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Estava tarde e decidi pedir algo para comer no hotel. A Lua estava
hospedada num hotel próximo do meu, por isso resolveu ficar mais um
pouco comigo, enquanto esperávamos a comida chegar.
— Má, vou pegar umas revistas lá na recepção para folhear enquanto
a comida não chega, quer que eu pegue um livro para você?
— Não precisa Lua, estou sem cabeça para ler, acho que vou folhear
umas revistas também.
Deitei na cama. Ela abriu a porta do quarto.
— Ok. Então já subo e trago uma para você. Qual andar você está
mesmo?
— No segundo.
— Sempre me confundo quando chego aqui.
Ela deixou a porta entreaberta e, enquanto eu esperava por ela, notei
uma movimentação estranha no corredor e resolvi dar uma espiada. As
pessoas pareciam apavoradas, andavam de um lado para outro com as
bagagens nas mãos, algumas estavam chorando. Fiquei curiosa para saber o
que estava acontecendo.
Lua retornou, sem fôlego. Suas pupilas estavam dilatadas.
— O que está acontecendo, Lua? As pessoas estão estranhas.
— Ouvi uma conversa lá na recepção que uma quadrilha de
bandidos armados invadiu um dos hotéis aqui do lado, algumas pessoas que
estavam hospedadas lá ficaram tão apavoradas que migraram para cá. Teve
até reféns, Má, parece ter sido assustador! Eu até liguei no hotel que estou
hospedada para ver se era lá, porque ninguém sabia dizer ao certo qual hotel
era, mas, graças a Deus não era o meu não. Sei que não é legal ficar feliz
com uma notícia dessas, mas, diante da situação, eu fiquei bem aliviada,
pois deixei os meus documentos e cartões lá no hotel, nem desfiz a mala
ainda.
— E já soltaram os reféns? Por isso que essas pessoas estão tão
apavoradas? Mas, como eles conseguiram entrar?
— Eles estavam vestidos com as roupas dos funcionários do hotel,
pelo menos foi o que ouvi uma senhora dizer. E essa mesma senhora disse
que eles usaram os reféns de escudo para entrar num carro que os
aguardava. Foi tudo muito rápido, os seguranças do hotel não conseguiram
fazer nada e a polícia não chegou a tempo. Estão dizendo também que é o
segundo assalto da quadrilha na região.
Suas mãos estavam trêmulas.
— Nossa Lua, você precisa pedir para o Roberto nos tirar daqui.
Não quero correr risco não.
— Eu sei, eu sei! Vou ligar para ele.
Ela pegou um copo d’água. Ver a Lua tão assustada me deixou
angustiada, além do pânico no olhar daquelas pessoas, que ficou registrado
na minha memória. Decidi falar com a Bia. Olhei no relógio e vi que que já
eram dez horas, sabia que a essa hora a Bia já estaria dormindo, só que eu
precisava saber se estava tudo bem. Engraçado, quando acontecem essas
coisas, quando ouvimos notícias ruins, a mãe que há em nós grita de medo e
só nos acalmamos ao falar com nossas crias.
O telefone tocou até cair na caixa postal. Fazia um ano que eu não
conversava com o Samuel. A Maria tinha ficado responsável por acertar as
coisas referentes à Bia, então, tanto ele como eu, sempre mandávamos
recados por ela. Mas, naquela noite, arrisquei ligar no telefone da casa dele,
mesmo morrendo de medo de outra pessoa atender. Eu não queria saber se
ele estava em outro relacionamento ou se estava casado, pedi para a Maria
não me falar nada sobre ele e, sempre que a Bia vinha me contar alguma
coisa, eu dizia para ela não mencionar nada sobre os relacionamentos do pai.
Como ela tinha uma maturidade incrível para a idade, sempre respeitou o
meu pedido. O telefone da Maria não atendeu e aquilo me deixou mais
angustiada.
— Lua, não consigo falar com a Maria, queria muito saber da Bia.
— Amiga, elas devem estar dormindo. Por que você não tenta ligar
para o Samuel? Ele deve estar em casa a essa hora e vai poder te dizer se
está tudo bem.
— Faz um ano que não falo com ele, não sei se tenho coragem de
ligar... E se outra pessoa atender?
Ela apoiou a cabeça nas mãos e me olhou com os olhos tristes.
— Você nunca superou, né?
Tento parecer convincente.
— Estamos separados há seis anos, Lua, é claro que superei!
— Superou nada, mesmo depois de todo esse tempo. Você sempre
teve esperança de que as coisas mudariam entre vocês. É ele que tem o seu
coração Má, admita!
Ela joga uma almofada em mim.
— Ele foi meu primeiro tudo, você sabe disso. Mas sei que acabou.
Na verdade, acho que eu sempre o amei mais do que ele me amou.
— Nessa parte eu discordo, aquele homem te amava, nunca entendi
o que deu na cabeça dele para trair você, especialmente numa fase que
vocês estavam tão bem, ainda mais com aquela bis...
Arregalei os olhos, ela sabe que não gosto que ela use esses termos.
Rapidamente ela completa a palavra, com um sorriso de malandra.
— Bisnaga! Aquela bisnaga!
— Hum... achei que você ia soltar um daqueles palavrões horríveis!
Ela faz um coração com as mãos e carinha de inocente.
— Má, você é uma figura! Nunca vou entender essa cabecinha
doida, mas amo você sabia?
— Eu também amiga. Acho que comecei minha vida cedo demais,
né?
— Seu problema é querer ser toda certinha. Olha no que deu!
— Pois é, mas Deus sabe que eu tentei, e ainda tento, fazer o certo,
pelo menos, o que sempre aprendi ser o certo.
— É, mas o certo para você pode não ser o certo de fato, né? Por
que você não perdoou o Samuel se o amava tanto?
— Porque traição a gente perdoa, mas uma vez que você aceita, vai
viver isso por toda a sua vida. A bisnaga não seria a única.
Rimos.
— Nunca entendi essa história. Aquela garota já tinha sido
desprezada por ele diversas vezes, até na minha frente, eu vi, ninguém me
falou. Ela vivia dando em cima, pedindo para ele voltar para ela. Por que
raios ele resolveu voltar atrás? Não entendo.
— Porque ele estava fazendo um teatro, provavelmente eles sempre
estiveram juntos.
— Não faz sentido, Marina.
— Para mim, sempre fez sentido. Mesmo ele dizendo que foi ela
que o agarrou.
— Mas, por que ela estava dentro do carro dele?
— Pois é, ele disse que o carro dela tinha quebrado e que ela ligou
para um mecânico, mas pediu uma carona até o trabalho, porque poderia
perder o emprego se chegasse atrasada e, é claro, ele deu. Uma desculpa
bem esfarrapada!
— Não acho, sabia? Pensa comigo, ele era o prefeito de uma
pequena cidade, precisava ser solícito se quisesse continuar no poder. Ainda
mais naquela cidade que as notícias correm rápido. E ele não te trairia dentro
de um carro, não iria correr o risco de ser pego.
— Ele não era prefeito naquela época, Lua.
— Mas era vereador, ora bolas! Dá na mesma!
Alguém bate na porta.
— Entrega!
— Lua, você recebe para mim? Minha carteira está na bolsa. Pega e
acerta com o entregador, por favor! Vou tomar uma ducha.
— Ok, sem problemas.
Eu não gosto de falar sobre este assunto, me traz à memória tanto
sofrimento, decepções, frustrações. Quando me casei com o Samuel, foi
porque, realmente, queria dividir minha vida com ele para sempre. Ele me
entendia como ninguém, me aceitava da forma que eu era, amava coisas em
mim que ninguém notava. Mas, como somos diferentes, nosso
relacionamento sempre foi muito questionado, ninguém entendia porque
estávamos juntos já que ele era o garoto popular da escola e eu era a menina
tímida. Meus olhos sempre estiveram nele, eu assistia todos os campeonatos
de futebol que ele jogava, fazia de tudo para sentar perto dele na igreja e me
esforçava para puxar assunto. Na escola, ele sempre estava cercado de
meninas, entrava e saía de relacionamentos como se trocasse uma camiseta.
Ele não era para mim, todo mundo via isso, menos eu.
— Má, você demorou nessa ducha, eu não consegui te esperar,
estava com fome. Seu lanche está aí na sacola, eu já vou voltar para o hotel,
estou bem cansada, já são onze horas.
— Lua, espera eu só ligar para o Sam? Preciso saber da Bia.
— Quer que eu ligue para você?
— Não, preciso agir como adulta. Só estou com medo da minha
reação se outra pessoa atender.
— Uma namorada, você quer dizer?
— Sim, não estou preparada para isso.
— Então você faz a chamada no viva-voz e, se outra pessoa atender,
eu falo com ela e pergunto sobre a Bia, mas, se ele atender, você fala, o que
acha?
— Pode ser, melhor assim!
— Ok, então disca aí.
Chama. Parece uma eternidade até atenderem.
— Alô!
Foi ele mesmo que atendeu o telefone. Ouvindo aquela voz grave,
meu coração dá um salto. Tento acalmar a respiração e parecer normal.
— Samuel, é a Marina. Desculpe o horário, tentei falar com a Maria
e ela não atendeu. Eu não paro de pensar na Bia e queria saber se está tudo
bem.
Enrolei uma mecha do cabelo em meus dedos.
— Oi, Marina, quanto tempo! Eu estava dormindo, por isso demorei
para atender, me desculpa. A Bia está bem, ela dorme às nove, lembra? E a
Maria deve ter dormido também. Mas, aconteceu alguma coisa?
— Não, na verdade não. Bem, é que teve um assalto em um dos
hotéis aqui perto e eu fiquei assustada. Acho que, por isso, quis saber se
estava tudo bem com ela.
— Um assalto? Imagino o susto que foi para você. Cidade grande
tem dessas coisas mesmo. Fica tranquila que ela está bem. Mas, agora fiquei
preocupado, quando você volta para casa?
Lua mal piscava, estava de olhos e ouvidos atentos à nossa conversa.
— Ainda não sei ao certo, estamos ensaiando para lançar o clipe no
YouTube e nem gravei com o Lucas a música nova.
— Lucas? O de Capri? Aquele da bandinha da vez? Que toca toda
hora nas rádios?
— Sim, ele mesmo, vamos lançar a minha música, juntos.
Antes que eu pudesse terminar a frase ele interrompeu, seu tom se
tornou mais seco, ríspido:
— Hum, está bom, então, Marina. Era só isso?
— Sim, obrigada. Dá um beijo na Bia, por favor!
— Darei, mas, amanhã. Se quiser falar com ela, ligue antes das
onze, por favor. Eu já estava dormindo.
— Desculpa, Samuel, não vou mais ligar nesse horário, fique
tranquilo.
— Boa noite, Marina!
— Boa noi...
Olhei para o telefone e depois para a Lua, que me olhava com os
olhos arregalados.
— Ele desligou na minha cara!
— Que sujeito mal-educado, Marina. Deve estar morrendo de
ciúmes de você com o Lucas de Capri.
— Ele nem liga, Lua. Acho que ficou bem claro, né?
— Esse cara é um babaca! Bom, vou nessa, achei que ia dar uns
suspiros com esse telefonema, mas só passei raiva. E você, mulher, para de
ser tonta. Não adianta bancar a durona para ele e depois chorar no
travesseiro, supera isso!
Eu sabia que precisava parar de pensar em nós dois e colocar um fim
nesse sentimento, o problema é que eu não sabia como.
Depois do ensaio, o Lucas nos convidou para jantar. Ele disse que
queria aproveitar o dia de folga na cidade. A noite foi bem divertida, o
César passou da conta na bebida e falou tanta bobagem que ficamos com
dor na barriga de tanto rir. A Lua, não tirava os olhos do Lucas e eu me
achava muito sortuda por estar vivendo tudo aquilo.
— Vocês têm como voltar para casa ou vão precisar de carona?
— Vamos chamar um táxi.
— Não precisa. Eu deixo vocês no hotel. E você, César, quer carona
também?
— Não, querido, vou aproveitar mais um pouco a noite e depois vou
para casa. Não sou eu que tenho que gravar amanhã. Vocês arrasaram no
ensaio de hoje! Boa sorte na gravação amanhã.
Ele levantou o copo de bebida. Eu agradeci com um sorriso e entrei
no carro. A Lua já estava lá dentro. Ele deixou a Lua primeiro e depois,
parou o carro na frente do meu hotel. Desceu do carro e o contornou,
vindo para o meu lado, mas, eu não esperei e abri a porta.
— Pelo jeito você não está acostumada com homens cavalheiros,
não é mesmo?
— Desculpe, não sabia que você também ia descer.
— Eu queria deixar uma boa impressão.
— Posso garantir que você já conseguiu isso.
Sinto-me envergonhada. Ele me encara por alguns segundos, seus
olhos parecem imãs.
— Boa noite, Marina. Foi um grande prazer te conhecer!
Ele me puxou para mais perto e beijou minha bochecha. Senti um
arrepio.
— O prazer foi meu, Lucas! Entro no hotel e observo ele arrancar
com o carro. Será que estou sonhando? Meus lábios parecem sorrir
sozinhos. Me jogo na cama animada. Quantas coisas incríveis acontecendo
ao mesmo tempo! Se eu estiver dormindo, por favor, não me acorde!
Meu celular vibra no meu bolso, olho para a tela. É o Samuel. Saco!
O que ele quer agora? Atendo sem ânimo.
— Oi.
— Oi, Marina. Estou ligando para avisar que já entrei com o
processo contra a revista do jornalista que incomodou você naquele voo.
Finjo desinteresse.
— Hum.... Eu não queria ter te envolvido, mas a Lua achou melhor
não colocar mais ninguém a par da história e, de certa forma, ela está certa.
— Sim, eu entendo e concordo que foi mesmo melhor falar comigo.
Mas, Marina...
Ele faz uma pausa.
— Fala?
— É verdade?
— Verdade o quê?
— Deixa pra lá. Bom, só liguei para avisar que ninguém virá aqui
tão cedo para questionar sobre você ou sobre nós.
— Ok, Samuel, eu agradeço! A Bia está acordada?
— Não, já passa das onze, ela está dormindo faz tempo, estava
cansada, passeamos bastante hoje. Por falar nisso, você resolveu o problema
com o hotel?
— Ainda não, mas, logo será resolvido, os hotéis estão lotados por
causa das férias escolares e, por isso, não está fácil achar vaga, mas, vai dar
certo! Eu tinha me esquecido que vocês estão em viagem.
— Resolve isso logo, Marina!
Odeio quando ele me dá ordens.
— A Bia está ansiosa para ver você, passou o dia todo falando sobre
isso, mal aproveitou a praia e a experiência de mergulhar com os golfinhos,
só dizia que queria que você estivesse aqui. Confesso que me incomodou
um pouco, sabe, essa ligação de vocês...
— Que bom que ela pensa em mim, eu também penso nela o tempo
todo. A relação de vocês também é muito especial, Samuel, sempre te achei
um excelente pai para ela.
— Que bom ouvir isso de você, Marina. A Bia foi a melhor coisa
que você me deu. Mesmo sendo tão nova, você não teve medo da
maternidade. Lembra daquela festa que teve com os vereadores e você
começou a se sentir mal e do nada desmaiou?
Ele riu com a lembrança.
— Sim, eu lembro... Nós ainda não sabíamos que eu estava grávida.
— Aquele dia eu fiquei apavorado, tive medo de perder você. Ainda
era muito novo para desconfiar que pudesse ser uma gravidez e que
desmaiar no início da gestação era normal.
—Sim, lembro sua cara perguntando para o médico se era grave.
— Eu te amava, Marina! E fiquei com medo de te perder...
Eu apenas suspiro, sem dizer nada.
— Boa noite, Marina!
— Boa noite, Samuel!
Fiquei deitada, olhando para o teto. Por que essa conversa mexeu
comigo? Por que ele ainda tem esse poder sobre mim? Minha vontade era
ligar e dizer tantas coisas, mas, preferi me deitar direito e tentar dormir.
Senti o celular vibrar de novo e achei que ele tivesse resolvido dizer mais
alguma coisa. Olhei no visor, era a Lua.
— Oi, Lua, por que está me ligando a essa hora?
— Eita! Achei que você estaria mais animada depois da nossa noite
com o Lucas.
— Estava, mas já estragaram a minha noite.
— Quem estragou? Vai dizer que foi o Samuel de novo?
— Bingo!
— Ah, não! Então você também deve ter visto as fotos...
— Que fotos?
Sentei na cama num salto.
— As fotos dele na rede social.
— Mas ele não tem nenhum perfil em nenhuma rede social.
— Pois é, ele não tem, mas a namorada dele tem e acabou de
publicar várias fotos no perfil dela. Eles estão juntos neste exato momento,
lá na tal praia. Junto com a Bia, amiga!
— Capaz! É brincadeira, né? Você não me ligou aqui sabendo que
acordo cedo para gravar amanhã para contar essa história? E como você
conseguiu ver essas fotos? Conhece a namorada dele? Tem ela como amiga
no Face?
— Não, Marina, eu não tenho ela no meu perfil, nem conheço a
menina. Acho que ela não é da nossa cidade. Vi porque o jornal da cidade
disse que o prefeito estava de férias com a família e que a nova namorada
tinha compartilhado as imagens em seu perfil.
— Idiota! Ele é um babaca. Espero que seja sério o relacionamento
deles, porque se a Bia sofrer com isso, vou matar esse cretino!
— Na boa, Marina, você está incomodada por causa da Bia mesmo?
Porque, para mim, não parece ser por ela não.
— Para de ser besta, Luana! Foi você que ligou para falar dele.
— Na verdade, amiga, liguei para te dar um toque, esquece o
Samuel e não perca as oportunidades que a vida te dá não!
— Eu não vou perder nada. Mas, fique sabendo, Luana, você não
tinha o direito de me ligar a essa hora para me contar isso! Ainda mais
depois de ele ter me ligado hoje.
— Ele te ligou para quê?
— Para falar que está tudo certo com a ação contra a revista, e
também relembrou algumas coisas do passado...
— O que, especificamente, ele lembrou?
— Sobre o dia que desmaiei na festa com os vereadores, eu estava
grávida e não sabíamos.
— Sim, eu me lembro desse dia.
— Ele disse que teve medo de me perder...
— Parece que teve mesmo, no passado, porque depois...
— Ok, Lua. Mas, por que raios ele ressuscitou isso hoje?
— Por que vocês tiveram uma história juntos?
Notei a ironia na voz dela e não estava com a menor vontade de
continuar aquela conversa, ainda mais naquele tom.
— Está bem, Lua! Vou desligar. Odeio muito vocês dois neste
momento!
— Na verdade, amiga, você deveria me agradecer, tenho certeza de
que ia passar a noite pensando nesse cara, só porque ele relembrou essa
história, o que para mim, não significa nada. Esquece ele, Má. Segue sua
vida, ele já está seguindo a dele.
— Ok, ok! Beijo. Durma bem.
Eu precisava mesmo virar essa página, mas, é claro que vou espiar
as fotos dele na rede, precisava ver quem é a eleita da vez. Eu pego o
celular e digito a página do jornal da cidade. Lá estava ela. Entrei em seu
perfil, quatro fotos da família feliz. Olho para a foto que estão numa lancha.
Que biquíni estranho! Está bem, está bem, não tenho nada a ver com isso!
Tenho que admitir que ela é bonita, toda sorridente, deve estar louca por ele.
Olho uma foto dele com a Bia, ele está sem camisa, tinha até me esquecido
desse abdômen definido. A Bia parecia bem feliz na foto, devia estar se
divertindo. A última foto é dos dois juntos, beijando-se. Eca! Melhor fechar
isso. Saco, por que sou tão curiosa? Sabia que ia ter uma noite difícil. Sono,
facilita e vem logo, antes que eu gaste a noite toda com esses dois, please!
— Perfeito, pessoal!
O produtor está animado, parece bem satisfeito.
— Assim que finalizarmos, entro em contato com o agente de vocês.
— Obrigada, até mais então!
— Ei, Marina! Me desculpa por mais cedo, estou com muita coisa
para resolver e tive medo de você não conseguir cantar nesse novo ritmo.
Olho no relógio e percebo que tinha feito um milagre: 11h41min,
levei menos tempo do que previra para conseguir gravar.
— É, eu também tive medo, mas acho que deu certo, né?
— Sim, deu certo sim! O que você acha de sairmos mais tarde? Ir ao
cinema, ou talvez eu pudesse te levar para jantar em um restaurante que
gosto bastante, o que acha?
— Você ainda consegue entrar em um cinema sem ser notado?
— Na verdade, um amigo meu é dono de uma franquia aqui em São
Paulo e, sempre que quero assistir algum filme, ele deixa uma cadeira
reservada para mim próximo da saída de incêndio e é claro que só entro
quando já está tudo escuro, nunca ninguém percebeu nada. Eu abaixei a
cabeça enquanto um sorriso tímido tomava conta do meu rosto.
— Está certo, é bom aprender esses truques com você.
— Sim, em breve, será você em situações como essas... E aí, decidiu
o que prefere? Temos que comemorar esse dia e brindar nossa parceria na
gravação.
— Acho que prefiro conhecer esse restaurante que você disse gostar.
Sou formada em gastronomia e não resisto a uma boa experiência culinária.
— Uau! e então, da próxima vez você poderia cozinhar para a gente,
o que acha?
— Se eu não morasse em um hotel com toda certeza te convidaria.
— Não vejo problema nenhum em você cozinhar lá em casa,
podemos marcar um dia para isso. Mas, hoje te pego por volta das sete,
pode ser?
— Combinado!
Ele se aproximou e me deu um beijo no rosto. Senti um arrepio
percorrer por todo o meu corpo. Ele me afastou e me olhou nos olhos por
alguns segundos, continuei tremendo. Ele sorriu e entrou no carro. Fiquei
ali parada, acompanhando sua partida. Abaixei a cabeça e sorri sozinha,
porém, uma voz me fez voltar à realidade. Era a Lua gritando em meu
ouvido. Dei um pulo com o susto, ela gargalhou.
— Fala, maluca! Estava flertando com o bonitão que eu vi. Certeza
de que combinaram alguma coisa, né?
Ela faz cócegas em minha barriga.
— Lua, você quer me matar do coração? Onde você estava que não
apareceu na gravação?
— Precisei resolver umas coisas, mas aluguei um carro para vir te
buscar.
Ela me mostra as chaves com um sorriso no rosto.
— O Roberto me ligou para avisar que vocês já tinham finalizado.
— Se demorasse mais um pouco eu teria ido embora, ninguém me
avisou que você viria. Abaixei para amarrar o cadarço.
— Acontece que eu já estava aqui faz tempo, só não quis atrapalhar
vocês dois. Ele te chamou para sair?
— Chamou, vai me levar para jantar em um restaurante que ele
gosta.
— Ai que lindo! Não desperdiça essa chance, hein! Ele parece ser
um cara legal.
— É, mas deu uma surtada lá na gravação, chegou com cara feia e
tudo.
— Reza a lenda que homens também têm TPM, vai que o dia dele
era hoje!
— Nem brinca, ainda vamos nos encontrar essa noite, não pode
estar de TPM não.
Liguei para os meus pais assim que cheguei no hotel, fazia tempo
que não falava com eles. Eles me contam que o Sam levou a Bia na casa
deles antes de irem para a praia. A relação dos meus pais com ele sempre
foi boa. Minha mãe também me perguntou se eu conhecia a moça que tinha
ido com eles, eu disse que não. Segundo minha mãe, ela era simpática. Eu
não quis entrar em detalhes, tampouco dizer que a Lua já tinha visto os dois
juntos na rede social. Preferi fazer de conta que não sabia de nada, assim
evitava a fadiga de ter que ouvi-la dizer o quanto eu havia me precipitado
ao terminar o nosso casamento. Para minha mãe, o Samuel era um bom
rapaz e eu deveria ouvir a versão dele. Mas, a verdade é que o ver nos
braços de outra era a cena que mais se repetia em minha cabeça. Mesmo
que tenha sido apenas um beijo, o fato de eles estarem juntos dentro do
carro dele dilacerou toda a minha confiança. O que será que ele fazia
enquanto meus olhos estavam distantes? Por isso não gostava muito de falar
com minha mãe, ela sempre me fazia voltar para essas questões.
Às sete horas, em ponto, ele chegou. Estava com uma camisa polo
vermelha, com detalhes cinza na gola, vestia uma calça jeans em um tom
azul escuro, manchada. Eu havia optado por um vestido de renda forrado,
azul, curto, onde a parte superior delineava bem o meu corpo, mas a saia era
solta. Ele tinha um decote elegante, em formato de V e com pedras da
mesma cor do vestido... Deixei o cabelo solto e usei uma maquiagem mais
clean. Ele estava com um sorriso lindo no rosto, me deu uma olhada
discreta e me beijou na bochecha. Ele tinha um cheiro bom, daqueles que dá
vontade de ficar por ali mesmo. Ele tinha dispensado o motorista e estava
com seu carro pessoal. Não entendo de carros, mas não parecia comportar
mais do que duas pessoas nele.
— Boa noite, Marina! Está pronta para uma aventura?
— Aventura? Achei que você me levaria para jantar!
— E é para onde nós vamos, mas vamos ter que pegar a estrada
rumo ao litoral.
— Litoral? Mas agora? Não é um pouco longe?
— De carro são duas horas, mas, como sou eu que estou dirigindo,
se não tiver tanto movimento, dá para fazer em menos tempo. Mas, fique
tranquila, não vou exceder a velocidade, sou um bom motorista.
Ele deu aquela piscadinha marota com um sorriso de canto que o
deixava especialmente lindo. Abriu a porta do carro para eu entrar.
Agradeci. “Esta noite promete!”, pensei. Como a viagem era longa, tivemos
bastante tempo para conversar. Ele me falou sobre a referência que seus
pais eram para ele, de quando se apaixonou pela música, de sua época de
escola e de seu cachorro Toby, que era a sua melhor companhia. Eu fiquei
ali, ouvindo, enquanto ele contava com entusiasmo sobre sua vida. Dava
para notar o quanto ele era realizado. Mesmo sendo a primeira vez que
ficávamos sozinhos tanto tempo na companhia um do outro, a sensação que
eu tinha é que já nos conhecíamos.
A conversa fluía e eu nem vi a viagem passar, só me dei conta que
havíamos chegado quando li a placa “Guarujá”. Aquela brisa noturna que
entrava pela janela do carro me fez fechar os olhos e relaxar na poltrona,
deixei ela entrar e balançar meus cabelos, com um sorriso de menina no
rosto. Quanto tempo não me sentia assim! Era só eu ali, sem os medos,
preocupações com ensaios, dança, shows ou as dúvidas que sempre me
assombravam. Era eu e o vento, eu e a música de fundo, que por sinal era In
the End e ficou maravilhosa na versão de Mellen Gi e Tommee Profitt, o
que contribuía ainda mais para aquele momento perfeito. Eu queria guardá-
lo num potinho...Como não era possível, aproveitei ao máximo toda aquela
sensação que ele trouxe. O Lucas percebeu meu contentamento e deu um
sorriso satisfeito, parecia que estava feliz em ver minha sensação de prazer.
— Você é incrível! Eu sabia que esse lugar tinha a ver com você,
mas, ver a sua expressão de alegria, me faz ter certeza do quanto somos
parecidos. Não são todas as pessoas que conseguem reconhecer a felicidade
em pequenas coisas como, por exemplo, nessa brisa. Notei sua simplicidade
através de suas músicas, por isso te achei tão especial.
— Você conseguiu ver tudo isso só pelas minhas músicas? Acho que
a Lua tem razão, preciso me ouvir mais...
O restaurante que ele me levou era localizado à beira mar, em um
luxuoso hotel no Guarujá. Tinha uma vista panorâmica do mar. Ele
escolheu uma mesa mais afastada, puxou a cadeira para eu me sentar e
ficou me olhando como se esperasse que eu dissesse algo.
— Então era esse lugar que você tinha em mente... um restaurante
tailandês!
— Sim, gosto daqui, da brisa do mar, dessa vista incrível e da boa
gastronomia que oferecem.
Ele me entregou o cardápio.
— Eu não conseguiria escolher um lugar mais adequado.
— Fico feliz que tenha gostado, mas aqui não é o destino final,
ainda tenho outro lugar para te levar.
— Hum, uma noite cheia de surpresas?
— Não sei se podemos chamar de surpresa, mas é mais um dos
meus lugares preferidos.
— Já estou ansiosa! Você sabe mesmo como impressionar uma
mulher!
Ele gargalhou. Depois me olhou profundamente.
— Só as que valem a pena!
Minhas bochechas coraram, se eu estivesse diante de um espelho
tenho certeza de que veria meus olhos brilharem. Ai, ai!
A noite parecia mágica, o som do mar, a comida perfeita, e a
companhia era a cereja do bolo. Estava acostumada a vê-lo sobre os palcos,
cercado de mulheres, mas, tê-lo ali, só para mim, me trouxe o desejo de
mantê-lo por perto, de repetir momentos como aquele.
Quando terminamos, ele me pegou pela mão e me conduziu para a
segunda parte do passeio. Passamos no carro e ele pegou um violão. Fiquei
surpresa por ele ter trazido. Ele jogou a bag do violão nas costas, pegou
minha mão e, enquanto caminhávamos, ele a acariciava com o dedo, era
uma sensação tão boa...
Entramos num pequeno caminho de pedras que levava às montanhas
de rochas. Ele me pediu para levantar os pés, mesmo sem entender levantei,
então ele começou a tirar minhas sandálias e estendeu as mãos para mim,
enquanto subia a montanha. Fui seguindo os passos dele, às vezes me
desequilibrava e ele me apoiava. A montanha não era alta, mas as pedras
eram escorregadias. Quando chegamos no topo, me lembrei do filme Rei
Leão. A pedra em que estávamos oferecia uma visão incrível de toda a
extensão da praia e, como estava uma noite linda, com o céu límpido, a lua
iluminava o mar e as estrelas pareciam vagalumes. Nos sentamos ali e
ficamos em silêncio, contemplando a paisagem que parecia pintada por
Monet, mas, na verdade, o autor era outro e tudo que Ele faz é perfeito.
Depois de um tempo, ele me explicou como descobriu aquele lugar
e disse que sempre que precisava de inspiração, era ali que ele ia. Acredito
que ele estava interessado em saber sobre a inspiração das minhas letras
porque logo perguntou:
— Marina, suas letras falam muito sobre relacionamentos, tem
alguém em especial em quem você pensa quando as escreve?
— No começo sim, mas agora, quando componho, são canções com
as quais geralmente sonho.
Olhei para o céu, o brilho das estrelas prendeu minha atenção.
— Sonha? Você sonha com músicas?
— Sim, e quando acordo, gravo no celular para não esquecer a
melodia.
— Queria ter sonhos musicais, mas minha inspiração sempre vem
de maneiras inusitadas, às vezes num banho, outras enquanto corro, já veio
até quando estava malhando, vai entender!
— Acho que respiramos música, não é mesmo?
— É o que parece! Mas tem algumas músicas que só a alma ouve e
essas são as melhores, seu corpo todo sente, mas as palavras faltam. Sinto
isso quando estou perto de você.
Ele chegou mais perto. Sinto minhas bochechas esquentarem.
— Você é bom com as palavras, já deve ter conseguido muitas
garotas com essa frase.
— E você é o tipo de garota que não espera um cara abrir a porta do
carro, que fica vermelha com elogios e duvida de todo afeto. Esqueci de
alguma coisa?
— Só não me iludo fácil.
— E nem eu sou o tipo de cara que gosta de iludir.
Ele pegou o violão e começou a cantarolar uma canção do Lulu
Santos — Um certo alguém. Eu fiquei ali admirando aquele show
particular, comecei a me perguntar se a escolha da música havia sido
aleatória ou proposital, de qualquer forma, estava linda na voz dele. Minhas
lembranças me traem ao ouvir a canção e me levam de volta aos meus 12
anos, ao dia em que perdi a hora para ir para a escola e quase perdi a
prova...
Eu estava atrasada, tinha ficado até tarde ajudando os meus pais no
restaurante e acabei dormindo pouco. A Lua tinha me ligado duas vezes,
ela já estava na escola me esperando. Tínhamos combinado de chegarmos
mais cedo nos dias de provas para estudarmos juntas, mas, naquele dia não
ia dar, se eu demorasse mais um pouco nem a prova eu faria. Minha mãe
gritou da cozinha:
— Marina, pegou alguma coisa para comer?
— Sim mãe, vou comer no caminho. Beijo, já estou saindo..
— Beijo, filha, boa prova!
O portão estava fechando quando cheguei, por sorte a inspetora
gostava de mim e me deixou entrar. A Lua já estava sentada e tinha
guardado um lugar para mim perto dela.
— Menina, achei que você não viria!
— Perdi a hora, desliguei o relógio, ainda bem que não perdi essa
prova.
A professora já procurava de onde estava vindo a conversa, quando
um aluno lá da frente perguntou se a prova seria difícil, a Lua, então,
aproveitou para continuar conversando.
— Você nem imagina quem me perguntou sobre você hoje! Ela deu
um sorriso largo.
Quem? Quis saber curiosa.
— O Samuel. Parece que ele largou a namorada há mais de um
mês.
— Senhorita Luana! Você quer que a retire da sala?
— Não professora, já parei.
Droga, a professora não a deixou concluir o assunto.
A prova foi bem difícil, fiquei com medo de ter que passar minhas
férias de recuperação, iria começar o próximo ano com o pé esquerdo e
torcia para isso não acontecer. Mas, não consegui me concentrar, só
pensava naquilo que a Lua me dissera sobre o Samuel ter perguntado por
mim. Ele nunca falava comigo na escola, lá nossa conversa se limitava a
“Oi, Marina, tudo bem?” ou então “Tchau, Marina, a gente se vê por aí!”
Na igreja, era onde nós mais conversávamos, geralmente ele me falava
sobre as crises dele nos relacionamentos ou o quanto gostava de me ver
cantar.
Eu saí para o intervalo e a Lua veio correndo ao meu encontro, ela
terminou a prova antes de mim e queria saber se eu tinha ido bem. Ela
achava bem difícil conseguir tirar boa nota, mas, tinha esperanças.
Enquanto conversávamos sobre a prova, eu procurava pelo Sam em todo
canto. Percorria com os olhos cada canto do pátio, ele poderia estar com
alguma garota, ainda mais agora que, segundo a Lua, ele estava solteiro.
Não o encontrei em lugar nenhum, cheguei a pensar que ele poderia ter ido
para casa mais cedo ou estivesse em reunião com o grêmio estudantil. Eu
queria muito vê-lo, o intervalo acabou e nada de encontrá-lo.
Quando a aula chegou ao fim, eu estava convencida de que ele já
tinha ido embora. A Lua disse que não voltaria para casa comigo, iria com
os pais almoçar na casa dos avós. Nossa cidade era bem tranquila, mas
como toda adolescente mulher, sofria com aquelas cantadas baratas, por
isso eu não gostava de voltar sozinha, até liguei para os meus pais para
pedir para virem me buscar, a escola não ficava muito longe de casa, mas,
a pé levaria uns 10 minutos. Porém, eles estavam ocupados com o
restaurante e não conseguiriam vir. Me conformei e fui andando. Durante
todo o caminho, era no Sam que eu pensava. Sonhava com o dia que ele
deixaria de me ver só como uma menininha. Embora a nossa diferença de
idade fosse pequena, ele não me via como mulher, mas como uma “doce
menina”, era o que ele sempre me falava. Quando me contava sobre seus
relacionamentos, dizia que eu não entenderia, porque tinha um coração
ingênuo. Eu queria que ele me visse como os outros meninos me viam. Esse
é o problema de crescer em uma comunidade como as igrejas. Na verdade,
sempre vi como um privilégio ter amigos mais chegados que irmãos, mas
não sabia que em um futuro próximo, seria esse justamente o problema.
Minha cabeça já estava doendo de tanto pensar. Ao chegar em casa,
fui direto para o restaurante almoçar e ajudar os meus pais, esse horário
era muito corrido. Dei um oi rápido para eles e fui pegar um prato para me
servir, estava com muita fome, pensar deve gastar muita energia. Puxei
uma cadeira e sentei, estava bem calor e cada ventinho que batia em meu
rosto, eu agradecia a Deus. Meus pais sempre deixavam uma música
ambiente tocando e era bem mais fácil levar os pensamentos para os
lugares mais distantes com um fundo musical. Começou a tocar uma
música do A-ha, “Hunting High And Low?” Minha mente foi para um
mundo perfeito, e lá eu queria ficar, mas, algum desavisado simplesmente
puxou a cadeira e sentou na mesma mesa que eu estava. Levantei os olhos
para ver se ele perceberia os raiozinhos que saiam deles, mas, quando vi
aqueles olhos verdes olhando diretamente para os meus e aquelas covinhas
sorrindo para mim, gelei! Minha boca secou e as palavras sumiram. Ele
nunca tinha vindo ao restaurante dos meus pais e, por isso, eu travei. Era
algo muito inesperado. Ele continuou sorrindo, enquanto colocava o prato
na mesa, pelo jeito almoçaria comigo.
— Procurei você o dia todo, sabia?
— Procurou? Eu não sabia que me procurava!
— Mas, eu perguntei de você para a Lua, achei que ela tinha
avisado.
— Não. Quero dizer, falou. Mas não que me procurou, só que
perguntou por mim.
— Eu senti sua falta. Queria voltar com você para almoçarmos
juntos. Precisava falar com você...
Ele me encarou. Na minha cabeça, a urgência em falar comigo era
para contar que terminou seu namoro com a Bruna. Eles terminavam
sempre, nesse meio tempo, ele saía com várias garotas e, depois, voltavam.
A Bruna era o oposto de mim, era loira, alta, olhos azuis.
— E o que você tinha de tão importante para me falar?
— Você deve saber que eu e a Bruna terminamos e eu queria que
você soubesse por mim. Terminamos há mais de um mês e, dessa vez, é
definitivo.
Tentei parecer surpresa ao ouvir. Depois perguntei aparentando
certo desdém.
— E o que te faz ter tanta certeza que, dessa vez, acabou para
valer?
— Por que descobri há algum tempo que gosto de outra pessoa.
Tentei evitar ao máximo esse sentimento, porque eu sabia que ela não era
qualquer garota, ela é para casar, Marina!
Era só o que faltava, eu jamais sairia da “friend zone” e minha
vontade era de mandá-lo ir dormir, não queria saber mais nada da vida
dele.
— Casar? Que loucura, Samuel, você deveria pensar na faculdade
em que quer estudar ou no curso que vai fazer. Você só tem 15 anos! E
quando chegar à faculdade, vai ter tantas garotas por lá que, com toda
certeza, nem vai mais se lembrar dessa tal garota.
— Não vai existir outra garota, Marina. Gosto dessa garota há
anos, mas ela provavelmente ainda brincava de boneca e jamais se
interessaria por mim. Tentei a todo custo tirar ela da cabeça, mas é só eu a
ver que toda garota perde a graça. Decidi que não vou mais fugir, Marina.
Preciso falar com ela antes que eu enlouqueça. E, se por um milagre ela
sentir o mesmo por mim, vou falar com os pais dela.
Ele falava sério. Percebi que estava convencido. Não havia nada
que eu pudesse fazer, ele jamais me veria além de uma amiga. Não
conseguia entender porque ele estava ali me contando essas coisas, ia dar
um basta nesse assunto, não podia continuar com essa amizade, precisava
esquecê-lo!
— E por que ela não sentiria nada por você? Parece que você leva
jeito com as garotas, para mim não seria nenhuma surpresa e, muito
menos, milagre.
— Porque ela me vê apenas como um irmão mais velho, no máximo
um amigo.
— Ok, Samuel. Levantei da cadeira, se você não falar nada, nunca
vai saber, se arrisque. Agora preciso ir.
Ele aumentou o tom de voz.
— Marina!
Eu estava irritada, não queria ouvir mais nada sobre o assunto
— Samuel, não posso ficar aqui de conversa, meus pais precisam
da minha ajuda. Fale com ela.
— Já estou falando, Marina!
Parei no mesmo instante e olhei de volta para ele. O que ele quis
dizer com aquilo? Gaguejei, mas tentei manter o controle:
— Você quer dizer o que com “já estou falando”?
Ele levantou, deu a volta na mesa e colocou a mão sobre o meu
ombro. Ele era muito mais alto do que eu e por isso teve que se curvar para
olhar nos meus olhos.
— Que essa garota é você! Sempre foi você, Marina, a dona do meu
coração... Eu tentei me enganar, dizia para mim mesmo que você era só
uma boa amiga ou que era muito nova para pensar em mim. Mas, eu contei
todos os seus aniversários na esperança de um dia você deixar de me ver
como um amigo e me ver com o seu coração. Esperava que, quando ficasse
mais velha, me enxergasse!
Ele me olhava com ternura. Meus olhos marejaram.
— Eu sempre te vi com o coração, Samuel. Sempre te enxerguei
muito bem!
Ele colocou a mão no meu queixo e levantou meu rosto para olhar
nos meus olhos, os dele, brilhavam tanto quanto os meus.
— Como, Marina? Como eu nunca percebi? Você nunca demonstrou
nada. Eu orei tanto por você, pedi tanto a Deus para te fazer olhar para
mim...
— Eu fazia a mesma coisa, Sam. Mas achava que você só me via
como uma menininha, por isso não queria ser mais uma garota a implorar
por você. Deixei você guardado em meu coração. Achei que só ouviria você
falar de outra pessoa, inclusive agora, já estava morrendo de ciúmes dessa
garota para casar!
Rimos juntos. Ele segurou minhas mãos e encaixou os dedos nos
meus.
— Mas era de você que eu estava falando, Marina. Tentei te evitar o
máximo que pude. Morria de ciúmes de você na escola, principalmente
quando via você conversando com algum menino da sua sala ou quando
ouvia os meus amigos dizerem o quanto te acham bonita. Eu queria ficar
longe de você o máximo que podia, mas tinha um imã que me puxava para
você. Agora me sinto o cara mais sortudo do mundo por saber que você
também sente o mesmo. Para deixar o dia perfeito preciso te perguntar
mais uma coisa. Olhei fixamente em seus olhos.
— Me perguntar o quê?
— Você aceita ser mais que minha amiga?
Parecia um sonho, tinha medo de alguém me chamar e eu acordar.
Só tinha um jeito de ter certeza, e eu sabia exatamente como responder à
pergunta. Fiquei na pontinha do pé e aproximei a minha boca da dele e foi
o primeiro beijo mais doce e intenso, que jamais sonhei em dar na vida. Ele
foi o único garoto que eu beijei, mas nem nos meus melhores sonhos tinha
dado um beijo tão perfeito. Ele me pediu em namoro para os meus pais no
mesmo dia e meus pais ficaram tão surpresos quanto eu, eles sabiam que eu
gostava dele e descobrir que eu era correspondida os alegrou muito.
Eu liguei para a Lua e contei para ela o que tinha acontecido, ela
disse que seria a madrinha mais feliz do mundo em nosso casamento. No
outro dia, na escola, nós chegamos juntos, de mãos dadas, e todo mundo
ficou olhando, sem entender como a garotinha tímida poderia ter fisgado o
cara mais popular da escola. Nem eu entendia como, de um dia para o
outro, minha vida tinha mudado tanto. Mas, mesmo quando achamos que
ninguém nos enxerga, a pessoa certa, aquela que tem que ser, sempre vai
nos ver no meio da multidão. E como era bom ser vista por alguém que eu
desejava tanto. Pelo menos, era exatamente assim que eu me recordava.
Faz duas semanas que voltei para casa. Não vi mais o Samuel. Ele
recebeu alta há dois dias e está em sua casa, mas não quero ficar entre ele e
a Vanessa. Depois de tudo o que ela falou, achei melhor me afastar.
O Lucas está em turnê, nos falamos todos os dias por telefone, mas
essa distância me angustia, precisava dele ao meu lado, ainda me sentia
insegura, mesmo sabendo que o “Sas” estava preso. Descobri que o nome
dele era Edson e tinha uma extensa ficha criminal, com assaltos à mão
armada, formação de quadrilha, sequestros e estupros. Ele e o motorista da
van foram pegos no mesmo dia, parece que durante a fuga, eles bateram a
van, se feriram bastante, mas sobreviveram. Estavam na cadeia, aguardando
o julgamento.
A Lua pesquisou sobre o assunto e vimos que é uma coisa muito
comum psicopatas que procuram suas vítimas através das redes sociais. As
plataformas favorecem a ação de criminosos porque grande parte da
população expõe seu cotidiano nas redes, fornecendo informações
privilegiadas para que eles exacerbem sentimentos diversos. Graças a Deus,
eu sobrevivi, mas, comecei a repensar se era aquele tipo de vida que eu
queria para mim. Viver longe da minha filha, em aviões, dormindo em
hotéis, perdendo a minha liberdade, será que isso não seria uma prisão?
Eram questões que eu tentava responder. Eu amava tocar e cantar, libertar a
minha alma através das letras que eu compunha, porém, tinha colocado tudo
na balança.
Eu estava sozinha em casa, a Bia estava com o pai, então, decidi dar
uma volta pelo parque da cidade e vi minha bicicleta encostada na parede,
parecia tão solitária quanto eu.
— Vamos lá, menina. Vamos dar uma volta!
Coloquei o capacete, fones de ouvido, selecionei as músicas que eu
mais gostava de ouvir e saí para pedalar. Eu queria fugir de toda aquela
angústia que apertava o meu peito, ansiava por respostas e, principalmente,
desejava esquecer todo aquele pesadelo. Eu pedalei pela ciclovia, onde fica
o parque da cidade, local em que, dias atrás, estava com a Bia e o Lucas. A
vida é interessante, um dia temos certezas absolutas do que queremos e em
outros, só restam dúvidas. A conversa com o Lucas, no carro, me fez
questionar muitas coisas. A raiva que eu sentia pelo Samuel aumentou, eu o
culpava. Se ele tivesse sido fiel à nossa história, ao nosso casamento, nada
daquilo teria acontecido. Talvez, o Lucas tivesse razão, ainda tínhamos
coisas pendentes, assuntos que nunca foram totalmente esclarecidos. Dizer
que eu não amava o Samuel era mentir para mim mesma. Eu o amava, era
fato e, tentava esquecê-lo há seis anos, mas ainda não tivera sucesso. Mas,
eu sei que não consigo mais vê-lo como antes. Desejei por muito tempo,
nunca ter visto aquela cena ou ouvido o que a Bruna me disse ao descer do
carro. Prendi a bicicleta num paraciclo próximo à cafeteria, precisava de um
café.
— Oi, Marina, tudo bem? Quanto tempo não vejo você! Desde que
começou a sua carreira como cantora.
Era a Mila, estudamos juntas no colégio, os pais dela eram os donos
da cafeteria.
— Oi Mila, pois é, voltei faz duas semanas, passei por aqui e não
resisti ao cheiro de café.
— Ah! Fico feliz que você ainda goste do nosso café. E como você
está? Eu acompanhei pela TV o que aconteceu com vocês. Como está o
Samuel? Soube que ele voltou para casa, né?
— Sim, graças a Deus, ele está bem, mas ainda não o vi desde que ele
chegou. Muita gente queria vê-lo, ainda mais com a vida pública na cidade,
achei melhor dar espaço para essas pessoas — dei uma desculpa.
— Sim, eu entendo. Mas como vocês estão, Marina? Sei que não é
da minha conta, mas nunca vou entender porque vocês continuam
separados, é óbvio o amor que vocês sentem um pelo outro.
— Estamos bem. Na verdade, amamos a história que construímos
juntos e a nossa filha.
As pessoas não têm muita noção quando estão curiosas, cada
pergunta que ouço!
— Olha, Marina, sei que vocês seguiram cada um o seu caminho,
mas todo mundo aqui da cidade torce por vocês, inclusive eu.
Eu estava sem graça, não sabia o que dizer. Ela foi atender outras
pessoas que chegaram na cafeteria e eu fiquei ali, sozinha. Minha mente
estava agitada com pensamentos e perguntas, por isso, levantei e saí, sentei
no banco da praça e fiquei olhando as pessoas que passavam, os casais
apaixonados, as famílias com seus filhos, os idosos com o peso do tempo
curvando suas costas. Eu precisava acalmar a tempestade que havia em
mim e só tinha uma pessoa que podia me ouvir sem eu precisar,
efetivamente, externar as palavras de forma audível, então, foi a essa pessoa
que me dirigi:
“Senhor, sei que há muito tempo não conversamos, acho que te
culpei por tudo o que aconteceu em meu relacionamento, mesmo sabendo
que não era culpa sua. Talvez, por acreditar que eu seria imune, por
acreditar que nada me aconteceria, porque o Senhor era aquele que eu via
como meu protetor. Sempre tive tanto medo de viver a vida, sempre temi ser
ferida por ela, mas, agora, percebo que são essas coisas que me fizeram ser
a mulher que sou hoje. Me dei conta de que meu grande sonho era ter uma
família e esse sonho foi desfeito. Não sei mais se consigo acreditar que é
possível ser feliz em um novo relacionamento ou até em uma nova família.
Não tenho forças para viver situações como essa, acredito no amor de uma
forma diferente, clássica, fiel, eterna, por que não? Acreditei que viveria
tudo isso ao lado daquele que me deu meu o maior presente da minha vida,
a minha filha, mas meu coração foi destruído e minha coragem de
continuar, também. Já não sei se fui injusta ou não, mas não consigo
prosseguir, eu o amo. Me ajude a reconstruir os pedaços que restaram do
meu coração, a enxergar o amor com pureza. E se eu tomei a decisão
errada ou julguei errado, me ajude a enxergar, mas, se não, apague essa
dor e me ajude a recomeçar, a confiar, a amar, a ser feliz de novo!”
Parecia que um peso saíra de dentro de mim, eu me sentia mais leve e
lembrei o quanto era bom falar com Ele. Peguei a bicicleta e voltei para
casa, porém, dessa vez, com o coração mais esperançoso. Aquela noite
dormi como há muito tempo não dormia.
— Dona Marina! Vi que a senhora dormiu na cama com a Bia e não
sabia se a acordava ou não para ir para o seu quarto.
— Fez bem, Maria. Eu estava com saudades de dormir abraçada
com a minha princesinha.
— Eu também, mamãe! Ah, o papai perguntou por você ontem, eu
disse que você estava bem.
— Ah, é? Tinha muita gente lá ontem, eu não quis incomodar.
— Acho que você não incomodaria não, mamãe. Ele disse que
queria falar com você.
Ela penteava o cabelo da boneca.
— Vou te levar para a escola e depois passo por lá.
Falei, mas não sabia se ia passar, não queria que ela soubesse da
discussão que tive com a Vanessa e morria de medo de encontrar com ela
por lá.
— E o Lucas, já disse quando poderá vir para cá?
— Ainda não, Maria. Ele disse que a agenda está bem cheia.
— As agendas de vocês são difíceis de conciliar, né? Você terá que
se acostumar com essa distância, mas ele é um bom rapaz.
— Sim, ele é.
Deixei a Bia na escola e pensei em ligar para a Lua, mas, o Pedro
estava com ela, aproveitando as suas férias, por isso não quis incomodá-los,
porém, ela me ligou no meio da manhã.
— Marina, onde você está?
— Estou em casa, por quê?
— Ia te pedir para me encontrar no shopping, o Pedro quer me levar
para conhecer os pais dele no final de semana e, como você deu uma pausa
nos shows, aceitei ir, mas queria comprar alguma coisa para levar para a
mãe dele, quero que ela goste de mim.
— Lua, ela vai gostar, independente se você der ou não algo para
ela. Mas eu vou sim, te encontro onde?
— Na praça de alimentação, pode ser?
— Ok, te mando mensagem assim que eu chegar.
— Combinado.
Sentei em uma das mesas próximas a um quiosque de açaí e mandei
uma mensagem para avisar que tinha chegado. Como a Lua estava
demorando para visualizar a mensagem, pensei em pedir um, a moça que
veio me atender me fez desejar dar meia volta e sair, era a Bruna, quando
ela me viu fez uma cara estranha, parecia constrangida ao me entregar o
cardápio.
— Olá, Marina, não sabia que estava na cidade.
— Pois é, tive que retornar antes do previsto para resolver algumas
coisas, mas logo vou voltar para a estrada.
Um grupo de adolescentes passou por nós e pediu uma foto, fiquei
aliviada ao ser interrompida por eles.
— Eu soube dos problemas que teve, fiquei preocupada com o Samuel, ele
está bem? Pensei até em ir pedir... — Ela parou de falar.
— Pedir o quê?
Ela suspirou e olhou de um lado para o outro, parecia
desconfortável.
— Talvez aqui não seja o melhor lugar para falar com você sobre
isso, mas precisava me desculpar com o Samuel, eu sinto muito pelo que
fiz... vocês passarem.
Tentei parecer madura.
— Acho que a culpa não foi só sua.
Ela fez uma longa pausa e depois completou:
— Na verdade Marina, foi sim. O Samuel só me deu carona porque
o meu carro quebrou perto da prefeitura. Ele tinha compromisso e eu insisti
para ele me levar, eu não podia perder meu emprego. Não queria pedir para
ele fazer isso, fazia muito tempo que não nos falávamos, desde que ele
assumiu o relacionamento de vocês. Eu tinha raiva de você, achei que vocês
não iam durar, fui atrás dele várias vezes, mas ele não queria mais nada
comigo. Era humilhante ter que pedir ajuda para ele, mas eu não tinha mais
ninguém. Ele foi gentil, me deixou próximo do trabalho, mas, aí eu vi você
e o beijei, eu sabia que você ia ver e eu quis te ferir, por isso, quando desci
do carro, disse aquilo para você, queria ter certeza que seu coração se
destruiria, assim como o meu, quando ele preferiu você.
Meus olhos encheram de lágrimas, uma raiva subiu em meu peito,
queria esfolar a cara dela, mas não o fiz. Nada mudaria o fato de eu ter
permitido que ela destruísse o meu casamento ou de ter acreditado tanto
nela e na cena que vi e ignorado tudo o que o Samuel sempre tentou me
dizer. Minha voz estava embargada.
— Por que você está me falando isso só agora? Por que foi tão mesquinha a
esse ponto? Eu não tirei o Samuel de você, vocês já estavam separados e eu
nunca dei em cima dele enquanto vocês estavam juntos, nunca imaginei que
ele um dia pudesse olhar para mim.
As minhas lágrimas escorriam.
— Eu tive medo dele morrer e eu nunca ter a chance de pedir
perdão, percebi que isso me perseguiria pelo resto da minha vida. Mas, não
posso negar que fiquei feliz ao ver a sua reação naquele dia, o meu desejo
era separar vocês. Quando vi que permaneceram juntos, fiquei com tanta
raiva! Eu sabia que você tinha perdoado, que acreditou no que ele te contou.
Olha, Marina, sei que você tem todos os motivos do mundo para me odiar,
mas ele escolheu você.
— Você está enganada, eu nunca acreditei na versão dele, aquela sua
frase nunca saiu da minha cabeça. Toda vez que ele se atrasava, eu via
vocês dois juntos, porque foi isso que você me disse, lembra? Que era para
a sua cama que ele voltava, que ele nunca tinha te deixado... Você se
lembra?
Ela abaixou a cabeça.
— Sim, eu lembro bem o que eu disse. Queria que a dúvida te
perseguisse.
— Você destruiu o meu casamento!
— Marina?
A Lua chegou e percebeu o clima tenso.
— Está tudo bem por aqui?
— Vamos, Lua, não tenho mais nada para fazer aqui!
Limpei as lágrimas e saí, mas algo me fez voltar e dizer para ela que
eu a perdoava, não queria mais minha vida presa naquela história.
— Desculpe, Marina, eu não sabia que ela estava trabalhando aqui,
ela sumiu, nunca mais tinha visto essa mulher.
— Tudo bem, Lua. Foi bom ter falado com ela, pelo menos ela teve
a decência de falar o que aconteceu naquele dia entre ela o Samuel.
— E o que ela disse, Marina? Por que resolveu falar só agora?
— Ela disse que tinha medo do Samuel morrer e nunca se desculpar.
Ela confirmou o que o Samuel repetiu por todos esses anos, Lua.
Ela deu um sorriso compreensivo e me abraçou. Eu chorei de novo,
acho que choraria para sempre, sentia raiva por não ter confiado nele, eu
permiti que ela destruísse nossa história, nosso casamento, o amor que
tínhamos um pelo outro.
— E o que você pretende fazer agora, Marina? Você já pensou
nisso?
— Nada, não vou fazer nada, eu o perdi, Lua. Por minha causa, por
causa do meu orgulho, não há mais nada a ser feito. Ele seguiu a vida dele e
eu estou tentando seguir a minha.
— Mas ele precisa saber que você finalmente ouviu a verdade dela e
você precisa pedir perdão para esse homem, Marina. Aliás, eu também
preciso, também o julguei.
Chorando convulsivamente, cubro o meu rosto com as mãos.
— Eu sei, mas estou tão envergonhada, estou com tanta raiva de
mim...
— Eu sei, querida, mas não dá mais para adiar esse assunto, você já
faz isso há muito tempo.
Ela me puxou para outro abraço. Eu não sabia nem por onde
começar, mas sabia que precisava falar com ele. Falei para a Lua que não
conseguiria ajudá-la a escolher o presente da sogra, precisava ir para casa,
colocar a cabeça em ordem e criar coragem para falar com o Samuel.
FIM