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Lessing sobre as representações poéticas e escultóricas de Laocoonte

Inês Martins Leal de Oliveira Santos

Arte Clássica

Estudos Clássicos

Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa

2022/23
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Índice

Introdução ...................................................................................................................... 3

Discrepâncias entre poesia e escultura ........................................................................... 3

As influências de Vergílio ............................................................................................. 5

A escultura como ponto de partida ................................................................................ 5

A imitação segundo Lessing .......................................................................................... 6

Os mestres de Laocoonte ............................................................................................... 6

Conclusão....................................................................................................................... 7
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Introdução

A escultura referida por diversas na obra de Lessing representa o momento em que

Laocoonte e os seus dois filhos estão à beira da morte devido ao ataque de duas cobras que os

atacam, enviadas pelos deuses que desejavam a vitória dos gregos sobre os troianos e se

enfureceram com Laocoonte, sacerdote troiano de Apolo, por este ter tentado avisar os

restantes troianos das suas suspeitas em relação ao cavalo de Tróia.

No decorrer da sua obra, Laocoonte ou Sobre as fronteiras da Pintura e da Poesia,

Gotthold Ephraim Lessing usa como exemplo Laocoonte, que foi perpetuado na arte literária

por Vergílio na Eneida e na arte visual pelos mestres Atanodoro (referido por Plínio como

Atenodoro), Apolodoro (Polidoro) e Agesandro de Rodes, pai de Atanodoro e

presumivelmente de Apolodoro.

Nesta obra Lessing aborda as diferenças entre as representações de Laocoonte por

Vergílio e pelos mestres anteriormente mencionados, procurando explicar as disparidades

entre as duas obras que utiliza como ponto de partida para estabelecer as diferenças entre a

poesia e a escultura.

Segundo Lessing, um escultor e um poeta não podem interpretar nem representar a

mesma situação de modo idêntico, em virtude da grande diferença entre aquelas duas formas

de arte, cada uma delas com as suas características e limitações intrínsecas.

Diferenças entre poesia e escultura

Lessing começa por afirmar que, contrariamente ao Laocoonte que imaginamos ao ler

a obra de Vergílio, o Laocoonte de mármore não apresenta uma boca suficientemente aberta

para corresponder a um grito medonho, mas sim a um gemido, que não seria suficientemente

intenso para transmitir ao espetador a dor que a personagem mitológica estaria a sentir no

momento retratado. No entanto, o autor considera que o facto de o escultor que concebeu esta
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obra não ter representado a dor tal como a vemos na sua forma mais crua revela uma grande

sagacidade por parte do mestre.

Na sua busca de uma tentativa de explicar o porquê de o artista não ter representado a

dor que Laocoonte estaria a sentir, Lessing exclui a possibilidade de esta escolha poder ser

atribuída à essência do povo grego, pois segundo as evidências que permaneceram, os gregos

expressavam frequentemente as suas emoções e não consideravam que a expressão do

sofrimento revelasse uma “alma pequena” e acreditando que essa expressão constituía um

atributo que distanciava os povos civilizados dos que não o eram. Pelo que os motivos do

escultor teriam sido certamente outros.

Lessing chegou à conclusão que o artista, limitado pelas condições que a sua arte lhe

impõe, sentiu a necessidade de reduzir a intensidade da dor que Laocoonte expressa no

poema de Vergílio, de forma a manter a beleza da sua escultura. Uma vez que caso o escultor

tivesse permitido que a boca de Laocoonte expressasse mais do que um gemido, com o

decorrer do tempo iria deixar de ser uma figura que suscita misericórdia para se transformar

numa figura que causa desconforto a quem a observa.

O artista considerou que o gemido de Laocoonte conduzia o observador a imaginar o

grito que não representou e preservando ao mesmo tempo a beleza efémera da sua

composição.

Se descrever um grito não implica uma forma visual desagradável, não lhe sendo

associado um rosto disforme, mas apenas a dor dilacerante de Laocoonte, provoca um

sentimento de compaixão em quem lê a obra. Já representar este grito visualmente causaria

desconforto e, portanto, não seria sábio numa representação perene.


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As influências de Vergílio

Lessing julga que existe uma possibilidade de os escultores gregos terem representado

o pai e os filhos porque foram influenciados por Vergílio, discordando de Montfaucon, que

acredita que o poeta se foi influenciado pela arte. Lessing argumenta que foram os artistas

que seguiram Vergílio, considerando que se estes tivessem enlaçado os braços de Laocoonte

com as duas enormes cobras isso causaria no espetador a ideia de uma rigidez associada à

morte, o que acabaria por prejudicar o dinamismo que podemos observar na estátua.

Para melhor transmitir, a quem aprecia a obra, a sensação de dor e sofrimento, as

pernas de Laocoonte, diferente do que sucede em Vergílio, precisariam de estar contraídas e

não subjugadas pelo veneno que causa a anestesia dos músculos da figura, tendo alguns

escultores optado, por essa razão, por não incluir quaisquer voltas das cobras no torço ou no

pescoço do sacerdote e por representar essas voltas apenas na parte inferior do corpo.

Outra divergência que é possível notar é a ausência de roupas na escultura, Lessing irá

justificar que isto ocorreu pois, enquanto para a obra poética é possível ter uma personagem

que se encontra de alguma forma coberta sendo ainda assim o sofrimento de Laocoonte

afetando de forma igual o leitor, na obra escultórica apenas uma faixa sacerdotal arruinaria a

intensidade e o poder que a obra tem sobre quem a vê.

A escultura como ponto de partida

Apesar de nem todas as características da poesia serem possíveis de reproduzir na

escultura, o inverso é verdade. Lessing crê que caso Vergílio tivesse procurado inspiração nas

esculturas, este não seria capaz de impor limites sobre si mesmo, uma vez que a poesia não

impõe os impedimentos que a escultura apresenta.


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Apesar disso Lessing não foi encontrou uma razão para Vergílio ter alterado a forma

como as cobras se enrolavam sobre Laocoonte e os seus filhos, pelo que afasta a

possibilidade de a obra de Vergílio se ter inspirado nas esculturas do mestre de Laocoonte.

A imitação segundo Lessing

Para Lessing existem dois tipos de imitação, “Ou um faz da obra do outro o real

objeto da sua imitação, ou ambos têm os mesmos objetos da imitação e um deles toma de

empréstimo do outro o modo e a maneira de o imitar.” (Lessing, 2021)

Este segundo tipo de imitação mencionado por Lessing na citação anterior, quando é

praticado pelo poeta, leva-nos a desconsiderar os seus feitos e capacidades, mas não tem o

mesmo efeito sobre nós quando é praticado pelo escultor, argumentando que tal ocorre

porque, comparativamente com o poeta, o trabalho do escultor é mais difícil e impõe mais

limitações com as quais este deve respeitar. Isto conduz-nos a ser consideravelmente mais

brandos com o escultor.

Os mestres de Laocoonte

Os mestres do Laocoonte terão muito provavelmente vivido no tempo de Alexandre

Magno. No entanto, apesar de Plínio não explicitar a época em que viveram os mestres,

Lessing confia que ele muito provavelmente preferiria colocar estes mestres entre os mais

modernos. Tendo em consideração que Plínio situa outros artistas modernos nessa época,

dificilmente os mestres do Laocoonte não se situariam também nesse período.

Lessing acredita que se os artistas que imortalizaram o Laocoonte tivessem realizado

os seus trabalhos na Grécia, dificilmente a sua obra seria mencionada apenas por Plínio, e que

tal seria muito mais provável no caso de os artistas tiverem trabalhado em Roma.
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Pelo que Lessing não concorda com Winckelmann não considerando que os mestres

que criaram o Laocoonte fossem tão antigos como aquele pensa.

Conclusão

Desta obra podemos concluir que, para Lessing que a poesia e a escultura são duas

artes cujas características relevantes são em quase tudo distintas. Sendo as diferenças mais

evidentes: os seus pontos de partida, as influências que escolhem, o que podem emular de

outras artes e da própria natureza, a maneira de expressar o que observam e o que consideram

como mais importante.

Todas estas diferenças culminaram num poema e numa escultura que, apesar de

representarem o mesmo mito, constituem duas obras únicas que produzem impressões

significativamente diferentes nos seus leitores e observadores. Duas obras que, embora de

formas radicalmente distintas foram brilhantemente elaboradas.


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Bibliografia

Lessing, G. E. (2021). Laocoonte ou sobre as fronteiras da pintura e poesia. Lisboa:

Antígona.

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