Suas Altezas, como como príncipes que amam
cristãos católicos e
a santa fé cristã, e como propagadores desta e inimigos da seita de Maomé e de todas
as idolatrias e heresias, pensaram em enviar-me, a mim Cristóvão Colombo, às regiões
da índia... e Suas Altezas ordenaram que não viajasse por terra para oriente, como é cos-
tume, mas antes pelo Ocidente, por onde até hoje, tanto quanto podemos saber ao certo,
nenhum homem alguma vez foi^.

Nenhum destes episódios terá acontecido exactamente como a lenda os


mas o problema que levantam é bem real: como conseguiu Colombo,
retrata,

que segundo ele próprio nada tinha a oferecer excepto promessas que «não
eram poucas nem vãs»^ obter o apoio real que lançou o seu empreendi-
mento e a sua carreira?

'
Textos, 203.
2Ibid. 15-16.
3 Ibid. 272.

77
Os exploradores do século xv, pelo que sabemos, não partiam à aven-
tura sem autorização e apoio de algum poderoso príncipe. Colombo expli-
cou bastante claramente a razão deste facto: qualquer indivíduo poderia fazer
uma descoberta mas não lhe era permitido reclamar a sua soberania, nem
conseguiria manter os seus proveitos sem protecção real contra a intrusão
de outros súbditos ou os ataques de algum príncipe estrangeiro. Quando
Colombo foi acusado, no fim da década de 1490, de conspirar para retirar
as suas descobertas à coroa castelhana, a sua defesa bastante irrelevante
baseou-se no facto de não poder passar sem um patrono. Só um Estado tinha
autoridade para legitimar o seu empreendimento, bem como poder para deter
os ladrões. Como genovês, Colombo tinha liberdade para procurar patrocí-
nio estatal por toda a parte; parece ter pensado, em várias épocas, na sua
república natal, no papa e nos monarcas de Portugal, Castela, França e
Inglaterra como potenciais protectores. Na sua própria memória distorcida,
formou-se a ideia de ter tido que afastar rivais desejosos dos seus serviços
e de que Deus deu o projecto a Castela contra ofertas dos Ingleses, Franceses
e Portugueses «por um milagre», realizado pela «mão manifesta» de Deus^.
Na realidade, Colombo suscitou apenas algum interesse esporádico fora de
Espanha e o patrocínio de Fernando e Isabel foi obtido após longo e per-
sistente esforço.
A tradição de que a procura de patrocínio se iniciou em Portugal, em
1484, pode considerar-se provisoriamente de confiança, embora se deva ter
em mente que não existe prova directa de qualquer abordagem de Colombo
na corte de Portugal antes de 1488, quando eleja se mudara para Castela^
Portugal era certamente um bom lugar para começar. Todas as novas des-
cobertas conhecidas no Atlântico, desde meados do século, tinham sido rea-
lizadas sob auspício português e a experiência da guerra no alto mar, em
1474-79, de Portugal contra Castela demonstrara, de maneira geral, que o
rei de Portugal podia oferecer a melhor prenda que um patrono poderia dar

a um explorador: a protecção das suas descobertas contra as pretensões de


rivais. Além empenhara-se pessoalmente
disso, o rei incumbente, D. João II,

no desenvolvimento da exploração portuguesa e na expansão da superfície


do seu reino ao longo da suposta rota para o oceano Índico descendo a costa
ocidental africana. Tentou dar a todo o empreendimento africano um pres-
tígio de realce no país. Assumiu o título de «senhor da Guiné». Acentuou
as reivindicações portuguesas de soberania em Africa - tendo em vista, sem
dúvida, a inveja castelhana - e o dever de evangelização que se pensava
legitimá-la. Presidiu a uma extraordinária «produção» de baptismos e rebap-
tismos de chefes negros. Criou uma impressionante feitoria em São Jorge
da Mina, perto da embocadura do Volta, para impulsionar o comércio do

Ibid. 268, 277, 329, 357.


Cartas, 142-3.

78
ouro e centralizou o comércio africano em Lisboa, na Casa da Mina, situada
por baixo do palácio real, onde todas as viagens tinham que ser registadas
e todas as cargas armazenadas. Tomou-se hábito de Colombo evidenciar aos
monarcas castelhanos a energia e o empenho deste rei^.
Neste cenário, se Colombo procurou apoio em Portugal para a tentativa
de uma travessia atlântica em 1484, é surpreendente que o mesmo tenha sido
Apenas três anos mais tarde, um aventureiro flamengo, Fernando
rejeitado.
van Olmen, foi incumbido por Portugal para o que parece ter sido um pro-
jecto muito semelhante, isto é, o de encontrar «ilhas e continente» no oceano
Atlântico^. Pela frequência com que surgem tais documentos nos arquivos
portugueses, comissões de exploração eram fáceis de obter entre 1462 e 1487^
No entanto, segundo as tradições em que somos obrigados a confiar, o pedido
de Colombo falhou por duas razões. A comissão de eruditos profissionais que
apreciou os seus planos rejeitou-os porque não acreditava na existência de
Cipangu e, por outro lado, porque Colombo pedia recompensas exageradas
pelos seus serviços em caso de sucesso^. Ambas as explicações são credíveis:
as tentativas de Colombo para obter apoio do rei D. João podem ter sido pre-

judicadas quer pela improbabilidade da realização dos seus planos quer pela
importunidade das suas exigências. Outras razões possíveis mas inteiramente
especulativas referem-se ao facto de Colombo não ter conseguido reunir capi-
tal privado para o seu empreendimento ou de que a partida das ilhas Canárias
já fazia parte integrante dos seus planos - pois as Canárias pertenciam à esfera
da expansão castelhana, que os Portugueses, apesar de repetidos esforços, não
tinham conseguido quebrar. A própria explicação de Colombo, fornecida mais
tarde com as vantagens da percepção posterior e a exaltação da convicção
divina, diziaque Deus obscurecera a visão do rei de Portugal para reservar a
Castela a glória da descoberta^°.
Os planos divinos amadurecem lentamente. Neste caso, parece certa-
mente que Deus não teve pressa. Quando, devido ao seu desapontamento
em Portugal, Colombo transferiu as suas frustrações para Castela, tinha ainda
seis ou sete anos de espera à sua frente, marcados por momentos de deses-
pero, antes de obter finalmente um comando real. O historial de Castela na
promoção da descoberta atlântica, embora longo, era desigual e caprichoso.
Castela atrasara-se em relação a Portugal na competição por territórios ultra-
marinos não por falta de vontade mas por falta de meios. Os reis castelha-

6 Textos, 219, 357.


'
«A Precursor of Columbus: The Fleming Ferdinand van Olmen (1487)»,
C. Verlinden,
The Beginnings of Modem Colonization (Ithaca, NI, 1966), 181-95; Morison, Portuguese
Voyages in America before 1500, 44-5.
320-
8
Martins da Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, iii. 124, 130. 278. 317,
-32, 552.
9 Las Casas, i. 149-50.
'O
Textos, 357.

k 79
nos tinham posto em causa as reivindicações de Portugal em África e nas
ilhas atlânticas desde 1345, quando ambas as coroas tinham reclamado o
direito de conquista das Canárias perante a corte do papa Clemente VI.
Nessa ocasião, o papa antecipara-se a ambos os rivais atribuindo ele pró-
prio os benefícios. Desde o início do século xv, os juristas castelhanos
tinham desenvolvido uma argumentação que atribuía direitos de conquista
em Africa ao seu próprio soberano, por virtude da suposta descendência da
realeza dos governantes visigodos de toda a Espanha, juntamentecom os
seus direitos contra os Mouros, através da genealogia dos monarcas de
Castela. Poucas consequências práticas tinham sido conseguidas, excep-
tuando a conquista de quatro das ilhas Canárias. Quando Colombo chegou,
porém, o ritmo do envolvimento castelhano estava a acelerar-se.
Intrusos castelhanos no comércio africano tinham provocado queixas de
Portugal desde a década de 1440, mas a guerra de 1474-79, em que Fernando
e sua mulher Isabel foram afrontados por Portugal pela coroa de Castela,
agiu como catalisadora da actividade castelhana. Os monarcas foram gene-
rosos na outorga de licenças para viagens de pirataria ou contrabando. Os
genoveses de Sevilha e Cádis tinham interesse em investir nestes empreen-
dimentos e os marinheiros andaluzes, incluindo muitos que iriam viajar com
Colombo ou que realizaram viagens transatlânticas depois dele, foram trei-
nados na navegação atlântica. O principal acto daquela guerra teve lugar
em terra, no Norte de Castela, mas foi acompanhado por uma «pequena
guerra» no mar, na latitude das Canárias. Os corsários castelhanos recebe-
ram autorização para quebrar, pela força, o monopólio de Portugal do comér-
cio da Guiné. O governador genovês das ilhas portuguesas de Cabo Verde,
António da Noli, desertou para Castela. As embarcações portuguesas efec-
tuaram numerosos ataques aos colonos castelhanos da ilha de Lançarote.
A importância das ilhas desse arquipélago ainda não conquistadas - preci-
samente as mais ricas. Grande Canária, Palma e Tenerife, que ainda esta-
vam na posse dos seus habitantes aborígenes - e a fragilidade do domínio
castelhano sobre as outras terras foram postas em evidência. Quando Fernando
e Isabel enviaram uma expedição para retomar a conquista das Canárias,
em 1478, uma esquadra portuguesa rival estava já a caminho.
Entretanto, outras razões mais aprofundadas impeliram os monarcas cas-
telhanos para uma política atlântica. Os Portugueses não eram os únicos rivais
pela posse das ilhas Canárias: o título de senhor das ilhas proviera de Diego
de Herrera, nobre de baixa estirpe de Sevilha, que se imaginava um con-
quistador. Era o tipo de paladino truculento cujo poder, numa região perifé-
rica, constituía uma afronta à coroa. Aproveitando uma rebelião local con-
traa autoridade senhorial, em Lançarote, em 1475-76 - uma de várias rebeliões
semelhantes -, os monarcas decidiram impor a sua suserania. Em Novembro
de 1476 iniciaram um inquérito sobre a base jurídica do senhorio das Canárias.
As suas conclusões foram incorporadas num acordo entre o senhor e os suse-

80
ranos, em Outubro de 1477: os direitos dos Herrera eram inatacáveis, salvo
o senhorio superior da coroa, mas «excepto por certas razões justas e razoá-
veis» que nunca foram especificadas, o direito de conquista revertia para a
coroa. Entre 1480 e 1483, a Grande Canária foi esforçadamente conquistada
aos nativos, que, armados literalmente com paus e pedras, aproveitaram o
terreno difícil conseguindo repetidas vitórias sobre adversários tecnicamente
superiores. Entretanto, uma nova insurreição dos nativos de Gomera obrigou
as forças reais a deslocarem-se da
Grande Canária para aquela ilha: em 1488
e 1489 incursões brutais esmagaram os rebeldes, que, com legalidade duvi-
dosa, foram escravizados em grande quantidade como «rebeldes contra seus
senhores naturais». Esta conquista definitiva de Gomera colocou, inciden-
talmente, o porto de águas profundas da ilha, San Sebastián, situado no
extremo ocidental do mundo cristão, à disposição de Colombo".
Para além das Canárias, outras recompensas atlânticas mais remotas
atraíam os monarcas espanhóis. Como sempre na história do envolvimento
latino no Atlântico africano, o ouro foi o seu estímulo. Segundo um obser-
vador altamente privilegiado, o interesse do rei Fernando pelas Canárias foi
suscitado pelo desejo de obter comunicações fáceis com «as minas da Etiópia»
(isto é, África)^^. A conclusão da guerra com Portugal negou-lhe efectiva-
mente o acesso às lucrativas novas minas de ouro exploradas por aquele
país abaixo da protuberância africana, perto da embocadura do Volta, na
década de 1480. Este facto deve ter ajudado a estimular a procura de fon-
tes alternativas de ouro e ajudará a explicar, por exemplo, a ênfase dada ao
ouro nos diários de Colombo. Em 1482, os monarcas castelhanos dedica-
ram-se à conquista de Granada, o último Estado mouro que permanecia na
Península Ibérica: isto não significou, porém, que tinham abandonado o inte-
resse pelo Atlântico, mas apenas que, enquanto a paz com Portugal asse-
gurasse a retaguarda, poderiam prosseguir uma política de expansão sem
limites noutra frente. A conquista das Canárias prosseguiu, embora a ritmo
lento, e, em certa medida, a conquista de Granada estimulou o interesse pela
exploração mais longínqua ao aumentar a urgência em procurar novas fon-
tesde ouro. Os custos da guerra e a perda dos tradicionais tributos grana-
dinos,combinados com o abandono das esperanças castelhanas em Africa,
conferiram às propostas de Colombo uma atracção crescente na Castela da
década de 1480 e do início da de 1490.

" E. Aznar Vallejo, La integración de las islãs Canárias en la corona de Castilla (Sevilha-

-La Laguna, 1984), 23-87; Documentos canários en el Registro dei Sello (La Laguna, 1981 ),
1-30; G. Chil y Naranjo, Estúdios históricos de las islãs Canárias, 3 vols. (Las Palmas. 876- 1

-91), ii. 632-4; A. Rumeu de Armas, «La reivindicación por la corona de Castilla dei dere-
cho sobre las Canárias mayores», Hidalguía, 32 (1959), 11; «Cristóbal Colón y Dorta Beatriz
de Bobadilla», El Museo Canário, 20 (1960), parte II, 263-7.
'2
López de Toro, «La conquista de Gran Canária en
J. la Cuarta Década de Alonso de
Falência», Anuário de estúdios atlânticos, 16 (1970), 332.

81
Desde a união das coroas de Aragão e Castela em 1479, foram adicio-
nados às tradicionais aspirações castelhanas de expansão os antigos inte-
resses aragoneses no Mediterrâneo Oriental e nas rotas comerciais para o
Oriente. O pressentimento de uma próxima luta com o Islão, que se acen-
tuara gradualmente ao longo do século, foi particularmente forte em Espanha,
terra de conflito secular com os Mouros e, mais recentemente, de envolvi-
mento contra os Turcos. Uma velha e arreigada tradição na corte aragonesa
unia o milenarismo à ambição de governar em Jerusalém - tomando reali-
dade o título de «rei e rainha de Jerusalém» que Fernando e Isabel tinham
herdado. No fim do século xiv e início do século xv, as obras proféticas de
Amau de Vilanova tinham definido um papel escatológico para os reis ara-
goneses, incluindo a renovação da Igreja, a conquista de Jerusalém e a cria-
ção de um império mundial unido^\ Este programa foi copiado das adivi-
nhações bíblicas do século xii do abade Joaquim de Fiore, uma das fontes
mais influentes das tradições quiliásticas medievais tardias. O joaquimismo
foi amplamente seguido pelos Franciscanos, alguns dos quais viriam a con-
tar-se entre os amigos mais íntimos de Colombo em Espanha, tendo inspi-
rado algumas das suas convicções mais profundamente sentidas. Em escri-
tos posteriores, Colombo citaria Joaquim, embora não por conhecimento
directo da sua obra, demonstrando também alguns conhecimentos sobre
Amau. Na corte de Femando, o Católico, parecem ter-se reavivado estas
tradições milenares quando Colombo ali chegou em meados da década de
1480. O rei foi considerado por alguns admiradores como o natural «impe-
rador do Ultimo Mundo» e que cumpriria algumas das condições prévias
de Joaquim, incluindo a conquista de Jemsalém, para o fim do mundo^'*.
Para a maioria dos defensores desta visão foi apenas, talvez, uma forma
de propaganda, mas esta tem que ser credível para ser eficaz. Durante a sua
estada na corte, Colombo teria estado exposto a suficiente propaganda deste
tipo para se convencer de que, pelo menos, os monarcas encaravam seria-
mente as suas ambições hierosolimitas. Teria ouvido quadros musicais da
profecia segundo a qual Femando e Isabel conquistariam Jemsalém e uma
canção de Juan de Anchieta que atribuía à «Escritura e aos santos» a visão
antecipada dos monarcas coroados pelo papa perante o Santo Sepulcro. Em
1489 poderia ter testemunhado a recepção a um gmpo de guardiães fran-
ciscanos do túmulo de Cristo'^ Segundo as suas memórias, Colombo pro-
pôs, como parte da sua submissão aos monarcas pelo apoio destes à sua via-

i Lluch, Documents per l 'história de cultura catalana mig-eval, i (Barcelona,


A. Rubió
^^

1908), 52-4; M. Menéndez y Pelayo, Historia de los heterodoxos espanoles, 7 (1948), 232 ff;
J. Carreras Artau, Relaciones de Amau de Vilanova con los reyes de la casa de Aragón
(Barcelona, 1955), 43-50.
Milhou, Colón y su mentalidad mesiánica, 361-400.
^"^

'^
J. Manzano y Manzano, Cristóbal Colón: Siete anos decisivos de su vida
Ibid. 392-3;
(Madrid, 1964), 198-200.

82
gem atlântica, que os lucros fossem destinados a uma campanha em prol de
uma cruzada a Jerusalém. Ao longo da sua subsequente carreira, a ideia de
Jerusalém nunca o abandonou, tendo sido frequentemente recordado, como
veremos, sobretudo em épocas de profunda tensão mental. Se, como parece
provável pelo testemunho das suas anotações à margem, o seu interesse
pelos cálculos do milénio já surgira na década de 1480 e o nome de Jerusalém
já tinha uma ressonância especial para ele, é fácil avaliar porque terá con-
siderado a corte do «rei e rainha de Jerusalém» um local particularmente
agradável e inspirador para viver.
Em nível mais prosaico, a indústria, o comércio e a navegação da Espanha
beneficiavam de um período de prosperidade que tornou ainda mais urgente
a procura de rotas comerciais e mercados exóticos enquanto se geravam
capitais para investimento. A competição, a todos os níveis, entre Espanha
e Portugal poucas vezes fora tão intensa como nesta época. No tratado que
pôs fim à guerra de 1479, os dois reinos dividiram entre si as futuras zonas
de expansão: as ilhas Canárias, incluindo muitas ainda por descobrir, com
a parte da costa africana imediatamente em frente delas, ficariam a perten-
cer a Castela, enquanto o resto do continente africano seria presa exclusiva
de Portugal. Nenhum acordo, porém, poderia considerar-se definitivo no
ambiente instável que então prevalecia e em 1482, durante as negociações
matrimoniais entre as duas dinastias, as condições estavam novamente em
negociação^^.
Era portanto natural que na década de 1480 Colombo, ao procurar um
Além disso, Fernando e Isabel
patrono, oscilasse entre Portugal e Espanha.
não eram os únicos protectores que Castela tinha para oferecer; se podemos
confiar na tradição que fixa a sua mudança para Castela em 1485, parece
ter passado pelo menos o seu primeiro ano criando relações de nível mais
modesto. A expansão ultramarina não era em Castela, ao contrário de Portugal,
uma actividade «oficial» há muito estabelecida, rigidamente controlada e
nalgumas áreas estritamente monopolizada pela coroa. Qualquer súbdito
castelhano que possuísse meios e motivação podia comandar alguns navios
numa razzia para fazer escravos, capturar uma cidade berbere, negociar ili-
citamente na Guiné portuguesa, conquistar uma ilha das Canárias ou inva-
dir o reino de Granada - ou, se o desejasse, tentar velejar através do Atlântico.
Empreendimentos como os que Colombo propunha acrescentavam o esplen-
dor da glória à esperança do lucro comercial e nenhum destes objectivos
era considerado menos digno para a alta nobreza da Castela da época. Em
particular o conde de Medinaceli investira bastante em aventuras de comér-
cio maritimo e tinha uma com a expansão cas-
ligação familiar tradicional
telhana nas ilhas Canárias, enquanto o duque de Medina Sidónia estava

'6
J. M. Cordeiro Sousa, «La boda de Isabel de Castilla», Revista de archivos. bibliote-

cas y museos, 60 (1954), 35.

83

k
ligado à navegação, aprovisionamento e comércio de açúcar, mostrando-se
interessado em tomar parte na conquista das Canárias.
Colombo dirigiu os seus primeiros apelos a estas fontes potenciais de
apoio. O que propôs, segundo recordações posteriores de Medinaceli, foi
uma viagem «às índias». Ao dirigir-se a um bourgeois gentilhomme, Colombo
parece ter acentuado a recompensa mais aliciante em detrimento dos bene-
fícios imponderáveis dos Antípodas ou de novas ilhas. Tudo o que preci-
sava era de «três ou quatro caravelas, pois nada mais pedia». O seu plano
foi acolhido favoravelmente e Medinaceli, mais tarde, afirmou tê-lo apoiado
durante algum tempo, mas o nobre parece ter sentido que o projecto era de
tal grandeza que requeria aprovação real. Uma viagem às índias envolveria

necessariamente muito mais que implicações comerciais e levantaria a ques-


tão da soberania das terras visitadas, com negociações com Portugal e, sem
dúvida, súplicas ao papa. Ao enviá-lo à corte real, Medinaceli terá sido tam-
bém influenciado pela ameaça de Colombo de expor o seu projecto a França;
como esta era uma forma de chantagem a que Colombo recorria frequente-
mente nas suas relações posteriores com os seus patronos, a referência de
Medinaceli é inteiramente credíveP^.
Neste período inicial da sua vida em Castela - se é correcto fixar a sua
associação com Medinaceli nessa época - Colombo iniciou uma relação
íntima com uma mulher de Córdova chamada Beatriz Enríquez. Era filha
de camponeses e pupila de seu tio Rodrigo Enríquez de Arana, cidadão rela-
tivamente abastado. Porém, as suas relações familiares, que incluíam alguns
artesãos de baixa condição, como carpinteiros e talhantes, não eram o que
Colombo procurava numa possível companheira. Colombo não era, pelos
padrões comuns, um homem sexualmente volúvel. Apenas lhe é atribuída
outra ligação amorosa fora do casamento. A sua reacção era claramente
puritana quando os seus seguidores praticavam o concubinato ou a promis-
cuidade com mulheres nativas no Novo Mundo. Mais tarde tomou o hábito
e os costumes de cenobita e parecia preferir, geralmente, a companhia de
frades à de mulheres. A prova irrefutável da sua paixão por Beatriz, no
entanto, foi o nascimento de seu filho Fernando, em Novembro de 1488.
Fernando demonstrou ser um rapaz notável que Colombo reconhecia com
orgulho. Acompanhou o pai na sua última viagem ao Novo Mundo, escre-
veu uma biografia do pai e tomou-se um dos homens de letras mais famo-
sos do seu tempo. Colombo legitimou-o formalmente e recomendou-o ao
irmão legítimo mais velho em termos inequívocos: «Aconselha teu irmão

Cartas, 144-5; um apelo a Medina Sidónia está registado apenas pela tradição, tam-
'^

bém responsável pela cronologia aqui seguida. O


período de protecção ducal poderia igual-
mente ser adiado para depois de 1488. Os testemunhos estão reunidos - e examinados com
um misto de credulidade e engenho - por Manzano, Cristóbal Colón, 163-225. O envolvi-
mento de Medina Sidónia pode ter sido sugerido por confusão com o seu papel de grande
investidor na segunda travessia atlântica de Colombo (Navarrete, i. 352).

84
como o mais velho deve fazer ao mais novo. Ele é o único irmão que
filho
tens e que Nosso Senhor
seja louvado, pois é exactamente como precisas
já que se tomou muito culto.»'
A situação da mãe nunca foi regularizada: o casamento com uma mulher
de origem tão humilde teria comprometido o estatuto de Colombo dura-
mente conquistado. Colombo parece, no entanto, ter-se comportado de forma
responsável e até afectuosa paracom ela. Num dos seus últimos memoran-
dos dirigido ao filho mais velho, recordou-lhe: «Encarrega-te de Beatriz
Enriquez por amor a mim, tão atenciosamente como o farias a tua própria
mãe. Dá-lhe 10 000 maravedis por ano, além do seu rendimento no negó-
cio de carne em Córdova.» Num codicilo tardio ao seu testamento declarou
que a sua solicitude para com ela se devia «a muito grandes obrigações» e
«para descargo da minha consciência, pois isto pesa muito sobre a minha
alma. A razão para tal» - acrescentou, com alusão evidente à irregularidade
da sua relação e algum remorso igualmente evidente - «não pode ser legi-
timamente escrita»'^.
É
possível que Beatriz Enriquez não fosse a sua única ligação amorosa
em Córdova, pois também aí pode ter conhecido uma senhora com quem
manteve não uma relação comprovada mas uma associação que suscitou
rumores. Beatriz de Bobadilla era uma das mulheres mais cruéis e belas de
Castela. Depois de um envolvimento com o próprio rei estivera na conquista
das Canárias, em 1481, como mulher do conquistador Hemán Peraza. Quando
este foi assassinado por nativos revoltados em 1488, tomou-se senhora da
ilha por direito próprio, esmagando a rebelião de forma sangrenta e escra-
vizando muitos dos ilhéus. Reunia as qualidades áafeminafortis e áâfemme
fatale. Era objecto de tantos boatos escandalosos que qualquer história sobre
ela tem que ser recebida cepticamente. Além disso, a origem da história que
a ligava a Colombo era o notoriamente lascivo Michele de Cuneo, de Savona,
que acompanhou a segunda travessia do Atlântico e cujas outras histórias
incluem um relato particularmente vívido da sua própria sedução de uma
jovem nativa, com a ajuda de uma corda. De qualquer forma, Cuneo refere
a relação de forma tão casual que se toma convincente. Relatando a para-
gem da expedição em Gomera, «se vos fosse contar», diz, «quantas festi-
vidades, salvas e saudações executámos naquele local, tomaria demasiado
tempo; foi tudo em honra da senhora do dito local por quem em tempos o
nosso almirante estivera apaixonado»^^.
Entre Maio de 1486 e Setembro de 1487, Colombo foi sustentado em
Castela pelos monarcas, provavelmente passando a maior parte do tempo
na corte. Foi durante este período - talvez em fins de 1486 e princípios de

18
Textos, 339, 344.
19
Ibid. 309, 362.
20
Cartas, 239-40; Rumeu de Armas, «Colón y Dofla Beatriz», 259-72.

85
1487, pela disponibilidade dos peritos chamados a ouvir o seu caso - que
o seu projecto atlântico foi submetido ao exame de um grupo de «sábios,
funcionários cultos e marinheiros» encarregado pelos monarcas de o ava-
liar^^ Este episódio tem gerado enorme especulação e grande parte da lenda,
incluindo a mentira infame de que os «peritos» pensavam que o mundo era
plano^^. Os factos verificáveis são, porém, poucos. Apenas dois membros
do grupo são conhecidos pelo nome: o seu presidente, Fray Hemando de
Talavera (o confessor hieronimita dos monarcas que mais tarde foi arce-
bispo de Granada) e Rodrigo Maldonado de Talavera, antigo professor de
leis na Universidade de Salamanca, que integrou o Conselho real como
administrador em 1480. A recordação posterior de Maldonado resume o
resultado: «Todos concordaram em
que o que o almirante dizia não podia
ser verdade e contra a sua opinião o almirante decidiu partir na dita via-
gem. »^^ Uma tradição primitiva transmitida por Las Casas indica, como
vimos, que o problema em questão não era - ou não era apenas - o de uma
rota curta para a Ásia mas o da existência dos Antípodas. Alguns mari-
nheiros que testemunharam mais tarde, em relação a outro assunto, num jul-
gamento que opôs a família de Colombo à coroa recordaram o que pode ter
constituído outro dos escrúpulos do grupo: que as pesquisas portuguesas
tinham revelado não existir nenhuma terra nova no Oceano OcidentaP"^.
Nenhum outro testemunho está suficientemente próximo do acontecimento
para ser considerado,
O resultado deste encontro com os peritos dificilmente terá sido enco-
rajador para Colombo porque terá regressado a Portugal
e ajuda a explicar
para retomar os seus esforços em 1488^^ Não
foi, porém, de forma alguma,

um fracasso definitivo. A nossa impressão heróica dele, colocada no reli-


cário da tradição histórica que tem sido sempre sensível às possibilidades
românticas da história de Colombo, pode ser enganadora. Aceitar a auto-
-avaliação de Colombo como um proscrito desesperado impelido pela troça
dá uma bela história, mas será mais correcto acentuar os aspectos positivos
da situação difícil de Colombo - as origens do estímulo que o levaram, para
além da crise provocada pela decisão da comissão, até ao sucesso último.
Tomar-se-ia o autor da sua própria lenda segundo a qual travara uma luta
isolada, longa e determinada, em circunstâncias sempre adversas, até ao
triunfo final contra todos os obstáculos. No entanto, homens determinados
raramente mudam de tom e um investigador objectivo da corte castelhana

2' Pleitos, iii. 390.


22
Ver Morison, i. 117.
23
Pleitos, iii. 390.
2^*
Manzano, Cristóbal Colón, 97-9.
25 Cartas, 142-3; esta viagem a Portugal não pode ser considerada como absolutamente
provada, mas é consistente com muitos testemunhos circunstanciais: ver Manzano, Cristóbal
Colón, 148-62.

86
no fim da década de 1480 verá um Colombo rodeado de amigos e apoian-
tes.É verdade que a sua cosmografia idiossincrática foi aceite apenas por
alguns peritos,mas estes raramente governam e era do apoio politico e finan-
ceiro e não da concordância científica que dependia o êxito da sua procura
de patrocínio. Gradualmente entre 1486 e 1492, e com força crescente -
segundo parece - desde 1489, Colombo organizou em seu apoio uma frente
de pressão irresistível. Conseguiu o apoio de grupos influentes que faziam
ouvir a sua voz em círculos elevados e de pessoas poderosas cuja autori-
dade política era mais do que suficiente para contrapor ao cepticismo dos
sábios e, com maior dificuldade, conseguiu seguidores entre os potenciais
«anjos» financeiros, cuja vontade de investir no empreendimento constituiu
o elemento decisivo.
Muitos elementos desse contexto contribuíram para o sucesso final: a
petição de Colombo na corte foi apresentada com insistência, como sabe-
mos, e podemos supor que o fez com a sua habitual loquacidade - capaz
de vencer os que não conseguia persuadir. Conseguiu importante ajuda atra-
vés da influência e simpatia de muitos concidadãos genoveses, apoiados por
um grupo de florentinos. O aumento da confiança numa chefia política com
um propósito definido nas pessoas dos monarcas católicos e no ambiente
que os rodeava estimulou a criação e o investimento em projectos expan-
sionistas. A rivalidade entre Castela e Portugal aguçou o interesse daquela
pelas conquistas ultramarinas e pelo acesso ao comércio de produtos exó-
ticos; e, nalguns aspectos, a guerra contra Granada em que Fernando e Isabel
se empenharam em 1482 favoreceu os desígnios de Colombo porque, embora
desviasse a atenção dos monarcas e absorvesse algumas das suas energias,
criou a necessidade urgente de novas fontes de ouro para substituir as per-
didas pelo fim do tributo granadino. O estímulo comum a todos estes ele-
mentos foi a conquista das ilhas Canárias, que congregou um grupo de admi-
nistradores e financeiros, os quais dariam origem ao núcleo do grupo de
pressão de Colombo.
No centro nevrálgico do esforço de guerra dos monarcas nas Canárias,
totalizando contingentes com dificuldade, reunindo grupos de investidores
e arquitectando expedientes financeiros, estava Alonso de Quintanilla, fun-
cionário do tesouro e um dos arquitectos mais influentes da política do rei-
nado de Fernando e Isabel. Parece ter-lhe sido confiada a responsabilidade
da organização da conquista a partir de 1480, quando o decréscimo dos ren-
dimentos da venda de indulgências causou uma crise financeira. Planeou
um vasto conjunto de medidas, incluindo a hipoteca do saque real e o recurso
aos capitalistas italianos, sobretudo genoveses. Ao fazê-lo, delineou o cir-

culo de personalidades que mais tarde contribuiria para o financiamento de


Colombo. O próprio Quintanilla foi fundamental ao conseguir o apoio para
o «empreendimento das índias», bem como para o das Canárias. Hm ambos
os casos, foi apoiado por figuras importantes: os mercadores genoveses de

87
Sevilha Francesco Pinelli e Francesco da Rivarolo. Pinelli estivera envol-
vido nas finanças das Canárias há tanto tempo como Quintanilla, pois admi-
nistrara os rendimentos da venda de indulgências para a conquista, a partir
de Março de 1480. A primeira subvenção pessoal de Quintanilla para a causa
foi feita em Abril do mesmo ano. Pinelli adquiriu o primeiro moinho de
açúcar na Grande Canária e emprestou dinheiro aos conquistadores de outras
ilhas do arquipélago. Por seu lado, como apoiante de Colombo, foi nomeado
pelos monarcas um dos primeiros administradores do comércio do Novo
Mundo quando foi organizado como monopólio real em 1497. Francesco da
Rivarolo terá obtido lucros ainda maiores com todo este processo. Não há
provas de que tenha contribuído pessoalmente para a conquista da Grande
Canária, mas seu genro foi um dos maiores investidores e a família Rivarolo
constituía uma sociedade comercial hermética criteriosamente dirigida pelo
patriarca Francesco. Tomou parte no financiamento da conquista de Palma
e Tenerife, por direito próprio, tomando-se o mercador mais rico do arqui-
pélago, com interesses centrados, essencial mas não exclusivamente, no açú-
car e nas tintas. Foi o suporte de Colombo, cuja quarta viagem ajudou a
financiar e cujos interesses no comércio marítimo ajudou a dirigir nos últi-
mos anos da vida do descobridor. Alguns investidores não genoveses de
Sevilha, próxima do centro do mundo de Colombo, também ajudaram a
pagar a conquista das Canárias: o duque de Medina Sidónia, que Colombo
(segundo a tradição do século xvi) encarava como um possível patrono, e
o florentino Gianotto Berardi, que provavelmente adiantou parte do inves-
timento pessoal de Colombo na primeira viagem transatlântica. Parece ter
havido uma sobreposição suficiente para que a conquista das Canárias e a
descoberta da América sejam vistas, até certo ponto, como obra do mesmo
grupo de homens^^.
O segundo ponto de apoio de Colombo na corte encontrava-se entre os
partidários do herdeiro do trono, o príncipe Don Juan. Era o ídolo da sua
própria e extraordinária pequena corte dentro da casa real. Os que o rodea-
vam não constituíam formalmente uma corte independente até 1486, mas
os seus servidores, orientadores e companheiros formavam um grupo dis-
tinto desde a sua infância até ao fim da década de 1470. A cabeça e os mem-
bros reunidos formavam um corpo estranho: um jovem fraco e pouco inte-
ligente servido por alguns dos homens e mulheres mais distintos e poderosos
de Castela, no meio de um ritual requintado. O ambiente do círculo do prín-

^^ F. Feraández-Armesto, «La fínanciación de la conquista de las islãs Canárias durante

el reinado de los Reyes Católicos», Anuário de estúdios atlânticos, 28 (1982), 343-78; Pike,
Enterprise and Adventure, 99; pode presumir-se que Berardi deu algum contributo pelo facto
de ser membro do consórcio de Quintanilla, mas o seu papel específico pode ter sido exage-
rado por alguns historiadores que tiram conclusões precipitadas de uma dívida de Colombo
registada no testamento de Berardi. Ver Manzano, Cristóbal Colón, 321-8; C. Varela, Cristóbal
Colón y los florentinos (1988), 49-51.

88
cipe foi retratado numa descrição deixada por um dos seus servidores,
Gonzalo Femández de Oviedo, fiituro historiador das índias-^ Os membros
do séquito do príncipe eram notáveis e o seu serviço constituía uma escada
de acesso a posições de poder e influência na corte e no reino. Hntre o pes-
soal administrativo encontravam-se alguns dos homens de letras mais pro-
metedores, como Gonzalo de
Baeza, tesoureiro da corte do príncipe, que
mais tarde ascendeu à posição correspondente na corte da rainha, Juan
Velásquez de Cuellar, encarregado da escrituração e que passou a fazer o
mesmo trabalho na casa real, e Juan de Cabrero, camareiro do príncipe, que
foi promovido a servir o rei nas mesmas funções - para grande benefício
futuro de Colombo. Estes funcionários não eram meros figurantes mas
homens poderosos por direito próprio, elos fundamentais da cadeia de patro-
cínio pela qual os monarcas procuravam aumentar o seu poder As oportu-
nidades de exploração do patrocínio na Casa do Príncipe eram limitadas
pois o seu pessoal era pago directamente por um secretário real. Mesmo
assim, como referiu Oviedo, «os tesoureiros podem trazer lucro a muitos
no exercício do seu cargo», através do qual tinham acesso directo ao rei e
à rainha, crescente à medida que as suas carreiras progrediam.
Ao lado dos funcionários estavam os «companheiros» do príncipe: os
da sua geração como companheiros e pessoas para o divertirem, grupo a
que se juntou o filho de Colombo, Diego, em 1492^^ e um grupo de homens
mais velhos para sua vigilância e educação. O grupo dos mais novos incluía
António de Torres, futuro governador da Grande Canária e companheiro de
Colombo, e o dos mais velhos incluía Nicolás de Ovando, futuro governa-
dor de Hispaníola. Era exercido um papel tutelar permanente pelo precep-
tor do príncipe, Fray Diego Deza, da Ordem Dominicana, o qual deixou o
seu pupilo, segundo as palavras de Oviedo, «muito culto em tudo o que é
próprio para sua pessoa real e era, especialmente, muito católico e muito
cristão». A mente do príncipe, porém, era débil ^e muito limitada, sendo esta
a única parte dos estudos para que mostrou alguma aptidão. A obra de Deza
foi auxiliada por todo o ambiente da corte de Don Juan:

No tempo do príncipe, meu senhor, à sua mesa e no seu gabinete, na sua cozinha
ou na sua taça ou despensa ou em qualquer ofício que fosse exercido em qualquer parte
do palácio desde a própria entrada, não havia lugar para qualquer homem que não fosse
de pura linhagem, um nobre de sangue puro ou pelo menos de uma família que sempre
tivesse sido cristã, excepto no caso de dois ou três que prefiro não mencionar e a quem
a rainha nomeou antes do príncipe ter uma casa e conta próprias; e mesmo estes se sabia

bem que eram estranhos para o principe, sem a sua graça e favor^^.

27
G. Femández de Oviedo, Libro de câmara dei principe Don Juan (Madrid, 1 870).
28
Navarrete, i. 309.
29
Femández de Oviedo, Libro de câmara, 38.

89
Oviedo afirmou também, com menos ênfase, que Juan era «um bom
latinista»,mas na verdade era incapaz de falar latim ou de qualquer activi-
dade intelectualmente exigente. Estava mais à vontade fazendo pequenas
apostas em jogos de azar ou ouvindo as anedotas do seu cabeleireiro do que
no estudo sério. De qualquer forma, o mobiliário da sua sala de banho incluía
um jogo de xadrez e deve presumir-se que não era avesso a um pequeno
exercício mental enquanto se aliviava fisiologicamente. Era infantil muito
depois de ter passado a infância: isto reflectia a sua necessidade de segu-
rança numa atmosfera impregnada de responsabilidade e expectativas de
grandeza que em muito excediam as suas modestas capacidades. Nunca dor-
mia sem uma lâmpada acesa. Era insaciavelmente guloso. A sua despensa
estava sempre abastecida de doces, especialmente fruta em conserva, mar-
melada dura de Valência, misturas leves de gema de ovo e açúcar e bolas
de anis. Este pode, em parte, ter sido um gosto herdado, pois sabe-se que
seus pais se encheram de doces, pelo menos numa visita real a Valência.
Todos os filhos dos monarcas parecem ter sido criados com xarope de sabor
a rosas e as quantidades consumidas evidenciavam-se nas contas da Casa
de Isabel: o príncipe era capaz de consumir anualmente xarope cujo custo
era suficiente para manter um soldado em armas durante um ano. A gula
anormal de Juan pelos doces está de acordo com os seus outros traços infan-
tis. Os seus problemas eram agravados - tentemos adivinhar - pelas res-

ponsabilidades reais de Isabel, que o privaram do afecto maternal. A sua


amizade pela ama Juana de Ávila, confidente de Colombo, era exagerada.
«Deves ter-me por marido mais do que a qualquer outro», escreveu-lhe numa
carta característica^^.
Em tomo deste jovem pouco inteligente gravitavam os cortesãos em res-
plandecente ritual, como raios brilhantes à volta de um Sol extinto. O seu
programa diário começava quando três criados de quarto o ajudavam a ves-
tire a lavar em duas bacias de prata. Um
gentil-homem colocava-lhe a
espada e o punhal principescos. Chamavam o barbeiro e o sapateiro, que
«inventavam disparates». Juan fazia as suas orações, assistia à missa e reti-
rava-se para as lições com Diego Deza. Quando não havia nenhuma caçada
ou outro acontecimento na corte, o seu entretenimento consistia num ligeiro
entusiasmo à mesa de jogos ou numa distribuição de esmolas aos pobres e
suplicantes, de gratificações aos mercadores e lacaios. A sua
bem como
maior despesa era vestuário. Ao lavar as mãos, quando se prepa-
feita em
rava para a noite, a água era deitada por Cabrero ou pelo seu sucessor Juan
de Calatayud, ou, se presente, por um dos grandes de Castela pela ordem
inalterável de precedência: o alto condestável, o almirante de Castela, o duque
de Medina Sidónia, o duque do Infantado, o marquês de Villena, o conde

30 G. Maura, El príncipe que murio de amor (Madrid, 1953), 48; A. e E. A. de la Torre


(eds.), Cuentas de Gonzalo de Baeza (Madrid, 1955), 208.

90
de Benavente. Por fim trataria de quaisquer petições ou memorandos do dia
enquanto se despia.
Não está esclarecido o que terá disposto os membros da corte do prín-
cipe a favorecerem particularmente Colombo; ao contrário dos financiado-
res da conquista das Canárias, não tinham um interesse óbvio no projecto
atlântico e é tentador admitir que alguns laços pessoais desconhecidos pos-
sam ter sido os responsáveis. É certo, porém, que entre os acompanhantes
do príncipe estiveram alguns dos amigos mais fiéis de Colombo. O mais
notável de entre eles foi Fray Diego Deza, o preceptor do príncipe, que parece,
de acordo com as cartas posteriores de Colombo ter tido extraordináría inti-
midade com o descobridor durante longo período. Nos seus últimos anos,
Colombo recordou com nostalgia o tempo passado na casa de Deza, refe-
rindo-se ao «amor fraternal» que os unira e confirmou a seu filho a exis-
tência de forte confiança mútua. Uma carta de Colombo para Deza, que che-
gou aos nossos mostra como essa confiança era total, pois Colombo
dias,
permite-se uma crítica directa ao rei, a quem expressamente acusa de má-fé,
queixando-se de que apelar contra ele seria «semear ao vento». Parece o tipo
de acusação perigosa que se confiaria apenas em segredo, talvez pela rela-
A intimidade de Deza foi de grande
ção privilegiada de penitente e confessor.
auxílio paraColombo, à medida que o dominicano ascendia hierarquicamente
no serviço da Igreja e do Estado: preceptor do príncipe em 1486, bispo de
Zamora em 1494 e posteriormente de Palência, Salamanca e Jaén, inquisi-
dor-geral em 1499, arcebispo de Sevilha em 1505. Colombo atribuiu a Deza
o mérito de ter assegurado que as suas descobertas fossem feitas ao serviço
de Castela. «Ele foi a causa de Suas Altezas deixarem as índias e de eu per-
manecer em Castela quando estava prestes a abandonar o país.»""
Outros membros da Casa do Príncipe foram utilizados por Colombo
como canais privilegiados de acesso ao rei e à rainha: a ama do príncipe,
Juana de Torres y Ávila, era uma confidente com quem Colombo - pela
única carta conhecida que lhe dirigiu, escrita em
1500 - desabafava quase
tão livremente como com Deza. Nessa carta trata-a como cúmplice nas suas
relações com a rainha. Seu irmão António de Torres, embora em posição
de menor influência, era o mensageiro de Colombo aos monarcas em 1494,
tendo sido enviado de Hispaníola, depois de acompanhar a segunda traves-
siado Atlântico, para apresentar a defesa de Colombo contra os seus detrac-
tores.Juan de Cabrero, que foi transferido da Casa do Príncipe para o cargo
de camareiro do rei, desempenhou, segundo as tradições do princípio do
século XVI, papel vital na obtenção da sanção real para os planos de
um
Colombo. A sua verdadeira actuação não está bem esclarecida, mas tinha
excelentes oportunidades de exercer influência nos seus contactos diários a
sós com o rei, quando este se vestia, e durante as suas conversas depois do

Textos, 345, 352, 358.

91
almoço, quando - segundo outro antigo membro da Casa do Príncipe que
acompanhou Colombo às índias - «o rei ordenava que lhe trouxessem um
pequeno assento, em que ele se sentava e discutia assuntos com o rei, cor-
dialmente, como se o fizesse com um homem que estimasse». O chefe da
corte do príncipe, Gutierre de Cárdenas, genro do almirante de Castela e
detentor de alguns dos cargos mais elevados da corte e do Estado, é consi-
derado pela tradição primitiva como amigo e apoiante de Colombo; embora
esta reputação não possa ser comprovada pelos documentos existentes, parece
credível tendo em vista o papel da corte do príncipe como a colmeia da fac-
ção de Colombo. Além disso, os interesses comerciais de Cárdenas nas tin-
tas das Canárias parecem tê-lo conduzido a um contacto íntimo com alguns
dos financeiros do círculo de Quintanilla^^.
Umterceiro grupo cujo apoio Colombo obteve estava ligado ao porto
marítimo de Paios, onde a construção naval, a mão-de-obra e o suporte logís-
tico do seu empreendimento iriam concentrar-se. A figura fundamental para
o crescimento deste grupo terá sido o fi*anciscano Fray António de Marchena,
o único astrónoipo da corte que aceitou as especulações geográficas de
Colombo. Colombo prestou posteriormente homenagem à singularidade da
ajuda de Marchena, em carta dirigida aos monarcas: «Vossas Altezas já sabem
como vagueei sete anos na vossa corte, falando-lhes deste desígnio... e nunca
em todo esse tempo houve um piloto ou marinheiro ou filósofo ou outro
perito que não dissesse que a minha proposta era falsa e não tive ajuda de
ninguém excepto de Fray António de Marchena.» Os monarcas sugeriram
até que o frade acompanhasse Colombo através do Atlântico, «pois é um
bom astrónomo e sempre nos pareceu que concordava com a vossa opinião»^^.
Marchena era provincial da Ordem Franciscana da Andaluzia e, em dado
momento, guardião da irmandade de La Rábida, perto de Paios, sobranceira
ao ponto onde o Guadalquivir corre de Sevilha para o Atlântico. Era uma
comunidade rigida e fechada, mas Marchena não era o seu único laço com
o mundo da corte. Outro dos seus guardiães, Fray Juan Pérez, foi um dos
confessores da rainha. Colombo esteve aí no Verão de 1491: a lenda que o
situa na irmandade por acaso pela primeira vez seis anos antes, pedindo ajuda
na sua pobreza para o filho desfalecido, mistura provavelmente o relato con-
fiíso de testemunhas esquecidas com o gosto do romance^"*. Esta visita de

1491, no entanto, teve importância decisiva para o progresso dos planos do


explorador. Foi pretexto para consultas com o físico e astrónomo local Garcia
Femández, com o proprietário de embarcações que iria fornecer os meios

32
Manzano, Cristóbal Colón, 267-8; Femández-Armesto, The Canary Islands after the
Conquest, 22, 72; M. Serrano y Sanz, Orígenes de la dominación espanola en América (Madrid,
1918), pp. ccxviii-ccxxxi.
33
Textos, 243; Navarrete, i. 364.
3^*
A. Rumeu de Armas, La Rábida y el descubrimiento de América (Madrid, 1968), 33-
-41. A visita é possível, mas não há qualquer razão para acreditar nela.

92
para a viagem de Colombo, Martin Alonso Pinzón, e talvez com o mari-
nheiro geralmente chamado Pedro Vasques, fonte de histórias sobre terras
fugidias em pleno Atlântico e que, como piloto dos descobridores de Flores
e Corvo, se podia presumir que conhecia histórias mais úteis que o antigo
marinheiro comum^^ Fray Juan comunicou então com a corte, indo talvez
pessoalmente fazer novas exposições a favor do projecto. Os efeitos da sua
intervenção foram significativos; a rainha enviou dinheiro para que Colombo
se vestisse convenientemente para uma nova audiência e deu-lhe autoriza-
ção para alugar uma mula que o transportasse à sua presença. Este era um
privilégio considerável, concedido apenas porque a difícil situação de Colombo
lhe tinha prejudicado a saúde, dado que os monarcas estavam empenhados
num esforço de guerra e impunham austeridade, restringindo o uso de mulas.
Existiram outras figuras cujo apoio a Colombo se pode avaliar apenas
vagamente. Ao primaz de Castela, arcebispo Pedro González de Mendoza,
é atribuído apoio a Colombo em todos os relatos primitivos secundários,
mas não são claras as razões O confessor real, Fray
nem a justificação.
Hemando de Talavera, que na verdade presidiu à comissão de peritos que
rejeitou os planos de Colombo, era considerado por Pedro Mártir de Anghiera
- o humanista italiano ao serviço de Fernando e Isabel - como fundamen-
tal para o sucesso do explorador e por Las Casas como «útil». A única ajuda
de que se tem conhecimento consistia em guardar parte do dinheiro conse-
guido para a primeira viagem, entregando-o a Colombo^^. Talvez como auto-
elogio Colombo gostasse de incluir a própria rainha entre os seus antigos
amigos na corte. «Todos os outros descriam, mas à rainha, minha senhora,
Deus deu o espírito da compreensão... e grande força e tomou-a herdeira
de tudo, como filha muito querida e bem-amada.» Se somássemos todos os
indivíduos isolados que Colombo terá identificado como progenitores do
seu sucesso, obteríamos um grupo bastante grande: Diego Deza, os «dois
frades» sem nome (um dos quais se identifica com Fray Juan Pérez, segundo
a maioria dos comentadores), Fray António de Marchena (citado pelo nome),
Juan de Cabrero, o tesoureiro da coroa de Aragão (que voltaremos a refe-
rir) e a própria rainha. Nem todos estes terão sido completamente eficazes

e estamos claramente em presença de uma figura de retórica. Colombo uti-

lizava frequentemente a afirmação de ser particularmente devedor da rai-


nha para colocar os esforços do rei em plano contrastante e insatisfatório;
no entanto, testemunhos objectivos mostram o rei tão generoso para com a
família de Colombo depois da morte da rainha como o fora o casal unido
enquanto esta vivia^"^.

35
Pleitos, iii. 353; iv. 244-6; viii. 258, 300-1, 339-42; Rumeu de Armas, La Rábida, 67-
-84; Historie, i. 76-7; Las Casas, i. 68-9.
36
Epistolaho, i. 242; Las Casas, i. 168. O seu papel foi alegado no processo da família
de Colombo contra a coroa em 1515: Pleitos, ii. 55.
37
Ver p. 211.

93

mk
As afirmações aduladoras de Colombo sobre o favor da rainha têm
influenciado profundamente a tradição histórica, mas devem ser tratadas
como impossíveis de verificar. Era mestre na linguagem galante que a rai-
nha gostava de ouvir. «Dei-vos a chave dos meus desejos em Barcelona. Se
provardes a minha boa vontade, descobrireis que o seu perfume e sabor ape-
nas aumentaram desde então... Dediquei-me a Vossas Altezas em Barcelona
sem restrições e assim como era com o meu espírito assim era com a minha
honra e bens.» O tom parece condizer com o ambiente galante de uma corte
onde - como na de Isabel I de Inglaterra - a própria reputação de castidade
da rainha permitia a galanteria verbal. Colombo apelava à rainha em prosa,
em termos muito semelhantes aos escolhidos, por exemplo, por Juan Alva-
rez Gato em verso:

A minha alma jejua. Apelo


A vós por ajuda. Estou a morrer.
Todo o mundo sabe como a minha má sorte
É tal que só vós podeis curar.

Ou ainda:

Sois soberana em beleza


Enquanto eu em amor sou principal
Que vossos bens não há maiores.
Enquanto eu com grande dor sou amaldiçoado.

Portanto, parece que Colombo soube como chamar a atenção de Isabel,


mas não podemos confiar nos seus relatos ou nos dos seus aduladores sobre
a forma como ela reagiu-'^
Pode distinguir-se claramente outro grupo de partidários de Colombo,
centrado na pessoa do funcionário do tesouro da coroa de Aragão Luis de
Santángel e, provavelmente, no seu colega Gabriel Sánchez-'^. Santángel adqui-

riraalgumas responsabilidades financeiras no reino de Castela, especialmente


na direcção dos assuntos das milícias locais e em relação à venda de indul-
gências. Como colaboradores íntimos nestes assuntos contavam-se Alonso de
Quintanilla e Francesco Pinelli. A importância de Santángel para Colombo
parece no seu papel de fmanceiro. reunindo as fontes de investi-
ter residido
mento e os meios de conseguir dinheiro que finalmente tomaram possível a
viagem proposta. A soma necessária não era exagerada: dois milhões de mara-
vedis - talvez o rendimento anual de um aristocrata médio de província, mas

^^ Textos, 264, 303; R. O. Jones. «Isabel la Católica y el amor cortês». Revista de lite-
ratura, 21 (1962); F. Marquez Villanueva. «Investigaciones sobre Juan Alvarez Gato». Anales
de la Universidad Hispalense, 17 (1956).
-' Serrano y Sanz, Orígenes, pp. xcvii-clxxii.

94
o empreendimento era arriscado, os pseudo-eruditos troçavam e em tempo de
guerra o dinheiro escasseava. O dinheiro teria que ser reunido e quaisquer
somas visivelmente elevadas cuidadosamente protegidas.
Colombo sempre se queixou de que os monarcas «não dariam mais que
um Mas esta afirmação é altamente enganadora. A contribuição
milhão».
totaldo «erário público» atingiu 140 000 maravedis, incluindo 140 000
1

destinados ao pagamento de Colombo. A quantia total foi adiantada por


Santángel e Pinelli contra a expectativa da venda de indulgências e, de facto,
foitotalmente recuperada em devido tempo pelos lucros das vendas numa
diocese pobre da Estremadura. Parte do saldo foi fornecido em géneros por
Martin Alonso Pinzón e seus colaboradores, em Paios: a cidade devia à
coroa a utilização de duas caravelas como multa. O restante, incluindo ou
igualando os 500 000 maravedis de que o próprio Colombo era o depositá-
rionominal, foi fornecido pelo consórcio de Quintanilla. Pelo menos parte
veio de Gianotto Berardi, cujo testamento, datado de três anos mais tarde,
registava uma dívida de 180 000 maravedis a cobrar a Colombo: Berardi,
porém, dirigiu grande parte dos negócios de Colombo durante a ausência
soma especificamente às despesas
deste e seria precipitado atribuir aquela
da primeira viagem. Assim a rainha não teve que «empenhar as suas jóias»
para pagar a travessia de Colombo: tendo em consideração o encargo supor-
tado pelos penitentes empobrecidos da Estremadura, essa lenda parece uma
invenção particularmente ímpia. Também a coroa não teve necessidade de
conseguir dinheiro rapidamente. Em Janeiro de 1492, os obstáculos finan-
ceiros à partida de Colombo - que, em última análise, eram os únicos que
interessavam - tinham desaparecido'*^.
Cerca de 1492 ou neste mesmo ano, o âmbito do projecto atlântico dimi-
nuiu.Os Antípodas e as ilhas desconhecidas deixaram de ser apresentados
como objectivos da procura. A rota curta. para a Ásia tomou-se a única pos-
sibilidade a considerar. Este facto sugere uma ligação entre a concentração
no objectivo muito adiado, da procura de patrocínio.
atlântico e o êxito, há
É seguro presumir que praticamente ninguém, na corte de Fernando e Isabel,
estava ansioso em 1492 pela descoberta de novas ilhas atlânticas. As últi-
mas ilhas das Canárias, Tenerife e Palma, tinham demonstrado, inequivo-
camente, ser difíceis de conquistar. As dificuldades experimentadas pelos
Portugueses no grupo de Cabo Verde e nos Açores mais remotos sugeriam
que novas ilhas seriam difíceis de colonizar, a menos que fossem excep-
cionalmente atractivas: em qualquer caso, o território recém-conquistado do
reino de Granada tinha que ser povoado por colonos castelhanos como pri-

^ E. Jos, Elplan y la génesis dei descubrimiento colomhmo (Valhadolid,


Textos, 299, 361 ;

1980), 27; M. Andrés Martin, El dinero de los Reyes Católicos para el descubrimiento de
America, financiado por la diócesis de Badajoz (Madrid, 1987); Duquesa de Berwick y Alba
cf. Las Casas,
(ed.), Nuevos autógrafos de Colón y relaciones de ultramar (Madrid, 1902), 7;
i. 171, para a origem do mito das jóias.

95
meira prioridade. A descoberta dos Antípodas, mesmo para aqueles que
acreditavam na existência de tal destino, não podia ser apresentada como
oferecendo qualquer perspectiva específica de lucro. Uma terra desconhe-
cida representava, por definição, um risco desconhecido. Apenas o Oriente,
com a sua atracção do ouro e das especiarias, era suficientemente sugestivo
para chamar a atenção dos investidores. Fernando e Isabel, sofrendo os cus-
tos da guerra de Granada e invejando os lucros conseguidos pelos Portugueses
na Guiné, apoiariam mais provavelmente uma aventura que prometesse -
ainda que com pouca certeza - abundantes rendimentos e um percurso rou-
bado aos seus rivais do que se interessariam por proezas claramente não
lucrativas. Num documento redigido para si próprio em 1492 - a petição
em que se baseavam as condições do seu comando dado pelos monarcas -,
Colombo não especificou claramente o seu destino. Nos seus contactos com
os monarcas, não perdeu nenhuma oportunidade de acentuar o seu empe-
nho na procura da Ásia. A explicação mais simples para a redução dos seus
planos é que foi feita para agradar aos patronos.
O crescimento do «grupo de pressão» de Colombo tem sido investigado
e os seus membros analisados, mas mantém-se o problema da sua criação.
Foi evidentemente um processo lento e Colombo era levado, por vezes, a
desesperar. Em 1488 regressou por algum tempo a Portugal a fim de ofe-
recer o seu projecto; cerca de 1489 enviou seu irmão Bartolomé a Inglaterra
e a França com o mesmo objectivo, igualmente com pouco sucesso. Pelo
menos uma vez, a acreditar nas suas memórias posteriores, resolveu-se a
abandonar Castela, tendo, porém, sido dissuadido por Diego Deza.
A insistência, ainda que lenta, é eficaz. Os apoiantes de Colombo for-
maram uma rede alargada que se desenvolveu por meio de contactos pes-
soais, apresentações directas e operações de amizade e de interesse comum.
Os núcleos do seu apoio - os mercadores genoveses e florentinos de Sevilha,
os frades de La Rábida e a corte, os financiadores da conquista das ilhas
Canárias, a Casa do Principe Don Juan, o tesouro da coroa de Aragão -
sobrepuseram-se e formaram uma teia cada vez mais forte. O apoio moral
transformou-se gradualmente em influência política e acabou por produzir
apoio financeiro.
É impossível, porém, imaginar Colombo apenas como um peão mani-
Os seus extraordinários
pulado por investidores ricos e políticos poderosos.
dons pessoais - era imaginativo, persuasivo, mesmo talvez carismático -
devem ser tidos em conta ao abordar o problema do lançamento do seu
empreendimento. Qualquer pessoa que leia os escritos de Colombo parti-
lhará a impressão que causou nos seus contemporâneos: surge como um
homem abençoado com os dons da retórica natural e da eloquência incan-
sável - ou, pelo menos, da loquacidade infatigável. Os seus erros, falácias
e artigos de fé eram todos expostos com convicção inabalável. Era possui-
dor de um poder de auto-afirmação que nenhuma troça poderia desafiar e

96
nenhum fracasso esmagar. A sua aparência - alto, corado c de olhos cla-
ros- tomava-o notado; passou a ser uma figura familiar na corte dos monar-
cas católicos e em Sevilha e Córdova, onde viveu quando não seguia atrás
do acampamento real com optimismo irreprimível. Colombo era o tipo de
homem com quem a familiaridade faz nascer o respeito respeito pelas suas
convicções, respeito pela sua experiência, respeito, quanto mais não fosse,
pela sua persistência.Os anos da sua procura de patrocínio em Castela não
foram, como mais tarde afirmou, uma luta isolada contra grandes obstá-
culos, mas sim uma reunião gradual de apoios num contexto crescentemente
favorável. De qualquer forma, constituíam uma história de triunfo pessoal,
alcançado em parte por esforço e mérito individuais.
No romance de Colombo, uma história irresistível e incrível termina
este período da sua vida. No
seu regresso à corte, uma nova comissão de
convocada para ouvir de novo os seus pedidos, em circunstân-
peritos foi
cias muito dramáticas, no acampamento real durante o último cerco de
Granada. Perante este cenário espectacular, representa-se o encontro teatral.
Outra peripécia abala as esperanças de Colombo: os peritos opuseram-se-
-Ihe mais uma vez. No segundo dia do ano de 1492, Fernando e Isabel
entram em Granada como conquistadores. De todos os privilegiados que
puderam assistir, apenas Colombo não partilhava da alegria geral. Volta as
costas ao triunfo e regressa desconsolado a La Rábida, consciente de que a
sua petição fracassara definitivamente. Verifica-se então o toque mais român-
tico de todos: após um dia de viagem é alcançado por um mensageiro real
que exige o seu imediato regresso ao acampamento dos monarcas. Dera-se,
subitamente, uma mudança de opinião na corte, contra todas as expectati-
vas, como nos grandes milagres. Colombo realiza a primeira etapa da sua
viagem atlântica numa mula a caminho de Granada.

97
«A CONQUISTA DO QUE PARECE IMPOSSÍVEL»

A PRIMEIRA TRAVESSIA ATLÂNTICA,


AGOSTO DE 1492 - MARÇO DE 1493

Cerca de dezassete anos mais tarde, muito depois de Colombo ter efec-
tuado a sua última viagem sobre o mar da morte, um jovem espanhol, nobre
tanto pela natureza como pelo sangue, que se instalara com sucesso no
Novo Mundo descoberto por Colombo, sentou-se a escutar a pregação infla-
mada de um dominicano na cidade de Santo Domingo, fundada por Colombo
para ser a verdadeira capital do Novo Mundo espanhol da época. Bartolomé
de Las Casas - segundo recorda o acontecimento - experimentou, enquanto
o ouvia, uma súbita revelação. Sentiu que partilhava da fúria dos frades
contra a vida corrupta dos colonos e a sua exploração impiedosa dos pobres
nativos. Convenceu-se de que Deus ordenara a descoberta apenas para que
os índios pudessem ouvir pregar a Sua palavra. Las Casas devotou o resto
da sua vida enérgica e ineficaz a essa convicção, tomando-se, na corte, um
defensor dos direitos dos índios e intermitentemente um pastor bastante
mal sucedido no território do Novo Mundo, lutando para libertar e santi-
ficar as vidas dos índios já sob domínio espanhol e promover a evangeli-
zação de outros.
Entre os muitos livros que escreveu no prosseguimento dos seus objec-
tivos encontrava-se um compêndio de História das índias, compilado sem
dúvida à parti pris, mas com laboriosa fidelidade às fontes. Entre essas fon-
tes, as mais assiduamente consultadas foram os próprios escritos de Colombo.

Colombo tinha para Las Casas um lugar especial na história sagrada como
instrumento pelo qual a difusão do Evangelho se tomou possível no Novo
Mundo. A própria convicção de Colombo de ser o executor de uma missão
divina atraiu Las Casas e conquistou a sua simpatia. Portanto, o neófito

99
dominicano leu, assinalou, anotou e, em muitos casos, copiou ou extraiu
tantos escritos do descobridor quantos pôde encontrar. Exceptuando alguns
fragmentos preservados noutras fontes, os abundantes relatos de Colombo
sobre as suas viagens, escritos a bordo para informação dos seus patroci-
nadores reais, sobrevivem agora, graças apenas aos resumos, transcrições e
paráfrases feitos por Bartolomé de Las Casas.À sua devoção devemos a
maior parte do que sabemos sobre as navegações de Colombo.
Somos particularmente afortunados em relação à primeira travessia por-
que Las Casas conservou, para a sua própria História, a base de um relato
intitulado Libro de la Primera Navegación ou Livro da Primeira Navegação,
que era uma cópia da obra escrita a bordo por Colombo ou uma versão tra-
balhada da mesma, preparada talvez com vista à sua publicação. Nunca foi
publicada e os manuscritos desapareceram ou foram destruídos, mas o resumo
de Las Casas, a que ele chamou El Primer Viaje ou A Primeira Viagem,
transmite mais do relato de Colombo do que o que sobreviveu sobre qual-
quer das viagens subsequentes. Podem ser detectadas quatro vozes distin-
tas neste resumo. Assinalam-se comentários parentéticos ou marginais inse-
ridos por Las Casas, por vezes difíceis de separar do resto do texto, mas
que geralmente são marcados pelo seu tom sentencioso: o relator espanta-
-se, por exemplo, com a insensibilidade do seu herói perante os malefícios
da escravatura ou elogia a sua fé inabalável em Deus. Existem passagens
de paráfrase em que Las Casas narra os acontecimentos sem revelar a rela-
ção do seu próprio texto com o original: as rotas tendem a ser apresentadas
de forma resumida, aumentando as dificuldades de reconstituição das rotas
de Colombo. Outras passagens estão em discurso indirecto, reflectindo fre-
quentemente ecos da própria linguagem de Colombo. Finalmente, existem
citações directas bastante prolíficas, a maioria das quais sobre os índios;
estas são claramente seleccionadas para reflectirem as prioridades do rela-
tor mais do que as do autor e confirmam - no seu conjunto - a imagem que
Las Casas tem dos índios como habitantes incorruptos e pacíficos de um
mundo de inocência rústica, naturalmente bons e inconscientemente depen-
dentes, na sua nudez indefesa, da misericórdia amorosa de Deus. Apesar
destes problemas textuais e das inevitáveis adulterações introduzidas num
texto declaradamente baseado numa cópia, El Primer Viaje permanece um
documento maravilhosamente vívido e excitante, apoiado e por vezes com-
pletado por passagens incluídas na História das índias ou noutras obras
anteriores baseadas em material igual ou semelhante ao utilizado por Las
Casas. Por si só, Colombo como um homem de
é suficiente para definir
carácter extraordinário e dotado de dons excepcionais.Os seus relatos diri-
gidos a Fernando e Isabel são únicos nos anais do mar; nenhum outro capi-
tão elaborou um diário de bordo tão pormenorizado; nenhum outro coman-
dante da época escreveu relatos tão completos; nenhum navegador desse
tempo - excepto, talvez, o futuro rival de Colombo, Amerigo Vespucci -

100
exibiu tal talento para a observação,
tal sensibilidade aos elementos, tal apre-

ciação da Natureza. Nenhum


marinheiro revelou tanto sobre si próprio nos
seus escritos. Colombo era um «pobre estrangeiro» que nunca dominou per-
feitamente o espanhol escrito, como lamentava Las Casas; era um autodi-
dacta a quem nunca foi ensinada a arte da escrita. Combinava, porém, uma
retórica natural com um espírito sensível e tinha uma história extraordiná-
ria para contar.
A Primeira Viagem inicia-se com um «Prólogo» dirigido a Fernando e
Isabel, que se propõe registar as suas emoções aquando da partida e pouco
antes desta'. Na realidade, constitui claramente uma mistura de dois ou três
documentos, bastante divergentes no tempo e objectivos. No entanto, retrata
fielmente a própria visão de Colombo sobre os propósitos da viagem. Em
termos superficiais, declara o objectivo de atingir «as terras da índia e um
príncipe chamado Grande Khan», não «por terra para oriente, como é cos-
tume, mas pelo Ocidente, por cuja rota até hoje - pelo que sabemos ao certo
- nunca ninguém foi». De forma mais aprofundada, o empreendimento é
justificado em termos religiosos calculados para agradar aos monarcas como
parte de uma missão evangélica e de cruzada herdada do passado. Contudo,
o que o marca como obra verdadeira de Colombo e uma refiexão das suas
próprias preocupações mais profundas é uma passagem em que aproveita a
oportunidade para registar os termos do comando em que os monarcas lhe
tinham prometido, em troca do sucesso, o título de nobreza porque ansiava:

e para esse fim Vossas Altezas concederam-me grandes favores e fizeram-me nobre,

para que a partir deste momento me possa intitular Don e seja grande almirante do mar
Oceano e vice-rei e governador, a título perpétuo, de todas as ilhas e continente que
possa descobrir e conquistar ou que possam depois ser descobertos e conquistados no
mar Oceano e que meu filho mais velho me suceda e os seus herdeiros a partir daí de
geração em geração para sempre.

Na linguagem actual, Colombo estava a «escrever para confirmar os ter-


mos do seu contrato». Preocupava-se mais em registar os seus títulos de
nobreza do que as substanciais concessões económicas que lhe foram atri-
buídas, na condição de obter êxito. Os termos do seu comando sobrevive-
ram numa cópia que ele guardou consigo e podem ser comparados com o
seu próprio resumo. Enquanto Colombo se arrogava o uso imediato e incon-
dicional dos títulos prometidos, era intenção dos monarcas que as suas aspi-
rações à nobreza fossem satisfeitas apenas quando a sua viagem demons-
trasse ser proveitosa. cargo de almirante era conferido com jurisdição
O
sobre o mar Oceano nos mesmos termos a que tinham direito os almiran-
tes, por via hereditária, das águas territoriais de Castela - um privilégio

Textos, 15.

101
extraordinário para ser partilhado entre o filho de um tecelão e o chefe de
uma das famílias mais nobres do reino; no entanto, em termos estritos e
embora pareça extraordinário, Colombo teria justificação para tomar explí-
cita a pretensão de que aquela seria uma dignidade hereditária. A utiliza-
ção no comando do título de vice-rei, sem precedentes no uso castelhano,
tende a confirmar a impressão de que a chancelaria real aceitou um ras-
cunho que lhe foi submetido por Colombo sem redacção pormenorizada e
talvezsem muita reflexão ou exame. Isto, por si só, ajuda a explicar a inse-
gurança evidenciada por Colombo ao escrever o seu próprio registo resu-
mido no prólogo de A Primeira Viagem.
Além disso, poderia estar a reagir à primeira tentativa
da chancelaria de
lhe arrebatar o que lhe fora concedidoquando o seu contrato foi reformu-
lado como carta de privilégio - concessão real e portanto revogável - de
30 de Abril de 1492. Só em Maio de 1493, depois do regresso da viagem
em que descobriu novas terras, uma carta veio tomar explícita a extensão
das suas funções desde as ilhas ao mar aberto dentro dos limites do seu
almirantado e, finalmente, só em 1497 a concessão de um mayorazgo ou
direito detomar todos os seus bens transmissíveis para um beneficiário
designado teve o efeito de confirmar a natureza hereditária dos seus cargos
e de os proteger contra a divisão ou a revogação^.
De qualquer forma, os direitos económicos e jurisdicionais que não se
preocupou em registar no prólogo eram potencialmente imensos. As con-
cessões eram de dois tipos: proventos pecuniários por um lado e por outro
privilégios políticos de carácter nitidamente feudal. No aspecto económico,
Colombo deveria receber um décimo dos lucros do seu almirantado, além
do que lhe era devido pelo cargo de almirante - embora, na prática, nunca
recebesse a totalidade. No respeitante aos seus poderes formais de eminên-
cia feudal, a fonte do poder de Colombo residia na conjunção dos cargos
de almirante, vice-rei e governador, bem como no facto de serem indisso-
ciáveis e hereditários. O efeito, como se poderia sugerir, era o de transfor-
mar o mar Oceano e todas as suas terras num senhorio feudal potencial,
quase num principado. Colombo iria ter, em primeiro lugar, na sua própria
esfera de acção todos os direitos de jurisdição dos almirantes de Castela,
consistindo na aplicação de todos os escalões da justiça, incluindo a pena
de morte - embora viesse a ser punido pelo alegado exercício arbitrário
deste último direito. Possuía também o direito de perdão e tinha a facul-
dade de julgar casos que surgissem em Castela ligados ao comércio oceâ-
nico. A nomeação de oficiais subaltemos e oficiais de justiça não estava a
cargo de Colombo na totalidade, podendo apenas apresentar uma pequena
lista aos monarcas. Parece duvidoso, no entanto, que esta exclusão se apli-
casse na prática e que as nomeações directas fossem feitas por Colombo e

2 Navarrete, ii. 302-4, 332-6, 433.

102
pela coroa. A organização de armadas era partilhada por Colombo c pelos
nomeados reais, mas, como os acontecimentos iriam provar, era inevitável
a existência de um
grande grau de liberdade de navegação nos primeiros
anos das descobertas. Como vice-rei e governador, Colombo poderia deter
direitos semelhantes de jurisdição e patrocínio, podendo, em teoria, inspi-
rar a obediência devida aos monarcas. Sendo a sua dignidade como vice-
-rei hereditária e indissociável das suas outras funções, era superior à dos
vice-reis aragoneses, em cujo cargo o seu foi provavelmente inspirado.
Parece que Colombo pensou mais nas implicações
destas concessões do
que os monarcas. Mais tarde, à medida que a enorme extensão das suas des-
cobertas se revelou, Fernando e Isabel foram obrigados a ignorar ou suplan-
tar muitos dos seus cargos e poderes. Teoricamente, os únicos meios à sua
disposição para esse efeito consistiam na investigação judicial da conduta
do governador, a residência ou pesquisa, a que foi submetido duas vezes
durante o seu mandato. Até essa altura, foi o único servidor da coroa espa-
nhola, exceptuando Alonso de Lugo em Tenerife, a sofrer tal processo ainda
em exercício. Os mesmos meios foram usados para vigiar seu filho e suces-
sor Diego Colón. O facto de Colombo nunca ter conseguido governar os
seus domínios com a independência intratável atingida por alguns conquis-
tadores passados e futuros foi em parte consequência de estar à frente de
uma colónia subdesenvolvida e indisciplinada, onde os seus adversários
locais eram hábeis em explorar as oportunidades de apelar à coroa ou a fun-
cionários reais interessados, contrariando as ordens de Colombo. Esteve
sujeito a todas as tentações para exceder os seus poderes e teve poucas opor-
tunidades para deles desfrutar. Foi vítima, além disso, do seu próprio sucesso
ao impor aos monarcas, em 1492, condições tão exageradas que muito os
preocuparam e alertaram para a necessidade de lhe restringir os poderes.
Mas sobretudo, como veremos, foi limitado pela sua própria incompetên-
cia e, em vez de consolidar o seu poder, preferiu fugir às responsabilida-
des, empreendendo novas explorações ou retirando-se para Castela. Portanto,
gradual e crescentemente, os monarcas decidiram interpretar os termos das
concessões feitas da forma mais desfavorável para Colombo, privando-o dos
seus privilégios e quebrando a exclusividade dos seus títulos e cargos. Após
um árduo litígio, a família Colón cedeu finalmente os seus direitos aos pri-
vilégios de Colombo em 1556, muito depois do seu conteúdo se ter per-
dido. Em termos mais dramáticos, o episódio pode ser visto como o triunfo
de uma monarquia centralizadora sobre uma tendência feudal na periferia
do seu império.

Estas ramificações, porém, eram imprevisíveis quando Colombo dei-


xou a corte e foi para a costa com o seu comando no cinto e içou as velas
partindo de Paios pela barra de Saltes, a 3 de Agosto de 1492. A dimen-
são da expedição reflectia as poucas esperanças que a maioria das pessoas

103
nela depositava: três pequenas caravelas, com uma tripulação composta por
pouco mais do que os oitenta e oito membros enumerados na lista mais
fiável. Os monarcas tinham ordenado à cidade de Paios que fornecesse duas
caravelas como pagamento de uma multa que a municipalidade devia ao
tesouro real. A primeira destas era a Pinta, de velas redondas, assim cha-
mada talvez pelo nome dos irmãos Pinzón, e a outra a Nina, de Juan Nino,
que também nela seguiria para a travessia oceânica. O aspecto pormenori-
zado das embarcações é desconhecido e todas as «reconstituições» são fan-
tasiosas^ A Nina era uma embarcação rápida e bem equilibrada, de tama-
nho médio, aparelhada com velas triangulares, e a Pinta tinha a mesma
tonelagem mas era ligeiramente mais lenta. A maior das embarcações,
embora não muito maior, era o infortunado navio almirante Santa Maria,
com o seu casco redondo e andamento lento e os monogramas de Fernando
e Isabel na vela grande. Era a única das embarcações conhecida por nós
pelo seu verdadeiro nome. A sua «alcunha», Gallega, reflecte provavel-
mente não a posse mas a construção num porto galego. As tripulações
incluíam um contingente de bascos, mas foram recrutadas sobretudo em
Paios e Sevilha, provavelmente por Martin Pinzón, que comandava a Pinta
e que, como chefe do clã Pinzón, tinha suficiente prestígio em Paios para
ultrapassar as apreensões de potenciais recrutas decorrentes de uma via-
gem ao desconhecido. A tarefa de recrutamento fora facilitada por um per-
dão condenado disposto a embarcar, mas, na prática, pouco
real a qualquer
se recorreu a tão dúbia fonte de mão-de-obra. O papel de Pinzón foi fun-
damental e pode inferir-se que, à parte qualquer acrimónia que tenha sur-
gido entre ele e Colombo no decurso da viagem, começaram por sentir con-
fiança mútua. O resultado da sua responsabilidade pelo recrutamento foi,
por outro lado, o de equipar todos os navios com homens da sua confiança
de forma que, quando ele e Colombo se desentenderam, o comandante ficou
receoso, exposto e quase isolado.
Não acompanharam a armada quaisquer soldados ou colonos, pois a
expedição era deliberadamente exploratória. Antes de partir, Colombo embar-
cou uma grande quantidade de quinquilharias que esperava trocar por amos-
tras de especiarias e ouro: os guizos de vendedor ambulante bem como as
contas e os vidros que levava estavam mais ligados, no entanto, à expe-
riência dos Portugueses na África Ocidental do que às necessidades dos
sofisticados mercados orientais em que esperava negociar. Embora espe-
rasse reabastecer-se nas ilhas Canárias, levou o peixe salgado e o toucinho,
o biscoito e a farinha, o vinho, a água e o azeite que usualmente sustenta-
vam os marinheiros mediterrânicos.

3 J. Martinez-Hidalgo, Las naves de Colón (Barcelona, 1969), actualizado com os resulta-

dos da investigação arqueológica do suposto naufrágio do Santa Maria in A bordo de la «Santa


Maria» (Barcelona, 1976), estreita o leque de possibilidades e oferece sugestões razoáveis.

104
A rota pelas Canárias era o golpe de mestre da viagem. Antes de Colombo
tentar descobrir a América, precisava de concretizar o que, cm certo sen-
tido, era uma descoberta muito mais transcendente: a de uma rota através
do Atlântico (ver mapa 3). Um ponto de partida mais a norte tcr-lhe-ia tor-
nado impossível encontrar vento favorável. Ao escolher as Canárias criou
as possibilidades de êxito. É provavelmente justo afirmar que - encarando
a história da exploração como um todo - a maioria das viagens explorató-
rias foi realizada contra os ventos dominantes, excepto em climas de mon-
ção, porque é tão importante para um explorador encontrar uma rota de
regresso como decidir um novo destino. É precisamente o afastamento desta
regra que faz com que algumas das viagens mais famosas da história - as
dos Vikings em redor do extremo Atlântico Norte, as dos Espanhóis do
século XVI através do Pacífico e as de Colombo ao Novo Mundo - pareçam
tão ousadas e heróicas. Além da de Colombo, as tentativas de exploração
atlântica longínqua que conhecemos no século xv partiram dos Açores ou
de Bristol para a zona dos ventos oeste e a maioria, por conseguinte, fra-
cassou. A rota de Colombo, em contraste, era quase perfeitamente escolhida
em ambas as direcções. A partida era feita de um ponto, perto do paralelo
vinte e oito, onde podia ter quase a certeza de deixar para trás o tráfego
marítimo do Nordeste; na volta, começou por se dirigir para norte, pro-
curando os ventos oeste que o trariam de regresso e encontrando-os pron-
tamente. Exceptuando o fracasso por não ter explorado a Corrente do Golfo
- que só foi descoberta por navegadores europeus em 1513 - aquando da
sua segunda viagem em 1493 (em que melhorou a sua rota original atra-
vessando o oceano de forma ligeiramente mais oblíqua), Colombo estava a
prefigurar quase exactamente a melhor rota-padrão dos galeões para o resto
da era da vela.
Esta estranha boa sorte sugeriu a alguns historiadores que ele deve ter
tido prévio conhecimento secreto da rota, transmitida por um «piloto des-
conhecido» ou seleccionada nalguma sua viagem anterior desconhecida.
O recurso a tais explicações fantasistas não é necessário, embora algumas
outras razões geralmente apresentadas sejam igualmente infundadas. Por
exemplo, não escolheu as Canárias porque esperava encontrar Cipangu na
mesma latitude: é claro, pelo seu diário de bordo, que acreditava que Cipangu
estava a sul da rota que escolhera**. Também não escolheu as ilhas apenas
por possuírem um porto adequado, numa posição relativamente oeste. Os
Açores e as ilhas de Cabo Verde estavam muito mais a ocidente e os Açores,
por estarem bem a norte, prometiam uma viagem mais curta ao longo da
curvatura decrescente da Terra do que as Canárias, relativamente mais a sul.
Duas explicações possíveis para a rota de Colombo são suficientes, cada
uma por si só, podendo escolher-se entre elas, se se desejar, segundo uma

Textos, 27.

105
tendência filosófica. Os individualistas apelarão à sagacidade de Colombo,
salientando a sua grande experiência na navegação atlântica e o facto de ter
tido muitas oportunidades,no fim da década de 1470 e princípio da de 1480,
de observar os rudimentos do sistema de ventos. Os deterministas dirão que
Colombo não tinha escolha; uma vez ligado a Castela teve que partir de um
porto castelhano e as Canárias eram a única possessão castelhana no Atlântico.
A viagem para as Canárias foi rápida e calma. Durante a maior parte
da travessia, Colombo aparelhou a Nina com velas redondas para aprovei-
tar o vento favorável - outra indicação de que sabia o tipo de ventos que
iria encontrar. A sua rota através das ilhas parecia lenta, mas era importante
colocar as embarcações em condições para o que prometia ser a mais longa
viagem jamais registada em mar aberto. Além da manutenção normal e da
mudança das velas da Nina era necessário substituir o leme da Pinta. Houve
necessidade de carregar mais abastecimentos, incluindo, sem dúvida, alguns
dos queijos de Gomera, particularmente adequados para mantimentos de
bordo. Entretanto, a expedição teve que suportar uma espera tensa por vento
favorável. Quando os ventos leste surgiram, na quinta-feira 6 de Setembro
de 1492, os exploradores deixaram San Sebastián de la Gomera numa agi-
tação de velas redondas e, deixando a ilha de Hierro a bombordo, despedi-

ram-se do mundo conhecido^


Colombo dirigiu-se para oeste. A sua intenção - embora não cumprida
neste caso - era manter a mesma rota até chegar a terra. Este plano não
colocava qualquer problema sério de navegação. Velejar numa rota directa
exigia apenas o tipo de conhecimentos que deriva da experiência: era ques-
tão de observar e contar com os efeitos do vento e da corrente, com a ajuda
da bússola de que dispunham todos os navios da época. De qualquer forma,
os métodos de navegação de Colombo apresentavam algumas característi-
cas curiosas. É geralmente caracterizado como um vulgar navegador por
cálculo, isto é, que segue a rota pela bússola, regista o tempo despendido
em qualquer direcção e calcula a velocidade da embarcação para determi-
nar a distância percorrida^. Mesmo este método bastante rudimentar exige
considerável habilidade para se conseguir um registo fiável de uma rota
através de mar aberto. Exceptuando a observação celeste, o único método
de registar o tempo a bordo era por meio de ampulhetas de areia voltadas
em intervalos de meia hora por grumetes, cuja negligência ou excesso de
zelo poderiam inutilizar os cálculos. Calcular a velocidade mesmo com o
mais grosseiro grau de precisão era uma arte altamente esotérica no mar
aberto, sem pontos de referência fixos - e até, na maior parte do tempo,
sem destroços - que ajudassem a determiná-la. É notável que, nos primei-
ros séculos da era da vela, o cálculo pudesse conduzir a resultados tão pre-

5 Ibid. 17-19.
6 Morison, i. 240-63.

106
cisos ou que os marinheiros alguma vez pudessem retomar uma rota conhe-
cida ou voltar a um destino anteriormente visitado.
Mesmo sem o uso de instrumentos de navegação ou mapas, o cálculo
podia ser apoiado ou substituído pelo que os historiadores marítimos cha-
mam «navegação celeste primitiva»^. No hemisfério norte, com a Hslrela
Polar como guia, esta é uma arte relativamente fácil (embora esteja irre-
mediavelmente perdida hoje), que foi cultivada através de gerações c aper-
feiçoada com a prática pelos marinheiros medievais tardios da Cristandade
latina. A sua importância tem sido demonstrada, nos nossos dias, no hemis-
fério sul, onde o céu é muito mais difícil de perscrutar, por marinheiros poli-
nésios, que podem assinalar uma rota e voltar a ela através de milhares de
milhas de mar aberto, guiados apenas pelo seu mapa mental de estrelas e
pelas características subtis e judiciosamente compreendidas do vento e do
mar. A população das ilhas Marshall utiliza cartas marítimas feitas de canas
que relacionam as ilhas entre si, com padrões de ondas e com rotas nave-
gáveis; os navegadores indígenas do Pacífico, porém, são capazes de vele-
jar sem tais ajudas ou instrumentos de navegação. Numa experiência deli-
berada, o navegador Piailug, do atol micronésio de Satawal, velejou numa
canoa dupla havaiana desde o Havai, através de 3500 milhas de mar aberto,
até Taiti, entre ilhas e por mares que desconhecia, sem qualquer erro. A única
informação de que dispunha consistia na posição das estrelas^.
A tarefa de Colombo ao manter uma rota directa poderia facilmente ter
sido conseguida a olho nu sem ajuda de um navegador celeste experiente:
teria sido apenas necessário manter o Sol, de dia, e a Estrela Polar, de noite,
num ângulo de elevação constante. O testemunho de cartas marítimas medie-
vais tardias toma claro que os navegadores daquela época eram capazes de
determinar latitudes relativas a olho nu com pequena margem de erro. O pró-
prio Colombo afirmou ter procedido assim na sua viagem de regresso a 3 de
Fevereiro de 1493^. No entanto, por insuficiência da sua técnica através
de métodos primitivos ou por curiosidade científica, Colombo decidiu ultra-
passar o cálculo e a navegação celeste primitiva de três formas: utilizando
uma carta, tentando fazer leituras astronómicas exactas de latitude e verifi-

cando a medição da duração do dia solar


latitude pela
uma carta teria pouca utilidade em águas literal-
Poderia supor-se que
mente não cartografadas. No entanto, Colombo levava uma, especulativa-
mente elaborada com base, segundo se pode deduzir, na teoria do mundo
pequeno e na existência de Cipangu; se se assemelhava a um mapa a que
I depois Colombo se referiu em correspondência com um inglês que lhe comu-
nicou as descobertas de John Cabot, mostrava provavelmente também Antillia

^
P. Adam, «Navigation primitive et navigation astronomique», VI' colloque internaíio-
nale d'histoire maritime (1966), 91-110.
» Ver B. Finney, Hokule'a: The Way to Tahiti (Nova Iorque, 1979).
9 Textos, 123.

107
- «a Cidades» -, um refugio mítico localizado inicialmente
ilha das Sete
no meio do oceano num mapa de 1424. Las Casas estava convencido de
que a carta de Colombo fora feita por Toscanelli: se assim foi, teria sido
desenhada sobre uma grelha de linhas de longitude e latitude, procurando
transmitir uma boa noção da distância, em contraste com a carta do mari-
nheiro comum do fim da Idade Média, que mostrava apenas rotas sob a
forma de linhas loxodrómicas partindo de rosas-dos-ventos colocadas em
pontos estratégicos. O efeito era criar desenhos delicados, que se intersec-
tam como uma teia, mas, apesar do seu atractivo estético, este tipo de carta
quase não tinha em conta as distâncias. A carta de Colombo inspirou-lhe a
confiança imerecida mais extraordinária: consultou-a com Martin Pinzón
diversas vezes durante a viagem, contemplando - e mesmo efectuando uma
vez, num momento crucial - uma mudança de rota baseada nela e aparen-
temente avaliando através dela a proximidade de terra. Porém, este último
ponto não deve ser demasiadamente realçado: Colombo pode ter usado de
forma incorrecta uma carta marítima convencional ou simplesmente utili-
zado o mapa para confirmar os seus próprios cálculos, baseados na teoria
do mundo pequeno e na sua estimativa da distância já percorri da^^.
O uso de instrumentos de navegação pelo almirante é assinalado na pas-
sagem, presumivelmente extraída do Livro da Primeira Navegação mas omi-
tida em A Primeira Viagem e preservada apenas indirectamente, sobre o dia
24 de Setembro de 1492, quando, depois de uma série de falsos avisos de
terra à vista, os receios de Colombo de uma revolta estavam no seu auge.
Segundo o relato vivo de Las Casas, os conspiradores murmuravam que
«era grande loucura e suicídio arriscar as suas vidas para seguir os planos
loucos de um estrangeiro que estava pronto a morrer na esperança de se tor-
nar um grande senhor». Alguns deles argumentavam «que o melhor a fazer
seria atirá-lo pela borda fora uma noite e espalhar o boato de que caíra ao
mar ao tentar fazer uma leitura da Estrela Polar com o seu quadrante ou
astrolábio» ^^
A alegadamente fabricada por estes amotinados apresenta um
história
humor negro Evoca brilhantemente a figura do cientista estran-
irresistível.
geiro praticando, em desagradável isolamento, as suas novas técnicas enquanto
luta sobre um convés móvel com um instrumento pouco manejável. Esta
imagem, que tanto aborreceu os conspiradores, transmite uma boa parte da
verdade. Colombo, apesar do orgulho que tinha nos seus instrumentos de
navegação, nunca capaz de os usar correctamente, impossibilitado pelo
foi
balanço do navio. As leituras que afirmou ter realizado com o seu astrolá-

10 Ibid. 21, 24, 27; Las Casas, i. 191; Cartas, 267; Raccolta, V. i. 577-80. Os argumen-
tos elaborados produzidos contra a aceitação como graduado do mapa de Toscanelli (e. g.

S. Crinò, Comefu scoperta l'America, Milão, 1943, 59-162) ignoram o significado simples
e óbvio da descrição de Toscanelli: Cartas, 137-8.
" Las Casas, i. 189.

108
bio foram, na verdade, baseadas num método menos atraente. Calculou a
duração do dia em horas de luz e mediu a latitude pela tabela que copiara
da Imago Mundi de Pierre d'Ailly'2. Os erros que cometeu correspondem
exactamente aos erros de impressão da tabela'\ Foi, compreensivelmente,
evasivo sobre o recurso a este plágio mas explicito sobre os seus meios de
medir o tempo. Não se podia confiar aos grumetes o relógio de areia mas
os corpos celestes mantinham um ritmo fiável. Em cada vinte e quatro horas
as Guardas da constelação da Ursa Menor descrevem uma revolução com-
pleta em tomo da Estrela Polar. O olho humano é suficiente para determi-
nar aproximadamente até onde chegaram na sua rota na altura de uma obser-
vação específica. Como auxiliar da memória e padrão de medida, os
navegadores medievais dividiam o círculo em oito partes iguais, a que davam
normalmente o nome de partes do corpo ou de pontos da bússola. Assim,
a divisão «nordeste» a 45 graus chamava-se «ombro direito» ou «acima do
braço direito», a divisão «leste» «braço direito», a «sudeste» era «abaixo
do braço direito» e assim sucessivamente. Ao observar o movimento das
Guardas através destas divisões, Colombo podia calcular a duração da noite
e assim, por subtracção das vinte e quatro, as horas de luz do dia. A 30 de
Setembro, por exemplo, Colombo localizou as Guardas em três das divi-
sões, fixando em nove horas a duração da noite e em quinze as horas de luz
do dia^"*. A sua obsessão com as horas de sol é compreensível apenas como
parte da sua preocupação - a preocupação de um cartógrafo, estimulado tal-

vez pela promessa de cartografar as suas descobertas para os monarcas -


com a medição da latitude.
Também estava atento à Estrela Polar, o que o levou a tropeçar numa
das mais importantes descobertas cosmográficas da sua época. Preservada
em A Primeira Viagem, Colombo realizou uma série de observações sobre
a variação magnética: isto é, a diferença entre a direcção assinalada pela
agulha da bússola (norte magnético) e o «verdadeiro norte» indicado pela posi-
ção da Estrela Polar. No hemisfério oriental, a variação para leste era um
fenómeno conhecido. As observações de Colombo são as primeiras conhe-
cidas de variação para oeste. A 13 de Setembro registou uma ligeira varia-

ção em ambas as direcções, talvez porque estava a passar entre zonas. A par-

tir de 17 de Setembro anotou forte e crescente variação para oeste. Levanta-se

a seguinte questão: terá ele compreendido este fenómeno? Igual questão tem
sido posta, contexto mais amplo, sobre a sua descoberta da América e
num
convém ver mente de Colombo enfrentando estes problemas - conceptu-
a
ais e classificativos - de enquadrar uma nova observação no âmbito do
conhecimento existente. A sua primeira reacção parece ter sido inteiramente

12
Ver p. 171.
27-
R. Laguarda Trías, El enigma de las latitudes de Colón (Valhadolid, 1974), 13-17,
13

-8; Buron, i. 144-5, 159-63, pi. V, p. op. 272.


'^^
Textos, 26.

109
prática: teveque garantir a confiança da sua tripulação na fiabilidade das
bússolas e portanto procurou minimizar o problema realizando leituras na
altura mais favorável do dia, quando a Estrela Polar estava aparentemente
na sua posição mais a ocidente. Estes factos, juntamente com o seu inte-
resse permanente pela realização de leituras e anotação dos resultados, suge-
rem que considerou pelo menos a possibilidade das variações aparentes
serem genuínas. A 30 de Setembro parece ter resolvido o problema na sua
própria mente explicando-o como o resultado aparente da instabilidade da
Estrela Polar: «A Estrela Polar move-se como as outras estrelas enquanto
a agulha da bússola aponta sempre na mesma direcção.» Pelo teor desta
frase, era uma explicação em que acreditava, não uma mera descrição pre-
parada para a sua tripulação ^^
Tais factos diziam respeito às estrelas. O que acontecia à superfície do
oceano durante a travessia? O relato de Colombo é dominado, permanen-
temente, por quatro temas: as falsas terras avistadas, que minavam o moral
dos homens; os receios de que nunca encontrariam um vento que os trou-
xesse de regresso, à medida que os ventos os conduziam rapidamente para
oeste; a tensão crescente entre Colombo e Pinzón e entre comandante e tri-
pulação, e as próprias dúvidas de Colombo, dificilmente perceptíveis mas
reais, que o afligiam crescentemente à medida que a expedição passava cada
vez mais tempo sem avistar terra. Ultrapassaram rapidamente o perigo de
uma esquadra portuguesa enviada para os interceptar e os mistérios do mar
dos Sargaços, de que poderão ter tido conhecimento prévio, de forma a afas-
tar os seus medos sem diminuir o seu espanto; mas o elemento insidioso da
incerteza sobre o destino e sobre a conveniência da viagem tomou uma via-
gem fácil em tempo de tormento. Em meados de Setembro, a procura de
sinais de terra por Colombo, sob a forma de remoinhos e queda de aves
canoras, parece ter alimentado percepções mais agudas e ter-se misturado
com ecos da Arca de Noé:

Quinta- feira, 20 de Setembro: Rumou neste dia oeste quarta a noroeste e com meio
pano devido aos ventos contrários que sucederam à acalmia. Fariam sete ou oito léguas.
Chegaram ao navio almirante duas garças reais e depois outra, o que era sinal de terra
próxima. Apanharam à mão um pássaro que era um pássaro de rio, não de mar, embora
as suas patas fossem como as da gaivota. Chegaram ao navio, de madrugada, dois ou
três pássaros de terra cantando e depois, antes do amanhecer, partiram.

Na autocomparação implícita de Colombo com um patriarca do Antigo


Testamento, não será fantasioso detectar os primeiros relances da sua con-

•5
A. Magnaghi, «Incertezze e contrasti delle fonti tradizionale sulle osservazioni attri-
bute a Cristoforo Colombo interno ai fenomeni delia declinazione magnética», Bolettino delia
Società Geográfica Italiana, 69 (1937), 595-641; Laguarda, El enigma, 24-7.

110
vicção crescente - inicialmente explicitada na sua viagem de regresso em
1493 - de que tinha uma espécie de aliança pessoal com Deus. A 23 de
Setembro registou «mar alto, como nunca foi visto antes, excepto no tempo
dos Judeus quando fugiram do Egipto seguindo Moisés»'^.
O receio do perigo parece apenas ter aumentado a sensibilidade de
Colombo. A sua reacção mais poética ao ambiente está contida numa pas-
sagem resumida por Las Casas, com data de 16 de Setembro: «O cheiro da
manhã dava verdadeiro prazer e a única coisa que faltava era ouvir o rou-
xinol cantar, afirma.» Leitores dos elogios sensíveis de Colombo às perfei-
ções do mundo atlântico têm por vezes pensado sepodem ser relacionados
com a influência dos valores franciscanos sobre Colombo, com a sua pro-
funda reverência pela criação, ou com a estética renascentista, associada ao
interesse pela descrição realista do ambiente natural. Frequentemente, porém,
as tentativas de Colombo de evocar a beleza da Natureza podem parecer
grosseiras - como aqui, onde o rouxinol é associado à manhã - ou nebulo-
sas. As suas descrições, em particular as da paisagem e flora das Caraíbas,
recordam pelo menos o paraíso de Milton. Deve recordar-se que Colombo
estava a escrever com a finalidade de promover a imagem do Oceano e
atrair mais investimento e favor real para o seu empreendimento. Tinha inte-
resse em acentuar o clima saudável porque ajudaria a tomar a sua rota explo-
rável. Isto não quer dizer que não estivesse pessoalmente convicto da vera-
cidade das suas descrições. Por exemplo, a sua convicção, muitas vezes
declarada, de que o ar e o clima melhoravam sensivelmente cem léguas a
oeste dos Açores foi sustentada com tal insistência que desafia qualquer
cepticismo, embora seja certamente devida mais à sua imaginação do que
a qualquer efeito mensurável ^.
Em breve, Colombo começou a admitir para si próprio algumas das suas
dúvidas sobre a distância a que se encontravam as índias, pois a partir de
10 de Setembro começou a falsear o diário de bordo, diminuindo, nos cál-
culos que apresentava aos seus homens, o número de milhas percorridas.
Apreciava o seu papel de manipulador isolado com evidente prazer e remorso
fingido. Apreciava positivamente a cibernética do embuste: a sua recorda-
ção orgulhosa da tripulação, que levara, quando jovem, a confundir Tunes
com Marselha^^ é recordada pela história do diário de bordo falsificado.
Estes episódios recordam ao leitor como dependemos, para o conhecimento
do que aconteceu na viagem, de fontes directamente inspiradas pelo pró-
prio Colombo. As aparências de isolamento e vulnerabilidade são projec-

'6 minha tradução de «alcatraz» por «garça real», ver justificação


Textos, 23-4. Para a
na minha obra Columbus on Himself {prestes a ser publicada, Londres, 1992).
Textos, 21, 206, 211-12. Baseio-me na presunção de que os esforços de Castela
'^ para

localizar a linha dedemarcação entre as zonas de navegação castelhana e portuguesa a cem


léguas a oeste dos Açores reflectem a visão de Colombo: Navarrete, i. 317.
'8 Ver p. 47.

111

L
ções da sua própria auto-imagem. O ambiente de conspiração pode ser pro-
duto de uma imaginação paranóica. O testemunho do afastamento cada vez
mais acentuado em relação a Martin Pinzón - rigorosamente excluído de
A Primeira Viagem, tendo que ser coligido a partir de outras fontes, incluindo
o independente testemunho legal muito posterior - terá surgido, em primeiro
lugar, devido à sua própria natureza desconfiada e à rejeição de colabora-
ção por alguém que gosta de se isolar^^.

De facto, os cálculos das distâncias feitos por Colombo tendiam sem-


pre a ser exagerados e o diário de bordo falsificado era mais exacto que o
privado de que guardava segredo. A sua tendência para pensamentos opti-
mistas e a fé absurda no seu «mapa de ilhas» suscitavam constantemente
expectativas de avistar terra e portanto, indirectamente, destruíam repetida-
mente as esperanças. Acolhia favoravelmente a menor indicação como sinal
de terra próxima - um aguaceiro casual, uma ave de passagem, um suposto
caranguejo de rio. A 25 de Setembro manifestou a certeza de que a sua
armada estava a passar entre ilhas. Não se sentia suficientemente confiante
para alterar a rota e procurá-las, embora se atrevesse a inscrevê-las com
aprovação de Martin Pinzón na sua carta. A 22 de Setembro estava tão alar-
mado com a ansiedade da tripulação que exaltou com um vento contrário.
«Precisava de vento assim», escreveu, «porque a tripulação acreditou agora
que existiam ventos nos mares com os quais poderemos voltar a Espanha. »^°
No fim da primeira semana de Outubro, quando a paciência devia estar
prestes a esgotar-se em toda a armada, Colombo e Pinzón encontraram-se
para uma reunião acrimoniosa. Até aí, com pequenos ajustamentos devidos
a desvios por ventos contrários, tinham mantido o rumo oeste até à zona
onde, segundo os cálculos de Colombo e as especulações da preciosa carta,
deveriam ter encontrado terra. Martin Alonso exigia uma mudança de rota
para sudoeste «para a ilha de Cipangu», presumivelmente por ser ali que
estava marcada na carta. Isto sugere que considerava exagerado o cálculo
de Colombo relativo à distância que tinham percorrido. Colombo recusou-
-se a ceder, justificando que «era melhor ir primeiro ao continente». É pro-
vável que tenha insistido numa rota para oeste, quase sem modificação, por-
que as novas descobertas na latitude das Canárias pertenciam, por tratado
com Portugal, à coroa de Castela: no seu regresso, as descobertas foram
classificadas, nalguns relatos, como «novas ilhas Canárias». A razão invo-
cada, porém, sugere que julgava simplesmente que uma rota directa seria
mais rápida e que, portanto, «seria melhor ir primeiro ao continente»'^^

^9 Textos, 20; Pleitos, iv. 242-8. Ver F. Morales Padrón, «Las relaciones entre Colón
y
Martin Alonso Pinzón», Revista de índias, 21 (1961), 95-105.
20
Textos, 23-4.
21
Ibid. 22, 27; C. Sanz, El gran secreto de la Carta de Colón (Madrid, 1959), 367;
M. Giménez Femández, «América, "Ysla de Canária por ganar"». Anuário de estúdios atlân-
ticos, 1 (1955), 309-36; Raccolta. III. ii. 3.

112
De qualquer forma, a resistência de Colombo durou pouco. A 7 de
Outubro, aparentemente atraído pela direcção de voo de bandos de aves
mas talvez persuadido por sintomas de amotinação, alterou a rota para sudoeste.
A 10 de Outubro, segundo as paráfrases - que podem, evidentemente, ter
sido embelezadas posteriormente -, os homens «não podiam suportar mais».
Nessa mesma noite, a crise passou. No dia seguinte multiplicaram-se as
visões de destroços e, quando a noite caiu, todos terão ficado excitada-

mente à espera de avistar terra. Durante a noite veritlcou-se uma série de


testemunhos sobre luzes avistadas na costa, o primeiro dos quais Colombo
atribuiu a si próprio. Las Casas parafraseou o diário: «O almirante tinha
como certo que estavam perto de terra. Afirmou que ao primeiro homem
que dissesse ter avistado terra daria um casaco de seda, sem contar com as
outras recompensas que o rei e a rainha tinham prometido.» Nessa noite,
Colombo julgou ver uma luz no horizonte. Às duas horas da manhã de
um marinheiro de Sevilha, talvez de Triana, erguendo-
sexta-feira, dia 12,
se nos mastros da Pinta, lançou o grito de «tierra, tierra!» («terra, terra!»)
provavelmente com «albricias!» - o pedido de recompensa. O tiro de um
pequeno canhão - o sinal combinado de terra à vista - soou
e foi respon-
dido por todos os navios, com louvores a Deus pela resposta às suas ora-
ções. Colombo reclamou para si próprio a dádiva dos monarcas por ter
avistado terra na noite anterior, para desgosto, não registado mas presu-
mível, do vigia de Triana^^.
Uma enorme quantidade de tempo e esforço tem sido ocupada em ten-
tativasde identificação da ilha onde Colombo realizou o seu primeiro desem-
barque. A toponímia das ilhas que visitou nesta primeira viagem tem sofrido
demasiadas alterações e as descrições que chegaram até nós, exceptuando
as de Cuba e Hispaníola, são extremamente vagas, imprecisas e contradi-
tórias, estando as ilhas ligadas por rotas transmitidas de forma muito detur-
pada, tomando impossível reconstituir a rota verdadeira em tomo delas com
alguma confiança. A primeira ilha, supostamente chamada Guanahaní pelos
nativos e San Salvador por Colombo, era plana, fértil, desabitada, ponti-
lhada de lagoas, protegida em grande parte por um recife. Foi descrita alter-

nadamente por Colombo como «pequena» e «bastante grande» e com o que


ele chamou uma «laguna» no meio; tinha uma pequena saliência de terra
ou península numa extremidade no lado oriental e um porto natural explo-
rável. Além da «laguna», cujo significado é pouco claro, nenhuma destas
caracterísficas é potencialmente diferenciável. À medida que se aproximava
da latitude de Gomera em direcção a sudoeste (se podemos confiar no que
resta do seu diário de bordo), Colombo pode ter chegado a quase todas as
ilhas das Baamas ou Turks ou Caicos, que escondem Cuba e Jamaica de tal
abordagem. Pelo que valem - e não é talvez muito -, os mapas espanhóis

Textos, 27-30; Navarrete, i. 326.

113
do princípio do século xvi sugerem que a tradição cartográfica veio a iden-
do primeiro desembarque de Colombo com a actual San Salvador
tificar a ilha

(anteriormente ilha Watling)^^


Duas coisas em Colombo quando desembar-
particular impressionaram
cou para examinar a da manhã. Pareceu-lhe de aspecto agradá-
ilha à luz
com
vel, água, vegetação e fruta abundante: contemplava-a, evidentemente,
com um olhar paternal e elogioso. Mas antes de observar qualquer aspecto
da terra - Las Casas é de confiança -, Colombo registou
se a paráfrase de
a primeira visão dos nativos, a que chamou «povo nu», por um europeu.
Esta não era apenas uma descrição mas uma classificação. Um leitor de fins
do século XV teria compreendido que Colombo se encontrava perante «homens
naturais» e não cidadãos de uma sociedade civil com instituições políticas
legítimas próprias. O registo desta apreciação preparou assim o caminho
para o passo seguinte, a apropriação ritual da soberania para os monarcas
castelhanos, com o estandarte real flutuando ao vento e um escrivão para
registar o acto de posse. O vestuário era o padrão pelo qual se aferia o nível
de civilização de um povo na Cristandade latina medieval. Tomou-se preo-
cupação quase obsessiva dos governadores espanhóis, no início da história
do Novo Mundo, persuadir os nativos a vestir à europeia, tal como os
Espanhóis no seu país tinham tido muito trabalho e despesa para persuadir
os Mouros subjugados a «vestir como cristãos», tendo-se perturbado pro-
fundamente com a nudez dos ilhéus canários aborígenes. Noutro aspecto,
segundo as duas grandes tradições de pensamento de que Colombo e os seus
contemporâneos eram herdeiros - a da antiguidade clássica e a do cristia-
nismo medieval -, a nudez poderia ter dois significados: evocar o tipo de
simplicidade rústica que os poetas clássicos cantavam e que os humanistas
associavam à «idade de ouro» ou sugerir o estado de dependência em rela-
ção a Deus, simbolizado rigidamente por São Francisco de Assis quando
rasgou as suas vestes na praça pública. Colombo, cujos amigos incluíam
tanto humanistas como franciscanos, não aplicou explicitamente qualquer
destes paradigmas aos nativos das Caraíbas, mas desenvolveu as conclusões
que deles provinham: representavam, devido à sua inocência, uma oportu-
nidade única para a difusão do Evangelho; devido ao seu primitivismo, uma
oportunidade inigualável de lhes conferir os presumíveis benefícios da civi-
lização latina, e, devido à sua situação indefesa, um objecto irresistível de
exploração^"^.

23
A é analisada por L. de Vorsey e J. Parker, In the Wake of
monótona controvérsia
Columbus (Detroit, 1985).muito divulgado J. Judge, «Where Columbus Found the New
O
World», National Geographic, 170 (1986), 562-99, não nos ajuda. Com base em testemu-
nhos cartográficos, ver K. D. Gainer, «The Cartographic Evidence for the Columbus Landfall»,
Terrae incognitae, 20 (1988), 43-68.
24
Textos, 30-43, 46-1 18; F. Femández-Armesto, Before Columbus (Londres, 1987), 223-
-45; Milhou, Colón y su mentalidad mesiánica, 102-11.

114
À medida que passava pelas ilhas, Colombo iria encontrar uma varie-
dade de culturas indígenas, desde o mundo «atrasado» dos Lucayas até aos
materialmente ricos e tecnicamente avançados Tainos de Hispaníola. Mas,
embora estivesse atento a sinais de maior «civilização» na sua procura das
sedutoras terras orientais, viu-os a todos com os mesmos olhos e os temas
à volta dos quais organizou os seus escritos estão já presentes no relato do
seu primeiro encontro, a 12 de Outubro de 1492. Em primeiro lugar, com-
para constantemente os seus anfitriões, implícita ou explicitamente, com os
ilhéus canários, os negros e as raças humanóides monstruosas que se supu-
nha popularmente habitarem as partes inexploradas da Terra. O objectivo
destas comparações não era tanto o de transmitir uma descrição real dos
ilhéus mas estabelecer pontos doutrinais. A população era comparável a
outras que habitavam semelhantes latitudes, em conformidade com uma dou-
trina de Aristóteles: eram fisicamente normais, não monstruosos e, portanto
- segundo um lugar-comum da psicologia medieval -, totalmente humanos
e racionais. Qualificavam-se, assim, como susceptíveis de conversão ao cris-
tianismo, objectivo que os patronos reais de Colombo se tinham compro-
metido a atingir.
Em segundo Colombo estava desejoso de atribuir bondade natu-
lugar,
ral como criaturas inofensivas e pacíficas, não
aos habitantes. Retratou-os
corrompidas pela ganância material - na verdade, aperfeiçoadas pela pobreza.
Atribuiu-lhes um vago sentido de religião natural, sem desvios para o que
eram considerados canais «não naturais» como a idolatria. Por consequên-
cia, constituíam um exemplo moral para os cristãos. Este retrato apresenta
fortes reminiscênciasda longa tradição do tratamento medieval tardio dado
aos primitivos pagãos, especialmente por escritores franciscanos e huma-
nistas. O testemunho visual de Colombo foi filtrado, na sua mente, pelas
expectativas derivadas da tradição.
Em terceiro lugar, Colombo procurava formas de manipular os nativos
com fins lucrativos. À primeira vista, isto parece estar em oposição ao auto-
-elogio pelas suas qualidades morais, mas muitas das suas observações têm
dois sentidos. A
ignorância da guerra por parte dos nativos apresentou-os
como inocentes, mas também os tomou «fáceis de conquistar». A sua nudez
evocava um idílio rústico ou um ideal de dependência de Deus, mas tam-
bém sugeria selvajaria e semelhança com animais. A sua inexperiência
comercial, que maravilhava Colombo pela forma como trocavam tesouros
por ninharias, mostrava que eram ao mesmo tempo moralmente incorrup-
tos e facilmente enganados. As suas faculdades racionais tomavam-nos facil-
mente identificáveis como humanos e exploráveis como escravos. A atitude
de Colombo não era necessariamente diíplice, apenas ambígua; estava genui-
namente dividido entre duas formas opostas de classificar os índios. Embora
utilizasse categorias eruditas, passava frequentemente à linguagem dos mira-
bilia ou contos de viajantes medievais tardios. Escolheu o que lhe chamava

115
a atenção como bizarro, divertido, estranho ou pitoresco. Relatou, ceptica-
mente, a existência de canibais e, credulamente, a de Amazonas. Ao longo
das suas viagens ao Novo Mundo permaneceu dividido entre apreciações
opostas dos seus povos - como potenciais cristãos, como tipos de virtude
pagã, como bens móveis exploráveis, como figuras ridículas.
Em nenhuma das suas impressões iniciais do Novo Mundo - nem da
terra nem do povo - afirmou detectar qualquer prova de que estava na Ásia.
Os termos em que descreveu a sua descoberta parecem dever-se à expe-
riência da sua viagem africana ocidental. Chamava às canoas, por exemplo,
almadías e às lanças azagayas - termos da África Ocidental portuguesa^^
Foi, porém, como se acordasse e se lembrasse da tarefa que tinha em mãos.
A procura de ouro e de terras asiáticas começou no dia seguinte ao da sua
chegada, com perguntas sobre a ilha de Cipangu.
De 15 a 23 de Outubro percorreu três pequenas ilhas, a que chamou
Santa Maria de la Concepción, Fernandina e Isabela. Honrara assim Nosso
Senhor (em San Salvador), Nossa Senhora, o rei e a rainha de Espanha, por
esta ordem. Não existe suficiente informação de confiança sobre estas ilhas
ou sobre a relação entre elas, nas versões que nos chegaram do seu relato,
por forma a serem seguramente identificadas, embora a actual ilha Crooked
- dado o seu tamanho e posição - tenha sido provavelmente uma delas e a
actual ilha Long talvez outra. Devido a imprecisões no original ou a erros
de transcrição, muitas das suas rotas não fazem sentido e as fontes que che-
garam até aos nossos dias constituem um guia quase inútil para a sua rota
através das ilhas.
Sentiu, porém - ou, pelo menos, desejou dar essa impressão -, que estava
a fazer progressos à medida que navegava entre elas. Os nativos, apesar da
semelhança básica entre foram-se tomando, gradualmente, aos olhos de
si,

Colombo mais ou mais astutos. Num dado local, sabiam nego-


civilizados
ciar; noutro, as mulheres usavam uma espécie de vestido; noutro ainda, as
casas eram boas e limpas. Recolhidas por linguagem gestual ou interpreta-
das ao acaso a partir das frases dos nativos, multiplicam-se as indicações
sobre a proximidade de sociedades organizadas, dirigidas por reis. Embora
não saibamos ao certo onde colocar estas ilhas no mapa das Caraíbas, ocupam
uma posição importante no mapa que Colombo tinha em mente: alinhadas
em série, conduzindo até à im-aginada «terra que deve ser lucrativa». Na ima-
ginação do almirante, a primeira grande moeda de ouro registada, a 17 de
Outubro, tomou-se um exemplo da cunhagem de algum grande príncipe: os
Canibã, ou Caribes, tomaram-se o povo do Grande Khan.
Durante três meses Colombo velejou pelas Caraíbas, dando novos nomes
às ilhas e quinquilharias aos nativos, vendo referências ao Grande Khan ou
à terra de Cipangu em todas as lendas nativas truncadas ou nomes mal pro-

25 J. Gil in Textos, pp. xxxvi-xxxviii,

116
nunciados que ouvia, esperando sempre que a ilha seguinte fosse a prcSpria
Cipangu. Ao chegar a Cuba, a 24 de Outubro, declarou: «Penso que esta é
a ilha de Cipangu de que se dizem coisas maravilhosas. E em todos os glo-
bos e planisférios decorados tenho-a visto localizada nesta área.» Parece
cedo ter percebido que se tratava de uma ilusão, mas afastou-a em favor de
uma afirmação ainda mais aventurosa: que Cuba podia fazer parte do con-
tinente de Cathay. Esta ideia colocou-o perante um dilema: continuar à pro-
cura de Cipangu ao largo ou procurar a corte do Grande Khan no interior
de Cuba. Durante algum tempo inclinou-se para a segunda hipótese, che-
gando mesmo a enviar uma embaixada com o seu intérprete «que falava
caldeu» para investigar o interior, «mas não encontrando sinais de governo
organizado, decidiram regressar»^^.
Gradualmente, durante o período da sua estada em Cuba, Colombo acen-
tuou cada vez mais os méritos específicos de uma terra que podia ser apre-
ciada por si própria. Os temas de elogio ao ambiente local e apreciação da
sua beleza, abordados anteriormente na narrativa, tomam-se agora domi-
nantes. Estava a preparar para os monarcas - e talvez convencendo-se a si
próprio - a defesa da colonização e da exploração directa das descobertas
pelos seus próprios produtos, além do valor que pudessem ter como entre-
postos para os imaginados benefícios do comércio oriental. Cuba emergiu
das suas descrições exageradas não como um local real mas como um locus
amoenus onde nada era descrito com pormenor mas tudo era mais
literário,

doce e mais belo e o homem estava em harmonia com a Natureza. Era uma
terra extraordinária que excedia os dons da linguagem para a descrever ou
da pena para a registar. De uma maneira geral, Colombo confessou a sua
incapacidade para especificar os produtos da terra. Quando pensou reco-
nhecer a mástique, enganava-se. Presumiu, porém, que toda a prolífica vege-
tação devia conter muitos produtos negociáveis.
O tratamento dispensado aos nativos também sofreu alteração ou, pelo
menos, uma ênfase maior num dos seus temas habituais, à custa dos outros.
À medida que diminuíam as perspectivas de os explorar lucrativamente, as
esperanças de Colombo quanto à sua evangelização pareceram expandir-se.
Formulou uma visão de uma Igreja Católica purificada, erigida nos domí-
nios dos monarcas, em parte com a matéria-prima pura com que Deus os
presenteara nas suas descobertas, que seria preservada sem mancha de influên-
cias contaminantes. «E Vossas Altezas, quando os seus dias tiverem che-
gado ao fim - pois somos todos mortais -, deixarão os seus reinos numa
situação muito pacífica e livres de heresia e maldade e serão bem recebi-
das na presença do eterno Criador.» Este projecto de comunidade apostó-
lica ideal no Novo Mundo, que Colombo referiria frequentemente, asseme-
Ihava-se a uma poderosa visão franciscana que veio a impulsionar os intensos

26 Textos, 33-44, 50, 53.

117

k
esforços missionários do século seguinte. Desenvolveu-se na mente de
Colombo, durante o resto da sua vida, até que formou, talvez, o elemento
dominante da sua percepção das descobertas e lhe inspirou o sentimento da
sua própria dignidade e papel especiais como executante de um propósito
providencial^^.
Entretanto, alguns dos seus compagnons de voyage perdiam a paciên-
cia com os pobres rendimentos das descobertas e as ricas emanações do seu
espírito.A 20 de Novembro, Martin Pinzón partiu sem licença para uma
caçada ao ouro, de ilha em ilha - saciado das belezas de Cuba ou frustrado
com a sua pobreza. Depois desta quebra de disciplina, denunciada por
Colombo como «traição», era improvável que os outros exploradores supor-
tassem Cuba por muito mais tempo e a 23 de Novembro Colombo come-
çou a procurar um vento de feição para partir. Quando finalmente o encon-
trou, a 5 de conduzido por acaso, devido a uma brusca
Dezembro, foi
mudança de alguma vez descobriria.
direcção, à ilha mais importante que
O seu nome nativo era Haiti, mas Colombo, tendo já esgotado os nomes
dos membros da família real espanhola e os mais importantes da Sagrada
Família, honrou a nação que patrocinara o seu empreendimento chamando-
-Ihe La Islã Espanola ou Hispaniola, como é nomeada nos mapas ingleses.
Hispaníola foi uma descoberta significativa por duas razões. Em primeiro
lugar, embora não fosse Cipangu, produzia razoáveis quantidades de ouro
e este representava o êxito da missão de Colombo, sem o qual teria certa-
mente regressado para o ridículo e a obscuridade. Em segundo lugar, abri-
gava uma cultura indígena de riqueza e valor suficientes para- impressionar
os Espanhóis. Com alguns dos nativos Colombo conseguiu estabelecer rela-
ções amigáveis - assim pensava - e fixar no seu território o local destinado
a uma futura colónia. Na parte que nos resta do seu relato, Colombo não
fez qualquer referência à superior civilização material da ilha: o trabalho
requintado em pedra e madeira nos espaços cerimoniais que recordam os
recintos de dança mesoamericanos; os colares, pendentes e estátuas estili-

zadas de pedra; as ferramentas de madeira ricamente entalhadas conhecidas


como duhos; a joalharia ornamental de ouro, antropomórfica ou zoomór-
fica, chamada çemis. No entanto, mostrou ter clara consciência de que
Hispaníola fora, até aí, a sua melhor descoberta, dados o ambiente mais pro-
metedor e os habitantes mais engenhosos.
Depois de percorrer toda a extensão da costa norte, Colombo realizou o
seu primeiro contacto com um chefe local de Hispaníola perto do actual Port
Paix. Prestou ao cacique ou chefe que encontrou a devida homenagem e

disse-lhe como vinha da parte dos monarcas de Castela, que eram os maiores príncipes
do mundo. Mas... ele só queria acreditar que os Espanhóis vinham do céu e que os rei-
nos de Castela eram no céu... Todas as ilhas estão de tal forma às ordens de Vossas

2^ Ibid. 54; Milhou, Colón y su mentalidad mesiánica, 145-53.

118
Altezas que falta apenas estabelecer a presença espanhola e ordenar-lhes que cumpram
a vossa vontade. Pois poderia atravessar todas estas ilhas armado sem encontrar oposi-
ção... assim, podeis comandá-los, fazê-los trabalhar, semear e o que for necessário
e
construir uma cidade e ensiná-los a usar roupas e a adoptar os nossos costumes'".

Na visão alterada das suas descobertas revelada por Colombo estão pre-
vistas as agonias do dilema da Espanha no Novo Mundo. Os lucros rápidos
que começou a procurar - os produtos exóticos, o lucro comercial - tinham
sido afastados da sua mente pelo espectáculo de um mundo ao pôr do Sol,
imaginado completo, com nativos amáveis e todo o conchego do lar Mas
esta Arcádia desigual podia ser construída apenas pelo exercício da res-
ponsabilidade social e moral: os índios deveriam ser «civilizados» segundo
a imagem metropolitana e os colonos seriam mestres bem como senhores.
Existiam três projectos distintos para as futuras conquistas nestas paragens:
o rendimento rápido e irresponsável, o longo trabalho de uma utopia colo-
nial e amissão «civilizadora». Os Espanhóis poderiam sugar como san-
como abelhas ou tecer uma teia abrangente como ara-
guessugas, trabalhar
nhas. Nem Colombo nem nenhum dos seus sucessores conseguiram resolver
as contradições inerentes.
Começou a lançar as fundações de um império colonial ao estabelecer
fortes laços pessoais, enriquecidos com presentes e reforçados pela impres-
com o cacique mais
são causada pelas armas espanholas de fogo e de aço,
importante que encontrou, chamado Guacanagarí - chefe, segundo pareceu
a Colombo, da parte norte da ilha. De acordo com Guacanagarí, deu o pri-
meiro passo para estabelecer a projectada «presença» espanhola, construindo
uma paliçada em Puerto Navidad na costa norte e guamecendo-a com trinta
e nove soldados, que ficariam para recolher amostras de ouro, esperando
uma nova expedição de Castela.
O estabelecimento de uma guarniçãogenuinamente um novo ponto
foi

de partida: não era inconsistente com Colombo, mas era um


a missão de
sinal de uma política anteriormente não encarada. Pode compreender-se
satisfatoriamente como um desenvolvimento suscitado pelas novas oportu-
nidades e expectativas não concretizadas que Colombo encontrou e regis-
tou. Mas quando tomou a decisão, Colombo decidiu, de forma que se iria
tomar característica, apresentá-la como resultado de uma revelação repen-
tina implicitamente providencial na sua origem. Tudo aconteceu, segundo
ele, da seguinte forma: à meia-noite da véspera de Natal, a Santa Maria

encalhou, ficando irrecuperável. Inicialmente (se combinarmos as duas expli-


cações do desastre, contraditórias entre si, fornecidas por Colombo), o almi-
rante pensou atribuir as culpas do sucedido a um marinheiro preguiçoso que,
contrariando as ordens, confiou o leme a um grumete. Depois de reflectir.

Textos, 83-4.

119
no dia seguinte, encarou o acontecimento de forma bastante diferente, como
resultado da traição dos «homens de Paios», que tinham começado por for-
necer um navio em más condições, acabando num fracasso por não o afas-
tarem das rochas. Refugiava-se mais uma vez na auto-identificação agora
familiar ao leitor: o homem isolado na adversidade, a vítima de conspira-
ção. O paradigma universal de traição - o beijo de Judas - demonstra, porém,
para qualquer cristão que assim pense, que até a traição tem um lugar, um
lugar-chave, no plano cósmico. Para Colombo, a maldade da sua tripulação
era providencialmente determinada, tão seguramente como a de Judas. «Foi
uma grande bênção», escreveu, «e expresso propósito de Deus que a embar-
cação encalhasse ali para que pudesse deixar alguns dos seus homens»; o
facto de ter sido provocado por traição era, referiu Las Casas, precisamente
a prova para Colombo de que a mão de Deus estava por detrás. Dessa mão
aberta, Colombo recebia agora, como por milagre, «tábuas para construir o
forte e abastecimentos de pão e vinho e um calafate e um artilheiro e um
carpinteiro e um tanoeiro». Os destroços da embarcação e o resto da tripu-
lação satisfariam as necessidades do momento. Colombo decidira, eviden-
temente, estabelecer uma guarnição. Desta forma, transferiu para Deus a
responsabilidade da decisão^^.
A perda da Santa Maria levou Colombo a pensar no regresso. Afirmou
que queria prosseguir a exploração, mas o seu atraso era provavelmente cau-
sado pela preocupação, saliente nas paráfrases de Las Casas, de acumular
uma grande quantidade de ouro. Colombo reunira pequenas quantidades por
trato, a partir de 12 de Dezembro, mas não acreditava inicialmente que pro-
vinham da ilha. Numerosos presentes de artefactos de ouro recebidos na
última quinzena de Dezembro parecem, no entanto, tê-lo convencido de que
a fonte do ouro estava próxima e, nos primeiros dias de Janeiro, a prova da
existência de uma «mina» fugidia cresceu encorajadoramente. A 6 de Janeiro
Martin Pinzón juntou-se à expedição, trazendo uma maior quantidade de
ouro, que afirmou ter negociado. Apresentou desculpas pela sua conduta,
que Colombo em privado considerou falsas e destinadas a encobrir a ava-
reza e o orgulho, e mesmo o peculato; mas o almirante absteve-se de fazer
denúncias directas, «de forma a não dar escape às más obras do Demónio,
que desejava mais do que nunca impedir esta viagem»^^. Nenhum estudioso
de Colombo ficará convencido com estas afirmações hipócritas nem verá a
trajectória da sua relação com Martin Alonso de outra forma que não seja
a de um caso típico das amizades de Colombo. Era incapaz de se moderar
nas relações pessoais e vemos repetidamente como fulminava com malícia
e desprezo os antigos amigos íntimos. Isto não quer dizer que o facto de
transformar em rivais e inimigos uma série de colaboradores íntimos - Martin

29 136-7; Las Casas, 270-85.


Ibid. 97-101; Historie, i. i.

30
Textos, 109.

120
Pinzón, Amerigo Vespucci e, como veremos, Juan de la Cosa, Francisco
Roldán, Pêro Nino, Alonso de Hojeda - fosse apenas culpa de Colombo.
Isso era antes devido a que o seu amor e afeição, frequentemente dedica-
dos sem reservas, eram sempre facilmente afastados. A sua confiança era
dada inteiramente e não podia ser reduzida sem ser destruída.
Embora indignado com Pinzón, Colombo parece ter tlcado verdadeira-
mente satisfeito com os resultados da viagem. Ainda que preocupado por
não ter encontrado vestígios da China ou de Cipangu, estava convencido de
que possuía em Hispaníola um bem explorável. Afirmou acreditar que a ilha
era maior que Espanha e escreveu entusiasticamente aos monarcas sobre as
virtudes naturais da «melhor terra do mundo». Os acontecimentos iriam pro-
var que estava enganado. O clima que elogiou provaria ser letal para os
Espanhóis. Os nativos, caracterizados como pacíficos e dóceis, demonstra-
ram ser instáveis e violentos. Mas com base no que vira até ao momento
de partir, a apreciação de Colombo, se descontarmos os exageros de um
vendedor à comissão, era justificada.
Reunira muitas amostras de ouro, vagens de pimentão-de-caiena picante,
canela de qualidade ligeiramente inferior - que talvez suscitasse esperan-
ças de especiarias mais ricas -, rumores sobre a existência de pérolas e
alguns exemplares humanos da raça índia capturados para exibição na corte.
Descobrira o ananás, o tabaco - «umas folhas que devem ser muito apre-
ciadas entre os índios», embora não soubesse ainda para que serviam -, a
canoa e a cama de rede, esta última um presente da tecnologia caraíba para
o resto do mundo que nos anos seguintes iria melhorar muito o sono dos
seus companheiros marinheiros. Partiu a 16 de Janeiro de 1493, pouco mais
de um ano após ter recebido o seu comando dos monarcas, com disposição
optimista, reflectindo que, se Hispaníola não era Cipangu, era pelo menos
«uma maravilha», talvez o reino de Sabá ou o país do qual os Magos tinham
trazido os seus presentes a Cristo^'.

Inicialmente, tudo correu bem. Afastando as dúvidas da tripulação, Colombo


dirigiu-se para norte a fim de apanhar os ventos oeste e encontrou-os a 5 de
Fevereiro; mesmo antes disso, teve bastante bom tempo
pôde seguir a rota
e

leste quase todos os dias. O resto da viagem, tão marcado


no entanto, iria ser

pelo desastre e pelo êxito como qualquer outro período comparável da vida
de Colombo. É importante tentar retratar o seu estado de espírito.
Passara por uma experiência extraordinária, que deveria modificá-lo ou,
pelo menos, acentuar alguns dos seus traços. Existem sinais inegáveis, no
que escreveu a caminho de casa, de que a noção da realidade e a com-
preensão dos limites do possível foram, em Colombo, profundamente alte-
radas pelo seu contacto com o Novo Mundo. Quando, por exemplo, ouviu

3» Ibid. 118-19, 141; Cartas, 260.

121
falar pela primeira vez dos canibais, considerou-os um mito, talvez porque
os reconhecia como lugar-comum da imaginativa literatura de viagens medie-
val. Quando viu as maravilhas do Novo Mundo mudou de opinião, predis-
pondo-se a aceitar tais histórias. Histórias, talvez originárias de Martin
Pinzón, de ilhas habitadas umas por Amazonas outras por homens calvos
já não suscitavam o seu cepticismo. A sua tendência para atribuir mudan-
ças de fortuna à intervenção de agentes sobrenaturais substituíra quase intei-
ramente formas racionais de explicação. A forma como o ambiente das suas
descobertas desafiava o seu entendimento - apresentando-lhe, por exemplo,
toda aquela vegetação estranhamente inclassificável, contrariando as expec-
tativas criadas pela sua carta marítima, rodeando-o da algaraviada de guias
ininteligíveis - ajuda a explicar o resultado.
O isolamento que suportou também constitui uma explicação. Em parte,
o que ressalta deste relato é o sentimento de isolamento colectivo partilhado
por toda a expedição, cujos membros duvidavam de que alguma vez vol-
tassem a Espanha. O sentimento de solidão, mais forte em Colombo, foi
exacerbado pelo seu próprio temperamento pouco sociável e pelas suas con-
dições particulares. Sofria a solidão do comando. Era um «estrangeiro» cujos
hábitos e interesses não só o isolavam como o alienavam em relação aos
seus homens. Não pertencia a nenhum dos grupos quase étnicos de que as
tripulações eram compostas: os bascos, por exemplo, que se revoltavam em
conjunto, ou os homens de Paios de Moguer, amigos e empregados de Pinzón.
Enfrentou o receio permanente de revolta ou traição - e o medo é sempre
real para as suas vítimas, mesmo se as suas bases são falsas.
Não surpreende que, neste estado de autoconfiança forçada e frágil, com
a disposição exaltada induzida pela revelação de tantos dos «segredos deste
mundo», Colombo se tenha voltado para Deus. A religião era sempre o seu
primeiro refugio na adversidade. A em A Primeira
piedade demonstrada
Viagem pode ser enganadora: a mão editorial de Las Casas salienta todas
as referências a Deus, mas há uma clara regularidade na prontidão com que
Colombo procura as consolações da fé. Quando o desastre surgiu, pela pri-
meira vez, em meados de Setembro de 1492, reagiu comparando-se a Noé
e a Moisés. No princípio de Novembro, quando começou a desesperar de
encontrar algo de interesse comercial, enalteceu as perspectivas de benefí-
cio para a alma. Quando a fatalidade fez encalhar a Santa Maria, Colombo
explicou-acomo um milagre. Quando se zangou com Pinzón, culpou o
Demónio. De regresso a Espanha, estava preparado para a experiência reli-

giosa mais intensa e profunda que jamais registara: a primeira de uma série
de experiências místicas que iriam marcar um longo e por vezes precipi-
tado progresso espiritual para a intensa religiosidade da sua vida futura.
Quando tal aconteceu, a 14 de Fevereiro de 1493, encontrava-se lite-
ralmente perdido. Pensava estar bastante a sul da sua verdadeira posição -
mais perto das Canárias do que dos Açores, sendo a sua incerteza partilhada

122
pelos pilotos profissionais que seguiam a bordo e que se declararam total-
mente incapazes. Juntou-se o perigo à incerteza quando foram atingidos por
uma terrível tempestade,
que separou as embarcações e levou todos os
homens a recearem pelas suas vidas.
Os próprios pensamentos de Colombo
em plena tempestade estão registados num fragmento seu, transmitido por
uma fonte tardia e deturpada, mas transparecendo credibilidade:

Poderia ter suportado este mar enraivecido com menos


angústia se só a minha pes-
soa estivesse em perigo, pois sei que a minha vida
mercê d'Aquele que me criou;
está à
e tenho estado tão perto da morte tantas vezes que parecia que o melhor passo a dar era
o que me separava dela. O que a tomava tão insuportavelmente dolorosa desta vez era
o pensamento de que, depois de Nosso Senhor me ter inflamado com fé c confiança
neste empreendimento e o ter coroado com meus inimigos fossem
a vitória, para que os
humilhados e Suas Altezas servidas por mim para hoiu-a e aumento dos seus altos esta-
dos, Sua Majestade divina escolhesse agora pôr em perigo as vidas dos homens que
levara comigo com a promessa de um benéfico resultado. Na sua terrível aflição, amal-
diçoaram a sua vinda e lamentaram que me tivessem deixado convencê-los ou coagi-los
a continuar a velejar, quando tantas vezes tinham desejado voltar para trás.

Então, a minha angústia redobrou, pois parecia-me ver ante os meus olhos a ima-
gem sempre presente de meus dois filhos na escola em Córdova, abandonados sem ajuda
em terra estrangeira, antes de ter cumprido para Suas Altezas o serviço que as teria dis-
posto a recordá-los com favor - ou, de qualquer forma, antes de as fazer saber tal. E ten-
tei consolar-me com o pensamento de que Nosso Senhor não permitiria que tal empreen-
dimento permanecesse inacabado, que era tanto para exaltação da Sua Igreja, e que eu
conseguira realizar com tantos trabalhos em face de tanta hostilidade, nem quereria des-
truir-me; no entanto, compreendi que poderia humilhar-me pelos meus pecados, privar-

-me da glória deste mundo^^.

Esta linguagem impressionante encobria uma boa parte de retórica.


Colombo não tivera sucesso na sua missão - que fora a de encontrar uma
rota para a Ásia -, embora lhe pudesse ser perdoada a ilusão. A sua preo-
cupação com a tripulação, que se pode presumir como natural em qualquer
comandante responsável, nunca fora mencionada em qualquer adversidade
menor e contrasta com as suas anteriores acusações de traição. A viagem
de Colombo também não fora empreendida ao serviço da Igreja: essa ideia
surgira pela primeira vez como um artifício da propaganda real, tendo sido
mais tarde aproveitada por Colombo para compensar os fracos resultados
obtidos noutros aspectos. No entanto, as palavras de Colombo soam como
confissão no leito de morte: seria precipitado não as considerar sinceras.
Neste ponto, quando já dvera uma «visão ante os meus olhos», Colombo
parece ter experimentado outra aparição, sob a forma de uma voz, de ori-
gem aparentemente celeste, derramando consolação religiosa nos seus ouvi-
dos. Esta foi a primeira mas não a última vez que esta voz veio confortá-

32 Historie, i. 146-7.

123
-lona aflição. As suas palavras, que nos chegaram na versão de Las Casas
apenas em discurso indirecto, não são nesta ocasião expressamente atri-
buídas à voz, mas o seu conteúdo é reconhecível pelos seus posteriores rea-
parecimentos. Resumia as mercês que Deus lhe concedera, estabelecia uma
comparação implícita e pouco elogiosa entre a generosidade divina e a par-
cimónia real, confirmava o desprezo de Colombo por aqueles que se tinham
oposto ao seu projecto, recordava as suas «dificuldades e adversidades» e
assegurava-lhe que todas eram provações da fé de pouco valor comparadas
com «as coisas de grande maravilha que Deus realizara nele e através dele
no decurso daquela viagem»^^
Numa carta aparentemente escrita a bordo no dia seguinte - mas talvez
retocada por um editor com vista à publicação -, Colombo resumiu o seu
feito com o devido louvor a

Nosso Senhor Deus eterno, que dá aos que caminham com Ele a conquista do que parece
impossível. E esta, evidentemente, era uma dessas conquistas, pois, embora se possa ter
pensado e escrito sobre estas terras, tudo tem sido especulação até agora, sem confir-
mação visual, sem compreensão total - de tal maneira que a maioria dos que sabiam
delas ouviram e consideraram mais provável que fossem lendárias do que qualquer outra
coisa.

Suprimindo o habitual egoísmo de Colombo, a carta continua a atribuir


aos monarcas de Castela a descoberta assim vibrantemente proclamada, pre-
sumivelmente numa tentativa de reivindicação prévia de soberania:

E assim é que o nosso Redentor concedeu aos nossos mui ilustres rei e rainha e aos

seus famosos reinos a realização de um feito tão grandioso pelo qual toda a Cristandade
se deve regozijar e celebrar grandes festividades e dar graças solenes à Santíssima
Trindade, com muitas orações solenes, pela exaltação que derivará da conversão de tan-
tos povos à nossa santa fé e, em segundo lugar, pelos benefícios materiais que trarão
alimento e lucro^"*.

Nem mesmo as vozes celestes poderiam desviar por completo Colombo


da hipótese principal.
A Nina salvou-se da tempestade no porto de Santa Maria nos Açores
a 18 de Fevereiro de 1493. A Pinta desaparecera. A travessia atlântica
mal fora completada. As autoridades portuguesas da ilha não deram bom
acolhimento a Colombo e aos seus homens, não porque invejassem a expan-
são do poder castelhano que Colombo acabara de efectuar, pois prova-
velmente desconheciam-na e não teriam acreditado se lhes tivessem dito,
mas porque as relações entre Espanha e Portugal eram geralmente más e

33
Las Casas, i. 313.
34
Textos, 145-6.

124
os veleiros castelhanos em águas portuguesas eram automaticamente sus-
peitos de pirataria. Dez homens que desembarcaram para rezar à Virgem
local pelo seu salvamento da tempestade foram aprisionados e Colombo
teve muita dificuldade em libertá-los. Tinha ainda um longo caminho a
percorrer de regresso a casa. Perdera a Pinta no mar, segundo parecia,
bem como a Santa Maria em Hispaníola. O tempo estava ainda tempes-
tuoso e ameaçador.
Um vento adverso levou-o agora, através de novas tempestades, dos
Açores até Lisboa. O seu antigo correspondente, o rei D. João 11, não era
tão ingénuo como os funcionários dos Açores. Conhecia os planos de Colombo
sobre o mar Oceano enão lhe agradava que uma viagem que recusara patro-
cinar tivesse resultados prometedores sob os auspícios dos seus rivais. Terá
sido portanto com alguma apreensão - mas sem opção, devido ao estado do
seu veleiro e da tripulação depois de uma viagem tão difícil - que Colombo
desembarcou na capital portuguesa. Não só foi preso pelo rei D. João e dei-
xado na dúvida sobre as hipóteses da sua libertação como também se tor-
nou suspeito em Castela por este relacionamento inesperado - mas prova-
velmente involuntário - com um inimigo. Colombo era bem capaz de ameaçar
transferir os seus serviços e o exemplo do seu concidadão genovês António
da Noli, cuja fidelidade oscilara entre Castela e Portugal durante a guerra
de 1474-79, dava aos seus conterrâneos uma triste reputação de lealdade.
É difícil imaginar, porém, o que Colombo poderia ter ganho desertando
nesta altura, a não ser que toda a confiança nas suas descobertas fosse falsa
- hipótese certamente improvável, mesmo para alguém com os talentos dis-
simuladores de Colombo.
O rei D. João parecia, na verdade, ter já encarado um acordo diplomá-
tico que incluiria concessões a Castela no mar Oceano em troca de uma
zona indiscutivelmente portuguesa em tomo do Sul da Africa. Colombo foi
libertado e em meados de Abril de 1493 «Don Cristóbal Colón, almirante
do mar Oceano, vice-rei e governador das ilhas que descobriu nas índias»
- como era agora merecidamente denominado embora erroneamente -, podia
exibir as amostras de ouro e os índios com penas ante a corte admirada de
Fernando e Isabel, em Barcelona.
Antes de o fazer, outro extraordinário golpe de sorte recairia sobre
o seu empreendimento. A Pinta, com Pinzón a bordo, escapara à tem-
pestade de Fevereiro, embora tendo perdido o contacto com a Nina. e
chegara com dificuldade ao porto espanhol de Baiona, a norte, à frente
de Colombo. Martin Pinzón tinha todos os motivos e alguma razão para
desafiar as reivindicações de Colombo. Mais tarde, durante o longo pro-
cesso entre a coroa e a família de Colombo, alguns amigos dos Pinzón
construíram uma lenda elaborada em memória de Martin, atribuindo-lhe
o papel principal na grande viagem de descoberta. Se Martin tivesse for-
necido aos monarcas a sua própria versão dos acontecimentos, Colombo

125
poderia ter ficado seriamente embaraçado, a sua glória dividida e, tal-
vez, a sua carreira truncada. Tal como as coisas se passaram, não havia
ninguém, excepto o grupo de índios cativos, para partilhar a cena com
Colombo, em Barcelona. De facto, esgotado por semanas sem dormir
num mar tempestuoso, pouco depois de encontrar um porto de abrigo
em Castela e antes de ter tempo de contar a sua própria história, Martin
Pinzón morrera.

126

i
5

«A VOSSA VIAGEM MAIS DIVINA QUE HUMANA»

MARÇO DE 1493 - JUNHO DE 1496


E A SEGUNDA TRAVESSIA

«Erguei os vossos corações!», escreveu Pedro Mártir de Anghiera, trans-


mitindo as notícias de Colombo aos seus correspondentes, «Oh, feliz feito,
que sob o patrocínio do meu rei e rainha se iniciou a revelação do que estava
oculto desde a primeira criação do mundo!» Os meios que conduziram
Colombo mar Oceano pareciam a um respeitado cosmógrafo
através do
«mais divinos que humanos»'. A forma como foram recebidos Colombo e
as novidades que trouxe é relevante em relação a uma questão que em breve
teremos que enfrentar e que consiste em saber se podemos afirmar - e em
que sentido - que Colombo «descobriu» a América. A euforia inicial escon-
deu algumas perguntas minuciosas sobre a natureza das suas descobertas e
o cumprimento das suas promessas.
A sua própria crença expressa indicava que as terras que descobrira eram
asiáticas; no entanto, era também suficientemente ambíguo para as deno-
minar «desconhecidas». Era capaz de admitir para si próprio e perante os
monarcas outras identificações possíveis; posteriormente, como veremos,
chegou a fazê-lo. Porém, em presença da oposição de outros nunca hesitou
na insistência de que a sua promessa de encontrar uma passagem para a
Ásia por ocidente fora cumprida. Quase desde o momento do regresso da
primeira viagem, o seu fardo tomou-se «não encontrei e continuo a nào
encontrar nada mais em qualquer aspecto do que aquilo que escrevi e disse
e afirmei a Suas Altezas em dias passados»'.

'
Epistolario, i. 242, 244; Navarrete, i. 362.
2 Textos, 148.

127
Estas palavras características revelam o motivo da sua inflexibilidade:
um dos pontos em que incidiam os ataques dos seus adversários era o de
que as suas descobertas não correspondiam ao cumprimento do acordo cele-
brado com os seus patronos. Não encontrara um caminho para a Ásia mas
sim um
grupo de ilhas semelhantes às já conhecidas ou, talvez, próximas
de uma O regresso seguro e surpreendente de Colombo, as
terra antípoda.
cartas que enviou a correspondentes na corte e em Córdova, a sua apre-
sentação espectacular em Barcelona, com um desfile exótico e provas de
condimentos picantes, e a rápida circulação do seu relato impresso, que teve
a primeira edição em Barcelona antes ainda de Colombo ali chegar, cons-
tituíram acontecimentos espectaculares - tão intelectualmente intrigantes
como sensualmente estimulantes - que logo provocaram o aparecimento de
defensores das três possíveis teorias sobre a natureza das terras recém-des-
cobertas: os que concordavam com Colombo, os que classificavam as suas
descobertas como antípodas e os que as consideravam simplesmente como
novas ilhas do tipo já conhecido.
Do ponto de vista de Colombo, era importante que a opinião de Fernando
e Isabel coincidisse com a sua. A primeira reacção dos monarcas foi acei-
tar a autenticidade das suas reivindicações, mas não confiavam suficiente-
mente nele para se comprometerem irrevogavelmente. Durante a sua per-
manência na corte, Colombo foi tratado por todos os títulos que lhe tinham
sido prometidos pela concretização com sucesso do seu empreendimento,
mas as terras das suas aventuras recentes foram identificadas vagamente
apenas como «ilhas que descobriu nas índias». Em Agosto de 1494, os
monarcas mostravam-se mais convencidos: «Parece», escreveram a Colombo,
«que tudo o que desde o início dissestes que podia ser conseguido se reve-
lou, na sua maior parte [sic], verdadeiro, como se o tivésseis visto antes de
falardes sobre isso.» As perguntas reais, nessa época, sobre as estações do
ano nas novas terras e a sua coincidência com as de Espanha recordam algu-
mas observações sobre os Antípodas atribuídas a Posidonius, mas a ques-
tão é obscura e outros escritores tinham relacionado tais variações sasonais
com os climas orientais^
Nas negociações que em breve se iniciariam com Portugal para confir-
mação da soberania castelhana nestas áreas, os emissários dos monarcas
usaram uma linguagem ainda mais imprecisa. Apenas se nota que as chan-
celarias real e papal na altura da redacção das bulas Inter Cetera, publica-
das pouco depois do regresso de Colombo, se inclinavam para a opinião de
que o explorador encontrara um continente antípoda, pois a frase «conti-
nentes e ilhas remotos e desconhecidos» que aplicavam às descobertas pare-
cia excluir a Ásia, que não era «desconhecida», no sentido corrente, nos cír-
culos expostos à cultura clássica, mas simplesmente há muito não visitada.

3 Navarrete, i. 311, 393; Plínio, Historia Naturalis, 2. 189-90.

128
o termo «Antípodas» foi efectivamente atribuído às ilhas de Colombo num
dos primeiros relatos saídos da corte depois da sua chegada, redigido por
Pedro Mártir de Anghiera, para informação de amigos em Itália: «Regressou
dos Antípodas Ocidentais um tal Cristóvão Colombo, de Ligúria, que difi-
cilmente obteve três navios dos meus soberanos para a viagem, pois estes
consideravam fabulosas as coisas que dizia.» Para outros correspondentes,
Pedro Mártir declarou que as descobertas de Colombo eram anteriormente
desconhecidas - pelo que mais uma vez queria dizer que não eram asiáti-
cas. Embora usasse normalmente os termos «Antípodas» e «Novo Mundo»
ou «Nova Orbe», era sempre cauteloso ou abertamente hostil quando refe-
ria a própria opinião de Colombo de que velejara para regiões próximas da
índia. A opinião de Pedro Mártir parece ter sido dominante entre os huma-
nistas italianos. Num
sermão em Roma, em 1497, um deles descreveu como
Colombo Nome
de Cristo aos Antípodas, «que anteriormente nem
levara o
sequer pensávamos existirem», e, pouco depois, outro em Florença desig-
nou a descoberta de Colombo como «o outro mundo oposto ao nosso»"*.
Eram correntes outras opiniões contraditórias. Imediatamente após a che-
gada de Colombo a Lisboa, surgiram rumores de que encontrara a mítica
terra perdida de Antillia - o que, a ser verdade, teria sido vantajoso para
Portugal, pois a lenda atribuía Antillia a fundadores portugueses. Alguns
relatos primitivos em Itália e Castela caracterizavam as descobertas como
novas ilhas Canárias - o que parecia razoável, pois estavam aproximada-
mente na mesma latitude e evidenciavam algumas semelhanças culturais.
Como a posse -das Canárias estava garantida por tratado com Castela, esta
era uma identificação de interesse político, tal como a de Antillia. Ambos
os rumores associavam as explorações de Colombo a regiões que não tinham
características asiáticas nem antípodas. A maioria dos relatos designava as
descobertas como «ilhas», sem qualquer outro compromisso pormenorizado^
Apesar de tais rumores e das opiniões de Pedro Mártir e seus amigos,
enquanto muitos estudiosos reservavam a sua opinião, outros eram levados
a partilhar da crença de Colombo segundo a qual as novas terras faziam
parte da Ásia. A própria segurança aparente do explorador - que ganhara
uma certa aura com o seu regresso seguro - e as indiscutíveis amostras de
ouro que trazia ajudaram a criar esta impressão. O duque, anteriormente
conde, de Medinaceli pediu aos monarcas de Espanha autorização para explo-
rar aboa fortuna do seu protegido de outrora, que «encontrara tudo o que
procurara», enviando caravelas para negociar especiarias. Vários italianos,
extraindo por vezes as suas informações directamente da versão impressa
do relato de Colombo, fizeram o mesmo no seu país; a sua opinião não
parece ter tido tanto peso como a de Pedro Mártir, embora o duque de Ferrara

^ Navarrete, i. 313; Epistolario, i. 236-7, 242-6; Raccolta, III. ii. 1 10.

5 Ver cap. 4, n. 19; Raccolta, III. i. 143, 146-7, 165-6, 169, 193, 196; ii. 1-6.

129
a aceitasse e supusesse que as teorias de Toscanelli deviam ter tido alguma
relevância para o sucesso de Colombo. Os eruditos em geral continuaram
a aderir aos cálculos tradicionais das dimensões do globo
e, portanto, não

podiam que Colombo tivesse chegado à Ásia. Pedro Mártir pensava


aceitar
que as dimensões do mundo o impossibilitavam. Jaume Ferrer, o cosmó-
grafo maiorquino, compreendeu que o mundo de Colombo era subavaliado.
Como amigo do explorador, Andrés Bemáldez disse-lhe francamente que
poderia ter «velejado outras duzentas léguas» sem ter lá chegado, embora
aceitasse que «a terra era contínua» desde as descobertas de Colombo para
ocidente através da terra-ilha. Se uma rota para a Ásia pelo ocidente tivesse
realmente sido considerada possível em Itália, onde a vida económica depen-
dia tão fortemente dos padrões estabelecidos para o comércio à distância,
teriahavido uma perturbação nos mercados e uma explosão violenta de acti-
vidade diplomática. Por outro lado, é verdade que, no pontificado seguinte,
o de Júlio II, a chancelaria papal (provavelmente, como era habitual, adop-
tando apenas a linguagem do requerente) transmitiu a ideia de que as des-
cobertas de Colombo estavam no Oriente, visto que uma bula de 1504 loca-
lizava conquistas não especificadas pelos monarcas de Espanha «em zonas
da Ásia» e estabeleceu novas dioceses na ilha de Hispaníola. Os explo-
três
radores do Novo Mundo nos
primeiros anos do século xvi, incluindo Vespucci
e Vicente Yánez Pinzón, efectuaram as suas viagens baseados na presun-
ção de que Colombo estava mais ou menos certo e que a sua rota conduzia
à Ásia ou perto dela. A questão não era clara. No entanto, é evidente que,
aquando do primeiro regresso de Colombo, as mentes dos homens do Velho
Mundo conseguiram rapidamente ajustar-se à ideia de que existia um con-
tinente como a América - um novo mundo, diferente da massa de terra
conhecida - e já tinham previsto a sua descoberta sob o nome de «os
Antípodas»^.
Sem se comprometerem quanto à ideia de que Colombo visitara a Ásia,
Fernando e Isabel ficaram suficientemente interessados com as suas amos-
trasde ouro e os seus exemplares e relatos dos nativos para considerar a des-
coberta de grande importância. As honras que lhe prestaram, bem como o
seu interesse em investir em maior exploração da área, são prova disto, pois
permitiram-lhe sentar-se na sua presença e estar a seu lado em cerimónias
ou em cortejos. Colombo entrou numa nova
fase da sua carreira: foram anos
de aclamação, em
que os seus detractores esperavam pela ocasião propícia,
enquanto os seus admiradores o rodeavam. Para Pedro Mártir, ele era seme-
lhante a um dos heróis que os antigos transformavam em deuses. Para Jaume

6 Cartas, 145; Rumeu


de Armas, Hernando Colón, 271-2; Epistolario, i. 245; Navarrete,
i. 361; Bemáldez, 308-10; Raccolta,III. i. 142, 145, 167; D. Ramos, Las elites andaluzas

ante el descubrimiento colombino (Granada, 1983), 16-63, mostra a diversidade de reacções


nas fontes espanholas, argumentando que as descobertas de Colombo foram largamente acei-
tes como asiáticas na Andaluzia, até fms de 1496 ou princípios de 1497.

130
Ferrer, assemelhava-se a um apóstolo, realizando para o Ocidente o que São
Tomás fizera para o Orientei Assim, o fugitivo da oficina de tecelagem de
Génova e do botequim de Savona ascendeu às mais elevadas posições da
adoração pagã e cristã do herói. Era, sem dúvida, um papel agradável, mas
que Colombo não podia manter por muito tempo, especialmente por lhe tra-
zer novas responsabilidades, muito para além da sua competência, como con-
selheiro cosmográfico da coroa, consultor diplomático para as negociações
com Portugal e administrador colonial no império que começara a fundar.
As negociações internacionais foram a parte mais delicada dos prepa-
rativos necessários para a fase seguinte da descoberta e exploração das
índias. O
objectivo dos Espanhóis era chegar a acordo sobre uma linha de
demarcação no mar Oceano, para da qual todas as novas terras seriam

atribuídas a Castela. Os Portugueses, viajando
para leste a partir de tal linha,
ficariam com todas as terras que encontrassem nas suas explorações para
leste à volta de Africa, até que encontrassem os Castelhanos, que estariam
a navegar do Oeste. O resultado, segundo o cálculo dos Espanhóis, seria o
de assegurar todo o Oriente: só quatro anos depois os Portugueses ultra-
passaram a dificuldade da rota para a Ásia pelo cabo da Boa Esperança.
A chamada Memoria de La Mejorada - um memorando sobre o assunto
dirigido a Fernando e Isabel e recentemente atribuído a Colombo, embora
com reservas - sugere que o cabo da Boa Esperança seja considerado a linha
complementar de demarcação dividindo as terras castelhanas e portuguesas
a leste e refere a índia, a Pérsia, a Arábia e a Africa Oriental como con-
quistas a conceder a Espanha^ Durante o ano de 1493 apenas a questão dos
limites ocidentais parece ter sido levantada.
Enquanto Colombo estava envolvido nas negociações, prevaleceu o seu
próprio desejo de fixação de uma linha de norte a sul, cem léguas a oeste dos
Açores, onde lhe parecera detectar durante a viagemuma mudança de clima
para uma atmosfera mais agradável e doce. Os Espanhóis obtiveram o acordo
papal e uma bula de confirmação antes da partida de Colombo para a sua
segunda viagem, mas os Portugueses não concordavam em confinar as suas
navegações para oeste a limites tão reduzidos: nos anos seguintes, os seus
navios iriam velejar pelo Atlântico, em busca dos benefícios do comércio do
Nordeste, numa tentativa de avançar suficientemente para sul a fim de dobrar
o cabo da Boa Esperança. A situação na altura da partida de Colombo em
Setembro de 1493 foi expressa numa carta de Isabel, que revela também as
relações ainda existentes na época entre Colombo e os seus soberanos:

Don Cristóbal Colón, meu almirante do mar Oceano, vice-rei e governador das ilhas
recém-descobertas nas índias. Por este mensageiro vos envio um exemplar do livro que

^
Décadas, cf o prosopógrafo genovês de 1516 m Thacher, i. 96; Navarrete. i. 361-2.
i. I. I;

^ Rumeu de Armas, Un escrito desconocido de Cristóbal Colón: el


Textos, 170-6; A.
memorial de La Mejorada (Madrid, 1972).

131
aqui deixastes, que se atrasou tanto porque foi feito em segredo para que os emissários
portugueses aqui não soubessem dele nem ninguém mais; e pela mesma razão foi feito
com duas caligrafias, como vereis, pela rapidez. Certamente, de acordo com o que tem
sido dito e visto nas- presentes negociações aqui, sabemos cada vez mais, de dia para
dia, sobre a importância, grandeza e natureza substancial do assunto, e nos servistes bem
nele; e colocamos grande confiança em vós e esperança em Deus que além do que vos
prometemos, que será cumprido e honrado na totalidade, recebereis de nós muita honra,
graça e aumento como é certo e como vossos serviços e méritos merecem. A carta marí-
tima que tendes que fazer enviar-ma-eis quando estiver terminada; e para me servir apres-
sareis a vossa partida para que, se Nosso Senhor é misericordioso, a carta seja come-
çada sem demora, pois deveis saber como é importante para o progresso das negociações.
E de tudo o que acontecer no vosso destino escrevei e dizei-nos sempre. Nas negocia-
ções portuguesas nada foi decidido com os embaixadores que aqui estão, embora pense
que o seu rei verá a razão no assunto. Desejaria que pensásseis de outra forma para que
não vos demorásseis portanto mas antes prosseguísseis imediatamente com a tarefa em
mãos, para evitar qualquer possibilidade de falsas esperanças^.

O interesse da rainha por uma «carta» reflecte, como é seguro supor, a


dificuldade de estabelecer onde, na prática, ficaria qualquer linha de demar-
cação. A promessa de Colombo de elaborar um mapa com grelha da sua
rota e descobertas, com as coordenadas, resolveria o problema, no caso de
ser cumprida; mas não o fizera e nunca o faria, porque estava para além da
capacidade técnica da época. A teoria da longitude - que podia ser fixada
calculando a diferença do tempo de uma ocorrência celeste previsível entre
um dado local e um meridiano-padrão - era bem conhecida. Mas não exis-
tiam quaisquer fenómenos adequados conhecidos, além dos eclipses, até que
no século seguinte as luas de Júpiter foram reveladas por meio do telescó-
pio, e aquelesnão eram meios de medir o tempo com suficiente precisão.
Os Colombo ao utilizar os eclipses revelaram-se
esforços posteriores de
pouco Durante as negociações com Portugal, os monarcas con-
satisfatórios.
sultaram Jaume Ferrer sobre o problema. Este sugeriu, pouco convincente-
mente, que a distância teria apenas que ser medida pelos métodos tradicio-
nais dos marinheiros - reconhecidamente falíveis - e indicou os seus
correspondentes a Colombo^^.
O progresso das negociações nos meses seguintes foi revelado pela
comunicação de Isabel a Colombo sobre o assunto, escrita em Agosto de
1494, quando o receptor estava de regresso a Hispaníola:

Visto que as questões com Portugal estão agora resolvidas, as embarcações podem
ir e vir em perfeita segurança... Foi realizado um acordo com os meus embaixadores e
sobre a questão da linha ou limite de demarcação que ainda tem que ser definida, por-
que nos parece um problema de grande dificuldade, gostaríamos, se fosse possível, que

' Navarrete, i. 363-4.


10 Ibid. 360.

132
participásseis nas negociações... Vede se vosso irmão [Bartolomé] ou qualquer
outra
pessoa que esteja convosco domina a questão. Informai-os com minúcia verbalmente e
por escrito e talvez com um mapa... e enviai-os de volta na próxima armada".

O
acordo a que Isabel se referia era o Tratado de Tordesilhas, de Junho
de 1494, em que os Portugueses concordaram com uma linha de demarca-
ção, em princípio, e fixaram o limite ocidental num ponto a 370 léguas para
além das ilhas de Cabo Verde - uma decisão bastante mais favorável para
elesdo que a tomada pelo papa e que acabou por assegurar grande parte do
O limite ainda por defmir era o oriental. A questão foi
Brasil para Portugal.
deixada sem solução. Talvez fosse apenas a subavaliação das dimensões do
globo por Colombo que a fez parecer um problema actual numa data tão
recuada, pois, de facto, os limites orientais da expansão espanhola e portu-
guesa iriam permanecer separados, na prática, por vastas distâncias, quase
até ao último quartel do século xvi.
A
24 de Maio de 1493, juntamente com Juan de Fonseca, então arce-
diago de Sevilha, que mais tarde se tomou administrador-geral do império
americano de Espanha, Colombo foi encarregado de preparar uma armada
em Sevilha, Cádis e outros portos. A nova expedição iria ser muito maior
e mais poderosa que a primeira, com objectivos mais vastos, incluindo a
colonização e a exploração. No regresso da sua primeira viagem, Colombo
planeara o que seria essencialmente uma colónia comercial segundo a tra-
dição genovesa, regulando o previsto comércio de algodão e mástique de
Hispaníola, a exploração do ouro e a escravização e exportação dos cani-
bais das outras ilhas. Os Arawaks de Hispaníola, entretanto, seriam evan-
gelizados e um
grupo de frades embarcou com esse propósito: infelizmente,
o historial de simpatia e compreensão profundas entre Colombo e francis-
canos como Juan Pérez e António de Mar^chena não se repetiria com os seus
colaboradores franciscanos no terreno.
Colombo não tencionava, segundo parece, instalar espanhóis perma-
nentemente nas índias, embora exprimisse uma preferência frustrada por
chefes de família que se comportariam responsavelmente e dariam estabi-
lidade à comunidade enquanto ali permanecessem. Desejava - mas não con-
seguiu obtê-los, pela natureza das coisas - artesãos especializados e pros-
pectores diligentes que se fixassem, exercendo os seus ofícios durante um
certo número de anos, criando um ritmo regular de produção e fornecimento,
descobrindo e desenvolvendo novas fontes de comércio, apoiando, se neces-
sário pela força das armas, uma exploração mais intensa e a expansão do
domínio espanhol. Gradualmente, um processo produtivo renovaria todo o
pessoal da fábrica. Como esta intenção foi manifestada nos seus actos e
políticas e frustrada na prática, seria o tema dominante da vida de Colombo

Ibid. 394.

133
e da história da sua infeliz colónia nos seis anos seguintes. Para além dos
seus objectivos colonizadores - e, em certo sentido, em conflito com eles
devido às exigências incompatíveis com o seu tempo e presença -, tinha
também um importante trabalho de exploração a realizar, incluindo a pro-
cura de muitas ilhas que só conhecia até aí pelo que diziam delas e, sobre-
tudo, a tentativa de verificar a sua convicção de que Cuba era um promon-
tório da China.
As explorações em que empenhou quando governava as índias
se
iriam ficar marcadas por tão má
fortuna como as suas aventuras coloni-
zadoras. No entanto, começaram sob o signo do sucesso e com o brilho
da esperança. Reunira, para a viagem, uma impressionante armada de
dezassete veleiros, incluindo a segura Nina, que desta vez estaria sob o
seu próprio comando. Juntou-se-lhe o seu irmão mais novo, Giacomo,
agora chamado Diego Colón à maneira espanhola, atraído de Génova pela
fama de Colombo. Todo o grupo atingia provavelmente mais de trezen-
tos homens, incluindo mais de duzentos voluntários - os únicos mem-
bros da força de intervenção sem salário pago pelos monarcas - e vinte
cavaleiros, cujo comportamento
altivo e montadas inferiores iriam ofen-
der Colombo. Não
poderia haver maior prova de confiança por parte dos
seus patronos ou da concordância do mundo do que a dimensão e a gran-
deza aparente da expedição. A partida foi grandiosa e com tal ruído de
música e salvas que, segundo um participante, «as Nereidas e as próprias
Sereias ficaram estupefactas»^^.

A sua rota por Comera levou-os desta vez rapidamente para sul do rumo
anterior de Colombo, de forma que avistaram terra pela primeira vez na
Dominica, nas Pequenas Antilhas, a 3 de Novembro de 1493. Apenas na
segunda tentativa Colombo descobrira a rota mais curta e mais rápida atra-
vés do Atlântico. Não se destinava a uma exibição de virtuosidade na nave-
gação: Colombo prosseguia a ambição deixada por cumprir no fim da sua
primeira viagem, isto é, seguir as indicações dos índios, que o levariam às
ilhas reputadamente ricas a sudeste de Hispaníola. Uma cadeia de novas
ilhas foi descoberta quando rumou para norte e se dirigiu a Hispaníola ao
longo de uma rota que o conduziu a Porto Rico ou San Juan Bautista, como
lhe chamou, através do coração da zona dos canibais. As primeiras grandes
investigações em terra foram feitas na ilha de Guadalupe (hoje chamada
Guadeloupe), assim denominada em honra do grande santuário da Estremadura
que Colombo visitara pouco antes da sua partida de Espanha.
Se Colombo, em tempos, duvidara da existência do canibalismo, via-se
agora confrontado com o que os seus homens interpretaram como as suas
provas irrefutáveis. O médico da expedição, Diego Alvarez Chanca, que se

12 Cartas, 183.

134
lhe juntara - aparentemente porque subestimara o desconforto c sobreava-
liara o pagamento'^ -, registou o facto numa carta para o conselho munici-
pal de Sevilha:

Inquirimos das mulheres que eram prisioneiras dos habitantes que tipo de gente
estes ilhéus eram e responderam «Caribes». Logo que compreenderam que abi)mma-
mos tal tipo de gente devido à sua malvada prática de comer carne humana, ficaram

encantadas... Disseram-nos que os homens caribes as usavam com tal crueldade que
dificilmente se acreditaria e que comem as crianças que lhes dão, apenas criando aque-
lesque têm das suas mulheres nativas. Os inimigos homens que conseguem capturar
vivos trazem-nos para suas casas para fazer delesum banquete e os que são mortos
no campo de batalha comem-nos depois de terminar o combate. Declaram que a carne
do homem é tão boa para comer que nada no mundo se lhe pode comparar; e isto c
bem evidente pois dos ossos humanos que encontrámos nas casas tudo o que podia
ser roído já o fora de forma que nada restava senão o que era demasiado dificil de
comer. Numa das casas encontrámos o pescoço de um homem a cozer numa caçarola...
Nas suas guerras com os habitantes das ilhas vizinhas, estas gentes capturam todas as
mulheres que podem, especialmente as que são jovens e belas, e mantêm-nas como
servas e concubinas; e tão grande número arrebatam que nas cinquenta casas em que
entrámos não encontrámos nenhum homem mas apenas mulheres. Desse grande número
de mulheres cativas, mais de vinte, das mais belas, vieram voluntariamente connosco.
Quando os Caribes levam rapazes como prisioneiros de guerra tiram-lhes os órgãos,
engordam-nos até crescerem e depois, quando querem fazer um grande banquete,
matam-nos e comem-nos, pois dizem que a carne das mulheres e dos jovens não é boa
para comer. Três rapazes assim mutilados vieram ter connosco a fugir quando visitá-

À parte estes hábitos selvagens, a aptidão guerreira e a coragem feroz


dos Caribes constituíam motivos de desapontamento para Colombo, que
começou a compreender que a conquista das regiões descobertas não seria
tão fácil como previra. Por outro lado, a prova da existência do canibalismo
nas Caraíbas confirmava as histórias contadas por escritores antigos e medie-
vais sobre povos antropófagos no Extremo Oriente: era um indício enga-
nador de que Colombo estava a aproximar-se do seu objectivo. Além disso,
um povo tão irremissível como os Caribes poderia ser escravizado sem
objecção dos moralistas de Espanha: as suas ofensas à lei natural coloca-

vam-nos para além dos limites da sua protecção'^

'3
Ver A. Tio, El doctor Diego Alvarez Chanca (Barcelona, 1966), e a caracterizaçào in

Décadas, iii. 6. 4.
14 Cartas, 159-60.
'5
Textos, 154. Ver, e. g. entre fontes a que Colombo teve acesso, Plínio, Historia Saturalis,

3. 21-6, e Mandeville's Seymour, 132, 205, e para as leis respeitantes à escravi-


Traveis, ed.
indigenista de Isabel la
zação dos primitivos em geral A. Rumeu de Armas, La politica
Muldoon, Popes, Lawyers and Infidels (Liverpool, 1979).
Católica (Valhadolid, 1969), e J.

com algumas correcções in Femández-Armesto, Before Columhus, 232-3.

135
Dominados por presságios induzidos pelos seus encontros com os
canibais, os Espanhóis passaram por Porto Rico, cujo povo, segundo decla-
rou Chanca, ignorava a arte da navegação, o que era pouco provável. Por
fim, sem hesitação ou erro por parte de Colombo, chegaram à vista de
Hispaníola a 22 de Novembro. Esta nova prova da perícia de Colombo
no mar deixou espantado o seu amigo e companheiro de viagem Michele
de Cuneo. «Em minha opinião», escreveu este, «desde que Génova é
Génova nunca nasceu um homem tão conhecedor e perito na arte da nave-
gação como o dito senhor almirante.» Salientou um tipo de aptidão de
que Colombo iria dar muitas provas notáveis durante o resto da sua car-
reira: «bastava-lhe ver uma nuvem ou uma estrela de noite» para saber
prever o tempo^^. Era, talvez, outro exemplo da forma como a sua sen-
sibilidade, frequentemente tão desajustada nas relações humanas, estava
bem sintonizada com a Natureza. No entanto, será talvez errado atribuir
esta rota deDominica a Hispaníola apenas aos dons intuitivos de Colombo.
Levava guias índios que conheciam bem as águas devido às viagens de
canoa que nelas efectuavam.
Era uma zona desconhecida da costa de Hispaníola aquela com que
foram confrontados à chegada, mas não perderam muito tempo em rodeá-
-la para norte para o forte de Navidad, que estava há mais de dez meses

sem reforços, exceptuando, como Colombo esperava, o de Guacanagarí e


dos nativos supostamente amigos. Passada uma semana, a armada estava ao
largo de Navidad, recebendo um grupo de nativos enviados em canoas por
Guacanagarí para lhes dar as boas-vindas. Os primeiros indícios de desas-
tre surgiram quando os enviados mencionaram o início de hostilidades na
ilha; Guacanagarí fora ferido em combate com um chefe rival e os cristãos

da guarnição de Navidad tinham sido todos mortos. Colombo não quis acre-
ditar nas notícias, mas estas foram macabramente confirmadas pelas provas
que a luz da manhã seguinte revelou. Navidad ardera totalmente e os trinta
e nove espanhóis que ali tinham ficado tomaram-se as primeiras baixas de
uma longa série de guerras coloniais no Novo Mundo. O receio dos índios
locais de poderem vir a ser considerados culpados levou-os a dispersarem-
-se e a esconderem-se, aumentando assim as naturais suspeitas dos Espanhóis.
Colombo inclinava-se a dar-lhes o benefício da dúvida, atribuindo talvez o
massacre aos Caribes ou aceitando a versão de Guacanagarí de um ataque
vingativo levado a cabo por um chefe do Haiti Oriental, em consequência
de atrocidades cometidas pelos cristãos na ilha.
Quando se provou que a ferida de Guacanagarí era apenas de conve-
niência, rebentou uma controvérsia entre os exploradores. A facção que exi-
gia vingança era chefiada, inadequadamente, pelo chefe missionário Fray
Bernardo Boil, cuja caridade evangélica parece por vezes ter sido obscure-

16 Cartas, 259.

136
cida por natural despeito. Las Casas resume uma fonte perdida da autoria
do próprio Colombo:

O padre Boil e todos os outros desejavam fazer prisioneiro Guacanagari, mas o


almirante não o queria, embora estivesse no seu poder, acreditando que, visto que os
cristãos estavam mortos, o aprisionamento de Guacanagari não os poderia ressuscitar
nem conduzir ao Paraíso se ainda lá não estivessem, e... parecia-lhe que o chefe devia
ser semelhante aos reis entre os cristãos aparentados com outros monarcas, a quem tal
aprisionamento ofenderia^ ^.

O extracto mostra que Colombo tinha uma visão selectivamente escla-


recida sobre os chefes índios, que, em
mantida quer por ele pró-
geral, seria
prio quer por outros servidores da coroa espanhola, preparados para atribuir
aos governos nativos semelhança, embora não equivalência, aos Estados
cristãos. Mostra também como fora forçado a abandonar a sua impressão
original sobre o povo de Hispaníola como sendo dócil e facilmente subju-
gável. Pelo contrário, receava agora seriamente uma aliança nativa contra
de ver a destruição causada no acampamento de Navidad.
ele próprio, depois
Em breve se tomou claro que os espanhóis massacrados tinham sido per-
seguidos não só pelos nativos mas pelos seus próprios pecados, precedendo
com os seus excessos muitos ftituros colonos. Colombo previra realmente este
perigo; a sua presunção de que a guarnição não seria molestada fora refor-
çada pela certeza de que, mesmo que os nativos se tomassem hostis, perma-
neceriam inofensivos^^ Não valia a pena, no entanto, recordar esse ligeiro
aviso: toda a confiança das suas previsões se destinara a criar um sentimento
de segurança que os acontecimentos tinham demonstrado ser falso. Os índios
queixaram-se de que a guamição discutira entre si e que os seus homens
tinham feito incursões ilha. Não
para raptar mulheres e roubar ouro por toda a
passaria muito tempo sem que Colombo tivesse que tentar impedir os homens
da nova expedição de efectuarem as mesmas depredações. Talvez o pior, as

sementes do crime que os monarcas de Espanha tinham que odiar acima de


tudo, isto é, a heresia, fora semeado em Hispaníola ainda antes da verdadeira
fé ter sido pregada seriamente, pois um dos homens da guamição de Navidad
ensinara a Guacanagari «algumas coisas injuriosas e depreciativas para a nossa
santa religião». Colombo tinha que «corrigi-lo nesse aspecto e obrigá-lo a
usaruma imagem de prata de Nossa Senhora ao pescoço». Ao relatar tais por-
menores a Femando e Isabel, Colombo esperava claramente atenuar o impacte
causado pela notícia do massacre e levar os seus patronos a esquecer o fra-
casso das suas próprias previsões sobre a passividade dos índios '^

»7 Las Casas, i. 358-9.


»8 Textos, 144; Bemáldez, 295.
'^ Las Casas, i. 358-9.

37

I
Colombo acalmou as apreensões de Guacanagarí e restabeleceu as boas
relações entre os Espanhóis e os habitantes locais, oferecendo-lhe um grande
presente constituído por contas de vidro, facas, tesouras, sinos de estanho,
no valor total de quatro ou cinco reales (136-
alfinetes, agulhas e esporas,
-170 maravedis), e «com
Guacanagarí acreditou que se tomara muito
isso
rico»^°. A tarefa a empreender era a escolha de um local para uma cidade
permanente - uma das embarcações fora sacrificada para o efeito, forne-
cendo madeira e pregos - e a exploração do interior do país, punindo ao
mesmo tempo os nativos considerados responsáveis pelo massacre de Navidad.
Já desapontado nas suas expectativas em relação aos nativos, Colombo estava
rapidamente a desiludir-se também com o clima e o terreno; os seus homens
sofriam com o ambiente e a alimentação desconhecidos e o gado que trou-
xera de Espanha para abastecer a nova colónia mostrou pouca adaptabili-
dade. Ao escolher a localização para a povoação, teve que optar entre as
exigências prementes de rapidez, por um lado, e uma situação salubre, por
outro. Fixou-se num local pantanoso e com pouca água, apenas porque estava
próximo^ ^ A 2 de Janeiro de 1494, apenas dois anos após o início do seu
empreendimento, foi fundada em cerimónia solene a cidade de Isabela, a
primeira e a mais infortunada cidade do Novo Mundo.
Para explorar a ilha e aí instalar guarnições, Colombo depositava grande
confiança em dois dos seus subordinados, Alonso de Hojeda (um homem
do duque de Medinaceli e futuro companheiro de Vespucci) e Pedro Margarit,
que, depois de suscitar em Colombo os habituais extremos de amizade e
inimizade, em breve regressaria a Espanha para apresentar queixas contra
o almirante. Nenhum deles parece ter compartilhado o entusiasmo sincero
de Colombo pelas índias ou ter sido motivado por quaisquer ideais cientí-
ficos ou evangélicos. Tal como a maioria dos seus companheiros, estavam
interessados no lucro e tinham vindo para Hispaníola atraídos pelo ouro e
não pelo povo ou território. Colombo colocou Margarit numa fortaleza à
beira do rio, no interior, com o objectivo de recrutar índios para procura-
rem ouro no leito do rio, permitindo a Hojeda que percorresse a ilha em
busca das riquezas minerais e dos culpados do massacre de Navidad. O mau
tratamento que infligia aos nativos culminou com a execução de um chefe
local por um roubo cometido por membros da sua comunidade - um assas-
sínio legalizado em que o próprio Colombo foi conivente, em parte devido
a um falso sentido de justiça, em parte pela pressão dos seus subordinados
e em parte ainda pelas suas próprias dúvidas sobre a forma de tratar os
índios. Os nativos revelavam-se uma ameaça potencial, não reagiam à evan-
gelização como Colombo esperara, constituíam uma força de trabalho pouco
produtiva e, na medida em que não se comportavam como Colombo pre-

20 Ibid. 358; Textos, 150.


2' C. O. Sauer, The Early Spanish Main (Berkeley, 1966), 72-5.

138
vira, estavam a minar a sua autoridade quer perante os seus patronos quer
junto dos seus homens. Nestas circunstâncias, Colombo dispôs-sc a fazer
deles um exemplo. Foi outro grave erro. O derramamento de sangue aumen-
tou a beligerância do «movimento de resistência». Enquanto o maleável
Guacanagari permanecia calmo, o chefe culpado pelo desastre de Navidad,
Caonabó, atingia o auge do que os Espanhóis chamavam «rebelião». Quando
não desfrutavam da superioridade numérica, os exploradores estavam con-
tinuamente em perigo.
A deportação e a escravização dos nativos em grande escala, tal como
haviam sido praticadas na conquista das ilhas Canárias, constituíam a única
solução que Colombo conhecia e, no inicio de 1494, decidiu-se a começar
o envio de índios para o Velho Mundo. Era insensível às contradições ine-
rentes à sua política, pois propunha-se exportar a mesma força de trabalho
em que planeara basear-se. Estava igualmente a infringir as instruções explí-
citas dos monarcas quanto ao tratamento benigno dos nativos e a iniciar
uma linha de conduta que a
lei canónica condenava pelos seus efeitos nega-

tivos na evangelização dospovos primitivos. No entanto, as considerações


de ordem política dentro da colónia e as exigências económicas - pois
Hispaníola ainda não era lucrativa e a quantidade de ouro reunida era
mínima - levaram-no a explorar o único produto de que dispunha para expor-
tar.A medida que o problema nativo se exacerbava e os colonos se excita-
vam sob a tensão do clima pouco saudável e das suas esperanças frustradas
quanto às qualidades repousantes e auríferas do território, Colombo ficou
ansioso por deixar Hispaníola para retomar a exploração marítima. Na ver-
dade, a vida em Isabela parece ter-se tomado insuportável. Como Colombo
confessou, poucos homens estavam de boa saúde e muitos - a acreditar nas
suas próprias queixas - encontravam-se à beira da inanição. Existiam rela-
tos - ou seriam apenas retoques - de lamentos fantasmagóri-
posteriores?
cos à noite e de procissões sombrias de homens sem cabeça, saudando sinis-
tramente nas ruas os colonos esfomeados^^.
O próprio estado de espírito de Colombo e os seus pressentimentos sobre
a inexperiente colónia surgem no único documento deste período que sobre-
viveu intacto directamente da sua mão - um memorando contendo assun-
Fernando e Isabel por um mensageiro enviado a Espanha,
tos a transmitir a
escrito no fim de Janeiro de 1494^\ Foi uma tentativa para salvar a sua
reputação do naufrágio das suas esperanças. A estrutura do documento é
reveladora. Abre com uma cascata de reafirmações e elogios sobre as poten-
cialidades de Hispaníola: esta é a tentativa de Colombo para reforçar a con-
fiança real no seu agora desacreditado julgamento. Segue-se uma série de
confissões negativas, arrancadas ao escritor com óbvia dificuldade. Uma a

22
Las Casas, i. 378.
23
Textos, 147-62.

139
uma, as anteriores falsas previsões de Colombo - sobre o ouro, o clima, os
índios - são afastadas e exposta a terrível realidade da vida numa fronteira
selvagem. Colombo entrelaça desculpas com as confissões; alguns dos desas-
tres - como o massacre, o pior de todos - são relatados apenas obliqua-
mente. Caonabó é mencionado apenas como «um homem muito mau e, o
que é mais, muito corajoso». Colombo volta-se rapidamente para uma visão
do futuro da ilha, a que dedica muito espaço e pormenor. Embora expressa
com entusiasmo e premência, como penhor futuro para fracassos presentes,
a visão é, sob muitos aspectos, triste. As ilhas serão transformadas em ver-

sões inferiores do Velho Mundo, semeadas de trigo, vinha e açúcar e com


gado castelhano nas suas pastagens. Os nativos serão subjugados e evan-
gelizados, forçados ao tipo de vida europeu ou exportados como escravos.
Uma população de colonos introduzida à força dedicar-se-á à pequena indús-
tria, ao comércio ou à ocupação militar do território, mas terá que ser cons-

tituída por indivíduos mais maleáveis do que os que Colombo encontrara


entre os seus próprios homens. Pede homens que tenham interesse no sucesso
a longo prazo, mais do que apenas na exploração imediata da colónia. Era
um pedido que se repetiria muitas vezes na história do Novo Mundo espa-
nhol. Finalmente, Colombo voltava-se para as suas preocupações perma-
nentes com o seu próprio quinhão dos lucros a retirar das suas descobertas.
Esperava ainda salvar uma das suas ilusões, provando a suposta natu-
reza continental da ilha de Cuba. Tendo deixado Margarit no comando, em
Hispaníola, nominal mas ineficazmente sob as ordens de Diego Colón, com
a recomendação, agora inoportuna, de tratar os nativos com humanidade,
partiu de Isabela com parte da armada a 24 de Abril de 1494 (ver mapa 4).
Depois de interromper a exploração da linha de costa cubana para fazer uma
pesquisa infrutífera de ouro na Jamaica, começou a busca intensiva na última
semana de Maio. Além da tensão mental devido às frustrações enfrentadas
em Hispaníola, o almirante encontrava-se agora fisicamente exausto depois
de semanas de navegação difícil entre os baixios e recifes que esperam os
navios desprevenidos entre Cuba e Jamaica. Sempre que recordava este
período, durante o resto da sua vida, a dor voltava aos olhos sem sono que
«rebentam de sangue», torturados pelo estado de alerta^"^. E à medida que os
dias passavam, com pouco descanso menos indícios de que estivessem
e
sequer perto da Ásia, o fracasso começou a actuar na mente de equilíbrio
delicado de Colombo.
Refugiou-se em dois abrigos mentais característicos: a fantasia quiliás-
de que tivera sempre razão. Aferrava-se a qualquer prova,
tica e a insistência
por pouco plausível que fosse, de que Cuba fazia parte da Ásia continen-
tal, inventando uma parte e tirando o resto de associações truncadas de pala-

vras nativas com nomes de locais mencionados por Marco Pólo. Afirmou

24 Ibid. 238.

140
que as pegadas de grandes animais, incluindo grifos, indicavam a natureza
asiática da sua descoberta. Esta não era a afirmação sem fundamento que à
primeira vista parece, pois na verdade pensava-se - como Pedro Mártir, por
exemplo, e outros eruditos - que os grandes animais apareciam apenas cm
terras continentais. Por outro lado, nunca existiram grandes quadrúpedes em
Cuba e as visões de grifos por Colombo só podem ter sido ilusões fruto de
uma imaginação angustiada, estimulada pelos efeitos febris da frustração,
da falta de sono e do excesso de trabalho. A afirmação feita por um mem-
bro da sua tripulação de ter visto um homem vestido de branco na ilha levou
Colombo a obter, de informadores nativos, a lenda de um «rei santo de gran-
des estados que tinha províncias infinitas e usava uma túnica branca». Parece
que Colombo procurava atribuir aos índios a imagem de Prestes João, o
mítico príncipe cristão que alguns autores reputados localizavam em África
e outros no coração do Oriente^^ Exactamente na mesma época, um emis-
sário português, Pêro da Covilhã, saudava o negus da Abissínia sob o mesmo
nome e título.
Finahnente, o elemento crescentemente familiar da síndroma de Colombo,
a obsessão por Jerusalém, começou a quando falava aos seus homens
ressurgir
de deixar as ilhas para circum-navegar o mundo
e regressar a Espanha via
Calicut e o Santo Sepulcro. A última ocasião conhecida em que Colombo
falara do seu projecto de Jerusalém foi no fim da sua primeira viagem,
quando meditava ansiosamente sobre as consequências da perda da Santa
Maria e acalentou a esperança de que a guarnição de Hispaníola recolhesse
tanto ouro «que em três anos os monarcas planeassem e se preparassem para
ir conquistar os lugares santos». «Se alguma vez afastar o pensamento de

vós, oh Jerusalém, que a minha língua se cole ao céu da boca!» Para Colombo,
o pensamento de Jerusalém parece ter actuado como uma forma de peni-
tência,quando a sua consciência estava inquieta e a sua confiança abalada-^.
Depois de mais de três semanas de navegação difícil ao longo da costa
cubana, alimentado pela frustração e pela fantasia, Colombo decidiu aban-
donar a exploração de Cuba. Convenceu-se de que explorara 370 léguas da
costa - uma total sobreavaliação - e afirmou que nenhuma ilha podia ser
tão grande. Nessa base, convocou o escrivão de bordo, que combinava as
funções de escrivão e notário público, para registar o juramento de quase
todos os homens da armada segundo o qual Cuba era um continente e que
nenhuma ilha de tal grandeza fora alguma vez conhecida. A declaração era
falsa em ambos os aspectos, mas Colombo estava tão atormentado pelas
suas experiências sombrias que se encontrava agora fora da influência da
razão e os homens pouco tentaramdiscutir com ele. Juraram, além disso,

que se tivessem ido mais longe teriam encontrado os Chineses - obviamente

25
Bemáldez, 322; Epistolario, i. 307-8, 318.
26
Bemáldez, 309; Textos, 101.

41

I
uma afirmação precipitada para se jurar - e prometeram seguir a opinião
que tinham jurado sob pena de uma multa de dez mil maravedis e a perda
da língua por excisão^^. A exigência de tal juramento e a ameaça de castigo
tão brutal não eram actos de um homem com autocontrolo racional. O único
aspecto que se pode invocar em defesa de Colombo, além das circunstân-
cias atenuantes, é que pode ter sido vítima de um erro de cálculo. De facto,
aproveitara a oportunidade dada por um eclipse, na Hispaníola Ocidental,
para tentar calcular a longitude. Mediu a diferença horária em relação a
Cádis, onde a tabela que possuía dos previstos momentos de eclipse fora
presumivelmente realizada, obtendo cerca de dez horas, a que correspon-
diam 150 graus de longitude, e que, para um teórico do mundo pequeno,
poderia razoavelmente ter significado a vizinhança da China. Colombo par-
tilhou a maldição do candidato a exame: o método certo, a resposta ampla
e alarmantemente errada^^
Mais ainda, Colombo parece ter sentido no seu íntimo que estava a per-
petrar uma mentira. O seu amigo de Savona, Michele de Cuneo, foi dis-
pensado do juramento e a cláusula do castigo mostra como Colombo estava
pouco seguro do apoio dos seus homens às suas reivindicações. A maioria
da tripulação realizou provavelmente o juramento apenas para acalmar o
almirante ou por receio de que tentasse executar a sua ameaça de circum-
-navegar o globo via Jerusalém. Em Espanha, ninguém parece ter conside-
rado seriamente, por muito tempo, o mito de uma Cuba continental, embora
um intrigante promontório mostrado na tradição cartográfica primitiva do
Novo Mundo (o do mapa Cantino de 1502) possa representar uma tentativa
de mostrar uma Cuba tanto insular como continentaP^.

Pouco alívio para os seus problemas esperava Colombo em Hispaníola.


Chegou em fins de Junho, sendo recebido por seu irmão Bartolomé Colón,
que regressara fmalmente depois de cinco ou seis anos em França e Inglaterra.
Sentiu algum conforto por ver Bartolomé, a quem Colombo nomeou seu
delegado com o título de adelantado das índias, mas nenhum pelas notícias
que ele trazia. Tinham já chegado aos ouvidos dos monarcas queixas con-
tra os actos iniciais de Colombo no governo de Hispaníola. Em especial,
Fray Boil nunca estabelecera boas relações com o almirante desde o seu
primeiro desentendimento sobre o destino de Guacanagarí e regressara a
Castela para impugnar Colombo. Nenhum dos colonos se mostrava satis-
feito com a situação em Hispaníola e muitos tinham aproveitado a oportu-
nidade do regresso da armada, que partira no último mês de Fevereiro, para
transmitir as suas queixas. Algumas acusações podem ser deduzidas de fon-

27
Cartas, 217-23.
28
Las Casas, i. 390; Raccolta, III. ii. 190-1, fo. 59v; Textos, 311, 319-20.
29
Las Casas, i. 389; as dúvidas de Pedro Mártir surgem de uma comparação do Epistolado,
318, com. Décadas, iii. 12.

142
tes que chegaram até nós: com a armada seguinte, por exemplo, Colombo
teve que enviar documentos justificando-se da falsa acusação de desvio do
ouro reaP. Um memorando anónimo de 1496, elaborado por um crítico que
conhecia sem dúvida Hispaníola directamente, mostrou como era pequena
a quantidade de ouro que existia em relação às promessas de Colombo,
como os índios eram incapazes de fornecer as quantidades que lhes eram
exigidas, como as chamadas especiarias de Hispaníola não tinham valor e
como o algodão era a mais prometedora das fontes potenciais de comér-
cio^'. Somos tentados a supor que os frades se opunham à política de escra-

vização ilegal dos índios: queixaram-se certamente de que a conduta de


Colombo constituía um obstáculo à evangelização. Fernando e Isabel con-
sideraram a prática de Colombo tanto um crime como um erro. As suas
objecções eram, em parte, de ordem jurídica, pois duvidavam da legitimi-
dade de escravizar potenciais cristãos, e, em parte, de ordem religiosa, pois
era ponto assente que os convertidos tinham que ser atraídos «com amon>.
Mas foram também influenciados por considerações de carácter político:
enquanto os índios permanecessem livres, ficariam sob o domínio directo
da coroa, ao passo que a escravização os transferiria do senhorio imediato
dos monarcas para a posse de proprietários privados. O seu tráfico, de qual-
quer forma, era impraticável e ilegal, visto que os escravos morriam em
grande número na viagem para Espanha ou por dificuldade de aclimatação
após a chegada a este país. Os índios ilegalmente escravizados por Colombo
foram libertados em Espanha depois da revisão do processo judicial e orde-
nou-se que fossem embarcados de regresso^^.
A alegação principal contra o governo do almirante está bem patente
no tom defensivo das comunicações para Espanha de Colombo e de alguns
dos seus amigos. Ludibriara os seus homens com falsas informações sobre
os atractivos da ilha e, indirectamente, provocara a doença e nalguns casos
a morte a que o clima hostil os condenava. Os seus esforços para refutar
esta acusação foram fracos. Tinha talvez razão ao atribuir a doença predo-
minante aos «ares e águas» da região e não à sífilis, como alegaram escri-
tores posteriores. O diagnóstico do Dr. Chanca, que também atribuiu a doença
a uma alimentação deficiente por falta de carne de vaca ou carneiro e de
vinho, confirma-o^l No entanto, estas justificações não se aplicavam ao
âmago da questão. O principal significado da epidemia era o desmentido da
promoção volúvel feita por Colombo de uma ilha ideal e de um clima ameno.
Se as notícias de Espanha eram más, a situação em Isabela e por toda a
Hispaníola aquando do regresso de Colombo era ainda pior. Os colonos esta-
vam em guerra aberta com os nativos. A rebelião contra a autoridade de
30
Cartas, 224.
31
Ibid. 264-5.
32
Cartas, 258; Textos, 224.
33
Cartas, 172; Textos, 150; Oviedo, 11, 13.

143

I
Colombo fermentava entre os seus amargurados subordinados; as culturas
trazidas da Europa não vingavam em solo desconhecido e os abastecimen-
tos trazidos de Espanha tinham-se esgotado na Primavera de 1494. A pro-
dução de ouro baixara quando se esgotaram os artefactos nativos; a extrac-
ção tinha ainda um nível modesto e era empreendida de forma artesanal.
Colombo, que em Cuba parecera estar à beira de um esgotamento total,
reagiu a estes problemas com o tipo de resiliência e energia que frequente-
mente demonstrava durante as crises. O seu objectivo predominante era
silenciar os seus detractores e travar a corrente de calúnias e queixas que,
se não fosse reprimida, alienaria o precioso favor dos monarcas e poria em
perigo tudo o que conseguira. Como resultado, os expedientes de curto prazo
tomaram o lugar do planeamento a longo prazo e os interesses dos nativos
foram esquecidos no esforço desesperado para apaziguar os colonos. Além
de prosseguir a política desastrosa de escravização, Colombo adoptou dois
métodos para resolver o problema índio: a acção punitiva rigorosa e a exac-
ção de tributo, apoiadas pela construção de uma cadeia de fortes. Esta polí-
ticacondenou os índios, que nunca anteriormente tinham enfrentado traba-
lho duro ou imposto pesado, ao sofrimento, ao desespero e em muitos casos
à morte prematura, provocados pela tensão exercida. Colombo, que não
podia antever o impacte do «choque cultural» pela imposição de valores do
Velho Mundo na América, foi culpado de juízo errado mais do que de mal-
dade, juízo errado acrescido do facto do tributo poder, na melhor hipótese,
ser eficaz apenas como solução temporária. Os nativos podiam ser obriga-
dos a entregar os pequenos objectos de ouro que tinham acumulado ao longo
de muitos anos de lenta extracção de minério impuro em locais recônditos,
mas, enquanto não fosse planeada a exploração sistemática do ouro da ilha,
não havia perspectivas de manter o fluxo de ouro em mãos espanholas. Em
tal situação, uma vez esgotadas as antigas reservas dos índios, nada have-

ria para as substituir. Por outro lado, o algodão com que Colombo se pro-
punha compensar o défice provocado pela falta de ouro era um substituto
sem interesse. Em defesa desta política deve dizer-se que algum tributo teria
que ser exigido como sinal da vassalagem que, pelas ordens do papa, os hidios
deviam agora aos monarcas espanhóis; e, visto que a colónia representava
um empreendimento caro para a coroa, era essencial que fornecesse rapi-
damente algum rendimento.
As medidas punitivas adoptadas por Colombo eram suficientemente rigo-
rosas e amplas para justificar a sua vanglória posterior de ter «conquistado»
Hispaníola. A partir de fins de 1494, uma série de campanhas levou Colombo
a Hojeda e Bartolomé Colón a quase todos os pontos da ilha. Colombo espe-
rava grandes resultados da captura de Caonabó, efectuada por Hojeda, uti-
lizando um embuste durante falsas negociações em que, segundo se pensa,
persuadiu o chefe a colocar «pulseiras» que eram na verdade algemas. Porém,
a agitação e a resistência índias não foram afectadas, tendo talvez sido esti-

144
I. Impresso inicialmente em Barcelona em Abril de 1493. o prcsumi\cl primeiro
relato da descoberta de Colombo venda que rapidamente se lhe segui-
teve tal

ram edições ilustradas impressas em Basileia. As imagens do artista, embora


altamente fantasistas, baseavam-se numa leitura atenta do texto. As primeiras
quatro ilhas mencionadas aparecem aqui estilizadas, com os belos montes,
bos-

ques e «grandes cidades e vilas» que Colombo lhes atribuiu. Mesmo a


figura

isolada que manobra a enxárcia (se representa Colombo) ilustra


um elemento
esquerda
da auto-imagem do explorador. A impressionante paisagem urbana ã
poderá ter-se inspirado na afirmação da Carta de que Colombo conquistara
uma
grande cidade «e aí construí um grande baluarte e fortaleza». A
procmmcncia
castelhanos ilus-
dada às ilhas («Femada» e «Ysabella») com os nomes dos reis
- a afirmação prévia de uma rei-
tra o forte tema de propaganda real na Carta
vindicação castelhana de soberania sobre as descobertas.
Ver p. 124.
II. Embora nenhuma galé pudesse ter realizado a travessia do Atlântico, o artista
desta xilogravura de uma edição feita em Basileia da Carta escolheu esta ima-
gem para sugerir o comércio lucrativo que, segundo essa Carta, se poderia
encontrar nas descobertas de Colombo: «Nesta Hispaníola, no local mais ade-
quado e na melhor zona para as minas de ouro e para o comércio, tanto com o
continente deste lado do oceano como com o longínquo pertencente ao Grande
Khan, grande comércio e lucro se conseguirão.» Realçava-se a possibilidade de
explorar os nativos: «O que quer que tenham, se se lhes pedir, nunca dizem que
não.» O artista também capta a insistência da Carta na sua timidez «incrível»
e «irremediável». As figuras com toucado oriental na xilogravura representam
presumivelmente mercadores de uma civilização asiática supostamente próxima,
talvez súbditos do próprio Grande Khan. As árvores recordam as afirmações da
Carta sobre «pinheiros maravilhosos». Há um estranho toque romântico, remi-
niscente da pintura paisagística flamenga da época, nas rochas fantásticas em
segundo plano.
mm^
III. Esta ilustração da Carta mostra, inequivocamente, na proa da embarcação, a primeira tentativa

conhecida de retratar Colombo. A cena da ilha ilustra o texto com exactidão: «As gentes de
[Hispaníola]... andam todas nuas... embora algumas das mulheres se cubram apenas num lugar com
uma folha ou um bocado de algodão... Não usam armas à excepção de paus... Muitas vezes enviei
dois ou três homens a uma aldeia e uma multidão incontável de habitantes saiu e todos fugiram.»
As palmeiras «que são uma maravilha de se ver» estão também no texto. Em segundo plano, não
relacionadas com o texto, evocações dos bohíos nativos assemelham-se a desenhos primitivos ao
natural. Contrastam com as construções elaboradas em xilogravuras primitivas. O majestoso rei
Fernando ilustra o papel da Carta na apresentação das reivindicações políticas castelhanas. Cf ilus-
tração 1 e p. 124.
m

IV. Feito em Nuremberga em 1492, o globo de Martin Behaim é o mais amigo


do mundo chegado aos nossos dias. Alguns meses depois de Colombo ter
regressado do Novo Mundo, Behaim chegou a Lisboa, trazendo uma carta do
seu concidadão Hieronymus Miintzer. que propunha uma expedição transa-
tlântica em busca de uma rota curta para a Ásia. «E que glória obtereis se tor-
nardes o Oriente habitável conhecido do Ocidente e submeterdes essas ilhas
orientars a vós!» O globo mostra Behaim como um teórico do mundo pequeno.
Tal como Colombo, reduziu o mar Oceano a proporções navegáveis, baseou-
-se em Marco Pólo e em John Mandeville e realçou Cipangu, elogiada como
«a ilha mais nobre e rica do Oriente, cheia de especiarias e pedras preciosas»,
bem como de ouro. O mapa mental de Colombo parece ter diferido ligeira-
mente, imaginando o mundo com proporções ainda mais pequenas e locali-
zando Cipangu mais a sul. Ver pp. 59-60 e 122, e mapa 2.
> ^.

IMM

V. Neste mapa-múndi adquirido por Alberto Cantino, agente do duque de Ferrara em Lisboa, antes
de Novembro de 1502, o principal objectivo consistia em retratar «as ilhas recentemente desco-
bertas nas regiões das índias». A linha de Tordesilhas - definida pelo tratado de 1494 entre as
zonas de expansão castelhana e portuguesa - forma o traço grosso de norte a sul, com o Brasil
aproximadamente na relação correcta com ela. As Caraíbas estão marcadas com a legenda «As
Antilhas do Rei de Castela, descobertas por Colombo, que é o Almirante dessas ditas ilhas, que
foram descobertas por ordem do mui alto e poderoso príncipe. Rei Fernando, rei de Castela». A
reprodução das Pequenas Antilhas, Hispaníola e Jamaica reflecte os relatos de Colombo. Cuba é
assinalada duas vezes, como ilha e como continente (a não ser que uma descoberta não registada
da Florida ou do lucatão seja considerada como explicação para a península à esquerda). São apre-
sentadas mais ilhas Baamas do que as que Colombo conhecia directamente. Ver pp. 141-142.
VI. Tal como o mapa de Piri Re 'is (ilustração VIII), o mapa assinado por Juan de la
Cosa mostra o Novo Mundo como uma massa de terra contínua mas suprime o istmo,
onde Colombo procurou um estreito na sua última viagem, apresentando uma grande
imagem - demasiado apagada para reprodução - de São Cristóvão transportando o
Menino Jesus, talvez aludindo ao papel que Colombo se atribuiu de «Christo ferens»
ou «portador de Cristo». Embora se encontrem várias rosas-dos-ventos espalhadas
pelo mapa, a da Virgem é a maior e a mais destacada, atravessada sobre o trópico de
Câncer em posição central. O estilo assemelha-se ao de uma xilogravura, de que se
pode presumir ter sido copiada. Embora apresentada com o Menino Jesus e acompa-
nhada por anjos, em vez de coroada e acompanhada pela Santíssima Trindade, a sua
representação evoca o tipo de retábulos que se presume estarem representados na assi-
natura mística de Colombo. Ver pp. 150-151.
TABVLA TER l\0\ E

VII. Quando Martin Waldseemuller publicou o seu vasto mapa-múndi para ilustrar uma nova
edição de Ptolemeu em Estrasburgo em 1507, atribuiu um lugar de honra a Vespucci, retratando-
-o em posição dominante, como descobridor do Novo Mundo, em lugar e posição equivalentes
aos do próprio Ptolemeu. A Tabula Terre Nove, publicada em 1513, reparou a injustiça inse-
rindo a legenda (visível à esquerda): «Esta terra com as ilhas adjacentes foi descoberta por
Colombo o Genovês por ordem do Rei de Castela.»
Ao contrário dos mapas de Cantino, de La Cosa e de Piri Re'is (ilustrações V, VI e VIII), este
não se assemelha de forma alguma a uma carta de marear. Em vez da delicada rede de linhas
lo.xodrómicas, destinadas a fornecer aos marinheiros rotas para determinar a direcção ponto a
ponto, este mapa substitui um método «científico» de ordenação, tendendo para a rede de coor-
denadas proposta por Ptolemeu. Cf. p. 108.
"

?^#r '^^
^ /
-^

fy Eí ^
«5=

-^-> --f ^ 1w

^^^^k _
v5\í ®
;,

^^^^^^^^^^^^^ ^ I
. ,
. ,
^^

WÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊm

VIII. A
reacção otomana às descobertas de Colombo é exemplificada pela obra
de Piri Re'isde 1513. Este afirmou que entre as fontes do seu mapa se encon-
travam mapas feitos pelo próprio Colombo e apreendidos no mar por Kamal
Re'is em 1501. A longa nota à esquerda, perto do «pescoço» do pergaminho,
resume a primeira travessia do oceano feita por Colombo. A apresentação das
Pequenas Antilhas recorda a segunda viagem de Colombo e assemelha-se ao
mapa de Juan de la Cosa, feito alguns anos antes. Piri Re'is surpreendeu os
seus compatriotas copiando as convenções, tanto cartográficas como pictóricas,
dos seus contemporâneos cristãos. O pormenor dos acampados no dorso de uma
baleia ilustra um episódio da lenda de São Brendan. Ver p. 67.
muladas como resultado. A «boa colheita», como Las Casas ironicamente
chamava à guerra, serviu apenas para quebrar a produção e esgotar os efec-
tivos militares. A afirmação de Las Casas, segundo a qual teria eliminado
dois terços da população, é sem dúvida pouco fiável - mas um aconteci-
mento tem que ser suficientemente terrível para a lenda lhe atribuir tais pro-
porções. Pedro Mártir, cuja visão dos nativos era mais fria que a de Las
Casas, calculou os mortos em cinquenta mil, culpando a fome provocada
pela táctica de terra queimada dos índios. Gonzalo Femández de Oviedo,
que partilhava da maioria dos preconceitos contra os índios e atribuiu a
culpa da explosão de violência à sua relutância em colaborar com os inva-
sores, falou de inúmeras vítimas^"^.
Enquanto os índios ou os subordinados de Colombo - particularmente
Alonso de Hojeda - tendiam a ser culpados por iniciarem o derramamento
de sangue, era atribuído a Colombo, nas mesmas fontes do século xvi, o
crédito por tê-lo terminado. No fim de Março de 1495 conduziu uma impres-
sionante coluna ao coração da ilha: com 200 homens da infantaria espa-
uma força de auxiliares nativos chefiada
nhola, vinte cavalos e vinte cães e
por Guacanagarí, dispersou os insurrectos como «bandos de pássaros». No
centro de Hispaníola, Colombo construiu um novo forte denominado
Concepción de La Vega e recebeu actos de submissão e promessas de tri-

buto de «muitos chefes». Segundo a lenda de Colombo, a ilha entrou por


consequência «em tal paz e segurança que um cristão podia ir a qualquer
lado sozinho seguramente e os índios levá-lo-iam onde quisesse aos ombros
como animais de carga». No tempo de Oviedo, o local era um santuário
com reputação de santidade e davam-se milagres na base da cruz erguida
por Colombo^^ Na realidade, a paz foi uma
maior parte dos tri-
ilusão. A
butos nunca foi entregue e Bartolomé Colón teve que empreender outra san-
grenta campanha no ano seguinte. É notável, de qualquer forma, que Colombo
recordasse sempre com orgulho os seus feitos em Concepción. No seu último
testamento, exprimiu o desejo de fundar em Hispaníola uma capela por sua
alma e pelas dos membros da sua família «que Deus me deu por milagre e
agradar-me-ia que fosse no lugar onde O invoquei que se chama Concepción
de La Vega»^^.
Não foi para resolver a difícil situação dos índios mas para atender as
queixas dos colonos que Fernando e Isabel ordenaram o primeiro inquérito
judicial ao exercício dos cargos deColombo em 1495. Era um procedimento
normal mas pouco frequente durante o mandato do funcionário que era
objecto do inquérito^"^. O inspector Juan Aguado chegou em Outubro de

3^ Décadas, IV. 4; Las Casas, i. 416-20.


35
Oviedo, 64-5.
36
Historie, 205-6; Textos, 362.
3^ Colombo suportou-o por duas vezes. Ver pp. 180-182.

145
1495. Ele e Colombo conheciam-se bem. Constituía outro exemplo da inca-
pacidade de Colombo de manter como amigo um colaborador. Como mem-
bro da expedição que realizou a segunda travessia do Atlântico, granjeou
os elogios do comandante por «ter servido bem e fielmente». Mas alguma
desconhecida mudança súbita em relação à causa de Colombo levou-o a
regressar a Espanha, presumivelmente com Boil e Margarit. Estava assim
profundamente marcado aos olhos de Colombo como membro de uma fac-
ção inimiga. Desconhece-se o que terá revelado contra o seu antigo senhor,
ao regressar, dispondo de todas as possibilidades de o ofender. As próprias
referências subsequentes de Colombo ao episódio sugerem satisfação pelo
seu resultado. A experiência parece tê-lo convencido de que a luta pela auto-
ridade na sua colónia só poderia ser ganha na corte e preparou a retirada
para Espanha, talvez para especificamente se defender do relato de Aguado,
no início de 1496.Considerada segundo determinada perspectiva, a sua par-
tida assemelha-se a uma fuga a problemas insolúveis e a circunstâncias desa-
gradáveis. No entanto, vencera a crise mais adversa: restaurara uma paz
difícil na colónia, vendera os índios e comprara os colonos e recuperara a

sua antiga capacidade depois do desastre da missão de Cuba. Emergira inque-


brantável da investigação de Aguado. Podia transmitir a sua autoridade a
Bartolomé e partir com alguma esperança de melhor sucesso futuro. A feliz
travessia a bordo da Nina, em Março de 1496, tê-lo-á ajudado a clarificar
a mente, ainda assediada por pensamentos sobre as Amazonas. Mas a
recuperação da saúde, bem como da sorte, era apenas temporária. Enquanto
acumulava instruções de Fernando e Isabel, nos dois anos seguintes, para a
futura administração da colónia, planeando o seu regresso, defendendo-se
dos caluniadores e sonhando com novos projectos de exploração, encon-
trava-se perigosamente inconsciente das piores provações e dos mais pre-
judiciais fracassos que ainda estavam para vir.

146
«A VOSSA VONTADE DE CONTINUAR
ESTE EMPREENDIMENTO»

JUNHO DE 1496 - AGOSTO DE 1498


E A TERCEIRA TRAVESSIA

Embora a sua reputação sobrevivesse à investigação de Aguado, a recep-


ção a Colombo, ao regressar da sua segunda viagem, não se rodeou dos fes-
tejos estimulantes nem da adulação inebriante de que desfrutara em 1493.
O descontentamento dos colonos e o distanciamento da Ásia incentivaram
os seus críticos e alarmaram os seus patronos.Os dois anos seguintes da
vida de Colombo, até lhe ser concedida autorização para uma terceira tra-
vessia oceânica, foram dominados pela ansiedade em relação às concessões
duramente ganhas que arrancara dos monarcas. Resumiu a amarga contro-
vérsia em que se encontrou envolvido da seguinte forma:

Más palavras surgiram em Espanha e menosprezo do empreendimento que se come-


çara aqui, porque não enviara logo navios carregados de ouro, sem atender ao pouco
tempo decorrido nem a tudo que disse sobre os muitos problemas. E neste assunto -
acredito que deve ter sido pelos meus pecados ou minha salvação - fui detestado e obs-
táculos foram erguidos contra tudo o que dissesse ou pedisse. Portanto, decidi vir perante
Vossas Ahezas e exprimir a minha estupefacção por tudo isto e mostrar-vos como tinha
razão em tudo. E falei-vos dos povos que vira cujas almas - algumas ou todas - podiam
ser salvas. E trouxe-vos a submissão do povo da ilha de Hispaníola... e uma amostra
suficiente de ouro... e... muitos tipos de especiarias... e uma infinidade de coisas além
disto. Nem tudo era suficientemente bom para algumas pessoas que gostavam de dizer
mal do empreendimento... Nem foi útil salientar as coisas que os grandes príncipes geral-
mente fazem neste mundo para aumentar a sua fama, como Salomão, que enviou uma
missão de Jerusalém aos confins do Oriente para ver a montanha de Ofir, onde os seus
barcos permaneceram durante três anos e que Vossas Altezas agora possuem na ilha de
Hispaníola; ou Alexandre, que enviou uma expedição para conhecer o governo da

147
Taprobana nas índias; ou o imperador Nero, que enviou outra às nascentes do Nilo...
Nem foi útil dizer que nunca lera que os príncipes de Castela alguma vez tivessem con-

quistado território fora de Espanha e que estas terras são outro mundo que os Romanos
e Alexandre e os Gregos tinham procurado conquistar com grande exercício de armas;
nem que tiveram a coragem de perse-
salientar os presentes feitos dos reis de Portugal,
verar na Guiné e nas descobertas a partir Quanto mais dizia, mais as calúnias que
daí...

pronunciavam redobravam e a aversão se demonstrava... Vossas Altezas responderam-


-me, sorrindo e dizendo que não devia ficar preocupado com nada, pois não dáveis aten-
ção ou crédito àqueles que vos falavam mal deste empreendimento ^

A confiança expressa nos seus patronos soa como bravata. Poder-se-ia


depreender que pensava que os monarcas o mantinham em inactividade for-
çada, atrasando ou recusando o seu regresso ao Novo Mundo. Mostrou sinais
inegáveis de obsessão: na altura em que mais uma vez se preparava para
partir,na Primavera de 1498, passara obviamente muito tempo livre siste-
matizando as supostas referências às suas descobertas em fontes clássicas
e bíblicas, donde retirava os seus argumentos para os monarcas. Chegou à
conclusão de que Deus «falou tão claramente destas terras pela boca do Seu
profeta Isaías em tantas passagens nas Suas escrituras, anunciando que o
Seu Santo nome seria espalhado a partir de Espanha»^. Esta notável visão
pode ter-se baseado, sobretudo, em Isaías 60:9, que diz na versão de Jerusalém:

Olhai, as costas e ilhas colocam as suas esperanças em mim


E os barcos de Tarshish tomam a dianteira
Ao trazerem os vossos filhos de longe
E sua prata e ouro com eles
Em nome de lavé vosso Deus.

Tarshish era normal e plausivelmente identificada com Espanha. Las


Casas defendeu a opinião de Colombo segundo a qual Isaías previra «que
de Espanha viriam os primeiros homens a converter estes povos», mas con-
siderava convenientemente presunçoso tentar apontar textos específicos^
O hábito de procurar nas escrituras profecias da sua própria obra tomou-se,
de início, um hábito e, mais tarde - depois da terceira viagem de Colombo -,
uma obsessão que alimentou as ilusões providenciais e messiânicas que o
iriam perseguir no fim da vida.
Encontrou algumas variantes práticas durante os anos de 1496 e 1497,
assediando os monarcas com memorandos sobre o governo das índias: sobre
o número de colonos a enviar para Hispaníola, a localização de povoações,
a administração das municipalidades, a implantação da religião, a conces-

'
Textos, 204.
2 Ibid. 203.
^ Las Casas, i. 486.

148
são de licenças para a exploração mineira, o fomento da agricultura, a vigi-
lância do comércio, a distribuição das propriedades dos colonos falecidos.
Fez alguns investimentos no embarque de produtos alimentares para a coló-
nia e iniciou negociações com banqueiros genoveses de Sevilha para obter
o financiamento de uma terceira travessia"*. No Verão de 1497 passou algum
tempo em retiro na casa franciscana de La Mej orada, onde - como mais
tarde recordou - redigiu propostas para uma cruzada contra Meca e para
uma viagem a Calicut para compra de especiarias - ambas, presumivel-
mente, por via oeste^ Calicut era o destino de Vasco da Gama na grande
viagem então em preparação em Portugal e os pensamentos de Colombo
podem ter sido estimulados por um propósito emulo.
As dúvidas que obscureciam a visão dos monarcas sobre o seu desco-
bridor foram afastadas ou, pelo menos, temporariamente postas de parte no
início de 1498. Em Fevereiro desse ano estava a preparar activamente a sua
partida para uma aventura que se destinava a expandir a colonização de
Hispaníola e a aumentar o âmbito da exploração das índias. Ostensivamente,
recuperara a confiança total dos monarcas, com a realidade dolorosamente
evidente de que o seu favor era agora provisório - dependente de um êxito
sólido. O mais curioso dos documentos que redigiu antes de partir é o vín-
culo dos seus bens, feito em Sevilha a 22 de Fevereiro de 1498^. A dispo-
sição dos monarcas de lhe permitir a redacção deste vínculo foi um sinal
muito claro do seu renovado favor, concedido - em regra - apenas a famí-
lias aristocráticas a quem desejavam particularmente beneficiar e cujos bens

queriam ver conservados na linha dinástica. Foi portanto uma celebração


do novo estatuto de que Colombo beneficiava como nobre castelhano. Tais
documentos eram normalmente redigidos por notários de acordo com fór-
mulas estabelecidas. Porém, o de Colombo, embora influenciado por ajuda
profissional, denota a marca da sua criação literária pessoal. Na verdade,
por alguns lapsos linguísticos, parece ter sido ditado ao notário. Algumas
das suas determinações são bizarras e grande parte da sua linguagem pouco
profissional. É prolixo e repetitivo, mesmo pelos padrões extraordinários do
discurso legal espanhol da época. No entanto, como muitos dos escritos de
Colombo, tem enorme poder natural e força vincada e pessoal. Aparecem,
com maior ou menor força, sete temas.
Em primeiro lugar, está a obsessão com a linhagem. O documento que
criou o seu vínculo era para Colombo um acto de fundação de uma dinas-
tia aristocrática. A sucessão seria limitada, em circunstâncias normais, ao
chamam e sempre
herdeiro masculino legítimo mais próximo e aos que «se
se chamarão» Colón. Colombo acentuou que os procedimentos que orde-

^ Textos, 179-88.
5 Navarrete, i. 222.
6 Textos, 190-9.

149
nava eram normais «em pessoas da nobreza». Encarou repetidamente a trans-
missão do vínculo «em perpetuidade» e «de geração em geração». Comparou-
-se explicitamente ao almirante de Castela, cujo título era hereditário.
A enorme ambição social, a grande força impulsionadora da sua vida, arran-
cara-o ao tear de tecelão e continuava a embelezar a sua visão do futuro.
O segundo tema é constituído pelas referências aos termos do seu
acordo com os monarcas. Este estava obviamente muito relacionado com
os seus fins: era a base da sua reivindicação de títulos de nobreza trans-
missíveis e de recompensas materiais em que esperava basear a grandeza
da sua casa. Parece que a insistência de Colombo, no entanto, ultrapassou
o que seria razoável e traiu a sua ansiedade quanto às perspectivas de con-
seguir o cumprimento do seu contrato com a coroa: daí, em parte, a insis-
tência na extensão das suas descobertas, prova de que cumprira a sua parte
do acordo com os patronos e a sugestão de autoridade divina para a rei-
vindicação de ter descoberto as índias - «agradou a Nosso Senhor
Omnipotente... Nosso Senhor deu-me a vitória... A Santíssima Trindade
colocou na minha mente o pensamento, que depois se tomou conheci-
mento perfeito, de que podia navegar para as índias a partir de Espanha
atravessando o mar Oceano para oeste». As perspectivas de que Colombo
obtivesse, na prática, as recompensas que reivindicava tomavam-se mais
problemáticas devido ao seu cálculo extraordinariamente exagerado >do
que lhe era devido: 25% de todo o rendimento do Novo Mundo. Fernando
e Isabel nunca se dispuseram a admitir que tinham concedido mais do que
a décima parte do seu próprio quinhão, constituído por um quinto do que se
pudesse obter, sujeito a imposto real.
Embora esta quantia, por si só, fosse suficiente para enriquecer qual-
quer indivíduo ou família, as somas de dinheiro com que Colombo jogava
na sua imaginação eram fantásticas. As ambições pecuniárias irrealistas
constituem o terceiro grande tema do documento. Colombo previa fortunas
de milhões, amontoadas por ramos colaterais da sua família, distribuindo
dotes aos parentes pobres, aumentando liberalmente doações caritativas e
acumulando dinheiro para a sempre prometida campanha de libertação de
Jerusalém. Esta referência esotérica à cidade milenar deverá, talvez, ser con-
siderada em conjunto o quarto tema - o da assinatura críptica de
com
Colombo, cujo uso foi ordenado a todos os seus herdeiros directos. Esta
invenção apareceu pela primeira vez num documento de 1494, tendo subs-
gradualmente outras formas da assinatura de Colombo. Era disposta
tituído
em colunas e três linhas: a primeira linha continha um «S» maiúsculo
três
rodeado de pontos na coluna central; a segunda um «S», um «A» e um «S»
em cada coluna, divididos por pontos, e a terceira um «X», um «M» e um
«Y», igualmente distribuídos mas sem pontos. Por baixo, os seus herdeiros
deveriam escrever «el Almirante» («o Almirante»), sem mais esclarecimento.
O significado desta estranha invenção é deixado totalmente sem explicação.

150
Alain Milhou considerou recentemente que a disposição dos símbolos pro-
cura corresponder a imagens da iconografia tradicional da Coroação da
Virgem, representando cada «S» uma das Pessoas da Santíssima Trindade
(«Sanctus, Sanctus, Sanctus», na alusão litúrgica), agrupadas em tomo da
coroa da Virgem, e representando o «X» e o «Y» São Cristóvão e São João
Baptista respectivamente - ambos, como a própria Virgem Maria, «porta-
dores» de Cristo ou em Seu nome para o mundo. Cristóvão, o santo com o
mesmo nome de Colombo, sustinha Cristo nos seus ombros, Maria susti-
nha-0 no seu forma do Logos Divino,
seio e João Baptista sustinha-0, sob a
na boca, nas palavras que pronunciava para preparar o Seu caminho. Este
último papel era análogo ao que Colombo posteriormente atribuiu a si pró-
prio como «mensageiro de um novo céu» e anunciador do Evangelho num
novo mundo^ Colombo, fazendo um jogo de palavras com o seu nome, inti-
tulava-se frequentemente «Christo ferens» - «portador em nome de Cristo»;
não teria sido estranho à sua natureza imaginar-se em companhia
de san-
tos. Se esta interpretação for correcta, não exclui necessariamente outras
leituras possíveis da assinatura, a qual pode bem ter sido destinada a ser
interpretada a vários níveis^ Colombo dedicou a viagem a realizar em Maio
de 1498 à Santíssima Trindade. Juntamente com os modos agressivamente
austeros que adoptou na altura, o seu esforço para perpetuar o uso da assi-
natura mística é um
testemunho da sua crescente repulsa, devido à
forte
desilusão, pelos padrões mundanos de
sucesso. Os seus interesses estavam
a voltar-se para o significado potencial do seu próprio papel de filho da pro-
fecia, providencialmente designado.
Porém, esta reflexão tem que ser colocada em contraste com a versão
limitada do futuro dos índios, revelada no documento que criava um vín-
culo. Não era, evidentemente, o contexto apropriado para uma exposição
pormenorizada dos planos de Colombo para a colónia que fundara. É notá-
vel, porém, que apenas três pequenas fundações religiosas fossem especifi-
camente referidas no documento, que este incluísse doações substanciais
para os membros da dinastia de Colombo e apenas uma doação muito modesta
para dar uma base doutrinal sólida à evangelização do Novo Mundo, que
todas as doações fossem mesquinhas em comparação com as quantias atri-
buídas à glorificação dos descendentes de Colombo e que um dos princi-
pais objectivos a que se iria consagrar a fundação, prevista por Colombo,
da igreja de Santa Maria de la Concepción fosse a exibição dos termos do
vínculo como um memorial perpétuo - e, por consequência, uma advertên-

Milhou, Colón y su mentalidad mesiánica, 69.


''

^ por exemplo, propôs uma leitura inteiramente secular: Subscripsi Xpophorus


F. Streicher,
Almirante Mayor de las Yndias («Assinado Cristóvão Colombo, Grande Almirante das índias»).
Citado por R. Caddeo, in Historie, ii. 206; P. E. Taviani, Cristo/oro Colombo: La genesi delia
grande scoperta (Novara, 1982), 231. Isto não parece ajudar muito mais que as abundantes
leituras crípticas. Madariaga, Christopher Columbus, 403-4, 409, 476-7.

151
cia perpétua aos seus herdeiros. Além disso, o documento determinava o
desvio de dízimas para enriquecimento do irmão de Colombo, Bartolomé,
e dos seus herdeiros, até à acumulação de uma fortuna substancial. Se a
devoção de Colombo era sentida no seu coração, não se destinava, eviden-
temente, a ser sentida no seu bolso. O paradoxo nunca foi assinalado e
poderá nunca ser resolvido. Talvez a caridade prática ou as igrejas de pedra
sejam facilmente esquecidas ou ignoradas por aqueles cujo cristianismo tem
um sabor fortemente místico.
Finalmente, o vínculo refere dois temas que terão estado associados na
mente de Colombo: o orgulho pela sua origem genovesa e a insatisfação
implícita em relação aos seus soberanos espanhóis. O primeiro é demons-
trado pelas constantes afirmações de Colombo sobre o seu nascimento geno-
vês, pelos seus elogios a Génova e ao Banco do Estado genovês e pelo
desejo de manter uma casa, à sua custa, naquela cidade para sempre. A expec-
tativa afirmadapor Colombo de que Génova ajudaria a sua descendência
no futuro poderá ter tido a intenção de apresentar, para os monarcas, uma
ressonância ameaçadora juntamente com as suas afirmações de que viera
de Génova para os servir. Subentende-se que a trajectória poderia ser inver-
tida e os seus serviços devolvidos à cidade onde nascera, caso não fossem
devidamente apreciados em Espanha. A censura feita pelo almirante aos
monarcas pelo atraso na adopção dos seus planos revela uma certa amar-
gura que iria dominar a sua atitude para com os patronos: «Por Deus omni-
potente Vossas Altezas deram-me os meios e o direito de conquistar e obter
esta propriedade vinculada, embora viesse para estes reinos para vos ofe-
recer este empreendimento e passaram longo tempo sem me dar os meios
para efectuar a obra.» A sua insistência em que «continuaram a conceder-
-me favores e muito acrescentamento» é claramente pouco sincera: Colombo
não está a agradecer favores recebidos mas a tentar obter mais. As tentati-
vas de pagar o mal dos monarcas com o bem, particularmente agradecendo-
-Ihes promessas não cumpridas, tomar-se-ia a táctica dominante das súpli-
cas de Colombo a Fernando e Isabel.
Os seus dois anos em Espanha deram também a Colombo tempo sufi-
ciente para melhorar os seus conhecimentos sobre a cosmografia tradicio-
nal e sobre os seus últimos aditamentos. Pediu informações a Inglaterra
sobre a travessia do Atlântico Norte por John Cabot, em 1496, bem como
mapas e livros para apoio das suas leituras^. Também parece ter voltado aos
antigos autores favoritos, incluindo Pierre d'Ailly, Plínio, Pio II e Marco
Pólo: as referências que deles fez depois desta data são mais seguras, mais
argutas e mais sistematicamente desenvolvidas que anteriormente - embora,
no total, não mais convincentes. A necessidade de defender, contra os argu-
mentos dos eruditos, as suas teorias sobre a pequena dimensão do mundo

^ Cartas, 267-9.

152
e sobre a acessibilidade da Ásia continuou a absorver uma boa dose das
suas energias. Parece ter aperfeiçoado os seus próprios argumentos e orde-
nado uma série de textos, abundante mas díspar, em seu apoio. A defesa
que escreveu em fms de 1498, quando regressou a Hispaníola, demonstra
quer a sua maior estatura mental quer as constantes limitações da sua eru-
dição como geógrafo. As referências de D'Ailly - embaraçosamente não
provadas para um erudito - continuaram a fornecer a fundamentação do seu
caso: diversas obras de relevo são amontoadas sem selecção, como coisas
sem valor, teólogos do século xiii comprimem filósofos clássicos e árabes,
padres da Igreja têm o mesmo peso que um dramaturgo romano e um pro-
feta apócrifo. Como murmúrios chineses, as autoridades reunidas são trun-
cadas pelo caminho. Por exemplo, a opinião atribuída por D'Ailly a Aristóteles
e utilizada por Colombo - segundo a qual «o mar é pequeno entre a extremi-
dade ocidental de Espanha e a parte oriental da índia» - não é confirmada
por qualquer texto autêntico de Aristóteles chegado aos nossos dias, pois a
opinião conhecida parece antes sugerir o contrário ^°. Algumas deliciosas
considerações irrelevantes são permitidas para aumentar a variedade dos
conhecimentos:

Plínio escreve que todo o mar e terra juntos formam uma esfera e afirma que este
mar Oceano constitui a maior massa de água e que está colocada em direcção ao céu e
que a terra está por debaixo e sustenta-a e que os dois estão combinados como o inte-
rior de uma noz com a casca grossa à sua volta^^

Estava Colombo convencido do que, com o devido respeito pelo esforço,


não passava de uma confusão de amador? A sua confiança em face de crí-
ticas eruditas não parece ter aumentado depois desta altura, a julgar pelo
azedume com que contestava os estudiosos. Mesmo quando assediava os
seus leitores com copiosas alusões à tradição recebida, continuava a salientar
que as suas próprias reivindicações de uma sabedoria superior se baseavam
na experiência e não nos conhecimentos literários. O argumento decisivo a
favor de um mundo pequeno, segundo afirmava, era o facto de ter sido
demonstrado empiricamente - por conseguinte, por ele próprio - e acres-
centava algo da sabedoria proverbial para o acentuar: «Quanto a esta ques-
tão da dimensão da Terra, tem-se demonstrado experimentalmente que está
muito afastada do que geralmente se supõe. Nem é para admirar, pois,
"à medida que se caminha, o conhecimento cresce".»'^
Colombo partiu na última semana de Maio de 1498, em direcção - supos-
tamente - a Hispaníola, para um encontro urgente com Bartolomé Colón.

10 Buron, i. 208-15; Aristóteles, De Caelo, ed. Guthrie, 253.


••
Plínio, Historia Naturalis, 2. 66-7; Textos, 217.
'2 Textos, 218.

153
As más notícias provenientes da ilha tinham continuado a acumular-se.
Os índios intratáveis, os colonos recalcitrantes, os mosquitos implacáveis,
os «ares» e «águas» insalubres que Colombo deixara para trás na sua última
fuga continuavam a atormentar a colónia. Uma carta que Colombo escre-
veu ao irmão, cerca de três meses antes de embarcar, mostra como sentia
vivamente as dificuldades de Bartolomé. Lamentando os problemas de con-
tabilização dos embarques de ouro, o almirante lançou um forte cri de coeur.

Nosso Senhor sabe quanta ansiedade tenho sofrido pensando em como estás. Assim,
estes problemas, embora possa parecer que passo demasiado trabalho com eles, têm sido
muito piores na realidade: tanto que me cansaram da vida devido à grande perturbação
em que sei que deves estar, em que deves pensar-me unido a ti. Porque embora, é certo,
tenha estado longe aqui, deixei e mantenho o meu coração ai, sem pensar noutra coisa,
constantemente. Nosso Senhor é testemunha; nem acredito que tenhas qualquer dúvida
sobre isso no teu coração. Pois além dos nossos laços de sangue e grande amor, os efei-
tos da fortuna e a natureza do perigo e adversidade em lugares tão longínquos impelem
e obrigam o espírito e o bom senso do homem a suportar qualquer problema que se
possa imaginar - em qualquer outro local. Seria muito vantajoso se este sofrimento
aí ou
fosse suportado por uma causa que redundasse em serviço de Nosso Senhor, por quem
nos devemos esforçar com alegre disposição. E seria uma ajuda recordar que nenhum
grande feito se pode realizar a não ser com dor. Novamente, é alguma consolação acre-
ditar que o que for conseguido esforçadamente é ainda mais docemente estimado e apre-
ciado. Muito se poderia dizer sobre o assunto, mas, como esta não é a causa principal
pela qual tens sofrido ou que tenho visto, esperarei para falar dela com mais tempo e
directamente^^.

É possível ler estas linhas sem, pelo menos, presumir


se não se admi- -
tir - do autor? Ou supor outra coisa que não fosse a sua via-
a sinceridade
gem directa para ajudar o irmão na primeira oportunidade? No entanto,
Colombo partiu para a sua terceira travessia oceânica determinado a adiar
o seu regresso a Hispaníola. Parecia preso ao mesmo desejo de fuga, à
mesma aversão, que o afastara prematuramente da ilha em 1494, à mesma
preferência pela exploração em detrimento da administração que fatalmente
comprometeu as suas hipóteses de sucesso como vice-rei de uma frágil
soberania.
Dividiu a armada em
duas partes. Uma, de cinco navios^"*, para o abas-
tecimento da colónia, velejar directamente pela rota por ele estabele-
iria
cida na segunda travessia; outra, sob o seu comando, iria realizar um grande
desvio exploratório pela área desconhecida do Atlântico (ver mapa 3).
Esperava aumentar as suas hipóteses de encontrar mercadorias preciosas
tomando um rumo mais a sul do que nas anteriores viagens. Acreditava-se

'3 Ibid. 189.


'^ J. Gil in Cartas, 96-7 n.° 147-8.

154
amplamente, no seu tempo, que as terras situadas na mesma latitude pos-
suíam os mesmos produtos. Também se pensava que as zonas ou «climas»
destas latitudes se tomavam mais ricas à medida que se caminhava para o
sul. Este era o peso dos conselhos que o almirante recebera de Jaume Ferrer'^

Colombo decidiu, pois, descer até ao paralelo da Serra Leoa, onde os


Portugueses tinham descoberto ouro na terra dos Negros, e, a partir daí,
rumou para oeste. Baseado na autoridade de Ferrer, pensava que «virando
no equador... onde os nativos eram negros ou escuros» aí descobriria tam-
bém abundância de coisas preciosas. As boas relações então existentes entre
Castela e Portugal permitiam-lhe, pela primeira vez, navegar em segurança
nas latitudes onde os Portugueses imperavam.
Existia provavelmente outro tipo de considerações que influenciou a
escolha da nova rota. Segundo o seu próprio relato da viagem, procurava
verificar uma teoria que atribuía ao rei D. João II de Portugal sobre a pos-
sível existência de um continente desconhecido «a sul»'^. Não existe nenhuma
informação pormenorizada sobre a opinião do monarca português além da
referida por Colombo. Desconhecem-se as fontes ou a natureza exacta da
teoria ou inclusivamente a localização exacta destas terras. Pode ter sido
um eco da opinião de Macróbio sobre um continente a sul, uma nova inter-
pretação da lenda de Antillia ou uma teoria, semelhante à defendida por
Pedro Mártir, sobre a natureza das descobertas já realizadas por Colombo;
ou ainda uma versão da lenda de uma terra antípoda, conhecida como
Hespérides, assinalada em alguns mapas do século xv^''. Pode ter estado
ligada aos rumores, persistentes desde pelo menos 1448, segundo os quais
uma nova terra fora avistada, em pleno oceano, a ocidente do arquipélago
de Cabo Verde ^^ Talvez se tratasse, por outro lado, de ficção deliberada,
lançada ao vento como canto de sereia, pelo astuto rei D. João para desorientar
Colombo. Foi certamente o início de uma tradição persistente e a «Terra
Desconhecida a Sul» adornaria inúmeros mapas e inspiraria numerosas via-
gens até que o capitão Cook demonstrou finalmente que, se na realidade
existia, teriaque ser extraordinariamente remota.
Na mente de Colombo, os rumores portugueses criaram a ideia da pos-
sível existência de um continente desconhecido na sua rota, ao longo das
latitudes médias do Atlântico. Durante a terceira travessia, contribuíram para
alimentar a dúvida crónica sobre a possibilidade de tal terra estar situada
na região das suas próprias descobertas, sendo antípoda em vez de asiática,
austral em vez de oriental. As referências de Colombo à teoria do rei são

'5 Navarrete, i. 362.


•6 Textos, 223; Las Casas, i. 500.
•"^
Ver, e. g., J. Parker, «A Fragment of a Fifteenth-century Planisphere in the James Ford
Bell Collection», Imago Mundi, 19 (1965), 106-7.
'^ H. Yule Oldham, «A Pre-Columbian Discovery of America», Geographical Journal,
5 (1895), 221-39.

155
importantes para a compreensão do problema de consciência sobre a natu-
reza das suas descobertas, pois provam que previa um encontro justamente
com um novo continente como a América demonstrou ser. A sua disposi-
ção, antecipando novas revelações com a mesma excitação que precedera a
primeira viagem, está patente nas instruções que escreveu para as embar-
cações de reabastecimento enviadas à frente para Hispaníola: «Que Nosso
Senhor me guie e conduza a algo que possa ser para Seu Serviço e do rei
e rainha, nosso senhor e senhora, e para honra da Cristandade. Pois acre-
dito que este caminho nunca foi percorrido antes por ninguém e que este
mar é completamente desconhecido.»^^

Inicialmente, a experiência prometeu ser bem sucedida. Depois de se


abastecer nas Canárias, como habitualmente, Colombo teve uma boa via-
gem até à sua próxima escala nas ilhas de Cabo Verde. Esta era uma fron-
teirada Cristandade ainda mais selvagem do que a própria Hispaníola. O tipo
de vida ali existente é-nos revelado através do testamento do primeiro capi-
tão-general das ilhas, Álvaro de Caminha, redigido alguns meses depois da
visita de Colombo, em
que doava os utensílios de cobre, os escravos e o
açúcar que constituíam a sua riqueza, exprimindo desgosto pela penúria e
miséria da colónia, pela indiferença da metrópole e pela ameaça que repre-
sentavam os escravos fugitivos. Seu sobrinho e sucessor Pedro Alvares
sonhou com a construção de uma cidade «que depois de estar acabada será
uma das obras mais magnificentes que se podem encontrar». Era, porém,
um sonho vão, pois os colonos permanentes eram apenas cinquenta, quase
todos eles criminosos exilados, e a falta de alimentos tomava impossível
admitir mais. A terra era «má» e não existiam mercadorias para trocar por
produtos do continente. Apenas Santiago tinha uma povoação. A maioria
das ilhas estava deserta, exceptuando a presença de leprosos em busca do
sangue de tartarugas, reconhecidamente terapêutico, de castelhanos que apa-
nhavam plantas tintureiras ou que recolhiam conchas para serem negocia-
das no continente africano. Na ilha da Boa Vista, Colombo abasteceu-se de
carne de cabras selvagens, ali abandonadas por um povoamento fracassado.
O ambiente opressivo e primitivo das ilhas alterou a disposição de Colombo:
talvez lhe sugerissem demasiado aquilo em que Hispaníola se poderia tor-
nar. O seu nome, afirmou, era enganador, «pois são todas tão secas que não
vi nada verde. Com a doença a atacar todos os meus homens, não ousei
demorar-me»^^.
Alguns dias depois de deixar Santiago, velejou até às calmarias equa-
toriais - a terra-de -ninguém marítima e sem vento entre as zonas do comer-

ia
Textos, 221; Las Casas,
i. 498.

20 J.
Martins da Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, iii. 56, 69, 243-4, 500-1 1,

546-8, 615, 654-5; Textos, 222; Las Casas, i. 498.

156
cio do Nordeste e do Sudeste -, acalmando-se ele próprio, sob um sol cruel
em meados de Julho. O calor transformou o vinho em vinagre, a água em
vapor e o trigo em cinzas; o toucinho derreteu ou apodreceu. «E, de repente,
tudo entrou em desordem, pois não havia homem que ousasse descer do
convés para reparar o casco ou tratar dos abastecimentos.»^' Se não fosse
o céu nublado que veio em seu socorro durante grande parte dos oito dias
sem vento, não teriam sobrevivido. O relato feito por Colombo sobre a sua
fuga às calmarias equatoriais é confuso. Por um lado, afirma que atingira a
latitude desejada - a de Serra Leoa; por outro, toma claro que teria ido mais
para sul se o vento o tivesse permitido. Tal como aconteceu, a primeira
prioridade era fugir ao calor fétido:

Recordei que ao velejar para as índias descobri que cada vez que passava cem léguas
a oeste dos Açores o clima melhorava por completo, tanto nas latitudes mais a norte
como nas mais a sul. E decidi, se aprouvesse a Nosso Senhor conceder-me vento e bom
tempo que me permitisse onde estava, que já não tentaria ir mais para sul nem
fugir de
voltaria para trás mas velejaria para oeste até que atingisse aquela linha, na esperança
de encontrar o mesmo abrandamento das condições que encontrara quando velejava ao
longo do paralelo da Grande Canária, e que se assim fosse então poderia dirigir-me mais
para sul^^.

Tratava-se, potencialmente, de uma estratégia desastrosa, que conde-


nava a expedição a permanecer nas calmarias equatoriais. Mas um feliz
vento de sudeste, invulgar naquela estação, salvou a armada daquela pro-
vação e levou-a para oeste. Em fins de Julho, Colombo suspeitava encon-
trar-se próximo do meridiano de Hispaníola, mas ainda não notara quais-
quer indicações de nova terra. Encontrava-se muito para além da linha de
demarcação que separava as zonas de expansão castelhana e portuguesa e
sentia-se satisfeito, pois, pelo menos, nada existia no paralelo em que vele-
jara e que ficava do lado português. O continente a sul, no caso de existir,
parecia ter-lhe escapado. Tomou então uma decisão pusilânime, o que não
lhe era característico: enquanto o vento fosse de feição abastecer-se-ia e
faria aguada nas Pequenas Antilhas, que visitara na sua anterior viagem e
que considerava, correctamente, estarem a norte da sua posição. Quando
mudou de rumo para norte, ignorava que o continente da América estava a
pequena distância, para oeste, aproximadamente no ponto sul do delta do
Orinoco, onde a costa da actual Venezuela dobra para sul em direcção ao
Brasil.
Tal como aconteceu, o destino não lhe roubou a sua mais espectacular
descoberta até esse momento, pois atingiu o continente do Novo Mundo

2' Textos, 224-5; Las Casas, ii. 7-9.


22 Textos, 206.

157
poucos dias depois; mas a sua mudança de rumo afastou a expectativa da
proximidade de um novo continente, facto que o preocupara no início da
viagem, e voltou os seus pensamentos para as ilhas que previra na sua nova
rota. Assim, quando encontrou a América, a confusão sobre a sua natureza
- insular ou continental - foi ainda maior.
Na época dessa viagem, Colombo atravessava uma fase de devoção par-
ticularmente intensa pela Santíssima Trindade, que invocava sempre que
podia e a quem dedicara especificamente esta terceira travessia do oceano.
Quando, no último dia de Julho, avistou terra pela primeira vez nesta via-
gem, sob a forma de três elevações baixas mas distintas, apenas visíveis a
noroeste, sofreu naturalmente o choque da coincidência, pelo que, quando
«entoámos a salve e outros cânticos e todos demos muitas graças ao Senhor»,
chamou à ilha Trinidad:

E aprouve a Nosso Senhor que graças à Sua divina Majestade a primeira vista foi
de três cabeços ou devo dizer três montanhas, todas vistas logo num único relance...
Pois é certo que a descoberta desta terra, nesta viagem, foi um grande milagre tanto
como a descoberta feita na primeira viagem^^.

O relance único pelo qual a trindade de elevações foi revelada era um


pormenor bem arquitectado de semiótica teológica. A ilha era fértil e sufi-
cientemente abastecida de água para compensar as perdas de abastecimen-
tos devido ao tempo tórrido da viagem. Aos olhos de Colombo, despertou
novamente as esperanças de se encontrar no Oriente: os habitantes não se
assemelhavam aos Negros que viviam na mesma latitude do outro lado do
oceano nem aos já familiares Caribes e Arawaks mais a norte. Mais pare-
ciam «Mouros», usavam «turbantes» e demonstravam argúcia comercial.
Como habitualmente, porém, as primeiras impressões de Colombo eram ilu-
sórias: os turbantes eram apenas fitas de algodão colorido em volta da cabeça
e o sentido comercial um prenúncio de hostilidade.
Ao mar o que mais o
percorrer a costa, foram as curiosas condições do
impressionou e assustou, mesmo quando se aproximou do canal existente
entre Trinidad e o continente - a Tierra de Gracia, como lhe chamou
Colombo -, onde o Orinoco desagua no mar. Recordou o facto dois ou três
meses depois:

Quando cheguei à Punta dei Arenal, vi que a ilha de Trinidad forma uma grande
angra, com duas léguas de largura de oeste para leste, com uma terra a que chamei Tierra
de Gracia e que para lá entrar, para completar o circuito da ilha pelo Norte, existiam
algumas correntes a ter em conta, que cruzavam aquela angra e faziam um ruído estron-
doso, como uma onda que vai e se quebra e bate contra as rochas. Lancei âncora na dita
Punta dei Arenal, fora da dita angra, e descobri que a corrente fluía de leste para oeste,

23 Las Casas, ii. 9.

158
com toda a fúria do Guadalquivir na preia-mar. E continuava sem cessar, dia e noite, de
forma que pensei ser incapaz de regressar, devido à corrente, ou de continuar, devido
aos recifes. E durante a noite, quando já era muito tarde e estava no convés do meu
navio, ouvi um terrível rugido que se aproximava da embarcação pelo sul e parei para
olhar e vi o mar erguido de oeste para leste, como um monte largo tão alto como o
navio. E continuava na minha direcção, pouco a pouco, e no cimo podia ver a direcção
da corrente e vinha rugindo com poderoso ruído, como a fúria da quebra das outras cor-
rentes que como disse me pareciam ser como ondas do mar que batiam contra as rochas.
Pois até hoje sinto o medo no meu corpo que senti não fossem elas virar o navio quando
passassem por debaixo dele. E passou e atingiu a entrada da angra, onde pareceu hesi-
tar durante muito tempo^"*.

Jamais algum europeu vira um estuário semelhante ao do Orinoco, onde


descarregava um caudal tão volumoso e potente, e Colombo ponderou,
durante longo tempo, tão estranho fenómeno. No fim da primeira semana
de Agosto, uma «caravela veloz» que enviara à angra para a percorrer con-
firmou a presença de um grande rio «e, por todo o lado, água que era tão
doce e tanta que nunca vi nada igual». Juntou estas observações e reflexões:
«E então pensei que as linhas visíveis da corrente e aquelas paredes de água
que se erguiam e caíam nas angras com aquele rugido tão forte devem ter
sido os efeitos do choque da água doce com a água salgada.»^^
Esta descoberta completou a convicção crescente de que estava a con-
tornar um enorme continente. Não esquecera totalmente a perspectiva de
encontrar um continente a sul. Na fase da viagem em mar aberto, acalen-
tou a ideia reminiscente da sugestão de Pierre d'Ailly, segundo a qual os
homens antípodas poderiam habitar na parte mais remota da massa de terra
euro-asiática, ou,como Colombo dizia, falando das suas próprias desco-
mundo que os Romanos e Alexandre e os
bertas, «estas terras são outro
Gregos procuraram com grande esforço conquistar»^^ - isto é, terras asiáti-
cas e «outras» ao mesmo tempo. Foi provavelmente este prodígio nascido
das nuvens que estava na sua mente quando se confiou ao seu diário ao
largo da costa venezuelana^"^. O testemunho que o levava a reconhecer as
dimensões continentais dessas terras fê-lo também repensar a sua relação
com a Ásia. Sem rever, necessariamente, a sua avaliação das dimensões do
globo ou a sua convicção de que estava próximo dos limites do Oriente,
Colombo sabia que não havia espaço na cosmografia tradicional para uma
extensão da massa de terra euro-asiática na sua presente localização. Um
novo continente, por próximo que se encontrasse da Ásia, tinha que estar
separado dela.

24 Textos, 208.
25Ibid. 211.
26 Ibid. 205.
2' Las Casas, ii. 26. Leio «ganarán» [«ganharão»] em vez de «ganaron» [«ganharam»].

159
Estas considerações impeliam-no para a verdadeira compreensão da natu-
reza da América quando surgiu a convicção de que o grande curso de água
doce que observara deveria ter que atravessar uma grande extensão de terra.
Colombo foi cauteloso ao tirar a conclusão inevitável, mas meditou nas afir-
mações feitas pelos índios das Pequenas Antilhas na sua segunda viagem
- que afirmou agora recordar - sobre a existência de um grande continente
a sul.Por fim, a 13 de Agosto, quando se encontrava ao largo de Margarita,
introduziu no seu diário uma das d'=;clarações mais importantes da história
da exploração: «Acredito que este é um continente muito vasto que até agora
permaneceu desconhecido.»^^ Não era uma visão evanescente: Colombo
aferrou-se a ela quando voltou a Hispaníola e relatou aos monarcas a sua
descoberta de «uma terra enorme, localizada a sul, de que até hoje nada se
conhece»^^.
Alguns dias depois de descobrir o continente da América, Colombo afir-

mara, portanto, correctamente a sua natureza. Embora subestimasse clara-


mente - e o fizesse grosseiramente - a sua distância em relação à Ásia,
exprimiu inequivocamente a distinção entre a Ásia e a terra que encontrara.
Não provara, evidentemente, que a terra era «nova»: tal prova só seria feita
com a descoberta do estreito de Bering, mais de duzentos anos depois. Mas
Colombo firmara os seus créditos como o descobridor da América em bases
sólidas: não só fora o primeiro a encontrar aquele continente, no decurso
de um como
consciente trabalho de exploração, e a registar a descoberta
também estudara e expusera o seu feito. É um erro pensar que a descoberta
de Colombo foi fortuita ou atribuir o crédito pela primeira compreensão da
sua natureza a qualquer explorador posterior. De certa forma, Colombo fora
batido, quanto à conclusão correcta sobre as suas descobertas, por eruditos
como Pedro Mártir, que desde o início as classificara como «antípodas»,
mas estas tinham sido conjecturas teóricas, baseadas num cálculo realista
da dimensão do globo. Ao encontrar o continente e apresentar provas de
que o Novo Mundo incluía um continente desconhecido, Colombo trans-
formara as especulações em factos empiricamente verificáveis. O feito cien-
tífico de Colombo - não é exagerado chamar-lhe assim - foi conhecido na
sua época e citado pelos primeiros biógrafos. Embora nos dez anos seguin-
tes Vespucci, Waldseemuller e outros o adoptassem ou atingissem, até certo
ponto independentemente, e ajudassem a tomá-lo universalmente conhecido
e aceite, Colombo foi em sentido inequívoco o seu iniciador.
Estava disposto a permanecer na costa da Tierra de Gracia e da terra
que os nativos o ensinaram a chamar «Pária». Porém, a dolorosa doença de
olhos que contraíra em Cuba quatro anos antes voltara a afectá-lo, estando
talvez inconsciente das responsabilidades negligenciadas que o esperavam

28 Ibid. 238.
2Mbid. 218.

160
em Hispaníola. Confiando na possibilidade de regressar para mais tarde pro-
ceder à exploração, dirigiu-se para norte e afastou-se da costa a 15 de
Agosto^^.
Atormentado pela doença de olhos e esforçando-se por escrever os seus
relatos aos monarcas, regressou, na viagem para norte, à sua disposição
introspectiva e amargurada. Permaneceu como sempre auto-elogiador e os
seus superlativos fluíam abundantemente. No entanto, ao mesmo tempo,
incluía descrições dos feitos portugueses em África na tentativa evidente de
provocar nos seus próprios patronos um sentido mais vivo do dever. As
recordações do seu tratamento na corte surgiam, talvez sem artifício, por
serem profundamente sentidas. Voltou-se para a autocompaixão e contrição
afectada: é difícil resistir à sensação de que as suas reflexões sobre a supe-
rioridade dos fins espirituais constituíam um acto de penitência pela pró-
pria cupidez material. «Não suporto as dificuldades», exclamou em tom exa-
gerado de protesto, «para reunir tesouros ou para encontrar riquezas para
mim, pois, na verdade, sei que tudo o que é realizado neste mundo é vai-
dade, excepto o que é para honra e serviço de Deus, que não é para cons-
truir riqueza ou causas de orgulho ou muitas das outras coisas que usamos
neste mundo a que estamos mais afeiçoados do que às coisas que podem
salvar as nossas almas. »^^ Através dos textos escritos a bordo ou pouco
depois de desembarcar, Colombo, embora prendendo-se às suas antigas espe-
ranças, parecia afastar-se da confiançano patrocínio dos monarcas para a
dependência de Deus - a condição abençoada que vira exemplificada nos
franciscanos que tanto admirava e nos índios de Hispaníola quando os con-
templara pela primeira vez com olhos de certo modo inocentes.
Com esta disposição vulnerável examinou, sem razão nem crítica, as
observações que fizera na viagem até esse momento. Não estava em con-
dições de compilar racionalmente a informação recolhida. Recordou, em
mudança de clima que afirmara ter observado na sua pri-
primeiro lugar, a
meira viagem, cerca de cem léguas a oeste dos Açores. Recordou a água
doce e o clima temperado do golfo de Pária, que parecia, em retrospectiva,
estranhamente perfeito. Recordou que as embocaduras, como as do Paraíso,
eram em número de quatro. Por fim, aduziu as suas observações astronó-
micas, que raramente eram suficientemente precisas para serem fonte de
teorias úteis. Parece ter trabalhado muito para melhorar os seus conheci-
mentos de astronomia desde as duas primeiras viagens, quando as suas supos-
tas leituras da latitude tinham sido de maneira geral erradas a 1 00% e a ten-
tativa de medir a longitude a partir de um eclipse produzira um erro ainda
maior. Na terceira travessia fizera numerosas leituras da posição da Estrela
Polar e confirmara a sua descoberta de que esta tendia a desviar-se da posi-

30 Las Casas, ii. 61-3.


3> Ibid. 63.

161
ção fixa tradicionalmente atribuída. Agora acreditava realmente que lhe era
possível medir a rotação que a Estrela Polar descrevia nos céus, embora
fosse extraordinariamente optimista a este respeito. Dedicou-se a fazer lei-

turas de uma precisão inatingível com um simples quadrante ou astrolábio,


a bordo de uma embarcação em movimento. A sua descoberta - segundo a
qual o ângulo de elevação diminuía progressivamente, independentemente
da latitude - deve ter sido uma ilusão. Em vez de atribuir as variações a
observações imperfeitas ou a instrumentos deficientes, Colombo, como empí-
rico doutrinário que era, aceitava os dados obtidos e procurava arquitectar
uma explicação. Concluiu que devia estar a navegar para cima:

Agora observei a variação muito grande que descrevi e devido a ela comecei a reflec-
tir sobre esta questão da forma do mundo. E concluí que não era redondo como dizem,
mas que tem a mesma forma de uma pêra, que pode ser toda redonda, excepto na parte
em que está o pedúnculo, ao alto. Ou é como se alguém tivesse uma bola muito redonda
e num ponto da sua superfície era como se tivesse aí colocado um mamilo de mulher; e
esta parte semelhante a uma teta seria a mais proeminente e mais próxima do céu.

A mudança do clima notada a oeste dos Açores seria explicada pelo


facto dos navios começarem «gradualmente a subir para os céus»^^.
Esta conclusão não era talvez singular nem tão inocentemente empírica
como poderia parecer à primeira vista. Colombo referiu também uma inter-
pretação extraordinariamente deformada das tradições cosmográficas sobre
o problema inútil da orientação do mundo no espaço e sobre a dúvida de
considerar «no cimo» o Pólo Norte ou o Pólo Sul. A suposta referência a
Aristóteles foi extraída, mais uma vez, de D'Ailly:

Afirmo que o mundo não é esférico mas tem esta modificação que expliquei e que
se encontra neste hemisfério onde os íncfios estão e no mar Oceano. E a parte mais alta
dele é no equador. E conduz em muito à mesma conclusão de que o Sol, quando Nosso
Senhor o criou, estava colocado sobre o ponto mais oriental do mundo, exactamente no
local onde o ponto mais alto da protuberância do mundo está localizado. E embora fosse
opinião de Aristóteles que o Pólo Sul ou antes a terra no Pólo Sul é a parte mais ele-
vada do globo e a mais próxima do céu, há outras autoridades que discordam, dizendo
que é o Pólo Norte. Parece portanto que deve alguma parte do mundo que é mais
existir
elevada e mais próxima do céu do que o resto. Mas não descobriram
o facto de que era
no equador sob a forma que descrevi. E o seu fracasso não deve ser causa de espanto
porque não tinham conhecimento seguro da existência deste hemisfério, excepto espe-
culações imprecisas deduzidas apenas pela razão; porque ninguém estivera aqui ou enviara
uma missão para o procurar até hoje, quando Suas Altezas ordenaram que tanto o mar
como a terra fossem explorados e descobertos^^.

32
Textos, 212-14.
33
Ibid. 214.

162
Pierre d'Ailly especulara, numa passagem da sua obra que Colombo
deve ter conhecido, sobre a possibilidade da existência de uma protuberân-
cia que desfigurava a esfericidade da Terra^^. Mas o descobridor não ficou
por aqui. As suas especulações prosseguiram. A localização e a docilidade
do delta que descobrira, com os seus quatro rios, nos «confins do Oriente»,
induziram Colombo a mais uma conclusão precipitada:

Acredito que se velejasse para lá do equador encontraria cada vez maior amenidade

no clima e variação nas estrelas, embora não creia que seja possível navegar ali, onde
o mundo atinge o seu ponto mais elevado, donde nenhum homem se pode aproximar,
pois acredito que aí está localizado o Paraíso terrestre, onde nenhum homem pode ir,

excepto pela graça de Deus^^.

Colombo ultrapassara agora bastante as provas. Ao suposto seio do mundo


acrescentara um mamilo imaginário e colocara o Jardim do Éden no seu
cume. Pelo facto da tradição localizar o Éden no Extremo Oriente, misturara
dois dos seus erros: a suposição de que se encontrava efectivamente nos limi-
tes do Oriente e a conclusão das suas medições astronómicas erradas segundo
a qual se estava a aproximar do «pedúnculo» do mundo. Os futuros explo-
radores da América procurarão objectivos não menos quiméricos e, por vezes,
menos nobres que o Paraíso terrestre, incluindo a Atlântida, a Terra das
Amazonas e a Fonte da Eterna Juventude, mas nem a nova teoria de Colombo
sobre a forma do planeta nem o seu contributo para a localização do Paraíso
tiveram qualquer influência sobre os seus contemporâneos.
Por outro lado, deve dizer-se que até os erros de Colombo se tomaram
úteis. De facto, o mundo não é uma esfera perfeita e, na verdade, apresenta
uma protuberância na zona do equador, embora não exactamente como afir-
mou. Assim como as suas observações da variação magnética, por muito
imperfeitas e incorrectamente interpretadas que tenham sido, revelaram uma
grande verdade científica, e a sua desprezível teoria de um mundo pequeno
inspirou uma grande descoberta, também a sua procura do Paraíso terres-
tre, pondo em causa a opinião prevalecente de que o mundo era perfeita-

mente esférico, abriu a possibilidade de uma percepção nova e mais realista


da forma do planeta. Também não era necessariamente absurdo supor que
o Éden se pudesse localizar por investigação empírica: em certo sentido,
constituiu um grande aperçu científico - uma ousada intrusão da ciência no
campo da fé. A localização do Paraíso fora objecto de séria especulação no
passado e Colombo podia considerá-la como objectivo adequado ao tipo de
contributo que estava habilitado a dar. Havia algo de heróico na convicção

^^ Buron, i. 197; Raccolta, I. ii. 375; uma protuberância no equador é atribuída por
Estrabão, como teoria, a Posidonius {The Fragments, ed. L. Edelstein e I. G. Kidd, Cambridge,
1972, 69), mas Colombo não demonstra ter disto conhecimento.
35 Textos, 216.

163
com que Colombo acreditava ter derrotado, por um misto de orientação
divina e observação científica, «Ptolemeu e os outros eruditos que escre-
veram sobre este mundo»^^.
Como Colombo formulou nesta
balanço, das duas novas hipóteses que
viagem - a da natureza continental da América e a da localização do Éden -,
a primeira deve ser considerada a mais prometedora. Tragicamente, porém,
a segunda hipótese obscureceu a primeira. Como o Paraíso terrestre se supu-
nha a oriente, as duas teorias tomaram-se interdependentes, dando origem
à defesa cada vez mais desesperada de Colombo em favor da afirmação de
que as suas terras eram asiáticas. Numa carta sem data, provavelmente de
fins de 1499 ou princípios de 1500, abandonou a mais brilhante das suas
reivindicações - a de ter descoberto um continente desconhecido:

A terra que Deus deu recentemente a Vossas Altezas nesta viagem deve ser consi-
derada continental na extensão, pelo que Vossas Altezas devem sentir grande alegria e
dar-Lhe graças infinitas e detestar aqueles que dizem que não deveis gastar dinheiro
neste empreendimento pois não são amigos da honra do vosso alto estado - sem falar

de todas as almas cuja salvação podemos esperar, de que Vossas Altezas são causa e
que é o nosso principal ganho. E desejo dirigir-me à vanglória deste mundo, que devia
ser desafiada, porque o nosso poderoso Deus a detesta. E deixai-os responder-me, os
que leram as histórias dos Gregos e Romanos, se com tão pouco ganho estenderam os
seus impérios tão grandiosamente como Vossa Alteza [sic] agora o fez com o de Hispaníola,
com as índias e aquela ilha que mede mais de setecentas léguas e Jamaica, com outras
setecentas ilhas, e uma parte tão grande do continente que era muito bem conhecida dos
antigos e não desconhecida como os invejosos ou ignorantes gostam de pretender^^.

O facto de ser uma terra «desconhecida» constituía precisamente a pró-


pria visão de abandono constitui um triste espectáculo
Colombo e o seu
quando comparado com o do triunfante descobridor de Agosto de 1498.

3Mbid. 213.
37 Ibid. 245.

164
«o DEMÓNIO TEM ESTADO A TRABALHAR»

A COLÓNIA DE HISPANIOLA,
1496-1499

Ainda não era aparente toda a amplitude do fracasso de Colombo como


colonizador quando este regressou a Castelaem 1496. No entanto, ao fim
de seis ou sete anos de governo, com os seus próprios objectivos, os dos
monarcas e os dos colonos ainda por realizar, e com Hispaníola a sofrer
uma sérieaparentemente interminável de rebeliões, não só dos índios mas
também dos colonos, Colombo seria substituído e desonrado e enviado de
regresso a Espanha acorrentado. Atribuiu todo o seu infortúnio à inter-
venção do Demónio, mas é possível discernir a influência dos erros huma-
nos, a maioria dos quais do próprio Colombo, bem como de circunstâncias
insolúveis.
Talvez a causa principal da agitação em Hispaníola, sob o seu domínio,
fosse o conflito de objectivos entre Colombo e os seus homens. Colombo
envolvia-se pessoalmente nas suas descobertas, queria empregar nelas homens
que partilhassem do seu amor ao local e mostrava-se ressentido com todos
aqueles que não tivessem a sua fé no valor dessas terras ou que não se esfor-
çassem tanto como ele para bem delas. Pouco depois de desembarcar em
Hispaníola em 1498 e ao encontrar a administração no caos e uma grande
parte da colónia em estado de revolta, compreendeu que a maioria dos espa-
nhóis que o acompanhavam ao Novo Mundo não partilhava a sua visão
sobre a vida ideal do colono, estando apenas interessados nos atractivos da
«melhor terra do mundo para ociosos». Escreveu a Fernando e Isabel:

O nosso povo aqui está de tal forma que não há homem bom nem mau que não
tenha dois ou três índios para o servir e cães para caçar por ele e, embora fosse talvez

165
melhor não o mencionar, mulheres tão bonitas que causam admiração. Estou extrema-
mente descontente com a última destas práticas, pois me parece ser desserviço de Deus,
mas nada posso fazer sobre isso nem sobre o hábito de comer carne ao sábado [sic, em
vez de sexta-feira] e outras práticas malvadas que não são de bons cristãos. Por estas
razões, seria grande vantagem ter aqui alguns frades devotos mais para reformar a fé
em nós cristãos que para dá-la aos índios. E nunca conseguirei ministrar castigos justos
homens sejam enviados de Castela para aqui com
a não ser que cinquenta ou sessenta
cada armada e que eu mande para aí o mesmo número de entre os preguiçosos e insu-
bordinados, como faço com esta armada - tal seria o maior e melhor castigo e o menos
oneroso na consciência que me ocorrei

Não poderia ser fornecida prova mais cabal da clivagem existente entre
Colombo e os seus homens na apreciação da ilha. Existia uma curiosa iro-
nia na proposta de Colombo de deportar homens por delinquência, alguns
dos quais tinham já sido exilados pelos seus crimes. Para a maior parte deles
isso teria constituído mais um incitamento do que um castigo. Logo que os
colonos chegavam e descobriam como as realidades da vida em Hispaníola
estavam longe das promessas feitas por Colombo, o seu maior desejo era
partir - mesmo sem acumular a riqueza com que tinham sonhado. «Que
Deus me leve para Castela!» era a imprecação favorita da ilha e o regresso
gratuito a casa a primeira exigência dos rebeldes^.
A culpa, em certo sentido, era do próprio Colombo. O quadro que pin-
tara de grandes quantidades de ouro a recolher e de índios dispostos a ser-
vir, em clima salubre e solo fértil, tinha sido literalmente aceite pelo seu
público e atraíra os ociosos e os sem-valor que merecia. Reciprocamente,
provocou o inevitável desapontamento quando os homens descobriram como
o clima era na realidade hostil e como era pesado o trabalho que se lhes
exigia. Colombo admitiu praticamente tudo isto num lúgubre canto episto-
lar que enviou para Espanha em Maio de 1499:

Nenhum dos colonos veio sem acreditar que o ouro e as especiarias se podiam amon-
toar facilmente e não pensaram que, embora houvesse ouro, estaria enterrado em minas e
as especiarias estariam no topo das árvores e que o ouro teria que ser extraído e as espe-
ciarias colhidas e preparadas - tudo isto tomei público quando estava em Sevilha, porque
os que desejavam vir eram tão numerosos. E sabia o que queriam e assim expliquei-lhes
isto, com todo o trabalho que os homens que vão para se instalarem em terras longínquas
pela primeira vez e todos responderam que era para fazer tal trabalho que iam^.

A julgar pelo tom de todos os seus escritos sobre Hispaníola que che-
garam até nós, os avisos de Colombo tinham sido fortemente inadequados

1
Textos, 244.
2 Las Casas, ii. 69; Cartas, 273.
^ Textos, 256.

166
e abafados pela torrente dos seus elogios a uma Arcádia atraente. Tomou-
-se vulgar que os colonos desiludidos, regressados de Hispaníola, provo-
cassem tumultos perante os monarcas nas audiências públicas, acusando
Colombo e escarnecendo com surpreendente agudeza das suas «terras de
vaidade e ilusão»"*. O grande continente em que Colombo desembarcara na
sua terceira travessia - com o qual esperara, talvez, fortalecer a sua própria
influência - só piorara a questão, ao aumentar a pressão sobre os limitados
recursos da colónia.
Se os planos de Colombo para a colónia não estavam em sintonia com
os dos seus homens, também não coincidiam totalmente com os objecti-
vos dos monarcas. É difícil, a esta distância, julgar as intenções de Colombo,
mas parece que, enquanto clamava por uma comunidade estável, terá enca-
rado a ideia de outra de carácter ainda mais transitório. O modelo princi-
pal em que pensava não parece ter sido o da colónia agrária, dedicada ao
trabalho directo do solo, povoada por colonos de todos os níveis sociais,
como existiam nas Canárias, Madeira e Açores, mas o de um entreposto
comercial de tipo genovês ou semelhante ao que os Portugueses tinham
instalado em São Jorge da Mina, na costa ocidental africana, destinado ao
comércio a longa distância de produtos de elevado valor, com a obtenção
de grandes lucros para investimento na metrópole. Os colonos orientariam
a introdução e o cultivo de produtos agrícolas europeus e a criação de gado,
de forma a assegurar-lhes uma alimentação aceitável, mas dedicariam os
seus esforços essencialmente à produção de ouro, a enviar para Espanha,
ao algodão, às tintas e a quaisquer especiarias existentes ou a introduzir,
bem como, evidentemente, à escravatura. Previa claramente que o traba-
lho fosse executado pelos índios, que parece ter sobrestimado grosseira-
mente, quer quanto ao número quer quanto à adaptação ao trabalho. Tratava-
-os como infinitamente substituíveis. Pouco se esforçou para enviar
trabalhadores, preferindo seleccionar homens com competência técnica -
soldados, marinheiros, artesãos, funcionários, mineiros experientes e agri-
cultores especializados. Entre os trezentos representantes dos diferentes
ofícios que o acompanhavam na terceira travessia, incluíam-se apenas cin-
quenta trabalhadores e trinta mulheres^.
Fernando e Isabel não se satisfaziam, no entanto, com uma mera fei-
toria comercial. Queriam que as novas descobertas fossem «povoadas» -
isto é, colonizadas a todos os níveis pelos seus próprios súbditos para as
colocar firmemente sob o domínio político de Castela. Tal como escreve-

^ Las Casas, ii. 257.


5 Navarrete, i. Colombo como colonizador, J. Pérez de Tudela y
423. Sobre o papel de
Bueso, Las armadas de índias y los orígenes de la política de colonización (Madrid, 1956),
constitui um guia inestimável. S. B. Schwartz, The Iberian Mediterranean and Atlantic
Traditions in the Formation of Columbus as a Colonizer (Minnesota, 1986), é um resumo
que localiza Colombo no seu próprio contexto.

167
ram às municipalidades dos seus reinos, elogiando a terceira viagem de
Colombo, «recomendámos a Don Cristóbal Colón que regressasse à ilha
de Hispaníola e às outras ilhas e continente que estão nas ditas índias e
orientasse a sua preservação e povoamento porque dessa forma o Nosso
Senhor Deus é servido. Sua Santa Fé espalhada e nossos próprios reinos
aumentados»^.
Os monarcas desejavam particularmente que a terra da ilha fosse divi-
dida entre os colonos e uma nova agricultura introduzida tal como se estava
a fazer, por sua ordem, ao mesmo tempo nas ilhas Canárias. Acima de tudo,
desejavam promover a produção de açúcar, do qual existia na Europa uma
grande procura relativamente recente e ainda Esperavam, con-
insatisfeita.
cedendo terras e isenções fiscais que tinham atraído colonos nos anos ante-
riores, chamar colonos a Hispaníola. Por fim, as bases da nova agricultura
não seriam postas em prática, excluindo o sector pastoril, que os monarcas
estavam determinados a favorecer nos seus reinos novos tal como nos anti-
gos. Não perdiam de vista o propósito principal de toda a sua provisão, isto
é, a extensão do seu próprio poder; assim, reservaram para si as minas e o

campeche de Hispaníola, sendo particularmente insistentes em que, ao divi-


dir a terra, Colombo não alienasse qualquer jurisdição da coroa mas pre-
servasse todas as fontes legais de poder nas mãos dos monarcas. Estes objec-
tivos podem observar-se nas instruções dadas a Colombo antes da sua partida
para a terceira viagem:

Quaisquer pessoas que desejem ir viver e habitar na dita ilha de Hispaníola, sem
salário, podem ir e irão livremente e ficarão aí isentas e livres e não pagarão qualquer
imposto e terão para si e para os seus e seus herdeiros as casas que erigirem e as terras
que trabalharem e as heranças que criarem nas terras e nos locais que lhes serão atri-

buídos ali na dita ilha pelas pessoas que por vós [Colombo] serão encarregadas''.

Afirmou-se que o objectivo da autorização dada a Colombo para divi-


dir a terra erao cultivo de cereais, algodão, linho, vinha, árvores e cana-
-de-açúcar e a construção de casas e moinhos. Agora, embora durante os
seus anos de poder Colombo fizesse, na verdade, grande número de con-
cessões de terras, o cultivo das terras que os monarcas desejavam estava
pouco avançado. O açúcar, por exemplo, crescia ao abandono e somente foi
recuperado para fins comerciais a partir de 1503. Os resultados foram dia-
metralmente opostos aos que Fernando e Isabel esperavam, particularmente
em relação aos índios.
De facto, os monarcas e os colonos representavam apenas problemas
menores no desenvolvimento do trabalho de Colombo, tal como este o con-
cebia, em comparação com os problemas levantados pelos índios. Os pre-

6 Navarrete, i. 428.
' Ibid. 415.

168
ceitos dosmonarcas sobre a forma de tratamento a dar a este grupo foram
expressos no primeiro ponto das suas instruções a Colombo:

Em primeiro lugar, quando estiverdes nas ditas índias, se Deus quiser, tentareis com
toda a diligência inspirar e conduzir os nativos das ditas índias para caminhos inteira-
mente de paz e tranquilidade e convencê-los de que têm que servir e estar sob o nosso
senhorio e benigna sujeição e, acima de tudo, que se convertam à nossa santa Fé Católica
e que a eles e aos que vão viver para as ditas índias sejam ministrados os Santos
Sacramentos pelos clérigos e frades que estão ou estarão aí^.

A política assim expressa era importante, não só porque reafirmava o


desejo manifestado pelos monarcas de procurar a conversão dos índios e
afirmava que não seria tolerado um senhorio intermédio, imposto por meio
do comércio de escravos ou pela jurisdição usurpada, entre eles e os seus
súbditos recém-adquiridos mas também porque parecia resolver uma con-
trovérsia que de facto amarguraria a história do Novo Mundo durante algum
tempo - caso os índios fossem seres suficientemente racionais para bene-
ficiarem dos sacramentos da Igreja. Os pedidos de Colombo no sentido de
serem enviados frades para Hispaníola a fim de atenderem às necessidades
dos colonos mais do que dos nativos eram deliberadamente irónicos: utili-
zava o pagão ingénuo no seu papel tradicional como lugar-comum da lite-
ratura sentenciosa para salientar as deficiências morais dos cristãos. Era,
sem dúvida alguma, tão entusiasta quanto à conversão dos nativos como os
seus patronos reais.
Existiam razões políticas na obra de conversão. A bula de 1496, em
que o papa Alexandre VI estabelecera a base jurídica da presença espa-
nhola nas índias, baseava os direitos castelhanos no encargo de evangeli-
zar os nativos, que atribuiu aos monarcas. Na prática, esta condição poderia
ter sido ignorada como o foi pelos Portugueses, que actuaram em África
com um encargo semelhante, a que raramente atenderam*; mas Colombo,
bem como os seus soberanos, tinham já iniciado a tarefa com cordialidade,
antes do papa a determinar, logo após a descoberta. No fim da década de
1470, numa disputa jurídica com o núncio papal e perante algumas opiniões
desfavoráveis de canonistas, Fernando e Isabel adoptaram a posição de que
a conversão e a conquista eram processos indissociáveis no que respeitava
a povos primitivos e pagãos. A resolução desta disputa, que surgiu em rela-
ção aos ilhéus canários, foi largamente favorável aos monarcas e colocou
em perfeita harmonia os seus interesses políticos e os seus fins religiosos.
8 Ibid. 406.
* Na verdade, desde o início da expansão que a missionação portuguesa foi uma reaU-
dade. Enviaram-se frades e sacerdotes, erigiram-se capelas e igrejas, fundaram-se dioceses
como a da Madeira em 1514, a de Cabo Verde em 1533, a de Goa em 1534, a da Baía em
1550, entre muitas outras. Estas dioceses tomaram-se centros de comunidades cristãs que se
mantêm vivas e em desenvolvimento. (A^. da T.)

169
Não lhes dera, porém, a liberdade de disporem dos nativos do Novo Mundo
como entendessem. Pelo contrário, eram obrigados, por uma longa tradi-
ção canónica, bem como pelas suas próprias convicções, a não permitir que
o mau tratamento ou a escravização indiscriminada interferissem com a
obra de conversão. As soluções que poderiam ser comercialmente vanta-
josas, como escravizar os nativos ou entregá-los aos Espanhóis como força
de trabalho em sujeição feudal, eram excluídas pela necessidade política
de conservar os índios sob o senhorio directo da coroa. Em particular,
era bastante claro que os nativos não podiam, por lei, ser escravizados a não
ser quando capturados no decurso de guerra legítima ou quando aberta-
mente colocados fora da protecção da lei natural por ofensas contra esta,
como o canibalismo^.
Este ponto representou o fim do consenso entre a política de Colombo
e a dos monarcas. É bem patente a forma como compreendia as priorida-
des destes nos termos com que instruiu Pedro Margarit, quando o deixou
encarregado de Hispaníola durante as explorações de Cuba, em 1494. «O prin-
cipal que deveis fazer», escreveu Colombo, «é olhar cuidadosamente pelos
índios e não permitir que lhes seja feito qualquer mal nem que se lhes tire
nada contra sua vontade; mas antes que sejam honrados e mantidos em segu-
rança para que não se revoltem.» ^^ O que Colombo não conseguiu com-
preender, no entanto, foram os limites impostos pela lei e pela vontade real
à exploração económica do trabalho nativo. Logo em 1493, quando propôs
a escravização dos índios na versão do seu relato preparada para publica-
ção, uma acção presumivelmente editorial emendou a proposta, especifi-
cando que os escravos deveriam provir «de entre os idólatras»^ - um grupo
^

cuja existência Colombo negara. O efeito desejado da emenda era o tomar


a proposta juridicamente defensável, visto que a idolatria era considerada
nalguns sectores como um crime contra a lei natural. Mesmo depois de ter
voltado a Espanha por duas vezes e recebido instruções explícitas dos monar-
cas, Colombo era ainda incapaz de compreender tais distinções. Em Outubro
de 1498 informou Fernando e Isabel de que «tantos escravos quantos pos-
sam ser vendidos» poderiam ser enviados de Hispaníola «em nome da
Santíssima Trindade» e, se, como Colombo calculava, existia mercado para
cerca de quatro mil, renderiam vinte milhões de maravedis, «a preço razoável».
Continuava: «E embora actualmente morram na viagem, não será sempre
este o caso, pois os Negros e os ilhéus canários reagiram inicialmente da
mesma forma.»*^ Em certa medida, a atitude de Colombo para com os índios
era guiada pela religião mas não pela compaixão. Por vezes, a sua faceta
de mercador emergia, afastando as de cristão e visionário.

9 Vercap. 5, n. 15.
10
Textos, 163.
" Ibid. 145.
'2 Ibid. 243-4.

170
A escravização e a exportação, mesmo à escala sugerida por Colombo,
respeitava apenas a uma pequena parte dos nativos de Hispaníola. A maio-
ria era necessária para trabalhar na colónia. Colombo exprimiu melhor a sua
politica num novo memorando que dirigiu ao Fernando depois de ter sido
rei

destituído de todas as responsabilidades que exercia nas terras que desco-


brira: «Os índios eram e são a riqueza da ilha de Hispaníola porque são eles
que semeiam e fazem o pão e todos os outros alimentos dos cristãos e extraem
ouro das minas e desempenham todos os outros deveres e trabalhos de homens
e animais de carga.»^^ Uma vez reconhecido este facto, o problema residia
na organização dos índios da melhor forma e, se possível, em consonância
com a política dos monarcas de tratamento benevolente. A imposição do tri-
buto em ouro, que Colombo provavelmente nunca considerou como mais do
que um expediente temporário, foi claramente uma resposta inadequada a
esta necessidade, devido à escassez dos fornecimentos de ouro dos índios e
às dificuldades a que estes estavam sujeitos. Quando retomou o governo efec-
tivo da colónia em 1498, Colombo tentou organizar alguns dos nativos em
grupos de trabalho para a extracção do ouro sob orientação espanhola e para
o trabalho da terra que atribuíra aos colonos individualmente, de acordo com
os poderes que lhe tinham sido conferidos pelos monarcas para a divisão do
solo. Em parte como resultado destas medidas, uma nova política foi imposta
ao Novo Mundo, segundo a qual grupos de índios ficaram ligados não a tare-
fas específicas como a mineração do ouro ou o cultivo da terra mas a espa-
nhóis que exerciam sobre eles direitos não soberanos, senhoriais ou de pro-
priedade mas de carácter pessoal. Tanto assim era que os governadores que
se seguiram a Colombo não concediam, geralmente, terras aos colonos mas
designavam grupos de índios para os servir.

Nos primeiros anos desta instituição, conhecida como a encomienda, o


colono a ela ligado gozava dos serviços pessoais ilimitados dos seus índios,
embora por lei esses direitos fossem repetidamente revogados pela coroa e
substituídos por direitos a um quinhão do tributo devido ao soberano. Desde
o tempo de Colombo e até, pelo menos, à década de 1530 a encomienda
dominou a sociedade colonial do Novo Mundo. O desejo de encomiendas
dominava os homens interiormente e as suas acções como instituição exte-
riormente. Las Casas comparou a cobiça de encomiendas com a cobiça de
ouro. «O ouro que vieram procurar», queixou-se, «consistia em concessões
de índios.» A maioria dos índios das zonas conquistadas parece ter sido
abrangida por este sistema, o qual, durante algum tempo, representou quase
um monopólio institucional na política índia. Exceptuando o governo de
Santo Domingo, na Hispaníola, os chefes nativos (a maioria dos quais estava,
de algum modo, incluída nas encomiendas) e os conselhos municipais, não

>3 Ibid. 358.

171
existia qualquer outro instrumento de regulamentação social, económica e
política nas terras conquistadas. Todos os aspectos da vida colonial eram
abrangidos por este sistema. As instituições militares, tal como existiam,
dependiam da obrigação de prestar serviço militar pelo detentor da enco-
mienda. Dele dependiam as esperanças de uma evangelização bem suce-
dida. O comércio, a exploração das minas, a indústria, todos estavam liga-
dos ao sistema de encomienda - embora cada vez menos, à medida que o
tempo passava - e a ligação à agricultura era ainda mais forte.
É, pois, importante considerar até que ponto os historiadores têm tido
razão ao atribuir a Colombo a introdução da encomienda. Quando os Espanhóis
chegaram ao Novo Mundo, não se conhecia nada de semelhante à enco-
mienda na história da sociedade espanhola. Concessão de terra, senhorio,
jurisdição e tributo, tinham todas um lugar na anterior experiência coloni-
zadora, mas nunca anteriormente tinham sido distribuídos serviços pessoais
desta forma. Apresentar a distribuição de índios entre os colonos como uma
delegação ou uma alienação de direitos soberanos ultrapassa largamente as
provas existentes. A escravização dos índios podia ser considerada nesses
termos, visto que introduziauma alteração no estatuto dos nativos de vas-
salos dos reis para bensmóveis pessoais. Contudo, nada existe nos textos
que chegaram até nós sobre as primeiras concessões de encomiendas que
seja incompatível com a vassalagem real; na verdade, não há provas, até à
chegada dos dominicanos a Hispaníola, de que alguém tivesse encarado juri-
dicamente estas concessões. As actas limitavam-se a definir quais os índios
cujos serviços pessoais o beneficiário podia utilizar e a conferir a este obri-
gações militares e evangélicas. A questão da posse não foi levantada: a única
alusão está na provisão de que o concessionário deveria ensinar a fé aos
índios, visto que nesse princípio, incluído na bula de 1496, se considerava
baseada a legitimidade da conquista espanhola. É verdade que na época de
Colombo existia a obsessão pelo jurídico, mas não tanto como em alguns
historiadores posteriores. Outro elemento tomou estas concessões diferen-
tes de quaisquer outras anteriormente conhecidas: não havia efectivamente
menção expressa aos limites dos serviços envolvidos. Existiam quase sem-
pre alguns índios - os mais novos ou os mais velhos - isentos de serviço e
especificava-se, geralmente, que os índios iriam trabalhar em «quintas e gran-
des propriedades» e minas, se existissem. Por outras palavras, o serviço apli-
car-se-ia a todas as actividades para as quais os Espanhóis o requeressem
e não tinha quaisquer limites práticos.
Se a ideia desta instituição, única no seu tempo, não foi concebida e
aplicada por Colombo, onde terá tido a sua origem? Os registos da admi-
nistração de Hispaníola pelo almirante perderam-se - submersos com a
esquadra afundada em 1502. A teoria de que a encomienda era obra do seu
inventivo cérebro baseia-se nas conclusões de historiadores que escreveram
depois no século xvi, sobretudo no testemunho do eminente antiquário do

172
reinado de Filipe António de Herrera, segundo o qual «o almirante deu
II,

propriedades hereditárias ou herdades onde tiveram origem todas as enco-


miendas dos índios»''*. Pode dizer-se que a primeira parte da declaração
apresenta os factos e a segunda a conclusão de Herrera, mas uma não resulta
necessariamente da outra. Parece antes que, inicialmente, Colombo distri-
buiu terra, não índios - terra que os índios eram obrigados a trabalhar, sendo
especificada a extensão da terra e assim limitado o seu trabalho. Por outras
palavras, concedeu direitos sobre terras com autorização implícita de mão-
-de-obra limitada - nunca uma verdadeira encomienda, com a sua omissão
de quaisquer direitos sobre terras e de quaisquer limitações aos serviços dos
índios. Las Casas parece ter chegado à mesma conclusão quando afirma que
Colombo distribuiu as terras de Hispaníola e permitiu que os Espanhóis
obrigassem os chefes índios a trabalhá-las '^ Concessões deste tipo não eram
estranhas nestas circunstâncias. Encontram-se exemplos registados em
Hispaníola ainda em 1508. Deve recordar-seque, a partir de 1497, Colombo
foi expressamente autorizado a fazer concessões de terras. Não há provas
de que tenha feito concessões de qualquer outro tipo.
Pelo contrário, há fortes razões para crer que não introduziu de forma
alguma a encomienda. Em primeiro lugar, tal acção não teria precedentes,
ao passo que concessões de terras eram concordantes com quase toda a ante-
rior experiência colonizadora. Em
segundo lugar, é difícil imaginar como a
encomienda ou cabimento nos planos de Colombo
instituição semelhante teria
de criar uma feitoria com uma população renovável: a encomienda teria sido
inadequada, excepto para os colonos que escolhessem ficar, o que faziam
apenas raramente, e viver nas índias ou, pelo menos, aí permanecer durante
um periodo muito longo. No entanto, sabemos pelo companheiro de Colombo,
Michele de Cuneo, que a maioria dos seus homens tencionava regressar a
Espanha na primeira oportunidade'^. As necessidades de trabalho teriam
sido satisfeitas com mais eficácia arranjando grupos de trabalho índios sem
os afectar a espanhóis individualmente, tal como se sabe que Colombo esta-
beleceu para a extracção de ouro.
Por fim, a atitude de Las Casas tem que ser tida em conta. O seu conhe-
cimento do almirante era quase ímpar no seu tempo. Chegou a viver em
Hispaníola, pouco depois da administração de Colombo aí ter terminado, e
pôde observar as instituições directamente. Foi o crítico mais acérrimo do
sistema de encomienda, pois considerava-o um obstáculo insuperável à evan-
gelização dos índios e um crime contra a justiça natural. Embora Colombo
fosse o seu herói, nunca hesitou em atacá-lo por excessos cometidos con-
tra os índios, particularmente pelo seu abuso da escravatura e pela destruição

"* A. de Herrera, Historia general de los hechos de los castellanos en las islãs y tierrafirme
dei mar oceano, ed. A. Ballesteros y Beretta e A. Altolaguirre y Duvale (Madrid, 1934), ii.
15
Textos, 253; Navarrete, i. 430; Las Casas, ii. 86-90.
16
Cartas, 257.

173
provocada pelas suas campanhas punitivas em 1494-96. Se Colombo tivesse
sido considerado responsável pela introdução da encomienda, é difícil ima-
ginar como Las Casas teria ignorado o facto e, tendo dele conhecimento,
No entanto, na História das índias, a época
se tivesse abstido de o comentar.
de Colombo aparece como uma idade de ouro, apenas assombrada pelos
excessos dos seus subordinados, mesmo antes do início da exploração sis-
temática dos índios. Las Casas encara Colombo como o que permite um
abuso existente - relutantemente e como um expediente temporário - e não
como o que inicia um sistema.
Para conciliar a opinião de Las Casas com outros relatos, não devemos
imputar aos governadores seguintes a criatividade institucional que tivemos
relutância em atribuir a Colombo. Resta a possibilidade de que o tipo de
relações entre índios e Espanhóis, incluído na encomienda, tivesse já sur-
gido gradualmente nos dias de domínio de Colombo e de que as primeiras
concessões de encomiendas realizadas por governadores posteriores tives-
sem meramente confirmado uma situação já existente. O exemplo do Paraguai,
se é lícito apresentar um exemplo tão distante mas nalguns aspectos não
dissemelhante, sugere que isto não é impossível: ali, os colonos espanhóis
adquiriram os serviços pessoais quase por acaso - ou antes, os nativos for-
neceram serviços voluntariamente quando os Espanhóis tomaram as suas
filhas como esposas ou concubinas'^ Existe uma passagem inconclusiva
mas sugestiva em Las Casas onde se sugere que a situação no Paraguai se
assemelhava à de Hispaníola:

Os trezentos espanhóis que estiveram aqui [em 1502]... costumavam, por sedução
ou pela força, tomar as mulheres mais importantes das aldeias ou suas filhas como aman-
tes ou criadas, como lhes chamavam, e viver com elas em pecado. Os seus parentes ou

vassalos acreditavam que tinham sido tomadas como esposas legítimas e nessa crença
foram dadas aos espanhóis, que se tomaram objecto de adoração geral'^.

Talvez aqui - nos resultados casuais da confraternização com os nativos -,


mais do que numa suposta base jurídica oriunda de legislação de que não há
provas, residam as origens da encomienda. Esta conclusão é importante para
exemplificar a forma como as instituições do império espanhol na América
foram moldadas não «pela actuação do Estado», como alguns historiadores
têm afirmado, mas por factores ambientais do Novo Mundo. Provavelmente,
Colombo não introduziu a encomienda, mas tolerou, impotente, as modali-
dades sociais criadas pela presença espanhola em Hispaníola - e sua interac-
ção com os costumes locais - que impuseram esse sistema às concessões de
terras que fizera e aos grupos de trabalho nativos que organizara.

'^ E. R. Service, «The Encomienda in Paraguay», Hispanic American Historical Review,


21 (1951), 230-52.
'^ Las Casas, ii.
249.

174
A encomienda provou ser, na melhor das hipóteses, improdutiva e, na
pior, destrutiva. Já na época de Colombo se verificara o despovoamento
catastrófico de Hispaníola, causado pela proliferação de doenças europeias
entre os índios e por um suposto colapso da taxa de natalidade. Em breve,
esse despovoamento se espalharia por outras conquistas espanholas. Muitos
contemporâneos, sobretudo Las Casas, consideravam a encomienda, com os
seus efeitos desmoralizadores e prática onerosa - na verdade, frequente-
mente cruel -, a causa principal do desastre demográfico. Poucas vantagens
parece ter trazido e os administradores do império, no século seguinte, devo-
taram muito tempo e esforço em busca de alternativas, nenhuma das quais
se mostrou também inteiramente satisfatória. O papel de Colombo na sua
génese foi típico das suas falhas como administrador colonial. Os proble-
mas excediam de tal forma a sua capacidade que poucas tentativas fez para

impor a sua vontade sobre acontecimentos em que era, frequentemente,


espectador passivo. Enfrentou os rebeldes, por exemplo, cedendo às suas
exigências e quando tomou a decisão de actuar, como ao promover o comér-
cio de escravos, fê-lo porque admitia não encontrar alternativa. Apresentava
aos monarcas um rosário de carências - de homens, de material, de com-
petência pessoal.
A um meio de apaziguar os colonos,
exploração dos índios terá sido
mas apaziguamento alimentava a ganância e existia uma facção em
este
Hispaníola a quem cada concessão inflamava e cada limitação provocava.
Quando Colombo chegou em Agosto de 1498, a rebelião latente durante o
seu último período na ilha rebentara e desenvolvera-se a ponto de ter sur-
gido, no Sul da ilha, um acampamento inimigo - quase um Estado inimigo -,
desafiando as ordens do adelantado. O atraso de Colombo no regresso foi
fatal; sucumbira à tentação habitual, fazendo um desvio exploratório, em

vez de se dirigir directamente ao seu destino. Como resultado, parte dos


reforços que enviara à sua frente pactuou desde o início com os rebeldes,
exacerbando a crise.
O chefe dos rebeldes, Francisco Roldán, afirmou que a rebelião come-
çara porque alguns colonos se sentiram obrigados, contra as ordens recebi-
das, a dispersar-se em busca de alimento. O massacre que admitiram ter
perpetrado era justificado com base na fome que os forçara a provocar um
confronto, tendo pois lutado contra os seus atacantes em legítima defesa.
Transparece, porém, das próprias cartas autojustificativas de Roldán que
foram motivados principalmente pelo domínio dos irmãos de Colombo, com
quem estavam ressentidos, e pelas condições na ilha, em relação às quais
se sentiam traídos ^^. Ao regressar, Colombo atendeu as suas queixas caso a
caso e de forma não muito eficaz^^. Em primeiro lugar, rejeitavam o local

•^ Cartas, 271-80.
20 Textos, 255-9.

175
para onde Bartolomé transferira a povoação: «Disseram que é o pior local
e no entanto é o melhor.» De facto, Santo Domingo era muito superior a
Isabela e perdurou até aos nossos dias, o que se pode considerar justifica-
ção para a escolha dos dois irmãos, mas acarretava, na verdade, terríveis
problemas de aclimatização aos recém-chegados. Quando Colombo regres-
sou, encontrou um terço dos homens doentes. Em segundo lugar, existiam
queixas de «fome». Colombo salientou que Roldán não tinha dificuldade
em sustentar o seu grupo de 120 rebeldes e mais de 500 criados índios, mas
isso era possível porque abandonara a paliçada e vivia da terra, bem longe
da principal força espanhola. A grande concentração de colonos inactivos
na capital era muito mais difícil de alimentar e só possível por meio de
importações de Espanha ou por um esforço de produção que nem os Espanhóis
nem os índios podiam ou estavam dispostos a fazer. A presunção de Colombo
de que os Espanhóis renunciariam ao pão de trigo em favor do tipo de pão
local, feito de mandioca, revela o carácter essencialmente cultural dos pro-
blemas levantados pela colonização. A alimentação nativa era deficiente em
proteínas em comparação com a espanhola. Para satisfação das necessida-
des alimentares, utilizando produtos nativos, os Espanhóis tinham que inge-
rir enormes quantidades que ultrapassavam a capacidade da economia local,

organizada apenas para a subsistência ou para excedentes muito pequenos.


Finalmente, os rebeldes ressentiam-se dos poderes arbitrários de Colombo
e que, durante a sua ausência, delegara no adelantado. A Espanha de fins
do século XV era uma terra de justiça férrea, mas raramente posta em prá-
tica. A lei era pesada e, exceptuando nos novos tribunais da Inquisição,

muito apreciados, protegia os direitos dos acusados; era aplicada por auto-
ridades concorrentes, com graus de autoridade sobrepostos, que se limita-
vam e equilibravam entre si. No pequeno mundo de Santo Domingo, longe
da influência de qualquer funcionário superior, a autoridade de Colombo ou
do seu delegado não tinha entraves. Ao exigir, em todos os casos, o direito
de apelo à coroa e a correspondente suspensão temporária do julgamento,
os rebeldes levantavam um problema de importância fiandamental, numa
monarquia que crescera de repente para além do alcance de comunicações
frequentes e para além do alcance prático das suas instituições tradicionais.
Os casos específicos que contribuíram para a divisão da colónia parecem
triviais: Colombo confiscara alguns porcos para criação, a fim de impedir
os donos de os matar; Bartolomé governara «com tal rigor», segundo Roldán,
«que causou tanto medo no povo que o levou a perder todo o seu amor».
Roldán não o acusava de quaisquer excessos sanguinários ou de privações
arbitrárias de liberdade. Atingiu, porém, um ponto claramente sensível com
a queixa de que Bartolomé tentara privá-lo do seu cargo. Sob os rancores
e as ofensas, segundo se suspeita, encontravam-se conflitos de personali-
dade. O caso Roldán era característico da incapacidade de Colombo de man-
ter como amigo um colaborador. Tal como todos os companheiros afasta-

176
dos de Colombo, tomou-se o epítome da ingratidão «esse ingrato Roldán,
um zé-ninguém que eu tinha na minha casa» - e um agente da malevolên-
cia sobrenatural num mundo em que «o Demónio tem estado a trabalhar»^^
A primeira reacção de Colombo, ao verificar a desordem que tinha domi-
nado a colónia na sua ausência, foi a de tentar apaziguar Roldán. A sua polí-
tica iria seguir o mesmo curso do da visita anterior, quando começara por
tentar acalmar os nativos e fora, finalmente, obrigado a esmagá-los com
sangrenta frieza. Em fins de Outubro, escreveu a Roldán tratando-o por
«meu muito querido amigo», admitindo suavemente que o rebelde estava
«à espera ansiosamente do meu regresso, como se a saúde da tua alma disso
dependesse», e cedendo à primeira das exigências dos rebeldes: o regresso
gratuito a Espanha^^. Colombo afirmou, mais tarde, que esta oferta era uma
dissimulação calculada e justificada, destinada a atrair Roldán para o pren-
der. No entanto, é possível também que desejasse intensamente evitar uma
prova de força com os rebeldes, que tinham saqueado o depósito de armas
da colónia e sido reforçados com os «melhores» dos recém-chegados.
Colombo preferia vê-losem Castela, juntando-se ao coro crescente dos seus
caluniadores, do que em Hispaníola, destruindo directamente a sua obra.
Em qualquer caso, esta estratégia falhou. Roldán ignorou as indicações, ten-
tadoramente retardadas,com que Colombo o procurava apanhar e continuou
antes «a atormentar-me com os seus ataques». Nem a sua total capitulação
às exigências de Roldán e a reintegração do rebelde num importante cargo
de confiança conseguiram erradicar as causas da rebelião e, depois do regresso
triunfal de Roldán ao acampamento do almirante em Agosto
de 1499, gru-
pos de rebeldes permaneceram em armas.
A crise agudizou-se repentinamente em Setembro de 1499 com a che-
gada ao largo de Xaragua do antigo companheiro de armas de Colombo,
Alonso de Hojeda. Com outros antigos amigos do almirante, incluindo Juan
de la Cosa, que atravessara o Atlântico pelo menos uma vez em companhia
de Colombo, e Amerigo Vespucci, que, como colaborador nos negócios de
Gianotto Berardi, conhecera provavelmente alguns dos planos de Colombo,
organizou a primeira das muitas expedições da Andaluzia que quebrariam
o precioso monopólio de navegação transatlântica de Colombo. As más notí-
cias recebidas de Hispaníola e o clima de suspeição contra Colombo criado
pelo número crescente de caluniadores que enchia a corte permitiram-lhe
obter licença, em Maio de 1499, para procurar, ao largo da costa norte do
continente sul-americano, as pérolas referidas por Colombo durante a sua
terceira viagem. Seguiu a rota de Colombo, «matando, roubando e lutando»
à medida que avançava, mas não encontrou pérolas, reunindo apenas um
saque insignificante para tanto esforço. Rumou então para norte em direc-

2' Ibid. 245, 256.


22 Ibid. 247-9.

177
ção a Hispaníola e desembarcou perto do acampamento rebelde, aparente-
mente decidido a retirar alguma vantagem do que fora uma viagem desas-
trosa. Colocou-se à frente dos rebeldes, fomentou uma nova insurreição
índia e, alegando que Colombo perdera a sua posição ao exceder os seus
poderes, ameaçou depô-lo e substituí-lo. Colombo, colocando o caçador fur-
tivo no lugar do guarda da coutada, enviou Roldán para o combater ou,
melhor dizendo, deixou Roldán tratar do assunto, pois que o preço da fide-
lidade de Roldán era virtualmente ter pulso livre no SuP^
O confronto entre os descontentes durou até Março de 1500, altura em
que Roldán conseguiu subornar o intruso. As sementes da rebelião conti-
nuaram a germinar. Quando surgiu uma nova insurreição nativa em Xaragua,
provocada pela tentativa de rapto, por um espanhol, da filha de um chefe
para concubina, Roldán tentou resolver o problema expulsando o malfeitor
Não só os nativos continuaram inquietos - e não pacificados durante quase
quatro anos - como a tirania de Roldán forneceu o pretexto para um novo
desafio à autoridade, encabeçado desta vez por Adrián de Muxica, um parente
do expulso. Em Junho de 1500, a situação agravou-se com a chegada, ao
largo da costa, de outro intruso: Vicente Yánez Pinzón, irmão de Martin
Alonso e também companheiro de Colombo na primeira travessia. O receio
de que ele interviesse em favor dos rebeldes demonstrou não ter fundamento
e, pouco tempo depois, Colombo capturou Muxica e executou-o. A série

alarmante de incidentes revelara, porém, o estado de insubordinação apa-


rentemente inesgotável tanto dos nativos como dos espanhóis.
Entretanto, Colombo quase perdera a paciência e a energia. No Natal
de 1499, encontrava-se à beira do desespero e reagiu de forma caracterís-
tica. Tal como todos os outros sofrimentos mundanos, a ruína da sua coló-

nia e a maldição não erradicável da rebelião levaram os seus pensamentos


para o conforto da religião. Numa breve mas importante passagem incluída
na biografia atribuída a seu filho, Colombo registou mais uma aparição ou
experiência da presença directa da sua «voz celeste». A impressão que lhe
causou foi compreensivelmente profunda e é confirmada por um relato quase
idêntico, repetido numa carta alguns meses mais tarde^"*. A sensação de con-
tacto pessoal com Deus foi mais nítida nesta ocasião do que na primeira
ocorrência do mesmo tipo, quando regressava da primeira viagem^^ e muito
menos do que na última vez, que teria lugar no pior momento da sua der-
radeira travessia oceânica^^. O cenário era sempre o mesmo: Colombo estava
isolado, espiritual e mesmo fisicamente, sem amigos e autocompadecido.
Enfrentava a crise e a morte iminente. Encontrava-se predisposto ao arre-
pendimento, abjurando a sua ganância em favor das bênçãos do outro mundo.

23
Cartas, 280-1; Navarrete, ii. 17-20, 60.
24
Textos, 263, 270; Historie, ii. 71.
25
Ver p. 123.
26
Verpp. 199-202.

178
Sentia profundamente a maldade dos seus inimigos - alternadamente cor-
tesãos, eruditos, índios,amotinados e rebeldes, que pareciam formar uma
cadeia sem fim, única e diabólica. Nestas circunstâncias sentiu-se dominado
pela convicção de que estava a passar por uma prova de fé; e no ímpeto da
fé que fluía desse sentimento sentiu a presença e ouviu a voz do céu. As
prioridades de Colombo tinham-se voltado do secular para o espiritual ao
longo da terceira viagem. A experiência de 26 de Dezembro de 1499 cons-
tituiu um momento decisivo do processo:

Quando todos me tinham abandonado, fui atacado pelos índios e pelos cristãos mal-
vados. Encontrei-me em tal situação que, na tentativa de escapar à morte, fiz-me ao mar
numa pequena caravela. Então o Senhor veio em minha ajuda, dizendo: «Oh, homem
de pouca fé, não temas, estou contigo.» E derrotou os meus inimigos e mostrou-me a
forma de cumprir as minhas promessas. Miserável pecador que sou por ter depositado
a minha confiança nas vaidades deste mundo!

Talcomo o conduziam cada vez mais alto aos arroubos mais remotos
da fuga mística, as experiências de Colombo no Novo Mundo estavam a
alterar a sua autopercepção. O seu fracasso como administrador era claro,
mesmo para si próprio, mas sentia-se satisfeito pela sua transformação em
soldado, derrotando índios mal armados ou grupos de rebeldes cercados.
Era umlugar-comum em Espanha que «armas e letras» constituíam talen-
tos diferentes mas não incompatíveis, sendo ambos necessários para o
desempenho dos deveres da governação. Don Quixote resumiria esta tra-
dição, com espírito, no seu conselho a Sancho Pança: «Tu, Sancho, deves
usar um misto de trajo de licenciado e de armadura de capitão, pois na ilha
que te darei para governar as armas serão requeridas tanto como as letras
e as letras tanto como as armas. »^'' Os relatos de Colombo para Espanha,
a partir de 1498, solicitam constantemente a presença de «um homem culto,
uma pessoa preparada para deveres judiciais», a fim de o auxiliar ou mesmo
de o substituir^^ Embora fosse um novo-rico, começava agora a ver-se
como um aristocrata antiquado, cuja grande virtude era o seu heroísmo e
cuja nobreza não ficava comprometida pela sua insuficiência em assuntos
burocráticos. A passou a designar-se cada vez mais por
partir de agora,
«capitão» - um termo militar - em vez de marinheiro, chamando «con-
quistas» às suas descobertas. O seu fracasso na administração era uma prova
da sua nobreza mais do que uma mancha na sua competência. «Devo ser
julgado como capitão», pedia, «de cavaleiros e conquistas e outros e não
como homem de letras. »^^

2^ Don Quixote, ii. 52.


28
Textos, 244, 265.
29
Ibid. 270, 272.

179
o seu pedido de um funcionário «letrado» apenas antecipou, talvez, uma
evolução inevitável. Durante todo o seu reinado, foi política de Fernando e
Isabel infiltrar administradores preparados pelas universidades, directamente
na sua dependência, nas estruturas hierárquicas de poder estabelecidas local-
mente. Já em Maio de 1493 tinham nomeado Juan de Fonseca para organi-
zar a preparação de armadas e de pessoal para as índias juntamente com
Colombo e, durante a ausência deste em Hispaníola, Fonseca assumira toda
a responsabilidade da operação. Como resultado, no último ano do governo
de Colombo nas índias, o seu monopólio de navegação foi quebrado sem
justificações e a série das chamadas viagens «andaluzas» teve início seguindo
os passos de Colombo, aproveitando a perícia deste, com autorização real,
a fim de expandir o conhecimento e a soberania espanhóis para além das
terras descobertas por Colombo. Nem os próprios esforços sobre-humanos
de Colombo na exploração, que o desviavam dos seus outros deveres e pre-
judicavam a sua saúde, podiam impedir esta evolução inevitável: só auto-
rizando livremente as actividades dos exploradores conseguiria a coroa con-
firmar e estender o seu domínio sobre um Novo Mundo que, de outra forma,
se tomaria atraente para intrusos estrangeiros.
Porém, a missão de Fonseca destinava-se, em parte deliberadamente, a
contrabalançar o poder potencial de Colombo. Numa referência pouco velada
às actividades do bispo (posição que Fonseca agora ocupava), o almirante
pediu aos monarcas que nomeassem para cargos de influência apenas aque-
les que se sentissem motivados pelo seu empreendimento e não aqueles que
tudo faziam para o prejudicar e favorecer os seus rivais.
Quando conseguiu que lhe enviassem o juiz que pedira, esta condição
particular foi deixada conspicuamente por satisfazer. «O homem escolhido»,
queixou-se Colombo, «era exactamente o oposto do que a natureza do tra-
balho exigia.»^^ Os monarcas decidiram nomear Francisco de Bobadilla, que
combinava as vantagens de pertencer a uma família respeitável e de pos-
suir boa cultura (que Colombo não tinha) com os poderes judiciais, para
lidar com os rebeldes e investigar as queixas que os colonos tinham acumulado
contra o almirante. Interpretou as instruções recebidas principalmente como
destinadas a impedir Colombo de causar mais prejuízos.
Na que Bobadilla chegou a Hispaníola, em Agosto de 1500,
altura em
Colombo já não suportava os viajantes andaluzes, que tinham profanado as
suas descobertas - como lhe parecia - introduzindo-se nelas sem a sua per-
missão, alienando os nativos, dedicando-se ilicitamente à escravização e
desembarcando por vezes em Hispaníola para fomentar a rebelião. Admitiu,
mais tarde, ter pensado inicialmente que Bobadilla era um destes^^
Provavelmente, portanto, não o recebeu com a humildade e a disposição de

30
ibid. 265.
31
Ibid. 266.

180
agradar que afirmou nas suas justificações aos monarcas. Bobadilla, por seu
lado, também não estava favoravelmente inclinado em relação a Colombo.
Chegara directamente depois de ouvir as alegações dos detractores de
Colombo na corte em ambiente amargurado por grande quantidade de supli-
cantes regressados de Hispaníola com pedidos de pagamento e queixas con-
tra o almirante. Igualmente prejudicial aos interesses de Colombo era a dis-
posição xenófoba então presente na corte, onde os estrangeiros, especialmente
os genoveses, se estavam a tomar os bodes expiatórios dos problemas das
outras colónias de Castela. No fim da década de 1490, o pessoal genovês
foi demitido dos seus cargos, perdeu causas perante a justiça real e foi
objecto de repetida legislação que limitava as suas propriedades e confis-
cava o excedente^^. Quando pediu a ajuda de um «letrado», Colombo pre-
vira já esta objecção ao seu governo. «Tenho sido culpado, no meu traba-
lho colonizador, como em muitos outros assuntos, como um pobre estrangeiro
detestado»", queixou-se, mas este não era o momento para solicitar repa-
ração com esse fundamento. Segundo o amigo de Colombo, Andrés de
Bemáldez, as acusações contra ele eram «que escondia o ouro e desejava
tomar-se, com outros cúmplices, senhor da ilha e dá-la aos Genoveses»^"^.
As tentativas de Colombo para
ridicularizar tais acusações e sugerir que
estas equivaliam a admitir que iria «roubar as índias do altar de São Pedro»
e «dá-las aos Mouros» não parecem ter provocado o riso da corte^^ Do
ponto de vista dos frades, cuja tarefa específica era a evangelização dos
nativos, o governo de Colombo também não era satisfatório. As suas quei-
xas pormenorizadas não chegaram até nós, mas um resumo das mesmas
sugere que culpavam Colombo dos excessos cometidos contra os índios:
«Tirou-lhes as suas mulheres e tirou-lhes todos os seus bens.»^^
Bobadilla estava autorizado a tomar nas suas mãos o governo de
Hispaníola caso achasse que o almirante devia responder pelas acusações.
Entre as suas primeiras medidas após a chegada, no meio de uma nova rebe-
lião que Colombo tentava reprimir, contaram-se a promoção dos adversá-
rios do almirante, a prisão de Colombo e seus irmãos e o seu envio para
Espanha a fim de serem julgados das acusações feitas contra eles. «Existe
alguém nalgum lado», ripostou Colombo, «que alguma vez consideraria tal
coisa justa?»
A
caminho de Espanha, Colombo recusou que lhe tirassem as grilhetas
e usou-as como sinal de humildade afectada e de orgulho rebelde, até que
pudesse embaraçar os monarcas arrastando os pés até à sua presença, usando-

32 Femández-Armesto, The Canary Islands after the Conquest, 23-30.


" Ibid. 245.
34
Bemáldez, 335.
35
Textos, 264.
36
Cartas, 286-90; M. Krása, J. Polisensky e P. Ratkos (eds.), The Voyages ofDiscovery
in the Bratislava Manuscript Lyc. 515/8 (Praga, 1986), 111.

181
-as ainda. A
viagem deu-lhe muito tempo para reflexão. Nas cartas que
escreveu no seu decurso adoptou uma nova auto-imagem de figura seme-
lhante a Job, exemplo de paciência no sofrimento, modelo de fé duradoura.
Voltou uma vez mais, como noutros momentos de crise, ao sonho da cru-
zada de Jerusalém. «Pelo céu que espero, juro que tudo o que ganhei, desde
a minha primeira viagem, com a ajuda de Nosso Senhor, Lhe será ofere-
cido de igual forma para a expedição à Arábia Félix e mesmo até Meca.»^^
Como sempre acontecia em épocas de tensão, o sentimento da sua própria
missão providencial foi realçado e iniciou um projecto que iria ocupar mui-
tos dos forçados tempos livres passados em Espanha: a procura nas Escrituras
de profecias das suas descobertas. «Do Novo Céu e da Nova Terra de que
Nosso Senhor falou, através de São João, no Apocalipse», assegurou, de
forma pouco plausível, à ama do príncipe, «fez-me Seu Mensageiro e reve-
lou-me tais locais. »^^
Também tinha novas e mais práticas reflexões para oferecer. Admitiu
que excedera os limites correctos da sua autoridade e a lei ao tentar domi-
nar, por enforcamentos arbitrários, a rebelião de 1500 em Hispaníola. A sua
autodefesa nesse aspecto era realista: uma fronteira selvagem, segundo escre-
veu, não poderia ser governada com decoro semelhante ao utilizado em
qualquer das possessões europeias dos monarcas. Esta admissão obrigava-
-o a fazer uma apreciação radicalmente nova dos índios: a sua desilusão em
relação a eles sobressai no retrato de um povo selvagem e guerreiro - «povos
selvagens que são belicosos e vivem em regiões montanhosas e florestas»^^.
Isto contrasta com as imagens admiráveis, quase adoráveis, de nativos pací-
ficos, naturalmente bons, geradas no seu primeiro encontro com eles. O pró-
prio Colombo, segundo parece, era susceptível ao tipo de desencantamento
evidenciado pelos seus homens.
A carreira de Colombo atingira agora o seu ponto mais baixo, mas as
circunstâncias não eram, talvez, tão adversas como à primeira vista pode-
ria parecer. A prisão temporária era uma espécie de risco profissional na
Espanha do tempo de Colombo e, embora nunca mais desfrutasse dos dias
tranquilos de 1493, alguma reparação o esperava em Castela. Falhara no
seu papel de sátrapa oriental, como se imaginara, mas um
novo e
forjava
mais glorioso como herói de hagiografia, servidor dos propósitos de Deus
previstos nas Sagradas Escrituras. Conservou os seus títulos sonoros de almi-
rante, vice-rei e governador, bem como as perspectivas de riqueza consi-
derável- mesmo contando com a falta de cumprimento das promessas dos
monarcas - pela sua parte do rendimento das índias. Seus filhos estavam a
ser educados na corte; Diego, o filho legítimo, tinha todas as probabilida-

3^ Navarrete, i. 222.
38
Textos, 264.
39
Ibid. 272.

182
des de contrair um excelente casamento e toda a sua família usava o título
de Don em Castela.
Era improvável que recuperasse o poder relativamente às responsabili-
dades governativas em Hispaníola. Uma das circunstâncias mais amargas
da sua desgraça foi a unanimidade com que os observadores mais impar-
ciais - os frades da missão de Hispaníola, com quem Colombo afirmava ter
uma relação especial - aconselharam os monarcas
a jamais permitirem que
o almirante voltasse, para bem
da tranquilidade da colónia"^^. Por outro lado,
embora solicitasse continuamente reparação na corte dos monarcas, os mean-
dros do poder nunca o tinham atraído tanto como a glória, a nobreza, a
riqueza e a excitação da descoberta. Como vimos, desejava ardentemente
partilhar o fardo do governo da sua colónia com alguém mais habilitado
para o suportar. Sentiu, talvez mais profundamente, a interrupção do seu
trabalho como explorador - a frustração dos seus contínuos esforços para
chegar ao fabuloso Oriente. A intervenção
do Demónio no progresso da sua
carreira ocorreu numa altura suas explorações a um ponto
em que levara as
crucial, pois, quando navegara em mar aberto
na sua terceira travessia, tor-
nara-se o primeiro europeu, desde as navegações casuais dos Vikings, a avis-
tar o continente da América e o primeiro a compreender a sua natureza con-
tinental. No seguimento desta descoberta, sofrera o mais intenso auto-exame
a que alguma vez se submetera e dera a expressão mais completa de sem-
pre às suas dúvidas sobre as suas próprias teorias geográficas. Em primeiro
lugar, os problemas da colónia de Hispaníola e, seguidamente, a chegada
de Bobadilla tinham-no impedido de fazer novas explorações e de verifi-
car, ao mesmo tempo, tanto as novas como as antigas especulações. Agora
estava afastado das índias e de regresso, pela força, a Castela, enquanto as
ideias que ponderara durante tanto tempo eram de novo mergulhadas no
cadinho aquecido da sua mente. Reflectira quase até à incoerência e cis-
mara quase até à loucura. Refugiara-se na fuga mística e nas obsessões para-
nóicas contra inimigos vagamente definidos. Tomara-se autojustificativo
quando anteriormente fora apenas auto-elogiador. Todos estes sintomas tor-
nar-se-iam mais acentuados à medida que enfrentava novas dificuldades e
experimentava novos desastres, nos anos que culminaram com a sua última
viagem transatlântica.

^ Cartas, 288-9.

183
l

p
8

«AQUELE MAR DE SANGUE»

1500 - 1504 E A ÚLTIMA TRAVESSIA

A 13 de Março de 1500, uma magnífica armada de treze veleiros nave-


gou pelo estuário do Tejo em direcção a Belém. Passara quase exactamente
um ano desde que a notícia da chegada de Vasco da Gama chegara à corte
de Portugal. Agora, Pedro Álvares Cabral chefiava uma armada de gentis-
-homens, na qual não se tinham poupado despesas para impressionar os rajás
e mercadores do Oriente. O sucesso português fora bem propagado na oca-
sião do regresso de Gama. Foram cunhadas moedas de ouro comemorati-
vas, construía-se uma grande igreja em acção de graças na foz do rio, em
Lisboa, e os monarcas da Europa tinham recebido invejáveis relatos sobre
as descobertas de grandes cidades e rios, especiarias, pedras preciosas e
minas de ouro. Na altura em que Colombo chegou a Espanha, acorrentado,
vindo de Hispaníola, Cabral encontrava-se na presença do samorim de
Calicut. Os Portugueses tinham ganho a corrida às índias. As esperanças
que Colombo acalentara afastaram-se para um horizonte longínquo, enquanto
a sua carreira encalhava numa costa mais próxima.
Colombo dedicou o seu retiro indesejado a dois projectos: a defesa, com
nova urgência, da sua antiga campanha para uma cruzada a Jerusalém e o
cultivo da sua própria lenda. Pedira, pela primeira vez, a libertação dos
«lugares santos» antes da sua primeira travessia atlântica. Retomara a ideia
muitas vezes desde então, em momentos de tensão ou perturbação, como se
levantasse os olhos para os montes. Em 1497 preparara um memorando,
hoje perdido, para Fernando e Isabel sobre este assunto, em que parece ter
defendido uma aproximação pelo mar Oceano, atacando o Islão pela reta-
guarda. De regresso a Espanha, acorrentado, em 1500, voltou à ideia e defen-
deu a sua campanha ao chegar, provavelmente dadas as circunstâncias, por

185
motivos duplos de penitência e de política. Assim, a reconquista de Jerusalém
iria representar, em parte, um sacrifício pessoal e forneceria, se efectivada,
um meio de recuperar o prestígio perdido.
Os monarcas trataram evidentemente a proposta com frieza: numa
carta pessoal para a rainha - sem data e talvez escrita entre 1500 e 1502 -,
que é um pedido claro de umas migalhas de favor, Colombo pede a Isabel
«que não trate ligeiramente a questão de Jerusalém nem acredite que falei
sobre ela com qualquer motivo reservado»^ Foi-lhe pedido, porém, que
justificasse o plano com mais pormenor e, em fins de 1500, produziu em
resposta um memorando, «A Razão Que Tenho para Acreditar na
Restauração dos Lugares Santos à Santa Igreja Militante»^. Trata-se de
um documento espantoso, em que nenhuma estratégia é mencionada,
nenhuma consideração prática abordada, nenhuns meios ou medidas acon-
selhados. A sua única preocupação - apresentada entre muitas divaga-
ções autobiográficas e queixas pela forma como fora tratado - é mostrar
que a vontade de Deus, manifesta na profecia das Escrituras, nas estre-
las e nas emanações do Espírito Santo, consiste em que Jerusalém seja
agora recuperada para a Igreja por uma campanha lançada a partir de
Espanha. Na verdade, repudia expressamente argumentos práticos:

Deixo de lado toda a minha experiência de navegação desde jovem e todas as dis-
cussões que tenho tido com tanta gente em tantas terras e de tantas tradições religiosas;
e deixo de lado todas as minhas artes e escritos a que me referi. Baseio-me inteiramente
na Santa Escritura sagrada e em certos textos proféticos de certas pessoas santas que,
por revelação divina, têm tido algo a dizer sobre o assunto.

Além desta declaração metodológica, Colombo parece ter tido três


«razões» principais a apresentar em favor da expedição a Jerusalém. A pri-
meira defendia que a ideia provinha do Espírito Santo. Como prova desta
afirmação vaga citava as anteriores intervenções de Paracleto na sua vida:
dando-lhe uma educação em circunstâncias pouco propícias, inspirando-lhe
o seu desígnio transatlântico, influenciando Fernando e Isabel a concretizá-
-lo; e apresentava-se como o vaso adequado para as efusões do Espírito,
pois era essencialmente um homem inculto como os próprios evangelistas
e como as crianças e os inocentes a quem Deus geralmente favorecia como
Seus mensageiros. Esta ênfase na irrelevância da erudição pode dever algo
à influência da tradição franciscana, que atribuía um elevado valor à sim-
plicidade santa e receava a vaidade dos conhecimentos desnecessários.
Correspondia também claramente ao tema principal da longa guerra man-
tida entre Colombo e os eruditos da corte, contra os quais tantas vezes elo-

1
Textos, 303.
2 Ibid. 277.

186
giara a sua própria sabedoria prática e fizera da sua falta de cultura uma
virtude. Nas suas recomendações aos monarcas, parecia hesitar entre duas
auto-avaliações que se excluíam mutuamente: repetia a reivindicação, mui-
tasvezes apresentada, da autoridade devida à experiência prática, mas incli-
nava-se mais para uma autocaracterização como ignorante não sobrecarre-
gado por qualquer cultura secular e totalmente dependente de Deus:

É possível que Vossas Altezas e todos os outros que me conhecem a quem este
documento será mostrado me dirijam pública ou privadamente várias censuras: como
homem não dotado na erudição, como marinheiro leigo, como indivíduo terreno e prá-
tico, etc. Respondo com as palavras de São Mateus: «Oh, Senhor, Quem esconderia estas

coisas dos inteligentes e conhecedores e as revelaria a pequenos inocentes!»

O seu segundo argumento, resumido numa breve alusão, defendia que


o êxito coroaria uma expedição a Jerusalém se os monarcas (e os seus súb-
ditos, que teriam que fornecer os recursos) tivessem suficiente fé: «Pois
nesse empreendimento, se houver fé, tereis a mais certa vitória... Nada fal-
tará para isto que o vosso povo não possa dar.» O terceiro argumento defen-
dia que o sucesso era profetizado por duas tradições divinatórias infalíveis:
uma derivada da Escritura e outra da astrologia, «através de sinais nos céus».
A convicção de Colombo sobre a compatibilidade da Escritura com a astro-
logia, da ciência sagrada com a pagã, devia muito, tal como a sua cosmo-
grafia, a Pierre d'Ailly, cuja selecção de grandes obras astrológicas seguia
de perto. Não chegou, no seu memorando aos monarcas, a citar qualquer
Escritura que previsse a recuperação de Jerusalém: os textos de Isaías a que
aludia parecem ter sido interpretados por ele como profecias da descoberta
das índias. É, porém, suficientemente claro que, nas profecias por que se
interessava em particular na altura em que escrevia, o acontecimento pre-
visto era o fim do mundo.
Tal não era irrelevante para o seu propósito. Colombo considerava a
reconquista de Jerusalém como uma condição prévia necessária a essa con-
sumação tão devotamente desejada. O estabelecimento de Jerusalém como
corte do imperador do Último Mundo e a luta cósmica deste herói contra o
Anticristo eram considerados, na tradição profética que recuava a Joaquim
de Fiore, como antecedentes dos últimos dias^ Estava portanto inteiramente
relacionada com o objectivo de Colombo de reivindicar, como efectivamente
fazia, que os cálculos de Santo Agostinho sobre a idade do mundo suge-
riam que faltavam apenas 155 anos para o seu fim; e que a descoberta do
Novo Mundo fazia parte da divina aceleração da história que deve prece-
der o fim; que uma grande mutação, incluindo alguns dos esperados requi-
sitos prévios para o fim do mundo, podia ser prevista a partir de dados astro-

3 Ver p. 82.

187
lógicos; e que o próprio Joaquim - pois é citado por esse primeiro nome -
associava a reconquista de Jerusalém a uma «Aquele
iniciativa espanhola:
que reconstruiria a Casa no monte Sião viria certamente de Espanha.»
Deve dizer-se que Colombo era um leitor tão desatento da literatura pro-
fética como da geográfica. Por exemplo, um ciclo de dez revoluções de
Saturno, descrito por Pierre d'Ailly, terminara 1489; podia portanto -
em
apenas com um pequeno esforço de imaginação - invocar-se como pre-
núncio da descoberta da América, mas não pode ter sido, ao mesmo tempo,
relevante para a conquista de Jerusalém projectada por Colombo"^. Não uti-
lizou os textos de D'Ailly sobre conjunções planetárias, que poderiam ter
apoiado os seus argumentos. As suas referências a passagens de D'Ailly
sobre o Anticristo, muito relacionadas com a visão de Colombo, foram vagas
e pouco exploradas. Colombo não parecia consciente de que nessas passa-
gens o cardeal estava a seguir Roger Bacon.O texto que atribuiu a Joaquim
parece ter sido uma invenção sua ou talvez uma tradição errada da época^.
O projecto de Jerusalém estava intimamente ligado à segunda preo-
cupação importante neste periodo da vida de Colombo: o esforço para pro-
mover uma determinada imagem de si próprio. A publicidade não tem obri-
gatoriamente que ser pouco sincera e é inteiramente convincente imaginar
Colombo empenhado a fundo na convicção do propósito divino que pro-
clamava ao mundo. Via-se como outro dos seus heróis, João Baptista, ou
seja, como «um homem enviado por Deus». Tratava-se, sem dúvida, de vai-
dade ou, na melhor das hipóteses, de falsa modéstia, mas uma forma de vai-
dade compreensível em alguém que tanto conseguira e que, no entanto, se
mostrava insatisfeito. Esta vaidade era alimentada pelos sentimentos mais
profundos e verdadeiros que marcavam a alma de Colombo: a cólera, o res-
sentimento, o orgulho e uma ambição facilmente frustrada. O filho de um
tecelão, ainda ávido de grandeza depois de se tomar vice-rei, e o explora-
dor ainda insatisfeito depois de descobrir a América podem provocar sim-
patia, mas apenas a observadores sensíveis; são difíceis de compreender
totalmente, mesmo para os mais compreensivos. Colombo fora também
encorajado pelo papel heróico que lhe atribuíam os seus admiradores. Terá
sido inebriante ser saudado como um novo apóstolo por Jaume Ferrer ou
como um candidato à apoteose por Pedro Mártir^. Todos estes efeitos -
alguns criados por ele próprio, outros por terceiros - conduziram Colombo,
firmemente, à convicção do seu papel providencial.
Porém, no caso de ter existido uma única influência decisiva, esta terá
que ser procurada na tendência de Colombo para o uso da religião como

Raccolta, I. ii. 434; Buron, iii. 737.


^

Milhou, Colón y su mentalidad mesiánica, 349-400; A. Cioranescu, Oeuvres de Chrisíophe


^

Colomb (Paris, 1961), 495 il° 14; Colombo atribuiu a 'mesma doutrina a um enviado geno-
vês à corte espanhola: Raccolta, II. ii. 148, 202.
6 Ver p. 127.

188
um refugio. Precipitava-se para o abrigo da experiência religiosa sempre
que as tempestades da vida o ameaçavam. A sua relação com Deus tomou-
-se um substituto para as suas insatisfatórias relações humanas. O caminho
para o céu foi escolhido entre os destroços das suas muitas amizades des-
feitas. Loquaz sobre o amor de Deus, muito raramente mencionava a sua

mulher ou a amante. A sua confiança em Deus contrastava com a descon-


fiança e o receio inspirados pelos seus ubíquos inimigos humanos. A com-
panhia divina era o recurso de um homem deliberadamente isolado. Em tem-
pos de crise tinha uma «voz celeste» com quem falar, em vez de um amigo
humano.
Em fins de 1500 e durante grande parte de 1501, os esforços autojusti-
ficativos de Colombo centraram-se na colecção de textos das Escrituras e
clássicos, apoiados em observações astronómicas, alegadamente proféticas
dos seus próprios feitos. Trabalhava afmcadamente sobre esta colecção
quando escreveu o seu memorando acerca do projecto de Jerusalém: daí a
curiosa referência irrelevante aos textos de Isaías, que nada tinham a ver
com Jerusalém mas que Colombo tinha em mente porque os considerava
relativos a si próprio. Conseguiu alguma ajuda do frade cartuxo Gaspar de
Gorricio, o seu mais prolífico correspondente da época e que Colombo usou
como fonte de conselhos bibliográficos e guardião dos seus escritos.
Encontrava-se, talvez, temporariamente afastado de alguns dos seus amigos
franciscanos, devido às críticas adversas dos missionários de Hispaníola, e
Gorricio conseguiu, durante o resto da vida de Colombo, desempenhar o
duplo papel de pai espiritual e agente de negócios, exercido anteriormente,
e ainda, segundo parece, intermitentemente mantido, pelo franciscano Juan
Pérez. Os textos ainda existentes da colecção de profecias de Colombo não
mostram a influência de outra mão que não a do próprio Colombo. Uma
versão mais elaborada, editada por Gorricio, pode ter existido ou pelo menos
sido projectada, mas tudo o que agora possuímos é um conjunto desorde-
nado de notas ao acaso, compilado ao longo do tempo e que
escritas quase
inclui material acrescentado até, pelo menos, 1504. Com o título algo enga-
nador de Livro ou Manual de Autoridades, Ditos, Proclamações e Profecias
sobre a Questão da Recuperação da Cidade Santa e de Sião, o Monte de
Deus, e sobre a Descoberta e Conversão das Ilhas da índia e de Todos os
Seus Povos e Nações para os Nossos Monarcas Espanhóis, estão agrupa-
das mais de cem entradas dispersas por mais de oitenta e quatro fólios*^.

A maior parte é composta por textos bíblicos e patrísticos sobre Ofir, Tarshish
e outros nomes de Colombo ou, simplesmente,
especial ressonância para
sobre ilhas. Existe um
fragmento do que parece ser uma cópia de uma pas-
sagem sobre eclipses observados por Colombo, contendo cálculos de lon-
gitude a partir deles, expressos por números confusos e contraditórios.

Raccolta, I. ii. 75-160; iii. fot. xxxiv-CLViii.

189
Encontra-se um comentário sobre uma passagem da Medea de Séneca
(extraída de um fólio ainda existente entre os livros de Colombo), citada
posteriormente por Colombo e que sugere uma autocomparação, na sua
mente, com o piloto de Jasão, Tífis, «que descobrirá um novo mundo e então
Tule já não será a mais remota das terras». Surge um fragmento exaspe-
rante de uma carta, supostamente dirigida por um embaixador genovês aos
monarcas católicos, atribuindo a Joaquim de Fiore a profecia segundo a qual
«de Espanha virá o homem que restaurará a Arca de Sião». Finalmente,
além das garatujas e dos rabiscos escritos ao acaso, aparecem dispersos ao
longo da colecção três fragmentos de versos. Uma estrofe de oito versos
celebra o banquete de João Baptista, por quem podemos deduzir que Colombo,
como vimos, tinha uma especial devoção. São oito linhas sobre a correcção
do cumprimento das promessas, o que terá sido relevante, na mente de
Colombo, para os pedidos que dirigia aos monarcas. O último poema, mais
longo e de carácter penitencial, foi escrito nas margens da última folha, pelo
que poderá, provavelmente, ser atribuído com segurança a um periodo pos-
terior. O seu tom introspectivo e o realce da iminência da morte confirmam-

-no, mas as alusões a «contas com César», a «inimigos maldosos» e à «dor


e sofrimento» suportados pelos verdadeiros servidores de Cristo são repre-
sentativas do sentimento de repulsa do mundo com que Colombo compilou
as suas profecias^
O projecto da cruzada e a compilação de declarações proféticas foram
ambos concebidos, em parte, para influenciar as relações de Colombo com
os monarcas, numa altura em
que era considerado como «em desgraça, na
baixa estima destes monarcas e com pouco dinheiro». A própria apreciação
de Colombo sobre a sua sorte confirmava esta opinião. Fora «despojado de
toda a minha honra e estado, sem causa». «Não sou agora muito procurado»,
escreveu a Gorricio em Maio de 1501, «nem o meu empreendimento pro-
gride muito. »^ Algumas referências desgarradas a estar preso à cama suge-
rem que a sua saúde também estava a declinar. Tal como acontecera durante
o anterior período de inactividade forçada em Espanha, submergiu os monar-
cas com conselhos não só sobre os problemas de Hispaníola e da navega-
ção para as índias mas também sobre outros assuntos em que pudesse afir-
mar a sua perícia, incluindo a rota da viagem da infanta Juana para se juntar
a seu marido na Borgonha, o transporte de mercadorias para a Flandres e a
cabotagem no Mediterrâneo Ocidental. A ocupação mais prática para os
seus talentos foi a luta constante para garantir os seus direitos e rendimen-
tos contra as depredações da burocracia e a ameaça de confisco pela coroa.
Nesta contenda, Gorricio foi, provavelmente, o seu intermediário, guardando
cópias dos memorandos em que o almirante registava minuciosamente os

8 Ver p. 213.
9 Textos, 272, 283.

190
seus direitos e especificava as suas queixas. Lamentava-se, sobretudo, de
que em virtude da sua demissão perdera benefícios provenientes da justiça
que era seu privilégio exercer; que o seu quinhão dos rendimentos de
Hispaníola devidos aos monarcas estava a ser calculado depois da dedução
dos pagamentos reais a terceiros; que lhe estava a ser negado o direito de
nomeação e demissão de cargos em Hispaníola, direito que constituía um
dos privilégios dos seus cargos, que fora infringido o seu monopólio da
navegação, que as suas despesas não tinham sido reembolsadas e, em resumo,
segundo um pedido de 1501, que «arriscou a sua pessoa e a de seus irmãos
e veio de tão longe para servir Vossas Altezas e gastou nisso dezassete anos,
a melhor parte da sua vida, sem qualquer recompensa até agora»'^.
Em fins de 1501 ou nos princípios de 1502, surgiram sinais de que a
sorte de Colombo estava a melhorar. Conseguiu juntar capital proveniente
de banqueiros genoveses de Sevilha para aproveitar o seu direito de inves-
tir em viagens às suas descobertas - «o meu oitavo quinhão nas viagens de

mercadores que vão às índias» ^^ A produção de ouro em Hispaníola aumen-


tara, de forma que o esperava uma quantidade considerável. Acima de tudo,
começava a parecer que os monarcas ainda precisavam dele. A política real
- tão detestada por Colombo - de autorizar intrusos a realizarem viagens
de exploração através do Atlântico tinha dado, em fins de 1501, lamenta-
velmente pouco resultado. Os benefícios do plano de Hojeda de roubar a
Colombo a colheita de pérolas em Margarita foram tomados pelos irmãos
Guerra, de Triana, fornecedores de biscoito às armadas das índias, bem colo-
cados para reunir o capital necessário para uma expedição. O sócio activo
do empreendimento era Pêro Alonso Nino, companheiro de viagem de
Colombo na primeira travessia, que comandou uma expedição para colheita
de pérolas em 1499, mas em nada contribuiu para a exploração. Mais aven-
turosa mas menos lucrativa foi a viagem chefíada por Rodrigo de Bastidas
em Janeiro de 1500, que atingiu o limite das navegações de Hojeda e explo-
rou o golfo de Urabá antes de ser obrigado a recolher a Hispaníola devido
aos estragos provocados pelas térmitas. Conseguiu-se melhor resultado nas
tentativas de exploração da costa brasileira para sul. O Brasil foi descoberto
por Vicente Yánez Pinzón, em Janeiro de 1500*, e uma viagem efectuada
no ano seguinte - de novo fínanciada, em parte, pelo consórcio Guerra -
sob a chefia do gentil-homem aventureiro Luís Velez de Mendoza aumen-

'"Ibid. 295-301, 305-10.


" Ibid. 310.
* A do Brasil em Abril
historiografia actual atribui a Pedro Álvares Cabral a descoberta
de 1500, data em
que tomou posse dessa terra em nome da coroa portuguesa. No entanto, a
prioridade desta descoberta portuguesa é um ponto controverso, que ainda não teve elucida-
ção definitiva. De qualquer forma, tratava-se de uma região pertencente a Portugal pelas cláu-
sulas do Tratado de Tordesilhas. Por outro lado, talvez Pinzón tenha avistado essa terra mas
não desembarcou nem reivindicou qualquer soberania sobre ela. (A^. da T.)

191
tou o conhecimento da costa, provavelmente até ao rio São Francisco. Porém,
pensava-se que grande parte da zona se incluía no lado português da linha
de Tordesilhas e a navegação portuguesa na zona estava a lançar os funda-
mentos da futura exploração. Era notório que quaisquer novas vantagens
para Castela teriam que ser procuradas mais para oeste e norte, para além
dos limites do que Colombo já descobrira. A falta de sucesso dos seus rivais
constituía uma poderosa razão para dar a Colombo uma nova oportunidade
de aumentar, ele próprio, os seus feitos.
Parecia, além que Colombo podia agora ser lançado, com segu-
disso,
rança, noutra expedição. Em Setembro de 1501, os monarcas tinham preen-
chido a vaga criada no governo de Hispaníola pela queda em desgraça de
Colombo, nomeando Don Nicolás de Ovando. O prestígio deste, conferido
por credenciais incontestavelmente aristocráticas, era acompanhado de uma
competência que a prosperidade de Hispaníola sob o seu domínio em breve
confirmaria. Como antigo membro da corte do príncipe, onde vigiava o seu
andamento, podia esperar-se que soubesse lidar com Colombo. Se o almi-
rante fosse autorizado a regressar às índias, Hispaníola poderia ser-lhe proi-
bida e, sob a chefia de Ovando, nada haveria a recear da impopularidade

ou incompetência de Colombo. Durante mais de um ano desde que chegara,


acorrentado, os monarcas suportaram as suas censuras implícitas, ameaças
veladas e propostas fantasistas. Embora os seus escritos deste período nos
pareçam fascinantes, para Fernando e Isabel é mais provável que tenham
sido vexatórios ou simplesmente enfadonhos. O importuno inveterado é
geralmente o último a registar o seu próprio efeito, mas, em Fevereiro de
1502, o próprio Colombo estava disso consciente. «Preferiria ser para Vossas
Altezas uma fonte de prazer e deleite», protestou, «do que de aborrecimento
ou mal-estar.»^^ Em princípios de 1502, tanto ele como os seus patronos
pareciam ter-se cansado desta situação. Em Fevereiro, Colombo pediu e
obteve permissão para realizar mais uma viagem através do mar Oceano.

Antes de partir, Colombo enviou grande número de cartas de negócios


e também escreveu o que se assemelhava a um relato geral da sua carreira
até à data, dirigido ao papa, com um pedido de nomeação de membros de
ordens religiosas para evangelização das novas descobertas. Nota-se um ine-
gável ar de satisfação nestas cartas, como se o cheiro da aventura chegasse
às narinas do almirante, reavivando as suas esperanças e inflamando o seu
amor-próprio. Falou aos seus correspondentes, com mal contida excitação,
da sua próxima viagem. «Outra viagem em nome da Santíssima Trindade»,
anunciou ao papa, «será para vossa glória e honra da santa Fé Cristã.»
«Regresso às índias em nome da Santíssima Trindade», anunciou aos direc-
tores do Banco do Estado genovês. A nova comissão interrompera o traba-

12 Ibid. 305.

192
lho da história do seu empreendimento, feita «no estilo dos Comentários de
César». Falou em tom confiante da renovação do favor real: «Meu senhor
rei e senhora rainha desejam honrar-me, mais do que nunca.»^^

No entanto, é impossível sermos enganados por estas provas de entu-


siasmo: sobrepõem-se mas não apagam as contínuas ansiedades de Colombo.
A carta dirigida ao papa, em particular, caracterizava-se por algumas das
mesmas preocupações que se encontravam nas queixas amargas de 1500 e
1501, como a descoberta da localização do Paraíso terrestre, a projectada
reconquista de Jerusalém, a insistência na geografia bíblica do Novo Mundo,
as manobras de Satã para frustrar o desígnio de Colombo: todos estes temas
se intrometiam com a persistência característica do almirante. As desco-
bertas eram descritas por hipérboles comprimidas: os epítetos expansivos
familiares eram omitidos mas apresentava-se uma torrente de estatísticas
fantasistas para impressionar o leitor: 1400 ilhas, 333 léguas da costa asiá-
tica, 800 léguas da costa de Hispaníola. «Esta ilha é Tarshish. É Qittim.

É Ofir e Ofaz e Cipangu e chamámo-la Hispaníola.»


Nas cartas de Colombo para Roma e Génova, é difícil resistir à sensa-
ção de que preparava um apelo, à revelia dos monarcas, a um potencial
patrono rival ou, pelo menos, um refugio em caso de nova queda em des-
graça. Para um súbdito de Fernando e Isabel, o apelo directo ao papa para
a nomeação de membros do clero, sem intervenção dos monarcas, consti-
tuía procedimento irregular e talvez mesmo traição. Porém, o almirante que-
brou uma promessa ao apresentar as suas queixas contra os monarcas, em
privado, ao santo padre. Não está esclarecido se a carta para o papa foi
alguma vez terminada ou enviada, mas os termos da tentativa de aproxi-
mação de Colombo a Génova levantam especulações semelhantes. Ao incluir
uma queixa cautelosa sobre a sua demissão do cargo de governador e asse-
gurando aos correspondentes os seus inalterados sentimentos filiais pela sua
cidade natal, Colombo preparava o caminho, pelo menos, para uma poten-
cial mudança de vassalagem. A promessa de dedicar parte dos seus rendi-
mentos à redução dos impostos em Génova, se se destinava a obter o favor
dos governantes da cidade, parece ter sido eficaz. A resposta dos directo-
res do Banco do Estado incluiu alguns dos elogios mais extravagantes que
Colombo jamais recebera por «ter descoberto pela sua indústria, energia e
prudência tão grande parte da terra no outro lado do mundo, que permane-
cera desconhecida ao longo de todas as épocas anteriores das pessoas que
vivem no nosso hemisfério»^"*. Infelizmente, Colombo só recebeu esta men-
sagem encorajadora ao regressar da sua última e mais desastrosa viagem.
Quando Ovando partiu para as índias, em Fevereiro de 1502, a sua
esquadra contava com trinta embarcações. Quando Colombo partiu, em

•3 Ibid. 308-15.
'4 Cartas, 298-9.

193
Maio, tinha quatro caravelas. Seus irmãos acompanharam-no - segundo
nos diz, Bartolomé foi relutantemente recrutado para servir^^ -, bem como
o seu inteligente filho Fernando, com apenas treze anos de idade. A sua
missão era exploratória - propósito mais agradável que as múltiplas res-
ponsabilidades que suportara nas suas duas últimas travessias. O seu objec-
tivo era «ir e explorar a terra de Pária», isto é, retomar as explorações
interrompidas na sua terceira viagem. Planeou, porém, não repetir as via-
gens ao longo da costa efectuadas sem sucesso pelos intrusos andaluzes
que ali tinham estado desde 1499, mas antes alargar a exploração da costa
de Pária bem para norte, verificando a extensão do continente nessa direc-
ção e procurando a tão desejada rota para a Ásia. Sabia-se agora que a
parte continental do Novo Mundo, descoberta por Colombo em 1498, ocu-
pava uma grande parte do Atlântico Sul. Colombo calculou que seria pos-
sível navegar pela passagem existente entre as ilhas que encontrara nas
suas primeiras travessias e este novo continente, através da parte ociden-
tal do que hoje se chama o mar das Caraíbas. Atingiria, assim, a fugidia

terra do ouro e das especiarias. Ao mesmo tempo, Vasco da Gama reali-


zava uma segunda viagem à índia pela rota que já seguira para o Oriente.
Se as ideias de Colombo estivessem certas, seria possível aos dois esplo-
radores encontrarem-se no Oriente, tendo entre os dois atravessado toda
a circunferência do globo. Colombo sugeriu tal ideia aos monarcas, que
reagiram entusiasticamente:

E no que respeita ao que dizeis sobre Portugal, escrevemos sobre o assunto ao rei
de Portugal, nosso genro, e junto vos enviamos a carta dirigida ao seu capitão, conforme
o vosso pedido, pela qual o notificamos da vossa partida para oeste e dizemos que sou-
bemos da sua partida para leste e que, se se encontrarem no caminho, devem tratar-se
como amigos e como é correcto entre capitães e súbditos de monarcas entre os quais
existe tanto amor e amizade e tantos laços de sangue, dizendo-lhe que vos ordenámos
o mesmo. E pediremos a nosso genro, o rei de Portugal, que escreva ao seu capitão nos

Colombo esperava desta viagem a concretização das suas frustradas


ambições, a inversão dos seus fracassos e a confirmação das suas reivindi-
cações, tudo incluído num sucesso retumbante. Fora amparado desde a sua
queda em desgraça por um estado de exaltação intermitente, por uma espe-
rança a que se agarrava e que alimentava uma autopercepção fantasiosa e
o projecto inatingível de uma cruzada impraticável. Presentemente estava
sob a acção de uma antiga forma de excitação. Encontrava-se, assim, mal
preparado mentalmente para os desapontamentos que o esperavam. De facto.

'5 Textos, 318.


'^ Navarrete, i. 223-5.

194
esta viagem, em que depositara tantas ilusões, viria a constituir o fracasso
mais evidente da sua vida. Terminaria não na Ásia mas nas profundezas da
angústia e quase no desespero. Atingido por um ciclone, sujeito quase insu-
portavelmente a ventos contrários, debilitado pela malária, atacado por índios
hostis na costa do Panamá, vagueando por fim na Jamaica, ameaçado pela
fome muitos dos seus homens, Colombo seria levado para
e rejeitado por
o refijgio dos seus anos de declínio: ilusões, misticismo e fantasia.
A travessia foi a mais rápida de todas as que fizera - vinte e um dias a
partir da Grande Canária. Porém, aí terminaram as facilidades. Raramente
encontrou ventos ou correntes favoráveis durante o resto da viagem. Os
monarcas tinham-lhe ordenado solenemente que não interrompesse a via-
gem em Hispaníola nem perturbasse o comando de Ovando. Afinal, tinham
sido prevenidos, pela autoridade irrefutável dos missionários franciscanos,
que, se Colombo desembarcasse na colónia, o resultado seria fatal para a
paz da ilha. A ordem foi transmitida com tacto, «porque não está certo que
esta viagem seja de qualquer forma atrasada», sendo-lhe dada permissão
«quando regressardes, se Deus quiser, se achardes necessário fazer ali uma
^'^.
pequena paragem no regresso»
Estas eram instruções a que Colombo não estava disposto a obedecer.
A ofensa que sentia quanto à sua destituição do governo efectivo de Hispaníola
causava-lhe grande sofrimento. A sua petição revelava, sob a aparência indi-
ferente do discurso na terceira pessoa, a verdadeira dor que lhe causava:

Está decidido que é ele que tem que governar e dirigir as ditas ilhas e terras como
almirante, vice-rei e governador e não outra pessoa... pois além de estar assim firmado
por contrato, é justo que o faça, devido ao papel que tem tido neste assunto e ao facto
de que não teria tomado este empreendimento se não estivesse decidido que teria que
governar e dirigir, porque nesse caso não poderia esperar obter qualquer recompensa
dele nem ninguém teria suportado o sofrimento nem arriscado a sua pessoa para levar
o assunto ao seu fim, como ele fez^^.

Isto não significa que quisesse realmente retomar as responsabilidades


do seu cargo de governador: pelo contrário, preferia muito mais a explora-
ção, mas receara, enquanto estivera em Espanha, que «este empreendimento
está a caminhar para a ruína»^^. Assumia a atitude de proprietário em rela-
ção à sua ilha e queria verificar o andamento da colónia. Desejava também
proteger os seus substanciais interesses pecuniários e - podemos deduzir -
satisfazer-se com os rendimentos da extracção do ouro que esperavam
cobrança ou transmissão para Espanha em seu nome.

17 Ibid. 224.
'8 Textos, 298.
19 Ibid. 303.

195
Santo Domingo era, porém, o único porto permanente no extremo oposto
do Atlântico. Ir lá antes de continuar a exploração constituía uma precau-
ção sensata, bem como uma tentação irresistível. Quando chegou ao largo
de Hispaníola, a 29 de Junho, tomou-se urgente procurar abrigo. Aproximava-
-se um ciclone e Colombo, que conhecia aquelas águas melhor que nin-
guém, compreendeu os sinais com precisão. Enviou uma mensagem a Ovando,
pedindo entrada no porto e avisando-o da tempestade próxima. O governa-
dor ignorou o pedido e desprezou o aviso. «Alguma vez nasceu algum
homem», exclamou Colombo, «que não morresse de desespero - excep-
tuando o próprio Job - ao ser-lhe negado abrigo, pelo risco que corriam a
sua vida e alma e as de seu filho e irmãos e companheiros, na própria terra
e portos que, por vontade de Deus, suando sangue, conquistei para Espanha?»^^
Parte da armada que trouxera Ovando de Espanha partira, na ignorância do
ciclone, enquanto os navios de Colombo procuravam abrigo num pequeno
porto natural que conhecia nas proximidades.
Nessa noite, enquanto o navio almirante estava firmemente ancorado,
as outras caravelas quebraram as amarras e salvaram-se apenas por sorte e
pela ousada competência da tripulação. O destino da armada que partira
confirmou o aviso de Colombo. Perderam-se dezanove embarcações com
mais de quinhentos homens. Entre os mortos contavam-se Francisco de
Bobadilla, o funcionário que acorrentara Colombo, e o seu velho inimigo
Roldán^^ Também se perdeu o maior carregamento de ouro jamais enviado
para Espanha. O único navio que chegou a Castela foi um dos que trans-
portavam parte dos rendimentos do próprio Colombo.
Com ventos sul adversos, Colombo não podia retomar directamente
as explorações da costa de Pária. Não tinha outra solução senão dirigir-
-se para oeste, até que, em fins de Julho de 1502, encontrou a costa de
Belize, perto de Bonacca, na ponta oriental das ilhas Bay. Justamente
famoso por atravessar o Atlântico, Colombo conseguira agora uma segunda
transnavegação - a das Caraíbas -, menos espectacular mas, de certo
modo, igualmente notável. Se os atrasos causados pela tempestade e os
ventos contrários fossem tidos em conta, levara quase o dobro do tempo
a fazer a travessia do que a atravessar todo o oceano. As correntes com-
plexas, os ventos variáveis, os recifes e baixios traiçoeiros e o tempo tem-
pestuoso tomam as Caraíbas perigosas mesmo para os que as conhecem
bem; Colombo enfrentara-as sem preparação e aparentemente sem quais-
quer guias nativos a bordo. Ficou tão impressionado pelo seu próprio
feito que sentiu, ao olhar para trás, que fora guiado pela inspiração divina
- um «tipo de profecia» acessível apenas aos iniciados na astronomia -

2oibid. 317.
Oviedo,i. 72. Esta tradução toraa-se credível pelo testemunho da morte de Roldán,
2>

anterior a Agosto de 1504, revelada por Cioranescu, Óeuvres de Colomb, 473 n.° 10.

196
e que nenhum dos seus pilotos profissionais seria capaz de encontrar de
novo o caminho^^.
A costa das Honduras era aparentemente continental, com um interior
visivelmente montanhoso. Este facto foi confirmado pelos nativos, que
pareceram a Colombo mais civilizados que os ilhéus, mais bem vestidos,
com acesso a comércio distante e hábeis no trabalho do cobre. A costa
estendia-se de leste para oeste. A questão era saber se esta terra fazia parte
do continente que Colombo descobrira em Pária. Se assim fosse, estaria
em conformidade com os planos de Colombo, isto é, continuar pela sua
rota para oeste e procurar a índia nessa direcção. Decidiu, no entanto, rumar
para leste e navegar contra o vento na direcção da sua anterior descoberta
(ver mapa 5).
Colombo confessava uma obrigação assumida perante os monarcas de
cumprir a sua promessa de regressar ao «povo do pau-brasil». Pode ser,
porém, que a explicação da sua conduta resida antes em informações enga-
nadoras obtidas dos nativos. Pensava que na rota adoptada se encontrava um
estreito que, através de um istmo, conduzia a um grande oceano. Fez, pelo
menos, uma tentativa de identificação, na sua mente, deste estreito com o
estreito de Malaca, pelo qual Marco Pólo viajara nas faldas do Áureo
Quersoneso^^ (ou península de Malaca, como é hoje, prosaicamente, cha-
mada). Se isto fosse verdadeiro, a índia estaria do outro lado. Colombo vele-
java, efectivamente, ao longo da costa de um istmo e o oceano que o banhava
a ocidente era o Pacífico. Mas o estreito não existia e, mesmo que aí se
encontrasse o Áureo Quersoneso, estaria ainda a três ou quatro meses de via-
gem para além dele. Colombo ainda não tinha um intérprete de confiança.
Capturara um índio, agora baptizado «Juan Pérez», que estava a preparar
para essa função, mas, de momento, as suas comunicações com os nativos
eram por meio de sinais. A biografia atribuída a seu filho, que reivindica
uma autoridade especial para a viagem em que o jovem Fernando embarcou,
assinala que a confusão surgiu porque as informações dos nativos indicavam
um «estreito» ou faixa estreita de terra - isto é, o istmo do Panamá -, que
Colombo pensou significar um estreito de água «no seu sentido normal, de
acordo com o seu maior desejo»^"*. Não era a primeira vez nem seria a última
que Colombo era desviado do bom caminho pelas suas ilusões.
Durante quase quatro meses, o almirante e os seus homens sofreram
dificuldades enquanto perseguiam o quimérico estreito, primeiro em luta

22
Textos, 324-5.
23
Ibid. 319. Colombo parece, pela sua correspondência com Pedro Mártir, ter esperado
encontrar o Áureo Quersoneso desde a sua tentativa de medir a longitude de Hispaníola na
sua segunda viagem: Epistolario, i. 261, 307. A linguagem do relato feito por Colombo da

sua quarta viagem é,porém, cautelosa sobre a questão e deixa em aberto a possibilidade de
outra península ter sido atravessada antes do Quersoneso ser atingido.
2^ Historie, ii. 93.

197
esgotante contra o vento e depois, onde a costa inflectia para sul no cabo
Gracias a Díos, numa costa onde abundava a malária, com clima péssimo
e chuvas torrenciais. As embarcações estavam homens doen-
danificadas e os
tes. O irmão de Colombo, Bartolomé, encontrava-se entre os mais atingi-
dos. Em Cariai - região do décimo paralelo na costa da actual Costa Rica -
ouviu rumores de terras civilizadas e auríferas, aparentemente situadas no
extremo oposto do istmo. Em fins de Setembro, o próprio Colombo estava
«às portas da morte». O facto de ver o filho nas garras da doença trouxe-
-Ihe recordações de casa e reacções de autocompaixão:

A doença do filho que tinha comigo despedaçava-me a alma e tanto mais quanto o
via em tão tenra idade - com treze anos - com tantas dores e suportando tudo tão bem...
Outra tristeza arrancava-me o coração do peito e essa êra Don Diego, meu filho que dei-
xara em Espanha, sem ninguém para olhar por ele, despojado da herança da minha honra
e estado, embora acreditasse firmemente que Suas Altezas, como príncipes justos e vir-
tuosos, lhe restituiriam tudo com vantagem^^.

Após mais algumas semanas de navegação em ambiente insalubre e não


compensadora ao longo da costa, em fins de Outubro de 1502 Colombo
encontrava-se, realmente, numa região produtora de ouro, a província de
Veragua, perto da actual fronteira entre a Costa Rica e o Panamá. A exis-
tência de ouro levou a uma paragem temporária na procura de um estreito.
Colombo, optimista como sempre, voltou a ter esperança de que esta fosse
a sua descoberta mais lucrativa até aí - uma viagem para enriquecer os seus
soberanos e silenciar os seus detractores - e de que «a minha viagem dura
e dificil pode ainda vir a ser a mais nobre»^^. Mas o mau tempo não lhe
permitiria realizar facilmente tão grande conquista. Atacado pela febre, tal
como muitos dos seus homens, foi navegando, levado pelas rajadas e batido
pela chuva, ao longo da costa inóspita até à embocadura do rio Culebra:

Lutei ali contra muitos perigos e dificuldades até à minha total exaustão e das embar-
cações e homens. Fiquei ali quinze dias, pois tal era a vontade do tempo cruel... Aí
mudei de minas e decidi fazer algo quanto a elas enquanto
ideias sobre o regresso às
esperava por tempo propício para retomar a minha viagem por mar. E, quando fizera
quatro léguas, a tempestade voltou. E deixou-me de tal forma exausto que estava quase
inconsciente. Agora, a minha velha ferida do mar começou a perturbar-me novamente.
Durante nove dias vagueei, perdido, sem esperança de sair dali vivo. Nunca olhos viram
mar tão alto e ameaçador e espumando. O vento não nos levava para onde queriamos
nem nos permitia chegar a qualquer tipo de terra. Aí permaneci, naquele mar de san-
gue, que fervia como um caldeirão numa grande fogueira. Um céu tão assustador nunca
se viu. Um dia ardeu toda a noite como o lume num fogão e lançava tais chamas, sob

25
Textos, 318.
26
Ibid. 320.

198
a forma de relâmpagos, que a todo o momento tinha que verificar se os mastros ou as
velas tinham sido atingidos. Brilhavam tão depressa e violentamente que todos acredi-
támos que os navios se afundariam. Em todo aquele tempo as águas do céu nunca para-
ram de cair torrencialmente. Não era o que se poderia chamar uma tempestade de água
mas antes a vinda do segundo Dilúvio. As tripulações estavam tão oprimidas nesta altura
que desejavam a morte como fuga a tantos sofrimentos. As embarcações tinham agora
perdido os botes, as âncoras e as amarras por duas vezes. Estavam muito esburacadas e
sem velas^^.

Colombo exagerou sem dúvida as suas atribulações ou retratou-as dema-


siado vivamente sob a influência da febre e da adversidade contínua, mas
só em fms de Novembro conseguiu iniciar o regresso a Veragua. Isto sugere
talvez falta de sinceridade quando afirmava sentir-se obrigado a regressar
alidevido ao estado do tempo: apenas a atracção do ouro pode ter justifi-
cado as proezas e a resistência descritas. Mesmo agora, os ventos contrá-
mau tempo continuaram a retardá-lo, de forma que só na Festa da
rios e o
em 1503, a pequena armada chegou à foz do rio a que Colombo
Epifania,
chamou Belén (Belém) em honra do dia. Veragua demonstrou ser uma pobre
recompensa para tanto sofrimento. Inicialmente, os indícios eram promete-
dores. Os índios Guaymis pareceram amistosos e dispostos a negociar. Uma
expedição sob a chefia de Bartolomé Colón encontrou ricos depósitos de
ouro rio acima. De facto, o ouro era abundante mas o local acidentado e o
volume da chuva tomavam impossível obtê-lo. Os espanhóis em breve sen-
tiram os efeitos desencoraj antes das torrentes de água que caíam em cas-
cata pelas vertentes das montanhas, arrastando todo o material e chegando
a atingir o mar, embatendo contra os navios espanhóis com tal força que as
amarras se retesavam ou quebravam.
Pior ainda, as relações com os índios deterioraram-se rapidamente -
como sempre acontecia quando os exploradores subalternos revelavam a sua
cupidez e rapacidade. Colombo tencionava deixar seu irmão com uma guar-
nição num posto fortificado nas margens do rio Belén para iniciar o comér-
do ouro em grande escala, enquanto o almirante
cio e preparar a exploração
e o restoda armada levariam as notícias a Hispaníola, carregando aí ferra-
mentas e abastecimentos. Contudo, os índios tomaram-se ameaçadores,
enquanto a maré baixa retinha os navios no estuário. Não havia qualquer
refugio na costa e não era possível a fuga pelo mar. Depois de tanto tempo
a flutuar em águas quentes, as embarcações tinham sido atacadas pelas tér-

mitas. Ninguém sabia por quanto tempo permaneceriam em condições de


navegar. Em Abril, no momento mais negro desta longa provação, reapare-
ceram as condições ideais - isolamento, desespero, febre - para uma das
experiências de Colombo da presença de Deus.

Ibid. 320-1.

199
Em meus navios estavam todos completamente atacados pelo caruncho e
Abril, os
mal os conseguia manter a flutuar. Nessa altura, o rio abriu um canal para o mar e, com

um esforço tremendo, consegui fazer sair três embarcações, sem carga. Os botes dos
navios voltaram para carregar o sal e a água. O mar ergueu-se e tomou-se ameaçador e
não puderam voltar a sair. Os nativos apareceram e atacaram os botes em força mas
foram mortos. Meu irmão e todos os meus outros homens estavam a bordo do navio que
ainda se encontrava no estuário e eu estava completamente só, ao largo, naquela costa
selvagem, com febre alta. Sentia-me completamente esgotado, morto para qualquer espe-
rança de fuga. Este era o estado em que me arrastei pelo cordame até ao cesto da gávea.
Clamei e gritei alto com medo, implorando, implorando urgentemente aos capitães dos
navios de guerra de Suas Altezas, de todos os cantos do vento, para virem em meu auxí-
lio. Mas nunca obtive resposta. Ainda gemendo, perdi os sentidos. Ouvi uma voz dizendo
em tom piedoso: «Oh, homem louco e lento no serviço do teu Deus, o Deus de todos!
Que mais fez Ele por Moisés ou pelo Seu servidor David? Desde o momento do teu nas-
cimento teve sempre especial cuidado contigo. E, quando viu que estavas na idade que
Lhe agradava, fez teu nome ressoar por toda a terra. As índias, que são uma parte tão
ricado mundo. Ele tas deu. Concedeste-as a quem quiseste e Ele permitiu-to. Dos laços
do mar Oceano, que tinham sido ligados com correntes poderosas, Ele deu-te as chaves.
E foste senhor de muitas terras e tua honra foi grande entre os cristãos. Que mais fez
Ele pelo Seu povo, Israel, quando o libertou do Egipto? Ou por David, quando de um
pastor o fez rei da Judeia? Volta-te para Ele e confessa o teu pecado. A Sua misericór-
dia é eterna. A velhice não te impossibilitará todos os grandes feitos. Múltipla e grande
é a herança da Sua dádiva. Abraão já tinha cem anos quando gerou Isaac. Sara também
não era jovem. Chamas Deus para te ajudar: considera, na tua ignorância, quem te afli-

giu tantas vezes e tão intensamente - Deus ou o mundo? Os privilégios e promessas que
Deus concede não os quebra. Nem diz, depois de O servirem, que tal não era o Seu pro-
pósito e que as Suas palavras deviam ser compreendidas de outra forma. Nem atribui o
destino de mártir como uma forma de esconder as obrigações. Mantém-se fiel ao sen-
tido literal das Suas palavras. O que promete dá com acréscimo. Esse é o Seu modo.
Como te disse, assim o teu Criador te tratou e assim Ele trata com todos os homens.
E agora», disse-lhe a voz, «mostra-Lhe a resolução que mostraste em todos os teus esfor-
ços e irás ao serviço de outros.» E, meio morto como mas não
estava, ouvi tudo isto,
sabia como responder meus peca-
a estas palavras de verdade, excepto chorando pelos
dos. Quem quer que falou, terminou com as palavras: «Não temas, mas tem coragem.
Todas as tuas angústias estão gravadas em letras de mármore e há um propósito por
detrás de todas elas.»^^

Este foi o relato mais longo e pormenorizado de Colombo sobre as expe-


riências da sua voz celeste, quer porque nesta ocasião a voz tinha mais a
transmitir quer porque as circunstâncias eram mais traumáticas e a voz mais
consoladora. A natureza da voz adquiriu aqui uma nova característica como
aliada da autoprojecção de Colombo e como porta-voz de algumas das suas
queixas mais amargas contra Fernando e Isabel. As índias e o Oceano, por
exemplo, foram apresentados como concedidos directamente por Deus a

28 Ibid. 322-3.

200
Colombo em pessoa, como um domínio que Colombo, por autoridade divi-
namente delegada, transmitira aos monarcas. Isto era não só uma distorção
dos factos, pois a autoridade de Colombo adviera-lhe de concessão dos
monarcas e não o contrário, como era também uma doutrina extremamente
subversiva: a legitimidade do governo medieval dependia das afirmações
de que os poderes existentes são ordenados por Deus e de que a eleição
divina elevava os monarcas acima dos seus súbditos. Exceptuando o rei, a
reivindicação desta honra directamente de Deus era, no tempo de Colombo
- embora houvesse casos anteriores -, um desafio inimaginável à autori-
dade real. Em grande parte do discurso, a voz usou linguagem muito sobre-
carregada de alusões bíblicas e litúrgicas. As suas credenciais foram esta-
belecidas por frases conhecidas, como «não temas, mas tem coragem» e
«volta-te para Ele e confessa o teu pecado». Em particular, a voz seguiu
Job e Jeremias - livros que Colombo considerava, em certo sentido, apli-
cáveis a si próprio - e o discurso escatológico de Cristo, que terá sido minu-
ciosamente estudado por um leitor como Colombo, o qual esperava desem-
penhar um papel na reconquista de Jerusalém e alegremente antecipava o
fim do mundo. A voz seleccionou, como modelos a seguir por Colombo,
uma relação impressionante de figuras das Escrituras tradicionalmente con-
sideradas como próximas de Cristo. Existia, porém, uma passagem com duas
frases, no meio do discurso, onde a mensagem se desnudava das roupagens
bíblicas. Ocorria logo a seguir à referência ao facto de Abraão ter dado à
voz uma espécie de «deixa» para a introdução do conceito de aliança. «Os
privilégios e promessas que Deus concede não os quebra» parece reflectir
«o Senhor fez um juramento que não mudará», embora o termo «privilé-
gios» actualize a alusão e levante, implicitamente, a própria questão exis-
tente entre Colombo Seguem-se duas frases revelado-
e os seus patronos.
ras. «Nem diz, depois de O
terem servido, que tal não era o Seu propósito
e que as Suas palavras deveriam ser compreendidas de outra forma» era
uma censura directa a Fernando e Isabel: convenientemente para Colombo,
a voz poupou-lhe a necessidade de os acusar, directamente, de má-fé. A mesma
queixa subsistia em todas as petições que Colombo dirigiu à coroa nos últi-
mos anos de vida: não estava a receber as recompensas que os monarcas se
tinham comprometido a dar-lhe em 1492. A frase seguinte da voz era obs-
cura, mas a sua interpretação parece ser que Deus aceita apenas o martírio
voluntário, enquanto Colombo o recebera dos cruéis monarcas.
A voz parecia articular tão exactamente os próprios pensamentos de
Colombo de forma tão conveniente para os objectivos do explorador que
um leitor crítico é quase obrigado a perguntar se toda a aparição não foi
uma mistificação, um estratagema deliberadamente criado para a transmis-
são de um «subtexto» ligeiramente codificado e arriscado. De tudo o que o
crítico tem à sua disposição, a sinceridade é o mais difícil de avaliar, mas
vale a pena recordar algumas razões para pensar que Colombo acreditava

201
verdadeiramente nessa sua voz. Esta era, afinal, a terceira ocorrência do
mesmo género: uma única aparição suscitaria suspeitas, as repetições fre-
quentes poderiam sugerir demasiada exploração, mas três experiências seme-
lhantes não são nem de mais nem de menos para se tomarem facilmente
credíveis. Em cada nova ocasião, as descrições de Colombo tomam-se mais
explícitas e mais pormenorizadas: uma explicação para isto seria uma maior
confiança em presença de um fenómeno perturbador que se ia tomando gra-
dualmente mais familiar. Em todos os casos, as circunstâncias eram seme-
lhantes e conducentes a uma experiência mística em alguém cuja sensibili-
dade está adequadamente receptiva: nesta última ocasião, Colombo mencionou
especificamente que estava na verdade febril, bem como isolado e deses-
perado, quando a voz falou. Finalmente, as aparições de vários tipos - geral-
mente manifestações fisicas da Virgem, mas incluindo «vozes», e a descida
visível de outros seres celestes - faziam parte do tecido da experiência reli-
giosa popular no tempo de Colombo: não eram banais nem bizarras mas,
no conjunto, ainda bem-vindas e mesmo activamente promovidas pela Igreja.
A atitude oficial mudou, em Espanha, na segunda década do século xvi,
quando os visionários se tomaram objecto de cepticismo e mesmo de sus-
peitai^. Embora o início dessa mudança se possa, talvez, detectar na época

de Colombo, o explorador viveu num mundo onde as intervenções do céu


suscitavam respeito generalizado. Os mais cépticos sobre encontros íntimos
deste tipo poderão aceitar que a capacidade de Colombo para a auto-ilusão
era tão grande e a experiência mística - com o seu discurso messiânico e
egotismo violento - tão característica que todo o episódio tem um tom de
verdade.
Uma vez recuperado, Colombo conseguiu retirar seu irmão e a guami-
ção temporária antes que os índios os dizimassem. Tal como na segunda
viagem, testemunhara o colapso das suas esperanças, o que provocara um
estado semelhante a loucura temporária, mas da qual recuperara o suficiente
para se reanimar, e aos seus homens, escapando ao perigo imediato. Porém,
o problema dos cascos dos navios atacados pelo camncho tomou a fuga
cheia de novos perigos. A única esperança consistia em seguir a rota mais
curta para Hispaníola, com a maior rapidez possível. Tirando a água que
entrava, os exploradores navegaram para leste ao longo da costa. Embora a
sua cosmografia fosse extremamente imprecisa, o sentido de orientação de
Colombo Compreendeu que ainda tinham que navegar bas-
estava intacto.
tante para leste atéconseguirem colocar-se na direcção contrária aos ven-
tos de Hispaníola. O seu prestígio entre os homens da armada, no entanto,
não era muito elevado e admitiu divergências com os seus pilotos. Era opi-
nião destes que estavam muito mais a leste do que ele calculava e que deve-

29 W. Christian, Appahtions in Late Medieval and Renais sance Spain (Princeton, 1981),
150-87.

202
riam afastar-se do continente logo que possível. Os homens devem ter receado
ficar vagueando na costa sul-americana e nestas circunstâncias as técnicas
tortuosas de Colombo no comando não podiam inspirar confiança total. Pode
ter-se tomado suspeito, por exemplo, de tentar persistir na sua missão à
costa de Pária ou de tentar procurar ainda o «estreito» para a índia. De facto,
na altura em que deixaram a costa, na península de Darién, a de Maio de
1

1503, tinham explorado quase tanto como a área anteriormente conhecida


para norte do continente sul-americano. Colombo provara que o continente
devia efectivamente ser contínuo desde as Honduras até ao Brasil. Foi o
último feito do historial mais impressionante de descobertas que qualquer
explorador jamais realizara.
A sua descrição da ida para norte, como um pesadelo, parece dema-
siado dramaticamente convincente para ser verdadeira. Dispunha apenas de
dois navios e ambos metiam água, «com mais buracos que uma colmeia
e com as tripulações em pânico e desespero». O seu primeiro esforço para
se afastar da costa foi frustrado por tempestades e regressaram em árvore
seca. Perderam-se três âncoras do navio almirante quando «à meia-noite,
com mundo à minha volta em constante modificação», as amarras
todo o
se partiram na outra embarcação e esta nos surgiu ameaçadoramente. «Por
milagre não fomos feitos em pedaços.» A segunda tentativa não teve melhor
sucesso, embora desta vez fossem atirados para um ancoradouro seguro.
Depois de um novo atraso de oito dias, afastaram-se finalmente da costa,
«ainda com ventos contrários e as embarcações em pior estado que nunca».
Trabalharam com bombas, baldes e caçarolas para se manterem a flutuar.
A sua imagem avivou o desprezo de Colombo pelos navegadores comoda-
mente instalados que tinha que enfrentar em Espanha:

Ouçamos agora os seus comentários - os que são tão prontos a fazer acusações e
rápidos em encontrar defeitos, dizendo, dos seus ancoradouros seguros aí em Espanha:
«Por que não fez isto ou aquilo quando lá esteve?» Gostaria de ver o seu comporta-
mento nesta aventura. Acredito verdadeiramente que existe outra viagem, de tipo bas-
tante diferente, que eles farão ou toda a nossa fé é vã^^.

Como Colombo previra, tinham rumado para norte demasiado cedo. A sua
rota levou-os para cima, para a costa de Cuba. Num último esforço desespe-
rado para atingir Hispaníola antes dos barcos carcomidos se afundarem, desem-
barcaram a curta distância do seu objectivo - pois o vento era-lhes desfavo-
rável -, na costa jamaicana, na actual baía de Santa Ana^^ Eram na realidade
náufragos, visto que os seus navios estavam inutilizados e o estabelecimento
espanhol mais próximo encontrava-se em Santo Domingo, a mais de 450

Textos, 323-4.
Morison, ii. 386-7.

203
!
milhas, incluindo mais de cem milhas de zona navegável. Esta distância seria
facilmente transposta de canoa, mas uma curiosa característica da exploração
espanhola das Caraíbas é que pouco ficou a dever aos conhecimentos nati-
vos: a cultura indígena era subestimada e as embarcações nativas considera-
das pouco seguras. Mais tarde, no século xvi, as canoas tomaram-se um meio
de transporte básico para o comércio espanhol e seria por meio delas que o
salvamento de Colombo, a partir de Hispaníola, finalmente se efectuaria.
Inicialmente, porém, a ideia do recurso a um meio de transporte tão simples
e eficaz parece não ter ocorrido aos náufi*agos. A sua prioridade era a sobre-
vivência. Estavam dependentes dos abastecimentos que conseguissem dos
nativos por troca e limitados a uma alimentação dispéptica constituída por
carne de roedores e mandioca. Os Espanhóis tinham, no Novo Mundo, um
mau historial na manutenção de relações amigáveis com os nativos. Os pro-
blemas da procura excessiva e das trocas insuficientes deixaram, em breve,
os náufi'agos esfomeados e os nativos alienados. Durante a crise, Colombo
demonstrou algum do seu antigo desembaraço e engenho. Estava previsto um
eclipse para 29 de Fevereiro e, naturalmente, esperava-o com satisfação, na
esperança de medir a sua duração, confirmando assim a suposta latitude a que
se encontrava^^. Ao prevê-lo, prefigurou um herói de Rider Haggard e inti-
midou os índios de tal forma que renovaram os abastecimentos.
Semelhantes talentos foram-lhe exigidos pela explosão de uma rebelião
entre os seus próprios homens. Os irmãos Porras, Francisco e Diego, tinham
sido nomeados para lugares de comando na expedição pelo tesoureiro real
Alonso de Morales. Colombo admitira-os a bordo relutantemente e nunca se
tinham entendido. Conceberam um plano de regresso a Hispaníola, com
outros descontentes, utilizando canoas; Colombo foi obrigado a deixá-los
partir, mas acabaram por se afundar e só sobreviveram aterrorizando os hidios.
O almirante tinha poucos meios coercivos à sua disposição, além do derra-
mamento de sangue. A pólvora e as balas tinham-se esgotado e o moral da
tripulação fiel era presumivelmente frágil. Tentou lidar com os irmãos como
o fizera com Roldán, de adulação e apaziguamento. Rejeitaram,
isto é, através
porém, as suas abordagens neste sentido. A sua indisciplina punha em perigo
toda a expedição ao ameaçar o equilíbrio delicado das relações de Colombo
com os nativos. Colombo atribuiu o início das hostilidades aos amotinados:

Os irmãos Porras regressaram à Jamaica e enviaram-me uma mensagem exigindo


que entregasse todos os meus abastecimentos ou então viriam buscá-los e custar-me-ia
muito e a meu filho e irmãos e a todos os outros homens que estavam comigo. Como
não aceitei esta exigência, eles - para sua ruína- iniciaram a execução da sua ameaça.
Há muitos mortos e bastantes feridos; e no fim Nosso Senhor, Que detesta o orgulho e
a ingratidão, entregou todo o bando nas nossas mãos^^.

32 Verpp. 132, 142.


" Textos, 332.

204
Não podia arriscar-se a outro acto arbitrário de justiça semelhante ao
que tinha causado problemas a Colombo no caso de Adrián de Muxica.
Colombo libertou os irmãos amotinados. Mais tarde, o governador de
Hispaníola não quis processá-los e assim puderam juntar-se ao coro dos
detractores de Colombo em Espanha. «Os delinquentes apareceram na corte,
descarados», explodiu Colombo numa carta a seu filho. «De tal descara-
mento, tal malvada nunca se ouviu falar antes. »^'*
perfídia
Entretanto, Colombo tomara medidas para conseguir salvar a expedi-
ção. O seu leal subordinado Diego Méndez de Salcedo foi um dos aventu-
reiros mais ousados da expedição. Prestara bons serviços nas negociações
e na actuação relativas aos índios no continente e na Jamaica. Pelas suas
próprias palavras, os descontentes queixaram-se de que era o favorito de
Colombo, a quem o almirante confiava «todas as tarefas que conferem
honra». O novo objectivo era atingir Hispaníola numa canoa com remado-
res nativos, acompanhada por uma segunda canoa levando a bordo o ofi-
cial genovês Bartolomeo Fieschi. A distância era reduzida, pelos padrões
navegação e de resistência em pequenas embarcações, mas Méndez
actuais de
falou por todos quando respondeu que era impossível. Aceitou a missão
com demonstração convincente de relutância, apenas depois de ter falhado
um pedido geral para voluntários.
Então levantei-me [recordou] e disse: «Meu Senhor, tenho apenas uma vida. Estou
disposto a arriscá-la ao serviço de Vossa Senhoria e para bem dos presentes, porque
tenho esperança em Nosso Senhor Deus que, vendo a boa intenção com que o farei, me
libertará como fez muitas vezes anteriormente.» Quando o almirante ouviu a minha deci-
são, ergueu-se e abraçou-me e beijou-me na face, dizendo: «Sei bem que não havia nin-
guém senão tu que ousasse aceitar este empreendimento.»^^

Sob a capa da autodramatização de Méndez nota-se um verdadeiro orgu-


lho pelo que considera um acto heróico, que registou no seu testamento e
mandou gravar no seu túmulo. Os riscos da viagem quase justificavam a
sua apreensão: as canoas lutaram contra a corrente, a água doce chegou ao
fim, os remadores começaram a morrer de sede e Méndez adoeceu. Por fim,
depois de cinco dias remando duramente, ambas as canoas chegaram a salvo
a Hispaníola, embora a um ponto bastante distante de Santo Domingo.
O tempo livre que Colombo tivera na Jamaica, nos intervalos entre a
luta pela sobrevivência, a guerra contra os amotinados, a tentativa de enviar
um pedido de ajuda e as relações com os nativos, foi dedicado a reflexão
de carácter geográfico e a planos salutares para o futuro. Compreensivelmente
talvez, nestas circunstâncias desesperadas, sob a influência de débeis espe-
ranças, nenhuma das actividades foi comandada por uma disciplina muito

'' Ibid. 336.


35 Cartas, 340.

205
saudável. Encontrava-se mergulhado numa autocompaixão pouco racional,
agravada por um genuíno sentimento de perigo:

A minha provação é como a descrevi. Até aqui, chorei as minhas próprias lágrimas.
Agora que os céus tenham piedade de mim e a terra chore por mim! Dos bens munda-
nos, tenho menos que nada para o ofertório. Dos confortos espirituais, aqui estou nas
índias, despojado como foi dito. Estou perdido nesta tristeza terrível, doente, esperando
dia após dia pela morte, rodeado por um milhão de selvagens, que fervilham de cruel-
dade e hostilidade para cormosco e estou tão desligado dos sacramentos da Santa Igreja
que a minha alma será esquecida se deixar o meu corpo neste local. Imploro as lágri-

mas de todos os que amam a caridade, a verdade e a justiça^^.

Como sempre na adversidade, os elementos da antiga síndroma fluíram


abundantemente do cérebro perturbado de Colombo, misturados desta vez
com o receio da velhice. Estivera, segundo disse, a dez dias de distância do
rio Ganges; vira os cavalos com arreios de ouro dos Massagetas, que habi-
tam perto das Amazonas; escapara por pouco ao feitiço dos seus mágicos;
em Veragua descobrira as minas de Salomão; continuaria agora não só com
a reconquista de Jerusalém mas também com a conversão do imperador da
China ao cristianismo. Repetiu a reivindicação de ter descoberto o Paraíso
terrestre^^ A característica mais perturbadora do estado mental de Colombo
nesta altura consistiu em tentar rodear o seu fracasso na procura de uma
rota para a Ásia, afirmando insensatamente que tivera sucesso. Reafirmava
agora todos os erros que cometera e mesmo os que pusera de parte, insis-
tindo em que tivera razão desde o início. O seu próprio grande feito ao reco-
nhecer a verdadeira natureza do continente americano e explorar a sua exten-
são para norte até às Honduras foi submerso pelas afirmações falaciosas de
que Cuba fazia parte da China, de que todas as suas descobertas eram asiáticas
e de que todos os elementos da sua teoria original sobre uma travessia atlân-
tica, mesmo o falso valor atribuído ao comprimento de um grau, estavam

certos. «Este mundo é pequeno», declarou, «... A experiência provou-o


»^^
agora... O mundo, afirmo, não é tão grande como as pessoas dizem.
Enquanto a boa sorte o mantinha lúcido, Colombo pudera transcender os
efeitos dos seus erros e mostrar o seu génio como navegador e os seus méri-
tos como descobridor. Os seus escritos da Jamaica, com o seu regresso obs-
tinado às falsidades, marcam virtualmente o fim do seu desenvolvimento
intelectual, o triunfo da obsessão sob um signo maligno.
Escreveu-os na incerteza de que ele ou eles sobrevivessem. A medida
que os meses se arrastavam sem notícias de Diego Méndez, as perspectivas
para os náufragos devem ter parecido negras. Méndez chegara com difi-

36 Textos, 329.
" Ibid. 320, 327; os termos são semelhantes aos que utilizou quando escreveu ao papa
antes de partir: ibid. 311.
38 Ibid. 319-20.

206
culdade a Santo Domingo mas encontrara o governador Ovando previsi-
velmente insensível à provação de Colombo. Recusou ceder embarcações
para um salvamento imediato e obrigou Méndez a esperar a nova armada
de Espanha e a obter navios à sua própria custa. Só após sete meses de pro-
telamento oficioso é que Ovando enviou Diego de Escobar para confirmar
a situação de Colombo: a escolha do emissário foi pouco feliz, pois Escobar
era um amotinado veterano que se juntara à rebelião de Roldán em Hispaníola,
em 1499. Na altura em que chegou, no entanto, a própria visão de um ini-

migo bem-vinda por Colombo, pois demonstrava que Méndez chegara


era
ao seu destino e que finalmente surgiria ajuda.
As cartas que Colombo enviou a Ovando eram, dadas as circunstâncias,
modelos de tacto, insistindo na gratidão e confiança nos bons ofícios de
Ovando, cumprimentando o governador pela sua nomeação para o alto
comando da Ordem de Alcântara e omitindo qualquer tentação de se quei-
xar pelo adiamento do seu salvamento.

Se alguma vez pronunciei palavras verdadeiras, são estas que vou dizer: que, desde
a época em que vos conheci, o meu coração tem ficado sempre feliz com tudo o que
tendes feito por mim... Não tenho espírito nem força para exprimir como estou con-
vencido disso. Deixai-me dizer apenas, meu Senhor, que a minha esperança tem sido e
é que não vos poupareis para me salvar e estou certo disso pois todos os meus sentidos
assim o indicam^^.

Las Casas elogiou estas palavras como prova da simplicidade epistolar


e do carácter sincero de Colombo"^^. Parecem, pelo contrário, ter sido cui-
dadosamente elaboradas e altamente dissimuladas.
O navio de salvamento chegou em Junho de 1504. Os náufragos haviam
esperado quase exactamente um ano. Tinham escapado à morte por naufrá-
gio, fome, índios hostis e amotinados violentos. Pedro Mártir comparou os
seus sofrimentos aos de Aqueménides entre os Ciclopes'^^ O relato oficial
das suas façanhas, apresentado ao conselho real em Espanha
e escrito por
Diego de Porras na sua qualidade de escrivão, dizia simplesmente: «Estávamos
na Jamaica sem fazer nada. A razão da nossa ida à Jamaica ninguém a sabe,
caso não fosse por simples capricho. »'^^

3Mbid. 331.
'«'Las Casas, ii. 316.
'*'
Décadas, iii. 4, 16.
« Cartas, 305.

207
«o MENSAGEIRO DE UM NOVO CEU»

declínio, morte e reputação

Enquanto Colombo definhava na Jamaica, a saúde da rainha Isabel encon-


trava-se em franco declínio. Por vezes não conseguia escrever por falta de
visão, outras vezes sentia-se demasiado fraca para caminhar. Retirou-se gra-
dualmente das tarefas da governação, à medida que as forças a abandonavam,
e o seu nome foi desaparecendo dos documentos reais. Ninguém ousava pre-
ver-lhe a morte, mas todos sabiam que estava iminente. A tensão e o alarme
sempre presentes aquando da morte de um monarca começaram a dominar
Castela e a alta nobreza «aguçou os dentes como javalis na expectativa de
uma grande mutação no Estado» ^ Na época em que o descobridor da América
chegou a Espanha, Isabel estava à morte. A 12 de Outubro de 1504 redigiu
o seu testamento, a sua mente recordou os votos que quebrara para alcançar
o trono e as leis que transgredira para o manter. A 26 de Novembro morreu
em Medina dei Campo e o seu corpo, não embalsamado, iniciou uma longa
viagem, sob chuva intensa e céus enegrecidos, até ao seu mausoléu em Granada.
Colombo sentiu intensamente que perdera uma protectora especial, mas
não pareceu inicialmente apreensivo quanto à ideia de lidar apenas com o
rei. Logo que ouviu a notícia da morte de Isabel, escreveu nos termos ade-

quados a seu filho Diego, que se encontrava na corte, tentando organizar a


campanha para reabilitação e recompensa de seu pai. A primeira recomen-
dação de Colombo a seu filho foi a de «rezar sincera e devotamente pela
alma de nossa senhora rainha».

A sua vida foi sempre católica e santa e era exigente em tudo o que dissesse res-
peito ao santo serviço de Deus. Portanto, podemos confiar que foi para a glória e está

*
Epistolario, ii. 88.

209
livre de todas as preocupações deste duro e triste mundo. A outra coisa é ser vigilante
e diligente, em tudo e por tudo, ao serviço de nosso senhor rei e lutar para lhe poupar
a adversidade. Sua Alteza é a cabeça da Cristandade. Conheces o velho ditado: quando
a cabeça adoece, também os membros adoecem. Por isso, todos os bons cristãos deve-
riam rezar pela sua vida e saúde e aqueles de nós que estão comprometidos ao seu ser-
viço deveriam contribuir com toda a diligência e zelo^.

Colombo ainda alimentava esperanças em relação ao real viúvo. A esco-


lha das palavras em
que o designa por «cabeça da Cristandade», designa-
ção repetida em termos muito semelhantes noutra carta do mesmo período,
poderia sugerir que o projecto de Jerusalém estava de novo na mente de
Colombo, pois aquele era um dos títulos usuais do «imperador do Último
Mundo» da tradição profética. Colombo falou com aparente confiança em
ser enviado de regresso a Hispaníola como governador e encheu as suas
cartas para a corte de recomendações pormenorizadas sobre a colónia.
Durante os dois meses seguintes, no entanto, o seu estado de espírito
mudou, a sua segurança desapareceu, a sua confiança no rei declinou. Gozava
de uma prosperidade material extraordinária devido às remessas de ouro que
recebia de Hispaníola, mas exibia cada vez mais a aparência exterior de um
homem arruinado. A saúde encontrava-se muito abalada. Durante a última
viagem, falara apropriadamente de si próprio como um velho, sem «um
cabelo no meu corpo que não seja branco» e a «minha saúde arruinada».
Na altura em que chegou a Espanha só lhe era possível movimentar-se de
liteira; a viagem de Sevilha para a corte teve que ser várias vezes adiada e

realizada apenas em curtas tiradas, «pois esta minha doença é tão dolorosa
e o frio agrava-a tanto que não poderei evitar acabar nalguma estalagem»^
A última observação não era inteiramente jovial: Colombo queria dizer que
poderia morrer no caminho. Durante a sua ausência da corte, os seus negó-
cios foram dirigidos por Diego - apoiado, em Dezembro de 1504, por
Bartolomé e pelo jovem Fernando - e por Diego Deza, que se tomou arce-
bispo de Sevilha em Janeiro de 1505, mas os esforços conjugados deram
pouco ou nenhum resultado. Os assuntos em causa eram, como sempre, os
termos dos privilégios de Colombo: o patrocínio e os rendimentos que os
monarcas não estavam dispostos a conceder, os cargos que não tinha com-
petência para desempenhar. No início de 1505, Colombo exprimiu a Deza
o seu desespero, numa carta em que culpa o rei, com franqueza chocante:

E visto que parece que Sua Alteza não está disposta a cumprir o que prometeu com
a sua palavra e por escrito, juntamente com a rainha - que Deus dê descanso à sua
alma -, sinto que, para um simples lavrador como eu, lutar estando ele contra mim seria

como lutar com o vento. E tudo correrá bem. Pois fiz o que pude e agora que seja o

2 Textos, 341.
3 Ibid. 329, 337, 339, 350.

210
Senhor Nosso Deus a agir, mas sempre O encontrei muito favorável e uma ajuda muito
presente quando em dificuldades"^.

A acreditar no testemunho de Las Casas, Colombo parece ter imaginado


não só que o rei lhe era hostil mas também que o monarca estava decidido
a privar Diego da sua herança^ Se há razões para pensar que a ambição
dinástica fora o motor da vida de Colombo, é compreensível que este tipo
de preocupações tivesse assediado o almirante moribundo, que já renunciara
a tantos triunfos. Os seus receios, porém, parecem não ter tido fundamento.
Embora o rei não mostrasse pressa em satisfazer Colombo, o facto devia-
-seao atraso que era o recurso normal da coroa ao lidar com requerentes e
não a hostilidade pessoal. Fernando era, na verdade, notavelmente benévolo
em relação aos interesses da família de Colombo. Por exemplo, ordenou
que Diego recebesse uma pensão de 50 000 maravedis por ano; usou o poder
real no mercado matrimonial a fim de conseguir para o jovem um casa-
mento brilhante com Dona Maria de Toledo, sobrinha do duque de Alba e
neta do almirante de Castela, cujo título era hereditário; e, finalmente, alguns
anos mais tarde, reintegrou Diego no cargo de governador de Hispaníola,
concretizando uma das últimas esperanças do velho almirante. Graças ao
casamento preparado pelo rei, Colombo tomou-se o chefe póstumo de uma
família de duques e a casa do ahnirante do mar Oceano ficou aliada à do
almirante de Castela. Porém, na questão das recompensas pecuniárias recla-
madas por Colombo, o rei foi inflexível. Las Casas descreveu uma entre-
vista, realizada no princípio do Verão de 1505, quando Colombo, mal retem-
perado da sua saúde, se juntou à corte depois de uma dolorosa viagem de
mula e compareceu perante o rei em Segóvia. Declarou, acrimoniosamente,
que devolveria as suas cartas de privilégio e se retiraria para um local iso-
lado onde pudesse descansar. O rei replicou com as suas habituais garan-
tias: daria a Colombo o que lhe era devido e ainda mais - uma promessa

vã, visto que divergiam precisamente sobre a definição do que era devido.
O descobridor retirou-se algo consolado, convencendo-se a si próprio de
que o rei não podia resolver a questão definitivamente enquanto os herdei-
ros do trono de Castela, o rei Felipe e Dona Juana, se encontrassem ausen-
tes do reino^. O que se terá passado entre os interlocutores, numa ocasião
como esta, é sugerido por uma passagem de uma carta de Colombo a
Fernando, provavelmente desta data*^. Começa com a afirmação, agora fre-
quente em Colombo, de que «foi um milagre que Nosso Senhor Deus me
enviou aqui para servir Vossa Alteza». Segue-se uma comparação desfavo-
rável entre Fernando e o rei D. João II de Portugal, pois este «tomou a res-

' Ibid. 358.


^ Las Casas, ii. 324-7.
6 Ibid. 326.
^ Textos, 357.

211
ponsabilidade pessoal das questões ligadas à exploração em vez de as dele-
gar em qualquer pessoa». A
acusação implícita era dirigida ao bispo Juan
de Fonseca, cuja interferência nunca fora do agrado de Colombo. O almi-
rante prosseguia, recordando sem tacto as suas supostas oportunidades de
servir outros patronos, antes de voltar a insistir que «o meu empreen- em
dimento... é e provará ser o que sempre afirmei».Grande parte do resto da
carta apresenta de novo as reivindicações de Colombo quanto ao cumpri-
mento específico de todas -as alegadas promessas dos seus patronos, antes
de concluir:

Se for restaurado no favor, podereis ter a certeza de que vos servirei nestes poucos
dias restantes que Nosso Senhor me concederá para viver, e que tenho esperança n'Ele,
como sinto no meu coração e pareço saber ao certo, que farei que esse serviço que ainda
tenho que cumprir ressoe cem vezes mais alto do que o que fiz.

É improvável que o confronto com este Colombo tristemente diminuído


- doente, moribundo, importuno, acusador e vaidoso, simultaneamente -
tenha sido agradável ao rei. A insistência de Colombo na sua eleição pes-
soal vinda do alto pode ter sido importuna; a alusão às suas oportunidades
de servir outros príncipes poderá ter sido interpretada como uma ameaça
implícita; a promessa de vir a prestar serviço mais glorioso, no futuro, difi-

cilmente terá sido credível. Estes temas incluídos nas últimas súplicas do
almirante ao seu patrono, juntamente com a proclamação renovada da con-
vicção de que, desde o princípio, tivera razão sobre as suas descobertas,
revelam o mundo mental para onde Colombo se retirara: incorrigivelmente
vaidoso, implacavelmente provocador, inacessível à razão.
E no entanto, consciente da morte iminente, estava também resignado.
Nas margens da última folha da sua colecção de profecias escreveu, pro-
vavelmente nos últimos meses de vida, um longo poema referente a si pró-
prio: a cópia a limpo que começou a transcrever nunca foi terminada^ Com
forma de balada e mensagem sentenciosa, o poema assemelha-se ao género,
popular na corte de Fernando e Isabel, da filosofia moral em verso, em que
os escritores franciscanos se especializavam^. O seu quietismo é perturbado
por algumas das obsessões caras a Colombo - a malevolência dos seus ini-
migos, o acerto das suas contas com «César»'^. Cada verso começa com um
termo latino; lidos em sequência, formam a frase: «Memorare novíssima
tua et in aetemum non peccabis.» Na Idade Média, esta sentença estava
associada à imagem de São Jerónimo e era interpretada como uma exorta-
ção à penitência; segundo esta tradição, poderia ser traduzido por: «Lembrai-

8 Raccolta, I. ih. 159; Textos, 289-91.


9 A. Deyermond, A Literary History ofSpain: The Middle Ages (Londres, 1971), 195-200.
•° Cf. Textos, 329, onde Colombo aplica a mesma alusão a si próprio.

212
-vos das vossas mais recentes acções e evitareis o pecado na eternidade.»
Para Colombo, a frase no contexto do poema transmite um significado dife-
rente, de triunfo e vaidade, que procurei evidenciar numa tradução do que
é, afmal, virtualmente o epitáfio do próprio Colombo. Os termos em latim

no original estão em maiúsculas. Formam o que para o autor constituía uma


frase referente a si próprio e todo o poema exprime o estado de espírito com
que Colombo se aproximou do seu fim:

LEMBRAI-VOS, Homem, em tempos difíceis.


De quem quer que sejais.
seguir,
Com firmeza Deus sem recusa.
Se quereis reinar, no devido tempo.
Com Ele na imortalidade.
O nosso fim na morte todos veremos.
Pensai em preparar-vos
Para abrir o caminho para a vossa última missão.
Quando chegar a hora de navegar nesse mar.
FEITOS INAUDITOS têm sido oferecidos
Por santos, continuamente.
Que fugiram do mundo, seus hábitos escarneceram
O serviço de Cristo decidiram.
Por lutas destruídos, suportando dor.
Rejeitaram a mistura e a tensão
Da carne, que é tudo vaidade.
Assim vós com a devida humildade
Deveis agora refrear o ímpeto das vossas paixões.
DAS VOSSAS PRÓPRIAS acções a contemplação
Deve muito urgente cuidado.
ser vosso
E se vossos males forem depressa à frente
Para o último destino dos homens malvados
Ou se para aquela alegre estação
Atingida pelos homens justos, que prestaram
A Deus e a César, devidamente ponderada,
A sua última deferência.
E deveis erguer pensamentos elevados
De futuro para o céu e deveis fugir
A pesada depravação do mundo vulgar.
Na sabedoria procurando a corte de glória.
Sempre decididos a desprezar
Os pecados perversos que vos escravizariam.
Segui o conselho que vos salvará
E aprendei a afastar qualquer outro.
PARA SEMPRE alegremente dormirão
Os que abraçaram o bem sem limites
E para sempre também os outros chorarão
Que alimentam as chamas das profundezas.

213
Porque as suas vidas empregaram
Maldosamente e gozaram
Os prazeres do mundo e da ganância.
Para sempre a perda é o seu medo
Das riquezas que nunca saciam.
SEDE SEM PECADO e contemplai
As agonias dos que morrem,
Como a dor e o terror são o destino
Dos pecadores no seu estado miserável.
Pensai bem, tanto quanto puderdes.
Nos justos, libertos por fim
Das lutas sofridas no passado
Para a luz eternamente.

EmAgosto de 1505, pouco depois das suas últimas conversas regista-


das como rei, Colombo, que tantas vezes afirmara ter visto a morte de perto,
sentiu de novo a sua aproximação: mas agora iminente. A 25 desse mês,
redigiu apressadamente um codicilo ao seu testamento, pela sua própria
mão^^ Como sempre quando se sentava para escrever para a posteridade,
permitiu que os seus pensamentos vagueassem pela sua carreira e, como
sempre, procurou modificar o registo histórico de acordo com a sua própria
maneira de ver as coisas. Na visão que tivera em 1503, a voz celeste enco-
rajara-o a pensar nas suas descobertas como doação pessoal directa de Deus,
dádiva que lhe pertencia para dela dispor como lhe aprouvesse. Sentiu agora,
novamente, essa convicção.

Servi o rei e a rainha, nosso Senhor e Senhora [escreveu], nas índias - digo servi
mas parece antes que por vontade de Deus lhas dei, como um bem meu, posso dizer,

porque tive que importunar Suas Altezas sobre elas, pois eram desconhecidas e a forma
de as descobrir estava ocuha de todos a quem se perguntou por elas.

Aproveitou a oportunidade para honrar algumas dívidas de consciên-


cia -
a credores, a Beatriz Enríquez, mãe de seu filho Fernando, e à memó-
ria de seus pais e de sua mulher, por quem, juntamente com a sua própria
alma «e as de todos os fiéis defuntos», seriam mandadas rezar missas, por
seu filho Diego, «quando tiver rendimentos suficientes do seu citado vín-
culo e herança», de preferência em Hispaníola, «que Deus me deu por mila-
gre». Não havia, porém, qualquer legado exclusivamente altruísta - qual-
quer fundação eclesiástica não destinada à autoglorificação, qualquer dotação
caritativa que não fosse sobretudo para benefício dos herdeiros de Colombo.
Noutro codicilo, aditado posteriormente, Colombo recordou dívidas de gra-
tidão do tempo passado em Lisboa, no fim da década de 1470 e princípio

•1 Ibid. 360-2.

214
da de 1480, em relação aos que o tinham protegido ou com quem tinha con-
traído dívidas: todos membros de famílias de mercadores e banqueiros geno-
veses, exceptuando um judeu anónimo «que vivia perto das portas da
Judiaria»^^. Tudo isto parece inteiramente lógico num moribundo, cuja memó-
ria recua selectivamente pelas crises e triunfos da vida, à medida que pro-
cura fazer o seu exame de consciência.
porém, errado supor que Colombo morreu num estado de espí-
Seria,
rito de retrospecção. No leito de morte, a autocompaixão e a angústia quanto

aos termos dos seus «contratos» misturavam-se com sonhos de glória futura.
Por morte da rainha Isabel, sucederam-lhe sua filha e genro, Juana e Felipe,
enquanto Fernando permanecia em Castela como regente. O casal real encon-
trava-se nos seus domínios da Borgonha, esperando-se que viessem, por
mar, dos Países Baixos para Espanha. Segundo Las Casas, Colombo sen-
tiu-se reconfortado com a esperança da sua chegada, talvez por estar des-
contente com a atitude de Fernando ou por sentir que um resultado satisfa-
tório para o seu caso estava destinado a ficar em suspenso durante a ausência
dos herdeiros. Quando chegaram, a 26 de Abril de 1506, encontrava-se nas
garras da sua última doença. A última carta do seu punho que chegou até
nós é-lhes dirigida:

Mui serenos e mui altos e poderosos príncipes, nosso Senhor rei e Senhora rainha,
confio em que Vossas Altezas acreditarão em mim quando digo que nunca desejei tão
ansiosamente a saúde do meu corpo como quando ouvi que Vossas Altezas vinham para
cá através do mar, para que pudesse ir perante vós e colocar-me ao vosso serviço e para
que vísseis o conhecimento e a experiência que tenho em navegação. Mas Nosso Senhor
decidiu de outro modo. Assim, peço muito humildemente a Vossas Altezas que me con-
teis entre o número dos vossos fiéis vassalos e servidores e tomeis por certo que, embora
esta doença agora me ponha à prova sem mercê, poderei no entanto servir-vos com tal

serviço que nunca foi visto antes semelhante. As situações desagradáveis em que fui

mergulhado, contrárias a todas as expectativas racionais, e outras adversidades, deixa-


ram-me na maior miséria. Por esta razão não fui ao encontro de Vossas Altezas, nem
meu filho. Peço-vos muito humildemente que aceiteis o meu propósito e intenção,em
vez da minha presença, como de alguém que espera ser restaurado na sua honra e estado,
como está prometido por escrito nos termos das minhas comissões. Que a Santíssima
Trindade mantenha e aumente o alto e real estado de Vossas Altezas ^^.

Provavelmente cerca de três semanas depois de escrever esta carta, e


quase certamente a 20 de Maio de 1506, Colombo morreu.
Todavia, as suas viagens não cessaram. Os seus ossos percorreram as
Caraíbas quase tanto após a morte como em vida. Enterrado inicialmente

•2 Ibid. 363. Apenas um legado neste codicilo, feito a «Gerónimo dei Puerto» de Génova,
pode pertencer a um contexto diferente do da Lisboa de Colombo.
•3 Ibid. 358.

215
entre os franciscanos de Valhadolid, o corpo foi trasladado em 1509 para o
mausoléu da família erigido por seu filho em Sevilha. Uma mudança de
ideias de Don Diego levou a uma nova remoção, após a morte deste, para
o santuário da catedral de Santo Domingo. Em 1795, quando Santo Domingo
se tomou francesa, foram de novo trasladados para a respeitabilidade do
solo espanhol em Havana, até que a «libertação» de Cuba na guerra de 1898
tomou conveniente enviá-los de novo para Espanha, onde foram deposita-
dos num monumento, com a imponência adequada, na Catedral de Sevilha.
Com as sucessivas remoções, multiplicaram-se as possibilidades de troca,
pelo que Santo Domingo, em particular, permanece convencida de que os
verdadeiros ossos de Colombo ali ficaram^"^. Os apreciadores da ironia fin-
gem acreditar na anedota de cicerone segundo a qual Colombo repousa «sob
as mesas de bilhar» do Café dei Norte, em Valhadolid^^ Mas, se as relí-

quias do seu corpo não estão na Catedral de Sevilha, as da sua mente ali

estão, sem dúvida. Podem ver-se sob a forma dos livros da sua biblioteca
que chegaram até aos nossos dias e das notas que escreveu nas margens.
Em nenhum outro local os viajantes sentirão mais a magia das relíquias
representativas do espírito de Colombo.

O facto de que o filho de um tecelão tenha morrido com os títulos de


almirante, vice-rei e govemador, que se tenha tomado o fundador de uma
dinastia aristocrática e que tenha granjeado uma reputação que tomou o seu
nome familiar a todas as pessoas cultas do mundo ocidental são os feitos
que atraem a atenção de qualquer observador e o respeito da maioria. Mas
pode objectar-se, com justiça, que os méritos de Colombo devem ser jul-
gados pelo seu contributo para a humanidade e não pelo que conseguiu para
si próprio. Os seus contemporâneos tinham opiniões divergentes sobre esse

contributo. O Novo Mundo não brilhava para todos os espectadores com o


brilho reflectido no olhar de Colombo. Para qualquer pessoa que realmente
quisesse chegar à Ásia era um percurso de obstáculos digno da Idade da
Pedra. Depois da sua descoberta no século xvi, o Novo Mundo tendeu a
afastar-se novamente do Velho, desenvolvendo sistemas económicos pró-
prios, culturas «crioulas» e, finalmente. Estados independentes. Quando
Rousseau avaliou as vantagens e desvantagens que decorriam para a huma-
nidade da descoberta da América, concluiu que teria sido melhor se Colombo
se tivesse mostrado mais comedido. Contemporâneos tão diferentes como
o Abbé Raynal e o Dr. Johnson concordam com esta opinião. O destino da
América permaneceu desde então, segundo determinada tradição, um para-

''*
A argumentação é feita por Thacher, iii. 506-13, e A. Pedroso, Cristóbal Colón (Havana,
1944), 451-71. Para uma resposta a favor de Sevilha, que não corresponde totalmente ao seu
título, ver B. Cuartero y Huerta, La prueba plena (Madrid, 1963).
'5 Granzotto, Christopher Columbus, 283-5.

216
digma da espoliação da natureza e da corrupção do homem natural. E se a
influência do Velho Mundo sobre o Novo do Novo sobre
foi perniciosa, a

o Velho levou tempo a produzir efeito. Apenas quando as comunicações


melhoraram e tiveram lugar as migrações maciças do século xix, e talvez
apenas com a associação transatlântica nas guerras mundias do século xx,
o peso da América arrancou do coração da Europa o centro de gravidade
da civilização ocidental. As potencialidades da maior parte do novo conti-
nente são ainda hoje incalculáveis. Quinhentos anos depois da sua desco-
berta, a hora da América ainda não chegou.
De qualquer forma, a extensão das novas terras de além-Atlântico e o
elevado número de novos povos introduzidos neste mundo de Deus deixa-
ram a geração de Las Casas e de Fernando Colón com poucas dúvidas sobre
a importância potencial dos acontecimentos ligados à vida de Colombo. Em
1552, o historiador Francisco López de Gomara caracterizava a descoberta
do Novo Mundo como o maior acontecimento desde a encarnação de Cristo.
No entanto, o mesmo escritor negou que Colombo fosse, verdadeiramente,
o descobridor dessas terras^^. Esta negação constituía um sentimento per-
sistente naquela época. Colombo queixara-se, ainda em vida, de ser «des-
pojado da honra da sua descoberta» e, embora se referisse mais à limitação
da sua aclamação do que à exaltação das reivindicações de rivais, é verdade
que a sua reputação sofreu, desde então, repetidas tentativas de atribuir a
descoberta do Novo Mundo a outros.
A história inicial da controvérsia foi dominada pelo processo legal entre
os herdeiros de Colombo e os monarcas de Espanha quanto ao não cum-
primento das promessas reais de 1492. Qualquer dúvida que pudesse pre-
judicar a reivindicação de Colombo de ter cumprido a sua parte do acordo
era bem recebida no ambiente desfavorável da primeira metade do século xvi.
Afirmou-se, por exemplo, que o Novo Mundo fizera parte dos domínios do
rei Hésper ou que o crédito pela descoberta pertencia a Martin Pinzón ou a

um «piloto desconhecido» que precedera Colombo casualmente no Novo


Mundo e que, ao morrer, confiara o seu conhecimento ao genovês. Foi esta
última história que López de Gomara repetiu; Las Casas ouviu-a ser tra-
tada, como se fosse do conhecimento geral, quando jovem em Hispaníola
antes de 1516; em 1535, Gonzalo Femández de Oviedo rejeitou-a como um
boato grosseiro, e tem sido repetida desde então^^. Procuraram-se inclusi-
vamente testemunhos - quase certamente com perjúrio deliberado - para se
negar o facto, amplamente comprovado, de que Colombo visitara o conti-
nente americano na sua terceira viagem, em 1498. Os filhos do descobri-
dor, Diego e Fernando, reagiram energicamente a estas insinuações. Diego

'^ F. López de Gomara, Historia general de las índias, ed. P. Guibelalde e E. M. Aguilera
(Barcelona, 1965), 5, 29.
'^ Las Casas, i. 70-1; Oviedo, 15-21; ver «Prefácio», n. 9.

217
podia apresentar numerosos testemunhos a favor do pai e Fernando escre-
veu extensamente em defesa das suas reivindicações. Deve dizer-se que,
qualquer que fosse o papel de Martin Pinzón na primeira viagem transa-
tlântica, sobreo qual nunca saberemos toda a verdade, ele se juntou ao
empreendimento apenas numa fase tardia, quando os planos de Colombo já
iam bem avançados. Embora Colombo conhecesse bem muitas histórias de
marinheiros sobre terras desconhecidas a oeste e registasse algumas delas
juntamente com outras provas em apoio das suas teorias, a história do piloto
desconhecido é inaceitável tal como se apresenta: provém de fontes influen-
ciadas, não é confirmada por qualquer autoridade contemporânea e baseia-
-se na hipótese de uma travessia casual que não está registada, de qualquer
outra forma, na latitude em
que Colombo velejava (embora se tenham veri-
ficado travessias acidentais mais para sul,em rotas que se desconhece terem
sido frequentadas antes da época de Colombo)^^ O argumento de que o
piloto desconhecido deve ter existido porque Colombo não teria, de outra
forma, sabido para onde ir lembra um dos argumentos irónicos de Voltaire
a favor da existência de Deus: se Ele não existisse, seria necessário inventá-
-Lo. O piloto desconhecido não é necessário mesmo como ficção reconfor-
tante. Colombo reunira indicações suficientes sobre terras a oeste, segundo
os seus próprios padrões, pelas suas próprias pesquisas, sem recurso a fon-
tes secretas. Segundo que coligiu incluía his-
ele próprio admitiu, o material
tórias de marinheiros sobre terras atlânticas, formando apenas um fi*ágil fio
na teia das provas. A «certeza» que ele terá evidenciado e que só pode expli-
car-se, afirma-se, por uma pré-descoberta da América é, como vimos, outro
mito. O suposto marinheiro não pode ter ajudado muito, visto que a sua
informação não era suficiente para abalar a convicção de Colombo de que
encontrara a Ásia. As dúvidas do almirante sobre esse ponto, quando sur-
giram, foram claramente atribuídas às suas próprias observações.
Os rivais de Colombo em breve se multiplicaram logo que os relatos
das viagens de Vespucci se tomaram conhecidos. Não há dúvida de que a
reivindicação de Vespucci - para sermos justos, deve dizer-se antes a rei-
vindicação apresentada em favor de Vespucci em seu nome - de ter visi-
tado a parte continental do Novo Mundo antes de Colombo é falsa. Baseia-
-se no relato pré-datado da sua aventura com Alonso de Hojeda no golfo
de Pária. Colombo precedera-os nessas terras um ano e o seu relato inspi-
rara quase certamente a tentativa de Hojeda. Os actuais admiradores de
Vespucci colocam mais ênfase na alegação de que o florentino foi o pri-
meiro a compreender a verdadeira natureza da América como um conti-
nente separado da massa de terra euro-asiática. Mas, como argumentámos,
Colombo fez também a primeira reivindicação nesse sentido e, se a opi-
nião de Colombo não foi firme, também a de Vespucci não foi inequívoca

^^ J. Cortesão, Los portugueses (Barcelona, 1947), 588-94.

218
nem imutável. Este apoiou, explicitamente, a convicção de Colombo na
proximidade entre o Novo Mundo e a Ásia. Apenas um ano depois da morte
de Colombo, Martin Waldseemiiller propôs que o novo continente fosse
chamado América em honra de Amerigo Vespucci, que considerou um geó-
grafo à altura de Ptolemeu: seis anos depois, retractou-se desta sugestão e
restituiu a Colombo a honra da descoberta. Entretanto, porém, o novo nome
começara a afirmar-se. É inútil dizer que o nome é errado, mas importa
compreender que tem que ser justificado, se for caso disso, pela eficácia
de Vespucci como publicista e não como descobridor.
A ironia está em que a fama de Vespucci surgiu tarde - depois da morte
de Colombo - e não afectou a relação pessoal íntima entre os dois explo-
radores. Fora permitido a Vespucci o acesso aos livros de Colombo, foi tes-
temunha numa minuta do testamento de Colombo e viveu na casa de Colombo
durante os últimos meses passados pelo descobridor em Sevilha. Na época,
o juízo de Colombo sobre ele tinha ampla justificação: «A fortuna», escre-
veu, «foi-lhe adversa como a tantos outros. Os seus trabalhos não lhe trou-
xeram os benefícios que mereciam.» A imagem de dois navegadores subes-
timados, confortando-se mutuamente em Sevilha, é deliciosa. Esta imagem
é confirmada por outras fontes: em 1502, Pietro Rondinelli referira a mesma
versão sobre a sorte de Vespucci, bem menos recompensado do que mere-
cia. Colombo apreciava-o tanto que o recrutou - aparentemente com agrado -
para se juntar ao seu grupo de pressão na corte. Assim, os dois grandes
rivais pelos louros da descoberta trocavam comiseração e recomendações^^.
Escritores posteriores acrescentaram aos rivais deColombo os Noruegueses
das sagas proto-históricas ou mesmo os Galeses e os Hibémios de mitos mais
remotos e nebulosos. A descoberta galesa, juntamente com a dos Escoceses,
Polacos, Venezianos hoc genus omne, pode ser relegada para o reino da
et
fantasia. Da descoberta não se pode dizer muito mais, excepto que
irlandesa,
ela era tecnicamente possível. A América pode ter sido alcançada pelas nave-
gações de eremitas que, entre os séculos vi e vii, procuraram ilhas desertas
no Atlântico Norte, em pequenas embarcações, por razões devotas; a fonte
em que algumas destas estão registadas - a história da procura do Paraíso
terrestre por São Brendan - é tão invulgar, pelos padrões da literatura hagio-
gráfica da época, que é tentador lê-la como se fosse o relato de uma viagem
real. Mas tudo no texto pode ser explicado sem defender o desembarque de

Brendan no Novo Mundo. O princípio de fazer o mínimo de afirmações para


América desse relato^^.
explicar qualquer coisa retira a
Os Vikings não podem ser afastados deste modo: é provável que tenham
atingido a América a partir das suas colónias na Gronelândia e, embora a

'^ Textos, 353; Varela, Colón y los florentinos, 66-8.


2° Morison, The European Discovery of America: The Northern Voyages (Nova
S. E.
Iorque, 1971), 13-31, 81-92; G. A. Williams, Madoc: The Making ofa Myth (Oxford, 1987),
é um excelente trabalho sobre a descoberta «galesa».

219
maior parte das «provas» arqueológicas apresentadas em seu apoio seja
muito pouco impressionante, a de UAnse aux Meadows, perto do estreito
de Belle Isle na Terra Nova, é mais ou menos convincente. A história con-
tada nas sagas é muito inconsistente, mas podemos sintetizá-la pelo que
vale. Em 987, Bjami Heijolfsson tentou navegar da Islândia para a Gronelândia
por uma rota desconhecida de qualquer membro da sua tripulação, tendo-
-se perdido e avistado uma terra desconhecida até então. Depois de um inter-
valo de quinze anos, Leif Eiriksson, filho do fundador da colónia escandi-
nava na Gronelândia, seguiu a rota de Bjami e desceu uma longa costa até
zonas a que deu os nomes de Helluland, Markland e Vinland. A descrição
desta última na saga é totalmente compatível com a do Norte da Terra Nova.
Seguiu-se uma missão colonizadora sob a chefia de Thorfmn Karlsefhi - um
mercador inspirado peia história de Leif - mas enfrentou os terríveis nati-
vos, os Skraelingar, e teve que ser abandonada em data desconhecida no
início do século xiii-^
Esta descoberta norueguesa da América não deve ser desprezada. Pode
ter começado acidentalmente, mas foi prosseguida com um genuíno espí-
rito de exploração. Os Islandeses registaram-na segundo o costume do seu
tempo e esse registo foi conserv^ado até. pelo menos. 1347, data em que a
última viagem de comércio ou para caçar a Markland é mencionada nos
Anais Islandeses. Agora que se demonstrou que o Mapa de Vinland exis-
tente na Biblioteca da Universidade de Yale, em tempos prematuramente
considerado como confirmação das sagas, é uma falsificação, não se pode
afirmar que a tradição de Vinland se tenha mantido depois disso ou tenha
sido transmitida sob forma cartográfica até ser ressuscitada pelos antiquá-
rios do século XVI. A ideia de que Colombo a deve ter adoptado na sua
visita à Islândia em 1477, ideia que alguns estudiosos não hesitaram em
apresentar--, é extremamente precipitada. A obra de Colombo é bem dis-
tinta do feito dos viajantes noruegueses e, segundo qualquer padrão racio-
nal, incomensuravelmente mais significativa. Em primeiro lugar, a menos
que se dê crédito à ideia de que encontrou algo na Islândia, os seus empreen-
dimentos foram inteiramente independentes um do outro. Em segundo lugar,
a rota norueguesa através do Atlântico seguia a via de alpondras geladas:
de facto, ligava a Islândia e a Gronelândia a Markland e a América à
Escandinávia apenas de forma indirecta e, no melhor dos casos, muito irre-
gular, enquanto Colombo descobriu uma rota directa de acesso fácil. Isto
não diminui, evidentemente, a proeza dos viajantes islandeses, que nave-
garam tão longe em condições adversas, mas é uma distinção importante.
Em terceiro lugar, os próprios Islandeses eram guardiães de um posto avan-

'1 Morison, European Discoven-, 32-60; G. Jones. A Histon- of the Vikings (Londres,
1968), 295-306.
2^ Taviani, Christopher Columbus, 93, 352. Tal como os antecessores que cita, Taviani
não tem provas, apenas uma «convicção» sobre o que «deve» ter acontecido.

220
çado, impressionante mas do Norte da Europa,
periférico, da civilização
que acabava de se tomar um jovem parceiro da Cristandade latina da época.
Os seus contactos com os Skraelingar nada produziram com significado
cultural para o resto do mundo. Colombo ajudou, realmente, a colocar uma
faixa à volta do mundo, em dois aspectos distintos: descobriu duas novas
rotas - a transatlântica e a transcaraíba - que criaram o elo de união entre
as grandes civilizações, anteriormente separadas, da Mesoamérica e do
Mediterrâneo e descobriu a rota dos ventos alísios que conduziu os seus
sucessores no Atlântico Sul - a grande via da Europa no século xvi - ao
resto do mundo^^ Finalmente, Colombo foi o primeiro numa tradição inin-
terrupta de navegação transatlântica que se manteve até aos nossos dias:
nosso descobridor da América. As viagens islandesas não
ele é, portanto, o
diminuem esse papel mais do que as supostas viagens chinesas à costa ame-
ricana do Pacífico ou a descoberta feita pelos primeiros habitantes do con-
tinente quando atravessaram, há mais de vinte mil anos, o estreito de Bering
ligado pelo gelo.
Um argumento alternativo, ainda ligado aos Vikings mas apresentado
especialmente pelos admiradores de Vespucci, defende que a descoberta da
América por Colombo não foi superior à dos Islandeses, visto que encon-
trou o Novo Mundo completamente por acaso e não conseguiu reconhecê-
-lo correctamente: não se pode dizer que alguém «descobriu» alguma coisa
a não ser que a reconheça pelo que é. Também se tem dito que nem Colombo
nem ninguém até à sua época previu a existência de uma segunda massa de
terra no munndo e que é, portanto, impreciso falar da «descoberta» de alguma
coisa que a mente europeia não estava conceptualmente preparada para com-
preender. Pelo contrário, a descoberta da América deu-se gradual e cumu-
lativamente à medida que, por influência de novas explorações, as suposi-
ções dos homens se adaptaram aos factos. Hoje em dia aceita-se que não
se pode dizer que alguém «descobriu» alguma coisa sem a reconhecer pelo
que é. De outra forma, o acontecimento é um mero acidente, que passará
despercebido a não ser que outra pessoa sugira uma identificação que o des-
cobridor não conseguiu fazer. A penicilina ficará no cadinho até este ser
lavado, o cometa desaparecerá da vista, mas tal não sucedeu quando Colombo
encontrou a América.
Em primeiro lugar, as possibilidades de uma descoberta exactamente
igual à de Colombo - a de um continente separado da massa de terra euro-
-asiática - foram seriamente debatidas, vivamente discutidas e, nalguns
Colombo.
casos, ansiosamente esperadas entre os eruditos antes da partida de
Após o regresso e conhecido o relato, um considerável número de comen-
tadores cultos precipitou-se ao concluir que Colombo descobrira exacta-

23 F. Femández-Armesto (ed.), The Times Atlas ofthe World Exploration (prestes a ser
publicado, Londres, 1992), cap. 12.

221
mente tal mundo antípoda. O próprio Colombo, na sua terceira viagem, iden-
tificou correctamente o continente que então descobriu pela primeira vez
com o continente imaginado. Durante a virtual loucura causada pelos seus
sofrimentos posteriores, abandonou a ideia e, mesmo quando a defendia, a
sua opinião sobre a proximidade entre as suas descobertas e a Ásia era for-
temente exagerada, mas a América não tinha que ser «inventada»^"*: o dis-
curso da época incluía termos adequados para a descrever e classificar e o
próprioColombo esteve entre as primeiras pessoas a utilizá-los.
É claro que a descoberta da América foi um processo que começou com
Colombo mas se desenrolou, pouco a pouco, depois da sua época, irregu-
larmente, não estando ainda totalmente completo. Afinal, tem havido muita
América para descobrir. O levantamento das costas da América do Sul não
estava totalmente completo até cerca de 1 540 e, embora as costas do Atlântico
e do Pacífico da América do Norte fossem mais ou menos conhecidas nessa
época, a costa norte permaneceu oculta sob o gelo até que Amundsen a atra-
vessou em 1905. Relativamente à questão principal entre Colombo e a pos-
teridade - a relação entre a América e a Ásia -, Femández de Oviedo salien-
tou, na década de 1530, que toda a verdade era ainda desconhecida, e assim
permaneceu até ao princípio do século xviii, quando o estreito de Bering
foi explorado. Muitas das características físicas importantes do interior eram
ainda desconhecidas em fins do século xviii, não tendo sido cartografadas
até inícios do século xix; só com o advento da cartografia aérea, no pre-
sente século - que só desvendou os últimos segredos da América do Sul a
partir da década de 1970 -, se penetrou nas últimas áreas que resistiam
à exploração. Num processo tão longo, Colombo detém um lugar primor-
dial como seu iniciador e a extensão a que o levou, durante a sua curta car-
reira, é ainda mais surpreendente quando comparado com o cenário do pro-
cesso como um todo: depois de desembarcar nalgumas ilhas das Baamas,
explorou grande parte da costa de Cuba, Hispaníola, Jamaica, Porto Rico,
das Pequenas Antilhas até Dominica e Trinidad e a costa do continente desde
a foz do Orinoco até à baía das Honduras.
O último argumento contra a atribuição da descoberta a Colombo levanta
também um problema conceptual. Apenas numa perspectiva muito grossei-
ramente eurocêntrica, afirma-se, se poderia falar da «descoberta» de terras
que tinham sido bem conhecidas pelos seus povos nativos durante milhares
de anos. Tem sido inclusivamente defendido, por um erudito altamente con-
ceituado e podendo-se apenas detectar um levíssimo traço de ironia, que a
descoberta americana da Europa precedeu a descoberta europeia da América,
quando uma canoa caraíba foi mal orientada através do Atlântico, consti-
tuindo o conhecimento deste facto o «segredo» de Colombo^^ Pense-se o

^^ E. CGorman, The Invention of America (Bloomington, 1961).


25 Pérez de Tudela y Bueso, Mirabilis in Altis.

222

!
que se pensar desta brincadeira, é difícil negar prioridade à descoberta ame-
ricana da América. Este respeitável argumento faria da palavra «descoberta»
um termo quase inútil, limitando-o a terras desabitadas. Não indica que a
descoberta não é uma questão de estar num local mas de lá chegar, de esta-
belecer rotas de acesso a partir de outro local. O povoamento do Novo
Mundo, que foi seguido pelo seu isolamento, não foi claramente uma des-
coberta, nesse sentido. Um hemisfério tão vasto oferecia naturalmente espaço
para intensa exploração interna: é apropriado falar da exploração, registada
em mapas, feita por alguns esquimós, índios norte-americanos, povos
mesoamericanos e pelos Incas, registada neste último caso através de mne-
mónicas que hoje mal compreendemos^^. A confiança dos primeiros explo-
radores espanhóis e portugueses nos guias nativos, mesmo nalguns casos
para percorrer longas distâncias, sugere que outras histórias de exploração
se deram no Novo Mundo, que podemos apenas adivinhar. Nada disto retira
o carácter de descoberta à criação de rotas que ninguém conhecia anterior-
mente, como as de Colombo através do Atlântico.
Apesar de quase quinhentos anos de detracção sistemática, o seu papel
prévio na descoberta da América permanece a parte mais importante das
credenciais de Colombo como explorador. Mas devemos recordar alguns
dos testemunhos de apoio também: a decifração do sistema de ventos do
Atlântico, a descoberta da variação magnética no hemisfério ocidental, os
contributos para a cartografia do Atlântico e do Novo Mundo, as épicas
travessias das Caraíbas, a demonstração da natureza continental de partes
da América Central e do Sul, o aperçu sobre a esfericidade imperfeita do
globo, a estranha habilidade intuitiva na navegação. Qualquer destes fei-
tos daria a um explorador fama duradoura, juntos constituem um historial
difícil de igualar.
Colombo era um ignorante confesso que desafiou a sabedoria reco-
nhecida na sua época. A sua humildade perante textos antigos, combinada
com o prazer paradoxal que sentia sempre que os podia corrigir pela expe-
riência, aponta-o desde logo como um dos últimos portadores do facho da
cosmografia medieval, que se transportavam com os archotes aos ombros
dos seus predecessores, e um dos primeiros sinais luminosos da revolu-
ção científica, cujo brilho foi induzido do interior por terem preferido a
experiência à autoridade. O mesmo tipo de paradoxo alimentou todos os
aspectos do seu carácter. A atracção pela fantasia e pelas ilusões acomo-
dava-se dificilmente naquela mente realista, já bastante ocupada com o
sentido do comércio e do lucro. Nas relações com a coroa e na preocupação
com os seus descendentes, o seu misticismo era temperado por um mate-

26 R. Tom Zuidema, «Bureaucracy and Systematic Knowledge in Andean Civilization»,


in G. Collier, R. I. Rosaldo e J. D. Wirth (eds.), The Inca and Aztec States (Nova Iorque,

1982), 419-58.

223
rialismo apenas ligeiramente menos intenso - como os ricos gurus que
hoje em dia são tão conhecidos em retiros espirituais como no mundo dos
negócios. Embora a religião tivesse uma poderosa influência na sua vida,
os efeitos eram estranhamente limitados: os legados devotos foram pou-
cos, a caridade começava e quase acabava entre os seus familiares. Os
índios que descobriu foram encarados com zelo evangélico e tratados com
insensível indiferença. Foi um praticante inveterado do embuste, uma
vítima perene da auto-ilusão, mas raras vezes foi conscientemente falso.
Ao lidar com subordinados, era alternadamente calculista e franco. Ansiava
por admiradores mas não conseguia conservar os amigos. A sua ânsia de
enobrecimento, a sua ambição confessa por «estado e riqueza» não o impe-
diram de demonstrar um certo orgulho na sua origem modesta nem de
comparar o tecelão-almirante ao pastor-rei. Adorava a aventura, mas não
suportava a adversidade. Ainda mais paradoxalmente, para além das ilhas
e continentes do Oceano, Colombo explorou involuntariamente as regiões
limítrofes entre o génio e a loucura. Os momentos de tensão transtoma-
vam-no - por vezes, chegariam a enlouquecê-lo - e, durante a sua última
doença deste tipo, afastou obsessivamente as suas ideias mais brilhantes
e nunca as recuperou.
Provavelmente, para realizar os seus feitos contribuiu o facto de ser um
visionário com instinto para o fantástico. A tarefa que se propôs - atraves-
sar o mar Oceano directamente da Europa para a Ásia - estava literalmente
fora das possibilidades de qualquer embarcação da época. A tarefa que cum-
priu - passar da Europa para um Novo Mundo - encontrava-se para além
da concepção de muitos dos seus contemporâneos. A realização do que se
considerava fortemente improvável era insuficiente para Colombo - quisera
«a conquista do que parecia impossível». Morreu um magnífico fracassado:
não atingira o Oriente. O seu fracasso abrangia o que, a longo prazo, veio
a parecer um sucesso ainda maior: a descoberta da América.
Não pode fazer justiça sem compreender a fraqueza que o inca-
se lhe
pacitava perante a má sorte. Receava demasiado o fracasso para enfrentar
a adversidade, talvez por ter tido sucesso durante demasiado tempo: aquela
consistiria não só na perda do seu orgulho pessoal mas também das reivin-
dicações de recompensas materiais em que repousavam as esperanças para
si próprio e para os seus. É difícil acreditar, por exemplo, que a sua insis-

tência na natureza continental de Cuba não fosse perversamente defendida


em face de uma convicção interior; ou que realmente sentiu, nos seus cál-
culos imprecisos e contraditórios da longitude das suas descobertas, a con-
fiança que afirmou. A
ambição que o impelia foi fatal para a sua própria
felicidade. Poder-se-ia pensar que muitos se contentariam com tanta fama,
tanta riqueza, tantas descobertas e com uma ascensão social tão extraordi-
nária. Mas não Colombo, pois o seu olhar estava sempre fixo em desco-
bertas por fazer, iniciativas inacabadas, benefícios incompletos e cruzadas

224
frustradas. Em vez de ficar satisfeito com as suas realizações, sentia-se ultra-
jado pelos seus erros. Insatisfeito com a aclamação, ficava amargurado com
as calúnias. Este carácter implacável fê-lo viver energicamente e morrer
miseravelmente. Sem ele, poderia nada ter realizado; devido a ele, nunca
poderia contentar-se com os louros obtidos ou gozar o seu sucesso. Era típico
de Colombo abjurar o seu feito da descoberta de um novo continente por
ser incapaz de enfrentar o fracasso quando tentava atingir um continente já
conhecido. Queria repetir o seu alarde: «Quando decidi iniciar este empreen-
dimento, todos disseram que era impossível», sem ter que admitir que «eles»
tinham razão.

A Oxford Union Society convidou certa vez um


embaixador americano
para debater o tema «Esta casa acredita que Colombo
foi demasiado longe».
O debate do século xix sobre os benefícios morais da descoberta da América
já não suscita muito interesse, mas podemos ainda perguntar menos sole-
nemente: «Que diferença fez?» O aparato das comemorações do quinto cen-
tenário cria a impressão de uma aceitação generalizada e irreflectida de que
Colombo foi o protagonista de um acontecimento importante; no entanto,
pode ainda ser útil perguntar o que o toma importante ao certo e qual é,
caso exista, a justificação para tanta excitação.
Uma das mudanças mais evidentes que atingiram a civilização em que
vivemos - geralmente chamada «civilização ocidental» ou «sociedade oci-
dental» - no decurso da sua história tem sido a deslocação do seu centro
de gravidade para oeste, à medida que o eixo principal de comunicação,
o «lago de rãs» mediterrânico de Sócrates, tem sido substituído por um
«lago» atlântico através do qual trocamos bens e ideias e em tomo do qual
nos juntamos para nossa defesa. A carreira de Colombo, que começou no
Mediterrâneo e conduziu marinheiros e colonos mediterrânicos através do
Atlântico pela primeira vez, parece abranger a própria mudança que se
pode dizer ter iniciado. Actualmente, e enquanto durar a euforia do quinto
centenário, o almirante do mar Oceano parecer-nos-á certamente signifi-
cativo. Historiadores e jomalistas admitirão mesmo, sem embaraço, que
ele deu o tipo de contributo pessoal para a história que, na nossa cons-
ciência da influência determinante das longas e opressivas «estmturas» da
mudança económica, nos tomámos relutantes em conceder a pessoas indi-
viduais. Por outro lado, os juízos da história são notoriamente inconstan-
tes e dependem da perspectiva da época em que são feitos. Não faltará
muito, agora, para que a «civilização ocidental» seja considerada como
- não catastroficamente despedaçada como alguns
definitivamente liquidada
dos nossos oráculos da destruição têm previsto, mas apenas diluída na
nova «civilização global» que, com uma pesada dívida ao mundo ociden-
talmas com uma identidade genuinamente distinta, parece estar a formar-
-se à nossa volta. Ao mesmo tempo, os motores da economia mundial

225
estão a transferir- se, ou já o fizeram, para o Japão e para a Califórnia.
É provável que o Pacífico venha a desempenhar, na história da «civiliza-
ção global», o mesmo papel unificador que o Atlântico desempenhou na
do Ocidente. Em 2020, quando celebrarmos o quinto centenário da tra-
vessia do Pacífico por Magalhães, aqueles que ainda estiverem vivos pode-
rão recordar melancolicamente 1992, com a sensação de déjà-vu e irre-
sistíveis pressentimentos sobre tanta agitação.

226
índice remissivo
Nota: Cristóvão Colombo é referido nas subentradas por CC.

Abissínia 42, 141 Alhambra 77


Açores 51, 57, 105, 111, 122, 167 alimentação 138, 143, 167, 176, 204
descoberta dos 5 Almeria 40
mudança de clima e 111, 131, 157, 161, Alpes 37
162 Alvares de Caminha, Pedro 156
navegabilidade do Atlântico a partir dos Álvares Cabral, Pedro 185
49 Alvarez Chanca, Diego 134, 136, 143
Nina chega aos 124 Alvarez Gato, Juan 94
primeira colónia nos 57 Amazonas 116, 122, 163, 206
açúcar 40-41, 49, 70, 88, 156, 168 obsessão de CC pelas 65, 71, 73, 146
condimento mais apreciado 42 América 144, 160, 164, 174, 217, 221
Adorno, Francesco 46 americana 222
Adorno, Jacopo 45 antecipação de 156
África, 41, 51, 161, 169 «Antípodas» e 130
exploração portuguesa de 45, 52, 67, 78 descoberta da 52, 109, 127, 157-158,
reivindicações castelhanas/portuguesas 188,221,222,224
em 78, 79, 80, 83, 125, 131 Ilhas Canárias e 88, 105
Agostinho, Santo 59, 63, 187 pré-Colombiana 51, 218, 219
Aguado, Juan 145, 146, 147 vantagens/desvantagens 216-217
d'Ailly, Pierre 152, 153, 159, 162-163, Amundsen, Roald 222
187-188 Anchieta, Juan de 82
Imago Mundi 58-61, 70-71, 109 Andaluzia 42-46, 92, 177, 194
Ainé, Mareei 52 Angevinos 34, 47
Alba, Duque de 2 1 Anónimo de Génova 38
Alcântara 207 «Antillia» 50, 51, 57, 107, 129, 155
Alemanha 68-71 Antípodas 58, 62, 74, 75, 95, 128, 129,
Alexandre VI, Papa 169 130
Alexandria 40 teoria da existência 57, 58, 59, 70, 71,
Alfraganus, ver al-Farghani 86
Algarve 40, 42 apelidos genoveses 39, 45

227
1

Arábia 131, 182 Boa Esperança, Cabo da 72, 131


Aragão 34, 47, 82, 103 Boavista 156
tesouro da Coroa de 94, 96 Bobadilla, Beatriz de 85
Arawaks ver também Tainos 133, 158 Bobadilla, Francisco de 180, 181, 183, 196
Aristóteles 60, 115, 153, 162 Boil, Fray Bernardo 136, 142, 146
Ascanio, Gianbattista di 45, 46 Bonacca 196
Ásia 116, 123, 153, 195,224 Brasil 51, 57, 133, 157, 191,203
CC afirma ter chegado 59, 60, 70, 127- Brendan, São 219
-130, 206, 218 Bristol 50, 51, 57, 105
continente americano distinto da 159,
160, 222 Cabo Verde, ilhas 80, 95, 105, 133, 155, 156
Marco Pólo e 68, 69 arquipélago explorado 51
Ptolemeu e 66, 67 cultura do açúcar levada para 42
rota curta 62, 63, 70, 86, 95 exploração das 57
Asilio, Agostino 46 Cabot, John 107, 152
astrologia 187-189 Cabrero, Juan de 89, 90, 91, 93
Atlântico, travessias do 36, 66, 67, 79, 194, Cádis 41, 45, 80, 133, 142
223 importância para os Genoveses 44, 45
primeira 33, 64, 69, 70, 99-126, 185 Calatayud, Juan de 90
procura de Cipangu na 69 Calecut 141, 149, 185
segunda 32, 127,-146 Caminha, Álvaro de 156
terceira 147-164, 183, 217 Canárias, ilhas 34, 60, 105, 106, 112, 122,
última 185-207 167-170
Atlântida 163 actividade colonial genovesa nas 42, 43,
Ávila, Juana de, ver Torres y Ávila, Juana 50
de CC visita as 49, 156
conquista das 80, 81, 85, 87, 88, 91, 96
Baamas 113, 222 deportação e escravização nas 139
Bacon, Roger 60, 188 primeira colónia duradoura estabelecida
Baeza, Gonzalo de 89 57
Baiona 125 tratado castelhano-português e 83, 112,
Barcelona 43, 94, 126, 128 129
Bascos 104, 122 canibais 116, 122, 134, 135, 170
Bastidas, Rodrigo de 191 Cantábrico, mar 44
Bay, ilhas 196 Cantino, mapa 142
Behaim, Martin 61 Cão, Diogo 51
Belén, rio (Panamá) 199 Caonabó 139, 140, 144
Belize 196 Capella, Martianus 59
Belle Isle, estreito 220 Caraíbas 116, 194, 204, 215, 223
Benavente, Conde de 90-91 apelidos genoveses nas 39
Berardi, Gianotto 88, 95, 177 CC e navegabilidade das 54
Berbéria 41, 45 canibalismo nas 135
Bering, estreito 160, 221, 222 paisagem e flora 1 1

Bemáldez, Andrés 36, 64, 130, 181 primeira visão europeia dos nativos 1 14
Béthencourt, Jean de 34 procura de Cipangu nas 69
Bianco, Andrea 51, 52 tecnologia (cama de rede) das 121
Bizâncio 38, 42 transnavegação das 196, 221

228
Cárdenas, Gutierre de 92 Colombo (née Perestrello), Dona Felipa
Cariai 198 (mulher) 48
Caribes 116, 135, 136, 158 Colombo, Giacomo, ver Colón, Diego
cartas 107, 108, 112, 132 (irmão)
Cartago, cabo 47 Colombo, Giovanni António (primo) 32
cartografia 57, 64, 67, 142, 220 Colombo, Susanna (mãe) 32
maiorquina 50 Colón, Bartolomé (irmão) 32, 133, 142,
Casa da Mina 79 144-146, 154, 210
Castela 102, 103, 106, 125, 126, 165-167, e documento de herança de CC 152
182, 183, 196 e mapas 59, 64
entrega de novas terras a 83, 131 e procura de patrocínio 95, 96
Genoveses em 38, 39, 41, 44-46 e Roldán 176, 177
ver também Fernando e Isabel; Portugal e última travessia 194, 198
vida primitiva de CC em 84, 85, 90, 91, Colón, Cristóbal, ver Colombo, Cristóvão
96,97 Colón, Diego (irmão) 32, 33, 134
união com Aragão 82 Colón, Diego (filho) 48, 89, 103, 182, 198,
Cathay 60, 64, 117 209, 210
Centurione, Luigi 49 e disputa da descoberta 217
China 40, 75, 121,206 e herança 198, 211, 214
Marco Pólo e 60, 69 e remoção dos restos mortais de CC 215-
Cícero 59 -216
Cipangu79, 105, 107, 112, 116, 118, 121 Colón, Don Luis (sobrinho) 53
fantasias de CC sobre 64, 117 Colón, Fernando (filho ilegítimo) 53, 84,
civilização 114, 115, 118, 217, 221, 225 210,214,217
Clemente VI, Papa 80 nascimento 84
clima 138, 139, 166 comerciantes 38-41, 44, 45, 48
Açores e mudança de 111, 131, 157, ver também comércio
161, 162 comércio 80, 83, 140, 143, 172
Colombo, Andrea (primo) 32 comerciantes genoveses e 40-42, 44, 45, 48
Colombo, Bartolomeo, ver Colón, Barto- Concepción de la Vega 145
lomé confratemidade Nome de Jesus 46
Colombo, Bianchinetta (irmã) 32 Córdova 45, 84, 85, 96, 128
Colombo, Cristoforo, ver Colombo, Cris- Corvo 57, 93
tóvão Cosa, Juan de la 121, 177
Colombo, Cristóvão: cosmografia 53-66, 86, 131, 152, 159, 202,
ambição 34, 36, 75, 150, 211, 224 223
arte náutica 35, 36, 134-136; gostos 68- ver também d'Ailly, Pierre; al-Farghani;
-74; ver também travessias atlânticas Ferrer, Jaume; Vizinho, José
carreira 36, 39, 42, 130, 216 Costa Rica 198
casamento 35, 47, 48 Covilhã, Pêro da 141
educação 35, 36 Cristandade 114, 152, 156, 206
milenarismo 56, 65, 70, 150 Crooked, ilha 116
religião ; ver também Deus 33, 122, 124, cruzadas 101, 149, 182, 185, 194, 224
158, 178, 179, 186-189, 199-202 Cuba 117, 146, 170, 203, 216, 222
reputação (declínio, morte e) 35, 198, suposta natureza continental de 117, 134,
209-226 140, 141, 206,224
Colombo, Domenico (pai) 31, 32, 33 doenças de CC em 72, 143, 144, 161, 162

229
Culebra, rio 198 Felipe I (Rei de Castela) 211,215
Cuneo, Michele de 85, 135, 142, 173 Fernando e Isabel 103, 143, 150, 152, 180,
212
Darién, península 203 e colonização 167, 168
Deus 99, 100, 114, 115,218 despesas da casa 89, 90
CC e 64, 117, 120, 122-124, 148, 186- inquérito judicial aos cargos de CC 145
-188; prioridade 33, 36; e procura de morte (de Isabel) 209, 215
patrocínio 78, 79; sentimento de con- patrocínio de 78, 80-83, 87, 93, 95
tacto pessoal 111, 179, 182, 199-201, relatos de CC a 130, 131-132, 137, 139,
214; substituto para relações huma- 165-166, 185
nas 189 aceitação de 128; escravos e 131; lin-

Deza, Fray Diego 89, 90, 91, 96, 210 guagem atraente de 94; Memoria de
diário de bordo 47, 101, 105, 112, 113 La Mejorada 131; natureza irritante
Dias, Bartolomeu 51, 72 de 192-193; pormenor de 100; voz
doença 175 celestial em 200, 214
Dominica 134, 222 Femández, Garcia 92
Dominicanos 99, 100, 172 Femández de Oviedo, Gonzalo 145, 217, 222
Don Quixote 34, 179 Fernandina (ilha) 116
Ferrara, Duque de 129
eclipses 132, 142, 204 Ferrer, Jaume 130, 131, 132, 155, 188
Éden, Jardim do 163, 164 Fieschi, Bartolomeo 205
Eiriksson, Leif 220 Flandres 44, 190
embarcações de casco redondo 43, 44 Florença 44, 129
encomienda 171-175 Flores 57, 93
Enríquez, Beatriz 84, 85, 214 Foceia 40
Enríquez de Arana, Rodrigo 84 Fonseca, (Bispo) Juan de 133, 180, 212
Equador 162, 163 França 44, 78, 84, 96, 142
Eratóstenes de Alexandria 57, 59, 67 Francisco, São 114
Escandinavos 219, 220 Franciscanos 114, 133, 149, 189, 212, 216
Escobar, Diego de 207 influência em CC 82, 111, 115, 161, 186
escravatura 133, 139, 143, 169, 171, 172
insensibilidade de CC à 100, 174 galés 43, 44
Espanha, ver Aragão; Cádis; Castela; Galway 50
Sevilha Gama, Vasco da 149, 185, 194
especiarias 71, 95, 104, 129, 149, 166 Génova/Genoveses 37-45, 152, 192, 193
procura de 40 famílias 39, 40, 45
sem valor 143 Geografia (Ptolemeu) 66, 68
Estrabão 58, 59 Geografia (Estrabão) 58
«Estrada Mongol» 40 Gomera 57, 85, 134
Estrela Polar 107-110, 161, 162 González de Mendoza, Arcebispo 93
evangelização 101, 117, 133, 138, 151, Gorricio, Gaspar de 189, 190
172 Gracias a Dios, Cabo 198
dever de 78, 169 Gran Canária 45, 80, 87, 89, 157, 195
obstáculos à 143, 173 Granada 40, 41, 95,97,209
promoção da 99 prioridade do povoamento de 95
Extremadura 94, 95, 134 Grande Khan 101, 116
al-Farghani 62, 70 Gronelândia 219, 220

230
Guacanagarí 119, 135-139, 142 índia 42, 59, 77, 101, 131, 197
Guadalquivir 44, 92, 158 impressões exóticas da 71
Guadalupe (ilha) 134 Índico, Oceano 67, 78
Guanahaní 113 índios, ver Caribes; nativos
Guarino de Verona 58 Infantado, Duque do 90
Guerra, irmãos 191 Inglaterra 44, 50, 55, 78, 142, 152
Guiné 62, 80, 83, 95 procura de patrocínio de Bartolomé em
Guiné, Golfo da 37, 42, 49, 51, 57, 61 96
Golfo, Corrente do 105 Inquisição 176
Irianda 50, 63
Haiti 118, 136 Isabel (Rainha de Castela), ver Fernando
Havai 107 e Isabel
Havana 216 Isabela (ilha) 116
Heers, Jacques 43 Isabela (cidade) 143
Helluland 220 Isaías 148, 187, 189
Henrique o Navegador 34, 35 Isidoro 59
Hércules, Estreitos de 37 Islã Espanola, La, ver Hispaníola
heresia 137 Islão 41, 57, 81, 185
Herjolfsson, Bjami 220 Itália 37, 59, 66, 68, 129
Herrera, António de 173
Herrera, Diego de 80 Jamaica 113, 140, 204-206, 222
Hespérides 58, 155 CC abandonado na 195
Hésper, Rei 217 James de Vitry 43
Hibémios 219 Japão 60, 69, 226
Hierro (ilha) 106 Jeréz 44, 45, 46
Hispaníola 57, 73, 91, 132-148, 165-183, Jerusalém 56, 65, 150, 185-188, 193, 210
222 ambição aragonesa de governar 82
como bem 121 obsessão de CC por 141, 182
canoas usadas 204, 205 João II (Rei de Portugal) 60, 125, 155,
vinda de CC acorrentado 185 194,211
sentença de morte do amotinado em 74 CC e patrocínio de 78, 79
primeiro contacto com habitantes de 1 1 João Baptista 188, 190
dar nome a 1 1 Joaquim de Fiore 82, 187, 188, 190
novos mares conhecidos em 130 Juan, Príncipe 88, 89, 96
Ovando e governo de 192, 195 Juana, Dona (Infanta) 190, 211, 215
rendimentos de 191 Judeus 35, 38, 214
Santa Maria perdido em 125 Júlio II, Papa 130, 192, 193
açúcar plantado em 42
Hojeda, Alonso de 121, 144, 145, 177, Kaffa 38, 39
191,218 Karlsefni, Thorfmn 220
confiança de CC em 138 Khanato da Horda Dourada 38
Honduras 197,203,206,222 Kublai Khan 69
Huelva 49
La Mej orada 149
lanos de Tróia 37, 46 La Palma 88, 95
Islândia 37, 50, 220 La Rábida 96, 97
Imago Mundi 58, 61, 70-72, 109 Lanzarote 80

231
1 1

Las Casas, Bartolomé 93, 120, 124, 136, Maruffo, Christoforo 46


145, 148 mástique 40, 42, 56, 133
e cartografia de CC 64 Mauro, Fra 52
e diários de CC 111, 113, 124,207,211, Meca 149, 182
215 Medina dei Campo 209
e encomienda 171, 173-175 Medina Sidónia, Duque de 83, 88, 90
e rota curta para os Antípodas 86 Medinaceli, Conde (depois Duque) de 84,
A Primeira Viagem 100-102, 108, 109, 129, 138
112, 122 Mediterrâneo 44, 47, 48, 190, 221, 225
História das índias 99, 100 navegações de CC até aos limites do 37
Leão, Golfo do 47 oriental 41, 42, 81
Levante 38, 42 Memoria de La Mejorada 131
Ligúria 129 Méndez de Salcedo, Diego 205-207
Ligúrico, Mar 37 Mesoamérica 221, 223
Lisboa 48, 49, 64, 214 Milhou, Alain 151
comércio africano em 79 milenarismo 56, 65, 70, 82, 150
CC vem de Génova para 39, 47, 129 Milton, John 1 1

longitude 108, 132, 142 Mitilene 39


López de Gomara, Francisco 217 Moguer 122
Lucayas 114 Morales, Alonso de 204
Lugo, Alonso de 103 Mouros 35, 50, 80, 81, 114, 181
Muliart, Miguel 49
Macrobius 59, 155 Muliart, Violanta 49
Madeira 34, 42, 48, 49, 167 Múnster, Sebastian 37, 38
Magalhães 226 Miinzer, Hieronymus 61
Magnus, Albertus 55 Muxica, Adrián de 178, 205
Magreb 38, 41
Malaca, Estreito de 197 Nápoles, Reino de 34
Málaga 41 nativos 130, 136-145, 160, 169-181,222,223
Malásia, Península da 197 negociar com 204
Maldonado de Talavera, Rodrigo 86 «negros» 155, 158
Mandeville, Sir John 70 primeira visão europeia dos 114
Maona 39, 40 exploração/manipulação dos 99, 115;
mapas 51, 54,58, 64, 108,220 ver também evangelização
ver também cartografia; cartas amigáveis 118, 196, 197
Mar Oceano 34 jamaicanos 47, 199
ver também travessias do Atlântico naturalização 45, 46
Marchena, Fray António de 92, 93, 133 navegações 52, 53, 72, 223
Margarit, Pedro 138, 140, 146, 170 atlânticas 42, 48, 49, 56, 67, 74, 80
Margarita 160, 191 monopólio de CC das 177, 180
Marinus de Tiro 55, 59, 67, 68 pré-colombianas 219-221
Markland 220 nas Caraíbas 196, 198
Marselha 46, 47, 1 1 primeiras de CC 37, 47
Marshall, Ilhas 107 de Hojeda 191
Mártir, Pedro 93, 127, 129, 130, 141, 155, instrumentos 106-109
160, 188, 207 Vikings/Escandinavos 183, 219-221
Martorelli, Joan 34 ver também Atlântico, travessias do

232
Navidad, ver Puerto Navidad Perestrello, Diego 48
Negro, Mar 38, 39, 40, 42 Perestrello, Dona Felipa 48
Negros 155, 158 Pérez, Fray Juan 92, 93, 133, 189
Novo Mundo, ver América; «Antillia»; Péricles 74
Antípodas; Caraíbas; Cuba; Hispaníola; Pérsia 42, 131
Jamaica Piailug 107
Nigro, Paolo di 45, 49 Piccolomini, Aeneas Sylvius (Papa Pio II)

Nina 104, 106, 124, 125, 134, 146 59


Niflo, Conde Fero 35 Pinelli, Francisco 46, 88, 94
Nifto, Pêro Alonso 121, 191 Pinta 104, 106, 124, 125
nobreza 101, 150, 179, 183 Pinzón, Martin Alonso 93, 95, 108, 118,
Noli, António da 80, 125 120, 125, 178, 217,218
Nuremberga 60 morte 126
papel na primeira travessia 104
Ofir 189 tensão entre CC e 110, 112, 123
Olmen, Ferdinand van 79 Pio II, Papa 52, 59, 71, 72, 152
Oriente 38, 58, 141, 158, 182 pirataria 80, 125

CC do 159, 163
e limites Plínio 55, 59, 72, 152, 153
Ftolemeu e 67 Plutarco 72, 73
rotas para 82 Pólo, Marco 60, 68, 69, 140, 152, 197
Orinoco 155, 158, 222 O Livro de Marco Pólo 56, 68, 72
Otomano, Império 42 Pólo Norte 162
ouro 137-143, 155, 167, 181, 185, 198 Forras, Diego de 204, 207
africano 41, 42, 50, 78, 155 Forras, Francisco de 204
rendimentos de CC do 195, 196, 210 Fort Paix 118
exploração do 101, 199 Porto Santo 35, 48, 49
Oriente e 95 Portugal 63, 66, 78-86, 125, 149, 185
amostras de 104, 120, 121, 129, 130 Ilhas Canárias e 63, 112, 129
procura de 81, 87, 116, 118 negociações castelhanas com 128, 131-
histórias sobre 70-72, 166 -133, 155
Ouro, Costa do 50, 68 CC em 47, 95
Ovando, Don Nicolás de 89, 192, 193, 196, missão de espionagem no Oceano Índico
207 de 67
Genoveses em 38, 39, 45
Pacífico 105, 107, 197, 221, 222, 226 rivalidade entre Castela e 87
Paios 49, 92, 95, 104, 120, 122 ver também João II

Panamá 194, 198 Posidonius 128


Panamá, Istmo do 197 Primeira Viagem, A (Las Casas) 100-102,
Paraguai 174 108, 109, 112, 122
Paraíso 70, 163, 193, 206, 219 Ftolemeu 55, 58, 59, 66-69, 164, 219
Paria 160, 194, 196, 203 Puerto Navidad 119, 135-139
Paria, Golfo de 161,218 Puerto Rico 134, 136, 222
patrocínio 41, 64, 77-97, 103, 127, 148 Puerto de Santa Maria 45
Pavia 36 Punta dei Arenal 158
Pequenas Antilhas 134, 157, 160, 222
Peraza, Hemán 85 Qittim 193
Perestrello, Bartolomeo 34-35, 48 Quersoneso Dourado 197

233
6 1

Quintanilla, Alonso de 87, 88, 92, 94, 95 importância como porto 41


religião 71, 105, 137 Sião, Monte 188
CC e 34, 36, 123-125, 158 Sicília 40, 42
Quios, 37, 39, 40, 42, 50 Sierra Leone (Serra Leoa) 155, 157
sistemas de vento 49, 223
Rivarolo, Francesco da 46, 88 Skraelingar 220, 221
Roldán, Francisco 121, 175-178, 196,204, Spínola, Gasparo di 44
207
Roma 74, 129, 193 tabaco 121
Roménia 40 Taínos 115
Rondinelli, Pietro 219 ver também Arawaks
rotas comerciais 49, 79, 80, 111 Taiti 107
Talavera, Fray Remando de 86, 93
Salamanca 86, 91 Taprobana 148
Salomão 147 Tarshish 148, 189
Saltes 104 Tejo 185
San Giorgio 46 Teles, Fernão 51
San Juan Bautista 134 Tenerife 45, 88, 95, 103
San Salvador 113, 114, 116 térmitas 191, 199
San Sebástian de la Gomera 81, 106 Terra Nova 220
Sánchez, Gabriel 94 terras avistadas 110, 112, 114, 134
Santa Ana, Baía de 203 Tierra de Gracia 158, 160
Santa Maria (Açores) 124 Tirant lo blanc 34
Santa Maria de la Concepción 116, 151 Tirreno, Mar 37, 47
Santa Maria 104, 119, 120, 122, 125, 141 Toledo, Dona Maria de 21
Santa Úrsula (ilha) 50 Tordesilhas 191
Santángel, Luis de 94 Torres, António de 91
Santiago 156 Torres y Ávila, Juana de 90, 91
Santo Domingo 99, 171, 176, 203, 205, Toscanelli, Paolo dei Pozzo 60, 61, 108, 130
207 Tratado de Tordesilhas 133
restos mortais de CC levados para 2 1 travessias, ver Atlântico, travessias do
primeira firma genovesa em 39 Triana 191
viagem de canoa de Méndez para 205, Trinidad 158, 222
206 Túnis47, 111
Santo Sepulcro 141 Turcos 42, 82
São Brendan (ilha) 50 Turks e Caicos, Ilhas 113

São Francisco, Rio 192


São Jorge da Mina 49, 78, 167 Universidade de Salamanca 86
Sargaços, Mar dos 50, 110 Urabá, Golfo de 191
Savona 32, 85, 131 Usodimare, António di 45
Segóvia 211 Usodimare, Francesco di 45
Séneca 190
«Sete Cidades» 50, 51 Valência 41, 43, 90
Sevilha 54, 104, 149, 166, 210, 219 Valhadolid216
restos mortais de CC em 215, 216 variação magnética 223
Genoveses de 39, 43-45, 80, 87-88, 96, Vasques, Pedro 93
191 Velásquez de Cuellar, Juan 89

234
Velez de Mendoza, Luis 191 Vizinho, José 61, 62, 72
Veneza 38, 43 Volta 50, 78, 81
Venezianos 44, 219
Venezuela 157 Waldseemiiller, Martin 219
Veragua 199, 206 Watling, Ilha 114
Vespucci, Amerigo 100, 121, 130, 138,
177,218,219, 221 Xaragua 177, 178
viagens, ver Atlântico, travessias do
Vicente, Gil 35 Yánez Pinzón, Vicente 130, 178, 191
Vikings 219, 221
Vilanova, Amau de 82 Zaccaria, Benedetto 44
Villena,Marquês de 90 Zacuto, Abraão 55
Vinland 220 índice compilado por Frank Pert

235
BOSTON PUBLIC LIBRARY

3 9999 04097 470 9

WITHDRAWH
No longer ths property o1 the
Boston PubSIc Ltoiwy.
!íse Uferary
Sate of this matertal benefUsd
f

AllstónBranch Líbrarv
300 N. Harvard Street
AlIston, MA 02134

DEMCO

ncuRAsm.
HUMANDADE

Cristóvão Colombo gerou uma lenda que


ultrapassa os feitos da sua própria vida.
Tem-se especulado muito acerca desta
figura histórica e por isso se fazia tanto
sentir a necessidade de um relato sério e
actualizado da vida do grande descobri-
dor. Com base num trabalho de investiga-
ção de muitos anos, o Autor acompanha-o
desde as suas primeiras tentativas de
encontrar um patrocinador até ao sonho
de conquistar Jerusalém, já no final da
vida, e situa-o no contexto do mundo em
que viveu, descrevendo as suas viagens
e explorações e o evoluir das suas ideias
geográficas. Consegue assim oferecer-nos
um Colombo convincente: visionário, ambi-
cioso e atormentado, de relações difíceis
com os seus semelhantes, verdadeira-
mente uma figura do Renascimento, um
apaixonado pelo «saber de experiência
feito». O prazer de ler associa-se aqui ao
prazer de saber, já que se trata de um livro
indiscutivelmente bem escrito, fruto de um
rigoroso trabalho de pesquisa. Felipe
Fernández-Armesto é director-geral de The ^—
Times Atlas of World Exploration e é autor .
^^LA
de várias obras de assunto histórico. O seu CD ^^^_i..O
f"^
nome está igualmente associado a projec-
íD ^^™Ln
tos de âmbito académico. CO i^i
CN
'

CN
""
•— f\j

a>
P
CQ
^^==c>
5555
«)

EDITORIAL PRESENÇA

Você também pode gostar