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Copyright © Natália Suzanna, 2021

Editora Chefe: Waldinéia Oliveira Gomes


Revisão Isa Oliveira
Rua Descalça — Oficina de Livros

Todos os direitos reservados ao Grupo Editorial The Books.


É proibida a reprodução de parte ou totalidade da obra sem a autorização prévia da
editora. Todos os personagens desta obra são fictícios e qualquer semelhança com
pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Texto revisado conforme o
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

The Books Editora Rua Três 572 - 38613-221 – Santa Luzia


Unaí / MG Site: www.thebookseditora.com
UMA NOITE INESPERADA
VOCÊ VAI DANÇAR
UMA NOVA MARINA
NÃO DÊ BANDEIRA
REALIZANDO UM SONHO
ENTRE PULOS E BRINCADEIRAS
UM AMOR DE PISADA
ÚLTIMO SHOW EM SÃO PAULO
FINALMENTE, CASA NOVA!
VIRE A PÁGINA
O SEQUESTRO
A NOVA MÚSICA
O FIM ESPERADO
PARA SEMPRE AO MEU LADO
UMA NOITE INESPERADA

Estava bem cansada depois de passar o dia todo gravando o novo


clipe, que seria divulgado no meu canal no YouTube. Eu sabia que dali para
frente minha vida seria corrida, por isso, decidi que o melhor seria ir para
casa, onde morava com minha filha e meu ex-marido. Sim, decidimos morar
juntos para facilitar a nossa relação com a linda criança que colocamos no
mundo. Nós dois a amávamos com todo nosso coração e ficar longe dela
seria a morte para ambos. Porém, ainda que morando na mesma casa, pouco
nos falávamos. Era apenas “Oi!” e “Tchau!”, isso era típico entre nós.
Fui logo tirando aqueles sapatos que estavam amassando os meus
dedos. Esse lance de fazer clipe dá trabalho, tenho que me transformar em
outra pessoa. Pensei em deitar e relaxar, mas me lembrei de que o Samuel
estaria na Câmara, toda segunda-feira ele ia para lá. Então, eu poderia tomar
um banho bem gostoso. Já fazia uns três meses que eu não ia para nossa
casa. A minha filha, Bia, com cinco anos, viajava para me encontrar sempre
que podia. Graças às mudanças que ocorreram em nossas vidas, tínhamos
dinheiro para manter uma babá ou, como ela mesma gostava de dizer: “Uma
adulta para me acompanhar, né, mamãe? Não sou nenhum bebê que precisa
de babá!”. As crianças de hoje crescem rápido...
Dois anos, era esse o tempo transcorrido desde que decidi correr
atrás de alguns sonhos adormecidos. Depois de me casar aos 17 anos e me
tornar mãe aos 18, tive que congelar toda a esperança que havia em mim de
ter uma vida perfeita.
Aos 12 anos, me apaixonei perdidamente por um amigo. Ele era
alto, com os olhos verdes mais lindos que eu já vira, e um sorriso perfeito,
que fazia covinhas em seu rosto. Era popular entre os garotos, sabe aquele
tipo “sangue bom”? Ele tinha muitos amigos e, para variar, era o garoto que
toda menina gostaria de ter. Acontece que íamos na mesma igreja e, mesmo
sendo tímida, ele se aproximou de mim, disse que gostava de me ver cantar
para Deus —— eu fazia parte da bandinha de adolescentes da igreja. Com
toda certeza, essa era a minha maior paixão, quando cantava, me sentia
completa.
Na escola, ele não falava muito comigo, só me dava oi e tchau, o que
acabaria se tornando típico... Parecia me evitar a todo custo. Os amigos dele
sempre puxavam papo, me chamavam para sair, ele, não. Eu entendi que
seríamos amigos apenas na igreja, que, na escola, ele queria ser diferente.
Tirei toda minha roupa e fui tomar um banho. Quando terminei, não
vi minha toalha no banheiro. Será que esqueceram que ainda moro nesta
casa?”, pensei. “Preciso de uma toalha para me secar!”.
Abri a porta do banheiro e olhei de um lado para o outro, com
aquele medo irracional de ser pega nua por um estranho, então me
aproximei do armário, onde ficam as toalhas, mas um barulho na porta do
quarto me paralisou.
— Nossa, Marina!
Era meu ex! Seus olhos saltaram das órbitas.
— Por que não me avisou que viria para casa hoje?
Minha primeira reação foi tentar cobrir as partes íntimas com as
mãos, sem muito sucesso.
— Nossa, Sam! Não sabia que você viria mais cedo para casa hoje!
Ele virou de costas. Uma pocinha de água se formou embaixo dos
meus pés, corri de volta para o banheiro.
— Me desculpa te pegar desse jeito, mas se você tivesse me avisado,
eu não entraria neste quarto!
Ele parecia estar sem fôlego. Fazia exatamente cinco anos que ele
não me via assim, nua, desde que nos separamos. Eu também estava
nervosa, minhas palmas suavam.
— É que eu pensei que você estaria na Câmara. É hoje que foi
convocado, não é? Minha toalha não estava no banheiro, por isso saí para
buscar. Você pode fazer esse favor para mim? Não deu tempo de pegá-la
antes de você entrar.
— Sem problemas...
Ele se esticou todo para passar a toalha pelo vão da porta e eu
estendi o braço o máximo que pude para alcançá-la. Que cena eu causei!
— Valeu, Sam!
Ele gaguejou ao tentar explicar porque estava em casa:
— Então, eu... Eu deveria estar na Câmara mesmo, mas, não estava
me sentindo bem e pedi para me ausentar. Quanto à sua toalha, faz meses
que você não volta para casa, achei melhor tirá-la daí para não mofar e
estava usando este quarto, como pôde perceber.
Quando nos separamos, ele foi para o quarto de hóspedes e me
deixou ficar com a suíte para facilitar com a Bia.
— Nossa, eu nem pensei nisso! Decidi vir para casa hoje por não
estar mais aguentando dormir em quarto de hotel.
Era verdade. Dormir em hotéis pode ser interessante no início, mas,
com o tempo, acaba ficando desagradável, muito impessoal. Naquele dia,
eu estava a fim de me sentir família e também de proporcionar essa
sensação para a minha filha, enquanto as loucuras dos shows davam um
tempo. Saí do banheiro com o cabelo preso numa toalha. Ele estava sentado
no sofá.
— Cadê a Bia, ela não veio com você?
— Na verdade, quero fazer uma surpresa para ela. Já combinei tudo
com a Maria, ela vai trazê-la para cá às nove horas.
Depois que meu canal no YouTube cresceu, os compromissos
apareceram. Era convidada para abrir shows de bandas famosas, fazia lives
com outros youtubers que tinham o mesmo trabalho com música. Minha
agenda estava sempre cheia e ficava pouco em casa. A Maria era uma mãe
para mim, já que a minha não morava por perto. Era a Maria que tomava
conta de tudo, especialmente da Bia.
— Você prefere que eu saia, ou posso me incluir na programação de
hoje? Eu realmente não estou a fim de sair, acho que comi alguma coisa na
rua que não me fez bem, mas não quero atrapalhar vocês.
— A Dona Luíza não trabalha mais aqui? Ela cozinhava tão bem.
Por que você não veio para casa almoçar?
A dona Luíza era uma senhora de uns 60 anos, era ela quem cuidava
da organização da casa e também da comida.
— Ela continua aqui sim, mas com a correria lá na prefeitura não
deu tempo de vir almoçar em casa hoje.
Ele tirou os sapatos e deitou. Era visível que não estava bem, por
isso não parecia justo pedir para ele sair.
— Você pode ficar sim, faz tempo que não ficamos os três juntos,
acho que a Bia vai gostar.
Me encaminhei para a cozinha, enquanto falava. Olhar para ele,
depois de tanto tempo, mexeu comigo. Terminar o dia assim não era nada
legal. Embora tivéssemos uma boa convivência, evitávamos estar juntos.
Nossa relação terminou de forma complicada. Depois que ele
começou a se envolver com a política, o nosso relacionamento foi minando,
ele passava cada vez menos tempo ao meu lado. Ele sempre desejou fazer a
diferença no mundo, desde a época da escola, ele era extremamente
sociável, agradava a todos facilmente. Disputou a primeira eleição com
apenas 18 anos, tornando-se o vereador mais novo a se eleger. A cidade era
pequena, a família dele tinha comércio e, por serem bem conhecidos, não foi
muito difícil para ele, principalmente porque estava sempre envolvido em
tudo. Na escola, havia sido presidente do grêmio estudantil várias vezes.
Com aquele carisma todo, e tendo a família que tinha, cativou a população
de Ituí, que quis dar uma nova cara para a política e, nada melhor para isso
do que colocar um menino tão novinho e cheio de vigor no poder.
Ele amava esportes e investiu pesado nos jovens atletas e em escolas
de qualidade para as crianças. Que pai não sonha em ter um filho jogador de
futebol, disputando uma olimpíada? Ou então vê-lo conquistar uma vaga
numa faculdade pública? Ainda mais em uma cidade pequena e com tão
poucos recursos. Os projetos dele formavam um bom plano de governo,
sobretudo num país onde se prefere construir estádios a hospitais, ou investir
na educação. Com certeza, sua carreira política duraria anos.
A política trouxe várias oportunidades, e também mulheres. Um dia,
ao sair mais cedo do trabalho, eu o vi em nosso carro, beijando uma garota.
Eu sabia quem era ela. Na nossa época de escola, eles haviam namorado e
ela nunca o esqueceu. Meu coração ficou destruído...
A campainha tocou e me tirou dos meus pensamentos.
— Sam, a campainha está tocando, você pode atender, por favor?
Estou terminando o jantar. Deve ser a Bia.
— Já estou indo! — Mal ouvi a sua resposta, sua voz parecia fraca.
— Paaaiii! Não sabia que você estaria aqui hoje! — Ela pulou no colo dele,
e percebi que ele se segurou na porta para não desequilibrar.
— Que saudade de você, minha pequena!
— Olá, seu Samuel! Tudo bem com o senhor? Não esperava ver o
senhor por aqui hoje não, está tudo bem? — Maria pergunta desconfiada.
— Olá, Maria, nem eu esperava estar aqui. Um mal-estar estomacal
me impediu de ir para a Câmara.
— Ah, sim! Então creio que o senhor já tenha visto a surpresa...
Nossa, seu Samuel, o senhor está pálido.
— Ué! A surpresa não era ele, Maria?
— Já vi sim, Maria. A surpresa está lá na cozinha!
— Quem está na cozinha?
— Vá lá ver, oras!
— Mãããe! — Bia gritou ao me ver e pulou em meus braços. A razão
da minha vida todinha estava bem ali, na minha frente.
O tempo havia passado tão rápido que não consegui terminar tudo
antes dela chegar. Também não esperava ter que fazer uma sopa para o
Sam. Ele realmente não estava bem, já tinha vomitado três vezes desde que
chegou e recusava-se ir ao hospital. Por que será que os homens evitam
tanto pedir ajuda médica? Eu já teria ido logo.
Apertei as bochechas de minha princesinha.
— Meu amor! Que bom poder voltar para você!
— Achei que te encontraria no hotel amanhã, mamãe!
— Tivemos uma pausa na agenda e por isso consegui vir para casa.
— Nossa, faz tanto tempo que não vejo você e o papai juntos! Hoje
é o meu dia preferido de todos!
Ainda não tínhamos contado para ela sobre a nossa separação, ela
não percebia que a mãe e o pai tinham um relacionamento atípico para um
casal comum. Queríamos manter o máximo possível essa relação familiar
preservada.
— Pois é, filha, seremos uma família completa hoje.
Eu continuei na cozinha com a Maria, o Sam e a Bia ficaram
conversando na sala. Era tão bonitinho ver a relação dos dois, fazia tempo
que eu não presenciava isso.
Tentei não fazer muito barulho, pois queria ouvir o que eles estavam
falando. Da cozinha, eu conseguia escutar os risos, as brincadeiras que
faziam um com o outro, o ouvi dizer para ela que não estava se sentindo
muito bem. Ela disse que cuidaria dele, que seria sua médica particular.
Parecíamos uma família perfeita: a esposa fazendo o jantar e uma sopa
especial para o “querido” marido doente, enquanto ele tentava distrair a
filha, mesmo passando mal, fingindo ser o paciente da doutora Bia.
— Dona Marina, a senhora quer que eu corte os tomates?
— Maria, já te falei várias vezes para não me chamar de dona ou
senhora.
— Desculpa, dona Ma... — Minha cara feia a fez voltar atrás. — Desculpe
de novo, Marina, ainda não me acostumei com isso. Você é patroa e eu não
consigo chamar de outra maneira, parece que estou sendo abusada!
— Que abusada o que, mulher! Você me ajuda a criar a minha filha,
mora comigo, é da família!
— Prometo que vou repetir isso várias vezes hoje à noite no espelho
para não esquecer, tá bom?
— Eita! Se funcionar, vai ser bom.
Rimos juntas.
— O seu Samuel não parece muito bem mesmo, né?
— Ele tem comido muito fora de casa, Maria?
— Tem sim, a dona Luíza já quase não cozinha mais em casa, só
vejo ela limpando aqui. Semana passada, ela até me perguntou quando a
senhora... quer dizer, você voltava.
— Que estranho, ele me disse que não era sempre que comia na rua.
— Olha, Marina, não quero me intrometer na vida do nosso prefeito não,
mas ele pouco fica em casa. Fiquei mais surpresa de vê-lo aqui hoje do que
de receber a sua ligação dizendo que voltaria para casa — ela falou bem
baixinho, praticamente cochichou, olhando na direção da sala para se
certificar de que ele não ouvia.
— Nossa! Vai ver que ele está em algum relacionamento — eu não queria
ter dito isso, foi apenas um pensamento, mas, quando vi, já tinha soltado.
— Eu cheguei a pensar nisso também, mas esse homem está sempre
de cara amarrada, acho que uma mulher colocaria um sorriso naquele rosto!
— Não sei não, ele não é do tipo que deixa o coração derreter. Você
acredita que ele me viu nua hoje?
— Misericórdia, dona Marina! Como isso aconteceu?
Ela jogou o avental no ombro e colocou a mão na boca surpresa.
— Dona de novo? Pelo jeito, não vai se acostumar a me chamar
pelo nome.
— É o hábito!
— Então vai ter que repetir no espelho a noite toda mesmo.
Rimos de novo.
— Então, eu acabei esquecendo de verificar se a minha toalha
estava no banheiro. Cheguei tão cansada que me joguei embaixo do
chuveiro. Só que, quando saí, cadê a toalha? Saí pelada e molhada para
pegar uma lá no armário e dei de cara com ele, feito um poste parado na
minha frente. Ele ficou tão assustado que não sabia se olhava para cima,
para baixo, para o lado. Por fim, virou de costas e me pediu desculpas.
— Coitado, acho que ele vai ter muitos sonhos com a senhora esta
noite... Também, vamos combinar, né, dona Marina, com aquele tamanho
todo, não tinha onde ele se esconder...
— É, mulher, pior que não tinha mesmo não, mas, sonhar comigo
acho meio difícil, já me viu assim tantas vezes que não tem nenhuma
novidade para ele.
Ela arqueou a sobrancelha e perguntou maliciosa:
— Mas, fazia tempo que vocês não se viam assim, né verdade?
— Sim, desde que a Bia nasceu...
— Me desculpa pela indiscrição, mas eu nunca entendi o motivo
dessa separação, vocês formavam um casal tão bonito. Achei que vocês
voltariam, depois daquela cena toda, quando ele ainda era candidato a
prefeito.
— É uma longa história, Maria. Mas, como já te falei diversas
vezes, estávamos apenas atuando.
— Não parecia atuação para mim não, e nem para o povo. Acho que
ele ganhou a eleição pela sintonia que a gente via em vocês.
— Hunf! Atores e atrizes ganham o Oscar todo ano por atuarem
bem! Me passa esse potinho de sal aí perto de você, por favor.
— Tá aqui. Marina, e aquele moço bonito do seu novo clipe? Que
gatão, hein? É só atuação também?
— Ele é um gato mesmo, né? Mas era só trabalho, não rolou nada
entre nós.
Quando os números de seguidores começaram a aumentar, fiz um
clipe para uma das músicas mais visualizadas da internet, chamada “Sem
você”. Chamei um modelo para atuar comigo. Quando foi para o ar mesmo,
meu número de seguidores no YouTube dobrou, trazendo-me mais
oportunidades, como shows e entrevistas em rádios locais.
— Aquela música é linda, tenho certeza de que vai manter a senhora
no topo.
Eu esperava que sim. Como estava começando, muita coisa poderia
acontecer, assim como não acontecer nada e estagnar de vez.
A Bia entrou correndo na cozinha.
— Mamãe, mamãe, o papai está vomitando!
— Maria, cuida das panelas para mim. Vou ver como ele está e já
volto para pegar a sopa que fiz, quem sabe o ajude a melhorar. Você
acredita que ele não quer ir para o hospital?
— Acredito sim. Vindo do seu Samuel, é bem razoável — Maria falou mais
alto, dando uma entonação especial em “seu”, com aquela pontinha de
malícia na voz novamente.
Não liguei para isso. Eu estava com dó dele, não parava de colocar para
fora tudo o que havia comido. Já que ele teimava em não ir para o hospital,
pensei se não seria melhor chamar um médico para vê-lo, infecção
alimentar pode levar à morte se não for adequadamente tratada. Ele estava
ajoelhado próximo do vaso novamente.
— Samuel, você está tentando se matar? Vamos para o hospital, eu
levo você.
— Não vou para hospital de jeito nenhum, daqui a pouco, eu
melhoro, o hospital, a essa hora, está cheio de gente doente, vou passar a
noite lá até ser atendido.
Ele sentou no chão do banheiro.
— Para de drama, você sabe que te dão preferência por ser o
prefeito, não vai precisar esperar tanto assim não, a sua cara não está nada
boa. Vamos!
— É sério, Marina, acho que dessa vez saiu tudo, vou esperar mais
um pouco.
— Está bem, mas você vai ter que tomar toda a sopa que fiz para
você, ela vai fortalecer seu estômago.
Ajudei-o a se levantar. Ele pareceu surpreso.
— Você fez sopa para mim?
— Fiz sim, está no fogo, já deve estar pronta. Deita lá no sofá que
vou buscar para você.
— Eu... acho que não consigo chegar até o sofá.
Ele estava bem fraco, com a respiração ofegante. Eu não conseguiria
segurar aquele peso todo caso ele desabasse.
— Se apoia em mim que eu ajudo você a chegar até lá.
Ele segurou em meu braço e fomos até o sofá.
— Obrigado, Marina, não queria estragar sua noite e muito menos
dar todo esse trabalho.
— Não é trabalho nenhum. E, depois, precisamos conversar, afinal,
quero entender porque você não está comendo em casa e dispensando a
comida maravilhosa da dona Luíza.
— Já disse para você, estou na correria e não consigo voltar para
casa.
— Então vou pedir para ela levar a comida para você lá na
prefeitura, você não pode comer porcaria todo dia, isso vai acabar te
matando!
— Era só o que faltava, eu ter uma babá também.
— Pois é, senhor prefeito, era só o que faltava mesmo! Agora deite
aí que vou pegar a sua sopa.
Eu tinha me esquecido o tanto que aquele homem era teimoso.
— Maria, a sopa do Samuel já está pronta?
— Sim, dona Marina, já deixei aí no prato para esfriar um pouco.
— Mãe, como ele está? Eu nem quis ir lá, daqui dava para ouvir ele
chamar o “Hugo”, credo!
Ela fez uma careta. Maria não conseguiu segurar o riso e acabou
aliviando um pouco o clima, a risada dela era sempre gostosa de ouvir.
— Só você para me fazer rir numa hora dessas, menina! A senhora
quer que eu leve a sopa para ele?
— Não. Vou levar e medir a temperatura dele, ele me pareceu febril.
Bia, ajude a Maria a colocar os pratos na mesa, quero me sentar para comer
com você hoje, preparei nosso prato favorito!
— Sério que você fez pintado?
— Sim! Não sei se ficou tão bom quanto você se lembra, mas tentei
caprichar, mesmo tendo que ser babá do seu pai.
Ela bateu palmas.
— Mamãe, você é o máximo!
Já fazia muito tempo que eu não cozinhava. Antes da minha vida
virar do avesso, cozinhar era o momento que mais gostava no meu dia.
Acho que herdei o dom da minha família, eles são mineiros e amam
cozinhar. Quando nos mudamos para aquela cidadezinha, era para realizar o
sonho dos meus pais de ter um restaurante. O restaurante da nossa família
fez muito sucesso na época, mas, quando minha mãe começou a apresentar
alguns problemas de saúde, ele decidiu ir embora dessa pacata cidade e
reabriu o restaurante em uma cidade maior, praiana, e lá moram até hoje.
O Samuel gostava da minha comida, quando namorávamos, ele
costumava escolher o cardápio que queria que eu cozinhasse, sempre me
desafiando a fazer algo mais difícil. Foi assim que me descobri uma
cozinheira de mão cheia. Ele me incentivava a abrir um restaurante e eu
bem que gostava da ideia, mas aí engravidei da Bia e tive que deixar de lado
para me dedicar a ela. Ele estava correndo atrás da carreira política e não
podíamos nos dar ao luxo de ficarmos os dois fora de casa, não seria bom,
ela tinha que ter uma referência familiar.
Levei a sopa para ele na sala.
— Como você está?
Ele gemeu antes de responder.
— Estou do mesmo jeito, Má!
— Toma sua sopa, vou pegar o termômetro para ver a sua
temperatura, acho que você está com febre.
Ele não estava bem mesmo, só me chamava de Má quando
estávamos juntos, depois que nos separamos, nunca mais me chamou assim.
O telefone tocou e a Bia gritou da cozinha:
— Eu atendo!
— Bia, não precisa, deixa tocar.
Notei que ele engoliu seco, mas a Bia já estava atendendo.
— Alô!
— Achei que esse telefone estava desativado.
— Na verdade, estava, mas como não posso atender sempre os
telefonemas, achei melhor ativar a secretária eletrônica.
— Ah...
— Então, ele está doente. Você é do trabalho dele? O quê? Como
assim? Papai não tem amigas, tem?
Ele enrijeceu o maxilar, tenso.
— Bia, eu disse para não atender!
Ela levou o telefone até ele.
— Já falei para não ligar aqui!
Finalmente, entendi o verdadeiro motivo de ele não comer em casa!
Desde que decidimos dividir o mesmo teto, pedi para ele não deixar suas
namoradas ligarem em nossa casa, morria de medo de ter que dar
explicações para a Bia. Eu queria esperar o momento certo. Sabia que uma
hora ou outra teríamos que falar com ela sobre nossa relação, mas era
importante para nós manter as coisas sob controle para que ela tivesse
condições de ser educada por nós dois juntos. Ele desejava participar da vida
da filha, não ser pai só nos finais de semana. Ele chorou pedindo para
conviver com ela, implorou, não me deu sossego.
No começo, eu não aceitei, mas eu queria voltar a estudar e se não
aceitasse a oferta dele, teria que voltar a trabalhar o dia todo para pagar as
despesas da faculdade, alugar um local para morar com a Bia e sabia que
não sobraria nenhum dinheiro para as outras contas. Ele me disse que, se eu
ficasse com ele, me ajudaria a pagar a babá para ficar com ela nesse tempo e
as despesas da casa ficariam por conta dele.
A casa onde morávamos era dos seus pais, não tínhamos gastos com
aluguel. Por isso engoli meu orgulho e aceitei continuar morando com ele
até ter uma estabilidade. E ele ficou feliz porque poderia conviver
diariamente com nossa filha. Era o sonho dele ser pai, desde que eu o
conheci, ele só falava nisso, que seria o dia mais feliz da vida dele e,
realmente, se tornou um excelente pai para a Bia.
Com o passar dos anos, foi ficando cada vez mais cômodo ter um
teto onde minha filha crescia feliz e criamos um bom convívio, mas ele não
aceitava a regra de não passar o telefone da casa para as namoradas, na
visão dele, não havia problema, porque nossa filha ainda era muito pequena
para entender. Bem, como as pessoas só se colocam no lugar do outro
quando sentem na pele, um dia, ele atendeu um telefonema de um
namorado meu e, a partir daí, nunca mais passou o nosso número para
namoradas, concordou que essa regra era boa para todos. Por alguma razão,
ele acabara de quebrar a regra e eu, como sempre, fiquei com cara de idiota.
Estava toda preocupada com ele, fiz sopa para ajudá-lo a se
recuperar, conferi a temperatura, que, por sinal, estava altíssima, e agora, lá
estava ele, com a namorada ao telefone! Me arrependi por ter resolvido
voltar para casa. Havia meses que não fazia isso. Aliás, nem sei porque
ainda morava ali. Me senti uma completa idiota.
Ele andava de um lado para outro e a Bia perguntava quem era a
amiga dele. Ele sabia que tinha me magoado. Eu estava tão atordoada que
não ouvi o que a Maria tinha perguntado, só percebi que ela falava comigo
quando ela aumentou o tom de voz e disse:
— Dona Marina, a senhora entendeu o que perguntei?
— Oi? Desculpa, Maria, eu estava longe!
— Percebi! Perguntei se a senhora quer que eu reserve um hotel para
a gente passar a noite. Não sei se a senhora ainda vai querer dormir aqui,
talvez o seu Samuel tenha outros planos, né?
Nossa! Eu nem tinha pensado nisso! Comecei a roer as unhas. Onde
eu estava com a cabeça em voltar para uma casa que não era minha? Eu
podia ter minha casa agora, não precisava mais dessa humilhação, e a Bia já
estava grandinha o suficiente para entender que não estávamos mais juntos.
Minha vontade era de gritar, de partir para cima dele e socá-lo. Me
perguntava o porquê eu ainda estava ali quando senti mãos fortes tocarem
meu cotovelo.
— Marina, me perdoe, eu realmente não esperava que você voltasse
para casa, faz meses que você não volta! Você não falava mais comigo e eu
pensei que não teria problema passar o telefone da nossa casa, a Bia quase
sempre está com você, hoje mesmo a Maria me disse que pegaria ela na
escola e que eu não precisaria me preocupar porque você estaria com ela
depois do ensaio.
O desconforto era de ambos. Eu me sentia tão angustiada. Maria
estava parada com os olhos arregalados, sem saber o que fazer, esperando-
me responder, e a Bia puxava minha blusa para tentar ter a minha atenção.
Minha cabeça vagava em pensamentos e não conseguia responder a
ninguém.
— Marina! — Ele me chamou e Bia continuava me puxando.
— Mãe, fala comigo!
Eu só queria correr dali e chorar até a minha alma se libertar.
— Ok, Bia, o seu pai é o prefeito da nossa cidade, ele pode ter muitas
amigas sim, já que ele trabalha para a nossa gente e conversa com muitas
pessoas o tempo todo. — Maria, pode reservar o quarto no hotel e, Samuel,
você não me deve explicações. Eu voltei para cá porque era o lugar que, na
minha cabeça, eu pensava ser a minha casa, mas fica tranquilo que já estou
fazendo as ma... — eu ainda falava quando ele me interrompeu.
— Não, você não pode fazer isso. Esta é a sua casa também, sempre
foi, você sabe disso. Eu é que vou para hotel. Me perdoe por atrapalhar a
sua noite.
— A casa é sua, Samuel, dos seus pais. Eu já estou de saída. E você
vai precisar de ajuda para ir ao hospital, sua temperatura está bem alta!
— Como assim ir para um hotel? Mãe, o que está acontecendo?
Me dei conta que deveria ter conversado com ela há mais tempo sobre minha
situação com o pai. Maria veio em meu socorro, puxando Bia pela mão.
— Vem, Bia, vamos lá para o seu quarto, deixa os seus pais
conversarem.
— Mas, e a comida? Eu estou com fome!
Ela se virou para mim, com beicinho de choro.
— Já vamos comer, deixa só eles conversarem.
Maria envolveu minha filha em seus braços, a vontade que eu estava
de chorar aumentou, senti minha garganta arder de tanto segurar o choro.
Que confusão! Não deveria ter voltado para lá.
— Samuel, eu só vou servir o jantar e já estou de saída, tudo bem
para você?
Limpei as mãos no avental.
— Marina, você não precisa ir, você sabe...
Engoli o choro e estufei o peito.
— Acho que a Bia já está bem grandinha, ela vai entender que os
pais dela não estão mais juntos.
— Eu não esperava que essa conversa seria tão cedo.
Arregalei os olhos.
— Tão cedo? Estamos adiando isso há anos!
Ele deu de ombros.
— Você é quem sabe. Eu estou em um relacionamento, mas já tinha
explicado a nossa situação para ela, não tenho pressa para resolver isso.
— Mas eu tenho, Samuel. Amanhã mesmo já vou dar entrada na
papelada.
Ele mexeu nos cabelos.
— Seja como preferir. Mas, e a Bia?
— Vamos continuar como está. Quando eu estiver viajando, ela fica
com você, para não precisar tirá-la da escola. Nos finais de semana, feriados
e férias, ela fica comigo.
Ele suavizou o tom de voz.
— E quando você não estiver viajando? O que pretende fazer? Vai
continuar morando aqui, né, na cidade? Não vou suportar ficar longe da Bia
por tanto tempo.
— Não se preocupe, vou continuar na cidade. Vou ver se consigo um
apartamento. Mas não pretendo morar nesta cidade para sempre. Acho que
gostaria de morar perto dos meus pais.
Ele abaixou a cabeça.
— Não queria ter que resolver tudo isso com você esta noite.
Esperamos tanto tempo para terminar assim?
Forcei um sorriso.
— É o melhor a fazer.
— Ok, seja como for.
VOCÊ VAI DANÇAR

É possível recomeçar mais de uma vez? Minha vida parecia um


monte de recomeços, mas, dessa vez, eu acreditava que seria o último.
Já faz um ano desde o fatídico dia em que fui surpreendida pelo meu
ex-marido, nua, em seu banheiro e que terminei a noite chorando num
quarto de hotel. Falamos para a Bia naquele mesmo dia que não estávamos
mais juntos e ele explicou para ela quem era a tal amiga. Ela se culpou por
ter atendido o telefone, mas, depois entendeu que já estávamos separados
antes mesmo dele ser atendido.
Minha nova música, “Olha Para Mim”, havia alcançado ainda mais
visualizações, passei o ano todo viajando e dormindo em hotéis. Maria
ficou com a responsabilidade de encontrar uma casa para morarmos.
Eu não tinha mais tempo para nada, eram shows, eventos,
publicidade e entrevistas. Desde que assinei contrato com uma gravadora,
os compromissos triplicaram. Minha vida se resumia entre quartos de hotéis
e viagens aéreas.
Lembro-me como se fosse hoje o dia que decidi colocar meus
sonhos em prática, depois que vi o Samuel beijando outra mulher e senti o
meu coração se desfazer em mil pedacinhos. Percebi que compor músicas
aliviava mais a minha alma do que falar com psicólogos. E então, com a
câmera do celular e meu violão, que já estava empoeirado de tanto tempo
sem uso, comecei a dedilhar algumas notas e cantar o que estava em meu
coração. A intenção era gravar para não esquecer a melodia, mas, com o
tempo, senti o desejo de gritar para o mundo toda aquela confusão que
estava no peito e coloquei o videozinho super caseiro no meu perfil pessoal
do YouTube. Uma semana depois, o vídeo havia recebido mais de 100 mil
visualizações e comentários de várias pessoas, dizendo que se identificaram
com a letra. Meu canal começou a receber mais seguidores e as músicas que
eu compunha chegaram a uma grande gravadora que quis investir na minha
carreira.
O Sam nunca aprovou, achava ridículo a “mulher do prefeito” ser
uma youtuber. Ele não ouvia as minhas músicas, não assistia aos clipes e
nunca foi a um show meu. Não gostava de saber nada a respeito da minha
nova profissão. Eu achava até bom, pois, se ele ouvisse alguma música
minha, seria capaz de me processar, já que ele havia servido de inspiração
para várias delas. Mas, agora, com minha carreira decolando, indo de vento
em popa, logo, mesmo tentando evitar, ele seria obrigado a me ver e me
ouvir. A verdade é que eu já nem pensava tanto nele. A correria que estava
minha vida me ajudou, mais uma vez, a superar a nossa separação.
Lua me cutucou.
— Marina, está no mundinho da lua de novo?
— Desculpa, Lua, o que perdi?
— Te falei que aquele mocinho ali, na esquerda, não tira os olhos de
você.
Ela inclinou a cabeça na direção do tal moço, enquanto eu bocejava.
Pensa na melhor amiga. Pensou? Pois é, essa é a Lua. Depois que bati cem
mil seguidores no YouTube, convidei-a para trabalhar comigo. Ela havia se
formado em publicidade e mandava muito bem em edições de vídeo e
imagens. Como ela estava sem emprego achei que seria perfeita para me
ajudar nos negócios. Eu precisava de alguém de confiança e nossa relação
deu tão certo, que hoje ela é minha assessora, psicóloga, confidente e
melhor amiga.
Minha formação não tinha nada a ver com a minha carreira. Por
influência do Samuel, me formei em gastronomia e, embora eu ame meu
curso, ele não me dá nenhuma base para a minha carreira. Voltei a estudar
quando a Bia completou um ano. Como ela já conseguia comer, a Maria
entrou em nossas vidas para ficar com ela e tornou-se a nossa fada
madrinha.
Estávamos em mais um voo, o meu empresário tinha ligado mais
cedo para combinar com a Lua os detalhes da reunião sobre a gravação.
Tinha dito que teria novidades quentes e eu estava animada.
— Não vi. Onde?
— Aquele ali, o loiro. Onde você anda com essa cabeça que sempre
perde a chance de olhar para alguém interessante?
— Tantas coisas, Lua... Mas ele não parece estar me olhando não.
Tem uma moça ao lado dele, deve ser a namorada.
Me endireitei no banco.
— Se fosse meu namorado, eu já tinha dado um cutucão. Acho que
é só uma passageira. Disfarça, ele está vindo para cá.
Ela escondeu o rosto com os cabelos.
— Disfarçar como, mulher? Estamos em um avião!
— Não sei, bonita, abre a revista, abre a revista.
Gesticulou com as mãos e jogou a revista em mim.
— Ai! Não precisa socar ela na minha cara!
— Então, Má, essa moça que eu te falei...
— Falou o quê, doida?
Ela revirou os olhos e fez um sinal com a cabeça para o lado
esquerdo. O tal moço estava olhando, sorridente, parado em frente da nossa
poltrona. Deu um sorriso largo.
— Bom dia! Desculpe incomodá-las, mas não pude deixar de notar.
Você não é a Marina Aguiar, do canal do YouTube?
— Sim, sou eu!
Senti meus batimentos alterados.
— Será que você poderia tirar uma foto comigo? Sou jornalista da
Famosos e gostaria de marcar uma entrevista com você.
Dei um sorriso leve.
— Pode tirar uma foto sim. Quanto tempo ainda temos de viagem,
Lua?
— Por quê? Você não está pensando em dar uma entrevista aqui, né?
— E por que não?
Ela fechou o cenho, consegui ouvir tudo o que ela estava pensando
sem ela precisar abrir a boca. Ela cochichou para mim:
— Não é apropriado. Já te falei isso. — Depois, sorriu para o rapaz. —
Podemos marcar a entrevista outra hora?
— Imagine, pode ser agora. Senta aí, aproveita que a terceira
poltrona está vazia.
Eram só perguntas, ora bolas, que mal teria em respondê-las? Lua
trocou de lugar comigo, de cara feia. Fiquei até com medo do moço escutar
a quantidade de palavras nada elegantes que ela falava entre dentes.
— Prazer, Marina! Eu me chamo Conrado e, depois deste furo, faço
questão de ajudar a alavancar a sua carreira.
Meus olhos brilharam.
— Uau! Nem sabia que existia essa possibilidade!
— Como você está lidando com todo esse sucesso?
— Ainda não sei responder essa pergunta. Não me vejo como um
sucesso, me vejo como alguém que está trabalhando por ele.
— Mas sua carreira deu um salto muito rápido, você esperava por
isso?
— Sinceramente, não. Acho que só queria alguém para ouvir a
confusão da minha cabeça sem precisar pagar pelas consultas!
— Você quer dizer que suas letras são sobre você?
— Sim, a maioria delas são sobre mim.
Alguma coisa me dizia que eu ia me arrepender de dizer isso.
— Então, pelo que ouvimos em suas letras, você sofreu uma grande
desilusão amorosa, não é?
A Lua me beliscou, os olhos dela flamejavam.
— Acho que está bom por hoje, né?
— Tudo bem. Você poderia tirar uma foto comigo, então?
— Sim, claro!
Ela deve ter se arrependido de ter olhado tanto para o moço loiro
bonito, afinal, ele era só um jornalista. Foi o que eu tentei dizer para ela,
que vociferou.
— Um jornalista que vai ferrar com você!
Será que ela tem poder de ler pensamentos? Na verdade, o nosso
grande medo era ele envolver meu passado nessa história.
O avião já tinha pousado, finalmente, chegamos e ela desceu tão
apressada que eu mal conseguia acompanhar. Mesmo apressada, me falou o
que estava pensando:
— Má, você precisa superar seu ex, cara! Nunca concordei com essa relação
de vocês, nem na época da escola. — Ela esbarrou em alguém. — Ai, meu
pé! Não olha por onde anda não?
— Desculpa, moça! Eu estou atrasado, não vi seu pé embaixo do
meu.
Ela cruzou os braços, desafiadora.
— Meu pé não estava embaixo do seu, ele era livre até você pisar
nele!
Ele levantou as mãos.
— Ok, ok. Ele já está livre de novo e prometo nunca mais cruzar seu
caminho.
Ela bufou.
— Agradeço!
Esse jeito “invocadinho” dela não mudava nunca, ficamos amigas
justamente por sermos o oposto. Ela comprava minhas brigas, gostava de
defender todo mundo.
— O que foi isso, Luana?! Não entendi o exagero.
— Não me chame de Luana!
Seu rosto estava vermelho.
— Ei, Luana! Você é a bravinha mais linda que meu pé já esteve em
cima!
— Vá a mer... Eu tapei a boca dela e a puxei com tanta força que ela
perdeu o rumo.
— Por que você fez isso? Esse cara não tem o direito de pisar no
meu dedo e ainda flertar comigo!
— Você diz isso porque sua raiva te cegou, ele era bem bonito!
Ela virou a cabeça.
— Grande coisa! Não consegui ver nada além da vontade de socá-
lo. Doeu, sabia?
Eu ri.
— Com aquele tamanho de pé, deve ter doído mesmo!
— Mas não foge do assunto não! Já cansei de dizer para você,
Marina, esquece esse seu ex. Ele não merece você. Abra os olhos para tudo
que você está conquistando e também para um novo amor!
Deu um soquinho no meu ombro, o que mostrava que já estava mais
calma.
— Eu já esqueci o Samuel faz tempo. Nunca mais falei com ele, só
falo com a Maria e é ela quem combina tudo com ele. Nós temos a Bia
juntos, lembra? Por isso, nossas histórias se misturam.
O celular dela tocou.
— Vou atender, mas a gente vai terminar essa conversa, Marina,
você não vai fugir. Alô, sim, acabamos de chegar...
Gesticulei para ela que ia chamar um táxi e saí dali o mais rápido
que pude. Estávamos esperando para pegar nossas malas, mas queria chegar
logo ao hotel, estava ansiosa para saber a novidade que o agente tinha para
contar.
— Oi, moço, preciso que nos leve para este endereço, o senhor sabe
onde fica?
Entreguei o papel para o motorista.
— Sei sim, você já está de partida?
— Só estou esperando a minha amiga trazer as malas e já vamos.
— Ok, vou aguardar. Ele colocou as mãos no volante.
Corri para chamar a Lua, mas ela já vinha apressada ao meu
encontro.
— Conseguiu um táxi para a gente?
— Sim, é aquele ali...
Tinha um rapaz falando com o taxista.
— Ué, quem é aquele moço?
— É o idiota que pisou no meu dedo! O que ele faz ali?
— Não sei não.
Lua o empurrou.
— Com licença, esse táxi está esperando por nós!
— Olá, nervosinha! Não esperava te encontrar de novo tão cedo!
— Esse táxi é nosso!
Ele a encarou.
— Além de nervosa, você também tem uma frota de táxis ou é dona
só desse aqui?
— Engraçadinho!
— Ah, não! Vai começar tudo de novo, pensei. O jeito era encerrar a
discussão entre os dois.
— Olá, tudo bem? Eu sou a Marina.
Estendi a mão e ele a apertou.
— E essa é minha amiga Luana, mas ela prefere que a chamem de
Lua.
Ela batia um dos pés, protestando.
— Sei que vocês começaram, literalmente, com o pé esquerdo, mas
eu tenho uma agenda cheia para cumprir, se vocês quiserem marcar um
horário para continuar a discussão, fiquem à vontade. Toma — entreguei o
cartão para ele —, este aqui é meu cartão e esse número aí, é ela quem
atende, vocês vão conseguir conversar com calma, mas, agora, estou com
muita pressa.
Entrei no táxi.
— Dá aqui esse cartão! Você é louca de dar esse número para um
estranho?
— Ei, você não pode tomar as coisas das mãos das pessoas desse
jeito não, e eu gostei de ter esse cartão!
— E você não pode andar sem ver onde pisa! Agora, me dá licença.
Ela fechou a porta do táxi com força.
O tempo no táxi passou rápido.
Chegamos no escritório e o produtor revelou a novidade, eles
haviam modificado o ritmo da minha música, deixando-a um pouco mais
acelerada. Eu teria que fazer um dueto com Lucas de Capri, o Adam Levine
da música brasileira, um cantor extremamente famoso, bonito e com o qual
eu, com toda certeza, não tinha nada a ver.
Fiquei tão surpresa com a novidade, que não conseguia pensar em
mais nada. Meu produtor me mostrou a performance que essa nova música
deveria ter, queria que eu dançasse com o tal famosinho. Como eu poderia
fazer aquilo? “Sou mãe”, pensei. “Casada...”. Bem, já não sou mais casada,
mas sou uma mulher, não uma adolescente.
É claro que a Lua não perdeu a oportunidade e ficou dizendo o
quanto eu era sortuda por poder fazer um dueto com o astro da música
brasileira. Eu não sabia como fazer aquilo, nem sabia dançar. Mas, para
Lua, era só diversão. Ela era superfã desse cantor e estava adorando o fato
de poder conhecê-lo.
Aquela noite eu mal dormi. Segundo o produtor, era uma
oportunidade incrível, já que o próprio Lucas de Capri havia feito o convite.
Disse que ele assistiu meus vídeos no YouTube e gostou bastante dessa
música, por isso queria gravar algo em conjunto. O problema é que ele não
era apenas famoso como Adam Levine, mas era a cara do dito cujo, e eu era
só uma garota da cidade pequena, recém-descoberta no YouTube. Não
estava preparada para tanto.
UMA NOVA MARINA

Alguém bateu na porta. Quem seria àquela hora da manhã?


Consegui cochilar um pouco, depois de revirar na cama pensando sobre
como iria dançar em um clipe, sendo uma péssima dançarina. Olhei
embaixo da cama.
— Cadê meus sapatos?
Os quartos dos hotéis em que eu ficava não eram luxuosos, mas
eram bem confortáveis. Esse tinha uma cama king size que me fazia sentir
minúscula, mas eu amava o espaço. Havia uma poltrona em frente da cama
e, ao lado dela, uma cômoda de madeira com uma TV de 32 polegadas. O
papel de parede que ficava atrás da cama era o que eu mais gostava naquele
quarto, um floral vintage, que se misturava com os móveis de madeira e dava
um ar retrô ao quarto.
Joguei o roupão por cima do pijama, passei as mãos no cabelo e abri
a porta. Esfreguei os olhos que haviam escurecido com a claridade, mal
conseguia enxergar a pessoa que estava na minha frente.
— Bom dia!
— Bom dia, Marina! Pronta para começar as aulas de dança?
— Aulas de dança? Não estou sabendo de nada.
Ajeitei o cabelo novamente. Agora que meus olhos haviam se
acostumado com a luz, consegui ver a pessoa à minha frente. Era um rapaz
bonito, com duas argolas medianas na orelha, uma legging preta e uma
regata branca, bem cavada debaixo dos braços. Ele parecia bem forte, mas
não era alto.
— Foi o seu empresário, o Roberto, que me contratou. Ele
combinou com a recepcionista do hotel para liberar minha entrada. Ele
disse que você precisa ensaiar a coreografia para a sua nova música com o
Lucas de Capri e que não tem o hábito de dançar, por isso necessita de aulas
o mais rápido possível.
Ele me avaliou com os olhos. Ainda meio desconcertada e com sono
eu bocejei.
— Ah!
— Você vai com esse roupão mesmo? Porque o táxi está lá embaixo
esperando.
— Não! É claro que não! Vou só jogar uma água no rosto, escovar
os dentes e colocar uma roupa confortável. Em cinco minutos eu desço,
pode ser?
— Ok, te espero na recepção do hotel.
Ele deu um rodopio e saiu. Fiquei vendo-o sumir pelo corredor. Eu
estava tão desesperada que não sabia o que fazer primeiro. Decidi ligar para
a Lua e pedir para ela descobrir onde seria o ensaio e me encontrar lá. Não
podia ficar sozinha, precisava dela por perto, ela me acalmava. Enquanto
lavava o rosto, já dei uma ajeitada no cabelo. Para minha sorte, meu cabelo
era liso e não era difícil arrumá-lo, era só passar uma água e fazer um rabo
de cavalo, isso era suficiente para melhorar o visual.
Como eu não havia dormido bem à noite, reparei que estava com
duas bolsas roxas em volta dos olhos. Eu não poderia sair assim, com a
minha pele clara, iria parecer que eu tinha levado dois socos. Disfarcei as
olheiras com uma base e passei um batom para dar uma alegrada. O mais
difícil foi escolher com qual roupa ir. Achei que colocar uma legging seria
uma ótima opção, já que o coreógrafo também usava uma. Para acompanhar,
vesti uma camiseta da banda “Men At Work”, uma das minhas bandas
prediletas, e saí. Quando apontei na recepção, o coreógrafo veio todo
esbaforido em minha direção. Acho que levei mais do que cinco minutos
para me arrumar...
— Marina, estamos completamente atrasados. Precisei dispensar o
táxi, você demorou demais para aparecer aqui com essa legging e camiseta
de banda. — Ele apontou o dedo para minha roupa. — Ah, e o moço da
recepção disse que alguém ligou aqui no hotel para saber se você estava
hospedada aqui. Pedi para ele não passar essa informação para ninguém e já
aproveitei e falei para ele chamar outro táxi.
Ele mudou de um pé para o outro, visivelmente nervoso. Me dei
conta de que nem sabia o nome dele.
— Desculpe, não fazia ideia do que vestir e estou bem assustada
com toda essa mudança de estilo que o Roberto quer me convencer a fazer.
— Tudo bem, tudo bem, já deu para perceber que você tem uma
cabecinha anos 80. As coisas mudaram, querida, você precisa adaptar sua
visão de mundo. Eu soube que você era cantora de igreja.
Ele cobriu a boca com a mão ao dizer isso. Não gostei dessa atitude.
— Cantora de igreja? Que termo mais estranho para dizer! Eu era
ministra de louvor.
Ele levantou as sobrancelhas e contorceu os lábios.
— Ministra de louvor? Isso sim é estranho, querida! O que faz um
ministro de louvor?
— Além de cantar? Ele dirige as pessoas à adoração!
— Não sabia que as pessoas precisavam ser dirigidas para adorar.
Está vendo, querida, isso sim é estranho. As pessoas precisam seguir você
no palco, te ver como uma diva, desejarem ser igual a você. Por isso
precisamos trabalhar muito.
Ele fez uma torre com seus dedos.
— Hum! Vou ter que ser outra pessoa então, né?
— Olha, querida, costumo dizer que você precisa desenvolver o
melhor de si. Ser outra pessoa seria impossível. Mas, você tem uma beleza
escondida e seu empresário disse que hoje mesmo você irá para uma
transformação em um salão super badalado aqui de São Paulo.
— Como assim? Eu não quero mudar nada!
— Olha ali o táxi. Moço, espera a gente!
Ele correu, olhou para mim e gritou:
— Corre, vamos aproveitar que esse já está aqui!
Assobiei alto. O taxista parou.
— Menina, como consegue assobiar desse jeito?
Ele estava de boca aberta, aproveitei para dar o troco, sutilmente.
— Aprendi na escola, com os garotos.
— Você é muito estranha, mas estou começando a gostar de você,
gosto de ser surpreendido.
Eu abri a porta do carro e entrei.
— Boa tarde! Para onde vocês estão indo?
— Prazer, senhor, sou o César, vamos para a Vila Sônia.
Ele apontou com o dedo para frente.
Então o nome dele era César, de novo, nem tinha pensado em
perguntar, tanta coisa na cabeça. Descobri que ele era dono de uma escola de
dança maravilhosa. Eu não entendia muito bem dessas coisas, mas, pelo
tamanho do prédio, deu para perceber que tinham bastante alunos. César,
além de dono da escola, fazia parte de uma companhia de dança de São
Paulo, acredito que tenha sido por isso que o Roberto o escolheu.
— Marina!
A Lua veio saltitando em minha direção. Nos abraçamos.
— Oi, amiga, que bom que você me encontrou!
— Caraca, mulher, o Roberto passou sua agenda agora de manhã e
estou muito empolgada. Essa escola é maravilhosa! O dia promete!
Ela girou sobre as pontas dos pés. Eu suspirei.
— Não consigo me animar, o medo está maior que o desejo de viver
tudo isso.
— Não fale besteira, você vai superar rapidinho. Tenho certeza de
que este dia vai marcar a sua história e fazer de você uma nova mulher.
Falando nisso, a Maria me ligou ontem, disse que tentou falar com você,
mas não conseguiu.
Ela inspecionou as unhas.
— Ué, eu não desliguei o celular, por que será que ela não conseguiu
falar comigo? Verifiquei o celular.
— Ela disse que estava dando fora de área e que o Samuel quer
levar a Bia para viajar com ele este final de semana, pediu para a Maria te
perguntar se estava tudo bem, já que sua agenda estará cheia e você mal terá
tempo para ela.
Ela sentou em uma cadeira.
— Eu sabia que o Samuel iria começar a alegar esse tipo de coisa
para afastar a Bia de mim!
— Para de bobagem, Marina! Eu dei razão a ele, acho que ele só
quer levar a menina para se divertir, não tem nada a ver com você.
— Assim espero. Mas eu queria que ela viesse para cá, eu iria amar
ver a reação dela ao ver a mãe passando por tudo isso.
— Não acho que seria tão engraçado assim, você vai estar na
correria e ela não terá tanto tempo para ficar com você. Deixa ela ir, Má.
Acredito que na semana que vem as coisas estarão mais fáceis, já que será
sua folga. Mas, esta semana vai ser corrido demais e, no final de semana, já
começam os ensaios com o Lucas de Capri.
Arregalei os olhos.
— Já? Por que tão rápido?
— O Roberto tem pressa, quer colocar essa música logo nas
rádios. Sabe como ele é, né? E como o clipe será divulgado pelo YouTube,
ele quer tentar fechar com alguma emissora para lançar por lá também.
Afinal, é a nova música de trabalho do Lucas de Capri e você está tendo
uma baita sorte de ser lançada junto com ele, sabia?
Ela me deu um empurrãozinho no ombro, como costumava fazer.
Nesse ponto, ela tinha razão. Eu já estava ganhando uma grana legal
no YouTube e tinha saído do anonimato, mas, ainda não era conhecida
nacionalmente. Minhas músicas faziam sucesso com os adolescentes e
jovens, mas precisava alcançar mais pessoas para ser divulgada nas rádios, e
o Lucas de Capri, por um milagre, me assistiu e gostou do que viu. Porém, o
estilo dele era um pouco diferente do meu e, por isso, eu precisava ter mais
confiança no meu trabalho e, principalmente, em mim, para essa parceria
dar certo. Eu comecei no YouTube com voz e violão, agora minhas músicas
estavam mais instrumentalizadas, tinha até uma banda que se apresentava
junto comigo. As músicas do Lucas de Capri eram do estilo rock pop e as
minhas, mais MPB. Seria uma mudança e tanto, mas era o preço que eu
precisava pagar para conseguir o sucesso tão desejado.
— Fala para a Maria que eu autorizo a viagem.
— Que bom, amiga! Vai ser melhor para ela e para você também.
O César me chamou:
— Vamos começar, então?
Eu não sabia o que esperar dessas aulas. Tinha que superar tantas
coisas para ser uma boa dançarina, mas estava disposta a dar tudo de mim.
Ele colocou a minha música com a nova roupagem para tocar. Eu ainda não
tinha ouvido essa nova versão, porque a gravaria com o Lucas, só sabia da
mudança, mas, ainda não tínhamos acertado quando iríamos para a
gravadora. Eles achavam melhor começar os treinamentos para o clipe antes,
para depois gravar a música no estúdio e só assim, fazer a gravação de voz.
Tinha muito chão pela frente, só que, com a pressa do Roberto, eu sabia
que teria que conseguir tudo isso em um mês, por isso já me preparava para
virar a noite nessa escola.
A música tinha um quê de sedução e a coreografia exigia de mim
toda essa performance. Estava difícil me soltar, não conseguia me ver dessa
forma, sedutora. O César era bem paciente, me motivava quando eu achava
que não ia conseguir. Os passos não eram difíceis e a coreografia era
pequena, já que o objetivo era cantar e não dançar, a dança era apenas para
potencializar a apresentação.
A coreografia começava com a minha entrada, logo após o Lucas de
Capri dizer a frase: “Quando você passa por mim e não me nota, faço tudo
para ter sua atenção. Eu não sei como apagar esse desejo que persiste em
meu coração.” Então, enquanto ele cantava, eu deveria entrar em cena e
passar por ele, mas essa caminhada deveria ser marcante — o que, por sinal
estava bem difícil de fazer —, e então, ir até ele para dançarmos juntos. Ele
me envolveria em seus braços e ficaríamos face a face, depois me soltaria
para eu cantar a minha parte da canção.
A Lua via toda a coreografia com aqueles olhos arregalados. Eu já
sabia o que ela estava pensando, com certeza estava me imaginando nos
braços do Lucas e eu estava tão tensa que não sei se conseguiria
desenvolver algo tão simples.
— Perfeito, Marina! Vamos ter que interromper para você ir ao
estúdio de beleza. O Roberto já combinou com eles o que é necessário fazer
em seu cabelo, depois vamos juntos fazer compras.
Ele bateu palminhas, entusiasmado. Eu coloquei a mão na cintura,
incrédula.
— Como assim combinou o que será feito em meu cabelo? Não
entendi. E que tipo de compra vamos fazer?
— Compraremos roupas, querida! Apenas roupas novas! Ele pediu
para que eu fosse seu guia na cidade.
Ele jogou uma mecha de cabelo para trás.
— Ah, tá! Pelo jeito não é só meu estilo musical que ele quer mudar,
sou eu inteira!
— Não pense assim querida, ele quer ressaltar seu talento, sua
beleza.
Não entendia por que eu não poderia continuar com o meu estilo,
afinal, foi por conta dele que eu tinha conseguido chamar a atenção do
público do YouTube.

Passamos a tarde no salão e fizemos compras. Meu cabelo, que tinha


um tom de chocolate, ganhou uns fios dourados. Ele era bem longo e agora
estava todo desfiado, o que o deixou mais esvoaçante. Para falar a verdade,
eu bem que gostei da nova Marina. Lá no salão eles me ensinaram uns
truques de maquiagem, disseram que, a partir de então, eu deveria estar
sempre maquiada. Eu teria que colocar meu despertador para tocar mais
cedo, não iria conseguir fazer tudo isso em tão pouco tempo.
As compras também foram um sucesso. Compramos muitas saias,
vestidos, blusas com brilho, calças apertadas, roupas que normalmente eu
não usaria. Meu estilo sempre foi jeans e tênis, amava o conforto de um All
Star. O Roberto disse que eu não precisaria aposentar os sapatênis, mas
teria que colocá-los dentro do estilo que ele propôs.
Quando eu estava casada com o Sam, eu aprendi a me vestir melhor,
afinal, ele era um político respeitado na nossa cidade e andar o tempo todo
ao lado dele de calça jeans e camiseta não parecia a melhor escolha. Por
isso, comecei a usar mais vestidos tubinho e andar de sandálias. Com saltos
baixos. Eu não conseguia, de forma alguma, usar saltos altos. Foi o melhor
que eu consegui. O Sam aprovou a mudança, disse que eu tinha ficado mais
elegante. Porém, quando eu chegava em casa, já voltava para minhas
bermudas confortáveis e chinelos de dedo. Para mim, foi extremamente
curioso descobrir que a maioria das mulheres casadas com políticos se
mantinham arrumadas e maquiadas até dentro de casa. Eu achava um
absurdo, com certeza aquela vida não era para mim. Mas, agora, com a
carreira musical que almejava, teria que aprender a estar sempre pronta para
sair.

Estava tarde e decidi pedir algo para comer no hotel. A Lua estava
hospedada num hotel próximo do meu, por isso resolveu ficar mais um
pouco comigo, enquanto esperávamos a comida chegar.
— Má, vou pegar umas revistas lá na recepção para folhear enquanto
a comida não chega, quer que eu pegue um livro para você?
— Não precisa Lua, estou sem cabeça para ler, acho que vou folhear
umas revistas também.
Deitei na cama. Ela abriu a porta do quarto.
— Ok. Então já subo e trago uma para você. Qual andar você está
mesmo?
— No segundo.
— Sempre me confundo quando chego aqui.
Ela deixou a porta entreaberta e, enquanto eu esperava por ela, notei
uma movimentação estranha no corredor e resolvi dar uma espiada. As
pessoas pareciam apavoradas, andavam de um lado para outro com as
bagagens nas mãos, algumas estavam chorando. Fiquei curiosa para saber o
que estava acontecendo.
Lua retornou, sem fôlego. Suas pupilas estavam dilatadas.
— O que está acontecendo, Lua? As pessoas estão estranhas.
— Ouvi uma conversa lá na recepção que uma quadrilha de
bandidos armados invadiu um dos hotéis aqui do lado, algumas pessoas que
estavam hospedadas lá ficaram tão apavoradas que migraram para cá. Teve
até reféns, Má, parece ter sido assustador! Eu até liguei no hotel que estou
hospedada para ver se era lá, porque ninguém sabia dizer ao certo qual hotel
era, mas, graças a Deus não era o meu não. Sei que não é legal ficar feliz
com uma notícia dessas, mas, diante da situação, eu fiquei bem aliviada,
pois deixei os meus documentos e cartões lá no hotel, nem desfiz a mala
ainda.
— E já soltaram os reféns? Por isso que essas pessoas estão tão
apavoradas? Mas, como eles conseguiram entrar?
— Eles estavam vestidos com as roupas dos funcionários do hotel,
pelo menos foi o que ouvi uma senhora dizer. E essa mesma senhora disse
que eles usaram os reféns de escudo para entrar num carro que os
aguardava. Foi tudo muito rápido, os seguranças do hotel não conseguiram
fazer nada e a polícia não chegou a tempo. Estão dizendo também que é o
segundo assalto da quadrilha na região.
Suas mãos estavam trêmulas.
— Nossa Lua, você precisa pedir para o Roberto nos tirar daqui.
Não quero correr risco não.
— Eu sei, eu sei! Vou ligar para ele.
Ela pegou um copo d’água. Ver a Lua tão assustada me deixou
angustiada, além do pânico no olhar daquelas pessoas, que ficou registrado
na minha memória. Decidi falar com a Bia. Olhei no relógio e vi que que já
eram dez horas, sabia que a essa hora a Bia já estaria dormindo, só que eu
precisava saber se estava tudo bem. Engraçado, quando acontecem essas
coisas, quando ouvimos notícias ruins, a mãe que há em nós grita de medo e
só nos acalmamos ao falar com nossas crias.
O telefone tocou até cair na caixa postal. Fazia um ano que eu não
conversava com o Samuel. A Maria tinha ficado responsável por acertar as
coisas referentes à Bia, então, tanto ele como eu, sempre mandávamos
recados por ela. Mas, naquela noite, arrisquei ligar no telefone da casa dele,
mesmo morrendo de medo de outra pessoa atender. Eu não queria saber se
ele estava em outro relacionamento ou se estava casado, pedi para a Maria
não me falar nada sobre ele e, sempre que a Bia vinha me contar alguma
coisa, eu dizia para ela não mencionar nada sobre os relacionamentos do pai.
Como ela tinha uma maturidade incrível para a idade, sempre respeitou o
meu pedido. O telefone da Maria não atendeu e aquilo me deixou mais
angustiada.
— Lua, não consigo falar com a Maria, queria muito saber da Bia.
— Amiga, elas devem estar dormindo. Por que você não tenta ligar
para o Samuel? Ele deve estar em casa a essa hora e vai poder te dizer se
está tudo bem.
— Faz um ano que não falo com ele, não sei se tenho coragem de
ligar... E se outra pessoa atender?
Ela apoiou a cabeça nas mãos e me olhou com os olhos tristes.
— Você nunca superou, né?
Tento parecer convincente.
— Estamos separados há seis anos, Lua, é claro que superei!
— Superou nada, mesmo depois de todo esse tempo. Você sempre
teve esperança de que as coisas mudariam entre vocês. É ele que tem o seu
coração Má, admita!
Ela joga uma almofada em mim.
— Ele foi meu primeiro tudo, você sabe disso. Mas sei que acabou.
Na verdade, acho que eu sempre o amei mais do que ele me amou.
— Nessa parte eu discordo, aquele homem te amava, nunca entendi
o que deu na cabeça dele para trair você, especialmente numa fase que
vocês estavam tão bem, ainda mais com aquela bis...
Arregalei os olhos, ela sabe que não gosto que ela use esses termos.
Rapidamente ela completa a palavra, com um sorriso de malandra.
— Bisnaga! Aquela bisnaga!
— Hum... achei que você ia soltar um daqueles palavrões horríveis!
Ela faz um coração com as mãos e carinha de inocente.
— Má, você é uma figura! Nunca vou entender essa cabecinha
doida, mas amo você sabia?
— Eu também amiga. Acho que comecei minha vida cedo demais,
né?
— Seu problema é querer ser toda certinha. Olha no que deu!
— Pois é, mas Deus sabe que eu tentei, e ainda tento, fazer o certo,
pelo menos, o que sempre aprendi ser o certo.
— É, mas o certo para você pode não ser o certo de fato, né? Por
que você não perdoou o Samuel se o amava tanto?
— Porque traição a gente perdoa, mas uma vez que você aceita, vai
viver isso por toda a sua vida. A bisnaga não seria a única.
Rimos.
— Nunca entendi essa história. Aquela garota já tinha sido
desprezada por ele diversas vezes, até na minha frente, eu vi, ninguém me
falou. Ela vivia dando em cima, pedindo para ele voltar para ela. Por que
raios ele resolveu voltar atrás? Não entendo.
— Porque ele estava fazendo um teatro, provavelmente eles sempre
estiveram juntos.
— Não faz sentido, Marina.
— Para mim, sempre fez sentido. Mesmo ele dizendo que foi ela
que o agarrou.
— Mas, por que ela estava dentro do carro dele?
— Pois é, ele disse que o carro dela tinha quebrado e que ela ligou
para um mecânico, mas pediu uma carona até o trabalho, porque poderia
perder o emprego se chegasse atrasada e, é claro, ele deu. Uma desculpa
bem esfarrapada!
— Não acho, sabia? Pensa comigo, ele era o prefeito de uma
pequena cidade, precisava ser solícito se quisesse continuar no poder. Ainda
mais naquela cidade que as notícias correm rápido. E ele não te trairia dentro
de um carro, não iria correr o risco de ser pego.
— Ele não era prefeito naquela época, Lua.
— Mas era vereador, ora bolas! Dá na mesma!
Alguém bate na porta.
— Entrega!
— Lua, você recebe para mim? Minha carteira está na bolsa. Pega e
acerta com o entregador, por favor! Vou tomar uma ducha.
— Ok, sem problemas.
Eu não gosto de falar sobre este assunto, me traz à memória tanto
sofrimento, decepções, frustrações. Quando me casei com o Samuel, foi
porque, realmente, queria dividir minha vida com ele para sempre. Ele me
entendia como ninguém, me aceitava da forma que eu era, amava coisas em
mim que ninguém notava. Mas, como somos diferentes, nosso
relacionamento sempre foi muito questionado, ninguém entendia porque
estávamos juntos já que ele era o garoto popular da escola e eu era a menina
tímida. Meus olhos sempre estiveram nele, eu assistia todos os campeonatos
de futebol que ele jogava, fazia de tudo para sentar perto dele na igreja e me
esforçava para puxar assunto. Na escola, ele sempre estava cercado de
meninas, entrava e saía de relacionamentos como se trocasse uma camiseta.
Ele não era para mim, todo mundo via isso, menos eu.
— Má, você demorou nessa ducha, eu não consegui te esperar,
estava com fome. Seu lanche está aí na sacola, eu já vou voltar para o hotel,
estou bem cansada, já são onze horas.
— Lua, espera eu só ligar para o Sam? Preciso saber da Bia.
— Quer que eu ligue para você?
— Não, preciso agir como adulta. Só estou com medo da minha
reação se outra pessoa atender.
— Uma namorada, você quer dizer?
— Sim, não estou preparada para isso.
— Então você faz a chamada no viva-voz e, se outra pessoa atender,
eu falo com ela e pergunto sobre a Bia, mas, se ele atender, você fala, o que
acha?
— Pode ser, melhor assim!
— Ok, então disca aí.
Chama. Parece uma eternidade até atenderem.
— Alô!
Foi ele mesmo que atendeu o telefone. Ouvindo aquela voz grave,
meu coração dá um salto. Tento acalmar a respiração e parecer normal.
— Samuel, é a Marina. Desculpe o horário, tentei falar com a Maria
e ela não atendeu. Eu não paro de pensar na Bia e queria saber se está tudo
bem.
Enrolei uma mecha do cabelo em meus dedos.
— Oi, Marina, quanto tempo! Eu estava dormindo, por isso demorei
para atender, me desculpa. A Bia está bem, ela dorme às nove, lembra? E a
Maria deve ter dormido também. Mas, aconteceu alguma coisa?
— Não, na verdade não. Bem, é que teve um assalto em um dos
hotéis aqui perto e eu fiquei assustada. Acho que, por isso, quis saber se
estava tudo bem com ela.
— Um assalto? Imagino o susto que foi para você. Cidade grande
tem dessas coisas mesmo. Fica tranquila que ela está bem. Mas, agora fiquei
preocupado, quando você volta para casa?
Lua mal piscava, estava de olhos e ouvidos atentos à nossa conversa.
— Ainda não sei ao certo, estamos ensaiando para lançar o clipe no
YouTube e nem gravei com o Lucas a música nova.
— Lucas? O de Capri? Aquele da bandinha da vez? Que toca toda
hora nas rádios?
— Sim, ele mesmo, vamos lançar a minha música, juntos.
Antes que eu pudesse terminar a frase ele interrompeu, seu tom se
tornou mais seco, ríspido:
— Hum, está bom, então, Marina. Era só isso?
— Sim, obrigada. Dá um beijo na Bia, por favor!
— Darei, mas, amanhã. Se quiser falar com ela, ligue antes das
onze, por favor. Eu já estava dormindo.
— Desculpa, Samuel, não vou mais ligar nesse horário, fique
tranquilo.
— Boa noite, Marina!
— Boa noi...
Olhei para o telefone e depois para a Lua, que me olhava com os
olhos arregalados.
— Ele desligou na minha cara!
— Que sujeito mal-educado, Marina. Deve estar morrendo de
ciúmes de você com o Lucas de Capri.
— Ele nem liga, Lua. Acho que ficou bem claro, né?
— Esse cara é um babaca! Bom, vou nessa, achei que ia dar uns
suspiros com esse telefonema, mas só passei raiva. E você, mulher, para de
ser tonta. Não adianta bancar a durona para ele e depois chorar no
travesseiro, supera isso!
Eu sabia que precisava parar de pensar em nós dois e colocar um fim
nesse sentimento, o problema é que eu não sabia como.

Pela manhã, o celular começou a tocar cedo. Atendi sonolenta.


— Alô!
— Oi, mamãe! O papai disse que você me ligou ontem! A Maria só
viu as ligações que você fez para ela agora de manhã.
— Bia, por que está acordada tão cedo?
— O papai vai me levar na escola hoje e quer ir mais cedo para me
mostrar algumas escolas da prefeitura que eles estão reformando. Estamos
fazendo uma maquete para um trabalho da escola que precisa mostrar as
diferenças estruturais da minha escola para as escolas municipais.
— Nossa! E para que isso?
— Não sei, mamãe, mas o papai resolveu mandar reformar algumas
delas, reformas simples, mas já vai dar outra aparência.
— Vai ver que era essa a intenção, chamar a atenção do poder
público para as escolas do município.
— Na verdade, esse trabalho é de história, acho que ele quer mostrar
as diferenças que ainda existem dentro da nossa sociedade.
— Essas diferenças sempre vão existir, infelizmente! Mas me conta,
como você está?
— Estou com saudades! O papai também me disse que você vai
cantar com o Lucas de Capri.
Se fosse só cantar estava bom! Eu precisava garantir que nem um
dos dois visse o clipe, com certeza ia ser impactante para a Bia ver a mãe
dela abraçando e dançando com outro homem. Nervosa, puxei um fiapo da
coberta.
— Sim, Bia, nós vamos gravar uma música juntos, não sabia que seu
pai ia te contar.
— Eu acho mamãe, que ele não gostou de saber disso. Ele falou
para a Maria que você não era bom exemplo para mim.
— Ele falou o quê? Quem ele pensa que é para dizer uma coisa
dessas?
Senti a veia do meu pescoço saltar.
— Mãe! Ele não sabe que eu ouvi isso, não conta para ele, por
favor! Eu escutei atrás da porta da cozinha, ele estava falando bem baixinho
para a Maria e eu quis saber o que eles conversavam.
— Bia, você sabe muito bem que é falta de respeito ouvir a conversa
das pessoas atrás da porta!
Ela deu uma risadinha.
— Eu sei mãe, mas era por um bom motivo.
— E que motivo era esse? Não vi nenhum motivo!
— Foi sim, eu amei ouvir ele falar isso, estou te dizendo, mamãe,
ele não gostou nadinha. E hoje de manhã, quando eu acordei, vi ele lá
sentado com o notebook, pesquisando sobre o Lucas. Quando ele me viu,
fechou rapidinho para eu não ver, mas eu vi!
— Bia, você já sabe que eu e seu pai estamos separados faz tempo,
então pare de alimentar esperanças, ok?
— Está bem, mãe, mas, me conte tudo da próxima vez, não quero
descobrir pelo meu pai.
— Pode deixar, filha. Boa aula para você! Te amo muito!
— Eu também te amo, mamãe e estou morrendo de saudades!
— Eu também, filha! Tchau. Um beijo.
Que babaca! Onde já se viu falar que não sou um bom exemplo? Ele
não tem esse direito! E por que cargas d’água ele estava pesquisando sobre
o Lucas? Será que quer ter certeza de quem ele é?

Cheguei na escola para o ensaio e o César estava todo animado,


disse que tinha tido umas ideias novas para incrementar a dança. Tentei
demonstrar interesse, me esforçando ao máximo para tirar aquela conversa
da minha cabeça e prestar atenção nele.
— Muito bem, Marina, já podemos marcar com o Lucas. A partir de
agora, os ensaios serão com ele.
— Nossa, não achei que seria tão rápido!
Lua não disfarça a empolgação. Ela soca o ar.
— Que legal amiga, finalmente vamos conhecê-lo!
Eu não estava com essa animação toda, mas confesso que queria
começar logo esse trabalho. Com os treinos eu fui aprendendo a me soltar e
a dança me invadiu de um jeito que, quando danço, consigo me desligar de
tudo, me entregar de corpo e alma, me soltar por completo. Dançar era tudo
o que eu precisava naquele momento.
— Marina, se você fizer tudo o que fez hoje no ensaio de amanhã,
com toda certeza já vamos poder fechar o estúdio para vocês gravarem a
música e, na próxima semana, daremos início ao clipe.
Ele estava agachado ajeitando as meias, enquanto falava. Lua já
estava fazendo planos e consegui ouvi-la falar empolgada com o Roberto
pelo telefone. Ela tinha certeza de que até próxima semana nossa música já
estaria nas rádios e o clipe poderia ser lançado mais rápido do que
prevíramos.
Como o ensaio foi um sucesso, fomos liberadas para ir para o hotel
mais cedo. Era cerca de cinco da tarde quando chegamos e a Lua preferiu
tomar café comigo, numa padaria em frente de onde estava hospedada.
Combinamos de tomar um banho antes e nos encontrarmos lá. O hotel
estava bem mais tranquilo, sem aquela correria da noite anterior e eu preferi
subir pelas escadas, estava com excesso de energia e queria gastar. A
escadaria do hotel é em mármore branco e o corrimão de inox, as paredes
trabalhadas com recortes de gesso em formatos triangulares, deixa a
estrutura com um toque luxuoso. Enquanto subia os degraus, era possível
ver, através das janelas de blindex, o jardim e a área de lazer. Fiquei com
vontade de descer e entrar na piscina, que era muito convidativa, mas não
teria tanto tempo assim, precisava dormir cedo para estar renovada na
manhã seguinte. Seria um grande dia, afinal, não é sempre que se tem a
oportunidade de conhecer, dançar e cantar com alguém tão famoso.
A água do chuveiro descia pelo meu corpo de forma refrescante,
parecendo tirar todos os dilemas que estavam em minha cabeça. O que era
para ser um banho de cinco minutos, durou meia hora. Meu celular não
parava de tocar. Saí do banho e fui atender. Achei que fosse a Lua, por isso
nem conferi o visor de chamada.
— Alô?
— Má, é o Samuel!
Senhor, é melhor eu sentar, ele não me chama de Má nunca!
— Oi, Samuel, aconteceu alguma coisa?
Sua voz estava tensa.
— Não, Marina, eu só liguei para dizer que fiz uma pesquisa sobre o
assalto que ocorreu aí ontem e, na verdade, é mesmo uma quadrilha, eles
estão atacando essa região em que você está. Não conseguiram prender
ninguém. Os investigadores acreditam que é alguém que trabalha no hotel
que passa as informações. Estou preocupado com você. Falei com a Luana,
pedi para ela ver outro lugar para vocês. Até hoje eles não atiraram em
ninguém, mas, não acho prudente vocês ficarem nessa região.
— Sim, eu falei isso com a Lua também, ela disse que falaria com o
Roberto, acredito que ela até já tenha falado.
Fiquei desenhando no chão enquanto ouvia.
— Ela não falou ainda, Má. Disse que o dia de vocês foi corrido e
que falaria mais tarde. Pega no pé dela, Marina, não é bom vocês ficarem aí.
Eu não vou permitir que a Bia fique com você na próxima semana se ainda
estiver nesse hotel, então, dê um jeito de sair daí.
— Então a questão era essa, né, Samuel? Você está tentando dar um
jeito de afastar a Bia de mim! Aliás, ela me contou que ouviu você falar
com a Maria que eu não estou sendo um bom exemplo para ela.
— Marina, eu quero o melhor para a nossa filha, não considero
seguro ela passar o final de semana em um hotel, localizado numa região
que está sendo alvo de uma quadrilha armada. E, sim, disse mesmo que você
não seria uma boa influência, não consigo imaginar a mulher que eu
conhecia dançando com um sujeito tipo esse Lucas! Minha filha não precisa
assistir uma cena grotesca dessas.
— Eu continuo sendo a mesma mulher e a Bia não receberá
nenhuma influência negativa vinda de mim, já não posso afirmar o mesmo
sobre você.
Ele aumentou o tom de voz:
— Marina, não vou entrar em uma discussão com você agora, está
bem? Estou cansado, meu dia não foi fácil e os problemas da cidade estão
desabando sobre a minha cabeça. Não adianta me justificar para você, sua
cabeça é incapaz de entender qualquer coisa que venha de mim, então, dê
um jeito de sair daí se quiser que a Bia passe o final de semana com você!
E, não sei se você está atenta ao calendário, mas amanhã é feriado aqui,
acho que a Maria te avisou que viajaremos para praia, certo? Ficaremos por
lá quatro dias. No próximo final de semana ela viajará para te encontrar,
mas só vou permitir se você não estiver mais nesse hotel, combinado
Marina?
Respondi ao seu tom sarcástico com ironia:
— Combinado, vossa excelência! Vamos lançar a música este final
de semana, amanhã mesmo faremos o último ensaio e gravaremos, se tudo
der certo, na sexta. Então, acho que até o final da semana que vem, já vou
ter me mudado para outro hotel.
— Boa noite, pop star!
Meu sangue fervia nas veias. Encerrei a ligação.
— Cara chato, ele se acha!
Não sei como iria conseguir me organizar, mas teria que dar um jeito para
receber a Bia em um lugar seguro. Contei para a Lua sobre a conversa com
o Samuel. Ela concordou que era o melhor a ser feito, disse que ele já tinha
ligado para ela. Ele queria mesmo me pressionar para resolver logo a
situação e, com certeza, tinha conseguido.
Naquela mesma noite a Lua ligou para o Roberto e pediu para nos
trocar de hotel, ele concordou em procurar outro lugar, mas, como
estávamos em alta temporada, já que era mês de feriado em algumas regiões
do estado, ele explicou que não seria tão simples, mas que daria um jeito.
Eu gostava de deixar a Lua resolver essas situações, ela era melhor para
negociar do que eu. Mesmo que eu tenha sido casada com um advogado,
não conseguia ter boa técnica de argumentação, mas ela, mais articulada
que eu, mandava muito bem. Porém, pensei que talvez não conseguisse
aguardar pela solução deles e teria, eu mesma, que resolver esse assunto.
O Samuel sempre foi muito esforçado. Como era três anos mais
velho do que eu, ele começou os estudos mais cedo e conciliou bem isso
com o cargo político. Quando eu terminei o colegial, ele já estava no último
ano da faculdade. Foi por isso que ele me pediu em casamento. Eu ainda
estava no primeiro colegial e a universidade federal mais próxima ficava a
quatro horas da nossa cidade, ele deu tudo de si para conseguir entrar nela.
Inicialmente, o plano dele era vir toda semana, especialmente porque
precisava comparecer às reuniões da Câmara e lutar pelas pautas da cidade.
Mas, com o passar do tempo, foi ficando mais difícil para ele vir. Quando
vinha, participava das reuniões da Câmara e voltava no mesmo dia para não
perder aula. Passava a madrugada viajando, dormia menos de três horas e ia
para aula. Brigávamos muito nesse tempo, às vezes ficávamos semanas sem
nos ver, sem conversar. Ou ele estava ocupado e não podia me visitar ou eu
estava em prova e não podia recebê-lo. Isso só dava mais motivos para as
pessoas dizerem que não era para ficarmos juntos.
Quando, finalmente, conseguimos conversar, depois de tanto tempo,
eu tinha certeza de que ele iria terminar comigo, porém, ele fez a proposta,
disse que se eu me casasse com ele, eu poderia ir ao seu encontro e
diminuiriam essas barreiras que estavam nos afastando. A princípio, achei
loucura, muito precipitado, eu era uma criança, mas, como conseguiríamos
fazer dar certo? Meus pais jamais me permitiriam passar o final de semana
com ele. Para o Samuel, essa era a única solução. Ele quase perdeu o cargo
público, mas, por ser tão querido na cidade, fizeram vistas grossas, desde
que ele estivesse presente em todas as reuniões importantes. E por amá-lo
demais e não querer desistir do nosso relacionamento, aceitei me casar.
NÃO DÊ BANDEIRA

Entrei na sala de ensaio. O Lucas já estava lá. Ele me viu entrar e


parou de conversar com o César. Ficou me encarando. Fiquei sem graça,
sem saber se dava um sorriso ou fingia que não o tinha visto, mas, mal tive
tempo de decidir. Ele veio em minha direção, senti minhas pernas bambas.
“Não dê bandeira, não dê bandeira”, digo para mim mesma, mas, como
conversar com esse homem sem derreter? Ele era muito mais bonito
pessoalmente, não era à toa que o comparavam ao Adam Levine.
— Bom dia, Marina! Estava ansioso para te conhecer, tenho
acompanhado o seu trabalho pelo o YouTube e te achei perfeita para dividir
comigo esse novo trabalho.
Ele me puxou e beijou minha bochecha.
— Bom dia, Lucas! O prazer é meu em conhecê-lo e, com toda
certeza, fico surpresa por saber que você me acompanhava pelo YouTube.
Achei que vocês, famosos, não tinham tempo para ouvir uma garota que
está iniciando a carreira musical.
— Meu tempo é bem corrido sim, mas vi um vídeo seu entre os Top
10 do YouTube e, como era o único musical, fiquei curioso para saber quem
estava por trás desse feito. Normalmente os vídeos mais assistidos são os de
humor, políticos ou sobre conspirações, vídeo de alguém iniciando a
carreira musical era uma grande surpresa. Fiquei impressionado ao ver uma
garota tão nova, diferente do convencional e com letras tão profundas.
Ele deu um sorriso charmoso.
— Talvez minha idade não revele muito a minha experiência de
vida.
— Desculpe a pergunta, mas, você tem que idade?
— Eu tenho 24 anos.
— Imaginei que você tivesse isso mesmo. Mas, e aí, está pronta para
o ensaio? Não quero que se sinta constrangida, quero que seja o mais
natural possível, já combinei com o Roberto e agora com o César.
Ele colocou as mãos nos bolsos enquanto falava. Eu coloquei os
cabelos atrás da orelha.
— Sim, acho que vou dar conta.
— Com certeza você vai!
Ele sorriu e foi falar com o César. “Que homem charmoso, cadê a
Lua que até agora não chegou?”, pensei comigo mesma. Olho no relógio,
impaciente, e decido ir até a porta, mas, antes que eu faça isso, ela entra
sorridente e acena para todos.
— Olá, pessoal, tudo bem com vocês?
Ela olhou para mim e veio toda serelepe na minha direção, mas o
Lucas a interrompeu antes mesmo dela dizer alguma coisa.
— E você é a...?
— Essa é a Lua, Lucas, minha assessora.
— Oi, Lua! É um prazer te conhecer.
Ele estendeu o braço para ela e beijou sua mão. Ela olhou para mim
com a boca aberta.
— O prazer é todo meu!
— Te encontro daqui a pouco, Marina.
Ele piscou para mim e saiu. A Lua se abanou com as mãos.
— Estou passando mal.
— Eu vou ter que dançar com ele?
— E você vai ter que dançar com ele, sortuda!
Ela enfatizou as palavras.
— Me deseja sorte!
— Com sorte, você já está, amiga. Vai lá e arrasa!
Olhei para ele e vi que ele estava me encarando. César deu o sinal
com os dedos para começarmos o ensaio. Ele sorria para mim enquanto
fazia de conta que cantava. Minhas mãos estavam suando, mas empinei o
nariz e desfilei na frente dele, toquei em seu peito e ele virou o pescoço
para me acompanhar com os olhos. Comecei a cantar a minha parte da
canção e senti seu corpo quente, ele me abraçou por trás e passou o nariz
em meu pescoço, me virou pelo ombro e me abraçou. Senti o seu peito
subir e descer. Me afastou para olhar em meus olhos e ficou me encarando.
Meu coração estava acelerado, será que ele iria me beijar? Ele aproximou
os seus lábios do meus e a música acabou. Ele estava ofegante.
— Muito bem, Marina!
— Queridos! Vocês arrasaram!
Procurei pela Lua, ela estava aplaudindo. Apertou os lábios e
balançou os polegares para cima.
— Menina, senti até calor de ver vocês!
Escondi o rosto com as mãos.
— Estou com tanta vergonha, Lua.
— Vergonha do que, mulher? Vocês só estavam interpretando um
trecho da música!
— Não sei se o Samuel vai enxergar assim também...
— Samuel de novo, Marina? Fala sério!
— Eu sei, eu sei. É que, se ele falou que não sou boa influência para
Bia só porque disse que ia cantar com o Lucas, imagina se ele vir isso.
— É bom que veja mesmo para saber que não é o único homem do
mundo para você.
— Mas ele não é mesmo!
— Não?
— Não!
Estávamos no intervalo e várias salas estavam liberadas para que os
alunos pudessem se hidratar. Um bando de garotas eufóricas corre para
cima do Lucas.
— Olha lá, Marina! O Lucas cercado de mulheres.
— Coitada da namorada dele, não tem folga.
— Ele está solteiro, mulher. Li hoje numa página de fofocas.
Olhei a cena por alguns minutos. Com certeza não é para mim,
pensei.
— Lua, o que aconteceu para você chegar atrasada hoje? Os olhos
dela estavam presos no Lucas cercado de garotas.
— Ele é bonitão, né, Má? E você é a maior sortuda por estar tirando
uma casquinha!
— Deixa ele pra lá, Lua. Me conta o que aconteceu
— Aconteceu, Marina, que a senhora, com essa boca grande, nos
causou problema.
— Como assim?
— Lembra aquele jornalista que encontramos no avião e que falei
para não dar entrevista nenhuma?
— Sim, eu lembro.
— Pois é, olha o que ele escreveu na coluna dele sobre você. Ela
pega o celular e me mostra a página da entrevista.
— Uma grande reportagem sobre mim? Como é possível? Não dá
para desenvolver uma matéria dessas com as poucas coisas que eu falei.
Tinha uma foto minha, sorridente, ao lado dele. Que intimidade a
nossa! Só que não! Fiquei irritada. Devolvi o celular para ela.
— O que está dizendo aí?
— Você não vai ler?
Neguei com a cabeça, estava irada.
— Olha, Marina, tive que tomar algumas providências que não são
do seu agrado... Mas, quem sabe assim você me ouve da próxima vez! Esse
sujeitinho foi até a nossa cidade para descobrir o que aconteceu com você e
quem era o amor da sua vida. Sua história, que estava guardada a sete
chaves, está aí, para todo mundo ler.
Ela apontou o dedo para o celular.
— Como assim? O que ele está falando?
— Ele afirma que todas as letras de suas músicas são para curar um
coração partido e que nessa conversa que vocês tiveram no avião, você
revelou que ainda ama um homem com quem dividiu a vida por dez anos,
mas ele não conseguiu descobrir quem é, porém, soube por fontes
fidedignas, ser um político da sua cidade.
Ela suspendeu as sobrancelhas e me encarou.
— Como ele descobriu tudo isso, Lua? Você sabe muito bem que
não falei nada disso. Minha garganta secou.
— Mas disse que suas músicas são sobre você, lembra?
— Disse que quase todas eram sobre mim.
— Acho que você precisa se ouvir mais, Marina. Suas canções
fazem sua alma transparecer. Não foi difícil para ele ir até a nossa cidade e
perguntar sobre você. Só espero que o Samuel consiga entrar com uma ação
contra essa revista.
— Samuel? Você o envolveu nisso? Eu não acredito, Lua! Isso é
humilhante! Ele vai achar que ainda tem poder sobre mim!
— Não vai não, quero dizer, ele pode até achar isso depois que ouvir
suas músicas, né? Afinal, está escrito aí que eram para ele. Mas, para aliviar
a sua barra, eu disse que o jornalista deduziu tudo isso pelas suas letras e
estava procurando provas para documentar. Expliquei para ele que você não
tinha dito nada disso e que só permitiu que ele tirasse a foto.
— Mas você sabe que respondi às perguntas que ele fez e concordei
com a entrevista...
— Pois é, mas falei que era uma conversa informal, nada oficial e
ele não tinha o direito de invadir a sua privacidade.
— E o que o Samuel disse? Por que não chamou outro advogado
para resolver isso, Lua?
— O Samuel ficou bem bravo, está com medo da privacidade de
vocês ser exposta ainda mais. Querendo ou não, ele também tem uma vida
pública. Eu fui atrás dele porque não quis envolver mais ninguém. Sua sorte
é que essa fonte fidedigna não disse muita coisa, não contou sobre sua filha,
ou algo que pudesse te complicar ainda mais. Mas isso vai fazer com que
outros jornalistas baixem em nossa cidade, por isso precisamos agir rápido
para calar a imprensa. Ainda mais agora, com esse novo trabalho, os
jornalistas querem saber por que o Lucas escolheu você para gravar com
ele. Eles irão ficar que nem urubu, procurando uma boa carniça para vender
essas matérias.
— O Roberto disse alguma coisa sobre isso?
— Ele pareceu ter gostado do interesse da imprensa em você, mas
alertou que não é mais para abrir a boca, pode te trazer problemas maiores.
— Agora eu entendo porque os famosos são grosseiros com os
jornalistas.
— Pois é, amiga, é bom se acostumar. Mas, o mais interessante é
que ele disse que o Lucas está encantado com você e deixou uma pergunta
para os leitores: “Será ela a nova pretendente do astro da música
brasileira?”
— Aff! Espero que o Samuel não leia essa matéria, vai acreditar
ainda mais que sou uma má influência para a Bia.
— E qual o problema se você se envolver com o Lucas, Marina? Ele
não tem nada a ver com isso e não vejo por que você seria má influência!
Ele que é, afinal, não honrou o juramento que fez no altar! Pare de se medir
pela ótica dele! Aliás, amiga, vou repetir: esquece esse cara!
— Está bem, Lua. Vamos deixar esse assunto pra lá.
O César se aproximou de nós e me chamou para voltar para o
ensaio.
— Fui.
— Vai, e aproveita.

Depois do ensaio, o Lucas nos convidou para jantar. Ele disse que
queria aproveitar o dia de folga na cidade. A noite foi bem divertida, o
César passou da conta na bebida e falou tanta bobagem que ficamos com
dor na barriga de tanto rir. A Lua, não tirava os olhos do Lucas e eu me
achava muito sortuda por estar vivendo tudo aquilo.
— Vocês têm como voltar para casa ou vão precisar de carona?
— Vamos chamar um táxi.
— Não precisa. Eu deixo vocês no hotel. E você, César, quer carona
também?
— Não, querido, vou aproveitar mais um pouco a noite e depois vou
para casa. Não sou eu que tenho que gravar amanhã. Vocês arrasaram no
ensaio de hoje! Boa sorte na gravação amanhã.
Ele levantou o copo de bebida. Eu agradeci com um sorriso e entrei
no carro. A Lua já estava lá dentro. Ele deixou a Lua primeiro e depois,
parou o carro na frente do meu hotel. Desceu do carro e o contornou,
vindo para o meu lado, mas, eu não esperei e abri a porta.
— Pelo jeito você não está acostumada com homens cavalheiros,
não é mesmo?
— Desculpe, não sabia que você também ia descer.
— Eu queria deixar uma boa impressão.
— Posso garantir que você já conseguiu isso.
Sinto-me envergonhada. Ele me encara por alguns segundos, seus
olhos parecem imãs.
— Boa noite, Marina. Foi um grande prazer te conhecer!
Ele me puxou para mais perto e beijou minha bochecha. Senti um
arrepio.
— O prazer foi meu, Lucas! Entro no hotel e observo ele arrancar
com o carro. Será que estou sonhando? Meus lábios parecem sorrir
sozinhos. Me jogo na cama animada. Quantas coisas incríveis acontecendo
ao mesmo tempo! Se eu estiver dormindo, por favor, não me acorde!
Meu celular vibra no meu bolso, olho para a tela. É o Samuel. Saco!
O que ele quer agora? Atendo sem ânimo.
— Oi.
— Oi, Marina. Estou ligando para avisar que já entrei com o
processo contra a revista do jornalista que incomodou você naquele voo.
Finjo desinteresse.
— Hum.... Eu não queria ter te envolvido, mas a Lua achou melhor
não colocar mais ninguém a par da história e, de certa forma, ela está certa.
— Sim, eu entendo e concordo que foi mesmo melhor falar comigo.
Mas, Marina...
Ele faz uma pausa.
— Fala?
— É verdade?
— Verdade o quê?
— Deixa pra lá. Bom, só liguei para avisar que ninguém virá aqui
tão cedo para questionar sobre você ou sobre nós.
— Ok, Samuel, eu agradeço! A Bia está acordada?
— Não, já passa das onze, ela está dormindo faz tempo, estava
cansada, passeamos bastante hoje. Por falar nisso, você resolveu o problema
com o hotel?
— Ainda não, mas, logo será resolvido, os hotéis estão lotados por
causa das férias escolares e, por isso, não está fácil achar vaga, mas, vai dar
certo! Eu tinha me esquecido que vocês estão em viagem.
— Resolve isso logo, Marina!
Odeio quando ele me dá ordens.
— A Bia está ansiosa para ver você, passou o dia todo falando sobre
isso, mal aproveitou a praia e a experiência de mergulhar com os golfinhos,
só dizia que queria que você estivesse aqui. Confesso que me incomodou
um pouco, sabe, essa ligação de vocês...
— Que bom que ela pensa em mim, eu também penso nela o tempo
todo. A relação de vocês também é muito especial, Samuel, sempre te achei
um excelente pai para ela.
— Que bom ouvir isso de você, Marina. A Bia foi a melhor coisa
que você me deu. Mesmo sendo tão nova, você não teve medo da
maternidade. Lembra daquela festa que teve com os vereadores e você
começou a se sentir mal e do nada desmaiou?
Ele riu com a lembrança.
— Sim, eu lembro... Nós ainda não sabíamos que eu estava grávida.
— Aquele dia eu fiquei apavorado, tive medo de perder você. Ainda
era muito novo para desconfiar que pudesse ser uma gravidez e que
desmaiar no início da gestação era normal.
—Sim, lembro sua cara perguntando para o médico se era grave.
— Eu te amava, Marina! E fiquei com medo de te perder...
Eu apenas suspiro, sem dizer nada.
— Boa noite, Marina!
— Boa noite, Samuel!

Fiquei deitada, olhando para o teto. Por que essa conversa mexeu
comigo? Por que ele ainda tem esse poder sobre mim? Minha vontade era
ligar e dizer tantas coisas, mas, preferi me deitar direito e tentar dormir.
Senti o celular vibrar de novo e achei que ele tivesse resolvido dizer mais
alguma coisa. Olhei no visor, era a Lua.
— Oi, Lua, por que está me ligando a essa hora?
— Eita! Achei que você estaria mais animada depois da nossa noite
com o Lucas.
— Estava, mas já estragaram a minha noite.
— Quem estragou? Vai dizer que foi o Samuel de novo?
— Bingo!
— Ah, não! Então você também deve ter visto as fotos...
— Que fotos?
Sentei na cama num salto.
— As fotos dele na rede social.
— Mas ele não tem nenhum perfil em nenhuma rede social.
— Pois é, ele não tem, mas a namorada dele tem e acabou de
publicar várias fotos no perfil dela. Eles estão juntos neste exato momento,
lá na tal praia. Junto com a Bia, amiga!
— Capaz! É brincadeira, né? Você não me ligou aqui sabendo que
acordo cedo para gravar amanhã para contar essa história? E como você
conseguiu ver essas fotos? Conhece a namorada dele? Tem ela como amiga
no Face?
— Não, Marina, eu não tenho ela no meu perfil, nem conheço a
menina. Acho que ela não é da nossa cidade. Vi porque o jornal da cidade
disse que o prefeito estava de férias com a família e que a nova namorada
tinha compartilhado as imagens em seu perfil.
— Idiota! Ele é um babaca. Espero que seja sério o relacionamento
deles, porque se a Bia sofrer com isso, vou matar esse cretino!
— Na boa, Marina, você está incomodada por causa da Bia mesmo?
Porque, para mim, não parece ser por ela não.
— Para de ser besta, Luana! Foi você que ligou para falar dele.
— Na verdade, amiga, liguei para te dar um toque, esquece o
Samuel e não perca as oportunidades que a vida te dá não!
— Eu não vou perder nada. Mas, fique sabendo, Luana, você não
tinha o direito de me ligar a essa hora para me contar isso! Ainda mais
depois de ele ter me ligado hoje.
— Ele te ligou para quê?
— Para falar que está tudo certo com a ação contra a revista, e
também relembrou algumas coisas do passado...
— O que, especificamente, ele lembrou?
— Sobre o dia que desmaiei na festa com os vereadores, eu estava
grávida e não sabíamos.
— Sim, eu me lembro desse dia.
— Ele disse que teve medo de me perder...
— Parece que teve mesmo, no passado, porque depois...
— Ok, Lua. Mas, por que raios ele ressuscitou isso hoje?
— Por que vocês tiveram uma história juntos?
Notei a ironia na voz dela e não estava com a menor vontade de
continuar aquela conversa, ainda mais naquele tom.
— Está bem, Lua! Vou desligar. Odeio muito vocês dois neste
momento!
— Na verdade, amiga, você deveria me agradecer, tenho certeza de
que ia passar a noite pensando nesse cara, só porque ele relembrou essa
história, o que para mim, não significa nada. Esquece ele, Má. Segue sua
vida, ele já está seguindo a dele.
— Ok, ok! Beijo. Durma bem.

Eu precisava mesmo virar essa página, mas, é claro que vou espiar
as fotos dele na rede, precisava ver quem é a eleita da vez. Eu pego o
celular e digito a página do jornal da cidade. Lá estava ela. Entrei em seu
perfil, quatro fotos da família feliz. Olho para a foto que estão numa lancha.
Que biquíni estranho! Está bem, está bem, não tenho nada a ver com isso!
Tenho que admitir que ela é bonita, toda sorridente, deve estar louca por ele.
Olho uma foto dele com a Bia, ele está sem camisa, tinha até me esquecido
desse abdômen definido. A Bia parecia bem feliz na foto, devia estar se
divertindo. A última foto é dos dois juntos, beijando-se. Eca! Melhor fechar
isso. Saco, por que sou tão curiosa? Sabia que ia ter uma noite difícil. Sono,
facilita e vem logo, antes que eu gaste a noite toda com esses dois, please!

O Roberto me avisou logo pela manhã que eu deveria chegar um


pouco mais cedo para ele me passar algumas alterações da agenda.
Adiantou que iríamos estrear a música em um show que o Lucas faria no
domingo, na Virada Cultural. Esse evento costuma atrair mais de uma
milhão e meio de pessoas, além de ser transmitido por diversos meios de
comunicação. Com certeza, seria uma excelente oportunidade.
O Lucas não estava presente na reunião, o Roberto disse que ele iria
apenas para gravar. Explicou também que a gravação do clipe tinha sido
cancelada, o Lucas ia ter uma entrevista muito importante no mesmo dia,
por isso, ele nos convidou para participar da Virada Cultural.
A reunião durou mais ou menos uma hora, o Roberto só parou de
falar quando o Lucas chegou. Ele entrou apressado, não cumprimentou
ninguém e foi direto para a cabine de gravação. Ele estava todo de preto,
com uma regata que revelava seus braços fortes, deixando as tatuagens
aparentes, usava boné e um óculos de sol quadrado, que escondia as
prováveis olheiras noturnas. A noite dele deve ter sido agitada, pensei.
O Roberto me olhou preocupado, quis saber se eu havia entendido
as partes da música que seriam minhas e as partes que seriam do Lucas.
Confirmei com a cabeça e entrei no estúdio, mas, uma mão segurou o meu
braço:
— Faça apenas o seu trabalho, Marina. O Lucas não está em um
bom dia hoje e, por isso, pediu para gravar e sair. Se concentra e tenta ser
perfeita, ele quer ir embora logo. Já adiantamos toda a parte instrumental
com os músicos. Dê o seu melhor que dará tudo certo.
Olhei no relógio e os ponteiros marcavam 9h30min. Todo músico
sabe que gravar não é tão simples quanto parece, pode levar horas ou até
dias. Mas, respirei fundo e disse que conseguiria.
Quando entrei na cabine ele já estava gravando. Fiz silêncio e
esperei a minha vez, mas, o ritmo da música estava muito diferente do
original, aquela mudança estava causando certa estranheza aos meus
ouvidos. Chega minha estrofe, falho. Minha voz sumiu, não alcancei o
agudo da nota e comecei a tremer. Toda aquela pressão cai sobre mim e
minha voz falha. O Lucas olha no relógio, impaciente. Eu sabia que ele não
estava contente, mas, por que eu teria que gravar com toda essa pressão?
Foi ele que me convidou para gravar, por que eu tinha que aceitar tão
facilmente essa mudança na música que eu compus?
A música recomeçou e eu errei de novo. Ele bufou, como se eu
tivesse feito de propósito. Pedi desculpas e tentei novamente. O Roberto
andava de um lado para outro, claramente nervoso, e eu só tentando me
adaptar com aquele novo ritmo, cheio de batidas e movimentos que antes
eram tão suaves. Precisava me concentrar na letra e entrar no ritmo que eu
já tinha dançado diversas vezes. Mas, antes, nos ensaios, não cantávamos de
verdade, eu não precisava me conectar com a canção. O Lucas, até então
mal havia falado comigo, até que, de repente, ele diz:
— Marina, sei que você sabe cantar muito bem, não é à toa que eu
quis gravar sua música, mas, se continuar deixando todo esse medo
controlar você, não sairemos daqui hoje.
Sua voz era firme, seu olhar estava sério. Eu não disse nada, fechei
os olhos e deixei aquela letra, que era tão conhecida para mim, me invadir.
Lembrei das razões que me fizeram escrevê-la, a sensação que eu estava
sentindo quando a compus, a tristeza, o medo, o amor que sentia. Então,
finalmente, eu cantei:

Olha pra mim e vamos esquecer


o que ficou para trás.
Pare de desculpas, não dá mais
para ficar longe de você.

Olha pra mim, eu preciso de você.


Pare de tentar entender,
o sol brilha quando estou
bem junto de você!

Calo meus sentimentos,


finjo que superei,
mas ainda espero
que você pense em mim
como eu penso em você.

Ligo a TV esperando desfazer,


toda a dor que sinto por estar longe.
Te procuro nos livros, mesmo sendo ficção,
que loucura você causou em meu coração.

— Muito bom! Muito bom! Do início agora. Lucas, agora a Marina


começa e você finaliza.
— Ok, vamos inverter então.
— 1, 2, 3 ,4. Gravando!
O produtor dá o sinal e eu canto, pela milésima vez, aquela letra que
compus em um dia em que o Sam havia acabado de chegar da Câmara,
estava tarde e a Bia, que na época estava com dois anos, já estava
dormindo. Eu tinha esperança de que ele sentasse ao meu lado, que falasse
comigo do jeito que ele falava antes de tudo acontecer, mas, ele
simplesmente foi para o quarto, depois de me dar um simples boa noite.

O tic tac do relógio é o único som


que ouço neste momento.
Vejo você distraído, parece tão bem.
E eu estou aqui, tentando juntar os pedaços,
o que restou do meu coração.

Você segue caminhando


sem qualquer preocupação.
Por que morremos um para o outro?
Por que não se importa mais?
Penso em tirar você de mim,
esquecer o que passou,
aceitar suas desculpas e parar
de fazer tantas perguntas.

Essa voz que ecoa em minhas lembranças


são suas palavras que ainda me dão esperança,
de um tempo que não volta mais.
Você me garantiu que não me deixaria jamais.

Mas agora permanecemos distantes,


entre perguntas e cobranças,
dói demais viver assim.
Quando você passa por mim
e não me nota.

Faço tudo para ter sua atenção.


Eu não sei como apagar
esse desejo que persiste
em meu coração.
Olha pra mim e vamos esquecer
o que ficou pra trás.
Pare de desculpas não dá mais
para ficar longe de você.

Olha pra mim, eu preciso de você.


Pare de tentar entender,
o sol brilha quando estou
bem junto de você!

Calo meus sentimentos,


finjo que superei, mas ainda espero
que você pense em mim
como eu penso em você.

Ligo a TV esperando desfazer


toda a dor que sinto por estar longe,
te procuro nos livros, mesmo sendo ficção.
Que loucura você causou em meu coração.

— Perfeito, pessoal!
O produtor está animado, parece bem satisfeito.
— Assim que finalizarmos, entro em contato com o agente de vocês.
— Obrigada, até mais então!
— Ei, Marina! Me desculpa por mais cedo, estou com muita coisa
para resolver e tive medo de você não conseguir cantar nesse novo ritmo.
Olho no relógio e percebo que tinha feito um milagre: 11h41min,
levei menos tempo do que previra para conseguir gravar.
— É, eu também tive medo, mas acho que deu certo, né?
— Sim, deu certo sim! O que você acha de sairmos mais tarde? Ir ao
cinema, ou talvez eu pudesse te levar para jantar em um restaurante que
gosto bastante, o que acha?
— Você ainda consegue entrar em um cinema sem ser notado?
— Na verdade, um amigo meu é dono de uma franquia aqui em São
Paulo e, sempre que quero assistir algum filme, ele deixa uma cadeira
reservada para mim próximo da saída de incêndio e é claro que só entro
quando já está tudo escuro, nunca ninguém percebeu nada. Eu abaixei a
cabeça enquanto um sorriso tímido tomava conta do meu rosto.
— Está certo, é bom aprender esses truques com você.
— Sim, em breve, será você em situações como essas... E aí, decidiu
o que prefere? Temos que comemorar esse dia e brindar nossa parceria na
gravação.
— Acho que prefiro conhecer esse restaurante que você disse gostar.
Sou formada em gastronomia e não resisto a uma boa experiência culinária.
— Uau! e então, da próxima vez você poderia cozinhar para a gente,
o que acha?
— Se eu não morasse em um hotel com toda certeza te convidaria.
— Não vejo problema nenhum em você cozinhar lá em casa,
podemos marcar um dia para isso. Mas, hoje te pego por volta das sete,
pode ser?
— Combinado!
Ele se aproximou e me deu um beijo no rosto. Senti um arrepio
percorrer por todo o meu corpo. Ele me afastou e me olhou nos olhos por
alguns segundos, continuei tremendo. Ele sorriu e entrou no carro. Fiquei
ali parada, acompanhando sua partida. Abaixei a cabeça e sorri sozinha,
porém, uma voz me fez voltar à realidade. Era a Lua gritando em meu
ouvido. Dei um pulo com o susto, ela gargalhou.
— Fala, maluca! Estava flertando com o bonitão que eu vi. Certeza
de que combinaram alguma coisa, né?
Ela faz cócegas em minha barriga.
— Lua, você quer me matar do coração? Onde você estava que não
apareceu na gravação?
— Precisei resolver umas coisas, mas aluguei um carro para vir te
buscar.
Ela me mostra as chaves com um sorriso no rosto.
— O Roberto me ligou para avisar que vocês já tinham finalizado.
— Se demorasse mais um pouco eu teria ido embora, ninguém me
avisou que você viria. Abaixei para amarrar o cadarço.
— Acontece que eu já estava aqui faz tempo, só não quis atrapalhar
vocês dois. Ele te chamou para sair?
— Chamou, vai me levar para jantar em um restaurante que ele
gosta.
— Ai que lindo! Não desperdiça essa chance, hein! Ele parece ser
um cara legal.
— É, mas deu uma surtada lá na gravação, chegou com cara feia e
tudo.
— Reza a lenda que homens também têm TPM, vai que o dia dele
era hoje!
— Nem brinca, ainda vamos nos encontrar essa noite, não pode
estar de TPM não.
Liguei para os meus pais assim que cheguei no hotel, fazia tempo
que não falava com eles. Eles me contam que o Sam levou a Bia na casa
deles antes de irem para a praia. A relação dos meus pais com ele sempre
foi boa. Minha mãe também me perguntou se eu conhecia a moça que tinha
ido com eles, eu disse que não. Segundo minha mãe, ela era simpática. Eu
não quis entrar em detalhes, tampouco dizer que a Lua já tinha visto os dois
juntos na rede social. Preferi fazer de conta que não sabia de nada, assim
evitava a fadiga de ter que ouvi-la dizer o quanto eu havia me precipitado
ao terminar o nosso casamento. Para minha mãe, o Samuel era um bom
rapaz e eu deveria ouvir a versão dele. Mas, a verdade é que o ver nos
braços de outra era a cena que mais se repetia em minha cabeça. Mesmo
que tenha sido apenas um beijo, o fato de eles estarem juntos dentro do
carro dele dilacerou toda a minha confiança. O que será que ele fazia
enquanto meus olhos estavam distantes? Por isso não gostava muito de falar
com minha mãe, ela sempre me fazia voltar para essas questões.

Às sete horas, em ponto, ele chegou. Estava com uma camisa polo
vermelha, com detalhes cinza na gola, vestia uma calça jeans em um tom
azul escuro, manchada. Eu havia optado por um vestido de renda forrado,
azul, curto, onde a parte superior delineava bem o meu corpo, mas a saia era
solta. Ele tinha um decote elegante, em formato de V e com pedras da
mesma cor do vestido... Deixei o cabelo solto e usei uma maquiagem mais
clean. Ele estava com um sorriso lindo no rosto, me deu uma olhada
discreta e me beijou na bochecha. Ele tinha um cheiro bom, daqueles que dá
vontade de ficar por ali mesmo. Ele tinha dispensado o motorista e estava
com seu carro pessoal. Não entendo de carros, mas não parecia comportar
mais do que duas pessoas nele.
— Boa noite, Marina! Está pronta para uma aventura?
— Aventura? Achei que você me levaria para jantar!
— E é para onde nós vamos, mas vamos ter que pegar a estrada
rumo ao litoral.
— Litoral? Mas agora? Não é um pouco longe?
— De carro são duas horas, mas, como sou eu que estou dirigindo,
se não tiver tanto movimento, dá para fazer em menos tempo. Mas, fique
tranquila, não vou exceder a velocidade, sou um bom motorista.
Ele deu aquela piscadinha marota com um sorriso de canto que o
deixava especialmente lindo. Abriu a porta do carro para eu entrar.
Agradeci. “Esta noite promete!”, pensei. Como a viagem era longa, tivemos
bastante tempo para conversar. Ele me falou sobre a referência que seus
pais eram para ele, de quando se apaixonou pela música, de sua época de
escola e de seu cachorro Toby, que era a sua melhor companhia. Eu fiquei
ali, ouvindo, enquanto ele contava com entusiasmo sobre sua vida. Dava
para notar o quanto ele era realizado. Mesmo sendo a primeira vez que
ficávamos sozinhos tanto tempo na companhia um do outro, a sensação que
eu tinha é que já nos conhecíamos.
A conversa fluía e eu nem vi a viagem passar, só me dei conta que
havíamos chegado quando li a placa “Guarujá”. Aquela brisa noturna que
entrava pela janela do carro me fez fechar os olhos e relaxar na poltrona,
deixei ela entrar e balançar meus cabelos, com um sorriso de menina no
rosto. Quanto tempo não me sentia assim! Era só eu ali, sem os medos,
preocupações com ensaios, dança, shows ou as dúvidas que sempre me
assombravam. Era eu e o vento, eu e a música de fundo, que por sinal era In
the End e ficou maravilhosa na versão de Mellen Gi e Tommee Profitt, o
que contribuía ainda mais para aquele momento perfeito. Eu queria guardá-
lo num potinho...Como não era possível, aproveitei ao máximo toda aquela
sensação que ele trouxe. O Lucas percebeu meu contentamento e deu um
sorriso satisfeito, parecia que estava feliz em ver minha sensação de prazer.
— Você é incrível! Eu sabia que esse lugar tinha a ver com você,
mas, ver a sua expressão de alegria, me faz ter certeza do quanto somos
parecidos. Não são todas as pessoas que conseguem reconhecer a felicidade
em pequenas coisas como, por exemplo, nessa brisa. Notei sua simplicidade
através de suas músicas, por isso te achei tão especial.
— Você conseguiu ver tudo isso só pelas minhas músicas? Acho que
a Lua tem razão, preciso me ouvir mais...
O restaurante que ele me levou era localizado à beira mar, em um
luxuoso hotel no Guarujá. Tinha uma vista panorâmica do mar. Ele
escolheu uma mesa mais afastada, puxou a cadeira para eu me sentar e
ficou me olhando como se esperasse que eu dissesse algo.
— Então era esse lugar que você tinha em mente... um restaurante
tailandês!
— Sim, gosto daqui, da brisa do mar, dessa vista incrível e da boa
gastronomia que oferecem.
Ele me entregou o cardápio.
— Eu não conseguiria escolher um lugar mais adequado.
— Fico feliz que tenha gostado, mas aqui não é o destino final,
ainda tenho outro lugar para te levar.
— Hum, uma noite cheia de surpresas?
— Não sei se podemos chamar de surpresa, mas é mais um dos
meus lugares preferidos.
— Já estou ansiosa! Você sabe mesmo como impressionar uma
mulher!
Ele gargalhou. Depois me olhou profundamente.
— Só as que valem a pena!
Minhas bochechas coraram, se eu estivesse diante de um espelho
tenho certeza de que veria meus olhos brilharem. Ai, ai!
A noite parecia mágica, o som do mar, a comida perfeita, e a
companhia era a cereja do bolo. Estava acostumada a vê-lo sobre os palcos,
cercado de mulheres, mas, tê-lo ali, só para mim, me trouxe o desejo de
mantê-lo por perto, de repetir momentos como aquele.
Quando terminamos, ele me pegou pela mão e me conduziu para a
segunda parte do passeio. Passamos no carro e ele pegou um violão. Fiquei
surpresa por ele ter trazido. Ele jogou a bag do violão nas costas, pegou
minha mão e, enquanto caminhávamos, ele a acariciava com o dedo, era
uma sensação tão boa...
Entramos num pequeno caminho de pedras que levava às montanhas
de rochas. Ele me pediu para levantar os pés, mesmo sem entender levantei,
então ele começou a tirar minhas sandálias e estendeu as mãos para mim,
enquanto subia a montanha. Fui seguindo os passos dele, às vezes me
desequilibrava e ele me apoiava. A montanha não era alta, mas as pedras
eram escorregadias. Quando chegamos no topo, me lembrei do filme Rei
Leão. A pedra em que estávamos oferecia uma visão incrível de toda a
extensão da praia e, como estava uma noite linda, com o céu límpido, a lua
iluminava o mar e as estrelas pareciam vagalumes. Nos sentamos ali e
ficamos em silêncio, contemplando a paisagem que parecia pintada por
Monet, mas, na verdade, o autor era outro e tudo que Ele faz é perfeito.
Depois de um tempo, ele me explicou como descobriu aquele lugar
e disse que sempre que precisava de inspiração, era ali que ele ia. Acredito
que ele estava interessado em saber sobre a inspiração das minhas letras
porque logo perguntou:
— Marina, suas letras falam muito sobre relacionamentos, tem
alguém em especial em quem você pensa quando as escreve?
— No começo sim, mas agora, quando componho, são canções com
as quais geralmente sonho.
Olhei para o céu, o brilho das estrelas prendeu minha atenção.
— Sonha? Você sonha com músicas?
— Sim, e quando acordo, gravo no celular para não esquecer a
melodia.
— Queria ter sonhos musicais, mas minha inspiração sempre vem
de maneiras inusitadas, às vezes num banho, outras enquanto corro, já veio
até quando estava malhando, vai entender!
— Acho que respiramos música, não é mesmo?
— É o que parece! Mas tem algumas músicas que só a alma ouve e
essas são as melhores, seu corpo todo sente, mas as palavras faltam. Sinto
isso quando estou perto de você.
Ele chegou mais perto. Sinto minhas bochechas esquentarem.
— Você é bom com as palavras, já deve ter conseguido muitas
garotas com essa frase.
— E você é o tipo de garota que não espera um cara abrir a porta do
carro, que fica vermelha com elogios e duvida de todo afeto. Esqueci de
alguma coisa?
— Só não me iludo fácil.
— E nem eu sou o tipo de cara que gosta de iludir.
Ele pegou o violão e começou a cantarolar uma canção do Lulu
Santos — Um certo alguém. Eu fiquei ali admirando aquele show
particular, comecei a me perguntar se a escolha da música havia sido
aleatória ou proposital, de qualquer forma, estava linda na voz dele. Minhas
lembranças me traem ao ouvir a canção e me levam de volta aos meus 12
anos, ao dia em que perdi a hora para ir para a escola e quase perdi a
prova...
Eu estava atrasada, tinha ficado até tarde ajudando os meus pais no
restaurante e acabei dormindo pouco. A Lua tinha me ligado duas vezes,
ela já estava na escola me esperando. Tínhamos combinado de chegarmos
mais cedo nos dias de provas para estudarmos juntas, mas, naquele dia não
ia dar, se eu demorasse mais um pouco nem a prova eu faria. Minha mãe
gritou da cozinha:
— Marina, pegou alguma coisa para comer?
— Sim mãe, vou comer no caminho. Beijo, já estou saindo..
— Beijo, filha, boa prova!
O portão estava fechando quando cheguei, por sorte a inspetora
gostava de mim e me deixou entrar. A Lua já estava sentada e tinha
guardado um lugar para mim perto dela.
— Menina, achei que você não viria!
— Perdi a hora, desliguei o relógio, ainda bem que não perdi essa
prova.
A professora já procurava de onde estava vindo a conversa, quando
um aluno lá da frente perguntou se a prova seria difícil, a Lua, então,
aproveitou para continuar conversando.
— Você nem imagina quem me perguntou sobre você hoje! Ela deu
um sorriso largo.
Quem? Quis saber curiosa.
— O Samuel. Parece que ele largou a namorada há mais de um
mês.
— Senhorita Luana! Você quer que a retire da sala?
— Não professora, já parei.
Droga, a professora não a deixou concluir o assunto.
A prova foi bem difícil, fiquei com medo de ter que passar minhas
férias de recuperação, iria começar o próximo ano com o pé esquerdo e
torcia para isso não acontecer. Mas, não consegui me concentrar, só
pensava naquilo que a Lua me dissera sobre o Samuel ter perguntado por
mim. Ele nunca falava comigo na escola, lá nossa conversa se limitava a
“Oi, Marina, tudo bem?” ou então “Tchau, Marina, a gente se vê por aí!”
Na igreja, era onde nós mais conversávamos, geralmente ele me falava
sobre as crises dele nos relacionamentos ou o quanto gostava de me ver
cantar.
Eu saí para o intervalo e a Lua veio correndo ao meu encontro, ela
terminou a prova antes de mim e queria saber se eu tinha ido bem. Ela
achava bem difícil conseguir tirar boa nota, mas, tinha esperanças.
Enquanto conversávamos sobre a prova, eu procurava pelo Sam em todo
canto. Percorria com os olhos cada canto do pátio, ele poderia estar com
alguma garota, ainda mais agora que, segundo a Lua, ele estava solteiro.
Não o encontrei em lugar nenhum, cheguei a pensar que ele poderia ter ido
para casa mais cedo ou estivesse em reunião com o grêmio estudantil. Eu
queria muito vê-lo, o intervalo acabou e nada de encontrá-lo.
Quando a aula chegou ao fim, eu estava convencida de que ele já
tinha ido embora. A Lua disse que não voltaria para casa comigo, iria com
os pais almoçar na casa dos avós. Nossa cidade era bem tranquila, mas
como toda adolescente mulher, sofria com aquelas cantadas baratas, por
isso eu não gostava de voltar sozinha, até liguei para os meus pais para
pedir para virem me buscar, a escola não ficava muito longe de casa, mas,
a pé levaria uns 10 minutos. Porém, eles estavam ocupados com o
restaurante e não conseguiriam vir. Me conformei e fui andando. Durante
todo o caminho, era no Sam que eu pensava. Sonhava com o dia que ele
deixaria de me ver só como uma menininha. Embora a nossa diferença de
idade fosse pequena, ele não me via como mulher, mas como uma “doce
menina”, era o que ele sempre me falava. Quando me contava sobre seus
relacionamentos, dizia que eu não entenderia, porque tinha um coração
ingênuo. Eu queria que ele me visse como os outros meninos me viam. Esse
é o problema de crescer em uma comunidade como as igrejas. Na verdade,
sempre vi como um privilégio ter amigos mais chegados que irmãos, mas
não sabia que em um futuro próximo, seria esse justamente o problema.
Minha cabeça já estava doendo de tanto pensar. Ao chegar em casa,
fui direto para o restaurante almoçar e ajudar os meus pais, esse horário
era muito corrido. Dei um oi rápido para eles e fui pegar um prato para me
servir, estava com muita fome, pensar deve gastar muita energia. Puxei
uma cadeira e sentei, estava bem calor e cada ventinho que batia em meu
rosto, eu agradecia a Deus. Meus pais sempre deixavam uma música
ambiente tocando e era bem mais fácil levar os pensamentos para os
lugares mais distantes com um fundo musical. Começou a tocar uma
música do A-ha, “Hunting High And Low?” Minha mente foi para um
mundo perfeito, e lá eu queria ficar, mas, algum desavisado simplesmente
puxou a cadeira e sentou na mesma mesa que eu estava. Levantei os olhos
para ver se ele perceberia os raiozinhos que saiam deles, mas, quando vi
aqueles olhos verdes olhando diretamente para os meus e aquelas covinhas
sorrindo para mim, gelei! Minha boca secou e as palavras sumiram. Ele
nunca tinha vindo ao restaurante dos meus pais e, por isso, eu travei. Era
algo muito inesperado. Ele continuou sorrindo, enquanto colocava o prato
na mesa, pelo jeito almoçaria comigo.
— Procurei você o dia todo, sabia?
— Procurou? Eu não sabia que me procurava!
— Mas, eu perguntei de você para a Lua, achei que ela tinha
avisado.
— Não. Quero dizer, falou. Mas não que me procurou, só que
perguntou por mim.
— Eu senti sua falta. Queria voltar com você para almoçarmos
juntos. Precisava falar com você...
Ele me encarou. Na minha cabeça, a urgência em falar comigo era
para contar que terminou seu namoro com a Bruna. Eles terminavam
sempre, nesse meio tempo, ele saía com várias garotas e, depois, voltavam.
A Bruna era o oposto de mim, era loira, alta, olhos azuis.
— E o que você tinha de tão importante para me falar?
— Você deve saber que eu e a Bruna terminamos e eu queria que
você soubesse por mim. Terminamos há mais de um mês e, dessa vez, é
definitivo.
Tentei parecer surpresa ao ouvir. Depois perguntei aparentando
certo desdém.
— E o que te faz ter tanta certeza que, dessa vez, acabou para
valer?
— Por que descobri há algum tempo que gosto de outra pessoa.
Tentei evitar ao máximo esse sentimento, porque eu sabia que ela não era
qualquer garota, ela é para casar, Marina!
Era só o que faltava, eu jamais sairia da “friend zone” e minha
vontade era de mandá-lo ir dormir, não queria saber mais nada da vida
dele.
— Casar? Que loucura, Samuel, você deveria pensar na faculdade
em que quer estudar ou no curso que vai fazer. Você só tem 15 anos! E
quando chegar à faculdade, vai ter tantas garotas por lá que, com toda
certeza, nem vai mais se lembrar dessa tal garota.
— Não vai existir outra garota, Marina. Gosto dessa garota há
anos, mas ela provavelmente ainda brincava de boneca e jamais se
interessaria por mim. Tentei a todo custo tirar ela da cabeça, mas é só eu a
ver que toda garota perde a graça. Decidi que não vou mais fugir, Marina.
Preciso falar com ela antes que eu enlouqueça. E, se por um milagre ela
sentir o mesmo por mim, vou falar com os pais dela.
Ele falava sério. Percebi que estava convencido. Não havia nada
que eu pudesse fazer, ele jamais me veria além de uma amiga. Não
conseguia entender porque ele estava ali me contando essas coisas, ia dar
um basta nesse assunto, não podia continuar com essa amizade, precisava
esquecê-lo!
— E por que ela não sentiria nada por você? Parece que você leva
jeito com as garotas, para mim não seria nenhuma surpresa e, muito
menos, milagre.
— Porque ela me vê apenas como um irmão mais velho, no máximo
um amigo.
— Ok, Samuel. Levantei da cadeira, se você não falar nada, nunca
vai saber, se arrisque. Agora preciso ir.
Ele aumentou o tom de voz.
— Marina!
Eu estava irritada, não queria ouvir mais nada sobre o assunto
— Samuel, não posso ficar aqui de conversa, meus pais precisam
da minha ajuda. Fale com ela.
— Já estou falando, Marina!
Parei no mesmo instante e olhei de volta para ele. O que ele quis
dizer com aquilo? Gaguejei, mas tentei manter o controle:
— Você quer dizer o que com “já estou falando”?
Ele levantou, deu a volta na mesa e colocou a mão sobre o meu
ombro. Ele era muito mais alto do que eu e por isso teve que se curvar para
olhar nos meus olhos.
— Que essa garota é você! Sempre foi você, Marina, a dona do meu
coração... Eu tentei me enganar, dizia para mim mesmo que você era só
uma boa amiga ou que era muito nova para pensar em mim. Mas, eu contei
todos os seus aniversários na esperança de um dia você deixar de me ver
como um amigo e me ver com o seu coração. Esperava que, quando ficasse
mais velha, me enxergasse!
Ele me olhava com ternura. Meus olhos marejaram.
— Eu sempre te vi com o coração, Samuel. Sempre te enxerguei
muito bem!
Ele colocou a mão no meu queixo e levantou meu rosto para olhar
nos meus olhos, os dele, brilhavam tanto quanto os meus.
— Como, Marina? Como eu nunca percebi? Você nunca demonstrou
nada. Eu orei tanto por você, pedi tanto a Deus para te fazer olhar para
mim...
— Eu fazia a mesma coisa, Sam. Mas achava que você só me via
como uma menininha, por isso não queria ser mais uma garota a implorar
por você. Deixei você guardado em meu coração. Achei que só ouviria você
falar de outra pessoa, inclusive agora, já estava morrendo de ciúmes dessa
garota para casar!
Rimos juntos. Ele segurou minhas mãos e encaixou os dedos nos
meus.
— Mas era de você que eu estava falando, Marina. Tentei te evitar o
máximo que pude. Morria de ciúmes de você na escola, principalmente
quando via você conversando com algum menino da sua sala ou quando
ouvia os meus amigos dizerem o quanto te acham bonita. Eu queria ficar
longe de você o máximo que podia, mas tinha um imã que me puxava para
você. Agora me sinto o cara mais sortudo do mundo por saber que você
também sente o mesmo. Para deixar o dia perfeito preciso te perguntar
mais uma coisa. Olhei fixamente em seus olhos.
— Me perguntar o quê?
— Você aceita ser mais que minha amiga?
Parecia um sonho, tinha medo de alguém me chamar e eu acordar.
Só tinha um jeito de ter certeza, e eu sabia exatamente como responder à
pergunta. Fiquei na pontinha do pé e aproximei a minha boca da dele e foi
o primeiro beijo mais doce e intenso, que jamais sonhei em dar na vida. Ele
foi o único garoto que eu beijei, mas nem nos meus melhores sonhos tinha
dado um beijo tão perfeito. Ele me pediu em namoro para os meus pais no
mesmo dia e meus pais ficaram tão surpresos quanto eu, eles sabiam que eu
gostava dele e descobrir que eu era correspondida os alegrou muito.
Eu liguei para a Lua e contei para ela o que tinha acontecido, ela
disse que seria a madrinha mais feliz do mundo em nosso casamento. No
outro dia, na escola, nós chegamos juntos, de mãos dadas, e todo mundo
ficou olhando, sem entender como a garotinha tímida poderia ter fisgado o
cara mais popular da escola. Nem eu entendia como, de um dia para o
outro, minha vida tinha mudado tanto. Mas, mesmo quando achamos que
ninguém nos enxerga, a pessoa certa, aquela que tem que ser, sempre vai
nos ver no meio da multidão. E como era bom ser vista por alguém que eu
desejava tanto. Pelo menos, era exatamente assim que eu me recordava.

A voz do Lucas me tirou do meu devaneio.


— A música tem um poder, né? Quantas vezes você ouviu uma
música que te levou para algum lugarzinho do passado, como se fosse uma
máquina do tempo?
Agorinha, pensei, mas preferi responder:
— Sim, acho que músicas e cheiros têm esse poder.
Dei um meio sorriso. Ele levantou e me estendeu a mão novamente.
— Precisamos voltar. Mas espero que esta seja a primeira vez de
muitas. A viagem de volta nos permitiu conhecermos ainda mais um ao
outro. Dessa vez ele quis me ouvir e saber mais sobre mim.
— E então, Marina, seu coração está livre?
— Livre? Acredito que sim, penso que todo mundo espera
preenchê-lo com a pessoa certa.
Ele me olhou ao responder e sorriu.
— E você já encontrou essa pessoa? A pessoa certa?
Ele desviou os olhos para me esperar responder. Eu olhei para os
meus pés.
— Eu pensava que sim, mas hoje já não tenho certeza.
— É o cara das músicas?
Eu fiquei sem graça, realmente era notório que eu escrevia sobre
alguém.
— Sim, foi por causa dele que comecei a escrever, mas, hoje,
minhas músicas já não são mais sobre ele, são sobre mim.
— Ele foi um namorado? Me perdoa se estou sendo invasivo, se não
quiser responder vou entender.
— Não, tudo bem responder. Na verdade, ele era meu marido, temos
uma filha.
Brinquei com a minha correntinha que tem o pingente de uma
menininha. Ele me olhou curioso.
— Nossa, você já é mãe? E ela, está com o seu ex-marido agora?
— Fui mãe aos 18 anos. Ela fica com o pai para eu trabalhar e
também com a Maria, que nos ajuda em tudo.
— E como é para ele lidar com toda essa situação? Afinal, você não
é mais uma pessoa desconhecida e, depois do lançamento dessa nova
música, certamente o Brasil todo saberá seu nome e as pessoas vão querer
conhecer a sua história e, consequentemente, saberão sobre ele também.
— Ele não aprova, mas nunca criou obstáculos para eu correr atrás
desse sonho. E, se você perguntar para ele uma música minha, com certeza
vai ouvi-lo dizer que desconhece.
— Ele não acompanha o seu trabalho? Nunca ouviu as suas
músicas?
— Não!
— Me desculpe, mas ele não parece o cara certo para você. Eu, no
lugar dele, estaria te aplaudindo. Na verdade, eu já estou!
Ele olhou para mim e sorriu. Meu coração batia de forma calma e
tranquila, com certeza, ele mexia comigo. Eu sabia que não poderia me
apaixonar por ele, estatisticamente, a probabilidade de um cantor
permanecer em um relacionamento longo é bem pequena. Não é todo
mundo que quer passar a vida toda ao lado de uma mesma pessoa e
aguentar todas as dificuldades que vêm junto. Às vezes, trocar de parceiro é
a esperança de muitos para se livrar de um problema, com isso, as pessoas
se tornaram descartáveis. Mas, eu, bom, eu sou aquele tipo que sonha em
envelhecer ao lado de alguém, dividir todos os momentos, ser parceira em
todas as situações...
É claro que nunca acreditei em contos de fadas com príncipes
encantados. Sei que estou lidando com pessoas falhas, cheia de questões
internas mal resolvidas e lares que não serviram como um bom modelo.
Mas, acredito cem por cento no valor que tem uma família e no poder que
ela tem sobre a vida de uma pessoa quando cumpre o seu papel. É lá, na
família, que aprendemos valores, como respeitar, amar, se importar,
perdoar, reconhecer erros, pedir perdão, confiar e ser confiável. Os valores
estão sendo corrompidos, as pessoas não acreditam mais umas nas outras e
por isso é tão difícil achar alguém que queira, de fato, caminhar junto. E eu
sabia que as chances de ter tudo isso com ele eram bem pequenas.
Ele me deixou no hotel e eu desejei, de todo coração, que os contos
de fadas existissem. No outro dia, tinha um buquê lindo de rosas vermelhas
me aguardando, a recepcionista veio toda empolgada me entregar. Por certo,
ela já sabia quem havia mandado. Ao abrir o cartão, tive uma surpresa, não
estava assinado. Concluí que a pessoa, na correria, esqueceu de fazer a
coisa mais importante, assinar o cartão. A mensagem também era
enigmática, não tinha sido escrita à mão, mas impressa. Oras, como eu
poderia agradecer?
Achei melhor ir atrás da recepcionista e pedir detalhes de quem
havia entregado o buquê, mas, ela me disse que tinha sido o rapaz da
floricultura. Ele apenas fez a entrega com a recomendação de que as flores
fossem entregues no meu quarto. Tudo muito estranho, por que o Lucas não
assinou o cartão? Será mesmo que ele esqueceu? De qualquer forma, eu
achei melhor não falar nada. Se fosse ele mesmo que mandou, com certeza
iria perguntar se eu recebi e se gostei.
A Lua me ligou assim que recebeu a minha mensagem falando sobre
o buquê.
— Amiga, acho que a pessoa não quis se revelar, deve ser um
admirador secreto.
— Não sei, não, Lua. Para mim foi o Lucas, mas acho que ele
esqueceu de assinar o cartão, deve ter pedido para alguém comprar e enviar.
A pessoa deve ter digitado e esquecido de assinar o nome dele. Fiquei
girando o cartão em minhas mãos.
— Acho bem difícil alguém esquecer de assinar um cartão, Marina.
Mas, afinal, o que dizia nele? Você ainda não me falou.
Peguei o cartão para ler para ela.
— Diz: “Sei que você não esperava receber flores minhas, mas é só
para dizer que você não sai da minha cabeça e nem quero que saia tão
cedo.”
— O que ele quis dizer com “nem quero que saia tão cedo”?
— Não sei, Lua. Por isso que ele deveria ter assinado.
— Liga para o Lucas para agradecer. Só pode ter sido ele.
Pressionei o cartão entre os dedos.
— E se não for? Já pensou que sem graça que eu vou ficar?
— E quem mais poderia ser, Marina? Só pode ser ele.
— Não sei, vai que é um fã!
— Eu acho bem difícil ser fã, não faz nenhum sentido. Não acredito
que você vai fazer isso com a gente, Marina! Vou morrer de ansiedade até
descobrir quem foi. Não seria mais fácil você ligar para agradecer? Pelo
menos descobre se foi ele.
— Já disse que não, Lua. E se não for? Vai parecer que estou dando
desculpa para falar com ele.
— E qual o problema? Deixa ele pensar o que quiser, não podemos
controlar o que as pessoas pensam.
— Vamos vê-lo hoje à noite, se for ele, vai comentar alguma coisa.
— Parecia bobagem, mas eu não tinha porque ligar, íamos nos ver
na Virada Cultural, na nossa estreia juntos, provavelmente ele havia
esquecido de assinar por causa da correria, mas queria desejar sorte.

O Roberto mandou o motorista me pegar às 19 horas, disse que o


Lucas subiria no palco às 22 e precisaríamos de tempo para escolher o
figurino, arrumar o cabelo e fazer a maquiagem. Eu não tinha mais falado
com o Lucas, por isso ele deve ter me enviado as flores.
A Lua ficou comigo o tempo todo e disse que iria observar todas as
pessoas à nossa volta. Segundo ela, poderia ser um admirador secreto, mas
não achava possível ser um fã, porque eles não sabiam onde eu estava
hospedada. Para mim, isso era apenas um detalhe, fã que é fã, sempre
descobre tudo. A cada cinco minutos ela me mostrava alguém diferente,
para ela, todos eram suspeitos. A Lua sempre exagerava em situações que
para mim eram simples. A verdade é que ela gostava de criar histórias e
essa estava rendendo, tanto que achei melhor entrar na brincadeira porque
sabia que assim que encontrasse o Lucas o assunto seria esclarecido.
— Marina, você já parou para pensar que pode ser o Roberto? Ele é
solteiro e foi ele que descobriu você... Já ouvi tantas histórias de diretores
que se apaixonaram por atrizes, deve ser algo bem comum nesse meio.
Ela colocou a mão na boca para abafar o riso.
— Lua, você está indo longe demais, não viaja!
— Não é viagem não, pensei até no César, mas acho que o Lucas faz
mais o tipo dele, né querida?
— Nossa, Marina! Logo vou ver o Lucas e esse assunto será
encerrado. Não sei por que fui contar para você, sempre esqueço que essa
sua ansiedade supera a razão.
REALIZANDO UM SONHO

O ponteiro marcou 22 horas e já dava para ouvir, lá do camarim, a


gritaria do público ao ser mencionado Lucas de Capri.
A Lua veio correndo avisar que eu entraria no palco em dez minutos,
meu coração parecia que ia sair pela boca.
Dei uma olhada rápida no celular para ver se a Bia tinha me ligado
ou talvez o Lucas tivesse deixado uma mensagem, mas não tinha nada.
Minha boca estava seca, eu mal conseguia beber água. Sabia que era tudo
ou nada, precisava subir naquele palco e dar o meu melhor, mas, meu
coração precisava ajudar, assim como minhas pernas. O Roberto gritou
atrás da porta do camarim:
— Marina, sua vez!
A Lua entrou eufórica.
— Amiga, está lotado! A galera está bastante animada, vai dar tudo
certo Marina! Sobe lá e arrasa!
Ajeitei o vestido e saí em direção ao palco, um corredor de
fotógrafos estava à minha espera, eu sorri para eles e continuei. Usei um
vestido preto, transparente e esvoaçante, com duas fendas que sobem até a
coxa. Por baixo, um short curto na cor do vestido. O vestido é bem
decotado no busto e a parte de cima marca bem o meu colo. Deixei o cabelo
solto, caindo sobre os ombros, meus olhos estavam bem delineados,
destacando a cor castanha deles. Eu não costumava usar batom, apenas brilho
labial, achava meus lábios muito chamativos por serem bem cheios, mas a
maquiadora disse que eles precisavam ter a atenção de todos e passou um
batom vermelho. Eu estava me sentindo tudo, menos eu. O salto que eu
usava era baixo e cheio de brilho. Eu ouvi a voz do Roberto ao subir as
escadas:
— Essa noite é sua, brilhe!
Respirei fundo e pisei no último degrau. A multidão era imensa!
Mesmo com a gritaria, ouvi o Lucas dizer que eu era uma amiga especial,
com um talento incrível e por isso, ele tinha me convidado para dividir uma
canção com ele naquela noite.
Quando coloquei os pés sobre o palco, o medo todo desapareceu e eu
desfilei na frente dele com toda a confiança que tinha em mim. Olhei de
soslaio para ele e o vi, lindo. Ele estava tocando violão e cantando, seus
olhos encontraram os meus e eu sorri. Eram tantos flashes, luzes, nuvens de
fumaça, que mal conseguia enxergar o rosto das pessoas que nos assistiam.
O som de sua voz sumiu, e eu entendi que era a deixa para eu começar a
cantar. Me virei e fui ao seu encontro, passei minha mão em suas costas e
busquei por seu olhar, que estava fixo em mim. Parei na frente dele,
cantando, a poucos centímetros de sua boca, olhei em seus olhos e os dele
estavam presos em mim, sua boca se abriu, senti meu pulso latejar, a única
coisa que nos separava era o violão. Eu me virei e segui na direção do
público, meu coração vibrava no peito. Quando cheguei mais à frente, eu o
vi ali, no meio daquela imensidão de pessoas. Quase tropecei, não
acreditava que ele pudesse estar ali, mas, então, mãos fortes do Lucas me
envolveram, me puxaram contra o seu corpo e ele repousou seu queixo
sobre o meu pescoço, me virou em um só movimento e parou com o nariz
sobre o meu. Eu não conseguia ver mais nada, só sentia o coração dele
pulsar sobre o meu peito.
As luzes acenderam, a música havia acabado, a nossa respiração
estava ofegante, mas, na minha cabeça, estava a imagem do Samuel, no
meio da multidão. Será que eu estava delirando? Ou era alguém parecido
com ele? O Lucas me deu um beijo na bochecha e cochichou no meu
ouvido que queria falar comigo depois do show, eu consenti com a cabeça e
desci o mais rápido que pude. A Lua estava eufórica, gritava, assobiava,
aplaudia, tudo ao mesmo tempo. Para mim, tudo parecia estar em câmera
lenta, meus passos longos não conseguiam alcançar a direção em que o vi.
A Lua corria atrás de mim, tentando entender para onde eu ia e eu nem
pensei em falar com ela, precisava ver se era ele mesmo que estava lá, mas
quando me aproximei do local onde o tinha visto, ele não estava.
Comecei a olhar para todas as direções, mas, não o vi. Não seria
difícil encontrá-lo ali, ele costumava se destacar entre as pessoas, com o seu
1, 91 metros de altura. Eu não podia estar louca, eu o vi lá, mas, não estava
mais. A Lua finalmente me alcançou e ficou com um ponto de interrogação,
sem entender o motivo de eu ter corrido em direção da multidão. Ela me
questionou e eu não consegui dizer nada, acho que toda aquela pressão que
eu sentia, todo o medo, o nervoso, se converteram em lágrimas e eu
desabei. Ela me abraçou e me levou de volta para o camarim. Para ela, eu
estava chorando de alívio, por saber que eu tinha conseguido. Eu não sabia
direito o que me levou ao choro, apenas deixei as lágrimas lavarem a minha
alma e me trazerem alívio.
Cheguei no hotel mais de uma hora da manhã. Eu não consegui
esperar pelo Lucas, ele tinha que cumprir todas as obrigações contratuais, e
eu estava bem cansada. Queria ter voltado mais cedo para o hotel, mas
todos os jornalistas queriam me entrevistar, saber quem era a cantora que
dividiu o palco com o famoso Lucas de Capri. Foram muitas fotos, sorrisos
e autógrafos. O Roberto me disse que a nossa performance tinha sido um
sucesso e que havia recebido vários telefonemas para agendar novos shows
e entrevistas, inclusive na TV. Eu estava feliz por ter vencido aquela etapa,
mesmo com os delírios.

Eu acordei tarde, olhei no espelho e minha cara estava péssima, não


tirei a maquiagem antes de dormir e tinha uma mancha preta do delineador
e do lápis embaixo dos meus olhos. Meu cabelo estava duro por causa do
gel e meu travesseiro tinha tirado um “print” do meu rosto, as camareiras do
hotel, com certeza, teriam um trabalhão para deixar a fronha branquinha de
novo. Tomei um banho bem quente e demorado. A água quente, tem um
efeito tranquilizante sobre mim. Eu desliguei o celular assim que cheguei
no quarto, não queria falar com ninguém, queria só a minha cama. Me
lembrei que o Lucas tinha pedido para esperá-lo, e eu nem avisei que iria
embora. Imaginei que ele queria falar comigo para saber se eu havia
recebido as flores, pois, só podia ter sido ele quem as enviou. Peguei o
celular ainda pingando da água do chuveiro, olhei para o visor e notei dez
chamadas perdidas e 48 mensagens, o que era razoável, depois da
apresentação. Das dez ligações, três eram do Lucas, cinco da Lua e duas do
Roberto. As mensagens se dividiam entre Lua, Roberto, Lucas, um número
desconhecido e uma da Bia, e foi a dela que abri primeiro: “Mamãe, estou
morrendo de saudades de você. O papai me disse que se desse tudo certo eu
iria passar o fim de semana com você, estou muito ansiosa, mamãe. O
papai te contou que fomos para a praia? Foi bem divertido, mas eu senti
tanto a sua falta...Beijos, mamãe. Te amo para sempre!”
Te amo para sempre também minha filha, respondi mentalmente.
Passei os olhos nas outras mensagens e vi a do Lucas perguntando por que eu
tinha ido embora e dizendo que precisava muito falar comigo. Vi também a
mensagem da Lua, perguntando se eu estava bem. Já a do Roberto, era para
passar a minha agenda de compromissos. Porém, naquele momento, eu
queria curtir minha semana de folga e providenciar o mais rápido possível a
mudança para outro hotel.
A recepcionista me chamou e me entregou um envelope que alguém
deixara para mim. Explicou que não sabia quem tinha deixado porque a
pessoa havia pedido a uma das crianças que brincavam na frente do hotel
para entregar o envelope na recepção. Olhei para ele com certa
desconfiança, principalmente porque não tinha remetente e o guardei na
bolsa. Definitivamente, não queria que nada desviasse a minha atenção,
porque a minha prioridade era encontrar outro hotel para que a Bia pudesse
ficar comigo.
Liguei para Lua e pedi para ela ir comigo a um dos hotéis que eu
tinha visto na Internet, ele me pareceu muito bom e ficava no lado oposto de
onde estávamos hospedadas. Ela torceu o nariz e disse que era muito mais
fácil pegar o telefone e ligar para saber se tinha vaga, mas eu preferia ir
pessoalmente, afinal, há coisas que uma ligação não é capaz de resolver. Eu
não podia mais esperar pelo Roberto, era preferível resolver o assunto e
entregar para ele o novo endereço, do que ficar esperando-o encontrar outra
hospedagem para mim.
Pegamos um dos táxis que estavam parados na frente do hotel.
Assim que entramos no carro, o motorista me reconheceu, disse que tinha
assistido à minha apresentação e gostado muito. Confessou que havia ido
para a Virada para assistir outro show, mas que se encantou com a nossa
apresentação e com a música. Perguntou se eu era a namorada do Lucas e eu
expliquei que era apenas um trabalho. Muito comunicativo, ele se sentiu à
vontade para falar da química que nós dois tínhamos juntos e ainda tomou a
liberdade de dizer que, se ainda não namorávamos, com mais duas
apresentações como aquela, com certeza estaríamos juntos. Eu dei risada, a
Lua me cutucou, rindo: “Eu não disse?”.
Confesso que, antes de ter “alucinações” com o Samuel no meio da
multidão, eu estava bem envolvida com o Lucas e consegui sentir bem essa
química que o taxista falou. Mas, eu estava bem confusa, parecia que
quanto mais eu me decidia a me afastar do passado, mais ele vinha ao meu
encontro, ainda que através de alucinações e de sonhos.
O hotel que fomos visitar era maravilhoso, oferecia uma vista
panorâmica da cidade e, na parte interna, o elevador de vidro também
fornecia uma belíssima vista. O prédio tinha uma arquitetura primorosa,
com pé direito bem alto e vários mezaninos sobrepostos, visíveis desde a
entrada e nos quais ficavam os quartos. A Lua, fascinada pelo lugar, deitou
a cabeça para trás, admirando aquilo tudo e falou:
— Isso aqui é lindo, Marina! Quero ficar neste hotel também!
Eu me apresentei à recepcionista, que abriu um largo sorriso e disse
que sabia quem eu era. Fiquei feliz ao saber que ela conhecia o meu
trabalho. Pensei que ela também estivera na Virada Cultural, mas ela disse
que me seguia no YouTube e que acompanhava minha carreira desde as
primeiras músicas que divulguei na plataforma. Aquilo me deu um certo
alívio, e pensei que, se ela não conseguisse uma vaga naquele hotel para
mim, ninguém mais conseguiria. Expliquei minha situação e ela ficou bem
animada em poder ajudar, mas adiantou que o hotel não tinha mais vagas,
porém, iria tentar dar um jeito, só que seria pouco provável conseguir dois
quartos e que eu e a Lua poderíamos ter de dividir o mesmo espaço. Eu
achei ótimo, quem tinha nos separado era o Roberto, ele dizia que o artista
precisa de privacidade, mas dessa vez seríamos eu e a Lua num quarto só,
pela nossa segurança.
A atendente demorou um pouco para nos dar a resposta e quando
voltou explicou que havia um quarto que costumava ficar fechado para
ocasiões especiais, mas abririam uma exceção para nós, porém, só seria
possível entrar na sexta-feira à noite. A Bia chegaria no sábado de manhã e,
por isso, não vi nenhum problema. Eu estava tão animada para contar para
ela que liguei do hotel mesmo e, para minha surpresa, quem atendeu o
telefone da Maria foi o Samuel.
— Oi Marina, a Maria está ajudando a Bia a se trocar e por isso não
pôde atender.
— Ok, Samuel. Ligo depois então, mas só para você saber, consegui
outro hotel para ficar, me mudo para ele na sexta-feira, então você pode
mandá-las para cá na data combinada.
— Hum, hum!
Essa foi a resposta dele. Pelo seu tom, parecia que não estava nada
feliz. Não demonstrou nenhum interesse em tentar manter um diálogo,
então preferi desligar e ele nem me respondeu quando eu disse tchau.
A Lua observava a nossa conversa e folheava uma revista, ao ver
minha reação por ele ter desligado sem dizer tchau, ela revirou os olhos.
— Ele parece aqueles meninos mimados que quando acha outro
amigo despreza os antigos. Tudo bem que a relação de vocês não precisa ser
de amigos confidentes, mas, pelo menos educação ele tinha que ter.
— Eu não entendo o Samuel, Lua. Outro dia ele conversou comigo e
até relembrou o passado e hoje se limitou a um “Hum, hum” como pode?
— Sabe de uma coisa, não é dele que quero saber, mas do Lucas.
Você já falou com ele hoje? Perguntou sobre as flores?
— Não falei ainda e ontem nem lembrei de perguntar.
Peguei a revista do colo dela para ver.
— Falando nisso, Marina, o que foi aquilo no palco ontem? Achei
que ele ia te dar um beijão quando encostou o nariz no seu. Eu estava em
êxtase. Parecia uma louca, só na torcida.
Ainda estávamos sentadas na recepção do hotel quando alguém,
provavelmente um dos hóspedes entrou. Cutuquei a Lua para que ela
também visse. Ela arregalou os olhos e deu um pulo no banco.
— Não pode ser! O que ele está fazendo aqui?
Ficamos olhando, incrédulas, enquanto ele entrava no elevador. Ele
parecia não ter visto a gente ali. As portas do elevador se fecharam e ele se
aproximou da parede de vidro, só então os seus olhos encontraram os
nossos. Ele inclinou a cabeça para baixo e ficou olhando em nossa direção
até nos perder de vista, com expressão tão assustada quanto a nossa.
Olhei para a Lua e ela não falou nada. Quando abaixou a cabeça e
me olhou, parecia que os seus olhos iam saltar para fora.
— Marina, é um karma, não é? Acho que ele pisa nos pés das
pessoas para marcá-las e depois persegui-las!
— Amiga, pela lógica, somos nós que o estamos perseguindo,
afinal, ele estava neste hotel primeiro e, no aeroporto, ele não tinha me visto
falar com o taxista.
Ela ficou séria, não gostou da brincadeira e muito menos do
reencontro. O pior é que ela era tão desencanada nos relacionamentos.
Quando tinha interesse em alguém, ela chegava na pessoa e falava, nunca a
vi intimidada por homem nenhum. Mas, dessa vez, eu não consegui
entender o porquê dessa birra toda com o pobre rapaz. Foi sem querer, pode
acontecer com qualquer um. A não ser que ela estivesse com vergonha do
modo grosseiro que falou com ele ou por ter percebido que ele é um gato.
Ela quis perguntar para a recepcionista quem era o homem que tinha
acabado de entrar no elevador, mas eu achei melhor não, iríamos para
aquele hotel só na sexta-feira e era provável que ele nem estivesse mais lá.
Nós passamos boa parte do caminho de volta em silêncio, eu percebi
que alguma coisa naquele rapaz mexia com ela, mas não quis perguntar
nada. Sabia o quanto era ruim ter que responder perguntas sem respostas, e
nem ela devia saber por que reagiu daquele jeito e, muito menos, por que
estava tão incomodada.
Lembrei do envelope que recebi da recepcionista e resolvi abrir, era
uma pequena mensagem: “Sei que você não sabe quem sou, mas prefiro
assim por enquanto. Ass: Seu admirador secreto”. A Lua percebeu que eu
lia algo e ficou me observando, entreguei o cartão na esperança dela
desvendar aquele mistério, mas, sem sucesso, ela estava tão perdida quanto
eu, ainda mais agora que ele assinou como “admirador secreto”. Ficamos
pensando nas opções que tínhamos, só que nenhuma delas fazia sentido. Eu,
sinceramente, não estava achando nada engraçada aquela situação, ela,
porém, estava amando.
— Certeza que as flores também são do seu admirador secreto. Ai,
que emoção todo esse segredo! Amo bancar a detetive!
O bom é que isso a fez esquecer do rapaz do aeroporto, já estava
fazendo planos de como poderíamos solucionar o enigma, um deles era o de
ficar escondida na entrada do hotel para ver que tipo de carro ou quem era a
pessoa que fazia a entrega dos cartões. Mas, o que me deixou aliviada
mesmo foi saber que nos mudaríamos para outro hotel, não gostava dessa
história de admirador secreto.

A Lua me convidou para uma noite do pijama no quarto dela para se


despedir do hotel e fazer um teste, pois, logo estaríamos dividindo o mesmo
quarto. Ela entrou no chuveiro, eu já havia tomado banho e estava de
pijama, não tinha intenção de sair para nenhum outro lugar. Liguei a TV e
fiquei vendo um filme que estava passando, com tema apocalíptico, algo que
sempre me interessou. Desliguei o toque do celular para não ser
interrompida e poder me concentrar na história. Notei que o visor estava
aceso, devia ser alguma notificação, mas, a história estava interessante e
deixei para ver depois. Sabia que não era a Bia, pois, como era três da tarde
de uma segunda-feira, ela estaria na aula de Inglês. Poderia ser o Roberto
ou o César, mas, eu não queria falar de trabalho na minha folga. A Lua saiu
do banho, pegou umas porcarias que ela tinha guardado no armário, abriu
um pacote de salgadinho e dois refrigerantes e sentou ao meu lado na cama.
— O que é isso aí que você está assistindo?
— Um filme de sobrevivência, pós-apocalipse. Esse moço está
tentando encontrar a esposa que sumiu quando um meteoro atingiu a terra,
ele e mais outras pessoas conseguiram se esconder em uma caverna, mas a
Terra foi destruída.
Enfiei a mão no saquinho de salgadinho.
— Nossa, Marina! Que filme horrível! Coloca em outro canal, não
quero assistir isso!
— Eu já estava assistindo, Lua. Me deixa saber o final da história.
Quero ver se ele vai achar a esposa.
— Um meteoro cai na terra e ele sobrevive porque entrou numa
caverna? Não faz nenhum sentido! E essa moça aí? Quem é ela?
Ela aponta para TV, falando com ironia.
— Essa é uma das sobreviventes e tem sido o braço direito do
personagem principal, está ajudando-o a procurar à esposa.
Bebi um gole do refrigerante.
— Claro, ela é super gente boa... deve estar muito interessada em
encontrar a esposa do único sobrevivente bonito!
Eu dei risada, ela tinha razão, podia não fazer sentido, mas eu
gostava desse tipo de filme. Alguém bateu na porta. Olhei para a Lua
tentando entender se ela convidou mais alguém. Ela faz cara de que também
está surpresa. Quem poderia ser a essa hora? Todo cidadão comum estaria
trabalhando naquele horário e estávamos num hotel, afinal, por que
deixariam alguém entrar sem ser autorizado? A Lua perguntou bem alto:
— Quem é?
— Oi, Luana, é o Lucas!
— Nós duas saltamos da cama, eu estava de pijama e jamais
imaginaria receber alguém, ainda mais o Lucas. Ela entrou no banheiro na
minha frente e fechou a porta, falou que a visita era para mim e não iria
recebê-lo.
— Lua, eu não posso abrir, amiga! Olha como estou vestida!
— Seu pijama é super decente, Marina. Atende aí.
Gritou novamente:
— A Marina está aqui, Lucas, ela vai abrir pra você.
Eu queria socar aquela amiga da onça. Abri a porta totalmente sem
graça e fui logo me desculpando por recebê-lo daquele jeito.
— Marina, estou tentando falar com você desde ontem! Você não
atendeu minhas ligações e nem respondeu minhas mensagens, liguei para o
seu agente e pedi o telefone da Lua, disse que precisava falar com você,
mas que não estava conseguindo. Eu falei com a Lua e ela me disse que
você estava aqui e autorizou a minha entrada.
Ele analisou minha roupa.
— Desculpa, Lucas! Eu estava muito cansada e não consegui
esperar por você. Não respondi as mensagens e nem retornei as ligações
porque tinha algumas coisas para resolver e deixei para falar com você
depois, não sabia que era urgente. Olhei para trás querendo fuzilar a Lua,
que não me falou, em nenhum momento, que tinha autorizado a entrada
dele no prédio, mas ela tinha sumido banheiro adentro.
Ele sorriu.
— Não era urgente, mas eu queria conversar com você, te
parabenizar pela apresentação, você foi perfeita!
Fiquei sem graça.
— Obrigada, Lucas. Eu estava bastante nervosa, mas, depois que
subi no palco, me acalmei. Entra!
Dei espaço para ele passar. Ele sentou no sofá e ficou me olhando de
cima a baixo, provavelmente continuava “avaliando” o meu pijama, que era
de algodão, a blusa, modelo regata, azul, com uma corujinha estampada no
centro. As penas dela tinham as pintas de uma oncinha e o short era curto e
justo, de oncinha também, combinando com as penas da coruja. Eu ganhei
esse pijama da Bia e do Samuel no Dia das Mães, e ela tinha um igualzinho
ao meu, usávamos juntas, como um par de vasos. O único problema do
pijama é que ele deixava as minhas pernas à mostra, elas eram grossas e
chamavam muito a atenção. Precisava me trocar urgentemente.
— Você se importa de ficar sozinho um minutinho para eu me
trocar?
Ele ainda olhava para o meu pijama quando perguntei e voltou os
olhos para os meus, corando, depois que percebeu que eu esperava a sua
resposta.
— Desculpa, Marina, é que você fica perfeita até com um pijama de
menininha.
A Lua saiu do banheiro para me tirar daquela situação embaraçosa.
Peguei um vestido preto que tinha trazido para usar quando fosse voltar para
o hotel. Ele era simples, de alcinha, na altura do joelho, perfeito para usar
com sapatênis. Entrei no banheiro e me troquei bem rápido. De lá eu ouvi o
Lucas agradecer a Lua pela ajuda em deixá-lo entrar para falar comigo.
Ele me chamou para dar uma volta pelo bairro. Como o dia estava
bonito e o tempo estava fresco, achei uma ótima ideia. O bairro era plano,
não tinha morro, então, nem percebi o quanto andamos. Ele me mostrou os
hotéis nos quais já tinha se hospedado, falou dos que mais tinha gostado e
disse que leu sobre a quadrilha que estava invadindo aquela região. Disse
que conversou com os investigadores que estavam cuidando do caso e eles
suspeitavam que os bandidos estavam procurando alguma coisa específica,
que, provavelmente, um dos hotéis guardava algo valioso, que até aquele
momento eles não tinham conseguido localizar, mas que aproveitavam as
oportunidades para assaltar os hóspedes. Ainda não havia acontecido nada
mais grave, mas, como eles entravam armados, era bom ter cuidado.
Contei para ele que já tinha reservado outro local para ficar e que
me mudaria na sexta-feira, junto com a Lua. Ele sorriu aliviado, disse que
estava preocupado comigo, por isso ligou para os investigadores do caso. A
rua estava deserta, como ali só tinha hotéis, não era comum ver pessoas
caminhando. Até que, ele interrompeu a nossa caminhada e, finalmente,
começou a falar sobre o que tanto desejava.
— Então Marina, sei que o propósito daquele show era para
gravarmos o clipe, mas pensei que poderíamos continuar dividindo os palcos
por mais um tempo. Conversei com meu agente e ele gostou bastante da
ideia, ele achou que o público reagiu de forma positiva e seria bom para nós
dois. Falei diretamente com o Roberto ontem à noite e ele concordou, eu
pedi para você esperar, porque queria ouvir a sua opinião. Ele me mostrou a
sua agenda e tem alguns dias que você estará livre e nesses dias eu tenho
shows, na verdade seriam cinco ao todo e seria muito interessante poder
fazê-los com você. O que acha? Sei que você tem sua filha e aproveita esses
intervalos para ficar com ela, mas, não precisa ser os cinco shows, você
pode escolher a quais gostaria de ir.
— Eu pensei na quantidade de portas que iam se abrir para mim a
partir daqueles shows, conseguiria me estabilizar na música e tornar meu
trabalho ainda mais conhecido. Mas, ao mesmo tempo, diminuiriam os
meus dias com a Bia.
— E onde seriam esses shows?
— No interior de São Paulo, no Rio de Janeiro, em Santa Catarina,
na Bahia e aqui na capital. Em Santa Catarina, daria para você levar a sua
filha, lá tem aquele parque famoso e ele fica bem próximo do local do
evento. O melhor de tudo é que será um feriado nacional e cairá numa
quinta-feira, as escolas, geralmente, emendam feriados e ela poderia passá-
lo com você e ainda se divertir no parque, porque o show é só no domingo.
Realmente pareceu uma boa ideia, mas eu precisava falar com o Samuel
antes. O combinado era ela passar os feriados comigo, mas precisaria do
consentimento dele.
— Ok Lucas! Eu acho que seria muito bom para a minha carreira
continuar esse trabalho com você, mas não quero participar de todos os
shows não, escolherei os mais próximos da minha filha. Minha agenda já
irá me afastar dela, então, o interessante seria que nesses dias com você, eu
pudesse ter a chance de vê-la, nem que fosse por algumas horas. Apesar de
longe, eu faria esse de Santa Catarina, seria divertido para ela conhecer
aquele parque. Mas, se o Samuel, por alguma razão, não a deixar ir, faremos
juntos o do Rio de Janeiro, pois não fica tão longe de São Paulo.
Voltamos a caminhar.
— Sem problemas, eu esperava ouvir isso mesmo. Gostaria também
que você preparasse uma música sua, além da que vamos cantar juntos,
quero que meu público tenha oportunidade de conhecer mais o seu trabalho.
— Seria incrível!
Começava a escurecer quando voltamos para o hotel, a Lua tinha
pedido uma pizza. Ele jantou com a gente, rimos bastante das histórias dele
com os fãs. Parecíamos velhos amigos que resolveram se encontrar para
colocar o papo em dia. Ver o Lucas assim, gente como a gente, era muito
bom.
Depois que ele saiu, falei para a Lua que recebi uma mensagem de
um número desconhecido e que tinha até esquecido de ler. Ela tinha certeza
de que seria uma nova pista do tal admirador secreto. Peguei o celular, que
estava na cabeceira da cama dela e abri a mensagem. A Lua pegou o
celular da minha mão e disse que era ela quem iria ler, queria ser a primeira
a investigar o caso. Pigarreou e leu em voz alta:
— “Recebeu meu cartão? Espero que sim. Se quiser salvar esse
número no seu celular é melhor, pretendo te enviar mensagens por ele até
poder me revelar a você. Ass: Seu admirador secreto”. Sujeito estranho,
Marina. Ele não quer mesmo deixar pistas.
Ela me devolveu o celular.
— É, parece que não. Já estou me cansando dessas mensagens,
sabia? Por que ele não fala logo quem é, né?
— Porque deve ter medo de levar um fora. É isso, Marina! Eu já sei
quem é o seu admirador secreto!
— Quem? Eu não consigo pensar em ninguém, talvez o Lucas, mas
nem ele faz sentido, parece que ele é do tipo que chega e fala sem rodeios.
— E se a gente ligar nesse número? Poderíamos reconhecer pela
voz! Ela aponta para o meu celular.
— E você acha que ele atenderia?
— Desse número não, mas posso tentar pelo hotel, o que acha?
Ela sorriu, mostrando todos os dentes. Joguei o telefone para ela.
— Liga, liga!
— Tocou até cair a ligação e ninguém atendeu, depois ela tentou com
o celular dela, ninguém atendeu, e por último, pelo meu celular e nada de
novo.
— Já está tarde, quem sabe ele retorna a ligação amanhã?
Ela tentou parecer confiante, mas, eu sabia que ele não retornaria, só
ia se revelar quando quisesse.
— Eu achei que você tinha descoberto quem era ele. Você disse que
sabia, mas, até agora, não me contou de quem está suspeitando.
— É o Samuel, Marina, tenho quase certeza!
— Capaz! Não é mesmo! Tenho certeza absoluta. O Samuel desistiu
de nós, ele cansou de tentar me convencer que não me traiu. A última vez
que falamos sobre esse assunto, ele disse que não iria mais lutar por nós
porque a base do relacionamento é a confiança e que eu o magoei demais
duvidando da sua palavra. Pensa! Eu magoei o santinho! Foi o cúmulo ter
de ouvir isso! Foi ele que me traiu, ele que destruiu tudo o que tínhamos
juntos. Por isso sei que não é ele. Ele já está até com outra, logo casa com
essa aí, para levá-la junto com eles para praia é porque está pensando nisso.
— É, pode ser... Então, só pode ser o Lucas, Marina.
Eu não tenho certeza disso, mas, as mensagens começaram depois
que saí com ele, então, poderia ser ele sim. Precisava descobrir isso para
terminar logo com esse mistério.
ENTRE PULOS E BRINCADEIRAS

A sexta-feira finalmente chegou e estávamos organizando tudo em


nosso novo quarto de hotel. Eu ficaria ali só por mais uma semana, até
finalizar a agenda de entrevistas e shows. Depois, seguiria para cumprir os
eventos em outras cidades. O Lucas não estava mais na capital, a agenda de
eventos dele em São Paulo havia terminado e só voltaríamos a nos ver no
próximo mês. Ele me enviava mensagens, mas, nada íntimo, apenas
assuntos referentes aos shows.
Eu ainda recebia mensagens do tal admirador secreto, todos os dias.
Estava assistindo TV enquanto guardava as roupas no armário. Esse
quarto era maior, na verdade, eram quartos conjugados, separados por uma
porta, cada um com seu banheiro, o que facilitaria muito a minha vida e a
da Lua, já que todo mundo sabe que mulheres levam horas no chuveiro,
especialmente quando vão lavar os cabelos.
A Bia chegaria com a Maria na manhã seguinte, bem cedo. Ainda
não sabia se elas viriam de carro ou de ônibus. Normalmente, quando a
cidade era próxima, elas vinham de táxi. Eu estava bastante animada. Já
tinha feito um roteiro para nós, o qual incluía museus, Zoológico, Aquário e
a Kidzania, mais conhecida como a cidade das crianças.
Eu não estava prestando muita atenção na TV, mas notei a chamada
de notícias importantes, que interrompeu a programação para falar sobre a
invasão no antigo hotel em que eu estava hospedada. Aumentei o volume
para ouvir o que era dito. Segundo o repórter, não houve feridos, mas, a
quadrilha demorou mais do que das outras vezes para sair, tendo
conseguido fugir antes da polícia chegar.
A suspeita, disse o repórter, era de que eles procuram algo de valor, a
polícia não soube dizer se eles procuram por algo específico ou não, mas
alertaram todos os hotéis dessa região a reforçarem a segurança. Eu sentei
na cama, em choque, foi por pouco que essa situação não chegou até mim.
A Lua tinha saído para comprar alguns objetos pessoais e eu preferi
ficar para terminar de arrumar as minhas coisas. Meu telefone começou a
tocar e olhei no visor para ver quem estava me ligando, era o Samuel, em
chamada de vídeo. Sua expressão era séria.
— Oi, Samuel!
— Marina, onde você está?
— Estou no hotel...
Ele interrompeu antes que eu tivesse a chance de completar a frase.
— Qual hotel, Marina?
— No novo, Samuel. Estou organizando as coisas por aqui e vi a
reportagem.
Virei o celular para ele enxergar a bagunça.
— Graças a Deus! Disseram que não houve feridos, mas nunca se
sabe a veracidade dessas notícias.
Ele sentou, estava no gabinete.
— Eu estou bem, Samuel. Foi por pouco.
— A Luana está aí com você?
— Não, estou sozinha.
Forcei um sorriso. Ele pareceu um pouco mais calmo.
— Não é muito bom ficar sozinha por aí. Quando você volta,
Marina?
— Só mais uma semana aqui.
— Você volta para nossa cidade?
— Sim, vou ter uma pausa na próxima semana, inclusive queria
mesmo falar com você. O Lucas me convidou para participar de outro
evento com ele, em Santa Catarina, e lá, eu gostaria de levar a Bia, pois,
aquele parque famoso fica perto do local do show, vai ser feriado nacional e
cairá numa quinta-feira, o show é só no domingo seria bem divertido tê-la
comigo, sem contar que tem uma praia próxima, acho que ela vai gostar.
Ele examinou os meus olhos:
— Olha, Marina, eu também queria te propor algo. A Bia, desde que
fomos à praia, tem pedido para fazermos uma viagem em família, ela quer
que você esteja junto. Eu não sei o que você acha disso, mas considero
importante proporcionar isso a ela.
Fiquei surpresa.
— Sim, concordo com você, podemos fazer isso. E você acha que
poderia ser em Santa Catarina?
— Sim, acredito que sim. Depois me manda por mensagem o dia
certinho, vou deixar agendado para não esquecer.
— Perfeito, Samuel. A Bia já fez a mala para vir amanhã?
— Sim, ela está bastante ansiosa. Elas irão de carro, vão chegar aí
bem cedo.
— Ok!
Notei que ele está me encarando.
— Até logo, Marina! Se cuida e, fique atenta, ainda não sabemos
nada daquela quadrilha, vocês mudaram de hotel, mas é sempre bom ficar
alerta.
— Ok. Até mais!
Fiquei por alguns minutos ali, sentada, pensando naquele homem,
me perguntando se algum dia ele deixaria de mexer tanto comigo. Depois,
resolvi descer para tomar um café no restaurante do hotel e enviei uma
mensagem para Lua me encontrar lá.
O hotel estava praticamente vazio, poucas pessoas nas mesas.
Escolhi uma que ficava num deck e dava visão para a piscina. Tinha
algumas pessoas nadando, principalmente crianças. Peguei um café com
leite, umas torradas e levei um livro para ler, enquanto esperava pela Lua. O
dia estava bem quente, cogitei pegar uma roupa de banho e fazer companhia
para as crianças, mas a Lua acabara de chegar e estava se servindo, ela tinha
me visto e deu sinal para eu esperar por ela.
— Oi Marina, que bom encontrar você por aqui ainda. Pensei que já
estivesse no quarto.
Ela colocou a xícara na mesa e sentou ao meu lado.
— Eu peguei um livro, preferi ficar por aqui lendo e ouvindo o som
das crianças na piscina.
Ela tapou os ouvidos.
— Você quer dizer os gritos, né? Parece que elas não fazem outra
coisa além de gritar e correr...
— Elas são intensas, ainda não aprenderam a controlar as emoções,
vivem sem reservas. Por que será que perdemos essa habilidade? Queremos
controlar tudo, já percebeu?
Ela observou as crianças brincando e voltou os olhos para mim.
Bebi mais um gole do meu leite.
— Nossa, como estamos filosóficas! Ou seria reflexivas?
Rimos juntas, acho que a notícia sobre o hotel me deixou pensativa.
Nossa vida é tão incontrolável, somos frágeis e totalmente limitados.
— Lua, mudando de assunto, você soube sobre o hotel que eu estava
hospedada?
Coloquei o livro sobre a mesa. Ela se ajeitou na cadeira.
— Não, o que aconteceu?
— Aquela quadrilha agiu de novo e dessa vez, foi nele.
— Nossa, Marina! Você poderia estar lá! Alguém se machucou?
— Disseram que não, mas o Samuel nunca acredita nos noticiários,
para ele as informações que nos passam são manipuladas. Mas, não sei, não
soube de ninguém ferido da outra vez, acho que ficaram todos bem desta
vez também.
Ela franziu a testa.
— O Samuel te ligou?
— Sim, ele viu a reportagem, me ligou em seguida para saber onde
eu estava e perguntou por você. Eu aproveitei a oportunidade para falar
sobre Santa Catarina e ele também vai.
Falei tentando disfarçar minha alegria. Ela pareceu ter ficado muito
irritada.
— O quê? Como assim ele também vai?
— Ele disse que, desde a última viagem que ele fez com a Bia, ela
tem pedido para viajarmos juntos, em família. Perguntou se podíamos fazer
isso por ela.
— Marina, você acha mesmo que vai só ele? Com certeza ele vai
levar a namorada junto e eu sei bem que isso vai arrasar com você. Fora o
Lucas, acho que ele ia querer participar desse passeio.
— Claro que não, Lua! Ele nem mencionou isso, não vai com ela, e
o Lucas só me envia mensagens sobre o trabalho, nada além disso.
O celular vibrou e olhei para ver a mensagem, número
desconhecido. “Boa tarde, Marina! Não fuja de mim, quero te encontrar,
tenho saudades. Ass: Ainda pensando em você!”
O que ele queria dizer com aquela frase? Será que o Lucas achava
que eu estava fugindo dele? Mas, eu havia respondido todas as mensagens...
Ou será que ele estava vindo para São Paulo de novo?
A Lua percebeu minha tensão.
— O que foi Marina? Quem era na mensagem?
— O número desconhecido. Disse para não fugir dele e que queria
me ver.
Mostrei a mensagem para ela.
— Uau!! Ele está te dando pistas. Se alguém marcar de te ver este
final de semana, é o tal admirador!
— Que pistas, nada, a mensagem não diz nada para eu acreditar
nisso.
Coloquei o celular na mesa com mais força do que o normal.
— Esse é o problema de não saber fazer a leitura certa. Ele disse,
“não fuja de mim, quero te encontrar e saudades”, certo?
Confirmei com a cabeça.
— Então, ele quis dizer que vai vir te ver este final de semana e
disse para não fugir porque você deve esperar por ele.
Revirei os olhos, ela viajava demais, a cada dia eu tinha mais
certeza de que o tico e o teco dela funcionavam de maneira diferente dos
meus. Ela continuava explicando a sua teoria da conspiração, quando vi
aquele rostinho lindo pegando um suco próximo da nossa mesa. Olhei para
a Lua para ver se ela também tinha visto, mas ela ainda estava explicando a
teoria. Ele não nos viu e estava se afastando da nossa mesa, não daria para
nos ver na direção que ele seguia, mas deve ter se lembrado de pegar
alguma coisa, porque deu meia volta. Olhei de novo para a Lua, ela
percebeu que eu estava tentando dizer algo com os olhos e virou o rosto na
direção que eu olhava. O queixo dela caiu, ela não disse nada, só ficou
observando todos os movimentos dele. Resolvi provocá-la.
— Ele é bonito, né?
—Vamos subir antes que ele nos veja.
Ela levantou e me puxou, estávamos quase alcançando a porta
quando alguém com voz grossa nos deteve.
— Acho que não vou conseguir cumprir minha promessa de não
cruzar mais o seu caminho.
O rosto da Lua perdeu a cor, nunca a vi reagir assim. Ela
permaneceu de costas, apenas ouvindo o que ele dizia. Eu me virei e sorri
para ele, alguém tinha que parecer normal.
— Que coincidência! Nos encontramos de novo...
Ele é muito bonito, alto, com a pele queimada de sol e peito largo. A
Lua voltou os olhos para ele e forçou um sorriso. Ele fez uma pergunta para
ela, demonstrando que ainda lembrava o seu nome.
— Será que agora vou poder me redimir com você, Luana?
— Pelo jeito aprendeu a olhar onde pisa, já que estou sentindo todos
meus dedos livres...
Eu levei a mão na boca para disfarçar o riso. Tentei sair dali de
fininho e deixar aqueles dois se resolverem, mas ela percebeu o meu plano
e me segurou pelo braço.
— Pois é, eu estive pensando sobre isso e cheguei à conclusão de
que o seu pé não queria mais ser livre, por isso correu para baixo do meu!
— Engano seu, ele não aceita ser pisado por ninguém. Agora me dê
licença que tenho medo de que você pise nele de novo.
Ela deu as costas para ele.
— Na verdade, a próxima vez que pegá-los não será com o pé.
Agora, se puder matar minha curiosidade, vocês estão neste hotel há quanto
tempo? É a segunda vez que vejo vocês aqui, mas da outra vez não tive a
chance de falar com vocês.
— Nos mudamos para este hotel hoje. Nós também vimos você, mas
ainda não estávamos hospedadas aqui e nem sabíamos o seu nome para te
chamar quando passou por nós.
Ele estendeu a mão para mim e eu a apertei.
— Desculpa, eu sou o Pedro e podem me chamar da próxima vez
que me virem.
— Pode deixar Pedro, eu sou a Marina.
A Lua ergueu uma das sobrancelhas, questionando a minha resposta,
mas eu tinha esperança de que um dia ela me agradeceria. Ele estendeu a
mão para apertar a dela, mas ela apertou desanimada.

A Bia chegou no horário combinado e, para minha surpresa, foi o


Samuel quem as trouxe. Ele desceu do carro e veio ao meu encontro. Me
olhou dos pés à cabeça, provavelmente analisando meu novo visual. A Bia
correu para os meus braços.
— Mamãe! Como você está linda! Não acha papai?
— Sim, muito!
Sua expressão era suave.
— Obrigada!
— Olá, dona Marina, adorei o visual novo.
Os olhos do Samuel ainda me analisavam, quando perguntei se ele
queria entrar, mas ele disse que tinha um compromisso em São Paulo, com
um deputado que estava dando apoio a algumas melhorias na cidade, teriam
uma reunião. Perguntei se ele ficaria o final de semana, mas, ele negou,
disse voltaria para casa. A Bia se despediu do pai, enquanto estava
pendurada em meu pescoço. Com aquele tamanho todo, minha coluna
envergava, mas, a sensação de tê-la comigo inibia toda a dor que o peso
dela me fazia sentir. Ele chegou mais perto de nós e deu um beijo na Bia.
Antes de virar para ir embora, ele olhou para mim e repousou a mão em
meu braço.
— Você é linda, Marina. Sempre foi, com essa mudança toda ou
simplesmente sendo você. Se cuida!
Eu não consegui reagir, a Bia estava em silêncio no meu colo, a
Maria olhava para mim e para ele. Os olhos dele ainda estavam nos meus,
até que virou e saiu.

A Maria me ajudou a desfazer as malas e depois descemos para


tomar o café da manhã. Eu estava bem animada para começarmos o
passeio. A Bia foi com a Lua até o buffet do restaurante para se servirem,
eu fiquei esperando, junto com a Maria. Conseguimos um lugar próximo da
piscina. Aqueles eram os lugares mais cobiçados pelos hóspedes, por isso,
preferimos esperar por elas, para não perdermos o lugar. Na minha opinião,
era o local mais gostoso para fazer as refeições.
— Dona Marina, eu assisti seu show com o bonitão do Lucas, o que
foi aquilo, dona Marina?
— Você gostou, Maria? O que a gente não faz pelo trabalho não é
mesmo?
Eu ri sem graça, sabia que ela não estava acostumada a me ver
cantando tão próxima de outra pessoa.
— Ah, dona Marina! Quem me dera ter um trabalho desses! Nossa,
deu até um frio aqui na espinha.
Ela se abanou com as mãos.
— Acredito que não tenho mesmo do que reclamar...
Abaixei a cabeça envergonhada, mas me lembrei que talvez ela
pudesse me ajudar a esclarecer uma dúvida.
— Maria, você sabe se, naquele dia, o Samuel teve algum
compromisso?
— Olha, dona Marina, esse foi o dia que voltamos da praia, ele nos
deixou em casa e saiu com a dona Van... |Desculpa, Marina, sei que você
não gosta que a gente fale da vida pessoal dele. Ele chegou no outro dia,
mas não notei o horário.
Impossível a tal namorada concordar em ir ao show da ex-esposa, só
podia ser alucinação das bravas.
— Hum, então a tal se chama Vanessa é?
Minha expressão fechou.
— A senhora quer que eu responda ou só está pensando alto?
Dei uma risadinha sem graça, eu não gostava de saber sobre ele, só
quem já passou por algo parecido para entender o quanto incomoda, mas,
consenti com a cabeça, agora que ela tinha dito o nome, resolvi saber mais
sobre eles.
— Olha dona Marina, eles não estão juntos há muito tempo, não
oficialmente. Aquela outra moça que ele namorava quando a senhora ainda
morava lá, eles terminaram logo depois do ocorrido...
— A do telefone?
Lembrei que foi depois dessa que decidi virar a página.
— Isso mesmo. Essa não durou muito, ele terminou no mesmo dia.
Sei que nunca comentei nada, mas ele ficou bem mal depois que a senhora
saiu de lá, perdeu uns 5kg, e aquele episódio do estômago, que a senhora
presenciou, se repetiu outras vezes. Me desculpe pela intromissão, mas eu
acredito que ele ainda ame a senhora, senti isso depois de ver vocês juntos
hoje. Quando ele soube dos assaltos que estavam acontecendo na região do
seu hotel, ligou para todos os policiais que conseguiu contato, para se
informar sobre a quadrilha. Eu cheguei a pensar que era por causa da Bia,
mas depois, sem querer, eu peguei uma das conversas dele com o policial e
percebi que não era só pela Bia que ele temia...
— Acho que foi só uma preocupação comum, Maria. Eu também
me preocupava com ele, afinal, é o pai da minha filha. Mas ele está
seguindo a vida dele e tem feito isso muito bem!
— Não sei, não! Para mim, é só para afogar as mágoas e tirar a
senhora da cabeça. Até hoje, ele não parou mais que seis meses com
alguém. Acho que essa Vanessa também deve ter um prazo.
A Bia e a Lua estavam voltando para sentar conosco, por isso, fiz
sinal para mudarmos de assunto. Levantei e fui me servir. Tinha tantas
perguntas para fazer para a Maria, mas preferi deixar para lá, não podia
ficar cavando ainda mais esse assunto, eu tinha medo de cavar meu próprio
buraco e não sair mais dele.
Eu não havia levado o celular, por isso não sabia se o tal admirador
tinha escrito alguma coisa. Também não havia chegado nenhum cartão ou
flores, pensei que pudesse ser pela mudança de hotel, mas a Lua, como
sempre, tinha outra teoria, achava que poderia ser o Samuel e por isso não
teria dado tempo nem de escrever a mensagem, muito menos mandar flores
ou cartão.
Poder passar o dia com a Bia estava sendo muito especial. Queria
levá-la para conhecer alguns museus, o Jardim Zoológico, o Aquário e a
Kidzania, mas, precisava escolher, pois, em São Paulo, tudo é longe e, cada
um desses passeios, por si só, é bem demorado. A escolha foi difícil,
porque, quando estamos com quem amamos, desejamos que o tempo pare
para podermos fazer tudo o que sonhamos. Por fim, fizemos a nossa
escolha, deixando os museus e o aquário para uma próxima vez. Vê-la
encantada com os animais do zoológico e brincando de ser adulta no
Kidzania foi algo muito especial. Como sinto falta de mais dias assim!
Foi gostoso sentir o termômetro da minha carreira esquentando
depois do show com o Lucas, eu passei de “garota do YouTube” para “a
moça que cantou com o Lucas”, dei alguns autógrafos, tirei algumas fotos,
realmente esses novos shows iam alavancar ainda mais minha carreira. À
noite, um pouco antes da Bia pegar no sono, o Samuel ligou para dar boa
noite para ela e perguntou como tinham sido os passeios, ela aproveitou
para contar para o pai que agora sua mãe era famosa. Achei graça, ainda
faltava muito para isso. Depois da ligação, o celular vibrou e o
desconhecido número que já estava bem conhecido para mim, tinha deixado
uma mensagem: “Sei que já passaram uns dias, mas você conseguiu ficar
ainda mais linda com esse novo visual. Ass: Aquele que não tira você da
cabeça”. Suspirei, será que a Lua tinha razão em desconfiar do Samuel?
Não, com certeza não!

Acordei com o telefone mais uma vez, pensei em começar a mantê-


lo desligado. As pessoas não respeitam nosso sono nem nos domingos!
Atendi bocejando:
— Alô...
— Marina, te acordei, né?
Era o Lucas, ajeitei meu corpo no mesmo instante e tentei parecer
mais animada.
— Oi, Lucas! Na verdade, já estava mesmo na hora que costumo
levantar.
Ri, sem graça. Ainda bem que a história do Pinóquio só acontecia
nos livros ou meu nariz cresceria naquele exato momento.
— Marina, sei que a sua filha está com você hoje, mas eu tinha uma
folga na agenda e pensei em passar por aí, teria problema para você? Eu
gosto de crianças, acho que elas sabem se divertir melhor do que nós.
Lua passava atrás de mim, coçando os olhos, estava interessada em
saber quem era no telefone. Bia e a Maria ainda estavam dormindo e ela
ficou lá, gesticulando, para saber com quem eu estava falando. Falei que era
o Lucas, ela deu um sorriso, pegou uma almofada que tinha na poltrona e
sentou no chão para acompanhar a conversa.
— Não, claro que não, acho que a Bia vai adorar conhecer você
pessoalmente.
— E você já tem um destino para hoje ou aceita sugestão?
— Não tenho nada programado para hoje. Qual é a sua sugestão?
Olhei sorrindo para a Lua.
— Eu reservei o Parque dos Trampolins para levar vocês. Sempre
quis ter uma criança para levar no parque dos trampolins, graças a Deus, a
sua filha vai me dar essa oportunidade.
Ele estava rindo.
— Parque dos Trampolins? Aquele lugar só com camas elásticas?
A Lua ficou em pé ao me ouvir.
— Exatamente!
— A Bia vai amar!
Começamos as duas a pular na sala.
— Combinado, chego aí em uma hora!
Falei para a Bia os planos para o último dia dela comigo e ela ficou
radiante. Primeiro, por poder conhecer o Lucas e, depois, por saber o que
dia nos reservava.
Ele mandou uma mensagem assim que chegou pedindo para a gente
descer, não sei se ele esperava irmos só nós três, mas a Maria e a Lua não
perderiam aquilo por nada. Ele me abraçou e, antes de me soltar, beijou
minha bochecha. A Bia ficou tímida, mas ele abaixou e a abraçou, foi
carinhoso com ela, mostrou que tinha jeito com crianças. A Maria ficou
toda envergonhada quando ele estendeu a mão para cumprimentá-la. Já a
Lua, fez uma continência para ele, que respondeu da mesma forma.
O lugar era fantástico, parecia uma discoteca, com luzes coloridas e
músicas eletrônicas. Colocamos umas meias neon, para brilhar no escuro.
Era quase mil metros de cama elástica e, por mais que eu estivesse com
vergonha de deixar a criança em mim vir à tona, toda aquela energia nos
puxava e, em poucos segundos, já estávamos todos pulando de um lado
para o outro. O Lucas saltava e jogava a Bia sobre a cama. Eu, ainda mais
contida, só ficava olhando as piruetas que ele dava. A Lua parecia uma
criança, dançava e saltava ao mesmo tempo. Ele se aproximou de mim e me
puxou para um abraço, depois levou meu corpo para trás ao som da música
eletrônica e se aproximou da minha boca. Meu coração estava acelerado
com o ritmo da música — ou seria por causa dele? Quando pensei que ele ia
me beijar, ele me jogou na piscina de espuma e depois correu para pegar a
Bia e a jogou também.
A energia dele era impressionante, o jeito que ele brincava com a
Bia e corria de um lado para o outro, me cansava só de olhar. A Lua
cochichou no meu ouvido o quanto eu era sortuda por ter o Lucas em plena
folga. “Há controvérsias.”, eu respondi. Elas estavam lá também, então,
elas também eram privilegiadas. Ela discordou, disse que só tinha uma
pessoa ali que ele queria, e não era ela e muito menos a Maria ou a Bia.
Aquelas luzes começaram a cansar a minha vista e eu fui me sentar
ao lado da Maria. A Lua veio atrás de mim, mas a Bia e o Lucas
permaneceram firmes, um desafiando o outro nas piruetas. Eu fiquei ali
sentada, observando aquele homem. Vez ou outra, ele olhava para mim e
dava uma piscadinha. Ele mexia comigo, isso era fato, quando me puxou
para perto dele naquele trampolim, desejei aqueles lábios nos meus... A voz
estridente da Lua me tirou dos meus devaneios.
— Marina!
— Desculpe, você disse alguma coisa?
— Ah, sim, disse sim, mas a visão à sua frente está bem mais
interessante mesmo...
Disse isso e cutucou a Maria, e as duas riram.
— A dona Marina está só com o corpo presente, a mente está lá com
o Lucas.
Elas tinham razão, não podia negar, mas ele não era para mim, eu
não podia ser tão burra para me apaixonar de novo por um homem que vive
cercado por mulheres, meu coração não aguentaria se despedaçar
novamente.
— Eu não posso negar que ele é... como posso dizer?
Lua completou a frase:
— Perfeito?
E Maria emendou:
— Bota perfeito nisso!
— Sim, ele parece tudo isso mesmo, mas não é para mim, não
consigo me envolver com alguém como ele.
— Como você pode ter tanta certeza, Marina? Você nem tentou...
Deveria tentar para depois concluir algo, chegar a conclusões sem ao menos
tentar é medo de descobrir que está errada e se render ao amor.
Ele e a Bia voltaram, a Bia queria ir ao banheiro e eu aproveitei para
ir junto. Ela me disse o quanto tinha achado o Lucas demais.
— Podemos repetir, mãe? Eu amei esse cara! Preciso contar para as
minhas amigas da escola que vocês estão namorando, elas vão pirar!
— Não estamos namorando, Bia! De onde você tirou isso?
— Mãe, só você não percebeu, né? Até eu que tenho seis anos já
percebi que ele está a fim de você. É você que deve estar empacando as
coisas!
— Com quem você aprendeu a falar desse jeito, Bia? Você é apenas
uma criança, não entende nada dessas coisas.
— É mamãe, mas o papai me disse que nós, garotas, não temos
amigos, sempre que um menino se aproxima, é porque está interessado na
gente.
— E por qual razão seu pai te disse isso?
— Ah, mamãe, ele disse isso por causa do Murilo, lembra dele?
Acho que ele não gostou de ver que ele desenhou um coração no meu
caderno com o meu nome. Eu expliquei para o papai que era o coração do
silêncio. A professora fez um coração na lousa e tínhamos que escrever o
nome do amigo que estava em silêncio, esse amigo escolheria outro e assim
por diante. Mas o papai, você sabe, né? Não gosta que eu fale de meninos.
Ele disse que, se era para escrever o nome no coração da lousa, não tinha
nada que estar no meu caderno. Mas, mamãe, o Murilo só queria que eu
lembrasse que ele tinha me escolhido!
Ela fez uma carinha triste e eu fiquei imaginando o Samuel vendo
aquele coração com o nome de um menininho no caderno da filha, ele tinha
ciúmes até dos meus pais com ela, quanto mais desse menino!

Voltamos para o hotel no final da tarde e o carro já esperava pela


Bia. O Lucas nos deixou no hotel e seguiu viagem, ele tinha um
compromisso pela manhã. Deitei para descansar e fui conferir se tinha
recebido alguma mensagem do número desconhecido, mas não tinha nada.
“Estranho.”, pensei. Comentei com a Lua e, para ela, era o Samuel o dono
das mensagens, ou Lucas, porque os dois vieram para cá no final de
semana. Ela não tirava da cabeça que a mensagem de sexta era uma pista.
Como eu não tinha nada, comecei a acreditar que ela tinha razão, só faltava
descobrir qual dos dois estava enviando as mensagens.
A Lua foi a primeira a descer para tomar café, eu queria dormir até
mais tarde, era segunda-feira, ora bolas, e eu estava de folga, por isso,
preferi ficar, mas, o que eu pensei ser uma ótima escolha, se revelou
péssima. Uma hora depois ela chegou, entrou batendo a porta do quarto e
me acordou com o susto.
— O que é isso, Lua? Quer me matar do coração?
— Desculpe Marina! Estava com tanta raiva que nem lembrei que
você estava dormindo. Ela se jogou na minha cama.
— O que aconteceu para deixar você nesse estado? Alguém pisou
no seu pé de novo?
— Não, mas aquele engraçadinho acha que pode flertar comigo!
— E qual é o problema disso? Você é uma mulher bonita e ele não é
cego.
— Ele tem que tomar conta da vida dele! E eu não tenho tanta
certeza sobre ele não ser cego, já que a maneira que nos conhecemos prova
que ele tem baixa visão!
— Ele estava desatento e não com baixa visão. Pare de agir como
criança! Nunca vi você brava por tamanha bobagem, fora que está deixando
passar uma excelente oportunidade de conhecer alguém legal. Tudo isso
porque ele teve a infelicidade de pisar no seu pé?
— Eu não estou mais irritada por ele ter pisado no meu pé, mas pela
maneira como fala comigo, sarcástico, e agora flertando. Você acredita que
ele sentou comigo na hora do café e perguntou se eu sentia falta do pé dele
sobre o meu?
Eu cobri o meu rosto com o lençol para ela não notar que eu estava
rindo.
— Ele é muito sem noção, Má! Será que não poderia iniciar um
diálogo de outra maneira? Eu levantei de lá e saí, nem respondi, ainda bem
que eu já tinha terminado o café.
— Coitado desse rapaz, só estava tentando quebrar o gelo e você
não facilitou.
— Eu não tenho que facilitar nada, porque não quero nada com ele!
— Ok, então, agora me deixa dormir, está bem?
Me virei de lado.
— Marina, você já olhou a sua agenda, né? Ela está cheia e o César
ligou para a gente fazer alguma coisa juntos, o que acha?
Eu tinha visto a agenda, entrevistas, dois shows no final de semana
aqui em São Paulo, depois teria uma folga e seguiria para Santa Catarina
para o show que faria com o Lucas. Meu mês ia ser bem agitado e eu estava
animada.
— Claro, vamos sim. Depois do show, eu mal tive tempo para
agradecê-lo. Combine uma data com ele e iremos!
— Combinado, então. Já vou escrever para ele.
UM AMOR DE PISADA

Meu penúltimo dia em São Paulo. Faria um show no dia seguinte


para encerrar a agenda do mês e teria uma pequena folga, na qual planejava
voltar para a minha cidade e fechar com uma casa que a Maria e a Bia
tinham reservado. Segundo elas, essa casa tinha cara de lar. Eu nem
acreditava que já tinha passado tanto tempo e eu ainda não tinha definido o
nosso cantinho, continuava me hospedando em hotéis, e elas, enquanto eu
estava fora, ficavam com o Samuel. Mas já estava mais do que na hora de
resolver aquela situação, um ano já havia passado desde que saí em
definitivo da casa dele. Eu estava ajeitando o batom e dando o último
retoque no cabelo quando a Lua chamou:
— Marina, o táxi está aqui na frente, você já está pronta?
— Sim, Lua, já estou indo.
Eu tinha feito uma produção casual, íamos a um barzinho. Eu usava
um vestido de algodão, mas não abandonei os sapatênis, que me deixavam
bem mais confortável. O vestido era listrado em preto e branco, sem
mangas, ia até o joelho e deixava o corpo bem delineado, nada vulgar. E os
sapatênis eram creme, com as solas um pouco mais altas do que o
convencional. Eles combinavam com a minha bolsa de mão, que era
pequena e discreta. Optei pelo cabelo solto mesmo.
O César correu ao meu encontro e me deu um abraço apertado, ele
era bem exagerado nas atitudes, mas eu gostava bastante desse jeito dele.
— Vi que você ouviu o conselho sobre vestido com sapatênis! Ficou
um arraso esse look, super descolado!
Ele me girou para olhar melhor.
— Obrigada, César! Adorei o lugar que você escolheu para a gente
hoje. O ambiente parece ser bem calmo.
Tinha bastante gente, mas as pessoas estavam sentadas, não
aglomeradas, gritando e rindo alto, era um lugar mais tranquilo.
— Sim, por isso gosto bastante daqui. O lugar começa a encher a
partir das 22 horas, ainda teremos duas horas de sossego. Mas o que mais
gosto daqui é esse estilo retrô, e a banda é muito boa, o vocalista manda
muito bem. A baterista deles é de cair o queixo, arrasa! Sei que vocês
gostam de música boa e, com certeza, aqui é um ótimo lugar, eles tocam
músicas dos anos 80 e 90, para acompanhar o estilo do lugar, por isso as
pessoas que frequentam têm um gosto mais seletivo.
Ele nos mostrou uma mesa e seguimos em sua direção. Eu fui
passeando os olhos pela decoração, um lugar muito agradável.
— Já gostei!
— A Marina gosta muito de música dos 80 e 90, eu gosto também,
mas não como ela.
— Pois é, Lua, eu acho que você vai gostar é do dono da franquia.
Ouvi dizer que ele está em São Paulo este mês, tentei descobrir o hotel, mas
não consegui. Me disseram que ele estaria aqui hoje e alguma coisa me diz
que você poderia gostar dele, querida!
Ela olhou para mim sem entender o que o César estava armando,
não sabíamos que ele tinha dom para cupido, mas, de qualquer forma,
aguçou nossa curiosidade.
— Marina, e você e o Lucas? Já estão namorando?
— Como assim, César? Claro que não! Foi só trabalho mesmo.
A Lua piscou para ele.
— Claro, o trabalho também nos levou em um parque de
trampolins!
Ele repousou o queixo na mão.
— E quando foi isso? Eu já fui uma vez com meus sobrinhos, não
consigo imaginar o Lucas naquele lugar.
— Pois é, César, mas a nossa amiga aqui despertou esse desejo nele.
— Não foi bem assim, ele disse que sempre quis ir, mas não tinha
nenhuma criança para levar, acho que ficava constrangido em ir sozinho,
aproveitou que a Bia estava aqui e nos convidou. A Bia gostou muito dele,
ele leva jeito com crianças.
Mostrei a língua para a Lua.
— Ah, disso eu não tenho dúvidas! Especialmente quando a mãe da
criança é você...
— E a Marina te contou que ele está se passando por um admirador
secreto? Já mandou flores, envia mensagens todos os dias com um número
desconhecido e tudo.
Ele gargalhou.
— Para que isso, gente? Não sabia que ele tinha esse espírito de
galanteador anônimo.
— Bem, a Lua já desconfiou de outras pessoas, né, Lua? Ela ainda
não tem certeza de nada, às vezes ela acha que é meu ex-marido, às vezes
acha que é o Lucas, a verdade é que não sabemos.
— Eu adoro um mistério! Mas por que vocês desconfiaram apenas
dos dois?
— Porque as mensagens têm um tom de alguém que conhece a
Marina e não teria outra pessoa com acesso a esse número, apenas os dois.
— É, faz sentido. E ele mandou alguma mensagem hoje?
— Mandou sim, disse que queria me ver e que talvez seria hoje.
Mas depois não falou mais nada e como já é tarde, acho que mudou de
ideia. O que não faz sentido é que o Lucas também me manda mensagens,
então não sei porque ele teria motivo para se passar por um admirador
secreto.
— Ué, mas ele já se revelou a você? Já disse que está interessado?
— Não, não disse.
— Então, talvez ele queira te surpreender.
— Eu já falei isso para ela, César, um dia desses mesmo, o
admirador secreto mandou uma mensagem que estava com saudade e o
Lucas apareceu lá no hotel para vê-la, não acho que foi coincidência.
— Mas não foi só ele, o Samuel também apareceu.
— É verdade, mas o Samuel foi levar a Bia, o que ele não tem o
hábito de fazer, mas, ele já está em outra, está namorando outra pessoa.
— Olha meninas, eu tenho esse jeitão todo, mas, é porque convivo
muito com mulheres e já tive meu coração partido por uma delas. Na minha
opinião, se um dia eu fosse tentar reconquistar alguém, acho que um
pseudônimo seria interessante, então também não descarto o Samuel.
— Eita, César, você não ajudou muito agora, voltamos para as duas
opções.
— Olha lá, meninas, o dono da franquia acabou de chegar, nota-se
pela quantidade de gente em volta. Ele está solteiro e dizem que não é o
tipo de cara que se apaixona fácil, eu logo pensei em você Lua, você
também parece que não é de se apaixonar facilmente, acho que vocês
podem se entender, querida!
— Olhamos para trás para tentar enxergar o tal dono da franquia,
mas, tinha tanta gente em volta dele que não conseguíamos vê-lo direito. Só
dava para ver parte da cabeça dele.
— Se ele já está na cidade há algum tempo, por que ele não esteve
aqui antes? — perguntei pelo tanto de gente à sua volta, parece o fã-clube
de um astro.
— Ele vem sempre aqui, Marina, desde que chegou. É que ele é
bem-querido pelo pessoal que trabalha para ele, dizem que ele é um bom
patrão.
Lua se manifestou:
— Hum... interessante!
Ele ficou um tempo lá, parado, até que começou a se mover. Meus
olhos estavam fixos nele e percebi que os da Lua também. Quando ele
conseguiu se desfazer daquele aglomerado de gente, seus olhos
encontraram os nossos e tive que segurar a boca para ela não se escancarar.
A Lua virou logo para frente, bufando e cruzando os braços. E ele começou
a vir ao nosso encontro.
— O nome dele parece que é Pe...
— ...dro!
— Vocês já se conheciam?
Foi o próprio Pedro quem respondeu, parecendo tão surpreso quanto
nós duas.
— Parece que nossos caminhos sempre se cruzam, não é mesmo,
Luana? Tudo bem, Marina?
O César respondeu para si mesmo, admirado:
— Parece que já...
A Lua, como sempre, deu um sorriso cínico para ele. O César ficou
me olhando com aqueles olhos juntos, de pura curiosidade.
— Oi, Pedro, tudo bem? Já faz um tempo que não te vejo lá no
hotel, achei que já tivesse ido embora.
— Não, ainda não fui, mas irei em breve. Com certeza, não iria
embora sem me despedir de vocês. Ele olhou para a Lua, mas ela
permanecia de cabeça baixa, vi o César dar um chute na canela dela. Ela
deu um grunhido e sorriu para o Pedro.
— Oi, Pedro! Eu sou o César, trouxe as meninas para conhecer este
espaço que, para mim, é um dos melhores bares aqui de São Paulo.
— Prazer, César! Obrigado pela recomendação, fico feliz que
aprecie. Vocês já fizeram o pedido? Precisam de ajuda para alguma coisa?
— Não, obrigada!
A Lua respondeu taxativa, cortando o assunto. O César me olhou de
novo, sem entender, eu dei de ombros.
— Ok, se precisarem de qualquer coisa podem me chamar.
— Na verdade, Pedro, se quiser sentar aqui com a gente fique à
vontade.
Resolvi me posicionar, afinal, a Lua precisava parar de ignorar o
cara, ele realmente tinha potencial para quebrar o seu coração de gelo, mas
ela não facilitava. E, como eu nunca a tinha visto agir daquela maneira,
pensei que seria interessante dar corda. Mas, ela me olhou com olhar de
desaprovação. Já, o César, me deu uma piscadela, achando ótima a minha
atitude.
— Obrigado pelo convite, Marina. Será um prazer, preciso só
organizar algumas papeladas, mas volto para sentar com vocês.
Eu dei um sorriso satisfeito e a Lua franziu o cenho, achei que ela ia
voar sobre mim, ainda bem que o César respondeu ao Pedro cordialmente,
não dando chance de ele perceber a cara da Lua.
— Por que vocês fizeram isso? Principalmente você, Marina, que
sabe bem que não gosto desse cara!
— Ué, gente, eu nem sabia que vocês já conheciam o Pedro. E agora
tenho certeza de que vocês combinam demais, querida. Não adianta fugir
não, porque deu para ouvir as pancadas do seu coração daqui.
Ele bateu a mão na mesa animado.
— O que você está ouvindo é a fúria do meu coração! Eu não
acredito que em uma cidade tão grande, tive que cruzar com esse cara de
novo!
— Seria interessante ficar a par da história, pois, sinceramente, não
entendo o porquê de tanta desaprovação! O rapaz foi gentil... Eu, hein!
— Pois é, César! Se você souber o teor da história, vai ficar ainda
mais confuso. A Lua está agindo feito criança, essa é a questão!
— Não é verdade! Não estou agindo como criança, ele é que gosta
de me irritar.
O garçom trouxe os nossos pedidos e colocou na mesa.
— Ok, ok, a história gente! Quero ouvir a história!
Ele abriu a lata de cerveja e pegou um petisco.
— Quando eu e a Marina chegamos aqui em São Paulo, ainda no
aeroporto, esse cara simplesmente pisou com toda a força sobre o meu pé!
Na hora eu fiquei com tanta raiva e dor, que quase pulei em cima dele. Falei
para prestar mais atenção e coisas do tipo, mas, ele reagiu numa boa, como
se nada tivesse acontecido, pediu desculpas e ainda flertou comigo,
desconsiderando toda a situação.
O César bateu palmas.
— Flertou com você? Já gostei dele! Você queria que ele fizesse o quê?
Um drama? Pare com isso, querida!
— Ele só disse a verdade, que ela é bonita e brava.
— Talvez eu tenha exagerado mesmo. Mas, eu não sei o que
acontece, eu sinto raiva quando vejo esse cara e, olha que não sou assim,
mas ele me trouxe à tona esse sentimento que não consigo entender.
Ela deu um gole no seu suco. César perguntou:
— Você já se apaixonou, Luana?
Na verdade, eu não me lembrava de ter visto a Lua morrendo de
amores por ninguém, ela sempre foi descolada, falava para os rapazes
quando tinha interesse neles, sem nenhuma vergonha. Não era o tipo que
ficava sofrendo. Quando não dava certo, ela sofria uns dois dias e depois
seguia como se nada tivesse acontecido, por isso achava o coração dela
duro.
— Sim, claro que sim. A questão aqui é que esse cara, embora tenha
que concordar que ele é bem mais bonito do que os rapazes com quem a
gente cruza diariamente, não mexe comigo, não de uma maneira positiva.
— Talvez ninguém nunca tenha mexido, de fato, com o seu coração.
Todo mundo se apaixona, mas, amor, amor mesmo, esse vem para poucos!
Ela fez uma careta.
— Então com certeza não será ele que irá ganhar o meu coração
não, porque dele eu quero distância!
A “distância” estava se aproximando da nossa mesa e mudamos
rapidamente de assunto. Achei melhor eu iniciar o diálogo com aquele
rapaz bonito que sentou na frente da minha amiga.
— Então Pedro, de onde você é?
— Sou de Santa Catarina, Florianópolis.
Por isso ele tinha aquela pele bronzeada. O César comentou:
— Nossa! Deve ser maravilhoso morar lá. Sempre ouvi dizer que
Floripa é ótima para o surfe.
— Sim, por isso nunca quis sair de lá, o mar é tudo para mim, surfar
é uma terapia. Sempre que estou com muitos problemas do trabalho para
resolver, é para o mar que eu vou. Tenho viajado muito por causa das
franquias, estamos com oito bares no Brasil e tenho tido pouco tempo para
fazer o que realmente me dá prazer, mas quando sobra tempo, voltar para
casa é o destino certo.
A Lua entrou na conversa:
— E você nunca pensou em ter alguém para te ajudar com as
franquias? Dividir com essa pessoa a responsabilidade para não precisar
viajar tanto?
— Na verdade, eu gosto de cuidar das minhas coisas. Sou muito
criterioso, gosto de conhecer os funcionários e que eles me conheçam.
Prefiro estar com os meus olhos sempre por perto, não apenas saber das
dificuldades que eles estão tendo, mas vê-las e poder ajudá-los de imediato.
Isso me sobrecarrega um pouco, mas sinto satisfação em ver que as coisas
estão indo bem. Tenho medo de me ausentar e perder a qualidade que
considero a nossa marca. Por isso, até hoje, não quis abrir mão de estar por
perto e, consequentemente, viajando.
Que bonitinho, a Lua estava com aquele olhar de admiração que eu
sabia bem que a faria baixar a guarda. O César perguntou:
— Você parece novo para ter alcançado tudo isso. Quando foi que
você sentiu o desejo de abrir um barzinho?
— Eu gosto de ambientes agradáveis, boa comida e boa música,
mas, como publicitário, percebi que eram poucas as opções de bares com
esse estilo retrô, onde as pessoas vão para comer uma boa comida, ao
mesmo tempo em que recordam os bons tempos. E elas não poderiam ouvir
qualquer música! Geralmente, as pessoas que gostam de histórias, os
saudosistas, buscam lugares onde realmente possam sentir que voltaram no
tempo. E as músicas tinham que acompanhar o ambiente, por isso o estilo
musical daqui são só clássicos dos anos 70, 80 e 90. Eu queria um lugar
assim para me sentir em casa. Foi aí que comecei este projeto. E deu tão
certo que já somos 8 bares que reúnem toda essa galera, tão saudosista
quanto eu.
Eu conseguia sentir o entusiasmo dele, a Lua, pelo visto, também. O
bar realmente era diferenciado, tinha decoração da época, a TV era daquelas
de tubo e passava noticiários, propagandas, clipes e até novelas da época.
Eles intercalaram a programação e era como se, realmente, voltássemos no
tempo. Eu também me senti em casa ali, aquele ambiente me fazia sentir
saudades de muitas coisas. A Lua, suspirando ao olhar para cada detalhe do
lugar, fez um comentário interessante:
— Eu preciso confessar que jamais imaginei que um sujeito tão
distraído pudesse ter uma ideia tão bacana quanto essa. Realmente, o lugar
é nostálgico!
— Na verdade, Luana, eu não costumo ser distraído, mesmo que,
inconscientemente, eu tenha pisado no seu pé, não foi por acaso...
O César cutucou meu pé com força e piscou. A Lua estava corada e
pela primeira vez não disse nada. Ele mesmo quebrou o gelo
— Eu gosto bastante da banda que você escolheu.
— Sim, eu, pessoalmente, gosto de ouvir as bandas antes de
contratá-las. Normalmente, elas não ficam fixas, são sempre bandas
diferentes que tocam nos bares, mas, aqui em São Paulo, essa banda deu
muito certo, tenho até medo do dia em que eles partirem para alçar voos
mais altos. Aliás, Marina, eu soube recentemente que você é a garota que
canta com o Lucas de Capri.
Ele pediu uma cerveja para o garçom.
— Ah sim! Ele me convidou para cantar com ele uma das minhas
músicas, lançada recentemente.
— Pois é, eu não conhecia o seu trabalho, ouvi outro dia, em um
desses canais de músicas, achei bem diferente o seu estilo musical, gostei
bastante. Nada parecido com o que temos visto hoje em dia, tem muita
qualidade!
Dei um gole no meu refrigerante.
— Obrigada, eu também sou fã de músicas dos anos 80 e acho que
quis manter isso em minhas canções.
— Casou bem com o estilo do Lucas, ele é um dos poucos que ainda
ouço.
A Lua voltou para a conversa:
— Foi por isso que aceitamos gravar com ele, embora a Marina
ainda esteja no começo da carreira, ela já tem um público muito bom no
YouTube e não queríamos perder a identidade do trabalho dela.
— E você trabalha com ela, pelo jeito?
O garçom trouxe a bebida dele.
— Sim, sou a assessora da Marina e também sou formada em
publicidade.
Ele tomou um bom gole da cerveja.
— Então, temos algo em comum.
— Acho que vocês vão descobrir que têm muitas coisas em comum —
César falou rindo, num tom mais baixo que acho que só eu consegui ouvir.
— Quando você volta para Florianópolis?
— Esses são meus últimos dias por aqui, pretendo voltar depois de
amanhã.
— Nós também vamos embora depois de amanhã.
— Acho que precisamos fazer alguma coisa juntos antes, o que você
acha Luana?
— Não sei, amanhã a Marina vai ter o último show aqui em São
Paulo, depois vamos para casa, por pouco tempo, mas, descanso merecido.
— Entendi, poxa, que pena que não vou conseguir me redimir por
ter pisado no seu pé.
— Ah, Pedro, você poderia ir ao show amanhã. A Lua sempre fica
lá sozinha, acho que seria legal ela não ficar o tempo todo focada em mim.
A Lua arregalou os olhos, surpresa, mas, dessa vez parece que ela
aprovou a ideia. O César fortaleceu o convite.
— É verdade, Pedro! Eu não poderei ir ao show amanhã e por isso
marquei esta despedida hoje, mas, se você ainda não ouviu as outras
músicas dessa moça, sugiro que vá, você vai gostar.
— Eu acredito que consiga ir sim, se não tiver problema para você,
Luana. Quero corrigir a impressão ruim que você teve de mim, e não piorar
as coisas.
— Tudo bem, eu não ligo que você vá, contanto que mantenha seu
pé longe do meu!
— Prometo!
Ele fez um xis com os dedos sobre os lábios.

Quando voltamos para o hotel, um homem barrou a nossa entrada.


Ele parecia agitado.
— Desculpe abordar vocês desse jeito, fomos orientados a não
deixar que nenhum hóspede entre até que a situação esteja resolvida.
Invadiram o hotel, provavelmente a mesma quadrilha que tem atuado aqui
em São Paulo. Já chamamos a polícia, mas eles ainda estão lá dentro.
— E como você conseguiu sair? Disseram que eles fecham tudo
quando entram nos hotéis, para que ninguém saia...
O Pedro tinha voltado no mesmo táxi com a gente e, assim que viu o
segurança se aproximar, entrou na nossa frente, acho que foi um instinto de
proteção, por isso fez a pergunta, desconfiado.
— Meu horário de plantão é agora. Antes de eu chegar, o outro
segurança conseguiu me avisar por mensagem, disse que eles tinham
acabado de invadir, por isso consegui acionar os policiais, acredito que hoje
eles serão presos.
Logo em seguida, pararam vários carros de polícia em frente ao
hotel. Chegaram também equipes de reportagem e ficaram atrás dos carros,
com as câmeras direcionadas para a portaria. Os policiais fizeram uma
barreira humana para não permitir que ninguém saísse, estavam equipados
com capacetes e escudos de proteção, parecia que estávamos em guerra. A
Lua perguntou, nervosa:
— O que eles estão fazendo aqui? Mudamos para este hotel para
não correr esse risco e eles migraram para cá?
— Eles estavam agindo faz tempo naquela região, já estavam
visados por lá, mas aqui ninguém esperava por eles. Ainda bem que eu
recebi a mensagem a tempo.
Cinco minutos depois, começou uma gritaria, tiroteio, meu coração
parecia que ia sair pela boca. Os bandidos estavam todos encapuzados e
usavam os hóspedes como escudos. A Lua entrou em desespero, eu comecei
a chorar apavorada. O Pedro tentava nos acalmar, dizendo que os policiais
tinham tudo sob controle, que sabiam como agir. As pessoas gritavam para
os policiais não atirarem e os bandidos pediam para eles se afastarem para
que ninguém fosse ferido. Eles estavam em dez, um atrás do outro, cada um
com o seu escudo humano. Os policiais pediam para eles soltarem as armas
e liberarem as pessoas, mas eles estavam firmes, pareciam dispostos a matar
e morrer.
Aquela gritaria fez minhas pernas amolecerem, parecia que eu ia
desabar a qualquer momento. Meu celular começou a vibrar e eu queria
lançá-lo longe, não queria nenhum um olhar sobre nós, morria de medo de
nos tornarmos o alvo. O Pedro sugeriu que fôssemos para outro lugar até
que a situação estivesse controlada, ele temia que pudéssemos presenciar
algo traumático ou, pior, que alguma bala perdida chegasse até nós. Eu
concordei e começamos a nos afastar do hotel. Peguei o celular e vi que
tinha duas ligações do Lucas e várias outras do Samuel. Acho que estavam
transmitindo ao vivo, não podia ser coincidência as ligações deles, mas, não
falei com ninguém, não era o momento para dar notícias, precisava sair dali
o quanto antes.
Conseguimos nos abrigar em outro hotel que ficava próximo do
nosso, o Pedro fez algumas ligações, enquanto eu e a Lua ficamos sentadas
na recepção, abraçadas. Eu queria ir embora imediatamente, mas sabia que
não podia deixar de cumprir a agenda e, muito menos, deixar as pessoas que
esperavam pelo show decepcionadas.
Fiquei acompanhando toda a movimentação do Pedro, ele não
parecia abalado, estava calmo, falava com a recepcionista, que estava toda
sorridente para ele. Um homem com aquela aparência conseguia o que
precisava fácil, fácil. Eu sabia bem disso, tinha sido casada com um homem
como aquele. A Lua também estava olhando, ele encontrou os olhos dela e
sorriu, vindo em nossa direção. Ela me soltou, como se não quisesse mais o
meu colo, mas o dele.
— Eu consegui um quarto para vocês. Como está tarde, a
recepcionista foi muito gentil e cedeu dois quartos para nós. Pedi para eles
levarem alguma coisa para vocês comerem e vão ceder uns roupões
também, porque estamos sem as nossas coisas aqui. As lojas estão fechadas
a essa hora, mas pedi para ela entrar em contato, amanhã bem cedo, com
uma lojinha que tem aqui ao lado. Não sei o tamanho que vocês usam, por
isso avisei que depois vocês passariam o essa informação para ela.
Que cara incrível! Agora entendi porque ele disse que era criterioso,
ele tinha pensado em tudo, resolveu parte do nosso problema e agora nos
oferecia a segurança que precisávamos. Agradeci a Deus por ele.
— Pedro, você foi muito gentil, muito obrigada por cuidar de nós.
Nunca passamos por nada parecido. Não conseguiria resolver tão bem essa
situação como você...
Os olhos da Lua estavam cheios d’água.
— Eu não poderia agir diferente, Luana. Essa situação desestabiliza
qualquer pessoa e eu precisava garantir que vocês estariam seguras.
Ele deu o número do celular dele, para o caso de precisarmos de
alguma coisa, e a Lua passou o dela também. Com certeza ele tinha sido um
anjo naquela noite. Depois do banho, deitei na cama com a Lua e chorei de
novo. Oramos juntas por aquelas pessoas e pelo segurança que nos alertou e
chamou a polícia. Nós o convidamos para vir conosco, pois, estava cheio de
policiais por lá, mas, ele disse que era o trabalho dele e que iria tentar
ajudar de alguma forma.
Já fazia duas horas que tínhamos saído do hotel e a última
atualização era que estava do mesmo jeito, os bandidos tinham voltado para
dentro do hotel porque não conseguiram entrar nos carros para a fuga.
Retornei para todas as pessoas que haviam me ligado ou deixado
mensagem, para acalmá-los. Eles queriam saber se estávamos no hotel e foi
um alívio quando contei que não. O Lucas perguntou se eu queria que ele
mandasse um carro para nos buscar e levar para casa, mas, eu ia cumprir a
agenda e ficaria em São Paulo mais aquela noite. O Roberto e o César
também haviam ligado e a Maria tinha deixado diversas mensagens, disse
que o Samuel estava desesperado, tentando falar comigo, e ela também.
Enquanto eu respondia para ela, o Samuel me ligou pela décima vez.
— Oi, Samuel, desculpa não ter atendido antes, eu estava perto do
hotel quando tudo começou e fiquei com medo de atender e chamar a
atenção.
— Marina, graças a Deus! Você está bem? Então você não estava no
hotel?
— Não, tinha saído com a Lua e uns amigos. Quando voltamos, o
segurança não deixou a gente entrar e contou o que estava acontecendo. Um
rapaz que conhecemos aqui, nos levou para outro hotel e agora estamos
aguardando a situação se resolver. Como está a Bia? Vocês não falaram
nada para ela, né?
— Não, não falei. Ela já está dormindo, mas a Maria viu a
reportagem na TV e disse que era o hotel que você estava hospedada, desde
então estamos tentando falar com você. Se quiser vir para casa, me avisa,
pode ficar comigo aqui até conseguir comprar a sua casa. Chega de hotéis,
Marina, vem para casa!
— Já conversamos sobre isso, Samuel! Você sabe que aí não é e
nunca foi a minha casa.
Ele insistiu:
— Sempre foi a nossa casa, Marina. Só estou morando nela porque
me casei com você. Já estamos separados há um ano, já foi tempo
suficiente, não foi? Volte para casa!
— Tempo suficiente para quê? Não entendi o que você quis dizer
com isso. Eu vou voltar depois de amanhã, mas não vou para a sua casa.
Aliás, a sua nova namorada não iria gostar nada de me ver na sua casa!
Ele aumentou o tom da voz:
— Namorada? Que namorada Marina? Eu não tenho nenhuma
namorada! E essa casa sempre será sua. Um ano deveria ser tempo
suficiente para você perceber isso, mas, pelo que a Bia falou, você nunca
vai perceber, não é mesmo?
— O que a Bia falou? Parece que você fala em código, por que não
diz logo o que quer, Samuel?
— Quero que você volte para casa! Esta é a sua casa, ao lado da sua
filha.
— Minha casa sempre será ao lado da Bia, mas não aí! Você sabe
que não funciona viver essa família de faz de conta, a Bia cresceu e já
entendeu. E você deveria respeitar mais a sua filha, com esses seus rolos aí,
você apresenta essas mulheres para a sua filha e não tem cuidado nenhum
com os vínculos que ela cria.
— Você está com ciúme, Marina? Achei que não se preocupava
mais com o que eu faço ou deixo de fazer da minha vida!
Também aumento o tom da voz.
— Ciúme? Eu? Me poupe, Samuel! Não estou com ciúme nenhum,
estou pensando na Bia e no que isso pode causar a ela.
— A Vanessa não é minha namorada, é só uma amiga e a Bia sabe
disso. Marina, vamos parar com isso, está bem? Precisamos manter nossa
relação o mais amigável possível, pela Bia. Eu sei que aqui não é a melhor
opção para você, mas, pensa direitinho, se quiser nem fico por aqui, vou eu
para um hotel. Só me deixa ter a certeza de que você ficará bem!
Ele estava mais calmo. Tentei me acalmar também.
— Vou pensar sobre isso. Preciso desligar agora, já está tarde e
preciso dormir.
— Ok!
Só uma amiga! Quem ele pensa que engana?
A Lua também conversava com alguém no celular, mas estava
prestando atenção na nossa conversa o tempo todo.
— O César mandou mensagem para você, perguntou se você viu, eu
disse que você estava no telefone com o ex. Ele queria saber se está tudo
bem, viu o noticiário e lembrou que era o hotel onde estávamos.
— Depois respondo para ele. Essa conversa com o Samuel me
deixou mais pesada do que antes. Você teve alguma notícia do hotel?
— O Pedro acabou de mandar uma mensagem, ele voltou lá, você
acredita? Disse que o segurança que nos ajudou conseguiu desarmar um dos
bandidos e já prenderam ele, mas ainda faltam nove. Eles estão
negociando.
— Nossa Lua, como ele conseguiu desarmar um deles? Achei que
estavam todos juntos.
— Parece que ele entrou pelos fundos e esse bandido estava
tentando fugir e deu de encontro com ele. Graças a Deus ele levou a melhor.
Agora os policiais vão conseguir informações para desmantelar o grupo.
Deitei a cabeça sobre o seu ombro, ela segurou a minha mão.
— Pelo menos uma notícia boa, mas, o restante ainda está lá...
— Sim. Sua mãe também ligou, queria saber de você. Falou que
amanhã liga de novo.
Ela se virou para olhar nos meus olhos.
— Má, que lance foi esse com o Samuel? Fiquei sem entender.
— Eu também! Acho que ele está com medo, essa quadrilha o
deixou preocupado, ainda mais que, por duas vezes, quase estávamos
presentes.
— Nossa Marina, não paro de pensar nisso, sabia? Não vejo a hora
de sair daqui. Comentei isso agora com o Pedro, e já briguei com ele de
novo.
— Por que vocês brigaram agora?
— Porque ele não tem nada de querer bancar o herói! Pedi para ele
voltar, ele disse que já estava voltando, mas eu não confio, pedi para ele
passar por aqui.
- Hum! Pediu é? Sei...
— Para com isso, Marina. Não é hora de pensar nessas coisas. Ela
me empurrou de leve.
— É que ver você falando dele assim parece um milagre.
Levantei as mãos para o céu para reforçar a minha gratidão. Ela riu
sem graça.
— Mas, Marina, quando perguntei do Samuel foi porque não
entendi a parte do ciúme. Não colou a história da sua preocupação com a
Bia, em relação à namorada dele.
Ela fez sinal de aspas com os dedos quando disse “preocupação”.
— Lógico que minha preocupação é com a Bia, com ele eu não
estou nem aí!
— Não mesmo, Marina? Eu sei que você sempre foi louca por ele,
mas, deixa o cara ter os rolos dele, vocês não estão mais juntos.
— É sério que você está me falando isso, Lua?
ÚLTIMO SHOW EM SÃO PAULO

O Pedro pediu para nos entregarem uma bandeja de café da manhã


e, junto da bandeja, ele escreveu um bilhete dizendo que a polícia tinha
conseguido prender boa parte dos bandidos, mas que um conseguiu escapar.
Ninguém havia se ferido e ele também se desculpou por não nos acordar,
mas achou melhor nos deixar descansar, disse que precisou sair cedo para
terminar o trabalho no bar e nos encontrava mais tarde no show. Tinha um
P. S. no final do bilhete e estava direcionado para a Lua: “Me desculpe por
não ter passado por aí ontem à noite, mas hoje nada vai nos impedir de ter
esse tempo juntos, nem pisadas no pé!” Nós duas rimos, quem diria que
uma pisada no pé traria tanta emoção? Pelo menos para a Lua trouxe!
Eu estava eufórica com o show, a Bia já havia me ligado para
desejar boa sorte, ela sempre fazia isso. Era meu primeiro show, não iria
abrir para nenhuma banda famosa ou cantar com alguém famoso, o público
que estaria lá seria só para me ver. O coração estava ansioso, a expectativa
era grande. Eu estava com um macaquinho vermelho com franjas soltas que
iam até o joelho. Preferi usar um tênis dessa vez, com cano alto,
confortável. A Lua estava mais ansiosa do que eu e eu sabia que não era
pelo show, mas, por outro motivo que atende pelo nome de Pedro. Ela
estava linda, com uma calça skinny preta, um top também preto e uma
regata branca bem cavada nas laterais, que deixava o top rendado à mostra.
Ela colocou também um maxi colar que deixou o colo mais bonito. Seus
cabelos estavam soltos e o tom preto da roupa destacava as madeixas loiras.
Tomara que o Pedro tenha um coração forte, pensei, porque a Lua estava a
própria Amanda Seyfried, de tão linda.
— Será que ele vem mesmo, Marina? Está demorando tanto!
— Ele disse que vem, fique calma, Lua!
Eu estava no camarim, aguardando o sinal do agente para entrar no
palco e a Lua olhava de cinco em cinco segundos no celular para ver se o
Pedro tinha escrito algo ou ligado para avisar que tinha chegado
— Eu estou calma, mas não gosto de levar bolo.
— Aham, notei o quanto está calma.
Do outro lado da porta, o Roberto me chamou:
— Marina, sua hora!
Respirei fundo, fechei os olhos e tentei acalmar o coração, enquanto
caminhava para o palco. Lembrei da noite que cantei com o Lucas e de toda
aquela sensação que senti. Sabia que aquele show também seria especial,
seríamos eu e as pessoas que gostam do meu trabalho.
Quando subi, estava tudo escuro, a banda fazia a introdução da
música que eu tinha escolhido para abrir o show. Meu violão estava ao lado
de uma banqueta e o público gritava meu nome. Aquela escuridão dava um
tom de mistério. Após o baterista dar a última nota no bumbo, as luzes que
estavam sobre mim se, acenderam e lá estava eu, diante deles. Comecei a
cantar e, ao invés de ir para aquele lugar seguro, onde estava o meu violão,
me aproximei do público com os olhos marejados. Eu tinha começado cedo
a vida como mulher, me casei com o namorado da escola ainda menina, me
tornei mãe muito nova e não imaginava que um dia pudesse chegar aqui,
tão longe de tudo que previ para a minha vida. Eu ainda conseguia sentir
aquela menininha sonhadora dentro de mim agradecendo por eu não ter
desistido de sonhar, mesmo quando todos os meus sonhos desmoronaram.
Por muito tempo, eu só desejava estar com aquele garoto que já tinha sido o
homem da minha vida, junto com a nossa filha, felizes, mas, agora, diante
daquela multidão, percebia que alguns sonhos morrem para que outros
vivam. Definitivamente, eu não saberia dizer se aquela teria sido a minha
escolha, mas eu fiquei completamente feliz por viver tudo aquilo.
Quando sentei e comecei a dedilhar o violão, eles reconheceram a
canção e os casais que me assistiam se abraçaram e cantaram comigo com
toda a força, como se estivessem declamando, da mesma maneira que
diversas vezes eu cantei para ele, mesmo sem ele saber da existência dela.
A música chama “Sem Você”. De fato, não tinha sido fácil me ver sem ele,
tentei me imaginar ao seu lado de novo, mas o meu coração ferido sabia que
não seria capaz de esquecer toda a dor que ele causou por dizer que eu era a
única a fazer seu coração suspirar, mas, sua infidelidade colocou à prova
tudo o que um dia eu pensei amar. A letra não falava de mágoas ou dor, ela
trazia um final feliz, uma redenção ao nosso amor, o perdão, que eu tanto
desejo dar, a dor da qual eu gostaria de me livrar, o amor que eu queria de
volta, mas, não era possível, não da mesma forma.
Eu passei os olhos em todos que estavam ali, queria guardar aquele
momento na memória, sei que viriam outros como ele, mas, aquele era
especial, era o primeiro, o inesquecível.
Na última música, avistei a Lua com o Pedro, graças a Deus ele
tinha vindo. Ela estava toda radiante, eles pareciam estar em perfeita
sintonia. Depois que desci do palco, me parabenizaram pelo show e me
avisaram que iriam embora juntos, perguntaram se eu não me incomodava,
claro que não, queria ver minha amiga feliz.
O Lucas me enviou uma mensagem perguntando como tinha sido,
eu falei que foi perfeito, ao menos para mim. O Roberto disse que já havia
disponibilizado um motorista para me levar e, ao chegar no carro, um
homem se aproximou, eu não consegui ver direito o rosto dele, tinha pouca
iluminação no local, mas sua voz era forte, grossa, ele perguntou se poderia
abrir a porta do carro para mim, a princípio achei que fosse o motorista que
iria me levar, mas, então, o motorista correu ao meu encontro e pediu para o
tal homem se afastar. Eu me assustei, fiquei paralisada, o homem explicou
que era seguidor do meu canal, que me acompanhava pelas mídias sociais e
sonhava em poder me encontrar, disse também que tinha vindo ao show e
que queria me ver mais de perto, pediu desculpas por ter me assustado. Eu
assenti e entrei no carro. O motorista pediu para eu ter mais cuidado, falou
que não era bom andar sozinha por aí e me aconselhou a arrumar um
segurança. Eu achei um exagero, era natural que as pessoas que nos
conhecem através das mídias sociais queiram se aproximar.

Me senti completamente sozinha no hotel, num momento tinha uma


plateia gritando o meu nome e, depois, era o abismo em mim que gritava,
como era ruim essa sensação. Liguei a TV para quebrar o silêncio do quarto
e, finalmente, arrumar a mala para voltar para casa. Peguei o meu celular
para verificar as mensagens e vi que o Roberto estava bem animado com o
show, ele também comentou sobre a preocupação do motorista com a
aproximação de um fã. O motorista tinha ligado para contar e o Roberto,
pelo jeito, deu razão a ele.
Não vi a Lua chegar, peguei no sono. Acordei com ela pulando em
cima de mim. Como ela conseguia acordar bem-humorada com poucas
horas de sono?
— Nossa Lua, não dá para dormir mais não?
— Não, o carro que o Samuel mandou está a caminho.
— Como assim? O Samuel não falou nada sobre isso, aliás, eu achei
que você ia chamar um táxi para nos levar para casa ou um Uber.
— Sim eu ia, mas, ontem à noite ele me ligou e disse que queria
mandar alguém para buscar a gente, ele parece estar preocupado com você.
Até pensei em ligar para saber o que você achava disso, Marina, mas preferi
não te acordar. Depois do show de ontem, você merecia um descanso.
— Ele não pode controlar minha vida, Lua. Você sabe que eu não
quero dar essa abertura para ele.
— Você não precisa dar abertura só porque ele mandou alguém nos
buscar! Agradece e pronto. Ele é o pai da sua filha, quer sua segurança, e
facilitou a minha vida por não precisar me preocupar com isso.
— Está bem, seja como for. O importante é que vamos para casa!
Ela não pareceu tão animada ao me ouvir dizer isso, acho que o
rapaz do pisão tinha conseguido se redimir.
— Está com essa carinha por causa do Pedro, né?
Ela suspirou.
— Ah, Marina, a vida prega cada peça na gente, não é mesmo? A
noite ontem foi incrível, ele me surpreendeu de um jeito bom, sabe?
— É, eu imagino que sim. Mas, vocês combinaram alguma coisa? Já
estão juntos?
— Ainda não rolou nada, só conversamos, mas me senti tão à
vontade ao lado dele, toda aquela raiva sumiu, só ficou o desejo de tê-lo por
mais tempo.
— Achei que você ia dizer que só ficou o desejo de receber outra
pisada no pé.
Ela jogou uma almofada em mim.
— Má, estava olhando seu canal no YouTube hoje, mais cedo, e
percebi que você já tem até fã-clube! Tem uma Kamila que faz comentários
em todas as suas publicações, ela disse que é uma das organizadoras do fã-
clube, pensei em fazer alguma premiação para os fãs, eles estão lá desde o
seu comecinho no YouTube. Tem um rapaz que sempre deixa comentários,
desde o começo do canal, o SAS. Acho legal valorizarmos esses fãs.
— Sim, pode ser uma boa ideia. Podemos premiar com ingressos
para um próximo show ou algo do tipo.
Fiz um rabo no cabelo.
— Sim! Alguns comentários me chamaram mais a atenção, depois
te passo tudo certinho.
— Boa Lua, sem eles eu não teria chegado tão longe.
Bati minha palma na palma da mão dela. Alguém bateu na porta.
— Deixa que eu abro, Marina.
Era o carregador do hotel.
— Tem um carro à espera de vocês lá na recepção. Posso pegar as
malas?
— Pode sim, obrigada!
Quando chegamos na recepção, eu reconheci o homem que nos
aguardava, ele não tinha mandado um motorista, ele era o motorista. Estava
com as mãos no bolso e falava animado com alguém, deveria ser a
recepcionista do hotel, ela sorria exageradamente.
— Que surpresa!
— Oi, Marina! Olá, Luana! Obrigado por aceitar a carona!
Ele piscou para ela. Eu olhei para a Lua questionando, ela desviou o
olhar. Pelo visto, ela sabia que seria ele o motorista. Ele dispensou a ajuda
dos carregadores de malas e as guardou no carro. Seus músculos ficaram
aparentes enquanto ele guardava as malas. Ele continuava tão lindo quanto
antes, mas agora, mais maduro, mais homem. Ele notou que eu o observava
e sorriu, eu fingi desinteresse.
— Desculpa Marina, não quis falar para você que o Samuel seria o
motorista, mas ele disse que estaria por aqui e pediu para nos levar, não
consegui encontrar motivos para recusar.
Ele me olhava de um jeito intenso, estava encostado no carro, sério,
com uma cara de mau extremamente sexy. A altura dele chamava ainda
mais a atenção das pessoas que passavam por ali, com aquela pele morena,
olhos verdes, aquela boca bem desenhada e com a barba por fazer. Senti
meu corpo formigar, era difícil esquecê-lo estando longe, imagine com ele
assim, tão perto.
— Você deveria ter me avisado, Lua. Eu não queria ser pega de
surpresa.
— Eu sei, desculpa Marina. Mas ele insistiu bastante e acabou me
convencendo. Não sei o que deu nele, mas parece que nos últimos dias ele
sempre dá um jeito de vir para São Paulo, né?
— É seu marido, Marina?
Olhei assustada para trás para ver quem perguntava. Era a
recepcionista simpática, que até há pouco estava de papo com ele.
— Não, ele não é. É só o pai da minha filha.
— Com todo respeito, é um deus grego!
A Lua se intrometeu:
— Ele sabe disso, por isso é tão abusado.
Andei em direção ao carro e ele abriu a porta da frente para mim,
fingi que não vi e fui para o banco de trás, mas a Lua entrou primeiro. Fiz
sinal para ela ir na frente e ela negou com a cabeça.
Havia me esquecido o quanto me sentia segura quando ele dirigia.
Tudo naquele carro era familiar, as músicas que eu tanto amava — sempre
compartilhamos o mesmo gosto —, o cheiro do perfume dele, aquele ar
misterioso enquanto ele dirigia, o silêncio, que não me incomodava, mas
trazia paz. A viagem seguiu tranquila, a Lua dormiu e eu fiquei
acompanhando a linda paisagem pela janela.
Ele interrompeu os meus devaneios.
— Como você está?
— Estou bem! E surpresa por você ter vindo me buscar. Não
precisava, Samuel!
— Eu sei que não, mas quis vir. Quero te levar para casa, Marina!
Ele olha para os meus lábios.
— Eu ainda não tenho casa, você sabe. Já conversamos sobre isso.
— A Bia está ansiosa para te ver, ela que pediu para eu passar para
te pegar, eu falei que viria para São Paulo...
Ah! Então foi a Bia que pediu... — resmungo comigo mesma — e
eu pensando que fosse por mim!
— Quando você chegou em São Paulo, hoje?
— Não, cheguei ontem à tarde, precisava resolver algumas coisas
por aqui e, como você disse que ia embora hoje de manhã, combinei com a
Lua de levar vocês para casa.
— Então vocês já tinham combinado antes do show?
Aumentei o volume da música, Head over heels do Tears for fears.
— Sim, falei com ela à tarde. Eu pedi para ela não falar nada para
você, Marina. Sabia que, se você soubesse, não iria aceitar, seu orgulho
impediria.
— Meu orgulho? É sério que você está dizendo isso?
— Você sabe que tenho razão! Por qual outro motivo recusaria
minha carona?
— Simplesmente porque não quero você perto de mim!
— Eu te incomodo tanto assim?
— Não, mas não consigo ser sua amiga.
— Quem disse que quero ser seu amigo, Marina?
— Então, não deveria me dar carona. Vossa Excelência deveria
cuidar da sua vida e da sua nova namorada.
Ele sorriu, estava olhando para frente, provavelmente se divertindo
às minhas custas.
— Está com ciúmes, Marina?
— Samuel, eu já te enterrei faz tempo!
O silêncio voltou a nos fazer companhia e eu acabei dormindo. Ele
deixou a Lua primeiro e a ajudou com as malas. Ela me mandou um beijo e
fez sinal de que me ligaria depois. Ele voltou para o carro e perguntou, sem
me direcionar o olhar:
— Quer que eu deixe você em algum local específico? Já sabe o
hotel que vai ficar?
O pior é que eu tinha esquecido de resolver isso. Normalmente eu
pedia para a Maria reservar algum quarto para nós, mas, acabei esquecendo
completamente. Respondi sem graça:
— Na verdade, eu esqueci de falar com a Maria. Vou precisar
reservar.
— Vou te levar para a minha casa, então.
Pareceu dar ênfase em minha casa.
— Você usa o telefone de lá para ligar, almoça com a Bia e
aproveita para matar a saudade dela com calma.
Ele estava sério e eu, sem opção. Ele trocou a faixa da música que
tocava. Começou a tocar a minha música, a música que eu tinha feito para
ele, para nós. Meu coração disparou, nunca imaginei que um dia ele ouviria.
Ele estava em silêncio, não falou nada, será que queria me constranger?
Esfregar na minha cara que sabia que eu não o tinha esquecido? Minha
respiração estava difícil, eu estava com vergonha de perguntar qualquer
coisa. Ouvi a voz da Lua na minha cabeça dizendo o quanto eu me expunha
em minhas letras, queria que um buraco se abrisse. Ele voltou a me olhar.
— É a canção mais linda que ouvi em toda minha vida!
— Quando você ouviu? Quando foi a primeira vez que ouviu?
Meus olhos não podem marejar agora! Respirei bem devagar,
tentando esconder o nó que estava na minha garganta, enquanto ele
continuava com os olhos em mim.
— Um dia desses, estava sem sono, com tanta coisa na cabeça, e me
lembrei o quanto você era capaz de me acalmar em momentos assim, então,
procurei por você na Internet e essa foi a primeira música que apareceu.
Dizia tanta coisa, eu quis ligar para você, queria falar com você, mas deixei
para lá.
Por um instante ele me olhou de um jeito doce, mas, novamente sua
fisionomia se fechou. Eu não entendi o porquê, até que olhei para o meu
celular e percebi que ele estava vibrando, era o Lucas e seu nome ocupava
todo o visor da tela do meu celular. Ele se ajeitou no banco e seguiu calado.
Eu desliguei o visor, não podia falar com o Lucas, não agora. Ele saiu do
carro e aquela expressão séria e indecifrável continuou a ocupar o seu rosto.
A Bia e a Maria me esperavam. Abraçar a minha filha era tudo que eu
precisava naquele momento. Ela agradeceu ao pai. Ele entrou no quarto e
por lá ficou.
— A senhora vai ficar por aqui, dona Marina? Ou quer que eu
procure um quarto de hotel?
— Não, pode procurar um quarto pra gente. O Samuel falou para eu
almoçar aqui, mas acho melhor ir embora o quanto antes.
— Mas mãe, o papai até já encomendou a comida no seu restaurante
preferido...
— Ok, Bia. Talvez eu fique para o almoço.
— A campainha tocou e ele saiu para atender. Ele tinha tomado
banho e estava sem camisa, virei o rosto, não queria vê-lo assim, tão à
vontade.
— Papai, fala para a mamãe que você comprou comida para todo
mundo!
— Ela já sabe, Bia. Já falei para ela ficar.
Fiquei. A Bia estava tão animada com os pais juntos, nós
cumprimos bem o nosso papel, lembramos de momentos que dividimos
com ela, de quando ela não dormia à noite e nos deixava feito zumbis no
outro dia, do primeiro dia de aula, do quanto que eu chorei e ele me
consolou dizendo que eu precisava ser forte, mas, quando foi buscá-la na
escola, foi ele que não conseguiu conter as lágrimas. Era tanta história
juntos, tantas lembranças... A Bia estava tão empolgada que não vi o tempo
passar.
Ele lavou a louça, e eu sequei os pratos e guardei no armário. A Bia
estava com a Maria organizando as coisas para irmos para o hotel. A Maria
tinha conseguido um quarto e eu precisava descansar para começar a busca
pelo nosso novo lar.
— Você não quer mesmo ficar?
— Não, conseguimos um quarto, desculpa ter incomodado você e
ter ficado para almoçar.
Eu mantinha a cabeça baixa, me esforçava para não olhar para ele.
— Já disse que não é incômodo.
Ele parou na minha frente, parecia que queria que eu o visse, que
notasse o seu corpo, o seu peito largo, os braços fortes. Desviei o olhar.
— Eu vou para o hotel, Samuel. É melhor assim, para Bia, para
todos.
Ele se aproximou mais, eu olhava para seus olhos, estava
hipnotizada, os dele estavam na minha boca. Eu desejava aqueles braços em
mim, a boca dele na minha. Os olhos dele ardiam, eu inclinei minha cabeça,
queria receber aquele beijo, mas, ele parou, fechou os olhos e me afastou.
Ele não disse nada, só ouvi a sua respiração ofegante — ou seria a minha?
Ele se virou e saiu. Eu fiquei ali, humilhada, me sentindo ridícula. Aquele
babaca só queria provar para ele mesmo o quanto me dominava.
FINALMENTE, CASA NOVA!

Tinha visto mais de dez apartamentos, já estava cansada de tanto


andar para procurar um novo lar, a Maria tinha deixado o que ela e a Bia
gostaram para o final, estávamos indo para ele. A Lua também estava
conosco, mas ela não estava tão atenta, ficou o tempo todo conversando
com o Pedro por mensagens, eles tinham combinado de se encontrar em
Santa Catarina, ele ficaria lá até o dia do show com o Lucas.
A casa tinha uma varanda que daria para colocar uma mesa ou até
uma rede. A fachada dela me agradou, toda de tijolinho à vista. Quando
entramos, percebi que ela tinha um conceito aberto e dava mais visão ao
ambiente, tinha pé direito alto e um pequeno mezanino; o corredor tinha um
tamanho considerável e todos os quartos saíam nele, quatro no total. A Bia
teria um quarto só para ela e a Maria também, e sobraria um para montar
um escritório ou até um pequeno estúdio. Conseguia me ver ali, meu
coração sorria para aquele lugar, elas tinham razão, podia mesmo ser o
nosso novo lar. A Lua estava empolgada, depois de conhecer todos os
cômodos.
— Marina! Aqui é perfeito, eu amei esta casa!
— Sim, eu também gostei.
— Eu te disse, mamãe! Falei para você que ia gostar daqui.
Fiz uma proposta de compra para o corretor e ele disse que me daria
a resposta até o final de semana. Estávamos na terça, ainda teríamos uns
três ou quatro dias de espera, para uma alma ansiosa, parecia anos.
A Bia tinha aula à tarde, por isso o Samuel quis levá-la, eu não me
opus, precisava resolver algumas coisas, a casa ia precisar de móveis e pedi
para a Lua ir às compras comigo.
— E aí, Lua, como estão essas trocas de mensagens com o Pedro?
Pelo jeito vocês têm bastante assunto!
Ela abre um grande sorriso.
— Ele tem um ótimo senso de humor, gosto de falar com ele, não
vejo a hora de reencontrá-lo.
— São só duas semanas, você vai ver que passa rápido!
— E o Samuel, vai mesmo fazer essa viagem? Achei que vocês iam
voltar a ser amigos, mas, percebi que me enganei. Ela parou em frente da
loja para conversarmos.
— Sei lá, Lua. Enquanto eu estava fora, parecia que estava tudo bem
entre a gente, mas, depois que ele foi nos buscar, as coisas pioraram.
Respirei fundo, não queria contar o que rolou entre nós na cozinha.
— Ele ouviu a minha música, Lua, disse que é a música mais linda
que já ouviu.
— A “Sem você”?
— Sim!
— Ele deve ter percebido que você escreveu para ele. Mas, então,
por que as coisas pioraram?
— Ele viu o Lucas me ligando bem no momento que estava
tentando me dizer alguma coisa...
— Putz! Qualquer um ficaria chateado por ser interrompido num
momento desses, ainda mais por alguém como o Lucas.
— Às vezes, acho que ele quer brincar com meus sentimentos, quer
me castigar por eu ter desistido de nós.
— Mas foi ele que desistiu, Má, quando te traiu com aquela garota.
— Sim, mas parece que ele não se contentou em me humilhar
daquela vez...
Notei que tinha pensado alto e mudei rapidamente de assunto.
—Você acredita que nem as mensagens do tal admirador secreto eu
tenho recebido? Ele sumiu.
— E o Lucas? Tem falado com ele?
— Sim, quase todos os dias. Ele disse que está animado com o
show, disse que viu minha apresentação pela Internet e por isso ligou para
parabenizar.
— Que bom, talvez ele tenha decidido deixar para lá esse lance de
admirador secreto e passado a investir como Lucas mesmo.
— Não sei, vai saber!
— E a nova namorada do Samuel? A Bia não disse nada?
— Não, mas a Maria me falou, da última vez, que ela era a primeira
que ele apresentava para a Bia e que estavam firmes. Acho que dessa vez é
sério, mesmo ele negando.
— Ele negou para você?
— Ele disse que era só uma amiga, mas eu sei que ele disse isso
para não ter que dar satisfação, porque falei para ele não magoar a Bia.
— Sei não, acho que ele não vai mais nessa viagem então.
— Será, Lua? Mas ele disse que iria...
— Eu acho que ele queria tentar pela última vez, mas, deve ter
pensado que você e o Lucas estão juntos, o que eu acho ótimo, mas, às
vezes, fico em dúvida. Será que ele não estava falando a verdade?
— Não, claro que não. Eu vi, Lua!
— Independente se viu, Marina. Aquela garota pode mesmo ter
agarrado ele. Você nem deu a chance dele se explicar. E se aconteceu isso
mesmo, já parou para pensar?
— Sim, já pensei. Ultimamente tenho pensado muito nisso, queria
que ele provasse a verdade.
— Provar como, Marina? Ele já levou você até à prefeitura para
ouvir da própria secretária e, mesmo assim, você não acreditou! Um
relacionamento é feito de confiança e, se ele falou a verdade, imagino o
quanto ele sofreu.
— Para com isso, Luana! Você nunca defendeu o Samuel, sempre
achou que ele era capaz de trair e mentir.
— Sim, porque o passado dele não é muito promissor, mas, vejo
que, hoje em dia, as pessoas terminam casamentos por coisas tão pequenas
e tão sem sentido, jogam histórias no lixo como se fossem descartáveis.
Talvez o Samuel não seja esse tipo de pessoa, ele até hoje não conseguiu
virar a página, mostrou diversas vezes o quanto se preocupa com você. Não
sei, foi só um pensamento, acho que o Pedro tem mexido comigo mais do
que deveria.
— Deve ser isso mesmo, você anda falando coisas que não
combinam muito com você.
Entramos na loja. Eu reservei alguns móveis para a casa, tinha
certeza de que ficariam perfeitos lá. Era tão bom começar algo novo e a
casa nova me trazia esse sentimento. Quando eu estacionei o carro na frente
do hotel, vi que o Samuel estacionava logo atrás, pensei que ele fosse
descer, mas foi a Maria que desceu e abriu a porta para a Bia. Ele estava lá,
com aquele olhar perdido, carrancudo, e mal me cumprimentou, fez apenas
um aceno com a cabeça e arrancou com o carro, sumindo em poucos
segundos. Pelo jeito, ficaremos sem nos falar por mais um ano e a Maria
será a nossa intermediária.
A Maria me ajudava a organizar as roupas quando meu celular
vibrou, corri para ver de quem era a mensagem, o admirador secreto
resolveu aparecer! Tinha deixado uma mensagem de texto: “Amei te ver.
Você, no palco, me inspira. Desculpa ter sumido, foi necessário! Ass: Seu
admirador secreto”. Que mensagem enigmática! Como assim? Liguei para
a Lua, contei sobre a mensagem e ela disse que achava que podia ser o
Lucas mesmo, deve ter se referido ao show que viu pela Internet.
Eu já estava cansada de receber essas mensagens e, por isso, dessa
vez respondi de forma bem objetiva: “Não gosto de enigmas, acho que já
está na hora de me dizer quem é você!”. Ele deveria estar com o celular por
perto, porque respondeu rápido: “Ainda não posso me revelar, estou
preparando o momento certo para você saber quem eu sou.” “E, quando
será esse dia?” Ele respondeu ainda mais rápido: “Em breve, muito breve!”
— Tudo bem, Marina?
Eu estava tentando juntar o quebra-cabeça para acabar logo com
isso, mas não conseguia. Ao ver a expressão do meu rosto, a Maria
perguntou:
— É o tal admirador secreto?
— É, ele me mandou outra mensagem, fazia tempo que não me
escrevia.
— Você já sabe quem é?
— Não, Maria. Ainda não faço ideia de quem possa ser. A Lua já
suspeitou do Lucas e também do Samuel.
— Do seu Samuel? Não, não acredito que seja ele. Ele está firme
com a dona Vanessa.
— Hum...
Eu não gostava de ouvir aquilo, mas, era justo, tínhamos o direito de
seguir com nossas vidas.
— Desculpe, Marina, eu não deveria ter dito isso. Eu torço muito
por vocês, pela felicidade dos dois, já desejei muito que voltassem, mas sei
que isso não vai acontecer, ainda mais agora que o seu Samuel parece mais
animado, acho que a Dona Vanessa está dando um jeito naquele coração.
Respondi sem conseguir disfarçar a ironia:
— Que bom para ele, né, Maria?
— Desculpe Marina, falei demais de novo, né? Vou mudar de
assunto.
— Não, tudo bem, eu e o Samuel já estamos separados há tanto
tempo, não faz sentido tratar esse assunto como tabu, que ele seja feliz!
— Que vocês dois sejam felizes. Aliás, como você e o Lucas estão?
— Nos falamos quase todos os dias, mas, nada demais, acho que nos
tornamos amigos. É difícil manter um relacionamento com essa distância e
com a agenda dele.
— E agora tem a sua agenda também, mas, quando é amor, a gente
dá um jeito, Marina.
— Mas, ainda é muito cedo para eu pensar sobre isso, ainda nem sei
se ele sente algo por mim.
O celular da Maria começou a tocar e ela saiu para atender, pouco
tempo depois voltou para dizer que era o Samuel perguntando se a Bia
poderia ir à prefeitura com ele no dia seguinte, ia ter um evento lá e ele
gostaria que ela participasse. Iria buscá-la pela manhã. A ligação dele para a
Maria me fez ter mais certeza de que ele não falaria mais comigo.
— Sim, ela pode ir, sem problemas!
A Bia entrou no quarto e ouviu parte da conversa.
— Para onde vou amanhã, mamãe?
— À prefeitura com o seu pai.
— Ah, sim, ele tinha me falado mesmo, eles vão receber a visita das
crianças da comunidade rural e o papai quer que eu vá conhecê-las.
Ele sempre levava a Bia em eventos assim ou a lugares em que ela
pudesse conhecer diferentes realidades. Ele dizia que precisávamos lutar
por um mundo melhor e mais justo e ela deveria aprender desde cedo a
enxergar os menos favorecidos e as suas causas. Ele gostava de lembrar
como Deus enxergava os necessitados e como nos recomendou lutar por
eles, que tínhamos que ser a extensão das mãos Dele aqui na terra. Gostava
de lembrar para a Bia o terceiro versículo do salmo 82: “Defendei o pobre e
o órfão; fazei justiça ao aflito e necessitado.” Eu sabia que a vida política
para ele era um ministério, era onde ele conseguia fazer a diferença e não
perdia a oportunidade de ensinar isso para a Bia.
— Que legal, Bia!
— Você poderia ir também, mamãe! Acho que o papai não vai se
importar.
— Não, filha. Amanhã já tenho outro compromisso.
Não era um grande compromisso, só queria ficar no hotel mesmo,
não estava a fim de ser ignorada pelo Samuel. Quando ele estava desse
jeito, ele não me dava atenção, não se dirigia a mim, ficava lá, se exibindo
como o cara simpático e esfregando na minha cara que não se importava
comigo. Eu não precisava disso.
Depois que a Bia dormiu, fui até a recepção do hotel buscar alguma
coisa para ler, estava sem sono e boa parte das minhas coisas ainda estavam
encaixotadas na casa dele, inclusive meus livros. Não via a hora de
organizar minha casa e ter as minhas coisas de volta.
Peguei uma revista na recepção, eles não dispunham de muitos
livros e, os que havia, eram de temas que, naquele momento, eu não estava
interessada em ler. No quarto, tinha uma pequena saleta que ficava fora do
quarto principal, acendi o abajur e sentei na poltrona que tinha ali. Era uma
revista que mostrava os eventos da região, por isso a escolhi, lia muito essa
revista antigamente, mas, fazia tempo que não fazia isso. Ela não tinha
grande alcance por isso não a encontrava em outro lugar, só nas cidades da
região.
Fui folheando as páginas e encontrei uma matéria sobre mim. Fiquei
surpresa, tinha uma foto do meu canal no YouTube e algumas fotos minhas,
inclusive com o Samuel. Comecei a ler a reportagem, que falava que a
garota do interior tinha conquistado o coração dos brasileiros com letras que
retratavam sua alma e tinham o poder de tocar os corações. Falava também
que, há um ano, eu tinha me separado do prefeito de uma cidade da nossa
região. Colocaram uma foto linda do meu casamento, nós dois tão
novinhos. Fiquei me perguntando de quando era aquela revista e se ele tinha
visto. Olhei a data da publicação e era recente, daquele mês. Continuei a
leitura e a matéria dizia que suspeitava que eu estava com o Lucas e que
logo me mudaria da cidade pequena para conquistar o mundo. Tinha uma
foto menor de mim e do Lucas no palco. A foto foi tirada bem no momento
em que o Lucas aproximou os lábios dos meus, na nossa primeira
apresentação.
Desejei que o Samuel não tivesse visto aquilo, mesmo sabendo que
essas revistas estavam sempre circulando pela cidade. Fechei a revista e fui
para o quarto. Precisava dormir, mas meu coração estava confuso e queria
falar comigo, porém eu o silenciei, não estava a fim de concluir nada
naquele momento.

Na manhã seguinte, o celular me despertou cedo, pensei que deveria


ser o Samuel, mas, me lembrei que ele não estava falando comigo e sim
com a Maria, então levantei para atender.
— Alô!
— Bom dia, Marina, é o Paulo, corretor de imóveis, tudo bem?
— Oi, Paulo! Tudo bem, e você? Tem novidades?
— Sim, Marina, e acho que são boas.
— Então me conta logo, por favor!
— Olha, Marina, sua oferta de compra inicialmente foi negada.
Mas, não desisti, por isso demorei um pouco para responder. Consegui
ganhar tempo e eles concordaram em vender pelo valor que você ofereceu,
mas só vão oficializar a venda em seis meses. Eles estão em busca de outro
imóvel para investir, desejam um apartamento no litoral e pediram um
prazo maior até eu conseguir encontrar algo que os agrade, porém,
concordaram em alugar para você nesse período.
— Que maravilha, Paulo! Então ele será meu oficialmente em seis
meses, consigo esperar por isso. Quando pego as chaves?
— Marina, assim que você fizer a transferência no valor do primeiro
aluguel e assinar o contrato, a casa será sua!
— Farei isso o mais rápido possível!
— Se você transferir hoje, já assinamos o contrato amanhã e eu te
entrego as chaves.
— Perfeito! Farei isso agora mesmo!
— Obrigado, Marina!
— Eu que agradeço, Paulo!
A Maria e a Bia estavam atrás de mim, ouvindo a conversa.
— Quer dizer que a casa é nossa, mamãe?
— Sim, Bia, é nossa, vamos alugar por enquanto, mas será nossa
oficialmente em seis meses!
— Ela pulou no meu colo e eu quase caí para trás. A Maria também
me abraçou e deu os parabéns pela compra. Finalmente, teríamos um lar.
— Alguém ligou para a Maria e deduzi que era o Samuel que tinha
chegado.
— Vamos Bia, seu pai já está esperando.
A Maria já tinha aberto a porta para sair e esperava pela Bia, eu não
planejava descer com elas.
— Desce comigo, mamãe! Não quero me despedir de você aqui,
quero que vá comigo até o carro, por favor?
Não estava animada para ver a cara do Samuel, mas acabei indo,
mesmo contrariada, para deixá-la feliz.
Para minha surpresa, a Vanessa estava ao lado dele, no banco da
frente do carro. Pensei em dar meia volta, não estava preparada, mas segui
em frente, como se aquilo não me atingisse. A Maria cochichou baixinho no
meu ouvido:
— Ela vai com eles porque ele estará em reunião, ele me deu a
manhã de folga.
— Claro, a nova família perfeita.
Ela desceu do carro toda simpática, veio ao encontro da Bia e a
abraçou como se fossem íntimas. Deveriam ser mesmo! O Samuel também
desceu do carro e pegou a Bia no colo. Ela estava radiante no colo do pai e
eu queria correr de lá, aquela cena estava me sufocando. A Vanessa se
despediu da Maria e então olhou para mim, como se eu tivesse chegado
naquele momento.
— Você deve ser a Marina, né? Muito prazer!
Olhei para o Samuel, queria ver o que ele estava achando daquele
momento, ele estava colocando a Bia no carro e levantou os olhos para me
ver, depois veio dizer alguma coisa sobre o horário que traria a Bia de volta.
Colocou a mão na cintura da Vanessa e ela entendeu que era hora de ir. Ele
olhou de novo para mim, mas eu não estava mais ali, só o corpo estava
presente, não reagi, não falei nada, só me virei e entrei. E eles se foram.
A Maria percebeu meu mal-estar.
— Marina, está tudo bem?
Eu sentia minha garganta queimar, mas recusei deixar as lágrimas
escorrerem, voltei para o quarto, nem respondi nada para a Maria. Tomei
um banho para tentar tirar aquela dor do peito. Decidi que iria parar de
esperar por um milagre, precisava esquecê-lo e não perderia a oportunidade
de ter alguém, não mais.

Fiz a transferência para o número da conta que o Paulo me passou,


enviei o comprovante e liguei para a Lua ir comigo até a loja buscar parte
da decoração que eu havia reservado.
Contei para a Lua sobre a cena que vivenciei pela manhã.
— Quer dizer que agora ele assumiu o relacionamento com ela?
— Sim, Lua. Acho que agora eles vão oficializar a relação.
— Coitada dessa moça, não queria estar no lugar dela.
— Por que coitada? Ela parecia feliz!
— Porque ela ficará para sempre no meio de vocês dois. Não vai
conseguir apagar a história que ele teve com você, nem se quisesse.
— Não deve ser tão difícil assim, existem vários relacionamentos
que dão certo mesmo com um dos cônjuges tendo filhos de outros
relacionamentos.
— Mas não é algo fácil, eu jamais aceitaria algo nesses termos,
gosto de exclusividade.
Ela riu, mas não achei graça. Ela queria dizer que eu estava
condenada a ele? Não era justo!
— Não penso assim, acredito que podemos reconstruir nossas vidas.
— Claro que podem! Você só precisa achar alguém disposto a
dividir o passado e o futuro com você.
— Nossa Lua, você já foi mais amiga!
— Desculpe, Marina, é que eu não me imagino nessa situação, mas,
você sabe o quanto torço para você ser feliz, né? Tenho certeza de que
existe o cara certo para você. Ele vai te encontrar e te achará perfeita para
ele. Pode até já ter te encontrado...
— Espero que sim, Lua.
Eu dormi cedo naquele dia, estava ansiosa para assinar o contrato e
pegar as chaves da minha nova casa.

A Lua Chegou para me ajudar a limpar a casa, compramos pincéis e


tintas, para dar uma repaginada na pintura. Eram muitos cômodos, mas não
iríamos pintar todas as paredes, apenas as que foram rebocadas, a maior
parte delas era de tijolinho à vista, o que dava à casa um ar rústico, ela era
perfeita! Estava ansiosa por aquela transformação, eu queria me envolver
com a casa, mesmo sabendo que poderia pagar para alguém fazer isso por
mim, eu quis participar. Forramos todo o chão com jornais, que pedi para a
Maria conseguir com o Samuel, pois, a prefeitura sempre descartava os
jornais das edições passadas, jogavam fora ou doavam para as escolas
usarem nas atividades de recorte e colagem. Começamos pela sala, era
apenas uma parede para pintarmos, onde provavelmente ficava a TV,
porque estava cheia de marcas de pregos. Eu não sabia que dava tanto
trabalho, meu cabelo caía sobre o olho e quando eu o puxava para trás
lambuzava todo o meu rosto de tinta. A Lua ficou tirando fotos para
publicar no perfil dela. A Bia estava na escola e não achei justo chamar a
Maria para essa tarefa, apesar de ela querer participar. A deixei cuidando do
jardim que tinha no corredor lateral da casa, era um canteiro pequeno, mas
estava com muito mato, o que sufocou boa parte das flores.
Era quase a hora da Bia chegar e nós ainda estávamos na sala, dando
os últimos retoques. O celular começou a tocar e corri para atender, tentei
limpar minha mão na calça, mas não adiantou muito, a calça também estava
cheia de tinta.
— Alô?
— Marina, cadê a Maria? Estou tentando falar com ela!
Era o Samuel e parecia bravo.
— Ela está limpando o jardim para mim.
— Estou aqui no hotel para deixar a Bia e não tem ninguém para
recebê-la.
Eu tinha esquecido de pedir para a Maria avisá-lo que estaríamos na
casa nova.
— Desculpe Samuel, eu esqueci de avisar que estaríamos aqui hoje.
Vou te enviar o endereço por mensagem para você trazê-la.
Ele não conhecia a casa e não seria um bom momento para ele vir,
mas a Bia também queria ajudar, por isso, ela ficaria comigo para participar,
dando sua opinião e auxiliando no que desse para ela fazer.
Cinco minutos depois, ouvi o barulho do carro parando na frente da
casa nova. Achei que ele não fosse descer, a Maria já estava lá na frente
aguardando pela Bia enquanto terminava de plantar as novas flores no
jardim. Eu tinha comprado algumas mudas para ela plantar. Mas ele entrou,
acho que estava curioso. A Lua jogou um pincel limpo nas mãos dele assim
que ele passou pela porta. Eu me assustei, já estava preparada para aquele
jeito rude que ele tinha quando estava bravo, mas ele sorriu, agarrou o
pincel e falou bem-humorado:
— Pelo jeito vocês vão ter muito trabalho!
A Lua respondeu:
— Sim e sua ajuda será muito bem-vinda!
Olhei de canto de olho para ele. Eu estava sobre a escada e pintava
os recortes no canto da parede, ele continuava com o sorriso no rosto.
— A energia já está ligada? Logo vai escurecer e interromper o
trabalho de vocês.
Eu não tinha pedido para ligar energia nenhuma, nem pensei nisso.
Respondi com um olhar de piedade que ele interpretou muito bem:
— Ainda não pedi para ligar.
— Vou tentar resolver isso para você, mais tarde eu volto.
A Lua olhou para mim e fez um sinal de ok com os dedos, tentando
dizer que daria tudo certo.
Eu estava faminta, ainda estávamos pintando o corredor, cinco horas
já havia se passado.
— Marina, estou morrendo de fome! Vamos parar e continuar
amanhã? Está começando a escurecer e nem tomamos café.
— Você tem razão, será que o Samuel conseguiu ligar a energia?
— Ele é o prefeito, Marina, é claro que deve ter conseguido.
Ela apertou o interruptor e a luz acendeu.
— Viu?
Eu abri um sorriso aliviado, um problema a menos para resolver.
Fui jogar uma água no corpo enquanto a Lua terminava de guardar a
tinta que estávamos usando. Ouvi a voz do Samuel falando com ela, ele
tinha acabado de chegar. Quando saí do banheiro, um pouco mais limpa, ele
estava lá, organizando uma mesa que ele improvisou.
— Nossas preces foram ouvidas, Marina.
— Imaginei que vocês estivessem com fome.
— Vou tomar uma ducha, Marina. A Bia e a Maria foram dar uma
volta pelo bairro, a Bia pediu para conhecer a vizinhança.
— Ok, obrigada Lua!
Ela passou por mim e me deu um cutucão. Ele me olhou enquanto
terminava de arrumar a mesa.
— Obrigada!
Ele sorriu, agora parecia aquele garoto por quem eu me apaixonei,
não estava me ignorando ou me evitando, éramos só ele e eu.
— Parabéns pela casa! É muito bonita. Esse estilo rústico valorizou
ainda mais o ambiente.
— Sim, foi uma das coisas que mais me chamou atenção.
— Se quiser minha ajuda, Marina, seja com a pintura ou com os
móveis, pode me chamar. Dou um jeito de sair da prefeitura mais cedo para
ajudar vocês.
— Não quero te incomodar, sei que você tem muita coisa para fazer.
— Não seria incômodo, não me ofereceria se fosse.
— Não vou negar sua ajuda, quero me mudar o quanto antes, não
vejo a hora de sair do hotel, quero a minha cama e um espaço meu.
Aquele olhar que queria dizer algo mais, estava lá novamente, mas
ele não falou nada. Ouvi a Lua desligar o chuveiro e me sentei no chão para
comer o lanche que ele trouxe. Ele me viu sentada e sorriu, deve ter
lembrado de alguma coisa.
— Você não vai comer?
— Não, vou comer em casa.
Provavelmente ele comeria com a Vanessa, ela já deveria estar
esperando por ele, porque o celular tinha tocado algumas vezes enquanto
ele estava lá, mas ele recusou as ligações.
— Na verdade, Marina, eu precisava mesmo falar com você. Não
vou mais para Santa Catarina, conversei com a Bia mais cedo e expliquei
que a situação mudou, não vou conseguir ir junto com vocês.
Eu já esperava por isso, ele tinha deixado claro quando levou a
Vanessa para buscar a Bia. Com certeza passaria o feriado com ela.
— Que bom que você já falou com a Bia, não ia gostar de ter que
dar essa notícia a ela.
— Ela aceitou melhor do que eu esperava, Marina. Fique tranquila!
— Eu estou tranquila, Samuel. Irei a trabalho e vai ser muito bom
dividir esse tempo com a Bia, será a primeira vez dela naquele parque e eu
estou ansiosa por isso.
— Marina, quero que entenda que eu gostaria de passar o feriado
com ela e vê-la conhecer o parque e se aventurar nos brinquedos, mas
precisei fazer uma escolha.
— Eu entendi, Samuel. Sua relação com a Vanessa subiu de nível.
Ele abaixou a cabeça, não negou, não respondeu, só consentiu com
o silêncio. Depois me olhou sério.
— Preciso ir, ela está me esperando.
— Ok, obrigada pela gentileza e, se achar que me ajudar com a casa
vai te prejudicar com ela, não precisa vir, ok?
— Já me comprometi com você, é a casa da minha filha e faço
questão de ajudar.
Quando ele saiu, encontrou-se com a Bia e a Maria que voltavam do
passeio pelo bairro. Ele deu um beijo nela e foi embora.
A Lua saiu do banho e ficou parada na porta do banheiro me
observando, ela me deu um sorriso triste, deve ter percebido o quanto
aquela conversa com ele me feriu.
Voltei para o hotel e pedi para a Maria subir com a Bia, elas se
despediram e eu fiquei ainda um tempo com a minha amiga.
— Você não está bem, né? Por que não fala para ele que o ama e
esquece tudo que aconteceu Marina? Por que prefere maltratar vocês desse
jeito?
— Eu não consigo, Lua. Toda vez que ele se atrasar ou que eu vê-lo
conversando com alguém, vou achar que está me traindo, meu coração não
aguenta passar por isso de novo, ele já me superou.
Ela me abraçou e eu senti as lágrimas escorrerem. Quando estávamos
fingindo ser uma família feliz, eu tinha esperança de que conseguiria
superar aquilo, mas o medo era maior que o desejo de permanecer ao seu
lado, eu não queria sofrer de novo, sentir meu coração esmagado.
— Depois que saí da casa dele, senti tanta falta de nós dois. Não queria
ter que me acostumar a vê-lo definitivamente com outra pessoa.
— Você vai vencer mais essa, amiga! Eu sei que vai!
Eu esperava que sim...
VIRE A PÁGINA

O Samuel cumpriu a promessa e logo cedo estava lá em casa para


nos ajudar. Ele e a Lua estavam brincando um com o outro o tempo todo,
pareciam duas crianças. Eu estava mais concentrada, queria terminar logo e
mudar o mais rápido possível.
— Ei, Má, você está muito séria hoje. Recebeu alguma mensagem
do tal admirador secreto ontem à noite?
O sorriso do Samuel desapareceu. Eu fiz uma cara feia para a Lua,
ela sabia que meu desânimo não tinha nada a ver com as mensagens.
— Ela tem recebido diariamente mensagens de um tal admirador
secreto, ainda não conseguimos descobrir quem é ele, mas nós vamos
descobrir. Ele escreve para ela desde que chegamos a São Paulo. Não seria
você não, né, Samuel?
Eu quase caio da cadeira.
— Por que me passaria por outra pessoa, Luana? O que a Marina
tinha que saber sobre nós, soube pela minha boca.
Sua boca transformou-se numa linha dura.
— É, eu sei, só estava brincando... Eu tenho certeza que é o Lucas.
É a cara desses músicos fazerem isso.
Depois desse comentário sem graça da Luana, o silêncio imperou no
lugar e só foi interrompido quando o celular dela tocou, era o Pedro. Ela
saiu radiante para atender.
— Pelo jeito alguém ganhou o coração dela, né? Quem é?
— É um cara que nós conhecemos no aeroporto, ele pisou no pé
dela e ali tudo começou.
— Com um pisão no pé?
— Sim, inacreditável, né? Mas, no começo, ela não gostou dele não,
na verdade, não podia vê-lo, pegou birra. Mas, aonde íamos, ele estava lá,
parece coisa do “destino”.
Ele riu, sabia que eu dizia aquilo para me referir à vontade de Deus,
ninguém consegue fugir dela.
— O Pedro é dono de uma franquia superfamosa de bares estilo
retrô.
— Eu já vi um bar desses na Internet, até pensei em passar lá
quando estava em São Paulo, é a nossa cara.
— Sim.
— Que bom que ela está feliz.
— É o que parece, ele vai nos encontrar lá em Santa Catarina, ele
mora em Florianópolis.
— Que bom, vamos torcer para se acertarem. Ela é gente boa,
merece alguém que a faça feliz.
— Com certeza!
Ela voltou festejando, se fosse um desenho animado veríamos
coraçõezinhos sobre ela, nós dois rimos.
— Ele disse que está com saudades. Ai, ai!
O Samuel me olhou balançando a cabeça e com um sorriso no rosto,
era engraçado mesmo ver a Lua daquele jeito, suspirando.
Com a ajuda do Samuel, conseguimos terminar mais rápido as
paredes que restavam, mas, com certeza, a pintura levaria a semana toda se
fôssemos só nós duas. Ele precisou voltar para a prefeitura, mas pediu para
a dona Luíza preparar o almoço para a gente. Eu conseguiria me mudar até
o final de semana, graças a Deus!
Os móveis começaram a chegar no dia seguinte, a Bia faltou da
escola para arrumar o quarto dela do seu jeitinho. À tarde o Samuel passou
por lá para ver como tinha ficado, e aprovou, disse que eu tinha tido bom
gosto em tudo.
Era minha última noite no hotel, estava tão feliz que peguei logo no
sono, queria que a noite passasse rápido para finalmente mudar para a
minha casa. Estava em um sonho tão bom, mas ele foi interrompido pelo
toque do celular. Saí do quarto para não acordar a Bia, era o Lucas.
— Te acordei?
— Oi Lucas! Eu estava começando a dormir.
— Me perdoa, Marina, cheguei agora do show. Eu olhei no relógio e
era uma da manhã, até que ele não chegou tão tarde.
— Não tem problema, aconteceu alguma coisa?
— Eu consegui uma folga na agenda e queria te ver. Teria problema
passar o próximo fim de semana com você?
— Claro que não, pode vir!
— Eu não conheço a cidade, você se importa de reservar um hotel
para mim?
— Não, claro. Pode deixar que faço isso. Já sabe o horário que
pretende chegar?
— Chego na sexta-feira, depois das cinco da tarde.
— Então te espero.
— Me manda seu endereço, quero passar para te ver assim que
chegar.
— Mando para você por mensagem de texto, pode ser?
— Perfeito, Marina! Estarei aí semana que vem!
— Combinado, Lucas!
— Até logo, Marina!
— Até mais!
A Maria tinha acordado com a conversa e se aproximou para saber
se estava tudo bem.
— Quer dizer que o bonitão famoso vem ver a senhora?
Eu abri um sorriso, estava feliz por poder vê-lo antes do previsto.
— É, parece que sim.
E não era só a Maria que havia acordado, a Bia também.
— Quando ele chega, mamãe?
— Sexta-feira, Bia.
— Que legal! Vai com ele me buscar no inglês? Minhas amigas vão
amar conhecê-lo.
— Não sei se ele chegará a tempo, Bia. Ele disse que chegaria
depois das cinco, pode ser que você já tenha saído do inglês.
— Poxa, que pena! Mas minhas amigas vão amar saber que ele está
aqui, posso contar né, mãe?
— Ué, pode! Provavelmente elas irão saber de qualquer jeito.
A Bia voltou a dormir, radiante, ela tinha realmente gostado do
Lucas.

Transcorreu tudo bem com a mudança e, com a quantidade de coisas


que tínhamos para organizar, a semana passou voando. Eu esperava pelo
Lucas, ele chegaria por volta das 17h30, e a Bia chegaria a qualquer
momento, o Samuel tinha ido buscá-la. Eu queria evitar que os dois se
encontrassem. Ouvi um barulho de carro estacionando na frente da minha
casa, achei que fosse o Samuel com a Bia, mas era o Lucas. Meu coração
deu um salto de alegria, não tinha percebido que sentia tanta falta dele.
— Oi, Marina! Que bom ver você!
Ele me abraçou e me deu um beijinho no rosto.
— Também estou feliz por te ver, Lucas!
— Então, esta é sua casa nova? Ele estava com os braços na minha
cintura e virou para olhar para o meu novo lar.
— Sim, essa é ela!
Fiquei com o braço na cintura dele, ele me puxou para mais perto,
suas mãos firmes continuavam a me envolver. Estávamos de costas para a
rua e ouvi o grito da Bia logo atrás de nós. Me virei rapidamente e tirei a
mão da cintura dele, mas ele colocou uma das mãos em meu ombro e virou
para receber a Bia. A Vanessa estava com o Samuel, sentada no banco da
frente e, assim que ela o viu, abriu um largo sorriso, não sei dizer se foi por
nos ver tão próximos e deduzir que estávamos juntos ou se era pela chance
de conhecê-lo. O Samuel estava sério, mas, o Lucas foi extremamente
simpático com todos.
— Olá, doce Bia!
Ela que pulou em seus braços. A Vanessa desceu do carro e veio
toda sorridente em sua direção.
— Prazer, Lucas! Sou a Vanessa!
— Oi, Vanessa, tudo bem?
— Sim!
Ela estava toda animada.
— Gosto muito das suas músicas, inclusive, assisti o clipe da música
de vocês no YouTube.
Ela olhou para mim sorrindo. Será que o Samuel também teria
assistido ao clipe e me visto cantar com ele? Olhei para ele, mas ele
continuava dentro do carro, olhando para frente incomodado com a
situação. Chamou a Vanessa e acelerou para alertar que queria ir embora.
Lucas aproximou-se para cumprimentá-lo, mas ele apenas acenou com a
cabeça, sério, deixando claro que eles não seriam amigos. A Vanessa voltou
para o carro e o Samuel arrancou.
O Lucas entrou para conhecer a casa e a Bia o puxou para ver seu
novo quarto. Enquanto ela o alugava, aproveitei para arrumar a mesa para o
café. Eu tinha feito torta de frango, bolo formigueiro, café e suco de laranja.
Não sabia o que ele estava acostumado a comer, então, optei pelo simples,
não queria parecer ser alguém que não sou.
Ele sentou e comeu conosco. Riu das piadas da Bia, conversou com
a Maria e depois me pediu para acompanhá-lo até o hotel, ele queria tomar
um banho e descansar.
— Pensei que pudesse jantar com a gente hoje.
— Não perderia por nada! |Você vai cozinhar para mim hoje?
— Sim, preciso pagar a promessa, não é mesmo?
Ele segurou a minha mão.
— Sim, eu já ia cobrar.
Quando entramos, várias pessoas vieram falar com ele e pedir
autógrafo. Elas também me reconheceram, mas, com certeza ele atraía
muito mais olhares. Conseguimos nos desvencilhar do aglomerado de fãs e
entramos no elevador. Quando a porta fechou, ele me puxou para perto,
meu coração disparou, não sei se foi por ter sido surpreendida ou por saber
exatamente o que ele faria depois. Ele levantou o meu queixo e ficou
olhando nos meus olhos, encostou os lábios nos meus e me deu um beijo
lento que tirou o meu fôlego.
— Faz tempo que quero fazer isso, Marina. Não podia mais esperar.
Ele encostou a testa na minha. Tive a sensação de ter ouvido essa
frase em outro lugar. Será que era mesmo ele o dono das mensagens
secretas? E esse seria o momento certo que ele tanto esperava?
Ele apertou o botão para parar o elevador e ficamos ali, perdidos no
sabor um do outro.
Não me lembro quando foi a última vez que senti meu coração tão
acelerado. Outro grupo de pessoas esperavam por nós. Pacientemente ele
tirou fotos e deu autógrafos para todos que estavam ali, também tirei
algumas fotos com os fãs que pediram. Ele me olhou com aquele sorriso
lindo e piscou. Não sei porque demoramos tanto para viver isso, éramos
bons juntos.
Preparei para o jantar peixe prego em crosta de pera e gorgonzola,
sabia que ele gostava de peixe. Para a entrada fiz a minha famosa casquinha
de siri, que a Bia amava. E de sobremesa, uma torta holandesa na taça.
Quando nos sentamos para comer, a campainha tocou. Maria foi atender,
mas o Samuel já tinha entrado. Ele olhou para todos à mesa, a Bia correu
para abraçá-lo. Ele colocou a caixa que segurava no chão e pegou a filha no
colo. Acho que ele não esperava ver o Lucas ali, já estava tarde, muito
menos constatar que eu tinha feito o jantar para ele, um músculo de sua
mandíbula se contraiu.
— Olá, boa noite!
Sua voz pareceu mais grave.
— Desculpa, Marina, não sabia que o Lucas ainda estava aqui. Eu
só vim deixar suas coisas que estavam lá em casa, trago o resto outro dia.
Ele se virou para sair, mas a Bia o convidou para jantar conosco. O Lucas
permanecia imóvel na cadeira, devia estar avaliando a situação, mas o
Samuel negou e saiu, batendo a porta. A Maria olhou para mim
constrangida e eu tentei parecer o mais normal possível. Ele elogiou tudo e
repetiu algumas vezes. Depois do jantar, a Bia o chamou para jogar
videogame e eu aproveitei para tirar os pratos e colocá-los na lava louça. A
Maria estava comigo, me auxiliando na tarefa.
— O que será que ele veio fazer aqui a essa hora? Não era para
entregar essa caixa!
— Não sei, Maria. Mas não queria que ele presenciasse tão cedo o
meu relacionamento com o Lucas.
— Relacionamento? Quer dizer que vocês estão num
relacionamento? Então deve ter sido isso que o seu Samuel veio espiar.
— Será, Maria? Não sei, não. Mas o Lucas — falei baixinho — me
beijou no elevador do hotel, e foi muito bom!
Ela encostou na pia da cozinha e ficou me olhando com aqueles
olhões arregalados.
— Mas foi só um beijo?
— Não, foram vários, mas se estiver perguntando sobre aquilo não,
não rolou!
— É, realmente é cedo para isso, mas é que vocês, jovens de hoje
em dia, não parecem ter mais regras.
— Na verdade, eu tenho, Maria. E não vou mudar o que acredito só
porque as pessoas fizeram novas regras.
— Não esperava menos de você, Marina! Sempre te admirei por ser
tão segura de si.
—Lucas se aproximou e beijou minha bochecha, cochichou se
podíamos ter um tempo a sós, acho que a Maria ouviu porque chamou a Bia
para dormir e ela, é claro que não queria, mas foi.
— Ouvi dizer que você foi a primeira-dama desta cidade.
— É o que dizem... mas, sim, eu fui.
Colocamos os pés na mesinha que estava à nossa frente, ele me
envolveu em seus braços e eu encostei a minha cabeça em seu peito.
— Parece que ele ainda não lida muito bem com a separação de
vocês, né?
— Engano seu, ele lida muito bem. Ele mudou muito desde que nos
separamos, esse é o novo jeito dele, seco. Acho que ele queria que eu fosse
apenas a mãe da Bia e não me envolvesse com ninguém.
— E você, Marina? Está pronta para virar essa página e começar
algo novo comigo?
— Sim, Lucas, eu estou pronta para nós.
Ele me puxou para o seu colo e me beijou. Eu olhava para aquele homem e
não acreditava que ele estava ali, na minha varanda.
Passamos o dia juntos, ele conheceu o parque da cidade, fez uma
pipa para soltar com a Bia no gramado da praça, brincamos com o
bumerangue e nos sentamos embaixo de uma árvore para comer um
cachorro-quente de um daqueles carrinhos que ficavam sempre por ali.
Ficamos vendo a Bia brincar com outras crianças. Ele acariciava os meus
cabelos e eu sentia paz em seu colo.
— Não existe vida melhor que essa!
— Você leva jeito com crianças.
— Eu levo jeito com você, Marina. Gosto de quem sou quando
estamos juntos. Esse seu jeito simples, de menina, misturado com o jeito de
mulher, me deixa louco e, ao mesmo tempo, me acalma. Desde que te
conheci, só quero estar com você.
— Também gosto de como me sinto quando estou com você.
— E como você se sente?
— Livre, Lucas. Sem dúvidas, sem medos, apenas com o desejo de
estar com você.
Ele sorriu, pareceu feliz de me ouvir. Eu estava! Estar com ele me
fazia esquecer de tudo, eu poderia ficar para sempre ali. O meu celular
começou a vibrar para, mais uma vez, interromper alguma coisa. Precisava
me livrar dele. Olhei no visor e era a Lua, tinha me esquecido dela.
— Oi, Lua!
— Você sabia que estou atrás de você feito uma doida? O que
aconteceu com você garota? Não responde às minhas mensagens e nem
retorna minhas ligações! Fui na sua casa hoje e nada de você.
— Desculpa, Lua, é que o Lucas chegou aqui ontem e estamos
aproveitando nosso tempo juntos.
— Como assim, mulher? Você disse juntos no sentido de juntos?
— Sim, estamos juntos.
Ele piscou para mim.
— Oh, meu Pai! Não perdeu tempo, hein! Isso aí, Marina! Nem
acredito que vocês estão juntos! Está bom, não vou atrapalhar o romance de
vocês, mas, quando ele for embora, vê se me avisa, preciso saber de tu-do!
— Claro que sim, pode deixar!
— Ela pareceu animada no telefone!
— Você conseguiu ouvir tudo, é?
— Um pouco. Ele me puxou pelo braço e levantou meu corpo do
chão.
— Especialmente a parte de estarmos juntos, agora sim você está
junto de mim.
O SEQUESTRO

— Biaaa, vamos! O táxi já chegou!


Ela precisava se apressar, viajaríamos para Santa Catarina. A Maria
estava me ajudando com as malas.
— A Lua vai com a gente, Marina?
— Não, ela vai nos encontrar no aeroporto, ela que está com as
passagens.
— Pronto, mãe, já estou pronta.
— Você ligou para se despedir do seu pai?
— Sim, mamãe!
Chegamos no aeroporto e a Lua já estava nos esperando com as
passagens na mão. Estava empolgada para encontrar-se com o Pedro, que
iria esperar por nós, ou melhor, por ela, no aeroporto de lá.
— O Lucas havia me avisado que não conseguiria nenhuma brecha
na agenda para me encontrar, teríamos que matar a saudade no palco
mesmo.
—Entramos no avião e a Maria começou a fazer o sinal da cruz, Lua
riu.
— Fica calma, Maria. Não vai cair, não!
— Não pode mesmo, não quero morrer desse jeito não.
— Nem eu, muito menos hoje!
Eu sabia bem o motivo dessa resposta, ela estava ansiosa para rever
o Pedro.
— Marina, falei com o César ontem e contei sobre você e o Lucas,
ele ficou todo empolgado. Disse que já sabia que vocês ficariam juntos.
O avião decolou.
— Que saudade dele, Lua. Precisamos marcar alguma coisa para
fazermos juntos.
Eu fechei os olhos, não gostava da sensação do avião subindo, me
enjoava.
— Sim, eu disse isso para ele também. E, Má, o Lucas confessou
alguma coisa sobre ser o tal admirador secreto?
— Não, Lua. Também não recebi mais mensagens.
— Então só pode ser ele!
— Sabe de uma coisa, você nunca me mostrou essas mensagens,
aproveita que estamos aqui no avião e me deixe ler. Quem sabe pego
alguma coisa que você não percebeu.
Entreguei o celular para ela e fiquei esperando pelas teorias. Ela leu
uma por uma, mas, em determinado momento, ergueu uma das
sobrancelhas e ficou com um olhar desconfiado, parecia ter descoberto
alguma coisa.
— O que foi, Luana?
Ela pegou o celular e entrou no meu canal do YouTube, olhava
mensagem por mensagem, até que parou em uma.
— Achei!
— Achou o quê?
— Marina, acho que esse admirador secreto pode ser o mesmo cara
que escreve para você desde o início da sua carreira, olha como ele assina
as mensagens que te envia. Ela estendeu o celular para eu ver.
— Seu admirador secreto.
— Sim, Marina, mas lembra daquele fã que comentei com você, o
Sas?
— Sim, o Sas?
— Ele mesmo, Marina. Esse nome parece uma abreviação de “Seu
Admirador Secreto”. A não ser que seja o Lucas, disfarçado, nas redes
sociais, mas, se não for, esse cara é um estranho, pode ser qualquer um.
— Credo, Lua! Que viagem!
Me endireitei no banco.
— O Samuel me falou algo que me intrigou naquele dia que
brinquei sobre ele ser o dono das mensagens. Ele disse que poderia ser
qualquer um, inclusive um fã e me pediu para cuidar de você, ele acha que
essas mensagens poderiam nos trazer problemas. No começo, achei que
pudesse ser ciúme, mas, Marina, se ele estiver certo, esse cara está um
passo à nossa frente e foi capaz de conseguir informações que eram
confidenciais demais, como o seu número de celular, por exemplo, e onde
você estava hospedada.
— Não sei, Lua. Parece tão utópico pensar nisso tudo, se bem que...
deixa pra lá.
— Se bem que o quê, Marina? Começou, termina.
— Quando chegamos em São Paulo, o César me falou algo sobre
alguém ter ligado no hotel e perguntado se eu estava hospedada lá, ele disse
para a recepcionista do hotel não passar essa informação para ninguém.
— Nossa, Marina! Isso é assustador, vou avisar o Roberto.
— Será que é necessário? Não estamos indo longe demais?
Julgando um inocente?
— Pelo sim e pelo não, é melhor prevenir.
Ela ligou para o Roberto e falou com ele sobre nossa suspeita,
lembrei que o motorista, no último show, tinha recomendado um segurança,
depois que um fã me abordou.
Descemos do avião e vimos o Pedro esperando pela Lua. Não foi tão
difícil reconhecê-lo, ele estava com um buquê de rosas vermelhas, um tanto
significativa a cor das rosas... Ela correu para os seus braços e pulou em seu
colo, ele não teve nenhuma dificuldade para segurá-la e, pelo beijo que
estavam dando, eu sabia que não veria minha amiga nessa viagem.
— Nossa, gente, desse jeito as pessoas vão escorregar nesse mel!
Eles me olharam com um sorriso, com aquele olhar de apaixonados,
e retomaram de onde pararam.
Deixamos as malas no hotel e fomos conhecer a cidade. O Pedro era
o guia e nos levou para vários pontos turísticos, mas o que nós queríamos
mesmo era o parque. Como estávamos cansados da viagem, ficou para o
outro dia.
A Lua ficou em um quarto próximo ao do Pedro, e eu, a Bia e a
Maria, no mesmo quarto. Notei que tinha uma mensagem do número
desconhecido e abri para ler, ele disse que finalmente eu iria conhecê-lo.
Aquela mensagem me assustou, não podia ser o Lucas, liguei para ele na
mesma hora, precisava eliminar essa dúvida de uma vez por todas.
— Lucas?
Pela voz, ele parecia cansado.
— Oi, linda! Fez boa viagem?
— Sim, sei que o dia está corrido para você, mas vou ser breve.
— Pode falar tranquila, estou no intervalo da entrevista.
Ele estava dando uma entrevista em uma rádio local, por isso não
teríamos muito tempo para conversar.
— Lucas, alguma vez, você me enviou flores ou me mandou
mensagens anônimas?
— Não, claro que não! O que está havendo, Marina?
— Não tenho muito tempo agora, mas acho que tem um fã tentando
me encontrar, não sei o motivo, mas está me deixando assustada.
— Como assim, um fã? Você falou com o Roberto? Precisa de um
segurança urgente.
— Eu estou bem e vou ficar bem. Preciso desligar.
Eu sabia que não tinha muito o que fazer e, de qualquer forma,
estava sozinha naquele hotel e, o pior, com minha filha. Pensei em ligar
para o Samuel e pedir para ele passar o feriado conosco, mas achei que o
Lucas não entenderia. Embora minha preocupação fosse principalmente por
nossa filha, não tinha o direito de incomodá-lo e, muito menos, de chatear o
Lucas. O melhor a fazer era deixar esse assunto pra lá, era apenas
especulação e eu poderia assustar a Bia.
Não vi mais a Lua depois que voltamos para o hotel, preferi jantar com a
Maria e a Bia por ali mesmo. O Lucas me mandava mensagens sempre que
conseguia um tempo livre, eu o deixara preocupado.
Na manhã seguinte, Pedro combinou de nos levar à praia, deixamos
o parque para o sábado. Estávamos conversando no carro quando a Lua
voltou a falar sobre as mensagens.
— Contei para o Pedro e ele tem a mesma opinião, Marina, por isso
falei para o Roberto providenciar o mais rápido possível alguém para ficar
com você.
— Sim, Marina, concordo com a Lua, mesmo que você esteja no
início da carreira, já é bem conhecida pelas pessoas e isso faz de você um
alvo fácil.
— Ele me mandou uma mensagem ontem à noite.
— Mandou? O que ele falou dessa vez?
— Disse que ia me ver. Não sei o que ele quis dizer com isso.
— Ele deve estar na cidade.
— Marina, você falou com o Lucas? Precisamos achar esse cara.
— Sim, já falei, mas, Lua, não vou fugir. Talvez estejamos fazendo
tempestade num copo d’água. É natural receber mensagens de fãs.
Ela não ficou muito satisfeita ao me ouvir, mas eu não podia
permitir que isso estragasse o final de semana, ainda mais agora que
tínhamos combinado de levar a Bia à praia. Ela estava animada e, como era
sexta-feira, eu acreditava que ia estar mais movimentado, nenhum fã
maluco ia dar o ar da graça em lugares movimentados.
O Pedro estacionou o carro em um calçadão próximo da praia, o dia
estava com um sol agradável e muitas crianças brincavam na areia e faziam
castelinhos. O Pedro armou uma rede para brincar de peteca com a Bia e eu
e a Lua ficamos deitadas na canga para pegar um sol. A Maria escolheu
uma barraca um pouco mais distante, disse que não tinha mais idade para
ficar tostando e preferia a sombra.
— Lua, vamos dar um mergulho?
— Agora não, Má! Quero ficar mais um pouco no sol.
A água era tão limpa, dava para enxergar os peixinhos que se
aproximavam, comecei a acompanhá-los e quando me dei conta, a água
batia no meu pescoço. Achei melhor voltar, mas as ondas começaram a me
empurrar na direção oposta da que eles estavam, já não conseguia ver a Bia
tão nitidamente como antes. Comecei a dar braçadas para chegar ao lugar
mais raso, mas, quando consegui sair do mar, ouvi uma voz atrás de mim.
— Não foi tão difícil te achar!
Ele não era estranho, já o tinha visto em algum lugar, mas não me
lembrava onde.
— Eu conheço você?
— Sim e não. Mas posso dizer que falo frequentemente com você.
Faz tempo que estou à sua procura e, da última vez, fomos interrompidos.
Comecei a me recordar dele, era o fã que me assustou no meu
último show em São Paulo. Foi por causa dele que o motorista tinha
sugerido um segurança.
— Eu me lembro de você. Foi você que me abordou depois da
minha apresentação em São Paulo, não foi?
— Sim, eu mesmo! Tinha planos para você naquela noite, mas
aquele motorista atrapalhou. Você gostou das flores que deixei para você no
hotel?
— As flores? — minha voz falhou. Como assim tinha planos? Que sujeito
sinistro!
— Te enviei mensagens quase todas as noites, queria saber onde
estava, o que fazia. Te acompanho desde o início de sua carreira. Pesquisei
sobre você, descobri que era casada com um prefeito, não foi muito difícil
descobrir tudo isso, suas redes sociais contam muitas coisas. Sabia que não
seria difícil te encontrar. Quando soube que você iria para São Paulo para
gravar com o Lucas de Capri, esquematizei tudo com os parceiros e quase
fui preso por isso.
— Preso? Como assim preso?
— Porque entrei em todos os hotéis possíveis, em São Paulo, para te
encontrar. Mas errei a data que você chegaria, entramos no hotel no dia
errado e, por isso, a atenção dos policiais se voltou para nós.
— Como sabia sobre o hotel?
— Simples, Marina. Todo mundo sabe que aqueles hotéis recebem
muitos artistas, só precisava acertar em qual deles você estava. Enviei flores
para todos, não assinar foi só a isca, sabia que uma hora elas seriam
entregues, pedi para notificarem quando as recebesse, então, achar o hotel
não foi tão difícil. Mas essa não é a pergunta que você deveria ter feito.
Você deveria me perguntar o porquê escolhi você.
— E por quê?
— Porque vi seu canal. Por alguma razão, recebi a notificação da
sua música e suas letras tristes e melancólicas chamaram a minha atenção.
Pessoas como eu, Marina, buscam oportunidades, e você me deu uma
oportunidade perfeita quando encontrei seu perfil antigo em uma rede
social, onde você deixou públicas as suas informações de contato. Vocês,
em início de carreira, não são cuidadosos. Foi só enviar as flores para o seu
hotel para receber a confirmação de onde você estava. Precisava ganhar a
sua atenção para você responder à mensagem, eu já tinha jogado a isca, e
você, Marina, respondeu.
Fiz força para me lembrar daquele perfil, mas não me recordava,
não o usava mais e, para mim, ele nem existia. Minha cabeça começou a
girar, me dei conta de que minha inocência havia cavado a minha cova.
Olhei em volta e não tinha ninguém próximo para eu pedir ajuda, as pessoas
estavam distraídas, brincando, ou embaixo dos guarda-sóis. Ele falava,
falava e eu não escutava mais nada, só pensava numa maneira de fugir.
— Eu estou com a minha filha aqui, eu preciso voltar. Eu comecei a
andar, mas ele segurou o meu braço e começou a me puxar.
— Não! Só irá vê-la se o prefeito ou o cantor forem generosos.
— O que você quer dizer com generosos? — Tento puxar o meu
braço.
— Quero dizer que você irá comigo, Marina, e vai agir naturalmente
se não quiser ser furada e traumatizar toda essa gente. — Senti a ponta da
faca em minha cintura. Minhas pernas tremiam, meu coração parecia saltar
do peito, maldita a hora que decidi entrar na água! As pessoas olhavam para
mim, mas não percebiam o que estava acontecendo. Eu pensei em gritar por
socorro, mas tinha medo de ele usar aquela faca. Nos aproximamos de uma
van branca, parada no calçadão da praia, era para ela que ele me levava. Vi
que tinha alguém no volante, à nossa espera, mas, antes de ele abrir a porta,
ouvi uma voz gritar:
— Solta ela!
Ele estava atrás de nós e não percebeu que o homem que me
segurava estava em posse de uma faca. Ele virou e acertou o seu abdômen.
Eu gritei. Ele tentou golpear novamente, mas o Samuel bloqueou o golpe e
acertou a sua traqueia. A faca caiu no chão, ele se assustou e entrou na van
para tentar fugir, o motorista que estava à sua espera deu a partida, mas as
pessoas ouviram o meu grito e chamaram os policiais que faziam ronda na
praia, a viatura da polícia foi atrás deles. Eu corri até o Samuel, ele estava
no chão, com os olhos fechados e com as mãos sobre o corte, tinha muitas
pessoas em volta dele, curiosos que estavam na praia e correram para ver o
que estava acontecendo.
— Samuel, você está me ouvindo?
— Eu estou bem, Marina.
— Chamem uma ambulância!
— Já está a caminho.
Eu rasguei um pedaço da camisa dele e pressionei a ferida, seu
corpo tremia e sua cor havia sumido. Ajudei-o a se acomodar melhor no
chão. Comecei a fazer perguntas a ele enquanto aguardávamos o socorro,
estava com muito medo de ele desfalecer.
— Você é casado? Tem filhos?
Alguém falou atrás de mim:
— Você deveria perguntar uma coisa de cada vez.
— Você tem filhos?
— Sim, é linda como a mãe.
— Aguente firme, Samuel, aguente firme.
Eu estava tentando controlar o choro, mas não conseguia, morria de
medo do que poderia acontecer.
— Pare de chorar, Marina, sua voz estava fraca, a Bia precisa de
você.
— Não fala besteira, Samuel. Ela precisa de nós dois.
A equipe do Samu chegou para socorrê-lo, fui junto para o hospital,
alguém me deu uma canga para colocar sobre o biquíni, não podia deixá-lo
sozinho, mas durante o trajeto ele apagou. Eles correram com ele para
realizar uma cirurgia e eu fiquei na sala de espera desolada, aguardando por
notícias.
Pedro e a Lua chegaram pouco tempo depois, eles disseram que a
Bia tinha ficado com a Maria no hotel.
— Como ele está, Marina?
— Eu não sei, Lua, ele estava bem fraco...
Ela me abraçou. Ficamos o dia todo no hospital, aguardando por
notícias. As informações que nos davam não eram muito precisas, diziam
apenas que deveríamos esperar. Sete horas mais tarde a Vanessa e os pais do
Samuel chegaram no hospital, eu tinha ligado para avisar os pais dele e eles
devem ter avisado a Vanessa.
A mãe dele veio falar comigo.
— Alguma informação nova, Marina?
— Ainda não.
Os olhos da Vanessa me olhavam furiosos, ela devia me culpar pelo
que aconteceu. Pouco tempo depois, o Lucas também chegou.
— Como você está?
— Eu não estou muito bem, foi por pouco, Lucas...
Eu o abracei. Ele beijou meu rosto.
— Eu sei, eu sei, queria ter feito alguma coisa para evitar tudo isso...
Você não pode mais andar sozinha por aí.
— A culpa foi minha, se eu fosse mais atenta, isso não teria
acontecido.
— Não fala isso! Você não tem culpa de nada, foi uma fatalidade.
Ainda bem que ele não te fez nenhum mal.
— Sim, o Samuel chegou a tempo.
— Eu não sabia que ele faria essa viagem.
— Eu também não. Ele havia dito que não viria.
A Lua interrompeu a nossa conversa:
— Eu liguei para ele, Marina, falei com ele ontem, assim que
chegamos, sobre nossa suspeita e, hoje de manhã, sobre a última mensagem
que você recebeu, mas ele já estava aqui, ficou receoso, avisei para ele onde
nos encontrar e, graças a Deus, ele chegou a tempo.
A enfermeira entrou na sala de espera para nos dar notícias.
— Boa noite a todos! O paciente está no quarto, a cirurgia ocorreu
bem e agora ele precisa descansar. Apenas um de vocês poderá entrar para
vê-lo.
Vanessa se adiantou:
— Eu vou, sou a namorada dele.
— Quem é a Marina?
— Sou eu.
— Ele perguntou por você, acredito que queira te ver primeiro.
Vanessa veio para cima de mim feroz.
— Por que ela? É por sua causa que ele está aqui, Marina! Porque ele acha
que tem um dever com você, por causa da filha que vocês tiveram juntos.
Você sabia, Lucas, que ela liga para ele para tudo? Para ajudar com
repórteres que ela fala demais e precisa processá-los para os calar, para
pedir carona para as viagens, ajudar a pintar a casa e até para salvá-la de
psicopatas que a seguem pelas redes sociais! — Gotículas de saliva
saltavam de sua boca enquanto ela esbravejava as palavras em minha
direção.
— Não, não, não! Fui eu que liguei para ele em todas essas
situações. Conheço o Samuel há anos, estudamos na mesma escola, por
isso, sempre era nele que eu pensava quando precisávamos de ajuda. A
Marina não tem nada a ver com isso, Lucas, ela nem sabia.
Ela estava totalmente alterada.
— Não interessa! Ele não tem mais nada com ela, e nem pense em
usar a filha dela como desculpa!
A enfermeira interveio:
— Decidam o que vão fazer, mas precisam se acalmar, senão,
ninguém vai entrar para vê-lo.
— Eu vou embora, pode entrar, Vanessa. Você tem razão em estar
descontente.
Os pais do Samuel tentaram me impedir, mas eu saí. O Lucas veio
atrás de mim e me deu carona até o hotel. Ele ficou em silêncio, não falou
nada durante o trajeto.
— Me desculpe por isso.
— Você não teve culpa, Marina.
— Eu entendo a Vanessa, embora tenha doído muito ouvir todas
aquelas acusações.
— Marina, é muito difícil para mim ter que te dizer isso, mas, vocês
precisam se resolver, tem muitas coisas entre vocês que não foram
esclarecidas, e manter um relacionamento assim é complicado, parece que
estamos no meio dos dois.
— Nós não temos nada para resolver, Lucas. Estamos separados há
anos, nosso único elo é nossa filha e nosso amor por ela.
— Eu entendo, Marina. Mas, às vezes, dá a impressão de que tem
muita coisa que ficou mal resolvida.
— Todo casamento, quando acaba, deixa coisas mal resolvidas, mas
isso não significa que queremos ou que devemos resolvê-las.
— Bom, Marina, eu não entendo sobre casamentos e separações.
Você precisa descansar, sei que tudo isso te abalou muito, vou cancelar sua
participação no domingo. É melhor você tirar esse tempo para você.
Eu queria discordar dele, dizer que faria o show, mas tudo aquilo me
abalou muito.
— Obrigada por isso!
—Ele me deu um beijo e foi embora. Eu sabia que toda aquela
situação também tinha mexido com ele.
A NOVA MÚSICA

Faz duas semanas que voltei para casa. Não vi mais o Samuel. Ele
recebeu alta há dois dias e está em sua casa, mas não quero ficar entre ele e
a Vanessa. Depois de tudo o que ela falou, achei melhor me afastar.
O Lucas está em turnê, nos falamos todos os dias por telefone, mas
essa distância me angustia, precisava dele ao meu lado, ainda me sentia
insegura, mesmo sabendo que o “Sas” estava preso. Descobri que o nome
dele era Edson e tinha uma extensa ficha criminal, com assaltos à mão
armada, formação de quadrilha, sequestros e estupros. Ele e o motorista da
van foram pegos no mesmo dia, parece que durante a fuga, eles bateram a
van, se feriram bastante, mas sobreviveram. Estavam na cadeia, aguardando
o julgamento.
A Lua pesquisou sobre o assunto e vimos que é uma coisa muito
comum psicopatas que procuram suas vítimas através das redes sociais. As
plataformas favorecem a ação de criminosos porque grande parte da
população expõe seu cotidiano nas redes, fornecendo informações
privilegiadas para que eles exacerbem sentimentos diversos. Graças a Deus,
eu sobrevivi, mas, comecei a repensar se era aquele tipo de vida que eu
queria para mim. Viver longe da minha filha, em aviões, dormindo em
hotéis, perdendo a minha liberdade, será que isso não seria uma prisão?
Eram questões que eu tentava responder. Eu amava tocar e cantar, libertar a
minha alma através das letras que eu compunha, porém, tinha colocado tudo
na balança.
Eu estava sozinha em casa, a Bia estava com o pai, então, decidi dar
uma volta pelo parque da cidade e vi minha bicicleta encostada na parede,
parecia tão solitária quanto eu.
— Vamos lá, menina. Vamos dar uma volta!
Coloquei o capacete, fones de ouvido, selecionei as músicas que eu
mais gostava de ouvir e saí para pedalar. Eu queria fugir de toda aquela
angústia que apertava o meu peito, ansiava por respostas e, principalmente,
desejava esquecer todo aquele pesadelo. Eu pedalei pela ciclovia, onde fica
o parque da cidade, local em que, dias atrás, estava com a Bia e o Lucas. A
vida é interessante, um dia temos certezas absolutas do que queremos e em
outros, só restam dúvidas. A conversa com o Lucas, no carro, me fez
questionar muitas coisas. A raiva que eu sentia pelo Samuel aumentou, eu o
culpava. Se ele tivesse sido fiel à nossa história, ao nosso casamento, nada
daquilo teria acontecido. Talvez, o Lucas tivesse razão, ainda tínhamos
coisas pendentes, assuntos que nunca foram totalmente esclarecidos. Dizer
que eu não amava o Samuel era mentir para mim mesma. Eu o amava, era
fato e, tentava esquecê-lo há seis anos, mas ainda não tivera sucesso. Mas,
eu sei que não consigo mais vê-lo como antes. Desejei por muito tempo,
nunca ter visto aquela cena ou ouvido o que a Bruna me disse ao descer do
carro. Prendi a bicicleta num paraciclo próximo à cafeteria, precisava de um
café.
— Oi, Marina, tudo bem? Quanto tempo não vejo você! Desde que
começou a sua carreira como cantora.
Era a Mila, estudamos juntas no colégio, os pais dela eram os donos
da cafeteria.
— Oi Mila, pois é, voltei faz duas semanas, passei por aqui e não
resisti ao cheiro de café.
— Ah! Fico feliz que você ainda goste do nosso café. E como você
está? Eu acompanhei pela TV o que aconteceu com vocês. Como está o
Samuel? Soube que ele voltou para casa, né?
— Sim, graças a Deus, ele está bem, mas ainda não o vi desde que ele
chegou. Muita gente queria vê-lo, ainda mais com a vida pública na cidade,
achei melhor dar espaço para essas pessoas — dei uma desculpa.
— Sim, eu entendo. Mas como vocês estão, Marina? Sei que não é
da minha conta, mas nunca vou entender porque vocês continuam
separados, é óbvio o amor que vocês sentem um pelo outro.
— Estamos bem. Na verdade, amamos a história que construímos
juntos e a nossa filha.
As pessoas não têm muita noção quando estão curiosas, cada
pergunta que ouço!
— Olha, Marina, sei que vocês seguiram cada um o seu caminho,
mas todo mundo aqui da cidade torce por vocês, inclusive eu.
Eu estava sem graça, não sabia o que dizer. Ela foi atender outras
pessoas que chegaram na cafeteria e eu fiquei ali, sozinha. Minha mente
estava agitada com pensamentos e perguntas, por isso, levantei e saí, sentei
no banco da praça e fiquei olhando as pessoas que passavam, os casais
apaixonados, as famílias com seus filhos, os idosos com o peso do tempo
curvando suas costas. Eu precisava acalmar a tempestade que havia em
mim e só tinha uma pessoa que podia me ouvir sem eu precisar,
efetivamente, externar as palavras de forma audível, então, foi a essa pessoa
que me dirigi:
“Senhor, sei que há muito tempo não conversamos, acho que te
culpei por tudo o que aconteceu em meu relacionamento, mesmo sabendo
que não era culpa sua. Talvez, por acreditar que eu seria imune, por
acreditar que nada me aconteceria, porque o Senhor era aquele que eu via
como meu protetor. Sempre tive tanto medo de viver a vida, sempre temi ser
ferida por ela, mas, agora, percebo que são essas coisas que me fizeram ser
a mulher que sou hoje. Me dei conta de que meu grande sonho era ter uma
família e esse sonho foi desfeito. Não sei mais se consigo acreditar que é
possível ser feliz em um novo relacionamento ou até em uma nova família.
Não tenho forças para viver situações como essa, acredito no amor de uma
forma diferente, clássica, fiel, eterna, por que não? Acreditei que viveria
tudo isso ao lado daquele que me deu meu o maior presente da minha vida,
a minha filha, mas meu coração foi destruído e minha coragem de
continuar, também. Já não sei se fui injusta ou não, mas não consigo
prosseguir, eu o amo. Me ajude a reconstruir os pedaços que restaram do
meu coração, a enxergar o amor com pureza. E se eu tomei a decisão
errada ou julguei errado, me ajude a enxergar, mas, se não, apague essa
dor e me ajude a recomeçar, a confiar, a amar, a ser feliz de novo!”
Parecia que um peso saíra de dentro de mim, eu me sentia mais leve e
lembrei o quanto era bom falar com Ele. Peguei a bicicleta e voltei para
casa, porém, dessa vez, com o coração mais esperançoso. Aquela noite
dormi como há muito tempo não dormia.
— Dona Marina! Vi que a senhora dormiu na cama com a Bia e não
sabia se a acordava ou não para ir para o seu quarto.
— Fez bem, Maria. Eu estava com saudades de dormir abraçada
com a minha princesinha.
— Eu também, mamãe! Ah, o papai perguntou por você ontem, eu
disse que você estava bem.
— Ah, é? Tinha muita gente lá ontem, eu não quis incomodar.
— Acho que você não incomodaria não, mamãe. Ele disse que
queria falar com você.
Ela penteava o cabelo da boneca.
— Vou te levar para a escola e depois passo por lá.
Falei, mas não sabia se ia passar, não queria que ela soubesse da
discussão que tive com a Vanessa e morria de medo de encontrar com ela
por lá.
— E o Lucas, já disse quando poderá vir para cá?
— Ainda não, Maria. Ele disse que a agenda está bem cheia.
— As agendas de vocês são difíceis de conciliar, né? Você terá que
se acostumar com essa distância, mas ele é um bom rapaz.
— Sim, ele é.
Deixei a Bia na escola e pensei em ligar para a Lua, mas, o Pedro
estava com ela, aproveitando as suas férias, por isso não quis incomodá-los,
porém, ela me ligou no meio da manhã.
— Marina, onde você está?
— Estou em casa, por quê?
— Ia te pedir para me encontrar no shopping, o Pedro quer me levar
para conhecer os pais dele no final de semana e, como você deu uma pausa
nos shows, aceitei ir, mas queria comprar alguma coisa para levar para a
mãe dele, quero que ela goste de mim.
— Lua, ela vai gostar, independente se você der ou não algo para
ela. Mas eu vou sim, te encontro onde?
— Na praça de alimentação, pode ser?
— Ok, te mando mensagem assim que eu chegar.
— Combinado.
Sentei em uma das mesas próximas a um quiosque de açaí e mandei
uma mensagem para avisar que tinha chegado. Como a Lua estava
demorando para visualizar a mensagem, pensei em pedir um, a moça que
veio me atender me fez desejar dar meia volta e sair, era a Bruna, quando
ela me viu fez uma cara estranha, parecia constrangida ao me entregar o
cardápio.
— Olá, Marina, não sabia que estava na cidade.
— Pois é, tive que retornar antes do previsto para resolver algumas
coisas, mas logo vou voltar para a estrada.
Um grupo de adolescentes passou por nós e pediu uma foto, fiquei
aliviada ao ser interrompida por eles.
— Eu soube dos problemas que teve, fiquei preocupada com o Samuel, ele
está bem? Pensei até em ir pedir... — Ela parou de falar.
— Pedir o quê?
Ela suspirou e olhou de um lado para o outro, parecia
desconfortável.
— Talvez aqui não seja o melhor lugar para falar com você sobre
isso, mas precisava me desculpar com o Samuel, eu sinto muito pelo que
fiz... vocês passarem.
Tentei parecer madura.
— Acho que a culpa não foi só sua.
Ela fez uma longa pausa e depois completou:
— Na verdade Marina, foi sim. O Samuel só me deu carona porque
o meu carro quebrou perto da prefeitura. Ele tinha compromisso e eu insisti
para ele me levar, eu não podia perder meu emprego. Não queria pedir para
ele fazer isso, fazia muito tempo que não nos falávamos, desde que ele
assumiu o relacionamento de vocês. Eu tinha raiva de você, achei que vocês
não iam durar, fui atrás dele várias vezes, mas ele não queria mais nada
comigo. Era humilhante ter que pedir ajuda para ele, mas eu não tinha mais
ninguém. Ele foi gentil, me deixou próximo do trabalho, mas, aí eu vi você
e o beijei, eu sabia que você ia ver e eu quis te ferir, por isso, quando desci
do carro, disse aquilo para você, queria ter certeza que seu coração se
destruiria, assim como o meu, quando ele preferiu você.
Meus olhos encheram de lágrimas, uma raiva subiu em meu peito,
queria esfolar a cara dela, mas não o fiz. Nada mudaria o fato de eu ter
permitido que ela destruísse o meu casamento ou de ter acreditado tanto
nela e na cena que vi e ignorado tudo o que o Samuel sempre tentou me
dizer. Minha voz estava embargada.
— Por que você está me falando isso só agora? Por que foi tão mesquinha a
esse ponto? Eu não tirei o Samuel de você, vocês já estavam separados e eu
nunca dei em cima dele enquanto vocês estavam juntos, nunca imaginei que
ele um dia pudesse olhar para mim.
As minhas lágrimas escorriam.
— Eu tive medo dele morrer e eu nunca ter a chance de pedir
perdão, percebi que isso me perseguiria pelo resto da minha vida. Mas, não
posso negar que fiquei feliz ao ver a sua reação naquele dia, o meu desejo
era separar vocês. Quando vi que permaneceram juntos, fiquei com tanta
raiva! Eu sabia que você tinha perdoado, que acreditou no que ele te contou.
Olha, Marina, sei que você tem todos os motivos do mundo para me odiar,
mas ele escolheu você.
— Você está enganada, eu nunca acreditei na versão dele, aquela sua
frase nunca saiu da minha cabeça. Toda vez que ele se atrasava, eu via
vocês dois juntos, porque foi isso que você me disse, lembra? Que era para
a sua cama que ele voltava, que ele nunca tinha te deixado... Você se
lembra?
Ela abaixou a cabeça.
— Sim, eu lembro bem o que eu disse. Queria que a dúvida te
perseguisse.
— Você destruiu o meu casamento!
— Marina?
A Lua chegou e percebeu o clima tenso.
— Está tudo bem por aqui?
— Vamos, Lua, não tenho mais nada para fazer aqui!
Limpei as lágrimas e saí, mas algo me fez voltar e dizer para ela que
eu a perdoava, não queria mais minha vida presa naquela história.
— Desculpe, Marina, eu não sabia que ela estava trabalhando aqui,
ela sumiu, nunca mais tinha visto essa mulher.
— Tudo bem, Lua. Foi bom ter falado com ela, pelo menos ela teve
a decência de falar o que aconteceu naquele dia entre ela o Samuel.
— E o que ela disse, Marina? Por que resolveu falar só agora?
— Ela disse que tinha medo do Samuel morrer e nunca se desculpar.
Ela confirmou o que o Samuel repetiu por todos esses anos, Lua.
Ela deu um sorriso compreensivo e me abraçou. Eu chorei de novo,
acho que choraria para sempre, sentia raiva por não ter confiado nele, eu
permiti que ela destruísse nossa história, nosso casamento, o amor que
tínhamos um pelo outro.
— E o que você pretende fazer agora, Marina? Você já pensou
nisso?
— Nada, não vou fazer nada, eu o perdi, Lua. Por minha causa, por
causa do meu orgulho, não há mais nada a ser feito. Ele seguiu a vida dele e
eu estou tentando seguir a minha.
— Mas ele precisa saber que você finalmente ouviu a verdade dela e
você precisa pedir perdão para esse homem, Marina. Aliás, eu também
preciso, também o julguei.
Chorando convulsivamente, cubro o meu rosto com as mãos.
— Eu sei, mas estou tão envergonhada, estou com tanta raiva de
mim...
— Eu sei, querida, mas não dá mais para adiar esse assunto, você já
faz isso há muito tempo.
Ela me puxou para outro abraço. Eu não sabia nem por onde
começar, mas sabia que precisava falar com ele. Falei para a Lua que não
conseguiria ajudá-la a escolher o presente da sogra, precisava ir para casa,
colocar a cabeça em ordem e criar coragem para falar com o Samuel.

A Bia ainda não tinha chegado da escola e a Maria estava


preparando algo na cozinha, ela viu quando cheguei e notou que eu havia
chorado. Contei para ela toda a história e ela disse que sempre acreditou
nele, mas que era mais fácil para ela enxergar as coisas, pois não estava
envolvida emocionalmente. Ela disse que ele tinha me ligado duas vezes
aquela manhã. Eu sabia que ele estava preocupado comigo, com certeza
queria reforçar a importância de eu ter um segurança, mas, eu não estava
pronta para vê-lo, ainda não. Ele não ia desistir de falar comigo, iria me
passar um sermão por não ter me cuidado ou coisa do tipo.
Falei para a Maria que ia me deitar um pouco e pedi para ela atender
os telefonemas. Tomei uma ducha para tentar tirar aquela sensação de dor
no peito, o banho sempre me aliviava. Deitei na cama para tentar acalmar as
coisas e arrumar coragem para falar com ele. Mas alguém bateu na porta e
impediu que eu tivesse aquele momento comigo mesma. Levantei para abrir
contrariada, falei para a Maria que precisava ficar sozinha, mas, quando a
porta abriu, era ele que estava parado do outro lado, imenso, abatido ainda,
mas estava ali, parado na minha frente. Eu não estava preparada, queria
abraçá-lo, pedir perdão, mas não fiz nada.
— Você está me evitando? Não respondeu às minhas mensagens,
liguei para você e não me retornou, até pela Bia mandei recado e você não
me deu nenhum sinal de vida.
Eu abaixei a cabeça.
— Desculpa, Samuel, eu não sabia o que fazer. Não queria
incomodar você e imaginei que a Vanessa não iria gostar de me ver lá, com
você...
O olhar dele estava me esquadrinhando, ele percebeu que eu tinha
chorado.
— O que aconteceu com você, Marina? Por que estava chorando?
Alguém te fez alguma coisa? Foi algum outro fã?
— Não, Samuel, claro que não. Não foi nada disso. Eu preciso falar com
você... Você quer beber alguma coisa?
— Não, só queria te ver e saber se você estava bem. Mas não estou
gostando do que estou vendo, sei que você não está bem e não adianta
mentir. O que precisava falar comigo?
— Tantas coisas, Samuel, tantas coisas!
— Então pode começar, só saio daqui depois de ouvir o que você
tem para me falar.
Ele puxou a poltrona do meu quarto e sentou-se.
— A Vanessa te contou sobre o hospital? Ela me culpou, com razão.
— Ela não me disse nada, pedi para falar com você, mas ela disse
que você não queria mais falar comigo.
— É claro que eu queria, ainda mais depois de tudo. Precisamos
seguir nossas vidas, Samuel, não vamos conseguir manter essa amizade,
você sabe disso. Preciso me afastar de você e você de mim.
— Era isso que você queria falar comigo, Marina? Pedir para eu me
afastar?
— Não sei como te falar isso...
— Simplesmente fale, Marina.
— Como você está? Está melhor? Está sem dor?
— Sim, ainda sinto um pouco, mas, estou bem, Marina. Fale logo.
— Eu encontrei a Bruna.
Ele fechou o cenho.
— Onde você a encontrou? O que aquela...
Ele fez uma pausa para controlar a raiva que sentia.
— O que ela te fez?
— Ela me contou...
— Contou o quê?
— Tudo o que aconteceu naquele dia. E eu... eu estou tão
envergonhada, com raiva de mim, de tudo. Não entendo por que razão ela
fez isso, mas sou responsável por toda a dor desta família.
Ele colocou as duas mãos sobre a cabeça, estava inconformado?
Aliviado? Com raiva de mim? Ficou alguns instantes assim, depois me
olhou nos olhos.
— Seis anos se passaram, seis anos sem poder ter você! Eu lutei por
nós, fiz tudo o que estava ao meu alcance e você nunca acreditou em nada
do que eu dizia...
— Me perdoa, Samuel.
Peguei em suas mãos.
— Me perdoa! Eu tinha tanto medo, tanto medo! Ela disse que você
sempre voltava para ela e eu acreditei, porque vocês brigavam, terminavam,
mas depois voltavam.
Ele se afastou.
— Mas isso foi antes de você, Marina. Eu te disse isso, eu escolhi
você, era você que eu amava.
Amava. Isso ricocheteou na minha mente. Amava, passado. Limpei
as lágrimas, eu o tinha perdido, não queria mais sentir aquela dor, ela já
havia nos prendido por tempo demais. Respirei fundo e encarei a realidade.
— Agora eu sei, mas, infelizmente, a dor e o orgulho me cegaram.
Não posso voltar ao passado e consertar o que fiz ou as decisões que tomei
e, sinceramente, se eu voltasse e não conhecesse a história como conheço
agora, com certeza repetiria os mesmos erros, porque não conseguiria lidar
com isso de outra forma. Eu sinto muito, Samuel. Acho que nunca vou
conseguir esquecer toda essa dor, mas não quero mais viver presa nisso e
também não quero mais que você fique preso. Finalmente, estamos livres.
Acho que a Vanessa e o Lucas vão ficar felizes em saber que, agora,
podemos seguir nossas vidas sem que essas dúvidas nos persigam.
Ele olhou com raiva e tristeza.
— É assim que você enxerga, Marina? Que estamos livres?
— Sim, porque agora você sabe que eu sei o que aconteceu e não
vou mais te culpar de nada, aliás, você deve estar aliviado.
— Aliviado? Aliviado?
Ele se levantou.
— Você tem ideia do tempo que passei tentando te convencer,
Marina? De quantas vezes essa dor aqui no peito sangrou?
Ele batia a mão no coração.
— Não posso voltar no tempo, Samuel, e nem você. Fomos felizes,
temos uma filha que é, com toda certeza, fruto desse amor e não um
acidente de percurso. Mas não posso mudar nada.
Ele saiu do meu quarto transtornado, ouvi o pneu do carro cantar,
ele estava furioso. A Maria entrou afobada, queria saber por que ele saiu
daquele jeito.
— Dona Marina, vocês brigaram de novo? Esse homem acabou de
sair do hospital! Do jeito que saiu daqui, pode bater aquele carro! Ela
colocou as mãos sobre a boca.
— Ah, Maria! Eu não sei o que fazer...
Eu estava me afogando em lágrimas.
— O que aconteceu com vocês, dona Marina?
— Eu falei para ele que encontrei a Bruna no shopping, hoje, e que
ela trabalha...
— E a senhora falou sobre isso pra ele agora? Ai, dona Marina, acho
que ele não esperava por isso.
— Eu também não esperava, Maria. Mas precisava contar para ele.
— Eu sei, eu sei... Mas, agora entendo o porquê ele saiu daqui
daquele jeito.
Naquela tarde, fui para o estúdio, precisava cantar, tocar, liberar a
minha alma para falar, gritar, chorar. Eu precisava ouvir o que Deus tinha
para me mostrar com tudo isso. Peguei a caneta e comecei a escrever: “E se
aquele livro preferido que trazia a história mais linda que já ouvira,
sumisse de sua prateleira? Todas as suas anotações, as primeiras
impressões ao ler? Aquela sensação que ele trouxe ao lê-lo pela primeira
vez sumiu junto? Comprar outro não o traria de volta, não seria a mesma
coisa, foi com ele que você conheceu a melhor história, ele tinha parte de
você, daquele momento compartilhado, linhas inteiras grifadas, capítulos
que mudaram a sua vida. O melhor seria ler outra história, de um outro
livro. Mas, e se você descobrisse que ele não sumiu, que ele sempre esteve
lá, perdido? Será que ele te perdoaria por ter esquecido onde o guardou?
Pelo tempo que ficou empoeirado na estante? Será que, ao abri-lo, voltaria
o tempo que ficaram separados? Será que você deseja ser aberto
novamente por mim? Sei que não consegue me responder, mas gostaria que
sim. Tocá-lo como antes é tudo o que desejo, passar meus dedos em suas
linhas, nas marcas que o tempo deixou, me reconectar com você, com a
história que construímos juntos. Você sempre será minha melhor leitura! ”
O FIM ESPERADO

— Marina, é o Roberto. Pensei em remarcar os shows, o que acha?


Já se passaram dois meses desde aquele episódio infeliz.
— Sim, pode sim. Quando recomeço?
— Daqui a uma semana, Marina. Se tiver problema, me fala agora,
porque preciso fechar o contrato.
— Onde será?
— Aqui no interior de São Paulo mesmo, vai ter um rodeio e uma
das bandas desistiu, pediram por você.
— Sim, pode ser.
— Mais um detalhe, o Lucas também estará no evento, então, vocês
terão um tempo juntos.
— Que bom, Roberto. A agenda dele tem nos distanciado, que bom
que nos encontraremos.
Não sabia dizer se estava tão animada quanto ele esperava. Gostava
bastante da companhia do Lucas, podia construir uma nova história com
ele, tínhamos tudo para dar certo, mas a distância, a vida dele já
solidificada, nos separava.
Mandei uma mensagem para Lua para avisar sobre o show da
próxima semana e saí para buscar a Bia na escola. A escola dela ficava
próxima da nossa casa, por isso fui a pé mesmo, gostava do bairro que
morávamos, ele tinha uma arquitetura antiga e bem conservada. Gostava
das árvores sobre as calçadas, dava um charme especial à paisagem. Por ser
uma cidade calma, era comum ver crianças brincando nas ruas, ou sentadas
com a família na calçada. O céu estava tão limpo e deixava o sol mais
aparente, contrastando com o azul. Minha vizinha me cumprimentou.
— Oi, Marina, bom dia!
— Bom dia, dona Sônia!
Eu gosto do interior, de conhecer os vizinhos e poder cumprimentá-
los sempre que os encontro. Como ainda faltavam alguns minutos para o
horário da Bia sair, passei numa padaria para comprar algo para o café da
tarde. A Bia amava rosca caseira e a dona Talita, dona da padaria, fazia as
melhores.
O cheiro do pão que tinha acabado de sair do forno também estava
muito bom, decidi levar alguns, pão francês no café da tarde é sempre bem-
vindo. Peguei a rosca e aguardei na fila para pegar o pão. Tinha algumas
pessoas na minha frente, mas eu já havia feito o pedido. Duas senhoras
pararam atrás de mim, elas ainda não tinham pedido nada, estavam
aguardando o atendente da padaria voltar. Eu ia falar um oi, mas elas
estavam conversando sobre algo que chamou a minha atenção, decidi ficar
quietinha, ouvindo.
— … foi o que a minha filha disse, dona Luzia, ele esteve hoje na
joalheria, acho que, finalmente, vai se casar de novo.
— Nossa! Pensei que nosso prefeito voltaria com a esposa, ainda
mais depois do que ele fez para salvar a vida dela!
— Era o que todos nós achávamos. Mas minha filha garantiu que ele
já escolheu a joia para dar à nova namorada. Aquela mulher nem é da nossa
cidade, não sabe nada sobre a nossa gente, não vai ser boa como primeira-
dama.
— São só quatro mesmo, Marina?
O padeiro trouxe os pães que eu havia pedido e, ao falar o meu
nome, fez as duas senhoras atrás de mim, que me atualizaram sobre o
Samuel, arregalarem os olhos e notarem a minha presença.
— Obrigada, seu Nestor! É só isso mesmo.
Dona Luzia falou toda sem graça:
— Marina? Não vi que você estava aí...
— Bom dia, dona Luzia! Olá, dona Rosa!
— Desculpe, Marina, não sabia que estava na cidade. Você está
melhor?
— Sim, obrigada! Preciso ir agora, tchau!
Meu estômago revirou com a notícia, tive que parar para tomar
fôlego. Eu sabia que isso iria acontecer um dia, mas não estava preparada.
A sala da Bia já estava saindo quando cheguei, e ela veio correndo
para os meus braços quando me viu.
— Não sabia que você viria com o papai.
— Eu não vim com o seu pai. Estou sozinha.
— E por que ele também está aqui?
— Está?
Fico em dúvida, mas viro o pescoço para procurá-lo e o vejo,
parado, esperando próximo do carro. Ele estava de óculos de sol, não
conseguia ver para onde ele olhava, se tinha me visto ali. Minhas pernas
amoleceram. Abaixei os olhos e continuei andando, a Bia correu para ele,
que a rodopiou no ar. Pelo jeito, ele estava melhor do que eu. Ele me deu
um meio sorriso.
— Oi, Marina!
— Oi, Samuel, não sabia que você viria hoje.
— Eu estava por perto e pensei em passar por aqui e ver a minha
filha. Vocês estão de carro?
— Não, eu vim andando.
— Que bom, então posso levar vocês.
— Não precisa, Samuel. Pode deixar que voltaremos a pé.
— Ah, mamãe! Ele já está aqui mesmo, vamos voltar com o papai!
Ela juntou as mãozinhas, suplicando. Ele olhou para mim,
esperando a decisão.
— Tudo bem, Bia!
Ele guardou a mochila da Bia no bagageiro e a ajudou a apertar o
cinto de segurança. Eu sentei no banco da frente e senti minhas mãos
suarem com a expectativa de ele entrar por aquela porta e sentar ao meu
lado. A Bia contava sobre a aula que teve, a experiência que fez na aula de
ciências e eu lutava com meu coração que queria me denunciar de novo. O
trajeto para casa era curto, mas o trânsito não estava ajudando, muitos pais
buscavam os filhos na escola naquele horário e, como a cidade não tinha
muitas vias, a principal avenida que levava até a minha casa estava
congestionada.
A Bia estava quieta e o silêncio gritava em meus ouvidos, ele ligou
o rádio e estava tocando, Is this love, do Whitesnake. Aquela letra parecia
falar por mim, desejei pelo silêncio. Apoiei o meu braço na janela e fiquei
olhando a paisagem passar, querendo diminuir a sensação de estar sendo
exposta. Percebi o seu olhar sobre mim, me procurando, buscando me
entender. O celular toca, desta vez, para me salvar.
— Alô?
— Marina? É o César, querida! Preciso te ver e conhecer esse
homem maravilhoso que salvou a sua vida. Posso dar um pulo aí na sua
cidade um dia desses?
— César! Que saudade de você!
Debaixo dos óculos, noto que ele está com um olhar estranho,
estaria desaprovando?
— Claro que pode vir, vou esperar por você ansiosa...
— Então, irei, minha cara Katie!
— Katie?
— Menina, você é muito minha Katie Holmes. Tão linda, tão doce,
com uma filha linda e um ex tão bonito quanto o Tom Cruise! Se bem que,
no caso dele, parece mais uma mistura de Michele Morrone com Daniel
Andrade.
Dei risada da comparação.
— Capaz, César!
— Beijo, querida!
Os olhos dele estavam fixos em mim, como se pedissem uma
explicação. Graças a Deus, a música-tortura já tinha acabado e agora tocava
U2.
— É um amigo, o César, acho que já te falei dele.
— Acho que sim.
— Ele quer vir para cá, quer conhecer você também.
— Me conhecer?
— É, foi o que ele disse: “o homem...— pulei o maravilhoso—, que
salvou a sua vida”.
Ele revirou os olhos, não gostava desse tipo de comentário, disse
que só fez o que foi preciso. Parou o carro em frente da minha casa e desceu
para ajudar com a mochila da Bia. A Maria já estava nos esperando no
portão, ele entregou a mochila para ela e agachou para se despedir.
Agradeci a carona e fui entrando, mas ele me chamou. A Maria levou a Bia
para almoçar e esperei para ouvir o que ele queria me dizer.
— Não consegui mais voltar aqui, estava com a cabeça quente,
precisei decidir algumas coisas antes de voltar a falar com você. Mas,
agora, preciso da sua opinião antes de fazer qualquer coisa.
Eu sabia o que ele ia me contar, mas não queria ouvir ele falar sobre
a Vanessa ou que ficaria noivo, muito menos dar qualquer opinião a
respeito.
— Samuel, você não precisa da minha opinião para nada, você sabe
disso. Semana que vem, volto para a estrada e não teremos mais tanto
tempo como agora. Preciso continuar a minha vida, assim como você, a sua.
Ele bufou, o que ele esperava que eu dissesse? Que estava feliz por
ele ficar noivo da Vanessa? Que adoraria participar desse momento? Até
gostaria de ser madura a esse ponto, mas não conseguiria.
— Marina, as coisas entre a gente ficarão sempre desse jeito?
Assuntos inacabados e você fugindo?
— Não estou fugindo, Samuel! Deus sabe o quanto tudo isso me
destruiu, mas não dá para agir como se nada tivesse acontecido. Não vou
remoer o passado, isso é tortura. Mas, nada vai mudar, nada! Nosso passado
está marcado com tinta permanente.
— Mas, o futuro ainda está sendo escrito, Marina. Não podemos
falar sobre ele?
— Não, não! Agora não, sinto muito, não consigo te ouvir dizer...
Hesitei.
— Preciso entrar, vamos deixar isso pra lá, Samuel.
— O que você pensa que vou dizer, Marina? Por que você não pode
me ouvir?
— Eu vou te ouvir, mas não agora, por favor, Samuel!
— Ok, Marina. Como preferir.
Ele entrou no carro e foi embora. Sabia que o tinha chateado, ele
queria dizer que virou a página, talvez acreditasse que eu também tinha
feito o mesmo, mas eu o amava com todas as minhas forças, de corpo e de
alma. Não tinha como desgrudar isso de mim. Eu não estava sendo justa
com o Lucas e nem comigo mesma.
A Maria tinha colocado a mesa para o almoço.
— Está tudo bem, dona Marina?
— Sim, Maria. Ouvi uma coisa hoje na padaria que não esperava
ouvir tão cedo, mas acho que é isso, né? Estamos vivos para sermos
surpreendidos.
— O que ouviu que lhe perturbou tanto, dona Marina?
Espiei para ver onde a Bia estava e ela estava no banheiro. Não
queria que ela ouvisse nossa conversa, por isso, falei baixo.
— A dona Luzia e a dona Rosa estavam na padaria agora de manhã,
a dona Luzia contou para dona Rosa que o prefeito comprou uma joia com
a filha dela, ela acredita que ele vai pedir a mão da Vanessa.
— Ah, não, dona Marina! Mas isso era previsível, né? Eles estão
juntos e acho que ele gosta dela. Sabe, dona Marina, eu sei que a senhora se
sente culpada, mas, se a senhora gosta desse homem, deveria falar com ele.
— Não, Maria. Eu não posso lutar por alguém que está com outra
pessoa, seria um desrespeito a ela.
— Eu entendo. Mas acho que ele só está fazendo isso porque
acredita que a senhora não quer mais nada com ele.
— Ele sabe que ainda o amo, Maria. Buscou provas concretas sobre
isso e depois se afastou.
— Como assim? Ele tentou alguma coisa?
— Sim, Maria. E eu me envergonho muito de confessar isso para
você, mas ficou claro para mim que eu preciso mesmo manter distância
desse homem.
— Manter distância de quem, mamãe?
A Bia se sentou para almoçar.
— De ninguém, Bia. É conversa de adultos, não é para criança.
— As conversas de adultos são sempre mais interessantes, mamãe, é
injusto não poder saber.
A Maria abriu um sorriso e eu também sentei para almoçar. Estar em
casa tinha muitas vantagens, poder assistir filmes com a Bia — ela amava
deitar no meu colo para as nossas sessões de cinema —, ajudá-la nas lições
de casa, ouvir suas histórias da escola e dos amigos.
Naquela tarde, decidimos ir para a casa dos meus pais, fazia tempo
que eu não ia para o litoral para vê-los e, como as notas da Bia na escola
estavam boas, resolvemos visitá-los e dar um tempo da nossa cidade. Dei
folga para a Maria e não avisei ninguém, apenas a Lua. Colocamos as malas
no carro e saímos, a Bia estava animada para passar um tempo com os avós.
— Mãe, como é bom viajar só nós duas!
Consegui enxergar o seu sorriso pelo retrovisor.
— Precisamos de um tempo só para nós duas, não é mesmo?
— Sim, mamãe, concordo com força!
Deixei o som mais alto que de costume, a Bia gostava de ouvir
música em viagens mais longas, vez ou outra pegava seu microfone
imaginário e cantava as canções. Descemos a serra, que estava tranquila,
durante a semana era sempre mais tranquilo ir para o litoral. A mamãe me
esperava no portão.
— Olá, mãe!
— Oi, meus amores!
Ela abraçou a nós duas.
— Como você está, filha? Por que não me ligou para contar o que
aconteceu? Se não fosse pelo Samuel, eu nem estaria sabendo.
— Desculpa, mãe. Não queria preocupar vocês.
Meu pai veio em seguida nos receber.
— Você parece mais magra, Marina. Está comendo direito?
— Claro que estou, pai.
— Oi, minha princesinha, como você está? Estava com saudades do
vovô?
— Sim, vovô, com muitas saudades! Vou poder te ajudar no
restaurante?
— Claro que vai, pode atender às mesas e até ajudar a cozinhar, o
que acha?
— Eu vou amar, vovô. A Maria e a mamãe não me deixam ajudar a
cozinhar.
— Mas, na casa do vovô, você pode fazer o que quiser.
— Pode nada!
— Vamos entrar e conversar lá dentro, deixa que o seu pai pega as
malas.
Minha mãe sentou no sofá e perguntou:
— Me conte, minha filha, quais são as novidades boas?
— Eu volto para o trabalho semana que vem. Vou cantar em um
rodeio, não será tão longe dessa vez.
— E você está animada para voltar, Marina? Depois do susto que
passou?
— Sim, mãe, preciso voltar a trabalhar.
— Eu pensei que você continuaria só com o seu canal, Marina.
— Não, mãe. Gosto dos palcos, de sentir toda aquela adrenalina.
— Fala para a mamãe onde vamos, Bia.
— Vamos à praia, mamãe. Contei para o vovô que não conseguimos
conhecer o parque de Santa Catarina e que mal consegui brincar na praia de
lá. Até hoje não entendi porque tivemos que voltar tão rápido. Ela estava
com chapéu de tecido e o baldinho de areia nas mãos.
— Bia, já conversamos sobre isso, o papai ficou doente, por isso
precisamos voltar.
— Eu sei, eu sei...
— Estamos indo para a praia, Marina. Quer ir com a gente ou vai
ficar com a sua mãe?
— Vou ficar por aqui, pai. Amanhã vou para a praia com vocês.
Mas, pai, não demora, voltem antes de escurecer.
— Sim, voltaremos, mamãe.
— Marina, como você e o Samuel estão? Depois de tudo?
— Mãe, do mesmo jeito. Na verdade, as coisas pioraram. Eu
encontrei a Bruna no shopping e ela me contou que foi ela que agarrou o
Samuel.
Ela bateu a mão na coxa.
— Eu sabia, eu sabia! Então, agora vocês vão retomar o casamento,
não vão?
— Claro que não, mãe. Eu estou em um novo relacionamento, você
sabe disso e o Samuel também, inclusive, ouvi uma fofoca na padaria de
que ele vai pedir a mão dela.
— Não? Não pode ser, Marina, eu achei que ele amava você.
— Ele disse que me amava, mãe, no passado. Acabou, mãe. E eu
estou feliz com o Lucas.
— Marina, esse rapaz, o Lucas, sabe dessa reviravolta?
— Não, mãe, nem vou contar. Pensei em ligar para ele vir para cá, o
que você acha? Aí vocês podem conhecê-lo.
— Você é quem sabe, Marina. Mas quando ele vir, lembre-se que
estará definitivamente colocando um fim na sua relação com o Sam, não
quero conhecer alguém, aprender a gostar da pessoa e depois ter que me
despedir.
— O objetivo é esse mesmo, recomeçar. Estou pensando em
entregar a casa que compramos e vir morar aqui, acho que será mais fácil
para mim.
— E o Samuel, Marina? Vai concordar com isso?
— Ele não tem que concordar com nada, mamãe. Ele está seguindo
a vida dele e eu preciso seguir a minha. Eu falei para ele que esse dia iria
chegar. Você me ajuda a procurar algo por aqui? Quero um apartamento
mesmo, quero ficar mais próxima de vocês.
Meus olhos lacrimejaram. Ela me abraçou.
— Sei de quem você não quer ficar perto, minha filha.
Eu sabia que essa seria a melhor decisão no momento, queria me
afastar de tudo que pudesse me impedir de caminhar. Mandei uma
mensagem para o Lucas, falei que estava na casa dos meus pais e o convidei
para vir passar o final de semana conosco, sabia que a agenda dele estava
cheia, mas precisava de um dia com ele. Meu pai me chamou:
— Marina!
— Oi, pai?
— O que você acha de fazer um som acústico hoje à noite lá no
restaurante?
— Mas eu não trouxe o meu violão.
— Nós temos um aqui, Marina, é o seu antigo, mas deve servir, ou
não? Nossa, era o meu primeiro violão elétrico, que ganhei no meu
aniversário de 12 anos.
— Vou amar rever meu violão e tocar com ele. Achei que vocês
tinham se desfeito dele. Abri a porta do quarto. Meu pai sorriu. Seus olhos
brilhavam.
— Eu jamais venderia esse violão.
— Então, combinado, pai.
— Todas as quartas e sextas-feiras temos bandas tocando aqui, vou
ter muito orgulho de anunciar que, esta noite, será a minha filha a tocar.
— O prazer vai ser meu de poder tocar aqui.
Eu o abracei.
Tomei um banho e ajudei a Bia a se arrumar. Meu pai tinha uma
meia lua, um instrumento de percussão, e eu o dei para a Bia tocar comigo.
O restaurante dos meus pais ficava próximo da praia e fomos para lá. Ele
anunciou que sua filha tocaria ali aquela noite e que ele estava muito feliz.
Eu selecionei algumas músicas, não só as minhas, por isso abri com Wind
of Change, do Scorpions, era uma das primeiras músicas seculares que
aprendi a tocar no violão. O meu maior desafio, me lembro bem, nem tinha
sido o violão, mas, aprender a assobiar.
O gostoso de tocar acústico, em bares e restaurantes, é que as
pessoas pedem as músicas que gostam de ouvir e quando as cantamos,
parece que elas ficam em “modo avião”, conectadas apenas na música, ou
na lembrança que ela traz. Eu estava cantando “Hoje à noite não tem luar”,
do Renato Russo, a pedido de um casal apaixonado. Eles se levantaram da
cadeira e começaram a dançar. A Bia olhava para mim e sorria, ela estava
achando divertido tudo aquilo. Tocamos muitas músicas naquela noite, meu
pai também me pediu para tocar uma, e dedicou à minha mãe, “Palavras de
um futuro bom”, do Jota Quest.
Já estava tarde, meu pai tinha me dado sinal que poderia finalizar,
mas, então, eu comecei a dedilhar uma música que ouvia muito na
adolescência, ela me trazia lembranças boas, eu sabia que a Bia ia gostar de
tocar essa comigo, ela estava mandando muito bem na percussão e essa ela
conhecia bem, já tinha ouvido muitas vezes, Someday we’ll know, do New
Radicals. Foi uma noite incrível, a Bia dizia para todos os clientes que
tocaríamos lá mais vezes.
Eu ajudei os meus pais a organizar as mesas, tirei fotos com alguns clientes
e a Bia foi solicitada em todas as fotos. Ela fez caretas em todas, estava em
êxtase. Ela dormiu no carro mesmo, estava exausta, não costumava ficar
acordada até tarde. Coloquei-a na cama e tomei uma ducha, minha mãe
entrou no quarto para saber se estávamos bem acomodadas, mas, para mim,
tudo estava perfeito, tanto que nem me lembrei do celular, deitei e apaguei.
Acordei tarde, já estava na hora do almoço e não do café da manhã,
mas, minha mãe tinha deixado o café à nossa espera. A Bia correu para dar
um abraço nela.
— Bom dia, vovó!
— Bom dia, princesa.
— Olá, mãe, quase boa tarde já, né?
— Sim, mas não quis incomodá-las. Marina, você não avisou ao
Samuel que viria para cá?
— Ixi, mãe, não avisei. Por quê?
— Ele ligou para cá, queria saber de vocês. Eu disse que vocês
ficariam aqui, por enquanto. A Lua também ligou.
— Mas ela eu avisei.
Entreguei o pão para a Bia.
— Marina, o Samuel não gostou nada, estava bem nervoso,
principalmente quando eu falei para ele que você ia procurar um
apartamento para ficar por aqui.
— Mãe! Não era para falar nada!
— Nós vamos morar aqui, mamãe? Iuupiii!
— Não, Bia! Quero dizer, ainda não sei...
— Vamos, mamãe? Vai ser muito legal.
Levantei e tirei minha xícara da mesa.
— Marina, você viu essa reportagem aqui? Não sei se é assim que
vocês chamam isso, acho que deve ser entrevista. Meu pai me entregou uma
revista que ele assinava para deixar no restaurante.
Era uma entrevista recente do Lucas, a jornalista perguntou se ele
estava namorando e ele tinha negado, perguntou sobre o nosso
relacionamento, e ele disse que era apenas profissional. Fiquei ali, parada,
com a revista nas mãos. Meu pai me olhava curioso, queria saber minha
opinião, mas, eu sabia que ele não queria comentar sobre a sua vida pessoal,
a maioria deles faziam isso.
— Eles não falam sobre a vida pessoal, pai.
— Falei isso para ele, Marina, mas seu pai não me dá ouvidos.
— É porque para mim isso é muito estranho, parece que ele não está
levando você tão a sério assim.
— Pai, a verdade é que nem eu sei o quanto esse relacionamento é
sério, ele também deve ter tantas dúvidas, ainda mais depois de tudo que
presenciou.
— Bom, Marina, é só a minha opinião, não quero que você traga ele
aqui até que ele decida assumir você. — Ele jogou a revista na mesa e saiu
da cozinha.
Voltei para o quarto e tirei o meu celular da gaveta, ele tinha me
ligado algumas vezes. Retornei a ligação.
— Oi, Lucas!
— Estou tentando falar com você desde ontem, Marina. O que
aconteceu?
— Estou nos meus pais, precisava de um tempo com eles e com a
Bia.
— E por que não me avisou?
— Eu só avisei a Lua, não avisei você porque pensei em falar depois
que eu chegasse.
— Mas não falou, Marina.
— Lucas, eu li a sua entrevista na Mídias.
— Marina, eu sei que você pode não entender, mas...
Não o deixei concluir.
— Eu entendo, e foi perfeito você não ter falado nada sobre nós.
— O que você quer dizer com isso, Marina?
— Que preciso de um tempo, Lucas. Muitas coisas aconteceram nos
últimos dias e preciso organizar as coisas dentro de mim. Estou pensando
em ficar aqui na casa dos meus pais, acho que vou me mudar para cá e não
quero prender você em minhas confusões.
— Marina, você decidiu isso depois de ler a entrevista? Porque, se
foi por isso, eu posso consertar.
— Não, Lucas, não foi por causa disso, mas não vou negar que ler a
entrevista me fez refletir sobre as coisas.
— Então é por causa do Samuel, não é?
— Na verdade, é sobre mim, ele vai se casar, então não é sobre ele,
mas sobre mim.
— Casar? Marina, você tem certeza de que é isso o que quer fazer?
— Sim!
Desliguei o telefone e minha mãe me fez a mesma pergunta, mas eu
sabia que não podia continuar um relacionamento com a cabeça em outro.
Ela foi comigo ver alguns apartamentos próximos da casa dela, já tinha até
me decidido por um, mas não tinha fechado, era justo avisar o pai da minha
filha. Ele ligou à noite para falar com a Bia e pediu para falar comigo,
estava bravo. Sua voz era dura.
— O que está acontecendo, Marina?
— Nada, Samuel, eu já tinha falado com você sobre isso, que um
dia me mudaria para cá. Já vi um apartamento e pretendo alugá-lo, vai ser
bom para a Bia ficar perto dos meus pais.
— E eu, Marina?
— Você pode vê-la sempre que quiser, Samuel. São só quatros
horas.
Ele deu uma risada irônica.
— Você está de brincadeira, né? Fala que está brincando? Não pode
ser tão infantil.
— Por que infantil? Você acha que é você que dita as regras da
minha vida só por que temos uma filha? — alterei meu tom de voz.
— Estou indo para aí, Marina, e nós vamos conversar.
— Eu não quero você aqui, Samuel. Você não entende que quero
você longe de mim?
— E, por que, Marina? Por que está tão insuportável ficar perto de
mim dessa vez?
— Porque não quero ser sua amiga.
Ele riu de novo.
— Não? E o que você quer, Marina? Você já sabe? Porque eu sei o
que eu quero.
— Eu sei sim e você me ajudou a decidir, vou ficar por aqui.
— É isso o que você quer, Marina? Me afastar de vocês?
— Não estou te afastando da Bia, Samuel, apenas de mim. Você vai
se casar com a Vanessa e eu não quero ficar no meio de vocês dois.
Senti meus olhos arderem.
— O quê? Quem te falou isso?
— Não me importo com nada que você faça, desde que fique longe
de mim.
— Então, foi por isso que você foi para a sua mãe? E é por isso que
quer se mudar para aí? Por que ouviu de alguém que vou me casar?
— Sim!
— Marina, não vou conversar com você por telefone, mas nós
vamos resolver isso, e pessoalmente! Não adianta fugir, Marina, nós vamos
ter essa conversa.
Fiquei em silêncio, não queria falar e deixá-lo perceber que eu
chorava. Ele pediu para falar com a Bia, queria desejar boa noite, eu
entreguei o telefone para ela e saí da sala. Minha mãe veio atrás de mim, me
abraçou e falou a sua frase clássica:
— Vai ficar tudo bem, minha filha, vai ficar tudo bem.
PARA SEMPRE AO MEU LADO

Mais um show e hoje é o reinício, a retomada da minha carreira. O


público é bem maior do que estou acostumada, muitas bandas vão tocar
hoje, inclusive o Lucas, mas ele ainda não chegou. Ele será o último a se
apresentar, o show principal, o mais aguardado pelo público. Já cruzei nos
corredores, com vários artistas que jamais imaginei ter a chance de
conhecer.
O Pedro, quem diria, virá mais tarde para encontrar a Lua. Eles
estão tão felizes juntos e ela vive radiante. Eu serei a penúltima a subir no
palco, acrescentei a minha música nova ao repertório, tinha mostrado para o
Roberto e ele a aprovou, dei a ela o nome de Livro, afinal, os livros sempre
contam novas histórias, trazem novos aprendizados e, por mais que uma
história seja boa, pode sempre existir outra melhor, mas, só descobriremos
se nos permitirmos ler até o fim. Ainda estou de ressaca literária, mas sei
que a vencerei, em breve. A Lua apareceu na porta do camarim e
perguntou:
— Ei, Marina, como você está?
— Estou bem. O Pedro já chegou?
— Não, ele teve que desviar a rota.
— Por quê? Esqueceu alguma coisa?
— Na verdade, não, ele precisou buscar um amigo que mora aqui
perto. Espero que não se importe, eles vão ficar na arquibancada, o amigo
conseguiu um ingresso.
— Ah, tudo bem! Por que me importaria?
— Que bom! Cara, o Roberto está vibrando com a sua música nova.
— Que bom! Vou cantá-la hoje, vamos ver o que o público vai
achar.
— Com certeza vão amar. Ela é linda, você estava muito inspirada
quando a compôs.
Vez ou outra eu me aproximava do palco para ouvir as outras
bandas, estava tão cheio e tudo tão perfeitamente harmônico... Era muito
bom estar ali e fazer parte daquele momento!
— Você não deveria estar no camarim?
Virei com o susto.
— Oi, Lucas! Você não está um pouco adiantado?
Olhei no relógio.
— Consegui chegar mais cedo, queria ouvir você esta noite.
— Hum, me deixa lisonjeada!
— Não deveria ser novidade para você que gosto de te ouvir. Você
está bem?
— Estou bem ansiosa, como sempre. Nunca vou me acostumar com
os palcos.
— Eu também não. A adrenalina de subir no palco, a sensação de
estar lá em cima, vai ser sempre nova, como a primeira vez.
Seus olhos brilhavam.
— Bom, então o jeito é me acostumar a não me acostumar.
Rimos. Ele concordou com a cabeça e me olhou de um jeito
avaliativo.
— Não consigo dizer que estou torcendo pelo seu relacionamento
com o ex, na verdade, torço para que você o supere logo, mas desejo que
você seja feliz, Marina. O que temos, a relação que criamos, não se
compara com a que você tem com ele, mas, foi importante para mim.
Ele segurou as minhas mãos.
— Foi importante para mim também e, sinceramente, você foi o
único que conseguiu mexer comigo, talvez o único que me faria esquecê-lo.
Mas, depois que soube que ele falava a verdade esse tempo todo, me sinto
culpada, não consigo me perdoar e não posso continuar o nosso
relacionamento com o passado todo sobre a minha cabeça. Preciso resolver
isso em mim.
— Eu entendo, Marina. Pensei que vocês voltariam, depois disso
tudo...
— Ele está muito magoado, e com razão. E está em outro
relacionamento, nossa história acabou.
— Será?
— Sim.
— Ele não parece ter te esquecido, Marina! Mas, se ele não
consegue superar isso, sorte a minha.
Soltei as minhas mãos das dele.
— Preciso voltar, logo será a minha vez.
— Boa sorte!
— Obrigada!
A Lua me esperava no camarim, nervosa.
— Onde você estava?
— Fui dar uma espiada no show e fiquei conversando com o Lucas.
— Ele já chegou?
— Sim, veio mais cedo para assistir à minha apresentação. Olhei no
espelho para conferir os meus cabelos.
— Vê se me avisa da próxima vez que resolver dar uma volta!
Quase morri de preocupação.
— Que exagero, Lua.
A assistente de palco nos interrompeu:
— Tudo pronto, meninas?
— Só vou me trocar.
— Você tem 20 minutos.
— Ok.
A Lua fechou a porta do camarim e me ajudou a me vestir. Percebi
que não tinha escolhido aquela roupa, era um casaco, estilo sobretudo, de
cetim azul marinho, e uma bota com salto baixo que ia até o meu joelho, da
mesma cor do tecido do sobretudo. Me deram também um chapéu cowboy
preto. Enquanto me ajudava a compor o figurino, a Lua me explicou que,
por ser rodeio, o Roberto achou que aquela roupa seria a ideal.
— Vou passar um calor federal!
Ela acha graça.
— Ossos do ofício...
Calcei as botas.
— E o Pedro, chegou?
— Sim, já está lá sentado com o amigo dele, assistindo ao show.
Ela me entregou o chapéu.
— Você deveria ter deixado eles ficarem aqui, não teria problema.
— O amigo dele não quis, preferiu comprar o ingresso.
— Quem é o cara? Você conhece?
— Sim! Conheço sim, você vai gostar dele.
— Ah, Lua, espero que não tenham trazido esse amigo aqui com
essa expectativa.
— Não, foi ele que quis vir mesmo, queria assistir uma das
apresentações. Mas ele é bem bonito e gente boa.
Revirei os olhos, ela sabia que eu não queria ninguém, não agora.
A assistente de palco voltou para me chamar, era minha hora.
— Marina, sua vez!
A Lua foi comigo até o palco, falou que ia ser maravilhoso, ela sabia
como me acalmar. Quando subi, vi várias faixas com o meu nome e me
emocionei por saber que, mesmo sendo de última hora, tinha pessoas que
foram ali para ouvir as minhas músicas.
A banda, como sempre, já estava tocando e, dessa vez, não teve
efeito de luzes, o palco estava todo aceso e tinha muita fumaça, procurei um
lugar para me sentir segura e lá estava o meu violão. Foi para lá que fui,
passei a alça pela cabeça, regulei a altura do pedestal onde estava o
microfone e comecei a tocar junto com a banda. Eles olharam para mim e
sorriram. Caminhei para a frente do palco e comecei a cantar “Olha para
mim”, a música que cantei tantas outras vezes com o Lucas, e ele estava lá,
me ouvindo cantá-la sozinha. A multidão cantava junto, como um coral,
algumas vezes parei para ouvi-los, era tão lindo, impossível não me
emocionar. Eu tinha preparado a minha nova música para aquele momento,
cantaria antes da última música “Sem Você”, que foi a que me tirou das
redes sociais e me colocou sobre o palco.
Antes de começar a cantar “Livro”, coloquei o violão para trás, tirei
o microfone do pedestal e falei o quanto aquela música era importante para
mim. A plateia estava toda em silêncio, me ouvindo, mas gritavam
eufóricos a cada pausa que eu fazia. Eu estava verdadeiramente
emocionada.
— Às vezes, fazemos escolhas erradas. Esta música, eu escrevi
recentemente e queria que vocês fossem os primeiros a ouvi-la. Ela é
importante para mim e meu desejo é que vocês se sintam tocados por ela,
assim como me senti tocada ao escrevê-la. O amor é algo inexplicável,
muitas vezes é como um livro, ele pode ficar lá na estante, distante,
empoeirando, ou você pode pegá-lo e trazê-lo para perto de você, mas, a
história só pode ser vivida se você o abrir e ir até o fim, não parar pela
metade, não desistir. Talvez, muitas coisas estejam confusas agora, mas, não
desista, continue lendo, amando, sonhando, vivendo, o final feliz ainda vai
chegar e quando chegar, valorize-o, mesmo que dure apenas cinco minutos,
cinco anos ou quem sabe, uma vida toda. Agora, para vocês: “Livro”.
Eles gritaram, aplaudiram e, depois, silenciaram, assim que comecei
a dedilhar as notas da canção.

“E se aquele livro preferido,


que trazia a história
mais linda que já ouvira,
sumisse de sua prateleira?

Todas as suas anotações,


as primeiras impressões ao ler?
Aquela sensação que ele trouxe,
ao lê-lo pela primeira vez,
sumiu junto?

Comprar outro não o traria de volta,


não seria a mesma coisa,
foi com ele que você conheceu
a melhor história.
Ele tinha parte de você,
daquele momento compartilhado,
linhas inteiras grifadas,
capítulos que mudaram sua vida.

O melhor seria ler outra história,


de um outro livro.
Mas, e se você descobrisse
que ele não sumiu,
que ele sempre esteve lá,
perdido?

Será que ele te perdoaria


por ter se esquecido
onde o guardou?
Pelo tempo que ficou
empoeirado na estante?

Será que, ao abri-lo,


ele faria voltar o tempo
que ficamos separados?
Será que você deseja
ser aberto novamente
por mim?

Sei que não consegue me responder,


mas gostaria que sim,
de tocá-lo como antes,
passar meus dedos em suas linhas,
nas marcas que o tempo deixou.

Me reconectar com você,


com a história
que construímos juntos.
Você sempre será
minha melhor leitura!”

Eles aplaudiram. Eu procurei pela Lua e ela estava sorrindo para


mim, vi o Pedro abraçado com ela e a pessoa que estava ao lado do Pedro
não era quem eu imaginava ser, na verdade, aquela pessoa foi o motivo de
tudo isso acontecer, de eu estar ali, sobre aquele palco, e ele olhava para
mim com tanta admiração, não estava sentado junto com o público, como a
Lua tinha falado, eles estavam juntos com os fotógrafos, com as câmeras,
em frente do palco, e ele me olhava com aqueles olhos verdes marejados.
Era a última pessoa que eu esperava ver ali, olhei em volta
procurando a Vanessa, mas ele estava sozinho, senti as lágrimas escorrerem
pelo meu rosto. Precisava parar de chorar toda vez que fazia um show. É
incrível como sou chorona! Ele movimentou os lábios lentamente para que
eu pudesse entender: “Eu te amo!” Chorei ainda mais, coloquei a mão no
rosto para tentar conter os soluços, mas queria senti-lo de novo, precisava
dele em mim, chamei-o para subir no palco e ele veio ao meu encontro,
levantou o meu queixo e me beijou.
— Você sempre será a minha melhor leitura, Marina. E é com você
que quero continuar escrevendo a minha história.
Ele me abraçou com tanta força que desejei descer do palco em seus
braços. O público, que acompanhava, aplaudiu, e eu me perdi em seus
lábios. Como era bom sentir o seu sabor! Tudo em mim se acalmou, como
se a peça que faltava do quebra-cabeça acabasse de se unir às demais. Tudo
estava em sintonia e em harmonia. Então, ele desceu e eu cantei a última
canção do show.
Quando desci, ele estava lá, junto com a Lua e o Pedro, rindo e
conversando.
— Então era esse o tal amigo que o Pedro foi buscar, Lua?
Eles riram.
— Sim. Era o Samuel, eles ficaram bastante amigos depois do
incidente na praia, não é mesmo, meninos?
Os dois responderam juntos, fazendo um toque de mão:
— Sim!
— O Pedro virou parceiro.
— Não foi difícil ficar teu amigo, cara! Até para o mesmo time nós
dois torcemos.
— Ah, não! Dois são-paulinos eu não vou suportar!
Rimos juntos.
— Marina, o Pedro passou lá em casa, mas não foi para me buscar
não, eu estou de carro, você volta comigo?
— Sim, claro que volto, mas, por que ele passou por lá?
— Vamos conversar sobre isso no caminho.
Nos despedimos do Pedro e da Lua e eles saíram. O César entrou no
camarim falando alto, não sabia que ele estava ali.
— Cadê a minha Carmen Sandiego?
Nos abraçamos assim que nos vimos. O Samuel estava próximo e
estendeu a mão para ele.
— Oi, César! Prazer, sou o Samuel.
— Menino, parece até que te conheço! Tudo bem? Finalmente se
acertaram, hein?
Ele piscou para mim.
— Eu não sabia que você estaria aqui hoje, César. Por que não veio
antes para me ver?
— Eu só fui liberado agora, estava coordenando as meninas que
dançaram na apresentação antes da sua.
— Eu vi uma parte desse show, não sabia que você estava com eles.
— Estava sim, queria muito ter passado por aqui antes, mas, ainda
bem que deu tempo de ver você no palco. Só erraram na cor, né, querida?
Tinha que ser vermelho para ser a Carmen total!
Dei risada.
— Cadê a Luana? Já foi embora?
— Sim. Foram agora há pouco, ela e o Pedro, estavam bem
cansados.
— Que pena que não consegui vê-los. Bom, foi muito bom ver
vocês dois, adorei conhecer você, prefeito! E, Marina, boa escolha! Por
falar nisso, sua música nova é poderosa, não é à toa que recebeu um beijo
no final, né, Samuel?
— Com certeza.
— Obrigada, César, por tudo, pela amizade, pelo carinho. Você foi
um presente para mim, só você mesmo para me fazer dançar e perder a
vergonha de atuar no palco.
— Você já nasceu talentosa, Marina, eu só aperfeiçoei. Bom, vou
deixar os pombinhos a sós porque vocês devem ter muito assunto. Tchau,
tchau!
— Ele é uma figura, hein?
— Sim, ele é mesmo, figuraça!
Ele me puxou para perto, me envolveu em seus braços e beijou a
minha testa, ele sempre fazia isso quando estávamos juntos, deixando
visível a diferença de altura que existia entre nós.
Falei baixinho:
— Estava com tanta saudade disso...
Ele sussurrou em meu ouvido:
— Achei que nunca mais teria você de novo...
O Roberto entrou no camarim.
— Marina! Perfeita a sua apresentação, até a parte do beijo de
vocês, foi tudo perfeito!
— Obrigada Roberto! Você me liga para passar a agenda ou será a
Lua?
— Vou passar para a Luana e ela te informa, ok? Já estão de saída?
— Sim, já vamos embora.
— Boa viagem para vocês!
A viagem não era tão longa, ele ligou o rádio, como sempre fazia.
Era muito bom estar com ele de novo. Tantas perguntas surgiam na minha
cabeça, tanta coisa para conversar.
— Nunca imaginei ver você aqui, em um rodeio, para me ouvir
cantar.
— Já te vi cantar antes, Marina. Mas não foi tão bom quanto hoje.
— Me viu? Então não era a minha imaginação me enganando? Não
foi um delírio? Você estava no show que cantei com o Lucas, não estava?
— Sim, queria te ver, mas não foi uma boa ideia.
— Era só uma apresentação, eu não tinha nada com ele.
— Mas não gostei do que vi, da aproximação de vocês. Naquele dia
eu fui embora decidido a te esquecer.
— Eu ouvi na padaria que você comprou uma joia para pedir a
Vanessa em casamento.
— Então foi na padaria? Agora você ouve fofocas na padaria?
Ele abriu o porta-luvas do carro, pegou uma caixinha e me entregou.
— Abre.
A caixinha não era de anel, era um pouco maior, parecia perfeita
para caber um cupcake. Quando abri, vi que tinha um pequeno envelope
com o meu nome. “Não quero uma nova história, quero você, sempre você!
Aceita ser a minha esposa pela segunda vez?”. Olhei para ele, surpresa.
— Não era para ser agora, aqui no carro, tinha planejado de outra
forma, mas, já que você leu, quero ouvir a sua resposta.
— Sim, é óbvio que sim! Quando você planejou tudo isso?
— Quando ouvi a sua música, naquele dia que fui te buscar em São
Paulo. Esperava que você me recebesse de outra maneira, se você tivesse
aceitado ir para casa comigo, eu ia te dar todas as razões para nunca mais
sair dela e da minha vida. Mas, você continuava resistente e, quando vi no
visor do seu celular a chamada do Lucas, pensei que você tinha virado a
página.
— Por que você mudou de ideia e resolveu ir para Santa Catarina?
— Porque a Lua me ligou para falar sobre a suspeita que ela tinha e
também da última mensagem que você recebeu, falou que estava com medo
de alguém te fazer mal.
— Quando ela te ligou?
— No dia que vocês chegaram. Eu quis ir imediatamente para lá,
mas a Vanessa disse que se eu fosse atrás de você, não precisaria mais ligar
para ela. Eu não me importei, queria ter certeza de que você e a Bia estavam
em segurança. Depois que tudo aquilo aconteceu, eu soube que não
importava quantos nãos eu recebesse de você, eu iria continuar lutando pelo
sim, não iria mais desistir de nós. A última coisa que eu esperava, era ouvir
que a Bruna tinha falado toda a verdade. Te ouvir pedir perdão, reconhecer
que eu falei a verdade esse tempo todo, me fez sentir raiva. Quanto tempo
perdido! Quantas vezes desejei ter você em meus braços e não pude! Por
que aquela mulher não falou tudo aquilo para você antes? Por que precisei
receber uma facada para ela consertar o estrago que causou em nossa
família? Eu não estava com raiva de você, Marina, não fui embora por isso.
É que, esperei por tanto tempo ouvir aquilo, que não previ a minha reação.
Eu precisava sair de lá, principalmente porque você disse que tudo era
passado, que não tinha como consertar. Quem disse que eu queria consertar
o passado? Eu te queria no presente para consertar o nosso futuro. Não
aguentava mais me ver nele sem você. Eu não planejava dizer isso tudo
para você aqui, neste carro, queria dizer isso sem que minhas mãos
estivessem impedidas de te tocar, num lugar onde meus olhos pudessem
estar somente em você, mas não vou esperar mais para dizer o que é
preciso.
— Eu também não queria um futuro sem você. Falei tanto com Deus
para mudar meu coração, me ajudar a aceitar, pedi tanto para Ele me
mostrar a verdade. Mas, sabe uma coisa que ainda não entendi, por que o
Pedro teve que “buscar um amigo” se você veio de carro?
— Porque eu tinha uma reunião em São Paulo e ia de lá para o
rodeio, mas quando cheguei na reunião com o deputado, para pedir uma
verba para o município, percebi que tinha esquecido a caixinha com o
pedido de casamento em casa. Então, pedi para o Pedro, que estava mais
perto, passar por lá e pegar para mim, a Maria entregou para ele.
— E eu pensando que a Lua queria me apresentar para alguém!
— Mas, ela queria! Para mim. Pedi para eles não falarem nada, mas
avisei a Bia que levaria a mãe dela para casa amanhã.
Ele acariciou o meu rosto.
— Avisou? Mas, por que amanhã?
— Porque hoje reservei um quarto para nossa lua de mel.
— Como assim, lua de mel? Não nos casamos!
— E nem descasamos.
Seu rosto se iluminou.
— Como assim?
— Já te conto.
Ele deu as chaves do carro para o manobrista e entramos no hotel.
— Sei que você não aguenta mais dormir em hotéis, mas não iria
aguentar fazer essa viagem sem matar a saudade da minha esposa.
Ele mordiscou a minha orelha.
— Como assim, esposa? Nós assinamos a papelada do divórcio,
lembra?
Ele abriu a porta do quarto.
— Você assinou, Marina, eu não assinei nada!
Me pegou no colo.
— Como não assinou?
Ele me beijou.
— Não me senti preparado para desistir de nós.
Ele encostou a testa na minha.
— Quer dizer que ainda somos casados? Por isso tantas desculpas
para me dar a certidão de casamento averbada.
Coloquei a mão na boca, surpresa.
— Sim! E quando eu disse que queria a sua opinião, era sobre
anular o pedido de divórcio.
Ele me jogou na cama. Me soltei dos seus braços.
— Mas, para quem era a aliança?
— Marina, tem uma coisa aqui no meu bolso, pega.
Era a minha aliança, ele tinha mandado restaurar e, dentro dela,
mandou gravar: “Sempre será você, Marina!”.
— Sempre será você?
— A dona da minha história e do meu coração!
Eu sorri, chorei e abracei aquele homem lindo que estava em minha
frente.
— Você só esqueceu de uma coisa.
— Do quê?
— Olha dentro da caixinha do pedido de casamento.
Eu não tinha mais mexido nela, li o cartão com o pedido e fechei a
caixa, mas quando abri, vi que tinha uma caixinha lá dentro, uma menor,
aquela sim, parecia ter um anel, mas, outro?
— Outro anel?
— Abre.
Era um solitário, com um lindo rubi. Ele era em ouro, com as
laterais cravejadas de diamantes e, no centro, a linda pedra vermelha.
— Um solitário, que lindo!
— Quero que você o deixe sempre em seu dedo, para lembrar de
duas coisas sempre que olhar para eles, a primeira: que o rubi é a pedra
mais rara e preciosa que existe, os romanos a usavam como fonte de
coragem para suas batalhas e os gregos a veneravam como a mais
importante de todas as pedras e a mais preciosa. Essa é a primeira coisa que
eu quero que se lembre ao olhar para ela, que você é a pedra mais preciosa e
mais importante para mim, Marina, não existe outra, você me inspira para
lutar todas as batalhas da vida. A segunda, Marina, é um trocadilho: “Sem
você, serei o mais solitário dos homens!”.
Eu suspirei.
— Agora vem aqui, não aguento mais ficar um minuto sem sentir
minha querida esposa.
A vida nos surpreende tantas vezes, com coisas boas e ruins, mas o
autor dela não deixa de escrever a nossa história. Ele ainda tem a caneta nas
mãos e, detalhe por detalhe, vai compondo-a com perfeição. Algumas
vezes, vamos desejar pular capítulos ou páginas que não sejam tão
interessantes ou que nos machuquem demais. No entanto, a beleza da vida é
perceber o quanto Ele vai nos moldando com todos os acontecimentos,
forjando o nosso caráter, nos deixando mais fortes.
Minha história com o Samuel me fez entender que não importa
quantas decisões erradas eu tome, quantas vezes eu caia, Ele estará sempre
escrevendo os meus caminhos, até que eu encontre o verdadeiro propósito.
Como um pastor que ajuda a ovelha a voltar para casa depois de se perder
pelo caminho, Ele estará sempre me guiando até um lugar seguro. O meu
lugar seguro, era ao lado do Samuel, ele era o homem que eu escolhi para
remar comigo nas marés altas e baixas, era ele que eu queria para sempre ao
meu lado.

FIM

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