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O Bezerro

e a Rainha
át im a G o n çalves Lima
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Ilustrado por
Everaldo Correia de Lima Júnior
Cecília Menezes Gonçalves Lima
O Bezerro
e a Rainha
át im a G o n ça lves Lima
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Ilustrado por
Everaldo Correia de Lima Júnior
Cecília Menezes Gonçalves Lima
O Bezerro e a Rainha
Texto © 2009 by Maria de Fátima Gonçalves Lima
Ilustrações © 2009 by Everaldo Correia de Lima Júnior e Cecília Menezes Gonçalves Lima

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Maria de Fátima Gonçalves Lima
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Felix de Pádua
Projeto Gráfico, Arte-Final e Capa

L732b Lima, Maria de Fátima Gonçalves


O bezerro e a rainha / Maria de Fátima Gonçalves Lima; ilustração
Everaldo Correa de Lima Júnior e Cecília Menezes Gonçalves Lima. –
Goiânia: Ed. da UCG, 2009.
32 p.: il.

ISBN 978-85-7103-580-5

1. Literatura infantil. 2. Literatura infanto-juvenil. I. Lima Júnior, Everal-


do Correa de (ilust.) II. Lima, Cecília Menezes Gonçalves (ilust.) III. Título.

CDU: 82-93
821.134.3 (81) -93

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Aos contadores de histórias, homéricos em narrativas
que ainda atuam, apesar do fulgor da internet.

Ao Prof. Arnaldo Cardoso Freire, amigo e


incentivador de sempre, pelo crédito e pela afeição.

Hoje,
À tia Raimunda Santos Silva, contadora de histórias
– com quem divido esta coleção – pela parceria dos manuscritos,
pela sementeira e pelo ovo original das narrativas.

Sempre,
À minha mãe, Manoelina, parceira constante e exemplo;
aos meus filhos, Júnior, Cecília e Diana, luz, vida e completude;
a Everaldo, cúmplice de sonhos e realizações;
ao meu irmão, Wilson, companheiro no amor.
Uma chuva fininha precipitava-se das nuvens numa mansidão
silenciosa. Ártemis e Rodrigo caminhavam por uma estrada
da região em que moravam, enquanto relembravam as
últimas palavras de sua mãe.
– Rodrigo, meu querido irmão – dizia Ártemis –, agora
estamos desamparados, nosso pai e nossa mãe não
estão mais entre nós, e nossa mãe, ao morrer, me
pediu que cuidasse de você como um filho, lembra?
– Claro, maninha.
– Esse lugar onde moramos é um ambiente
traiçoeiro, possui muitas armadilhas.
– Eu não sabia, minha irmã!
– Nossa mãe não te contou, porque você
era muito pequeno.
Nesse instante, chegaram perto de um rio
de águas claras.
– Até esse rio, que representa sempre um
agradável convite para tardes de banhos
e brincadeiras, também é uma ameaça.
Suas águas cristalinas e frias matam nossa
sede, mas é preciso fazer um copo de folhas
para apanhar a sua água para tomar. Dizem
que, se alguém beber a água diretamente
no rio, como fazem os animais, pode ser
transformado em qualquer espécie de bicho.
– Nossa! Que rio estranho!
– Muito estranho! Por isso, nunca beba água
diretamente, sem, antes, fazer um copo de folhas
ou fazer uma concha com as mãos. Todo cuidado
é pouco. As árvores daqui também são cheias de
estranhamento, parecem estar sempre nos observando.

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Assim, Ártemis e Rodrigo viviam sozinhos naquele
lugar, tomando sempre os cuidados necessários.
Ártemis já estava uma mocinha linda. Seus olhos
verdes brilhavam enquanto corria pela floresta
encantada da região. O menino Rodrigo, ainda
pequeno, nos seus dez anos, seguia a irmã nos
trabalhos da casa e nas brincadeiras.
Numa certa tarde, foram tomar banho no
rio. Enquanto Ártemis mergulhava, Rodrigo
resolveu brincar e fez de conta que era um
bezerro. Chegou perto do rio, sorrindo e
engatinhando para representar as quatro
patas do animal, e bebeu água diretamente
da fonte. Nesse instante, Rodrigo foi
transformado em um bezerro.
Ártemis, ao sair da água, não viu o irmão.
Notou apenas um bezerro na margem do rio.
Então, saiu à procura de Rodrigo, mas logo o
bezerro falou:
– Oh, irmã, Oh! irmã, estou aqui, irmã,
transformado em bezerro.
Ártemis ficou muito assustada, aliás, desesperada, seu
irmão havia sido encantado. Ele era aquele animal falante
e agora ela precisava cuidar ainda mais dele.

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A cada dia, Ártemis tornava-se mais bela. Seus
cabelos loiros caíam em ondas pelas costas, seus
olhos possuíam um verde estonteante. No
entanto, a dona dessa admirável beleza era
uma moça solitária: vivia naquele lugar ermo,
apenas cuidando do seu bezerro.
Um dia, passou por ali uma carruagem
do rei Henrique, dono de todas as terras
da região. A carruagem parou para um
pequeno conserto. De dentro dela,
saltou o príncipe Artur, o primogênito
do rei. O príncipe resolveu passear
um pouco e saiu por uma pequena
estrada. Sem perceber, parou na frente
da casa de Ártemis que, assustada com
a presença do estranho, saiu correndo.
O príncipe ficou intrigado com a figura
da moça: seus cabelos, seu corpo, seus
olhos, seu porte elegante. Por isso foi
atrás dela. Ao ver os olhos de Ártemis,
Artur ficou tomado por uma fascinação. Sem
palavras, apenas olhava Ártemis.
O príncipe Artur possuía também um olhar
profundo, que absorvia, de forma mágica, quem
olhasse seus olhos negros. Ártemis, atraída por esse
olhar, ficou sem ação.

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Artur quis conhecer a moça e ficou sabendo que ela
morava sozinha. Intrigado, indagou como poderia
uma moça tão bela viver assim, isso era algo
inadmissível. Apaixonado, percebeu que ela era a
mulher de sua vida e com ela queria se casar:
–Ártemis, eu quero me casar com você. Diga
que aceita! Por favor!
–Não posso, respondeu a moça.
– Por que você não pode? O que a impede?
Não gosta de mim? Tem alguém em sua
vida? Qual é o motivo da dúvida? – Assim, o
príncipe insistia angustiado.
–Diga, qual é o motivo da sua negação?
– Porque eu tenho um bezerro!
–Um bezerro? E daí? Podemos levar seu
bezerro.
–Eu só me caso com você com a seguinte
condição...
– Diga, eu aceito qualquer condição.
– Eu só me caso, se você jurar que nunca, mas
nunca mesmo, vai matar o meu bezerro.
– Ah! Então é essa a condição? Pois juro que
jamais matarei seu bezerro e cuidarei sempre dele,
como se fosse alguém de sua família.

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Dessa forma, Ártemis foi para o castelo
com príncipe.
O rei Henrique, que estava com uma
doença gravíssima, já não tinha muitos
meses de vida, não via a hora de seu
filho escolher uma noiva. Agora, com
a chegada de Ártemis, percebeu que
poderia morrer sem a preocupação de
deixar seu filho ainda solteiro e sem os
cuidados de uma esposa. O rei tinha
ainda uma filha mocinha. Alice devia
ter um dezesseis anos, mas era muito
ajuizada. No entanto, o príncipe
precisava mesmo casar, assumir o
comando do império, da irmã e
construir uma família. Ártemis
trouxe alegria para o castelo
do rei Henrique.

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O casamento do príncipe Artur e Ártemis foi
comemorado com uma majestosa festa, o
castelo era só alegria. Porém, pouco tempo
depois, o rei faleceu, e Artur tornou-se o
novo rei.
Enquanto Ártemis cuidava das
obrigações de esposa e rainha, Rodrigo,
seu irmão, morava numa dependência
do castelo muito bem cuidado e
protegido. Além disso, a irmã de Artur
tinha um carinho especial pelo bezerro
da rainha. Ficava sempre ao seu lado,
conversava com ele – apesar de não
saber que ele também falava –, fazia do
bezerro da rainha seu amigo e confidente.
Onde estava o bezerro, estava Alice. A rainha
gostava de vê-los juntos, pois notava que seu
irmão não estava mais sozinho.

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A rainha Ártemis ficou grávida e a alegria voltou a
reinar no castelo. A gestação fez a rainha ainda mais
deslumbrante e iluminada, mas sua capacidade de ser
linda e tão boa, não agradava uma de suas amas,
a amarga Delfina. Essa criada sempre cultivou
um amor platônico pelo rei Artur. Depois do
casamento, viu seus sonhos desmoronarem e,
agora, a gravidez da rainha Ártemis era mais
um obstáculo para a realização do sonho de
ser a dona daquele castelo.
A notícia de uma guerra chegou ao castelo
e assustou todos. O rei precisava partir. Ele
seria o dirigente das forças do seu reino e
necessitava lutar. Assim, o rei partiu numa
manhã de maio, deixando a rainha em
prantos.
Passaram-se alguns meses sem notícia, até
que, um dia, chegou o mensageiro avisando
que o rei havia sido ferido, sua vida não
corria risco, mas estava sem visão. Os olhos
negros de Artur, de olhar profundo, não podiam
ver mais nada. Ártemis ficou desconsolada, no
entanto, precisava cuidar do filho que esperava. Já
estava com quase nove meses e, na primavera, o novo
príncipe nasceria.

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Delfina fazia-se de amiga e companheira da rainha. Andava com
ela pelas redondezas, falava da beleza do encontro do rio com o
mar, que não ficava distante do castelo.
–A senhora já viu as duas águas, minha rainha? Sei que
adora rio. Imagine o encontro do rio com o mar. É uma
beleza, um espetáculo sem igual.
–Pode ser, mas não quero ver nada, não quero ter
alegria!
–Mas seria muito bom para a sua saúde e para
o bebê. A senhora anda muito tensa e abatida e
esse seu estado faz mal ao principezinho.
–As duas águas ficam pertinho daqui, a senhora
vai de carruagem e não sentirá cansaço algum.
–Ah! Imagine o encontro do rio com o mar!
–É verdade, acho que vou aceitar o
convite, talvez seja bom andar um pouco!
–Claro, amanhã cedo iremos.
Antes de sair, para conhecer as duas águas, a
rainha visitou seu irmão e contou que iria ver as
águas do rio desaguando no mar. Rodrigo ficou
triste, mas pensou que era porque não podia ir
com a irmã.
Quando Ártemis entrou na carruagem,
o bezerro correu e, com discrição, seguiu a
diligência. Ao chegar às praias do rio que se
aventura no mar, bem na incidência das duas
águas, a rainha ficou deslumbrada com o espetáculo,
mas Delfina apresentava um olhar sinistro.
Nesse lugar de beleza e poesia, moravam duas
ninfas: Nereida e Neide. Elas viviam felizes num castelo
no fundo do mar. As ninfas marinhas, que estavam
colhendo conchinhas, viram a maldade nos olhos de Delfina.
De repente, a ama jogou a rainha no fundo do mar. 17
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Imediatamente, Nereida e Neide chamaram as fadas poetisas,
que sobrevoavam o encontro das duas águas, e pediram
socorro. As fadas pararam de construir seus poemas e
foram socorrer a rainha. A fada Lírio mergulhou no mar
e deu à rainha um raio de luz. Com esse raio, a esposa
do rei Artur adquiriu o poder de viver dentro da
água, como os peixes. Depois, as ninfas marinhas
levaram Ártemis para o castelo dentro do mar,
pois ali ela ficaria protegida da maldade de
Delfina.
Apesar da proteção das ninfas e das fadas,
a rainha ficou muito assustada. Assim, no
início da primavera, nasceu o filho do rei, no
castelo das ninfas no fundo do mar.
Rodrigo, o bezerro, tinha presenciado
todos os acontecimentos. Desesperado,
voltou para o castelo do rei Artur e correu
para perto de Alice muito alarmado. A
princesa não entendeu o que ele queria
informar, só percebeu que alguma coisa
estranha tinha acontecido.
Delfina voltou para o castelo e começou a dar
ordens aos criados como se fosse a rainha. Quando
o rei chegou, Delfina, com uma falsa barriga,
foi recebê-lo como se fosse a esposa. O rei Artur
estava cego, mas percebeu que a voz de sua mulher
estava diferente e perguntou-lhe o porquê da diferença.
Ela alegou que esteve muito gripada e ainda não havia
recuperado a voz, por isso falava baixo e diferente, mas estava
com um desejo enorme de comer bezerro. Se ela não
matasse seu desejo, poderia perder o bebê. 19
– Ora, minha rainha, então mande matar um bezerro,
nós temos inúmeros no reino.
– Ah! Meu querido esposo, não desejo comer
qualquer bezerro.
– Não? Então que bezerro deseja?
– Quero comer, bem assado, o meu
bezerro de estimação.
– Não é possível! Quando a pedi em
casamento, você me fez prometer que
nunca mataria seu bezerro. Foi sua
condição para nos casarmos!
– Mas agora estou grávida e com
desejo. Quero comer o meu bezerro,
já não tenho mais apego a ele, já que
teremos nosso filho.
Sem entender a mudança de opinião
da mulher, o rei mandou seus criados
matarem o bezerro. A princesa Alice
ficou horrorizada, ninguém iria matar seu
melhor amigo. Ela adorava aquele animal.
Diante do perigo, o bezerro correu para
o mar, seguido por Alice. Quando chegaram
nas duas águas, o bezerro cantou:

– Oh, irmã! Oh! irmã,


Estão amolando faca, irmã,
Para matar irmão seu!

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Do f undo do mar, a rainha respondeu:

– Oh, irmão! Oh! Irmão,


Não posso te valer,
Estou no fundo do mar
Com o filho do rei.

Alice ficou surpresa: seu amigo bezerro falou


e se comunicou por meio de uma canção com
alguém no fundo do mar. Logo, reconheceu
a voz da rainha, sumida há três dias. Ela
pensou que Ártemis estivesse em seus
aposentos, descansando e esperando o dia
do nascimento do principezinho.
O bezerro cantou novamente:

– Oh, irmã! Oh! Irmã,


Estão amolando faca, irmã,
Para matar irmão seu!

Ártemis, de novo, com uma voz suave cantou:

– Oh, irmão! Oh! Irmão,


Não posso te valer,
Estou no fundo do mar
Com o filho do rei.

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Alice correu e expôs, ao seu irmão, o que
presenciou. O rei convocou os criados e todos
foram para as duas águas ver o ocorrido.
Na presença do rei Artur, o bezerro cantou
outra vez:

– Oh, irmã! Oh! Irmã,


Estão amolando faca, irmã,
Para matar irmão seu!

Do fundo do castelo das ninfas, a


rainha cantou:

– Oh, irmão! Oh! Irmão,


Não posso te valer,
Estou no fundo do mar
Com o filho do rei.

Ao ouvir a voz da esposa, o rei Artur


mandou que seus homens mergulhassem
no mar e trouxessem sua mulher. Antes que
os criados imergissem, as ninfas Nereida e
Neide trouxeram a rainha Ártemis, sã e salva,
com o principezinho nos braços.

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O rei sentiu a presença da esposa, mas ficou olhando
o vazio da escuridão. Nesse instante, a fada Lírio
trouxe uma Estrela do Mar, cheia de aromático
pólen iluminado, e lançou-a sobre a face do
rei Artur e sobre a cabeça do bezerro. Sob o
efeito da fragrância de luz, o rei recuperou
a visão, e Rodrigo foi desencantado. O
bezerro transformou-se num belo jovem.
Ártemis correu para abraçar seu marido
e entregar-lhe o filho. Em seguida,
sorria e chorava de felicidade, enquanto
abraçava seu irmão, agora um rapaz.
Alice, que presenciou tudo, ficou
deslumbrada. Seu amigo era um ser
humano. Por isso, ela gostava tanto
dele. Gostava só, não, amava-o. Ele era
mais que seu amigo, era seu grande
amor. Rodrigo e Alice se abraçaram
intensamente.
Depois das surpresas boas, a rainha,
com calma, contou os detalhes da maldade
de Delfina. Todos ficaram admirados com
tamanha crueldade.
O rei Artur deu ordem imediata aos seus
soldados:
–Prendam essa criminosa no calabouço! Ela será
castigada!

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Os homens, em combate, saíram à procura de Delfina.
No castelo, ao sentir que corria perigo, Delfina se
embrenhou pela mata. De longe, ouvia o latido
de cães e os gritos dos guerreiros do rei. E corria
tanto que parecia voar. Na verdade, queria
voar, como uma bruxa que era, para outra
história, e assombrar outra bela rainha. Mas,
no caminho de Delfina, tinha uma cobra
enorme, e, ao atravessar um córrego,
imaginou passar por um tronco de
árvore. A ponte não era tronco, mas uma
enorme serpente. E, antes que a malvada
Delfina dissesse um ai, a anaconda
devorou-a. Depois, verificou um sabor
horrível – o gosto amargo da maldade.
E, num arremesso gigante, expeliu a
bruxa para bem longe da história: sem
violência, sem medo, sem morte, sem
susto – apenas vida. Depois, a anaconda
continuou no rio, em paz.
Enquanto isso, no castelo do rei Artur,
os fogos de artifício explodiam, convocando
todos para a grande festa de casamento.
Rodrigo e Alice eram os noivos mais felizes de
todos os contos de fadas, e o rei Artur, a rainha
Ártemis e o principezinho constituíam a família
mais bem-aventurada de todas as histórias de
mundos encantados.

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Posfácio

O ser humano tem como essência o dom da comunicação e a necessidade


de se expressar por meio de diferentes formas de linguagem. As
linguagens verbal, cênica, musical e plástica são formas de expressão que
identificam não só as emoções, mas também revelam a história da humanidade.
Assim, o homem difunde o próprio ser na linguagem, nas histórias que enredam
suas experiências individuais ou as provações de outras pessoas, ou outros mundos
que estão além do tempo e da história.
Nesse contar ou recontar enredos, o homem exerce o seu imaginário e configura
novos universos narrativos que se perpetuam no tempo. As histórias contadas
e cantadas delineiam o conceito de mito (mythos) e de herói (heros) no sentido
original usado pelos gregos antigos. Na época de Homero, respectivamente, mythos
e heros significavam fala e guerreiro. Assim, quando uma personagem se manifestava
verbalmente, a sua fala era designada pela palavra mythos: discurso. Quando uma
personagem homérica falava, realizava um mito. Dessa maneira, essa fala, na cultura
de Homero, era uma fala de fato, isto é, uma emissão de voz, pois a cultura grega,
nesse período, era fundamentalmente oral. Portanto, pela boca do cantor a narrativa
chegava ao ouvido do espectador (nunca pelos olhos do leitor e pela impressão da
editora). Cada personagem realmente falava, talvez até mesmo com entonação e
gestos da representação e com características necessárias. Essas falas e a narração dos
trechos narrativos que a elas se juntavam, correspondiam à grande fala do poeta-
cantor, que era visto como um porta-voz da musa, da deusa-poesia da fala cantada.
Isso porque cada poema era considerado um discurso divino vivificado na voz do
poeta-cantor.
Em nossa cultura, a teorização a respeito do mito, ganhou novos valores e
sentidos, mas é inegável que esse conceito não se dissolveu completamente em
nossos costumes. Um exemplo vivo da presença da herança homérica encontra-
se nas histórias contadas por nossas avós, nossas poetisas-cantoras. Essas histórias
retomam a época em que o narrador contava e cantava os fatos acontecidos ou não,
mas que estavam no imaginário popular e, assim, suas narrativas eram gravadas
no coração do ouvinte. A literatura oral, até meados do XX, era muito comum no
Brasil, era muito comum. Com ela, tinha fôlego a canção folclórica das cantigas
de roda que possuem uma identificação cultural, pois envolvem os costumes, os
valores e a história do povo que representam. As canções infantis fazem referência

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a sentimentos de amor ou amizade entre pessoas e constituem, em si, um mythos,
pois representam o discurso da criança, entoando e representando a fala que aciona
o estado intermediário entre a ilusão e a realidade.
Com base no universo cultural da nossa literatura oral, procuro resgatar as histórias
cantadas por nossas avós e absorvo apenas o ovo germinal do enredo de narrativas que
eram discorridas nas salas dos casarões e nos quintais das pequenas propriedades.
Em O bezerro e a rainha, busquei a essência da narrativa de um menino que foi
transformado em bezerro e, depois, teve a irmã jogada no fundo do mar por uma
criada invejosa. Quando a criada má se preparou para matar o bezerro encantado,
ele correu até o mar e cantou uma triste canção para sua irmã.
A pedra furada é o resgate do mito do rapaz que foi enterrado na lama do lameiro.
Toda vez que passava um transeunte sobre o lugar, ele cantava um lamento, até que
um dia seu pai foi desenterrá-lo.
Os cabelos de Rebeca é um reconto da história da menina que foi enterrada aos
pés da figueira pela madrasta. Esta narrativa possui várias versões, entre elas, a rede
Globo realizou uma minissérie intitulada Hoje é dia de Maria, que também tem
como mote a história da menina enterrada pela madrasta invejosa.
Para realizar este trabalho, busquei minhas reminiscências de criança e revivi as
histórias, que minha avó Maroca contava cantando. No entanto, muitas vezes, a memória
me traía em algum ponto do ritmo das cantigas ou nos detalhes do enredo. Mas a voz
da minha avó foi, agora, reativada por minha tia Raimunda Santos Silva, uma contadora
de história de tino e fibra – pessoa a quem devo e divido estas narrativas, pois colaborou
comigo, transcrevendo um manuscrito com a semente das histórias contadas e cantadas
por sua mãe, na forma original. Alicerçada por esse cabedal histórico, recriei os enredos, a
partir da semente do mito cantado e imortalizado na literatura oral, espécie de acalanto.
Destarte, seguindo o brocardo de “quem conta um conto aumenta um ponto”, criei, no
universo das duas águas no encontro do rio com o mar, a história de Ártemis e Rodrigo,
das fadas poetisas e das ninfas marinhas. Em A Pedra Furada, inseri a figura do alquimista e
a teoria da força de atração do Universo. Em Os Cabelos de Rebeca apresentei a figura do
papagaio falador, dono da voz e um herói-cantor na história. O papagaio dá vida à narrativa,
com o seu encanto e suas cantigas de roda. Assim, num cenário com universos medievais,
rurais e até modernizados, dei vida a heróis encantados, fadas e canções, retomei mitos da
literatura oral, adormecidos no tempo.
A Autora

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OS ILUSTRADORES
Meu nome é Everaldo Correia de Lima Júnior, nasci no dia 20 de Agosto de 1994. Gosto de
brincar de vídeo game e jogar bola. Gosto também estudar e ler bons livros. Já notaram que gosto
também de desenhar, mas é apenas uma forma de brincar com minha imaginação. Ainda não
tenho uma idéia formada da profissão que seguirei quando crescer, no momento estou curtindo
a minha “adolescência” e esse projeto de ilustrar livros.

Meu nome é Cecília Menezes Gonçalves Lima, nasci no dia 15 de Março de 1996. Adoro minha
família, meus amigos, estudar e ler os livros que considero bons. Sou muito esforçada e, em tudo o
que faço, desempenho com paciência e prazer. É assim que realizo meus trabalhos escolares e ajudo
meu irmão ilustrar os livros que minha mãe escreve. Gosto muito de pintar, criar imagens, inventar
paisagens e outras coisas. É bom criar universos que nos fazem sonhar e dão prazer aos outros

A AUTORA
MARIA DE FÁTIMA GONÇALVES LIMA – É advogada e graduada em Letras Vernáculas pela Ponti-
fícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade
Federal de Goiás (UFG), Doutora em Teoria Literária pela Universidade Estadual Paulista (Unesp)
“Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto, e Pós-Doutora pela Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). É docente do Curso de Letras, coordena o curso de
Comunicação e Gestão de Pessoas na Pós-Graduação Lato Sensu e é Coordenadora de Mestrado em
Letras: Literatura e Crítica Literária da PUC-Goiás. É ensaísta, crítica literária e autora de várias obras
de crítica. Em 2004, estreou como autora de obras para o público infanto-juvenil com o reconto
de fadas O castelo de Branca de Neve. Publicou, em 2006, Histórias que vovó Maria contava – uma
coletânea de três narrativas: Renato e as bananas ourinhos, O papagaio e a rocodela e Sopa de pe-
dras – e, em 2007, A sopa de Viaro e outras estórias. Além dos grupos de pesquisa, pertence a várias
associações culturais.
ISBN 9788571035805

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