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As cotas são reservas de vagas para determinados segmentos minoritários da

população, como pessoas negras (pretas ou pardas), indígenas e pessoas com


necessidades especiais. No caso da atribuição das cotas para ingresso em cursos
de graduação em universidades públicas federais, além da origem étnico-racial, o
candidato à vaga reservada deve ter cursado todo o seu ensino médio em escolas
públicas.

Atendendo a reivindicações de movimentos sociais, o Poder Legislativo teve de criar


leis específicas para estabelecer ações afirmativas para ingresso de pessoas pretas,
pardas ou de origem indígena em cursos superiores de universidades públicas
federais e em concursos públicos para órgãos e empresas da administração pública
federal. A justificativa dessas leis encontra-se na falta de igualdade racial e
representatividade de pessoas negras e indígenas nos cursos superiores e nos
concursos públicos.

Apesar de a maior parte da população brasileira ser negra (54%, segundo o


Pnad/IBGE de 2017), essa população encontra-se ainda fortemente excluída do
ensino superior, ocupa postos de empregos que exigem menor qualificação e tem a
renda mensal menor que a da população considerada branca. As leis de ações
afirmativas surgiram para tentar corrigir essas distorções sociais provocadas pela
escravização de pessoas oriundas da África no Brasil por quase 300 anos.

Temos, atualmente, duas leis específicas sobre cotas que incluem a temática racial:
a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, e a Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014.
A primeira refere-se ao acesso às universidades públicas federais, e a outra, aos
concursos públicos no âmbito federal.

O debate sobre as cotas raciais intensificou-se no Brasil após a sanção da lei de


cotas. De um lado, movimentos sociais, ONGs, intelectuais e juristas defendem a
necessidade das cotas sociais e raciais para solucionar os problemas de
desigualdade no país. O que esses setores da sociedade defendem é que a
exclusão social e o racismo nos levam a uma necessidade de implantar medidas
que promovam a igualdade, reconhecendo que primeiro é preciso se ter um sistema
de equidade, ou seja, diante das dificuldades enfrentadas por camadas excluídas, é
preciso criar ações afirmativas que efetivamente incluam essas pessoas na
sociedade, após anos de exclusão resultada da escravização e do racismo
estrutural.

Veja os argumentos pró e contra as políticas de ações afirmativas:

O critério racial adotado não existe biologicamente, visto que todos os seres
humanos têm genótipos iguais, independentes da cor da pele. Como contra-
argumento, defensores das cotas afirmam que o fenótipo das pessoas negras as
coloca na condição de exclusão por conta do etnocentrismo histórico.

As cotas raciais criam uma distinção que subjuga a capacidade das pessoas negras.
Como contra-argumento, os defensores das cotas afirmam que, em um primeiro
momento, é necessário esse tratamento desigual para que se inicie um processo de
inclusão das populações vulneráveis, que, por questões sociais, não têm acesso a
muitos espaços e serviços públicos.

As cotas ferem o princípio da meritocracia, colocando alguém com uma pontuação


menor em vantagem em relação a alguém com uma pontuação maior. Como contra-
argumento favorável às cotas, dizem que é impossível estabelecer um sistema
meritocrático justo em um lugar onde não há igualdade de oportunidades.

Não se deveria pensar em cota, mas em melhorar o sistema de educação básica


público, dando a todos as mesmas chances de ingressar na universidade. Como
contra-argumento, os favoráveis às cotas dizem que as ações afirmativas são uma
primeira resolução do problema, que deve estar acompanhada de investimentos na
educação básica pública, para que, futuramente, com uma educação básica de
qualidade e pessoas negras inseridas no ensino superior, as cotas não sejam mais
necessárias.

“Se quisermos contrapormo-nos ao racismo subjacente e invisível das nossas


instituições, precisamos, em primeiro lugar, garantir a criação de oportunidades para
os negros brasileiros, sem o que não lhes será possível vencer no cenário
competitivo da sociedade moderna de livres e iguais perante a lei” (Cota racial e
Estado: Abolição do racismo ou direitos de raça? Célia Marinho de Azevedo).

Ou seja, no universo das possibilidades de acesso, já há uma desigualdade que


deve ser considerada. “Daí a justificativa de uma política preferencial no sentido de
uma discriminação positiva. O modernismo político se acostumou a tratar igualmente
seres e grupos diferentes ou desiguais, em vez de tratá-los especificamente como
desiguais” (Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil:
um ponto de vista em defesa das cotas, Kabengele Munanga). Desse modo, as
cotas para certos grupos sociais são nada mais do que políticas reparativas, que se
propõem a tentar equilibrar o quadro das garantias e vantagens sociais.

Os críticos e refratários às cotas raciais, na maioria das vezes, lançam mão de


argumentos que não visam a alterar o estado das coisas e se negam a admitir o
longo processo de exclusão do negro na sociedade brasileira. Outra argumentação
contrária é a de que as cotas sociais seriam mais eficazes, pois atenderiam também
aos brancos pobres. Não discordamos desse segundo argumento, mas uma política
não necessariamente anula a outra: as duas podem ser adotadas conjuntamente.
“Não vejo como tratar, falando de políticas públicas numa cultura e sociedade
racista, igualmente os negros pobres e os brancos pobres, quando uns são
duplamente discriminados e outros discriminados uma única vez. A cota é apenas
um instrumento e uma medida emergencial enquanto se buscam outros caminhos.
Dizer simplesmente que implantar cotas é uma injustiça, sem propor outras
alternativas a curto, médio e longo prazo, é uma maneira de fugir de uma questão
vital para milhões de brasileiros de ascendência africana. É uma maneira de reiterar
o mito da democracia racial, embora este esteja desmistificado” (Políticas de ação
afirmativa em benefício da população negra no Brasil: um ponto de vista em defesa
das cotas, Kabengele Munanga).

Pensar em soluções e alternativas para exterminar a praga do racismo na sociedade


brasileira é uma tarefa árdua. Muito devido ao fato de que essa visão racista do
brasileiro está arraigada em sua identidade enquanto povo. A sociedade brasileira é
racista hoje por uma construção social maquiavelicamente engendrada séculos
atrás. Na constituição de nosso povo, teorias racistas que atestavam o negro como
inferior e propenso à submissão – mas também à violência – foram incorporadas às
relações e comportamentos sociais para nunca mais saírem.

Hoje, ainda que quase ninguém se autodeclare racista, esse preconceito subsiste
nas camadas mais profundas do imaginário coletivo. “Considerando que esse
imaginário e essas representações, em parte situados no inconsciente coletivo,
possuem uma dimensão afetiva e emocional, dimensão onde brotam e são
cultivadas as crenças, os estereótipos e os valores que codificam as atitudes, é
preciso descobrir e inventar técnicas e linguagens capazes de superar os limites da
pura razão e de tocar no imaginário e nas representações. Enfim, capazes de deixar
aflorar os preconceitos escondidos na estrutura profunda do nosso
psiquismo” (Superando o racismo na escola, Kabengele Munanga).

Faz-se também de extrema importância “fortalecer a formação e reatualização de


uma consciência negra, em cada país que carrega na sua história um passado
assinalado pelo escravismo colonial. Consciência negra é construir uma identidade
negra em um mundo dentro do qual o racismo existe de modo explícito ou
encoberto. É construir a identidade negra como diferença, e exigir que esta diferença
seja percebida sem desigualdade. É dotar essa identidade de força política, de valor
social, de pujança cultural” (A construção social da cor, José D´Assunção Barros).

É dentro dessa visão de autoafirmação da “raça” negra com uma construção


sociológica – e não mais biológica – que surge também a noção de identidade
negra. O conceito de identidade negra traz em seu bojo a revalorização da cultura
milenar negra, dos seus costumes, das suas origens. Esse resgate histórico-cultural
da negritude tem contribuído decisivamente para cavar espaços de inserção sócio-
políticos antes inimagináveis – vide a Lei 10.639, de 2003, que obriga todas as
escolas brasileiras, de nível fundamental e médio, a adotar em seus currículos
disciplinas que contemplem a cultura e a história afro-brasileira, para além dos
clichês habituais.

Em síntese, é imperativo somar à noção de identidade negra as novas linguagens e


técnicas que pretendem transformar o imaginário coletivo brasileiro. Juntas, essas
alternativas podem enfrentar o racismo da sociedade brasileira e promover um
processo contra hegemônico, que suplantaria as práticas de preconceito racial.

Enquanto isso não ocorre, urge que medidas paliativas sejam tomadas no sentido de
igualar as oportunidades às diversas etnias brasileiras. É nesse sentido que as
políticas de ação afirmativas para negros são extremamente necessárias, uma vez
que o país ainda tem um longo e pedregoso caminho a percorrer para equilibrar seu
imenso fosso racial.
Referências Bibliográficas:

PIRES, Artur. Cotas raciais, combatendo a desigualdade de cor. Revista Berro,


2014. Disponível em: https://revistaberro.com/series/consciencia-negra/cotas-raciais-
combatendo-a-desigualdade-de-cor. Acesso em: 20 de outubro de 2022.

PORFíRIO, Francisco. "Cotas raciais"; Brasil Escola. Disponível em:


https://brasilescola.uol.com.br/educacao/sistema-cotas-racial.htm. Acesso em 20 de
outubro de 2022.

BEZZERRA, Juliana. Cotas raciais. Toda matéria, 2021. Disponível em:


https://www.todamateria.com.br/cotas-raciais. Acesso em: 20 de outubro de 2022.

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