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Nem todo mundo é afetado do mesmo modo

Não somos todos iguais, pois cada pessoa possui necessidades diferentes. Diante disso, por
qual razão você acredita que algumas pessoas parecem ter mais acesso e direitos que outras?

A frase “todos somos iguais” é um pouco mais profunda e complexa do que uma primeira
leitura poderia sugerir. A intenção da frase é dizer que todas as pessoas têm (ou deveriam ter)
os mesmos direitos e deveres, ninguém deveria ser discriminado ou inferiorizado pelas leis ou
pela sociedade. Ao mesmo tempo que essa expressão está presente em nosso senso comum,
parece razoável dizer que todas as pessoas são diferentes – nossas culturas diferem, assim
como nossas experiências e visões de mundo. Por mais que pareça estranho imaginar que
frases com sentidos tão opostos sejam verdadeiras concomitantemente, refletir sobre elas
levanta o seguinte questionamento: por quais razões as diferenças humanas, elemento que nos
constitui enquanto espécie, tornam-se desigualdades?

Mesmo partindo do pressuposto de que ninguém seja superior a ninguém e, numa realidade
ideal, todas as pessoas tenham os mesmo direitos perante a lei, a forma como somos
afetados(as) por políticas sociais, dificuldades financeiras, o local onde vivemos, ou qualquer
outro acontecimento ou elemento da realidade vai depender de
uma série de fatores que nem sempre estão no nosso controle. É importante conhecermos
esses fatores para embasar nossa visão sobre a sociedade, sobre os desdobramentos de nossas
atitudes e sobre as correlações que levam a eles, ultrapassando ideias naturalizadas que, às
vezes, podem parecer lógicas para um olhar desatento. Faremos esse exercício ao longo deste
capítulo e do núcleo de estudos.

O que são marcadores sociais da diferença?

Cor da pele, religião e gênero são alguns marcadores sociais da diferença que podem nos
ajudar a entender como é a relação das pessoas com as sociedades das quais fazem parte.

Ao conhecer uma pessoa ou uma comunidade, rapidamente criamos hipóteses sobre ela, que
surgem a partir de determinadas características (físicas ou não) que, em geral, sobressaem-se
em relação a outras. Considerando estereótipos sociais, nossa cultura, nossa visão de mundo e
muitos outros fatores que influenciam nossa percepção sobre os outros, nós interpretamos tais
características e construímos um juízo de valor sobre as pessoas. Essas diferenças entre
indivíduos e grupos observadas ao viver em sociedade são uma das maiores características
que nos definem como seres humanos. Nós nos tornamos humanidade a partir de nossas
habilidades de criar e reconhecer diferenças. Porém, ao longo da História, determinadas
características foram sendo desqualificadas,
ou seja, surgiram interpretações enviesadas de que as pessoas ou identidades associadas a elas
seriam inferiores. Tais distinções hierarquizadas também são chamadas de marcadores sociais
da diferença.
É imprescindível lembrar que os marcadores sociais não definem integralmente uma pessoa.
Conhecer esses marcadores e como tais diferenças se tornaram desigualdades nos permite
entender melhor a realidade de determinados grupos e analisar com mais precisão os diversos
contextos da sociedade em que vivemos. Mas, afinal, quais são os marcadores sociais?
Muitas características podem se configurar como marcadores sociais, sendo algumas delas:
idade;
gênero;
cor da pele ou etnia;
local de nascimento ou origem;
profissão;
orientação sexual;
classe social;
religião;
deficiência física ou mental.

Caminhos para entrar no mercado de trabalho


Um dos meios mais visados por jovens que desejam ingressar no mercado de trabalho são os
programas de trainee. A ideia é contratar um(a) profissional recém-formado(a), que a
empresa possa treinar em mais de uma área e, ao final do programa, promovê-lo(a) a um
cargo de gestão – como o de coordenador(a), por exemplo. Os programas de trainee são
grandes oportunidades para alguém que acabou de se formar iniciar a carreira profissional já
com boas perspectivas – normalmente em uma grande empresa, já que a maior parte desses
programas ocorre em empresas de maior porte.

O Magazine Luiza figura entre as 10 maiores empresas do Brasil, tendo sido avaliado em
quase 3 bilhões de reais em 2021. Um ano antes, lançou sua primeira edição de programa de
trainee, voltado exclusivamente a candidatos(as) negros(as). Luiza Trajano, fundadora do
"Magalu", comentou, em entrevista para o programa  Roda Viva, que a iniciativa tinha apenas
intenção de mudar a realidade dentro da empresa, não no Brasil todo. A empresária disse
ainda que houve um planejamento bastante cuidadoso e criterioso, e reforçou a importância
de se compreender melhor o racismo estrutural, conceito que mudou sua visão de mundo e a
conscientizou sobre a importância de iniciativas como essa.

Para entender melhor a fala de Luiza Trajano, é preciso se aprofundar um pouco neste
conceito:
racismo estrutural. Ele foi elaborado para amparar um processo de desconstrução da ideia de
que o racismo está apenas em ataques, desrespeito ou inferiorização direta contra uma pessoa
negra – aponta, em contrapartida, para uma série de processos discriminatórios sobre os quais
a sociedade se assentou ao longo da História.

Esses processos reverberam em todos os setores da sociedade: cultura, economia, educação


etc. Para compreender essas questões, é essencial relembrar, entre outras coisas, que a
escravidão é um passado muito recente na história da nossa nação, visto que foi abolida há
menos de 140 anos. Além do aspecto puramente cronológico, uma série de política derivadas
do passado escravista brasileiro se refletem diretamente em nossa realidade atual.

A abolição não foi o fim


PRÁTICA ATIVA Um elemento importante a ser observado na
construção do Brasil após o encerramento da escravidão é o direito ao voto. Em 1881, sete
anos antes da abolição, foi aprovada a chamada
  Lei Saraiva, que impedia analfabetos de participarem das eleições. Quando essas pessoas
saíram da condição de escravizados, que as privava de inúmeros direitos e oportunidades –
como o acesso à educação –, elas não puderam ter participação direta nos processos
eleitorais. Isso, no mínimo, dificultava muito a representatividade dessa população em órgãos
governamentais.
Apenas com a Constituição de 1988, promulgada mais de 100 anos após a Lei Saraiva, as
pessoas analfabetas conquistaram o direito ao voto. Durante todo esse tempo, porém, um
segmento significativo da sociedade – composto originalmente por uma gigantesca parcela da
população escravizada – ficou impedido de participar da escolha de seus representantes
políticos.
Para destacar a pertinência dessa questão histórica para a atualidade, a turma irá se organizar
em grupos para realizar uma pesquisa na internet. O objetivo é identificar quais outras formas
sistemáticas de exclusão advindas do passado brasileiro se refletem na configuração social de
hoje. A pesquisa deverá buscar outras evidências de sistematização da discriminação racial
em nossa cultura – como a que foi mencionada neste enunciado.

Marcadores sociais da diferença e a realidade no mundo do trabalho

Ao levar em conta as questões do racismo estrutural, ampliamos o entendimento sobre uma


série de dados relativos à população brasileira.

  Os salários das pessoas negras são muito menores, em média, que os de pessoas brancas, por
exemplo. Podemos relembrar a iniciativa do Magazine Luiza ao criar um programa que
pudesse, ao menos naquela instituição, considerar as particularidades desse marcador social
específico para compensar a exclusão sistemática dessa parcela da população.

Outro marcador social da diferença coberto pelo programa de trainees da empresa de Luiza
Trajano é a idade. Programas como esse geralmente são voltados para recém-formados(as), o
que costuma contemplar um segmento populacional mais jovem. Em 2021, cerca de
50% dos(as) entregadores(as) de aplicativo tinham entre 19 e 30 anos, e 68% se identificam
como pretos(as) ou pardos(as). A mesma pesquisa apontou que os ganhos médios desses(as)
profissionais giram em torno de bem abaixo do salário oferecido para os(as) aprovados(as) no
programa do Magazine Luiza – a página para inscrição no programa de 2022  indica

Relação entre estudo e trabalho

É importante considerar que as disputas, tanto no mercado de trabalho quanto em outros


âmbitos, são influenciadas pelas desigualdades sociais.

Muitas profissões exigem que quem quiser exercê-la passe pela formação no Ensino
Superior. Cursar uma faculdade é parte indissociável do processo para se tornar arquiteto(a),
veterinário(a) ou psicólogo(a), por exemplo. Ao prestar atenção nesse processo e relacioná-lo
à desigualdade social na juventude, concluímos que o caminho pode ser mais tortuoso ou
complexo do que parece ao primeiro olhar.

Examinando aspectos da rotina de jovens de classes sociais baixas, constatamos uma


realidade difícil de múltiplas jornadas. Ao considerarmos populações mais pobres, em que a
oportunidade de cursar o Ensino Superior já é, muitas vezes, distante, percebemos como um
cotidiano composto por estudar e trabalhar consome muito mais tempo e dinheiro do que há
disponível na realidade de tais pessoas.

Vamos tomar como exemplo alguém fazendo faculdade no período noturno, com aulas das
19h às 22h. Além disso, essa pessoa precisa trabalhar ao menos 8 h por dia, das 9h às 18h,
incluindo 1 h de almoço. Especialmente em grandes metrópoles, o tempo de deslocamento
entre casa, trabalho e faculdade  pode se tornar um problema.

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