Você está na página 1de 14

AULA 4

DISCIPLINA:

A LUTA DOS AFRO-


BRASILEIROS E DOS POVOS
INDÍGENAS NO BRASIL

Prof. Yuri Berrí Afonso


CONVERSA INICIAL
Nessa aula falaremos sobre as ações afirmativas para negros no Brasil. O
primeiro tema nos dá uma noção do que são as ações afirmativas, por que devem
ser implementadas e quais são os resultados que elas pretendem atingir. O
segundo tema fala sobre a transformação da manifestação racista, diante das leis
que punem e penalizam quem o manifesta. O tema três aborda uma ação
afirmativa que está em evidência no Brasil, as cotas raciais. Depois, no quarto
tema, descreveremos algumas das teorias raciais, e como a “ciência” abordava a
questão de forma preconceituosa no começo. O quinto e último tema aborda a
transformação que ocorre na educação brasileira em relação à valorização da
cultura africana diante da implementação de leis que torna obrigatório o ensino da
cultura africana em estabelecimentos de ensino básico de todo país.
Bons estudos.

CONTEXTUALIZANDO
Apesar de estarmos no século XXI, o tema da discriminação racial ainda é
latente. Os números e estatísticas que demonstram a diferença entre brancos e
negros não são novidades. Apesar de as manifestações racistas terem diminuído
devido às leis que penalizam e punem os agressores, o sentimento ainda
permanece internalizado em grande parte da sociedade. Uma das formas de
diminuir a desigualdade e proporcionar novas oportunidades para a equalização
são as ações afirmativas. Além do conhecido sistema de cotas, vemos uma
evolução no sistema educacional, que tem valorizado a cultura africana por meio
de leis que obrigam o ensino sobre as minorias étnicas. Contudo, a própria ciência
fez um papel importante para justificar a superioridade de uma raça sobre a outra.
Hoje, os estudos científicos não são mais tendenciosos, e cada vez mais
demonstram que a raça é um elemento que não define caráter, ou personalidade,
ou capacidade.

TEMA 1 – AÇÃO AFIRMATIVA: HISTÓRIA E DEBATES NO BRASIL


Os números e estatísticas que representam a discriminação no mundo não
são mais novidade, pois têm sido frequentemente divulgados, muitas vezes, com
o objetivo de destacar a discrepância de tratamento dado a indivíduos devido às
suas características. É perceptível que o acesso a algumas oportunidades como

02
estudo, vagas de emprego e liderança política, é desigual quando classificamos
seus ocupantes por cor, gênero, religião ou classe social.
Para evitar que a discriminação continue a ocorrer, uma série de ações
estão sendo tomadas, ou planejadas, para que diminuam as diferenças. Essas
ações já fazem parte da discussão social, da iniciativa privada e da agenda
pública, sendo mecanismos para proporcionar um melhor acesso aos bens
sociais, materiais e de oportunidades. No entanto, é bom lembrar que algumas
décadas atrás ainda existiam leis e regras para discriminar as pessoas de acordo
com suas características, como o apartheid, na África do Sul.
Essas ações para equalizar oportunidades ganharam nos Estados Unidos
o nome de ações afirmativas, que foi adotado por alguns outros países como o
Brasil. Na Europa, durante um período, essas ações eram chamadas de
“discriminação positiva”. Algumas das ações afirmativas conhecidas são a política
de cotas, a reserva de vagas e a ação compensatória.
Antes de desenvolver simpatia, ou antipatia por essas ações, vamos tentar
entender como elas surgiram e por que devem, ou não, ser implementas.
Lembrando que essas ações são alvo de grande polêmica.
Na década de 1960, os norte-americanos lutavam por uma
redemocratização, cuja bandeira central era a luta por oportunidades iguais para
todos. Nesse período caíram muitas leis segregacionistas. Foi nesse contexto que
surgiram os movimentos raciais, com grande abrangência no território nacional.
Esses grupos exigiam não somente a igualdade de oportunidades para todos, mas
também que o Estado agisse de forma a melhorar as condições de vida da
população negra.
A partir daí diversos países passaram a adotar medidas de ações
afirmativas, algumas vezes com outros nomes. São nesses diferentes contextos
que, segundo Moehlecke (2002):

a ação afirmativa assumiu formas como: ações voluntárias, de caráter


obrigatório, ou uma estratégia mista; programas governamentais ou
privados; leis e orientações a partir de decisões jurídicas ou agências de
fomento e regulação. (Moehlecke, 2002, p. 199).
Em geral, as ações afirmativas têm como público as minorias étnicas raciais
e as mulheres. Seus principais cenários de atuação são no trabalho, com a
contratação, treinamento e promoção, e nos estudos, como o sistema de cotas
raciais utilizado no Brasil.
Além do sistema de cotas, que consiste em reservar um percentual de
vagas para determinada minoria, existem também as taxas e metas, que são um

03
parâmetro estabelecido para medir os progressos realizados em relação aos
objetivos propostos, e os cronogramas, que são etapas a serem seguidas em um
médio prazo.
Para Moehlecke (2002, p. 200), as definições sobre ações afirmativas:
“introduzem a ideia da necessidade de promover a representação de grupos
inferiorizados na sociedade e conferir-lhes uma preferência a fim de assegurar
seu acesso a determinados bens, econômicos ou não”.
Ainda segundo Moehlecke (2002, p. 200), “a convicção que se estabelece
na Filosofia do Direito, de que tratar pessoas de fato desiguais como iguais,
somente amplia a desigualdade inicial entre elas, expressa uma crítica ao
formalismo legal e também tem fundamentado políticas de ação afirmativa”.
No material do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da
População Negra no Brasil encontramos a diferenciação entre ação afirmativa e
os termos reparação, ou redistribuição. Essa distinção diz que para ser alvo de
ação afirmativa não basta o indivíduo fazer parte de um grupo considerado
minoria, ele também precisa reunir algumas qualidades para determinar que é
alvo da ação afirmativa. Essas qualidades incluem suas características históricas
e socioeconômicas, que comprovam se aquela pessoa faz parte de um grupo que
sofreu discriminação. Porém, são justamente esses parâmetros que definem se
alguém foi realmente vítima de discriminação é que levantam muitas polêmicas
em relação ao tema.
As ações afirmativas não abrangem apenas os negros, mas também outras
etnias, religiões, mulheres e gêneros. Elas também podem ser aplicadas em
diversos aspectos da sociedade, porém, baseado no nosso contexto brasileiro,
ficam alguns questionamentos para reflexão: Um homem negro, de classe média,
com bons estudos e boas notas precisa do sistema de cotas para acessar a
universidade? O mesmo homem negro, em um alto cargo executivo, pode ser
preterido a uma promoção apenas pela cor?

TEMA 2 – A FACE OCULTA DO RACISMO NO BRASIL: UMA ANÁLISE


PSICOSSOCIOLÓGICA
Na modernidade, atos explícitos de discriminação contra a raça – o racismo
– têm sido punidos pela lei. Isso pode sugerir que o racismo tenha diminuído, ou
esteja desaparecendo. No entanto, o fato de criarmos leis para punir as pessoas
que fazem essas discriminações não necessariamente diminui o sentimento de

04
racismo que existe na sociedade; pelo contrário, esse sentimento tem encontrado
novas formas de se manifestar, sem que seja detectado pela lei.
Dentro dessa abordagem podemos pressupor que a diminuição dos atos
racistas é muito mais aparente do que real, já que as novas formas de
discriminação não entram em conflito com as vigentes leis antidiscriminatórias.
Nesse sentido, partimos de uma discriminação manifesta, que pressupõe a crença
na inferioridade do outro grupo e a rejeição ao contato, para um novo modelo de
discriminação, mais sutil.
Segundo Moscovici (1985), algumas pessoas não têm atitudes racistas por
causa de um processo de internalização, ou conversão para a nova regra,
enquanto para Kelman (1961) a diminuição de atitudes explícitas racistas tem
como princípio a acomodação. Porém, a mudança em relação às atitudes racistas
e preconceituosas não está apenas relacionada à sua quantidade, mas também
em relação à sua qualidade. O racismo não mudou apenas em número, mas
também em forma, o que nos leva ao surgimento dos novos modos de
preconceito. Sears e Kinder (1971) levantam a questão do racismo simbólico.
Nesse conceito está a questão relacionada às ações afirmativas. Como é comum
na sociedade moderna, procuramos formas de equalizar, reparar e diminuir as
diferenças. Se, por um lado, os que são contra as ações afirmativas são chamados
de racistas por não apoiarem o incentivo à igualdade, por outro lado, os que são
a favor também são chamados de racistas, por acreditarem que aquela minoria
precisa de ajuda para conquistar as oportunidades.
Porém, essas novas abordagens sobre o racismo sofrem tanto com o
processo metodológico quanto com o conceitual. Se o racismo mudou de
configuração devido às novas leis, e se adaptou em qualidade, ele não pode ser
mais visto como uma forma de discriminação clássica, em que o maior
afastamento social sugere maior preconceito. Porém, as questões usadas para
quantificar o novo racismo seguem sendo as mesmas metodologias para se
identificar o racismo clássico.
Para Camino et al. (2001, p. 16) “o foco destas abordagens não deve ser a
construção, a priori, de uma medida válida a ser utilizada em diferentes situações,
mas a compreensão das características próprias de cada contexto social para
poder construir, em cada um destes contextos, medidas adequadas”.
Em termos conceituais, essa nova abordagem sobre o racismo apresenta
um problema fundamental que está na relação do psicológico e do social.
Segundo Camino et al. (2001), dentro do conceito desses novos preconceitos, as
05
pessoas experimentariam uma contradição entre suas atitudes íntimas
preconceituosas e as normas sociais contra o preconceito. Porém, os autores
destacam que isso demonstra que a origem desse sentimento não está no
psicológico, mas no encontro com argumentos conflitantes que circulam na
sociedade, demonstrando, assim, problemas conceituais em relação a essa
abordagem moderna.
Os conceitos psicológicos sobre os novos preconceitos, além de não
considerarem fatores do racismo clássico, estuda o fenômeno de uma forma
individual, o que não se adapta ao estudo do racismo como fenômeno social.
Então, para entender o racismo atual precisamos compreender, também, o
contexto contemporâneo em que ele ocorre. Esse contexto é dominado pela
globalização, que é um conjunto de processos estruturados em diversos níveis
(cultural, econômico, social), que são independentes, porém inter-relacionados.
Quando ocorre a globalização cultural, intensificam-se o contato e as
discrepâncias entre as culturas. Esse é um evento bastante contraditório, pois é
justamente esse contato que aumenta o diálogo que talvez faça interromperem os
conflitos, mas também destaca e fomenta o fanatismo e a negação às diferenças
sociais.
Outro aspecto social que chama a atenção é a formação de novos blocos
econômicos e a globalização financeira. Ao mesmo tempo em que proporciona
desenvolvimento tecnológico e econômico do capitalismo, aumenta a diferença
entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento, como apontam as análises e
estatísticas dos governos. Isso também gera diferentes formas de reação e
preconceitos.
Constata-se que em países em desenvolvimento (colonizados) a diferença
social entre pessoas negras e branca continua aumentando, enquanto em países
desenvolvidos aumenta a xenofobia, impedindo que trabalhadores de outras
etnias entrem no país e ocupem vagas de trabalho.
Embora, atualmente, não se queira acreditar na hierarquia social com base
na cor da pele, percebemos que a discriminação racial continua a ser usada como
justificativa para a superioridade de uma raça em relação a outra.

06
TEMA 3 – AÇÕES AFIRMATIVAS PARA NEGROS NO BRASIL: O INÍCIO DE
UMA REPARAÇÃO HISTÓRICA
Como vimos anteriormente, a instauração de medidas de ações afirmativas
começou na década de 1960, nos Estados Unidos, e, posteriormente, começou a
ganhar força com a adoção do mesmo pensamento em diversos países. No Brasil,
a questão de ações afirmativas relacionadas à questão racial começou a ser
implementada nos anos 1990. Na verdade, já existiam ações para reparar
desigualdades para as mulheres, deficientes físicos e algumas etnias, mas a
questão racial tornou-se foco das ações afirmativas com a introdução das cotas,
principalmente nas universidades públicas, que gerou muita controvérsia e
polêmica.
Segundo a pesquisa Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho
no Brasil, realizada pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial
(Inspir), em 1999, na região metropolitana de São Paulo, um homem negro recebia
o equivalente a 50,6% do que um trabalhador não negro. A situação entre as
mulheres negras é ainda mais grave: constatou-se que as mulheres negras
recebem, em média, cerca de 33,6% do que um homem não negro recebe. A taxa
de desemprego entre negros e não negros também chama a atenção. Enquanto
a taxa de desemprego entre os não negros é de 16,1%, a taxa aferida dos negros
chega 22,1%. Não para por aí, a análise de dados referentes a outros assuntos,
como criminalidade, população carcerária, morte por homicídios e acesso às
universidades também apresentam números que evidenciam a discriminação
racial.
Como poderíamos mudar esse quadro, que cada vez mais apresenta
números e estatísticas que refletem a discriminação racial? Uma das respostas
mais utilizadas é a ampliação do programa de ações afirmativas.
Se analisarmos o período entre 1960 e 1996, perceberemos que nos
Estados Unidos, onde foram aplicadas as ações afirmativas, a desigualdade social
entre as raças diminuiu, enquanto no Brasil, nesse mesmo período, os indicadores
demonstram que ela aumentou.
As cotas raciais são uma ação afirmativa extrema, por isso gera tanta
polêmica. Elas consistem em reservar um determinado número de vagas para
pessoas negras. Essas ações afirmativas estão mais presentes no quesito
capacitação, com vagas reservadas a negros nas universidades públicas, porém
também dizem respeito às vagas de trabalho e participação na política pública.

07
Cabe lembrar que no Brasil foram criadas diversas ações afirmativas para
proteção das mulheres, dos deficientes físicos e dos indígenas. Porém, quando
foram implementadas medidas para reparar a discriminação aos negros, diversos
segmentos da sociedade apresentaram resistência.
Na educação, o estado do Rio de Janeiro foi o primeiro a estabelecer cotas
raciais de acesso às universidades. No vestibular de 2003, a Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF) determinaram que 40% das vagas seriam destinadas a
alunos negros. Apesar de toda controvérsia, outras universidades adotaram o
mesmo sistema. Mais tarde, a Universidade Federal do Paraná (UFPR)
implementou o sistema de cotas raciais em seu vestibular.
As estatísticas apontam para um consenso geral de que medidas precisam
ser tomadas para combater a discriminação racial, porém existem algumas
críticas que são feitas a elas. Discutiremos alguns dos argumentos levantados
nessa discussão e, o quanto possível, apresentar alguns argumentos em favor
das cotas.
Uma das críticas primárias sobre o sistema de cota diz que nós estaríamos
plagiando políticas implementadas nos Estados Unidos. Porém, essas medidas
não são de monopólio americano, pois foram adotadas e implementadas em
diversos países.
Outra crítica comum, que nasce nas teorias sociais marxistas, é que o
sistema de cotas não representa uma revolução, e sim uma reforma. Esse é um
argumento válido, pois as cotas têm características de reforma, já que são um
sistema paliativo, que deve ser implementado por um determinado período e não
para todo sempre.
A questão do mérito também é colocada para contra-argumentar o sistema
de cotas, já que os alunos que acessam a universidade dessa maneira têm notas
inferiores no concurso pré-vestibular. Vale lembrar que o mérito não pode ser
analisado apenas pelo ponto de vista quantitativo. Afinal, qual a diferença de
méritos entre um aluno que vive em um bairro de elite, estuda nas melhores
escolas, pratica esportes e tem uma boa alimentação em relação a um aluno que
é discriminado por sua cor, vive em uma comunidade impregnada de violência,
trabalha desde os 14 anos e estuda à noite em uma escola pública?
Outro argumento muito frequente sobre o sistema de cotas raciais é a
questão do desempenho estudantil e as taxas de evasão escolar. Estatísticas da
UERJ apontam que a taxa de evasão, no primeiro semestre, de alunos que
08
acessaram a universidade sem o uso de cotas é de 9%, enquanto os alunos do
sistema de cotas equivalem a 5%.
Quando observamos que o povo brasileiro é extremamente miscigenado,
fica difícil de distinguir quem é negro, e quem não é. Talvez, para um país com
essas características raciais, o mais interessante seja adotar as cotas sociais, e
não raciais. No entanto, ao retirar a questão subjetiva e analisar os dados,
percebemos que o negro ainda é vítima de discriminação no nosso país.

TEMA 4 – TEORIAS RACIAIS


No século XIX, a discussão sobre a questão das raças chegou à academia,
tornou-se objeto de estudo para os “homens da ciência”. Porém, as primeiras
teorias sobre a questão racial serviam para justificar a hierarquia racial e a
superioridade de uma raça sobre a outra. Basta perceber que os principais
estudos estavam relacionados a políticas públicas, principalmente na Europa e
nos Estados Unidos. Isso é percebido porque a fonte de produção dessas ciências
tinha o aval do Governo.
Pode-se dizer, de maneira ampla, que esses estudos procuravam observar
o problema sobre a ótica “naturalizante”, ou seja, que as diferenças biológicas
entre os indivíduos era o que promovia a diferença em seu comportamento e, a
partir disso, passavam a considerar como “natural” a questão da hierarquia racial.
Nesse sentindo, a discussão também girava em torno da teoria
evolucionista, que diz que o mais forte, ou mais adaptado, é o que sobrevive.
Nesses casos, o topo do modelo de evolução seria o europeu. Essa visão
(distorcida) procurava justificar a supremacia da Europa sobre os outros povos do
globo e sua colonização.
A escola etnológico-biológica, de tradição norte-americana, acreditava que
as “múltiplas raças” seriam resultado de mutações que acabariam por acarretar
em diferenças raciais. O zoólogo Louis Agassiz (1807-1873), um dos principais
expoentes dessa escola, visitou o Brasil. Nessa visita ele fez uma interpretação
muito negativa do processo de miscigenação. Para ele, o híbrido de duas raças
diferentes (o mulato) perdia as principais características positivas, tanto do
branco, quanto do negro.
O traço fundamental dessa escola está na justificativa da superioridade da
“raça branca” sobre os índios e os negros. Ela considerava que o processo de
miscigenação apresentava riscos para os brancos, pois ao longo do tempo esses

09
poderiam deixar de existir. O que é uma contradição, pois, segundo o
evolucionismo, “o mais forte sobrevive”.
No mesmo alinhamento conceitual dessa escola, temos a escola histórica.
Ela também faz uma crítica à miscigenação, apontando para a degeneração da
raça. Essa vertente não foi responsável, apenas, por formar a ideia de que a raça
ariana seria superior, mas também foi a responsável por difundir essa ideia na
Inglaterra e na Alemanha, tidos (pelos teóricos dessa escola) como países
responsáveis por escrever a história das civilizações. Um de seus principais
representantes era o ministro francês Arthur de Gobineau (1816-1882).
Temos também a escola darwinista social, que influenciou fortemente o
debate racial. O darwinismo social era baseado no livro A origem das espécies de
Charles Darwin, e também servia como justificativa para a hierarquia racial, a
superioridade da raça branca sobre as demais. O que fica claro, nessa situação,
é a transposição mecânica de fenômenos naturais para o fenômeno humano, o
resultado dessa transposição já estava pré-determinado – “o branco é superior”.
No Brasil do século XIX, as teorias nada mais eram do que releituras das
teorias já existentes fora do país. Os principais autores também condenavam a
miscigenação e atribuíam à grande presença de descendentes de africanos os
atrasos da cultura brasileira em relação a europeia.
Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) era um dos principais autores
brasileiros que discutiam a relação entre as raças. Ele era professor de medicina
na Universidade da Bahia, e fez um cruzamento entre as características culturais
do povo brasileiro com as características biológicas. Por meio desse cruzamento
de perspectivas, ele justificava que as características físicas de um sujeito
estavam relacionadas ao seu caráter.
Silvio Romero (1851-1914), em sentido semelhante, apresentou índios e
negros como “decaídos” ou “derrotados”. Porém, Romero acreditava que a
situação poderia ser melhorada por meio da imigração europeia como fator
“branqueador” da sociedade.
Foi com Gilberto Freyre (1900-1987) que a ideia de que a miscigenação
era algo negativo começou a ser desmontada. Para ele, a mistura de raças era
justamente o ponto em que essas encontrariam um relacionamento harmonioso,
diminuindo distâncias sociais entre negros e brancos.
Essa noção atua fortemente sobre o que seria o “caráter brasileiro” e, a
partir dessa premissa, seria dissolvida a questão do preconceito racial. Porém, os
números e estatísticas apontam para o contrário.
010
É importante destacar que essas são as primeiras ideias que os “cientistas”
promoveram. Em geral, elas tentavam justificar a superioridade e domínio da raça
branca sobre as demais. E, pior, além de serem estudos totalmente distorcidos
que procuravam um resultado pré-determinado, eram usados como argumento
para disseminar o racismo.

TEMA 5 – ENSINO DE HISTÓRIA E DIVERSIDADE CULTURAL: DESAFIOS E


POSSIBILIDADES
O Brasil é um país de proporções continentais, além disso, seu território foi
colonizado por uma grande diversidade de etnias. Talvez não seja possível definir
uma cultura brasileira e, em vez disso, falássemos de “culturas brasileiras”. Então,
por que a educação brasileira segue um modelo eurocêntrico? É verdade que isso
tem mudado, principalmente desde 2003, quando foi sancionada a lei nº 10.639,
que tornou obrigatório o ensino de cultura afro-brasileira e africana em todos os
estabelecimentos de ensino básico do país.
Ao longo do tempo, cientistas sociais, antropólogos e historiadores
demonstraram preocupação em a retratar a cultura brasileira em função de suas
múltiplas dimensões. Apesar de o tema ser tratado de formas ideológicas e
políticas diferentes, a maioria concorda que a riqueza de nossa cultura existe
justamente nessa diversidade cultural.
Apesar de a cultura europeia ser a dominante no processo de colonização
do país, ela não conseguiu eliminar as características da cultura indígena e da
cultura africana. Pelo contrário, essas culturas influenciaram o modo de vida dos
europeus que colonizaram nosso país. No entanto, mesmo assim, o sistema de
educação brasileiro é baseado na ideia central da cultura europeia, ignorando a
história e cultura dos outros povos que formaram nossa nação.
Nos livros didáticos, principalmente nos livros de história, fica evidente que
os grandes feitos e os grandes heróis nacionais são brancos, desconsiderando
toda a contribuição histórica de povos indígenas e negros. Pior, nos antigos livros
de história, as minorias étnicas são quase sempre retratadas de forma pejorativa,
ou inferiorizadas.
Apesar da renovação na perspectiva histórica, a partir da implementação
das novas leis, alguns fatos ainda chamam atenção. Um exemplo é que nossa
história começa com a chegada dos portugueses na costa brasileira, ignorando o
fato de que mais de 5 milhões de indígenas habitavam o território brasileiro.

011
O colonizador português é visto como desbravador das florestas e rios, sem
mencionar que tal avanço sobre as terras dependeu, e muito, dos conhecimentos
dos povos indígenas. Além disso, fica evidente que os livros não divulgam o
genocídio que dizimou grande parte da população indígena.
O negro, que chegou ao Brasil como escravo, é sempre visto como
mercadoria ou objeto de proprietários europeus. Não se dá o destaque de que foi
a mão de obra negra que trabalhou na agricultura, pecuária e outros setores,
gerando as riquezas para o país. Além disso, os europeus são sempre destacados
como civilizados e superiores diante de negros e indígenas.
A Fundação Carlos Chagas (1987) realizou uma pesquisa que mostrou que
a escola brasileira não se adaptou a diversidade étnica. Essa pesquisa revelou
que a evasão escolar e os índices de repetência entre os alunos negros era maior
que entre alunos os brancos. A pesquisa ainda destaca que os principais motivos
seriam a visão eurocêntrica do material didático e a forma diferenciada com que
educadores e professores tratam os alunos negros e brancos.
Segundo Fernandes (2005):

A partir do final dos anos 70 do século XX, novos atores sociais na cena
política, protagonizados pelos movimentos populares, sobretudo os
ligados ao gênero e à etnia, passaram a reivindicar uma maior
participação e reconhecimento de seus direitos de cidadania. Entre
esses movimentos sociais, podemos indicar o movimento indigenista,
que reivindica, do governo, a demarcação das terras indígenas e o direito
à sua própria cultura, e os movimentos de consciência negra, que lutam,
em todo o país, contra quaisquer formas de preconceito e discriminação
racial, bem como pelo direito à diferença, pautada no estudo e
valorização de aspectos da cultura afro-brasileira”. (Fernandes, 2005, p.
381).
Ou seja, surge um novo contexto, em que as minorias se destacam
reivindicando seus direitos e isso gera a visibilidade. É a partir daí que a educação
brasileira começa a sofrer mudanças e os conteúdos relacionados às temáticas
indígenas e dos povos negros começam a ser inseridos na escola, valorizando o
papel das minorias étnicas na formação das culturas brasileiras.
Então, é de grande importância inserir, de forma sistemática, conteúdos
relacionados à África e aos povos negros no combate a estereótipos e
preconceitos. Além disso, afasta os conceitos eurocêntricos que excluem a
representação de grupos que compõem a formação da população brasileira, e
incentiva os jovens, que muitas vezes não se veem representados na história e
construção do nosso país.

012
FINALIZANDO
Vivemos um período de transição na relação entre as culturas que habitam
o Brasil, pois os direitos humanos e as novas legislações lançam um novo olhar
sobre a causa étnica e racial. As ações afirmativas geram muita polêmica e atraem
pensamentos favoráveis e contrários. Um argumento subjetivo (válido) é que o
negro não é menos capaz que o branco (se tiver as mesmas condições e
oportunidades), no entanto, quando analisamos os dados e estatísticas
percebemos que a diferença não está na capacidade, mas nas oportunidades que
são negadas ao longo de um processo histórico e de discriminação no contexto
atual. Ainda não podemos detectar se as ações afirmativas têm provocado os
resultados esperados no Brasil, pois são recentes no cenário nacional. Porém,
podemos comparar os resultados entre países que recentemente aderiram às
ações afirmativas, como o Brasil, onde a diferença social entre as raças vem
aumentando, e países como os Estados Unidos, onde as ações afirmativas foram
estabelecidas nos anos 1960, e já apresentam resultados que confirmam que a
diferença social entre as raças vem diminuindo.

013
REFERÊNCIAS
CAMINO, L. et al. (2001). A face oculta do racismo no Brasil: uma análise
psicossociológica. Revista de Psicologia Política, n. 1, 2001, p. 13-36.
Disponível em:
<https://www.researchgate.net/profile/Cicero_Roberto_Pereira/publication/23592
0706_A_face_oculta_do_racismo_no_Brasil_Uma_analise_psicossociologica/lin
ks/02e7e53c5515be41e7000000/A-face-oculta-do-racismo-no-Brasil-Uma-
analise-psicossociologica.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2017.

CARVALHO, A. et al. Desigualdades de raça, gênero e etnia. Curitiba:


InterSaberes, 2013.

DOMINGUES, P. Ações afirmativas para negros no Brasil: o início de uma


reparação histórica. Rev. Bras. Educ. n. 29, 2005, p. 164-76. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n29/n29a13>. Acesso em: 20 jul. 2017.

FERNANDES, J. R. O. Ensino de história e diversidade cultural: desafios e


possibilidades. Cadernos Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 378-388, set./dez.,
2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n67/a09v2567>.
Acesso em: 20 jul. 2017.

MOEHLECKE, S. Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de


Pesquisa, São Paulo, n. 117, p. 197-217, 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cp/n117/15559>. Acesso em: 20 jul. 2017.

014

Você também pode gostar