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A condição humana
Um tema para religiões comparadas
PAULUS
2001, State University of New York, Albany
ISBN 0-7914-4780-4
The Human Condition: A Volume in the Comparative Religious Ideas Project
The portuguese translation of this book is made possible by permission of the State University of
New York Press and may be sold only in Brazil.
A tradução em língua portuguesa deste livro foi feita com a permissão da Editora da Universidade de
Nova Iorque e somente pode ser comercializada no Brasil.
Bibliografia.
ISBN 85-349-2328-0
05-3712 CDD-291.22
Editoração
PAULUS
Impressão e acabamento
PAULUS
PAULUS – 2005
Rua Francisco Cruz, 229
04117-091 – São Paulo (Brasil)
Fax (11) 5579-3627
Tel. (11) 5084-3066
www.paulus.com.br
editorial@paulus.com.br
ISBN 85-349-2328-0
Para
William Eastman, Editor
Quem, como diretor da State University of New York Press,
incentivou a extraordinária variedade e profundidade
dos estudos das religiões mundiais, e a carreira de jovens pesquisadores
trabalhando com abordagens originais,
o que tornou possível ambiciosas pesquisas comparativas
tais como a que aqui se apresenta.
PREFÁCIO
À EDIÇÃO BRASILEIRA
seu Tratado de história das religiões (Ed. Martins Fontes). Assim uma
outra preocupação foi delimitar com consciência e rigor o objeto
de estudo: apenas seis tradições religiosas (que produziram textos)
foram analisadas neste momento, e em torno de três categorias bá-
sicas: condição humana, realidades últimas e verdade na religião. A
escolha destas mostra também uma preocupação dos autores de se
afastarem de uma abordagem positivista do religioso, ou enquadrar
este apenas nos interesses de costume das ciências sociais. Assim, as
questões ontológicas também ganharam destaque.
O autor principal, Robert Cummings Neville, apesar de pou-
co conhecido entre nós, é um respeitado intelectual norte-america-
no. Escreveu um grande número de obras, atravessando disciplinas
como teologia, filosofia e ciências da religião, dentro da tradição do
Pragmatismo de seu país de origem. Isto não significa que a presen-
te obra seja pragmatista, mas esta influência pode de fato ser nota-
da. Neville esteve no Brasil há poucos anos, participando de um
congresso internacional sobre pragmatismo, e na ocasião tivemos
oportunidade de encontrá-lo e aprender mais sobre o projeto de
Boston. Os volumes produzidos a partir deste último (A condição hu-
mana, Realidades últimas e Verdade religiosa), publicados em 2001 pela
SUNY Press de Nova Iorque, pareceram-me deveras interessantes.
Assim sendo, propus uma disciplina no Programa de Pós-gra-
duação onde trabalho, o de Ciências da Religião da PUC-SP, com o
objetivo de percorrer de maneira sistemática o primeiro volume do
projeto. Dada a dificuldade de alguns alunos com a língua inglesa,
aos poucos fomos traduzindo alguns capítulos. Ao final do semes-
tre, sugeri aos alunos que completássemos o trabalho, produzindo
uma tradução confiável do livro como um todo. Fizemos a propos-
ta de publicação à Editora Paulus, que acolheu entusiasticamente o
projeto. Os alunos que se interessaram se dividiram em pares, cada
qual responsáVel por uma parte do livro. Dada a sua extensão e a sua
dificuldade intrínseca, gostaria de agradecer a todos eles, listados
que estão nos créditos deste volume. Coube a mim a supervisão do
trabalho e a revisão final, no esforço de produzir um texto marcado
pela fidelidade ao original, pelo estilo fluente e pelo uso de expres-
-:----- 9
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA-=-
*(NT) Esta expressão, pouco usual no português, refere-se à fragmentação da península dos
Bálcãs após a Primeira Guerra Mundial.
16i --- -=- - APRESENTAÇÃO
clusão. Este grupo incluía Julia Ching, Jordan Pearlson, Max Stac-
khouse, e Tu Weimig. Os consultores externos auxiliaram a trazer
nosso trabalho compartilhado a perspectivas novas e mais críticas.
A idéia era que, ainda que tanto especialistas quanto generalis-
tas comparam de uma maneira ou de outra, os especialistas preveni-
riam generalizações comparativas muito fáceis, enquanto os genera-
listas manteriam os especialistas em diálogo comparativo um com o
outro. Houve alguns momentos desencorajadores em que nós per-
cebemos o quão difícil é aprender a pensar juntos sem cair em um
mínimo denominador comum, ou ceder a pressões de consenso, ou
rapidamente concordar em discordar, sem levar a argumentação tão
longe quanto possível. A laboriosa tarefa de aproximar estes dois
tipos de abordagem é aparente no progresso ao longo destes três
volumes. No A Condição Humana os especialistas discutem o que
seus textos ou tradições separados dizem sobre o tópico, e a "con-
clusão" dos generalistas mapeia este e outros pontos em uma grade
de comparação. Em Verdade Religiosa, o último volume, as compara-
ções tomam lugar dentro dos capítulos dos especialistas, e as "con-
clusões" dos generalistas são de fato sumários e daí reflexões sobre
tópicos importantes que emergiram das comparações. O volume do
meio, Realidades últimas, é verdadeiramente intermediário, com a
grade removida mas com as conclusões formadas mormente pelos
generalistas. Depois de muita discussão, e com o encorajamento dos
colaboradores externos na conferência de conclusão, decidiu-se dei-
xar o formato de colaboração progressiva como aconteceu de fato,
e comenta-lo mais explicitamente em apêndices para cada volume.
Estes volumes refletem assim o processo de aprendizado do grupo
de trabalho.
-_-
-"="---
chinês é pelo menos tão chinês quanto budista. Além disso, o confu-
cionismo e o taoísmo compartilham uma cosmologia chinesa antiga
que é também vital para as religiões populares chinesas, e é uma
importante influência no budismo chinês. Assim, pareceu-nos que
as principais tradições escritas dentro da religião chinesa deveriam
ser consideradas em conjunto.
Para fins de comparação das idéias das religiões sobre nossos
tópicos, é altamente vantajoso ser-se capaz de analisar alguns textos
particulares em detalhe. Porém estes textos são significativos ape-
nas quando nós também temos à mão algumas caracterizações mais
gerais das religiões. E então, é claro, os textos representam a religião
da qual eles são uma parte apenas em certa medida, e outros textos
talvez representem o desenvolvimento da religião em uma direção
bem diferente: Sto. Agostinho, que tem alguns de seus textos em
nossa discussão, interpreta a visão cristã da condição humana dife-
rentemente de Orígenes, por exemplo, ou de Mary Baker Eddy." As-
sim nossa estratégia apresenta-se como se segue.
Para as caracterizações gerais das tradições religiosas nós usa-
mos seus textos e motivos centrais. Estes são escrituras antigas e
clássicos, com eventos ilustrados neles como o êxodo e a revolta
confuciniana contra a desordem, ou padrões de pensamento como
a complementaridade Yin-Yang e a busca por uma unidade subja-
cente. Tradições religiosas se formam ao redor e tomam suas identi-
dades iniciais destes textos e motivos centrais, de uma tal maneira
que todos os desenvolvimentos subseqüentes tem que se defrontar
com eles. Tradições religiosas, tais como as conhecemos, são extre-
mamente diversificadas internamente, muitas vezes de maneira
contraditória, e ocasionalmente beligerante. Mesmo assim todas
as variantes do hinduismo aceitam a importância, e mesmo a auto-
ridade, dos Vedas, que são seus textos centrais. O budismo, que se
origina no mesmo ambiente da Ásia do sul, não compartilha isto.
Seus textos e motivos centrais, ao invés, tem a ver com os sermões
e outros ensinamentos de Buda, estórias primitivas de sua vida, e o
'Ver o argumento de M. David Eckel no "The Ghost in the Table", Joumal of the American
Academy of Religion 63 (1995): 1085-1110, no sentido de que é possível de se falar sobre o que
é essencial no sentido de necessário para uma tradição religiosa, sem que se pressuponha uma
"essência".
=----- PREFÁCIO
26—
*(NT) — No original não há aspas, mas para evitar mal entendidos, na medida em que só depois
os autores explicam o porque do uso do "vago", é que as colocamos na primeira vez em que a
palavra aparece.
**(NT) Entre as várias tradições religiosas, bem entendido.
28 PREFÁCIO
...............•
'Ver, de Samuel P. Huntington, The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order
(New York: Simon & Schuster, 1996).
40 -----_
--- INTRODUÇÃO
2 Ver, de Paul Ricoeur, Finitud y Culpabilidad (Madrid: Taurus Ediciones, 1982), especialmente
a conclusão, "El Símbolo da que Pensar". Ver também os ensaios na Parte IV do seu O conflito de
interpretações: ensaios de hermenêutica (Rio de Janeiro: Imago, 1978).
3 "Doutrina do senso comum crítico" (Critical Commonsensism) é o titulo que Charles Sanders
Peirce deu à sua filosofia. Por "crítico" ele quis dizer que qualquer reivindicação ao conhecimento
--=- 41
INTRODUÇÃO-
tinha de ser qualificado como hipótese e ser vulnerável à correção quando houvesse razões para
tanto; ele atribuía esse tema filosófico a Kant, que usou, porém, o termo "crítico" de forma diferen-
te. Por "doutrina do senso comum" ele referia-se aos filósofos do senso comum escoceses Thomas
Reid e Dugald Steward, e adotou daí a tese de que o pensar está sempre no meio da vida, nunca
no seu início ou na sua base. Daí que nós estamos assumindo, e legitimamente, muito do que nos
diz o senso comum, até que haja uma razão concreta para duvidar dele. Os pontos cruciais para
Peirce são determinar no que consiste uma boa razão para dúvidas, quais as ocasiões e como tornar
o processo de vida reflexiva vulnerável à correção. Ver os diferentes artigos com "doutrina do senso
comum crítico" como título no volume 5 dos Collected Papers of Charles Sanders Peirce, ed. Charles
Hartshorne e Paul Weiss (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1934).
4 Para os significados técnicos de "vagueza" e "especificidade", ver 1.2 adiante; referências
N.T. Como será explicado mais adiante, o termo predicament será traduzido por "aflição" e,
algumas vezes, também como "dilema".
INTRODUÇÃO 43
tuações que ela deve dar conta; nem ela precisa ser equívoca, porque
assim nenhum entendimento mútuo ocorreria. Ao invés, tal termi-
nologia comum deve ser vaga na medida correta. Vaga o suficien-
te para ser especificável de maneira diferente em cada caso que ela
descreve, mas não tão vaga que fique sem sentido. É muito comum
que termos com o grau adequado de vagueza ainda não existam an-
tes que um problema prático chame a atenção da necessidade deles.
Nesse caso, um trabalho diligente pode fornecer novos conceitos,
ou talvez alterar as nuanças da linguagem antiga para criar a termi-
nologia necessária.
O componente central de tal trabalho consistente é a com-
paração, pois esta é requerida tanto para detectar a necessidade
de uma terminologia melhor, quanto para gerar e testar a termi-
nologia proposta. Entretanto, a própria comparação requer uma
terminologia comum, e assim um processo dialético complexo
está implícito aqui: na medida em que a terminologia é aperfei-
çoada, a comparação fica mais matizada; e na medida em que a
comparação é mais adequada, a terminologia se torna mais pre-
cisa. Evita-se que este processo dialético se torne um círculo vi-
cioso pelo caráter específico das coisas ou abordagens que são
envolvidas na comparação, e para as quais os termos se aplicam.
Que o processo de comparação seja dialético nesse sentido
significa que as comparações nunca são fixas ou completas, e sim
provisórias, pois são dependentes da estabilidade subseqüente da
terminologia comparativa. Além disso, uma asserção particular de
uma comparação é uma parte que se abstrai do processo dialético
mais amplo de desenvolver e criticar os limites da terminologia. Esta
necessita assim entender não apenas seu sentido estipulado, como
também a história de seu desenvolvimento. A comparação é um pro-
cesso de se fazer, avaliar e corrigir afirmações comparativas, e não sim-
plesmente tais asserções destacadas do processo. O processo critico
torna a terminologia vulnerável, assim como o faz para as afirmações
no seu interior. Talvez o tema metodológico mais importante deste
livro seja o de que a comparação é um processo que é tanto melhor
quanto mais for vulnerável a correções. O projeto de investigação,
ROBERT CUMMINGS NEVILLE E WESLEY J. WILDMAN ----=
=--- 47
'Pode se recorrer ao cap. 8, do livro Ultimate Realities, para discussões mais aprofundadas da
natureza e propósito da comparação, da terminologia especial que ela pode produzir, e dos seus
pressupostos históricos e filosóficos.
48 SOBRE O COMPARAR IDÉIAS RELIGIOSAS
2 Ver "In Comparison Magic Dwells", in Imagining Religion: From Babylon to Jonestown (Chi-
'Em Religious Truth, nós distinguimos três tipos de verdade, ou ainda três problemáticas para
o entendimento da verdade: epistemológica, escriturística (revelada) e prática. A última tem a ver
com o fazer acontecer a verdade, tornar-se verdade, manifestar a verdade, viver na verdade. Ver
especialmente caps. 7 e 8.
56 SOBRE O COMPARAR IDÉIAS RELIGIOSAS
primeira vez seu livro The Religious System of China (Leiden: E. Brill, 1892). O atual lournal of
Chinese Religions usa a abordagem múltipla do tema, mas mais recentemente estudiosos pre-
ferem novamente uma visão singular, como exemplificado no livro de Jordan Paper, The Spirits
are Drunk: Comparative Approaches to Chinese Religion (Albany: State University of New York
Press, 1995).
62 RELIGIÃO CHINESA
2 Essa visão é especialmente comum entre os estudiosos alemães, que escreveram de modo
variado sobre o assunto. Por exemplo, Wolfgang Bauer, "Icherleben und Autobiographie im alteren
China", Heidelberger Jahrbücher 8 (1964): pp. 12-40; e Rolf Trauzettel, "Individuum und Hetero-
nomie: Historische Aspekte des Verhãltnisses von Individuum und Gesellschaft in China", Saeculum
28.3 (1977): pp. 340-64. Para uma discussão, ver meu "Selfhood and Spontaneity in Ancient Chine-
se Thought", Selves, Peoples and Persons, Ed. Leroy Rouner, Boston University Series in Philosophy
and Religion, Vol. 13 (South Bend, Ind. University of Notre Dame Press, 1992), pp. 123-40.
LIVIA KOHN 63
3 Um pensador que expressa essa visão mais claramente e conscientemente é Guo Xiang, o co-
mentador do Zhuangzi, do terceiro século. Isso moveu Isabelle Robinet a descrever sua abordagem
como "Kouo Siang ou lê monde comme absolu", T'oung-pao 69 (1983): pp. 87-112.
Waria M. Colavito, The New Theogony: Mythology for the Real World (Albany:State Univer-
sity of New York Press, 1992), p. 13.
'Ibid., p. 15.
LIVIA KOHN 65
6As culturas do Zero, ao contrário, assentam-se sobre dois princípios básicos: "cada coisa é in-
dependente em si mesma; e cada qual é o que manifesta" (ibid., p. 18). Num mundo baseado nestes
princípios, o papel e a importância de todas as coisas só são determinados por eles mesmos; eles
trabalhariam somente para seus próprios interesses; não haveria necessidade de justificar nenhuma
ação; e "se as coisas podem ser feitas, ou criadas, elas seriam feitas" (ibid., p. 18). Como a morte não
seria um retorno para a verdadeira morada no Um, mas o fim de toda a existência, haveria uma luta
infindável pela estabilidade e a solidez, encontradas apenas nas coisas desse mundo.
'Para textos, especialmente da tradição taoísta, documentando todas essas visões, veja meu
The Taoist Experience: An Anthology (Albany: State University of New York Press, 1993), pp. 161-
88. Uma discussão mais geral sobre as visões chinesas do corpo pode ser encontrada no meu "Ta-
oist Visions of the Body", lournal of Chinese Philosophy 18 (1991): pp. 227-52; e em Kristofer
Schipper's "The Taoist Body", History of Religions 17 (1978): pp. 355- 87.
=--
66—--- RELIGIÃO CHINESA
.0 termo chinês para isto é ganying. Uma discussão ampla pode ser encontrada em Charles Le
Blanc, "Ressonance: Une Interpretation Chinoise de La Realité", in Mythe et Philosophie à l'aube
de la Chine Imperial: Études sur le Huainan zi, ed. Charles Le Blanc e Rémi Mathieu (Montréal: Les
Presses de l'Université de Montréal, 1992), pp. 91-111.
'Uma teoria física correspondente é proposta por Itchak Bentov no seu Stalking the Wild Pen-
dulum: On The Mechanics of Consciousness (New York: Dutton, 1977). Para a "jujuba", veja es-
pecialmente a página 20.
'Baseada na observação de que se dois alaúdes são colocados um ao lado do outro, e a corda
de uma é puxada, a mesma corda da outra começa a vibrar, o modelo tem sido aplicado à variedade
de seres na terra. Zhuangzi, cap. 2, diz: "[O céu] sopra nas dez mil coisas de diferentes formas,
assim cada uma pode ser ela mesma" (Burton Watson, The complete Works of Chuang-tzu [New
York: Columbia University Press, 1968], 37). Para uma discussão geral, veja DeWoskin, A Song for
One or Two: Music and concept of Art in Early China (Ann Arbor: Centro de Estudos Chineses da
Universidade de Michigan, 1982). Uma nota sobre o uso taoísta da metáfora pode ser encontrada
no meu Taoist Mystical Philosophy: The Scripture of Western Ascension (Albany: State University
of New York Press, 1991), p. 104.
LIVIA KOHN 67
Isso, por sua vez, significa que o Qi pode ser muito espesso ou
muito fino, fluir muito rápido ou lentamente. Os chineses, tendo
codificado os movimentos do Qi em todos os níveis e em todos
os nichos da vida, proporcionaram sua análise mais sofisticada no
que se refere ao corpo humano, expressa no contexto de sua medi-
cina tradicional. Aqui, as variações de densidade do Qi são expres-
sas como "cheio e vazio" (xushi), mais tecnicamente chamadas de
"excesso e deficiência", enquanto as diferenças na velocidade de
fluxo são descritas em termos de temperatura, como sendo "quen-
te e frio" (rehan)."
Qualquer entidade, e isso inclui tanto pessoas como casas e
particularidades da paisagem, comunidades e instituições, indica-
ções climáticas e constelações estreladas, pode, entretanto, desviar-
se de seu curso ou freqüência inerente fornecida pelo Um, exibindo
uma irregularidade. Essa é a chave para definir as aflições humanas
no mundo chinês. Um desvio começa tipicamente com uma ten-
dência à perfeita harmonia que é levada longe demais. Por exemplo,
a cautela, que é a atitude a ser cultivada no frio do inverno, pode ser
levada a extremos e tornar-se uma emoção de medo excessivo. O
planejamento futuro e o estoque de bens, que são ações a serem rea-
lizadas durante o outono, podem sair do controle e transformarem-
se em ganância. De modo similar, tomando agora um exemplo de
uma área diferente, o movimento das placas tectônicas, que é uma
ação gradual e natural da terra, pode se intensificar em um abalo
súbito e resultar num terremoto. Ganância, medo e terremotos, as-
sim como todas as outras negatividades e infortúnios (ódio, inveja,
doenças, guerras, levantes políticos etc.) são entendidas igualmente
como desvios do Qi. No sistema chinês, a causalidade é assim enten-
dida como um impulso do Qi — seja ele bom ou ruim, harmônico
ou desviante.
"Para uma discussão ampla das várias formas do Qi e seus modos de movimento, ver de Ted
Kaptchuk, The Net That has no Weaver: Understanding Chinese Medicine (New York: Congdon
& Weed, 1983), especialmente página 178. Outra área na qual os chineses codificaram os padrões
universais é na arte da adivinhação. Em especial, o / Ching (Livro das Mutações) dá conselhos de
quando agir da forma mais harmoniosa possível. Para uma tradução e estudo, veja Richard Wilhelm,
I Ching or the Book of Changes, Bollingen Series XIX (Princeton: Princeton University Press, 1950)
(tradução brasileira: / Ching, O livro das mutações. São Paulo: Ed. Pensamento, 1996).
68 RELIGIÃO CHINESA
13 Para discussões sobre esses pontos de vista, veja Fung Yu-lan e Derk Bodde, A History of
Chinese Philosophy, 2 volumes. (Princeton: Princeton University Press, 1952). Uma descrição deta-
lhada desses mandamentos sazonais dos cosmologistas pode ser encontrada também em John Major
Heaven and Earth in Early Han Thought: Chapters Three, Four, and Five of the Huainanzi (Albany:
State University of New York Press, 1993).
=-----
70— - RELIGIÃO CHINESA
14Ver Livia Kohn, "Transcending Personality: From Ordinary to Immortal Life", in Taoist Resour-
Do mesmo modo,
Quando a intenção é estável, o espírito permanece firme;
Quando o espírito está firme, a energia Qi se aglutina.
A energia perfeita das cinco fases
Aglutina-se assim e forma um concentrado (de pura essência).
15Para uma discussão a respeito disso no neoconfucionismo, ver Wing-tsit Chan, Neo-Confu-
cian Terms Explained (New York: Columbia University Press, 1986), p. 17.
LIVIA KOHN-
-= -- 77
--
16Ver Tu Wei-ming, "The Confucian Perception of Adulthood", in Adulthood, ed. Erik Erikson
(New York: W.W. Norton, 1978).
"Ver Michael Kalton, To Become a Sage: The Ten Diagrams on Sage Learning by Yi T'oegye
(New York: Columbia University Press, 1988), p. 103.
78 RELIGIÃO CHINESA
18Enquanto a idéia do "mérito secreto" é claramente budista e indica a noção de que boas
ações, embora sem recompensas óbvias agora, irão gerar frutos cármicos auspiciosos no futuro, o
conceito de mérito e demérito ou recompensa e punição divina é muito antigo na China. Ela reflete
a transposição sobrenatural dos trabalhos da administração burocrática e é conhecida desde o século
quarto a. C. (Donald Harper, "Ressurrection in Warring States Popular Religion", in Taoist Resources
5.2 [1994]: pp. 13-28). Normalmente calculado em pontos, os méritos resultam numa longa expec-
tativa de vida na terra, enquanto os deméritos acumulam causas para uma morte prematura.
LIVIA KOHN 79
19Isto é refletido claramente na visão ideal do ser humano no confucionismo, como descrito
na caracterização do Mestre Mingdao de Zhu Xi, descrito na tradução de Wing-tsit Chan, Reflec-
tions on Things at Hand: The Neo-Confucian Anthology Compiled by Chu Hsi e Lü Tsu-ch'ien
(New York: Columbia University Press, 1967), pp. 299-302. Isso vem à tona de novo, numa
perspectiva diferente, na insistência confucionista de que o melhor estado é estar preenchido
com o cosmos, "vendo o céu, a terra e a miríade de coisas como um só corpo, o mundo como
uma família, e o país como uma pessoa". Ver Wing-tsit Chan, lnstructions for practical Living
and Other Neo-Confucian Writings by Wang Yang-ming (New York: Columbia University Press,
1963), p. 272.
80--=-- RELIGIÃO CHINESA
Farzeen Baldrian-Hussein, Procédés secrets du ioyau magique (Paris: Les Deux Oceans, 1984) e Lu
Kuan-yu, Taoist Yoga - Alchemy and lmmortality (London: Rider, 1970).
21A tradução é retirada de meu "Quiet Sitting with Master Yinshi: Medicine and Religion in
Modern China", in Zen Buddhism Today 10 (1993): p. 86.
22Esta prática, com nomenclatura moderna e com o propósito expresso de "transformar stress
em vitalidade" é ensinada nos Estados Unidos por Mantak Chia, um imigrante chinês da Tailândia.
Ver, por exemplo, seu Awaken Healing Energy Through the Tao (Huntington, N. Y.: Healing Dao
Books,1983), ou seu Taoist Ways to Transform Stress into Vitality (Huntington, N. Y.: Healing Tao
Books, 1985).
82—----
=- RELIGIÃO CHINESA
"Para uma discussão mais teórica sobre isto, ver Manfred Porkert, The Theoretical Foundations
of Chinese Medicine (Cambridge, Mass.: MIT Press, 1974).
LIVIA KOHN 87
'Honestidade neste contexto ainda é uma virtude, mas mais interativa do que propriamente de
caráter. Em vez de referir-se ao compromisso de uma pessoa a uma realidade geralmente objetiva e
irreversível, ela indica o melhor comportamento possível à luz da harmonia social. Por exemplo, "se
um anfitrião japonês é pego pelo seu hóspede de calças abaixadas, não há desculpas ou confusão,
ao invés disso, há um acordo social que isso nunca aconteceu". Ver Robert A. Paul, "The place of
Truth in Sherpa Law", lournal of Anthropological Research 33 (1977): p. 172. Da mesma forma, o
Sherpa Tibetano reescreve a história em favor da harmonia social muito mais do que extrair uma
verdade objetiva que possa, como absoluto, "existir somente no reino do Buddhahood" (ibid., p.
173).
25Para uma discussão mais aprofundada deste aspecto da cultura Chinesa, veja Derk Bodde and
Clarence Morris, Law in Imperial China (Philadelphia: University of Pensylvania Press, 1973).
LIVIA KOHN 89
qual cor deve ser usada, qual o tipo de comida ingerida, quais me-
didas administrativas devem ser tomadas (as execuções só podem
acontecer no outono, quando a própria natureza está matando sua
vegetação), quais debilidades físicas são esperadas, quais tabus de-
vem ser observados e assim por diante. Muito da vida prática do
povo é mantida de acordo não apenas com seu grupo social, mas
também com os ritmos maiores do ano, reduzindo as decisões pes-
soais ao mínimo. O sistema, desenvolvido na China antiga e obser-
vado ao menos parcialmente durante a maior parte de sua história,
ainda se encontra bastante ativo no Japão, onde uma pessoa não
pode aquecer sua casa ou usar botas antes da metade de novembro,
quando ocorre o tradicional início do inverno (as estações na Chi-
na atingindo o seu máximo e não o seu início nos solstícios e equi-
nócios), embora já possa fazer muito frio. Da mesma maneira, há
grandes estoques de alimento disponível somente durante certos
meses do ano, e é ideal que uma refeição formal durante uma esta-
ção do ano qualquer deva ser organizada de modo a refletir o sabor
e a cor predominantes daquela estação (azedo e verde na primavera,
por exemplo). O efeito dessas medidas práticas é uma certa rigidez
na vida cotidiana, mas elas também criam uma consciência sazonal
ativa e um seitido de correção em viver de acordo com os padrões
da natureza.
No plano das associações humanas, o entendimento chinês
da condição humana mostra uma certa similaridade com outras
religiões socialmente direcionadas, como por exemplo o judaísmo,
o islamismo ou o hinduísmo. A realização religiosa é atingida por
intermédio de uma vida saudável permeada por leis em relação à
sociedade. Visto que a comunidade religiosa é a mesma que a social,
muitos aspectos da vida cotidiana (vestimentas, alimentação, ritos)
são definidos por regras, e a autoridade religiosa principal é exercida
por homens sábios ou sacerdotes que idealmente exerceriam tam-
bém funções no governo do Estado, como legisladores, ministros
ou conselheiros. Em contraste com outras religiões, por outro lado,
as normas na China não são derivadas de uma fonte divina, mas de-
pendem do ciclo da natureza e dos modelos de interação humana;
--
90------ RELIGIÃO CHINESA
mento para formar um indivíduo e se dispersam novamente na morte: po retornando para a terra
por meio do funeral do corpo, hun retornando ao céu por meio da instalação do falecido como
um ancestral.
LIVIA KOHN-
-=--=
-- 93
3.1. Introdução
'Samyutta Nikaya 56.11. A tradução é citada de Walpola Rahula, What the Buddha Taught, 2°
edição (New York: Grove Weidenfeld, 1974), pp. 92-94.
MALCOLM DAVID ECKEL 97
2 0 texto explica que com relação às Quatro Nobres Verdades, o Buda compreendeu a verdade
em si, que se deve realizar uma determinada ação de acordo com essa verdade, e que ele mesmo
tinha realizado essa ação.
98:
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----- UM PONTO DE VISTA BUDISTA
te?3 Sem dar respostas diretas, o Buda respondeu com uma estória:
— Suponha que alguém seja ferido por uma flecha envenenada
e ao trazerem o médico ele dissesse: "Eu não permitirei que esta
flecha seja arrancada antes que você me diga qual a casta da pessoa
que me acertou, que altura tinha, qual a cor de sua pele, que arco
ele usou para atirar, qual a qualidade da corda do arco, de que era
feita a flecha, e assim por diante. Se ele insistisse morreria antes
de receber todas as respostas. O mesmo é verdade nas questões de
Mâlunkyaputta sobre coisas como a finitude do universo. Elas não
são úteis para a tarefa a ser feita, de arrancar a flecha do sofrimen-
to aplicando os insights das Quatro Nobres Verdades ou o Nobre
Caminho Óctuplo".4
P.Pradhan, Tibetan Sanskrit Works Series 8 (Patna: K.P.Jayaswal Research Institute, 1975), referente
versículo 6.3. É também citado por Candrakirti em Prasannapada, editado por L.de La Vallée Poussin,
Bibliotheca Buddhica (St. Petersburg, 1903-13), p. 476. A mesma comparação aparece no comentá-
rio sobre o Yogasutra 2.15. Cf. The Yoga System of Patahjali, traduzido por James Haughton Woods,
Harvard Oriental Series 17 (Cambridge: Harvard University Press, 1927), p.132.
6 Pratyayabhisamskaranad yad anityam tad duhkham: comentário de vs.6.3.
'The Questions of King Milanda, traduzido por T.W.Rhys Davids (1890-94; edição reimpressa.
New York: Dover Publications, 1963).
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102- UM PONTO DE VISTA BUDISTA
9 Aisvaryamadamatto 'si mam avafflaya vartase / upasthitesu bauddhesu madadhina tava sthi-
tih, apud. George Champarathy, An Indian Rational Theology: Introduction to Udayana's Nyayaku-
sumahjali (Viena: De Nobili Reearch Library, 1972), p. 28.
-------- UM PONTO DE VISTA BUDISTA
104-
10As palestras foram publicadas em His Holiness the Datai Lama of Tibet, Tenzin Gyatso, The
Dalai Lama at Harvard, traduzido e editado por Jeffrey Hopkins (lthaca: Snow Lion, 1988).
MALCOLM DAVID ECKEL 105
Nossa resposta inicial a esta questão era dizer que o primeiro ano
do seminário seria relativo aos inícios e manteria o foco no dilema
humano, mais do que na possibilidade humana. Mas mostrou-se ser
impossível deixar de lado considerações sobre o esforço humano —
impossível, em outras palavras, falar o que são os seres humanos sem
falar do que eles esperam se tornar. Eu me pergunto se isso não seria
uma característica fundamental do que nós chamamos de "condição
humana". Poderia ser que a condição humana fosse precisamente
definida nesse ponto de equilíbrio, onde se está consciente do que
não se é, mas que ainda não se tornou o que se espera ser? Sendo as-
sim, isto se aproxima do que os budistas entendem por consciência
do não-self, a consciência que alguém não está preso pelo que foi e
está livre para evoluir para alguma coisa nova.
"Edward J. Thomas, The Life of the Buddha as Legend and History, 3. edição (London: Rou-
tledge and Kegan Paul, 1949), p. 62.
13 Por exemplo o Madhyamakahrdayakarika de Bhavaviveka 1.8.: "[O bodhisattva] vê que o
olho da sabedoria do mundo inteiro foi escondido e quando ele mesmo atravessou o terrível in-
ferno do renascimento, fez com que [o mundo] também atravessasse." (lokam alokya sakalam
prajfialokatiraskrtam / samsaramedhyapatalat tirtva tarayitum svayam). O sânscrito é citado de
V.V.Gokhale "Madhyamakahrdaya Tarkajvala", Miscellanea Buddhica, editado por Chrlindtner
(Copenhague, 1985), p.88.
MALCOLM DAVID ECKEL 109
l'Eu explorei esse assunto mais extensamente em To See the Buddha: A Philosopher's Quest
for the Meaning of Emptiness (São Franscico: Haper-Collins, 1992: edição reimpressa: Princeton:
Princeton University Press, 1994).
17Mark Johnson, The Body and the Mind: The Bodily Basis of Meaning, lmagination, and Rea-
son (Chicago: University of Chicago Press, 1987).
MALCOLM DAVID ECKEL 111
19 Ibid., 3.253-54.
MALCOLM DAVID ECKEL 115
panese Culture", Beyond Metaphor: The Theory of Tropes in Anthropology, editado por James
W.Fernandez (Stanford: Standfoprd University Press, 1991), pp.159-89.
-"
118- UM PONTO DE VISTA BUDISTA
'Arthur F.Wright: Buddhism in Chinese History (Stanford: Stanford University Press, 1959),
p. 78.
120 UM PONTO DE VISTA BUDISTA
utilizamos (minutas 26/2/96, sessão 5.2), pode ser útil especificar o tipo de categoria indicado pelo
MALCOLM DAVID ECKEL 121
termo "Caminho de Meio". Madhyamakakarika 24.18 diz: "Origem Dependente é o que cha-
mamos de o Vazio. É uma designação dependente (upadaya prajfiapati) e é o Caminho de Meio
(pratipad madhyama)". O versículo nos diz que seus três primeiros termos (Origem Dependente,
Vazio e Caminho do Meio) são "designações dependentes". A palavra "carruagem" em As Ques-
tões do Rei Milanda também foi uma "designação dependente": referiu-se apenas a uma série de
componentes. A diferença na Madhyamaka não é a noção da dependência ou referência secundária,
mas a idéia de que qualquer análise da referência poderia basear-se em "componentes" reais. Os
termos nesses versículos (bem como todos os outros termos) são "meros nomes" (namamatra) e
seus significados dependem apenas de outros termos iguais a eles mesmos. A palavra "caminho"
(pratipad) na expressão "Caminho do Meio" adquire seu sentido de uma raiz que significa "ir".
"Ir" em sânscrito pode significar tanto "mover" quanto "saber". Uma tradução mais precisa para o
sentido que Bhavaviveka atribuiu ao termo "Caminho do Meio", incorporando ambos os significa-
dos, seria "Abordagem do Meio", sugerindo que o caminho não é uma estrada para se atravessar
a floresta do samsara, mas "a maneira", "a abordagem", ou "o procedimento cognitivo" pelo qual
a estrada é percorrida. Isso é uma das razões pelas quais é comum, na literatura do Mahayana,
eliminar a distinção entre "caminho" e "objetivo": ter encontrado a abordagem correta para a
vida já está muito próximo de ter chegado ao objetivo. Do ponto de vista comparativo, há simila-
ridades interessantes entre o conceito de "abordagem" correta e o conceito aristotélico de orthos
logos como "principio racional" ou "razão correta" por meio do qual se encontra o meio (Ética a
Nicômaco,1103b31). Em meu livro sobre o Buda, argumento que o conceito que o Madhyamaka
tem de estágios de consciência e princípios racionais, pode-se dizer, cristalizam-se na consciência dos
próprios seres vivos. Não seria inconcebível fazer, até mesmo, uma leitura de João 14,6 em termos
de orthos logos de Aristóteles.
122 UM PONTO DE VISTA BUDISTA
estava baseado em uma falácia cognitiva. Isso não era ciência, mas
mágica, dentro do sentido delineado por J. G. Frazer, quando ele
afirmou que "mágica homeopática é baseada na associação de idéias
por similaridade".3° Isso para dizer que o projeto antigo de deter-
minação de "similaridades" comparativas está apenas a um pequeno
passo do projeto de espetar agulhas na imagem de um inimigo para
que ele tenha dor de cabeça. Mas como um bom budista, Smith vê
o outro lado da palavra "mágica" na palavra "imaginação". No ensaio
final de Imagining Religion, "The Devil in Mr. fones", ele explorou
ressonâncias entre o suicídio em massa em Jonestown, cultos dio-
nisíacos em As bacantes de Eurípides e os cultos "cargo"" nas Novas
Hébridas, todos a serviço de remover de Jonestown o que ele chama
"o aspecto do único".3' Esses fenômenos são iguais? São diferentes?
As distâncias radicais entre eles, em termos de espaço, história e
conceito, tornam as perguntas particularmente estranhas. Mas es-
ses fenômenos iluminam um ao outro em sua similaridade, assim
como em suas diferenças, e este processo de iluminação mútua é
digno de ser perseguido por todos que pretendem interpretar um
fenômeno para grupos de observadores que compartilham mais que
a identidade de uma única disciplina. O termo "condição" na expres-
são "condição humana" tem sua origem no latim condicio, e significa
"estipular, estar de acordo, falar sobre coisas conjuntamente". Isso é
uma etimologia que o budismo acharia adequada. Faz parte da "con-
dição" humana discutir e descobrir o tamanho da lacuna existente
entre as palavras e as "coisas" as quais presumivelmente elas se refe-
rem, e descobrir no processo um sentido de sabedoria e compaixão
que é, se não uma herança humana comum, pelo menos uma possi-
bilidade humana comum.
'No decorrer deste trabalho eu uso a tradução de Swami Madhavananda, de 1921, com leves
modificações: Vivekacúclãmaryi of Sri Sankarãcãrya (Calcutta: Advaita Ashrama, 1992).
126-
-- O VIVEKACÜDÃMANI
E perto do final,
Realizando o self, o eterno, conhecimento puro e felicidade, jogue fora
essa limitação que é o corpo, inerte e sujo por natureza. Então não se
lembre mais dele, pois algo que foi vomitado excita, mas enoja quando
é lembrado. (414)
das principais razões para distingui-la do trabalho normativo de Sankara, anterior a quem foi tradi-
cionalmente atribuído. Mãyã, mais que avidyã, é uma característica distintiva de uma sistematização
particular de advaita. Da mesma forma, esta distinção tem principalmente tratado da descrição
do problema humano como uma complexa distorção da realidade, que é tanto ontológica quanto
epistemológica — e que por isso irá exigir um certo tipo de viveka e, mais importante, a prática que
é bhãvanã. Sobre mãyã no Advaita Vedãnta, veja Paul Hacker, "Distinctive Features of the Doctrine
and Terminology of Samkara", Philology and Confrontation: Paul Hacker on Traditional and Mod-
em Vedãnta, ed. Wilhelm Halbfass (Albany: State University of New York Press, 1995), 78-85.
FRANCIS X. CLOONEY 129
e é a mais alta. Ela dever ser deduzida por alguém com intelecto claro
somente por meio dos efeitos que produz. Ela é mãyã, por intermédio da
qual todo o universo é criado. (Ia)
O mundo é a produção de mãyã:
O corpo, os órgãos, a respiração, a mente, o ego etc., todas as modifica-
ções, os objetos de sentido, o prazer e o descanso, os elementos gros-
seiros tais como o éter, o universo inteiro, de fato, até mesmo a matéria
não-diferenciada, tudo isso é o não-self.
Da matéria-prima até o corpo, tudo é mãyã e efeito de mãyã. Conheça
esses e o próprio mãyã como o não-self, e portanto irreal, como uma mi-
ragem no deserto. (122-123)
Tamas tem o poder de esconder, o que faz as coisas parecerem ser algo
que não são. É isso que causa as repetidas transmigrações humanas e
começa a ação do poder de projeção.
Rajas tem o poder de projeção, que é a natureza de uma atividade, e da
qual o fluxo primevo de atividade tem surgido. Modificações mentais
tais como afeiçoamento e dor são continuamente produzidos a partir
disso. (113, in)
Alguém que seja sobrepujado pela ignorância confunde uma coisa pelo
que ela não é; é a ausência de discriminação (viveka) que faz com que se
confunda uma cobra com uma corda. Grandes perigos o dominam quan-
do ele a pega a partir dessa noção errada. Portanto é o fato de confundir
coisas transitórias com as reais que constitui uma escravidão — escute,
meu amigo!
Esta força velada, compreendida de tamas, cobre o self...
Quando seu próprio self, dotado do mais puro esplendor, é escondido da
vista, um homem, por meio da ignorância, falsamente se identifica com
esse corpo, que é o não-self. E então o grande poder de rajas, chamado de
poder projetante, dolorosamente o aflige com os grilhões da luxúria, da
raiva etc. (138-40)
Sattva puro é como água, mas em conjunção com aquelas duas (rajas e
tatuas), ela serve para transmigração. A realidade do self torna-se refletida
em sattva assim como o sol ilumina o mundo inteiro da matéria. (117)
3 \leja também os versos 67, 324, 345, 391, 496, 514, 569, 573.
FRANCIS X. CLOONEY 131
4No final do século XIX, Swami Vivekananda trouxe advaita para um público mais popular no
Ocidente. Assim como há muito tempo o clássico Mysticism East and West de Rudolph Otto, e re-
centemente o Theo-monistic Mysticism: A Hindu-Christian Comparasion de Michael Stoeber (New
FRANCIS X. CLOONEY 133
York: St. Martin's Press, 1994), numerosas comparações acadêmicas têm sido feitas entre advaita e
várias versões do monismo e do misticismo unitivo no Ocidente.
134 - - O VIVEKACúpikMANI
É aquilo que não pode nem ser jogado fora nem guardado, que está além
do alcance da mente e da fala, imensurável, sem começo nem fim, brah-
man, a plenitude, o "Eu", o grande; se isso é verdade, então o texto, "Que
você é" repetidamente estabelece a identidade absoluta de brahman e o
self, denotado pelos termos "que" e "você", respectivamente, separando
esses termos de suas associações relativas; é a identidade dos seus signi-
ficados inferidos, e não literais, que devem ser inculcados; porque eles
são contrários em seus atributos, como o sol e um vaga-lume, como o rei
e um servo, o oceano e um poço, Monte Meru e um átomo. (239-42)
Conseqüentemente, esses dois termos devem ser considerados cuidado-
samente de acordo com seus significados inferidos, para que sua iden-
tidade absoluta possa ser estabelecida. Nem o método de rejeição total
nem o de retenção completa servirão. Deve-se deduzi-lo por meio de um
processo que combina os dois. (247)
6No seu comentário sobre o verso dois, no Vivekacúdãmani of Sri Sankara Bhagavadpada
'Talvez por causa das severas restrições anunciadas no início do texto, no entanto, o Viveka-
cGdãmani pode permitir-se ser menos restritivo no final: "Então pelo caminho do diálogo entre o
mestre e o discípulo, a natureza de atman tem sido apurada pela fácil compreensão daquele que
procura a libertação ... Para aqueles que estão aflitos ... aqui está uma triunfante mensagem de
Sankara que aponta, dentro do fácil alcance, o suavizante oceano de néctar, Brahman, aquele sem
um segundo, para conduzi-los à libertação (578, 580; ênfase de Clooney).
--=
FRANCIS X. CLOONEY--- 151
Vejamos agora onde tal estudo deste simples texto nos deixou.
O Vivelzacü0mani não é um texto misterioso. Suas palavras e con-
ceitos individuais, tal como mãyã, advaita, vivelza, e bhãvanã, têm
152 o VIVEKACCJDÃMANI
são adequada que forneça uma base suficiente para discursos sobre
Vedãnta, hinduísmo, a condição humana etc. Mas então, o esforço
para entender o VivekacCujãmani iria se tornar nada mais que um
ato elegante de canibalismo intelectual, já que várias partes e peças
dele são retirados e consumidos, e fazem parte de um outro sistema
intelectual, seja um tradicional, seja um novo sistema comparativo
que consome tudo que estuda. Ou, talvez, o VivelzacaPmani possa se
tornar um local turístico, a ocasião para algumas fotos memoráveis e
então uma lembrança de viagem. Mas no processo esse "outro" mui-
to interessante irá morrer, à medida que os consumidores de idéias
religiosas simplesmente se tornem mais e mais deles próprios. Isso
pode ser desastroso, já que o valor distintivo de Vivekacüdãmani está
na matriz e na transformação radical da consciência ordinária — a
rendição do não-self — que isso demanda de seus leitores.
Anthony J. Saldarini
com Joseph Kanofsky
5.1. Introdução
1A natureza humana e a condição humana têm sido tratadas em uma variedades de sínteses do
tomados da Teologia Sistemática Cristã, assim como o faz Kaufman Kohler, lewish Theology Sys-
tematically and Historically Considered (New York: Ktav, 1968; original de 1918). Ainda que E.E.
Urbach, The Sages: Their Concepts and Beliefs (2 vols.; Jerusalem: Magnes, 1975) e Solomon Sche-
chter, Some Aspects of Rabbinic Theology (New York: Macmillan, 1909) usem categorias rabínicas
originais, a organização desses tópicos é fortemente influenciada pelo ocidente moderno.
2 Para uma análise de como os símbolos trabalham e significam, ver Robert C. Neville, The Truth
of Broken Symbols (Albany: State University of New York Press, 1996), 87-90; 132-33.
ANTHONY J. SALDARINI ---,--
--
---—-, 159
mana, em toda sua complexidade, podem ser definidas como vida sob, em
relação com, e em resposta a Deus, ou como um desvio desta relação divina
)rdenada. Fidelidade, obediência e amor mantêm o relacionamento
de Israel (nome pelo qual o judaísmo se define) com Deus de modo
saudável e ordenado. Pecado, desobediência e fraquezas humanas
causam desordens, sofrimento e o mal. Para a maior parte dos cinco
primeiros livros da Bíblia (o Pentateuco ou Torá), suportados pelos
Profetas Anteriores (Livros Históricos) e Profetas Posteriores, inter-
pretam-se os aspectos positivos e negativos da vida humana em ter-
mos da ordem e instruções divinas. Os humanos ou cumprem e des-
frutam os favores de Deus com seu conseqüente sucesso, ou pecam
pela desobediência a Deus, levando ao fracasso e ao desastre inter-
pretado como punição divina. Por contraste, análises do Ocidente
moderno sobre a condição humana enfatizam aspectos negativos da
existência, tais como alienação e morte. A teologia Cristã compreen-
de os seres humanos como fatalmente pecadores e necessitados da
salvação divina por intermédio de Jesus Cristo. Mas nem a fraqueza
humana nem a antropologia existencial moderna são pontos tradi-
cionais de partida para uma consideração sobre as "dimensões reli-
giosas da condição humana" no judaísmo. Por exemplo, o rabi Jose-
ph Soloveitchik, que foi o líder espiritual e intelectual do judaísmo
ortodoxo moderno, respondeu às filosofias kantianas, românticas e
existenciais deste século com a concretude da Torá, como constitu-
tiva do judeu e como a cura do fracasso humano.3 O termo "Torá"
(literalmente "instrução") é aqui um símbolo abrangente que inclui
o Pentateuco (os primeiros cinco livros da Bíblia) e toda a tradição
exegética, legal e instrucional subseqüente, que dá forma à vida e ao
pensamento judaicos. A Torá é em última instância revelação divi-
na, e assim tem prioridade sobre a razão e a experiência humanas.
Soloveitchik trata a angústia e o arrependimento somente no final
de seu tratado, Halakic Man, à luz da Torá, como aquele arrependi-
mento é a reconstituição do self e a retificação do relacionamento
humano-divino.
'Joseph Soloveitchik, Halakic Man (Philadelphia: Jewish Publication Society, 1983; original do
hebraico alsh Ha-Haiaka, 1944).
160 - JUDAÍSMO
4Contrariamente à tradição cristã, a literatura judaica usualmente não culpa Adão pelo pecado
das gerações posteriores, mas antes atribui-lhe a punição bíblica para o pecado e a morte. (Gênesis
3,19).
ANTHONY J. SALDARINI 165
Concedeu-lhes o conhecimento,
. repartiu com eles a lei da vida.
Fez com eles uma aliança eterna
e deu-lhes a conhecer seus julgamentos.
Seus olhos viram a grandeza de sua majestade,
seus ouvidos ouviram a magnificência de sua voz.
E disse-lhes, "Guardai-vos de toda a injustiça",
deu a cada um mandamentos para com o próximo.
(Sirac 17,11-14)
5Gary Porton, Goyim: Gentiles and Israelites in Mishná-Tosefta (Atlanta: Scholars, 1988); Sa-
cha Stern, Jewish ldentityy in Early Rabbinic Writings (Leiden: Brill, 1944)
'Para um estudo completo, ver David Novak, "The image of the Non-Jew in Judaism: An his-
torical and Construtctive Study of the Noahide Laws" (Toronto Studies in Theology 14; New York e
Toronto: Edwin Meilen Press, 1983). Para os primeiros estágios nesta linha de pensamento, ver Ma-
rkus Bockmuehl, "The Noachide Commandments and New Testament Ethics with Special Reference
to Acts 15 and Pauline Halakhah," Revue Biblique 102 (1995): 72-101.
--_ - JUDAÍSMO
--=
1727--
'Um sexto capítulo, Qinyan Torá, foi adicionado para versões posteriores porque lia-se um
capítulo por semana de Pirke Abot durante os seis Sabbaths entre as festividades de Pessach e
Pentecostes.
.Alguns ditos e seções provavelmente datam do primeiro e segundo séculos. O mesmo pode
ser dito das duas versões de "Os padres segundo o Rabi Nathan", que é um comentário sobre o
Abot. Embora eles contenham um material claramente tardio, certos blocos de dizeres e comentários
parecem anteriores. A versão do Abot sobre a qual o "Os padres segundo o Rabi Nathan" comenta
é diferente e provavelmente mais nova do que a versão autorizada encontrada na Mishná. Então a
raiz do comentário remonta ao final do primeiro e ao segundo séculos.
174 JUDAÍSMO
9 Logo depois do tempo de Simeão e Ben Sirac (200-180 a.C.), a família de Simeão, os Onias,
foi derrubada pelos sacerdotes helenizantes, que foram, por sua vez, derrotados por uma família
sacerdotal subordinada, os Asmoneus. Judas Macabeu e seus irmãos guiaram uma série de bem
sucedidas lutas militares e diplomáticas com os governantes Selêucidas na Síria de 167 a 140 a.C., o
que levou a uma relativa autonomia para a Judéia.
10Ver Judah Goldin, "The Three Pillars of Simeon the Righteous" , PAAJR 17 (1958): 43-58,
para o significado do ditado, quando aplicado ao tempo de Simeão. Goldin considera o ditado como
vindo do tempo de Simeão, uma proposição que é duvidosa.
ANTHONY J. SALDARINI 175
prem seus deveres com Deus e para com o outro, sob a orientação da
lei revelada de Deus.
"Abot de Rabi Nathan (The Fathers According to Rabbi Nathan), versão A, cap. 4.
12Ibid. Uma interpretação similar de Oséias 6,6 aparece no Evangelho de Mateus 9,13 e 12,7,
do final do século I.
"'A regra da comunidade (1QS), 8-9.
---- - JUDAÍSMO
-=-
176:="
16 Eles receberam a Torá de seus predecessores e a passaram para a geração seguinte e suas
"A expressão Aramaica taman teninan tem um significado técnico no qual "lá" é compreendi-
do como sendo a Mishná, a coleção autoritativa sobre a qual o Talmude está comentando.
'Este dito é um dos vários atribuídos a Hillel, no Tratado Abot.
2°"Há uma história" (ma'ase b - ) é uma introdução técnica para uma narrativa, histórica ou
ficcional, que autoriza a precedente ou ilustra uma regra da Mishná.
21A implicação não dita é a de que ele de alguma forma cai na tentação sexual.
22 Uma vez que o espírito não é um humano real, o suposto ato sexual do piedoso homem não
foi uma violação do mandamento que lida com os atos entre humanos.
23 0u seja, recita o dito da maneira como o resto dos sábios o fazem.
180 JUDAÍSMO
to the Middle Ages, ed. Arthur Green (New York: Crossroad, 1986), 252-78.
ANTHONY J. SALDARINI 181
27Adão aparece como uma figura positiva na literatura judaica do Segundo Templo da literatura
judaica. Ver John R. Levison, "Portraits of Adam in Early Judaism from Sirach to 2 Baruch" (JSPSS 1;
Sheffield: JSOT Press, 1988).
28As palavras hebraicas para "força", "medida", "obrigado" e "grandemente" são todas ou
bem soletradas ou pronunciadas similarmente, assim esta interpretação é baseada no jogo de pa-
lavras.
182 =— JUDAÍSMO
29Ver Levison (citado anteriormente) para Adão nas narrativas e exegeses do Segundo Templo.
Para Adão como uma figura cósmica na literatura rabínica, ver Susan Niditch, "The Cosmic Adam:
Man as Mediator in Rabbinic Literature", llS 35 (1982-74): 137-46.
30Gênesis Rabbah 8,4. Gênesis Rabbah é um comentário rabínico do Livro do Gênesis, aproxi-
madamente do século V. Ele contém numerosos comentários sobre palavras e versos bíblicos, breves
sermões, histórias, ditados e outros materiais. As datas originais dos materiais reunidos em Gênesis
Rabbah são muito difíceis de serem estabelecidas.
ANTHONY ). SALDARINI 183
"As muitas e variadas histórias, interpretações e ditados que dizem respeito à inclinação ao
mal são reunidas e interpretadas em Frank C. Porter, "The Yecer Hara: A Study in the Jewish
Doctrine of Sin", Bíblica! and Semitic Studies: Critica! and Historical Essays by the Members of
the Semitic and Biblical Faculty [sic] of Yale University (New York and London: Scribner's/Arnold,
1901), 91-156; E.E. Urbach, The sages: Their Concepts and Beliefs (Jerusalem: Magnes, 1975),
184 JUDAÍSMO
471-83; Solomon Schechter, Some Aspects of Rabbinic Theology (New York: Macmillan, 1909),
242-92. Ver Roland E. Murphy, "Yeser in the Qumran Literature," Bíblica 39 (1958): 334-44; A.
P. Hayman, "Rabbinic Judaism and the Problem of Evil", Scottish Journal of Theology 29 (1976):
461-76.
33 Michael L. Satlow, "Shame and Sex in Late Antique Judaism", Ascetism, ed. Vincent L. Wim-
bush and Richard Valantasis (New York: Oxford University Press, 1995), 535-43.
ANTHONY J. SALDARINI 185
34
b. Suk. 52a-b; Abot de Rabi Nathan, versão A, cap. 16 e versão B, cap. 30.
-=
--- JUDAÍSMO
186-
35A última linha dessa primeira história da criação diz em conclusão: "Esta é a história [gerações]
do céu e da terra, quando foram criados" (Gênesis 2,4a). R. Judah toma gerações como "geração
humana" e lê Gênesis 1 como um código para a humanidade até Jacó/Israel.
"Lemah we-lo' Kelum. Tohu, em outros lugares da Bíblia, significa algo que é em vão ou nada.
Supostamente o nada é por causa do pecado.
370 fratricídio de Caim trouxe o caos.
38 Enós é o filho de Set e neto de Adão (Génesis 5,6-11). Nada é dito sobre sua geração em
Gênesis 5. Uma vez que Adão pecou na primeira geração e Caim na segunda, o autor assume que
havia pecado na terceira geração, que ele conecta com as trevas no Gênesis 1,2.
"Is 29,15 diz "Ai dos que procuram refugiar-se nas profundezas, a fim de ocultar a lahweh os
seus desígnios, e realizam suas obras nas trevas e dizem: 'Quem nos verá? Quem nos conhecerá?".
Tais pessoas são zombadas por pensarem que podem enganar a Deus, que os criou.
188 - JUDAÍSMO
40 Este estudo de algumas tendências no moderno judaísmo é baseado na pesquisa e nos co-
York: Bobbs-Merrill, 1966). Sua segunda edição, significativamente diferente e intitulada After Aus-
chwitz: History, Theology and Contemporary Judaism (Baltimore: Johns Hopkins, 1992), é mais
conciliadora para com a tradição, mas ainda enfatiza o imanente em preferência a um DetÉ trans-
cendente (por exemplo, pp. 171-74).
42 Emil Fackenheim, To Mend the World: Foundations of Future Jewish Thought (New York:
Wiesel, Gates of the Forest (New York: Holt, Rinehart, Winston, 1966), 194.
=--- JUDAÍSMO
190 —
45 Ibid., 30.
46 Ibid., 32.
192 JUDAÍSMO
'Richard Rubenstein respondeu que o Deus da tradição está morto. Ver seus ensaios em Atter
Auschwitz: Radical Theology and Contemporary ludaism (New York: Bobbs-Merrill, 1966).
48Wiesel, Night, op. cit., 109.
ANTHONY J. SALDARINI-=," 193
. "Questions and Answers: At Brandeis-Bardin, 1978", [um instituto em Simi Valley, California]
em Against Silence: The Voice and Vision of Elle Wiesel, ed. Irving Abrahamson (New York: Holo-
caust Library, 1985), vol. 3, p. 246.
194--- - JUDAÍSMO
-=--=
sa busca por uma resposta, ainda têm lugar dentro das complexas e
multiformes tradições da comunidade judaica.
5.5. Conclusão
ENCARNAÇÃO E REDENÇÃO
A condição humana no cristianismo antigo
Paula Fredriksen
com Tina Shepardson
6.1. Introdução
6.2. Paulo
'Minha lista é idiossincrática. Estou negociando entre minha obrigação de apresentar uma ge-
neralização abrangente de vários séculos, meu instinto pedagógico de tornar claras minhas posturas
pelo uso de casos altamente contrastantes e meu desejo de me concentrar naqueles pensadores
que acho mais interessantes — daí Paulo, Orígenes e Agostinho. Fique essa declaração como minha
apologia por não incluir outros teólogos pertinentes (Atanásio e os Padres Capadócios, como os
ausentes mais conspícuos).
2 Ver especialmente E. P. Sanders, Paul and Palestiniam ludaism (Filadélfia: Fortress Press,
1977), 442-511, para entender a soteriologia paulina como um exemplo da "solução" (i.e., Cristo)
precedendo o "problema" (do que Cristo deve salvar a humanidade).
PAULA FREDRIKSEN 197
'Paulo é especialmente obscuro nesse ponto. Onde o imaginário do sacrifício do Templo preva-
lece, ele fala sem complicação do "sangue" de Cristo (novamente, Rm 3,25; 5,9) e de sua "morte"
(p. ex., Rm 6,3; 1Cor 15,3; 2Cor 4,10 passim; cf. sobre o seu nascimento, GI 4,4: "Deus mandou
adiante seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei"; carnalmente descendente, Rm 1,3).
Em outros lugares, entretanto, Cristo é uma figura cósmica pré-existente, cuja descida em obediên-
cia requer que ele assuma uma forma humana (morphos; Lat. forma) ou semelhança humana (en
homoiomati anthropo; Lat. in similitudinem; Fl 2,7-8), aparecendo "numa carne semelhante à do
pecado" (Rm 8,3). Cristologias posteriores, como veremos, resolvem essa ambigüidade rejeitando
alguma de suas implicações.
'Para uma lista variada de quem ou quais são tais poderes, Rm 8,38-39; 1Cor 15,24-26.
'Novamente, escravizadas, mas por desígnio divino: "pois a criação foi submetida à vaidade,
não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu na esperança" (Rm 8,20). Presumi-
velmente essa submissão está de algum modo ligada com o pecado de Adão, mas Paulo não explicita
essa conexão. Meu ponto é que Paulo, ao escrever que as forças do "bem" e do "mal" se dispõem
umas contra as outras, não é dualista: o Deus Supremo único da Bíblia permanece supremo.
6 Recebendo o Espírito pelo batismo, e.g., 1Cor 1-3 (em que Paulo segue o imaginário do Tem-
plo, desta vez aplicado ao crente que, como o templo de Jerusalém, é também templo de Deus,
porque "o Espírito de Deus habita em vós" 3,16; cf. 6,19); 12,4-29 ("Ora, vós sois o corpo de Cristo
e sois seus membros, cada um por sua parte", v.27).
PAULA FREDRIKSEN 199
'1 Cor 1-3, censurando os coríntios por suas divisões; 5,1-7, condenando a porneia dentro da
congregação; 5,11, alertando-os a não se associar "com alguém que traga o nome de irmão e,
não obstante, seja impudico ou avarento ou idólatra"; 6,12, novamente contra a porneia, espe-
cificamente o sexo com uma prostituta; 10,14-22, mais avisos contra a idolatria; 11,2-16, delírios
confusos contra uma notória quebra de etiqueta no culto; Cl 5,19-24, outra lista de pecados (os
"trabalhos da carne"): "os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com suas [carne] paixões
e seus desejos". Por meio de Romanos, a última carta que dele temos, Paulo fala dessa conduta
moral desejada, distintamente, não em termos de "liberdade do pecado", mas como "escravidão à
justiça" em 6,20-22.
'Sobre a ira, condenação e destruição daqueles que as merecerão no Dia do Senhor, 1Cor 1,18;
2Cor 2,15; 4,3; Fl 3,19; cf. Rm 1,18 e a advertência geral em 1Cor 10,6-12.
200 CRISTIANISMO ANTIGO
6.3.1. Gnose
"E.g., muito conhecido, Justino, Diálogo com Trifão 29, no qual Justino, argumentando com um
judeu, refere-se às "suas Escrituras" e então corrige a si próprio: "na verdade, não suas, mas nossas".
"Esses teólogos estavam lendo documentos a que Paulo não teve acesso, a saber, evangelhos
que insistiam que Jesus tinha sido ressuscitado não simplesmente corporalmente, mas com um corpo
carnal — daí ter Ele se alimentado de peixe em Lucas (24,37-43) e forçado Tomé a tocar suas feridas
em João (20,27-29). Paulo, como foi visto, sustentava a redenção do corpo, mas não da carne por
si. Para a engenhosa solução de Agostinho para esse problema, ver a seguir.
"E.g., Justino, Trifão 81, referindo-se especificamente a Isaías 65 e Ap 20,4-5; Irineu, Adv.
Haer. 5.26.1 e 30,3; Tertuliano, Adv. Marc. 3. Para um breve exame dessas tradições, P. Fredriksen,
204 CRISTIANISMO ANTIGO
6.4. Orígenes
"Apocalypse and Redemption. From John of Patmos to Augustine of Hippo", Vigiliae Christianae
45.2 (1991): 151-83.
PAULA FREDRIKSEN 205
"Essa obra-prima foi vítima da controvérsia póstuma que rodeou a herança teológica de Orí-
genes nos séculos após sua morte. Como resultado, o próprio texto ficou em farrapos, a edição
científica em Griechischen Christlichen Schriftsteller (22, Ed. P. Koetschau, Leipzig, 1913) um pas-
tiche de vários fragmentos gregos, textos de Justiniano e do segundo Concílio de Constantino-
pla anatematizando Orígenes em 553, e um tratado latino do início do quinto século, de Rufino,
composto com o objetivo de proteger Orígenes das objeções que seu trabalho já estava atraindo.
Minhas observações sobre seus argumentos, por conseguinte, serão muitas vezes tentativas. Eu sigo
a tradução inglesa de G. W. Butterworth da edição Koetschau, On First Principies (N. York: Harper
and Row, 1966; orig. 1936).
15 E.g., 1.2,2; II. 2,2.
"Na linguagem da teologia tradicional (pagã e, eventualmente, cristã), somente Deus é perfei-
to, e portanto imutável; seres contingentes, por definição, são suscetíveis a mudanças.
206 CRISTIANISMO ANTIGO
18 "Mas enquanto que, por causa da faculdade do livre-arbítrio, a variedade e a diversidade to-
maram conta das almas individuais, (...) essa alma (...) colando-se a Deus desde o início da Criação
e para sempre em uma união inseparável e indissolúvel (...) tornou-se com ele em um grau preemi-
nente um espírito (...) É, portanto, certo que essa alma (...) porque recebeu o Filho de Deus comple-
tamente dentro de si, possa ser chamada, ela mesma (...) o Filho de Deus", II. 6,3; também II. 8,2.
19 11. 1,4-2,2.
-- 207
PAULA FREDRIKSEN --=
-
6.4.3. A carne
201. 8,1.
21 "[Essa/sua] matéria, que é tão grande e maravilhosa a ponto de ser suficiente para todos
os corpos no mundo, (...) Deus desejou que existisse, e estivesse ao chamado e serviço do Criador
em todas as coisas para o feitio de quaisquer formas e espécies que ele desejasse, recebendo em si
as qualidades que ele tivesse desejado conferir a ela", II. 1,4. Cf. sua discussão em III. 1,4, sobre o
desejo sexual e a causa fundamental (aitia) do pecado, que é a escolha.
208 CRISTIANISMO ANTIGO
6.5. Agostinho
23 Para uma revisão de seu trabalho sobre Paulo durante esse período, P. Fredriksen, "Beyond
the Body/Soul Dichotomy: Augustine on Paul against the Manichees and the Pelagians", Recherches
Augustiniennes 23 1988: 87-111, esp. 89-98.
24 "A luxúria (...) perturba o homem por inteiro (...) Tão intenso é o prazer que quando ele
atinge o clímax há uma quase total extinção do estado de alerta mental; as sentinelas intelectuais
são, por assim dizer, esmagadas (...) e por vezes o desejo congela no corpo enquanto está fervendo
na mente" (XIV, 16).
PAULA FREDRIKSEN 21 1
25Um ponto belamente invocado nas linhas que abrem as Confissões: "vos nos criastes para
Vós, e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousar em Vós" (I. 1,1).
--=-
---_- CRISTIANISMO ANTIGO
212-=-
A imagem, novamente de Paulo, Rm 9,19-23, de Deus como oleiro e os homens como vasos.
26
--
==
PAULA FREDRIKSEN- 213
'Agostinho esclarece os detalhes desse argumento em seu contra Faustum. Este serve como
fundamento para sua apresentação mais sumária do papel de Israel na redenção, na Civitate Dei
XV-XVIII. Sobre a novidade dessa leitura do judaísmo, e as maneiras com que eia criativamente
articula seu próprio programa teológico, P. Fredriksen, "Excaecati occulta iustitia Dei: Augustine on
Jews and Judaism", lournal of Early Christian Studies 3 (1995), 229-324; idem, "Secundum carnem:
God, history, and Israel in the Theology of Augustine", The Limits of Anciente Christianity — Essays
on Late Antiquity Thought and Culture in honor of R. A. Markus, ed. W. Klingshirn and Mark Vessey
(Ann Arbor: University of Michigan Press, 1999), 26-41.
214-=
- --- CRISTIANISMO ANTIGO
28 0s corpos dos malditos também serão ressuscitados carnalmente, é claro; porém, tomarão o
rumo do tormento eterno.
29 Daí sua interpretação de Rm 8,8-24 tomando a creatura que geme esperando a redenção
assim como o próprio homem, Propositiones ex epistula ad Romanos 53,4.
PAULA FREDRIKSEN 215
6.6. Sumário
300 estudo completo mais recente é o de Peter Brown, The Body and Society. Men, Women,
and Sexual Renunciation in Early Christianity (New York, 1990) [tradução brasileira: Corpo e So-
ciedade - O homem, a mulher e a renúncia sexual no início do cristianismo (R. Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1990)]; também extremamente valioso, Robin Lane Fox, Pagans and Christians (New
York: Knopf, 1987), especialmente seu capítulo "Living like Angels". Em 1965, E. R. Dodds tentou
usar a psicologia psico-analítica [sic] para entender o ascetismo cristão, em Pagan and Christian
in an Age of Anxiety (New York: Norton, 1965) [tradução portuguesa: Os gregos e o irracional
(Lisboa: Gradiva, 1988)]. Em última análise, esse esforço é falho - a teoria necessariamente lançou
mão de evidência não-obrigatória, e a estrutura cronológica vacilou; mas o pequeno esforço de
Dodds (138 páginas) foi em boa parte provocador das mais de 1200 páginas dos dois livros citados
anteriormente.
PAULA FREDRIKSEN 217
31 Eusébio, História Eclesiástica, 6.8, para a história da castração; Epifânio, Panarion 64.3.11-12,
para o qual a famosa castidade de Orígenes se devia às drogas.
'Confissões 6.12, 21 — 15. 25; 8: 6,13 e passim.
218 CRISTIANISMO ANTIGO
6.7.1. Obrigação
Dadas as atitudes complicadas diante de conceitos como "lei"
advindas da leitura antijudaica de Paulo e dos evangelhos que mar-
caram o cristianismo ortodoxo, o vocabulário do movimento [cris-
tianismo nascente] tem como protagonista o louvor da "liberdade"
— da Lei, dos vínculos com o pecado e com a ressurreição antecipa-
da (como quer que seja imaginada), dos vínculos da morte e da deca-
dência. Um discurso de obrigação permanece presente no comporta-
mento ético mais do que na retórica teológica enquanto tal. O cristão
é, pois, obrigado a cumprir o mandamento de amar a Deus e a seu
próximo, radicalmente estendido no Evangelho de Mateus a amar ao
inimigo igualmente (5,44). Os apologistas cristãos do segundo século
(e muitos estudiosos do Novo Testamento do século XX!) dividem a
Lei em mandamentos éticos e "rituais", argumentando que os rituais,
enquanto especificamente judeus, eram irrelevantes para os cristãos;
somente os éticos eram ainda obrigatórios. Eventualmente, a cultura
cristã desenvolveu seu próprio ethos de obrigação ritual — dias de
festa, o ano litúrgico, a obrigação sacramental, a Quaresma, e assim
por diante; as comunidades monásticas, como seria de se esperar, ar-
ticularam e regularam esse ethos a um nível bastante elevado.
6.7.2. Lealdade
Eu não havia pensado sobre as antigas comunidades sobre as
quais trabalho dessa forma, e isso ocasionou alguns reagrupamen-
tos interessantes. As auto-identidades dos grupos podem ser vistas
como uma função da lealdade a um conjunto progressivamente par-
ticular dos textos. Primeiramente, a grande divisão era sobre o status
da Septuaginta: qual grupo cristão a considerava tão sagrada quanto
reveladora, quais grupos meramente como reveladora. Lealdades
textuais posteriores ajudaram a formar o primeiro cânon cristão: as-
sim, o dualista Marcião tomou o corpus paulino (as sete epístolas au-
tênticas, mais Efésios e Colossenses) como o verdadeiro patrimônio
textual do cristão, juntamente com um evangelho (talvez alguma
versão de Lucas: não sabemos). Outros cristãos depositavam fideli-
dade a um cânon maior — as cartas de Paulo mais outras deutero-
PAULA FREDRIKSEN 219
6.7.4. A memória
Seja-me permitido aqui concentrar em Agostinho, porque ele
muito faz com esse termo e essa idéia. O próprio fato de nós termos
memória é, para Agostinho, um sintoma da Queda, pois ela é a medi-
da da distensão da alma no tempo. Pela memória, o disperso Qi dos
amores relembrados é reagrupado e assim compromete as escolhas
da alma — "meu amor, meu peso". O hábito constrói a memória dos
amores, levando a escolhas compulsivas e, portanto, inapropriadas
— o argumento mais destacado de Agostinho para a falta de liberda-
de da vontade e a radical necessidade da graça. A saída dessa aflição
é só a graça, que não pode ser solicitada por nenhuma disciplina, ne-
nhum estudo, nenhum esforço efetivo por parte do indivíduo que,
aparte a graça, não pode ser senão mal conduzido. (As Confissões são,
nesse sentido, sua demonstração da verdade dessa afirmação pelo
uso de informações de sua própria vida: ele não pôde se direcionar a
Deus até que Deus viesse, Ele mesmo, em sua direção.)
6.7.5. A transformação
S. Nomanul Haq
'Ao citar o Alcorão neste capítulo, usei várias fontes de tradução [para o inglês] indicadas por
abreviaturas-padrão depois da especificação do capítulo [surata] e versículo. Assim, A = A. Y. Ali. The
Holy Quran. Brentwood, Md.: Amana Corporation, 1983; Ae = Ali revisado por mim; R = F. Rahman.
Major Themes of the Quran. Minneapolis: Bibliotheca Islamica, 1980; Re = Rahman revisado por
mim. Quando não se especificam fontes, as traduções são minhas. Todas as datas são especificadas
em termos da Era Comum (d.C.).
S. NOMANUL HAQ 225
"Para uma pesquisa acadêmica da tradição mística islâmica, ver A. Schimmel. Mystical Dimen-
sions of Islam. Chapei Hill: University of North Carolina Press, 1975.
S. NOMANUL HAQ ---= 227
12Ver "Dhikr", s. v. Encyclopaedia of Islam, New Edition. Org. por H. A. R. Gibb et al. Leiden:
E. J. Brill, 1954-.
---
228--- ISLÃO
trinas, teorias ou idéias semelhantes ou mesmo idênticas, muitas
vezes funcionam de maneiras totalmente distintas em diferentes
sistemas; têm carreiras diversas em diferentes ambientes religiosos,
gerando estruturas sociais e morais que diferem entre si e gerando
atitudes emocionais e intelectuais típicas de seus próprios e respec-
tivos contextos. Analisando a noção de culturas "uno-centradas",
Livia Kohn fala de algumas características que essas culturas tipi-
camente apresentam, usando o exemplo chinês como ilustração»
Mas na medida em que também o islamismo atende aos critérios de
tal cultura, e eu tendo a pensar que à sua própria maneira ele o faz,
ele não partilha de nenhuma dessas características; nem tampouco
partilha dos elementos afirmados de culturas "zero-centradas". O
destino da unocentricidade islâmica é simplesmente distinto.
Falando historicamente, idéias que nos parecem semelhantes se
desenvolvem em complexos solos históricos, tornando-se tradições
esposadas tenazmente, a tal ponto que essas tradições adquirem uma
vida própria, plenamente diferenciada e praticamente independen-
te das fontes primárias que são as portadoras da idéia original. Não
há como prever como a semente de uma dada doutrina religiosa vai
germinar num dado solo, que tipo de grupo social ela vai gerar e qual
vai ser a natureza de seus frutos culturais. Não há aqui espaço para o
essencialismo. A idéia fundamental de visão, por exemplo, teve no
Islão uma carreira que tem pouco em comum com o budismo; e a
unocentricidade muçulmana gerou uma sociedade de característi-
cas bem distintas da chinesa; e ainda um aiatolá iraniano (ãyat Allah)
hoje pouco se parece com um sacerdote cristão. A explicação de tudo
isso está nas sutilezas e complexidades do processo histórico.
Filosoficamente, toda essa questão de similaridade ou dissimi-
laridade de dois corpos dados de doutrina é deveras problemática.
Deixe-me invocar outra vez aqui a teoria das "peças adequadas".14
Isolada da totalidade de que é elemento integrante, uma dada idéia
pode parecer semelhante a outra igualmente isolada de outra tota-
lidade. O botão redondo da minha camisa parece com o volante re-
13 Kohn, 2.2.
"Sou grato ao Professor A. I. Sabra pela inspiradora orientação quanto a este ponto.
S. NOMANUL HAQ 229
7.3.1. A obrigação
15 Robert C. Neville. Normative Cultures. Albany: State University of New York Press, 1995, p. 143.
S. NOMANUL HAQ-
--=--
'
---- 231
16Para uma discussão mais ampla do problema teológico islâmico da causalidade, ver meu
"Uma elucidação altamente erudita da noção de Shari`a está no capítulo de F. Rahman, com
este título, em seu livro Islam. Chicago: University of Chicago Press, 1979.
18Tenho de reconhecer que me apóio aqui, amplamente, no excelente artigo de Kevin Reinhart,
"Islamic Law as Islamic Ehics". Journal of Religious Ethics, n. 11.2, 1983, pp. 186-203. Claro que se
aplicam aqui as reservas de sempre.
19 0s muçulmanos sunitas, a vasta maioria no mundo islâmico, pertencem a uma ou outra das
quatro escolas legais cujo nome vem de seus mestres: Abei Hanifa, f. 757 (escola Hanafi); Mãlik ibn
Anas, f. 795 (escola Maliki); al-Shafi'i, f. 820 (escolha Shãfi) e Ibn Hanbal, f. 855 (escola Hanbali).
S. NOMANUL HAQ —=--
- "="-- 233
21Em anos recentes, tem havido uma renovação do interesse acadêmico pela teologia islâmica.
Para estudos especializados, o leitor deve consultar as obras de, por exemplo, R. Frank e J. van Ess.
Para uma pesquisa introdutória, a obra-padrão ainda é W. M. Watt. Islamic Philosophy and Theolo-
gy. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1962.
S. NOMANUL HAQ 237
22 Ver A. H. Mathias Zahniser. "The Word of God and the Apostleship of 'Isa' [Jesus]: A Nar-
rative Analysis of AI lmran (3): 33-62". loumal of Semitic Studies, 37, n. 1, primavera, 1991, pp.
77-107.
"Introduções acadêmicas a esses aspectos da tradição intelectual islâmica estão nos verbetes
"Kalãm" e "Ilm al-Kalãm" da Encyclopaedia of Islam.
-------- ISLÃO
238-
reside, mas aquele que a produz".24 O Alcorão "fala" por meio da tinta
que dá corpo a suas palavras e da superfície em que é escrito, ou por
meio da articulação fonética de sons — todos eles acidentes. Em vir-
tude desse raciocínio, é descartada a divindade do Alcorão, tal como
a de Jesus. Para os mutazilitas, a expressão "Palavra de Deus" significa
que Deus criou em seres contingentes palavras e frases para poder
comunicar no mundo histórico Sua Sharia, a qual a humanidade
tem a obrigação de seguir.
espírito" neles (15:29; 38:72; 32:9); assim como diz que Deus está
mais próximo dos seres humanos do que sua "veia jugular" (50:16),
bem como que, como já vimos, para onde quer que nos voltemos
"aí está o Rosto de Deus". Isso cria uma tensão que afetou muitos
pensadores religiosos e todos os místicos muçulmanos. Deus é as-
sim ao mesmo tempo transcendente e imanente. Em verdade, não
pode haver obliteração da separação divino-humano, porque isso
seria obliterar a Sharra: porque se o Comandante e os comandados
se fundirem — o termo técnico é aqui hulfil, a dissolução de um no
outro —, não permanecem nem os comandados nem o Comandan-
te, nem, em verdade, o Comando. E, no entanto, Deus está no âmago
de todo ser humano, pois todos trazemos o próprio espírito de Deus.
Os místicos sufis que sentiram a presença de Deus nas
profundezas de seu ser chegaram mesmo a cair no panteísmo e no
monismo. Ao me referir à religião chinesa, destaquei o axioma-pa-
drão sufi de que se pode participar do Uno, isto é, pode-se — e se
devem fazer esforços para — desenvolver em si atributos de Deus,
mas nunca se pode vir a ser o Uno ou fundir-se nele. De fato, o de-
safio fundamental de toda a teoria sufi é precisamente o de equili-
brar a imanência e a transcendência de Deus; e os sufis têm lidado
com essa tensão de maneira muito criativa. Mas nem todos podem
manter-se nesse delicado limiar; muitos tenderam para um ou outro
lado e alguns tiveram um fim trágico. Bãyazid de Bistãm exclamou
"Glória a mim!". Foi considerado como sofrendo de teopatia (shath).
Sabe-se que o destino do grande sufi al-klallãj: em seu enlevo, que
declarou extaticamente "Eu sou a Verdade" e foi impiedosamente
executado no ano 922. Foi acusado entre outras coisas de shirk. O
místico andaluz Ibn al-Araba foi acusado de wahdat al-wujtici (mo-
nismo antológico) e foi desde então implacavelmente condenado.'
Esses sufis haviam relaxado a tensão.
A tradição baseada no Alcorão da Ascensão do Profeta (Mirãj)
tem particular relevância aqui. Diz a tradição que ele ascendeu pe-
26Cf. Shimmel, op. cit. Para excelentes estudos sobre al-Hallãj, ver os escritos de L. Massignon,
que ainda não foram sobrepujados. Para um relato introdutório da vida e das doutrinas de al-Hallãj,
ver minha introdução em Divan-i Ffallãi. M. lqbal, trad. por Karchi: Maktaba-i-Daniyal, 1977.
S. NOMANUL HAQ 241
'Ver sobre 'buis P. Awn. Satan's Tragedy and Redemption: Iblis in Sufi Psychology. New York:
Columbia University Press, 1987. Existe com efeito uma análise incisiva em L. Massignon. La Passion
de Husayn lbn Mansur al-Hallaj. 4 vols. Paris: Gallimard, 1975.
S. NOMANUL HAQ-
-=- - 243
--
(96:1-2)
E, além disso:
O propósito islâmico tem de ser realizado, como imperativo absoluto,
e para isso é necessário não só pregar, como controlar e dirigir forças
sociais e políticas. É precisamente por isso que a carreira medinense* do
Profeta [durante a qual nasceu o Estado islâmico], longe de ser um com-
lbid., p. 22.
29
8.1. Introdução
8.2. Unidade
'Ver John S. Major, Heaven and Earth in Early Han Thought: Chapters Three, Four of the Huai-
nanzi (Albany: State University of New York Press, 1993); David L. Hall and Roger P. Ames, Thinking
through Confucius (Albany: State University of New York Press, 1987); e Anne D. Birdwhistell, Tran-
sition to Neo-Confucianism: Shao Yung on Knowledge and Symbols of Reality (Stanford: Stanford
University Press, 1989).
258 - =-=- --- - CATEGORIAS COSMOLÓGICAS
2 Ver também Edward J. Machie, Nature and Heaven in the Xunzi: a Study of the 'Tian Lun'
3 Garma C. C. Chang, The Buddhist Teaching of Totality: The Philosophy of Hwa Yen Buddhism
(University Park: The Pennsylvania State University Press, 1971); e Francis H. Cook, Hua-yen Bu-
ddhism: The Jewel Net of Indra (Universty Park: Pennsylvania Sate university Press,
262---
- CATEGORIAS COSMOLÓGICAS
**N. do T. O original inglês joga com as expressões unreal e irreal. Preferimos traduzir este
último por "arreai".
266 CATEGORIAS COSMOLÓGICAS
'Ver Robert C. Neville, Eternity and Time's Flow (Albany: State University of New York Press,
1993)
5Ver Thatamanil, Non-duality and Ecstasy: Sankara and Tillich on Theological Anthropology.
Ph.D. dissertation, Boston University, 2000.
ROBERT CUMMINGS NEVILLE 273
6Syed Nomanul Haq, Names. Natures and Things: The Albhemist Jabir ibn Hayyan and his Kitab
7Wing-tsit Chan, A Source Book in Chinese Philosophy (Princeton: Princeton University Press,
9A linha de interpretação da cosmologia chinesa discutida por Kohn neste volume, e seguida na
maioria de seus aspectos por Neville e Wildman, contrasta, pelo menos no sentido retórico, com a
linha que deriva dos estudos de A.C. Graham (Cf., Disputers of the Tao: Philosophical Arguments in
Ancient China [La Salle, III.: Open Court, 19891); e desenvolvida com riqueza de detalhes por Roger
T. Ames and David L. Hall in Thinking through Confudus (Albany: State University of New York
Press, 1987); idem., Anticipating China: Thinking through the Narratives of Chinese and Western
Culture (Albany: State University of New York Press, 1995) e idem., Thinking from the Han (Albany:
State University of New York Press, 1998). De acordo com Hall e Ames, noções como transcendên-
cia, causalidade linear, ser e verdade têm uma origem exclusivamente ocidental e não se aplicam
sem prejuízo à cultura chinesa. Uma das defesas mais maduras e intensamente argumentadas deste
ponto de vista encontra-se no capítulo 9 de Thinking from the Han. Nós (Neville e Wilman) acre-
ditamos que o contraste retórico entre as duas linhas de interpretação é mais aparente do que real.
Nosso próprio projeto comparativo emprega, com efeito, categorias comparativas cuja origem é
exterior à tradição chinesa, da mesma forma que todo comparativista propõe questões acerca de
textos e tradições que podem não ser colocadas em seu ambiente de origem. Assim, necessitamos
ser especialmente cuidadosos para não importar erroneamente elementos estrangeiros para dentro
de representações internas, no caso para dentro da religião chinesa; ironicamente, dentro de nosso
projeto somos acusados (Neville especialmente) de enfatizar demais uma dada estrutura chinesa,
notadamente confucionista, em detrimento das outras no desenvolvimento da comparação. Hall
e Ames, por sua vez, estão fortemente comprometidos com a rejeição de noções como transcen-
dência, causalidade linear, ser e verdade, o que os leva a enviesar sua representação do caso chinês
com aquilo que Whitehead chamaria de "apreensões negativas", determinando as visões ocidentais
de modo muito estreito para identificá-las posteriormente com os desenvolvimentos presentes ou
contemporâneos desta tradição (quer dizer, para identificá-las com nossas - Neville e Wildman - pró-
prias visões). Existem, talvez, dois casos de um desacordo substantivo entre as duas visões. Um é
dado por nossa crença de que Hall e Ames enfatizam demasiadamente a causalidade correlativa no
ROBERT CUMMINGS NEVILLE 281
pensamento chinês com o objetivo de excluir a causalidade linear presente em muitas de suas raízes
e ramificações, como por exemplo na referência ética para localizar falsos princípios e romper cone-
xões em desenvolvimento, o desejo positivamente constante de estar centrado, na medida em que
do centro fluem conseqüências benéficas para as tarefas a serem realizadas. Hall e Ames reconhecem
as muitas referências chinesas deste fenômeno, mas não lhes concedem a dignidade de um estilo
de causalidade diferente do correlativo, semelhante àquele desenvolvido pelo pensamento ocidental
(ainda que, reconhecidamente, este estilo nada tenha que ver com a idéia ocidental de lei). O outro
desacordo substantivo diz respeito ao nominalismo professado em sua abordagem, à sua afirmação
de que existem somente particulares em conexão com particulares, com a conseqüente negação de
que exista alguma outra coisa por trás ou no interior dos particulares à nossa disposição. Contra isso,
argumentaríamos que, para o chinês antigo, os particulares de uma dada situação exibem modelos
subjacentes tais como os descritos no Yijing ou nas interações entre yin e yang; pensadores poste-
riores como Wangbi e Zhou Dunyi desenvolveram hierarquias de níveis de realidade supostamente
subjacentes, articulando com eles a trajetória do incipiente —das dez mil coisas aos cinco elementos,
daí para o yin/yang e deste o Grande Último e o Não Ser (Wuji). Se a querela epistemológica nomi-
nalismo versus realismo for levantada em relação ao caso chinês, uma querela ela própria bastante
ocidental, poderíamos afirmar que os chineses são realistas de várias formas. Ver Ames e Hall, op.
cit., esp. Capítulo 9.
282 CATEGORIAS COSMOLÓGICAS
wVer, por exemplo, Huston Smith, Forgotten Truth: The Primordial Tradition (New York: Harper
Row, 1976); and Frithjof Schuon, The transcendent Unity of Religions (Wheaton, III: The Theoso-
phical Publishing House, 1984), esp. a Introdução de Huston Smith.
ROBERT CUMMINGS NEVILLE --
--=
"=- 287
do como ele é, feliz, conforme descrito pelos dois últimos dois ver-
sos do Vivekanidãmani citados em 4.4.
As idéias teóricas da ontologia do Advaita distinguem mãyã da
realidade, como exposto em 4.2.1. Deste ponto de vista, tudo o que
é religiosamente interessante a respeito do mundo é representado
como peças de um quebra-cabeças, os lugares em que algum ele-
mento particular de mãyã é tomado como real e, assim, como pas-
sível de ser desvelado, como cobras que depois se descobre serem
cordas (4.3). Clooney analisa uma dessas peças do Vivelzacgãmani
em sua discussão das cinco camadas do não-self que comumente são
tomadas pelo self verdadeiro (4.3). Isso difere em muito da ontologia
exterior da religião chinesa, que identifica pontos de ação como o
lugar em que as harmonias podem ser mudadas para melhor, por
vezes com a descoberta de alguma profundidade espontânea. A teo-
ria Advaita é semelhante em muitos aspectos à ênfase budista em
aprender a não conceber erroneamente a experiência por causa da
ignorância existencial. Com ressonâncias mútuas, o budismo coloca
a ênfase na remoção das causas da ignorância que aprisiona, isto é,
os desejos que supõem permanência e identidade própria, enquan-
to o Advaita se concentra em identificar os erros e desenvolver a
capacidade de discernimento necessária para distinguir em todas as
coisas o verdadeiro Brahma do falso ou dual. Neste sentido, escreve
Thatamanil em comentário a um esboço anterior deste capítulo:
Depois de tudo, tanto os Mãdhyamakas quanto os Advaitanes enfatizam
a remoção de um hábito cognitivo errôneo. Para os primeiros, este erro
consiste na atribuição de existência intrínseca ou ser-próprio ao self e
às coisas. Para os últimos, o erro é a justaposição (adhyasa) do não-self
sobre o self. Estes erros constituem a causa básica para a perpetuação das
impurezas (Mesa) ou erros que marcam a aflição humana. No Madhya-
maka, essas impurezas são raga, dvesa e moha. Essa lista, com variações,
é também encontrada nos textos Advaita. Ambas as tradições acreditam
que a ignorância fundamental é responsável por estes problemas, discor-
dando, entretanto, acerca da natureza dessa ignorância.
"Ibid., cap. 5.
--=- - CATEGORIAS COSMOLÓGICAS
-
296-
8.4. Valor
8.5. Causalidade
* N. do T. Optamos por traduzir "causation" por causalidade, para evitar o incômodo "causação" .
ROBERT CUMMINGS NEVILLE 311
16Ver Francis Cook, Hua-yen Buddhism: The Jewel Net of Indra (University Park: Pennsylvania
State University Press, 1977).
ROBERT CUMMINGS NEVILLE —==— 317
tas, como ter uma boa educação, construir uma casa ou tornar-se
um budista melhor. Com efeito, todo o sistema simbólico do bodhi-
sattva, segundo o qual aquele que faz o voto de tornar-se Buda deve
adiar o cumprimento de sua missão até que todos os seres cons-
cientes sejam auxiliados no caminho da iluminação, está voltado
para a realização de coisas no mundo. Apesar do voto, entretanto,
o caminho bodhisattava só pode ser trilhado se o sujeito abandonar
qualquer noção de um self comprometido com o voto; a idéia é a
de que ele se esqueça de seu self e transforme o voto num imenso
sentimento de compaixão pelos outros. Como disse Sung-bae Park,
a chave para o voto bodhisattva é a "fé patriarcal" de que já se é um
Buda e, portanto, alguém completamente cheio (ou vazio) de auto-
esquecim ento.' 7
Do mesmo modo, no nível teórico, a noção budista de causali-
dade implica na concepção dos acontecimentos do mundo como in-
trinsecamente relacionados a condições causais. Neste ponto, a pers-
pectiva budista não reivindica uma maior harmonia, mas o recuo e
o olhar para as atitudes das pessoas em relação às coisas mutáveis.
Mais exatamente, na descrição e apreciação das conexões causais a
ênfase budista está na abordagem da afirmação-negação, o caminho
do meio. Desde um ponto de vista religioso, a preocupação budista
não é criar ou romper as conexões causais, mas vê-las como vazias e,
portanto, como aberturas para a liberdade espiritual.
No sentido prático, as idéias budistas de causalidade conduzem
a práticas que rompem o apego aos projetos baseados na identidade
própria e que cultivam uma atitude de liberdade iluminada capaz
de considerar as coisas como elas são e reagir a elas apropriadamen-
te. Diferentemente das conseqüências que a religião chinesa extrai
de sua concepção de causalidade, que conduz à atividade, as conse-
qüências budistas têm a ver com o estabelecimento de uma nova
relação com o processo causal, incluindo aquele interior à própria
pessoa, para ser livre.
17Sung-bae Park, Buddhist Faith and Sudden Enlightenment (Albany: State University of New
'"Ver, e.g., Richard Sorabji, Time, Creation, and the Continuum: Theories in Antiquity and the
Early Míddle Ages (Ithaca, N. Y.: Comei, University Press, 1983); e Haq, op. cit.
ROBERT CUMMINGS NEVILLE 323
19Por exemplo, Talai Asad, Genealogies of Religion: Discipline and Reasons of Power in Chris-
tianity and Islam (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1993).
328 CATEGORIAS COSMOLÓGICAS
...........
9.1. Introdução
segundo sentido está incluindo mãyã. Muitos dos assuntos que to-
mamos para constar do tópico de identidade pessoal — continui-
dade, subjetividade e objetividade, identidade moral — são o que
Vivelzacüdãmaryi poderia chamar de o não-self o corpo e suas cone-
xões materiais, o self vital, a mente, o intelecto, até mesmo a realiza-
ção da felicidade (4.3). Todos estes são não-self porque eles mudam e
são múltiplos.
Então, uma vez que o Advaita Vedãnta admite os tipos de ele-
mentos discriminados de identidade pessoal reconhecidos em ou-
tros lugares, desqualifica-os para o self verdadeiro. No fundo, identi-
dade pessoal não é um tópico real ou interessante para o Advaita. O
tópico interessante é Brahma.
O contraste marcado entre religião chinesa e Advaita Vendãnta
a respeito de se a realidade última é constantemente mutável ou
imutável, manifesta-se nas suas abordagens da identidade pessoal.
Para a chinesa, a identidade pessoal, definida por meio de afiliações,
é o lugar privilegiado da abordagem do indivíduo em direção à rea-
lidade última: viver melhor é aprimorar a serenidade ao equilibrar
relacionamentos e harmonias. Para Advaita, o senso de identidade
pessoal é prejudicial e deve-se, ao invés, abster-se da identificação
com envolvimentos e concentrar-se na integração e identidade
com Brahman. Onde o budismo Madhyamaka nega qualquer ele-
mento imutável e substancial na base da identidade pessoal, Advaita
Vedãnta utiliza este como o verdadeiro critério de realidade.
Talvez o mais interessante contraste comparativo tenha a ver
com o que o adepto realizado se parece. Para a religião chinesa, se-
ria a pessoa comprometida mais profundamente com, e requinta-
damente sensível às, harmonias mutáveis do cosmos, e conectada
de modo transcendente com os princípios subjacentes ao cosmos.
Para o Budismo, o adepto seria livre e capaz de se ocupar das coisas
do mundo sem apegos. Para o hinduísmo na sua forma Advaita, es-
pecialmente conforme analisado no Vivelzacúdãmaryi (4-4), "o sábio
vive só, apreciando os objetos sensoriais e sendo ainda assim a cor-
porificação da ausência de desejos; ele sempre se satisfaz com o seu
próprio self, e ele mesmo é estabelecido como o self do todo".
ROBERT CUMMINGS NEVILLE 337
9.3. Obrigação
'Veja Roger T. Ames e Wimal Dissanayake, eds., Self and Deception: A Cross-cultural Philo-
sophical Enquiry (Albany: State University of New York Press, 1996).
'Esta é a linha de abertura do Tao de ling, conforme traduzido por Chan em A Source Book in
Chinese Philosophy (Princeton: Princeton University Press, 1963)
346 CATEGORIAS PESSOAIS E SOCIAIS
*N. do T. Optamos traduzir predicament por "aflição", mesmo sabendo que este último possa
de início levar o leitor a alguma confusão. Mas a leitura em seu contexto dissipará, a nosso ver,
qualquer dúvida quanto ao significado.
ROBERT CUMMINGS NEVILLE -=-
--
---
-= 351
9.5. Afiliações
cido dos gregos. Mas o cristianismo tem sido na maioria das vezes
exclusivista, por causa do seu ponto de vista de que todos os seres
humanos devem ser entendidos como uma só família sob Deus.
O cristianismo compartilha com a religião chinesa, o judaísmo
e o islamismo a forte convicção de que o mundo criado é fundamen-
talmente bom, ainda que contendo sofrimento e maldade. A boa
"imagem de Deus" permanece mesmo na natureza humana decaída.
Daí a obrigação de afiliar-se com a natureza de modo apreciativo. A.
modernidade de alguma forma eliminou isso, representando a natu-
reza como isenta de valoração; isto proporcionou o individualismo
Cristão e uma atitude instrumental para com a natureza, mais do
que uma apreciação dela enquanto parte da boa criação de Deus.
9.6. Pós-escrito
Wesley J. Wildman
O cenário
A diversidade
A primeira perplexidade
A possibilidade de comparação
Bob: Neste grupo, até aqui, o instrumento teórico para considerar essas
questões tem sido o de "categorias vagas". Livia aventou uma hipótese
digna de ser testada; se as generalizações se mostrarem muito rígidas ou
estreitas, então isto servirá como crítica da vagueza das categorias, no
sentido de que elas não são suficientemente vagas da maneira correta.
O Fim de Um Ano
— Wesley J. Wildman
Aune, David Edward e John McCarthy, (orgs.). The Whole and Di-
vided Self. New York: Crossroad Publishing Co., 1997.
Essa obra combina as fontes de reflexão bíblicas e teológicas
para se referir ao que os autores vêem como um rompimento na
concepção moderna de self, seja como um ideal de integridade ou
como um marcador de posição que está dividido de modo inesca-
SUGESTÕES PARA LEITURA POSTERIOR -
-
--
--"2 399
Brandon, S.G.F. Man and his destiny in the great religions: an histori-
cal and comparative study containing the Wilde Lectures in Natural and
—
Comparative Religion delivered in the University of Oxford, 1954 1957.
Manchester: University Press, 1962.
O estudo de Brandon prossegue por meio de capítulos exten-
sos sobre a arte paleolítica da caverna, as religiões antigas do Oriente
Próximo, e do Sul e do Leste da Ásia. Brandon conclui que todas as
religiões evidenciam um "distanciamento de atenção da experiência
-------
400- -- SUGESTÕES PARA LEITURA POSTERIOR
Burtt, Edwin A. Man seeks the divine: a study in the History and Com-
parison of religions. 2a. ed. Nova Iorque: Harper & Row, 1964.
Nesse trabalho, Burtt argumenta que devemos de preferência
ver a religião sob a perspectiva de como as pessoas pensam sobre o
divino, mais do que sob a perspectiva da verdade das questões di-
vinas, que ele vê como inescrutáveis em larga escala. Afirma que
SUGESTÕES PARA LEITURA POSTERIOR 401
Carter, John Ross. (org.). Of Human bondage and divine grace: a global
testimony. La Salle, IL: Open Court, 1992.
Esse livro contém vinte contribuições, surgidas de palestras
dadas a alunos da graduação em 1981. Os ensaios primariamente
se dirigem a temas centrais do interior de uma tradição, e não im-
plicam comparação léxica e teológica detalhada. Mostram que os
termos "servidão" e "graça" exibem uma variedade considerável de
posições de importância relativa para a prática religiosa, de focada a
equivocada. Perspectivas delineadas a partir das devoções a Shiva e
Vishnu, caminhos budistas Theravâda e Mahâyâna, xintoísmo, reli-
gião grega antiga, judaísmo, cristianismo ocidental e oriental e Islão,
todas estas.
Cenkner, William. (org.). Evil and the response of world religion. IR-
FWP Congress Series. St. Paul, MN: Paragon House, 1997.
Os dezenove ensaios que constituem esse livro estão agrupa-
dos em quatro categorias: "Respostas das religiões do livro", "Res-
postas das tradições asiáticas", "Respostas das religiões tradicionais
africanas" e "Respostas contemporâneas". As perspectivas hebraica,
cristã, islâmica, budista, hindu, iorubá e unificacionista estão incluí-
das, assim como ensaios com interesses liberacionista [da Teologia
da Libertação], ecológico, metafísico processual e inter-religioso. O
mal é uma preocupação tradicional e importante em cada uma das
402 =
- ---- SUGESTÕES PARA LEITURA POSTERIOR
NY: Orbis Books, 1990. Ensaios por Masao Abe, com reações de sete
escritores judeus e cristãos.
Masao Abe tem sido um líder diligente no diálogo inter-reli-
gioso desde os anos 6o. Esse livro contém a principal declaração teo-
lógica de Abe, "Deus kenótico e Sunyata dinâmica", junto com as
sete reações dos teólogos judeus e cristãos. Questões metafísicas fi-
guram de maneira proeminente, mas há uma perspectiva experien-
cial fundamentando várias das investigações: por exemplo, "Sobre o
aprofundamento do budismo" de Cobb, a reação de Catherine Kel-
ler, "Sobre a teologia feminista e o auto-esvaziamento dinâmico", e
"Fé em Deus e a realização do vazio", de Schubert Ogden.
Hamilton, Sue. Identity and experience: the constitution of the human /m-
ing according to Early Buddhism. Londres: Luzac Oriental, 1996.
Embora muito da produção acadêmica tenha se dirigido à
formulação doutrinal budista do anatta ou não-self, Hamilton argu-
menta que pouco dessa produção se dirigiu exatamente ao que o ser
humano é quando se pode dizer que possui não-self. O corpo princi-
pal do trabalho dela é devotado à análise detalhada das cinco partes
constituintes (corpo, sentimentos, apercepção, volição e consciên-
cia) que Buda viu como constitutivas do ser humano. Ela descreve
408 - SUGESTÕES PARA LEITURA POSTERIOR
Hefner, Philip J. The Human Factor: evolution, culture and religion. The-
ology and the sciences series. Minneapolis: Fortress Press, 1993.
Hefner, um teólogo luterano e participante entusiasta no diá-
logo entre ciência e religião, incita a uma reavaliação da antropo-
logia cristã tradicional à luz da ciência e à luz da destruição que os
humanos produziram no ecossistema por seu uso da tecnologia. Ele
vê os humanos como co-criadores criados, cujo propósito é criar o
futuro mais íntegro possível para os humanos e o ecossistema no
qual habitam. A religião, do ponto de vista dele, é um mecanismo
evolucionário adaptável da cultura humana que veio para, e deveria
ajudar, os humano a entender e agir responsavelmente no mundo.
Ele busca desafiar, em bases teológicas e científicas, qualquer antro-
pologia que separe os humanos da natureza.
Organ, Troy Wilson. The Hindu quest for the perfection of man. Athens:
Ohio University, 197o.
Organ começa esse longo livro caracterizando o hinduísmo
como uma busca, que os capítulos subseqüentes especificam como
416 SUGESTÕES PARA LEITURA POSTERIOR
Park, Andrew Sung. The wounded heart of God: the Asian concept of Han
and the Christian doctrine of sin. Nashville: Abingdon, 1993.
Park defende que a noção cristã de pecado falhou em perceber
por completo a dor que se acumula nas vítimas de pecado. Utiliza
a noção coreana de han para elaborar sobre esta profunda dor e a
amargura causadas pelo pecado. Assim como a tradição cristã vê o
pecado como fundamental à condição humana, Park argumenta que
han é também fundamental. Portanto, han deveria também ser trata-
da em qualquer concepção de salvação. Park vê terreno para o diálo-
go inter-religioso com o budismo, hinduísmo e judaísmo, enquanto
tradições que já desenvolveram análises implícitas ou explícitas de
han. Finalmente, argumenta que para se ter urna visão holística da
salvação, deve-se incluir não apenas o perdão, mas também a reso-
lução do han. Park chama as pessoas religiosas a se unirem contra a
SUGESTÕES PARA LEITURA POSTERIOR 417
Ricoeur, Paul. Fallible man. Ed. rev. Nova Iorque: Fordham Univer-
sity Press, 1986 [1965]. Tradução de rhomme faillible.
Esse trabalho é o segundo volume na série de Ricoeur sobre a
Filosofia da vontade, que inclui Liberdade e natureza e O simbolismo do
mal. Nesse volume, Ricoeur explora a fenomenologia da falibilida-
de humana. Ele argumenta que a falibilidade é inerente à natureza
humana em virtude da "desproporção" fundamental da existência
humana. Porque os humanos sempre têm uma experiência pré-fi-
losófica, pré-reflexiva da existência, a sua autoconsciência é sempre
uma reflexão em segundo plano. É esse frágil "defeito" permanente
na tensão entre pré -reflexivo e reflexivo, pré -filosófico e filosófico
que abre espaço para a falibilidade e, conseqüentemente, de acordo
com Paul Ricoeur, empresta à natureza humana a "capacidade para
o mal".
418 - SUGESTÕES PARA LEITURA POSTERIOR
Schimmel, Solomon. The seven deadly sins: Jewish, Christian, and Clas-
sical reflections on human nature. Nova Iorque: Free Press, 1992.
Schimmel, um psicoterapeuta e professor de educação e psi-
cologia, reflete sobre a situação humana contemporânea no diálogo
com os textos clássicos das três tradições apontadas no subtítulo.
Os autores desses textos são "psicólogos profundos", cujas percep-
ções sobre a persistência do pecado podem corrigir o que o autor
SUGESTÕES PARA LEITURA POSTERIOR 419
Weingart, Peter et al. (org.). Human by nature: between Biology and the
Social Sciences. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1997.
Esse trabalho é uma reavaliação e um experimento na relação
entre a biologia e as ciências sociais. Traça o desenvolvimento his-
tórico dessas duas disciplinas, assim como o desenvolvimento da
mútua desconfiança entre elas. Em dois conjuntos de estudos, um
baseado na homologia (o humano é um animal) e outro baseado na
analogia (o humano é como um animal), revê concepções atuais do
humano e explora o benefício potencial de um "pluralismo integra-
tivo" no qual os métodos, tanto da ciência social como da biologia,
poderiam ter influência no desenvolvimento de uma visão com
mais nuanças da conexão dos fatores biológicos e culturais que dão
forma aos indivíduos e comunidades humanas.
Wetehrilt, Ann Kirkus. That they may be many: voices of women, echoes
of God. Nova Iorque: Continuum, 1994. •
Eckel, Malcolm David, 29, 23, 224, 258, Kanofsky, Joseph, 188
259, 266, 282-84, 315, 333-35, 344, Kant, Immanuel, 41, 308, 361
347, 351-52, 370, 376-77, 385, 392 Kohler, Kaufman, 257
Enosh, 187 Kohn, Livia, 19, 23, 44, 106, 226-28, 249,
Eurípedes, 122 252, 256, 279, 280, 313, 343, 350, 370,
Eusébio, 226 374-75, 385-88
Eva, 164, 250 Krishna, 117, 149-50
I COríritiOS, 197-200, 198,199, 208, 214-16 parativa, 358; idéias intrínsecas de, no
I João, 202 budismo, 360-62; na religião chine-
I Tessaloniensses, 198, 199 sa, 358-59; no cristianismo, 362-363;
I Timóteo, 202, 218 hinduísmo, 360-6I; Islão, 363-64; ju-
2 Coríntios, 196, 198, 199 daísmo, 361-62; idéias práticas de, na
2 João, 202 religião chinesa, 359-6o; idéias teóri-
2 Pedro, 202 cas de, na religião chinesa, 359-6o
2 Tessalonicensses, 219 Aflição,330, 364; humana, na religião chine-
2 Timóteo, 202, 219 sa, 62-70, relativa à obrigação, 353; idéias
Abstinência, sexual, no cristianismo, 202; intrínsecas de, 326; no Advaita Vedanta,
Ver também celibato 353-54; no budismo, 351-52; religião
Ação, divina, 274, 324 chinesa, 350-52; cristianismo,355-56;
Âda, no Islão, 232 Islão, 356-57; judaísmo, 354-55; idéias
Adeptos, 8o, 303-04, 325; no Advaita Ve- perspectivas de, no budismo, 352
dânta, 32o; na religião chinesa, 76; Agregados, cinco, no budismo, 96
comparação entre religião chinesa, Ahkâm (normas legislativas), no Islão,
budismo, e Advaita Vedanta, 336 233, 275
Advaita(não-dualismo), '06, '33-34,152-54 Alá, 22 4-243, 252, 276, 293, 297, 326-27,
Advaita Vedânta, 205, 223-24, 250, 254, 349; ver também Deus
263-69, 287-288, 303-04, 307, 328-29, Alegoria, em Orígenes e Agostinho, 209
322, 339, 341-42, 349, 356-57, 360-62; Alerta, na religião chinesa, 70-7I
comparado com budismo e religião Aliança, 329; comparando cristianismo e
chinesa em causalidade, 318-19, com judaísmo, 334-35; no judaísmo, 239-
o Islão, 276-77, 295-96; sobre obriga- 42, 166, 277-79; primordial, no Islão,
ção, 345-47; sobre ontologia, 286-88; 296-97, 212
como hinduísmo paradigmático para Alienação, 294; no cristianismo compa-
o Ocidente 230-32; e processo, 252-53; rado com outras religiões, 292; no Vi-
como um sistema, 253 vekacudâmani, 239-46
Afiliações, 37, 62, 33o, 364-65; na religião Alma, 55; no Cristianismo, o local da ig-
chinesa comparada com as outras, norância, 267; transformação da, 221-
87-89; definida como categoria com- 22; yin e yang, 9o, 91
432 .= ÍNDICE DE ASSUNTOS
58, 360, 363, 375; comparada com Comida, como categoria comparativa,
o budismo sobre ontologia, 283-86; 379-80; na religião chinesa, 71, 80-82;
como uma categoria em oposição ao no cristianismo, 201; no hinduísmo,
confucionismo, taoísmo etc, 61-63; 135-36; neste projeto, 370-73
estudada de uma perspectiva predo- Compaixão, 347; no budismo, 44, 114-18,
minantemente taoísta, 249; difere das 122; do mestre, no Vivekacudâmani,
religiões ocidentais e hindus ao não 125
enfatizar a dualidade entre deidade e Comparação, alterando as tradições com-
mundo criado, 84-85; idéias, de afilia- paradas, 56-57; no mundo antigo, i;
ções na, 357-59, de ontologia na, 279- no cristianismo antigo, 195; propon-
82, de identidade pessoal na, 331-32, do novas questões às tradições, 56-57;
de aflição humana na, 350-52, de valor quadro categorial de, 21; concepção
na, 299-300; ontologia da, comparada de, 48-51; ilusória a não ser quando os
COM outras, 278-81, 296-97; compara- itens são comparados num contexto
da com o sufismo, 240; representação sistemático, 227; importância da, 45-
intrínseca de unidade, 257-58; repre- 48; método de definição, 48-51, 230;
sentação perspectivista de harmonia, modos de, 253-54; justificação moral
257-58; representação prática do res- da, 381-82; pela negação no pensa-
tabelecimento da unicidade, 257-58; mento budista, 104-06; teoria de Ne-
representação teórica de padrões e ville, 377-79; como panorama, 155;
equilíbrio, 257-58 como processo, 26-27, 46-47, 48-51,
Chineses, estudos, 58 54-55, 57-60; progresso na, 30-31, 32-
Cidade de Deus, 196, 211 33; como ciência, 48-50; simplificação
Ciência, 32o; da religião, is; um valor no da, 22-24; como feita por especialistas
Islão, 277 neste projeto, 382-83; teoria da, 17-19;
Ciência moderna, budismo em boas rela- avaliada, 245-53
ções com a, 262 Comparadas, Projeto de Idéias Religiosas
Cinco, relações na religião chinesa, 76, descrição, 17, 32; narrativa analítica
343-44; fases, na religião chinesa, 69; do processo, 367-95; propósitos do,
virtudes no confucionismo: humani- 17-18; estrutura do, 49
dade, retidão, propriedade, sabedoria, Comparadas, religiões versus idéias reli-
e fidelidade, 76 giosas comparadas, 47-48
Circuncisão, para Agostinho, 213-14; no Comparativas, hipóteses, escopo das, 251;
cristianismo, 200 estrutura das, 254
Clareza, como vício cartesiano, 32-33 Comparativos, estudos, semelhanças ocul-
Classificação, como vício cartesiano, 32; tas reveladas nos, 223-24
na religião chinesa, objetiva compara- Completude, na religião chinesa, 65
da com o budismo, 261-62 Comunicação, 18; entre visões de mun-
"Coberturas", no Budismo, 113 do, 13
Colaboração, história do Projeto de Idéias Composição, 310
Religiosas Comparadas, 367-94; nas Comunidades, 42; no Advaita Vedânta,
ciências da religião comparadas com 146-51; na religião chinesa, 79; exclu-
as ciências naturais, 20 sivas, 221; vida moral das, 55- 56; reli-
Colocação, existencial, 310 giosas, 22
Colossensses, Carta aos, 218 Concentração, no budismo, 113; na ioga
Comensurabilidade, 381 vedântica, 243-44
Comentários, no cristianismo, 219; no Concentrado, do elixir imortal, no Taois-
judaísmo, 157; rabínicos, 172 mo, 8o-81
ÍNDICE DE ASSUNTOS 435
Ignorância, 152-54, 345; no budismo, 95- Indra, incompetente para captar a cons-
107, 113, 333-34, 349; sem começo, ciência budista, 112
98, superada pelo conhecimento reto, Inércia, negra (Tamas), 128-31
134; comparada entre as religiões, Ingenuidade, em comparação, 38-41; se-
266-67; e discriminação, 287-88; no gunda, 40-42
Hinduísmo, epistemológica (avidyâ) Intelecto, no hinduísmo, 235
em contraste com a ignorância onto- Intenção, em Deus, 321
lógica (mâyâ), 128-31; em Orígenes, Interação, na religião chinesa, 62, 87
207-08; da religião, 18 Interior, prática, 79-82
Igreja, para Agostinho, 212-13; no cris- Interiorização, do não-dualismo, 242-46
tianismo antigo, 198-99, 204, 220-22 Intrínsecas, Idéias, de afiliações no bu-
como voluntária, 362 dismo, 360-61, religião chinesa, 358-
Igrejas independentes africanas, 25-26 61, cristianismo, 357-59, hinduísmo,
Igualdade, não é um valor na religião chi- 360, Islão, 363-64, judaísmo, 361-62;
nesa, 87-88 de causalidade, no Advaita Vedanta,
Iluminação, no budismo, 97-107; Euro- 318-19, budismo, 314-15, religião chi-
péia (ilustração), 280; e a condição hu- nesa, 311-12, cristianismo, 322-23, Is-
mana, no judaísmo, 188-89; em Oríge- lão, 326, judaísmo, 320; de obrigação,
nes, 208-09; no Vedanta, /44 no Advaita Vedanta, 345-47, budismo,
Ilusões, 264; no budismo, para remover 344, religião chinesa, 343-44, cristia-
as ilusões, 102; no hinduísmo, 131-32 nismo, 348-49, Islão, 349, judaísmo,
Imaginação, 37; no budismo, 261 288-89; de ontologia, no Advaita Ve-
Imortalidade, 63, 82; no taoísmo, 80-81; danta, 287; budismo, 282-88, religião
elixir da, 72 chinesa, 280-81, cristianismo, 290-91,
Imparcialidade, como viés, 56 Islão, 293-94, judaísmo, 288-89; de
Imperialismo, nas categorias comparati- identidade pessoal, no Advaita Vedan-
vas, 17-19 ta, 335-36, budismo, 33-35, religião
Impérios, do mal, no judaísmo, 187 chinesa, 331-33, cristianismo, 339-4.1,
Impermanência, como sofrimento, ioo Islão, 341-42, judaísmo, 337-39; de
Importância, no vago em contraste com aflição humana, no Advaita Vedanta,
o específico, 53-54 353-54, budismo, 352, religião chine-
Incipiência, na religião chinesa, 281 sa, 350-51, cristianismo, 355-56, Islão,
Inclinações, para o mal, 18I-86; para o bem 356-57, judaísmo, 354-55; de unidade,
e mal comparados,nojudaismo,284-85 na religião chinesa, 256-58; de valor,
Incomensurabilidade, nas comparações, no Advaita Vedanta, 303, Budismo,
54 301-02, religião chinesa, 299-300, cris-
Incompreensão, superação da, neste Pro- tianismo, 307-08, Islão, 308-09, judaís-
jeto, 377-78 mo, 305-06
Indeterminação, na criação, 63-65, 69-70, Intrínseco, lugar da análise fenomenoló-
83-84 gica, 253-55
Indianos, Estudos, 58 Investigação, 48-49; comunidade de, nes-
Individuação, 323 te Projeto, 369
Individualismo, no budismo, 334; na reli- Islão (Islã), 19, 23-25, 40, 223-44, 254,
gião chinesa, 61; no dualismo cristão, 337-38, 363-64; comparado com o cal-
203-04 vinismo, 309-10; dualismo no, 257-58;
Indivíduo, na religião chinesa, 62,79 in- condição humana no, 223-44; idéias,
terativo, comparado com o individua- de afiliação no, 363-64 de causalidade
lismo ocidental e hindu, 86 no, 325-28; de aflição humana no, 356-
442 ÍNDICE DE ASSUNTOS
57; de obrigação no, 292-93, 348-49, de 282-83, em Deus, 169, para Orígenes,
ontologia no, 293-99, de identidade 207
pessoal no, 342-42 de valor no, 308-20; Justificação, de categoria religiosa, em
e judaísmo comparado na personifi- são Paulo, 198
cação de Deus, 293-94
Israel, 25, 42, 170-71, 337-38, 361-62; Kalam (teologia), 237
cristianismo como, 204; paz de, 294; Karma, 249, 262, 264, 318, 331; no budis-
especial entre as nações do mundo, mo, 95-96
260-62, 288-89 Khalifa (vice-gerente), Adão como, no
Islão, 242
Jardim, saída de Adão do, no Islão, 241 Kyoto, escola, 40
Jihâd, no Islão, 243
Jó, Livro de, 160, 167, 191 Lealdade, 296; ao cânon, credos, ritual, no
João, Evangelho de, 220, 203, 205, 208 cristianismo, 218-20
Jocosos, comentários, 368-69, 371; neste Legalismo, como escola chinesa, 69, 351
projeto, 394 Lei, 38; no cristianismo, 197; no taoísmo,
Jogo, de diferença e similaridade, no bu- 69; no Islão, 356; no judaísmo, 257; da
dismo, II9 vida, no Deutoronômio, 168; escolas
Jonestown, 222 da, no Islão, 232; como pecado, 197
Jornada, no budismo, 335 Leis de Manu, 148
Jornadas, religiosas, 22 no hinduísmo, Liberacionismo, 17
236 Liberdade, no budismo, 335, e na religião
Judaicos, estudos, 58 chinesa comparada, 283, 316; no cris-
Judaísmo, 19, 23-25, 39, 43, 254, 278, 342, tianismo, 324-25, da lei, do pecado, e
349, 363-64, 383; como carnal, 212; da morte, 228; no Islã, 232, 275, com-
e cristianismo, comparado, 252-52, parada com outras, 299; no judaísmo,
298-99; no cristianismo antigo, 203- 167, relativa à competência e à fide-
04; explicado historicamente, 250-52; lidade, 322; no Mahayâna, 226; para
condição humana no, 257-94; idéias, Orígenes, 206; resultante da doutrina
de afiliações no 361, causalidade no, do não-self, no budismo, 106
320-26, obrigação no 347, idéias onto- Libertação, 148-51, 346-47; no budismo,
lógicas no 288-90, identidade pessoal 262, 302, comparado com o Advaita
no, 337-39, aflição humana no, 354- Vedanta, 277
55; de valor no, 305-07; comparado Limitações, deste projeto assim como
com o Islão; ortodoxo moderno, 293- planejado, 20, 29, 32, 389-91
96; em Origines; 209; ortodoxo, con- Linguagem, teoria da, no budismo, 202
servador, reformado e reconstrucio- Literatura, das grandes religiões, 22; ju-
nista, 25; em Paulo, 200-01; origens daica, 157
rabínicas do, 272; sobre a Sabedoria, Liturgia, ver ritual
145-46 Livro da Lei, 165
Judeu, são Paulo como, 297 Lógica de categorias comparativas, 22-23;
Judeus, europeus, 158 distinta de método, 49-50
"Jujuba", modelo do cosmos, na religião Logos, 298; no cristianismo comparado
chinesa, 66-68 com a religião chinesa, 290-91
Jurisprudência no Islão, 232-33 Louvor, 116-17; do vazio, 118-19; no Islão,
Justiça, 38, 220, 331, 340; divina, no ju- 327-28; no judaísmo, 174-75, 289-90
daísmo, 257; e misericórdia, como Louvor, no judaísmo, 321
princípios governantes no Judaísmo, Lucas, Evangelho de, 203, 228, 356
ÍNDICE DE ASSUNTOS ---= 443
Lucidez (Sattva), 128-31 36, 342, 345-49, 353, 360; não apenas
Lugares, de análise fenomenológica, 254, ignorância, mas maneira de ser distor-
389-90; ver também idéias intrínsecas... cida, 237-46
idéias perspectivas..., idéias práticas..., Medicina, chinesa, 79-80, 86
idéias teóricas... Meditação, 22; dentro do Caminho do
Luxo, 77 Meio, 208
Mediterrâneo, mundo, religiosamente
Macaco, como imagem do self, 117 novo na Antiguidade, 195
Madhyamaka, 47,95,202, 208-21,113,128, Memória, em Agostinho, 196, 221; com-
249, 259, 262-62, 282-84, 287, 296, 314- parada na religião chinesa e no Islão,
15, 334, 336, 347, 374; e Islão compara- 226-27
do, 276; e Yogacara comparado, 260-61 Mente, na religião chinesa, 62; no hin-
Mágica, em comparação, 29-30, 49, 121- duísmo, 135-36; como órgão sexual
22 primeiro, para Agostinho, 210-11; em
Mahayana, 95, 102, 108-09, 111-16, 254, repouso, 8o
283, 320, 346-49, 352, 362; e harmonia Mérito, budista, na religião chinesa, 78;
em religião chinesa, 119 escondido, 78
Mal, 274, 337; ambigüidade do, e propó- Messianismo, no judaísmo, 276
sito divino, no judaísmo moderno, Messias, no cristianismo, comparado
29o; em Agostinho, 210-14; no cristia- COM o judaísmo, 269-70
nismo católico, 203-04; na liberdade Mestre, culto do, 150-51; discípulo, re-
humana, 167; vindo de Deus, 354; no lação, 304, no Advaita Vedanta, 139,
Islão, 277-78, comparado com outros, comparado com o budismo, 287-88,
298-99, servindo ao desígnio divino, no cristianismo, 273-74, no judaísmo,
242-43, 341-42; no judaísmo, 267 (o 179, no Vivekactadámani, 125
Holocausto), para judeus e cristãos, Metafísica, 58; no budismo, 258; no con-
192, o impulso para é fonte de cria- fucionismo, 256; da visão no Islão,
tividade, 183-86, inclinações para o, 225-26
282-86, responsabilidade pelo, em Deus Metáfora, caracterizada, 109; no cristia-
e nos homens, 180-87 ameaça os ho- nismo, 323; e metonímia, 117-18; para
mens com a morte, 181-82 captar a singularidade, 254
Mandamento, 361; divino, no Islão, 240; Metas, no budismo, 317; na religião chi-
no judaísmo, 159-61 nesa, 63-64
Maniqueísmo, 209-12 Método, em comparação, 48-49, 367-95;
Maravilhosa escritura da prática diária ex- no pensamento rabínico, 171
terior do Venerável Senhor, 71-73, 258, Midraxe, 172
312,30 Milagres, em Hume, 280
Maravilhosa escritura da prática diária in- Mimansa, teoria ritual do, 140, 248
terior do Venerável Senhor, 71-75, 258, Misericórdia, equilibra o pecado, no ju-
312 daísmo, 282-83; no hinduísmo, 125;
Marcos, Evangelho de, 219-22 divina, no judaísmo, 157, 269; justiça,
Marginalização, 17 como princípios dirigentes divinos,
Marxismo 13-14 no judaísmo, 282-83, em Deus, para
Mateus, Evangelho de, 208, 218, 272 Orígenes, 207; enfatizada em Ben Si-
Matrimônio, 204; ambivalente no cristia- rac, 169
nismo romano, 217 Mishná, 272-74, 179, 229
Mâyâ, 127-31, 233-34, 151-54, 263-65, Misticismo, 357; no Advaita, 152; no
276, 286-88, 296, 303-04, 318-19, 335- Islão, 239-40, comparado com o cris-
444 - ÍNDICE DE ASSUNTOS
escritural e prática, 55; objetiva, 12- 20, 336, 346, 353-54, 36o-61; esquema
16; busca da verdade em religião, 377; do, 126-27
última, no hinduísmo, 123 Volitionais, estados, no budismo, 98
Vibratórios, movimentos, 79, 341, 311- Vontade fraturada, para Agostinho, 210-
21, 318; como metáfora na religião 12; em contradição, 338
chinesa, 66 Vulnerabilidade, de hipóteses compara-
Vida, como um campo de responsabilida- tivas, 248-53; a correção, 26-27, 29-33,
des, 289, 348; sentido da, 37 41-44, 46, 195-96, 384-88, 391; em va-
Viés, 54-56; na comparação, 50-51 gueza e especificidade, 6o, 132
Violência, religiosa, 22
Vir-a-ser, 225; no budismo, 97-98 Xiita, Islão, 25-26
Virtudes, na religião chinesa, 88; externa
e interna no taoísmo religioso, 72-76; Yin-Yang, 24-25, 69, 72, 82-83, 90-93, 256,
resultante do aprendizado, no confu- 283, 296, 311-13, 315
cionismo, 77-78 Yoga, no budismo, n6-17; no Vedânta, 143
Visão, 262; beatífica, 323; no budismo, Yogâcara, 284, 314-18, e Madhyamaka,
209-26, comparado com o Islão, 224- comparado, 260
25; no Islão, 2 75 Yogis, 110
Visistâdvaita Vedânta, 318-19, 327-28 Yoma, 1.85
Visualização de deuses, no taoísmo, 79-81
Vital, Self, no hinduísmo, 134-37 Zen budismo, 119, 364
Viveka, 151-54 Zero versus Um, culturas, 256; chinês e is-
Vivekacúdâmani, 104, 205, 123-55, 151- lâmico, 225-26; ver também Uno, o,
55, 250-52, 263-66, 287, 290, 303, 319- Zhuangzi, 256, At
ÍNDICE
Apresentação II
Prefácio 17
Agradecimentos 35
Introdução
Robert Cumming Neville e Wesley J. Wildman 37
2 Religião chinesa
Livia Kohn 61
2.1. Considerações Gerais 61
2.2. O mundo chinês e a aflição humana 64
2.3. Resolução da aflição humana 71
2.4. Categorias para comparação 84
Encarnação e redenção
6 A condição humana no cristianismo antigo
Paula Fredriksen com Tina Shepardson 195
6.1. Introdução 195
6.2. Paulo 196
6.3. O dualismo cristão e o Deus supremo 200
6.4. Orígenes 204
6.5. Agostinho 209
ÍNDICE 455
Hipóteses comparativas
8 Categorias cosmológicas para a condição humana
Robert Cummings Neville, com Wesley J. Wildman 245
8. I . Introdução 245
8.2. Unidade 255
8.3. Estatuto Ontológico 278
8.4. Valor 299
Hipóteses comparativas
9 Categorias pessoais e sociais para a condição humana
Robert Cummings Neville 329
9.1. Introdução 329
9.2. Identidade pessoal 330
9.3. Obrigação 343
9.4. A aflição humana 3.50
9.5. Afiliações 358
9.6. Pós-escrito 364
Apêndice A
Sobre o processo do projeto durante o primeiro ano
Wesley J. Wildman 367
Apêndice B
Sugestões para leitura posterior 397
-= ÍNDICE
456=-
Colaboradores 425