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Do direito à participação na vida pública e política das pessoas com deficiência em São Paulo
Anderson Batista de Almeida1
Rui Francisco da Silva2
Resumo
O objetivo deste artigo é analisar o arcabouço legal referente ao direito de a pessoa com
deficiência participar ativa e passivamente da vida política. Desejamos identificar iniciativas no
estado e no município de São Paulo que visem garantir condições de participação e cidadania,
conforme previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência. O método utilizado foi o documental,
para análise de leis, além de dados censitários sobre a população com deficiência e estatísticos
referente a participação nas eleições de 2020. Concluímos que a quantidade de eleitores e de
candidatos que se declararam pessoas com deficiência em São Paulo é considerável, mas a
quantidade de eleitos ainda é pequena. Por fim, ações afirmativas, a exemplo das que já existem
para outras minorias, complementadas por adaptações regimentais em relação aos processos
internos, facilitariam a participação e eleição das Pessoas com Deficiência, bem como as
condições de manterem-se produtivas ao longo do mandato representativo.
Introdução
Durante séculos, dentre as várias barreiras que as pessoas com deficiência encontravam para
conseguir exercer sua cidadania plena estavam as barreiras legais, que somadas ao preconceito
relacionado às pessoas nessa condição, impossibilitaram sua participação política, privando-as do
direito de defenderem seus interesses na estrutura democrática. Para que as pessoas possam realizar
e desenvolver livremente as suas personalidades, o adequado reconhecimento do outro é vital. O ser
humano é ser relacional que depende das interações com outros seres humanos, pois:
Reconhecimento [que] marca, mais do que qualquer outra ação, a entrada do indivíduo na
existência especificamente humana. A falta de reconhecimento oprime, instaura
hierarquias, frustra a autonomia e causa sofrimento (SARMENTO, 2020, p. 270).
Uma mudança importante nessa estrutura ocorreu em 2006 com a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a
participação e aderência de diversos países, inclusive o Brasil, que a utilizou como base para a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), Lei 13.146/2015, também conhecida como
Estatuto da Pessoa com deficiência (EPD). A igualdade é a tônica da Lei 13.146/2015, inclusive no
tocante ao exercício dos direitos políticos de votar e ser votado. Não obstante, o ideal de igualdade
não se refere a mero tratamento formal a todas as pessoas desde início, de fruição dos direitos que
estão consubstanciados entre os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro, a soberania, a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o
pluralismo político (SILVA, 2011). O Estado Brasileiro visa à construção de uma sociedade livre,
1
. Aluno da Especialização em Legislativo, Território e Gestão Democrática da Cidade, bacharel em Administração e
profissional no setor financeiro.
2
. Aluno da Especialização em Legislativo, Território e Gestão Democrática da Cidade, Diretor de Escola, Prefeitura
Municipal de São Paulo, Advogado.
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justa e solidária de promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
de outras formas de discriminação, conforme estabelece o artigo 3º da Constituição da República
Federativa do Brasil (CF/1988). O pioneirismo da Carta Magna, não passou despercebido:
É a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente, objetivos do Estado
Brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e, entre eles, uns que
valem como base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia
econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana
(SILVA, 2011, p. 104).
Em que pese que todos somos concebidos como pessoa humana, entretanto temos para além
de nossas digitais, diferenças que nos desigualam e que nos colocam em condições de menor
fruição dos direitos, ou seja, visa o Estado Brasileiro amenizar as diferenças que nos impedem o
exercício da cidadania plena, o gozo dos direitos civis, políticos e sociais.
A cidadania compreende os direitos civis, políticos e sociais, que devem ser concebidos nas
acepções do contexto social e na sua incompletude, melhor dizendo, são complementares pois não
dão conta de toda a complexidade da vida em sociedade, em síntese, “os direitos civis garantem a
vida em sociedade, os direitos políticos garantem a participação no governo da sociedade, e os
direitos sociais garantem a participação na riqueza coletiva” (CARVALHO, 2020, p. 16).
Assim, a democracia econômica, social e cultural visa efetivar na prática a dignidade da
pessoa humana, identificada como sujeito de direito pela ação estatal. Dessa forma, a democracia
enlaça a liberdade e a igualdade do cidadão. Ela concretiza a ideia da dignidade da pessoa humana
no plano dos arranjos institucionais do Estado, pois “se trata do único regime político que enxerga
cada cidadão como autêntico sujeito, e não como mero objeto da política e da ação estatal”.
(SARMENTO, 2020, p. 166).
A Lei 13146/2015 (BRASIL, 2015) tem aderência à primeira convenção internacional de
direitos humanos do século XXI: a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de
dezembro de 2006, através do Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009 e a moderna concepção dos
direitos da pessoa humana que se destinam “a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o
exercício dos direitos e liberdades fundamentais por pessoa com deficiência. social e à cidadania.
(BRASIL, 2009).
Diante desse contexto, propomos analisar a efetividade do EPD nos ritos democráticos no
país, especialmente em São Paulo, a fim de identificar esforços e iniciativas que fomentam a
garantia do direito das pessoas com deficiência a participar ativa e passivamente da política, bem
como se os seus interesses vêm sendo defendidos, sob o entendimento que não apenas o tamanho
desse segmento da população é significativo, como tende a aumentar com a perspectiva de
envelhecimento da população brasileira e os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), referentes
ao último pleito eleitoral, que mostram que, a despeito de diversas barreiras, as pessoas com
deficiência têm buscado participar da política.
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Nas eleições de 2020 foram contabilizadas 6.657 candidaturas de pessoas com deficiência
no país (BRASIL, 2020), sendo que destas, 3.134 foram de pessoas que declararam possuir
deficiência física, 2.084 foram de pessoas que declararam possuir outro tipo de deficiência
(categoria genérica), 1.019 declararam possuir deficiência visual, 401 candidaturas declararam
possuir deficiência auditiva e 19 candidaturas que declararam possuir autismo. Entre os eleitores
com deficiência, foram contabilizados 1.2173.381, dentre os quais, 614.911 declararam possuir
deficiência do tipo “Outras”, 427.729 declararam possuir deficiência de locomoção, 186.647
declararam possuir deficiência visual e 111.813 declararam possuir deficiência auditiva. Diante do
tamanho estimado dessa população, que foi de 17,3 milhões de pessoas, o percentual de eleitores foi
baixo (menos de 10%), mas ainda assim significativo BRASIL, 2016). Entre os mesários, também
houve a participação de pessoas com deficiência, com um total de 2.407 mesários nessa condição,
sendo que destas, 1.476 declararam possuir deficiência do tipo “outras”, 655 declararam possuir
deficiência de locomoção, 245 declararam deficiência visual e 122 declararam deficiência auditiva.
qualificado para qualquer alteração) de norma constitucional após a Emenda 45/2204, que
acrescentou o §3 ao artigo 5º da CF/88, nos seguintes termos:
os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (BRASIL, 1988)
O Professor constitucionalista Pedro Lenza, comenta nos nestes termos:
[...] que o Decreto n. 6949, de 25.08.2209, que promulga a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de
março de 2007, que já havia sido aprovada pelo Decreto Legislativo n. 186/2008, tendo sido
incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional após a
Emenda Constitucional. (LENZA, 2017, p. 681)
A garantia do exercício ao voto universal das pessoas com deficiência, sem preconceito ou
discriminação foram fixadas por meio da Resolução n. 21.008/2002 (BRASIL, 2002b), os critérios
de acessibilidade das seções destinadas aos “portadores de necessidades especiais” (ao invés de
pessoas com deficiências) “[...] §2º As seções especiais eleitorais deverão estar em local de fácil
acesso, com estacionamento próximo e instalações, inclusive sanitárias, que atendam às normas da
ABNT NBR 9050” (BRASIL, 2002).
Na resolução 23.381/2012 (BRASIL, 2012), que institui o Programa de Acessibilidade da
Justiça Eleitoral, há uma nítida preocupação das resoluções de ampliação do escopo de proteção e
de garantia de condições ao eleitor com deficiência ou mobilidade reduzida, contudo muito aquém
das normas que foram implementadas na década seguinte sob os auspícios da Lei Brasileira de
Inclusão, destacamos parte da constante evolução e ampliação das condições de igualdade ainda
sem falar em oportunidade, igualdade plena e da oportunidade de representação da pessoa com
deficiência e ou mobilidade reduzida, assim lemos:
Art. 1º Fica instituído, na Justiça Eleitoral, o Programa de Acessibilidade destinado ao
eleitor com deficiência ou mobilidade reduzida.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Resolução, considera-se: I – pessoa com deficiência:
aquela com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais podem obstruir ou diminuir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as outras pessoas; Art. 2º O Programa de Acessibilidade
destina-se à implementação gradual de medidas para a remoção de barreiras físicas,
arquitetônicas, de comunicação e de atitudes, a fim de promover o acesso, amplo e
irrestrito, com segurança e autonomia de pessoas portadoras de deficiência ou com
mobilidade reduzida no processo eleitoral. (BRASIL, 2012)
Por seu turno, a Resolução n. 23.659/2021 (BRASIL, 2021) dispõe sobre a gestão do
Cadastro Eleitoral e sobre os serviços eleitorais que lhe são correlatos. Existe no preâmbulo da lei a
nítida preocupação de adequação a Lei Geral de Proteção de Dados (BRASIL, 2018), também faz a
atualizada referência da relativa incapacidade da pessoa com deficiência pelo Estatuto da Pessoa
com Deficiência que alterou o Código Civil Brasileiro deixando a condição outrora de incapacidade
absoluta imposta.
Art. 14. É direito fundamental da pessoa com deficiência, inclusive a que for declarada
relativamente incapaz para a prática de atos da vida civil, estiver excepcionalmente sob
curatela ou tiver optado pela tomada de decisão apoiada, a implementação de medidas
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PAULO, 2022). No município, a frente parlamentar foi proposta pela vereadora Sonaira Fernandes,
com apoio de mais 16 vereadores. Entretanto, a idealização de Frentes Parlamentares municipais
para agirem em conjunto em todos os níveis (municipal, estadual e federal) foi proposta e
incentivada pela Deputada Estadual Valeria Bolsonaro, presidente da frente parlamentar homônima
da Assembleia Legislativa, a pedido da Ministra de Estado da Mulher, Família e Direitos Humanos,
Damares Alves (SÃO PAULO, 2022), que afirmou desejar que em todos os municípios do Estado
exista ao menos um vereador cuidando dessa pauta. Até o mês de março de 2022, a frente
parlamentar já contava com a adesão de mais de 100 municípios do Estado, que possui 645.
Apesar da grandiosidade da iniciativa no Estado, em seus objetivos declarados, não se
encontra menção a direitos políticos desse grupo e não há exigência que seus membros sejam
pessoas com deficiência, o que tecnicamente não confronta princípios democráticos, “um sistema
eletivo não requer que os governantes sejam semelhantes àqueles que eles governam.” (MANIN,
1995, p. 2), entretanto, há o contraponto levantado por Arvitzer e Santos (2002), que indicam como
um dos problemas da atual democracia representativa a dificuldade encontrada pelos grupos mais
vulneráveis socialmente de terem seus interesses representados na política pelos grupos
hegemônicos, que priorizam pautas do interesse do grupo ao qual pertencem, incorrendo inclusive
no chamado risco de cooptação, caracterizado pelo:
[...] processo das elites dominarem pautas das quais não são legítimos interessados e as
manipularem para seus fins, perversão trata-se da criação de barreiras (burocratização,
clientelismo, instrumentalização partidária e silenciamento ou manipulação de instituições
participativas) para a participação popular (ARVITZER; SANTOS, 2002, p. 74)
No município de São Paulo é previsto que a adesão a essa Frente Parlamentar “fica facultada
a todos os vereadores da câmara municipal de São Paulo” (SÃO PAULO, 2021, p. 1) e que também
será permitida a participação, na condição de membros colaboradores, representantes de entidades
públicas ou privadas. A resolução prevê ainda que o regimento interno da frente parlamentar deverá
ser aprovado em sua primeira reunião e que seu funcionamento não poderá ser superior ao período
da legislatura em que foi criada a frente (SÃO PAULO, 2021).
Como já citado, a Deputada Estadual Valéria Bolsonaro é também presidente de uma frente
Parlamentar homônima criada em 2019, na Assembleia Legislativa (ALESP), que possui
característica distinta das municipais, pois, conforme resolução interna da casa:
considera-se frente parlamentar a associação de deputados, de caráter suprapartidário,
destinada a promover, em conjunto com representantes da sociedade civil e de órgãos
públicos afins, a discussão e o aprimoramento da legislação e de políticas públicas para o
Estado de São Paulo referentes a um determinado setor (SÃO PAULO, 2011).
A criação ocorreu através do ato do presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo
(ALESP) no 129, de 06/05/2019 e atualmente a Frente Parlamentar possui um membro efetivo,
Deputado Major Mecca e 19 membros apoiadores, além de sua coordenadora, Valéria Bolsonaro
(SÃO PAULO, 2019).
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estatuto, que, em seu artigo 76, sobre direito a participação passiva na política, indica o “incentivo à
pessoa com deficiência a candidatar-se e a desempenhar quaisquer funções públicas em todos os
níveis de governo, inclusive por meio do uso de novas tecnologias assistivas, quando apropriado”
(BRASIL, 2015).
A legislação que versa sobre os direitos das pessoas com deficiência no Estado de São Paulo
é a lei no 12.907, de 15 de abril de 2008, criada com base no projeto de lei n o 1063/07, da Deputada
Célia Leão e Deputado Rafael Silva. Apesar de abrangente em relação à garantia de direitos às
pessoas com deficiência, essa lei não prevê nada especificamente relacionado aos direitos políticos,
focando mais em garantias de acesso específico aos serviços de saúde, reabilitação, inclusão social e
locomoção e acesso aos bens e serviços públicos (SÃO PAULO, 2008).
Considerações finais
O Estatuto da pessoa com deficiência tornou-se uma lei bastante abrangente em pautas,
visando garantir amplos direitos às PCD´s, dos quais destacamos à garantia de autonomia para suas
decisões, representada pela retirada desse grupo dos considerados incapazes e, portanto, tutelados.
Todavia, é necessário dizer que a lei foi aprovada tardiamente, com absorção de diversas
legislações anteriores que estavam pendentes de análise das quais, algumas foram pouco debatidas
com o principal grupo de interesse, como destacado por parlamentares ao longo da tramitação e que
em relação a direitos políticos, embora declare ter como objetivo garantir todos os direitos de
cidadania das PCD´s, a lei é vaga em relação a como garantir esse direito e viabilizar essa
participação, diante das necessidades específicas desse grupo.
Ao remeter as especificidades da implantação para as legislações estaduais e municipais, o
Estatuto da Pessoa com Deficiência deixou essa lacuna aberta, e analisando o que vem sendo feito
no estado e município de São Paulo, é possível concluir que estamos longe de uma participação
plena desse grupo, especialmente entre legisladores eleitos, sendo que em muitos municípios, não
há vereadores identificados como PCD, inclusive na capital paulista e entre os deputados, também
não foi identificado nenhum, ficando a representação de suas pautas sob responsabilidade de
pessoas que não vivem essa realidade.
Indício de consequência desse problema está na existência de legislação específica apenas
em nível estadual, a qual foca majoritariamente em remoção de barreiras físicas (arquitetônicas) em
órgãos públicos e privados, enquanto relatos de parlamentares PCD´s no Estado indicam existência
dessas barreiras nos próprios parlamentos.
Por fim, identificamos como necessárias ações afirmativas, a exemplo das que já existem
para outras minorias na política, complementadas por adaptações regimentais em relação aos
processos internos, não apenas para que as PCD´s consigam ser eleitas, mas para que tenham
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Referências
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democrático. Democratizar a democracia: Os caminhos da democracia participativa. Editora
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