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Formação para

Educadores em
Liderança e Cidadania
Módulo 2
Cidadania Local e Global
Cidadania Local e Global

A educação dá-nos uma profunda compreensão de que estamos ligados como


cidadão da comunidade global e que os nossos desafios estão interligados.
Ban Ki-moon, ex-secretário-geral da ONU.

Cidadania Local e Global é a primeira unidade da nossa Trilha de Aprofundamento em


Liderança e Cidadania. Abrimos as portas com debates sobre a compreensão de cada uma e cada
um de nós, destacando que conhecer o nosso processo de constituição no mundo é um passo
importante para a Educação Política. Nos reconhecer como cidadãs e cidadãos, identificar que
existem marcas em nossos corpos, e nos grupos sociais com os quais convivemos que dizem
muito sobre como a sociedade irá nos perceber é fundamental para entendermos que política
queremos construir.
Antes mesmo de nascer, muitas vezes nós já recebemos alguns rótulos, seja pelo nosso
gênero, nosso nome, sonhos que são construídos para nós e conosco. Contudo, será no processo
de convivência e aprendizados que vamos nos constituindo enquanto sujeitos de direitos. A
criança ao nascer nada mais sabe fazer a não ser o que é permitido pelos instintos básicos que a
natureza lhe oferece. É no primeiro contato com a mãe, com o pai, com familiares próximos que
se inicia o processo de socialização, em que a imitação será a chave do processo pedagógico.
Podemos dizer que as crianças são como esponjas que absorvem todo o comportamento ao
redor, e vão aprendendo, dia a dia, a se comportar, e inclusive compreender o seu papel no
mundo.
A escola também faz parte desse processo, e muitas vezes, é a
primeira oportunidade que a criança tem de conhecer o mundo sobre
perspectivas diferentes daquelas que aprendera dentro de casa,
mergulhada na cultura e cuidado de seus familiares. A escola tem assim um
papel fundamental de apresentar para cada estudante diferentes formas
de perceber o mundo e mediar a interação entre eles, tendo em vista que
interagindo com pessoas de vivências completamente diferentes do que
estão acostumados, podem experimentar situações de conflito. É o caso do
Bullying, um fenômeno muito presente em nosso dia a dia.
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O Bullying é um termo que tem sido muito utilizado dentro dos espaços
educacionais para se referir às violências que estudantes têm vivenciado,
constantemente, por se apresentarem de alguma forma diferentes. Para conhecer
melhor sobre o tema, indicamos a leitura do Manual Antibullying para alunos, pais e
professores, escrito pelo Dr. Gustavo Teixeira (2011). A Politize! também criou um
material que pode te ajudar a compreender melhor sobre o tema.

A nossa socialização não termina quando a criança chega na adolescência, nem na


juventude, nem quando atinge a idade adulta ou idosa. É um processo constante, e em cada
etapa, são novos desafios e novas descobertas. Chamamos a atenção para o fato de que não
existe dentro do currículo escolar um momento específico para ensinar as juventudes, por
exemplo, a se comportarem e a construírem quem são. Esse processo se dá em todas as etapas,
ambientes e momentos, inclusive em componentes curriculares em que esperamos poucos
debates sobre o tema. Com um olhar mais atento, vamos perceber que cada atitude nossa
dentro de sala de aula e na escola, como um todo, participa do processo de construção de
sujeitos das juventudes. Inclusive os materiais didáticos que apresentamos e os conteúdos
selecionados para se trabalhar em sala de aula.
Um debate bastante recorrente atualmente é sobre a baixa representatividade de
temas, autoras e autores, fatos históricos e outros elementos que falam sobre as pessoas negras,
sobre as mulheres, sobre pessoas indígenas, pessoas com deficiência, e diversas outras
diferenças que estão presentes na sociedade, mas que não estão presentes nos debates em sala
de aula. Nós que estamos diariamente lidando com as juventudes sabemos de suas demandas,
especificidades e sobre a importância de a escola identificar e valorizar essas diferenças. Não
reconhecer que ali existem corpos diversos, acaba por ser uma violência contra a maior parte
dos nossos estudantes.
Você sabia, por exemplo, que uma a cada quatro adolescentes no Brasil faltam às aulas
por não possuírem absorventes? Um relatório publicado pela UNESCO no Brasil mostra que
uma em cada quatro mulheres não acessa itens de higiene básica para o cuidado com sua saúde
menstrual. A falta de diálogo sobre a temática, assim como a falta de acesso a recursos acaba
tirando um direito básico das jovens estudantes de cuidado com a saúde, e as consequências
disso são diversas, inclusive o fato de faltarem às aulas por motivos de vergonha e medo da
situação.
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Um conceito muito presente nos debates sobre a saúde menstrual é a Pobreza Menstrual. Segundo a
antropóloga Mirian Goldenberg, o termo criado na França pode ser entendido como “a falta de acesso não
somente a itens básicos de higiene durante o período de menstruação, mas também a falta de informação,
dinheiro para comprar um absorvente e, principalmente, falta de apoio”. Ainda segundo a pesquisadora, uma
em cada quatro meninas no Brasil faltam à aula por não possuírem absorventes, e dessas, 50% nunca
falaram sobre o assunto na escola. O Politize! publicou um material que pode te ajudar a compreender
melhor sobre o tema.

Esse é um exemplo que nos mostra que a escola não pode invisibilizar temas como a
menstruação, e reconhecer as especificidades de estudantes que menstruam para a garantia de
acesso mínimo a recursos, como a distribuição gratuita de absorventes.

Cidadania Local e Global

Você deve estar se perguntando, o que tudo isso tem a ver com Cidadania Local e Global?
O destaque que queremos apresentar, é que, assim como aprendemos a ser seres
humanos, seres sociáveis, também aprendemos a sermos cidadãs e cidadãos. E esse processo
muitas vezes não ocorre em momentos pontuais do dia a dia, ou em componentes curriculares
específicos. Por isso o destaque em nossa Trilha de Aprofundamento em Liderança e Cidadania
sobre esses debates, e de forma que não estão unicamente na unidade sobre o tema, mas
transversalmente em todo o aprofundamento. A escola tem um papel fundamental na
construção de sujeitos que se reconhecem como cidadãos, não só localmente, mas de toda uma
humanidade, ou em outras palavras, cidadãos globais.
Quando nos referimos a cidadania, isso não está relacionado apenas a moradoras e
moradores de cidades. Estamos dizendo sobre algo que vai além. A partir do momento em que
vivemos em sociedade, ela se torna responsável pela garantia do mínimo para que possamos
viver de forma digna. Entre essas necessidades, estão recursos básicos, como água potável,
alimentação de qualidade e saneamento básico, como também o acesso ao lazer, à fruição da
cultura, a educação e garantia de acesso ao mercado de trabalho, por exemplo.
A partir do momento em que determinado recurso se torna essencial para a nossa vida
em sociedade, os indivíduos se organizam de forma a garantir que o Estado, responsável pela
gestão da vida pública, garanta tais acessos. Essa organização dos indivíduos pode se dar por
meio de manifestações em praça pública, negociações políticas e diversos outros trâmites, que
Cidadania Local e Global

veremos durante o nosso curso. Para este momento, cabe destacar, em linhas gerais, que se
existe uma determinada necessidade que deve ser garantida pelo governo, ela torna-se um
direito da população. Os direitos podem se dividir entre:

-- Direitos Civis - relacionados às liberdades individuais, como por exemplo o direito à


privacidade, as liberdades de pensamento e de consciência, de expressão, de religião,
etc.
-- Direitos Políticos - relacionados ao acesso de uma pessoa para participar direta ou
indiretamente do Governo e da formação do Estado como cidadão(ã). No caso brasileiro
podemos dar o exemplo do direito ao voto, e o direito a se eleger a um cargo político.
-- Direitos Sociais - relacionados às condições necessárias para que os indivíduos tenham
acesso a uma vida digna. Como exemplos temos os direitos à educação de qualidade,
saúde, inserção no mercado de trabalho, lazer, entre outros...

O sociólogo britânico Thomas Marshall (1967) desenvolveu a ideia de cidadania a partir


do conjunto dos direitos citados anteriormente. Thomas defende que, na Inglaterra, os direitos
civis teriam surgido no século XVIII; os direitos políticos, no século XIX, e os direitos sociais, no
século XX. É como se, para que a sociedade pudesse lutar por seus direitos políticos, precisavam
antes garantir os seus direitos civis. E só a partir do momento em que a população acessasse o
poder político, através deles, é que puderam enfim lutar pela garantia dos direitos sociais. É
então, através dessa construção histórica que se fundamenta a proposta da cidadania.
Ao falarmos em Cidadania Local, estamos nos referindo a toda essa concepção de
direitos a nível regional, pensada dentro de um contexto de valorização e construção comum a
um grupo, uma cidade, ou até mesmo um país. A Cidadania Local, trabalhada dentro de sala de
aula, por exemplo, é importante para que cada jovem consiga compreender melhor de que forma
se dá a construção de sua identidade a partir de seu relacionamento com outras pessoas
próximas a ela. Assim como também, o território onde reside participa de seu processo de
identificação enquanto sujeito. Como falamos anteriormente, existem marcadores sociais que
promovem diferentes experiências para cada jovem, e são essas vivências únicas que constituem
cada sujeito de forma diversificada. Os territórios também se tornam responsáveis por este
processo, uma vez que eles definem diferentemente o acesso a determinados direitos.
Cidadania Local e Global

Uma jovem moradora de uma favela não acessa os mesmos serviços públicos que uma jovem
moradora de uma área nobre, ou de uma área rural e assim em diante. Sendo assim, é importante
compreender sobre o contexto local e de que forma ele se relaciona com a cidadania de cada
indivíduo.

Sujeitos periféricos. Para se aprofundar na temática sobre a criminalização dos sujeitos de


periferias urbanas vala a pena a leitura do artigo A criminalização das culturas periféricas,
disponível na revista Revista Rolimã Edição #6.

Mas pensar apenas em âmbito local não basta. Em um mundo interconectado, em que as
informações, serviços e produtos estão indo cada vez mais distante, é preciso garantir que a
rede global se fortaleça. A Pandemia do Covid-19 nos mostrou explicitamente que estamos
todos interconectados. Sendo assim, não é possível as juventudes pensarem apenas localmente,
é preciso reconhecer que existe uma cidadania global. Para Soo-Hyang Choi, “cidadão global é o
que sente pertencer a uma humanidade comum e compreende que precisa cuidar do outro,
tanto do conhecido, quanto do desconhecido”. Ou seja, fazemos parte não só de comunidades
locais ou regionais, somos parte de toda uma humanidade. As nossas ações no bairro impactam
indivíduos que estão em outras partes do globo.
Durante a Pandemia do COVID-19, as juventudes com as quais trabalhamos em sala de
aula foram diretamente atingidas, seja pelo distanciamento social, pelas dificuldades impostas
pelo ensino remoto emergencial ou híbrido, ou seja pela restrições de acesso ao mercado de
trabalho. Em uma das fases em que estabelecer relações sociais é um fator fundamental para a
sua construção enquanto sujeito, o que pode se dar por meio de relacionamentos afetivos, com
amigos da escola, pela projeção de sonhos profissionais e de sua própria trajetória de vida, essas
juventudes foram pegas de surpresa. E, sem saberem o que vem pela frente, tiveram que
redirecionar suas perspectivas. Isso não aconteceu apenas na sua cidade, mas em todo o mundo.
Por isso a importância de que essas juventudes se conectem e pensem em ações conjuntas,
como para trazer soluções para os impactos sofridos pelo meio ambiente em razão da ação
humana, para o mercado de trabalho e para os processos migratórios. Assim, importa entender a
educação como possível um espaço para convidar estudantes a pensarem de forma global, e
para isso precisam de ferramentas.
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Nós, professores e professoras podemos direcionar nossos esforços para que estudantes
compreendam e se engajem nas questões sociais, políticas culturais e globais, destacando
atitudes, valores e habilidades cruciais para que as juventudes se percebam como cidadãos
globais.

Referências Bibliográficas

EDNIR, Madza. Educar para a cidadania global, a partir do espaço local: Provocando
transformações individuais, comunitárias e globais. 2020.
MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Zahar,., 1967.
MASTRODI, Josué; AVELAR, Ana Emília Cunha. O conceito de cidadania a partir da obra de TH
Marshall: conquista e concessão. Cadernos de Direito, v. 17, n. 33, p. 3-27, 2017.
PARAÍSO, Marlucy Alves. Um currículo entre formas e forças. Educação, v. 38, n. 1, p. 49-58,
2015.
TEIXEIRA, Gustavo. Manual antibullying: Para alunos, pais e professoes. Editora Best Seller,
2014.

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