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FAMILISMO E JUDICIALIZAÇÃO: AMPLIANDO O OLHAR SOBRE OS

PROCESSOS JUDICIAIS DE INTERDIÇÃO E CURATELA

Thaís Tononi Batista1

Parte-se da importância de discutir-se as múltiplas demandas que se apresentam ao


Serviço Social no cotidiano de trabalho no contexto judiciário, a exemplo dos pedidos
judiciais de interdição e curatela que são constantemente encaminhados para a avaliação de
equipes técnicas, portanto, alvo de estudos e perícias por parte de assistentes sociais. A
curatela é um instituto jurídico, um encargo cujo titular, o curador, assume um compromisso
e responsabilidade pública diante do Poder Judiciário. Importante destacar que o Estatuto da
Pessoa com Deficiência (EPD) aboliu o uso da expressão interdição, mas esta encontra-se
mantida no Código de Processo Civil. Observa-se que o termo interdição historicamente traz
consigo um significado negativo e nesse sentido, a nova legislação foca no conceito de
curatela, o qual remete-se à ideia de cuidado e não de anulação dos sujeitos. No presente
artigo não se ignora a necessidade de nomeação de curadores para situações específicas
conforme prevê a legislação pertinente. Todavia, há que se refletir sobre a proteção social do
Estado em seu sentido mais amplo como agente de provisão de bem-estar social para os
sujeitos em tal condição e suas famílias. Destarte, a práxis profissional tem evidenciado a
necessidade de refletir-se sobre a perspectiva familista que se manifesta não só no âmbito das
políticas sociais, algo amplamente discutido na literatura, mas se apresenta também no âmbito
judicial, compondo o contexto da chamada judicialização. A experiência profissional no
âmbito sociojurídico tem apontado para o fato de que os sujeitos que recorrem ao Poder
Judiciário, requerendo a curatela de outrem, consistem na maior parte em familiares da pessoa
que necessita ser representada nos atos da vida civil. Ademais, tais demandas judiciais se
mostram fortemente perpassadas pelo exercício dos cuidados cotidianos dos sujeitos sob
curatela e ao próprio acesso à benefícios previdenciários ou assistenciais, a exemplo do
Benefício de Prestação Continuada (BPC), o que acarreta a necessidade de se pautar a

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Mestra em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Assistente Social do Poder
Judiciário do Espírito Santo (PJES). E-mail:thaistononi@hotmail.com.

IV Seminário (Des)Fazendo Saberes na Fronteira: Ciência, Democracia e Resistência. v. 4, 2022,


UNIPAMPA. ISSN 2527-2411
discussão sob a ótica dos estudos sobre familismo, enquanto processo de responsabilização
maior da família no que tange à proteção de seus membros. Observa-se ainda a perspectiva de
gênero presente nas situações atendidas, na medida em que grande parte dos pedidos de
curatela são feitos por mulheres (mães, tias, avós, irmãs etc.) e quando não são estas a
moverem os processos, encontram-se no lugar de principal cuidadoras dos sujeitos
curatelados em apoio à figura masculina requerente (pais, tios, avôs, irmãos etc.). Dessa
forma, o foco do artigo consistiu em problematizar os pedidos de interdição e curatela sob a
perspectiva da judicialização e do familismo, considerando-se ainda os temas Estado, família
e políticas sociais e abordagens sobre a Teoria da Reprodução Social (TRS) a partir da
perspectiva feminista marxista, que demonstra que o modelo de proteção social no Brasil vem
sendo construído sob o trabalho não-pago da mulher.

Palavras-chave: Política Social; Familismo; Judicialização; Curatela.

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