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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


FACULDADE DE DIREITO

CAROLINA MARIA DOS SANTOS TORK


JOSÉ MELO
JULIANE SALOMÉ SANTOS KOSMINSKY LIMA
NATHALIA DA COSTA SANTOS
SÂNDRYA ASSÍRYA DE OLIVEIRA NEVES

DIREITO DE IGUALDADE - Política do MAGALU

BELÉM - PA
2023
1. CONTEXTUALIZAÇÃO

A escravidão no Brasil foi abolida em 1888, com isso a sociedade urbana e


industrial se instalou e se desenvolveu em ritmo forte. Se a raça não importasse, ou
se sua importância estivesse diminuindo, pretos e pardos deveriam
progressivamente se distribuir de forma mais uniforme pelas camadas da
estratificação socioeconômica. Mas as novas evidências mostravam os negros ainda
muito concentrados na base da pirâmide social, algo incompatível com o mito da
sociedade de classes sem racismo (OSÓRIO, 2021).

A realidade é que as consequências da tardia abolição da escravatura e


ausências de políticas públicas para inserir pessoas que foram escravizadas no novo
contexto de estruturação econômico do país, construiu um cenário desigual de
oportunidades e manteve até a atualidade muitas barreiras de ascensão social para
povos historicamente oprimidos. Tal fator é evidenciado pela desproporcional taxa
de pessoas de pele preta com ensino superior, nos cargos de liderança em
empresas e até na câmara dos deputados em relação às de pele branca. O
enfrentamento das desigualdades sociais, econômicas e raciais no Brasil ganharam
forte base com a constituição de 1988. No entanto, mesmo com as lutas sociais e
implementação de políticas públicas a disparidade na representatividade ainda é
muito evidente nas camadas sociais e no ambiente do trabalho. Em um estudo feito
pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - DIESE
(2013), aferiu que negros são menos escolarizados que não negros, enquanto
27,3% dos afro-brasileiros ocupados não haviam concluído o ensino fundamental e
apenas 11,8% contavam com o diploma de ensino superior, entre os não negros
esses percentuais eram, respectivamente, de 17,8% e de 23,4%, tais discrepâncias
de escolarização entre os grupos de cor ficam ainda são nítidas: os negros sofrem,
sobretudo, pela retenção no ensino fundamental e dificuldades de acesso ao ensino
superior, onde as ocupações que as atividades geram grande desgaste físico -
recorrentemente envolve ações repetitivas e oferece uma pequena, senão nula,
margem para decisões e para criatividade, há maior intensidade de trabalhadores
negros que de não negros.

Em uma pesquisa sobre diversidade e inclusão entre seus colaboradores,


realizada em 2019 pela empresa Magalu foi constatado que 53% dos funcionários
da companhia eram negros. No entanto, apenas 16% desses colaboradores pretos
estavam em cargos de liderança. Com objetivo de corrigir essa discrepância em
2020, através de uma decisão de negócio a empresa promoveu pela primeira vez
um processo de seleção de trainees exclusivo para negros, visando reparar danos
históricos da própria empresa e do acesso ao trabalho no Brasil.

2. DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais previstos na constituição de 1988 de forma


explícita abrangem uma gama de esferas e entre eles o direito à igualdade, tratado
no contexto desta discussão, além de prever outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que o Brasil faça
parte. No entanto, segundo Silva (2021) há um grande desafio em diminuir a
divergência entre aquilo que o texto constitucional pretende garantir e realizar aquilo
que de fato é protegido e realizado. Por isso, a atuação do Estado na promoção dos
direitos fundamentais impõe a ele uma ação, principalmente nos direitos sociais
como o do trabalho, saúde e educação; na implementação de políticas públicas que
promovam a igualdade de oportunidades.

A interpretação constitucional na proteção dos direitos fundamentais ganha


enfoque em definir quais os critérios que permitem considerar algumas condutas
protegidas e outras como não protegidas. Segundo Silva (2021) atos e fatos podem
ser incluídos ou excluídos do âmbito da proteção de um direito fundamental com
base em argumentos linguísticos, históricos, sistemáticos, teológicos e etc. Nesse
sentido, há processo de limites para determinado direito, cabendo destacar o âmbito
de proteção restrito que inclui que é definitivo e absolutamente protegido e no âmbito
amplo onde não há como definir previamente o que deve ser incluído na proteção de
cada direito e o que deve dele ser excluído, sendo qualquer restrição deve ser
fundamentada e deve ter como objetivo garantir outros direitos fundamentais ou
algum interesse coletivo de nível constitucional (SILVA, 2021).

2.1 DIREITO À IGUALDADE


As disposições mais reconhecidas e de grande valor social, estão previstas
na Constituição de 1988 que tratam sobre o Direito de Igualdade são: art. 5º, caput e
I, o art. 3º, IV, o art. 7º, XXX.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes

A igualdade é baseada no princípio da universalidade, ou seja, que todos


devem ser regidos pelas mesmas regras e devem ter os mesmos direitos e
deveres. Sendo assim, para a melhor discussão do direito à igualdade na tradição
constitucional brasileira é preciso conceituar os termos de igualdade formal e
igualdade substancial ou de oportunidades. A primeira é aquela prevista em lei que
estabelece a igualdade entre os homens perante ela, no direito de todo cidadão de
não receber tratamento desigual por aquele que aplica o direito, sendo
historicamente importante. No entanto, não garante a concretização dos objetivos
voltados à justiça social e não tem objetivo de reduzir as desigualdades, ou pelos
menos não as desigualdades estruturais, por esse motivo até 1988 a proteção da
igualdade sempre foi considerada compatível com a manutenção de uma estrutura
desigual (SILVA, 2021). A segunda é tratada como um objetivo, uma concretização
na prática e por isso depende de uma ação completa para ser realizada, como as
ações afirmativas. Segundo Silva (2021) a constituição de 1988 ao lado de normas
garantidoras de apenas formal, possui disposições que atribuem objetivos a serem
perseguidos pelo Estado e um desses objetivos é a redução das desigualdades.

2.2 DIREITO AO TRABALHO


Os direitos sociais previstos na constituição de 1988, na sua terminologia,
trata dos daqueles que tem como objetivo primordial promover igualdade, nas áreas
nas quais o acesso a bens e serviços essenciais é mais afetado pelas
desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira como o trabalho, educação,
saúde e etc, e a previsão a acesso a bens e serviços públicos essenciais como
direito e não apenas como dever do Estado traz a compreensão que também podem
ser demandados pelo poder judiciário (SILVA, 2021).
No entanto, o direito ao trabalho não é diretamente promovido pelo Estado
mas como medida de compensação de sua não realização direta dispõe de medidas
que pressupõem que o beneficiário tenha tido ou ainda tenha um emprego. Logo,
não fomentam o acesso ao mercado de trabalho ou uma compensação real pela
incapacidade de participar desse mercado (SILVA, 2021).

3. INTERPRETAÇÃO JUDICIAL

A atuação do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT 15) no caso


MAGALU representa um capítulo emblemático na história da interpretação e
aplicação das normas trabalhistas no Brasil. O TRT 15, como instância regional
especializada, desempenha um papel fundamental na resolução de controvérsias
laborais, influenciando as dinâmicas das relações de trabalho na sua jurisdição.
O caso MAGALU, que envolve a adoção, pela empresa varejista Magazine
Luiza, de uma política de ação afirmativa que oferece vagas exclusivas para
pessoas negras, coloca em evidência a complexidade das questões enfrentadas
pelo tribunal na busca por equidade e justiça nas relações laborais. A interpretação
minuciosa da Constituição Federal, aliada à consideração dos princípios
fundamentais, das normas infraconstitucionais, da jurisprudência e dos tratados
internacionais dos quais o Brasil é signatário, caracteriza a abordagem do TRT 15.
Diante disso, a 15ª Vara do Trabalho de Brasília (DF) julgou improcedente a
ação contra o MAGALU. pelo programa de trainee lançado em setembro de 2022. O
processo foi aberto pela Defensoria Pública da União (DPU) um mês após o
lançamento e classificou a medida da ré como discriminatória, uma vez que exclui
diversos outros grupos de trabalhadores.
Em sua defesa, a Magazine Luíza argumentou que o processo seletivo tem
como objetivo reduzir as disparidades raciais presentes nas posições de liderança
da empresa. A partir dos registros apresentados no decorrer do processo, a
magistrada concordou que a Magalu visava garantir a inclusão de jovens negros no
mercado de trabalho. Dessa forma, segundo a juíza Laura Ramos Morais, a iniciativa
da ré demonstra inclusão social e promoção da igualdade de oportunidades, além de
estar respaldada no ordenamento jurídico nacional e internacional.
A sentença teve como base o Estatuto da Igualdade Racial, que permite que
as empresas privadas implementem ações afirmativas para corrigir desigualdades
raciais, como é o caso do Magalu. Ademais, a Laura Ramos Morais também ancorou
sua argumentação na Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação
Racial e Formas Correlatas de Intolerância, com a finalidade de assegurar de forma
equitativa a proteção perante a população negra frente às possíveis e errôneas
indagações de discriminação racial. Além disso, a magistrada considerou que o
Brasil assumiu o compromisso de implementar medidas que garantem os “direitos e
liberdades fundamentais das pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à
discriminação racial e formas correlatas de intolerância”.
Para fundamentar sua decisão, a juíza Laura Ramos Morais também
referenciou os julgamentos do STF (ADPF 186, ADC 41 e ADPF 738) que
reconhecem a constitucionalidade de cotas como política de ação afirmativa e as
medidas positivas para candidaturas de pessoas negras. Isso porque tais decisões
abordam questões relacionadas à igualdade racial e ações afirmativas,
estabelecendo um parâmetro jurídico para compreender e analisar situações
semelhantes. Portanto, ao referenciá-los, a magistrada respalda a legalidade da
Política de Cotas da Magazine Luíza.
Portanto, com base na análise do objeto da petição inicial e das normas
brasileiras, internacionais e entendimentos jurisprudenciais, a decisão foi proferida
pela improcedência dos pedidos apresentados na Ação Civil Pública. Isso significa
que a reserva de vagas para trainees destinadas exclusivamente para pessoas
negras é válida e legítima, uma vez que o reconhece como uma ação afirmativa que
busca a igualdade de oportunidades e a correção de desigualdades históricas, o que
caracteriza a igualdade material. Sendo assim, fica evidente que a decisão da
magistrada Laura Ramos Morais está coerente com o ordenamento jurídico.

4. OPINIÃO DO GRUPO SOBRE A DECISÃO DO STF

A decisão do Tribunal Regional do Trabalho no caso Magalu, ao reconhecer a


legalidade do programa de trainee voltado para pessoas negras, evidencia a
relevância do debate sobre igualdade e ações afirmativas no cenário
contemporâneo. A resolução desse caso específico não apenas reflete o
entendimento jurídico em torno da constitucionalidade dessas iniciativas, mas
também suscita reflexões profundas sobre a necessidade de enfrentarmos as
desigualdades estruturais que persistem em nossa sociedade.
Particularmente, acreditamos que as ações afirmativas são instrumentos
essenciais para a promoção da igualdade racial. Ao reconhecer a existência de
desigualdades históricas e estruturais, essas medidas visam criar oportunidades
equitativas para grupos historicamente marginalizados. Portanto, estamos de acordo
com a decisão do TRT, ao respaldar o programa de trainee do Magalu, validando e
reforçando a importância dessas práticas na busca por uma sociedade mais justa e
inclusiva.

5. REFERÊNCIAS

1. SILVA, V. A. Direito constitucional brasileiro.2.ed. São Paulo, Edusp, 2021.


Descrição Física: 712 p.
2. OSÓRIO, R. G. Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada.- Brasília. Rio de Janeiro. IPEA. 2021. Disponível em:
<https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10623/1/td_2657.pdf>
3. Os negros no trabalho/Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos - DIESE. São Paulo.N 1. 2013. Disponível em:
<https://www.dieese.org.br/analiseped/2013/2013pednegrosmetEspecial.pdf>

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