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ISBN 978-85-352-7860-6
ISBN (versão digital): 978-85-352-7861-3
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M492p
Mendes, Marcos José
Por que o Brasil cresce pouco?: desigualdade, democracia e baixo crescimento no país do futuro / Marcos José
Mendes. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
ISBN 978-85-352-7860-6
1. Capitalismo – Brasil – História. 2. Capital (Economia). I. Título.
14-10895 CDD: 330.12209815 CDU: 330.142.23(81)
Para Ana Alba
AGRADECIMENTOS

Este livro começou a ser produzido em agosto de 2012, quando se iniciou o


período de oito meses em que estive no Departamento de Economia da
London School of Economics, na condição de visiting fellow. Agradeço ao
Professor Francesco Caselli pelo convite e oportunidade de tirar proveito do
produtivo ambiente acadêmico daquela universidade. Várias pessoas
contribuíram para a produção deste trabalho. Marcos Kohler e Alexandre
Rocha são “quase coautores”, pois revisaram o texto, debateram ideias e
fizeram sugestões ao longo de muitos meses. Fábio Giambiagi, Samuel
Pessôa e Marcos Lisboa me incentivaram fortemente a levar o projeto
adiante e também ofereceram várias contribuições. Correndo o risco de
cometer alguma injustiça por esquecimento, agradeço os comentários, dicas
e referências oferecidos por: Naércio Menezes, Fernando Veloso, Leonardo
Monastério, Emanuel Ornelas, Everardo Maciel, Gilberto Guerzoni Filho,
Rafael Silveira e Silva, Raul Velloso, Marcelo Abi-Rama Caetano, Carlos
Mussi, Ricardo Nunes de Miranda, Fernando Álvares Correa Dias,
Fernando Lagares Távora, João Ricardo Faria, Jorge Arbache, Gharad
Bryan, José Roberto Afonso, Bernardo Muller, e Rozane Siqueira.
Nenhuma dessas pessoas é responsável pelos eventuais erros contidos no
texto ou pelas opiniões aqui emitidas.
Agradeço, ainda, os comentários de participantes de seminários nos quais
tive oportunidade de expor as ideias centrais do livro, realizados pela FGV-
EBAP (Rio de Janeiro), UnB – Departamento de Economia (Brasília),
CEPAL-OCDE (Santiago do Chile) e Instituto Fernand Braudel de
Economia Mundial (São Paulo).
Débora Costa Ferreira e a equipe de pesquisa de informações da
Consultoria Legislativa do Senado, liderada por Wesley Dutra de Andrade,
prestaram eficiente auxílio no levantamento de informações.
Ajudaram a atravessar um longo inverno a companhia e amizade de
Eduardo Nascimento, Tatiana e Walter Deperon, Kátia e Amaro Gomes,
Daniela e Emanuel Ornelas.
O AUTOR

Marcos Mendes é economista com graduação e mestrado na


Universidade de Brasília (UnB) e doutorado na USP. Desde 1995 é
Consultor Legislativo do Senado na área de finanças públicas. Trabalhou no
Banco Central e no Tesouro Nacional. Especializado em finanças públicas,
produziu diversos estudos, vários deles premiados, sobre políticas públicas,
desequilíbrios orçamentários no Brasil e problemas de gestão fiscal, suas
causas políticas e econômicas. Seus trabalhos analisam questões tão
diversas quanto o tipo de política fiscal que ajuda a reeleger um prefeito; os
efeitos da aprovação do Código Nacional de Trânsito sobre a mortalidade
em acidentes automobilísticos; as inconsistências em projetos de grandes
obras públicas como o “trem-bala” ou os estádios para a Copa do Mundo;
os problemas nos modelos de concessão de serviços públicos; e a febre de
criação de municípios que assolou o Brasil em décadas passadas. Desde
2011 é um dos editores do premiado site “Brasil, economia e governo” que,
em associação com o Instituto Fernand Braudel, analisa os impactos das
políticas públicas sobre a economia e o bem-estar social.
APRESENTAÇÃO

Marcos Mendes fez um trabalho de fôlego. Propõe uma hipótese sobre o


funcionamento de nosso contrato social e de suas disfuncionalidades que,
como sabemos, têm resultado em um equilíbrio político de baixo
crescimento e alguma redução da desigualdade. Para sustentar seus
argumentos, Marcos mobiliza de forma exaustiva a literatura recente de
crescimento econômico e economia política e realiza impressionante
trabalho de coleta de dados e evidência empírica.
O argumento básico é que a desigualdade produz forte pressão para a
redistribuição. Em sociedades muito desiguais a renda média é muito maior
do que a renda do eleitor típico. É natural que em média o leitor vote em
aumentar a carga tributária e as transferências.
Este resultado natural do funcionamento de democracias é qualificado pelo
nosso processo histórico. Antes de democráticos sempre fomos desiguais. A
desigualdade em aristocracias produz inúmeros mecanismos de
transferências aos ricos e aos estratos médios da sociedade com acesso
privilegiado ao rei.
A democratização política democratizou o acesso às rendas do Estado. O
resultado foi carga tributária crescente, crescimento medíocre e a criação de
uma miríade de benefícios e transferências a grupos da sociedade sobre os
mais diversos critérios. Algumas vezes de forma transparente e meritória,
como é o caso do programa Bolsa Família, mais comumente de forma
opaca, sem haver clareza nos custos e benefícios, e sem mecanismos de
avaliação, como é o caso, por exemplo, dos subsídios às empresas que
levantam empréstimos no BNDES.
O livro termina com uma dúvida: nossa sociedade e nosso sistema político
serão capazes de processar esta miríade de rendas, separar o joio do trigo, o
que é meritório do que não é, de sorte a sobrar espaço orçamentário para
que construamos nossa infraestrutura física e consigamos melhorar a
qualidade dos serviços públicos de saúde, educação, justiça e segurança?
Ou o funcionamento de nosso sistema político nos colocará em uma
trajetória disfuncional de repetidas rodadas de aumento de carga tributária
com redução do crescimento e deterioração ainda maior de nossa
infraestrutura? Neste caso entraremos em trajetória de recrudescimento da
polarização e tensionamento do conflito social com efeitos destrutivos, cuja
recente onda de queima de ônibus pode ser somente um início.
Não obstante a profundidade do tema, o texto é leve e escrito na forma de
um ensaio de interesse geral. É leitura obrigatória para qualquer pessoa que,
concordando ou não com o autor, deseja entender os desafios que nossa
sociedade terá de enfrentar nas próximas décadas.
Samuel Pessoa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas
PREFÁCIO

Nas últimas três décadas, ocorreu uma profunda transformação na pesquisa


sobre economia no Brasil. O aumento do número de economistas que
concluem a sua formação nas melhores escolas em outros países tem levado
à difusão de novas técnicas de análise, assim como dos resultados
acadêmicos mais recentes.
Além da melhoria da qualidade técnica, a maior proximidade com a
fronteira da pesquisa em economia tem permitido que novos temas tenham
sido incorporados à produção acadêmica brasileira, como a análise da
eficácia da política social em áreas como educação, segurança pública e
saúde. Essa proximidade tem permitido igualmente a difusão das técnicas
da economia à pesquisa em novas áreas, como a ciência política e o
desenho das instituições.
O Departamento de Economia da USP teve uma contribuição importante
nesse processo. Durante os anos 1960 e 1970, a academia no Brasil foi
dominada por um projeto de pesquisa que se pretendia alternativo ao
dominante nos principais centros acadêmicos fora do país. Tratava-se de
desenvolver uma abordagem heterodoxa, com pouco diálogo com a
fronteira do pensamento, e pouco afeita à análise empírica dos fatos e dados
com base na melhor estatística disponível. Valorizava-se a descrição dos
casos específicos e a história econômica, que buscavam explicar as
diferentes experiências de desenvolvimento, porém sendo carente de uma
análise empírica mais rigorosa.
A transformação começou em poucos centros, como a PUC do Rio a partir
do fim dos anos 1970, que incentivou a formação de economistas nos
melhores centros fora do Brasil, e influenciou de forma decisiva o debate
sobre política econômica nos anos 1980. Nesse período, poucas escolas
conseguiram se manter atualizadas com a pesquisa de fronteira, como a
EPGE da FGV-Rio e o IMPA.
O Departamento de Economia da USP, por outro lado, foi o resultado de
um processo híbrido. Bons alunos formados em escolas fora do país
dedicados a um curso que buscava permitir o debate entre as versões
divergentes, o confronto entre as abordagens heterodoxas e os resultados
obtidos pela pesquisa acadêmica internacional. Divergência, contraponto de
visões e, em certa medida, dadas as dificuldades do Brasil de então, respeito
às abordagens divergentes e as evidências dos dados.
As soluções de compromisso nem sempre são fáceis, sobretudo em um
momento político tão difícil, como a segunda metade da ditadura militar.
No entanto, não obstante os diversos conflitos, o curso do Departamento de
Economia da USP se manteve permitindo o convívio das diversas correntes,
sendo parte essencial do começo da pesquisa de pós-graduação no Brasil
com contribuições importantes, como as teses de doutorado de Delfim
Netto e Affonso Celso Pastore.
A USP preservou um grupo importante de economistas que valorizava a
pesquisa com bases em dados bem fundamentados e resultados nem sempre
agradáveis à ideologia, além do tratamento cuidadoso de temas relevantes,
ainda que nem sempre charmosos. Um grupo, talvez menor do que o
desejado e possível, com pesquisa acadêmica cuidadosa, profunda e serena
que apenas a velha elegância paulistana permite, formado, entre outros, por
Adroaldo Moura da Silva, Celso Martone, Fernando Homem de Melo,
Hélio Zylberstayn, José Pastore, José Roberto Mendonça de Barros,
Roberto Macedo e Simão Silber.
A heterogeneidade do departamento leva a que, muitas vezes, seus alunos
não se identifiquem tanto com a USP, mas sim com o grupo específico de
professores com quem trabalharam. Trata-se de uma consequência de uma
diversidade meritória, sobretudo nos anos difíceis, e que caracteriza a
escola.
A USP continuou a produzir economistas bem formados e sólidos nas
últimas duas décadas, preocupados em analisar com rigor os temas do nosso
desenvolvimento. Alguns, poucos, completaram sua formação nas melhores
escolas em outros países e contribuem decisivamente para o debate atual
sobre política pública, como André Portela e Naércio Menezes Filho.
Outros, mesmo fazendo toda a sua formação por aqui, têm feito pesquisa
relevante e contribuído com criatividade e profundidade para o debate sobre
os nossos desafios, como Reynaldo Fernandes.
Um conjunto relevante de economistas formados pela USP se dedica a
análise sobre nosso desenvolvimento econômico com o uso da boa técnica
estatística. Nem sempre a pesquisa de fronteira pelos padrões da academia
internacional, mas a preocupação profunda com os desafios da política
pública frente a melhor evidência disponível. Poucos, por exemplo, têm
contribuído tanto na minha geração para o debate sobre a política
econômica e desenvolvimento quanto Samuel Pessôa, Alexandre
Schwartsman e Mansueto Almeida contribuem para o debate
macroeconômico e a difícil tarefa de analisar os números do setor público.
Alguns dos formados pela USP escolheram contribuir durante um período
com o serviço público, e não conheço exemplo de contribuição mais
relevante do que a de Amaury Bier, qualquer que seja a escola de origem,
ou a base de comparação. Alguns da geração mais jovem escolheram
permanentemente a carreira pública e procuram utilizar a melhor evidência
disponível para analisar temas relevantes, muitas vezes provocando a
controvérsia e o debate saudável. Esse é o caso de Marcos Mendes.
Conheci Marcos aluno da pós-graduação da USP. Cuidadoso e atento,
Marcos construiu uma carreira dedicada a analisar os dados, provocando o
debate sobre temas tão diversos como os determinantes políticos e
econômicos na eleição de prefeitos, desequilíbrios nas finanças públicas e a
análise econômica de concessões e projetos específicos, como a construção
do trem-bala entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Seu doutorado na USP foi viabilizado por uma bolsa de pesquisa do
Instituto Fernand Braudel, liderado por Norman Gall, que há muito tempo
estimula o debate sobre os desafios de nosso país, incorporando as
contribuições das mais diversas áreas das Ciências Sociais. Marcos
combina o melhor de ambos os projetos. Os temas relevantes, a abrangência
da análise e a melhor evidência disponível. Os grandes debates e o cuidado
com os dados disponíveis estimulam novas pesquisas sobre as conjecturas
apresentadas.
Neste livro, Marcos propõe uma conjectura sobre a economia política no
Brasil. Nossa elevada desigualdade patrimonial e de renda teria como
consequência o surgimento de grupos de interesse que se organizam para
obter benefícios e tratamento diferenciado por parte do poder público, como
subsídios ou menor carga tributária. Um Estado relativamente grande para o
nosso nível de desenvolvimento, com diversas agências descentralizadas e
capacidade de atender as demandas localizadas. O resultado seria uma
sociedade caracterizada pela concessão disseminada de privilégios e
distorções econômicas para proteger grupos específicos. Um livro
provocador sobre alguns de nossos desafios, uma impressionante
sistematização de dados e uma discussão sobre os dilemas à frente. E com a
abrangência que Norman nos sugere com delicadeza há tanto tempo.
A concessão de benefícios localizados, no entanto, resulta no prejuízo da
maioria. O custo fiscal do atendimento aos grupos de interesse e as
distorções econômicas têm como resultado o baixo crescimento econômico.
Dessa forma, as características específicas do nosso processo político
permitem a satisfação das demandas localizadas sem a contrapartida da
avaliação do seu impacto agregado sobre o bem-estar da sociedade.
Concede-se no varejo aos grupos específicos, e a conta total dos benefícios
distribuídos implica menor bem-estar social. A democratização dos
privilégios, como denomina Marcos, teria como contrapartida nossa
condenação a um país com baixo crescimento e medíocre renda por
habitante.
Em artigo recente, em coautoria com Zeina Latif, defendo uma tese
similar. Nossa história colonial teria tido como consequência uma sociedade
desigual e um Estado com diversos instrumentos e agências para conceder
benefícios a grupos de interesse. Os benefícios específicos, no entanto,
resultam em distorções econômicas, menor produtividade e baixo
crescimento econômico.
Nosso trabalho procura documentar os diversos mecanismos de rentismo
pouco transparentes da nossa sociedade e as distorções resultantes. Parte
desses mecanismos decorre dos instrumentos tradicionais de persuasão dos
grupos de interesse, porém enfatizamos o papel igualmente relevante da
ideologia e das opções políticas. As políticas típicas do nacional
desenvolvimentismo têm como resultado a criação de grupos de interesse
que dificultam a retirada dos benefícios posteriormente.
Marcos propõe que esse processo disfuncional teria origem na nossa
desigualdade de renda e de patrimônio em uma sociedade democrática.
Trata-se de uma conjectura e um estímulo ao debate, porém com um
acúmulo relevante de fatos e dados.
A pesquisa sobre a possível evolução da nossa economia política é uma
das sugestivas provocações do livro. Nosso sistema político irá avançar para
permitir a avalição democrática das contrapartidas das políticas públicas de
forma transparente, ou irá continuar a estimular a proliferação dissimulada
de concessões de benefícios a grupos de interesse? Caminhamos para
políticas horizontais, porém com cuidado com os grupos carentes de
oportunidades, ou à proteção aos escolhidos?
Como toda tese ambiciosa e abrangente, abre-se o espaço para a
controvérsia, porém não se pode negar o cuidado com a sistematização dos
dados disponíveis, nem o mérito da análise. Por isso mesmo, o trabalho de
Marcos se justifica. Provoca e estimula o debate, construindo uma tese com
base em muita evidência e ousadia. Trata-se do resgate da antiga
abordagem, que se propõe discutir os desafios do nosso processo de
desenvolvimento econômico. Uma abordagem ambiciosa com a análise
cuidadosa dos dados de vários trabalhos da USP.
Marcos tem o mérito de tratar com clareza os conflitos difíceis, em vez de
convenientemente deixá-los esquecidos, como se não existissem. As
restrições existem e devem ser tratadas com transparência e, na medida do
possível, com serenidade, de modo a permitir o debate e a escolha
democrática da política pública. O resultado do impressionante conjunto de
benefícios e transferências em nossa sociedade é um setor público maior do
que a grande maioria dos nossos pares, porém com oferta e qualidade
inferior de serviços públicos, da área social, como educação e saúde, à
oferta de infraestrutura. Marcos enfrenta o debate, sistematizando um
conjunto impressionante de evidências, e evita a opção mais fácil, aquela
que nega os difíceis dilemas inevitáveis, e que, ao se propor fazer o bem,
infelizmente nos condena a menos do que poderíamos ser.
Marcos de Barros Lisboa
Vice-Presidente do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa)
SUMÁRIO

Capa
Falso Rosto
Folha de rosto
Copyright
Dedicatória
Agradecimentos
O autor
Apresentação
Prefácio
Introdução
Capítulo 1
Baixo crescimento econômico e suas causas imediatas
1.1 Introdução
1.2 As fontes do crescimento econômico
1.3 A economia brasileira no governo militar (1964-1984)
1.4 Baixo crescimento
1.5 As causas imediatas do baixo crescimento em 10 fatos
estilizados
1.5.1 Fato estilizado 1: a despesa corrente primária
cresce de forma persistente
1.5.2 Fato estilizado 2: carga tributária elevada
1.5.3 Fato estilizado 3: a poupança do setor público é
negativa
1.5.4 Fato estilizado 4: altas taxas de juros
1.5.5 Fato estilizado 5: gargalos de infraestrutura
1.5.6 Fato estilizado 6: forte crescimento real do
salário mínimo
1.5.7 Fato estilizado 7: economia fechada ao comércio
internacional
1.5.8 Fato estilizado 8: incerteza jurídica e baixa
proteção aos direitos de propriedade
1.5.9 Fato estilizado 9: grande número de empresas
pequenas, informais e improdutivas
1.5.10 Fato estilizado 10: atraso educacional
1.6 A história por trás do baixo crescimento
Capítulo 2
Desigualdade
2.1 Introdução
2.2 A composição da desigualdade
2.3 A queda da desigualdade nos anos recentes
2.4 A desigualdade continuará a cair?
2.5 As políticas sociais são eficientes na redução da
desigualdade?
2.6 Por que a desigualdade só começou a cair com maior
intensidade a partir de 2001?
2.7 A estratificação social após uma década de redução da
pobreza e da desigualdade
2.8 Conclusões
Capítulo 3
Redistribuição para os ricos
3.1 Introdução
3.2 O que diz a teoria econômica?
3.3 Desigualdade, instituições extrativas e rent-seeking no
Brasil
3.4 Evidências da redistribuição para os ricos no Brasil
3.4.1 Judiciário lento e pouco eficiente
3.4.2 Fragilidade das agências reguladoras
3.4.3 Acesso privilegiado ao crédito público
BNDES
As conexões políticas e o acesso ao crédito
3.4.4 Proteção à indústria nacional
Os argumentos em favor da proteção industrial
Críticas aos argumentos a favor da proteção da
indústria
Capítulo 4
Redistribuição para os pobres
4.1 Introdução
4.2 O que diz a teoria econômica?
4.3 O impacto fiscal da transferência de renda para os
pobres
4.4 A expansão da educação pública para os pobres e seu
impacto fiscal
4.5 A expansão da saúde pública para os pobres e seu
impacto fiscal
4.6 Conclusões
Capítulo 5
As classes de renda média entram no jogo
5.1 Introdução
5.2 O que diz a teoria econômica?
5.3 Rent-Seeking em disputas judiciais
5.4 Os idosos como público preferencial dos políticos
5.5 A educação pública que não vai para os mais pobres
5.6. A força política dos servidores públicos
Garimpando ganhos nos meandros da lei
5.7 Os sindicatos e o bloqueio da reforma das leis
trabalhistas
5.8 As propostas de isenção do imposto de renda
5.9 O “vale-tudo” redistributivo
5.10 Conclusões
Capítulo 6
Redistribuição e crescimento de longo prazo
6.1 Introdução
6.2 O que diz a teoria econômica?
6.3 Que trajetória esperar para o Brasil?
6.4 Conclusões
Referências
INTRODUÇÃO

Ao longo dos primeiros anos do século XXI, o Brasil foi celebrado


internacionalmente como uma potência emergente e apontado como um
caso de sucesso econômico. Colocado lado a lado com China, Índia e
Rússia, no grupo conhecido como BRIC, foi chamado de South America’s
emerging superpower1 pela revista Foreign Policy e celebrado em otimista
matéria de capa de The Economist, com o título “O Brasil decola”, ilustrado
por uma sugestiva imagem do Cristo Redentor decolando como um potente
foguete.2
Dados alvissareiros de crescimento do consumo, redução da pobreza e
expansão acelerada da classe média criaram a ideia de que o país estava
entrando em uma nova era. O eterno “país do futuro” finalmente estaria
cumprindo o seu destino. O governo prontificou-se a ser anfitrião de
eventos esportivos internacionais de alto custo, construindo estádios a
serem exibidos nas emissoras internacionais, da mesma forma que um
novo-rico se esforça para ser socialmente reconhecido.
A classe política foi surpreendida quando, em junho de 2013, milhares de
manifestantes tomaram as ruas, irados com a visão de estádios bilionários
construídos ao lado de hospitais decrépitos e sem equipamentos, transporte
público ineficiente e insuficiente, habitações precárias se equilibrando no
alto dos morros e escolas que pouco ensinam.
As agências de avaliação de risco, por sua vez, após sucessivas frustrações
com o ritmo de crescimento econômico do país, passaram a enxergar o que
muitos analistas da economia brasileira já vinham dizendo:3 não é possível
que o país cresça a taxas elevadas apoiado em precária infraestrutura (de
transportes, energia e comunicações), com trabalhadores de baixa
qualificação, com barreiras ao comércio internacional, com gastos públicos
em ritmo insustentável de crescimento, com sistema judicial emperrado,
com carga tributária elevada, com taxa de juros muito acima da média
internacional.
Apesar da quase unanimidade acerca da necessidade de se controlar o
gasto público e de se conter e racionalizar a carga tributária, pouco foi feito
para se atingir esses objetivos pelos diferentes partidos que governaram o
país desde 1985. Ano após ano, o gasto corrente do setor público cresce e é
acompanhado por aumentos de impostos. Da mesma forma, estradas
precárias, ferrovias inacabadas e portos congestionados fazem parte de uma
paisagem quase imutável. Igualmente imutável também parece ser a
lentidão da justiça.
Há um nó político que impede o avanço na solução de problemas
estruturais da economia brasileira, os quais têm emperrado o crescimento
econômico. O argumento central deste livro é que uma importante causa
para esse nó político é a conjugação entre ambiente democrático (instituído
a partir de 1985) e alta desigualdade econômica. A missão deste livro é
procurar convencer o leitor da existência deste nexo causal: alta
desigualdade mais democracia é igual a baixo crescimento no curto e médio
prazo. Além disso, são exploradas as perspectivas de longo prazo
decorrentes dessa interação.
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo no que diz respeito à
distribuição de renda e de patrimônio. Mesmo após significativas quedas
nos indicadores de desigualdade ao longo dos primeiros anos do século
XXI, continuamos no topo do ranking mundial da desigualdade. Esta é uma
característica marcante da sociedade brasileira desde os primeiros anos da
colonização. A desigualdade instaurou-se com a distribuição desigual das
terras entre os primeiros colonizadores, perpetuou-se ao longo dos ciclos
econômicos de produção de commodities baseada no latifúndio e no
trabalho escravo, e resistiu ao processo de industrialização e urbanização.
Uma característica social e econômica tão marcante e persistente ao longo
da história de um país deve ter impacto significativo sobre o modo de
organização da sociedade e, em especial, sobre a economia. Apesar disso,
os analistas interessados na economia brasileira até hoje demonstraram
pouco interesse em investigar como a desigualdade afeta as perspectivas de
desenvolvimento econômico do país.
Os estudos sobre a desigualdade brasileira são quase sempre realizados
partindo-se do pressuposto de que a desigualdade extrema é um mal em si e
que, portanto, deve ser reduzida. Tais estudos são feitos buscando-se
conhecer as causas do problema, bem como propor políticas públicas para
minorá-lo. Certamente a desigualdade extrema, e a consequente pobreza de
grande parte da população, são indesejáveis e precisam ser sanadas. Os
estudos que procuram entender tal fenômeno, e indicar os caminhos de sua
superação, são contribuições fundamentais ao conhecimento econômico e
às políticas públicas.
Há, contudo, outra forma de estudar a desigualdade: buscar entender como
ela afeta o desempenho econômico de um país. Dado que a desigualdade
existe, e persiste ao longo da história, deve-se investigar como ela afeta o
desempenho da economia. Que reflexos a desigualdade traz para as
perspectivas de desenvolvimento do país no curto, médio e longo prazo?
Esta obra pretende desenvolver esse tipo de abordagem, mostrando que a
nossa desigualdade extrema, em associação com a ampla democracia
instaurada em 1985, reduz o crescimento potencial de curto e médio prazo.
As perspectivas para o longo prazo são, ainda, uma incógnita. É possível
que se crie um ciclo virtuoso de queda da desigualdade e expansão do
produto potencial. Nesse caso, o baixo crescimento acima descrito seria o
custo a ser pago pelo país para se transformar, no longo prazo, em uma
sociedade mais igualitária e com maior potencial de crescimento. No
entanto, também é possível que o país caia em um ciclo vicioso, em que não
haja queda significativa da desigualdade, o crescimento permaneça baixo,
com alta inflação e aumento da instabilidade política.
A teoria econômica, ainda que esteja longe de um consenso, já avançou
bastante na análise da relação causal entre desigualdade e crescimento. O
que este livro pretende fazer é aplicar tal literatura como ferramenta para
entender o caso brasileiro. Trata-se de uma leitura dos fatos econômicos
observados desde 1985, com suporte na literatura teórica e aplicada de
diversas áreas de pesquisa, como economia política, macroeconomia e
desenvolvimento econômico.
Tal leitura conduz à ideia de que a desigualdade, em um contexto
democrático, é possivelmente uma importante força que restringe o
crescimento no curto e médio prazo, podendo ter efeitos benéficos ou ruins
no longo prazo. Essa indeterminação das consequências de longo prazo
coloca o país frente a diferentes perspectivas: um ciclo virtuoso de redução
da desigualdade e aceleração do crescimento ou um ciclo vicioso de
persistente desigualdade e baixo crescimento. Pretendemos, portanto,
indicar alguns pontos que parecem condições necessárias para que o Brasil
embarque na rota virtuosa.
Não são muitos os estudos que apontam a coexistência de democracia e
desigualdade como ponto central do problema de baixo crescimento no
Brasil. Samuel Pessôa, macroeconomista da Fundação Getulio Vargas
(FGV), reconhece que a alta desigualdade é um fator exógeno por trás da
mudança do padrão de gastos públicos e da política econômica após a
redemocratização:
No contrato social vigente, a variável crescimento econômico tem sido
residual. O crescimento tem sido o possível, depois de atendidas as
demandas dos programas sociais. (...) A forte demanda por elevação de
transferências sociais deve-se à forte desigualdade de renda e,
principalmente, à desigualdade de escolaridade, também muito elevada.4
Lee Alston da Universidade do Colorado (EUA) – especialista na análise
do papel dos contratos e instituições no funcionamento da economia –
publicou, em 2012, um artigo com coautores brasileiros no qual
argumentam que houve uma mudança nas convicções (beliefs) da sociedade
brasileira. A frustração com o baixo crescimento e alta inflação resultante
da crise que derrubou o regime militar teria levado à formação de um
consenso social em torno de “redistribuição com responsabilidade fiscal”.5
Em seu best-seller Por que as nações fracassam, Daron Acemoglu e
James Robinson também apresentam uma visão benevolente da
redemocratização brasileira. Acreditam que esta teria quebrado o
monopólio que as elites nacionais exerciam sobre o poder político,
permitindo o acesso do Partido dos Trabalhadores ao poder. Tal partido
estaria comprometido com a criação de “instituições inclusivas” – baseadas
na igualdade de oportunidade, na democracia, no respeito ao direito de
propriedade, na provisão de serviços públicos eficientes para todos etc. – o
que seria a chave para o desenvolvimento econômico. Em consequência, o
Brasil estaria em inequívoca rota de rápido crescimento e redução da
desigualdade.
Embora os argumentos aqui apresentados compartilhem de alguns
aspectos dos estudos acima citados, tais estudos representam uma
perspectiva benevolente, seja no sentido de que a sociedade brasileira
decidiu, de forma harmônica e consensual, que precisa ser menos desigual;
seja de a redemocratização, por si só, quebrou a dominância da elite
econômica e isso foi suficiente para abrir espaço para o desenvolvimento.
O que se defende, nas próximas páginas, é a opinião inversa: não há um
amplo consenso social, que leve a sociedade como um todo a buscar maior
igualdade. Tampouco a elite econômica perdeu poder de influenciar as
decisões governamentais. Há, isto sim, um grande conflito entre os diversos
e heterogêneos grupos sociais, cada um tentando obter do Estado mais
benefícios, mais proteção regulatória e menor pagamento de tributos. Neste
clima de desacordo social, diversas políticas que favorecem alguns grupos,
mas prejudicam a coletividade, têm sido postas em prática, travando a
eficiência e o crescimento econômico.
O fato de se observar queda de desigualdade desde o início do século não
significa que o conjunto da população decidiu ser mais igualitarista, e sim
que o resultado do conflito distributivo tem sido vantajoso para uma parte
da parcela mais pobre da sociedade. Tomando emprestado uma expressão
proposta por Lee Alston e seus coautores podemos dizer que o Brasil vive
uma situação de “redistribuição dissipativa”:6 há alguma distribuição de
renda para os mais pobres, porém muitos recursos econômicos se dissipam,
seja pela ineficiência decorrente do conflito distributivo entre vários grupos,
seja pela apropriação de parte dos recursos públicos por grupos de renda
alta e média. O resultado é, então, um modelo de baixo crescimento com
redistribuição dissipativa.
O ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos
Lisboa, em parceria com a macroeconomista Zeina Latif7 enfatizam esse
ambiente de conflito, argumentando que existe no Brasil um alto grau de
rent-seeking sendo esta uma causa fundamental para o baixo crescimento. A
análise feita neste livro em muito coincide com a daqueles autores, porém
dá um passo adiante, ao propor a hipótese de que o rent-seeking é
consequência da combinação entre desigualdade e democracia. Além
disso, aqui se analisa a perspectiva de longo prazo, em que pode haver uma
saída virtuosa, na qual a queda da desigualdade pode vir a dissolver as
causas do rent-seeking, o que viabilizaria maior crescimento econômico
com menor desigualdade.
O crescimento econômico é uma condição necessária para que, no longo
prazo, uma sociedade mude de patamar de desenvolvimento. Certamente é
possível, em uma sociedade desigual e que atingiu um nível médio de
produção e sofisticação econômica, reduzir a pobreza por meio da
redistribuição de renda. Pode-se, ao longo de alguns anos, diminuir a
pobreza distribuindo-se o bolo existente. Foi isso que o Brasil fez, com
sucesso, na primeira década do século XXI. A renda da parcela mais pobre
da sociedade cresceu de forma acelerada, enquanto a renda dos mais ricos
evoluiu a ritmo mais lento. O resultado foi a queda da desigualdade (que
ainda é alta) e a expansão da classe média. Criou-se um ambiente otimista,
apesar do baixo crescimento médio da renda nacional.
Todavia, no longo prazo, o salto para um nível de alto desenvolvimento,
em que quase toda a população tenha renda média ou alta e a pobreza vire
um problema residual, requer que políticas redistributivas estejam alinhadas
a condições que levem ao crescimento do bolo. O Brasil não se tornará um
país desenvolvido se sua renda per capita continuar a crescer à pífia taxa de
1,4% ao ano, que foi a média observada no período 1985-2012.
Esta obra inova ao mostrar como vários problemas econômicos brasileiros,
usualmente analisados de forma isolada, podem ter como causa comum
(ainda que não necessariamente única) a desigualdade extrema em um
ambiente político democrático. Olhando sob essa perspectiva, é possível
montar um quebra-cabeça, no qual as peças importantes são: o atraso
educacional, o excesso de despesa pública, a fragilidade das agências
reguladoras, o fechamento da economia ao comércio internacional, os juros
elevados, os impostos altos, o desequilíbrio da Previdência Social, a
lentidão da justiça, o subsídio creditício do governo a grandes empresas, a
informalidade dos empreendimentos, a insuficiência da infraestrutura, as
longas greves no serviço público. Todas essas características são sintomas
do modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa.
Em vez de serem a causa do baixo crescimento, essas peças do quebra-
cabeça são apenas sintomas ou causas imediatas. Uma causa mais profunda
seria, justamente, a coexistência de desigualdade e crescimento.
Aos leitores acadêmicos, uma nota de esclarecimento. Não se procura,
neste livro, provar a tese levantada, por meio de testes estatísticos ou
evidências econométricas. Tampouco se pretende estabelecer uma teoria
com validade para todos os países. Trata-se, como dito anteriormente, de
buscar, nas diversas teorias existentes na literatura, aquelas que podem
explicar o caso brasileiro. São mostrados dados e evidências qualitativas
que dão suporte ao argumento, mas não é dado o passo adicional de tentar
provar, com rigor, a existência da relação causal entre desigualdade e
crescimento. Esta tarefa fica como desafio aos pesquisadores. O papel desta
obra é propor a hipótese e mostrar evidências iniciais de que o argumento
merece ser investigado mais a fundo.
O livro está organizado em seis capítulos. Apresenta-se, a seguir, um
resumo de cada capítulo. Tais resumos formam um roteiro do
desenvolvimento da argumentação.
Capítulo 1
O Capítulo 1 apresenta, inicialmente, um breve resumo dos fatores
determinantes do crescimento econômico. Mostra-se que as molas
propulsoras do crescimento são a acumulação de capital físico (máquinas,
equipamentos, infraestrutura) e humano (quantidade e capacitação de
trabalhadores disponíveis) e o aumento da produtividade, que é a eficiência
com que os trabalhadores utilizam o capital físico disponível para gerar os
produtos finais.
A seguir, são descritas as características gerais do modelo econômico do
regime militar, que antecedeu a democratização de 1985: um regime
político fechado e com restrições ao direito de voto; estatização da atividade
econômica; fechamento do país em relação ao comércio internacional;
aprofundamento do modelo de substituição de importações, por meio de
proteção à indústria de produção de insumos e equipamentos;
despreocupação com políticas sociais e com a educação dos mais pobres; e
ampliação da desigualdade econômica.
Mostra-se, em seguida, que o Brasil cresceu muito pouco desde a sua
redemocratização, e analisa 10 fatos estilizados que caracterizam a
economia brasileira do regime democrático instaurado em 1985. Tais
características prejudicam a acumulação de capital físico e humano, bem
como impedem o aumento da produtividade, redundando em baixo
potencial de crescimento econômico. Tais fatos estilizados são:
1. crescimento do gasto público corrente;
2. crescimento da carga tributária;
3. baixa poupança;
4. elevada taxa de juros;
5. gargalos de infraestrutura;
6. crescimento do salário mínimo acima do aumento da produtividade do
trabalho;
7. fechamento da economia ao comércio internacional;
8. incerteza jurídica e fraca proteção aos direitos de propriedade;
9. proliferação de empresas pequenas e informais;
10. baixo desempenho da educação, em especial da pública.
Em geral, os economistas apontam esses fatores como sendo as causas do
baixo crescimento no Brasil. O que se argumenta no livro é que, na verdade,
estes são sintomas associados a uma causa mais profunda: a coexistência
de alta desigualdade e democracia, o que leva a uma disputa ineficiente por
rendas entre diversos grupos.
Antes de desenvolver esse argumento em detalhes, o livro analisa as
características da desigualdade brasileira. Sendo esta uma variável
fundamental da análise, é preciso conhecê-la adequadamente.
Capítulo 2
Este capítulo apresenta a evolução da desigualdade desde 1985, medida
pelo índice de Gini. Mostra-se, em primeiro lugar, como a desigualdade é
um fenômeno persistente no tempo: países que foram desiguais no passado
tendem a sê-lo no presente. Essa persistência no tempo é uma indicação de
que a desigualdade cria as condições para a sua própria perpetuação. Esse
ponto será analisado no Capítulo 3.
Argumenta-se, em seguida, que a queda da desigualdade observada nos
primeiros anos do século XXI não se deve apenas a políticas
governamentais redistributivas, nem ocorreu exclusivamente no Brasil. Ela
também se deve a fatores fora do controle das autoridades governamentais,
como, por exemplo, o surgimento de condições favoráveis do mercado de
trabalho. O boom no preço de commodities no mercado internacional, que
afetou positivamente tanto o crescimento econômico quanto os indicadores
de desigualdade em quase todos os países da América Latina, parece ser
uma importante fonte de redução da desigualdade.
Apesar de ter diminuído, a desigualdade brasileira continua bastante
elevada quando comparada ao restante do mundo. Ademais, essa queda não
significa que a política governamental de redistribuição seja eficiente. Na
verdade, mostra-se que o gasto social do Governo Federal é fortemente
concentrado em despesas como previdência social e remuneração do
funcionalismo, que têm efeito regressivo, enquanto dedica poucos recursos
aos programas de maior impacto redistributivo.
Mais preocupante, ainda, é o fato de que existe perspectiva de interrupção
ou enfraquecimento da tendência de queda da desigualdade a partir da
segunda década do século XXI. O país vive, então, uma situação de “copo
meio cheio” ou “copo meio vazio”. Efetivamente, houve queda da
desigualdade e condução de boa parte da população à classe média. No
entanto, não há garantias de que será possível continuar na trajetória
redistributiva nem de que será possível evitar que parte significativa das
famílias da nova classe média escorregue de volta para a pobreza no futuro.
Por um lado, a ampliação da classe média cria condições para que esse
grupo social reivindique melhores serviços públicos e mais crescimento
econômico. Por outro, a persistência do baixo crescimento e de um número
ainda significativo de pobres tende a realimentar o modelo de baixo
crescimento com redistribuição dissipativa.
Capítulo 3
O Capítulo 3 inicia a análise de como a desigualdade pode estar por trás dos
10 fatos estilizados que bloqueiam o crescimento econômico.
Em uma sociedade desigual há, tipicamente, um núcleo de pessoas muito
ricas, com poder econômico e influência política que podem ser usados para
contornar as leis e lhes permitir apropriar rendas.
Os mais ricos têm mais capital de giro, o que permite que eles se
mantenham por mais tempo que os menos ricos em disputas jurídicas sem
irem à falência; também têm maior capacidade financeira e melhores
contatos políticos que lhes permitem pagar bons advogados e lhes garantem
que não haverá mudanças regulatórias contrárias a seus interesses,
respectivamente.
Em sociedades desiguais, há uma alta probabilidade de que os sistemas
jurídico, político e regulatório não consigam constranger a capacidade dos
mais ricos para tirar proveito de ações, como o desrespeito a regras
comerciais ou o tráfico de influências. Os direitos de propriedade, as leis e
as regras tendem a ser fracos, não oferecendo a devida proteção aos demais
membros da sociedade, que ficam sujeitos a serem desapropriados pelos
mais ricos.
A desigualdade tem a capacidade de se reproduzir ao longo do tempo: ela
produz instituições fracas e tendenciosas em prol dos ricos. Isso reforça a
desigualdade através da concentração de investimentos, capital humano,
acesso ao crédito, riqueza e poder. Daí decorreria a persistência da
desigualdade no tempo (documentada no Capítulo 2): sociedades que se
tornaram desiguais no início de seu processo econômico tendem a se manter
desiguais ao longo da história.
Dois fatos estilizados mostrados no Capítulo 1 estão diretamente ligados à
predominância dos interesses dos estratos de alta renda e ajudam a explicar
as causas do modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa.
O primeiro deles é o fechamento da economia brasileira ao comércio
internacional (fato estilizado 7), que representa a capacidade dos produtores
nacionais para obter do governo proteção para suas empresas e seus lucros
em relação à concorrência internacional. Isso prejudica os ganhos de
produtividade que poderiam ser proporcionados pela maior concorrência e
pelo acesso a insumos e produtos importados de melhor qualidade e
menores preços.
O segundo é a incerteza jurídica e a fragilidade dos direitos de propriedade
(fato estilizado 8), materializadas sob a forma de justiça lenta e incerta, e de
agências reguladoras frágeis e permeáveis a influências políticas. Isso abre
espaço para o predomínio daqueles que dispõem de maior poder econômico
e político.
Tal incerteza jurídica torna mais difícil a participação do setor privado em
investimentos na infraestrutura do país. Como esse setor envolve altos
custos iniciais e contratos de longo prazo, os potenciais investidores temem
que as frágeis bases jurídicas sejam alteradas ao longo da vigência do
contrato, causando-lhes prejuízos. Isso explica, em parte, outro fato
estilizado: os gargalos de infraestrutura.
Outros fatos estilizados também estão associados ao viés pró-ricos das
sociedades desiguais. A expansão do gasto público corrente (fato estilizado
1) tem como uma de suas causas os subsídios e vantagens que os mais ricos
extraem do governo: financiamentos de bancos públicos a juros
subsidiados, concessão de benefícios tributários seletivos, perdão de dívidas
garantidas pelo governo, entre outros. Como se verá nos Capítulos 4 e 5,
essa pressão de gastos se soma a gastos direcionados aos mais pobres e a
grupos de renda intermediária.
O aumento do gasto corrente do governo gera vários outros fatos
estilizados: necessidade de maior tributação (fato estilizado 2) para cobrir a
despesa crescente; ampliação do déficit público (fato estilizado 3); aumento
da taxa de juros (fato estilizado 4); e corte nos investimentos públicos em
infraestrutura (fato estilizado 5). Todos esses fatos têm consequências
negativas diretas sobre o crescimento econômico.
Capítulo 4
Enquanto o capítulo anterior analisa como a concentração de poder nas
mãos dos mais ricos pode levar aos fatos estilizados associados ao baixo
crescimento econômico, este capítulo enfoca o outro extremo da
distribuição de renda. Mostra-se que a coexistência de um alto grau de
desigualdade com um regime político democrático leva à adoção de
políticas públicas voltadas à redistribuição de renda e à redução da pobreza.
Em uma democracia, os políticos só mantêm suas carreiras se tiverem
votos. Em uma sociedade desigual existe, tipicamente, uma grande
quantidade de eleitores pobres. Nada mais natural que a classe política
atenda aos anseios dos mais pobres em troca dos seus numerosos votos. O
lema vigente no regime militar, “fazer o bolo crescer para depois
redistribuir”,8 foi rapidamente alterado, após a redemocratização, para “tudo
pelo social”, frase exaustivamente repetida pelo primeiro presidente da era
democrática, José Sarney.
Políticas públicas redistributivas são feitas por meio de: (a) gastos
públicos em programas voltados para os mais pobres e (b) regulação
econômica (leis acerca do valor do salário mínimo e dos direitos
trabalhistas, por exemplo). Ocorre que, ainda que sejam bem-sucedidas em
reduzir a desigualdade, essas políticas podem gerar efeitos colaterais
nocivos ao crescimento econômico.
Elas impulsionam os gastos correntes do governo (fato estilizado 1 do
Capítulo 1) levando aos outros fatos estilizados que minam o crescimento
econômico: aumento da carga tributária, redução da poupança pública,
aumento da taxa de juros e corte nos investimentos públicos em
infraestrutura.
O aumento do salário mínimo (fato estilizado 6) tem sido outro
componente importante da política de redução da pobreza e da
desigualdade. Ocorre que ela gera dois efeitos deletérios ao crescimento.
Em primeiro lugar, acelera o crescimento dos gastos correntes (pois muitos
benefícios sociais são vinculados ao salário mínimo), o que realimenta o
ciclo de aumento da carga tributária e de cortes em investimentos em
infraestrutura. Em segundo lugar, o aumento do salário mínimo diminui a
lucratividade esperada das empresas, o que desestimula os empresários a
investir na ampliação de sua produção, prejudicando o crescimento.
Ademais, tributação elevada e regulação excessiva do mercado de trabalho
(outro instrumento de política redistributiva) induzem as empresas a se
manterem pequenas e informais (fato estilizado 9). Sendo informal, a
empresa não paga impostos ou direitos trabalhistas. E, sendo pequena, a
empresa fica pouco visível aos fiscais da Receita Federal ou do Ministério
do Trabalho, entre outras instâncias de controle. Ocorre que empresas
pequenas são sistematicamente menos produtivas que as maiores. Menor
produtividade leva, necessariamente, a menor crescimento econômico.
Como mostrado no Capítulo 2, as políticas redistributivas a favor dos mais
pobres, embora não sejam as únicas responsáveis pela redução da
desigualdade, ajudaram nesse processo. No entanto, elas também têm efeito
prejudicial ao crescimento.
Por isso, a redistribuição para os pobres, em conjunto com a redistribuição
para os ricos, atua no sentido de gerar o modelo de baixo crescimento com
redistribuição dissipativa.
Capítulo 5
Os Capítulos 3 e 4, já descritos, mostram que, no ambiente democrático
instaurado a partir de 1985, duas grandes tendências redistributivas atuam
na sociedade brasileira para os ricos e para os pobres. Esses polos extremos
da pirâmide de renda dispõem de capital político para serem favorecidos na
alocação do gasto público e na definição da regulação estatal. O Capítulo 5
descreve como essa pressão redistributiva também ocorre em alguns
segmentos intermediários. A participação desses segmentos potencializa a
disputa por rendas na sociedade e os seus efeitos adversos sobre o
crescimento econômico.
A redistribuição para os pobres é um evento novo na história do país e
decorre da instauração da democracia. A redistribuição para os ricos é
antiga, remonta aos primeiros anos da colonização e ocorre
independentemente do regime político vigente: seja em períodos
autoritários, seja em períodos democráticos, grupos econômicos fortes e
indivíduos de alta renda têm acesso privilegiado ao poder e são capazes de
moldar as instituições a seu favor.
O segmento intermediário mescla características dos indivíduos situados
nos extremos e é formada por grupos distintos e heterogêneos. Há
indivíduos de renda média que, como os ricos, têm acesso privilegiado aos
processos decisórios de governo (alta burocracia estatal e de empresas
públicas, por exemplo) e, por isso, conseguiram influenciar decisões
políticas a seu favor, mesmo antes da redemocratização.
Ao mesmo tempo, há aqueles com características mais próximas da base
da pirâmide, embora com níveis de renda que não permitem classificá-los
como pobres (trabalhadores industriais organizados em sindicatos, por
exemplo) e que, com a redemocratização, passaram a ter maior poder de
organização em sindicatos e associações. Puderam, então, no novo ambiente
democrático, fazer pressão e buscar benefícios por meio de ações
organizadas (greves, campanhas publicitárias, lobby etc.).
No novo ambiente democrático, levam vantagem grupos de renda
intermediária que: (a) são numerosos e votam de forma homogênea (grupos
étnicos ou religiosos, grupos etários como jovens ou idosos); (b) conseguem
resolver o problema de ação coletiva e, por isso, têm capacidade de
organização (sindicatos e associações, por exemplo); (c) convivem no
mesmo ambiente social que os políticos (servidores públicos, por exemplo);
(d) têm poder de voto, em contraposição a grupos que não votam (por
exemplo, idosos e jovens versus crianças).
O aumento do poder político de alguns segmentos de renda intermediária
poderia induzir um movimento no sentido de se desmontar os privilégios
criados para os ricos ou de se restringir as políticas a favor dos mais pobres,
de modo a minorar os efeitos adversos do redistributivismo sobre o
desempenho econômico, favorecendo a maior parte da sociedade. No
entanto, a teoria econômica mostra que, na presença de significativa
desigualdade, torna-se difícil uma sociedade chegar a um consenso acerca
de reformas que, se aprovadas, beneficiarão a maioria.
Dada a impossibilidade de se formar consenso em torno do desmonte dos
privilégios existentes, a estratégia racional dos grupos com capacidade de
reivindicação é aumentar os próprios privilégios. Já que não poderão gozar
dos benefícios de um crescimento mais acelerado da economia, pelo menos
esses grupos tentam não ser os perdedores do jogo redistributivo.
Cria-se, então, uma confusa teia de privilégios, que são financiadas por
tributos, déficit público e subsídios cruzados entre grupos. No fim das
contas, resta muito pouca clareza acerca de quem são os ganhadores e
perdedores líquidos. Muitas famílias recebem benefícios e pagam a conta ao
mesmo tempo. Tal incerteza torna ainda mais difícil desmontar o sistema de
privilégios, pois não há clareza sobre quem ganhará ou perderá com uma
reforma.
Por isso, a tendência é que a disputa por rendas se amplie ao longo do
tempo e que os privilégios estabelecidos se perpetuem. A pressão sobre os
cofres públicos e os efeitos nocivos da regulação excessiva sobre a
economia tornam-se crescentes, paulatinamente restringindo o potencial de
crescimento econômico.
Em qualquer país, sob qualquer regime político, é normal a existência de
algum grau de privilégios, bem como a prática de redistribuição para os
pobres ou de sinecuras para alguns grupos ricos e de renda média. O que
parece tornar a situação brasileira sui generis é o fato de que a alta
desigualdade, somada à liberdade de organização e reivindicação existente
em uma democracia, intensificam o incentivo a essas práticas e leva as
pressões redistributivas a um nível muito alto, capaz de comprometer o
funcionamento e a solvência do Estado, bem como afetar o crescimento
econômico.
Capítulo 6
Este capítulo procura analisar os efeitos de longo prazo do modelo de baixo
crescimento com redistribuição dissipativa. Ainda que tal redistribuição
provoque redução do crescimento econômico no curto e no médio prazo,
conforme descrito no Capítulo 3, ela pode ter efeito benéfico no longo
prazo.
O principal argumento defendido é de que a desigualdade está na raiz do
problema do baixo crescimento. Ocorre que, como mostrado no Capítulo 2,
a desigualdade está caindo. Se, apesar da dissipação de recursos, a
desigualdade continuar caindo, no longo prazo ela pode chegar a um nível
tão baixo que o conflito distributivo que ela gera venha a se extinguir ou
arrefecer.
Nesse cenário, aqui chamado de ciclo virtuoso, haveria um paulatino
aumento da classe média e uma redução dos pobres necessitados de
políticas públicas redistributivas. A classe média, mais interessada em um
ambiente de negócios saudável, em que possa empreender e prosperar,
pressionaria o governo para reduzir os privilégios dados aos mais ricos e
para ofertar serviços públicos de qualidade, que ajudariam a impulsionar o
crescimento, tais como educação e infraestrutura.
Passaria a dar votos e a ser interessante para os políticos desmontar parte
das políticas de transferência de renda (para os ricos e para os pobres) e se
concentrar em um Estado que esteja mais focado na provisão de serviços
públicos, promovendo ganhos de produtividade econômica. Com menos
desigualdade, o rent-seeking naturalmente perderia força.
Ademais, a redução da pobreza, concomitante à queda da desigualdade,
livraria uma parcela significativa de pobres das restrições de crédito que as
impedem de financiar um novo negócio ou a educação de seus filhos. Isso
abriria novas oportunidades de ascensão social pela via do mercado
privado, reduzindo a importância das políticas sociais como instrumento de
redução da pobreza.
Ao se livrar da pobreza, os indivíduos se livram das agruras da
sobrevivência cotidiana e adquirem condições de planejar o futuro. Não
precisam mais focar sua atenção e esforço na busca da próxima refeição.
Podem planejar a busca de melhorias permanentes para si e para seus filhos.
Por isso adotam comportamentos que ajudam no crescimento econômico,
como o maior investimento na educação da prole e o aumento da poupança
familiar.
Isso significa que o baixo crescimento decorrente, em parte, da política
redistributiva para os pobres, pode vir a ser considerado como um custo a
ser pago no curto e médio prazos, mas que gera frutos no longo prazo.
Haveria um mecanismo automático de conversão do modelo de baixo
crescimento e redistribuição dissipativa em um modelo de alto crescimento
e baixa desigualdade.
Esse ciclo virtuoso, contudo, está longe de ser uma trajetória garantida
para o Brasil. O país pode tomar um desvio bem menos saudável e
permanecer por muito tempo em um ciclo vicioso de baixo crescimento
com redistribuição dissipativa. A manutenção da atual política redistributiva
de alto custo e muitos vazamentos pode gerar custos insustentáveis. Nesse
caso, não haveria ganhos de longo prazo. O país permaneceria patinando no
conflito distributivo e no baixo crescimento, sujeito a crises políticas nas
fases descendentes dos ciclos econômicos, quando faltariam recursos para
alimentar os vários canais de redistribuição.
O Brasil parece oscilar entre essas duas trajetórias, como um motorista
indeciso sobre que caminho tomar em uma bifurcação de uma rodovia. Por
um lado, observa-se queda da desigualdade e da pobreza no passado recente
(Capítulo 2), o que cria a esperança de que possa haver uma mudança nas
demandas dos “ex-pobres” acerca do que lhe é provido pelo Estado. As
manifestações iniciadas em junho de 2013, que protestaram contra a má
qualidade dos serviços públicos e a corrupção, podem ser uma indicação
nesse sentido.
Porém, aquelas manifestações podem, simplesmente, ser um sintoma de
crise política decorrente da falta de recursos para manter o sistema de
privilégios generalizados. Nesse caso, as manifestações podem ser lidas
como a ação descoordenada de vários grupos, em paralelo, querendo
receber mais e pagar menos, sem se preocupar com a consistência de suas
demandas, aprofundando o conflito que leva ao modelo de baixo
crescimento com redistribuição dissipativa.
Ademais, conforme mostrado no Capítulo 2, há sinais de que o ritmo de
queda da desigualdade está perdendo velocidade e tendendo a se estagnar.
Grande parte dos “ex-pobres” pode ser considerada como população ainda
vulnerável a voltar à pobreza, não tendo atingido a segurança econômica
típica da classe média. Vários anos de frustrante desempenho do PIB,
somados à estagnação da queda da desigualdade, podem levar essa
população de volta à pobreza ou mantê-la em situação de vulnerabilidade e,
portanto, dependente de políticas assistenciais. Sem condições de se
livrarem das barreiras que impedem seu acesso ao crédito, que abririam
oportunidades de novos negócios e maior educação, esses grupos
perpetuariam a forte demanda por assistência social.
Outra possibilidade de mudanças em direção a um modelo menos
redistributivo e mais favorável ao crescimento vem do possível
esgotamento do atual modelo. Uma crise fiscal, um longo período de baixo
crescimento e a queda de qualidade dos serviços públicos abaixo de um
nível suportável podem gerar as condições políticas suficientes para se
quebrar privilégios, e promover reformas. Isso permitiria criar políticas
redistributivas mais focadas nos mais pobres, reduzindo o custo econômico
da redistribuição. A história recente do país mostra que os dois principais
momentos de reformas institucionais (1964-1967 e segunda metade dos
anos 1990) decorreram de fortes crises econômicas. Esse, contudo, é um
caminho arriscado, pois pode envolver a ruptura do sistema democrático
vigente. Fora de períodos de crise, parece não haver viabilidade para amplas
reformas, pois são inúmeras as instâncias que as bloqueiam.
Em suma, a sociedade brasileira encontra-se frente a duas tendências
alternativas. Pode tomar a estrada virtuosa da redução da desigualdade e
gradual crescimento do produto potencial, ou pode seguir uma trajetória
indesejável de estagnação, desequilíbrio fiscal, inflação, interrupção da
queda da desigualdade e crises políticas e institucionais. Muitos anos de
“cobertor curto” podem, até mesmo, criar a possibilidade de ruptura
política.
Ambos os caminhos estão abertos e dependem tanto da capacidade dos
candidatos a estadistas que assumirão o comando político do Estado
brasileiro nos próximos anos, quanto dos efeitos da economia internacional
sobre o país.

1 Foreign Policy, 28/2/2012.


2 The Economist, 12/11/2009.
3 Vide, por exemplo, Pinheiro e Giambiagi (2006), Mendes (2010), Velloso et al. (2012), Hausmann
(2009), Hausmann et al. (2005).
4 Pessôa (2011, p. 207).
5 Alston et al. (2012).
6 Alston et al. (2012).
7 Lisboa e Latif (2013).
8 Frase atribuída a Delfim Netto, várias vezes ministro em pastas da área econômica no governo
militar. Para um resumo acerca da controvérsia em torno da concentração de renda durante o governo
militar, ver Baer (2009).
CAPÍTULO 1

BAIXO CRESCIMENTO ECONÔMICO


E SUAS CAUSAS IMEDIATAS

1.1 Introdução
O principal objetivo deste capítulo é mostrar que a taxa média de crescimento
do PIB no Brasil desde meados da década de 1980 é medíocre, apresentando
10 fatos estilizados da economia brasileira que constituem as causas imediatas
desse mau desempenho.
Faz-se inicialmente um pequeno sumário dos fundamentos teóricos do
crescimento econômico. Em seguida, apresenta-se uma breve retrospectiva da
política econômica brasileira durante a ditadura militar (1964-1984),
mostrando como tal política condicionou as escolhas feitas a partir da
democratização de 1985.
São, então, apresentados os 10 fatos estilizados que explicariam o baixo
crescimento e que têm suas raízes nas condições econômicas da transição para
a democracia, na alta desigualdade e no funcionamento das novas instituições
democráticas.
O capítulo encerra-se com a apresentação do argumento central deste livro,
qual seja: uma importante causa do baixo crescimento brasileiro é a aguda
desigualdade na distribuição de renda e de patrimônio em um contexto político
democrático. Os 10 fatos estilizados que aparentam ser os fatores que
bloqueiam o crescimento são, em grande medida, consequência ou sintomas
dessa causa mais profunda.

1.2 As fontes do crescimento econômico9


O crescimento econômico resulta basicamente da acumulação de: (a) capital
físico (máquinas, estradas, portos, terra cultivável etc.); (b) trabalho (número
de trabalhadores disponíveis a serem empregados no processo produtivo); (c)
capital humano (a habilidade dos trabalhadores, que usualmente cresce com o
seu nível de escolaridade); (d) produtividade (um fator que amplia a
quantidade gerada pelo uso de capital físico e humano em função da eficiência
com que os fatores são utilizados).
É intuitivo que a produção cresce quando mais máquinas e mais trabalhadores
são empregados no processo produtivo. Também é fácil entender que
trabalhadores mais qualificados são capazes de produzir mais e melhores
produtos. Além disso, uma economia que seja capaz, usando a mesma
quantidade de capital e trabalho, de produzir mais do que a outra conseguirá
atingir um nível de renda per capita mais alto.
Portanto, o crescimento econômico tende a ser mais intenso em países onde o
setor privado investe intensamente na aquisição de máquinas e equipamentos,
enquanto os setores público e privado investem em infraestrutura. Além disso,
nesse país ideal existe um grande número de trabalhadores em idade produtiva
e com alto grau de escolaridade, o que lhes permite desenvolver tarefas
complexas.
É importante observar que o investimento em capital físico ou em capital
humano, com vistas a turbinar o crescimento, tem como custo a redução do
consumo presente ou o aumento do endividamento: o dinheiro utilizado para
financiar a compra de um equipamento ou a mensalidade de um curso é o
mesmo que financia a compra de bens de consumo. Assim, a decisão de
investir deve ser acompanhada da decisão acerca da origem do dinheiro que
vai financiar o investimento: redução do consumo ou tomada de empréstimo.
Considerando a economia como um todo, a poupança acumulada por alguns
indivíduos pode ser emprestada a outros que desejem investir em montante
superior à sua disponibilidade financeira. Assim, quanto maior o nível de
consumo e menor o nível de poupança de uma sociedade, menor o capital
disponível para financiar investimentos.
Uma sociedade que, em termos agregados, consome a maior parte da renda
que gera, tem a opção de financiar investimentos tomando empréstimos no
exterior. Ou seja, tomando empréstimos de países cuja população é mais
poupadora. Daí se dizer que essa modalidade de financiamento equivale à
utilização de “poupança externa”. Optar pelo uso da poupança externa
significa aceitar que a dívida externa do país cresça. Como essa dívida é feita
em moedas de circulação internacional (dólares, libras, ienes etc.) e a moeda
nacional não tem aceitação internacional, uma dívida externa elevada implica o
risco de uma crise no balanço de pagamentos. Há, assim, o risco de, em algum
momento, o país não dispor de moedas fortes em montante suficiente para
pagar a sua dívida externa.
Embora necessário, o alto nível de investimento em capital físico e humano e
a disponibilidade de trabalhadores não são suficientes para que um país cresça
rapidamente. A literatura mostra que diferenças na disponibilidade desses
fatores entre os países não é capaz de explicar as respectivas diferenças de
renda per capita.10 Por exemplo, o Produto Interno Bruto da França é 98 vezes
maior que o do Zimbábue, e os EUA são 32 vezes mais ricos que Gâmbia.11 No
entanto, a diferença em termos de disponibilidade de capital e trabalho entre
esses países é muito menor. O que faz com que a França, os EUA e outros
países de alta renda sejam mais desenvolvidos que os demais é seu alto nível
de produtividade no uso dos insumos disponíveis. A produtividade depende do
nível de tecnologia adotada e de como são alocados os fatores de produção.
Não é simples explicar porque alguns países têm melhor tecnologia ou
alocam melhor seus insumos produtivos. De forma geral, diz-se que esses
países têm melhores “instituições” ou melhores “infraestruturas sociais”.12
Trata-se de um conjunto de regras sociais amigáveis à atividade empresarial,
oferecendo incentivos e segurança àqueles que trabalham duramente e
investem na produção: os contratos são cumpridos; o sistema judicial é ágil e
capaz de induzir o respeito às leis por todos os cidadãos; as companhias
enfrentam baixos custos relacionados a procedimentos burocráticos exigidos
pelo governo; o mercado de trabalho é flexível (sendo fácil contratar e demitir
trabalhadores, com poucas restrições legais); abrir ou fechar um negócio não
envolve muita burocracia ou custos; há poucas barreiras ao comércio
internacional; o nível de tributação não é excessivo e não gera grande distorção
nos preços dos produtos; o governo é eficiente na regulação de atividades
sujeitas a controle monopolístico e impõe regras antitruste. Essa lista não é
exaustiva e os economistas estão longe de um acordo sobre quais das
condições acima seriam as mais relevantes para estimular a produtividade.
No entanto, é fácil ver porque a produtividade floresce nas condições
descritas acima. As firmas podem importar as melhores máquinas disponíveis
no mundo, dado que não há barreiras a tais importações. Os bancos podem
emprestar a uma taxa de juros menor, porque eles têm alto grau de confiança
de que conseguirão recuperar, na justiça, os valores não pagos pelos devedores
inadimplentes. Em um ambiente de competição justa, em que não há cartéis
dominando o mercado, firmas mais produtivas vão prosperar e as menos
produtivas irão morrer, liberando capital e trabalho a ser empregado pelas
primeiras. As empresas não vão desperdiçar dinheiro com atividades
improdutivas, como o atendimento de requisitos burocráticos do governo ou o
pagamento por serviços de contabilidade para realizar complexos cálculos
exigidos por um sistema tributário disfuncional.
A produtividade também é determinada pela alocação dos recursos entre os
três principais setores da economia: agricultura, indústria e serviços. Em geral,
agricultura e serviços tendem a ser menos produtivos que a indústria, porque o
setor industrial usa processos produtivos em linha de montagem e permite
difusão tecnológica mais rápida, enquanto os outros dois setores usualmente
utilizam métodos tradicionais de produção, principalmente nos países menos
desenvolvidos. Isso significa que um processo natural de evolução da
economia, no qual a indústria ganha importância em detrimento da agricultura,
tende a acelerar a taxa de crescimento. Em uma segunda fase, quando os
serviços passam a se expandir e a participação da indústria no PIB cai, o ritmo
de crescimento diminui.
A estrutura etária da população afeta o crescimento de forma similar. Em
países onde as crianças representam um percentual significativo da população,
haverá poucos adultos trabalhando para prover bens e serviços a serem
consumidos por toda a população (adultos e crianças). A tendência
demográfica natural de um país é reduzir, ao longo dos anos, o número médio
de filhos por família. Isso aumenta a proporção de adultos na população. Essa
“transição demográfica” resulta em maior produção per capita, uma vez que
haverá mais pessoas produzindo e menos pessoas dependentes. Um fenômeno
similar ocorre quando aumenta a participação feminina no mercado de
trabalho. Por outro lado, quando a maioria da população envelhece, o produto
per capita tende a diminuir, dado que um menor percentual de adultos
produtivos terá que trabalhar para sustentar crianças e idosos.
Por fim, é importante observar que, embora a qualidade de vida dos mais
pobres possa ser elevada por meio da redistribuição do produto e da renda já
existente, no longo prazo é preciso que a renda cresça para que todos
melhorem. Uma sociedade que cresce pouco e redistribui muito corre o risco
de se tornar, no longo prazo, um país em que todos são igualitariamente
pobres.
Essa breve descrição dos mecanismos do crescimento econômico ajuda a
entender as causas imediatas do baixo crescimento na história recente do
Brasil. No entanto, antes de apresentar os fatos estilizados que levam a esse
desempenho medíocre, é importante conhecer o modelo econômico adotado no
período imediatamente anterior à era democrática iniciada em 1985, ou seja, na
ditadura militar de 1964-1984: foram 20 anos que condicionaram as escolhas
políticas feitas após a redemocratização.

1.3 A economia brasileira no governo militar (1964-


1984)
De 1964 a 1984, o Brasil estava sob um regime militar, no qual o direito de
influir na escolha dos dirigentes políticos era bastante restrito. Os principais
cargos, como os de Presidente da República, de governadores de estados e de
prefeitos de capitais eram preenchidos mediante eleições indiretas tuteladas
pelas lideranças militares.
Governando sem a pressão política dos eleitores ou da oposição, os militares
rejeitaram as políticas liberalizantes implantadas logo após o golpe militar, e
decidiram implantar um modelo de desenvolvimento nacionalista, baseado na
proteção da indústria nacional, no planejamento econômico centralizado no
Estado e em forte intervenção estatal na economia, seja pela criação de
empresas estatais, seja pela interferência regulatória. Seguiram uma tendência
prevalecente desde pelo menos a década de 1940 de induzir a industrialização
do país por meio de substituição de importações. Na verdade, eles
aprofundaram tal política, fechando a economia não apenas à importação de
bens de consumo (como se fez nas décadas anteriores), mas também à
importação de máquinas, computadores, insumos de alta tecnologia (como
produtos químicos, por exemplo), em uma tentativa de estimular a produção
local desses bens.
Além disso, os militares expandiram a infraestrutura, principalmente por
meio de investimentos de empresas estatais. A agricultura de exportação e para
provisão do mercado interno continuou a ser uma importante atividade, como
desde os tempos coloniais. Os líderes políticos rurais, especialmente nas
regiões mais atrasadas, eram cortejados pelos militares, pois contrabalançavam
o potencial oposicionista das áreas urbanas.
Essa orientação política e econômica criou uma classe privilegiada de
industriais e proprietários rurais com acesso a subsídios públicos, influência
política nas decisões econômicas e proteção contra concorrência externa. A
indústria nacional gozava de ampla margem de lucro e tinha pouco incentivo
para investir em qualidade ou inovação.
Por outro lado, o governo negligenciou os investimentos públicos em
educação fundamental e privilegiou a criação de universidades públicas
gratuitas. Estudantes de renda média e alta levavam vantagem na disputa por
vagas nessas universidades, uma vez que tinham condições de estudar em
escolas privadas, de ensino fundamental e secundário, de melhor qualidade que
as públicas. Esse tipo de política ampliou a já historicamente elevada taxa de
desigualdade de renda e patrimônio, fazendo do Brasil um dos países mais
desiguais do mundo.
A assistência governamental aos pobres era minúscula. Atenção à saúde,
seguro-desemprego e planos de aposentadoria eram acessíveis apenas aos
trabalhadores empregados no setor formal urbano, o que excluía uma grande
quantidade de desempregados e trabalhadores por conta própria. Os
trabalhadores rurais eram especialmente desfavorecidos, pois não tinham
nenhum mecanismo de estabilização de renda em um mercado de trabalho
marcado pela sazonalidade da oferta de emprego. Não havia programas de
amplo alcance para atender os pobres e os grupos vulneráveis, como as
crianças ou as pessoas com deficiência.
De 1968 a 1980, o Brasil experimentou elevadas taxas de crescimento
econômico, que resultavam basicamente de uma combinação de: (a)
industrialização induzida pelo Estado, com expressivo investimento de
empresas públicas; (b) transição de trabalhadores da agricultura para a
indústria e serviços, o que aumentou a produtividade média da economia.
A abundância de crédito internacional garantia a disponibilidade de poupança
externa para financiar os investimentos nacionais, especialmente em
infraestrutura, mas ao custo de uma crescente dívida externa. Melhorias no
capital humano e desenvolvimento tecnológico não constituíram fonte
relevante de crescimento econômico no período.
Em meados da década de 1980, nos anos finais do governo militar, o Brasil
era considerado um caso de sucesso em termos de crescimento econômico
(média anual de 6,5% ao ano entre 1970 e 1985), mas um fracasso em termos
de distribuição de renda, assistência social e alívio da pobreza. O índice de
Gini de desigualdade de renda estava em torno de 0,6013 em 1985, um dos mais
altos do mundo; 83% da população não tinham mais que o nível primário de
educação (pior que países da África Subsaariana, tais como Congo e Gabão,
cujos índices eram, respectivamente, 63% e 75%).14 A expectativa de vida ao
nascer estava em 64,4 anos: 170o entre 221 países. Não menos que 42% da
população eram pobres e 18% extremamente pobres.15 A extrema desigualdade
levou à criação, pelo economista Edmar Bacha, do famoso apelido de Belíndia:
um país onde poucos viviam com o padrão de vida da Bélgica e a maioria
enfrentava uma pobreza similar à da Índia.16
No final da década de 1970 e, mais intensamente, nos primeiros anos da
década de 1980, o crescimento econômico entrou em colapso devido a uma
perversa combinação de: (a) choques econômicos internacionais, que cortaram
o acesso do país à poupança externa (duas crises do petróleo e uma elevação
das taxas de juros internacionais, que afetaram principalmente os países muito
endividados em moeda estrangeira); (b) a natural redução do movimento
migratório em uma sociedade que, naquele momento, já era
preponderantemente urbana; (c) a incapacidade do modelo econômico de
substituição de importações para estimular o aumento da produtividade; e (d) o
baixo nível de capital humano.
O uso intenso de recursos públicos para estimular a economia gerou déficits
públicos crônicos que, por sua vez, levaram à alta inflação. A soma de inflação
com estagnação aumentou a pobreza e deteriorou o padrão de vida da classe
média, enfraquecendo o suporte político do regime militar. Uma transição para
democracia iniciou-se em 1979. Em 1985, ainda pelo sistema de votação
indireta no âmbito do Congresso Nacional, instituído pelos militares na
Constituição de 1967, um presidente civil foi eleito.
A nova era democrática iniciou-se em um contexto de grande demanda
reprimida por assistência social, educação, saúde e geração de emprego. Essas
demandas, bloqueadas politicamente durante o governo militar, agora podiam
ser expressas em um novo ambiente de liberdade de discurso, de imprensa, e
de formação de associações e sindicatos, seguindo um padrão comum em
sociedades em processo de redemocratização, como expressa James Robinson
em um artigo no qual analisa a lógica política das ações governamentais
voltadas à redistribuição de renda:
a transição de sistemas políticos não democráticos (...) para sistemas mais
democráticos, tendem a ter o efeito de ampliar as bases do poder político.
Dado que, antes do surgimento da democracia, o poder estava na maioria dos
casos monopolizados pelos segmentos mais ricos da sociedade, é natural que
se espere que tal movimento leve a pressões por políticas e regulação que
sejam favoráveis aos grupos que adquiriram poder de voto, e isso envolverá
alguma redistribuição de renda em favor dos mais pobres. Em suma, nós
devemos esperar que a democracia reduza a desigualdade em relação aos
níveis observados em regimes não democráticos.17
Em 1988, uma nova Constituição foi aprovada, expandindo o direito de voto
a todos os cidadãos acima de 16 anos, inclusive os analfabetos.18 A nova Lei
Maior foi uma construção política que tentou balancear os conflitos herdados
do período militar: (a) a demanda dos pobres (agora com poder de voto e voz)
por redistribuição de renda e redução da pobreza, após duas décadas de fraca
atenção governamental a essas questões; e (b) a pressão dos grupos de alta
renda para preservar seus privilégios, obtidos por meio de acesso favorecido às
instâncias decisórias não só no período do regime militar, mas em toda a
história do país desde os primeiros anos da colônia.
Essa nova ordem constitucional tem garantido ao país quase 30 anos de
estabilidade democrática. Trata-se de um período longo para o padrão
brasileiro. Na era republicana, a Constituição mais longeva durou 43 anos (de
1891 a 1934). De 1934 a 1988, três outras constituições foram aprovadas e
revogadas,19 sempre em meio a conflitos políticos.
Não é simples manter estabilidade política e liberdades democráticas em uma
sociedade tão desigual quanto a do Brasil, especialmente após duas décadas de
negligência com a política social. A desigualdade é uma fonte óbvia de
conflito social e político.20 Os pobres, tendo a maioria dos votos, induzem os
políticos a atender suas demandas. Os ricos, por outro lado, tendem a usar seu
poder econômico para manter e ampliar privilégios.
A estabilidade política e social tem sido mantida pelo setor público, que
redistribui renda em favor de grupos de alta e baixa renda com poder de
pressão, colocando “panos quentes” nos conflitos. Como consequência, os
pobres não têm motivos para apoiar propostas revolucionárias ou movimentos
populistas extremos, dado que suas demandas são gradualmente atendidas por
políticas sociais redistributivas. Graças a essas políticas, o regime não derivou
para um esquerdismo intenso, como os observados em países como Venezuela,
Equador e Bolívia. Por outro lado, a elite econômica não vê razão em se opor
às políticas sociais redistributivas, porque consegue, em paralelo, manter seus
privilégios junto ao Estado.
O efeito colateral desse equilíbrio político é que a demanda por benefícios
públicos e subsídios se expandiu para os estratos intermediários da sociedade,
que, por meio da organização de grupos de interesse, aumentaram seu acesso a
benefícios custeados pelos cofres públicos. Durante o governo militar, os
grupos de renda intermediária já gozam de vários privilégios, como legislação
trabalhista favorável aos empregados de renda média do setor formal e ensino
superior gratuito. Com a redemocratização, ampliaram-se as oportunidades de
ganho desse grupo para outras áreas, tais como benefícios previdenciários e
aumento da remuneração dos servidores públicos.
O governo passou a funcionar como uma central de distribuição de rendas e
de regulação protetora para diversos grupos sociais. A despesa pública
disparou. O orçamento público e a regulação da economia tornaram-se as
principais ferramentas de distribuição de renda e patrimônio em favor dos
pobres (políticas sociais), dos ricos (políticas industriais) e de grupos
intermediários (emprego público, previdência pública privilegiada etc.).
Nos primeiros anos da nova era democrática (1985-1994), esse movimento
redistributivo ocorreu de forma intensa e descoordenada. A pressão sobre o
Tesouro Nacional foi tal que a inflação disparou e transformou-se em
hiperinflação. Em 1994, após cinco tentativas malsucedidas,21 implantou-se um
plano de estabilização que acabou com a hiperinflação. Alguns
aperfeiçoamentos institucionais levaram a um regime de maior rigor fiscal a
partir de 1999, baseado no equilíbrio das contas públicas nos três níveis de
governo (União, estados e municípios), no aumento da transparência fiscal e
em política monetária ativa.
Ou seja, após um período de aprendizado prático, o novo regime democrático
foi capaz de encontrar uma forma coordenada de financiar a expansão do gasto
público causado pelas pressões redistributivas. A hiperinflação foi, então,
substituída por uma carga tributária alta e sempre crescente, capaz de financiar,
pelo menos em parte, a expansão dos gastos públicos. Prolongou-se, assim, a
vida do Estado distribuidor de privilégios a várias classes.
Nesse ponto da argumentação chega-se à questão central deste livro: a
estabilidade política e social do Brasil tem sido obtida ao custo de baixo
crescimento econômico. A alta desigualdade de renda e de patrimônio gera
demanda por um setor público cada vez maior (em termos de gastos, tributação
e regulação) com vistas a manter a estabilidade política e social.
Criou-se um modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa.
A expansão do Estado e a regulação distorciva enfraquecem o crescimento
econômico. A forma como essas tensões se desenvolvem ao longo do tempo
constitui uma interessante questão a ser tratada no Capítulo 6.
A próxima seção mostra que o crescimento econômico brasileiro foi
decepcionante no período 1985-2012. O desempenho do país foi fraco quando
comparado a outros países. São mostrados, então, 10 fatos estilizados que
podem ser considerados como causas imediatas do baixo crescimento e que
refletem uma causa mais profunda: a desigualdade.
Á
GRÁFICO 1.1 PIB per capita do Brasil: taxa de crescimento anual (%)
(1985-2012)

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaborado pelo autor.

1.4 Baixo crescimento


A economia brasileira tem mostrado fraco desempenho em termos de
crescimento econômico desde a redemocratização. O Gráfico 1.1 mostra que o
crescimento médio do PIB per capita foi de 1,4% ao ano entre 1985 e 2012.
Nos anos mais recentes (2004-2012), a média foi mais alta: 2,8% ao ano. Tal
período corresponde aos anos de ouro do mercado internacional de
commodities, o que abriu oportunidades de crescimento para o Brasil, dada a
importância dessas mercadorias em sua pauta de exportação. Em 2009, a crise
econômica mundial teve forte impacto negativo na taxa de crescimento do
país. No entanto, a rápida reação da China reavivou o mercado de commodities
e melhorou o cenário de crescimento para o Brasil. A alta taxa de crescimento
observada em 2010 foi uma combinação do desempenho chinês com o
afrouxamento das políticas fiscal e monetária brasileiras, o que permitiu a
ocupação da capacidade ociosa deixada pelo baixo crescimento de 2009. Em
2011 e 2012, todavia, o país retornou ao padrão de baixo crescimento, apesar
de os gestores da política econômica terem mantido o pé no acelerador nas
políticas fiscal e monetária.
Quão bom ou ruim são os números do crescimento brasileiro? O Gráfico 1.2
compara o desempenho brasileiro com um conjunto representativo de países no
período 1985-2010.22 Esse conjunto inclui: vizinhos latino-americanos, alguns
países asiáticos que representam casos bem-sucedidos de crescimento; um país
asiático não tão bem-sucedido (Filipinas); membros do grupo BRIC:23 um país
desenvolvido cuja economia é dependente de exportação de commodities (a
Austrália); nações europeias emergentes atingidas pela crise mundial de 2008
(Portugal, Espanha e Irlanda); e outras nações de renda baixa e média (Turquia,
Polônia e Egito). Esse grupo será usado como base de comparação ao longo de
todo o capítulo.
GRÁFICO 1.2 TAXA DE CRESCIMENTO MÉDIO DO PIB PER CAPITA: PAÍSES
SELECIONADOS (1985-2010)

Fonte: Alan Heston, Robert Summers e Bettina Aten, Penn World Table Version 7.1, Center for International
Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, Nov 2012.
* O valor apresentado para a Rússia representa a média para o período 1991-2010.
Elaborado pelo autor.

O Gráfico 1.2 deixa claro que o desempenho comparativo brasileiro não é


brilhante. Ele fica muito abaixo da média do grupo, representada pela linha
horizontal. Até mesmo a Argentina, país famoso por desperdiçar oportunidades
de crescimento, atingiu uma média maior no período. Se o Brasil tivesse
crescido no mesmo ritmo da Costa Rica (1,9% ao ano), por exemplo, durante o
período considerado no gráfico, o PIB do país seria atualmente 17% mais alto.
GRÁFICO 1.3 Taxa de crescimento médio do PIB per capita: países
selecionados (2004-2010)

Fonte: Alan Heston, Robert Summers e Bettina Aten, Penn World Table Version 7.1, Center for International
Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, Nov 2012. Elaborado pelo autor.

Ainda que se considere o melhor subperíodo do Brasil (2004-2010), o país


não aparece em uma posição de destaque e fica abaixo da média do grupo,
como mostrado no Gráfico 1.3. Para esse período, Espanha, Portugal e Irlanda,
fortemente afetados pela crise mundial, puxam a média para baixo. Mas nem
isso foi suficiente para colocar o Brasil acima da média. É importante enfatizar
um ponto: o gráfico cobre o período de maior crescimento no Brasil, no qual,
em contraste, há outras economias em crise profunda, e, mesmo assim, o país
não consegue ficar acima da média do grupo. Para criar um viés ainda mais
favorável ao Brasil na comparação com outros países, podem-se retirar dois
países de alto crescimento do grupo de comparação (China e Índia). Mesmo
nesse caso, a nova média do grupo (3% ao ano) fica levemente acima da média
brasileira (2,9% ao ano).
Portanto, pode-se concluir que o crescimento econômico brasileiro foi fraco
nas últimas três décadas.

1.5 As causas imediatas do baixo crescimento em 10


fatos estilizados
Esta seção procura mostrar 10 fatos estilizados que caracterizam a economia
brasileira após 1985. Tomados em conjunto, esses fatos oferecem uma
explicação consistente para o baixo crescimento econômico no período.
1.5.1 FATO ESTILIZADO 1: a despesa corrente primária cresce de forma
persistente
O Gráfico 1.4 mostra a evolução real da despesa corrente da União entre 1980
e 2012, excluindo os gastos com juros da dívida pública. Trata-se, pois, da
despesa do Governo Federal com pessoal, benefícios previdenciários,
transferências a estados e municípios e outras despesas correntes, como
materiais de consumo, subsídios creditícios, despesas de assistência social etc.
Vale ressaltar que não estão incluídos os investimentos do governo.
O que se observa nesse gráfico é que, em 1984, a despesa era apenas 8%
superior à de 1980. A partir de 1985, ano da redemocratização, percebe-se
clara aceleração dos gastos. Em 1986 a despesa já era 46% maior do que em
1980 (35% maior que em 1984) e a tendência de crescimento persistiu ao
longo de três décadas, chegando-se a 2012 com um nível de gastos sete vezes
maior que o de 1980.
Embora ilustrativo da tendência geral de forte expansão do gasto corrente, o
Gráfico 1.4 carece de precisão. Isso porque o forte processo inflacionário que
ocorreu até 1994 (que levou a cinco mudanças de padrão monetário) e a baixa
qualidade das estatísticas fiscais anteriores a 1990 reduzem a confiabilidade
dos dados referentes à década de 1980 e à primeira metade da década de
1990.24
GRÁFICO 1.4 DESPesa corrente da União exceto juros e encargos da dívida
(1980 = 100)
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional – Despesa da União por Grupo de Natureza de Despesa. Deflator: IGP-DI.
Elaborado pelo autor.

Por isso optou-se, como de praxe em análises fiscais da economia brasileira,


por trabalhar com dados referentes à chamada “despesa primária do Governo
Central”, contabilizada pelo Tesouro Nacional a partir do ano de 1997.25 O
Gráfico 1.5 mostra que tal despesa tem clara trajetória de crescimento, tendo
passado de 14% para 18,3% do PIB entre 1997 e 2012: em 15 anos o gasto do
governo central avançou nada menos que 4,3 pontos percentuais do PIB.
GRÁFICO 1.5 Despesa primária do governo central: 1997-2012 (% do PIB)

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional – Despesa da União por Grupo de Natureza de Despesa. Deflator: IGP-DI.
Elaborado pelo autor.

O mesmo padrão é observado nos estados e municípios. O Gráfico 1.6


apresenta a evolução das despesas correntes não financeiras dos governos
subnacionais brasileiros entre 1995 e 2011: a despesa como proporção do PIB
em 2011 era 5,8 pontos percentuais maior que em 1995.
O Gráfico 1.7 coloca a despesa pública brasileira em perspectiva
internacional. Ele mostra que o Brasil não apenas está acima da média do
grupo de comparação, como também está próximo de países que estão
enfrentando crises causadas, em parte, por alta despesa pública (Portugal,
Espanha e Irlanda) e cujo PIB (denominador da estatística apresentada) se
contraiu fortemente desde 2008. Também tem a companhia de países que são
grandes exportadores de petróleo e, como tal, têm abundantes receitas públicas
para financiar seus gastos (Rússia, Venezuela e Equador).
GRÁFICO 1.6 Despesa corrente não financeira de estados e municípios:
1995 versus 2011 (% do PIB)

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Elaborado pelo autor.

GRÁFICO 1.7 Despesa governamental: 2012 (% do PIB)

Fonte: Heritage Foundation – Index of Economic Freedom. Disponível em: http://www.heritage.org/index/explore.


Elaborado pelo autor.

Portanto, a despesa pública corrente não financeira no Brasil não é apenas


alta, como também crescente. Será argumentado ao longo deste livro que isso é
uma consequência direta da coexistência de alta desigualdade de renda com
ampla liberdade democrática. Essas duas características da sociedade brasileira
colocam o Estado brasileiro no centro de uma disputa distributiva, em que
grupos muito diferentes entre si (em termos de renda, patrimônio, capital
humano e perspectivas de ascensão social) – característica típica de uma
sociedade desigual – pressionam por gastos a seu favor, financiados pelo
contribuinte. Os políticos, que dependem do voto para sobreviver em um
ambiente democrático, tentam atender seus respectivos nichos eleitorais. As
instituições ou mecanismos políticos de contenção dessas pressões são fracos e
incapazes de conter o atendimento de grande parte das demandas.
1.5.2 FATO ESTILIZADO 2: carga tributária elevada
O aumento na despesa pública mostrada acima foi uma das causas da
hiperinflação vivida pelo país no final da década de 1980. A insuficiência de
receitas para pagar o gasto sempre crescente forçou o governo a imprimir
dinheiro para pagar suas contas. O controle da hiperinflação se deu pela
adoção do Plano Real, em 1994, após cinco tentativas de estabilização
fracassadas.
A abrupta queda das taxas mensais de inflação passou a requerer aumento da
receita tributária por dois motivos. Primeiro, porque houve uma redução no
imposto inflacionário coletado pelo governo (a moeda em mãos da população
não era desvalorizada rapidamente pela inflação). Segundo, porque sob alta
inflação o governo podia reduzir o valor real de suas despesas simplesmente
postergando-as por alguns dias. Bastava deixar a inflação corroer parte do
valor real da obrigação financeira. No novo contexto de baixa inflação, isso
não era mais possível: para financiar despesas sempre crescentes era preciso
extrair mais tributos da população.
Ou seja, para livrar-se de vez da hiperinflação, a sociedade brasileira precisou
fazer melhorias institucionais, nas quais se abandonou o uso da inflação como
mecanismo de financiamento do setor público. Foram realizadas reformas de
difícil aprovação no Congresso, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (em
2000) e um socorro financeiro aos estados e municípios acompanhado de uma
política de ajustamento similar à implantada nos países que demandam ajuda
do Fundo Monetário Internacional: renegociação de dívida em condições
favoráveis aos devedores (estados e municípios), com a imposição de
obrigações de ajustamento fiscal que, se não cumpridas, desencadeariam
punições financeiras.26
Dado que a despesa corrente continuou na sua trajetória de crescimento, o
novo regime de equilíbrio fiscal consistiu na elevação da arrecadação. O
Gráfico 1.8 ilustra a trajetória ascendente da carga tributária. Em 2011, ela
atingiu 33,5% do PIB, nove pontos percentuais acima do montante observado
em 1991. Houve um salto na arrecadação logo após o Plano Real (1994) e a
tendência ascendente continuou até 2008, quando, frente à crise econômica
global, o governo decidiu conceder estímulos fiscais e reduziu a arrecadação.
GRÁFICO 1.8 Carga tributária agregada da União e dos estados e
municípios: 1991-2011 (% do PIB)
Fonte: Receita Federal do Brasil e www.ipeadata.gov.br.
Elaborado pelo autor.

O nível atingido pela carga tributária brasileira é bastante alto quando


contrastado com os países do grupo de comparação. Como se vê no Gráfico
1.9, o país só perde para a Argentina.
GRÁFICO 1.9 Carga tributária em países selecionados: 2012 (% do PIB)

Fonte: Heritage Foundation – Index of Economic Freedom. Disponível em: http://www.heritage.org/index/explore.


Elaborado pelo autor.

Em resumo, os fatos estilizados 1 e 2 mostram que o regime fiscal brasileiro,


na nova era democrática, é caracterizado por crescimento acelerado da
despesa, seguido por aumentos de impostos na tentativa de acompanhar o
ritmo de crescimento das despesas e evitar a ampliação do déficit público.
De acordo com a teoria tradicional de crescimento econômico, a alta
tributação prejudica o crescimento. Dado que o retorno dos investimentos após
o pagamento de tributos é reduzido pelo aumento da carga, tal aumento
desestimula a acumulação de capital físico e humano. A tributação elevada
também desestimula o investimento em novas tecnologias, visto que os ganhos
esperados são parcialmente capturados pelo governo. Ademais, em uma
economia aberta, na qual o capital pode migrar para outros países onde a
tributação é menor, ter alta carga tributária é uma desvantagem na competição
internacional pela atração de investimentos.
O efeito negativo da tributação sobre o crescimento também pode percorrer
outros canais que afetam diretamente a produtividade da economia.27 Um
sistema tributário de qualidade explora três tipos de bases de arrecadação:
renda, consumo e propriedade. Se a tributação ficar restrita a essas três bases, é
possível minimizar os impactos negativos do sistema tributário sobre a
atividade econômica e, portanto, a perda de eficiência e de bem-estar.28 A
tributação do consumo, por exemplo, pode ser feita pelo método de tributação
do valor agregado, que permite o desconto dos impostos pagos nas transações
anteriores, de modo que o preço de um bem no varejo não seja inflado pelos
impostos pagos nas fases anteriores de negociação (insumos de produção,
transportes etc.).
Contudo, um governo desesperado por obter receita suficiente para fechar as
contas tende a criar todo tipo de tributo. O principal objetivo passa a ser o de
levantar dinheiro para cobrir as despesas. Considerações acerca dos efeitos
colaterais negativos sobre a economia tornam-se secundárias. É melhor ter
estabilidade fiscal com um sistema tributário que prejudique a produtividade
do que ter um sistema com baixo impacto distorcivo, mas que não arrecade o
suficiente.
Assim, com vistas a maximizar a arrecadação, bases tributárias fora da tríade
consumo, renda e patrimônio passaram a ser exploradas, tais como: transações
financeiras, folha de pagamento, faturamento bruto e receitas de exportação,
entre outras.
Essa tributação heterodoxa gera consequências negativas, entre as quais
destacam-se a distorção de preços relativos e a má alocação de recursos.29 Por
exemplo, quando o governo cria ou eleva tributos sobre a folha de pagamentos,
estes não podem ser descontados plenamente nas transações intermediárias.
Por isso, os produtos que têm uma longa cadeia de produção (mais etapas entre
a matéria-prima e o consumo final) tornam-se mais caros que outros que vão
direto do produtor para o consumidor. Produtos industrializados e sofisticados
tendem a ficar relativamente mais caros que produtos consumidos in natura.
Por exemplo, uma maçã vai do produtor ao consumidor final passando por
alguns intermediários (atacadista e feirante). Já um automóvel começa a ser
fabricado na extração do ferro, passa por siderúrgicas e escritórios de design, e
envolve a confecção de estofados, vidros etc. Tem uma longa cadeia de
negociações até chegar ao salão de uma concessionária. Em cada etapa haverá
a tributação da folha de pagamento e tal tributação será embutida no preço
cobrado pelo insumo e se acumulará no preço do produto final.
Esse tipo de tributação também altera os preços relativos entre produtos
nacionais e importados, uma vez que estes não pagam tributação cumulativa
em seus países de origem. Por isso, chegam ao país com preços mais
competitivos que os similares nacionais. Tal fato gera demanda dos produtores
nacionais por proteção comercial, o que costuma induzir nova rodada de
elevação de impostos, por meio de maiores tarifas de importação.
Outro tipo de distorção é o incentivo para que a produção de um bem seja
consolidada dentro de uma única firma, para evitar transações comerciais com
terceiros e, assim, evitar pagar os tributos embutidos nos preços cobrados pelos
fornecedores. Desse modo, as empresas passam a produzir internamente
insumos que, se não fosse pelo sistema tributário vigente, comprariam de
terceiros. Isso gera perda de produtividade, pois desestimula a especialização.
Uma firma não pode ser boa em tudo. Para maximizar sua produtividade, ela
tem que se concentrar nas atividades para as quais tem maior aptidão ou
capacidade, terceirizando a produção de insumos e serviços. A especialização é
reconhecida, desde Adam Smith, como uma ferramenta fundamental para se
obter ganhos de produtividade. Uma economia em que há empresas
especializadas em produzir pneus, outras em motores e mais outras em para-
brisas, e na qual todas vendem para uma montadora de automóveis tende a ser
mais produtiva que outra, cuja montadora cumpre todas essas funções sozinha.
Assim, o sistema tributário de má qualidade interfere na alocação eficiente dos
recursos, com efeito negativo sobre a produtividade e o crescimento.
Priorizando a receita e deixando em segundo plano questões relativas a
eficiência e justiça fiscal, o governo tende a tributar mais intensamente as
atividades que são mais fáceis de fiscalizar. No Brasil, existe forte
concentração da arrecadação em poucas atividades: energia elétrica, água,
folha de pagamento das empresas, bebidas, fumo, automóveis e transações
financeiras.30 Mais uma vez, existe interferência nos preços relativos, o que
distorce os incentivos para investir e impede a alocação eficiente dos recursos.
Outro problema é que, à medida que o sistema tributário se torna mais
complexo e focado na maximização de receitas, crescem os custos
administrativos dos contribuintes para atender as exigências da legislação. Há
mais regras a cumprir, de modo que se gasta mais tempo para conhecer tais
regras, proceder os pagamentos exigidos e comprovar o cumprimento da lei.
Dado que a carga tributária é alta, também passa a valer a pena pagar
escritórios de advocacia especializados em explorar as lacunas da lei e
diminuir os custos fiscais.
O alto nível da tributação também estimula o investimento das grandes
empresas em lobby para obter benefícios tributários. A concessão de tais
benefícios faz o sistema tributário se tornar mais e mais complexo, cheio de
regras detalhadas, criadas para abrigar exceções e tratamentos especiais. As
firmas bem-sucedidas ganham vantagens competitivas. Passa a valer mais a
pena investir em lobby do que investir em novos produtos ou nova tecnologia,
pois assim é possível obter lucros acima da média do mercado. Mais uma vez a
produtividade e o crescimento saem prejudicados.
O Brasil é um exemplo típico de país cujo sistema tributário prioriza a
maximização das receitas em detrimento da qualidade e neutralidade dos
tributos. Diversas bases tributárias não convencionais são exploradas, há
incidência cumulativa e a legislação é complexa. A título de exemplo, as
receitas geradas com tributos que têm efeito cumulativo na cadeia produtiva
subiram de 2,77% do PIB, em 1985, para 6,71%, em 2011.31
A Tabela 1.1 apresenta o número de horas que uma empresa média necessita
para preparar, preencher e pagar três tipos de impostos e contribuições em
diferentes países. No Brasil, são gastas 2,6 mil horas por ano lidando com
procedimentos tributários: último colocado entre os 28 países do grupo de
comparação. Para ser mais exato, o Brasil é o último colocado entre os 180
países considerados nesse levantamento feito pelo Banco Mundial para a sua
base de dados da publicação Doing Business.32 No país que está logo acima do
Brasil nesse ranking (Bolívia), gasta-se menos da metade do tempo consumido
no Brasil com os procedimentos de pagamento de tributos.
O Governo Federal fez três tentativas de reforma tributária: em 2003, 2008 e
2012. Todas acabaram arquivadas no Congresso Nacional. Na reforma
proposta em 2008, o Ministério da Fazenda33 publicou estudo que detalhava as
distorções e ineficiências do sistema vigente e estimava que a reforma poderia
levar, no longo prazo, a um PIB 12% superior àquele vigente em caso de
manutenção do status quo.
TABELA 1.1 Tempo requerido para cumprir obrigações tributárias relativas
a três importantes tributos em países selecionados: 2012 (horas por ano)

País Tempo (horas por ano)


Irlanda 80
Austrália 109
Malásia 133
Botsuana 152
Espanha 167
Rússia 177
Filipinas 193
África do Sul 200
Colômbia 203
Coreia do Sul 207
Taiwan 221
Turquia 223
Costa Rica 226
Índia 243
Portugal 275
Polônia 286
Chile 291
Peru 293
México 337
China 338
Paraguai 387
Egito 392
Argentina 405
Equador 654
Venezuela 792
Vietnã 872
Bolívia 1025
Brasil 2600
Fonte: Banco Mundial – Doing Business http://www.doingbusiness.org/data.
Elaborado pelo autor.

Uma das principais razões para o fracasso das tentativas de reforma é o


simples fato de que a racionalização tributária resulta em perda de receitas. As
partes envolvidas nas negociações (estados, municípios e Governo Federal)
temem perder as suas tão necessárias receitas, sem as quais não dão conta de
atender a persistente pressão por gastos (fato estilizado 1).
Dado que a prioridade política é manter os gastos públicos em alta, qualquer
proposta que ameace as receitas públicas é objeto de múltiplos vetos. Em
suma, a política tributária torna-se endógena às decisões políticas de expansão
dos gastos.34
1.5.3 FATO ESTILIZADO 3: a poupança do setor público é negativa
Apesar dos esforços das instituições de arrecadação tributária, a receita não
consegue acompanhar o ritmo de crescimento da despesa. Permanece um hiato
entre as duas, representado por um déficit fiscal, mostrado no Gráfico 1.10.
Durante toda a nova era democrática, o setor público apresentou déficit em
suas contas, o que é o mesmo que dizer que há uma poupança negativa no setor
público.
Quando o setor público drena parte da poupança acumulada pela sociedade,
para financiar o seu excesso de gastos, diminui o montante de recursos
disponíveis para financiar os investimentos das empresas. Em consequência, a
taxa de crescimento da economia diminui, porque menos investimento resulta
em um ritmo mais lento de acumulação de capital físico.
Existem três fontes de poupança em uma economia: poupança do governo,
poupança do setor privado doméstico e poupança externa. Quando a poupança
do governo é negativa, os investimentos têm que ser financiados pelas outras
duas modalidades de poupança. A poupança externa nada mais é que o déficit
do país na sua conta de transações correntes com o exterior, o que faz com que
fluam recursos internacionais para dentro do país.
Não se deve confiar demais nessa poupança, porque ela gera uma dívida em
outras moedas. Como o Brasil emite apenas reais, qualquer desvalorização da
moeda nacional faz com que a dívida externa se torne mais cara, podendo levar
empresas e entidades públicas ao estrangulamento financeiro.
GRÁFICO 1.10 Poupança privada, pública e total no Brasil: 1995-2009 (%
do PIB)

Fonte: Levi e Giambiagi (2013).


Elaborado pelo autor.

Durante o regime militar, o Brasil usou intensamente a poupança externa para


financiar seu crescimento e se tornou vulnerável a crises internacionais, que
efetivamente aconteceram e impuseram alto custo ao país. O mesmo aconteceu
na década de 1990. Portanto, o perigo e as restrições existentes no uso dessa
poupança recomendam cautela no seu uso.35
Devido às limitações ao uso da poupança externa e ao saldo negativo da
poupança do governo, a poupança privada doméstica torna-se a principal fonte
de financiamento dos investimentos em capital físico. Se essa poupança não
for suficiente para sustentar um nível adequado de investimentos, o
crescimento econômico fica prejudicado.
Ricardo Hausmann, Dani Rodrik e Andrés Velasco criaram um método para
fazer diagnóstico das causas fundamentais do baixo crescimento de algumas
economias. Eles consideram que, no caso do Brasil, a escassez de poupança é
uma causa fundamental para o baixo crescimento econômico:
[O Brasil] tem tentado resolver o seu problema de escassez de poupança
interna por dois caminhos: pela atração de poupança externa e pela alta
remuneração da poupança interna via altas taxas de juros. (...) o desempenho
de crescimento do Brasil tem se movido pari passu com a intensidade da
restrição externa. Quando a restrição ao acesso à poupança externa é
relaxada digamos, por um aumento do apetite do mercado internacional por
títulos de países emergentes, ou devido à elevação dos preços das
commodities, como nos meses recentes, a economia consegue crescer. Mas
quando a restrição externa aperta, os juros reais sobem, a moeda se deprecia e
o crescimento declina. Isso sugere que o crescimento é limitado pela
poupança disponível.36 (Destaques nossos)
A dependência do crescimento brasileiro em relação à disponibilidade de
poupança externa, devido à escassez de poupança interna, está refletida no
Gráfico 1.10. Como comentado, a taxa de crescimento média eleva-se a partir
de 2004 em resposta à melhoria dos termos de troca, decorrente do boom no
mercado de commodities, que aliviou a restrição de poupança externa do país e
viabilizou uma taxa mais elevada de crescimento.
Já o Gráfico 1.11, a seguir, mostra essa relação de forma ainda mais clara: as
variações reais do PIB caminham pari passu com as variações nos termos de
troca (preço das exportações em relação ao preço das importações), havendo
uma elevada correlação positiva (0,61) entre as duas séries.
GRÁFICO 1.11 PIB e termos de troca – taxas anuais de variação
Fonte: World Bank database e IPEA data (http://data.worldbank.org/ e www.ipeadata.gov.br).
Elaborado pelo autor.

O macroeconomista e ex-Presidente do Banco Central, Affonso Celso


Pastore, interpreta essa correlação em uma das suas habituais colunas
jornalísticas:
Testes de causalidade aplicados a essas duas séries mostram que são os
movimentos nos preços de commodities que causam os movimentos nas taxas
de variação do PIB, e não o contrário, e a correlação positiva elevada e
estável entre as duas séries atesta que a aceleração no crescimento dos preços
de commodities conduz à aceleração no crescimento do PIB. Tanto a
aceleração do crescimento no período de 2006 a 2008 quanto a forte
recuperação da economia em 2010 são em grande parte fruto de um
acentuado crescimento dos preços de commodities. (...) a elevação dos preços
de commodities leva a ganhos de relações de troca, que permitem o
crescimento dos investimentos acima das poupanças domésticas, que são
reconhecidamente escassas, levando à absorção de poupanças externas na
forma de importações líquidas, sem que o déficit nas contas correntes seja
excessivamente pressionado.37 (Destaque nosso)
Desse modo, há evidências de que a escassez de poupança é uma restrição
ativa, que limita a capacidade de investimento da economia brasileira e, com
isso, restringe o crescimento do PIB. A disparada do gasto público corrente
(fato estilizado 1), insuficientemente coberto pela expansão da arrecadação
(fato estilizado 2), elevou o déficit público, tornando a poupança pública
negativa e, portanto, aguçando a escassez de poupança.
Pela lei da oferta e da demanda, quando há escassez de poupança ocorre a
elevação do preço dessa “mercadoria” escassa. O “preço” da poupança é a taxa
de juros: quem deseja tomar empréstimos para fazer um investimento terá que
pagar caro por isso. Esse é o próximo fato estilizado a ser analisado.
1.5.4 FATO ESTILIZADO 4: altas taxas de juros
Uma das mais marcantes características da economia brasileira é o alto nível
da taxa de juros. O Gráfico 1.12 apresenta os juros reais em operações de
empréstimo bancário. Embora se observe uma consistente redução da taxa ao
longo dos anos, ela se mantém em nível elevado. Em 2011, último ano
disponível para essa série, a taxa anual estava em 34,5% ao ano.
GRÁFICO 1.12 Taxa real média de empréstimo bancário no Brasil (% ao
ano): 1997-2011

Fonte: World Bank database (http://data.worldbank.org/).


Nota: Deflacionado pelo deflator implícito do PIB.
Elaborado pelo autor.

O Gráfico 1.13 contrasta a taxa de juros brasileira com a do grupo de


comparação. Fica claro que a taxa brasileira é desproporcionalmente maior.
Ainda que se tome a menor taxa observada no Brasil desde o ano 2000 (29%,
em 2010), ela ainda fica muito acima das taxas observadas nos outros países.
Essa característica marcante da economia brasileira foi por muitos anos
considerada a causa principal e exógena do baixo crescimento. Muitos
políticos e economistas argumentavam que se tratava de uma miopia
ideológica do Banco Central a fixação de taxas de juros altas em suas
operações com o setor bancário. Esse “erro” de política econômica seria
responsável pela baixa taxa de investimento.
Na verdade, as taxas de juros altas nada mais são do que uma consequência
da baixa taxa de poupança da economia. Trata-se de um sintoma do problema
do baixo crescimento e não de sua causa. A história econômica recente do país
mostra que as altas taxas são consequência de um dos seguintes fatores: (1)
crises no balanço de pagamentos, que exigem aumento dos juros para atrair
capitais externos e disponibilizar dólares para o pagamento de dívidas
vincendas no exterior; (2) pressão inflacionária decorrente de excesso de
demanda.

Á
GRÁFICO 1.13 Taxa real média de empréstimos bancários em países
selecionados (% ao ano): 2010-2011

Fonte: World Bank database (http://data.worldbank.org/).


Nota: deflacionado pelo deflator implícito do PIB. Não há dados disponíveis para Portugal, Turquia e Taiwan, países
pertencentes ao grupo de comparação e incluídos nos demais gráficos. Elaborado pelo autor.

Ambos os fenômenos são consequência da excessiva expansão dos gastos


públicos (fato estilizado 1). Essa política fiscal cronicamente expansionista
pressiona a demanda agregada e corrói a poupança agregada (fato estilizado 3).
As crises de balanço de pagamento são consequência do uso excessivo de
poupança externa (devido à escassez de poupança interna) e o excesso de
demanda agregada é resultado direto das despesas públicas, que representam
um aumento na demanda total por bens e serviços disponíveis na economia.
Alex Segura-Ubiergo publicou um estudo que se tornou referência para o
entendimento das altas taxas de juros no Brasil. O texto, que tem o sugestivo
título “O enigma das altas taxas de juros no Brasil”, deixa clara a importância
da baixa poupança doméstica, em especial da baixa poupança do setor público,
como causa dos juros elevados:
Elevar a poupança doméstica seria o fator mais importante para reduzir as
taxas de juros reais no Brasil ao longo do tempo. Essa é a variável que tem
potencialmente o efeito mais promissor, porque o Brasil ainda tem um nível
baixo de poupança doméstica e existe, por isso, grande espaço para aumentá-
la. Elevar a poupança doméstica para o nível observado no México diminuiria
a diferença média da taxa de juros brasileira em relação ao resto dos
mercados emergentes [considerados no estudo] em quase 50%. Aumentar a
poupança doméstica por meio de melhoria na situação fiscal produziria
efeitos ainda mais potentes.38 (Destaque nosso)
Em outras palavras: a causa central das taxas de juros elevadas está na baixa
poupança brasileira, em especial na poupança negativa do setor público (fato
estilizado 3). Como proposto anteriormente, baixa poupança pública vem de
despesas públicas correntes sempre crescentes e superiores à arrecadação.
Embora a carga tributária cresça (fato estilizado 2), ela não o faz em ritmo
suficiente para equilibrar o orçamento público. Taxas de juros altas são um
sintoma do problema e não sua causa.
1.5.5 FATO ESTILIZADO 5: gargalos de infraestrutura
O Brasil sofre de uma impressionante falta de infraestrutura. A Tabela 1.2
mostra que o país é o 107o entre 140 países em um ranking de qualidade geral
da infraestrutura: está, portanto, no 8o decil da distribuição. Entre os 28 países
do grupo de comparação, o Brasil repete a má colocação geral: é o 21o, ficando
também no 8o decil.
A infraestrutura de transportes é especialmente preocupante. Como mostra a
Tabela 1.3, o Brasil está entre os piores países em termos de estradas, portos,
aeroportos e ferrovias. Mesmo em um setor em que o país tem vantagens
comparativas naturais, como é o caso da geração de energia hidrelétrica, o país
não passa de uma posição intermediária no ranking.
Entre 1940 e 1990, o Brasil construiu um sistema integrado de geração e
transmissão de energia hidrelétrica bastante eficiente. No entanto, a restrição
de recursos para manter e expandir esse sistema levou ao subinvestimento.
Uma crise de energia eclodiu em 2001, causando amplas perdas em termos de
crescimento econômico. Doze anos após a ocorrência do “apagão”e dos meses
de racionamento de energia que se seguiram, o país ainda caminha no fio da
navalha: pequena redução no volume de chuvas já gera preocupação em
relação ao nível dos reservatórios das hidrelétricas e desencadeia ansiedade em
relação ao risco de novos racionamentos ou interrupções na oferta de energia.
Saneamento básico é outra fonte de preocupação, especialmente nas áreas
metropolitanas, onde grande parcela da população vive em favelas. Embora
não estejam disponíveis estatísticas comparativas internacionais para o setor, o
fato de que 53,3% da população não estão conectadas à rede de esgoto e de que
62% do esgoto coletado não são tratados revela que há muito a ser investido
nessa área.39
TABELA 1.2 Qualidade geral da infraestrutura: posição de países
selecionados em ranking de 140 países (2012-2013)

País Ranking
Portugal 11
Espanha 18
Coreia do Sul 22
Taiwan 27
Malásia 29
Chile 31
Turquia 34
Austrália 36
Irlanda 37
África do Sul 58
Botsuana 64
México 65
China 69
Polônia 79
Equador 85
Índia 87
Egito 88
Costa Rica 95
Filipinas 98
Rússia 101
Brasil 107
Colômbia 108
Peru 111
Argentina 112
Bolívia 118
Vietnã 119
Venezuela 135
Paraguai 140
Fonte: The World Economic Forum. The Global Competitiveness Report. Elaborado pelo autor.

TABELA 1.3 Posições do Brasil nos rankings setoriais de qualidade de


infraestrutura do The World Economic Forum (2012-2013)

Rodovia Ferrovia Porto Transport Oferta de


s s s e aéreo energia
Grupo de comparação (28
22 23 26 27 13
países)
Todos os países da amostra
123 100 136 134 68
(144 países)
Fonte: The World Economic Forum. The Global Competitiveness Report. Elaborado pelo autor.
Os investimentos públicos e privados em infraestrutura têm sido baixos ao
longo de muitos anos. A Tabela 1.4 mostra que, até 1980, o Brasil tinha níveis
adequados desse tipo de investimento, que superavam 5% do PIB. Naquela
época, antes da redemocratização e da crise fiscal vivida no final do regime
militar, os investimentos em infraestrutura eram feitos basicamente por
empresas públicas federais e estaduais. Depois de 1980, o nível de
investimentos caiu e está, atualmente, em torno de 2% do PIB.
TABELA 1.4 Investimentos em infraestrutura no Brasil por setor da
economia: 1971-2010 (% do PIB)

1971-1980 1981-1989 1990-2000 2001-2010


Eletricidade 2,13 1,47 0,76 0,67
Telecomunicações 0,8 0,43 0,73 0,64
Transportes 2,03 1,48 0,63 0,64
Água e saneamento 0,46 0,24 0,15 0,19
TOTAL 5,42 3,62 2,27 2,14
Fonte: Frischtak (2012).
A queda do investimento público não foi compensada por elevação do investimento privado, o que causou a
deterioração da infraestrutura. A Tabela 1.5 mostra que os investimentos privados flutuaram em torno de 1% do PIB
ao longo de todo o período, enquanto o investimento público caiu de 3,6% para perto de 1% do PIB.

TABELA 1.5 Investimentos públicos e privados em infraestrutura no Brasil:


1981-2011 (% do PIB)

1981-1986 2001-2006 2007 2008 2009 2010 2011


Público 3,6 1,15 0,92 1,12 1,48 1,43 1,08
Privado 1,54 0,97 0,94 1,37 1,02 0,92 0,97
TOTAL 5,15 2,11 1,86 2,49 2,5 2,35 2,05
Fontes: Calderon e Servén (2010) e Frischtak (2013).

O economista especializado em infraestrutura, Cláudio Frischtak, estima que


o Brasil precisaria investir pelo menos 3% do PIB em infraestrutura para: (a)
fazer a manutenção da infraestrutura existente (1% do PIB); (b) acompanhar o
crescimento da demanda decorrente do aumento da população (1,3% do PIB);
(c) oferecer cobertura integral a 100% da população em água e saneamento em
um horizonte de 20 anos; e (d) atingir 100% de cobertura em energia elétrica
em cinco anos.40
Portanto, manter o nível de investimento em infraestrutura na casa de 2% do
PIB, como mostrado na Tabela 1.5, é claramente insuficiente. Cláudio
Frischtak estima, ainda, que o Brasil precisa de investimentos na casa de 5% a
7% do PIB para alcançar o padrão de infraestrutura da Coreia do Sul.
A eficiência na provisão de serviços de infraestrutura depende da ação
complementar dos setores público e privado. Por exemplo, portos geridos pelo
setor privado só serão capazes de receber navios de grande porte se o setor
público fizer adequado serviço de dragagem e derrocamento. A construção de
barragens para usinas hidrelétricas pode incluir a construção de eclusas que
venham a permitir a navegabilidade dos rios e a exploração do transporte
aquaviário em regime de concessão ao setor privado. Um sistema público
centralizado de distribuição de energia pode ampliar a eficiência do sistema, ao
coordenar a transmissão de energia gerada por diversas plantas privadas.
De fato, os economistas do Banco Mundial, César Calderon e Luís Servén,
que desenvolveram diversas pesquisas buscando avaliar o nexo causal entre a
disponibilidade de infraestrutura e o crescimento econômico dos países,
argumentam que existe uma correlação positiva entre os investimentos
públicos e privados em infraestrutura na América Latina. Países como Chile e
Colômbia têm altos níveis de investimento em infraestrutura nos setores
público e privado, enquanto Brasil, Peru e México têm níveis baixos dos dois
tipos de investimentos.41
Além dessa complementaridade, o governo tem importante papel a cumprir
tendo em vista as externalidades positivas que são geradas para a sociedade:
doenças são controladas pelo saneamento, reduzindo a necessidade de
atendimentos de saúde e aumentando a produtividade dos trabalhadores; a
poluição diminui quando o transporte público substitui o particular; a
produtividade das empresas aumenta quando os congestionamentos de trânsito
são reduzidos etc. Tendo em vista que os investidores privados em
infraestrutura não levam em conta esses efeitos positivos sobre a sociedade (o
lucro é seu objetivo principal), o nível de serviços que eles oferecem tende a
ser menor do que aquele considerado ótimo do ponto de vista coletivo. Por
exemplo, não há incentivo a oferecer saneamento em áreas pobres, onde a
população não pode pagar pelo serviço. Portanto, o governo precisa interferir
por meio de subsídios, investimento público direto ou regulação da provisão
privada, de modo a ampliar a oferta dos serviços.
Ademais, um eficiente sistema de infraestrutura requer grandes doses de
planejamento de longo prazo, o que é uma tarefa governamental por natureza:
interconexão de diferentes modais de transporte, escolha entre diferentes
opções de investimento, inventário das fontes de energia elétrica e outros
recursos naturais etc.
Por isso, uma boa infraestrutura, que inclua a participação dos setores público
e privado, requer intensa participação governamental. Em especial, é
necessário que o governo: (a) tenha recursos disponíveis, no presente e no
futuro, para fazer investimentos complementares e subsidiar tarifas quando
externalidades e questões redistributivas forem relevantes; (b) possa prover
regulação estável e eficiente (agências reguladoras, Judiciário, fiscalização e
auditoria); (c) tenha agências públicas especializadas no planejamento e
coordenação dos investimentos em infraestrutura.
Será que o Brasil atende esses requisitos? A qualidade da regulação, a
eficiência do Judiciário, o respeito ao direito de propriedade e à letra da lei são
questões a serem analisadas adiante (fato estilizado 8). Por ora, é suficiente
dizer que essas instituições estão longe de ser adequadas e, de fato,
representam obstáculos ao maior envolvimento do setor privado na provisão de
infraestrutura.
A disponibilidade de recursos é um ponto central. Tendo em vista que a
despesa corrente disparou após a instauração da democracia (fato estilizado 1),
os investimentos se tornaram secundários. Uma mudança institucional que foi
determinante para o declínio da infraestrutura foi a abolição da vinculação de
alguns impostos ao gasto no setor. Essa vinculação estava inscrita na
Constituição de 1967 e foi abolida pela nova Carta. Receitas tributárias que
antes eram previamente reservadas aos investimentos públicos foram
transferidas para uma conta única e se tornaram disponíveis para financiar
despesas correntes. Esse foi um trailer do filme que seria visto ao longo dos
anos seguintes: a grande mudança na prioridade política dos gastos públicos
em favor dos gastos correntes e em prejuízo dos investimentos.
A intensa pressão para remediar a pobreza e as necessidades sociais, após a
redemocratização, fez com que os políticos, de olho no voto da massa de
eleitores pobres, promovessem essa mudança de prioridades. Os investimentos
em infraestrutura têm a capacidade de reduzir a pobreza em uma perspectiva
de longo prazo,42 mas a pressão pelo atendimento de necessidades imediatas e
o calendário eleitoral não permitem que se espere tanto.
Mais de duas décadas de compressão dos investimentos públicos e privados
em infraestrutura resultaram no desmonte das instituições públicas voltadas ao
planejamento e à coordenação desses investimentos. Um símbolo dessa
realidade foi a extinção da Companhia Brasileira de Planejamento de
Transportes (GEIPOT), uma empresa pública que dispunha de engenheiros de
alta qualificação e que tinha como missão planejar a rede nacional de
transportes. A extinção ou privatização de empresas em áreas como
telecomunicações e energia também reduziram a capacidade do governo para
planejar e coordenar, dado que essas companhias eram geridas de maneira
centralizada e seus profissionais interagiam entre si, permitindo a coordenação
dos investimentos. Isso não significa que havia planejamento e coordenação
eficientes, mas sim que havia algum grau de centralização, que viabilizava o
planejamento e que não foi substituído por nenhuma outra entidade pública
responsável por analisar as necessidades futuras de infraestrutura.
Anand Rajaram e seus colegas do Banco Mundial43 criaram um guia para
avaliar a qualidade na gestão do investimento público. Posteriormente, o
Banco Mundial44 aplicou tal metodologia ao Brasil. Quase todos os problemas
potencialmente existentes no setor, listados por Rajaram e coautores, foram
detectados no caso brasileiro: incapacidade para selecionar projetos prioritários
e descartar os menos importantes (incluindo o desperdício de dinheiro com
elefantes brancos); atrasos em todas as fases de planejamento e execução;
corrupção e ineficiência nas licitações; estouro de custos; inúmeros projetos
inconclusos ou abandonados; incapacidade de operar de forma eficiente e fazer
manutenção adequada da infraestrutura existente.
Em meados da década de 1990, o Brasil implementou um amplo programa de
privatização. Seguindo uma tendência mundial, o país tentou introduzir a busca
pelo lucro no setor, para atrair investidores privados. Isso não só ajudaria a
resolver o problema da falta de recursos para investir, como também
introduziria incentivos ao aumento de produtividade e da eficiência na gestão
da infraestrutura.
De fato, a privatização permitiu melhorias em muitas áreas. As
telecomunicações são o principal exemplo de sucesso. Uma vez que inovações
tecnológicas reduziram as características de monopólio natural então existentes
no setor e introduziram o potencial de competição, houve notável melhoria na
cobertura e qualidade dos serviços. No entanto, em situações em que
coordenação e regulação são pontos-chave, aparecem problemas, pois os
órgãos regulatórios carecem de independência política e de qualidade técnica
(como será visto no Capítulo 3). Por exemplo, há problemas em questões
como: uso de infraestrutura de uma empresa de telecomunicações pelas suas
concorrentes, licenças para instalação de antenas em áreas públicas, imposição
e cumprimento de padrões mínimos de qualidade e preservação dos direitos
dos consumidores.
Houve progresso na privatização de estradas, mas localizado nas regiões mais
desenvolvidas do país, em especial no Estado de São Paulo. A qualidade e
disponibilidade de rodovias sob gestão privada aumentou, entretanto existem
conflitos políticos relativos aos preços de pedágio. Dado que este é um custo
bastante explícito (os usuários sentem no bolso toda vez que passam pelas
cabines de cobrança), diversos políticos encontraram no combate à cobrança
de pedágios um nicho político para angariar votos, pressionando pela redução
dos preços cobrados. Isso levou a um programa federal de privatização de
estradas com ênfase na obtenção de pedágios baratos, o que tem desestimulado
os gestores privados a investir na melhoria da qualidade das estradas.
Em suma, o Brasil possui graves gargalos de infraestrutura devido a uma
combinação de: (a) preferência política por despesas correntes em detrimento
dos investimentos públicos; (b) baixa capacidade do governo para coordenar e
planejar os investimentos no setor; (c) fragilidade política e financeira das
agências reguladoras, além de outras fragilidades institucionais que impedem
uma participação mais intensa do setor privado.
A infraestrutura insuficiente inibe o crescimento econômico no Brasil por
vários motivos. É intuitivo que uma boa infraestrutura: (a) abre novas
oportunidades de negócio (por exemplo, conectando cidades distantes a centros
econômicos dinâmicos); (b) reduz custos (transportes, comunicações, energia);
(c) aumenta a produtividade dos trabalhadores (melhorias na saúde e na
educação); (d) amplia a escala de produção possível (portos de grande
capacidade); (e) aumenta a disponibilidade e a segurança na provisão de
insumos essenciais (água, energia); (f) estimula a competição (redução dos
custos de transportes reduz o preço das importações no mercado interno).45
No caso brasileiro, há evidências de que a carência em infraestrutura é, de
fato, uma restrição ao crescimento econômico. O já mencionado impacto do
racionamento de energia elétrica em 2001 é um exemplo claro.
A área de transportes é outra em que a insuficiência de infraestrutura parece
grave. As commodities constituem importante item da pauta de exportações
brasileira. Em geral, elas têm baixo valor unitário e são pesadas. Por isso, o
frete torna-se um item de custo de alta relevância. A exportação de soja oferece
um interessante exemplo. O Brasil é, provavelmente, o mais eficiente produtor
do mundo. No entanto, os custos de transporte destroem parte dessa vantagem.
Carmen Pagés coordenou um profundo estudo do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) sobre produtividade das economias latino-americanas.
Esse trabalho informa que os custos de transporte representam 32% do custo
total da soja brasileira, contra apenas 18% nos EUA. Consequentemente, o
custo total de produção e transporte acaba sendo o mesmo nos dois países,
apesar do fato de o custo antes do transporte ser bem menor no Brasil.
Enquanto nos EUA os produtores podem escolher entre o transporte por
estradas ou por ferrovias, no Brasil a única opção é o uso de estradas
precárias.46
Outro estudo do BID, escrito por Maurício Marques Mesquita e coautores47
mostra que as deficiências em infraestrutura são mais prejudiciais às
exportações brasileiras do que a inexistência de acordos gerais de comércio ou
o protecionismo comercial dos países desenvolvidos. Fernando Lagares Távora
chega à mesma conclusão ao desenvolver um modelo microeconômico para
estudar o mercado internacional de soja.48
Tráfego urbano congestionado é outro exemplo claro de como a carência de
infraestrutura restringe os ganhos de produtividade e eficiência. De acordo
com o já citado estudo coordenado por Carmen Pagés, um estudo feito pelo
governo brasileiro em 1999 concluiu que os custos de operação dos transportes
coletivos de passageiro eram 15,8% mais altos em São Paulo, devido a
congestionamentos de trânsito, enquanto em Brasília (cujo tráfego tem maior
fluidez) esse acréscimo era de apenas 0,9%.49
A dimensão continental do país é outro fator que faz dos transportes um
insumo de importância central. A falta de boas estradas e ferrovias marginaliza
cidades e regiões que estão distantes dos principais centros econômicos, onde a
maior parte da produção nacional é consumida. Ao mesmo tempo, protegidas
pelos altos custos de transportes, as firmas instaladas perto dos centros
consumidores têm menos incentivos para aumentar sua produtividade, pois os
concorrentes situados mais longe do consumidor enfrentam maiores custos de
transportes. Em contraste com esse cenário de isolamento, a experiência
histórica dos EUA mostra a importância de uma rede eficiente de transportes
para o comércio inter-regional e para a especialização das diferentes regiões na
produção dos bens e serviços para os quais têm vantagens comparativas.
Ademais, baixos custos de frete permitem às empresas e aos consumidores
fazer compras em locais mais distantes, ampliando suas opções de compra e
aumentando a competição entre os fornecedores.50
Em suma, a fragilidade na infraestrutura parece ser uma restrição importante
ao crescimento no Brasil. Para superar esse problema o país deveria não
apenas estimular a participação privada no setor, mas também aumentar os
recursos públicos para fazer investimentos complementares aos privados e
reforçar o planejamento e a coordenação, bem como fortalecer as agências
reguladoras. No entanto, a prioridade política dada aos gastos correntes (fato
estilizado 1) representa uma clara restrição ao desenvolvimento da
infraestrutura.
1.5.6 FATO ESTILIZADO 6: forte crescimento real do salário mínimo
O Gráfico 1.14 mostra a evolução do valor real do salário mínimo desde 1990.
De 1990 a 1995, ele oscilou, sem uma tendência clara, devido à alta inflação e
ao pequeno intervalo de tempo entre os reajustes dos valores nominais. O valor
real oscila bastante, mas não tem tendência de alta.
Após 1995, quando a hiperinflação já havia sido controlada, o valor do salário
mínimo entrou em trajetória crescente. Em janeiro de 2013, ele era 170%
maior que em janeiro de 1995. Isso decorreu de uma política deliberada do
Governo Federal. Os políticos rapidamente perceberam que aumentos reais do
salário mínimo eram um poderoso instrumento para atrair o voto dos mais
pobres, cujos salários são direta ou indiretamente afetados por esse parâmetro.
O salário mínimo tinha um valor bastante baixo em meados da década de
1990. Por isso, nos primeiros anos dessa política, não houve impacto
significativo sobre os custos das empresas, que já pagavam remunerações
acima do mínimo legal. No entanto, após quase 20 anos de sucessivos
aumentos reais, o salário mínimo começou a representar um importante fator
de custo para as companhias, principalmente aquelas que contratam
trabalhadores de menor qualificação, cujo valor agregado à produção passou a
ser inferior ao valor do salário mínimo.
GRÁFICO 1.14 Salário mínimo no Brasil (R$ de janeiro de 2013)

Fonte: www.ipeadata.gov.br.
Deflator: INPC. Elaborado pelo autor.

O Brasil possui um grande número de trabalhadores com baixo nível de


qualificação e pouco treinamento profissional, o que resulta em baixa
produtividade. Forçar as firmas a pagar um salário mínimo que supera a
contribuição que esses trabalhadores dão ao valor final da produção leva as
empresas a restringir a contratação de mão de obra menos qualificada. Isso
tende a elevar o desemprego e a empurrar os trabalhadores menos qualificados
para o mercado informal, onde receberão menos que o mínimo legal.
Há evidências, todavia, de que o salário mínimo funciona como uma
referência para o pagamento de salários no mercado informal.51 Em
consequência, os aumentos na remuneração mínima pressionam os custos não
apenas do mercado formal, mas também do informal. Além disso, o salário
mínimo também é utilizado como referência para remunerações que são
maiores que o mínimo. Embora ilegal, é comum que os salários sejam
indexados ao seu valor: os acordos estipulam que a remuneração será, por
exemplo, equivalente a dois ou três salários mínimos. Por isso, o salário médio
na economia tende a subir quando há aumentos reais no salário mínimo.52
Aumentos reais de salários que advenham de ganhos de produtividade não
afetam os custos das empresas. Quando os salários crescem acima da
produtividade por um curto período de tempo, as empresas podem acomodar a
situação reduzindo suas margens de lucro, o que permite que o aumento
salarial seja absorvido sem maiores impactos na economia. No entanto, um
longo período de aumentos salariais acima da produtividade reduz os lucros
esperados e descapitaliza as empresas, desencorajando investimentos, o que
tem impacto negativo no crescimento econômico.53 O Gráfico 1.15 mostra que
o salário mínimo e o salário médio da economia brasileira crescem a taxas
superiores à produtividade do trabalho. Enquanto o salário mínimo cresceu
5,9% ao ano e o salário médio subiu 3,6% ao ano, a produtividade do trabalho
elevou-se em apenas 2,9% ao ano. Por isso, a política de aumentos reais do
salário mínimo está provavelmente prejudicando o crescimento ao
desestimular o investimento.
GRÁFICO 1.15 Salário mínimo, salário médio e produtividade do trabalho
(índice de variação real, 2005 = 100)
Fontes: www.ipeadata.gov.br: salário mínimo e médio (deflacionados pelo INPC).
Salário médio é o “rendimento habitual do trabalho principal das pessoas ocupadas em regiões metropolitanas” –
Pesquisa Mensal de Emprego – IBGE.
Alan Heston, Robert Summers e Bettina Aten, Penn World Table Version 7.1, Center for International Comparisons of
Production, Income and Prices da University of Pennsylvania, Nov. 2012: produtividade do trabalho até 2009.
IBGE Contas Nacionais e PME – população empregada e produtividade do trabalho para os anos de 2010-11.
Elaborado pelo autor.

Esse não é o único efeito do salário mínimo sobre as perspectivas de


crescimento econômico. Existe outro canal que opera através das despesas
públicas. A Constituição de 1988 estabeleceu que os benefícios assistenciais e
previdenciários pagos pelo governo não podem ser inferiores a um salário
mínimo.54 Outros programas de assistência social também definem o montante
a ser pago a seus beneficiários em termos de salários mínimos (em geral,
pagam exatamente um salário mínimo).
O Gráfico 1.16 mostra a evolução da parcela dos gastos públicos federais
indexada ao salário mínimo. Os benefícios sociais e assistenciais indexados ao
mínimo somavam 6,6% do PIB em 1998. Quatorze anos mais tarde, essa
despesa havia atingido 8,7% do PIB.
Esse gráfico simula qual teria sido a despesa com tais programas em um
cenário em que o reajuste dos benefícios tivesse sido feito pela variação
acumulada da inflação. Em tal caso, o aumento das despesas seria determinado
pela expansão do número de benefícios pagos, dado que o valor do benefício
em si ficaria constante em termos reais. Nessa trajetória simulada, a despesa
total em assistência social e benefícios previdenciários atingiria 7% do PIB em
2012: 1,7 pontos percentuais do PIB menor que a despesa efetivamente
realizada. Ou seja, os reajustes do salário mínimo afetam significativamente a
despesa total.
O Gráfico 1.5 (apresentado anteriormente, no fato estilizado 1) mostrou que a
despesa primária do Governo Central cresceu de 15% para 18,3% do PIB entre
1998 e 2012, ou seja, 3,3 pontos percentuais. Já o Gráfico 1.16 mostrou que
1,7 pontos percentuais de aumento de despesa foram causados pela indexação
de alguns gastos e benefícios sociais ao salário mínimo. Ou seja, nada menos
que 51% do aumento da despesa primária do Governo Central resulta de
aumentos do salário mínimo. Trata-se, portanto, de um fator extremamente
relevante de geração de aumento de despesa.
GRÁFICO 1.16 Benefícios assistenciais e previdenciários indexados ou
influenciados pelo valor do salário mínimo: observado versus simulado –
1998-2012 (% do PIB)

Fonte: Ministério da Fazenda – Secretaria de Política Econômica (SPE).


Simulações feitas pelo autor com base na hipótese de que 27% dos benefícios previdenciários eram iguais a 1 salário
mínimo em 1998, com um crescimento de 1 ponto percentual por ano naquela proporção. Elaborado pelo autor.

Assim como os aumentos no salário mínimo, os reajustes nas aposentadorias,


pensões e outros benefícios sociais tornaram-se importantes alavancas
eleitorais na nova era democrática, esse tipo de política é facilmente aprovada
pelo Congresso, sem muitas considerações acerca de seus impactos negativos
nas finanças públicas e na estabilidade macroeconômica. Na verdade, há outros
itens de despesa pública que, embora não formalmente indexados ao salário
mínimo, são afetados por ele, tais como o seguro-desemprego e o abono
salarial pago aos trabalhadores de baixa renda. Tendo em vista que parte
significativa dos trabalhadores beneficiados por esses mecanismos têm renda
próxima de 1 salário mínimo, qualquer aumento real nesse salário repercute
nas despesas do seguro-desemprego e do abono salarial.
Em suma, pode-se dizer que aumentos reais do salário mínimo tendem a
afetar negativamente o crescimento por meio de dois canais distintos:
compressão dos retornos esperados das empresas e aumento nos gastos
públicos correntes.
1.5.7 FATO ESTILIZADO 7: economia fechada ao comércio internacional
O Gráfico 1.17 apresenta uma medida de abertura comercial: exportações mais
importações divididos pelo PIB. O Brasil é a economia mais fechada entre os
países do grupo de comparação.

Á
GRÁFICO 1.17 Abertura comercial para países selecionados – 2010:
exportações mais importações (% do PIB)

Fonte: Alan Heston, Robert Summers e Bettina Aten, Penn World Table Version 7.1, Center for International
Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, Nov. 2012.
Nota: medido a preços de 2005. Elaborado pelo autor.

É interessante notar que o Brasil está nessa posição apesar de ter promovido
uma importante guinada na sua política de comércio exterior em 1990, quando
reduziu significativamente suas barreiras comerciais.55 De fato, o Gráfico 1.18
mostra uma tendência crescente no índice de abertura comercial do Brasil
depois do final da década de 1980. No entanto, houve um movimento
generalizado de abertura comercial ao redor do mundo nesse período e, apesar
de audacioso para os padrões nacionais, a liberalização brasileira manteve o
país entre os mais fechados do mundo.56
GRÁFICO 1.18 Abertura comercial no Brasil no período 1970-2010:
exportações mais importações (% do PIB)

Fonte: Alan Heston, Robert Summers e Bettina Aten, Penn World Table Version 7.1, Center for International
Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, Nov. 2012.
Nota: Medido a preços de 2005. Elaborado pelo autor.

É verdade que não se pode esperar que o Brasil, um país de dimensões


continentais e grande população, seja tão aberto quanto um país pequeno e de
pouca população. Existe uma tendência natural a confiar no amplo mercado
interno. No entanto, o conjunto de países do grupo de comparação, mostrado
no Gráfico 1.17, tem outras nações de amplo território e/ou grande população,
como é o caso de Austrália, Rússia, México ou China. Todos bem mais abertos
que o Brasil.
Assim como muitos outros países latino-americanos, o Brasil tem uma
história de políticas de substituição de importações. Como enfatizado na
introdução deste capítulo, o governo militar (1964-1985) erigiu barreiras
comerciais que foram além da tradicional proteção do mercado de bens de
consumo e tentou proteger setores como os de bens de capital, de
computadores e de insumos industriais. Essa opção de política resultou em um
nível muito baixo de abertura ao comércio internacional na década de 1970
(especialmente a partir de 1974), como pode ser visto no Gráfico 1.18.
Um argumento usado em favor desse tipo de política é o de que se deve
proteger a indústria nascente nacional, que precisa ser isolada da competição
internacional por um tempo, até que seja forte o suficiente para competir em pé
de igualdade. A ideia é que o setor industrial é, em geral, mais produtivo que a
agricultura e os serviços, e que o desenvolvimento econômico só é viável se
for possível criar um forte setor industrial.
O problema desse raciocínio é que a proteção tende a se perpetuar ao longo
do tempo. A proteção permite às empresas por ela beneficiadas a obtenção de
lucros extraordinários sem ter que fazer esforço para melhorar a qualidade dos
produtos ou controlar custos. Os trabalhadores dessas empresas também
lucram, pois parte dos ganhos extraordinários podem ser convertidos em
salários ou empregos extras. Esses grupos de patrões e empregados têm
interesse em agir unidos para manter a economia fechada, surgindo assim um
forte incentivo à formação de lobby para prorrogação da vigência da proteção
(a seção 3.4.4, no Capítulo 3, explora esse ponto em maior detalhe).
Em processos de industrialização com proteção tende a haver uma aceleração
do crescimento devido ao simples fato de que a mão de obra rural migra para a
cidade. Como a produtividade no campo tende a ser menor, a transição para o
emprego industrial eleva a produtividade média da economia. Ainda que a
indústria nacional seja menos produtiva que suas concorrentes internacionais,
ela é mais produtiva que o setor rural nacional. Quando, porém, a transição dos
trabalhadores se completa, não há outra fonte de ganhos de produtividade,
visto que a indústria local continua protegida e sem incentivos para se tornar
mais eficiente. A economia entra em estagnação. Foi basicamente isso que
ocorreu com a economia brasileira no período 1960-1980: forte crescimento
até 1980, seguido de estagnação. Um argumento adicional em favor de
restrições comerciais está relacionado à proteção do mercado interno. Como já
mencionado, países grandes e populosos possuem, ao menos potencialmente,
maiores mercados consumidores. Um raciocínio mercantilista argumenta que
tal mercado deve ser preservado para as empresas nacionais, dado que são elas
que criam empregos para a população.
O que os defensores desse argumento não revelam é que os empregos criados
serão de baixa produtividade, porque as empresas estarão em um ambiente
protegido da concorrência. Em consequência, a produtividade cai e, com ela,
caem os salários médios. Além disso, uma economia fechada perde
oportunidades de explorar novas possibilidades de comércio e de criar novos
empregos. Por exemplo, se a indústria de informática é protegida e não
consegue criar equipamentos modernos e próximos à fronteira tecnológica, as
empresas que poderiam explorar as novas funcionalidades não existirão,
deixando de contratar funcionários. Tome-se como exemplo a quantidade
novos produtos e profissões que surgiram após a expansão da informatização e
da internet: web designers, comércio on-line etc. Tudo isso atrasa quando os
equipamentos são defasados e mais caros, a velocidade de conexão é menor ou
as opções de marcas e modelos de equipamentos são mais restritas.
A literatura internacional aponta quatro canais através dos quais a abertura
comercial pode estimular ganhos de produtividade e aumentar o potencial de
crescimento econômico de longo prazo:57 (a) “seleção natural”; (b) acesso a
melhores tecnologias e insumos; (c) maior competição; e (d) expansão das
exportações.
O argumento da “seleção natural” é de que empresas de baixa produtividade
não resistirão à competição dos bens importados de melhor qualidade. Quando
essas firmas menos produtivas fecham, liberam recursos produtivos (capital,
trabalho, crédito) que serão usados por outras empresas. Em consequência,
haverá aumento na produtividade média da economia.
O segundo canal – acesso a melhores tecnologias e insumos – vem pela
redução de custos que resulta da liberalização comercial. Maquinário e
insumos de alta qualidade podem ser importados, permitindo as empresas se
adaptarem a novas tecnologias.
O terceiro canal – aumento da competição – estimula as empresas a investir
mais em tecnologia e a adaptar seus processos produtivos a um ambiente mais
competitivo. Empresas bem-sucedidas nessa adaptação ao novo ambiente se
tornam capazes de sobreviver ao processo de “seleção natural” e se tornam
mais produtivas.
Por fim, a abertura comercial torna mais fácil o acesso de empresas locais ao
mercado externo. Em geral, o livre comércio é uma via de mão dupla e os
acordos comerciais tendem a abrir mercados em todos os países que dele
participam. Quando uma empresa começa a exportar, ela tem que atender os
padrões de qualidade exigidos por seus clientes. Além disso, ela pode
aumentar a escala de operações, reduzindo o seu custo médio de produção.
Embora pequena quando comparada ao padrão internacional, a abertura da
economia brasileira nos anos 1990 parece ter gerado significativos ganhos de
produtividade na indústria brasileira. Em um dos diversos estudos de
economistas brasileiros que buscam medir esse fenômeno, Pedro Cavalcanti
Ferreira e José Luiz afirma:
Todas as medidas de crescimento da produtividade estimadas neste artigo
apresentam um padrão comum de comportamento nos anos entre 1985 e
1997: elas caem ou ficam estagnadas antes de 1990 e, então, crescem
significativamente depois daquele ano. Nesse mesmo período, o Brasil
liberalizou o seu comércio internacional, reduzindo tarifas, eliminando
definitivamente quotas de importação e reservas de mercado, o que reduziu a
proteção da produção doméstica. Os resultados deste artigo nos permitem
concluir que existe uma relação significativa e robusta entre esses dois fatos,
de modo que a reforma no comércio internacional teve importante impacto
positivo no desempenho da indústria.58
Naércio Menezes Filho e Sérgio Kannebley Jr.59 fazem uma revisão de
estudos sobre esse tema. Eles argumentam que três dos quatro canais descritos
acima ajudaram a aumentar a produtividade total dos fatores no Brasil em
decorrência da liberalização comercial: “seleção natural”, aumento da
competição e acesso a insumos. Eles não encontram evidências de que as
empresas brasileiras ampliaram seu acesso ao mercado de exportação.
A lição trazida pela liberalização comercial da década de 1990 é a de que a
abertura comercial ajudou a aumentar o crescimento de longo prazo no Brasil.
Dado que o país continua bastante fechado, a despeito da liberalização recente,
parece que passos adiante nessa trilha seriam benéficos ao Brasil. O setor
industrial e os sindicatos, todavia, têm grande poder de influência e bloqueiam
esse tipo de iniciativa. Eles também têm sido bem-sucedidos em induzir o
governo a compensá-los pelas reduções de barreiras tarifárias e não tarifárias
por meio da redução de impostos para grupos selecionados ou desvalorizações
da moeda nacional, que recompõem sua proteção ao restringir a abertura do
país a importações de bens e serviços (Capítulo 3, seção 3.4.4).
1.5.8 FATO ESTILIZADO 8: incerteza jurídica e baixa proteção aos direitos
de propriedade
O Banco Mundial tem produzido, desde 2003, ampla pesquisa, sob o título de
Doing Business, acerca do grau de dificuldade para gerir negócios em
diferentes países. Os indicadores do Doing Business “quantificam a regulação
dos negócios e a proteção dos direitos de propriedade – e seus efeitos sobre os
negócios, especialmente, pequenas e médias empresas domésticas”.60 O
indicador tenta capturar quatro diferentes dimensões: complexidade da
regulação, tempo e custo para se atingir uma meta regulatória ou cumprir uma
obrigação legal, a amplitude da proteção legal à propriedade e a carga
tributária imposta às empresas.
O Brasil aparece em uma posição desfavorável. No mais recente ranking
(Doing Business 2013,61 baseado nos dados de 2012), o país está em 130o entre
180 países (8o decil). A Tabela 1.6 mostra a posição dos 28 países do grupo de
comparação. A desvantagem brasileira é evidente: 23o lugar (9o decil).
TABELA 1.6 Ranking de facilidade para realizar negócios – países
selecionados (2013)

Ranking Geral
País Ranking do Grupo de Comparação (28 países)
(180 países)
Malásia 4 1
Irlanda 6 2
Colômbia 6 2
África do Sul 10 4
Peru 13 5
Taiwan 32 6
Chile 32 6
Coreia do Sul 49 8
Portugal 49 8
México 49 8
Polônia 49 8
Botsuana 49 8
Índia 49 8
Austrália 70 14
Turquia 70 14
Paraguai 70 14
Egito 82 17
Brasil 82 17
Espanha 100 19
China 100 19
Rússia 117 21
Argentina 117 21
Filipinas 128 23
Equador 139 24
Bolívia 139 24
Vietnã 169 26
Costa Rica 169 27
Venezuela 181 28
Fonte: Banco Mundial – Doing Business http://www.doingbusiness.org/data.
Elaborado pelo autor.

Entre as 11 dimensões avaliadas pelo índice agregado do Doing Business, a


pior situação do Brasil diz respeito ao sistema tributário (156o entre 185 países:
9o decil), questão analisada no fato estilizado 2. O país também mostra
desempenho ruim em alguns outros itens importantes, especialmente naqueles
relacionados à proteção legal ao direito de propriedade. Vale a pena dar uma
olhada mais de perto nesses números.
A Tabela 1.7 mostra o ranking do Doing Business para a imposição de
contratos (contract enforcement). Esse índice mede a eficiência do sistema
judicial para resolver disputas comerciais. O índice é formado por três
dimensões: tempo, custo e número de procedimentos. A dimensão “tempo”
mede o número de dias necessários para resolver uma disputa comercial na
justiça. Mede-se o tempo necessário para: apresentar e iniciar o caso, julgar,
obter uma decisão e fazê-la cumprir. A dimensão “custo” mede o percentual do
valor da causa que é gasto pelo demandante para custear todas as despesas
relacionadas. A dimensão “número de procedimentos” é medida pelo número
de interações entre as partes ou entre estas e o juiz ou oficial de justiça para
que se imponha um cumprimento de contrato pela via judicial.
TABELA 1.7 Ranking do Doing Business de imposição de contratos (contract
enforcement) – países selecionados (2013)

País Ranking Ranking Tempo Custo Procedimentos


todos os grupo de Dia Rankin % do Rankin Númer Rankin
países comparaçã s g (28) crédit g (28) o g (28)
(185 o (28 o
países)
countries
)
Coreia do
2 1 230 1 10,3 1 33 8
Sul
Rússia 11 2 270 2 13,4 4 36 12
Austrália 15 3 395 3 21,8 10 28 2
China 19 4 406 5 11,1 2 37 16
Portugal 22 5 547 14 13,0 3 32 7
Malásia 33 6 425 8 27,5 17 29 4
Turquia 40 7 420 7 24,9 12 36 12
Vietnã 44 8 400 4 29,0 20 34 10
Argentina 48 9 590 16 16,5 5 36 12
Polônia 56 10 685 22 19,0 9 33 8
Irlanda 63 11 650 21 26,9 15 21 1
Espanha 64 12 510 11 17,2 7 40 21
Bostuana 68 13 625 20 28,1 18 28 2
Chile 70 14 480 10 28,6 19 36 12
México 76 15 415 6 31,0 22 38 18
Venezuel
80 16 510 11 43,7 27 30 6
a
África do
82 17 600 19 33,2 23 29 4
Sul
Taiwan 90 18 510 11 17,7 8 45 27
Equador 99 19 588 15 27,2 16 39 20
Paraguai 106 20 591 18 30,0 21 38 18
Filipinas 111 21 842 24 26,0 13 37 16
Peru 115 22 428 9 35,7 25 41 24
Brasil 116 23 731 23 16,5 5 44 26
Costa
128 24 852 25 24,3 11 40 21
Rica
Bolívia 136 25 591 18 33,2 23 40 21
Egito 152 26 1010 26 26,2 14 42 25
Colômbia 154 27 1346 27 47,9 28 34 10
142
Índia 184 28 28 39,6 26 46 28
0
Fonte: Banco Mundial – Doing Business http://www.doingbusiness.org/data. Elaborado pelo autor.

A tabela apresenta a posição do Brasil em relação a todos os países estudados


pelo Banco Mundial e entre os 28 países do grupo de comparação. Apresenta-
se o valor numérico de cada um dos três indicadores (tempo, custo e número
de procedimentos) e a posição do país, em cada uma das dimensões, em
relação ao total dos países e ao grupo de comparação.
O Brasil está em 116o entre 185 países (7o decil). Sua posição relativa no
grupo de comparação é ainda pior: 23o entre 28 (9o decil). O país se sai mal em
duas das três dimensões analisadas: número de procedimentos e tempo. Já o
custo pago em procedimentos judiciais não parece ser um problema.
O sistema judicial brasileiro parece estar congestionado. É preciso gastar
muito tempo e lidar com muita burocracia para se conseguir resolver um caso
comercial na justiça.
Note-se que a dimensão custo mede apenas os custos diretos. Não considera,
portanto, o custo de oportunidade envolvido em uma longa disputa judicial (o
atraso no recebimento de um pagamento e o tempo e esforço gastos em uma
disputa judicial).
Quando o sistema judicial é lento, surgem oportunidades para se obter
vantagens nos negócios por meio do não cumprimento de contratos. Vale a
pena, em termos financeiros, atrasar um pagamento e deixar o credor buscar
seu direito na justiça. O longo espaço de tempo até o efetivo cumprimento da
sentença de pagamento permitirá ao devedor ter dinheiro em mãos para aplicar
em seus negócios, auferindo juros e deixando a inflação corroer seu débito.
Esse tipo de incentivo representa um risco para qualquer empresa e reduz
seus lucros esperados, devido à elevada probabilidade de perdas por
inadimplência de seus devedores. Uma consequência imediata é a necessidade
de se selecionar com cuidado os parceiros comerciais, o que eleva os custos
operacionais das empresas, que terão que contratar profissionais especializados
e investir na análise da capacidade de pagamento de seus potenciais clientes.
Ademais, as firmas tenderão a preferir negociar apenas com parceiros
conhecidos, perdendo a oportunidade de comprar insumos melhores ou mais
baratos de outros fornecedores que não façam parte do seu círculo de
relacionamento, com efeitos negativos nas expectativas de lucro e na
produtividade das empresas.
Um quadro similar aparece quando se analisa o tempo e o custo gastos por
credores de empresas declaradas insolventes.62 O índice de resolução de
insolvência do Doing Business mede três dimensões: tempo, custo e taxa de
recuperação de crédito. “Tempo” é medido pelo número de anos entre a
inadimplência da firma até o pagamento de parte ou do total de sua dívida
(táticas protelatórias, tais como o a possibilidade de lançar mão de recursos
processuais, são levadas em consideração). “Custo” representa o ônus
financeiro direto dos procedimentos legais de cobrança. A “taxa de
recuperação” é medida em centavos recuperados para cada dólar devido por
meio de reorganização, liquidação ou imposição legal do pagamento da dívida.
A taxa de recuperação leva em conta, também, o valor perdido como resultado
da depreciação dos ativos e o tempo que o dinheiro permanece preso devido
aos procedimentos legais do processo de insolvência.
A Tabela 1.8 mostra que o Brasil, mais uma vez, aparece mal posicionado:
143o entre 171 países (9o decil).63 No grupo de comparação, o país é o 24o entre
28 (9o decil). Assim como no indicador anterior, os custos diretos não são o
problema principal: em média os credores gastam 12% do valor de seus
créditos em procedimentos de cobrança de devedores insolventes, o que coloca
o Brasil na 12o posição entre 28 países.
O problema principal está, mais uma vez, na dimensão “tempo”: quatro anos
são necessários para se concluir um procedimento de insolvência, o que coloca
o país entre os últimos do ranking (22o entre 28). A taxa de recuperação de
crédito também é um problema sério: para cada real de dívida, o credor só
consegue recuperar 16 centavos (24o entre 28 países).
É importante lembrar que a “taxa de recuperação” leva em conta os custos
criados pela demora na solução do processo de insolvência, tais como a
depreciação dos ativos e o custo de oportunidade representado pelo tempo e
capital empregados pelo credor na disputa comercial. Por isso, a lentidão
judicial e a burocracia jogam papel importante no risco que as empresas
assumem ao fazerem negócios umas com as outras. Se um parceiro comercial
se tornar insolvente, o custo a ser suportado por seus parceiros está longe de
ser irrelevante. Isso reforça o incentivo para se negociar apenas com firmas
conhecidas, perdendo-se a oportunidade de comprar insumos melhores e mais
baratos de outros fornecedores.
Um terceiro importante indicador do Doing Business refere-se à força dos
direitos legais em operações de crédito. Ele mede o grau em que as leis
referentes a garantias e falência protegem os direitos de credores e tomadores
de crédito, de modo a facilitar e estimular as operações de crédito.64 Não há
dúvida de que o crédito é uma ferramenta fundamental para o crescimento
econômico, dado que ele permite que a poupança disponível na sociedade seja
usada por quem tem interesse em fazer investimentos. O crédito permite que as
firmas invistam além de suas disponibilidades financeiras ou que as famílias
financiem a educação de seus filhos.
O índice em questão vai de 0 a 10, com valores mais elevados indicando que
as leis de garantia e falência são melhor desenhadas e capazes de estimular a
expansão do acesso ao crédito.
TABELA 1.8 Ranking Doing Business de resolução de insolvência – países
selecionados (2013)

Ranking no Taxa de
Rankin Tempo Custo
Grupo de Recuperação
g Geral
País Comparaçã % do Centavo
(171 Ano Rankin Rankin Rankin
o crédit s por
países) s g g g
(28 países) o dólar
Irlanda 9 1 0,4 1 9 6 87,5 1
Coreia do
14 2 1,5 4 4 1 81,8 2
Sul
Taiwan 15 3 1,9 11 4 1 81,8 2
Austrália 18 4 1,0 2 8 5 80,8 4
Espanha 20 5 1,5 4 11 11 76,5 5
Colômbia 21 6 1,3 3 6 3 76,2 6
Portugal 23 7 2,0 12 9 6 74,6 7
México 26 8 1,8 9 18 22 67,3 8
Botsuana 29 9 1,7 7 15 14 64,8 9
Polônia 37 10 3,0 16 15 14 54,5 10
Malásia 49 11 1,5 4 15 14 44,7 11
Rússia 53 12 2,0 12 9 6 43,4 12
Bolívia 68 13 1,8 9 15 14 39,0 13
China 82 14 1,7 7 22 25 35,7 14
África do
84 15 2,0 12 18 22 35,4 15
Sul
Argentina 94 16 2,8 15 12 12 30,8 16
Chile 98 17 3,2 18 15 14 30,0 17
Peru 106 18 3,1 17 7 4 28,1 18
Índia 116 19 4,3 25 9 6 26,0 19
Turquia 124 20 3,3 19 15 14 23,6 20
Costa
128 21 3,5 20 15 14 22,5 21
Rica
Equador 137 22 5,3 27 18 22 17,8 22
Egito 139 23 4,2 24 22 25 17,6 23
Brasil 143 24 4,0 22 12 12 15,9 24
Paraguai 144 25 3,9 21 9 6 15,3 25
Venezuel 163 27 4,0 22 38 27 6,4 27
a
Filipinas 165 28 5,7 28 38 27 4,9 28
Vietnã 149 26 5,0 26 15 14 13,9 26
Fonte: Banco Mundial – Doing Business http://www.doingbusiness.org/data. Elaborado pelo autor.

Como apresentado na Tabela 1.9, o Brasil cumpre apenas 3 das 10


características necessárias a um bom sistema de crédito: 20o colocado entre os
28 do grupo de comparação. Um mercado de crédito inadequado induz os
bancos e outras instituições financeiras a expandir sua margem de ganho
(spread) para compensar o risco de não recuperar parte do capital emprestado.
O dinheiro torna-se caro no mercado de crédito e muitos investimentos na
expansão da produção, que seriam lucrativos em um contexto de juros baixos,
deixam de ser feitos devido ao alto custo. Além disso, aqueles que pagam suas
obrigações em dia acabam pagando o custo da inadimplência de outros.
TABELA 1.9 Ranking do Doing Business de força dos direitos legais em
operações de crédito – países selecionados (2013)

País Índice de força dos direitos legais (0-10)


Austrália 10
Malásia 10
África do Sul 10
Irlanda 9
Polônia 9
Índia 8
Coreia do Sul 8
Vietnã 8
Botsuana 7
Peru 7
Chile 6
China 6
México 6
Espanha 6
Colômbia 5
Taiwan 5
Argentina 4
Filipinas 4
Turquia 4
Brasil 3
Costa Rica 3
Equador 3
Egito 3
Paraguai 3
Portugal 3
Rússia 3
Bolívia 1
Venezuela 1
Fonte: Banco Mundial – Doing Business http://www.doingbusiness.org/data. Elaborado pelo autor.

Outro indicador importante do Doing Business é aquele que mede o grau de


proteção dos acionistas minoritários. Esse índice busca mensurar a eficácia dos
instrumentos que procuraram restringir o espaço de que dispõem os dirigentes
de empresas organizadas sob a forma de sociedades anônimas para usar os
ativos da empresa em proveito particular (em prejuízo dos acionistas). O índice
possui três dimensões: a amplitude da exigência legal de divulgação de
informações relativas a interesses pessoais dos dirigentes em operações
realizadas pela empresa; quão difícil é responsabilizar um dirigente de empresa
por uma transação que prejudicou a companhia; e a possibilidade de os
acionistas questionarem a realização de uma transação que seja potencialmente
danosa à empresa.
TABELA 1.10 Ranking do Doing Business de proteção dos acionistas – países
selecionados (2013)

Ranking Geral
País Ranking do Grupo de Comparação (28 países)
(180 países)
Malásia 4 1
Irlanda 6 2
Colômbia 6 2
África do Sul 10 4
Peru 13 5
Taiwan 32 6
Chile 32 6
Coreia do Sul 49 8
Portugal 49 8
México 49 8
Polônia 49 8
Botsuana 49 8
Índia 49 8
Austrália 70 14
Turquia 70 14
Paraguai 70 14
Egito 82 17
Brasil 82 17
Espanha 100 19
China 100 19
Rússia 117 21
Argentina 117 21
Filipinas 128 23
Equador 139 24
Bolívia 139 24
Vietnã 169 26
Costa Rica 169 27
Venezuela 181 28
Fonte: Banco Mundial – Doing Business http://www.doingbusiness.org/data. Elaborado pelo autor.

O Brasil se sai um pouco melhor nesse índice, mas não passa de uma posição
intermediária: 82o entre 185 países (5o percentil). No grupo de comparação, o
Brasil fica em 17o entre 28 (7o percentil). Ou seja, há muito que melhorar. A
Tabela 1.10 mostra os números.
Todos os índices apresentados anteriormente estão relacionados com o grau
de incerteza legal ou jurídica. Eles medem o grau de proteção à propriedade.65
Tomando-se esses índices por base, o Brasil parece ser uma sociedade na qual
as regras do jogo não estimulam o fair play, são frequentemente desrespeitadas
ou levam muito tempo para serem impostas pela justiça. Isso aumenta a
incerteza quanto ao futuro e torna os investimentos mais arriscados: um
empreendedor pode, por exemplo, achar que o investimento na compra de uma
nova máquina seja um bom negócio, mas o risco de ter que lidar com
devedores inadimplentes ou o alto custo de crédito pode desencorajar o novo
investimento.66
Investimentos que envolvem um elevado percentual de ativos imobilizados
são especialmente afetados pela incerteza jurídica. Suponha-se, por exemplo, a
construção de uma ferrovia ou a perfuração de um poço de petróleo. O dono da
ferrovia não pode simplesmente arrancar os trilhos e mudá-los para outro país
caso algo dê errado depois que o investimento foi feito. De modo similar, o
explorador do poço de petróleo investe grande quantidade de dinheiro antes de
extrair os primeiros barris de óleo. Quem tem que investir muito dinheiro ou
imobilizar ativos fixos logo no começo do empreendimento fica sem margem
de manobra para o caso de algo de errado acontecer depois dos investimentos
iniciais. Uma grande quantidade de capital já está “afundada” no negócio e não
há como protegê-lo de expropriações. Por exemplo, se um governo decidir
estatizar a ferrovia ou cassar a concessão para exploração do poço de petróleo
sem pagar indenização, a empresa terá poucos instrumentos para se defender.
Portanto, a incerteza jurídica é mais uma barreira ao investimento privado em
infraestrutura, o que faz com que os gargalos de infraestrutura (fato estilizado
5) sejam um problema de difícil solução em um contexto de fragilidade
jurídica. Os investimentos privados em infraestrutura só serão atrativos se as
margens de lucro forem grandes o suficiente para compensar os riscos de
expropriação. Nesse caso, a incerteza jurídica gera custos de produção mais
altos, reduzindo a competitividade da economia.
O alto preço para serviços de grande importância para a economia (tais como
crédito e infraestrutura) dissemina pressões de custo por toda parte, reduzindo
a habilidade das empresas instaladas no país para competir em mercados
externos.
Ademais, ativos que não estão plenamente protegidos de expropriação ou
desvalorização não costumam ser aceitos por bancos como garantias de
empréstimos, o que reduz o espaço para o uso do financiamento bancário para
financiar novos investimentos.
Em um ambiente de instabilidade jurídica, as pessoas preferem alocar sua
poupança em ativos mais seguros, abrindo mão de rentabilidade. Comprar
participação minoritária em uma empresa promissora pode não ser um bom
negócio se houver risco de os diretores dessa empresa se comportarem fora dos
padrões esperados de respeito aos acionistas minoritários. Dado esse risco,
pode ser preferível comprar ativos reais (imóveis ou ouro, por exemplo),
deixando-os sem uso, como forma de proteção do patrimônio.
Imagine, por exemplo, o caso de um indivíduo que compra um imóvel e
decide alugá-lo. Se a legislação de locação de imóveis for frágil e se o
inquilino conseguir na justiça evitar os pagamentos do aluguel e não ser
despejado, o patrimônio do proprietário (e sua rentabilidade) fica em risco, o
que torna preferível manter o imóvel vazio.
O retorno médio dos investimentos cai e as pessoas vão preferir consumir
mais e investir menos. As perspectivas de crescimento de longo prazo caem
devido ao menor nível de investimentos.
Como mencionado anteriormente, as empresas tendem a restringir o conjunto
de parceiros comerciais, fazendo negócios apenas com aquelas pessoas e
firmas que conhecem bem e confiam, para evitar ter que recorrer à justiça para
resolver pendências comerciais. Com isso, perdem a oportunidade de encontrar
fornecedores mais eficientes ou clientes com grande potencial.
Outra estratégia comum em um contexto de fragilidade das instituições
judiciais é levar para dentro da empresa a produção de bens e serviços que
poderiam ser adquiridos no mercado (a chamada “verticalização” da
produção). Faz-se isso para minimizar a necessidade de contato comercial com
terceiros, o que reduz o risco de litígio comercial. Isso reduz a produtividade
da economia, porque as firmas deveriam se concentrar naquilo que melhor
produzem.
Em resumo, a incerteza jurídica e a fragilidade na proteção dos direitos de
propriedade prejudicam os investimentos, a produtividade e,
consequentemente, o crescimento da economia. Os dados mostrados nesta
seção são uma evidência de que o Brasil está longe de oferecer um ambiente
legal estável e confiável, o que afeta o crescimento de longo prazo da
economia.
1.5.9 FATO ESTILIZADO 9: grande número de empresas pequenas, informais
e improdutivas
As empresas brasileiras são tipicamente pequenas. A Tabela 1.11 mostra que
91% de todas as empresas formais têm nove ou menos empregados. O setor
manufatureiro possui empresas maiores, mas, mesmo nesse caso, as empresas
pequenas representam 78% do total de firmas. Considerando que esses dados
vêm de uma pesquisa que não cobre empresas no setor informal (usualmente
pequenas), o tamanho médio da empresa brasileira é, provavelmente, ainda
menor.
TABELA 1.11 Empresas formais por número de empregados pagos (%) –
2010

Comércio e
Tota Manufatur
reparação Alojamento e alimentação
l a
de veículos
Até 9 91 78 94 89
10 ou
9 22 6 11
mais
Fonte: IBGE (Demografia das Empresas – 2010). Elaborado pelo autor.
Infelizmente não há muita informação comparativa disponível para outros
países, como no caso dos fatos estilizados anteriores. A informação que é
possível obter na literatura foi extraída do estudo de David Lagakos,67 no qual
o autor busca entender porque países menos desenvolvidos têm baixa
produtividade no setor de comércio varejista. Lagakos mostra um quadro em
que países de renda baixa e média, como o Brasil, tipicamente têm firmas
pequenas, enquanto os mais desenvolvidos têm empresas maiores. A Tabela
1.12 compara o percentual de pessoal empregado em empresas pequenas
(menos de 20 empregados) e grandes no setor de vendas no varejo em seis
países. Enquanto nos EUA 67% dos empregados trabalham em empresas
grandes, nos países de renda média e baixa essa participação atinge não mais
que 23% (21% no Brasil). Lagakos afirma que Alemanha, França, Holanda e
Reino Unido têm distribuição do emprego similar à dos EUA.
TABELA 1.12 Distribuição do emprego entre pequenas e grandes empresas
no setor de varejo (%)

Menos de 20 empregados 20 empregados ou mais


EUA (2005) 33 67
México (2005) 77 23
Brasil (2002) 79 21
Tailândia (2002) 81 19
El Salvador (2005) 85 15
Filipinas (2005) 85 15
Fonte: Lagakos (2009).

Em paralelo ao fenômeno do pequeno tamanho das empresas, há a


informalidade generalizada, ou seja, empresas que não estão registradas e
escapam do pagamento de tributos e do cumprimento da legislação trabalhista.
O já citado estudo do BID, coordenado por Carmen Pagés, afirma que a evasão
de impostos entre as pequenas e micro empresas é especialmente alta,
atingindo de 30% a 40% do total de vendas no Brasil. Os autores também
afirmam que a probabilidade de pagar impostos cresce com o tamanho da
empresa. No México, quase 70% das microempresas declararam que não são
formalmente registradas e não pagam impostos. Em El Salvador, apenas 3% de
todas as firmas são registradas.68
O que faz com que as empresas sejam pequenas e informais nos países de
renda baixa e média? A literatura especializada oferece diferentes explicações,
que não excluem umas as outras:
Burocracia excessiva e alto custo para os procedimentos de
formalização podem ser uma barreira para registrar uma firma, ter
acesso a crédito e fazer a empresa crescer.69
O baixo nível de renda da população faz com que os consumidores
demandem produtos baratos (em geral de baixa qualidade), que podem
ser produzidos por firmas pequenas usando métodos pouco
sofisticados.70
A regulação do mercado de trabalho pode criar altos custos para
empresas formais, estimulando-as a se manterem informais, para não
precisar registrar seus empregados;
A tributação excessiva estimula empresas a se manter pequenas e,
portanto, menos visíveis ao fisco, o que lhes permite sobreviver mesmo
tendo custos maiores e qualidade pior, pois evitam o custo tributário e,
com isso, ganham vantagem competitiva em relação às formais.

Embora as duas primeiras explicações não possam ser descartadas no caso


brasileiro,71 o papel da tributação e das leis trabalhistas deve ser enfatizado.
Analisemos, em primeiro lugar, a questão tributária. Como argumentado no
fato estilizado 2, a carga tributária no Brasil é alta e concentrada em alguns
setores da economia. A principal meta das autoridades tributárias é maximizar
a receita para dar conta das sempre crescentes despesas (fato estilizado 1). Para
conseguir essa meta, o fisco concentra sua atenção nos grandes contribuintes.
Isso abre oportunidade para que empresas pequenas soneguem impostos ao
perceber que é baixo o risco de serem multadas.
A evasão tributária funciona como um subsídio para as empresas pequenas:
elas têm custos menores quando comparadas às demais empresas devido ao
não pagamento de tributos.
A legislação trabalhista72 afeta o tamanho das empresas de forma similar à
tributação excessiva. A legislação brasileira data da década de 1940 e é
fortemente voltada a proteger o trabalhador por meio de rígidas regras a serem
cumpridas pelo empregador. Considera o empregado hipossuficiente (seja ele
um agricultor analfabeto ou um analista financeiro de um grande banco),
incapaz de negociar seu contrato de trabalho.
É impressionante a dificuldade da sociedade brasileira para chegar a um
consenso que permita modernizar essa legislação. Na verdade, as principais
alterações feitas na legislação trabalhista nos anos recentes, com destaque para
aquelas introduzidas na Constituição de 1988, foram no sentido de aprofundar
o modelo de 1940.
A legislação trabalhista é composta por rígidas regras que: (a) penalizam as
firmas por demissão de empregados sem “justa causa”, (b) regulam fortemente
a duração e a flexibilidade da jornada de trabalho; (c) limitam as contratações
por tempo determinado ou a terceirização de atividades; (d) impõem benefícios
fixos e inegociáveis (duração de férias, licença-maternidade, valor das horas
extras e noturnas e gratificações obrigatórias).
Isso significa que contratar trabalhadores é uma decisão arriscada, pois se,
mais adiante, for necessário demiti-lo em função de mudanças na conjuntura
enfrentada pela companhia, haverá um alto custo a ser pago. A firma terá que
optar entre e custo da demissão e o de manter um trabalhador redundante em
sua folha de pagamento. Isso sem falar nos custos judiciais em caso de o
trabalhador ir à justiça alegando algum descumprimento de detalhadas normas
trabalhistas. Mesmo quando não há necessidade de demitir, a inflexibilidade da
jornada de trabalho e da terceirização leva à ociosidade sazonal da força de
trabalho, elevando o custo das empresas e reduzindo a produtividade laboral.
As obrigações patronais acessórias ao salário (licenças, gratificações, repouso
remunerado etc.) representam custo adicional relevante. Cálculos de uma
assessoria contábil trabalhista indicam que tais custos equivalem a 64% do
valor do salário.73
A esses custos somam-se obrigações tributárias que, como enfatizado na
descrição do fato estilizado 2 (alta tributação), usam a folha de pagamento
como base de cálculo de tributos. Alguns desses tributos são vinculados ao
financiamento de benefícios aos trabalhadores, como o seguro-desemprego ou
o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que representa uma
poupança forçada do empregado, a ser sacada em caso de demissão.
Tais custos trabalhistas de natureza tributária representam o equivalente a
36% da folha salarial.74 Somados aos custos das obrigações acessórias antes
descritas, tem-se que um empregado formal custa, para seu empregador, o
equivalente a aproximadamente o dobro do que recebe a título de salário.
O especialista em direito do trabalho José Pastore afirma, em coluna
jornalística, que este custo está entre os mais altos do mundo:
O peso da legislação trabalhista na determinação das despesas de contratação
de empregados é bastante conhecido. O Brasil é o campeão mundial. Uma
contratação legal gera despesas de 103,46% do salário nominal. Na França,
país altamente regulamentado, essas despesas são de 80%; na Inglaterra,
59%; na Itália, 51%; no Japão, 12%; nos Tigres Asiáticos, 11% (média); e nos
Estados Unidos, pouco mais de 9%.75
As firmas que desejam escapar da inflexibilidade da legislação trabalhista e
dos custos diretos e indiretos associados a ela tendem a tomar a mesma
providência daquelas que querem escapar da tributação em geral. Mantêm-se
pequenas e informais, longe do radar da fiscalização, para não terem que pagar
impostos ou cumprir a legislação trabalhista. O resultado é que metade76 da
força de trabalho do país está fora do mercado formal de trabalho, sendo
empregada sem os direitos assegurados pela legislação.77
Portanto, tanto a alta tributação quanto a legislação trabalhista tendem a
induzir as empresas a se manterem pequenas. O problema é que empresas
pequenas são tipicamente menos produtivas que as maiores. Se a maioria dos
empreendimentos é pequena e pouco produtiva, a produtividade média da
economia acaba baixa, afetando as possibilidades de crescimento de longo
prazo.
Em outras palavras: se os insumos produtivos da economia (trabalho e
capital) fossem realocados das empresas pequenas para outras maiores, a
produtividade média cresceria. O país “desperdiça” trabalho e capital ao alocá-
los em empreendimentos pouco produtivos. Essa má alocação de fatores
produtivos só é possível porque a evasão de tributos e de obrigações
trabalhistas confere espúria competitividade a essas firmas.
Por que as empresas pequenas tendem a ser menos produtivas? Imagine-se
uma economia na qual todas as empresas, pequenas e grandes, pagam seus
impostos, não havendo sonegação. Nesse cenário ideal, as pequenas firmas
eficientes, ao oferecer bens e serviços de boa qualidade, ampliarão suas fatias
de mercado e crescerão, enquanto as ineficientes tenderão a perecer. Por isso,
quando se “tira uma fotografia” das empresas em um determinado momento, o
que se verá é um conjunto de empresas pequenas, médias e grandes que estão
funcionando naquele momento. As médias e grandes já foram pequenas e
agora, graças a sua eficiência, cresceram. Portanto, esse grupo já passou por
uma seleção natural, na qual as menos produtivas pereceram, e por isso tem
alta produtividade. Já no grupo de empresas pequenas que aparecem na foto
estarão presentes tanto as eficientes, que vão prosperar, quanto as ineficientes,
que ainda não fecharam. Em consequência, a produtividade média das
empresas pequenas será menor, pois o grupo mescla firmas produtivas e
improdutivas.
Quando, porém, empresas pequenas ineficientes ganham competitividade
porque não pagam impostos e não respeitam as leis trabalhistas, elas
conseguem permanecer no mercado. Por isso, puxam a média da produtividade
para baixo.
Além disso, dado que as empresas sonegadoras precisam ficar pequenas para
continuar tirando proveito da sonegação e da ilegalidade, elas deixam de ter
acesso a crédito (os bancos em geral exigem comprovação de quitação de
tributos para fazer empréstimos78). Isso as impede de explorar oportunidades
de investir na qualidade da produção e de se expandir, obtendo ganhos de
escala.
As empresas informais vivem um dilema entre se manter nas sombras e não
crescer ou ingressar na formalidade e ter liberdade para se expandir. Só
escolherão a segunda opção se forem suficientemente produtivas para
conseguir arcar com todos os custos trabalhistas, tributários e regulatórios, e,
ainda assim, gerar mais lucro do que se ficassem na informalidade. Quanto
maiores aqueles custos, menor a proporção de empresas que optará pela
transição para a formalidade.
O resultado é que o tamanho médio das firmas e a produtividade média da
economia caem. A Tabela 1.12 já mostrou que as firmas são menores em
países menos desenvolvidos. A Tabela 1.13, por sua vez, mostra que as
empresas pequenas nesses países são bem menos produtivas que as grandes.
Nessa tabela, apresenta-se a produtividade (produto por trabalhador) de
pequenas (menos de 20 empregados) e grandes empresas de varejo.
TABELA 1.13 Produto por trabalhador no setor de varejo (EUA = 100)

Menos de 20 empregados 20 empregados ou mais


Tailândia (2002) 23 83
El Salvador (2005) 18 80
Brasil (2002) 20 73
Filipinas (2005) 12 72
México (2005) 18 68
Fonte: Lagakos (2009)

A produtividade dos EUA é tomada como base de comparação: a


produtividade de pequenas firmas de varejo no Brasil equivale a menos de 1/3
daquela observadas nas brasileiras de maior porte. Enquanto as grandes
empresas brasileiras atingem um produto por trabalhador equivalente a 73%
daquele verificado nos EUA, a produtividade das pequenas é de apenas 20%
da obtida naquele país. Resultados similares são encontrados para outros
países.
Em estudo sobre o setor manufatureiro latino-americano produzido pelo
Banco Interamericano de Desenvolvimento, Matias Busso e seus coautores
estimam que a realocação, no setor de manufaturas brasileiro, de capital e
trabalho de firmas pouco produtivas para as muito produtivas poderia elevar a
produção em mais de 40%. Portanto, o peso que as firmas improdutivas
colocam sobre o potencial de produção do país é grande.79 Cláudio Ferraz e
Joana Monteiro estudaram especificamente a indústria manufatureira brasileira
e encontraram resultado similar. Segundo eles, a produtividade dessa indústria
poderia subir pelo menos 50% ao se realocar recursos das firmas menos
produtivas para as mais produtivas.80 Por sua vez, o já citado estudo do BID,
coordenado por Carmen Pagés, calcula que o hiato de produtividade total dos
fatores entre as microempresas formais e informais é, no Brasil, da ordem de
55%.81
É importante notar que os estudos acima citados, de Matias Busso e
coautores, além de Cláudio Ferraz e Joana Monteiro, analisam firmas com 30
ou mais empregados. Por isso, empresas muito pequenas (em média menos
produtivas) não estão incluídas, o que significa que o impacto da baixa
produtividade é provavelmente ainda maior.
Outro ponto importante a considerar nesses estudos é que eles se restringem
ao setor manufatureiro. Esse setor tende a apresentar menor variabilidade na
produtividade das suas diferentes empresas quando comparado, por exemplo,
ao setor de serviços. Serviços, com raras exceções, não são comercializados no
mercado internacional, o que significa que há menor possibilidade de
competição imposta por firmas estrangeiras. Já a manufatura tem que ser
produtiva o suficiente para concorrer com os produtos importados similares
aos seus e que estão a venda no mercado nacional. Ademais, a localização
geográfica é muito relevante na definição do consumo de serviços, pois os
usuários normalmente usam serviços oferecidos nas cercanias de sua casa ou
trabalho.
Gaaitzen de Vries estudou a produtividade no setor de varejo no Brasil. Ele
estimou que a realocação de recursos para firmas mais produtivas, no setor de
serviços brasileiro, geraria ganhos de mais de 250%.82 Tendo em vista que os
serviços correspondem a mais de 65% do PIB do país, o impacto da baixa
produtividade no setor é muito relevante.
Em suma, tributação alta e distorciva (fato estilizado 2), incluindo tributação
relacionada à regulação do mercado de trabalho (contribuição previdenciária e
outras contribuições obrigatórias associadas à folha de pagamento), e a
inflexibilidade do mercado de trabalho geram empresas pequenas e informais.
Essa informalidade impede as boas firmas de crescer e mantém ativas as
improdutivas. Isso tem consequências negativas sobre o ritmo de melhorias
tecnológicas e de evolução dos ganhos de produtividade na economia como
um todo.
1.5.10 FATO ESTILIZADO 10: atraso educacional
O nível de escolaridade no Brasil é baixo. O Gráfico 1.19 mostra o número
médio de frequência à escola para pessoas acima de 15 anos, idade a partir da
qual começa a se dar a entrada no mercado de trabalho. O Brasil aparece no
lado esquerdo do gráfico, entre os países de mais baixa escolaridade média,
estando 1,5 anos abaixo da média do grupo e 2,6 anos abaixo do Chile.
GRÁFICO 1.19 Média de anos de estudo para população acima de 15 anos
(2010)>

Fonte: Barro e Lee (2010). Dados disponíveis em: http://www.barrolee.com/data/dataexp.htm. Elaborado pelo autor.

Embora esteja atrasado em relação a outros países, o Brasil progrediu desde a


década de 1980, como mostra o Gráfico 1.20. Nos 30 anos decorridos entre
1950 e 1980, a média de anos de estudo teve um crescimento modesto de 1,07
anos. Nos 30 anos seguintes, de 1980 a 2010, houve um aumento bem mais
significativo: quase 5 anos!
A principal conquista foi a universalização da educação primária. A cobertura
do ensino secundário, embora ainda baixa, também tem crescido. Em um de
seus vários estudos sobre educação no Brasil, Fernando Veloso mostra que a
taxa de atendimento dos jovens entre 15 e 17 anos cresceu de 64% para 85%
entre 1995 e 2009.83 No entanto, como argumenta o autor, o progresso feito nos
últimos anos não foi suficiente para que o Brasil alcançasse a média
internacional, conforme mostra o Gráfico 1.21. Se o Brasil mantiver o atual
ritmo de avanços, serão necessários mais de 15 anos para atingir o nível atual
do Chile.
GRÁFICO 1.20 Brasil: média de anos de estudo para população acima de 15
anos (1950 – 2010)

Fonte: Barro e Lee (2010). Dados disponíveis em: http://www.barrolee.com/data/dataexp.htm.


Elaborado pelo autor.

Ademais, a qualidade da educação no Brasil é um problema fundamental. O


país usualmente fica na parte mais baixa do ranking em comparações
internacionais de desempenho de estudantes. A Tabela 1.14 mostra os
resultados da edição de 2009 do Programme of International Student
Assessment (PISA): 65 países participaram nessa edição da avaliação
promovida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). A tabela apresenta apenas os países que pertencem ao grupo de
comparação e que participaram do teste. Se forem considerados todos os
participantes, o Brasil está no 8o decil em todos os três tópicos avaliados. Entre
os 15 países do grupo de comparação que participaram do PISA, o Brasil fica
no 9o decil.
GRÁFICO 1.21 Percentagem da população acima de 15 anos que frequentou
pelo menos um ano de educação secundária (2010)

Fonte: Barro e Lee (2010). Dados disponíveis em: http://www.barrolee.com/data/dataexp.htm.


Elaborado pelo autor.

Todavia, o país tem melhorado seu desempenho ao longo dos anos. Segundo
o economista especializado em educação, Naércio Menezes Filho, “entre 2000
e 2009 o desempenho dos alunos brasileiros [teve] um dos maiores aumentos
observados entre os participantes”. Como o país parte de um nível muito
baixo, porém, “essa melhora somente recupera parte do atraso”.84
TABELA 1.14 Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA):
classificação de países selecionados (2009)

Leitura Matemática Ciências


Coreia do Sul 2 4 6
Austrália 9 15 10
Polônia 15 25 19
Irlanda 21 32 20
Taiwan 23 5 12
Portugal 27 33 32
Espanha 33 35 36
Turquia 41 43 43
Rússia 43 38 39
Chile 44 49 44
México 48 50 50
Colômbia 52 58 54
Brasil 53 57 53
Argentina 58 55 56
Peru 63 63 64
Fonte: OCDE. Dados disponíveis em: http://www.oecd.org/pisa/46643496.pdf. Elaborado pelo autor.

A educação (ou, mais especificamente, o capital humano) é uma potente


ferramenta para colocar um país na rota do desenvolvimento. A principal
ligação entre educação e crescimento é o aumento da produtividade.
Trabalhadores mais educados (em termos de anos de escolaridade e de
qualidade da educação) têm maior leque de habilidades e são capazes de
cumprir suas tarefas de forma melhor e mais rápida. A interação entre vários
trabalhadores de alta educação aumenta o rendimento coletivo por meio da
troca de conhecimentos no ambiente de trabalho.
Fernando de Holanda Barbosa Filho e Samuel Pessôa estimam que o atraso
educacional brasileiro é responsável por 33% do hiato de produtividade entre o
Brasil e os EUA.85 Victor Gomes, Samuel Pessôa e Fernando Veloso86
estimaram que o capital humano foi responsável por 32% do aumento do PIB
brasileiro por trabalhador no período 1950-2000. Além disso, eles argumentam
que esse impacto cresceu ao longo do tempo, atingindo mais de 55% na década
de 1990. O Banco Mundial enfatiza que no Brasil, como na maioria dos países,
a educação tem o potencial de elevar o nível de desenvolvimento em um
horizonte de longo prazo:
Dados do Brasil para os últimos 50 anos parecem ser consistentes com o
principal resultado obtido para a análise de dados de um conjunto de países:
tudo o mais mantido constante, as nações com alto nível de educação crescem
mais rápido.87
Portanto, o atraso educacional parece ser um importante fator de bloqueio ao
crescimento econômico de longo prazo no Brasil.

1.6 A história por trás do baixo crescimento


O ponto em comum que parece unir os 10 fatos estilizados apresentados
parecer ser a combinação de: (a) democratização do país em um contexto
social e econômico caracterizado por alta desigualdade; (b) péssimas
condições sociais para os mais pobres no momento da transição para a
democracia; e (c) enraizados privilégios para as classes sociais mais altas.
Uma sociedade desigual é tipicamente composta por uma massa de pessoas
pobres e um pequeno grupo muito rico. Ao longo da história do país, desde o
período colonial, os grupos mais ricos usaram seu poder econômico e antigos
laços com a elite política para criar, preservar e ampliar seus privilégios:
crédito subsidiado de bancos públicos para grandes empresas; socorros
financeiros a empresas e empreendimentos agrícolas; sistema judiciário frágil e
sujeito a influência de poder econômico; proteção comercial aos produtores
nacionais etc. Isso significou o enfraquecimento de instituições importantes
para o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, gerou aumento dos gastos
públicos correntes, como relatado nos fatos estilizados 1 (gasto público
crescente), 7 (economia fechada) e 8 (fragilidade do sistema jurídico).
Conforme relatado, esses fatores geram consequências negativas para o
crescimento econômico, pois desestimulam o investimento e prejudicam a
produtividade.
Os segmentos mais ricos da sociedade, que controlam as grandes empresas,
têm sido bem-sucedidos em se proteger da competição. Sistemas judicial e
regulatório frágeis e economia fechada são úteis quando se deseja bloquear o
surgimento de novos concorrentes, expropriar acionistas minoritários ou
preservar uma situação de monopólio ou oligopólio. Tudo isso enfraquece a
competição, desestimula o investimento e a busca de ganhos de produtividade,
reduzindo o crescimento potencial. Certamente não é fácil encontrar evidências
empíricas que comprovem que um mau ambiente de negócios tenha sido
criado propositadamente pela elite do país. No entanto, tal ambiente é, no
mínimo, útil àqueles que lucram com a preservação da baixa competição e da
alta incerteza jurídica. Ademais, os mais ricos não mobilizam seu capital
econômico e político em favor de um esforço de reformas institucionais
visando a melhoria do ambiente de negócios e do nivelamento das condições
de competição entre empresas grandes e pequenas, novas e antigas.
Por outro lado, quando o Brasil se redemocratizou, em 1985, os políticos
perceberam que a maioria dos votos estava nas mãos de eleitores pobres. Se os
interesses imediatos desse grupo não fossem atendidos, as chances dos
governantes de permanecer no poder seriam baixas. A forte demanda por
políticas que aliviassem a pobreza e as más condições sociais, acumuladas ao
longo do período militar, criou a pressão por políticas sociais.
Isso desencadeou a criação e expansão de muitos programas voltados para os
mais pobres: redução da pobreza, assistência social, saúde pública, educação
pública etc. O gasto público cresceu em decorrência dessas políticas. Ao
mesmo tempo, os mais ricos conseguiram manter os seus privilégios, seja por
meio de conexões políticas, seja pelo uso do poder econômico para influenciar
as políticas públicas. Assim, com a redemocratização, o que se observou não
foi uma substituição dos gastos a favor dos ricos por gastos a favor dos pobres.
As políticas visando os últimos se somaram às antigas e resistentes políticas
em favor dos primeiros. Daí o impulso ao gasto público (fato estilizado 1).
Além de gastar mais com políticas sociais, o setor público passou a lançar
mão de regulação visando a atrair o voto dos mais pobres. O mais importante
exemplo está nos reajustes reais do salário mínimo (fato estilizado 6), que não
apenas realimenta o aumento dos gastos públicos, como também pressiona os
custos das empresas, desestimulando os investimentos.
Esses efeitos perversos sobre o crescimento foram potencializados pelo fato
de que a redemocratização abriu espaço de reivindicação não apenas para os
mais pobres, mas também para alguns grupos de renda média. Beneficiaram-
se, em especial, aqueles que aproveitaram a ampla liberdade de organização,
concedida pela democracia, para organizar associações e sindicatos (por
exemplo, trabalhadores industriais sindicalizados). Também se beneficiaram os
grupos com acesso privilegiado ao processo de decisão política (por exemplo,
servidores públicos, que assessoram as decisões governamentais), e os grupos
numerosos e que têm demandas homogêneas e facilmente identificáveis
(aposentados, grupos religiosos, grupos étnicos).
Isso ampliou ainda mais a parcela da população com capacidade para
reivindicar programas públicos e regulação estatal em favor de grupos
específicos. Exemplos de políticas a favor dos grupos de renda média são:
manutenção e ampliação de uma legislação trabalhista que protege
predominantemente os trabalhadores sindicalizados, do setor formal;
preservação da universidade pública gratuita para estudantes de renda média e
alta; manutenção de regras de aposentadorias que beneficiam
desproporcionalmente segmentos de renda média (por exemplo, pensões por
morte muito benevolentes); diversos benefícios e subsídios aos idosos, sem
distinção de nível de renda, atendendo aos idosos de renda média e alta da
mesma forma que aos mais pobres.
Com a entrada de amplos segmentos de renda média no jogo redistributivo
através de políticas públicas, surgiu um impulso adicional ao gasto público e a
demanda por regulação nociva à produtividade.
Como relatado, gastos públicos crescentes levam à tributação mais alta e de
pior qualidade, com reflexos negativos no investimento e na produtividade
(fato estilizado 2), o que reduz o potencial de crescimento da economia.
Ademais, o surgimento de um déficit público crônico diminuiu a poupança
agregada da economia, encarecendo os custos de financiamento dos
investimentos (fatos estilizados 3 e 4). A necessidade de atender grupos sociais
distintos, transferindo-lhes renda por meio de subsídios, salários e programas
de transferência de rendas, levou também à necessidade de cortar
investimentos em infraestrutura (fato estilizado 5), pois simplesmente não
havia recursos fiscais para tudo. Mais uma vez prejudicou-se o crescimento.
Criou-se no Brasil um forte estímulo ao comportamento rent-seeking, no qual
cada grupo tenta extrair o máximo possível de benefícios para si, ao mesmo
tempo em que procura empurrar o custo das políticas públicas para outros,
fugindo à tributação. A resposta do setor público foi tentar atender todas as
pressões, de todos os grupos sociais. Em primeiro lugar, porque a frágil e
jovem democracia brasileira, em seus primeiros anos, não dispunha de
mecanismos para impor disciplina fiscal. Em segundo lugar, porque se temia
que não contemplar um ou mais grupos sociais poderia gerar movimentação
política no sentido de derrubar a democracia. O lema do primeiro governo do
período democrático, do Presidente José Sarney, era “tudo pelo social”. Ou
seja, fazia-se tudo o que a “sociedade” demandava. Pelo menos o que grupos
com poder de voto e veto demandavam. E não é por menos que o ex-presidente
aponta como principal legado de seu governo a “consolidação da democracia”.
Passados alguns anos de democracia e tendo o país enfrentado uma
hiperinflação, decorrente justamente do excesso de demandas feitas ao Estado,
foram criadas instituições de controle fiscal. Isso, contudo, não limitou a
pressão por gastos, que continua intensa. O que mudou foi que, sob a
obrigação de manter contas equilibradas, o governo passou a elevar fortemente
a tributação.
Isso aguçou o conflito distributivo. Do ponto de vista individual, cada grupo
não se sente capaz de impor uma política que corte os gastos que favorecem os
outros grupos, de modo a viabilizar a queda da carga tributária. Assim, a
estratégia ótima de cada grupo é tentar obter o máximo possível de benefícios
vindos do governo, tentando fugir da tributação que paga tais benefícios.
Tal comportamento se evidencia no caso das empresas que preferem se
manter pequenas para escapar do pagamento de impostos e do cumprimento da
legislação trabalhista (fato estilizado 9). Com isso, conseguem sobreviver
mesmo sendo pouco eficientes, puxando para baixo a produtividade média da
economia. Mais uma vez prejudica-se o crescimento econômico.
O Brasil poderia obter ganhos de produtividade e consequente aumento do
potencial de crescimento por meio da melhoria do ensino público. Afinal, se os
políticos estão atendendo a demanda dos mais pobres e se estes demandam
mais educação pública, haverá uma tendência à melhoria dessa educação. De
fato, como observado no fato estilizado 10, houve melhoria no que diz respeito
à inclusão dos mais pobres no sistema educacional. No entanto, o conflito
distributivo entre os diferentes grupos sociais impede que essa melhoria se dê
de forma mais rápida e leve à expressiva melhoria na qualidade do sistema
educacional.
A manutenção do ensino gratuito em universidades públicas, por exemplo,
benefício tipicamente voltado aos estudantes de renda média, drena a maior
parte dos recursos da educação pública – recursos estes que poderiam estar
sendo investidos nos níveis iniciais de ensino, frequentados maciçamente pelos
mais pobres. Ademais, sindicatos de professores (outro grupo de renda média)
tendem a bloquear reformas educacionais voltadas a premiar aqueles com
melhor desempenho e a punir o absenteísmo e o baixo esforço. A própria
demanda dos mais pobres parece concentrar-se, inicialmente, nos ganhos de
renda de curto prazo, necessários à sobrevivência (transferências de renda e
políticas assistenciais), em detrimento dos ganhos de renda a longo prazo
(educação). Esse perfil de demanda, perfeitamente racional da parte de quem
não tem a sobrevivência garantida no curto prazo, tende a mudar apenas
quando parte significativa dos mais pobres tiver o mínimo garantido para sua
sobrevivência, podendo planejar sua vida a longo prazo.
Do ponto de vista dos grupos de renda média, a melhoria da educação dos
mais pobres não necessariamente é um bom negócio. Se, por um lado, a classe
média ganha porque a sociedade passa a ter trabalhadores mais produtivos e
pode crescer mais rápido, por outro lado os seus jovens passarão a enfrentar
um mercado de trabalho muito mais competitivo, no qual estarão presentes os
jovens pobres de maior potencial, hoje alijados do mercado devido a sua
educação deficiente.
O resultado é que não se forma um consenso social em torno da necessidade
de se fazer avanços acelerados na educação. Esta avança apenas à medida que
políticas inclusivas levam os mais pobres para a escola, mas pouco se
consegue melhorar em termos de qualidade.
Em suma, a “história por trás do baixo crescimento” parece ser a de um
conflito social, existente em uma sociedade muito desigual, na qual os vários
grupos pressionam o governo por políticas distintas. O Estado, por sua vez,
tenta acomodar o conflito “redistribuindo renda para todos, ou quase todos”,
com efeitos perversos sobre o potencial de crescimento econômico. Cria-se,
assim, um modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa.
Dissipativa porque a redistribuição, que deveria ir para os pobres, vaza, em
grande medida, para os bolsos dos ricos e dos grupos de renda média.
Dissipativa, também, porque o conflito distributivo cria diversos focos de
ineficiência, que reduzem a produtividade da economia e desperdiçam recursos
produtivos que poderiam ser mais bem empregados.
Os 10 fatos estilizados, em vez de causas do baixo crescimento são, na
verdade, sintomas de uma causa mais profunda: a combinação de alta
desigualdade com democracia.
Ao longo de quase 30 anos de regime democrático, foi possível equilibrar as
pressões políticas e preservar a democracia. A economia, porém, está
sobrecarregada por tributação excessiva, infraestrutura ruim, educação
precária, altas taxas de juros e ambiente de negócios inóspito. As perspectivas
de crescimento de médio prazo são pálidas.
A boa notícia é que a desigualdade e a pobreza estão caindo sistematicamente
desde o começo da década de 1990, em parte devido à redistribuição
dissipativa. Ainda que de alto custo fiscal e econômico, a redistribuição
dissipativa tem conseguido dar um quinhão aos mais pobres suficiente para
reduzir a desigualdade e a pobreza. Se essa tendência continuar no futuro, é
possível que, no longo prazo, o Brasil deixe de ser tão desigual e uma ampla
classe média venha a se formar.
Se a causa central do modelo de baixo crescimento com redistribuição
dissipativa é a desigualdade, uma queda substancial desta tenderia a desmontar
tal modelo. De fato, é possível que uma sociedade mais igualitária se torne
menos conflituosa. A dominância da classe média levaria a uma menor
demanda por políticas assistenciais e maior demanda por condições favoráveis
ao crescimento e geração de emprego no mercado privado. Ao mesmo tempo,
essa ampla classe média seria mais bem informada e mais resistente aos
privilégios dados aos mais ricos, o que retiraria suporte político a tais
privilégios.
Haveria, então, suporte político a um Estado mais focado na provisão de
serviços públicos mais eficientes, inclusive a garantia do cumprimento da lei e
dos contratos, e menos interesse em políticas de rendas. Um modelo de alto
crescimento com baixa desigualdade poderia emergir como consequência do
atual modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa, como se o
baixo crescimento das primeiras décadas de democracia fosse o custo a ser
pago para, no futuro, se obter alto crescimento e mais igualdade.
No entanto, essa transição automática e inercial está longe de ser a única
possibilidade para o futuro. Há um cenário negativo, de perpetuação do atual
modelo disfuncional. Para que se entre no ciclo virtuoso, seria necessária uma
queda muito forte da desigualdade, que ainda está em níveis muito altos apesar
das reduções da última década. Isto não está garantido, até porque parte
substancial da queda recente da desigualdade parece ter vindo não das políticas
redistributivas governamentais, mas sim de condições do mercado de trabalho,
boa parte independente de políticas de governo.
Assim, é possível que a desigualdade pare de cair e se estabilize em um nível
ainda alto. Isso manteria o estímulo para os grupos sociais permanecerem com
o comportamento que gera o modelo de baixo crescimento com inclusão
dissipativa.
O restante do livro conta essa história de forma mais detalhada. Dado que a
desigualdade é aqui considerada uma variável chave para a explicação que se
pretende dar ao baixo crescimento brasileiro, o próximo capítulo examina em
detalhes o que a literatura diz sobre a desigualdade no Brasil: suas causas, a
tendência ao longo dos anos e as razões para a sua queda desde a década de
1990.

9 Ray (1998) e Jones (2002) são livros-texto mais acessíveis sobre o tema. Acemoglu (2000) é uma
referência para nível mais avançado.
10 Ver, por exemplo, Caselli (2005).
11 Penn World Table 7.1.
12 Jones (2002).
13 Fonte: www.ipeadata.gov.br.
14 Barro e Lee (2010).
15 Fonte: www.ipeadata.gov.br.
16 Bacha (1974).
17 Robinson (2008, p. 2). Esta e todas as demais citações feitas no livro, de textos produzidos
originalmente em inglês, foram traduzidas livremente pelo autor, sendo de sua responsabilidade eventuais
erros ou interpretações equivocadas.
18 Para ser exato, uma emenda constitucional à carta de 1967, aprovada em 1985, deu direito de voto aos
analfabetos e aos jovens de 16 anos ou mais. Anteriormente, a idade mínima para o voto era de 18 anos.
19 Uma dessas constituições – a de 1967 – foi profundamente reformada apenas dois anos após o início
de sua vigência.
20 Veja, por exemplo: Easterly (2001) ou Rajan (2006).
21 Os planos de estabilização anteriores foram: Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor I
(1990) e Collor II (1991).
22 Os dados para 2011 e 2012 não estavam disponíveis nessa base de dados internacional.
23 Brasil, Rússia, Índia e China. Mais recentemente, a África do Sul tem sido incluída nesse grupo. O
termo BRIC foi criado por Jim O’Neil, executivo da Goldman Sachs, para denominar os países
considerados potências emergentes.
24 A Secretaria do Tesouro Nacional, que centraliza as contas da União, foi criada apenas em 1986.
Antes disso, as contas governamentais eram geridas pelo Banco do Brasil, cujo balanço tinha conexão
direta com o Banco Central. O controle de despesas e a transparência fiscal eram fortemente prejudicadas
naquele contexto.
25 O conceito de Governo Central inclui as despesas do orçamento do Governo Federal, da Previdência
Social e do Banco Central. Ao contrário da estatística mostrada no Gráfico 1.4, a despesa primária inclui
os gastos com investimentos. Porém, como será mostrado adiante, no fato estilizado 5, essa despesa além
de pouco significativa não evoluiu no período, de modo que a tendência crescente de gasto aqui
apresentada se deve ao impulso de crescimento do gasto corrente. Outra diferença em relação entre os
Gráficos 1.4 e 1.5 é que a despesa primária considerada neste último não inclui as transferências da
União para estados e municípios, considerada como uma redução nas receitas líquidas do Tesouro.
26 Para a crise fiscal e o ajuste nos estados e municípios, ver Pellegrini (2012), Salviano Jr. (2004),
Nascimento e Debus (2002).
27 Ver Pagés (2010, Capítulo 7) para uma revisão da literatura acerca da relação de causalidade entre alta
tributação e baixa produtividade.
28 Para uma revisão geral acerca da teoria da tributação e distorções econômicas, ver Stiglitz (2000).
Para uma análise específica do caso brasileiro, ver Biderman e Arvate (2005, Capítulos 9 a 16).
29 Para mais detalhes sobre as distorções causadas por tributos cumulativos e sobre a experiência
brasileira com esses tributos, ver Varsano et al. (2001), e Afonso e Araujo (2005).
30 Pinheiro e Giambiagi (2006, p. 155-164).
31 Afonso e Araujo (2005) e Receita Federal do Brasil – Estudos Tributários (Carga Tributária Brasileira
2011). Tributos considerados: COFINS, PIS-PASEP, CPMF, ISS, IOF e Impostos Únicos.
32 Banco Mundial (2013a).
33 Vide Brasil (2008).
34 Para uma descrição e análise das tentativas de reforma tributária, ver Varsano (1997), Varsano (2001),
Zouvi et al. (2008), Giambiagi (2008) e Friedmann (2011).
35 Ademais, deve-se enfatizar que, em todo o mundo, os investimentos são fortemente associados à
poupança doméstica, como mostrado no trabalho seminal de Feldstein and Horioka (1980).
36 Hausmann, Rodrik e Velasco (2005, p. 12-13).
37 Pastore (2013).
38 Ubiergo (2012).
39 Frischtak (2012). Fonte original: Agência Nacional de Águas (ANA).
40 Frischtak (2008).
41 Calderon e Servén (2010).
42 Frischtak (2012) faz um sumário da literatura que analisa a relação causal entre investimentos em
infraestrutura e crescimento econômico.
43 Rajaram et al. (2008).
44 Banco Mundial (2009).
45 Pagés (2010) faz uma abrangente apresentação dos mecanismos que associam infraestrutura com
produtividade econômica.
46 Pagés (2010, p. 132).
47 Mesquita, Volpe e Blyde (2008).
48 Távora (2008).
49 Pagés (2010, p. 131). Desde a data de publicação desse estudo, 14 anos atrás, as condições de tráfego
em Brasília se deterioraram bastante e, certamente, a repetição do levantamento revelaria maior impacto
dos congestionamentos sobre os custos de transporte também nessa cidade.
50 Pagés (2010, p. 130-31).
51 Ver, por exemplo, Neri, Gonzaga e Camargo (2001).
52 Banco Central do Brasil (2011, p. 23-25).
53 Banco Central do Brasil (2013, p. 94-102).
54 Constituição Federal, art. 201, § 2o.
55 Menezes Filho e Kannebley Jr. (2013), Giambiagi e Pinheiro (2005) e Corseuil e Kume (2003)
descrevem a liberalização comercial no Brasil.
56 Giambiagi e Pinheiro (2005).
57 Pagés (2010) e Menezes Filho e Kannebley Jr. (2013) resumem essas teorias.
58 Ferreira e Rossi (2003, p. 1.399).
59 Menezes Filho e Kannebley Jr. (2013).
60 As descrições de indicadores apresentadas nesta seção são transcrições do documento “data note”, que
constitui um capítulo do relatório principal do Doing Business 2013 – Banco Mundial (2013, p. 106-130)
61 Banco Mundial (2013a).
62 Banco Mundial (2013, p. 126).
63 Dos 185 países, 14 não têm índice de resolução de insolvência calculados.
64 Banco Mundial (2013, p. 116).
65 Banco Mundial (2013, p. 106).
66 Pinheiro e Giambiagi (2006, p. 192-198) e Pinheiro (2005) apresentam um sumário dos argumentos
que associam incerteza jurídica a problemas com o crescimento e com a estabilidade macroeconômica.
67 Lagakos (2009).
68 Pagés (2010, p. 182-3).
69 Soto (2003).
70 Lagakos (2009), por exemplo, argumenta que países em desenvolvimento preferem fazer compras em
mercados pequenos, de menor qualidade, porque as famílias não têm carro para ir a mercados maiores,
mais eficientes, normalmente localizados em áreas isoladas das cidades.
71 Por exemplo, a burocracia e os custos para abrir empresa no Brasil são altos. No ranking Doing
Business, a dimensão “iniciando um negócio” coloca o Brasil em 121o entre 185 países. Essa dimensão
do índice mede “todos os procedimentos oficiais requeridos, ou comumente feitos na prática, para que
um empreendedor comece um negócio e opere formalmente uma indústria ou empreendimento comercial,
bem como o tempo e o custo para completar tais procedimentos, além do capital mínimo requerido”
(Banco Mundial, 2013, p. 108).
72 Sobre esse ponto, ver Amadeo e Camargo (1993) e Barros e Corseiul (2001).
73 Vide: http://www.delphin.com.br/orientacao/66-encargos-sociais-sobre-a-folha-de-pagamento.
74 Vide: http://www.delphin.com.br/orientacao/66-encargos-sociais-sobre-a-folha-de-pagamento.
75 Pastore (2005).
76 Fonte: www.ipeadata.gov.br.
77 Gonzaga (2003) chama a atenção para um problema adicional: o mecanismo de proteção do
trabalhador por meio da poupança do FGTS induz alta rotatividade da mão de obra, desestimulando as
empresas a investir em treinamento. Isso resulta em menor produtividade, limitando o crescimento
econômico.
78 Segundo Pagés (2010, p. 184) o acesso ao crédito no Brasil está bastante correlacionado com a
formalização e o pagamento de impostos.
79 Busso et al. (2012). Os autores analisam 10 países latino-americanos. De acordo com seus cálculos, o
Brasil é o país onde a má alocação da produção entre firmas mais produtivas e menos produtivas é menos
aguda. Ainda assim, o valor absoluto de perda de produção causado por esse fator é alta.
80 Ferraz e Monteiro (2009).
81 Pagés (2010, 192).
82 de Vries (2009).
83 Veloso (2011, p. 216).
84 Menezes Filho (2011, p. 271).
85 Barbosa Filho e Pessôa (2013).
86 Gomes et al. (2003).
87 Banco Mundial (2002, p. 43).
CAPÍTULO 2

DESIGUALDADE

2.1 Introdução
No Brasil um engenheiro ganha 7 vezes mais que um carpinteiro. No Reino
Unido essa diferença é de apenas 2,1 vezes, nos EUA não passa de 1,8 e no
Canadá é 1,7 vezes. O curioso é que o emprego de alta renda no Brasil tem
remuneração similar ao dos países desenvolvidos. O engenheiro brasileiro
ganha, em média, US$ 3,7 mil por mês, mais do que o canadense (US$ 3,0
mil), quase igual ao britânico (US$ 3,8 mil) e um pouco menos que o norte-
americano (US$ 4,7 mil).
Os engenheiros brasileiros, portanto, podem ter um padrão de vida similar
ao dos seus colegas dos outros países. A situação do carpinteiro brasileiro é
muito diferente. Enquanto este ganha US$ 512 por mês, os seus colegas
acima do Equador recebem na faixa de US$ 1,8 mil (Reino Unido e Canadá)
a US$ 2,5 mil (EUA). Provavelmente o carpinteiro brasileiro terá um padrão
de vida bem mais pobre que os colegas estrangeiros.88 Esse grande fosso
remuneratório é um retrato da grande desigualdade brasileira.
Nos outros três países do exemplo, os dois tipos de profissional e suas
famílias com frequência estudam nas mesmas escolas, usam os mesmos
hospitais ou trafegam nos mesmos tipos de transportes. No Brasil, o filho do
engenheiro nascerá em um hospital privado, custeado por plano de saúde
privado, irá para escola particular e andará, a maior parte do tempo, de carro;
o filho do carpinteiro terá maior probabilidade de nascer em um hospital
público, de frequentar escola pública e de se deslocar em transporte público –
todos de menor qualidade que o privado. Vivem, portanto, em mundos
paralelos, e assim crescerão. O filho do engenheiro terá maior probabilidade
de sucesso na vida escolar e de ter um emprego de alta renda que o filho do
carpinteiro, com a desigualdade passando de uma geração a outra.
O argumento central deste livro é de que essa desigualdade extrema de
renda, patrimônio e capital humano é um importante fator causal para o baixo
crescimento econômico na história recente do Brasil. Antes de explorar essa
ideia em maior detalhe, é importante conhecer um pouco mais sobre a
desigualdade no mundo, o grau de desigualdade no Brasil e sua tendência nos
últimos anos.
O primeiro fato relevante é que a desigualdade é persistente no tempo.
Países que construíram um modelo econômico desigual no passado tendem a
perpetuar a desigualdade ao longo do tempo. Os motivos dessa inércia serão
analisados no Capítulo 3. O Gráfico 2.1 apresenta o índice de Gini de
desigualdade de renda para vários países, comparando a desigualdade no
passado (dado mais antigo disponível) com a desigualdade no presente (dado
mais recente disponível).89 A principal mensagem do gráfico é que, para esse
grupo de países, a desigualdade no passado explica 80% da desigualdade
atual: países que foram desiguais no passado tendem a permanecer desiguais
no presente. O gráfico também destaca o fato de que os países da América
Latina e do Caribe (representados por esferas) são, em geral, bem mais
desiguais que as outras nações. O Brasil (triângulo) está entre os mais
desiguais do mundo, no passado e no presente.
GRÁFICO 2.1 Desigualdade no passado versus desigualdade no presente
(Índice de Gini para renda familiar): diversos países

Fonte: World Inequality Database (WIID2C) (disponível em:


http://www.wider.unu.edu/research/database/en_gb/database/).
Nota: Brasil representado por triângulo, demais países latino-americanos por uma esfera, outros países por cruzes.
Elaborado pelo autor.

A novidade é que a desigualdade brasileira tem caído consistentemente


desde 1998, com a queda se acelerando a partir de 2001, como apresentado no
Gráfico 2.2. Em 2012, pela primeira vez desde 2001, o Índice de Gini não
apresentou queda expressiva, dando sinal de que a desigualdade pode estar se
estabilizando em um patamar ainda alto.
GRÁFICO 2.2 Evolução da desigualdade de renda no Brasil (Índice de Gini
para a renda domiciliar per capita): 1977-2012
Fontes: Barros et al. (2009), IPEA (2012) e IPEA (2013). Fonte primária: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) 1977-2012.

O processo de queda da desigualdade não é uma particularidade brasileira, e


parece acontecer na maioria dos países da América Latina. O Gráfico 2.3
mostra que 9 entre 14 países da região tiveram redução em seus índices de
desigualdade entre 1995 e 2009. Na média esse índice caiu 0,55% ao ano. A
redução brasileira foi um pouco mais intensa que a média da região e ficou
atrás apenas das do Peru e Paraguai.
Apesar da redução recente, o Brasil ainda é um país muito desigual. O
Gráfico 2.4 compara o índice de Gini de concentração de renda do Brasil com
o dos 27 países usados, no Capítulo 1, como grupo de comparação. Percebe-
se que, mesmo com a melhoria recente, a desigualdade brasileira (e da
América Latina) continua muito acima da média e entre as maiores do grupo.
GRÁFICO 2.3 Taxa anual de variação do índice de desigualdade de renda
domiciliar em países da América Latina: 1995-2009* (% ao ano)

Fontes: Banco Mundial (2011).

*São utilizados dados o mais próximo possível dos anos de 1995 e 2009. O ano inicial varia entre 1995 e 1997 e o
ano final varia entre 2007 e 2009. Como as taxas mostradas no gráfico são anuais, a diferença nas datas de
algumas pesquisas não gera distorção na comparação.

Á Í
GRÁFICO 2.4 Índice de Gini para renda familiar: países selecionados
(vários anos)

Fonte: IPEA (2012) para o Brasil, Banco Mundial (2011) para os demais países da América Latina e, para o restante,
World Inequality Database (WIID2C). Elaborado pelo autor.

A recente redução da desigualdade brasileira se traduziu em significativo


crescimento da renda da população mais pobre. No Gráfico 2.5 observa-se
que, entre 2001 e 2011, a renda per capita dos 10% mais pobres cresceu a
uma média 6,7% ao ano, enquanto a dos 10% mais ricos subiu apenas 1,5%
ao ano. Em média, quanto mais pobre o domicílio, maior o crescimento da
renda.
GRÁFICO 2.5 Taxa de crescimento anual da renda domiciliar per capita
por decis de renda

Fonte: IPEA (2012).

Tal movimento foi capaz de retirar quase 15% da população da pobreza.


Conforme evidencia o Gráfico 2.6, em 2003 24,4% da população estava
abaixo da linha de pobreza (no conceito adotado pelas Metas do Milênio, de
US$ 2 por dia) e, em 2011, esse percentual havia caído para 10,2%. De
acordo com estimativas apresentadas em estudo do IPEA sobre evolução da
desigualdade e da pobreza no Brasil, “cerca de 52% [dessa queda na pobreza]
foi provocada por mudanças na desigualdade de renda, sendo o restante
explicado pelo efeito do crescimento [econômico]”.90 Ainda segundo o
mesmo estudo, se não tivesse havido redistribuição da renda, o crescimento
da renda necessário para produzir tal redução da pobreza teria que ser de
6,6% ao ano entre 2001 e 2011, em vez dos 2,8% ao ano efetivamente
ocorridos. Esses dados demonstram o grande poder da redistribuição de renda
como mecanismo de redução da pobreza.
GRÁFICO 2.6 População com renda domiciliar per capita abaixo da linha
de pobreza fixada nas metas do milênio (%)

Fonte: IPEA (2012).

A renda familiar total é composta por diferentes fontes de rendimento:


rendas do trabalho, aposentadorias pagas pelo setor público, benefícios
recebidos de programas sociais do governo, rendimentos de aplicações
financeiras, seguro-desemprego etc. Cada um desses componentes pode ser
mais/menos concentrador de renda (mais/menos apropriado pelos mais ricos)
do que os demais. Portanto, é interessante analisar o quanto cada componente
da renda contribui para a desigualdade e como essa contribuição muda ao
longo do tempo.
Ou seja, cabe questionar:

se a renda é tão concentrada no Brasil, quais fontes de renda são mais


concentradoras que as demais, e como cada uma delas contribui para
um índice de Gini tão elevado?
quais teriam sido as causas da redução recente da desigualdade? Se ela
é tão resistente ao longo do tempo (como mostrado no Gráfico 2.1), o
que terá quebrado a inércia histórica e produzido essa inédita
tendência declinante?

Conforme ressaltado no capítulo anterior, a hipótese analisada neste livro é a


de que a coexistência de regime democrático com uma grande massa de
pobres existentes em uma sociedade desigual teria induzido os políticos a
buscar votos por meio de políticas redistributivas. Cabe, então, avaliar até que
ponto tais políticas foram responsáveis pela redução da desigualdade (e da
pobreza). Resta, ainda, questionar quais seriam as perspectivas futuras:
continuará a desigualdade a cair nos próximos anos? Será que o fato de o
Índice de Gini de 2012 ter sido praticamente igual ao de 2011 representa uma
sinalização de que o processo de queda da desigualdade está perdendo força?

2.2 A composição da desigualdade


O já citado estudo do IPEA sobre desigualdade e pobreza no Brasil91 utiliza a
PNAD para subdividir a renda domiciliar per capita nos seguintes subitens:

rendas provenientes do trabalho (setor privado e setor público);


benefícios da Previdência Social;
Programa Bolsa Família;
Benefícios de Prestação Continuada – BPC (pagos a indivíduos de
baixa renda que sejam idosos e/ou portadores de deficiência física); e
outras rendas.

Feita esta subdivisão, o estudo analisa como cada um dos subitens contribui
para a desigualdade de renda.
Tomando os dados relativos a 2011, o estudo mostra que as rendas obtidas
no mercado de trabalho eram responsáveis por 79% da desigualdade. Ou seja,
a grande diferença entre as maiores e menores remunerações no mercado de
trabalho constitui o principal componente da desigualdade no Brasil.
Em seguida vêm os benefícios pagos pela Previdência Social, que
respondem por 18% da concentração: ainda que seja um gasto governamental
na chamada “área social”, a Previdência é concentradora de renda, pagando
mais a pessoas de maior renda.
Já o Programa Bolsa Família é um gasto social que desconcentra a renda,
com um impacto de redução de 1% no índice de Gini. O BPC tem impacto
nulo sobre a concentração e as outras rendas elevam o Gini em 3%.
A grande importância da renda do trabalho na geração de um elevado índice
de Gini decorre do fato de que esta renda representa mais de 3/4 da renda
domiciliar, com os demais componentes representando o 1/4 restante. Sendo
distribuída de forma desigual e tendo grande peso na renda total, a renda do
trabalho torna-se determinante para a alta desigualdade brasileira.
De forma simétrica, o Programa Bolsa Família é fortemente focado nos
pobres e, portanto, redistribui renda. Como, porém, os rendimentos advindos
do programa representam, em média, apenas 0,9% da renda familiar per
capita, o impacto do Programa na distribuição total da renda é pequeno.
Ou seja, cada um dos componentes da renda domiciliar afeta a concentração
de renda a partir de dois elementos: (a) quão enviesado a favor dos mais ricos
ou do mais pobre é aquele componente de renda; (b) quão importante aquele
componente é na renda domiciliar total.
Nesse sentido, é relevante chamar atenção para o fato de que, em termos
líquidos, o setor público é concentrador de renda, pois o impacto da
Previdência é muito superior ao impacto oposto das políticas de assistência
social.
Os economistas Pedro de Souza e Marcelo Medeiros92 apresentam
conclusões similares às relatadas acima. Eles também investigam a
contribuição de cada subitem da renda domiciliar para a desigualdade.
Utilizam, contudo, outra fonte de dados, a Pesquisa de Orçamento Familiar
(POF), tomam 2009 como ano de referência e fazem um recorte mais
detalhado da renda, que é subdividida em:

renda do trabalho no mercado privado;


rendas do trabalho obtidas no setor público (remuneração dos
servidores públicos);
outras rendas obtidas no mercado privado;
benefícios da Previdência Social;
Bolsa Família;
BPC;
seguro-desemprego; e
tributos diretos pagos pelas famílias (item de redução da renda).

A importante contribuição de Souza e Medeiros é separar as rendas do


trabalho entre aquelas obtidas no mercado privado e aquelas pagas pelo setor
público a seus servidores. Com isso conseguem uma visão mais ampla do
impacto do setor público sobre a distribuição de renda. Além das rendas
provenientes de benefícios previdenciários e da assistência social (Bolsa
Família e BPC), aqueles autores analisam o impacto das rendas pagas aos
servidores públicos, bem como os impactos do seguro-desemprego e da
tributação direta.
Em sintonia com o já citado estudo do IPEA,93 Souza e Medeiros mostram
que a desigualdade na renda do trabalho no mercado privado é a principal
fonte de desigualdade de renda no país, sendo responsável por 60% do índice
de Gini. Em seguida vêm, praticamente empatados, a renda proveniente da
Previdência Social (22%) e a remuneração dos servidores públicos (21%). O
seguro-desemprego, outro pagamento que tem origem no setor público,
também é concentrador de renda, com um pequeno impacto de 1%. Os efeitos
do Bolsa Família e BPC são idênticos aos estimados pelo IPEA: 1% e zero,
respectivamente. Os impostos diretos, que incidem mais fortemente sobre a
renda dos mais ricos, reduzem o índice de Gini em 14%.94
Em suma, também neste estudo o impacto total do setor público é no sentido
de concentrar a renda. Souza e Medeiros mostram que isso ocorre em função
da regressividade não só dos gastos da Previdência, como também das
remunerações pagas aos servidores públicos, que recebem salários mais altos
que os pagos no setor privado e estão mais fortemente concentrados no topo
da pirâmide de renda.
Os subitens de renda provenientes do setor público, somados, são
responsáveis por nada menos que 30% da desigualdade de renda. As decisões
de gasto governamental têm, portanto, grande peso na determinação do nível
de desigualdade no Brasil.

2.3 A queda da desigualdade nos anos recentes


A seção anterior procurou mostrar quais os componentes da renda domiciliar
que promovem a alta concentração de renda observada no Brasil. Outra
questão relevante é avaliar como a contribuição de cada um desses subitens
variou ao longo do tempo.
Foi visto acima que o índice de Gini vem caindo desde 1998, com mais
intensidade entre 2001 e 2011 (Gráfico 2.2). Quais seriam as causas dessa
queda? De modo geral, o que a literatura mostra é que as rendas do trabalho e
a Previdência Social tornaram-se menos concentradoras de renda nesse
período. Já o Bolsa Família tornou-se mais redistribuidor.
Note-se a importante diferença conceitual entre uma fonte de renda tornar-se
menos concentradora do que foi no passado e ser redistribuidora no presente.
Os rendimentos do trabalho e a previdência continuam sendo concentradores
de renda, porém menos do que já foram. Já o Bolsa Família intensificou o seu
efeito de redistribuição.
De acordo com os cálculos do já citado estudo do IPEA, a renda do trabalho
tornou-se menos concentrada nos últimos anos: estreitou-se o hiato entre as
menores e maiores remunerações no mercado de trabalho. As condições de
demanda e oferta teriam levado ao pagamento de salários mais altos aos
trabalhadores situados na base da pirâmide salarial, quando comparados aos
salários do topo. Isso resultou em redução da desigualdade na renda do
trabalho, o que teria sido responsável por 58% da queda do índice de Gini
entre 2001 e 2011.
Os pagamentos feitos pela Previdência Social às famílias também se
tornaram menos concentradores de renda. Isso porque “enquanto os aumentos
reais do salário mínimo beneficiam os aposentados e pensionistas mais
pobres, os benefícios mais elevados foram corrigidos apenas pela inflação”.95
Ou seja, também nos pagamentos dos benefícios previdenciários houve um
estreitamento no hiato entre os maiores e os menores benefícios. Com isso,
19% da queda do índice de Gini podem ser atribuídos a essa redução na
regressividade da Previdência.
Já o Programa Bolsa Família tornou-se não apenas mais progressivo (mais
focado nos mais pobres), como também ampliou a sua participação média na
renda domiciliar. Em 2001, tal programa era responsável por 0,1% da renda,
tendo esta participação crescido para 0,6%, em 2011. Esse efeito cumulativo
de maior progressividade com maior peso na renda total fez com que o Bolsa
Família fosse responsável por 13% na redução do índice de Gini entre 2001 e
2011. O BPC teria dado contribuição adicional de 4% à queda da
desigualdade.
Assim, os programas públicos como um todo (Previdência, Bolsa Família e
Benefícios de Prestação Continuada – BPC) seriam responsáveis por 36% na
queda do índice de Gini (19+13+4), seja pela redução da regressividade
(Previdência), seja pela ampliação da progressividade (Bolsa Família) e do
peso na renda total (Bolsa Família e BPC).
No estudo de Pedro de Souza e Marcelo Medeiros (2013) utiliza-se uma
subdivisão mais detalhada da renda, conforme descrito na seção anterior. Em
sua análise da redução da desigualdade entre 2003 e 2009, apresentam
diagnóstico similar ao feito no estudo do IPEA: a redução do hiato salarial, no
mercado privado de trabalho, teria sido responsável por 66% da queda do
índice de Gini, enquanto a redução da regressividade dos benefícios
previdenciários teria contribuído com 10% da queda. Bolsa Família e BPC,
juntos, derrubariam o índice de Gini em 20% (12% e 8%, respectivamente).
Assim, Previdência, Bolsa Família e BPC teriam um efeito conjunto de 30%.
O ponto mais interessante da análise de Souza e Medeiros é mostrar que os
salários pagos pelo setor público atuaram contra a redução da desigualdade,
sendo responsáveis por um aumento desta da ordem de 10%. Ou seja, os
rendimentos pagos pelo setor público a seus servidores não só são regressivos
(como mostrado anteriormente), como se tornaram ainda mais regressivos ao
longo dos últimos anos. Em termos de ordem de grandeza, pode-se dizer que
quase toda a redistribuição de renda produzida pelo Programa Bolsa Família
(12%) foi revertida pela intensificação da concentração promovida pela
remuneração dos servidores públicos (10%).
Esses números ilustram o processo de conflito distributivo em uma
sociedade desigual, que se pretende mostrar neste livro. Por um lado, a busca
do voto do eleitor mais pobre promove a expansão de programas sociais como
o Bolsa Família. Por outro, um grupo de renda média-alta (os servidores
públicos), com grande conexão com o poder governamental e que superou o
problema de ação coletiva por meio da organização de fortes sindicatos,
consegue promover redistribuição de renda a seu favor. Os próximos
capítulos analisarão em detalhes os processos de redistribuição para os
pobres, para os ricos e para os segmentos intermediários bem organizados e
politicamente bem conectados.
Em termos líquidos, a estimativa de Souza e Medeiros aponta uma
contribuição do setor público para a redução da desigualdade da ordem de
33%,96 muito próxima, portanto, da contribuição estimada por IPEA, de
30%.97
De forma similar aos estudos recém-citados, Ricardo Paes e Barros e
coautores estimam que entre 40% e 50% da redução da desigualdade de renda
verificada no período 2001-2007 resultam de mudança na distribuição da
renda do trabalho por adulto empregado. A outra metade viria das
transformações no perfil das transferências públicas.98
Em todos os estudos, portanto, a redução do hiato entre altos e baixos
salários no mercado de trabalho privado foi o principal fator de redução da
desigualdade.
O segundo fator mais importante, foi a redução da regressividade das
transferências totais para as famílias feitas pelo setor público. Essas
transferências (aposentadorias e pensões, Bolsa Família, BPC, seguro-
desemprego) tiveram impacto relevante na redução da desigualdade de renda
ainda que, no agregado, continuem a ser concentradores de renda,
principalmente pelo efeito das aposentadorias e pensões pagas pela
Previdência Social. Houve apenas, como afirmado, uma diminuição na
intensidade de tal regressividade.
Portanto, a ligação entre redemocratização, com o aumento do peso político
da numerosa população de baixa renda, e consequente formatação de
programas destinados a buscar o voto desses eleitores parece ter sustentação
empírica. As políticas públicas de expansão do Bolsa Família e do BPC,
associadas ao impacto do maior salário mínimo sobre as aposentadorias,
embora não tenham sido o principal fator de redução da desigualdade,
contribuíram para isso de forma significativa.
A redução na desigualdade em outros países da América Latina parece ter
seguido padrão similar ao brasileiro. Lustig et al. (2011) indicam que, em
pelo menos quatro países (Argentina, Brasil, Peru e México), os dois
principais determinantes foram a redução no hiato entre as menores e maiores
remunerações do trabalho e a expansão de transferências governamentais às
famílias por meio de programas similares ao Bolsa Família.
As técnicas de decomposição dos fatores que afetam a desigualdade,
utilizadas pelos estudos citados, são capazes de detectar apenas os
determinantes imediatos dessas mudanças. Não captam efeitos indiretos
gerados pela dinâmica de mercado. Por exemplo, a importância das políticas
governamentais é detectada observando-se o grau de
regressividade/progressividade e o aumento/redução da participação das
transferências governamentais na composição da renda familiar.
A política governamental de elevação do valor real do salário mínimo,
contudo, pode, indiretamente, afetar a redução da desigualdade ao alterar as
remunerações pagas pelo mercado de trabalho privado. Se o salário mínimo
afetar as remunerações pagas no setor informal da economia e/ou funcionar
como uma base de negociação salarial para empregos que pagam salários
próximos ao mínimo, então haverá uma tendência à compressão das
diferenças salariais (explicando a redução do hiato salarial), pois as menores
remunerações subirão com o mínimo, enquanto as outras, mais elevadas,
continuarão submetidas à lógica de mercado.
Conforme discutido no Capítulo 1 (fato estilizado 6), isto parece ocorrer no
mercado de trabalho brasileiro. Assim, uma redução da desigualdade que
pareceria provir da dinâmica do mercado privado de trabalho viria, na
verdade, de regulação econômica feita pelo governo. Em outras palavras, os
exercícios de decomposição das causas da redução da desigualdade estariam
subestimando o impacto das políticas governamentais (que já é significativo,
como visto acima) e superestimando o impacto da dinâmica privada do
mercado de trabalho. Isso obviamente não invalida as metodologias usadas
pela literatura, que extraem o máximo possível de informação das bases de
dados disponível, e permitem uma ideia aproximada das causas (imediatas) da
redução da desigualdade.
Cabe, porém, chamar atenção para o fato de que a redução da desigualdade
provocada por aumentos no salário mínimo não é um benefício sem custo.
Como já argumentado no Capítulo 1 (fato estilizado 6) há, por um lado, o
impacto na despesa pública e, por outro, o desestímulo ao investimento
decorrente de um longo período de elevação real do salário mínimo acima da
produtividade.
Outro ponto relevante a se discutir diz respeito às causas da redução do hiato
entre os altos e baixos salários no mercado de trabalho. O já citado estudo de
Ricardo Paes e Barros e coautores, assim como estudo do Banco Mundial
produzido por João Pedro Azevedo e coautores,99 indicam que houve redução
nos diferenciais de salários por nível de escolaridade no Brasil e em vários
países da América Latina: a diferença entre a remuneração de um trabalhador
sem escolaridade e um trabalhador com escolaridade primária estreitou-se. O
mesmo ocorreu entre todos os outros níveis de escolaridade: trabalhadores
com escolaridade primária passaram a ter remuneração mais próxima dos de
escolaridade secundária; estes, por sua vez, aproximaram-se dos de
escolaridade superior. Ou seja, houve uma generalizada redução nos
chamados “retornos à educação” ou “prêmio por proficiência” (skill
premium).
Há diferentes possíveis causas para esse fenômeno,100 além da já discutida
influência do aumento do salário mínimo sobre as remunerações mais baixas.
A primeira possibilidade é que a redução das diferenças salariais seja o
resultado benigno do aumento da escolaridade: os avanços educacionais do
país, que elevaram a média de anos de estudos dos trabalhadores brasileiros
(vide Gráfico 1.20 no Capítulo 1), podem ter levado a maior oferta de mão de
obra mais qualificada. Essa maior oferta, tudo o mais constante, provocaria
uma redução no preço do trabalho mais qualificado em relação ao trabalho
menos qualificado. Daí porque os rendimentos dos trabalhadores menos
qualificados teriam crescido a um ritmo mais acelerado, reduzindo a
desigualdade entre as remunerações.
Outra possibilidade, não tão benigna, é de que tenha ocorrido uma redução
na demanda por trabalhadores mais qualificados. Nessa hipótese, a economia
brasileira (e da América Latina) não teria sido capaz de avançar em setores
mais sofisticados, que demandam mão de obra de alta especialização e
escolaridade. Em consequência, a demanda por trabalhadores teria crescido
em empresas e setores que empregam mão de obra de baixa escolaridade.
Estudo do Banco Mundial considera que essa é uma possibilidade concreta:
um fator de demanda específico para a região [América Latina] e que
parece ter jogado um papel importante é a bonança das commodities. Esse
boom promoveu a expansão dos setores produtores de bens e serviços não
comercializáveis que cresceu em relação ao setor de bens comercializáveis
internacionalmente (exceto commodities).101 Atualmente, na América
Latina, o setor de bens não comercializáveis (como serviços e construção
civil), em média, tende a usar mão de obra menos qualificada que o setor de
bens comercializáveis (por exemplo, manufaturas). Assim, o que aparece
como uma tendência positiva – o declínio no hiato salarial – pode, na
verdade, ser um problema preocupante, qual seja: a tendência dos países
latino-americanos em se especializar em setores que são pouco intensivos
em trabalho qualificado.102
Uma explicação possível para esse quadro, apresentada no estudo “Desafios
brasileiros de longo prazo”, de Regis Bonelli e Júlia Fontes,103 é a de que o
setor de serviços foi o elemento dinâmico no aumento do PIB entre 2000 e
2012. A produtividade desse setor é muito baixa, tanto em relação aos demais
setores da economia brasileira quanto em comparação com o setor de serviços
em outras economias. Assim, o crescimento da importância dos serviços no
Brasil teria deslocado a demanda por trabalhadores para um setor que é
menos produtivo e que usa mão de obra menos qualificada, com prejuízo para
a produtividade agregada e o crescimento da economia.
Uma terceira explicação possível para a redução do hiato salarial entre
trabalhadores com maior e menor nível educacional estaria na queda da
qualidade do ensino secundário e terciário. Tal queda faria com que aqueles
que obtêm diploma universitário não têm, na prática, capacidade ou
habilidade muito distinta dos que estudaram apenas até o Ensino Médio.
Estes, por sua vez, também não se distinguem muito dos que têm apenas o
Ensino Fundamental. Por isso, os diferenciais salariais entre os grupos seriam
relativamente menores.
Não é simples isolar qual das diferentes causas é a mais relevante na redução
dos hiatos salariais no Brasil e na América Latina, visto que as estimativas
dependem de inúmeras hipóteses e variam conforme os métodos e parâmetros
de estimação. A literatura ainda não conseguiu estabelecer claramente a
importância de cada um dos fatores descritos acima (Lustig et al., 2013).
Fica claro, porém, que a redução da desigualdade de renda do trabalho não é,
necessariamente, portadora apenas de boas notícias. Pode ser que a
incapacidade da economia de criar empregos de alto conteúdo técnico e bem
remunerados, em setores dinâmicos e mais produtivos, tenha levado a um
menor hiato salarial. Ou, também, pode ser um sintoma de que o sistema
educacional não esteja sendo capaz de preparar trabalhadores para que
tenham produtividade e capacidade compatíveis com o nível educacional
registrado em seus diplomas.

2.4 A desigualdade continuará a cair?


O fato de que a desigualdade vem caindo há pelo menos 10 anos não garante
que essa tendência se reproduzirá no futuro. Não há, necessariamente, inércia
neste movimento. É preciso que os fatores geradores da queda da
desigualdade continuem a existir. Ou seja, seria necessário que o número de
beneficiários pela assistência social promovida pelo governo (Bolsa Família e
Benefícios de Prestação Continuada) continuasse crescendo no mesmo ritmo
dos últimos anos; que a desigualdade existente nos benefícios previdenciários
continuasse a ser comprimida (manutenção da política de aumento real do
salário mínimo); e que o hiato de remuneração entre altos e baixos salários no
setor privado continuasse a se estreitar. Os ritmos de expansão desses fatores
observados na primeira década do século XXI, entretanto, estão ameaçados de
perder força.
No que diz respeito ao efeito equalizador dos aumentos reais do salário
mínimo, o alto custo fiscal é evidente. Como ilustrado pelo Gráfico 1.16 do
Capítulo 1, aproximadamente 51% do forte aumento de gastos correntes
federais entre 1998 e 2012 podem ser atribuídos exclusivamente aos
aumentos reais do salário mínimo, devido a seu impacto no valor dos
benefícios previdenciários, do BPC e de outros gastos assistenciais que
sofrem efeito indireto do salário mínimo (abono salarial e seguro-
desemprego).
Um estudo do IPEA que avalia a evolução dos chamados “gastos sociais
federais”104 até 2010 mostra que estes gastos cresceram a um ritmo de 6,6%
ao ano acima da inflação entre 1995 e 2010. Isso resultou em um crescimento
real acumulado de 161%. O Ministério da Previdência Social, sozinho, é
responsável por 53% de todo esse gasto, o que ilustra o grande peso dos
benefícios previdenciários.105
Por um lado, a arrecadação tributária já atingiu alto percentual do PIB
(Gráficos 1.8 e 1.9, no Capítulo 1), sendo difícil manter a trajetória de
crescimento da arrecadação. Por outro, a população brasileira está
envelhecendo rapidamente, o que pressiona a despesa da Previdência.
Restrições no lado da receita e pressão no lado do gasto indicam que há claros
limites ao modelo previdenciário atual, de modo que a manutenção de
incrementos reais do salário mínimo no mesmo ritmo verificado no período
1996-2011 (Gráfico 1.14, no Capítulo 1) não parece uma opção sustentável no
longo prazo.
A manutenção do ritmo de redução da desigualdade no pagamento de
benefícios previdenciários, até agora obtida por meio da elevação do piso dos
benefícios (graças à política de reajuste do salário mínimo) provavelmente só
será sustentável se em vez da elevação do piso houver redução dos benefícios
mais elevados, o que é bastante difícil em termos políticos e até mesmo
jurídicos.
As restrições fiscais decorrentes de gastos crescentes e tributação “no teto”
impõem limites também à ampliação dos programas de assistência social, seja
no que diz respeito ao valor unitário dos benefícios, seja quanto à ampliação
da população atendida, o que limita seu impacto redistributivo. Ademais,
tendo em vista que 1/4 da população brasileira já é atendida por programas
governamentais redistributivos, mesmo que não houvesse restrições fiscais,
não haveria um público alvo ainda não atendido muito grande, que
justificasse ampliações adicionais da cobertura dos programas assistenciais.
No que se refere ao estreitamento no hiato entre as altas e baixas
remunerações no mercado de trabalho privado, é preciso observar que a
elevação da escolaridade dos trabalhadores está chegando a um estágio em
que avanços adicionais enfrentarão barreiras consideráveis. Nos primeiros
anos do século XXI os ganhos de escolaridade se fizeram por meio da
inclusão de alunos que estavam fora da escola. Com a quase totalidade das
crianças de até 14 anos efetivamente matriculadas, todavia, o aumento da
escolaridade depende da expansão da cobertura do Ensino Médio, que é mais
difícil de realizar devido à concorrência exercida pelo mercado de trabalho,
que atrai os jovens e reduz sua propensão a estudar.
De fato, os já citados estudos de Souza e Medeiros, e do IPEA sobre
desigualdade e pobreza mostram que há, nos últimos anos, uma redução no
ritmo de estreitamento do hiato salarial no setor privado, o que significa um
impacto mais atenuado na redução da desigualdade. No texto lê-se, por
exemplo, que “as causas da queda da desigualdade no período 2009/2011
foram muito diferentes dos demais períodos.(...). A renda do trabalho, que até
então tinha sido o principal fator da queda em todos os outros biênios, veio
em segundo lugar, com 28% (...) 55% da queda do índice de Gini entre 2009
e 2011 decorreu da desconcentração dos benefícios previdenciários”.106
Ou seja, se, por restrições fiscais e esgotamento da possibilidade de inclusão
de novos beneficiários, os programas sociais vierem a perder potência como
fator de redistribuição nos próximos anos, os dois principais motores da
redução da desigualdade estarão em xeque. É o que concluem Souza e
Medeiros:107
já existem sinais de que o declínio da desigualdade nas remunerações do
setor privado está reduzindo seu ritmo (...) e que a expansão da assistência
social terá efeitos menos progressivos, pois aproximadamente um quarto da
população já é beneficiária de programas sociais. As aposentadorias também
já atingiram grande cobertura e o seu valor mínimo, referenciado pelo
salário mínimo, dificilmente crescerá tão rápido quanto em um período de
recuperação da economia. Devido ao gradualismo na implementação de
reformas na previdência, o controle da regressividade das aposentadorias dos
servidores públicos levará mais de uma década para se tornar um fator
relevante de redução da desigualdade. A maior parte das frutas fáceis de
colher já foram colhidas e é provável que o Brasil entre aos poucos em uma
nova fase, na qual a redução da desigualdade dependerá mais de reformas
estruturais (...).
É possível que a interrupção da queda do Índice de Gini em 2012, mostrada
no Gráfico 2.2, seja um sinal de que a queda da desigualdade está perdendo
ritmo, estabilizando-se em um nível ainda bastante alto.
Em um detalhado estudo do Banco Mundial sobre a ampliação da classe
média na América Latina, produzido por Franciso Ferreira e coautores,108
chama-se atenção para o fato de que a mobilidade social intergeracional é
muito baixa na América Latina e, em particular, no Brasil. Existe alta
mobilidade intergeracional quando o status socioeconômico dos pais não
representa uma boa previsão de qual será, no futuro, o status socioeconômico
dos filhos. Este é um conceito que reflete igualdade de oportunidades e,
portanto, a possibilidade de que a sociedade ofereça às crianças pobres
políticas públicas (em especial, educação) que permitam sanar as suas
desvantagens iniciais e abram as portas para a ascensão social.
Os autores avaliam em que medida o grau de escolaridade de um indivíduo é
determinado pela escolaridade dos pais, tanto em termos de anos de estudo
quanto em termos de desempenho em testes de proficiência. Eles mostram
que, em uma amostra de 42 países, o Brasil tem o 4o pior índice de
mobilidade em relação a anos de estudo, superando apenas Peru, Panamá e
Equador. Ou seja, no Brasil, o status socioeconômico dos pais determina
fortemente os limites de ascensão social dos filhos.
O resultado não é melhor quando se levam em conta os testes internacionais
de proficiência. O desempenho dos alunos brasileiros não é apenas baixo em
comparação com os demais países, mas também fortemente correlacionados
com o grau de escolaridade dos seus pais. Os autores explicam tal resultado
argumentando que:
crianças de lares mais favorecidos concentram-se nas mesmas escolas, das
quais as crianças menos privilegiadas são excluídas (...) as escolas
frequentadas pelos mais ricos são melhores que a dos pobres, em termos de
governança, prestação de contas, infraestrutura física e qualidade dos
professores. Obviamente, além disso, o status socioeconômico dos pais
contribuem para desenvolvimento cognitivo por meio da alimentação,
exposição a um vocabulário mais rico, diferenças na estimulação cognitiva e
recursos materiais disponíveis em casa, entre outros fatores.109
Ainda segundo o mesmo estudo, a redução da desigualdade observada na
América Latina tem sido um fenômeno tipicamente intrageracional. Ou seja,
indivíduos mais pobres têm conseguido melhorar sua renda ao longo da vida
profissional em ritmo mais intenso que os mais ricos, porém essa melhoria é
condicionada pelo histórico familiar. É difícil dar saltos grandes, indo da
pobreza para a classe média em uma única geração. Considerando uma
estratificação dos grupos sociais em: pobres, vulneráveis, classe média e
classe alta; o que se observa mais frequentemente é que os pobres tipicamente
conseguem avançar apenas um degrau, subindo à condição de vulneráveis. E
os vulneráveis conseguem subir um degrau, chegando à classe média. Poucos
dão o grande salto, da pobreza à classe média, em uma geração. E isso
acontece, justamente, porque o nível educacional e as oportunidades de
ascensão são condicionados pelo ambiente social e nível de renda em que a
pessoa nasceu. Isso restringe a possibilidade de continuidade da tendência de
redução da desigualdade no futuro.
Os fatores de redução da desigualdade analisados neste capítulo teriam
permitido “colher as frutas mais fáceis”. Movimentos circunstanciais do
mercado de trabalho, aumento da inclusão escolar (sem melhorias na
qualidade da educação) e ampliação de políticas sociais não sustentáveis em
termos fiscais no longo prazo melhoraram as condições de vida dos mais
pobres. No entanto, perenizar a tendência de redução da desigualdade exigirá
a redução da desigualdade de oportunidades e o consequente aumento da
mobilidade intergeracional. Isso requer políticas de implementação muito
mais difícil, em especial avanços na qualidade da educação. Como proposto
em estudo do Banco Mundial:
a sustentabilidade do declínio da desigualdade na América Latina está
fortemente relacionada à melhoria na qualidade da educação, porque o efeito
equalizador de uma expansão no número de anos de estudo provavelmente
atingirá um limite se persistirem as grandes disparidades na qualidade da
educação.110
Desafio adicional à manutenção da queda da desigualdade vem das
condições de comércio internacional a serem enfrentadas pela economia
brasileira na segunda década do século XXI. O Gráfico 1.1, no Capítulo 1,
mostrou que o crescimento econômico de longo prazo do país tem sido
medíocre. Ressaltou, no entanto, que, no período 2004-2012, houve um
melhor desempenho, com o crescimento do PIB per capita saltando da média
histórica de 1,4% ao ano para 2,8% ao ano. Esse melhor desempenho parece
estar associado ao forte aumento do preço de commodities no mercado
internacional, decorrente da expansão econômica da China, que permitiu
maior fluxo de poupança externa para o país e aliviou uma restrição ativa ao
crescimento (fato estilizado 3). Certamente é mais fácil gerar empregos e
redistribuir renda em um contexto de crescimento econômico. A partir de
2012, as condições do mercado internacional passaram a indicar alteração de
rumos, com a desaceleração da economia chinesa e a consequente queda nas
cotações de commodities. Caso se confirme o retorno do Brasil ao medíocre
desempenho do crescimento econômico verificado no período 1985-2003,
será ainda mais difícil manter o ritmo de queda da pobreza e da desigualdade.

2.5 As políticas sociais são eficientes na redução da


desigualdade?
O fato de ter havido forte redução da desigualdade entre 1998 e 2011 pode
gerar a impressão de que os programas governamentais de assistência social e
transferências previdenciárias, tomados em conjunto, são eficientes. Essa,
contudo, não parece ser a realidade.
A seção II mostrou que as despesas da Previdência Social têm forte viés
concentrador de renda. Esse fato é confirmado por estimativas apresentadas
por Herwig Immervoll e coautores. Utilizando dados da PNAD de 2003, eles
mostram que 71,5% das rendas provenientes de aposentadorias e pensões
pagas pelo governo vão para os três decis de renda mais elevados, sendo que
os 10% mais ricos ficam com 43,7% do total.111 Se levarmos em conta que os
gastos com aposentadorias e pensões representam mais da metade do
chamado “gasto social” do Governo Federal,112 perceberemos que há um
grande desvio de foco nesses gastos: a maior parte da verba para programas
sociais na verdade beneficia o topo da pirâmide de renda, em vez de ser
direcionada para os mais pobres.
Outro artigo liderado por Herwig Immervoll compara essa realidade com o
grau de progressividade ou regressividade dos gasto previdenciários dos
países da OCDE. Tomando-se um coeficiente de concentração que varia entre
–1 (todos os recursos vão para o indivíduo mais pobre da sociedade) e
+1(todos os recursos vão para o indivíduo mais rico), os gastos
previdenciários brasileiros têm um escore de 0,566, muito superior ao sistema
previdenciário mais regressivo da OCDE, que é o da Itália, com um
coeficiente de concentração de 0,212. Em 7 dos 15 países considerados no
estudo o coeficiente de concentração é negativo, ou seja, a Previdência tem
forte efeito redistributivo.113
Se, por um lado, a Previdência brasileira é concentradora de renda e
consome mais da metade da verba social do Governo Federal, por outro, o
Bolsa Família é o programa com maior impacto redistributivo (coeficiente de
concentração de – 0,525, em 2011),114 porém consome parcela ínfima dos
gastos sociais do Governo Federal: apenas 2,7% do total.115
Ademais, como visto, a redução do grau de regressividade dos gastos
previdenciários se deu pela via do aumento do salário mínimo. Isso, contudo,
representa alto custo fiscal para o setor público, o que significa que a redução
da desigualdade pela via do salário mínimo “custa muito caro”. De acordo
com o já citado estudo do IPEA sobre pobreza e desigualdade no Brasil:
(...) cada ponto percentual de redução do Gini pelas vias da previdência
custou 352% mais que o obtido pelas vias do Bolsa Família (...) a
desigualdade poderia ter caído ainda mais se fizéssemos a opção preferencial
pelos pobres pelas vias do Bolsa Família.116
Entre esses dois casos extremos (Previdência e Bolsa Família) há programas
em situação intermediária. O BPC também é redistribuidor de renda, porém
mais caro que o Bolsa Família, pois seus benefícios estão atrelados ao salário
mínimo, e menos focado nos mais pobres (atinge apenas os idosos e
portadores de deficiência pobres, deixando de fora as famílias jovens e
sobretudo as crianças). Programas associados à atividade profissional, como o
seguro-desemprego e o abono salarial beneficiam majoritariamente os decis
intermediários de renda, visto que estão restritos aos empregados do setor
formal da economia (Immervoll et al., 2009), além de também estarem direta
ou indiretamente associados ao salário mínimo, cujo reajuste real encarece os
custos dos programas.
Em função disso, o já citado estudo de Ricardo Paes e Barros e coautores
conclui que:
(...) a política social brasileira está longe do ótimo. Uma política muito
ativa de salário mínimo continua a ser perseguida, apesar do fato de que
aumentos do salário mínimo são muito menos efetivos na redução da
desigualdade que a expansão dos benefícios do Bolsa Família (...) Há amplo
espaço para se otimizar a política social sem que isso requeira recursos
fiscais adicionais.117
As considerações acima estão focadas no impacto do gasto público social.
Mas o que dizer do sistema tributário? Não seria possível buscar maior
progressividade ampliando-se a tributação sobre os mais ricos? Este não
parece ser um caminho promissor. Estudo do Banco Mundial produzido por
Kathy Lindert e coautores,118 por exemplo, argumentam que há pouco espaço
para a tributação direta em países em desenvolvimento, tendo em vista que
grande parte das atividades se desenvolvem nos mercados informais, que
conseguem escapar desse tipo de tributo. Daí porque se recorre mais
intensamente à tributação indireta sobre o consumo.
Estimativas sobre a regressividade ou progressividade de tributos indiretos
são fortemente dependentes das hipóteses que são feitas a respeito de quem
arca com o custo do tributo (qual a intensidade do seu repasse aos preços dos
produtos) e as estimativas variam muito em função de tais hipóteses.
Considerando diferentes hipóteses, os autores afirmam que os sistemas
tributários na América Latina oscilam entre levemente regressivo e levemente
progressivos. Não haveria, portanto, muito espaço para se buscar
redistribuição de renda pelo lado da tributação. Concluem que:
o fator mais importante no que diz respeito ao impacto da tributação sobre a
distribuição de renda é o quanto de receita se consegue arrecadar, e qual a
eficácia no uso dessas receitas pelo setor público [pelo lado do gasto] como
um instrumento de redistribuição.119
Herwig Immervoll e coautores120 chegam a conclusão similar para o caso
brasileiro. Eles mostram que a tributação direta é extremamente progressiva,
enquanto a tributação indireta é regressiva. O efeito global acaba sendo o
cancelamento das duas forças opostas, com o sistema tributário como um
todo sendo aproximadamente neutro em termos distributivos.
Rozane Siqueira, que é coautora dos artigos de Immervoll acima citados,
mostra, em coautoria com outros economistas,121 que após a correção de erros
de medida na renda, a regressividade da tributação indireta fica bastante
atenuada, enquanto a tributação direta é progressiva. O resultado agregado
mantém-se próximo da neutralidade.
Com uma tributação direta já fortemente concentrada nos mais ricos e
representando parcela pequena da renda (devido à prevalência da tributação
indireta), não haveria como aumentar ainda mais a progressividade do sistema
tributário. Daí porque Immervoll e coautores concluem que:
pesquisadores e policy-makers no Brasil frequentemente argumentam que o
lado da tributação deveria exercer um papel mais importante na
redistribuição de renda. No entanto, a predominância da tributação indireta e
a interação da tributação direta com uma renda extremamente concentrada
faz com que o sistema tributário seja uma ferramenta redistributiva muito
fraca. (...) Nossa visão é de que o sistema de tributação e gastos deve ser o
mais simples e transparente possível, com o lado do gasto sendo o principal
instrumento da política redistributiva.122

2.6 Por que a desigualdade só começou a cair com


maior intensidade a partir de 2001?
Se a redemocratização do país está por trás da queda recente da desigualdade,
como se pretende argumentar neste livro, cabe questionar porque a
desigualdade só começou a cair de forma consistente a partir de 2001, tendo
em vista que a redemocratização se deu em 1985. O que parece ter ocorrido é
que a desorganização fiscal e a hiperinflação da segunda metade dos anos
1980, decorrentes do arroubo democrático que pretendia atender a todas as
demandas ao mesmo tempo, desorganizou a economia e, sobretudo, sacrificou
os mais pobres, que tinham menos proteção contra a inflação.
O Gráfico 2.7 mostra duas medidas alternativas de desigualdade: o já
analisado Índice de Gini e a participação na renda da parcela 1% mais rica da
população. Os mais ricos tendem a aumentar sua participação na renda
durante processos inflacionários, uma vez que têm acesso a mecanismos
bancários de proteção do valor real de sua renda, de modo que a medida de
concentração na parcela 1% é mais sensível a variações na inflação.
O que o gráfico mostra é que, entre 1981 e 1989, há uma escalada na
desigualdade medida pelos dois indicadores, com o indicador dos 1% mais
ricos apresentando, como seria de se esperar, um ritmo mais intenso de
concentração, devido à intensificação do processo inflacionário. Entre 1989 e
1995, há forte oscilação, com queda e posterior elevação nos dois indicadores.
Esse é o período mais agudo da hiperinflação, para o qual não se pode
descartar significativos erros de medida na renda, uma vez que a noção de
valor real dos ganhos mensais (computado pelas pesquisas domiciliares) se
perde com a aceleração dos preços a um ritmo de até 80% ao mês.
O que é interessante destacar é que, a partir de 1995, com a estabilização
definitiva da inflação após a implantação do Plano Real, a participação dos
1% mais ricos cai abruptamente, enquanto o Índice de Gini decresce mais
devagar, apresentando clara tendência de queda apenas a partir de 2001.
A história que o Gráfico 2.7 parece contar pode ser dividida em três fases.
Nos primeiros anos da redemocratização (1985 a 1995), o ímpeto
redistributivo resultou em hiperinflação, o que acabou por anular a intenção
redistributiva, concentrando a renda nas mãos dos mais ricos. Embora tenha
havido o impulso político para a redistribuição desde o momento inicial da
redemocratização, a redistribuição não se concretizou devido à incapacidade
da sociedade para controlar o efeito colateral dessa redistribuição, qual seja, a
inflação.
Entre 1995 e 2001, o principal fator de redistribuição de renda teria sido a
estabilização dos preços, que elevou a renda real dos pobres, agora protegida
contra a corrosão inflacionária (o índice de Gini cai devagar e a participação
dos 1% mais ricos cai fortemente). Nesse período, as políticas públicas
redistributivas (salário mínimo, programas sociais e expansão das
aposentadorias rurais) jogavam apenas um papel secundário. A queda da
inflação teve efeito forte o suficiente para garantir popularidade política aos
governantes (reelegendo o Presidente da República em primeiro turno em
1998). A partir de 2001, quando o efeito da estabilização sobre a desigualdade
já perdia ímpeto, a redistribuição via políticas governamentais passou a
ganhar importância.
É possível (embora não haja evidências consolidadas a esse respeito) que o
mercado de trabalho também tenha apresentado tendências diferentes ao
longo dessas três fases. A abertura comercial a partir de 1990 pode ter levado
a aumentos na desigualdade da renda do trabalho, em função da abertura de
vagas de trabalho em setores de maior sofisticação tecnológica, como já
comentado. Já nos anos 2000 teriam predominado a queda da participação da
indústria no produto e a expansão do setor de serviços, que, associados à
pressão do salário mínimo sobre as menores remunerações, teriam como
efeito a redução da desigualdade.
Assim, embora o ímpeto redistributivo estivesse presente desde o primeiro
momento da redemocratização, a efetiva redistribuição só começou com a
estabilização da inflação (em 1995), aprofundando-se, a partir de 2001, com a
ampliação dos programas de transferências públicas, a intensificação da
política de valorização real do salário mínimo e o surgimento de uma
dinâmica favorável à menor desigualdade no mercado de trabalho privado.
GRÁFICO 2.7 Brasil – participação dos 1% mais ricos na renda e Índice de
Gini de concentração da renda: 1981-2009

Fontes: Índice de Gini: Barros et al. (2009) e IPEA (2012). Fonte primária: Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) 1977-2011. Participação dos 1% mais ricos na renda: www.ipeadata.gov.br . Elaborado pelo
autor.

2.7 A estratificação social após uma década de redução


da pobreza e da desigualdade
Tendo em vista a redução da pobreza e da desigualdade, registrada neste
capítulo, cabe perguntar como ficou, ao final da primeira década do século
XXI, a distribuição da população brasileira entre pobres, classe média e classe
alta. Ainda haverá uma quantidade suficientemente grande de pobres,
necessitando e demandando assistência social, e, com isso, estimulando os
políticos a expandir as políticas públicas redistributivas? Terá havido uma
expansão significativa da classe média, com possível implicação sobre o
perfil de políticas públicas demandadas pela população?
Não é simples estratificar uma população em diferentes classes sociais. O
Brasil não possui uma linha oficial de pobreza. O Programa Bolsa Família
(Lei no 10.836, de 2004) define como em extrema pobreza famílias com renda
per capita de até R$ 70,00 e em situação de pobreza famílias com renda per
capita de R$ 140,00 e que tenham membros com até 17 anos de idade. Tais
limites monetários podem ser reajustados pelo Poder Executivo federal.123 Já
a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS – Lei no 8.742, de 1993, art. 20,
§ 3o) considera que renda inferior a 1/4 do salário mínimo per capita
caracteriza uma situação em que a família é incapaz de prover a manutenção
de idosos ou deficientes físicos. O salário mínimo também é, muitas vezes,
utilizado com demarcador de linha de pobreza: o IBGE usualmente adota
como linha de corte o valor de meio salário mínimo.
Também não é simples definir quem pertence à classe média, pois a
definição mais adequada depende do contexto do estudo. Pode-se definir
classe média em termos relativos, como sendo o grupamento de indivíduos
que estão no centro da distribuição de renda. Por exemplo: o terceiro quintil
da distribuição. Neste caso, nunca haverá um aumento da participação da
classe média na população total. Por definição, ela será sempre equivalente a
1/5 da população total. Em um contexto em que haja um forte crescimento da
renda dos mais pobres, como ocorrido no Brasil nos anos recentes, essa
definição de classe média apenas fará com que se eleve o limite de renda
monetária que define a separação entre pobreza e classe média (a separação
entre o segundo e o terceiro quintis), o mesmo ocorrendo com a divisão entre
classe média e classe alta (o limite entre o terceiro e o quarto quintis).
Alternativamente, pode-se definir como sendo membro da classe média a
família ou indivíduo que ultrapassou um determinado limite absoluto de
renda familiar per capita (por exemplo, os R$ 140,00 definidos pelo
Programa Bolsa Família). Nesse caso, o aumento da renda dos mais pobres
fará com que muitos passem da classe pobre para a classe média, aumentando
o tamanho desta.
Os critérios também podem usar outras variáveis que não a renda, medindo,
por exemplo, a posse de objetos domésticos (TV, geladeira etc.) e o grau de
escolaridade;124 ou ainda o acesso a serviços de saúde, a qualidade de
habitação e a oscilação da renda ao longo dos anos, entre outros. Como
argumentado no já citado estudo do Banco Mundial sobre a expansão da
classe média na América Latina, produzido por Francisco Ferreira e
coautores: “o conceito de classe média é escorregadio e multifacetado.
Filósofos, cientistas políticos, sociólogos e economistas têm em mente
diferentes conceitos quando utilizam este termo”.125
Para os propósitos deste livro, o conceito mais adequado a ser utilizado
parece ser o de “vulnerabilidade”: classe média seria o grupo social que tem
segurança econômica, ou seja, baixa probabilidade de voltar a ser pobre.
Sentindo-se segura de que é baixa sua probabilidade de cair na pobreza, a
família de classe média pode fazer um planejamento de longo prazo e realizar
investimentos visando o progresso material futuro, inclusive na educação dos
filhos.
Este é o enforque adotado por Ferreira e coautores: “um ‘definidor’
particular de pobreza é a segurança econômica, que seria a característica
fundamental da classe média. E a segurança econômica é medida como o
inverso da vulnerabilidade a se cair na pobreza”.126 Isto posto, os autores
utilizam como linha divisória entre segurança e vulnerabilidade a
probabilidade de 10% de o indivíduo vir a ser pobre nos próximos cinco anos,
o que os leva a fixar uma renda familiar per capita de US$ 10 por dia como a
divisória entre a classe média e a população vulnerável à pobreza na América
Latina.
No Brasil, o Governo Federal criou uma “Comissão para Definição da
Classe Média no Brasil”, coordenado pelo economista Ricardo Paes e Barros.
Tal comissão optou por adotar o critério de vulnerabilidade na estratificação
das classes sociais, assim justificando essa escolha:
não só os pobres, mas também todos aqueles que percebem que têm elevada
probabilidade de se tornarem pobres no futuro próximo, adotam estratégias
defensivas e mais imediatistas voltadas para mitigar os efeitos da pobreza e
reduzirem as chances de se tornarem pobres ou agravar seu grau de pobreza.
Esse tipo de atitude leva a formas de atuação preventivas e que envolvem
poucos investimentos, com baixa propensão a assumir riscos. Por essas
razões, aparentam certa miopia, certa indiferença com relação a eventos um
pouco distantes do imediato.
No entanto, na medida em que a possibilidade de vir a ser pobre declina, as
famílias ganham capacidade de imaginar e planejar o futuro, assim como de
realizar investimentos e tomar outras atitudes concretas dirigidas à
construção desse futuro. Essa diferença de atitude com relação ao futuro é o
que faz, segundo essa abordagem, a classe média ser distinta da classe baixa
e dos pobres, em particular.
Segundo essa perspectiva, as classes baixa, média e alta são determinadas
por diferenças na probabilidade de virem a ser pobres no futuro imediato,
que passamos a denominar grau de vulnerabilidade. Assim, a classe alta
seria aquela formada por pessoas com baixo grau de vulnerabilidade, isto é,
com baixíssima probabilidade de se tornarem pobres no futuro imediato. De
forma similar, a classe baixa seria aquela formada por pessoas com alto grau
de vulnerabilidade, ou seja, com elevada probabilidade de se tornarem
pobres no futuro imediato. A classe média seria, então, formada por aquelas
com nível intermediário de vulnerabilidade, suficientemente baixo, no
entanto, para que passem a ter genuíno interesse pelo longo prazo.127
Para estabelecer limites quantitativos que separam as diversas classes no
Brasil, usando o conceito de vulnerabilidade, a Comissão para Definição da
Classe Média no Brasil partiu da linha de pobreza definida pelo Programa
Bolsa Família, reajustando os valores para março de 2012, o que levou a uma
renda familiar per capita de R$ 81,00 como limite de extrema pobreza e de
R$ 162,00 como limite de pobreza. Utilizando os resultados da PNAD 2009,
a Comissão calculou a probabilidade de a família vir a ser pobre em algum
ano no quinquênio seguinte.128 Chegou, então, à estratificação proposta na
Tabela 2.1.
TABELA 2.1 Limites de renda mensal bruta domiciliar per capita para
diferentes classes sociais (R$ de abril de 2012)

Classes R$/mês % Pop Percentil


Extremamente pobres 0 81 5 0 5
Pobres 81 162 10 5 15
Vulneráveis 162 291 19 15 34
Classe Média Baixa 291 441 16 34 50
Classe Média Média 441 641 17 50 67
Classe Média Alta 641 1019 15 67 82
Classe Alta Baixa 1019 2480 14 82 96
Classe Alta Alta 2480 4 96 100
Fonte: Brasil (2012, p. 61). Elaborado pelo autor.

De acordo com esse método, a classe média começaria em uma renda


familiar per capita de R$ 291,00 por mês. Os autores do relatório reconhecem
que o valor parece baixo e alertam para o fato de que a base de dados de
renda mensal levantada pela PNAD tende a subestimar a renda, tanto por não
se aprofundar no tema (a pesquisa tem objetivos mais amplos, como a
avaliação de condições habitacionais, de consumo e de emprego), como por
não computar itens de remuneração importantes, como seguro-desemprego,
abono salarial, 13o salário ou horas extras eventuais.
Em uma comparação com os dados levantados pela POF, esta muito mais
focada na apuração da renda familiar e na sua alocação, os autores do
relatório indicam haver uma diferença de 57% entre o 34o percentil da
distribuição de renda observada em cada uma das pesquisas. Isso levaria a
renda familiar per capita mínima da classe média dos R$ 291,00 mostrados
na Tabela 2.1 para R$ 458,00. O limite máximo, que dividiria a classe média
da classe alta subiria a R$ 1.661,00 per capita.129 Uma família de quatro
pessoas seria, então, considerada como de classe média se tivesse renda
mensal entre R$ 1.832,00 e R$ 6.644,00.130
Não obstante a subestimativa de renda existente na PNAD, a Comissão
preferiu utilizar essa base de dados tendo em vista a repetição anual da
pesquisa, em contraposição a um intervalo de 5 anos na realização da POF.
Isso permite que se atualizem com frequência os limites expostos na Tabela
2.1.
Supondo que a subestimativa da PNAD ocorra de forma homogênea em
todas as faixas de renda, os valores apresentados na Tabela 2.1 permitem
dizer que 34% da população brasileira seriam pobres ou vulneráveis. Trata-se
de um contingente significativo. Assim, apesar da forte redução da pobreza
ocorrida no passado recente, o contingente de eleitores demandando políticas
redistributivas e assistenciais ainda é elevado. A classe média representaria
48% da população, sendo, também, uma força importante na definição das
escolhas públicas. Por essa estimativa, já seria significativo o contingente
populacional de classe média, capaz de se sentir economicamente seguro, a
ponto de planejar investimentos na melhoria da sua qualidade de vida a longo
prazo. No topo da pirâmide social, classificados como classe alta, estariam
18% da população.
Estimativa alternativa, feita no já citado estudo de Ferreira e coautores,131
estabelece uma estratificação em que é bem mais elevada a participação de
pobres e vulneráveis na população total: aproximadamente 30% e 35%,
respectivamente. A classe média (a partir de US$ 10 per capita por dia)
representaria apenas 30% e a classe alta (a partir de US$ 50 per capita por
dia) conteria não mais que 5% da população.

2.8 Conclusões
As principais conclusões deste capítulo podem ser assim sumariadas:
1. a desigualdade é persistente no tempo, de modo que os países que
estabeleceram modelos econômicos geradores de desigualdade nos
primórdios de sua organização econômica tendem a carregar essa
desigualdade ao longo de sua história. No Capítulo 3 serão feitas
considerações sobre como isso teria ocorrido no Brasil e na América
Latina;
2. o modelo político pós-1985 associado a condições econômicas favoráveis
na economia internacional levaram à redução da desigualdade no Brasil a
partir de 1998. Apesar disso, o país segue entre os mais desiguais do
mundo;
3. a desigualdade de remunerações no mercado de trabalho é a principal
causa imediata da alta desigualdade de renda no Brasil, seguida por um
efeito concentrador dos pagamentos dos benefícios da Previdência Social.
A remuneração dos servidores públicos também tem significativo impacto
concentrador de renda;
4. os programas governamentais com maior efeito redistributivo são o Bolsa
Família e, mais recentemente, o Benefício de Prestação Continuada, sendo
que o primeiro é mais efetivo que o segundo em alcançar os mais pobres,
além de ser mais barato;
5. a queda da desigualdade observada entre 2001 e 2011 foi causada por uma
redução no hiato entre as maiores e menores remunerações no mercado de
trabalho e por redução no efeito concentrador de renda das transferências
de renda governamentais, em especial o pagamento de aposentadorias, que,
devido aos aumentos reais do salário mínimo, beneficiaram os aposentados
e pensionistas de menor renda;
6. não há garantias de que a queda de desigualdade acima referida seja
sustentável e se mantenha ao longo da segunda década do século XXI, seja
pelo esgotamento dos fatores que causaram a redução da desigualdade até
2011, seja pelo alto custo do modelo de política social adotado pelo
Governo Federal ou pela reversão de situação favorável no comércio
internacional de commodities;
7. a intensa queda da desigualdade não significa que a política
governamental voltada para essa finalidade seja eficiente. Na verdade,
mostra-se que o gasto social do Governo Federal é fortemente concentrado
em previdência social, que tem efeito regressivo, e dedica poucos recursos
aos programas de maior impacto redistributivo;
8. a trajetória da desigualdade durante o regime democrático iniciado em
1985 pode ser dividida em três fases: (1) hiperinflação e aumento da
desigualdade (1985-1995), (2) fim da hiperinflação como principal fator de
queda da desigualdade (1995-2001), (3) queda da desigualdade
determinada pelas transferências de renda governamentais, intensificação
dos aumentos reais do salário mínimo e por uma dinâmica do mercado de
trabalho favorável à redução do hiato de remuneração entre ricos e pobres
(de 2002 em diante);
9. apesar da significativa queda da pobreza que acompanhou a redução da
desigualdade, pelo menos 34% da população brasileira encontrava-se em
situação de pobreza ou vulnerabilidade ao final da primeira década do
século XXI. A classe média, por sua vez, passou a representar parcela
significativa da população, ficando entre 30% e 48%, dependendo dos
critérios utilizados na estratificação. Isso indica, por um lado, que ainda
existe um grande contingente de pobres e vulneráveis com demanda por
políticas assistenciais de curto prazo, voltadas a remediar a pobreza. Por
outro, já é significativo, também, o contingente populacional de classe
média capaz de se sentir economicamente seguro, a ponto de planejar
investimentos na melhoria da qualidade de vida a longo prazo, o que pode
gerar (mas não necessariamente o fará) mudança nas demandas
apresentadas ao governo e questionamentos ao modelo econômico de baixo
crescimento com redistribuição dissipativa.
O próximo capítulo entra no cerne do argumento central do livro, analisando
como os estratos mais ricos da sociedade conseguem obter gastos públicos e
regulação que os beneficiam, por meio da criação de instituições enviesadas.

88 Fonte: http://www.worldsalaries.org. Valores em dólares de 2005, corrigidos por paridade do poder


de compra.
89 O índice de Gini é uma das medidas de desigualdade mais utilizadas. Ele varia de 0 a 100 (ou de 0 a
1, conforme a escala), com valores maiores indicando maior desigualdade. Para uma descrição e análise
de vários índices de desigualdade ver Ray (1998). O gráfico inclui apenas os países que: (a) não
estiveram sob regime comunista no passado, (b) cujas estatísticas são consideradas de boa qualidade
(classificado como nível de qualidade 1 ou 2), (c) nos quais haja uma distância de, no mínimo, cinco
anos entre a informação mais antiga e a mais recente sobre a desigualdade. A média de tempo entre a
primeira (passado) e última observação (presente) é de 23 anos. O desvio-padrão é de 12,5.
90 IPEA (2012, p. 10).
91 IPEA (2012).
92 Souza e Medeiros (2013).
93 IPEA (2012).
94 Isso não quer dizer que a incidência tributária como um todo (impostos diretos e indiretos) seja
desconcentradora de renda. Não há como obter o valor pago em impostos indiretos através de pesquisas
de orçamento familiar, visto que tais impostos estão embutidos nos preços dos produtos. Adiante, neste
Capítulo, são feitas considerações sobre o impacto geral da tributação na desigualdade.
95 IPEA (2012, p. 28).
96 Além das contribuições já detalhadas no texto, o seguro-desemprego tornou-se menos regressivo,
contribuindo com 8% da queda no índice de Gini, e a tributação direta tornou-se mais progressiva
(impacto de 5%).
97 Lembrando que os dois estudos analisam períodos distintos: 2001 a 2011, no caso de IPEA (2012); e
2003 a 2009, no caso de Souza e Medeiros (2013), Além do mais, trabalham com fontes de dados
distintas: PNAD, no primeiro caso, e POF, no segundo.
98 Barros et al. (2009).
99 Azevedo et al. (2013).
100 Para uma discussão sobre as diferentes possíveis causas da redução do hiato salarial na América
Latina, ver Lustig et al. (2013).
101 Ao obter forte receita em moeda internacional, por meio da exportação de suas commodities, os
países latino-americanos puderam adquirir produtos, no mercado internacional, a baixo preço. Isso
aumentou a competição com as firmas nacionais cuja produção concorre com mercadorias importadas
(bens comercializáveis). Já as empresas nacionais que produzem bens e serviços que não estão
disponíveis no mercado internacional (por exemplo: serviços e construção civil) beneficiaram-se do fato
de que a renda e o consumo aumentaram e, ao mesmo tempo, não sofreram a concorrência dos
importados. A tendência natural, nesse caso, é de encolhimento dos setores de bens e serviços
comercializáveis e de expansão do setor de não comercializáveis.
102 Banco Mundial (2012, p. 8).
103 Bonelli e Fontes (2013).
104 O estudo define “gastos sociais federais” como sendo aqueles “voltados para o atendimento das
necessidades e direitos sociais, bem como para o pagamento de ações de regulação, provisão ou
produção de bens, serviços e transferências em dinheiro à população brasileira. Nesse sentido, são
considerados como pertencentes à área social os seguintes ministérios e secretarias especiais: Saúde,
Educação, Trabalho e Emprego, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Previdência Social,
Desenvolvimento Agrário, Cidades, Cultura, Arquivo Nacional, Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Secretaria Especial de
Direitos Humanos e Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente. Além de atividades desenvolvidas
por estes órgãos públicos, acrescentam-se as operações de crédito que constam do orçamento do
Ministério da Fazenda e que se destinam às áreas de Desenvolvimento Agrário, Educação e Saúde”
(IPEA, 2011).
105 IPEA (2011).
106 IPEA (2012, p. 28-9).
107 Souza e Medeiros (2013, p. 20).
108 Ferreira et al. (2013).
109 Ferreira et al. (2013, p. 8).
110 Banco Mundial (2011, p. 18).
111 Immervoll et al. (2006a).
112 Conforme mostrado em IPEA (2011).
113 Immervoll et al. (2006b).
114 IPEA (2012, p. 28).
115 IPEA (2011).
116 IPEA (2012, p. 40).
117 Barros et al. (2009, p. 71-2).
118 Lindert et al. (2006).
119 Lindert et al. (2006, p. 14).
120 Immervoll et al. (2006b).
121 Siqueira et al. (2012).
122 Immervoll et al. (2006a, p. 16).
123 http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/beneficios/ingresso-de-familias.
124 Esse critério é adotado pelo chamado “Critério de Classificação Econômica Brasil”, que divide a
população em classes de A a E, e tem por objetivo estimar o poder de compra da população urbana.
Para detalhes sobre esse critério, ver: http://www.marketanalysis.com.br/arquivos-
download/biblioteca/cceb-1.pdf.
125 Ferreira et al. (2013, p. 24).
126 Ferreira et al. (2013, p. 32).
127 Brasil (2012, p. 40-1). O texto original contém um equívoco conceitual, corrigido na citação acima.
No original lê-se: “A classe média seria, então, formada por aquelas com nível médio de
vulnerabilidade, suficientemente elevado, no entanto, para que passem a ter genuíno interesse pelo
longo prazo.” Certamente o sentido lógico seria de que o nível de vulnerabilidade é “suficientemente
baixo” e não “suficientemente elevado”.
128 Em vez de definir um percentual específico para a probabilidade de vir a ser pobre, como feito em
Ferreira et al.. (2013), a Comissão usou um método estatístico de agrupamento dos indivíduos conforme
a similaridade de suas probabilidades de vir a ser pobre (polarização).
129 Brasil (2012, p. 59).
130 Esse cálculo, que multiplica pelo número de membros da família a renda per capita é aproximado,
porque desconsidera economias de escala decorrentes da vida em família. Em geral, o custo unitário de
manutenção de um indivíduo que vive sozinho é maior do que o mesmo custo para indivíduos que
vivem em um mesmo lar.
131 Ferreira et al. (2013).
CAPÍTULO 3

REDISTRIBUIÇÃO PARA OS RICOS

3.1 Introdução
Em março de 2012, Eike Batista era a oitava pessoa mais rica do mundo, com
um patrimônio estimado em US$ 34,5 bilhões.132 Foi celebrado por uma
matéria de capa de uma das principais revistas semanais brasileiras: tratava-se
de um empresário que seria o ídolo dos novos milionários brasileiros, um
grupo que “trabalha muito, compete honestamente, orgulha-se de gerar
empregos e não se envergonha da riqueza”.133
Seu complexo empresarial consistia em um conglomerado chamado EBX,
voltados à exploração de commodities. A principal empresa, de exploração de
petróleo (OGX), prometia rivalizar com a Petrobras na quantidade de óleo
extraída. Para construir navios capazes de transportar essa produção
portentosa, a EBX criou o estaleiro OSX, que também seria utilizado para
transportar minérios explorados pela MMX. Como os navios da OSX
precisariam de um porto, Eike criou a LLX logística, cujo principal projeto
seria o “superporto” de Açu. Havia, ainda, empresas na área de geração de
energia (MPX) e de exploração de carvão (CCX), entre outras de menor
expressão.
Entre 2006 e 2010, o grupo EBX abriu o capital de suas empresas e fez
diversos lançamentos primários de ações (IPO) na Bolsa de Valores de São
Paulo. O da OGX foi a maior venda primária da história da Bovespa.
Filho de um ex-Ministro de Minas e Energia e ex-Presidente da então estatal
de exploração de minério de ferro, Vale do Rio Doce, durante o governo
militar, Eike sempre se esmerou no contato com lideranças políticas. Em
2009, doou R$ 10 milhões à campanha da cidade do Rio de Janeiro para
sediar as olimpíadas de 2016. Foi o maior doador individual da campanha
presidencial de Lula em 2006 e o maior patrocinador privado do filme Lula, o
filho do Brasil.134 Emprestava seu avião para viagens particulares do
Governador do Estado do Rio de Janeiro.135 Para o conselho de administração
de suas empresas convidou nada menos que um ex-Ministro da Fazenda, uma
ex-Ministra do Supremo Tribunal Federal e um ex-Senador e Ministro de
Minas e Energia.
Em primeiro de julho de 2013, o império de Eike Batista começou a
desmoronar, revelando uma história baseada em prejuízos para acionistas
minoritários, exploração da fragilidade das agências reguladoras,
financiamento junto a bancos públicos e capitalização com recursos de fundos
de pensão controlados por empresas estatais.
O ponto de partida da crise foi a declaração pela petroleira OGX de que seu
campo mais promissor (Tubarão Azul) era comercialmente inviável, o que
desencadeou uma crise de confiança na empresa e derrubou o preço de suas
ações. Como os negócios do grupo são todos interconectados, as demais
empresas também foram prejudicadas. Afinal, se não havia petróleo a ser
explorado, o que fazer com os navios que o transportaria e com o porto que
receberia tais navios? Ademais, dificuldades na produção de minério e no
andamento dos projetos da LLX e da OSX completariam o quadro negativo.
Interessante notar que os poços do campo considerados inviável haviam
sido, um ano antes, declarados viáveis pela empresa, que protocolou junto à
agência reguladora (Agência Nacional do Petróleo – ANP) a respectiva
“declaração de comercialidade”. Frente à inconsistência de informações e de
atos da OGX, a ANP não adotou qualquer procedimento punitivo, apenas
solicitando informações adicionais e aguardando o prazo regulamentar,
enquanto acionistas minoritários viam seus ativos virarem pó.136
A agência reguladora do mercado de capitais (Comissão de Valores
Mobiliários – CVM) e a Bovespa também apresentaram comportamento
passivo no episódio.137 As empresas de Eike Batista e o próprio empresário,
podem ter atuado de forma não condizente com as regras impostas a
sociedades de capital aberto. Os lançamentos primários de ações foram feitos
quando as empresas estavam em estágio pré-operacional, sem gerar receitas e
com lucros futuros baseados em projeções otimistas, não tendo sido impostas
restrições pelas regras da Bovespa ou pela CVM a esse tipo de venda, como
ocorre usualmente em outros países, como faz a Securities and Exchange
Comission (SEC), dos Estados Unidos.
Eike utilizou comunicados relevantes ao mercado para fazer propaganda
otimista acerca das perspectivas de produção, quando esse tipo de
comunicado deve se restringir a informações objetivas e comprovadas, para
evitar especulação e manipulação de preços na bolsa. De forma similar, o
empresário usou ativamente sua conta no Twitter para divulgar projeções
otimistas sobre a produção e rentabilidade de suas empresas. Esse tipo de
propaganda enganosa passou ao largo da vigilância da CVM, iludindo
investidores minoritários. A estrutura de remuneração dos executivos da
empresa, baseada no valor das ações na bolsa, induzia-os a produzir boas
notícias, que inflassem o valor das ações, com reflexo direto nos seus
patrimônios pessoais.
O empresário vendeu parte das suas ações da OGX 20 dias antes de anunciar
a inviabilidade comercial do campo de Tubarão Azul, negociando com base
em informação privilegiada. Meses após tal procedimento, não há evidências
de punição imposta pela CVM.
Em meio à crise, Eike decidiu transferir R$ 500 milhões do capital da OGX
para a OSX, em uma operação que prejudicava os acionistas da primeira em
favor dos da segunda, mais uma vez sem reação aparente da CVM.138
Exasperado com o que considerou inação da CVM, um investidor passou a
publicar, na internet, cartas abertas ao Presidente da CVM, anunciando quais
seriam as possíveis próximas manobras de Eike no sentido de contornar
regras e explorar lacunas legais:
Prezado Senhor Presidente:
Apesar de eu ter publicamente antecipado que o controlador da OGX, Sr.
Eike Batista, venderia ações OGXP3 na virada do mês de agosto para
setembro (...), essa Comissão de Valores Mobiliários nada fez. De acordo
com o art. 118[1] da Instrução CVM 461, esse órgão regulador deveria ter
cancelado todos os negócios realizados por Eike Batista nesses últimos
pregões, uma vez que as vendas foram feitas mediante a utilização de
informações não divulgadas ao mercado (...). Após perceber, no início deste
ano, que a maior parte dos campos de petróleo concedidos eram
economicamente inviáveis, o Sr. Eike Batista alienou 123 milhões de ações
da companhia; e, como todos já sabem, somente após essas vendas divulgou
ao mercado que a OGX desistiria da exploração de boa parte do que fora
projetado inicialmente.139
Fica clara a lentidão das agências reguladoras na situação em tela, CVM e
ANP em agir em caso de proporções extremas, capaz de abalar todo o
mercado acionário.
Bancos públicos têm capital emprestado (a juros subsidiados e com funding
provido pelos contribuintes) ao grupo EBX, com o BNDES exposto em R$
4,9 bilhões (de um total de empréstimos de R$ 10,4 bilhões) e a Caixa
Econômica Federal em R$ 1,4 bilhão.140 O braço de participações acionárias
do BNDES (BNDESpar) aplicou outros R$ 500 milhões em ações do grupo
EBX.141
Seguindo um padrão muito comum no mercado financeiro e de capitais
brasileiro, em que, além dos bancos públicos, os fundos de pensão de
empregados de empresas estatais são acionados para financiar projetos que
têm a benção governamental, os fundos dos funcionários do Banco do Brasil
e dos Correios também exibem créditos junto ao grupo EBX. O fundo dos
Correios concentrou 20% de sua carteira de ações nas ações do grupo.142 Ao
comentar o caso EBX, o jornal The New York Times observou que “as
estruturas de governo no Brasil continuaram as mesmas durante o longo
boom econômico, com as autoridades canalizando amplos recursos do
Estado para projetos controlados por magnatas”.143
No momento em que este livro estava sendo redigido, o episódio da queda
do “Império X” ainda estava em andamento, com novos capítulos por
acontecer: acionistas minoritários organizando-se para ir à justiça, CVM
iniciando procedimentos de apuração e o próprio empresário tomando
providências para vender empresas e reestruturar o grupo.
Os fatos ocorridos até esse momento, no entanto, são uma rica ilustração de
como o poder econômico e a influência política podem ser usados para
contornar as leis e permitir que indivíduos muito ricos apropriem-se de renda
dos contribuintes, dos acionistas minoritários de suas empresas ou de
participantes de fundos de pensão. Instituições judiciais e regulatórias fracas e
lentas, que propiciam espaço para tal comportamento, seriam, de acordo com
as teorias expostas na próxima seção, decorrência da formação histórica de
nações onde há elevada desigualdade. Tais instituições frágeis e enviesadas a
favor dos mais ricos teriam efeitos nocivos sobre o crescimento econômico de
longo prazo.

3.2 O que diz a teoria econômica?


Edward Glaeser e seus coautores (entre eles o brasileiro José Alexandre
Scheinkman)144 discutem o efeito da desigualdade sobre o funcionamento das
instituições legais, políticas e regulatórias. Eles argumentam que os mais ricos
e politicamente poderosos podem subverter tais instituições em benefício
próprio, com impacto negativo sobre o potencial de desenvolvimento
econômico. Eles chamam a atenção para o fato de que um indivíduo ou grupo
social que se sente ameaçado pelo risco de ser desapropriado é menos
propenso a investir. Somente os ricos, poderosos e com boas conexões se
sentirão seguros para investir numa sociedade cuja justiça é lenta, alguns
juízes aceitam suborno ou os burocratas podem alterar os regulamentos de
forma casuística.
Ir à justiça para reclamar um direito ou usar manobras judiciais para
procrastinar sentenças é geralmente caro. Indivíduos e empresas menos
abastados não só têm de pagar os custos judiciais para fazerem uma
reclamação, como também devem suportar o custo de oportunidade de
esperar anos por uma sentença definitiva.
A desigualdade econômica permite que aqueles que dispõem de recursos
para pagar bons advogados possam expropriar outros que não têm recursos
para financiar contendas judiciais. Estar protegido contra agressões ao direito
de propriedade é também mais fácil para os ricos. A segurança privada é cara
e tem retornos de escala, o que impede os empreendimentos pequenos e
pobres de usá-los tanto quanto os mais ricos.
Em suma: conforme argumenta Mark Gradstein, em Inequality, Democracy
and the Protection of Property Rights, nas sociedades desiguais há alta
probabilidade de que os sistemas jurídico, político e regulatório não consigam
constranger a capacidades dos mais ricos para tirar proveito de ações como a
formação de cartel, o desrespeito a regras comerciais ou o tráfico de
influências. Em sociedades desiguais, direitos de propriedade, leis e regras
tendem a ser fracos, não oferecendo a devida proteção aos pobres, que são
geralmente desapropriados pelos ricos.
Timothy Besley e Maitreesh Ghatak, da London School of Economics,
chamam de “Estados eficazes” “aqueles que apoiam as instituições que
permitem que [todas] as famílias e empresas gozem igualmente de garantias
de direitos à propriedade”.145 Em sociedades cujos ricos têm maior influência
sobre as decisões do Estado ou têm capacidade para restringir o acesso a
direitos de propriedade aos membros de uma oligarquia, pode haver poucos
incentivos para se melhorar esses direitos para que abranjam toda a economia,
pois os beneficiários preferem que tudo continue como está. E isso constituirá
uma barreira ao investimento e ao crescimento.
Daron Acemoglu e James Robinson propõem, como parte do argumento
central de sua obra Por que as nações fracassam, os conceitos de
“instituições econômicas extrativistas”, e “instituições econômicas
inclusivas”:
(...) Instituições econômicas inclusivas são aquelas que permitem e
incentivam a participação da grande massa de pessoas em atividades
econômicas de modo a utilizarem ao máximo seus talentos e habilidades e
que permitam aos indivíduos fazerem as escolhas que bem entendam. Para
serem inclusivas, as instituições econômicas devem assegurar o direito à
propriedade privada, um sistema jurídico imparcial e uma prestação de
serviços públicos que ofereça igualdade de oportunidade e um ambiente em
que as pessoas possam comercializar e contratar de maneira segura; também
devem permitir a livre entrada de novas empresas nos mercados. (...) As
instituições econômicas extrativistas são aquelas que têm propriedades
opostas: são extrativistas porque são projetadas para extrair rendimentos e
riquezas de um grupo da sociedade para beneficiar outro grupo.146
Neste contexto, o crescimento pode ser impedido através de pelo menos
cinco mecanismos distintos:147

a taxa de investimento será baixa, porque a parcela desprivilegiada ou


desprotegida da sociedade terá medo de investir;
há uma concentração de investimentos nas mãos de pessoas que não
são necessariamente as mais capazes ou eficientes; a sua vantagem
comparativa não é baseada em conhecimentos técnicos ou habilidades,
mas no poder, nos contatos políticos e nas riquezas, o que tende a
resultar em empresas menos produtivas;148
as pessoas desperdiçam tempo e recursos em atividades rent-seeking:
disputam entre si riquezas já existentes (em vez de se concentrarem na
produção de novas riquezas) ou em atividades “defensivas” (o
suborno, a barganha política, a segurança privada etc.); o tempo e os
recursos financeiros e materiais empregados nessas atividades
poderiam ser alternativamente investidos na produção de bens e
serviços mais úteis à sociedade;
há uma tendência à proteção de mercados controlados por grupos e
pessoas influentes, levando à baixa concorrência, o que desestimula a
busca de ganhos de produtividade;
o governo é usado por pessoas abastadas como um instrumento para
transferir rendas a grupos privilegiados, em vez de ser um provedor de
bens públicos que são essenciais para o desenvolvimento, como
infraestrutura e educação pública; em vez de a burocracia pública se
especializar na prestação de serviços que facilitem e estimulem o
crescimento, ela acaba por se especializar na concessão de subsídios e
benefícios, o que gera uma teia de regras e exceções para acesso e
exclusão, resultando em altos custos administrativos para as empresas.

Portanto, sociedades desiguais tendem a ter menor concorrência e incentivos


insuficientes para aumentar a produtividade, acumular capital físico e humano
e explorar seus recursos naturais de forma eficiente. No longo prazo, isso se
traduz em menor crescimento.
O resultado pode ser não apenas uma menor taxa de crescimento, mas
também um ciclo vicioso, em que a desigualdade produz instituições fracas e
tendenciosas em prol dos ricos, que reforçam a desigualdade através da
concentração de investimentos, de capital humano, de acesso ao crédito, de
riqueza e de poder.149 Apenas aqueles capazes de se proteger contra a
expropriação podem se tornar ricos. É baixa a probabilidade de que uma
classe média forte se forme em tal sociedade.
Esta relação causal dupla (desigualdade gerando instituições extrativistas e
estas perpetuando a desigualdade) pode explicar por que a desigualdade e a
qualidade institucional são persistentes e não mudam muito ao longo da
história (como ilustrado pelo Gráfico 2.1). Condições econômicas e sociais
existentes no momento da colonização de um país podem definir uma
trajetória de desigualdade e de baixa qualidade institucional por vários
séculos.150
Stanley Engerman e Kenneth Sokoloff produziram um inovador e influente
estudo no qual se propuseram a explicar porque os EUA e o Canadá são
atualmente mais desenvolvidos que a América Latina e países do Caribe.
Primeiro, eles argumentam que diferentes dotações naturais (solo, clima,
tamanho ou densidade das populações nativas) criaram diferentes graus de
desigualdade de riqueza, de capital humano e de poder político nas diferentes
colônias. Essas diferenças, por sua vez, moldaram distintas instituições:
Colônias estabelecidas no Caribe ou no Brasil tinham clima e condições do
solo que foram extremamente adequadas para o cultivo de plantas como a
cana-de-açúcar, que era altamente valorizada no mercado internacional e
produzida de forma mais eficiente em latifúndios com mão de obra escrava
(as plantations). O grande número de escravos obtidos através do tráfico
negreiro compunha a maior parte da população, o que gerou rapidamente
altos níveis de concentração de riqueza, capital humano e poder político. (...)
Em contraste, pequenas fazendas de famílias eram a regra nas colônias
norte-americanas, onde as condições climáticas favoreceram um regime de
agricultura mista centrado em grãos e gado, que apresentam economias de
escala limitadas na produção e pouco uso de mão de obra escrava (...). Estas
diferenças iniciais no grau de desigualdade – que podem ser atribuídas em
grande parte à dotação inicial de fatores – tiveram efeitos profundos e
duradouros sobre a trajetória de desenvolvimento das respectivas economias.
(...) A lógica é que a grande igualdade ou a homogeneidade entre a
população levou, ao longo do tempo, a instituições políticas mais
democráticas, mais investimento em bens públicos e infraestrutura, e a
instituições que ofereciam relativamente amplo acesso às oportunidades
econômicas.
(...) [Por outro lado, na América Latina,] colonos de ascendência europeia
podiam desfrutar de altos rendimentos da forte vantagem comparativa na
produção de bens valiosos no mercado internacional, bem como o status de
elite (contando com os escravos e índios para fornecerem a maior parte do
trabalho manual). (...) As principais áreas de exceção; ou seja, o norte dos
Estados Unidos e Canadá, foram inicialmente menos atraentes para os
europeus. (...) Os esforços para implantar uma organização de estilo europeu
de agricultura baseado na concentrada propriedade de terra combinada com
trabalho de arrendatários ou servos, como quando Pensilvânia e Nova York
foram estabelecidas, invariavelmente falharam. Os latifúndios não
prosperaram porque até mesmo homens de poucas posses poderiam formar
fazendas independentes, uma vez que a terra era barata e não havia
economias de escala nas atividades ali desenvolvidas.151
Após enfatizar a diferença entre os dois tipos de colonização e seus efeitos
sobre a formação das instituições, os autores argumentam que as instituições
diferentes no início se perpetuaram ao longo do tempo:
Em sociedades que se iniciaram com extrema desigualdade, as elites tinham
incentivos e eram capazes de estabelecer um sistema jurídico que lhes
garantissem uma parcela desproporcional de poder político de modo a
utilizar essa influência para estabelecer regras, leis e outras políticas
governamentais que lhes dessem maior acesso às oportunidades econômicas
do que o resto da população, contribuindo assim para a persistência do
elevado grau de desigualdade.152
Fecha-se, assim, o ciclo em que desigualdade gera instituições extrativas,
realimentando a desigualdade.

3.3 Desigualdade, instituições extrativas e rent-seeking


no Brasil
Joana Naritomi e coautores, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, exploram dados microeconômicos históricos dos municípios
brasileiros e obtêm evidências de que as condições iniciais de colonização do
Brasil geraram instituições prejudiciais ao crescimento econômico que
persistem até o presente.153 Os autores analisam dois tipos relevantes de
atividade econômica do Brasil Colônia: a produção de açúcar (1570-1670) e a
extração de ouro (1700-1770). Mostram que os municípios que sediaram a
atividade açucareira apresentavam, ao final do século XX (mais de 400 anos
mais tarde), maior desigualdade na propriedade da terra. Já os municípios
localizados nas regiões de exploração de ouro têm, mais de 200 anos depois
do ciclo da mineração, piores práticas de governança e oferecem às suas
populações menor acesso a instituições judiciais.
O conceito de “extração de renda” (rent-seeking) em favor de alguns e em
prejuízo de outros parece central para o desenho de instituições legais,
políticas e regulatórias enviesadas a favor dos mais ricos, como expresso no
conceito de “instituições econômicas extrativistas”. No caso brasileiro, o
grande “extrator” de rendas era a metrópole portuguesa, que utilizava as
atividades econômicas da colônia como fonte de renda para seu sustento.
Procedimentos típicos de uma regulação extrativa de renda, utilizadas por
Portugal e por outros países colonizadores, são: proibição à colônia de
comercializar com outros países que não a metrópole; restrições ao cultivo de
outros produtos que não o da monocultura de interesse da metrópole;
exigências de autorizações e alvarás para que colonos abrissem novos
negócios; concessão de monopólio para exploração de serviços (navegação,
por exemplo) a empresas e pessoas ligadas aos governantes; tributação
excessiva.
A consequência de um modelo colonial extrativista é o surgimento de uma
classe próxima ao centro de poder metropolitano (corte real, burocracia de
Estado) que passa a viver das rendas extraídas pelos procedimentos listados.
A outra consequência é a criação de um mercado de influência, no qual
indivíduos de alta renda, que exploram atividades econômicas nas colônias,
passam a buscar meios de ter acesso ao Rei para obter favores, concessões,
monopólios e redução da regulação que recai sobre eles.
A eficácia do modelo extrativista dependia da capacidade operacional do
governo metropolitano para impor restrições à atividade econômica colonial.
Nos séculos XVI a XVIII, quando as dificuldades de deslocamento e
comunicação eram significativas, seria de se esperar que Portugal conseguisse
manter um controle mais estrito sobre as atividades econômicas exercidas em
parcelas de território brasileiro que estivessem a menor distância da
metrópole. Ao mesmo tempo, custos de transporte induziam a concentração
de produção em áreas mais próximas da metrópole e do mercado consumidor.
De fato, Joana Naritomi e coautores mostram que o efeito negativo dos ciclos
do açúcar e do ouro sobre as instituições municipais foram mais intensos nos
municípios localizados a menor distância de Portugal.
Coerente com essas evidências, Fernando Zanella e coautores154 mostram,
em artigo na prestigiosa revista Public Choice, como as instituições
brasileiras teriam sido mais prejudicadas que as norte-americanas em função
da intensidade do controle extrativista exercido pelas respectivas metrópoles.
Os territórios que dariam origem aos EUA teriam ficado livres do interesse
extrativista inglês até meados do século XVII, pois neles não houve nenhuma
atividade econômica em grande escala, geradora de lucros que chamassem a
atenção da metrópole. Somente quando o vigor da economia colonial, que se
desenvolveu sem regulação extrativa, passou a gerar rendas significativas e a
concorrer com as atividades da metrópole é que a Inglaterra teve interesse em
impor restrições como, por exemplo, a obrigatoriedade de transporte de
importações e exportações em navios de bandeira inglesa (1650) ou as
restrições à produção manufatureira de chapéus, para proteger a indústria da
metrópole (1732).
Já o Brasil foi, desde o início de sua colonização, de interesse estratégico
para sua pequena metrópole, que aqui obtinha renda elevada quando
comparada com aquela gerada dentro de Portugal. Segundo Marcos Lisboa e
Zeina Latif,155 mais da metade da renda de Portugal advinha da colônia
brasileira. Por isso, a metrópole esmerou-se na criação de aparato burocrático
para maximizar a extração de rendas.
Ainda de acordo com Fernando Zanella e coautores, o processo de
centralização e controle institucional português teria sido ampliado quando da
transferência da família real para o Brasil, em 1808, em função da invasão
napoleônica ao território português. A presença da coroa portuguesa em
território brasileiro praticamente eliminou a barreira que a distância impunha
ao efetivo controle real sobre todo o território brasileiro. Criou-se, em solo
brasileiro, um sistema de governo, regulação econômica e distribuição de
privilégios fortemente concentrado nas mãos do rei:
A estrutura política e administrativa do Brasil durante o Império (1822-
1889) [era tal que] o rei controlava o Poder Executivo. Esse Poder Executivo
era fortemente centralizado e controlava praticamente todas as atividades
comerciais, até mesmo nas províncias e cidades. Uma ferramenta importante
para regular as atividades mercantis era o Conselho de Estado. Esse
Conselho (...) tinha 12 membros ordinários e alguns membros
extraordinários. Assim, nesse nível decisório, os benefícios advindos de
rent-seeking eram fortemente concentrados. (...) Os membros tinham
mandato por toda a vida, mas podiam ser demitidos pelo rei. (...) O
Conselho reportava-se diretamente ao rei.
O Conselho era o cume de uma estrutura burocrática que lidava com
assuntos econômicos. Por exemplo, a fundação de uma nova sociedade ou
companhia, em qualquer província, requeria a licença e a aprovação de seus
estatutos pelo governo. Além disso, a sociedade ou companhia precisava ter
a aprovação do Conselho de Estado. A autoridade regulatória e o alcance do
Conselho eram amplos, com óbvio efeito deletério sobre o comércio (...)
[Havia] um controle de fato da coroa sobre a maioria das posições
governamentais, fossem eleitas ou não. O rei indicava a maioria dos cargos
na burocracia brasileira, direta ou indiretamente. O rei indicava diretamente
os membros do Conselho de Estado, o Primeiro Ministro, os ministros, os
senadores, os governadores de província e os juízes de apelação. O rei
indicava indiretamente (por meio dos ministros) os chefes de polícia
provinciais, os juízes de distritos, os chefes de polícia distritais, os juízes
municipais, os tesoureiros provinciais, o chefe da aduana, e os coletores de
tributos.
(...) a coroa desenvolveu meios de minimizar os laços pessoais e comerciais
dos burocratas com as comunidades onde eles trabalhavam. (...) a maioria
das posições responsáveis por imposições regulatórias (tais como juízes
distritais, juízes de apelação, chefes policiais de província e governadores de
província) eram preenchidas por pessoas de fora da jurisdição. Ou seja, os
burocratas eram pessoas que vinham de fora para impor as regras reais, sem
terem capital próprio investido naquela localidade (seja na forma de laços
familiares, seja na forma de interesses comerciais); o que poderia interferir
no seu interesse de impor normas prejudiciais aos interesses locais. Além
disso, os burocratas eram removidos de um posto a outro com frequência, de
modo a minimizar as oportunidades de criação de laços comerciais ou
pessoais com as comunidades locais (...).
A legislatura provincial era muito menos autônoma que as legislaturas
estaduais dos EUA e praticamente não tinham poderes de regulação de
questões econômicas, portanto não eram uma fonte de competição com a
coroa no que diz respeito à regulação comercial.156
Tal centralização resultou em um intenso “mercado” de influência política e
troca de favores, em que o acesso ao rei e ao Conselho de Estado era
estratégico para que os capitalistas locais obtivessem privilégios e
monopólios ou reduzissem o peso regulatório do Estado sobre suas
atividades:
[Em 1808,] os nobres que fugiram em massa para Brasil não tinham
recursos financeiros. Como uma forma de levantar dinheiro, Dom João
vendeu 119 títulos nobiliárquicos não hereditários a negociantes locais (...)
[esses títulos] permitiam a entrada no mercado de rent-seeking comandado
pela Coroa.
No Brasil, o governo central (coroa) era o veículo primário para
redistribuição de riqueza, isto é, para conceder privilégios àqueles que
fossem próximos ao poder. Para participar da competição por favores
especiais, os caçadores de renda deveriam aparentar riqueza. Tal aparência
garantia convites para festas e eventos sociais aos quais os membros da
coroa compareciam (...). Esses eventos sociais ofereciam oportunidades para
desenvolver e manter contatos com pessoas influentes e garantir empregos,
favores e privilégios econômicos.157
Estruturaram-se, portanto, instituições voltadas para forte controle e extração
de rendas pelo governo, mecanismos de acesso privilegiado a essas rendas
pelos grupos sociais mais ricos, e a consequente realimentação de um alto
grau de desigualdade social. Essa estrutura sobreviveu à independência do
país e se reproduziu até o presente.
Como descreve o já referido artigo de Marcos Lisboa e Zeina Latif, ao longo
de toda a história pós-colonial o governo brasileiro foi peça central no
funcionamento da economia, distribuindo financiamento para investimentos
públicos e privados, coordenando decisões de investimento, distribuindo
incentivos para setores selecionados e intervindo na fixação de preços.
Durante a chamada “República Velha” (1889-1930), operou um sistema de
governo no qual se revezavam grupos da elite agrária, caracterizado por
exclusão de boa parte da população do direito ao voto e do acesso à educação.
A ascensão de Getúlio Vargas ao poder abriu espaço para maior urbanização e
industrialização do país, o que se fez, todavia, dentro da mesma moldura
extrativista e excludente.
Consolidou-se, então, a ideia de nacional-desenvolvimentismo,158 que
constitui uma ideologia bastante forte no país até o presente. O nacional-
desenvolvimentismo caracteriza-se pela ideia de que o desenvolvimento
decorre da industrialização. Torna-se necessário proteger a “indústria nacional
nascente”, o que inclui não só o estímulo aos empresários nacionais, mas
também a atração de empresas estrangeiras para produzir em solo nacional,
gerando emprego e aportando tecnologia à economia local.
Tal proposição é útil aos grupos sociais que detêm capital e podem investir
em indústrias que serão protegidas pelo governo. Em uma sociedade desigual,
esse é um instrumento de geração de lucros elevados para empresários, por
meio de sua proteção à concorrência dos produtos importados. Tais lucros
aceleram a acumulação de patrimônio dos mais ricos e perpetuam a
desigualdade. Mesmo no caso da entrada de empresas estrangeiras para
produzir no país, habitualmente os cargos de direção e gerência de alta
hierarquia, nas subsidiárias instaladas em outros países, são ocupados pela
elite nacional.
O espaço para rent-seeking dentro desse modelo de ação governamental é
grande. O grau de proteção de cada setor depende da influência dos
interessados junto ao governo. O suporte ao capital nacional que produz no
país, em oposição aos produtos importados, é também justificativa para a
concessão de crédito subsidiado, de taxas de câmbio e tarifas de importação
diferenciadas e de outros benefícios, cuja concessão dificilmente passa
incólume ao peso político e econômico do demandante.
A necessidade de “mobilizar poupança” para financiar investimentos levou à
criação ou ampliação de bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil, Caixa
Econômica, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia), de mecanismos de
poupança forçada (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS), de
fundos públicos e órgãos destinados a alocar, por meio de decisões políticas,
recursos para investimentos de empresas privadas (Sudam, Sudene, fundos de
desenvolvimento do Norte e Nordeste). O acesso aos recursos dessas fontes,
quase sempre a custo subsidiado, também passava, e continua passando, por
intermediação política.
O governo também se colocou na posição de coordenador das ações de
investimentos, criando empresas estatais em setores como energia elétrica e
siderurgia, com vistas a produzir insumos subsidiados para a indústria de bens
de consumo. A política de preços, compras e investimentos dessas empresas,
bem como as oportunidades de emprego bem remunerado em seus quadros,
constituíam outras oportunidades de obtenção de renda aos bem conectados.
Os agentes privados encontraram duas formas de atuar dentro de um modelo
de forte regulação e intervenção estatal nas decisões e preços da economia. A
primeira forma é a ação coletiva: setores econômicos se organizaram em
associações para fazer lobby organizado a favor de seus interesses coletivos.
O grande protagonismo de associações setoriais e sindicatos de classes, como
FIESP, ANFAVEA, FEBRABAN,159 entre outras, é mero reflexo de um
ambiente onde é fundamental pleitear favores e defender-se de benefícios
concedidos a outros grupos que podem afetar os interesses coletivos dos
associados.
A segunda é o uso de conexões individuais. Para tratar de interesses
específicos, que não são unanimemente demandados por um grupo de
empresas ou setores, ou para buscar vantagens individuais que contrariam o
interesse das demais empresas representadas por uma mesma associação,
torna-se interessante recorrer a canais individuais de acesso ao governo.
Assim como a compra de títulos de nobreza franqueava o acesso dos
comerciantes aos salões reais, um financiamento de campanha pode abrir
portas importantes em repartições e bancos públicos. Trata-se da velha prática
do clientelismo.
Sérgio Lazarinni, em seu livro Capitalismo de laços, define “clientelismo”
como:
contatos recíprocos que permitem aos atores obter desigualdade de
influência. Se o ponto de contato é o Estado, é fácil perceber que um ator
privado se tornará mais influente que outro a partir de suas relações
particulares. Ainda que determinado setor tenha uma associação
relativamente forte, com grande poder de influência no governo, os
benefícios gerados por essa iniciativa recairão para todas as empresas do
setor. (...) são os laços específicos, e não os coletivos, que permitem obter
vantagens competitivas privadas.160
O clientelismo se dissemina por toda a sociedade, passando a ser uma forma
racional de ação individual em uma sociedade baseada na exclusão e no rent-
seeking. Assim como um comerciante precisa de um contato no governo para
obter privilégios, um cidadão precisa da intermediação de um político para
obter um emprego ou uma consulta médica e um candidato a cargo eletivo
negocia acesso a um benefício público em troca de voto. A exclusão cria
mercado para o favor.
Percebe-se, portanto, que o comportamento rent-seeking e o caráter
extrativista da regulação econômica e da organização do Estado estão
incrustados no DNA das instituições brasileiras desde os primeiros momentos
da colonização. Gerou-se um ciclo vicioso de desigualdade, exclusão e baixo
desempenho econômico de longo prazo. Nesse cenário, os grupos sociais
mais ricos encontram terreno fértil para extrair renda em suas relações com o
Estado.

3.4 Evidências da redistribuição para os ricos no Brasil


3.4.1 Judiciário lento e pouco eficiente
A seção 3.2 argumentou que a fragilidade do Judiciário e de outras
instituições pode ser consequência de uma sociedade historicamente desigual,
em que os grupos de elite constroem instituições para melhor servir seus
interesses. Até que ponto o Judiciário brasileiro se encaixa nessa moldura?
O fato estilizado 8 mostrou evidências de que o sistema jurídico brasileiro
tem baixa capacidade para forçar o cumprimento de contratos, para solucionar
insolvências comerciais e para impor direitos de propriedade, bem como tem
uma capacidade medíocre para proteger os direitos de acionistas minoritários.
Foi visto na seção 3.2 que a lentidão da justiça é um fator determinante desse
baixo desempenho, além de haver excesso de procedimentos judiciais e de se
observar uma baixa taxa de recuperação de créditos em casos de insolvência.
Este é o cenário ideal para aqueles que desejam se beneficiar de
procedimentos ilegais ou de concorrência desleal, confiando na morosidade e
incerteza da justiça para escapar impunes de seu comportamento oportunista.
Para isso, basta ter recursos suficientes para sustentar os custos de longas
ações civis e penais, a cada condenação lançando mão de mais um recurso
permitido em lei.
A literatura acerca dos problemas do Judiciário brasileiro tem se
desenvolvido bastante nos últimos anos, permitindo que se trace um retrato
mais detalhado das mazelas do sistema. Em uma síntese dessa literatura,
André Gambier Campos, em texto para discussão do IPEA, afirma que:
o acesso a instituições responsáveis pela Justiça é dificultoso e custoso para
parcela significativa da sociedade, que não consegue fazer com que as
violações de seus direitos sejam apreciadas. E, mesmo quando consegue
acessar essas instituições, parcela importante da sociedade depara-se com
serviços jurisdicionais morosos, parciais e incertos, que não propiciam a
efetiva reparação daquelas violações.(...)161
O que parece diferenciar o Judiciário brasileiro das considerações teóricas
feitas na seção 3.2 é que não são apenas os “muito ricos” que se beneficiam
das lacunas, das imperfeições e da morosidade do nosso sistema jurídico. Na
verdade, como se verá em maior detalhe no Capítulo 5 (seção 5.3, a
Constituição de 1988 ampliou não só o acesso à justiça, mas também o
conjunto de causas sobre as quais o Judiciário pode se pronunciar,
impulsionando o número de causas ajuizadas. Esse maior acesso, contudo,
não beneficiou horizontalmente toda a população. Beneficiaram-se,
principalmente, os residentes em centros urbanos, com maior acesso à
informação e organizados em associações ou sindicatos. Ademais, a
ampliação do acesso deu margem ao uso abusivo da justiça, seja como
instrumento protelatório, seja como uma estratégia de “franco-atirador”, em
que alguns grupos entram com ações por constatarem oportunidades de
ganho. Mais uma vez citando Gambier Campos:
a respeito do acesso, destaque-se que, à primeira vista, ele cresceu
significativamente nos últimos anos (...) o número total de processos
entrados/distribuídos em primeiro grau de jurisdição multiplicou-se por três
entre 1990 e 2003.(...) Não obstante, mencione-se que esses números
ocultam dinâmicas distintas. Enquanto a maior parcela da população
brasileira simplesmente não recorre ao sistema judicial para obter a
reparação de seus direitos, uma parcela reduzida aciona tal sistema de
maneira ampla e irrestrita, mas também repetida e abusiva. Ou seja, por um
lado, há insuficiência de acesso – muitas vezes, pelos motivos anteriormente
mencionados, como a ausência de recursos financeiros, o desconhecimento
dos direitos violados e a desconfiança acerca da capacidade de reparação
mostrada pelo sistema estatal. Por outro lado, há acesso em excesso – por
vezes, para obter proveito do caráter dificultoso, custoso, moroso, parcial e
incerto do complexo judicial.162
Embora não sejam os únicos beneficiários de uma justiça lenta e incerta, os
membros da alta elite econômica e política têm amplo espaço para se
beneficiarem da lentidão e das distorções do sistema. Podem fazê-lo por meio
da contratação de caras bancas advocatícias, utilizando seu cacife financeiro
para manter longas disputas judiciais e explorar as lacunas e o excesso de
recursos previstos na legislação para protelar condenações até que os crimes
prescrevam. Podem, também, postergar o pagamento de indenizações ou
multas, auferindo ganhos financeiros e inflacionários enquanto não se executa
a sentença.
De acordo com Armando Castelar Pinheiro, em seu texto “Magistrados,
Judiciário e economia no Brasil”:
O grande problema com o ordenamento jurídico cível vigente no país está
na legislação processual, tanto em relação aos muitos meios de protelar
decisões quanto no que respeita à possibilidade de recurso a um número
excessivo de instâncias, considerados por quase 80% dos magistrados causas
muito importantes da morosidade da Justiça no Brasil.163
A incapacidade do sistema jurídico para resolver conflitos de forma rápida e
previsível faz com que os agentes econômicos adotem comportamentos
defensivos ou oportunistas, explorando a lentidão do Judiciário, conforme
seus interesses. Sérgio Lazzarini, em sua obra Capitalismo de laços chama a
atenção para o fato de que em países com fraca proteção legal aos acionistas
minoritários, como é o caso brasileiro, os investidores tentam se organizar de
modo a formarem grupos majoritários, unindo-se a outros com interesses
similares. Aqueles que perdem a posição majoritária ficam vulneráveis a
serem expropriados por terceiros. Investidores internacionais que não
conhecem a “regra do jogo” no Brasil tornam-se presas fáceis de grupos
empresariais nacionais com habilidade para usar suas conexões no governo,
colocar do seu lado os acionistas controlados pelo Estado e jogar a outra parte
no campo minoritário. É ilustrativo o exemplo apresentado pelo autor:
[Na privatização da Telebras,] a canadense TIW decidiu formar um
consórcio com atores domésticos: o banco Opportunity, controlado pelo
empresário Daniel Dantas, e um conjunto de fundos de pensão (Previ,
Petros, Sistel e Telus). O consórcio disputou e venceu o leilão para as
operações de telefonia celular em Minas Gerais (Telemig) e em diversos
estados do norte do país (Tele Norte). Foi criada uma nova empresa, a
Telepart Participações, para selar o consórcio. Nessa empresa, a TIW tinha
49% do capital, ao passo que Opportunity e fundos de pensão, 27% e 24%,
respectivamente. Portanto, nenhum dos sócios possuía controle majoritário:
a expectativa dos canadenses era de que as decisões seriam compartilhadas,
de acordo com o previsto pelo acordo de acionistas inicialmente desenhado.
Logo depois do leilão, entretanto, Daniel Dantas arquitetou um movimento
que, aparentemente, passou despercebido pelos canadenses. De alguma
forma conseguiu convencer os fundos de pensão a formar uma nova
entidade, Newtel, que abrigaria as participações acionárias do Opportunity e
dos fundos (51% no total). Com isso, automaticamente, a Newtel passou a
ser a entidade com controle majoritário da Telepart. Mais ainda, dado que o
Opportunity detinha, anteriormente, participação acionária ligeiramente
superior à dos fundos de pensão, o banco conseguiu, na Newtel, estabelecer
controle majoritário (51%). Obtendo o controle da Newtel, que, por sua vez,
controlava a Telepart, Dantas apoderou-se das empresas de telefonia
pertencentes à complexa pirâmide societária.
Alegando que foram prejudicados com a mudança, TIW e fundos de pensão
posteriormente travaram inúmeras batalhas judiciais com Dantas para
restaurar sua voz no grupo (...) Ao final do processo, os acionistas da TIW
optaram por sair do país, vendendo sua participação na empresa ao
Opportunity por apenas 18% do que a TIW, alegadamente, havia investido
no negócio.164
Ou seja, o recurso à Justiça não foi suficiente para devolver aos canadenses
da TIW os direitos societários que lhes foram subtraídos pelo “jeitinho” de
um brasileiro beneficiado por conexões governamentais (em especial, com
pessoas na direção de fundos de pensão de estatais). Desistindo de obter
vitória na justiça, a TIW absorveu o prejuízo e saiu do mercado brasileiro.
Não obstante os problemas observados no sistema jurídico brasileiro, deve-
se chamar a atenção para a importância da democracia e da liberdade de
expressão (em especial, da imprensa livre) para o aperfeiçoamento das
instituições. Ao longo da nova era democrática tem havido pressão da
sociedade para melhoria do sistema. Denúncias de crimes (em especial,
corrupção) pela imprensa são investigadas por um Ministério Público com
alto grau de independência. A Polícia Federal, embora subordinada ao Poder
Executivo federal, tem exibido razoável grau de independência e capacidade
investigativa.
Certamente, o país está longe de um alto nível de capacidade de prevenção
de corrupção e de crimes do “colarinho branco”. Muitas vezes o Ministério
Público exorbita de suas competências, resvala para ações abertas em função
de rixas políticas e “condena” previamente, com o apoio da imprensa, pessoas
que são posteriormente inocentadas. O debate aberto e livre, todavia, tem
permitido avanços.
Exemplo desse avanço foi a reforma do sistema jurídico por meio da
Emenda Constitucional no 45, de 2004. Entre os seus principais objetivos, tal
reforma procurou reduzir a lentidão do sistema, coibir as demandas
repetitivas, limitar o uso abusivo de recursos judiciais, bem como instituir um
controle externo sobre os legisladores e a gestão da justiça.165
De fato, houve melhorias após tal reforma. Um exemplo claro de
aperfeiçoamento institucional foi a criação do Conselho Nacional de Justiça,
uma instância independente, com poderes correcionais, punitivos e de
planejamento do Judiciário, que tem sido um fator relevante para se obter
ganhos de produtividade e se ampliar o conhecimento acerca dos problemas a
serem sanados na Justiça.
Os avanços, porém, não foram suficientes para que a justiça brasileira já
possa ser considerada ágil e imune a manobras protelatórias. Exemplo claro
dessa dualidade entre aperfeiçoamentos em curso convivendo com a histórica
letargia e maleabilidade da justiça pode ser visto no famoso caso do
“mensalão”. Nesse caso, parte da elite política, vinculada ao partido
governante, foi levada a julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Por um lado, pode-se dizer que o Judiciário foi rápido na condução de um
caso com tantos réus poderosos. O país, escaldado por um histórico de
pessoas poderosas absolvidas ou sequer levadas a julgamento, ficou incrédulo
ao ver a condenação de tantos políticos e empresários com fortes vínculos
com o poder. E havia motivos para tal incredulidade. Após a condenação, os
advogados de defesa lançaram mão de um sem-número de recursos (quase
nunca questionando a condenação em si, mas sim procedimentos regimentais
e regras processuais) com o objetivo de postergar as prisões, converter o
regime de encarceramento integral em semiaberto ou aberto, e encurtar ou
precipitar a prescrição das penas.
Em suma, em conformidade com a ideia central deste livro, o sistema
jurídico brasileiro mescla características do passado elitista e não democrático
(justiça pouco acessível, cara e à feição daqueles que dispõem de capital para
dela se beneficiar) com o presente democrático (em que houve ampliação do
acesso). Os mais ricos, contudo, continuam dispondo de ampla margem de
manobra para lançar mão de recursos e protelações para evitar punição e tirar
proveito comercial da lentidão do Judiciário.
O Capítulo 5 voltará a analisar o sistema jurídico brasileiro, para mostrar
como grupos organizados de renda média têm explorado a expansão do
acesso à justiça para extrair do governo benefícios a seu favor. Ali se mostrará
como a redemocratização criou mecanismos que distorcem a ação da justiça e
reduzem a eficiência da economia.
3.4.2 Fragilidade das agências reguladoras
No Capítulo 1 (fato estilizado 8), argumentou-se que há dificuldades naturais
à participação de empresas privadas em investimentos em infraestrutura.
Como ressaltado, tais investimentos envolvem muitos “custos afundados”. Ou
seja, a empresa precisa colocar muito dinheiro no negócio antes de começar a
operar. Imagine, por exemplo, toda infraestrutura de telecomunicações
necessária para operar um sistema de telefonia celular; os investimentos na
construção de uma rodovia, ferrovia ou hidrelétrica; ou toda pesquisa,
logística e equipamentos envolvidos na missão de extrair petróleo do fundo
do mar.
Esse dinheiro, uma vez investido, dificilmente será recuperado caso a
empresa desista de operar ou venha a ser impedida de fazê-lo por decisão
governamental. Se uma empresa tem sua concessão de operação ferroviária
cancelada pelo governo, ela não poderá arrancar os trilhos do chão e mudar-se
para outro país. O investimento estará perdido. Sabendo dessa fragilidade do
concessionário privado de serviços de infraestrutura, os governos têm
incentivos para mudar as regras ao longo dos contratos, para expropriar os
investidores privados e obter ganhos de curto prazo. Os investidores, por sua
vez, prevendo essa fragilidade, resistem a entrar nesse tipo de negócio.
Principalmente porque os contratos no setor de infraestrutura são de longo
prazo, o que deixa a empresa exposta ao “risco governo” por muitos anos.
Assina-se um contrato hoje com o governo comandado por um partido, sem
saber se na próxima eleição a oposição subirá ao poder, desejando desfazer
tudo o que foi feito por seus antecessores.
Por outro lado, há também o risco de a balança pender excessivamente em
favor do investidor privado. Vários serviços de infraestrutura têm
características de monopólio ou oligopólio. Por exemplo, não faz sentido ter
mais do que um sistema de distribuição de gás para residências em uma
cidade. Assim, quem ganhar a concessão para prestar o serviço será a única
firma do mercado, sem concorrência que a ameace e a force a moderar os
preços e a melhorar a qualidade dos serviços.
Alguns grupos privados podem se aliar ao governo da ocasião, conseguindo
condições excessivamente vantajosas no contrato de concessão, para exercê-
lo com grande lucro, excluindo a participação de potenciais concorrentes.
Nesse caso, em vez de haver um confronto entre setor privado e governo,
haverá um conluio entre governo e um grupo empresarial, em detrimento de
outras empresas e dos consumidores em geral.
Pode haver, ainda, a combinação entre os diversos grupos privados atuantes
no mercado de infraestrutura para, com a anuência e participação do governo,
estabelecer uma política de regulação da infraestrutura enviesada em favor
das empresas, com preços altos e baixas exigências de qualidade, com óbvio
prejuízo aos consumidores.
A solução encontrada para evitar conluios e conflitos, criar condições à
atração do investimento privado para o setor de infraestrutura e, ao mesmo
tempo, evitar que as empresas e governantes adotem comportamento abusivo
foi a criação de agências reguladoras autônomas. Essas agências devem ser
suficientemente independentes em relação tanto ao governo como às
empresas que operam serviços de infraestrutura.
As agências reguladoras devem, portanto, ser órgãos de Estado, e não de
governo. Aos governos caberia definir as políticas públicas a serem seguidas
no setor de infraestrutura, dando-se às agências o poder de perseguir as metas
de tal política no longo prazo. Eventuais mudanças de rumo no desenho das
políticas públicas não podem ser abruptas. Às agências cabe a tarefa de
resguardar os contratos e limitar o espaço de que dispõe o governante do
momento para alterar as políticas, que não poderão ferir contratos vigentes.
A autoridade das agências deve transcender a vontade do governante. Isso
garantirá estabilidade de regras e dará segurança às partes envolvidas
(governo, empresas e consumidores) para assinar contratos de longo prazo,
nos quais há “custos afundados” e muitas incertezas quanto aos
desenvolvimentos futuros do mercado.
O Brasil criou diversas agências reguladoras a partir da década de 1990,
após a privatização de empresas estatais atuantes no setor de infraestrutura.
Entre as principais agências estão a Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP), a Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL) e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).
Em tese, essas e outras agências foram criadas com todos os pré-requisitos
necessários a sua autonomia administrativa e financeira em relação ao
governo. Sua natureza jurídica é a de “autarquia especial”, não sendo
subordinadas aos ministérios de suas áreas de atuação. Têm amplos poderes
para normatizar, fiscalizar, impor sanções e dirimir conflitos entre empresas
reguladas e governo. Seus diretores têm mandatos fixos e não podem ser
demitidos a qualquer momento pelo governo.
Na prática, porém, as agências reguladoras brasileiras têm sofrido diversas
restrições à sua autonomia e capacidade decisória. A primeira dessas
restrições vem do fato de que suas diretorias ficam muitas vezes, e por longos
períodos, com cargos vagos. Cabe ao Presidente da República indicar, e ao
Senado aprovar, após sabatina, os indicados para as diretorias das agências.
Tem sido comum, desde a criação das agências, a demora do Poder Executivo
federal em indicar pessoas. A falta de quorum nas diretorias das agências
provoca paralisia decisória e gerencial, reduzindo a eficácia e capacidade
daqueles órgãos no cumprimento de sua missão.
O Gráfico 3.1 mostra o percentual de tempo em que algumas agências
estiveram com suas diretorias completas (5 diretores) e incompletas (3 ou 4
diretores) desde a criação até 2009. Além das já referidas ANP, ANEEL e
ANATEL, o gráfico também mostra dados para a Agência Nacional de
Aviação Civil (ANAC), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)
e Agência Nacional de Águas (ANA).

Á
GRÁFICO 3.1 Percentual de tempo em que as agências reguladoras
tiveram 3, 4 ou 5 diretores desde sua criação até 2009 (%)

Fonte: TCU (2009).

De acordo com um relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União,


“as reuniões das diretorias colegiadas podem ser afetadas se somente 3
conselheiros ou diretores estiverem em exercício. É prevista necessidade de
maioria absoluta dos votos dos membros para tomadas de decisões da
diretoria colegiada (...) No caso de necessidade de maioria absoluta para
aprovação, se somente 3 diretores estiverem efetivamente em exercício, é
necessário que todos estejam presentes à reunião e que todos os votos sejam
convergentes, sob pena de se inviabilizar quaisquer aprovações”.166
Observa-se que por longos períodos as agências ficaram com o órgão
deliberativo máximo desfalcado. A ANP, por exemplo, teve sua diretoria
completa apenas em 48% do tempo. A ANTT chegou a ficar 26% do tempo
com apenas 3 diretores.
Outro problema diz respeito à autonomia orçamentária. As agências têm
sido forçadas a disputar recursos com as demais instâncias da administração
pública. Suas dotações orçamentárias sofrem, ano após ano, cortes
determinados pelo governo. O simples poder de fazer esses cortes dá aos
governantes poder de barganha em relação aos dirigentes das agências, que
podem se ver constrangidos a adotar algum procedimento desejado pelo
governo em troca de menores tesouradas no orçamento da agência.
A Tabela 3.1 compara a despesa que o orçamento da União autoriza as
agências a fazer e a despesa que efetivamente realizam. Essa diferença
expressa os cortes que o governo promove unilateralmente na despesa das
agências. Além das agências já apresentadas anteriormente, essa tabela inclui
a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ).
Nota-se que as despesas das agências são fortemente “contingenciadas” pelo
Poder Executivo. É verdade que, no período 2004-2012, a situação foi bem
melhor que no primeiro ano da série. Mesmo assim, nesse período houve um
corte médio de quase 30% no orçamento das agências.
TABELA 3.1 Relação entre despesa autorizada e despesa efetivamente
realizada

2002 2004 2006 2008 2010 2012 Média 2004-2012


ANA 40% 54% 65% 76% 58% 60% 62%
ANEEL 76% 64% 76% 81% 76% 89% 77%
ANATEL 36% 80% 93% 72% 79% 78% 80%
ANTAQ 41% 57% 65% 86% 85% 69% 72%
ANTT 33% 65% 63% 73% 61% 68% 66%
ANP 50% 85% 69% 77% 58% 74% 73%
TOTAL 45% 72% 74% 76% 67% 73% 72%
Fonte: Siafi/Sistema Siga-Brasil.
Nota: despesa efetivamente realizada = despesa paga mais restos a pagar (despesas de exercícios anteriores)
pagos no exercício. Foram consideradas despesas com: pessoal e encargos sociais, investimentos, inversões
financeiras e outras despesas correntes. Não foram consideradas as reservas de contingência e as despesas de
amortização e juros da dívida.
A ANAC não está incluída na tabela porque foi criada apenas em 2005.
Elaborado pelo autor.

A Tabela 3.2 mostra a evolução da despesa efetivamente realizada pelas


agências entre 2002 e 2012. Em média, as despesas das agências em 2012
eram 35% maiores em relação aos valores gastos em 2002. Esse crescimento
não pode ser considerado grande, porque são órgãos novos, que naturalmente
devem crescer, se estruturar, ampliar seu quadro de pessoal e investir tanto em
suas instalações físicas quanto em sistemas de trabalho para bem cumprir suas
funções. Tome-se como comparação a Câmara dos Deputados, cuja função é a
mesma há muitos anos e que já era plenamente estruturada em 2002: o
crescimento de despesas foi similar. Ou compare-se com o Ministério da
Saúde, para o qual sempre se alega haver restrições orçamentárias e escassez
de verbas. A despesa desse Ministério cresceu 81% em termos reais no
mesmo período.
TABELA 3.2 Despesa primária efetivamente realizada pelas agências
reguladoras em 2002 e 2012 (R$ milhões de 2012)

2002 2012 Var real 2002-2012


ANA 141 219 54%
ANEEL 240 217 –10%
ANATEL 379 388 2%
ANTAQ 18 95 437%
ANTT 62 309 399%
ANP 340 372 9%
TOTAL 1.181 1.599 35%
Min. Saúde 40.900 74.080 81%
Cam. Deput. 3.186 4.246 33%
Fonte: Siafi/Sistema Siga-Brasil.
Deflator: IPCA.
Nota: Despesa paga mais restos a pagar (despesas de exercícios anteriores) pagos no exercício. Foram
consideradas despesas com pessoal e encargos sociais, investimentos, inversões financeiras e outras despesas
correntes. Não foram consideradas as reservas de contingência e as despesas de amortização e juros da dívida.
Elaborado pelo autor.

Note-se, ainda, que a despesa total das agências só cresceu 35% porque as
agências mais novas tiveram grande expansão de gastos à medida que foram
se instalando. Aquelas criadas um pouco mais cedo e que lidam com setores
nos quais são maiores os volumes de investimentos e os interesses privados
(ANP, ANEEL e ANATEL) têm convivido com queda real ou crescimento
pífio de seus orçamentos.
Relatório do TCU sobre a ANTT, realizado em 2013, indica que a agência
carecia de meios básicos para fiscalizar o cumprimento dos contratos de
concessão de rodovias: faltavam veículos, notebooks com acesso à internet e
até equipamentos de segurança para os fiscais. Em consequência, a
fiscalização, na maioria das vezes, baseava-se em dados enviados pelas
próprias concessionárias, sem a devida checagem de sua veracidade. Mais de
80% dos investimentos que as concessionárias estavam obrigadas a fazer, por
força do contrato de concessão, estavam atrasados.167
Ou seja, uma empresa privada ganha um leilão de concessão, passando a ter
direito a cobrar pedágio dos usuários. Em contrapartida, deve fazer
investimentos na ampliação, manutenção e recuperação das estradas. Dado
que a agência de fiscalização não tem condições técnicas para checar se os
investimentos foram efetivamente realizados, a empresa concessionária pode
deixá-los de lado ou atrasá-los, continuar cobrando pedágio normalmente, não
ser multada e, com isso, obter lucros extraordinários.
Outra forma pela qual os governos podem influenciar as decisões das
agências é por meio da indicação de pessoas com forte conexão política com
o partido político no poder e sem a formação técnica exigida para lidar com
os complexos assuntos relativos à regulação de serviços de infraestrutura. A
princípio, caberia ao Senado Federal não aceitar a indicação de candidatos
sem adequada formação técnica ou experiência nos setores regulados.
Todavia, negociações políticas facilmente podem contornar esse filtro.
A Tabela 3.3 resume um levantamento feito com base nos currículos
apresentados ao Senado Federal pelos 67 indicados a cargos de diretores na
ANEEL, ANP, ANTT, ANTAQ, ANA, ANAC e ANATEL no período 2005-
2011. Partiu-se do princípio que, para exercer, com isenção e capacidade
técnica, o cargo de dirigente de uma dessas agências reguladoras, o candidato
deve preencher quatro requisitos básicos:

não ter militância político-partidária;


não ter exercido mandato eletivo;
possuir pelo menos 10 anos de experiência profissional ou acadêmica
no setor regulado pela agência à qual foi indicado;
ter formação acadêmica de alto nível, como cursos de mestrado,
doutorado ou pós-graduação stricto sensu (na ausência de uma dessas
qualificações, consideram-se adequados cursos de pós-graduação lato
sensu ou especializações, desde que na área específica de atuação da
agência reguladora).

Embora alguns indicados tenham alta qualificação técnica e experiência


comprovada nas respectivas áreas de atuação, percebe-se na Tabela 3.3 que
quase metade dos indicados (46%) não cumpria pelo menos um desses quatro
requisitos e que um quarto deles (25%) não cumpria pelo menos dois
requisitos.
TABELA 3.3 Características dos indicados a cargos de direção em agências
reguladoras federais da área de infraestrutura (2005 a 2013)

Filiado a partido político 10%


Exerceu mandato eletivo 6%
Menos de dez anos de atividade profissional ou acadêmica em área relacionada ao 36
setor da agência reguladora para a qual foi indicado %
Não possui mestrado ou doutorado ou pós-graduação stricto sensu, tampouco pós-
graduação lato sensu ou especialização (estas duas últimas em áreas relacionadas ao 34
setor de regulação para os quais foi indicado) – não são considerados cursos %
genéricos, como MBA.
46
Não atende pelo menos 1 dos 4 requisitos
%
Não atende pelo menos 2 dos 4 requisitos 25
%
Fonte: Senado Federal – Mensagens do Presidente da República. Elaborado pelo autor.
Nota: agências consideradas ANEEL, ANP, ANTT, ANTAQ, ANA, ANAC e ANATEL.
Elaborado pelo autor.

Um caso digno de nota é o do ex-deputado Haroldo Lima, que foi Diretor


Geral da ANP de 2003 a 2011 e que não preenchia nenhuma das quatro
condições acima. Histórico militante do partido comunista, o ex-deputado
defendeu ao longo de toda a sua vida política a propriedade estatal do
petróleo. Tal modelo, obviamente, é oposto ao de participação privada com
regulação estatal. Ou seja, cabia-lhe dirigir, como autoridade máxima da
ANP, um modelo ao qual se opunha.
Outro caso interessante é o de Milton Zuanazzi, ex-vereador pelo PT na
cidade de Porto Alegre, sociólogo por formação e especializado em turismo.
Sem cumprir nenhum dos quatro requisitos acima propostos, Zuanazzi era um
dos diretores da ANAC quando do episódio da queda de avião da empresa
TAM no aeroporto de Congonhas. Zuanazzi e Denise Abreu (diretora da
ANAC que não cumpria dois dos quatro requisitos acima) foram indiciados
no processo que apura responsabilidades pelo acidente.
A permeabilidade das agências reguladoras à influência dos entes regulados,
e do próprio governo, também advém de algumas regras relativas aos
mandatos dos diretores de agências. Uma dessas regras é a imposição de um
período de quarentena ao qual os ex-diretores devem se submeter, para evitar
que sejam contratados por empresas dos setores regulados, com vistas a usar
seus contatos políticos e acesso à agência para fazer lobby em favor dessas
empresas. O já citado relatório de auditoria do TCU sobre as agências
reguladoras afirma que esse período é muito curto no Brasil: apenas quatro
meses.168 Segundo recomendação de um estudo da OCDE que propõe uma
reforma regulatória para o Brasil,169 esse período deveria ser de, pelo menos,
um ano. O relatório de auditoria do TCU é enfático em relação a esse ponto:
O curto período estabelecido para a quarentena dos dirigentes dos órgãos
reguladores brasileiros aumenta a possibilidade de captura desses
profissionais pelo setor regulado. Quanto maior o período de tempo que o
ex-dirigente ficar afastado do setor regulado, menor será o fluxo de
informações privilegiadas do regulador para o regulado, o que torna esse
mecanismo de segurança mais eficaz.170
Outro ponto problemático é a possibilidade de haver uma recondução do
diretor ao cargo. Ele pode se tornar permeável a demandas do governo e das
empresas reguladas, com vistas a viabilizar politicamente sua recondução ao
cargo. O estudo sobre reforma regulatória, feito pela OCDE, recomenda
fortemente o fim da recondução, com cada dirigente cumprindo um único
mandato.
Em 2004, o Poder Executivo federal enviou ao Congresso Nacional o
Projeto de Lei no 3.337, de 2004, que tinha por objetivo criar regras gerais
para as agências reguladoras. Tal projeto não teve tratamento prioritário por
parte do Executivo ou da Câmara dos Deputados. Em 2013, foi oficialmente
arquivado em decorrência de um requerimento da Presidência da República à
Câmara dos Deputados para retirá-lo de tramitação.
A baixa prioridade dada ao projeto é sintomática do papel secundário ao
qual foram relegadas as agências reguladoras. Ainda que tenham feito muitos
progressos, em áreas como proteção ao consumidor e melhoria da qualidade
técnica da legislação na área de infraestrutura, as agências estão longe de
serem órgãos de Estado, autônomos e capazes de fazer uma regulação
imparcial.
Tal fragilidade tem, no mínimo, contribuído para que grupos controlados
“forcem a barra” junto às agências reguladoras para mudar regras de
prevenção de formação de monopólios. Há episódios em que governo e
algumas empresas reguladas jogam juntos no sentido de pressionar as
agências e prejudicar outros concorrentes no mercado. Quase sempre o
governo utiliza como instrumentos a capacidade de financiamento dos bancos
públicos (BNDES, BB e Caixa) e sua influência junto aos gestores de fundos
de pensão de empregados de empresas estatais (PREVI, PETROS, FUNCEF,
entre outros).
Um exemplo claro foi o episódio da venda da empresa Brasil Telecom para
outra empresa de telefonia, a Telemar. Quando se decidiu privatizar o serviço
de telecomunicações no Brasil, o desenho adotado foi a de divisão do país em
diferentes regiões, de modo que o serviço em cada uma fosse operado por
empresas distintas. A compra da Brasil Telecom pela Telemar, em 2007, nada
mais representou que a acumulação, em uma só empresa, de duas regiões
distintas de serviço de telefonia, concentrando grande poder de mercado.
Tudo isso a margem da regulação da ANATEL, que ajustou suas regras após
o fechamento do negócio entre as empresas, com participação ativa do
governo. O economista Mansueto Almeida, em seu influente blog, descreveu
com clareza esse episódio:
(...) quando a operação de venda [da Brasil Telecom para a Telemar] foi
aprovada, em 2007, houve uma grande ingerência do governo com a
garantia de empréstimo do BNDES, antes mesmo de a legislação da época
permitir tal concentração (...)
Um dos sócios da Brasil Telecom na época, a Telecom Itália, por várias
vezes mostrou interesse em aumentar sua participação na empresa. Em
entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em 13 de julho de 2005, o presidente
da Telecom Itália no Brasil, Paolo Dal Pino, deu a seguinte declaração sobre
a possível venda da Brasil Telecom para a Telemar:
Sim, fomos procurados pela Telemar e ficamos muito surpresos, pois essa
empresa não poderia nem cogitar comprar uma participação em outra
operadora de telefonia fixa. É uma evidente violação da lei e de todos os
mais básicos princípios que inspiraram a privatização do sistema de
telecomunicações brasileiro, no qual os investidores internacionais
depositaram sua confiança. Ou a Telemar está afrontando a legislação ou a
proposta que recebemos já faz parte de um plano da empresa, com os fundos
de pensão e o Citigroup, para modificar a Lei Geral das Telecomunicações.
(…) Pelas informações que nós temos, parece que isso será feito com o
suporte da própria Telemar, via lobby no Congresso para alterar
drasticamente a lei aplicável e permitir, com a ajuda do governo, a
reestatização da Brasil Telecom (Leite, 2005, Folha de S. Paulo,
13/07/2005).
Na verdade, não houve reestatização, mas sim a venda da parcela de 19%
que a Telecom Itália tinha na Brasil Telecom para os fundos de pensão em
18 de julho de 2007 e, no ano seguinte, a venda da participação do grupo
Opportunity na Brasil Telecom para a Telemar. Isto deu origem à empresa
Oi, que passou a ter como acionistas majoritários os mesmos controladores
da Telemar: os empresários Carlos Jereisatti, do Grupo La Fonte, e o
empresário Sérgio Andrade, do grupo Andrade Gutierrez – dois grupos
nacionais.
Apenas após a operação ter sido totalmente estruturada e garantido o
financiamento de R$ 2,6 bilhões do BNDES e de R$ 4,3 bilhões do Banco
do Brasil à nova empresa, a Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) aprovou, no dia 16 de outubro de 2008, por 3 votos a 2, o novo
Plano Geral de Outorgas do setor de telecomunicação, que flexibilizava as
regras do setor no Brasil e permitia a venda da Brasil Telecom para a
Telemar/Oi.
Além do empréstimo de R$ 6,9 bilhões de bancos públicos para viabilizar a
venda da Brasil Telecom para a Telemar, os fundos de pensão estatais (Previ,
Petros e Funcef) participaram ativamente da operação e passaram a ter cerca
de 34% do capital da nova empresa de telecomunicação.171
A intensa participação do governo nessa operação revestiu-se do argumento
ideológico da importância de se formar uma grande empresa nacional de
telefonia, capaz de expandir-se para o exterior e competir com as grandes
empresas internacionais. Na prática, contudo, significou amplo espaço para
captura de rendas e mercado por grupos empresariais com boas conexões no
governo. Diga-se de passagem, a Telemar (e o governo) fracassaram no
intento de criar uma “supertele”. Em 2013, vivendo dificuldades financeiras,
a Oi (empresa criada após a compra da Brasil Telecom pela Telemar) teve seu
controle vendido para a Portugal Telecom.
Essa história guarda paralelo com o caso relatado na introdução deste
capítulo, em que as empresas de Eike Batista contornaram a regulamentação
da ANP e da CVM, com a complacência das autoridades, e conseguiram
acumular ganhos e expropriar acionistas minoritários.
Fica claro, portanto, que a fragilidade das agências reguladoras deixa ampla
margem para que os interesses privados de grandes grupos moldem a
regulação a seu favor. São criados mecanismos de transferência de renda para
grupos no pico da pirâmide social, em detrimento dos consumidores. Perdem,
também, as empresas que não tenham investido previamente na criação de
conexões com o poder político.
3.4.3 Acesso privilegiado ao crédito público
O fato estilizado 3, do Capítulo 1, mostrou que o Brasil tem uma baixa
poupança agregada. Isso significa que é escasso o montante de recursos
disponíveis no país para o financiamento dos investimentos das empresas.
Como em toda economia capitalista, aquilo que é escasso custa caro. O
“preço” dos recursos financeiros é a taxa de juros, que, de fato, como
mostrada no Capítulo 1 (fato estilizado 4) é muito alta no Brasil.
Se o acesso ao capital para financiar investimentos é caro, é de se esperar
que as empresas entrem em forte competição para ter acesso a esse capital.
Uma forma de competir é estabelecer conexões políticas e conseguir acesso
privilegiado ao crédito oferecido por bancos públicos e outras fontes de
recursos similares, quase sempre com subsídios custeados pelos contribuintes.
Uma empresa que consiga financiamento a juros subsidiados, em um país
onde os juros reais de mercado (não subsidiados) são altos, passa a ter óbvia
vantagem em relação a seus concorrentes.
O ambiente do mercado financeiro no Brasil é propício à barganha política
por crédito público subsidiado, pois as instituições financeiras públicas têm
grande participação no mercado. A Tabela 3.4 mostra que, em setembro de
2013, as instituições públicas detinham 51% do saldo dos empréstimos
concedidos.
TABELA 3.4 Saldo das operações de crédito das instituições financeiras
públicas e privadas – setembro de 2013 (%)

% do PIB Participação %
Privado 27,41 49,3
Público 28,14 51,7
TOTAL 55,55 100,0
Fonte: Banco Central do Brasil – Sistema de Séries Temporais.
Elaborado pelo autor.

Além disso, existe grande regulação do mercado de crédito, com o governo


tabelando ou restringindo juros nas operações voltadas a alguns segmentos da
economia. Convencionou-se dividir as operações entre aquelas de “crédito
direcionado” (concedido a determinados setores ou atividades econômicas,
sujeito a regras governamentais tanto em relação aos juros a serem cobrados
quanto à fonte de recursos para os financiamentos) e as de “crédito livre” (em
que funcionam livremente as regras de mercado).172
Os principais setores beneficiados por crédito direcionado são a agricultura,
o financiamento imobiliário e os investimentos de empresas. Três instituições
financeiras públicas são líderes em cada um desses segmentos: o Banco do
Brasil, na agricultura, a Caixa Econômica Federal, no financiamento
imobiliário, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), no financiamento a empresas.173
A Tabela 3.5 apresenta as taxas médias cobradas no mercado de taxas livres
e no mercado de crédito direcionado. A diferença é muito grande. A taxa
média de todas as operações feitas no segmento direcionado, entre 2011 e
2013, foi de 8,54% ao ano, enquanto no mercado livre cobrava-se 29,54% ao
ano. A vantagem obtida por quem tem acesso ao crédito direcionado (e
subsidiado), usualmente provido por bancos públicos, é substancial.
TABELA 3.5 Taxas médias de juros para operações de crédito nos
mercados direcionado e livre – média de março 2011 a setembro 2013 (%
ao ano)

DIRECIONADO % ao ano
Total 8,54
Pessoas jurídicas 8,98
Pessoas jurídicas – Crédito rural total 8,68
Pessoas jurídicas – Capital de giro com recursos do BNDES 9,82
Pessoas jurídicas – Financiamento de investimentos com recursos do BNDES 8,82
Pessoas físicas – Financiamento imobiliário 15,16
LIVRE % ao ano
Total 29,54
Pessoas jurídicas – Total 21,89
Pessoas jurídicas – Desconto de duplicatas 31,13
Pessoas jurídicas – Capital de giro total 19,04
Pessoas físicas – Total 38,07
Pessoas físicas – Crédito pessoal não consignado 73,45
Fonte: Banco Central do Brasil – Sistema de Séries Temporais.
Elaborado pelo autor.

BNDES
Dentro do segmento de crédito direcionado, cabe chamar a atenção para as
operações do BNDES. Esse banco foi criado em 1952 com o objetivo de
oferecer crédito de longo prazo à indústria, dentro do esforço do país para
desenvolver-se. Posteriormente, o banco ampliou suas linhas de créditos para
a agricultura e os serviços, mas o setor industrial continua predominante em
sua atuação. Desde a sua criação, o BNDES tornou-se praticamente
monopolista no crédito de longo prazo ao investimento no país. Ter acesso às
suas linhas de crédito aos baixos custos mostrados na Tabela 3.5 é o sonho de
todo empresário brasileiro. A demanda, todavia, é muito maior que a oferta e
não é qualquer um que consegue chegar até o “guichê” do BNDES.
O primeiro ponto que chama a atenção no BNDES é o seu tamanho. O
Banco, que opera basicamente dentro do Brasil, supera o volume de
desembolsos do Banco Mundial, que opera em mais de 100 países. Em 2012
o BNDES desembolsou o equivalente a US$ 68 bilhões, contra US$ 35,3
bilhões do Banco Mundial no ano fiscal de 2012.174
E quem recebe todo esse financiamento do BNDES? A Tabela 3.6 mostra
que a concessão de crédito pelo Banco é fortemente concentrada em grandes
empresas. Nada menos que 63% dos desembolsos em 2012 (equivalentes a
2,2% do PIB) foram para grandes empresas.
TABELA 3.6 Desembolsos do sistema BNDES por porte de empresa (2012)

R$ bilhões % do PIB Particip. %


Micro 23,9 0,5% 15%
Pequena 12,5 0,3% 8%
Média 13,7 0,3% 9%
Média-Grande 8,2 0,2% 5%
Grande 97,7 2,2% 63%
TOTAL 156,0 3,5% 100%
Fonte: BNDES. Elaborado pelo autor.

Cabe, então, questionar de onde vem essa grande quantidade de dinheiro,


emprestada pelo BNDES, a juros subsidiados, às grandes empresas. Vem,
principalmente, do contribuinte. A Tabela 3.7 mostra que, em 2012, nada
menos que 80% dos recursos utilizados pelo BNDES em suas operações ou
vieram de transferências diretas feitas pelo Tesouro ou do Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT).
TABELA 3.7 Fonte de recursos do BNDES (2007 a 2012)

Tesouro FAT Tesouro + FAT Outras Total


2007 7 66 73 27 100
2008 16 53 68 32 100
2009 37 39 77 23 100
2010 46 30 76 24 100
2011 50 28 78 22 100
2012 53 27 80 20 100
Fonte: OCDE (2013, p. 67). Fonte primária: BNDES. Elaborado pelo autor.

O FAT é um fundo público, formado por tributação das empresas (PIS-


PASEP), utilizadas para custear o pagamento do seguro-desemprego. Suas
disponibilidades financeiras são alocadas ao BNDES para serem utilizadas
como fonte de recursos para seus financiamentos. Trata-se, portanto, de impor
uma carga tributária adicional sobre todas as empresas do país, que será usada
para pagar benefícios a trabalhadores e subsídios creditícios aos (grandes)
clientes do BNDES.
Já as alocações do Tesouro Nacional têm sido feitas mais intensamente a
partir de 2009 e ocorrem sob a forma de empréstimos do Tesouro ao Banco.
Esses empréstimos têm alto custo financeiro para o contribuinte, visto que o
Tesouro empresta ao BNDES a taxas inferiores àquelas que o próprio Tesouro
paga em mercado para financiar-se.175 Como o Tesouro não tem superávit em
suas contas, ele tem que se endividar para emprestar ao BNDES. Ou seja,
como dito por Sérgio Lazzarini, “dívidas públicas passam a alimentar
projetos privados”.176 E deve-se completar: projetos privados de grande porte.
É intrigante a preferência do BNDES por financiar grandes empresas. Como
argumentado em seu relatório “OECD Economic Surveys: Brazil 2013”,177 a
OCDE indica que, se o objetivo do governo é usar seu banco público para
estimular o desenvolvimento econômico, ele deveria focar nas pequenas e
médias empresas com projetos promissores. São essas empresas que mais
enfrentam restrições no mercado de crédito, pois, por serem novas ou
disporem de poucos ativos, não têm muitas garantias a oferecer aos bancos,
ou, ainda, estão em áreas de nova tecnologia, cujo risco do empreendimento é
maior. Grandes empresas, por sua vez, têm ativos e tradição de mercado
suficientes para obter crédito no mercado privado. Se não existisse o BNDES,
elas certamente obteriam empréstimos no mercado de crédito livre.
Na segunda metade dos anos 2000, o BNDES aprofundou sua política de
focar em grandes grupos, naquilo que o Presidente da instituição, Luciano
Coutinho, chamou de “promoção da competitividade de grandes empresas de
expressão internacional”178 e que analistas econômicos apelidaram de política
de escolher “campeões nacionais”. Trata-se de conceder financiamento e
entrar com participação acionária em empresas que o BNDES considera ter
capacidade de se tornarem multinacionais brasileiras.
Embora tenha investido somas elevadas em algumas poucas empresas de
grande porte escolhidas para se tornarem “grandes empresas de expressão
internacional”, o BNDES não se preocupou em divulgar documentos oficiais
com as bases de sua estratégia. Seria preciso demonstrar a vantagem de se
usar recursos públicos, em um país carente de poupança, para transformar
algumas empresas em grandes grupos com atuação internacional.
É possível encontrar no sítio do banco, na internet, um artigo publicado por
economistas do BNDES que, sem fazer referência à ação prática do banco,
elencam quais seriam as vantagens de tal estratégia. Nesse texto, Ana Cláudia
Além e Carlos Eduardo Cavalcanti argumentam que a internacionalização das
empresas é uma importante forma de aumentar sua produtividade em um
ambiente de acirrada concorrência internacional. Instalando-se no exterior,
grandes empresas nacionais não só teriam acesso a métodos produtivos mais
avançados, como também criariam empregos dentro do país, ao aumentar a
demanda por insumos nacionais utilizados em suas unidades no exterior.
Outra vantagem seria o aumento do fluxo de moeda forte para o país, seja
devido à maior exportação das empresas internacionalizadas, seja pelas
remessas de lucros e dividendos que elas fariam para sua matriz no país.
Comparando os fluxos de investimento direto no exterior, feitos por
empresas brasileiras, com os dados de outros países emergentes, os autores
constatam que o Brasil estaria atrasado nesse processo. Com isso, concluem
que haveria muitos ganhos de produtividade e de expansão de mercado
externo a serem conquistados pelo país por meio de internacionalização de
suas empresas. E sinalizam que, à época de publicação do artigo (2005), o
governo brasileiro não havia atentado para a importância de se criar políticas
explícitas de incentivo à internacionalização de empresas:
Apesar das claras evidências da crescente importância das empresas
transnacionais na economia mundial, nos países da América Latina a
elaboração de políticas públicas de incentivo à internacionalização das
empresas de capital nacional ainda são muito incipientes.
No caso do Brasil, por exemplo, até recentemente, os casos bem-sucedidos
de internacionalização decorreram da iniciativa das próprias empresas, não
sendo o resultado de uma política deliberada do governo de apoio à criação
de multinacionais brasileiras.179
Este parece ter sido o tipo de diagnóstico adotado pelo Banco, e abraçado
pela política governamental como um todo, para a intensa adoção da política
de “campeões nacionais”. Algumas poucas empresas foram selecionadas
como sendo eleitas para formarem a ponta de lança da entrada do Brasil no
clube das grandes empresas multinacionais. Não foram, contudo, divulgados
estudos posteriores que justificassem a escolha de tais empresas. Sem
critérios claros, tornou-se muito grande o espaço aberto para que ingerências
políticas influenciassem a escolha dos eleitos a receber empréstimos
subsidiados e injeção de capital por meio de participações acionárias do
BNDES. Sérgio Lazzarini descreve o que parece ser um caso típico:
Considere, por exemplo, o caso do grupo frigorífico JBS-Friboi (um dos
maiores contribuintes da campanha presidencial de 2006). O BNDES
participou com 1,4 bilhão de reais na abertura de capital da empresa em
2007 e, posteriormente, no início de 2010, adquiriu mais 3,4 bilhões de reais
em debêntures (títulos da dívida). A justificativa, segundo o banco, foi
apoiar a agressiva estratégia de expansão internacional do grupo, que
necessitava de caixa para bancar aquisições gigantescas como as da Swift e
da Pilgrim’s Pride (empresas norte-americanas do setor de carnes).180
Armando Castelar Pinheiro, em artigo jornalístico, lista outros casos, entre
eles o já citado caso da compra da Brasil-Telecom pela Telemar, e os efeitos
adversos da política de campeões nacionais:
(...) a classificação da Oi como campeã nacional surgiu em 2008, quando a
então Telemar comprou, com recursos do BNDES, a BR Telecom, passando
a dominar o mercado brasileiro de telefonia fixa, exceto São Paulo. A
justificativa à época é que isso daria ao país uma empresa de
telecomunicações que brigaria de igual pelo mercado internacional,
levantando alto a bandeira brasileira em outros países. Como se sabe, isso
não aconteceu: a Oi opera só no Brasil.
O que, sim, ocorreu foi uma grande concentração de mercado, que só não
prejudicou mais o consumidor devido à forte competição vinda dos celulares
e da internet.
(...) O primeiro caso em que o argumento de campeão nacional foi usado
para justificar a aprovação oficial de uma operação que era contrária ao
interesse do consumidor foi o da fusão entre a Brahma (dona da Skol) e a
Antártica (que não teve, porém, apoio do BNDES). A Ambev passou a deter
72% do mercado de cervejas, participação que em algumas regiões – o
mercado de cervejas é local – superava 90%. Em troca desse enorme poder
de mercado, a empresa prometia transformar o guaraná brasileiro em
produto de consumo internacional, rivalizando globalmente com a Coca
Cola. Não se tem notícia, mais de uma década depois, que isso tenha
ocorrido.
(...) O surgimento desses campeões nacionais foi claramente um sucesso
para seus acionistas controladores. A Ambev, por exemplo, tornou-se a
maior empresa brasileira em valor de mercado. Mas, e o consumidor e, em
especial, o contribuinte brasileiro, que arca com os subsídios que bancam
essas operações, o que eles ganharam com isso?181
Ainda que se justifique a internacionalização de uma empresa para ampliar
mercados, atrair novas tecnologias para o país e reduzir a vulnerabilidade no
balanço de pagamentos, tal argumento não seria suficiente para fundamentar a
implantação de uma política de crédito subsidiado e aporte de capital público
em empresas privadas de grande porte. Seria preciso demonstrar que tais
políticas seriam os melhores e mais baratos instrumentos para atingir os
objetivos almejados. Assim, caberia perguntar:

em um país com tantos gargalos de infraestrutura, não seria o caso de


averiguar se a aplicação dos vultosos recursos do BNDES, de origem
pública, não trariam maior ganho de produtividade se utilizados para
financiar investimentos, públicos e privados, em infraestrutura, que
beneficiariam todas as empresas do país, em vez de umas poucas
escolhidas a dedo?
assim como a infraestrutura, há outras políticas públicas que poderiam
gerar grandes ganhos de produtividade, como a educação, que também
tem outras externalidades positivas para a economia.
os ganhos de produtividade decorrentes da internacionalização (que,
em muitos casos, não ocorre, como no episódio da Telemar/Oi) não
seriam perdidos em decorrência da concentração de poder de mercado,
que deixa as empresas mais livres para fixar margens e menos
estimuladas a se tornarem eficientes?
se o objetivo é impulsionar a produtividade, porque concentrar o
suporte do BNDES em grandes empresas, em setores com tecnologia
já consolidada e longe da fronteira tecnológica (frigoríficos e bebidas,
por exemplo), em vez de focar em projetos inovadores?
em um país com alta desigualdade, faz sentido adotar políticas cujos
efeitos principais são o de gerar ganhos patrimoniais a grandes grupos,
com os benefícios à população sendo apenas de ordem secundária?
Afinal, os ganhos de produtividade, emprego e divisas virão apenas se
as empresas forem bem-sucedidas, enquanto os ganhos dos acionistas
são imediatos.
Ainda que o BNDES tivesse imposto grande filtro técnico à escolha dos
“campeões nacionais”, é evidente que em um país com alta desigualdade (que
confere poder político a grupos de alta renda) e escassez de crédito (que torna
tais recursos altamente desejados), as conexões políticas teriam peso sobre as
escolhas de alocação de financiamentos e participação acionárias com
recursos públicos. Adicione-se a isso o fato de que, por ser um banco, o
BNDES tem os detalhes de suas operações protegidos pela legislação de
sigilo bancário, o que reduz a transparência e amplia o espaço para
ingerências políticas.
Fundos constitucionais
O acesso preferencial das grandes empresas ao crédito público não se
restringe ao caso do BNDES. Também é possível observá-lo nas operações
dos Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A
Constituição Federal182 destina 3% dos recursos arrecadados pelo Imposto de
Renda e pelo Imposto sobre Produtos industrializados para “aplicação em
programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional,
de acordo com os planos regionais de desenvolvimento (...)”. Trata-se,
portanto, de uma política de subsídios ao investimento privado em áreas
consideradas menos desenvolvidas. Assim como no caso do crédito ofertado
pelo BNDES, seria de se esperar que fosse dado suporte à pequena empresa
daquelas regiões, certamente as mais afetadas pelo baixo acesso ao crédito,
por não disporem de garantias a oferecer. Seriam essas as mais afetadas pelas
imperfeições do mercado de crédito, o que demandaria a atenção de uma
política pública corretiva da falha do mercado privado. No entanto, mais uma
vez são as grandes empresas que absorvem a maior parte do crédito, como
mostra a Tabela 3.8.
TABELA 3.8 Desembolsos dos fundos constitucionais FNO, FCO e FNE por
porte do tomador de crédito (2012)

R$ bilhões % do PIB Particip. %


Informais, mini e micro 4,8 0,11% 22%
Pequeno 5,0 0,11% 23%
Pequeno-médio 2,2 0,05% 10%
Médio 2,9 0,07% 13%
Grande 7,2 0,16% 33%
Total 22,1 0,50% 100%
Fonte: Valor Econômico. Fonte primária: balanço do desempenho dos fundos constitucionais em 2012 – Ministério
da Integração Nacional.

Embora a concentração nos grandes tomadores não seja tão intensa como no
caso do BNDES, eles levam nada menos que 1/3 dos financiamentos dos
fundos. Por outro lado, ao contrário do BNDES, que tem uma razoável
política de controle da inadimplência de seus clientes, os fundos
constitucionais sofrem fortes perdas. Em estudo produzido em parceria com
Rogério Miranda e Fernando Cosio, assim descrevo a mecânica financeira
desses fundos:
Um problema central desses Fundos diz respeito às suas taxas internas de
retorno. Se o Governo Federal for considerado como investidor do fundo, se
os aportes anuais realizados pelo Tesouro forem considerados como
aplicações e se o montante aplicado pelos fundos, adicionados aos recursos
remanescentes em caixa, forem considerados como o patrimônio, é possível
construir um fluxo de caixa e, assim, calcular as suas taxas internas de
retorno.
(...) as taxas de retorno dos fundos são altamente negativas, indicando que
os fundos perdem recursos a cada período. No caso do FNO, por exemplo,
há uma perda de mais de 70% do capital empregado, o que praticamente
representa uma doação de recursos fiscais aos empreendedores privados que
tomaram crédito. Isso significa que, da maneira pela qual o sistema é gerido,
os fundos simplesmente se esgotariam, se não houvesse o permanente
reabastecimento de novas verbas por parte do erário.183
Ou seja, as empresas financiadas por tais fundos não recebem apenas
subsídios. Recebem “quase doações”. Outro fator que afeta o fluxo de caixa
dos fundos constitucionais são as altas taxas administrativas cobradas pelos
bancos públicos que os administram, o que representa uma espécie de captura
de recursos públicos pela burocracia dessas instituições, assunto que será
tratado no Capítulo 5, seção 5.9.
Os fundos de pensão de empregados de empresas estatais
Além da previdência gerenciada pelo Governo Federal, de participação
obrigatória para todos os trabalhadores do setor privado formalmente
registrados, existe a chamada previdência complementar, na qual os
trabalhadores contribuem para uma instituição que lhes pagará, durante a
aposentadoria, um valor adicional, que se somará benefício conferido pela
previdência social. As entidades fechadas de previdência complementar, mais
conhecidas por fundos de pensão, administram recursos oriundos não apenas
de contribuições dos empregados, mas também das empresas empregadoras,
chamadas de “patrocinadoras”. Um grupo relevante de fundos de pensão é
aquele patrocinado por empresas estatais.
A Tabela 3.9 mostra que os fundos patrocinados por estatais têm ativos que
atingem quase 10% do PIB. É uma montanha de dinheiro que precisa ser
aplicada em investimentos de longo prazo, para gerar rendimentos suficientes
para pagar as aposentadorias e pensões de seus associados.
Como as empresas patrocinadoras são estatais e seus dirigentes são
escolhidos politicamente, há grande espaço para se utilizar conexões políticas
para se obter acesso a empréstimos, financiamentos e capitalização mediante
a venda de ações a esses fundos. Acrescente-se a isso o fato, ressaltado por
Rafael Silveira e Silva, em sua tese de doutoramento em ciência política,184 de
que a representação dos empregados na direção dos fundos de pensão se dá,
com frequência, pela nomeação de representantes com carreira sindical e
aspirações políticas. Isso cria incentivos ao estreitamento de laços com
grandes empresas financiadoras de campanhas e tende a influenciar o voto
dos representantes dos trabalhadores nas decisões de investimentos dos
fundos.
TABELA 3.9 Ativos dos fundos de pensão patrocinados por entidades
estatais (posição em junho de 2013)

Estatal patrocinadora R$ Bilhões % do PIB


PREVI Banco do Brasil 165,5 3,8%
PETROS Petrobras 72,7 1,7%
FUNCEF Caixa Econômica Federal 52,0 1,2%
FORLUZ Cia Energética de Minas Gerais – CEMIG 12,4 0,3%
REAL GRANDEZA Furnas Centrais Elétricas 11,4 0,3%
FAPES BNDES 9,3 0,2%
CENTRUS Banco Central 8,4 0,2%
POSTALIS Correios 8,1 0,2%
FUNDAÇÃO COPEL COPEL – Cia Paranaense de Energia 6,8 0,2%
FACHESF Cia Hidrelétrica do São Francisco 5,4 0,1%
Total 10 maiores (A) 352,0 8,0%
Outros Fundos patrocinados por estatais (B) 76,0 1,7%
Total Geral (A)+(B) 428,0 9,7%
Fonte: Previc – Estatística trimestral. Elaborado pelo autor.
A Tabela 3.10 descreve as modalidades de investimento nas quais estavam
empregados os recursos dos fundos de pensão das estatais. Os fundos
investem não apenas em títulos do governo, mas também em ações, em
imóveis, na concessão de empréstimos e na compra de cotas de fundos de
investimentos. Portanto, têm bastante dinheiro disponível para investir em
empresas privadas. Ter acesso a esse grande volume de dinheiro, em uma
economia na qual é escassa a poupança disponível para financiar
investimentos, é essencial para empresas que desejam ter vantagem
competitiva e escala em grandes investimentos.
TABELA 3.10 Ativos dos fundos de pensão patrocinados por entidades
estatais (posição em junho de 2013)

R$ Bilhões % do PIB Particip. %


Fundos de Investimentos 218,20 5,0% 54%
Ações 73,80 1,7% 18%
Títulos públicos 60,80 1,4% 15%
Investimentos imobiliários 21,60 0,5% 5%
Créditos privados e depósitos 18,60 0,4% 5%
Empréstimos e financiamentos 14,30 0,3% 4%
Outros realizáveis 0,20 0,0% 0%
Depósitos judiciais/recursais 0,10 0,0% 0%
TOTAL 407,60 9,3% 100%
Fonte: Previc – Estatística trimestral. Elaborado pelo autor.

São muitos os casos de corrupção envolvendo investimentos de fundos de


pensão estatais (e também daqueles patrocinados por empresas privadas).
Dois relatórios de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) realizadas no
Congresso Nacional oferecem fartos exemplos de formação de quadrilha
entre agentes públicos, gestores de fundos de pensão e empresas: a CPI dos
Fundos de Pensão, de 1992, que investigou casos de corrupção no Governo
Collor e acabou com o impeachment do Presidente;185 e a CPI dos Correios,
que investigou o pagamento de propina pelo Poder Executivo a parlamentares
(“escândalo do mensalão”), que teve uma subcomissão destinada
exclusivamente a apurar os crimes que envolveram fundos de pensão.186
Embora os casos de corrupção chamem muita atenção e gerem muitas
manchetes de jornal, o que interessa destacar nesta seção é outro ponto: o uso
dos fundos de pensão para canalizar financiamento e capital para
empreendimentos de grandes grupos com conexões políticas com o governo.
Há uma atração natural entre grandes empreendimentos (implementados por
grandes grupos econômicos), e grandes volumes de capital (geridos pelos
fundos de pensão). Quando o governo tem poder de ingerência nas decisões
dos fundos, essa atração torna-se ainda maior. E isso não necessariamente tem
a ver com corrupção, mas mesmo assim gera vantagens e ganhos para grandes
grupos.
Tome-se o caso das privatizações de estatais nos anos 1990. Sob forte
resistência ideológica e pressão contrária dos sindicatos de empregados das
estatais, o governo de Fernando Henrique Cardoso precisava obter preços
elevados pelas estatais postas à venda, para reduzir a pressão política
contrária. Uma forma encontrada foi oferecer aos grupos privados
interessados na compra da Vale do Rio Doce, das empresas de telefonia, da
Usiminas e de várias outras a participação dos fundos de pensão como sócios.
A entrada desses fundos aumentaria o poder de fogo das empresas
participantes, que dariam lances mais elevados e gerariam ao governo
maiores receitas de vendas nas privatizações.
Não necessariamente há corrupção nesse processo. Os fundos de pensão são
investidores com objetivos de longo prazo, e as privatizações eram realmente
grandes oportunidades de negócio. De fato, vieram a se revelar negócios
lucrativos para os fundos, com a alta valorização das empresas nos anos
posteriores à privatização. Isso, porém, não afasta o fato de que a formação
dos consórcios, a decisão de qual fundo de pensão se agregaria a qual
empresa privada, dependia de conexões políticas, de acesso a gabinetes
governamentais e lobby.
Em vez de patrocinar uma conexão direta entre grandes grupos e os fundos
de pensão, o governo poderia ter adotado, por exemplo, um modelo de venda
pulverizada das ações em mercado. Nesse caso, os fundos de pensão
poderiam ter feito o bom negócio de comprar as ações sem precisar formar
alianças com grandes grupos privados. Optou-se, porém, pela formação da
coalizão direta entre fundos e grandes empresas, até porque, como ressaltado
anteriormente, devido à insegurança jurídica, nenhuma organização se dispõe
a assumir posições minoritárias, correndo o risco de ser expropriada pelos
controladores.
Sérgio Lazzarini assim descreve o papel dos fundos de pensão nas
privatizações dos anos 1990, usando-os como exemplo para sua tese central
de que existe, no Brasil, um “capitalismo de laços”, no qual alguns poucos
grandes grupos controlam a maioria dos negócios por meio da formação de
consórcios e associações societárias cujo controle acionário fica em suas
mãos:
(…) a feição pública dos fundos parecia se encaixar como uma luva nos
propósitos do governo. Normalmente geridos por profissionais eleitos por
colegas das próprias estatais e outros executivos apontados pelo governo, os
fundos de pensão apresentavam íntima associação com sindicatos e
associações de funcionários. Assim, seriam uma espécie de ator híbrido, um
representante dos servidores públicos como partícipe ativo que, de súbito,
veem nesses fundos o ‘mapa da mina’ (...) Não seriam os consórcios
exemplos nítidos de aglomerações locais de proprietários, inseridas no
mundo pequeno corporativo? (...) os atores que mais se tornaram centrais
após as privatizações eram justamente aqueles que já eram centrais. As
associações já existentes simplesmente levaram a mais associações.187
Tal modelo permitiu que algumas dessas empresas utilizassem os fundos de
pensão como instrumento para conquistar o controle de companhias sem
empregar capital próprio, por meio de manobras nas regras de controle
societário, em típica ação de expropriação de acionistas minoritários, como
no caso, já relatado, em que o Opportunity usou a PREVI como instrumento
para expropriar a TIW.
Outro caso interessante é o da quebra da empresa Sadia, então a maior e
mais tradicional produtora de embutidos, frangos e outros alimentos
processados do país. Em 2008, na esteira da crise internacional, a Sadia
quebrou por ter feito apostas erradas no mercado de derivativos. A empresa
pertencia à família Furlan. Luiz Fernando Furlan foi presidente do conselho
de administração da empresa de 1993 a 2003, quando se licenciou para ser
Ministro do Desenvolvimento no primeiro governo do Presidente Lula.
Deixando o Ministério em 2007, retornou à Sadia. Com a quebra da empresa
no ano seguinte, articulou-se a sua fusão com a segunda maior empresa do
mercado, e sua principal concorrente, a Perdigão, criando-se a Brasil Foods.
Mais uma vez embrulhou-se a fusão na bandeira verde-amarela da criação de
uma grande multinacional brasileira com capacidade competitiva no exterior.
E mais uma vez houve forte participação do governo na articulação da fusão,
e os fundos de pensão (PREVI e PETROS) e o BNDES foram chamados a
entrar com recursos e participação acionária na nova empresa. Operações de
salvamento de empresas foram muito comuns ao longo das décadas de 1970 e
1980, período em que o BNDES foi apelidado de “hospital de empresas”. O
caso Sadia ressuscitou tal prática, que se imaginava superada.
O modelo de colocar os fundos de pensão de estatais a disposição dos
grandes grupos privados também permite levar adiante projetos sem
viabilidade financeira, mas que são de interesse do governo por seu apelo
político-eleitoral. Se tivessem de entrar apenas com o capital próprio, as
empresas privadas não colocariam recursos em um projeto com poucas
chances de dar resultado, mas, se há capital aportado pelos fundos, o negócio
pode se tornar atrativo, pois as empresas entram sem comprometer capital
próprio e têm margem para empurrar prejuízos futuros para os sócios que
aportam capital público (e o governo acaba sendo chamado a socorrer os
fundos das estatais, seja capitalizando a patrocinadora, seja aportando
dinheiro diretamente aos fundos).188
Esse foi o caso, por exemplo, do chamado “Trem-Bala”. O Governo Federal
tentou por três vezes realizar um leilão de concessão para a construção de um
trem de alta velocidade entre Rio de Janeiro e São Paulo. Frente à fragilidade
dos estudos de viabilidade, as empresas privadas foram cautelosas em entrar
no negócio, a maioria delas compostas por empresas produtoras dos
equipamentos, interessadas em vender trens e trilhos ao país, mas pouco
atraídas pela arriscada atividade de operação dos trens. Quanto mais clara
ficava a inviabilidade financeira do negócio, mais o governo enfatizava a
“disposição” dos fundos de pensão em participar do negócio.189 Chegou-se a
prometer a formação de um “fundo noiva”: os fundos de pensão ficariam de
prontidão, esperando a decisão de qual seria a empresa vencedora do leilão de
concessão, e aí se associariam ao consórcio vencedor. O projeto, contudo,
tinha tantas incertezas e envolvia somas tão elevadas, que acabou cancelado.
É curioso observar que, apesar de movimentar mais de 15% do PIB,190 e de
estar sob intensas pressões políticas, os fundos de pensão são regulados por
uma autarquia, a PREVIC, que não conta com os requisitos mínimos de
autonomia para seus diretores. Ao contrário das agências reguladoras
analisadas na seção 3.4.2, os mandatos dos diretores da PREVIC não são
fixos, havendo possibilidade de demissão a qualquer momento. Se já é
precária a autonomia de fato das agências para as quais há mandatos fixo,
imagine-se a situação da PREVIC.
As conexões políticas e o acesso ao crédito
Há evidências estatísticas de que conexões políticas ampliam o acesso de
empresas ao crédito público. Stijn Claessens, da Universidade de Amsterdam,
e coautores191 mostram que empresas que fizeram doações a campanhas
eleitorais de deputados federais, em 1998 e 2002, obtiveram maior acesso a
crédito nos quatro anos seguintes à eleição. O efeito estimado é bastante
grande: empresas que contribuíram com valor equivalente a um desvio-
padrão acima da média das contribuições tiveram alavancagem de crédito
bancário 9,4% acima da média.
Os autores mostram que empresas que contribuíram para deputados que
foram eleitos tiveram expansão ainda maior no crédito: o efeito acima
descrito sobe para 12,1%, o que indica que é importante contribuir para os
candidatos certos.
Essa ideia é reforçada pelo fato de que os efeitos da contribuição de
campanha sobre o acesso a financiamento são estatisticamente mais robustos
quando o deputado é da coalizão política do Presidente da República eleito
(efeito de 9,3% para um desvio-padrão de aumento na contribuição feita a
deputados da coalizão do presidente, contra efeito estatisticamente igual a
zero para os da oposição). O mesmo ocorre para deputados que se reelegeram
e, portanto, já estavam no circuito político antes das eleições (efeito de 10,7%
para os reeleitos, contra efeito estatisticamente zero para os deputados em
primeiro mandato).
Outra constatação muito relevante daqueles autores é que as empresas que
tiveram mais acesso a crédito, apesar dessa vantagem competitiva, não
obtiveram mais lucros que as demais:
o desempenho das firmas no período pós-eleitoral é significativamente pior
para as firmas que contribuem mais (...) o que sugere que o investimento
adicional feito em função do maior financiamento obtido não foi eficiente.
Esse resultado sugere que favores políticos (...) resultam em maior acesso a
crédito para firmas de pior desempenho.192
Trata-se de um típico caso de má alocação de recursos: se os financiamentos
bancários tivessem ido para as empresas mais produtivas, a economia
cresceria mais. Os autores estimam a perda em 0,2% do PIB por ano, mas
argumentam que esse número, embora já represente uma perda significativa, é
uma estimativa “por baixo”, pois leva em conta apenas as empresas listadas
na BOVESPA, cujos dados foram utilizados na estimação. Uma extrapolação
para o conjunto das demais empresas que colaboraram para campanha, mas
não têm ações em bolsa, levaria a perda a 1,4% do PIB.
3.4.4 Proteção à indústria nacional
Pelo menos desde os anos 1940 do século passado o Brasil protege fortemente
a sua indústria. Talvez não haja outra característica tão marcantemente
presente ao longo de diferentes períodos históricos. A ideia de que
desenvolvimento se faz com industrialização, e de que atividades agrário-
exportadoras ou serviços representam o atraso, está profundamente inculcada
na mente dos brasileiros.193
No Brasil, e na América Latina em geral, a industrialização por meio de
“substituição de importações” não é apenas uma entre muitas opções de
política econômica. Ela é a espinha dorsal do pensamento defendido ao longo
de muitas décadas por uma organização internacional pertencente às Nações
Unidas: a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). Um
organismo internacional, com toda sua força política e capacidade financeira,
ao longo de décadas deu suporte à formação de economistas levados a
comungar, desde o início de sua formação intelectual, com a ideologia de que
é fundamental proteger a indústria, de preferência aquela de capital nacional.
Some-se a isso o fato de que dois “períodos de ouro” em termos de
crescimento econômico brasileiro se deram sob o signo de políticas
“desenvolvimentistas”, de forte proteção e subsídio à indústria: os anos da
presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e o milagre econômico
(1968-1973). Parece ser de pouco importância o fato de que os desequilíbrios
macroeconômicos gerados por esses períodos de alto crescimento tenham
jogado o país em crises, que tiveram alto custo econômico, social e político.
A alta inflação deixada por JK precipitou a crise econômica que levou ao
golpe militar de 1964. O milagre econômico acabou com grave crise do
balanço de pagamentos, que impôs ao Brasil longos anos de estagnação na
década de 1980.
Essas consequências ruins não parecem ser associadas, na mente dos
políticos e dos cidadãos brasileiros, às suas causas, que são os modelos
econômicos inconsistentes adotados por JK e pelos militares, fortemente
baseados na indução da industrialização protegida e subsidiada, associada à
alta participação do Estado na economia e a déficits fiscais insustentáveis.
Resta, como interpretação da história e base para o discurso político, a
memória dos dias felizes de forte crescimento e otimismo em relação ao
futuro. A não coincidência temporal entre causa e efeito permite a
sobrevivência, no tempo, do discurso favorável a políticas econômicas
inconsistentes.
A tese de Raúl Prebisch, de que as relações de troca entre produtos agrários
e industrializados apresentariam uma tendência histórica a favor desses
últimos, condenando as nações de base agrícola à pobreza, associaram-se
facilmente à ideologia socialista, que vivia sua força máxima na primeira
metade do século XX, de que as nações pobres eram exploradas pelo capital
internacional. De acordo com esse pensamento, seria preciso ter uma base de
produção industrial nacional que retirasse o país periférico da armadilha de
um comércio internacional considerado injusto e, por natureza, prejudicial aos
exportadores de bens primários.
O nacionalismo atávico foi estimulado por duas então recentes grandes
guerras. Durante esses conflitos, houve cortes dos fluxos de comércio
internacional, que deixaram os países latino-americanos (como o resto do
mundo) sem abastecimento de bens de consumo básico. Isso reforçou a ideia
de que cada país precisava de uma base de produção industrial local,
controlada por proprietários nacionais, não associados a interesses
estrangeiros.
De fato, a experiência do corte forçado do fluxo de comércio durante as duas
grandes guerras impulsionou o surgimento de manufaturas nacionais, dando
respaldo prático à ideia de que a criação de barreiras comerciais à entrada de
produtos estrangeiros seria uma forma de fazer florescer uma indústria
nacional. Inicialmente incapaz de concorrer com firmas já estabelecidas no
mercado internacional, que operavam em larga escala, a “indústria nascente”
nacional precisaria ser temporariamente protegida para crescer e poder
concorrer de igual para igual com as indústrias dos outros países.
Some-se a isso o fato de que algumas economias “que deram certo”
utilizaram políticas de proteção à indústria. Países como Japão, Coreia do Sul
e, mais recentemente, a China são apontados como exemplos de que proteger
o mercado interno e subsidiar a instalação de indústrias no território nacional
seria um caminho viável em direção ao desenvolvimento econômico.
No entanto, não necessariamente existe relação causal entre o fato de que
esses países adotaram tais políticas e os seus longos ciclos de crescimento. O
crescimento pode ter vindo de outros fatores e pode ter acontecido “apesar”
das políticas industriais adotadas, em vez de ter acontecido “por causa” dessas
políticas, como será comentado adiante. No entanto, a visão da transformação
econômica de países pobres em potências econômicas é uma imagem forte,
frequentemente adotada pelos defensores da proteção da indústria.
A força da ideologia de proteção da indústria nacional no Brasil está
ilustrada no fato estilizado 7, do Capítulo 1, que mostra que a economia
brasileira está entre as mais fechadas do mundo ao comércio internacional.
É evidente que os principais beneficiários da proteção à indústria são os seus
proprietários e os respectivos empregados. Uma indústria que é protegida da
concorrência internacional pode cobrar preços mais altos, pois ao consumidor
não é dado o direito de escolher comprar as mercadorias ofertadas por outras
empresas. Assim, as empresas protegidas têm lucro elevado e podem
transferir parte desse lucro aos trabalhadores, seja sob a forma de salários
mais altos, seja por meio da contratação de mais empregados que o necessário
a uma produção eficiente.
Portanto, há um custo imediato para os consumidores, não só por se cobrar
um preço mais alto, mas também porque muitas vezes a qualidade do produto
da indústria protegida é inferior ao que se poderia obter mediante importação.
Os custos não param por aí. Como mostram os economistas especialistas e
regulação, Vinícius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello,194 quanto mais
fechado for o mercado de produção de um determinado bem à entrada de
concorrentes, maiores as chances de formação de cartel, o que levará a preços
ainda mais altos e maiores perdas aos consumidores.
Há, também, custos sistêmicos para a economia. Como argumentado no fato
estilizado 7, do Capítulo 1, em uma economia aberta à concorrência
internacional, as empresas menos eficientes não sobrevivem à concorrência.
Isso significa que, ao fechar, elas liberarão mão de obra e capital a serem
empregados por firmas mais eficientes, o que elevará a produtividade da
economia. Ademais, a abertura comercial facilita a entrada no país de bens
com alto grau de inovação tecnológica, permitindo que haja ganhos de
produtividade em todos os setores que os utilizam. Os ganhos da abertura
comercial também vêm pelo lado das vendas externas: empresas exportadoras
precisam ser mais eficientes e produtivas, para atender os elevados padrões
exigidos pelos compradores internacionais, o que as força a buscar melhorias
nos seus processos produtivos.
A proteção à indústria não se faz apenas por meio de bloqueios ao comércio
internacional. Há um grande número de instrumentos. Além do crédito a juros
subsidiados, analisado na seção anterior, há instrumentos como restrições
burocráticas (barreiras não tarifárias), preferência por produtos nacionais nas
compras governamentais, subsídios pagos diretamente às indústrias (por
exemplo, depreciação acelerada dos ativos, para reduzir os impostos devidos),
criação de empresas estatais para produzir insumos vendidos a baixo custo às
indústrias etc. Todas essas políticas geram, ao mesmo tempo, aumento do
gasto público (custeado pelos contribuintes em geral) e perdas adicionais de
eficiência econômica.
Há, portanto, uma clara definição de perdedores e ganhadores imediatos de
uma política de proteção da indústria nacional. Ganham os proprietários das
indústrias e seus empregados. Perdem os consumidores, os contribuintes e a
população em geral.
Para que esse tipo de política tenha uma vida tão longa, e sobreviva a tão
diferentes ciclos políticos (ora arrefecendo, ora retornando com força), é
preciso que a maioria da sociedade esteja convencida de que os seus
benefícios superam os seus custos. Ou, alternativamente, os ganhadores
evidentes (industriais e seus empregados) precisam convencer o restante da
sociedade de que também ela ganha com esse tipo de política e que tais
ganhos superam as perdas imediatas. Nisso parece residir a força da ideologia
da proteção à indústria: mesmo os perdedores parecem convencidos de que
são beneficiados por tal política.
De fato, há argumentos no sentido de que a proteção à indústria gera ganhos
sociais que superam os seus custos. Esses argumentos serão analisados a
seguir.
Os argumentos em favor da proteção industrial
A ideia central parece ser aquela proposta por Rosenstein-Rodan (1943), que
associa a industrialização a um aumento de produtividade geral da
economia. A indústria, com o seu sistema de linhas de produção e com a
urbanização por ela induzida, tende a ser mais produtiva que a agricultura, em
especial a agricultura tradicional. Isso significa que mais industrialização é
sinônimo de produção mais intensa de riquezas, de ganhos de escala
decorrentes da formação de aglomerações urbanas, de intensificação da
atividade comercial e das oportunidades de negócios decorrentes da
aproximação das pessoas no meio urbano, e da ampliação dos serviços de
infraestrutura, que se tornam viáveis quando as populações deixam de viver
isoladas em áreas dispersas e se aglomeram nas cidades. Além disso,
inovações em um segmento da indústria podem ser aproveitadas por outros
segmentos, gerando ganhos coletivos.
Assim, o custo que parte da sociedade pagaria, no curto prazo, para financiar
a instalação da indústria, seria compensado no longo prazo, quando a
indústria impulsionasse toda a economia e estimulasse a formação de centros
urbanos. No longo prazo, ganharia toda a sociedade. As “externalidades”
seriam suficientemente grandes para compensar os perdedores.
Maurício Canêdo-Pinheiro,195 especialista em política industrial da Fundação
Getulio Vargas, apresenta um sumário dos argumentos que explicam porque a
indústria não surgiria espontaneamente em países mais atrasados, tornando-se
dependente de políticas de estímulo governamental. Em primeiro lugar, vem a
já citada ideia da “indústria nascente”: se o custo de produção para uma
firma pioneira em determinado setor for muito alto, então nenhum empresário
vai se interessar em entrar no setor, pois não conseguirá vender seus produtos
com lucro em um mercado onde operam firmas estrangeiras maiores e mais
eficientes. Assim, uma proteção inicial deveria ser usada para bloquear a
entrada dos concorrentes no mercado, viabilizando a criação de uma empresa
local que poderia vender seus produtos a preços mais altos.
Com o tempo, novas empresas seriam formadas, atraídas pelo lucro obtido
pela pioneira. A escala de produção cresceria, a produtividade aumentaria à
medida que as novas firmas ganhassem experiência (learn by doing). No
longo prazo, seria possível ter uma indústria eficiente. O governo poderia
eliminar as políticas de favorecimento. A sociedade arcaria com o custo da
industrialização forçada ao longo dos primeiros anos, mas, depois, a indústria
voaria por conta própria, não mais precisando de subsídios, e o país teria
ganhado mais dinamismo econômico, passando a contar com um setor (mais)
produtivo antes inexistente. Reforça-se a ideia de que custos de curto prazo
seriam compensados pelos ganhos duradouros e generalizados para toda a
sociedade.
Outro argumento relevante é o da necessidade de coordenação. É possível
que o país tenha renda e população suficiente para gerar mercado para um
dado produto industrial, mas a produção nacional desse bem não ocorre por
falta de coordenação na instalação dos diversos setores necessário à sua
produção. Tomemos como exemplo a indústria automobilística. A produção
de automóveis para atender à demanda interna depende de uma indústria de
aço para ofertar os insumos e da geração de energia elétrica para mover tanto
a produção de aço quanto a produção de automóveis. Se um desses insumos
não estiver presente, a produção de automóveis não pode ocorrer. O governo
entraria, então, como um coordenador, oferecendo incentivos e reunindo as
diversas indústrias com funções complementares entre si, para que todas se
instalassem ao mesmo tempo, resolvendo um problema de coordenação.
Também muito citada pelos defensores da proteção à indústria é a ideia de
“encadeamento” da atividade produtiva. A indústria demanda muitos
insumos de outros setores. A instalação de uma atividade manufatureira
específica estimularia a criação de diversas outras indústrias, que surgiriam
como fornecedoras de insumos. A produção de eletrodomésticos e de
automóveis costuma ser apontada como um exemplo de setores capazes de
gerar grande dinamismo ao estimular a produção nas áreas de plástico,
borracha, aço, peças etc.
A indústria seria, também, um centro de geração e difusão de novas
tecnologias. O avanço tecnológico se daria mais fortemente nesse setor do
que na agricultura ou nos serviços. Os ganhos tecnológicos promovidos por
um setor da indústria acabam sendo úteis a outros, criando-se um processo de
ganhos sociais.
Ademais, as sucessivas crises de balanço de pagamento vividas pelo Brasil
ao longo de sua história também reforçam a ideia de que é importante o país
desenvolver uma base de produção diversificada, que reduza a volatilidade
dos ciclos econômicos. Ter uma economia basicamente agro exportadora
parece algo arriscado em um mundo de cotações voláteis nos mercados de
commodities. Seria necessário ter uma diversificada base industrial, para dar
mais estabilidade à economia.
Até que ponto esses argumentos se sustentam e, efetivamente, garantem que
aqueles que pagam o custo da proteção industrial (consumidores,
contribuintes e população em geral) serão efetivamente compensados pelas
externalidades positivas decorrentes da industrialização?
Críticas aos argumentos a favor da proteção da indústria
Não há dúvidas de que a industrialização estimula aumentos de
produtividade, seja pelos seus métodos de produção, seja pela indução à
aglomeração urbana. Também é razoável admitir que a proteção à indústria
nascente possa dar o pontapé inicial a uma industrialização que, se deixada à
própria sorte, jamais aconteceria.
Esses dois argumentos, porém, conduzem à conclusão de que a proteção, se
adotada, deve ser limitada no tempo. Depois que a indústria e a urbanização
tivessem se instalado, e que a indústria nascente ganhasse escala e elevasse
sua produtividade aos níveis internacionais, não haveria mais motivo para a
continuidade da proteção e dos subsídios. A indústria, em algum momento,
tem que andar com os seus próprios pés. E a urbanização, uma vez
consolidada, não precisa ser sustentada: ganha vida própria.
Isso contrasta com a longa vida das políticas de proteção à indústria no
Brasil. Os industriais e os sindicatos de trabalhadores correspondentes
permanentemente acenam com a ameaça da destruição da indústria (e dos
respectivos postos de trabalho) pelos concorrentes internacionais,
demandando a prorrogação indefinida da proteção. A indústria infante
brasileira já tem mais de 70 anos e continua “infante”! Os custos, em vez de
serem apenas de curto prazo, incorridos no momento inicial de
industrialização, perpetuaram-se para o longo prazo.
Essa permanente necessidade de proteção vem, em parte, do fato de que a
proteção não necessariamente leva a indústria protegida a buscar as melhores
tecnologias. Ela o fará apenas se vislumbrar a ameaça crível de que, em
algum momento no futuro, será confrontada com a dura realidade da
concorrência internacional. Se considerar que estará protegida por longo
tempo, a indústria tenderá a utilizar tecnologias mais baratas e menos
eficientes, produzindo bens de menor qualidade e vendendo-os a altos preços,
graças à proteção de que dispõe. O fantasma da desindustrialização196
alimenta o permanente lobby por prorrogação e expansão da proteção.
De fato, como mostra o já citado estudo de Canêdo-Pinheiro, uma
fundamental diferença entre a política industrial brasileira e a dos países
asiáticos é a de que, naqueles países, os incentivos tinham data certa para
acabar e, de fato, acabaram. Já no Brasil, a proteção parece infinita no tempo,
apenas flutuando ao longo dos ciclos políticos.
Se é verdade que a industrialização e a consequente urbanização elevam a
produtividade da economia, também é verdade que empresas excessivamente
protegidas tornam-se improdutivas. O ganho que se tem com a migração de
trabalhadores do setor rural para o setor industrial, pode ser perdido, ao longo
do tempo, em função da baixa evolução da produtividade da indústria
protegida. Como mostrado no fato estilizado 7, do Capítulo 1, há evidências
de que a abertura comercial na década de 1990 provocou significativos
ganhos de produtividade.
Ademais, como ressaltado em estudo do Banco Interamericano de
Desenvolvimento, coordenado por Carmen Pagés,197 a urbanização faz com
que o setor de serviços se expanda fortemente. Este é um segmento amplo,
que vai do pequeno comércio varejista aos conglomerados financeiros, do
consultório do dentista às empresas de telefonia. De acordo com dados do
IBGE, os serviços representam aproximadamente 60% do PIB brasileiro. Se o
objetivo final é obter ganhos de produtividade econômica, por que se deve
fazê-lo protegendo a indústria (supostamente o setor mais produtivo) em vez
de se adotar políticas que proporcionem ganhos de produtividade no
(majoritário) setor de serviços?
Políticas de melhoria da educação, investimentos em infraestrutura e maior
segurança nos centros urbanos, por exemplo, promoveriam ganhos de
produtividade em todos os setores, indistintamente. Tais políticas teriam a
vantagem de beneficiar de imediato toda a população, por igual, e não apenas
os industriais e seus empregados, clientes imediatos das políticas industriais.
Ao mesmo tempo, as políticas públicas de amplo alcance também garantiriam
externalidades positivas para toda a economia.
No que diz respeito à ideia de que políticas industriais devem promover a
coordenação das decisões de diversas indústrias distintas, induzindo-as a se
instalar no país ao mesmo tempo, deve-se observar que tal assertiva perde
força quando se considera a possibilidade de uma indústria importar seus
insumos e bens de capital. Somente em uma economia fechada à importação
de insumos é necessário coordenar a instalação, ao mesmo tempo de, por
exemplo, uma indústria automobilística, da produção de aço e da produção de
autopeças. Havendo a possibilidade de importação de insumos e máquinas, a
indústria automobilística pode se instalar e importar aquilo de que necessitar
para a produção. Posteriormente, e paulatinamente, outras empresas
perceberão a oportunidade de se instalar no país como provedoras de insumos
àquelas que já estão em funcionamento.
Apenas os insumos não comercializados no mercado internacional não
poderiam ser importados, como a geração de energia, a mão de obra
capacitada e os meios de transporte para distribuir a produção em todo o
território nacional. Nesse caso, porém, a política mais importante seria, mais
uma vez, a provisão de serviços públicos de educação e a oferta de
infraestrutura, de forma generalizada, para todos os setores, e não incentivos
direcionados à indústria.
De fato, é de se perguntar: sendo o Brasil um país com tantas carências na
área educacional (fato estilizado 10, Capítulo 1) e em infraestrutura (fato
estilizado 5, Capítulo 1), e tendo em vista que tais carências são evidente
bloqueio ao crescimento de longo prazo, por que se deveria estimular o
crescimento via subsídios direcionados a um setor específico da economia?
Seria mais racional e justo começar o esforço de estímulo ao crescimento por
meio de políticas governamentais que, sendo pagas por todos os contribuintes,
beneficiem diretamente amplos segmentos da população, em vez de se adotar
políticas que concentram ganhos em alguns grupos (industriais e seus
empregados) prometendo-se um (incerto) espraiamento futuro dos ganhos
para toda a sociedade.
O dinheiro público que paga pelos investimentos em infraestrutura e
educação é o mesmo que paga subsídios às indústrias. Existe um claro dilema
entre esses dois tipos de política. Historicamente, o Brasil optou por subsidiar
o capital industrial privado e deixou de lado a formação de capital humano e
os investimentos em infraestrutura. Em contraposição, os países asiáticos,
usualmente apontados como casos de sucesso das políticas industriais, não só
tinham um nível educacional muito mais alto que o brasileiro no momento
inicial da industrialização, como também investiram fortemente no capital
humano de suas populações, além de não descuidarem da provisão de
infraestrutura disponível para todos os setores da economia.
O argumento de encadeamento da indústria, que lhe conferiria maior poder
de geração de emprego dentro da economia, perde força quando se analisam
os dados empíricos. Segundo Luiz Schymura e Maurício Canêdo-Pinheiro:
pesquisas recentes indicam que nem sempre os setores de maior
encadeamento em termos de produção são aqueles com maior potencial para
gerar postos de trabalho. Em termos de geração de empregos, se
considerados os efeitos diretos e indiretos, os destaques ficam com
comércio, agropecuária, agroindústria, calçados, madeira e mobiliário. Mas
se for feita uma ponderação pela qualidade do emprego, levando em conta
escolaridade, rotatividade e salário médio, a vantagem do ponto de vista do
processo encadeador se transfere para o setor de serviços (...) apesar da
relevância do caráter estruturante da indústria, o setor não se destaca de
forma particularmente aguda dos demais nesse quesito.198
Outra vantagem atribuída à indústria, a de ser fonte de geração e difusão de
novas tecnologias, também deve ser analisada com cuidado. É evidente que
avanços tecnológicos estão no coração do crescimento econômico de longo
prazo, com visto na seção 1.2 do Capítulo 1. Também é bem conhecido o fato
de que a produção de novas tecnologias envolve fortes externalidades: os
ganhos privados obtidos por quem investe na criação da nova tecnologia são
menores que os ganhos proporcionados à sociedade. Por exemplo, os lucros
da Microsoft e da Apple, decorrentes da criação dos microcomputadores, são
apenas uma fração dos ganhos que o uso dessas máquinas permitiram à
sociedade como um todo. Por isso, valeria a pena subsidiar as atividades dos
indivíduos e organizações envolvidos com pesquisa e desenvolvimento de
novos produtos e tecnologias.
Isso, contudo, não quer dizer que se deva subsidiar as indústrias, com base
no pressuposto de que elas são, por natureza, inovadoras. Muito mais eficaz é
subsidiar diretamente as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D),
sejam elas desenvolvidas por universidades, empresas, fundações públicas ou
privadas. Nada garante que indústrias subsidiadas irão investir em P&D. Nada
justifica um subsídio indireto a P&D, via indústria, em substituição ao
subsídio direto, concedido a programas de pesquisa, ainda que alguns sejam
desenvolvidos dentro de indústrias.
Registre-se que, como observa Mansueto Almeida,199 a Austrália é uma
economia na qual mais de 70% da pauta de exportação é composta por
commodities e, apesar disso, investe mais em P&D que o Brasil, além de
dispor de um nível muito superior de tecnologia a serviço dos diversos setores
da economia. Logo, não existe, necessariamente, uma ligação direta entre a
importância da indústria em uma economia e o seu nível de investimento em
P&D.
Resta, por fim, considerar o argumento de que a industrialização reduz a
volatilidade dos ciclos econômicos, ao diminuir o impacto, sobre a atividade
econômica local, dos imprevisíveis e oscilantes preços das commodities no
mercado internacional. De fato, a diversificação da estrutura produtiva tende a
reduzir tal volatilidade, mas isso também pode ser obtido por outros meios,
com custo menor que o de subsidiar a indústria ao longo de décadas.
Uma forma bastante direta de atuar sobre o problema é a criação de fundos
de estabilização, no qual são depositados recursos dos superávits fiscais
decorrentes dos ganhos obtidos nos períodos de alta de preços. Tais recursos
se acumulam e são gastos no estímulo à economia nos períodos de baixa. O
Chile aplica esse sistema com bastante sucesso, mantendo um fundo irrigado
com recursos governamentais advindos da tributação sobre a atividade de
exploração do cobre, seu principal produto de exportação.
Em suma, não existem argumentos absolutos e irrefutáveis a favor da
proteção e subsídio à indústria nacional. Ainda mais quando essa proteção se
estende sem prazo para terminar.
Por que a proteção à indústria é tão resistente?
A existência desse tipo de política ao longo de mais de sete décadas parece ter
suas raízes no grande poder dos grandes grupos industriais e da coalizão dos
seus interesses com o dos seus empregados, interessados em manter seus
empregos e salários. Por trás dos argumentos técnicos favoráveis a políticas
industriais há, na verdade, um interesse do tipo rent-seeking de preservar
mercados, lucros extraordinários e salários acima da média de mercado.
Assim, os potenciais benefícios são exaltados e os custos desconsiderados.
Como será visto em maior detalhe no Capítulo 5, o que garante a força das
políticas industriais é um caso típico de ação coletiva, analisada no clássico
estudo de Olson (1999): os benefícios da política são concentrados em grupos
específicos, que ganham muito com a sua aprovação; já os custos, são pagos
por toda a sociedade. Cada indivíduo da sociedade arca com uma pequena
parcela desses custos (via tributos, perda de qualidade dos produtos, altos
preços etc.), e o faz de forma imperceptível, sem associar claramente os
custos incorridos com suas causas. Daí porque os perdedores têm pouco
interesse ou capacidade para se mobilizar contra a política, enquanto os
ganhadores têm grande interesse na sua aprovação e, por isso, intensificam o
lobby a seu favor. Acrescente-se a isso o forte apelo ideológico e nacionalista,
descrito no início desta seção, que é utilizado pelos beneficiários da política
para cooptar o apoio dos perdedores.
Na história recente do país, os breves episódios de liberalização comercial e
desmonte dos mecanismos de apoio à indústria se deram em momentos de
ruptura do equilíbrio político vigente, que abriram espaço para a quebra de
interesses consolidados junto ao governo. Tão logo se restabelece o
equilíbrio, as políticas protecionistas voltam gradativamente. Imediatamente
após o golpe militar de 1964, que desestruturou as coalizões de poder então
vigentes, foi implantada uma política de liberalização comercial, no âmbito da
implantação de um modelo econômico de cunho liberal. Já em 1968, porém, a
liberalização comercial começou a ser revertida, em função da “deterioração
da balança comercial e das pressões dos setores mais afetados pela reforma
tarifária”.200
Novo episódio de liberalização se deu com o Governo Collor, na década de
1990. Primeiro governo eleito diretamente pela população, o Presidente se
sentiu com força política para desafiar os grupos políticos defensores da
proteção à indústria. Promoveu significativo desmonte da estrutura de
proteção, como já mencionado no fato estilizado 7. Apesar dos grandes
ganhos de produtividade decorrentes dessa liberalização e dos efeitos
benéficos ao crescimento de longo prazo da economia, houve, desde então,
uma lenta e progressiva caminhada de volta ao fechamento da economia e à
proteção da indústria.
Marta Castilho e coautores, da Universidade Federal Fluminense, mostram
que entre 2000 e 2005 houve elevação da proteção efetiva da produção
nacional, principalmente em função de mudanças no sistema de tributação das
importações. Segundo os autores, a tarifa efetiva média, após o efeito do
sistema tributário sobre as importações, pulou de 15,3% para 25,8% em
apenas cinco anos, com destaque para a indústria automobilística, sempre
muito favorecida pelas políticas protecionistas, que teve sua proteção efetiva
elevada de 46% para 180%!201
Dois dos maiores conhecedores de política comercial brasileira, Renato
Bauman e Honório Kume, também mostram, em artigo conjunto, que há
sinais de fechamento progressivo da economia brasileira nos anos mais
recentes. Segundo os autores, no ano 2000, apenas 2,7% dos produtos eram
taxados com tarifas aduaneiras superiores a 25%, tendo esse grupo crescido
para 8,4% dos produtos em 2012, “sendo favorecidos os produtos têxteis,
vestuário, calçados, óleo de rícino, bicicletas, tratores, automóveis,
caminhões e brinquedos. Esse resultado revela um uso mais intensivo da
política tarifária para manter a proteção à indústria doméstica, sobretudo de
produtos de uso final”.202
De fato, a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder a partir de 2003
tinha tudo para fazer renascer o protecionismo industrial. Do ponto de vista
da ação política, o PT tem fortes conexões com os sindicatos de trabalhadores
industriais, interessados diretos em tal proteção. Do ponto de vista ideológico,
há grande afinidade do partido com a escola de pensamento da CEPAL e sua
incisiva defesa do modelo de substituição de importações. Em adição, um
longo período de elevação dos preços internacionais das commodities
promoveu valorização cambial relevante, o que diminuiu a proteção da
indústria nacional frente às altamente produtivas indústrias chinesas e
coreanas, levando os industriais nacionais a pressionar por mais proteção.
O resultado foi a progressiva e generalizada implantação de políticas
industriais. De 2004 a 2012, o Governo Federal adotou várias iniciativas. Em
2003 foi lançada a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
(PITCE), talvez a versão mais leve de política adotada nesse período. Seu
foco era na inovação tecnológica, no aumento da competitividade externa e na
modernização industrial. Não estava voltada a setores específicos da
economia, tais como têxteis, automobilístico etc., como costumam ser
desenhadas as políticas industriais brasileiras. Buscava incentivar áreas de
pesquisa consideradas promissoras, como biotecnologia ou nanotecnologia,
que poderiam vir a ter serventia para diferentes setores industriais, e até
mesmo fora da indústria. Tratava-se, de modo geral, de uma intenção de
estimular a pesquisa tecnológica com aplicação ao processo produtivo,
afastando-se do tradicional subsídio direto a setores industriais.
Essa diretiva durou pouco. Já em 2008 foi lançada a Política de
Desenvolvimento Produtivo (PDP), no tradicional molde de nominar os
setores beneficiados; na verdade, um amplo leque, abarcando todos os antigos
clientes desse tipo de política: complexo automotivo, têxteis e confecções,
bens de capital, móveis, plásticos e petroquímica, indústria marítima. Os
instrumentos são os de sempre: desonerações tributárias seletivas para cada
setor, depreciação acelerada dos ativos para fins de tributação, elevações
tarifárias específicas. Adota-se um discurso mais amplo, sinalizando-se para a
busca de ganhos de produtividade e inserção internacional. As políticas que
efetivamente saem do papel, todavia, são os tradicionais instrumentos de
proteção setorial.
O PDP funcionou, também, como guarda-chuva conceitual para a política de
escolha de “campeões nacionais” descrita na seção anterior, sob o título de
“maior inserção de empresas brasileiras no comércio exterior”.
A transição definitiva para o modelo tradicional de política de proteção
industrial veio com o Plano Brasil Maior, lançado em 2011, focado em onze
setores econômicos (os “clientes” tradicionais sempre presentes) e fortemente
motivado pela ideia de proteger setores afetados pela crise internacional e
pelo acirramento da concorrência dos bens importados.203
Desde a abertura do setor de petróleo à participação de empresas privadas,
em 1997, há regras fixando um conteúdo mínimo de equipamentos nacionais
na exploração e comercialização do óleo. Aiton Braga e Paulo Freitas citam
um estudo que a Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip)
contratou junto à empresa de consultoria Booz & Co. para aferir a
competitividade dos fornecedores nacionais para a indústria de petróleo:
uma caldeira naval brasileira custa 48% a mais que uma chinesa e uma
bomba sea water lift nacional é 49% mais cara do que a equivalente norte-
americana. Ao fazerem cotações de jaqueta, módulo deck e esteiras e
condutores, observou-se que o produtor nacional pedia preços 80%, 20% e
200% maior que do concorrente estrangeiro! Adicionalmente, enquanto as
cotações de fornecedores estrangeiros apresentaram dispersão de 8%, as dos
fornecedores nacionais tiveram dispersão de 110%! De acordo com o estudo,
o custo adicional de contratar um fornecedor nacional variou de 188% a
456%.204
Outro instrumento potente de proteção à indústria nacional foi a aprovação
da Lei no 12.349, de 2010, que alterou a lei de licitações,205 para a introdução
da possibilidade de o poder público pagar até 25% a mais em licitações para
aquisição de “produtos manufaturados e serviços nacionais”.
Em toda essa trajetória de retomada da proteção e subsídio à indústria,
Mansueto Almeida206 destaca em seu blog diversas características
indesejáveis:

alto custo fiscal a ser pago pelo contribuinte;


proteção de setores tradicionais, onde há pouca perspectiva de se
produzir inovações tecnológicas ou ganhos de escala ou de
produtividade que se espalhem pelo resto da economia;
concentração dos benefícios em empresas de grande porte;
desprezo à opção de se oferecer bens públicos que beneficiem toda a
economia (infraestrutura, capital humano, difusão tecnológica);
inexistência de metas e punições por seu não cumprimento.

Não se pode, contudo, atribuir apenas ao ideário programático do Partido


dos Trabalhadores o recrudescimento da proteção à indústria no período
2003-2013. O Congresso Nacional, composto por membros de diversos
partidos, várias vezes tomou medidas protecionistas aparentemente
desconectadas dos programas do Poder Executivo. Foi o caso, por exemplo,
da aprovação da Resolução no 13, de 2012, que tinha por objetivo maior
estabelecer isonomia tributária, na cobrança do ICMS, entre produtos
importados e produzidos internamente. A proposta que, originalmente,
deveria consistir em uma convergência da tributação de todo tipo de
mercadoria para um única alíquota, acabou incluindo um dispositivo que
penalizava “mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a
40%”, representando a inserção de assunto totalmente estranho ao cerne da
matéria discutida, mas de grande interesse da indústria nacional.
Obviamente que, em situações agudas de valorização cambial ou
desequilíbrio de mercado, não se pode deixar amplos segmentos da indústria
quebrar. Desequilíbrios conjunturais podem levar a períodos de forte
desvalorização cambial. Afinal, como lembram Schymura e Canêdo-Pinheiro,
em artigo acima citado, o Brasil incorreu em alto custo econômico e social
para consolidar sua indústria e não pode deixá-la ser destruída por crises
conjunturais. No entanto, problemas conjunturais se combatem com medidas
tópicas, que são revogadas tão logo os problemas se dissipem. Proteção e
subsídios com duração indeterminada não são resposta para crises
conjunturais.
As crises são, muitas vezes, oportunidades ideais para que grupos de pressão
viabilizem propostas de proteção e ampliação de seus lucros e privilégios. Em
uma perspectiva de longo prazo, as políticas de proteção industrial parecem
ser um exemplo bem acabado de instituições criadas a favor de grupos
industriais de alta renda.

132 Agência Bloomberg:


http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/07/130705_eike_campeoes_nacionais_ru.shtml.
133 Veja, 18 de janeiro de 2012.
134 Lazzarini (2011, p. 1).
135 Fonte:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/07/130704_eike_batista_ascensao_e_queda_lgb.shtml.
136 O Globo, 2/7/2013.
137 As informações a seguir baseiam-se em matéria da revista Exame de 7 de agosto de 2013.
138 O Globo, 2/7/2013.
139 Fonte: http://www.infomoney.com.br/ogxpetroleo/noticia/2951706/investidor-que-alertou-sobre-
vendas-eike-explica-truque-put-ogx.
140 Fonte:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/07/130704_eike_batista_ascensao_e_queda_lgb.shtml.
141 Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/07/130705_eike_campeoes_nacionais_ru.
shtml.
142 O Globo, 6/7/2013.
143 The New York Times: “Brazil, Fortune and Fate Turn on Billionaire”, 23/6/2013.
144 Glaeser et al. (2003).
145 Besley e Ghatak (2008, p. 56).
146 Acemoglu e Robinson (2011, p. 74-75, 76).
147 Banco Mundial (2006) fornece uma extensa revisão dessas questões.
148 Claessens et al. (2007), por exemplo, mostram que as firmas que fazem mais doações a campanhas
eleitorais no Brasil têm pior desempenho econômico, o que sugere que a busca de conexão política é
uma forma de manter vivas empresas que deveriam ser eliminadas do mercado por concorrentes mais
eficientes ou, alternativamente, que, contando com conexões políticas que garantam subsídios
creditícios ou acesso preferencial a contratos públicos, as firmas relaxam e não precisam ser tão
eficientes quanto aquelas que têm de lutar no mercado, sem contar com conexões políticas.
149 Chong e Gradstein (2007).
150 Acemoglu e Robinson (2011).
151 Engerman e Sokoloff (2002, várias páginas).
152 Engerman e Sokoloff (2002, p. 17-18).
153 Naritomi et al. (2012).
154 Zanella et al. (2003).
155 Lisboa e Latif (2013, p. 8).
156 Zanella et al. (2003, p. 386-389).
157 Zanella et al. (2003, p. 386).
158 Para uma descrição do nacional-desenvolvimentismo ver, por exemplo, Bresser-Pereira (2011).
159 FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores.
FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos.
160 Lazarinni (2011, p. 42-43).
161 Campos (2008, p. 9).
162 Campos (2008, p. 11).
163 Pinheiro (2005, p. 256).
164 Lazzarini (2011, p. 81-83).
165 Sobre a reforma do Judiciário, ver Renault e Bottini (2005).
166 TCU (2009, p. 18-19).
167 Valor Econômico, 4/12/2013.
168 Lei no 9.986, de 2000, art. 8o.
169 OCDE (2008).
170 TCU (2009, p. 16).
171 Almeida (2013b).
172 Para uma análise detalhada do crédito direcionado no Brasil, ver Lundberg (2011).
173 Bancos privados também operam linhas de crédito direcionado, tendo como funding recursos
captados a custos abaixo de mercado, como a caderneta de poupança, recursos do compulsório bancário
ou recursos públicos a eles repassados. A liderança das instituições públicas na alocação do crédito
direcionado é, contudo, ampla.
174 Fonte: http://www.oeco.org.br/bndes-na-amazonia/27808-bndes-se-internacionaliza-e-ultrapassa-
banco-mundial.
175 Sobre esse ponto, ver Almeida (2013a).
176 Lazzarini (2011, p. 50).
177 OCDE (2013).
178 O Estado de S. Paulo, 22/4/2013.
179 Além e Cavalcanti (2005, p. 54).
180 Lazzarini (2011, p. 50).
181 Pinheiro (2013).
182 Art. 159, inciso I, alínea c.
183 Mendes, Miranda e Cosio (2008, p. 103).
184 Silva (2007).
185 Relatório disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=56653&tp=1.
186 Relatório disponível em http://www.senado.leg.br/comissoes/CPI/RelatorioFinalVol3.pdf.
187 Lazzarini (2011, p. 31).
188 Embora nos últimos anos as estatais e seus fundos de pensão tenham realizado um grande trabalho
de migração de participantes e assistidos de planos de benefício de benefício definido (que podem
exigir eventuais aportes adicionais de recursos dos patrocinadores) para planos de contribuição definida,
tal movimento não foi suficiente para eliminar o risco de vazamento de recursos públicos diante de
eventuais déficits atuariais dos fundos de pensão.
189 Ver, por exemplo, O Estado de S. Paulo, 8/8/2013.
190 Dado relativo a fundos de empresas públicas, privadas e entidades instituidoras, referente a junho
de 2013: R$ 677,7 bilhões.
191 Claessens et al. (2007).
192 Claessens et al. (2007, p. 33-34).
193 Agradeço a Samuel Pessôa e Marcos Lisboa por terem chamado a minha atenção para a força da
ideologia na sustentação de políticas de proteção à indústria.
194 Carrasco e Mello (2013).
195 Canêdo-Pinheiro (2013).
196 Bacha e Bolle (2013) compilam diversos artigos sobre o tema.
197 Pagés (2010).
198 Schymura e Canêdo-Pinheiro (2013, p. 87).
199 Almeida (2013a).
200 Pinheiro e Almeida (1995, p. 200).
201 Castilho et al. (2009).
202 Bauman e Kume (2013, p. 259).
203 Mattos (2013).
204 Braga e Freitas (2013, p. 3).
205 Lei no 8.666, de 1993.
206 Almeida (2013b).
CAPÍTULO 4

REDISTRIBUIÇÃO PARA OS
POBRES

4.1 Introdução
No dia 2 de abril de 2013, o Congresso Nacional promulgou a chamada “PEC
das Domésticas”. A Emenda Constitucional no 72 estendeu aos mais de 7
milhões de empregados domésticos do país207 os mesmos direitos trabalhistas
de empregados contratados por empresas formais.
Avaliada do ponto de vista dos direitos individuais, essa Emenda atende um
requisito básico de sociedades democráticas, que é o de dar tratamento legal
igualitário a todos os cidadãos. A aprovação da Emenda também significa,
porém, que o sistema político brasileiro não hesitou em aprovar uma
legislação que aprofunda distorções no mercado de trabalho e prejudica o
crescimento econômico.
Há muitos anos especialistas debatem os problemas gerados pela atual
legislação trabalhista, que restringe a criação de emprego e estimula a
informalidade e a alta rotatividade da mão de obra, bem como dificulta o
treinamento dos trabalhadores, conforme será analisado na seção 5.7 do
Capítulo 5. Em vez de buscar a modernização das regras trabalhistas para
todos os trabalhadores, o sistema político optou pelo aprofundamento de
regras ineficientes, com vistas a beneficiar um segmento específico, composto
por trabalhadores de baixa renda.
Desde a redemocratização, os Poderes Executivo e Legislativo da União não
se interessaram em formular e levar adiante um projeto de reforma das leis
trabalhistas com vistas a solucionar os problemas do mercado de trabalho;
uma reforma que buscasse equilíbrio entre direitos fundamentais e
flexibilidade dos contratos de trabalho, de forma a beneficiar os trabalhadores
formais e informais, e a aumentar a produtividade da economia.
No entanto, o Congresso aprovou, com tramitação acelerada e votação quase
unânime,208 um projeto que sinaliza com benefícios visíveis (e custos ocultos
pagos por toda a sociedade) para uma massa de eleitores de baixa renda.
Tal episódio reflete uma realidade oposta àquela analisada no Capítulo 3. Ali
se argumentou que os mais ricos conseguem desenhar instituições e políticas
que lhes são favoráveis, o que lhes garante políticas públicas que reproduzem
a concentração de renda e redistribuem renda a seu favor. A aprovação da
PEC das domésticas, por sua vez, ilustra como os mais pobres têm espaço, em
um sistema democrático, para serem beneficiados por políticas a eles
direcionadas.
Este é um exemplo típico do incentivo que têm os políticos em aprovar
legislação buscando popularidade junto a grandes contingentes de eleitores de
baixa renda. Em uma democracia, os políticos só mantêm suas carreiras em
ascensão se tiverem votos. Em uma sociedade desigual existe, tipicamente,
uma grande quantidade de eleitores pobres. Nada mais natural que a classe
política atenda aos anseios dos mais pobres em troca dos seus numerosos
votos. Não por outro motivo, o lema do regime militar, “fazer o bolo crescer
para depois redistribuir”, foi rapidamente trocado pelo lema criado pelo
Governo José Sarney, o primeiro da atual fase democrática: “tudo pelo
social”.
Há, todavia efeitos colaterais negativos dessas políticas redistributivas sobre
a eficiência e o crescimento da economia. Assim como a capacidade dos mais
ricos de manipular as regras a seu favor e de consolidar privilégios, a
redistribuição pró-pobres também desestimula o investimento e o crescimento
econômico, pelo menos no curto e médio prazos.
É possível que a redistribuição pró-pobres gere efeitos positivos sobre o
crescimento. Tais efeitos, porém, tendem a se manifestar no longo prazo e
serão analisados no Capítulo 6, onde se mostra que, sob certas condições, tal
redistribuição pode levar (mas não necessariamente levará) a um maior
potencial de crescimento.
O presente capítulo analisa o viés redistributivista pró-pobres existente em
sociedades desiguais e seu impacto adverso sobre o crescimento no curto e
médio prazo.

4.2 O que diz a teoria econômica?


Ampla literatura surgida na década de 1990209 propõe, modelos em que
políticas redistributivas podem prejudicar o crescimento. Em uma sociedade
desigual há tipicamente uma grande quantidade de pobres e um pequeno
núcleo de pessoas muito ricas. Isso significa que um grande número de
eleitores é pobre. Os políticos, cujas carreiras dependem de votos, são
induzidos a buscar esses votos, oferecendo políticas públicas que impliquem
transferências de renda a favor dos mais pobres.210 Para financiar tais
políticas, tributam os mais ricos, o que reduz o incentivo destes para investir e
acumular capital.
Nessas teorias, a título de simplificação, pressupõe-se que os indivíduos
diferem em suas capacidades produtivas. Em Alesina e Rodrik (1994), por
exemplo, os capitalistas e a classe média instruída detêm “fatores
acumuláveis”, tais como capital, mão de obra qualificada e tecnologia. Dizer
que esses fatores são “acumuláveis” significa dizer que é possível acumular
crescentes quantidades de capital (máquinas e equipamentos), conhecimento,
habilidade e tecnologia, tornando esses instrumentos disponíveis, em
quantidade ascendente, para produzir cada vez mais e melhores produtos e
serviços.
Enquanto isso, supõem os modelos teóricos que os indivíduos pobres são
dotados apenas de trabalho não qualificado, o que, apesar de útil para o
processo de produção, não é acumulável: não há como investir no acúmulo de
capacidade de trabalho não qualificado. Cada trabalhador só consegue
oferecer uma quantidade limitada de trabalho não qualificado, equivalente à
duração da jornada de trabalho.
Os mais ricos pagam impostos, que são usados para financiar as
transferências para os pobres e os serviços públicos que estimulam o
crescimento econômico, tais como infraestrutura, provisão de bens públicos e
proteção dos direitos de propriedade.
O crescimento resulta da acumulação de capital físico, de capital humano e
de aumento de produtividade, como descrito no Capítulo 1 (seção 1.2). A
tributação reduz os retornos líquidos dos fatores de produção acumuláveis,
tais como o capital e a mão de obra qualificada: após pagarem impostos, os
mais ricos ficarão com menos recursos para investir (na produção de mais
capital, conhecimento e tecnologia) e, ao mesmo tempo, terão menos
incentivo a fazê-lo, já que o rendimento dessa atividade terá que ser
partilhado com o governo, via tributação. O ritmo de acumulação desses
fatores diminui, afetando, portanto, o crescimento.
Nos modelos teóricos aqui descritos, “tributação” é uma maneira sintética de
se referir à intervenção governamental visando financiar políticas
redistributivas. Na prática, em vez de expandir a carga tributária, o governo
pode optar por aumentar o déficit público. Nesse caso, como visto no
Capítulo 1, o desestímulo ao crescimento decorrerá da redução da poupança
agregada da economia, que diminuirá o volume de recursos disponíveis para
investimentos. Haverá, também, um aumento da taxa de juros de equilíbrio da
economia, o que significa que o conjunto de oportunidades de investimento
com retorno acima do custo de financiamento ficará menor, levando a menos
investimentos e menos crescimento.
Outra forma possível de financiar gastos a favor dos mais pobres é reduzir
despesas em outras políticas públicas. Como discutido no Capítulo 1, caso
sejam cortados investimentos em infraestrutura para financiar gastos correntes
a favor dos mais pobres, o crescimento econômico será limitado, pois a
escassez de infraestrutura provocará aumento de custos de produção e
escassez de serviços essenciais à produtividade da economia, como
comunicações, transportes e energia.
Também constitui simplificação dos modelos tratados a ideia de que toda
política redistributiva se faz por meio de transferências monetárias aos mais
pobres. Políticas de regulação com impacto redistributivo, tais como elevação
do salário mínimo ou regras trabalhistas, desempenham papel similar ao da
tributação no desestímulo ao crescimento. Ao elevarem o custo do trabalho,
comprimem a rentabilidade das empresas e, com isso, diminuem o incentivo a
investir.
Sabendo que a tributação mais elevada, o déficit público, a escassez de
infraestrutura e a regulação restritiva reduzem o crescimento econômico, por
que o governo opta por usar essas políticas? Isso ocorre porque as escolhas
orçamentárias e regulatórias são decididas na arena política. Em uma
democracia, o governo não é uma entidade autônoma, que pode escolher a
política fiscal que bem entender. Ele é composto de políticos que buscam a
sua reeleição e sobrevivência política. Portanto, o governo é sensível às
preferências dos eleitores e tende a seguir as escolhas da parcela do eleitorado
que seja suficientemente grande para garantir a reeleição: a política fiscal, o
volume de gastos, o seu financiamento e a regulação da economia são
determinados pelo processo político.
Os pobres, que constituem eleitorado numeroso em sociedades desiguais,
tendem a preferir a redistribuição ao crescimento. Uma vez que eles detêm
uma pequena parcela da renda total da economia, o crescimento da produção
não os beneficia tanto quanto a redistribuição da renda existente. Se a
redistribuição for intensa, a renda dos pobres crescerá bastante, mesmo que o
crescimento da renda total seja baixo. Foi exatamente isso que ocorreu no
Brasil nos anos recentes. Como visto no Capítulo 2 (Gráfico 2.5), apesar de o
país ter crescido pouco desde 2001, a renda dos mais pobres cresceu
fortemente em função da redistribuição e da consequente queda da
desigualdade.
Por isso, o processo político de uma sociedade democrática desigual tende a
escolher um nível de tributação e regulamentação maior do que o que seria
necessário para financiar bens públicos que estimulam o investimento e o
crescimento (infraestrutura de transporte, P&D, proteção dos direitos de
propriedade etc.). Além de prover tais serviços, o governo é demandado a
praticar uma ativa política redistributiva, com o já comentado efeito negativo
sobre a acumulação de capital físico e humano.
A principal conclusão dos trabalhos teóricos nessa área é que sociedades
mais igualitárias terão preferência por menos políticas redistributivas e, como
consequência, serão capazes de crescer mais rapidamente. Os países onde a
desigualdade é baixa contam com uma grande classe média proprietária de
ativos, como terra e capital humano, e, por isso, com pouco interesse em
políticas redistributivas, que implicarão a tributação de tais ativos.211
Como todo modelo teórico, os estudos acima citados incorrem em
simplificações, como, por exemplo, dividir a sociedade apenas em ricos e
pobres. A realidade não é dual e existem diversos grupos sociais distintos,
com diferentes capacidades de se fazer ouvir pelos políticos. Como será
argumentado com maiores detalhes no Capítulo 5, não são apenas os pobres
que, por serem numerosos, são beneficiados por políticos em busca de votos.
Grupos com maior capacidade de organização ou com acesso a círculos
decisórios também conseguem obter políticas públicas a seu favor.
Isso, contudo, não anula o fato de que, devido ao grande número de votos
que detêm, os pobres são um dos grupos favoritos dos políticos e que,
portanto, algum grau de redistribuição a seu favor irá ocorrer em uma
democracia onde exista grande desigualdade e pobreza. Quanto mais
numerosos, mais atraem a atenção dos políticos.
A próxima seção procura mostrar evidências de que os gastos direcionados
aos mais pobres têm significativo impacto fiscal e respondem por parcela
relevante do aumento de gastos mostrado nos Gráficos 1.4, 1.5 e 1.6, todos no
Capítulo 1.

4.3 O impacto fiscal da transferência de renda para os


pobres
De acordo com a literatura sobre a desigualdade brasileira, sumariada no
Capítulo 2, os principais instrumentos de política pública que ajudaram na
redução da desigualdade e da pobreza foram: o Programa Bolsa Família, o
Benefício de Prestação Continuada (BPC) e os reajustes acima da inflação
dos benefícios previdenciários equivalentes a 1 salário mínimo.
A Tabela 4.1 calcula o impacto do aumento de gastos com esses programas
sobre a evolução da despesa primária do Governo Central.212
O que se observa na Tabela 4.1 é que o gasto com esses programas saltou de
2,27% para 3,93% do PIB entre 2002 e 2012. Em termos reais, houve um
impressionante aumento de 179% e, em termos per capita, a despesa cresceu
151%. No mesmo período, a despesa primária total do Governo Federal
“apenas” dobrou (crescimento de 96%). Ou seja, os principais programas de
transferência monetária para os pobres, que, em 2002, representavam 14% da
despesa primária, passaram a somar 21% dessa despesa em 2012.
A esse núcleo de programas mais focados nos pobres podemos acrescentar
as despesas com Abono Salarial e Seguro-Desemprego. As estatísticas do
Tesouro Nacional apresentam os valores desses dois programas de forma
agregada, não sendo possível discriminar o Abono-Salarial (com maior
vinculação ao salário mínimo e mais focado na base da pirâmide) do Seguro-
Desemprego (que também atende segmentos de renda média). Acrescentando
a despesa desses dois programas ao núcleo de despesas pró-pobre,
percebemos que esse conjunto ampliado de programas cresceu 183% acima
da inflação, passando a representar 26% de toda a despesa primária em 2012,
contra 17,5% em 2002.
Note-se a grande importância dos reajustes reais do valor do salário mínimo
na geração dessa tendência de gastos crescentes. O Gráfico 1.16 do Capítulo 1
mostrou que o crescimento real do salário mínimo foi responsável por nada
menos que 51% da expansão da despesa primária do Governo Central. Esse
impacto está embutido na Tabela 4.1, uma vez que, a exceção do Programa
Bolsa Família e de parte do Seguro-Desemprego, todos os demais programas
ali listados têm seus benefícios indexados ao salário mínimo.
TABELA 4.1 Despesa com programas de transferência monetária para os
pobres: 2002 versus 2012

Variação
Real
% do PIB
2002-2012
(%)
Per
200 Tota
2012 capit
2 l
a
Bolsa Família (A)1 0,11 0,48 606 535
Benefícios aos idoso e aos deficientes de baixa renda (LOAS)2 0,23 0,66 382 334
Benefíicios previdênciarios urbanos = 1 SM 3 0,80 1,26 165 138
Benefícios previdenciários rurais = 1 SM 3 1,12 1,53 130 107
Subtotal de despesas com impacto redistributivo (A) 2,27 3,93 179 151
Abono e Seguro-Desemprego (B) 0,49 0,88 206 175
Total das despesas com impacto redistributivo e vinculadas
2,75 4,81 183 155
ao SM (C) = (A)+(B)
Total da despesa primária (D) 15,72 18,28 96 77
14,4
(A) / (D) 21,5%
%
17,5 26,3
(C) / (D)
% %
Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional – Resultado Primário do Governo Central, e Ministério do Desenvolvimento
Social.
1 Valor de 2002 corresponde ao somatório dos programas assistenciais incorporados pelo Bolsa Família em 2004.
2 Valor de 2002 informado pelo MDS (http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/indice.htm).
3 Calculado aplicando-se a participação percentual dos benefícios urbanos e rurais na despesa total de 2011 à
despesa total de 2012.
Deflator: IPCA. Elaborado pelo autor.

Esse elevado nível de gastos com transferências para os pobres fez com que
Kathy Lindert e coautores,213 do Banco Mundial, considerassem o Brasil
como um dos “grandes gastadores” em políticas sociais na América Latina,
em companhia de Argentina, Chile e Colômbia, em contraposição aos demais
países da região.
É inegável, portanto, o peso dessas políticas no tamanho e no ritmo de
crescimento da despesa pública. Conforme argumentado no Capítulo 1, essa
expansão da despesa pública desencadeia um movimento de aumento da
carga tributária, de redução da poupança pública e de aumento dos juros de
equilíbrio. Ademais, não se pode esquecer dos impactos adversos causados
pela forte elevação real do salário mínimo sobre o retorno esperado das
empresas e a consequente decisão de investir (fato estilizado 6), bem como
sobre a decisão das empresas de se manterem pequenas e informais, com
efeito negativo sobre a produtividade média da economia (fato estilizado 9).
O resultado é o modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa,
descrito no Capítulo 1.
Em suma, os gastos com transferências aos mais pobres, que ajudaram na
redução da desigualdade,214 têm como efeito colateral forte pressão fiscal e
distorções regulatórias e de preços relativos que prejudicam o crescimento
econômico.

4.4 A expansão da educação pública para os pobres e


seu impacto fiscal
As políticas públicas direcionadas aos mais pobres não se limitaram aos
mecanismos de transferência de renda analisados anteriormente. Houve
grande expansão do sistema público de educação após a redemocratização,
que levou à inclusão dos mais pobres, com impacto significativo na despesa
pública da União, dos estados e dos municípios.
A decisão política de ampliação da educação foi explicitamente inscrita na
Constituição, cujo art. 212 definiu percentuais mínimos da receita pública a
serem obrigatoriamente aplicados no setor.
Um ponto importante é identificar até que ponto o gasto público em
educação foi, de fato, direcionado aos mais pobres. Não é fora de cogitação a
possibilidade de que o setor público monte um sistema educacional voltado
para a elite do país, que exclua os mais carentes. De fato, como se
argumentará na seção 5.5 do Capítulo 5, esse parece ser o caso do ensino
universitário público brasileiro. No que diz respeito ao ensino básico (da pré-
escola ao ensino médio), contudo, há elementos suficientes para garantir que
foram os mais pobres os principais beneficiários da expansão do ensino
público após a redemocratização.
Tendo em vista que as escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio
sempre tiveram e continuam a ter, em média, qualidade inferior a do ensino
privado, é de se esperar que, sempre que possível, as famílias de maior renda
prefiram o ensino privado. Além disso, o não envio de crianças à escola está
ligado a fenômenos como o trabalho infantil e a incapacidade de perceber a
importância da educação em termos de geração futura de renda.215 Ambas
características estão associadas a famílias de baixa renda.
Assim, a exclusão de crianças do sistema escolar, marcante ao longo da
história do Brasil antes da redemocratização de 1985, concentrou-se nos mais
pobres.
Em 1980, 20% das crianças entre 7 e 14 anos estavam fora do ensino
fundamental.216 Vinte e nove anos depois, em 2009, o Ensino Fundamental
estava praticamente universalizado, com apenas 2% daquelas crianças fora da
escola.217 Isso significou um esforço de criação de aproximadamente 11
milhões de vagas escolares de ensino fundamental,218 a grande maioria em
escolas públicas. De forma similar, o ensino médio, que teve a sua expansão
iniciada posteriormente ao esforço de inclusão de crianças no ensino
fundamental, ampliou o atendimento de jovens entre 15 e 17 anos de 64% em
1995 para 85% em 2009.219 Entre 1995 e 2011 foram criadas quase 3 milhões
de vagas de ensino médio em escolas públicas.220
Esse grande esforço de inclusão educacional foi responsável pela elevação
da escolaridade média da população com mais de 15 anos de 2,57 anos para
7,55 anos entre 1980 e 2010, conforme mostrado no Gráfico 1.20, do Capítulo
1 (fato estilizado 10). Não obstante a baixa qualidade da educação pública
brasileira, essa expansão nos anos de estudo da população trabalhadora é
considerada por alguns autores como fator relevante para a redução da
desigualdade salarial no mercado de trabalho, conforme analisado no Capítulo
2.
Do ponto de vista de alocação de recursos públicos, a expansão da educação
pública representou substancial incremento de gastos a favor das parcelas
menos favorecidas da sociedade. A Tabela 4.2 mostra que a despesa pública
com Educação Básica (que vai da Educação Infantil ao Ensino Médio) passou
de 3,3% para 4,4% do PIB entre 2001 e 2011. Isso representou um aumento
de despesa, acima da inflação, da ordem de 125%. Em termos per capita, o
aumento real foi de 102%. Tal despesa representa a soma dos gastos da
União, dos estados e municípios. Por isso não seria adequado compará-la com
a despesa primária da União, como feito na Tabela 4.1. Alternativamente,
utiliza-se como comparação a carga tributária formada por tributos dos três
níveis de governo. Percebe-se que, em 2011, os gastos com a educação básica
consumiam nada menos que 13% dos tributos arrecadados no país, contra
10% em 2001.
Portanto, os gastos com a expansão de educação básica, fundamentalmente
ofertada aos segmentos de menor renda, representaram importante
componente da expansão da despesa do setor público. Se, por um lado, a
ampliação da oferta de educação colaborou para o aumento do capital
humano (elevando as perspectivas de crescimento) e para a redução da
pobreza e da desigualdade, por outro, a expansão de gastos contribuiu para o
modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa.
TABELA 4.2 Gasto público em educação básica: 2001 versus 2011 (% do
PIB)

Variação Real
% do PIB
2001-2011 (%)
201 Tota
2001 Per capita
1 l
Educação básica (educação infantil ao ensino médio) (A) 3,30 4,39 125 102
Carga Tributária (B) 31,87 33,51 78 60
10,4 13,1
(A)/(B)
% %
Fontes: INEP-MEC e Receita Federal do Brasil.

Deflator: IPCA.

Elaborado pelo autor.

4.5 A expansão da saúde pública para os pobres e seu


impacto fiscal
Assim como no caso da educação, houve, após a redemocratização, grande
expansão na atenção à saúde provida pelo governo. Ainda que o serviço
oferecido esteja longe do ideal, não se pode deixar de reconhecer que parte
relevante da expansão dos gastos beneficiou a camada mais pobre da
população.
A nova ordem constitucional definiu a saúde como um direito de todos os
cidadãos e dever do Estado.221 Estabeleceu-se, assim, a obrigatoriedade do
fornecimento de serviços públicos de saúde gratuitos a toda a população, em
todos os níveis de atendimento: preventiva e curativa de baixa, média e alta
complexidade. Ao mesmo tempo, manteve-se a liberdade do setor privado
para atuar no setor.
A definição de amplo direito à saúde feita pela Constituição, com a
responsabilidade de seu financiamento jogado sobre as costas do Estado,
gerou óbvio problema fiscal e gerencial. De uma hora para outra, o Estado,
que atendia apenas a parcela da população empregada no setor formal da
economia, foi instado a atender todos. Os desafios fiscais e gerenciais são
muito grandes, principalmente em uma área como a da saúde, em que as
inovações tecnológicas levam a tratamentos médicos cada vez mais caros e
sofisticados.
Desde a aprovação da nova Constituição, a pressão por mais verbas para a
área da saúde é constante. Para resolver esse problema, aprovou-se, no ano
2000, a Emenda Constitucional no 29,222 que obrigou a União a elevar
anualmente a sua despesa com saúde no mesmo ritmo de crescimento do PIB,
enquanto estados e municípios foram obrigados a aplicar no setor, no mínimo,
o equivalente a 12% (estados) e 15% (municípios) de suas receitas. Tal
determinação constitucional introduz evidente viés de alta na despesa,
obrigando o seu aumento no mesmo ritmo de crescimento do PIB (União) ou
das receitas (estados e municípios).
Não obstante a falta de verbas nos primeiros anos após a promulgação da
Constituição, houve significativa ampliação do acesso da população a
serviços de atenção básica à saúde, que beneficiam os mais pobres, incapazes
de pagar por serviços privados ou com graus de educação e de informação
insuficientes para adotar práticas básicas de cuidado com a saúde. De acordo
com André César Médici, um dos maiores especialistas em economia da
saúde no Brasil:
Entre 1994 e 2002, as coberturas do [Programa de Agentes Comunitários de
Saúde] PACS e do [Programa de Saúde da Família] PSF se expandiram a
taxas anuais de 25% e 73%, respectivamente. Esses programas aumentaram
sua cobertura de 10% para 53% e de quase nada para 34% da população
brasileira, respectivamente. Nesse período, a taxa de mortalidade infantil
caiu de 34 para 19 por mil nascidos vivos. (...) É inegável o efeito positivo
que o PSF tem tido entre as populações mais pobres (...). Seguramente o
PSF tem tido impacto na cobertura de consultas pré-natal, cujo número
aumentou de 9,8 para 18,2 milhões entre 2003 e 2008; na cobertura de
consultas de planejamento familiar, que aumentou de 30,2 milhões para 34,5
milhões no mesmo período, e na redução das taxas de mortalidade materna
dos filiados ao programa, que, embora elevadas, se reduziram de 52,1 para
50,3 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos entre 2002 e 2007.
(...) investimentos vultosos se realizaram, especialmente em atenção básica,
e as filas foram se reduzindo, ao menos para a atenção básica. Programas
como o PACS e o PSF (...) passaram a atender uma população que
anteriormente, quando muito, só tinha acesso aos leitos hospitalares em
casos agudos e muitas vezes quando já era demasiado tarde.223
Medir o acesso dos mais pobres por meio da expansão da atenção básica é,
contudo, uma forma conservadora de auferir os benefícios desse grupo
populacional. Isso porque, como reconhece o autor,224 a ampliação da
expectativa de vida dos mais pobres também aumentou a incidência de
doenças crônicas nessa população e sua demanda por atendimento médico
hospitalar de média complexidade e por medicamentos.
Ademais, como propõem Mônica Viegas Andrade e Kenya Noronha,225 da
Universidade Federal de Minas Gerais, a percepção de baixa qualidade dos
serviços públicos de saúde faz com que parte relevante dos serviços prestados
tenha como beneficiários os mais pobres pelo simples fato de que aqueles que
têm condições de pagar pelo serviço privado dão preferência a este, o mesmo
fenômeno observado no caso da Educação Básica. Como será visto no
Capítulo 5, quem dispõe de planos de saúde só recorre à rede pública nos
casos em que os tratamentos atingem valores elevados e não são
integralmente cobertos por seus planos.
A Tabela 4.3 mostra que à medida que o nível de renda familiar aumenta,
eleva-se o percentual de pessoas que possuem planos privados de saúde.
TABELA 4.3 Percentual de pessoas com cobertura de plano privado de
saúde, segundo faixas de rendimento mensal domiciliar per capita no
Brasil (2008)

Até 1/4 de salário mínimo 2,3


Mais de 1/4 a 1/2 salário mínimo 6,4
Mais de 1/2 a 1 salário mínimo 16,1
Mais de 1 a 2 salários mínimos 33,7
Mais de 2 a 3 salários mínimos 54,8
Mais de 3 a 5 salários mínimos 68,8
Mais de 5 salários mínimos 82,5
Fonte: Menicucci (2013). Fonte primária: PNAD 2008. Elaborado pelo autor.

Assim, pode-se considerar que parte significativa dos gastos feitos em


atendimento público de saúde é voltado para o atendimento dos mais pobres
(ainda que parte do gasto possa se perder em ineficiência e que o serviço
prestado não seja o mais adequado). A Tabela 4.4 mostra que esses gastos não
são apenas elevados, como têm crescido ao longo dos anos, tendo a despesa
total dos três níveis de governo passado de 3,2% para 4% do PIB entre 2002 e
2011. Em termos reais, a despesa total quase dobrou em dez anos e em termos
de despesa por habitante houve crescimento de 72%.
TABELA 4.4 Despesas com ações e serviços públicos de saúde no Brasil:
2002-2012

% do PIB Valor Real (2002 = 100)


Ano Federal Estadual Municipal Total Per capita Total
2002 1,7 0,7 0,8 3,2 100 100
2003 1,6 0,8 0,8 3,2 107 109
2004 1,7 0,9 0,8 3,4 128 131
2005 1,7 0,9 0,9 3,6 132 139
2006 1,7 1,0 1,0 3,7 139 149
2007 1,7 1,0 1,0 3,6 145 153
2008 1,6 1,0 1,1 3,7 145 158
2009 1,8 1,0 1,1 3,9 147 161
2010 1,6 1,0 1,0 4,2 151 190
2011 1,7 1,0 1,1 3,8 164 180
2012 1,8 1,0 1,1 4,0 172 192
Fonte: Vieira (2013). Fonte primária: SIOPS e IBGE.
Nota: dados de 2011 e 2012 ainda incompletos.

Observa-se que a evolução dos gastos dos três níveis de governo é coerente
com a regra de despesa obrigatória mínima: a despesa do Governo Federal
sobe no mesmo ritmo do PIB, enquanto a dos estados e municípios sobe em
ritmo superior ao PIB, porque o gasto mínimo obrigatório desses entes é
fixado como percentual da arrecadação, que, no período, cresceu mais que a
economia.
É possível abrir os gastos do Governo Federal por tipo de despesa. Observa-
se, na Tabela 4.5, que houve um esforço em ampliar as despesas com ações de
atenção básica e prevenção, justamente as mais focadas em comunidades
pobres, que passaram de 0,35% para 0,43% do PIB. Em direção contrária, a
despesa com atenção hospitalar e ambulatorial caiu como proporção do PIB,
mas, em termos absolutos, ainda é o dobro do gasto com ações básicas e
preventivas.
TABELA 4.5 Despesa da União com a função saúde: 2002 versus 2011 (% do
PIB)

% da desp.
2002 2011
primária em 2011
Atenção básica e prevenção1 (A) 0,35 0,43 2,5%
Assist. Hospitalar e Ambulatorial (B) 0,96 0,88 5,0%
Outras (C) 0,41 0,43 2,5%
Total (D) = (A)+(B)+(C) 1,72 1,74 10,0%
Total da despesa primária (E) 15,72 17,48
(D)/(E) 10,9% 10,0%
Fonte: SIAFI – Sistema Siga Brasil.
1 Inclui: atenção básica a saúde, saneamento básico rural e urbano, vigilância epidemiológica e vigilância sanitária.
Elaborado pelo autor.

Por fim, a Tabela 4.5 revela que o gasto da União em saúde representa 10%
de toda a despesa primária. Trata-se, pois, de um montante de gastos
relevantes para uma única categoria de despesa. A saúde, assim como a
educação, tem dado contribuição relevante para a expansão do gasto público
(fato estilizado 1).
Certamente não se pode atribuir todos os benefícios dessa elevação de gastos
aos mais pobres. Com esse nível de agregação dos dados, não é possível aferir
qual parcela dos gastos com assistência hospitalar e ambulatorial corresponde
àqueles direcionados à população de renda mais alta, que recorre ao SUS em
busca de procedimentos mais caros e não cobertos pelos planos de saúde. De
fato, se mostrará no Capítulo 5 que o espaço para a ampliação dos gastos a
favor de indivíduos de renda mais alta é significativo.
É inegável, contudo, que parte da expansão da atenção pública à saúde foi
direcionada aos mais pobres. Mais importante ainda é o fato de que,
independentemente de os serviços de saúde chegarem ou não a esse grupo e
do nível de qualidade com que são prestados, a demanda política desse grupo
por maior atenção pública à saúde foi ouvida e deu cacife aos políticos que,
no parlamento, pressionam por mais despesas nessa área.
É importante notar que, embora tenha havido grande expansão da despesa
em saúde, os técnicos do setor alegam que as disponibilidades financeiras
ainda são pequenas frente à meta de se concretizar o atendimento universal,
integral e gratuito.226 E a demanda de grupos organizados por mais recursos
para o setor é forte. Em 2012, durante a tramitação do projeto de lei para
regulamentar a Emenda Constitucional no 29, tentou-se, com base em uma
proposta de iniciativa popular, aprovar a vinculação de 10% de toda a receita
bruta da União à área da saúde. Isso resultaria em um salto de R$ 46 bilhões
na despesa em apenas um ano, significando um aumento de 60% em relação à
despesa federal em 2012.
Tal dispositivo não foi aprovado, mas o movimento a favor de mais verbas
para o setor ganhou força dentro do Congresso Nacional e diversos projetos
passaram a propor alternativas menos custosas, mas que representam
aumentos de despesas entre R$ 6 bilhões e R$ 19 bilhões por ano.227 O Poder
Executivo federal, inicialmente contrário a qualquer aumento, curvou-se à
pressão política e aceitou ampliar a vinculação de suas verbas à saúde, com os
percentuais de vinculação ainda em negociação no momento da redação deste
livro.

4.6 Conclusões
A redemocratização leva a uma natural expansão de despesas em programas
que favorecem os mais pobres, assim como estimula a adoção de regras legais
que têm como alvo essa população. Em um ambiente em que grandes
contingentes de pobres têm direito a voto, os políticos passam a ficar
sensíveis às demandas desse grupo.
Há evidências quantitativas de que as políticas de transferência de renda, de
educação e de saúde representaram expansão do gasto público com políticas a
favor dos pobres em dimensões suficientes para gerar aumento relevante da
despesa agregada do setor público. Parece evidente, frente às estatísticas
mostradas, que políticas que favorecem os mais pobres ou que pelo menos
são utilizadas como ferramentas eleitorais pelos políticos, tendo rótulos de
políticas pró-pobres, tiveram papel fundamental na expansão do gasto público
corrente (fato estilizado 1). São, portanto, elemento central na geração do
modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa.
Por outro lado, políticas regulatórias, como a elevação do salário mínimo
acima da inflação (fato estilizado 6) e a regulação do mercado de trabalho
(como o exemplo da PEC das domésticas apresentado na introdução) ajudam
a alimentar o citado modelo.
Certamente melhorias na educação, na saúde e na estabilidade e garantia de
renda mínima aos trabalhadores contribuem para aumentar sua produtividade.
Isso pode contrabalançar os efeitos do modelo. Tais efeitos, contudo, tendem
a se manifestar no longo prazo, e serão tratados no Capítulo 6.

207 Organização Internacional do Trabalho.


208 Houve apenas dois votos contrários e duas abstenções na Câmara dos Deputados, e unanimidade no
Senado.
209 As principais referências usadas neste livro são Alesina e Rodrik (1994), e Persson e Tabellini
(1994). Bénabou (1996) analisa 23 estudos acerca da relação entre desigualdade e crescimento, a
maioria deles propondo, com diferentes explicações teóricas, uma relação causal em que a desigualdade
reduz o crescimento. Veja também Perotti (1992) e Meltzer e Richards (1981).
210 Na teoria econômica e na ciência política esse fenômeno é conhecido como “teorema do eleitor
mediano”.
211 Barro (1999) argumenta que, se os ricos reagirem às demandas de redistribuição dos pobres,
impedindo o governo de executar tais políticas, o cenário de baixo crescimento pode acontecer mesmo
que a redistribuição não ocorra. Neste caso, os recursos desviados das atividades produtivas para fazer
lobby serão os causadores do baixo crescimento.
212 O Gráfico 1.5 apresenta a evolução da despesa primária do Governo Central entre 1997 e 2012.
213 Lindert et al. (2006, p. 3).
214 Vide estimativas desse efeito no Capítulo 2.
215 Banerjee e Duflo (2011).
216 Oliveira (2007), com base em dados do Inep.
217 Veloso (2011).
218 Oliveira (2007), com base em dados do Inep.
219 Veloso (2011).
220 Fonte: Sinopse Estatística da Educação Básica 1995 e 2011. Disponível em: www.inep.gov.br.
221 Constituição Federal, art. 196.
222 Posteriormente regulamentada pela Lei Complementar no 141, de 2012.
223 Médici (2011, p. 41 e 48).
224 Médici (2011, p. 65).
225 Andrade e Noronha (2011).
226 Ver, por exemplo, Menicucci (2013).
227 Piola (2013).
CAPÍTULO 5

AS CLASSES DE RENDA MÉDIA


ENTRAM NO JOGO

5.1 Introdução
Em agosto de 2013, foi promulgada a lei federal conhecida como “Estatuto da
Juventude”,228 que elenca os direitos dos jovens com idade entre 18 e 29 anos,
dentre os quais destaca-se a obrigatoriedade de se “propiciar ao jovem o
acesso aos locais e eventos culturais, mediante preços reduzidos, em âmbito
nacional”.229 Trata-se da chamada “meia-entrada”230. Esse tipo de dispositivo
foi aprovado sem que fosse discutido quem vai pagar mais caro para que o
jovem desfrute de preço reduzido. Ou, ainda, sem que ficasse claro porque
exatamente as pessoas entre 18 e 29 anos, independente de nível de renda,
devem ser as beneficiárias desse subsídio.
É curioso que um dos objetivos explícitos do Estatuto da Juventude é o de
promover a autonomia e a emancipação dos jovens.231 No entanto, outro
projeto em tramitação no Congresso (o mesmo Congresso que aprovou o
Estatuto) tem por objetivo ampliar a dependência dos jovens em relação aos
pais. Tal projeto,232 aprovado no Senado e pendente de avaliação pela Câmara
no momento da redação deste livro, propõe elevar para 28 anos a idade dos
filhos que podem ser considerados dependentes de seus pais para fins de
desconto no Imposto de Renda. Se o “jovem” estiver estudando, a idade é
ampliada para 32 anos. Um sujeito quase na meia-idade será considerado uma
criança para fins de desconto de Imposto de Renda! Por quê? Quem pagará
por isso? Quais os benefícios e os custos dessa regra? Será que é interessante
incentivar um indivíduo a se manter na condição de estudante até os 32 anos
de idade? Como políticas com objetivos contraditórios são aprovadas pelo
mesmo grupo de políticos? Os que são favoráveis a uma delas não deveriam
ser contrários à outra? Praticamente nada se debate a respeito. Aprova-se o
privilégio e pronto.
Como esses fatos se encaixam na argumentação feita nos capítulos
anteriores? Afinal, o que se disse até agora é que, na era democrática
inaugurada em 1985, os pobres e os ricos têm grande capacidade política de
extrair renda do restante da sociedade usando seu capital político junto ao
governo. Medidas como as recém-descritas, todavia, não são para atender
nem aos ricos nem aos pobres. Para os ricos pouca diferença fará o direito de
pagar meia-entrada em eventos culturais ou ter um desconto adicional no
Imposto de Renda. Esse tipo de benefício tampouco interessa aos pobres que,
mesmo com desconto, não têm condições financeiras para frequentar teatro
ou cinema e que também não são tributados pelo Imposto de Renda.
Como essas medidas, que beneficiam grupos situados em posição
intermediária da distribuição de renda, encontram terreno fértil para
prosperar?
Esse capítulo mostra como tais segmentos intermediários da distribuição de
renda participam do jogo redistributivo, também obtendo vantagens e
subsídios, em geral custeados pelos contribuintes ou o público em geral. A
participação de segmentos intermediários aumenta a intensidade da disputa
por rendas na sociedade e os seus efeitos adversos sobre o crescimento
econômico.
Em primeiro lugar, ao se falar em “segmentos intermediários da distribuição
de renda” é preciso reconhecer que não é simples dividir a sociedade em
grupos claramente definidos de “pobres”, “classe média” e “ricos”. Como
visto na seção 2.7 do Capítulo 2, a separação da sociedade em classes de
renda pode gerar resultados bastante díspares. Foram ali citadas duas
estimativas baseadas no mesmo conceito de “vulnerabilidade à pobreza” e
que resultam em agrupamentos de classes bastante distintos. Em uma delas,
decorrente da Comissão para Definição da Classe Média no Brasil,233 os
pobres e vulneráveis representariam 34% da população, a classe média 48% e
a classe alta 18%. Já a estimativa de Francisco Ferreira e coautores,234 no
estudo que avalia a expansão da classe média na América Latina, considera
que os pobres e vulneráveis somam 65% da população, enquanto a classe
média contém 30%, sendo considerados ricos ou de classe alta apenas 5%.
Se tomarmos a definição da Comissão, o grupo dos “ricos” abarcará um
amplo contingente de profissionais liberais, empregados de escalão
intermediário na hierarquia das empresas, servidores públicos de nível médio,
entre outros. Se adotarmos o conceito de Ferreira e coautores, os “ricos” serão
um grupo bem mais seleto, composto pelas famílias mais ricas do país, pelos
servidores públicos das carreiras mais bem remuneradas, pelos profissionais
liberais de maior destaque e por indivíduos no topo hierárquico das empresas.
Qual dos dois grupos representaria os “ricos” aos quais se refere o Capítulo 3,
capazes de moldar as instituições a seu favor, por meio de influência política
e poder econômico? De forma similar, quem seriam os “pobres e
vulneráveis”, cujo voto os políticos buscam ofertando políticas
redistributivas: os 34% da população apontados pela Comissão ou os 65%
indicados por Ferreira e coautores?
A discriminação das políticas para os ricos e para os pobres, feita nos
Capítulos 3 e 4, teve como objetivo mostrar, de forma didática, que os
mecanismos de redistribuição para os dois grupos têm distinções
fundamentais. A intensa redistribuição para os pobres é um evento novo na
história do país e decorre da instauração da democracia em 1985. A
redistribuição para os ricos é antiga, remonta aos primeiros anos da
colonização, e ocorre independentemente do regime político vigente: seja em
períodos autoritários, seja em períodos democráticos, grupos econômicos
fortes e indivíduos de alta renda têm acesso privilegiado ao poder e são
capazes de influenciar as instituições a seu favor.
Os dois tipos de redistribuição podem conviver e, de fato, têm convivido na
nova era democrática. Como afirmam Lee Alston e coautores: “a nova
Constituição brasileira teve como consequência crucial enviesar as políticas
em direção à inclusão, abertura e representação [em favor dos mais pobres].
Esse viés, todavia, não impediu os mais ricos de continuar a ter uma
influência desproporcional sobre as políticas”.235
Os dois tipos de redistribuição (para os ricos e para os pobres) ocorrem em
diferentes arenas políticas. A redistribuição para os pobres se dá, na maioria
dos casos, de forma transparente, por meio de políticas públicas que tramitam
pelo orçamento. A opinião pública pode conhecer, com facilidade, por
exemplo, quanto se gasta com o Programa Bolsa Família ou qual o impacto
do aumento do salário mínimo sobre as contas da Previdência Social. Os
programas para os pobres são amplamente debatidos durante as campanhas
eleitorais, porque interessa aos políticos alardear o que estão fazendo a favor
da massa de eleitores de menor renda.
Já a distribuição para os ricos se faz na sombra, de forma disfarçada. São
decisões tomadas em gabinetes fechados, que ocorrem dentro da
contabilidade de bancos públicos, protegida por sigilo bancário. Não há
interesse em se divulgar ao eleitorado o que se está fazendo a favor dos mais
ricos. Essas políticas tratam de temas de difícil compreensão para o público
(controle acionário de empresas, participação de órgãos estatais em
consórcios de investimento, instrumentos financeiros complexos, regras de
preços para serviços públicos concedidos a empresas privadas). Muitas vezes
os privilégios encontram justificativas com base em argumentos ideológicos
ou de teorias econômicas (proteção da indústria nacional contra a
concorrência estrangeira, defesa do patrimônio nacional) em que está
implícita a ideia (equivocada) de que tais políticas são favoráveis aos mais
pobres.
Neste capítulo, o que se pretende mostrar é que existe espaço político para
que se faça redistribuição também a favor de grupos de renda intermediária.
Tal redistribuição mescla características dos dois tipos extremos. Assim como
não é fácil caracterizar quem é de classe média ou é rico, não é simples
identificar um único tipo de mecanismo de implantação de políticas
redistributivas a favor de heterogêneos segmentos intermediários de renda.
Há, por exemplo, políticas que são transparentes, tramitam pelo orçamento,
mas são fortemente concentradoras de renda. Este é o caso de parte das
aposentadorias e pensões pagas pela Previdência Social, que, como mostrado
no Capítulo 2, geram concentração de renda. Por outro lado, há benefícios
outorgados a segmentos de renda intermediária que carecem de transparência
e cujos efeitos nocivos sobre o crescimento econômico não são simples de
desvendar: é o caso das isenções de Imposto de Renda a alguns grupos, das
complexas fórmulas de cálculo da remuneração de servidores públicos, do
subsídio implícito às famílias de alta renda contido no ensino universitário
gratuito.
Durante o governo militar, muitos mecanismos de privilégio às classes
intermediárias se desenvolveram. Surgiam em função da baixa transparência e
pouca accountability (por exemplo: órgãos públicos elevando os salários de
seus próprios funcionários), e da intenção do regime militar de aplacar
resistências e inconformismos de trabalhadores urbanos (por exemplo: FGTS,
PIS-PASEP), ou simplesmente foram subprodutos do modelo econômico e
suas disfunções (por exemplo: depreciação do valor real de financiamentos
imobiliários contratados junto a bancos públicos).
Contudo, após a redemocratização, ampliou-se sobremaneira o espaço para a
organização política e a reivindicação por grupos situados entre os ricos e os
pobres.

5.2 O que diz a teoria econômica?


No Capítulo 4, foram apresentadas proposições teóricas segundo as quais a
coexistência de democracia com uma grande massa de eleitores pobres leva
os políticos a buscar os votos desse grupo, oferecendo políticas
redistributivas. Esse argumento, embora válido, pode ser considerado
simplificado ou incompleto. Os políticos, na verdade, buscam não apenas o
voto dos pobres, mas todo tipo de voto que seja mais fácil de obter. Em um
cálculo de custo-benefício, os políticos procuram oferecer políticas que gerem
a maior quantidade possível de votos para um dado nível de esforço e de
custo de campanha.
Assim, alguns grupos do segmento intermediário da distribuição de renda
passam a ser interessante alvo, por fornecer grande quantidade de votos em
nichos fáceis de atingir, o que reduz o custo e o tempo necessário para obtê-
los.
Loukas Karabarbounis, da Universidade de Chicago, por exemplo,
argumenta que o sistema político é muito mais complicado do que
pressupõem os modelos de “uma pessoa, um voto” e vários grupos de
eleitores têm influência sobre o resultado de equilíbrio”.236 James
Robinson,237 em seu já citado artigo sobre a economia política da
redistribuição em democracia, mostra que os políticos respondem à demanda
de grupos que:
(a) sejam homogêneos e numerosos: certamente os pobres estão nessa
categoria em uma sociedade desigual, mas não são necessariamente os
únicos. Qualquer grupo suficientemente numeroso e que tenha interesses
comuns tende a ser privilegiado por políticos, tais como devotos de
religiões bastante populares, idosos, grupos étnicos etc.;
(b) conseguiram resolver seu problema de ação coletiva, tiraram proveito da
liberdade de organização permitida pela redemocratização para formar
associações e sindicatos, e tornaram-se capazes de pressionar o governo em
prol da implementação de políticas que beneficiem o grupo. Usam os seus
canais de comunicação para elogiar políticos que os apoiam e para detratar
os demais, bem como garantem os votos de seus filiados e familiares;
(c) convivem no mesmo ambiente profissional ou social dos políticos e
dispõem de posição privilegiada para opinar ou influenciar decisões: os
funcionários públicos que gerenciam a máquina estatal e que assessoram
no desenho das políticas públicas são um exemplo. Esse é um caso em que
os métodos de obtenção de privilégios estão mais próximos daqueles
utilizados pelos ricos (decisões em gabinetes fechados, sem transparência,
baseados em conexões políticas);
(d) votam em maior número: no Brasil, onde o voto é obrigatório para todos,
essa característica vale para ressaltar o maior poder de quem tem direito a
voto contra quem não o tem; isso explicaria, por exemplo, o maior
favorecimento aos idosos e jovens em detrimento das crianças, dado que
estas não votam.
Grupos de renda intermediária que se encaixam em uma ou mais dessas
categorias têm maior probabilidade de embarcar com sucesso em uma
estratégia de reivindicar benefícios.
Algum grau de demandas redistributivas junto ao governo é naturalmente
observável em qualquer país do mundo: lobby, redistribuição a favor dos
pobres ou de grupos bem conectados e rent-seeking são características
normais das sociedades modernas e dão origem a vasta literatura sobre o
tema.
O que torna a situação brasileira especial é que a forte desigualdade gerou
um nível elevado de pressão redistributiva. Esta se propaga por toda a
sociedade e se torna muito difícil de desmontar. Quanto mais dividida for a
sociedade em termos das dotações de cada grupo social (níveis de
escolaridade e de renda, poder de mercado etc.), mais difícil será a formação
de maiorias capazes de quebrar privilégios.
O celebrado ex-Economista-Chefe do FMI, e atual presidente do Banco
Central da Índia, Raguran Rajan,238 mostra como a desigualdade é um fator
crucial para bloquear reformas que, se levadas à frente, poderiam colocar a
maioria da sociedade em melhor situação. Mesmo em uma sociedade
democrática, em que todos os grupos têm direito a voto e à expressão de suas
preferências, a tentativa de cada grupo em manter rendas que extraem de
outros grupos acaba por paralisar reformas favoráveis à maioria.
Suponha-se, como argumenta aquele autor, que existam três tipos de
indivíduos em uma sociedade: um capitalista, que obtém ganhos extras em
função de sua posição monopolista na produção de bens; um grupo de
trabalhadores com alta escolaridade; e um grupo de trabalhadores sem
escolaridade. Os dois grupos de trabalhadores são empregados pelo
capitalista, mas os de alta escolaridade podem ter acesso a empregos de maior
conteúdo tecnológico e maior remuneração ou têm potencial para abrir suas
próprias empresas, mas não o fazem porque o monopolista conta com
legislação que protege seu mercado. Os trabalhadores de baixa escolaridade
só têm acesso a empregos que exigem menor qualificação e pagam piores
salários.
Se confrontada com a opção de fazer uma reforma (completa), composta por
duas reformas parciais (uma de ampliação da escolaridade e outra de
liberalização de mercado que acabe com o monopólio do capitalista), há
grande chance de a escolha coletiva ser por nenhuma reforma.
O argumento básico é que cada um dos grupos tem a perder com pelo menos
uma das duas reformas parciais, de modo que não se consegue formar uma
maioria a favor da reforma completa.
Os trabalhadores com alta escolaridade gostariam do fim do monopólio.
Com essa reforma, eles poderiam criar suas próprias firmas e a expansão da
economia abriria vagas em empregos de alto conteúdo tecnológico, o que
também lhes seria favorável. Mas eles não têm interesse na ampliação geral
do grau de instrução, pois isso reduziria a vantagem competitiva que o grupo
tem em relação aos trabalhadores de pouca escolaridade, pois estes, ao obter
educação, também poderiam criar suas firmas ou ter acesso aos bons
empregos, intensificando a competição com os que originalmente tinham
mais escolaridade.
Já os capitalistas não têm interesse na liberalização de mercado, para não
perder sua posição de monopolista. Podem até apoiar o aumento do grau de
instrução, pois isso aumentaria a produtividade dos trabalhadores de baixa
escolaridade, o que elevaria a rentabilidade das empresas, mas temem que,
com o aumento do nível educacional, os dois grupos de trabalhadores (agora
ambos capazes de abrir firmas) se unam em favor do fim do monopólio. Por
isso, tendem a se posicionar contra as duas reformas.
Os trabalhadores com baixa escolaridade tendem a ser favoráveis à expansão
da educação, mas se esta não for aprovada, não terão interesse no fim do
monopólio. Isso porque, mantendo-se com baixa escolaridade, nada ganharão
com o seu fim e correm o risco de, havendo o fim, a economia ter um salto
tecnológico e fechar vagas de trabalho pouco qualificado, o que os
prejudicaria.
Rajan mostra que é baixa a probabilidade de que se consiga consenso pela
aprovação da reforma completa, visto que cada um dos grupos desaprova pelo
menos uma das reformas parciais.
O que está agindo, nesse caso, é o fato de que, em função da desigualdade
entre os grupos, cada um deles tem diferentes dotações (de escolaridade e de
poder de mercado) e o desmonte de uma restrição imposta a um grupo
representa o fim de um privilégio de outro grupo.
Ou seja, a desigualdade é um fator central de bloqueio e realimentação de
uma situação subótima, em que os grupos têm incentivos para extrair rendas
uns dos outros.
Note-se que esse modelo abstrai uma série de complicações da vida real.
Nele, cada indivíduo e cada grupo sabe exatamente se ganhará ou perderá
com a reforma, não há um período de transição até que os ganhos comecem a
aparecer, os indivíduos não são avessos ao risco e todos agem de forma
racional e com acesso pleno a informações. Mesmo assim há um viés a favor
do status quo e os privilégios localizados tendem a ter vida longa.
Raquel Fernandez e Dani Rodrik,239 em artigo na prestigiosa The American
Economic Review, mostram que a incerteza joga um papel adicional na
preservação do status quo. Eles apresentam um modelo em que uma reforma
que revoga privilégios e que reconhecidamente beneficiaria a maioria da
sociedade (supõem que todos sabem disso ex ante) pode não se concretizar
porque os indivíduos não sabem exatamente quem serão os ganhadores e os
perdedores.
Por exemplo, em uma abertura ao comércio internacional, as empresas não
sabem se conseguirão se adaptar às novas condições de mercado e se terão
competência para atuar no novo ambiente. Embora se saiba que a maioria
prosperará, algumas conseguirão, enquanto outras, não, desconhecendo-se
exatamente quem integrará cada grupo. Essa incerteza seria suficiente para se
formar uma maioria a favor do status quo.
Também nesse modelo supõe-se que não há aversão a risco ou incerteza
quanto ao resultado agregado da reforma, e que os indivíduos são racionais.
Acrescente-se a esse cenário todas essas possibilidades, inerentes à vida real,
além dos custos de organização coletiva daqueles que desejam a quebra de
privilégios, e tem-se um cenário ainda mais favorável à preservação de
privilégios. Os mecanismos de extração de renda, uma vez estabelecidos,
conseguem se perpetuar.
Como não há meios de coordenar de forma crível a ação da sociedade para
acabar com todos os mecanismos de extração de renda por um grupo à custa
dos outros, a estratégia ótima de cada grupo é tentar aumentar a renda que
extrai para si. A desigualdade e os demais problemas de informação e de
organização de ação coletiva não só bloqueiam o fim dos privilégios
existentes, como incentivam a criação de novos.
Nessa disputa, levam vantagem os grupos com os atributos acima descritos:
que sejam numerosos e homogêneos; que consigam resolver os problemas de
ação coletiva; que tenham acesso privilegiados a foros de decisão política; ou
que votem com mais frequência ou simplesmente tenham direito a voto.
Deve-se notar aqui uma sofisticação do argumento em relação aos modelos
de redistribuição para os pobres, apresentado no Capítulo 4. Ali, um canal
relevante para o desestímulo ao crescimento vinha do fato de que a renda e o
patrimônio dos mais ricos era tributado para financiar a redistribuição,
desestimulando o investimento. No presente contexto, em que há políticas
redistributivas demandas por grupos situados em todo o espectro da pirâmide
social, o gasto público cresce rapidamente (fato estilizado 1 no Capítulo 1) e
força o governo a buscar todas as formas possíveis de obter receitas (fato
estilizado 2). Por isso, também a tributação se espalha por todos os grupos
sociais. Não é mais a tributação especificamente sobre os mais ricos que trava
a propensão a investir. É a tributação excessiva sobre toda a sociedade e seus
efeitos distorcivos (cumulatividade, custos administrativos para pagar
tributos, diferenciais competitivos advindos da sonegação) que desestimulam
o investimento e corroem a produtividade.
O rent-seeking deixa de ser um comportamento exclusivo dos grupos de alta
renda, passando a estar presente também em vários grupos de renda
intermediária e, até mesmo, em grupos mais pobres. Em geral, pressupõe-se
que os mais pobres estão dispersos e têm baixa capacidade de solucionar seus
problemas de ação coletiva, tendo, por isso, baixa capacidade de promover
ações rent-seeking. No entanto, há diversos grupos de interesses que
incorporam segmentos de pobres, como, por exemplo, os movimentos de
trabalhadores sem terra, de mulheres agricultoras, de desabrigados urbanos
etc.
Marcos Lisboa e Zeina Latif,240 ao analisar o alto grau de rent-seeking no
Brasil, fazem uma síntese da literatura teórica do tema.241 Os autores
descrevem tal fenômeno como aquele que apresenta as seguintes
características:
os privilégios são focados em grupos específicos (subsídios, transferências
de renda, restrições de acesso a mercado ou a profissões etc.) em contraste
com o benefício difuso que os serviços públicos tradicionais (policiamento,
urbanização, saneamento público, direitos de propriedade) prestam a toda
população;

os custos são difusos e, portanto, de difícil percepção pela sociedade.


Não existe um tributo específico para pagar por cada tipo de benefício
distribuído pelo governo, o que permitiria identificar o custo de cada
programa. Para cada novo privilégio ou subsídio concedido, o
financiamento do gasto vem de um pool de recursos recolhidos pela
tributação. Da mesma forma, os impactos negativos sobre a
produtividade, a taxa de juros da economia ou o nível de poupança
pública não são facilmente perceptíveis;
os grupos beneficiados têm fortes incentivos a fazer lobby pela
manutenção dos privilégios e investem na obtenção da proteção
governamental, enquanto o restante da sociedade não conhece os
custos ou não os considera suficientemente elevados para justificar o
esforço de mobilização;
a concessão dos privilégios não é precedida de estudos do impacto
geral sobre a sociedade (custos, benefícios e efeitos colaterais), o que
permite que os potenciais beneficiários exagerem ao propagandear os
benefícios sociais e minimizem os custos a serem pagos pela
sociedade;
regras e procedimentos são criados sob medida para atender
especificamente os beneficiários aos quais se endereçam;
falta transparência: muitas operações são feitas fora do orçamento
(créditos concedidos por bancos públicos, operações realizadas por
empresas estatais autônomas) ou baseiam-se em diversas isenções
tributárias e regimes especiais de tributação dentro de um sistema
complexo;
a falta de transparência e de informação impede uma discussão
pública acerca dos benefícios e custos dos privilégios e subsídios;
uma vez adotada uma política, não há posterior avaliação dos seus
efeitos, para se decidir sobre sua continuação ou interrupção; a
tendência é que, por força de lobby, por inércia ou pela dificuldade de
revogação de leis, os privilégios sobrevivam ao longo do tempo;
políticas de incentivo justificáveis do ponto de vista de sua relação
benefício-custo para toda a sociedade, que deveriam durar pouco
tempo (por exemplo, alguns tipos de proteção comercial a um setor ou
região de importância estratégica), são perenizadas porque os grupos
de interesse lutam por sua permanência. Paradoxalmente, quanto
menos bem-sucedida for a política (e, portanto, incapaz de induzir os
setores incentivados a se firmar e competir no mercado sem nenhum
incentivo), maior será a pressão por sua manutenção, pois, se extinta,
levará à morte de empresas e à eliminação de empregos, o que
estimula seus beneficiários a lutar fortemente pela manutenção do
subsídio.

Jorge Viana Monteiro, especialista em economia institucional, apresenta um


quadro bastante didático que resume a essência das características acima
descritas.
QUADRO 5.1 Padrões de escolha de políticas públicas

Fonte: Monteiro (2013, p. 217).

As células A e D apresentam políticas que não induzem o comportamento


rent-seeking. Na célula A teríamos políticas de interesse geral, como o
controle da poluição ou as ações preventivas de saúde. Trata-se de ações
típicas de provisão de serviço público pelo governo que atendem a toda a
população. Como são de interesse geral, não há quem se mobilize, por
interesse próprio, para defender ou se posicionar contra tais políticas.
Na célula D ficam as políticas que atendem a interesse de um grupo e, ao
mesmo tempo, contrariam frontalmente outro grupo. Em 2013, por exemplo,
editou-se uma legislação que dispõe sobre o exercício da medicina,242 na qual
diversos procedimentos usualmente praticados por outras profissões
(fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiros) passariam a ser privativos dos
médicos. Abriu-se, então, um conflito entre os interesses dos médicos, de um
lado, e o das demais profissões, de outro. Nesse caso, há incentivo, de ambas
as partes, para explicitar os benefícios (os médicos) e os custos (demais
profissões). Os argumentos vêm ao debate público e os políticos ficam
espremidos entre os interesses das duas partes. Não há como ocultar ou
dispersar custos e a natureza do conflito restringe a concessão de privilégios.
O rent-seeking florescerá com mais facilidade no caso da célula B, enquanto
o caso da célula C explica porque os privilégios, uma vez obtidos, perpetuam-
se no tempo.
Na célula B encaixam-se todas as políticas que resultem em benefícios a um
grupo específico e cujo custo é pago de maneira difusa por toda a sociedade:
socorro financeiro do governo a empresas falidas, empréstimos de bancos
públicos a taxas subsidiadas, emprego público com salário acima da média de
mercado, legislação trabalhista que proteja o emprego de alguns trabalhadores
etc. O incentivo para a mobilização dos beneficiários (em termos do custo
dessa mobilização vis-a-vis o benefício esperado) é muito maior que o
incentivo para a mobilização, contra a política, de quem vai pagar a conta
(sequer se sabe exatamente quem compõe esse grupo e o custo unitário pago
por cada cidadão é pequeno frente aos custos da perda de tempo e esforço
para organização da ação coletiva).
Na célula C tem-se o caso de grupos que se organizam para resistir a
reformas que podem resultar na quebra de privilégios existentes. Por
exemplo, uma reforma da Previdência Social que controlasse os aumentos
reais no valor de aposentadorias e pensões geraria recursos públicos que
poderiam ser aplicados, digamos, em saneamento básico, com benefícios para
toda a população. Os aposentados e pensionistas têm forte incentivo para
resistir à medida, pois ela representa perda de renda concentrada nesse grupo.
Já os potenciais beneficiários (pessoas que não ficarão doentes, trabalhadores
e empresas que não perderão dias de trabalho em função de doenças etc.)
estão dispersos e não quantificam claramente quanto cada um pode
efetivamente obter.
As próximas seções apresentam alguns exemplos concretos de como
segmentos intermediários da distribuição de renda ampliaram seus benefícios
ao longo da nova era democrática por meio de comportamento rent-seeking e
como conseguem resistir a reformas institucionais.
Descreve-se, inicialmente, como a nova ordem constitucional abriu espaço
para a demanda judicial por “direitos” que, na verdade, geram benefícios
particulares e custos coletivos.

5.3 Rent-Seeking em disputas judiciais


A seção 3.4.1, do Capítulo 3, mostrou que a Constituição de 1988 ampliou
não só o acesso à justiça, mas também o conjunto de assuntos sobre as quais o
Judiciário pode se pronunciar, impulsionando o número de causas ajuizadas.
Argumentou-se ali que esse maior acesso não beneficiou horizontalmente
toda população, mas sim grupos específicos. A presente seção mostra como
grupos com maior capacidade de organização se tornaram beneficiários do
sistema judiciário implantado pela nova Constituição.
A Constituição de 1988 foi escrita sob o pressuposto de que a desigualdade
social constitui um mal, que precisa ser erradicado por meio da ação estatal.
A redução da desigualdade é um ponto central na lei maior da nova
democracia brasileira, que passa a considerar como “direito” dos cidadãos o
acesso a serviços públicos e à justiça, e, até mesmo, o acesso a bens e serviços
de natureza privada, como emprego e moradia. Como afirma Maria Teresa
Sadek, socióloga dedicada ao estudo do sistema judicial brasileiro:
(…) a desigualdade social – e esse é o ponto central – deixou de ser vista
como natural. (...) toda e qualquer desigualdade passa a ser entendida como
uma desigualdade provocada pelo arranjo social (...) quanto mais desigual
for uma sociedade, maiores serão os efeitos de uma agenda universalista de
direitos. (...) Assim, passam a ser defendidas a elaboração e a adoção de
políticas que tenham por finalidade diminuir a desigualdade. (...) Os direitos
civis e políticos têm por base o indivíduo, exigindo para a sua efetivação a
limitação do poder público, um Estado mínimo. Já os direitos sociais (...)
requerem políticas públicas que, ao reconhecerem a exclusão, objetivam
uma justiça redistributiva. Ou seja, é preciso um Estado atuante, no sentido
de providenciar a concretização dos direitos à saúde, ao trabalho, à
educação, à moradia, à aposentadoria etc. (...) Nas últimas décadas, a eles
foram acrescidos os chamados direitos de terceira geração, referidos não
mais a indivíduos, mas a grupos. São os direitos do consumidor, de crianças,
de idosos, de minorias etc.243
Não é por outro motivo que a Constituição de 1988 contém dispositivos
como:
Art. 3o. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
.................................................................................................................
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
Art. 6o. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado (...)
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social (...)
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, (...)
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais
e acesso às fontes da cultura nacional (...)
Acrescente-se a essa concepção universalista de direitos outra característica
importante da Constituição de 1988: o aumento do poder do Judiciário para
interferir nas políticas públicas, associado à ampliação do acesso dos
indivíduos à justiça. Mais uma vez recorrendo a Maria Teresa Sadek:
De aplicador das leis e dos códigos, o Judiciário foi configurado como
agente político, cabendo-lhe controlar a constitucionalidade e arbitrar
conflitos entre os Poderes Executivo e Legislativo. (...) Do ponto de vista
dos direitos, a Constituição de 1988 consagra duas mudanças fundamentais:
de um lado, reconhece, além dos direitos individuais, os denominados
direitos sociais, como o direito ao trabalho, à moradia, à educação, à saúde, à
Previdência Social; de outro, fortalece os mecanismos de tutela de direitos.
(...) Para a proteção dos direitos coletivos foi concebido um instrumento
jurídico inovador: a ação civil pública. (...) o objeto de tutela da ação civil
pública passa a ser todo e qualquer interesse difuso da sociedade,
abrangendo: direitos relativos à saúde; à previdência; à assistência social; à
educação; ao meio ambiente sadio; à maternidade; à infância; à
adolescência; às pessoas portadoras de deficiência; à função social da
propriedade. O maior ganho advindo da tutela dos direitos difusos e
coletivos está na possibilidade de democratizar o acesso à justiça, uma vez
que abrange grupos e coletividade (...) é um instrumento legal para corrigir
desigualdades, um instrumento de justiça distributiva. (...) O cidadão, por
sua vez, passou a ter na instituição um espaço para a solução de disputas e
para a garantia dos mais variados direitos (...) a consagração de uma ampla
gama de direitos (...) e a democratização no acesso à justiça estimularam
uma extraordinária procura por soluções judiciais.244
O ímpeto redistributivo e de promoção de justiça social existente no texto da
nova Constituição, somado à ampliação dos meios de acesso à justiça,
acabou, na verdade, por gerar espaços para que segmentos organizados,
muitas vezes de classes média e alta, a esta recorressem para obter benefícios
individuais (ou para grupos restritos). Paradoxalmente, a prevalência desses
interesses específicos sobre os gerais acabou reduzindo a qualidade das
políticas públicas. Com isso, comprometeu-se a sua efetiva capacidade de
gerar benefícios globais e de atingir a tão desejada redução das desigualdades.
A intenção de garantir amplos benefícios e assistência a toda população não
foi temperada pela definição de como financiar o custo de tais benefícios.
Dada a incapacidade do Estado para financiar tudo o que a Constituição
promete, tem-se um cenário propício para que as pessoas lutem para
conseguir, para si, o que está prometido na Lei Maior, excluindo o acesso de
outros. O meio mais fácil de fazê-lo é ir ao Judiciário. Dado que o direito está
“garantido”, um cidadão, um sindicato ou entidade de classe que sejam bem
informados e tenham capacidade de contratar um bom advogado sempre que
possível irão à justiça para “fazer valer o seu direito”. Os juízes apreciam o
direito do impetrante sem considerar o direito do restante da sociedade, que
não é parte ativa da demanda judicial, e que acaba sendo negativamente
afetadas pela concessão do benefício.
Um caso clássico e com forte repercussão nas finanças e na gestão pública é
o da judicialização do acesso à saúde. Como citado, a saúde pública após a
Constituição de 1988 é considerada “direito de todos e dever do Estado”.
No intuito de atender ao ditame constitucional, o Estado organizou o
atendimento público em saúde sob a forma do Sistema Único de Saúde
(SUS), no qual se definiu os tipos de tratamento e medicamentos que devam
ser disponibilizados gratuitamente à população. Muitos indivíduos, contudo,
recorrem ao Judiciário requerendo que o governo pague por tratamentos e
medicamentos que estão fora do protocolo de atendimento do SUS,
argumentando que a Constituição estabelece direito universal e integral à
saúde, não impondo limites a tais direitos.
Os tratamentos e medicamentos requeridos são, em geral, de alto custo e o
atendimento à demanda de um único indivíduo consome recursos públicos
que poderiam ser aplicados em tratamentos regulares oferecidos a um grande
número de pacientes. Dados os altos custos de tratamentos de alta tecnologia
ou medicamentos de última geração, torna-se impossível oferecer tratamento
desse nível a toda a população. Alguns, porém, conseguem, por via judicial,
que o setor público lhes pague tais terapias. A quantidade de ações judiciais e
os valores envolvidos são capazes de desestruturar o planejamento de
secretarias estaduais de saúde, que muitas vezes precisam suspender outros
serviços para ter condições de financiar os tratamentos determinados por
ações judiciais.
A suspensão de tratamentos previstos no protocolo do SUS, em parte
decorrente da desestruturação financeira decorrente das causas judiciais,
acaba por gerar mais causas judiciais. Agora da parte daqueles que não
conseguem obter o atendimento básico prometido, como uma vaga em UTI,
medicamentos previstos nas listas de gratuidade ou consulta em tempo hábil.
Está feita, então, a mágica perversa: transformou-se aquilo que se pretendia
ser um instrumento de redução de desigualdades e de acesso universal em um
mecanismo de privilégios. Em outras palavras, quem chegar primeiro à
Justiça leva! Quem não dispõe de informação e de meios para requerer
“direitos” por via judicial que se conforme com a falta de serviços e com os
efeitos negativos das ações judiciais sobre a qualidade dos serviços prestados
de forma regular.245
André César Medici afirma, por exemplo, que:
Em 2004, a soma dos gastos com medicamentos básicos e estratégicos
(excluídos os gastos com medicamentos para DST-AIDS) era praticamente
similar à dos gastos com medicamentos excepcionais (em torno de R$ 0,83
bilhões). Em 2009, o gasto com medicamentos excepcionais [que são os
mais demandados em causas judiciais] passou a ser cerca de 2,5 vezes
superior à soma dos gastos com medicamentos básicos e estratégicos (R$
1,1 bilhão), num contexto em que a população de baixa renda ainda está
longe de ter acesso integral a esse conjunto básico e estratégico de
medicamentos.246
As pessoas tendem a recorrer à justiça se, ao fazer um cálculo prévio de
custos e benefícios, estimam que podem vir a ter ganhos. Esse é o caso da
situação acima, em que a expectativa de obter um tratamento ou medicamento
de alto custo provavelmente compensa o pagamento das custas judiciais. Mas
nem sempre o resultado esperado é positivo e alguns grupos sociais podem
evitar buscar a justiça em função dos altos custos implícitos nessa opção. De
acordo com Armando Castelar Pinheiro:
A Justiça no Brasil é vista como muito lenta, e uma parcela relevante dos
empresários também reclama dos custos de acesso. As pequenas empresas,
em particular, encaram o custo de acesso à Justiça como proibitivo e só têm
contato com ela quando acionados. Também para as empresas de grande
porte, observa-se um padrão semelhante de comportamento, com a
estruturação de suas operações de forma a evitar contato com o Judiciário,
exceto pela área tributária, no qual a morosidade da Justiça é vista por uma
parcela (minoritária) de empresas como eventualmente benéfica.247
Ou seja, em causas em que custa caro recorrer ao Judiciário (seja pelas
custas judiciais, seja pelo tempo despendido com a causa), as pessoas e
empresas preferem evitar o seu uso. Quando a lentidão deste é benéfica, como
quando há a possibilidade de se tirar proveito disso para postergar o
pagamento de obrigações, o uso da Justiça passa a ser interessante, o que,
com frequência, ocorre em causas relacionadas a empréstimos, pagamento de
aluguel, disputas comerciais e trabalhistas.248
Por outro lado, como registrado em relatório produzido pela Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, por demanda do Conselho Nacional de
Justiça,249 há casos, principalmente em ações de âmbito coletivo, em que o
custo de ingressar com ação judicial é próximo de zero. Nesses casos, a
remuneração de advogados é feita por meio de um percentual do valor ganho
na causa, sem um custo inicial para o indivíduo que adere a uma causa
coletiva. Isso faz com que pessoas decidam ingressar com uma ação judicial
simplesmente porque ela não lhes traz nenhum custo e há a possibilidade de
ganhos (um típico comportamento de “franco-atirador”).
Há, nesse caso, incentivo à criação de um mercado em que advogados
formatam ações coletivas de reparação de danos ou de pagamento de direitos
trabalhistas e passam a arregimentar o maior número possível de clientes
dispostos a ingressar em juízo. Oferecem como atrativo o custo zero de
entrada, a inexistência de custo de transação (o escritório de advocacia
formata toda a ação) e a inexistência de punição financeira em caso de perda
da causa.
Isso gera causas repetitivas, com grande número de demandantes, em que
advogados ganham uma parcela do valor pago e os clientes pouco têm a
perder. Exemplos típicos são: as ações requerendo recomposição salarial em
função de inflação não considerada em reajustes concedidos no passado; as
causas trabalhistas contra ex-empregadores; e as ações para recálculo de
tributos, tarifas ou rendimento de aplicações financeiras pagos no passado.
Os réus habituais dessas ações (governos, concessionárias de serviços
públicos e bancos), por sua vez, também exploram as amplas possibilidades
de recurso existentes no Judiciário para protelar o pagamento das reparações.
Acentua-se, então, o congestionamento desse Poder por comportamento
oportunista das duas partes, reduzindo o acesso de pessoas que necessitariam
da justiça para causas de outra natureza.
Em suma, a combinação da intenção de ampliar o acesso à justiça e de
expandir os “direitos” que podem ser reclamados em juízo com o
congestionamento e a lentidão do Judiciário abrem amplo espaço para
diversos tipos de comportamento estratégico. Alguns indivíduos deixam de
pagar suas obrigações contando com o ganho financeiro que obterão devido à
lentidão do processo de cobrança. Outros contam com o baixo custo para
ingressar em ações coletivas que, muitas vezes, não passam da exploração de
lacunas da lei para gerar ganhos sem fundamentação econômica. Há, ainda, os
que ganham acesso a serviços públicos especiais e caros em detrimento da
coletividade. Como argumentado, os resultados, em termos de desigualdade,
podem ser inversos aos esperados.
Mais uma vez, a desigualdade aparece como variável relevante, motivo
fundamental para a inscrição de amplos “direitos sociais e coletivos” na
Constituição. Tais direitos passam a dar a grupos organizados vantagens nas
disputas redistributivas e a alimentar a lógica de busca de benefícios privados
com seus custos sendo socializados ou repassados a terceiros.

5.4 Os idosos como público preferencial dos políticos


A predileção dos políticos por conceder benefícios aos idosos é um caso
típico de política que se encaixa na célula B do Quadro 5.1: benefícios
concentrados em um grupo com custos pagos por toda a sociedade. Na
classificação proposta por James Robinson, em seu já citado estudo sobre a
economia política da redistribuição,250 os idosos são um grupo de eleitores
que reúne diversas características de interesse para aqueles em busca de
votos. Eles têm necessidades homogêneas relacionadas com aposentadorias e
atenção à saúde. Parte deles tem boa capacidade de organização por viverem
em meio urbano e estarem aposentados de empregos formais – habituados,
portanto, à organização sindical. Outra parte é pobre e fortemente atraída por
políticas assistenciais (aposentados rurais, por exemplo).
Não por coincidência, eles têm sido objeto de políticas preferenciais desde a
redemocratização. Durante o governo militar, consolidou-se a ideia de que os
idosos formavam um grupo social desprivilegiado. Contribuíram para isso os
baixos valores das aposentadorias de então (que eram corroídas pela alta
inflação), o acesso restrito à saúde pública e o abandono dos idosos rurais. Se
a assistência social era ruim para todos, pior ainda para os idosos pobres, que
não podiam compensar a sua falta com ganhos no mercado privado de
trabalho.
Com o advento da democracia, a situação dos idosos mudou radicalmente.
Houve intensa política de concessão de aposentadorias a trabalhadores rurais,
com critérios de concessão elásticos e má apuração do efetivo tempo de
trabalho. Tais aposentadorias, em valor equivalente a um salário mínimo,
tiveram forte aumento real, como mostrado no Gráfico 1.14. Em paralelo,
estabeleceu-se o chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC), que,
como visto no Capítulo 2, constitui o pagamento de um salário mínimo
mensal a idosos e deficientes físicos que vivam em famílias com renda
familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
No meio urbano, a expansão da expectativa de vida da população não foi
acompanhada, na mesma intensidade, por reformas nos parâmetros
definidores da idade para aposentadoria ou para elegibilidade para pensões
por morte. Reformas da Previdência, ainda que tenham ocorrido, foram
insuficientes para evitar aposentadorias em idade precoce e pensões de longa
duração. Em especial, destaque-se a aposentadoria dos servidores públicos,
que é estabelecida em condições melhores que a dos trabalhadores do setor
privado.
A Tabela 5.1 mostra como os idosos são privilegiados na alocação de
recursos do Governo Federal. Nada menos que 50% da despesa primária da
União são feitas em rubricas que favorecem diretamente os idosos:
aposentadorias e pensões (públicas e privadas) e Benefício de Prestação
Continuada aos idosos de baixa renda. A despesa pró-idosos cresceu 92%
acima da inflação entre 2002 e 2012. Em termos per capita, o crescimento foi
de 72%.
Note-se, ainda, o forte crescimento dos três primeiros itens da Tabela 5.1,
todos com reajuste vinculado à variação do salário mínimo, que cresceu
fortemente acima da inflação (fato estilizado 6 do Capítulo 1).
O único item da Tabela 5.1 que não representa uma despesa com benefícios
previdenciários é o Benefício de Prestação Continuada (BPC-LOAS), pago
com recursos ordinários do Tesouro Nacional. Os demais são pagamentos de
aposentadorias, pensões e demais benefícios sob a responsabilidade da
Previdência Social.
Será esta despesa previdenciária exagerada? Em uma comparação
internacional, um dos principais especialistas brasileiros em Previdência
Social, Marcelo Abi-Rama Caetano, mostra que “o Brasil gasta com
previdência como proporção de seu produto o equivalente a países como
Bélgica, França, Alemanha, Finlândia e Suécia, os quais apresentam razão
de dependência demográfica [relação entre o número de beneficiários e o
número de trabalhadores ativos contribuintes para a Previdência] próxima a
27%, praticamente o triplo da brasileira. De modo análogo, (...) países com
perfis demográficos próximos ao do Brasil despendem com previdência como
proporção do PIB algo em torno de 4%, praticamente um terço do gasto
brasileiro”.251
TABELA 5.1 Despesas primárias do governo federal a favor dos idosos:
2002 versus 2012

Variação Real
% do PIB
2002-2012 (%)
200 Tota Per
2012
2 l Capita
Benefícios ao Idoso (BPC – LOAS)1,2 0,08 0,29 479 421
Benefícios previdênciarios urbanos = 1 SM 3 0,80 1,26 165 138
Benefícios previdenciários rurais = 1 SM3 1,12 1,53 130 107
Demais benefícios previdenciários do RGPS 4,04 4,41 84 66
Aposentadorias e pensões dos servidores públicos
2,03 1,68 40 26
federais4
Total da despesa pró-idoso (A) 8,07 9,16 92 72
Total da despesa primária (B) 15,72 18,28 96 77
(A)/(B) 51,3 50,1
% %
Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional (resultado primário do Governo Central), Boletim Estatístico de Pessoal,
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e Anuário Estatístico da Previdência Social.
1 Exclui os benefícios pagos aos deficientes no âmbito da LOAS.
2 MDS (http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/indice.htm).
3 Calculado aplicando-se a participação percentual dos benefícios urbanos e rurais na despesa total de 2011 à
despesa total de 2012.
4 Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Boletim Estatístico de Pessoal.
Nota: Cálculos para a abertura dos dados em benefícios até um salário mínimo e demais benefícios são de autoria
de Marcelo Abi-Rama Caetano, gentilmente cedidos ao autor.
Deflator: IPCA.
Elaborado pelo autor.

Embora não esteja no escopo deste livro uma discussão detalhada dos
problemas da Previdência Social brasileira,252 a comparação acima deixa
evidente que é grande o peso previdenciário sobre a despesa total do setor
público. As consequências do desequilíbrio previdenciário para as finanças
públicas são pesadas. A expansão dessa modalidade de despesa tem papel
fundamental na dinâmica do modelo de baixo crescimento com redistribuição
dissipativa.
Foi esse peso econômico que levou três governos, de dois partidos distintos,
a propor reformas previdenciárias ao Congresso. Foram aprovadas reformas
em 1998, 2003 e 2012. Estas reformas instituíram mecanismos de controle da
despesa previdenciária e de redução de privilégios, ampliando a idade mínima
para aposentadoria e promovendo redução nos valores recebidos por aqueles
que se aposentam mais cedo (fator previdenciário). A última reforma, de
2012, instituiu um fundo de pensão para os servidores públicos para evitar
que o Governo Federal tenha que custear aposentadorias acima do valor
máximo pago aos trabalhadores do setor privado.253
A aprovação de tais reformas, contudo, ocorreu na contramão dos incentivos
políticos existentes, que induzem os políticos a tentar agradar ou não
desagradar grupos homogêneos e bem organizados. Por isso, as tentativas de
reforma sofreram forte resistência no Congresso: os textos finais aprovado
ficaram muito aquém da reforma inicialmente proposta.254
Ademais, diversos projetos apresentados e até aprovados no Congresso
Nacional constituem verdadeiras contrarreformas. Aprovou-se, em 2013, a
aposentadoria especial para deficientes físicos255 e há uma série de projetos,
com forte apoio de sindicatos de trabalhadores e associações de aposentados,
que propõem, por exemplo: a extinção do “fator previdenciário” (que
permitiria aposentadorias mais cedo com valores mais altos); aposentadoria
especial (com menor tempo de contribuição) para categorias profissionais
específicas; fim da contribuição previdenciária de aposentados que voltam a
trabalhar (há projetos no Congresso e ações na justiça); reajuste dos
benefícios acima de um salário mínimo pelo mesmo fator de reajuste desse
piso; cálculo do benefício com base no número de salários mínimos à época
da contribuição; cálculo dos benefícios com base em salários mais elevados
recebidos ao longo da vida laboral.256
As políticas pró-idoso não se restringem, contudo, aos benefícios
previdenciários. A Tabela 5.1 mostra que a despesa com os Benefícios de
Prestação Continuada (BPC) – também indexado ao salário mínimo – mais
que dobrou como proporção do PIB entre 2002 e 2010. Isso se deu não
apenas em função de reajustes reais do salário mínimo, mas também por
redução da idade mínima para que o idoso se tornasse elegível para o
programa. Quando aprovada a Lei Orgânica de Assistência Social,257 era
necessário ter 70 anos ou mais para receber o benefício. Tal idade foi reduzida
para 67 anos258 e, posteriormente, para 65 anos pelo chamado “Estatuto do
Idoso” .259
O Estatuto do Idoso representa um símbolo da preferência dos políticos pela
criação de benefícios para a terceira idade. Além reduzir a idade para
concessão do BPC, esse Estatuto criou diversos outros benefícios para o seu
público-alvo, tais como: direito a pagar meia-entrada em espetáculos
culturais; gratuidade no transporte público urbano e semiurbano; duas vagas
gratuitas em veículos de transporte interestadual e desconto de 50% nas
demais vagas (nesse caso, para idosos de baixa renda); prioridade no
recebimento de restituição do Imposto de Renda; fornecimento gratuito de
medicamentos, órteses e próteses; vedação a reajustes de planos de saúde
privados para clientes com 60 anos ou mais; proibição de fixação de idade
máxima para candidatos em concursos públicos; proibição de cobrança de
custas judiciais em causas que defendam direitos inscritos no Estatuto.
Todos esses benefícios geram custos a serem pagos por alguém. Tome-se,
como exemplo, a proibição de reajustes de planos de saúde para maiores de
60 anos. Na prática, acabam ocorrendo várias consequências: (a) os mais
jovens pagam mais caro do que deveriam, para compensar os planos de saúde
pela menor rentabilidade dos clientes idosos; (b) as mensalidades sofrem
fortes reajustes quando o cliente chega aos 59 anos; (c) os planos de saúde
criam resistências burocráticas e operacionais a aceitar pessoas de idade mais
avançada e deixaram de ofertar planos individuais para essa clientela. Ou
seja, tanto jovens quanto idosos arcam com os custos da restrição regulatória
e a sociedade como um todo perde em função das distorções de preços e da
burocracia decorrentes da norma. Alguns idosos que conseguem ter planos
mais baratos ganham, mas isso está longe de ser uma regulação sem custos
para a sociedade.
Além dos benefícios explícitos do Estatuto do Idoso, há uma série de
declarações genéricas naquele Estatuto que servem como embasamento
jurídico para eventuais ações judiciais contra o setor público, no espírito
descrito na seção anterior (rent-seeking em disputas judiciais), como, por
exemplo:
Art. 9o. É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à
saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um
envelhecimento saudável e em condições de dignidade.
Esse tipo de garantia genérica, associada à gratuidade do uso da justiça na
defesa de direitos inscritos no Estatuto, tem o poder de incentivar o
ajuizamento de causas de interesse coletivo.
Qual o problema em se dar tanta ênfase aos idosos? Eles não deveriam ser,
de fato, um grupo sob cuidados especiais do governo, tendo em vista as
vulnerabilidades trazidas pela idade? O problema é que recursos públicos são
escassos e, para gerar os melhores resultados possíveis, devem ser alocados
de forma eficiente. Se o objetivo do governo ao direcionar tantos gastos e
regulação a favor dos idosos é reduzir a desigualdade e a pobreza, então não
está mirando o alvo correto. Estudo já citado de Ricardo Paes e Barros e
coautores afirma, por exemplo, que:
(...) a pobreza ainda é dez vezes maior entre as crianças que entre os idosos,
mas a média das transferências públicas sem contrapartida de contribuição
feitas a um idoso são pelo menos 20 vezes maiores que a média das
transferências feitas para uma criança. (...) Há amplo espaço para se otimizar
a política social sem que isso requeira recursos fiscais adicionais.260
Armando Castelar Pinheiro e Fábio Giambiagi, em sua obra conjunta
Rompendo o marasmo: a retomada do desenvolvimento no Brasil, afirmam
que do total de indigentes no Brasil no ano 2000, 44,8% tinham até 15 anos,
enquanto apenas 1,9% tinham mais de 65 anos. Na mesma direção, o já citado
livro de Francisco Ferreira e coautores argumenta que:
(...) no Brasil metade das crianças vive em domicílios que estão abaixo da
linha de pobreza de US$ 4 por dia, e outros 30% vivem em famílias
vulneráveis; portanto 80% das crianças brasileiras estão crescendo em lares
que não são nem de classe média nem de classe alta.261
Ou seja, focar gastos sociais nos idosos significa errar grosseiramente o alvo
da pobreza no Brasil. De fato, como visto no Capítulo 2, as despesas da
Previdência Social, pública e privada, são concentradoras de renda.
Justamente porque a população idosa está mais concentrada nas faixas média
e alta de renda. Já o Programa Bolsa Família, que está parcialmente vinculado
à existência de crianças no lar, tem, como visto no Capítulo 2, elevado poder
de reduzir a pobreza e a desigualdade.
Consumir o grosso dos recursos disponíveis com os idosos e deixar as
crianças em segundo plano não é apenas um erro em termos de política de
redução da pobreza. Significa também minar as possibilidades de
desenvolvimento futuro, pois se está criando uma futura geração de adultos e
trabalhadores com deficiências de toda ordem, e, portanto, menos capazes e
produtivos. Há, também, custos de oportunidade em se preferir gastar com a
previdência e assistência do idoso em detrimento de investimentos em
infraestrutura, educação e saúde, que têm óbvios impactos positivos sobre a
produtividade e o crescimento econômico.
Ademais, nada impede que se busque uma sintonia fina nas políticas sociais
com vistas a atender os idosos pobres, juntamente com o restante de sua
família, a um custo menor para o erário. Há políticas que favorecem idosos
que não são pobres (aposentadorias e pensões do setor público e aquelas do
setor privado acima de 1 salário mínimo). Há, por outro lado, programas
relativamente bem focalizados em idosos pobres (BPC e aposentadorias e
pensões de um salário mínimo), mas que têm alto custo. Por fim, há políticas
pró-idoso que beneficiam pessoas da terceira idade independentemente de sua
renda (privilégios garantidos pelo Estatuto do Idoso). O ideal seria afunilar as
políticas na direção daquelas que atendam os idosos pobres, ao menor custo
possível.
No entanto, o que se percebe, em primeiro lugar, é que parcela substancial
da despesa a favor dos idosos não atinge os mais pobres. A soma dos gastos
com benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) acima de um
salário mínimo e com aposentadorias e pensões dos servidores públicos
atingiu, em 2012, nada menos que 6,09% do PIB ou 66% do gasto pró-idosos.
Essa parcela não deve ser tratada como política social ou de redução da
pobreza, simplesmente porque não está voltada para os pobres. Por isso,
devem-se buscar parâmetros de sustentabilidade financeira ao longo do
tempo, tais como a fixação de idade de aposentadoria adequada à expectativa
de vida, restrições a aposentadorias especiais e outros tratamentos
privilegiados. A tão demandada reforma da Previdência deve aplicar-se a esse
subconjunto de benefícios.
Em segundo lugar, é preciso questionar a lógica que sustenta os privilégios
contidos no Estatuto do Idoso, que atingem tanto os idosos pobres quanto os
que não são pobres. Um magnata de 60 anos tem direito a andar de ônibus
urbano ou interestadual de graça da mesma forma que um idoso pobre. Não
há qualquer justificativa ética ou moral que justifique a gratuidade a um idoso
que pode pagar pelo serviço, repassando-se os custos aos demais usuários.
Portanto, é preciso ajustar privilégios e concessões para que eles atendam a
clientelas pobres.
Em terceiro lugar, observa-se que há uma possível sobreposição de políticas
pró-pobres. Ao mesmo tempo em que o Bolsa Família cuida de famílias de
baixa renda, o BPC e as aposentadorias de um salário mínimo cuidam de
famílias de baixa renda com idosos. Certamente há espaço para racionalizar
essa sobreposição por meio, por exemplo, da substituição do BPC e das
aposentadorias obtidas sem a devida contribuição por uma política
assistencial integral à família. Uma espécie de Bolsa Família ampliado, que
levasse em conta a presença de idosos carentes no domicílio pobre atendido.
Isso deve ser feito, sobretudo, porque os benefícios aos idosos pobres
indexados ao salário mínimo custam muito caro. Como mostrado na Tabela
5.1, o BPC pago aos idosos tem um custo equivalente a 0,29% do PIB por
ano, equivalente a 60% do custo total do Programa Bolsa Família, que, em
2012, custou 0,48% do PIB.262 Quando olhamos o número de beneficiários,
porém, temos que o Bolsa Família atende 13,4 milhões de famílias,263
enquanto o BPC sustenta apenas 1,75 milhões de idosos.264 É forçoso concluir
que, embora redistribuidor de renda e redutor da pobreza (como visto no
Capítulo 2), o BPC tem custo fiscal mais alto. Torna-se, pois, necessário
buscar atingir o idoso pobre de forma que tenha maior amplitude e menor
custo.
Não é simples, contudo, implantar esse tipo de sintonia fina nas políticas
sociais. Esse tipo de separação não interessa aos grupos de idosos ou futuros
aposentados que não são pobres e que utilizam os idosos pobres como
argumento em seus pleitos políticos. Para quem deseja manter privilégios, o
ideal é estar misturado a aposentados rurais e urbanos pobres, que se tornam
símbolo de “injustiças” cometidas por aqueles que desejam reformar a
Previdência. É preciso manter, para fins de barganha política, a imagem
incorreta de que todos os idosos são pobres e carentes de políticas públicas
preferenciais.
Certamente o viés a favor dos idosos não é um caso de miopia política.
Como argumentado, trata-se de um cálculo político em busca de votos. As
crianças, que não votam, possivelmente serão as prejudicadas, a menos que
tenham um avô ou pai aposentado ou pensionista dentro de casa.
Um exemplo extremo do desejo da classe política em “ficar bem na foto”
com eleitores da terceira idade é o programa “Viaja Mais Terceira Idade”. Por
meio desse programa, o Ministério do Turismo promove acordos com
operadores de turismo para oferecer pacotes de viagem a pessoas idosas com
descontos, sob o pretexto de ajudar na sua “inclusão social”. É sabido que
pacotes de viagem são um bem de consumo típico das classes média e alta, e
estão longe de constituir bens essenciais. Portanto, cabe perguntar: que
inclusão social é essa? Pode-se até argumentar que não há subsídio público
envolvido no programa (o que não é algo claro, tendo em vista a presença de
bancos públicos financiando as compras das viagens, o que pode embutir
subsídio creditício). O simples fato, porém, de haver uma estrutura de serviço
público, consumindo horas de trabalho, material e espaço físico do Ministério
nesse tipo de programa já seria questionável. Se há um nicho de mercado para
se expandir o turismo entre os idosos, o mercado privado pode dar conta
disso, sem necessidade de envolvimento de meios e recursos públicos: não há
qualquer “falha de mercado” que justifique a intervenção governamental. Em
suma, os idosos parecem atrair a atenção dos políticos por serem um grupo
com demandas homogêneas (principalmente previdência), contarem com
organizações e sindicatos bem estruturados, possuírem uma imagem social de
vulnerabilidade e terem demandas que são fáceis de atender em termos
operacionais (basta transferir renda, não é necessário construir infraestrutura
ou prestar serviços que envolvam dificuldades logísticas). Não se trata de uma
simples questão técnica ou administrativa a remodelação dessa política e a
redução dos seus impactos adversos sobre a desigualdade, a pobreza e o
crescimento econômico. Há, por trás, a lógica política e a disputa rent-seeking
descrita na seção 5.2.

5.5 A educação pública que não vai para os mais pobres


Na seção 4.4, do Capítulo 4 argumentou-se que a expansão da Educação
Pública Básica, que vai da Educação Infantil ao Ensino Médio, teria sido uma
expressão da redistribuição para os pobres. Nem toda educação pública,
contudo, atende preferencialmente aos mais pobres. O ensino universitário
público brasileiro é tradicionalmente elitista, sendo majoritariamente
frequentado por estudantes de classe média e alta.
Essa é uma característica histórica do país, que se acentuou durante o
governo militar. Com a abertura democrática, esse foi um privilégio mantido
pelas classes de renda intermediária e alta mediante forte resistência a
reformas do ensino universitário. Em especial, resiste-se à instituição do
ensino pago em universidades públicas, que se mantém gratuita para todos,
independentemente do nível de renda e da capacidade de pagamento do aluno.
Trata-se de uma situação que, no Quadro 5.1, poderia ser classificada na
célula C: uma minoria privilegiada tem forte incentivo para lutar pela
manutenção do privilégio. Por outro lado, os potenciais beneficiários (por
exemplo, estudantes de ensino público básico que teriam mais verbas em suas
escolas) estão desmobilizados e não percebem o potencial de benefício de
uma reforma que viesse a abolir o privilégio.
Não é uma exclusividade brasileira o fato de as classes de renda média e alta
capturarem parte substancial dos gastos públicos em educação universitária.
Nancy Birdsall e Estelle James, do Banco Mundial, descrevem esta como
sendo uma realidade de vários países em desenvolvimento:
Muitos países gastam uma parcela desproporcional dos seus orçamentos
totais de ensino no nível terciário. Este também é o nível que beneficia mais
os grupos de renda mais alta: uma grande despesa está concentrada em um
pequeno número de alunos abastados, em contraste ao ensino primário, que
beneficia desproporcionalmente os pobres. (...) As universidades públicas
normalmente não têm barreiras de renda para o ingresso. No entanto, elas
contam com barreiras acadêmicas, que são mais propensas a serem
superadas por famílias de alta renda, cujos filhos completaram o ensino
primário, frequentaram uma escola secundária de alta qualidade, pagaram
por aulas particulares, e passaram no exame de admissão para as prestigiadas
instituições públicas.265
Tony Addison e Aminur Rahman, em um estudo para as Nações Unidas,266
apresentam evidências estatísticas de correlação entre desigualdade
econômica e a relação entre gastos no ensino superior em relação ao ensino
primário para um conjunto de países em desenvolvimento: quanto maior a
desigualdade, maior a vantagem financeira do ensino superior.
A Tabela 5.2 reproduz estatística compilada por Fernando Veloso,267 que
mostra a prevalência dos gastos em favor do ensino superior em detrimento
dos demais. Observa-se ali que, no Brasil, se gasta com cada aluno em
universidades públicas o equivalente a 93% do PIB per capita do país. Já no
ensino fundamental esse gasto equivale a apenas 18% do PIB per capita. Isso
significa que se gasta 5,2 vezes mais com o aluno universitário do que com o
aluno nos primeiros anos de escola. Dos países apresentados, apenas a Índia
tem proporção maior que a do Brasil. Os vizinhos Chile e Argentina, por
exemplo, gastam praticamente o mesmo montante por aluno no ensino
fundamental e no ensino superior público. A Coreia do Sul, referência
internacional de educação de excelência, gasta mais com os alunos do
fundamental do que com os universitários. Na relação entre ensino médio e
ensino superior, o Brasil é, de longe, o país com o maior viés a favor do aluno
universitário.
TABELA 5.2 Gasto público em educação por aluno em relação ao PIB per
capita, por nível de ensino – vários países (2008)

Fundamenta Médi Superio Superior/Fundamenta Superior/Médi


l o r l o
(A) (B) (C) (D) = (C)/(A) (E) = (C)/(B)
Índia 8,9 16,2 55,0 6,2 3,4
Brasil 18,0 13,4 93,2 5,2 7,0
México 13,4 13,8 35,4 2,6 2,6
Uruguai 8,5 10,4 18,1 2,1 1,7
França 17,1 26,6 33,5 2,0 1,3
Irlanda 15,0 22,8 26,4 1,8 1,2
Reino
22,1 27,3 29,2 1,3 1,1
Unido
Portugal 22,4 34,0 28,8 1,3 0,8
Espanha 19,4 24,0 23,5 1,2 1,0
Estados 22,2 24,6 25,4 1,1 1,0
Unidos
Argentin
13,2 20,3 14,2 1,1 0,7
a
Chile 11,1 12,4 11,5 1,0 0,9
Japão 21,9 22,4 19,1 0,9 0,9
Coreia
17,2 22,2 9,5 0,6 0,4
do Sul
Fonte: Veloso (2011).

Considerando valores em dólares, o Brasil gastou, em 2010, com alunos da


educação pública primária o equivalente a US$ 2,8 mil per capita, contra US$
8 mil per capita da média dos países da OCDE, uma diferença de 186% em
favor desses últimos. Já no ensino superior público, o Brasil gastou US$ 13,1
mil por aluno, contra US$ 13,5 mil da média da OCDE. Nesse caso, a
diferença a favor da OCDE é de apenas 3%.268
Esse viés pró-universidade tem reflexo significativo no gasto total. A Tabela
5.3 mostra que, não obstante tenha havido grande impulso no gasto com a
educação pública básica entre 2001 e 2011 (analisado na seção 4.4), o ensino
superior conseguiu manter praticamente constante a sua participação no gasto
total, com uma pequena queda de 18% para 17%.
TABELA 5.3 Gasto público em educação por nível de ensino no Brasil: 2001
versus 2011

Variação Real 2001-


% do PIB
2011(%)
200 201
Total
1 1
Educação básica (educação infantil ao ensino
3,30 4,39 125
médio) (A)
Educação Superior (B) 0,74 0,88 99
Total (C) 4,05 5,26 120
(B)/(C) 18% 17%
Fontes: INEP-MEC e Receita Federal do Brasil.
Deflator: IPCA. Elaborado pelo autor.

Tal prevalência do ensino superior pode ser considerada uma vitória dos
grupos por ele privilegiados: os estudantes de renda média e alta, que têm
maior capacidade de aprovação nos concorridos processos de seleção. O
método político de manutenção de tal privilégio é similar ao utilizado por
grupos de interesse com nível de renda similar dedicados a barrar reformas
previdenciárias (seção 5.4).
Naquele caso, trabalhadores e aposentados de renda média e alta misturam-
se aos aposentados pobres e apresentam a reforma previdenciária como um
atentado contra os “pobres velhinhos”. No caso universitário, é muito comum
o discurso da “universidade pública, gratuita e de qualidade para todos”. Tal
discurso universalista utiliza-se do falacioso argumento de que a introdução
de pagamento pelo ensino universitário barraria o acesso dos pobres,
incapazes de pagar por seus estudos. Na verdade, o acesso dos pobres já é
travado antes, pelo grau de dificuldade dos exames e pela sua frágil educação
fundamental e média.
Ademais, o argumento faz pouco caso da restrição orçamentária do setor
público e da necessidade de se fazer escolhas: simplesmente reivindica o
melhor para todos. Não considera, por exemplo, que a cobrança de anuidades
aos alunos universitários poderia cobrir parte dos custos de seu ensino,
liberando verbas a serem aplicados na educação básica, melhorando sua
qualidade e elevando o nível geral de ensino. Tampouco considera que um
sistema de bolsas de estudos aos alunos sem capacidade de pagamento
poderia solucionar o problema da inclusão social.
Não obstante seja frágil do ponto de vista racional, o discurso universalista
de ensino superior para todos tem forte apelo político. Ele reproduz o
fenômeno central retratado neste livro: a busca da inclusão dos mais pobres e
de grupos de renda média com peso eleitoral sem a quebra dos privilégios dos
mais ricos. É mais uma versão da contraditória ideia de universalização dos
privilégios.
E, de fato, a política de ensino superior do Governo Federal acabou
seguindo esse caminho universalista. Nas universidades públicas, houve
grande ampliação no número de vagas ofertadas, o que permitiu absorver
alunos com notas mais baixas nos processos seletivos. Além disso, têm sido
criadas diversas cotas, tanto para incluir os mais pobres, provenientes de
escolas públicas, como para incluir grupos étnicos (justamente uma categoria
típica de grupos de renda média que ganharam voz após a redemocratização).
As cotas raciais tendem a beneficiar desproporcionalmente os indivíduos
negros e pardos de renda média, que têm melhores condições de obter
preparação de qualidade para os exames vestibulares.
Adicionalmente, o Governo Federal vem comprando, por meio de isenções
tributárias, vagas em universidades privadas, oferecidas a alunos que
cursaram o Ensino Básico em escolas públicas, por meio do Programa Prouni.
Pouca exigência é feita acerca da qualidade dos cursos com vagas
subsidiadas, de modo que a ampliação de tais vagas tende a puxar para baixo
a qualidade média do ensino universitário.
Esse tipo de política reforça o peso do custo do ensino universitário na
despesa total com educação e tem duvidosos resultados do ponto de vista do
aprendizado.
Mas o alto peso do ensino superior no custo da educação não é reflexo
apenas da manutenção de privilégios históricos de camadas de renda média e
alta. Sobreposto a esse fenômeno, há outra camada de privilégios: a dos
professores e trabalhadores administrativos das universidades, que, na
condição de funcionários públicos, gozam de estabilidade no emprego e
diversos outros privilégios, a serem analisados na próxima seção, e que
ajudam a reduzir a produtividade e a qualidade do ensino.
Em suma, o alto custo fiscal e a baixa qualidade e produtividade do ensino
universitário brasileiro parecem decorrer da combinação de diversos
privilégios, tanto do lado dos demandantes dos serviços prestados (alunos)
quanto dos ofertantes (professores e funcionários). A política governamental
tenta manter os privilégios antigos (gratuidade, estabilidade de professores e
funcionários, remuneração e aposentadoria favorecidas), ao mesmo tempo em
que tenta ampliar o acesso aos eleitores pobres e/ou com capacidade de
reivindicação (grupos étnicos organizados).
Cai a qualidade e aumenta o custo fiscal. Mais uma vez aciona-se o ciclo da
pressão fiscal e da baixa produtividade que caracterizam o modelo de baixo
crescimento com redistribuição dissipativa.

5.6. A força política dos servidores públicos


Os servidores públicos brasileiros ganham mais que os trabalhadores do setor
privado. Diversos estudos269 mostram que, quando se comparam brasileiros
com as mesmas características socioeconômicas (grau de escolaridade, local
de residência, gênero, raça, experiência etc.), aqueles empregados no setor
público ganham mais. Na mais recente estimativa, Ana Luiza de Holanda
Barbosa e Fernando de Holanda Barbosa Filho, em um estudo para o IPEA,
encontram que os homens servidores públicos ganham, em média, 12,8%
acima dos indivíduos de características similares empregados no setor
privado; enquanto o diferencial entre as mulheres é ainda maior: 18%. Além
disso, os servidores público gozam de vantagens adicionais substanciais, tais
como aposentadorias com remuneração mais elevadas que as do setor privado
(apesar das recentes reformas previdenciárias)270 e estabilidade no emprego.
Em termos de nível de renda, os servidores públicos podem ser
considerados, em sua maioria, como membros das classes de renda média e
alta. A Tabela 5.4 mostra que os empregados do setor público representam
quase 30% da classe alta (renda per capita diária superior a US$ 50) e apenas
5,5% dos pobres (menos de US$ 4 por dia), com um perfil inverso ao do setor
privado, cuja participação decresce à medida que se eleva a escala de renda.
TABELA 5.4 Emprego público e privado de trabalhadores entre 25 e 65
anos por classe de renda no Brasil (2009)

Privado Público
Pobre 94,6 5,4
Vulnerável 90,1 9,9
Classe Média 81,4 18,6
Classe Alta 70,2 29,8
Fonte: Ferreira et al. (2013, p. 153).
Nota: Pobre = renda per capita diária inferior a US$ 4; Vulnerável = renda per capita diária entre US$ 4 e US$ 10;
Classe Média = renda per capita diária entre US$ 10 e US$ 50; Classe Alta = renda per capita maior que US$ 50.
Valores em dólares de 2005 pela paridade de poder de compra.

Note-se que, entre as diferentes estratificações de renda utilizadas no


Capítulo 2, aquela proposta por Francisco Ferreira e coautores, utilizada na
Tabela 5.4, era a que estabelecia limites mais altos para definir as classes
média e alta. Mesmo com essa classificação, que eleva a remuneração mínima
necessária para se classificar uma pessoa como de classe média ou alta, os
servidores públicos têm grande presença nessas classes.
Para dar outro exemplo, utilizando diferente métrica de estratificação de
renda, lembremos que na seção 2.7 do Capítulo 2 foi visto que, tomando por
base a Pesquisa de Orçamento Familiar, pode-se considerar, em valores de
2012, que a classe alta começaria com uma renda mensal domiciliar per
capita de R$ 1.661,00. Uma família de três pessoas com uma única fonte de
renda passaria da classe média para a classe alta com uma renda de
aproximadamente R$ 5 mil. Consultando-se a estrutura de remuneração dos
servidores públicos federais,271 raramente se encontra uma carreira de nível
médio ou superior cuja remuneração seja inferior a esse valor. Um
profissional de nível superior do Banco Central, por exemplo, que tem uma
remuneração baixa em comparação com outras carreiras similares, tem salário
inicial de R$ 5,1 mil e termina em R$ 8,9 mil. Há, contudo, diversas
gratificações que se acumulam ao longo da carreira, que chegam a dobrar a
remuneração básica. Não é difícil encontrar na tabela de remunerações
carreiras cujos vencimentos básicos, antes das gratificações, superam os R$
12 mil mensais.
Esse resultado é coerente com o achado de Pedro de Souza e Marcelo
Medeiros, reportado na seção 2.2 do Capítulo 2, segundo o qual a
remuneração dos servidores públicos tem forte efeito concentrador de renda.
Isso significa que ela é recebida majoritariamente por pessoas nos níveis
superiores da distribuição de renda.
Um professor universitário em tempo integral nos Estados Unidos ganha, em
média, US$ 135 mil por ano.272 Com frequência não possui estabilidade no
emprego e atua em um mercado de trabalho altamente competitivo, no qual
entram milhares de doutores todos os anos. Precisa publicar intensamente
artigos em periódicos de alta reputação, estando em permanente avaliação por
seus alunos e seus pares. Na universidade pública brasileira, os professores
são funcionários públicos com estabilidade no emprego e muito menor
pressão para produção, e sua remuneração pode chegar a US$ 85 mil por
ano,273 sem contar as inúmeras gratificações que se somam ao salário básico.
A diferença de remuneração entre um professor universitário norte-
americano e um brasileiro é, de acordo com os números acima, de apenas
60%, enquanto a diferença no PIB per capita dos dois países é de 377%.274
Outra categoria de servidores públicos, os juízes brasileiros, estão entre os
mais bem remunerados do mundo. Relatório elaborado pela Secretaria de
Reforma do Judiciário,275 órgão do Ministério da Justiça, afirma que:
Os juízes federais brasileiros de 1a instância tiveram salários superiores aos
de todos os países, menos Canadá. Os magistrados de 2a instância tiveram
salários superiores aos de todos os países, à exceção de Colômbia e Canadá.
(...)
É evidente que há categorias mal remuneradas no serviço público e muita
desigualdade entre carreiras. Por exemplo, Gabriela Moriconi276 indica que
professores do Ensino Básico que têm diploma de nível superior encontram
ocupações com remuneração mais atraente no setor privado. Mesmo nesses
casos, porém, a remuneração do setor privado não é superior em todos os
casos: professores em início de carreira, sem nível superior completo ou do
sexo feminino ganham mais do que no setor privado. Há, ainda, que se
considerar as vantagens adicionais da aposentadoria com salários mais
elevados e a estabilidade no emprego.
A maior remuneração e as vantagens oferecidas pelo emprego público
transformaram os concursos públicos em verdadeira febre em todo o país. Um
concurso para o Ministério Público da União em 2013, por exemplo, registrou
mais de 800 mil candidatos para 147 vagas: quase 5.500 candidatos por
vaga.277 Há um amplo mercado de preparação para concursos e para produção
e venda de apostilas. Emissoras de rádio têm programas especiais com dicas
para esses certames. As versões eletrônicas dos principais jornais do país têm
blogs de alta popularidade sobre o tema. O Congresso Nacional foi instado a
votar uma lei geral de concursos públicos, para fixar regras gerais que
garantam isonomia, em função do amplo interesse social no assunto. A busca
do emprego público tomou tal dimensão social que chegou a inspirar comédia
teatral de grande sucesso. Em Como passar em concurso público, os atores
parodiam a rotina, comum entre jovens, de estudar intensamente ao longo de
anos para ter acesso ao tão sonhado emprego. Um tema a ser investigado é o
impacto econômico do tempo dedicado aos estudos preparatórios (e não a
outras atividades mais produtivas) por milhões de jovens no auge de sua
capacidade laboral, incluindo muitas das pessoas mais talentosas recém-
saídas das universidades.
Os servidores públicos conseguiram chegar a essa condição privilegiada
devido a uma combinação de fatores que lhes permitiu uma posição política
de força para suas reivindicações. Nos termos propostos por James Robinson,
em seu – várias vezes citado – estudo sobre a economia política da
redistribuição,278 alguns grupos de servidores têm proximidade dos centros
decisórios e convivem no mesmo ambiente profissional e social que os
políticos; outros grupos de servidores têm grande capacidade de ação coletiva
por meio de seus sindicatos e associações. Com isso conseguem pressionar
por políticas do tipo da célula B do Quadro 5.1: benefícios concentrados a seu
favor e custos difusos distribuídos por toda a sociedade, via tributação.
Como em qualquer lugar do mundo, há grupos de servidores que desfrutam
de grande proximidade com os centros de decisão política, assessorando os
políticos nos momentos de decidir reajustes salariais, planos de carreira,
abertura de novas vagas etc. Podem, portanto, exercer influência em assunto
de seu interesse. Outros detêm poder em função de suas atividades
profissionais, como, por exemplo, os responsáveis pela arrecadação tributária:
qualquer paralisação de suas atividades afeta o fluxo de receita e coloca em
xeque a capacidade do Estado para honrar compromissos.
Essa típica posição privilegiada foi reforçada por alguns dispositivos da
Constituição de 1988, que ampliaram o poder de mobilização e ação coletiva
dos servidores. A nova Carta deu aos servidores civis o direito de fazer
greve,279 o que não só era proibido anteriormente, mas também considerado
crime. Ao mesmo tempo, foi preservada a estabilidade dos servidores no
emprego.280 O direito de greve deveria ter sido regulamentado por lei
específica, porém tal lei permanece pendente de aprovação.
A combinação desses fatores tornou a greve um instrumento de alta relação
benefício-custo para os servidores. Eles podem fazer greve sem o medo de
serem demitidos. A inexistência de uma lei definindo limites e condições para
a realização de greves deixou espaço livre para paralisações sem grandes
restrições, abrangendo até mesmo categorias de serviços essenciais, tais como
médicos ou policiais; que podem parar por tempo indefinido. Tampouco há
regras limitantes da greve, tais como a manutenção de um percentual mínimo
de funcionamento dos serviços, aviso da iminência de greve com
antecedência mínima, desconto dos dias parados etc.
Em setembro de 2007, o Supremo Tribunal Federal, frente à inexistência da
regulamentação da greve de servidores, determinou que fosse seguida a lei
vigente para o setor privado281 “naquilo que couber”. Com base nessa
legislação, seria possível, por exemplo, impor descontos por dias parados ou
restringir a amplitude das paralisações. Na prática, contudo, a força política
dos servidores e o fato de os advogados do governo nessa questão também
serem servidores têm resultado na ausência de aplicação da determinação.
A consequência é que os servidores fazem proporcionalmente mais greves
que o setor privado. Além disso, suas greves duram muito mais tempo, pois
são remotas as ameaças de desconto dos dias parados ou de compensação de
horas não trabalhadas, bem como inexiste a ameaça de demissão. A Tabela
5.5 reflete tal realidade. Embora os servidores públicos representem 25% da
força de trabalho formal,282 eles realizaram 44% das greves ocorridas em
2012. Além disso, salta aos olhos a diferença em relação ao setor privado no
que diz respeito às horas paradas: 74% das horas paradas foram de servidores
públicos. Em média, uma greve de servidores teve 172 horas paradas, contra
apenas 46 do setor privado.
A título de exemplo, em 2012, houve uma greve de professores das
universidades públicas federais que durou 120 dias. No momento da redação
deste livro, ocorria uma paralisação dos professores da rede pública municipal
do Rio de Janeiro com duração que superava os 60 dias. Esse tipo de
movimento não representa caso isolado, mas sim um fato cotidiano para
várias categorias de servidores públicos.
TABELA 5.5 Total de greves e horas paradas nas esferas pública e privada
(2012)

Horas Média de Horas Paradas (C) =


Greves
Paradas (B)/(A)
Número
% Número (B) %
(A)
Funcionalismo
380 43,7 65.393 74 172
público
Empresas estatais 28 3,2 1.434 2 51
Setor privado 461 53,0 21.223 24 46
100, 10
TOTAL 869 88.050 101
0 0
Fonte: DIEESE (2012). Elaborado pelo autor.

Em consequência, o Estado se torna mais fraco e incapaz de impor sanções


aos servidores grevistas, pouco restando senão atender as reivindicações ou
ver a popularidade dos dirigentes públicos cair ao longo dos meses em que os
serviços públicos ficam paralisados. Até mesmo o ex-Presidente Lula, um
sindicalista de profissão, exasperou-se com a excessiva liberalidade para
greves no setor público, tendo afirmado em entrevista:
O que não é possível, e nenhum brasileiro pode aceitar, é alguém fazer 90
dias de greve e receber os dias parados, porque, aí, deixa de ser greve e
passa a ser férias.283
Em paralelo a esse fenômeno, outra característica da nova ordem
constitucional veio adicionar poder político aos servidores públicos: a
autonomia financeira dos Poderes Judiciário e Legislativo, além do Ministério
Público. Para garantir a autonomia política dos demais Poderes e órgãos de
controle em relação ao Executivo, a Constituição tratou de lhes garantir
autonomia administrativa e financeira. O art. 168 da Constituição veda o
contingenciamento da despesa dos Poderes autônomos, enquanto diversos
outros dispositivos dão liberdade para que aquelas esferas fixem seus próprios
orçamentos.
Essa autonomia foi utilizada, no melhor estilo rent-seeking, para elevar
salários e empregos naqueles Poderes. À sua burocracia foi garantido o poder
de ampliar o próprio orçamento (e a própria remuneração) ano após ano. As
carreiras do Poder Executivo, que têm maior poder de pressão, aproveitam a
oportunidade e permanentemente demandam equiparação salarial com os
outros Poderes.284
No Gráfico 5.1, observa-se que, nos primeiros anos da série, os Poderes e
órgãos autônomos têm um ritmo de crescimento da folha de pagamentos
muito mais intenso que o do Executivo. Até 2003, a folha do Executivo ficou
praticamente constante em termos reais, enquanto os demais Poderes tiveram
incrementos substanciais. A partir de 2003, dois novos fatos aconteceram.
Primeiro, assumiu um governo com fortes ligações sindicais, o que abriu
espaço para os pleitos dos servidores do Executivo.285 Segundo, o país saiu de
um período turbulento de crises fiscais e entrou na era do boom de
commodities, o que ampliou a capacidade fiscal do setor público e o espaço
para ceder a pressões por aumentos salariais. Com isso as demandas de
equiparação de remuneração do Executivo em relação aos outros Poderes
passaram a ser atendidas e a despesa de pessoal do Executivo começou a
subir mais intensamente.
GRÁFICO 5.1 Despesa anual de pessoal por poder (1996 = 100)

Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Boletim Estatístico de Pessoal. Vários números. Elaborado
pelo autor.

No que diz respeito a valores financeiros, a Tabela 5.6 mostra a grande


importância da despesa de pessoal no agregado das contas públicas. Entre
2001 e 2011, os gastos de pessoal da União cresceram 61% em termos reais,
praticamente o mesmo ritmo de crescimento do PIB. Já as despesas de
estados e municípios avançaram bem mais rápido.286 Tomando-se a despesa
total, temos que a despesa de pessoal mais que dobrou em termos reais,
passando a representar, em 2011, o equivalente a 46% de toda a carga
tributária.287 Trata-se, portanto, de despesa de alto valor e cuja evolução no
tempo é determinante para a trajetória de alta do gasto público.
TABELA 5.6 Despesa de pessoal e encargos sociais na União, estados e
municípios: 2001 versus 2011

Variação Real
% do PIB
2001-2011 (%)
2001 2011
União 5,55 5,24 61
Estados 4,37 6,00 134
Municípios 2,49 3,99 173
Total (A) 12,40 15,37 109
Carga Tributária (B) 31,87 33,51
(A)/(B) 39% 46%
Fontes: Ministério do Planejamento. Boletim Estatístico de Pessoal (vários números) e Receita Federal do Brasil.
Deflator: IPCA. Elaborado pelo autor.

Garimpando ganhos nos meandros da lei


Alguns episódios da história recente mostram a capacidade dos servidores
para explorar regras legais em seu favor, lançando mão tanto da sua
intimidade com o poder, quanto da capacidade de pressão de seus sindicatos.
O primeiro desses episódios diz respeito à transformação de servidores
contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em
servidores estatutários no âmbito do Regime Jurídico Único (RJU).
Essa transformação permitiu que aproximadamente 550 mil servidores
contratados sem concurso e sem direito a estabilidade no emprego passassem
a ter todas as vantagens inerentes a essa nova situação, principalmente no que
diz respeito à estabilidade e ao direito a receber aposentadoria integral.288
Os fatos se deram quando da aprovação da Lei no 8.112, de 1990, que dispõe
sobre o regime jurídico dos servidores públicos. Essa lei foi aprovada para
atender a exigência da nova Constituição de instituir um regime único de
contratação para os servidores.289 Havia, antes da Constituição, servidores
contratados pelo regime CLT (sem estabilidade) e servidores concursados e
estáveis, contratados com base no Estatuto dos Funcionários Públicos da
União (Lei no 1.711, de 1952). O uso intensivo da contratação via CLT havia
feito com que, à época, aproximadamente 550 mil servidores federais
estivessem sob o regime CLT, enquanto apenas 150 mil ainda fossem regidos
pelo regime estatutário.
A nova Constituição impunha condições para a transição de celetistas para o
RJU. Aqueles que não houvessem entrado por meio de concurso só poderiam
ser transferidos caso estivessem em efetivo exercício há pelo menos cinco
anos, continuados, antes da data de promulgação da nova Carta.290 Os que não
cumprissem tal requisito permaneceriam no regime da CLT. A transição
ocorreria, então, de forma gradual, à medida que os celetistas não transferidos
para o RJU fossem substituídos em decorrência de demissão, aposentadoria
ou falecimento.
A Lei no 8.112, de 1990, contudo, simplesmente desconsiderou os requisitos
previstos na Constituição e determinou a transferência imediata de todos os
celetistas para o RJU, sem exigência de concurso, mesmo para aqueles
admitidos à véspera da aprovação da Lei. De uma hora para outra, 550 mil
servidores federais passaram a gozar dos benefícios da estabilidade e,
principalmente, da Previdência pública, gerando forte peso nas contas
previdenciárias da União. Ocorreu um boom de aposentadorias logo após a
aprovação da nova Lei: em 1991, havia 542 mil inativos e pensionistas da
União; em 1994, esse número havia subido para 793 mil, um aumento de 46%
em apenas 3 anos.291 Pessoas que não haviam contribuído para a previdência
dos servidores (apenas para a previdência do setor privado, em valor bem
menor que o benefício a ser recebido), passaram a ter direito a aposentadoria
em valor integral.
A tramitação da Lei no 8.112, de 1990 no Congresso foi, obviamente, objeto
de forte interesse dos servidores públicos celetistas. O Governo Collor tentou
travar a tramitação do projeto, que havia sido enviado à Câmara durante o
Governo Sarney. Não teve sucesso, todavia. E até mesmo os vetos que impôs
à lei foram posteriormente derrubados.
História similar deu-se anos mais tarde com os servidores do Banco Central.
Logo após a redemocratização, uma das categorias sindicais mais fortes era a
dos bancários. Para tirar proveito da capacidade de negociação dessa
categoria, os servidores do Banco Central insistiam em permanecer como
bancários, lutando para não ingressar no RJU. Com o processo de automação
bancária, o poderio sindical dessa categoria diminuiu e passou a ser
interessante aos servidores do Banco Central migrar para o RJU. Em 1996,
uma decisão do STF determinou o definitivo enquadramento dos servidores
da autoridade monetária no RJU.292
Ao migrarem para a nova condição, na qual passariam a ter aposentadorias e
pensões integralmente bancadas pelo erário, os servidores simplesmente
receberam de volta todas as contribuições que haviam feito a seu fundo de
previdência privada. A decisão foi tomada pela direção do fundo de pensão
(CENTRUS), quase toda formada por funcionários do próprio Banco Central.
Não houve qualquer ajuste de contas no sentido de se calcular quanto as
aposentadorias e pensões futuras custariam, de modo a descontar parte das
contribuições ao fundo privado e transferi-la ao Tesouro. É verdade que, além
das contribuições ao fundo próprio de previdência, os servidores do Banco
Central também haviam contribuído para o INSS. Mas tal contribuição nem
de longe seria suficiente para cobrir as altas aposentadorias integrais a que
eles passaram a ter direito. O resultado foi a criação de um ônus
previdenciário futuro a ser custeado por toda a sociedade, em benefício
daquele conjunto de servidores.
Ainda nos anos 1990, vale relembrar o episódio da venda de imóveis
funcionais aos servidores públicos federais. Em nome de uma reforma
patrimonial, para diminuir o tamanho do Estado, o Governo Collor decidiu
colocar a venda aproximadamente 20.760 imóveis funcionais.293
Nada mais normal que um governo se desfazer de patrimônio que considera
desnecessário às suas funções. Ao fazê-lo, deve abrir uma licitação pública,
vendendo os bens em leilões, a quem pagar mais. A legislação,294 contudo,
continha um pequeno detalhe: a prioridade na compra seria para os servidores
públicos ocupantes dos imóveis. Quem, por obra da roleta da sorte, estivesse
ocupando um apartamento funcional no ano de 1990, passou a ter situação
privilegiada para comprá-lo.
Ainda que a lei determinasse que as vendas deveriam ser a preço de
mercado, na prática os preços, definidos por avaliação da Caixa Econômica
Federal, e as condições de pagamento, foram bastante favorecidas aos
servidores.
O decreto que regulamentou a venda estabeleceu que deveriam ser
descontados do preço de avaliação “fatores que, comprovadamente, resultem
da prática de distorções especulativas”.295 Não se sabe, contudo, que critérios
foram usados para se extirpar os supostos componentes especulativos, em um
contexto em que a inflação mensal rodava na faixa de 20% ao mês, e a noção
de preço relativo dos bens estava bastante prejudicada.
Já o financiamento, com prazo de 25 anos, tinha como fator de correção do
saldo devedor os índices de correção da remuneração dos servidores. Em um
contexto de alta inflação, ficava garantido que o valor da prestação não
superaria o poder de pagamento do comprador. Por outro lado, como é sabido,
surtos inflacionários provocam a elevação do valor real de ativos
imobilizados, pois esses representam um porto seguro para o valor do
patrimônio das pessoas. Assim, ao mesmo tempo em que o valor real das
prestações caía, o valor real dos imóveis subia. No longo prazo, os ganhos
patrimoniais dos servidores que adquiriram os imóveis foram grandes.
Além do financiamento facilitado, os preços de venda arbitrados pela Caixa
Econômica foram favoráveis aos compradores. Isso ficou comprovado pelo
imediato surgimento de um mercado paralelo, nos quais o servidor público,
ocupante do imóvel, o comprava pelo preço fixado pelo governo, e o
repassava, de imediato, a preço de mercado, para terceiros, como registrado
em várias matérias jornalísticas da época, entre as quais esta do Jornal do
Brasil:296
Imóvel público é negócio da moda – (…) dona Marlene, funcionária pública,
(…) quer Cr$ 3,8 milhões para vender algo que não lhe pertence: o
apartamento de três quartos da União, onde mora, avaliado pela Caixa
Econômica em Cr$ 9,3 milhões.
Para o comprador existem muitas vantagens. Uma delas é a subavaliação
feita pela Caixa dos imóveis funcionais. Ou seja, mesmo somando os valores
pagos ao funcionário público e à CEF, o valor total ainda fica menor do que
o preço real de mercado. (grifo no original)
Pelos dados citados acima, a subavaliação era tal que permitia o pagamento
de um “pedágio” equivalente a 40% do valor de venda estipulado pela Caixa
Econômica ao servidor disposto a passar o apartamento adiante. Mesmo
assim, diversos políticos, interessados nos votos dos servidores públicos,
tornaram-se defensores da ideia de que os preços estipulados pela Caixa
estavam elevados, e passaram a convocar autoridades do governo para depor
no Congresso, pressionando pela oferta de mais facilidades aos servidores.297
Surgiram, também, os inevitáveis “movimentos da sociedade civil”, para
fazer lobby por uma facilidade ainda maior aos servidores: o “Movimento
pela Venda dos Imóveis Funcionais” e a sua dissidência, o “Movimento de
Mobilização pela Compra dos Imóveis Funcionais”.
Uma voz dissonante no Congresso dizia o óbvio, mas foi ignorada:
O jurista e senador José Paulo Bisol informou ontem que vai entrar com
ação no Supremo Tribunal Federal para anular a venda dos imóveis
funcionais, considerando-a inconstitucional.
Bisol disse, porém, não confiar na “isenção” do Supremo, já que seus
ministros, segundo revelou a Folha, assinaram documento mostrando
disposição de comprar os apartamentos onde moram. “O Judiciário está
correndo o risco da desmoralização”, afirmou o senador.
De acordo com Bisol, é inconstitucional dar preferência de venda aos
moradores do imóvel, o que estaria ferindo o princípio da isonomia. A venda
deveria ser pública a todos os interessados – a ilegalidade, segundo o
Senador, seria o “privilégio” concedido aos funcionários públicos que
ocupam o imóvel.
Outro episódio interessante ocorreu em 2003, quando um servidor do
Tribunal de Contas da União requereu o reconhecimento, como tempo de
serviço público para todos os efeitos (inclusive aposentadoria integral), o
tempo em que ele havia trabalhado como funcionário dos Correios (uma
empresa pública que contrata seus empregados pelo regime da CLT). O TCU
deferiu o pedido do seu servidor.298 Na condição de funcionário dos Correios,
o indivíduo havia contribuído para o regime de previdência do setor privado e
para o fundo de pensão dos Correios e não para a previdência dos servidores
públicos. Tendo o seu tempo de serviço reconhecido, o servidor do TCU
poderia considerar os anos trabalhados na administração indireta no cômputo
do período para a aposentadoria integral (em vias de extinção), dos anuênios
(para os anos em que ainda eram pagos) e da licença-prêmio.
Tal decisão, que foi imediatamente estendida a todos os servidores do TCU
que estivessem na mesma condição, desencadeou uma onda de pleitos
similares em toda a administração federal. Mais uma vez os custos foram
repassados para toda a sociedade.
Vale ainda citar como exemplo a rocambolesca história da “repristinação dos
quintos”, em que uma gratificação expressamente revogada por lei foi
ressuscitada graças à habilidade da alta burocracia para produzir
interpretações criativas sobre textos legais.
Até 1997, os servidores que exercessem cargos de chefia tinham direito a
incorporar, a cada ano, 1/5 do valor da gratificação recebida (os chamados
“quintos”). Tal vantagem remuneratória foi expressamente extinta pela Lei no
9.257, de 1997, cessando, então, a concessão de novos quintos, mas
mantendo-se o pagamento aos servidores que já os recebiam.
Posteriormente, os dispositivos legais que haviam sido revogados foram
citados em outras legislações, que tinham por finalidade regulamentar
situações pendentes relativas aos quintos, já extintos. O simples fato de
dispositivos já revogados terem sido citados em leis299 abriu espaço para a
criativa interpretação de que eles haviam voltado a valer: uma verdadeira
ressurreição de um artigo legal já revogado, conhecido no meio jurídico como
“repristinação”.
Segundo essa interpretação, os quintos que haviam sido extintos em
dezembro de 1997 teriam ressuscitado no período entre abril de 1998 e
setembro de 2001, sendo novamente extintos a partir de então. Isso não só
possibilitaria dar aos servidores o direito de aumentar suas remunerações por
funções de chefia exercidas em tal período, como também o de receber os
atrasados referentes a essa gratificação.
O procedimento começou no Judiciário, mais especificamente no Tribunal
Superior do Trabalho (TST) e foi assim classificado por Hugo Cavalcanti,
então Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho: trata-se de um artifício jurídico construído pela alta burocracia do
TST para beneficiar um grupo privilegiado.300 A interpretação criativa
rapidamente espalhou-se para outras instâncias do Judiciário.
Em função de matéria publicada na imprensa, o Ministério Público entrou
com representação junto ao TCU requerendo o sobrestamento dos
pagamentos e a proibição do uso da interpretação criativa. Após dois anos de
tramitação da questão no TCU, na qual diversos sindicatos de servidores
entraram como parte interessada, requerendo a validade da interpretação, o
TCU decidiu pela legalidade do pagamento.301 Os Poderes e órgãos com
autonomia orçamentária, inclusive o TCU, imediatamente pagaram os
atrasados e elevaram a remuneração dos servidores enquadrados no novo
benefício. O Executivo recusou-se a fazê-lo. É possível que, no futuro, seja
judicialmente instado a pagar essa conta.
Essas histórias contêm diversos elementos interessantes: a capacidade da
burocracia pública para garimpar e explorar os labirintos da lei em busca de
uma interpretação que lhe seja favorável; o papel ativo dos seus sindicatos,
que atuam tanto com as táticas sindicais tradicionais (greves, mobilizações),
quanto pelo uso de contatos e influência de seus membros junto às instâncias
políticas e decisórias; o conflito de interesses existente no fato de que altos
burocratas tomam decisões que afetam os próprios salários ou o próprio
patrimônio; a maior predisposição dos Poderes e órgãos com autonomia
orçamentária para embarcarem em procedimentos de aumento de
remunerações; a receptividade do próprio TCU, que deveria zelar pelo
interesse público geral, a questões polêmicas que interessam a seu próprio
corpo funcional.

5.7 Os sindicatos e o bloqueio da reforma das leis


trabalhistas
Um dilema clássico existente em qualquer economia capitalista diz respeito
ao grau de regulação do mercado de trabalho. As leis trabalhistas têm como
objetivo imediato melhorar as condições de vida dos trabalhadores, fixando
remuneração mínima, regulando a duração da jornada de trabalho,
estabelecendo direito de férias e restrições a demissões etc. Como nada é de
graça, os benefícios dados aos trabalhadores empregados podem representar
prejuízos aos trabalhadores desempregados ou àqueles que, embora
empregados, não estejam protegidos pela legislação (setor informal). Os
direitos trabalhistas representam custos para as empresas, que a eles reagem
reduzindo a contratação, substituindo mão de obra por automação,
contratando fora das normas legais etc.
É preciso, portanto, haver um equilíbrio: uma legislação trabalhista que não
seja tão liberal a ponto de aviltar a dignidade dos trabalhadores, nem tão
enviesada a favor dos trabalhadores a ponto de criar desestímulo ao emprego
e à formalização das relações de trabalho. Uma legislação trabalhista
excessivamente protecionista acaba privilegiando os trabalhadores
sindicalizados e empregados em melhores empresas (aquelas capazes de
cumprir a legislação) em detrimento dos demais.
Como proposto por James Heckman, vencedor do Nobel de economia em
2000, em parceria com Carmen Pagés, em uma análise da legislação
trabalhista na América Latina:
(...) benefícios trabalhistas têm seus custos: eles podem reduzir o emprego;
restrições a demissão e segurança no emprego podem proteger alguns
trabalhadores às custas de outros (...) políticas de segurança no emprego têm
impacto substancial no nível e na composição do emprego na América
Latina. (...) Enquanto os benefícios são bem documentados, os custos advêm
de efeitos colaterais e são menos compreendidos. (...) o impacto adverso da
regulação do trabalho atinge mais fortemente os jovens os trabalhadores que
estão à margem da força de trabalho [menos qualificados]. Trabalhadores
com grande capacidade de defender seus direitos ganham, mas aqueles
excluídos sofrem. Em consequência, regulações de estabilidade no emprego
reduzem o emprego e promovem desigualdade entre trabalhadores.302
De forma similar, Rafael Di Tela e Robert MacCulloch (2002), analisando o
caso dos países da OCDE, concluem que a maior flexibilidade da legislação
trabalhista “aumenta tanto a taxa de emprego quanto a participação da
população na força de trabalho” e que “mercados de trabalho inflexíveis
estão associados a recuperações econômicas sem criação de emprego e
maior persistência do desemprego”.303
Trata-se, portanto, de privilegiar classes de trabalhadores de renda média,
em detrimento dos de menor renda, menos organizados e menos capacitados.
Resistências a reformas trabalhistas (que ocorrem em qualquer país do
mundo) podem ser vistas como um caso do tipo da célula C do Quadro 5.1:
trabalhadores sindicalizados (perdedores certos de uma reforma) resistem a
mudanças legais, ao passo que os potenciais ganhadores estão desmobilizados
e não conhecem os potenciais benefícios.
No Brasil, a Constituição de 1988 foi extremamente benevolente com os
trabalhadores incluídos no sistema de proteção, conforme ilustra o Quadro
5.2.
QUADRO 5.2 Mudanças nos benefícios ao trabalhador introduzidas pela
Constituição de 1988

Benefício Antes da Constituição Após a Constituição


Jornada de trabalho máxima
48 horas 44 horas
mensal
Jornada corrida diária máxima 8 horas 6 horas
1,2 vezes o valor da hora 1,5 vezes o valor da hora
Valor mínimo da hora extra
normal normal
Remuneração das férias 1 salário mensal 4/3 do salário mensal
Licença-maternidade 3 meses 4 meses
Multa por demissão sem justa 10% do valor do FGTS 40% do valor do FGTS
causa
Licença-paternidade não havia 5 dias
Fonte: Barros e Corseuil (2001).
Nota: Constituição Federal, art. 7o. Elaborado pelo autor.

Criou-se, assim, às vésperas da queda do Muro de Berlim e da ampla


globalização econômica, uma legislação trabalhista de alto custo e
anticompetitiva, que incentiva as empresas a se manterem pequenas (e
consequentemente improdutivas) para fugir à fiscalização do Ministério do
Trabalho. Conforme já mostrado no Capítulo 1 (fato estilizado 9), a legislação
trabalhista brasileira faz com que o custo da contratação de um trabalhador
que obedeça a todas as regras legais equivalha a mais do dobro do seu salário,
sendo proporcionalmente um dos custos mais altos do mundo.
Ocorre que, em paralelo à ampliação dos direitos trabalhistas, a nova
Constituição também aumentou os poderes dos sindicatos para resistir a
futuras reformas da legislação. O Quadro 5.3 descreve tal ampliação de
poderes:
QUADRO 5.3 Mudanças nos benefícios ao trabalhador introduzidas pela
Constituição de 1988

Antes da Constituição Após a Constituição


Ministério do Trabalho (MTb) podia intervir nos sindicatos e Vedada a intervenção do
depor sua diretoria MTb nos sindicatos
Sindicatos não precisam
Todo sindicato precisava ser registrado e aprovado pelo MTb ser aprovados e
registrados no MTb
Criação de centrais
Representação nacional dos sindicatos (centrais sindicais)
sindicais nacionais
autorizadas apenas em casos especiais
totalmente liberada
Diretorias dos sindicatos eram eleitas por um quórum mínimo
de 2/3 dos membros em primeiro turno de votação; 1/2 dos Os sindicatos
votos em segundo turno e 2/5 em terceiro turno. Não havendo estabelecem as próprias
quorum mínimo, o MTb podia escolher a diretoria e convocar regras eleitorais
novas eleições
Sindicatos podem
Sindicatos só podiam representar uma única categoria
representar várias
profissional
categorias
Sindicatos são livres para
Decisões de fazer greve precisavam ser aprovadas por quórum
definir os critérios de
mínimo de 2/3 dos membros em primeira votação e 1/3 em
decisão e votação de
segunda votação
greve
Em caso de greve, a notificação do empregador devia ser feita Em caso de greve,
com cinco dias de antecedência notificação deve ter 48
horas de antecedência
Todos os setores podem
Proibição de greves em atividades consideradas essenciais fazer greve, exigindo-se
(por exemplo, serviços de energia e gás, hospitais, serviços apenas a provisão mínima
funerários) e no setor público de serviços em setores
essenciais
Fonte: Barros e Corseuil (2001).
Nota: Constituição Federal, art. 8o e 9o. Elaborado pelo autor.

Não se trata de advogar a favor das restritivas regras de associação sindical


que vigiam durante a ditadura. É preciso, porém, reconhecer que a expansão
do poder sindical, inclusive com a incorporação dos servidores públicos (vide
seção 5.6), aumentou sobremaneira a capacidade dos trabalhadores
“incluídos” e de renda média para barrar políticas que contrariam seus
interesses, mas que podem ser favoráveis aos “excluídos” e ao crescimento
econômico.
Interessante observar que, embora os sindicatos tenha se tornado
independentes do Estado, em termos da regulação exercida por este em seu
funcionamento, a dependência financeira foi mantida. O chamado “imposto
sindical”, instituído pela CLT nos anos 1940, sobreviveu no novo marco
constitucional. Tal contribuição304 é paga compulsoriamente por
empregadores e empregados, independentemente de serem ou não
sindicalizados. A arrecadação desse tributo vai para o Ministério do Trabalho
e é distribuída para sindicatos, federações e confederações.
Tal imposto, por um lado, potencializa o poder político dos sindicatos, que
têm uma fonte de renda garantida. Eles não precisam prestar serviços e serem
eficientes para atrair filiados. Todos os trabalhadores (e empregadores)
contribuem compulsoriamente para o seu financiamento. Por outro lado, gera
incentivos tipicamente rentistas, em que passa a ser bom negócio criar
sindicatos para receber a contribuição, independentemente da capacidade de
prestar serviços e da representatividade. Em vez de ser reformado, esse
sistema tem sido aprofundado. Em 2008, por exemplo, aprovou-se lei que
reconhece formalmente as centrais sindicais como parte do sistema sindical
do país, dando-lhes o direito de receber 10% do montante total do imposto
sindical.305
Os sindicatos também têm vínculo financeiro com o Estado por meio dos
programas de treinamento de trabalhadores, custeados pelo Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT). Tais programas de treinamento têm sido fonte de
sucessivos escândalos de desvios de verbas, baseados em falsos programas de
treinamento.
Os custos sociais de um mercado de trabalho excessivamente regulado
incluem, também, uma grande e dispendiosa justiça do trabalho, encarregada
de intermediar as relações trabalhistas inscritas na Constituição. Como os
direitos trabalhistas estão explícitos na Constituição, há pouca margem para
negociação entre as partes, e qualquer conflito vai parar na Justiça.306 O alto
grau de restrições e de detalhamento da lei incentiva o litígio, que passa a
exigir uma grande estrutura judicial para lidar com as milhares de ações
trabalhistas abertas todos os anos. Em 2012, o funcionamento da Justiça do
Trabalho consumiu R$ 13,6 bilhões307 em despesas do Tribunal Superior do
Trabalho e dos diversos Tribunais Regionais, montante equivalente a nada
menos que 0,3% do PIB.
Fosse o mercado de trabalho menos regulado, certamente não se verificaria o
impressionante número de 3,9 milhões de novos processos, que anualmente
ingressam na Justiça do Trabalho. Isso, contudo, retiraria emprego de parte
dos 44,5 mil servidores dos Tribunais Regionais do Trabalho espalhados por
todo o país, sem contar os advogados que trabalham na área e os empregados
de confederações e sindicatos de trabalhadores, entre outros.308
Não é de admirar, portanto, que reformas das relações de trabalho
dificilmente entrem na agenda política, pois não faltam interesses
concentrados a serem ameaçados, em um ambiente marcado por diversas
oportunidades para rent-seeking. Pelo contrário, modificações nas regras
trabalhistas têm sido no sentido de aprofundar o modelo de forte regulação,
como no caso da “PEC das Domésticas”, citado no Capítulo 4.

5.8 As propostas de isenção do imposto de renda


A análise dos projetos de lei que propõem isenções ou abatimentos no
pagamento do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) é uma forma
interessante de observar o atendimento de demandas de grupos de renda
média e alta pelo sistema político brasileiro. Isso porque o IRPF incide quase
que exclusivamente sobre os mais ricos. O Gráfico 5.2, construído a partir de
estimativas de feitas por Rozane Siqueira e coautores,309 mostra que nada
menos do que 91,6% de toda a receita de IRPF é paga pelos 10% mais ricos
da população. Os 60% mais pobres simplesmente não pagam esse imposto,
seja porque o limite de isenção para a tributação é alto, seja pela simples
evasão daqueles que atuam no mercado informal.
Portanto, o IRPF é um imposto altamente progressivo. Isso significa que
qualquer proposta de isenção ou redução de pagamento do IRPF beneficiará
principalmente os 10% mais ricos da população.
GRÁFICO 5.2 Incidência do Imposto de Renda Pessoa Física por percentil
de renda (2009)

Fonte: Siqueira, Nogueira e Souza (2012).

Não obstante isso, pululam no Congresso Nacional projetos de lei com o


objetivo de reduzir o pagamento de IRPF, seja de forma generalizada para
todos os contribuintes, seja para alguns grupos específicos. A Tabela 5.7
mostra que, em um período de menos de três anos (de janeiro de 2001 a
setembro de 2013), foram apresentados no parlamento 215 projetos com
aquela finalidade. A quase totalidade de autoria de parlamentares, mais
acessíveis a demandas de grupos específicos, e menos preocupados com o
desempenho da arrecadação, função típica do Executivo. Além disso, o
Executivo pode conceder benefícios do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) por via administrativa, sem necessidade de enviar
projeto de lei ao Congresso e, por isso, da precedência a tal imposto em
relação ao IR, na concessão de benefícios.
TABELA 5.7 Projetos apresentados no Congresso Nacional entre janeiro de
2011 e novembro de 2013 com objetivo de conceder benefícios fiscais, no
âmbito do Imposto de Renda Pessoa Física

Quantidade % do Total
TOTAL 215 100%
Origem Executivo 4 2%
Origem Legislativo 211 98%
Grupos beneficiados
Pacientes 51 24%
Domésticos 22 10%
Idosos 19 9%
Fonte: Senado e Câmara dos Deputados. Elaborado pelo autor.

Alguns projetos são bastante característicos. Por exemplo, 24% das


proposições tinham por finalidade dar algum benefício tributário a pessoas
portadoras de doenças crônicas, incapacidade física ou dependência de
medicamentos. É o caso, por exemplo, do PLS no 245, de 2012, que pretende
“isentar do imposto de renda os proventos de aposentadoria ou reforma
recebidos por portadores de albinismo”. Tal projeto nada mais faz que incluir
essa moléstia em uma longa lista de outras doenças cujos portadores já são
parcialmente isentos do pagamento de IRPF (Parkinson, esclerose múltipla,
neoplasia, hanseníase, entre outras). A argumentação, como nos outros casos,
é de que o tratamento da doença é de alto custo.
É preciso observar, todavia, que não se está dando auxílio a todos os
portadores da doença, mas apenas àqueles que têm renda alta (e pagam IRPF).
Os doentes pobres não serão beneficiados e continuarão na fila do SUS.
Outro tipo de projeto muito comum (10% do total incluído na Tabela 5.7) é
o que amplia ou prorroga um dispositivo já existente na legislação, que
permite aos empregadores domésticos descontar parte dos encargos sociais
pagos em função dessa relação de emprego. Esse é um típico projeto com alto
retorno político: por um lado agrada as classes média e alta, empregadora
doméstica, e, por outro, sinaliza com o benefício da formalização do mercado
de trabalho de uma massa de trabalhadores domésticos estimados em 7,2
milhões de pessoas310 – um número considerável de votos. Muito frequentes,
também, são os projetos para beneficiar os idosos.
Coerente com o que foi exposto na seção 5.4, que mostrou a atração que
esse grupo populacional exerce nos políticos, observa-se uma quantidade
razoável de projetos similares ao PLS no 76, de 2011, que isenta do IRPF as
pessoas com mais de 60 anos. Não parece haver qualquer justificativa lógica
em se permitir que uma pessoa de alta renda pare de pagar Imposto de Renda
ao atingir determinada idade. O imposto, como se sabe, é sobre a renda e não
sobre a idade. A tese não possui precedente em qualquer país do mundo. No
caso brasileiro, a propósito, como visto no Gráfico 5.2, os pobres de todas as
idades já estão isentos do IRPF.
Há, ainda, projetos curiosos, que permitem o desconto no IRPF de despesas
que pertencem tipicamente à cesta de consumo da classe alta, tais como:
nutricionistas, academias de ginástica e seguro de automóvel.311 Também
comuns são aqueles que buscam beneficiar trabalhadores empregados no
mercado formal de trabalho, concedendo isenções de IRPF para o décimo
terceiro salário, para participações no lucro ou abono de férias.312 Algumas
categorias profissionais específicas também são cortejadas com propostas de
benefícios tributários, como no caso do projeto que simplesmente propõe que
professores deixem de pagar Imposto de Renda313 ou de outro que reduz a
base de cálculo do IRPF devido pelos taxistas.314
É verdade que grande parte desses projetos não chega a se tornar lei, sendo
rejeitada no Congresso ou vetada pelo Executivo, mas ano após ano alguns
deles obtêm sucesso. Como as isenções e benefícios são concedidos, na
maioria dos casos, sem data de validade, ocorre um acúmulo de exceções
tributárias que acabam tendo impacto fiscal relevante, em sentido oposto à
política estabelecida na reforma do IR de 1995, que pretendeu simplificar a
tributação e eliminar as desonerações casuísticas. De acordo com a Receita
Federal, as desonerações do IRPF projetadas para 2014 decorrentes de
concessões feitas com o intuito de atender objetivos de políticas públicas – os
chamados “gastos tributários” – somam nada menos que R$ 35,2 bilhões, o
que equivale a 0,67% do PIB.
Trata-se de um alto volume de benefícios carreados a grupos de renda média
e alta. O que chama a atenção na maioria desses projetos de lei é que, apesar
do alto custo fiscal que acarretam, as justificações que os acompanham são
curtas, singelas e raramente apresentam estimativas do impacto financeiro.
Deveriam fazê-lo por determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal,315 mas
essa parece ser uma parte da lei que, simplesmente, “não pegou”.

5.9 O “vale-tudo” redistributivo


As seções 5.3 a 5.8 mostraram casos emblemáticos de grupos buscando
privilégios e resistindo a reformas, repassando custos para a coletividade, com
consequências negativas para a eficiência e o crescimento da economia. Tais
exemplos são apenas uma pequena parte de um quadro bem mais amplo. O
redistributivismo e o comportamento rent-seeking se espalharam como praga
pela sociedade brasileira e passam a permear todo o sistema político e as
relações governamentais e federativas. Diversos outros casos podem ser
citados.
Um caso famoso é o da multiplicação de municípios. Em 1980, o Brasil
tinha 3.991 municípios. Vinte anos depois, em 2000, já eram 5.507:316 um
crescimento de 38%. Isso não seria nenhum problema se a criação de novas
unidades administrativas decorresse do crescimento econômico de
determinados distritos que, ficando muito grandes em relação aos seus
municípios de origem, naturalmente se emancipassem. Com atividade
econômica intensa e população crescente, esses novos municípios teriam
receitas fiscais próprias para bancar os seus custos administrativos, como
também teriam população suficiente para justificar a construção de hospitais,
escolas e demais serviços públicos locais.
Na prática, não foi isso o que aconteceu. A maioria dos municípios criados
tem menos de dez mil habitantes. Isso ocorreu por uma razão simples: o
Fundo de Participação dos Municípios, verba federal transferida aos
municípios, tem um critério de partilha dos recursos que beneficia
sobremaneira os municípios pequenos. Assim, se um município de 15 mil
habitantes se dividir em três de 5 mil, essas três novas cidades, em conjunto,
passam a receber 50% a mais do que na situação original.
A motivação rentista, de receber mais dinheiro federal, subverte a lógica de
criação de municípios. Em vez de se criar cidades porque a economia privada
local está prosperando e atraindo mais gente, criam-se municípios em áreas
economicamente estagnadas, como forma de atrair recursos federais. Esse
dinheiro, em vez de dar suporte à expansão da infraestrutura pública em
locais cujo crescimento populacional, é utilizado para pagar salários de
empregados públicos em áreas pouco dinâmicas. Trata-se, simplesmente, de
pagar salários de prefeitos, vereadores e funcionários; restando muito pouco
para a prestação de serviços.317
Muito interessante também é o fato de que as volumosas receitas que os
governos de alguns municípios recebem a título de royalties pelo petróleo
explorado na plataforma continental contígua a seus territórios não se
converteram em benefícios para a população na mesma proporção dos
recursos recebidos. Francesco Caselli e Guy Michaels,318 da London School
of Economics, mostram que o aumento de despesas que aparece na
contabilidade dos municípios beneficiados por royalties de petróleo é
desproporcionalmente grande em relação à expansão dos serviços públicos
ofertados à população, ao mesmo tempo em que sinais de corrupção de
governantes e servidores públicos são abundantes. De forma similar, em
artigo publicado em 2002,319 mostrei que os municípios que são os principais
beneficiários dos royalties gastam, em média, 50% a mais com suas câmaras
de vereadores.
No Congresso Nacional a lógica rentista também é muito forte. Os
parlamentares têm entre suas prioridades obter recursos federais a serem
aplicados em seus municípios e estados de origem. São as chamadas
“emendas parlamentares” ao orçamento. O cientista político David
Samuels,320 que já produziu vários estudos sobre o sistema político brasileiro,
mostra a funcionalidade dessas emendas. Por um lado, o político pode dizer
aos eleitores que levou uma obra federal para seu distrito eleitoral. Por outro,
tal obra pode contratar uma empreiteira que virá a contribuir para a próxima
campanha eleitoral do parlamentar. Com alguma frequência, as emendas
resvalam para simples corrupção, como no amplamente noticiado “caso das
ambulâncias”, em que havia compras superfaturadas desses veículos com
recursos das emendas parlamentares.
Para manter os exemplos no campo da organização federativa do país, tome-
se o caso da Zona Franca de Manaus (ZFM). De acordo com o especialista
em políticas regionais, Ricardo Miranda, ela foi instituída em 1967, por meio
da criação de incentivos tributários e venda de terrenos, com infraestrutura
completa, a preços simbólicos. A previsão de duração dos incentivos
tributários era até 1997. A ideia da ZFM era integrar a distante região
amazônica à economia nacional, criando-se um polo tecnológico capaz de
gerar empregos de alta qualificação e dar autonomia econômica e fiscal à
região. Quase 40 anos após sua criação e de sucessivas renovações dos
benefícios fiscais,321 a ZFM não se mantém de pé sem os incentivos. O custo
de tais incentivos é elevado (aproximadamente R$ 18 bilhões em 2011), a
qualidade dos empregos gerados é baixa e as indústrias são basicamente
montadoras de peças, sem grande contribuição de criação ou inovação.322
Em suma, o restante do país subsidia a existência da ZFM. Trata-se de um
caso curioso, em que o fracasso da política determina a sua sobrevivência: se
forem retirados os incentivos, a ZFM rapidamente se transformará em um
vazio econômico. Obviamente os habitantes locais têm forte incentivo para
lutar pela sobrevivência dos incentivos, enquanto o restante da população não
tem informação ou incentivo suficiente para se organizar contra o custo que
lhe é imposto: um típico caso de minorias ameaçadas (Quadro 5.1, célula C).
Outro tipo de comportamento rentista muito comum é a apropriação, por
agências públicas, dos fundos de políticas públicas que elas têm por missão
administrar. Cabe ao Banco da Amazônia S.A., por exemplo, ser o agente
gerenciador dos recursos públicos federais alocados ao Fundo de
Desenvolvimento da Amazônia (FDA), destinado a financiar projetos de
infraestrutura e empreendimentos produtivos na região da Amazônia, a juros
subsidiados.
De acordo com dados compilados em outro estudo de Ricardo Miranda, em
2009 o BASA emprestou R$ 1,84 bilhão de recursos do FDA e se apropriou,
por meio de diversas taxas de serviço, de R$ 572 milhões. Ou seja, nada
menos que 31% dos recursos públicos alocados para empréstimos foram
absorvidos pelo BASA. De acordo com a demonstração de resultado do
BASA de 2009, a sua folha de pessoal custou R$ 271 milhões. Isso significa
que o del-credere e a taxa de administração cobrados do FDA são suficientes
para pagar mais de duas folhas salariais anuais do Banco. Tal remuneração
elevada seria justificável se o BASA assumisse o risco das operações, mas,
como informa o sítio do Banco da internet, tal risco é repartido, com 97,5%
para o FDA e apenas 2.5% para o BASA! Mecanismos similares beneficiam
ao Banco do Nordeste (que é o agente financeiro do Fundo de
Desenvolvimento do Nordeste e do Fundo Constitucional do Nordeste) e o
Banco do Brasil (que gere o Fundo Constitucional do Centro-Oeste).323
Da mesma forma, a Caixa Econômica Federal aufere renda elevada e sem
qualquer risco ao administrar os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço – FGTS. Esse Fundo é um mau negócio para os trabalhadores, pois
seus saldos são sistematicamente remunerados abaixo da inflação. Para a
Caixa é um negócio da China, pois ela usa esses recursos baratos para fazer
operações de baixo risco com elevado spread, além de receber taxas de
administração e “taxas de sucesso” na gestão dos recursos. Os ganhos da
Caixa com a gestão do FGTS são mais do que suficientes para pagar sua
ampla folha salarial. Ou seja, a instituição não precisa se esforçar para ser
eficiente e ganhar mercado na disputa com outras instituições financeiras,
pois tem o privilégio de dispor de um “mercado cativo”, que lhe dá ganho
fácil, às custas dos trabalhadores cotistas do FGTS.324
Um caso bastante interessante é o das concessões de rodovia para
administração privada feitas pelo Governo Federal a partir de 2007. O
principal risco eleitoral desse tipo de concessão é que o pedágio a ser cobrado
tenha valor elevado. Afinal de contas, este é um custo bastante percebido pela
população. Cada vez que passa pela cabine de cobrança, o motorista tem que
tirar o dinheiro da carteira e sente o desprazer do pagamento. Para minimizar
a perda de popularidade junto aos usuários de estrada, o Governo Federal
decidiu que o critério para decisão da empresa ganhadora dos leilões de
concessão seria o de menor pedágio. A empresa que se dispusesse a cobrar a
tarifa mais barata seria a ganhadora.
Os resultados não poderiam ser melhores do ponto de vista da propaganda
política. Em 2007 foram feitas concessões com pedágio a R$ 1,00: verdadeira
pechincha. Ocorre, porém, que essa tarifa não seria suficiente para cobrir os
custos das empresas gestoras das estradas. Para resolver esse problema, de
forma pouco perceptível para o eleitorado, o Governo passou a conceder
financiamentos subsidiados às concessionárias. Ou seja, deu-se um benefício
explícito aos usuários (com ganho eleitoral) e repassou-se o custo, de forma
disfarçada, a todos os contribuintes (inclusive àqueles que jamais usarão as
estradas subsidiadas).325
Em uma tentativa de gerar um fato de grande impacto eleitoral, o Governo
Federal anunciou, em 2013, a redução das contas de energia elétrica ao
consumidor final em aproximadamente 20%, com ampla publicidade em
torno do fato e com direito a pronunciamento oficial da Presidente da
República em cadeia de rádio e TV. O custo dessa medida, devidamente
omitido naquela publicidade, acabou sendo rateado entre: (a) os contribuintes
em geral (via despesas do Tesouro Nacional para cobrir o desequilíbrio
contratual das empresas do setor elétrico), (b) as empresas geradoras de
energia, que, sob ameaça de não renovação de suas concessões, precisaram
rever os preços de venda de sua energia, tornando-se vítimas de uma arbitrária
mudança regulatória, típica de uma situação de incerteza jurídica (fato
estilizado 8 – Capítulo 1).

5.10 Conclusões
Por trás dos diversos exemplos mostrados neste capítulo há uma característica
comum: custos escondidos e dispersos para toda a sociedade, benefícios
bastante visíveis focados em grupos que dão retorno eleitoral ou escondidos
quando direcionados a grupos de interesse. Prejuízos coletivos e ganhos
privados. Os políticos, a burocracia e os grupos de interesse aprenderam bem
esse jogo e o praticam com maestria. Seja na distribuição da meia-entrada, na
aprovação de estatutos do idoso ou do jovem, ou na concessão de
financiamentos subsidiados, a regra é “fazer cortesia com o chapéu alheio” ou
“puxar a sardinha para a própria brasa”.
Grupos de renda média e alta são os principais beneficiários desses
mecanismos. Os ricos sempre tiveram acesso a benefícios financeiros e a
regras legais enviesadas a seu favor e continuaram a ter tal acesso
privilegiado após a redemocratização (Capítulo 3). Os pobres passaram a ter a
oportunidade de receber assistência social, saúde e educação a partir da
redemocratização (Capítulo 4). Os grupos de renda média, que tinham alguns
privilégios construídos antes da redemocratização, conseguiram não apenas
manter tais privilégios, como também se beneficiaram da abertura política
para ampliá-los.
Esses três movimentos redistributivos em conjunto (para os ricos, para os
pobres e para alguns grupos de renda média) geraram inúmeras políticas
públicas e regulações voltadas para criar privilégios e mecanismos de
proteção de mercado que são contraditórias entre si, têm elevado custo fiscal
e prejudicam fortemente os incentivos a investir, a produtividade da economia
e, portanto, o crescimento de longo prazo. O resultado é o modelo de baixo
crescimento com redistribuição dissipativa.
O Estado brasileiro não desenvolveu a sua capacidade de ser um provedor de
serviços públicos tradicionais (segurança pública; proteção da liberdade e dos
contratos; imposição da lei e da justiça; provisão de bens públicos como
transportes, saneamento ou urbanização), tendo se transformado,
prioritariamente, em um intermediador de transferências de renda: tributa uns
para dar a outros. De acordo com estatísticas apresentadas pelos economistas
Raul Velloso e Cláudio Hamilton à Comissão de Assuntos Econômicos do
Senado, nada menos que 49,2 milhões de pessoas recebem um contracheque
financiado por recursos públicos. Ou seja, um contingente equivalente a 26%
da população brasileira tem como fonte de renda recursos arrecadados pelo
governo e, posteriormente, transferidos sob a forma de pagamentos a
servidores públicos, aposentados, pensionistas e beneficiários de programas
sociais.326
Como isso precisa ser financiado por alguém, a carga tributária dispara e
toda a sociedade tem que pagar o custo. Todos lutam para receber mais e
pagar menos. A confusão é tal que torna-se difícil identificar claramente
quem são os ganhadores ou perdedores. Tomemos como exemplo um
trabalhador de baixa escolaridade, empregado no setor informal. Esse
indivíduo teria tudo para ser um perdedor. Afinal, não está coberto pela
legislação trabalhista, tem baixo salário e pouca perspectiva de ascensão
social. Mas se ele receber uma bolsa família ou se tiver um parente recebendo
aposentadoria rural (sem ter contribuído), a sua situação melhora bastante.
Ainda mais porque ele não paga Imposto de Renda nem contribuição
previdenciária. No outro extremo, temos um industrial que ganha com
créditos subsidiados em bancos públicos e proteção comercial. Mas por outro
lado paga muitos impostos, não dispõe de infraestrutura adequada e tem baixa
perspectiva de crescimento de vendas dado o baixo crescimento do PIB.
Em debate sobre as manifestações de rua que eclodiram em junho de 2013,
publicado no blog do cientista político Simon Schwartzman, Samuel Pessôa
descreve de forma vívida essa confusão redistributiva:
(...) provavelmente muitos dos que foram às ruas são filhos ou netos de
pessoas que recebem pensão vitalícia por morte, por exemplo, e outros que
recebem e acumulam benefícios. Vários eram funcionários da saúde cuja
demanda é que a carreira da saúde se transforme em uma carreira de Estado
como as do Judiciário (você pode imaginar a consequência desta medida
para o gasto público). Outras devem ser filhos de indivíduos com
aposentadoria por invalidez ou usufruindo auxílio doença ou seguro-
desemprego (vários fraudando o programa, isto é, forçando a demissão para
ficar algum tempo na informalidade acumulando salário com o benefício).
Outros, alguns poucos, devem ter pais que de alguma forma se beneficiam
da bolsa empresários do BNDES e alguns outros, também poucos, devem ter
pais ou avós que se beneficiam do programa de reparação dos excessos da
ditadura (sabemos que apesar da ditadura brasileira ter matado ou torturado
uma fração do que se matou ou torturou na Argentina ou no Chile gastamos
com reparação um múltiplo do que eles gastam, somente para termos mais
um exemplo de como nós mesmos distribuímos de forma pródiga benefícios
e vitaliciedades a indivíduos). (...) indivíduos que se beneficiam de
empréstimos direcionadas com taxas menores do que as de mercado, que são
custeados pelos empréstimos mais caros sobre outros ou por poupança
forçada (FGTS) sobre outros, pessoas que tiveram uma boa educação no
sistema S custeada por impostos sobre a folha de salários de outros ou de
pessoas que trabalham no sistema S etc. Ou seja nós criamos uma
infinidades de “meias-entradas”. (...) (...) O problema é que muita “meia-
entrada” introduz ineficiência no sistema e o crescimento se reduz. (...)
Cada um enxerga o benefício advindo pela sua “meia-entrada” como de
primeira ordem. (...) Todos querem manter a sua meia-entrada e eliminar as
dos demais.327
Pode-se dizer que, no computo final, apesar da grande dissipação de
recursos, os mais pobres estão ganhando alguma coisa. Afinal, como
mostrado no Capítulo 2, a pobreza e a desigualdade estão diminuindo. No
entanto, a queda da desigualdade e da pobreza poderia ser muito maior se não
houvesse tantos privilégios distribuídos aos ricos e aos grupos de renda
média.328 Assim, o custo pago pelo país para uma dada redistribuição de renda
e uma dada redução da pobreza é muito maior do que poderia ser. Os mais
pobres perdem oportunidades não apenas em função desses “vazamentos” na
política distributiva, como também porque a perda de potencial de
crescimento impede a abertura de novas oportunidades de trabalho.
Se o problema se aguçasse a ponto de todos sentirem que estavam perdendo
com o baixo crescimento, naturalmente deveria surgir um incentivo para um
novo acordo social, em que fossem zerados os benefícios e privilégios. Nesse
caso, reformas institucionais ganhariam apoio político. Infelizmente, como
mostrado na seção 5.2, esse é um problema de ação coletiva que, em ambiente
de alta desigualdade social, incerteza e aversão ao risco, pode levar ao
bloqueio de reformas mesmo em situações em que a sociedade como um todo
esteja perdendo.
Outro fator que dificulta o desmonte das inúmeras e conflitantes políticas
redistributivas é o entrelaçamento de interesses entre pobres e não pobres. Por
exemplo, o pensionista rural (pobre) tem medo de que uma reforma da
Previdência voltada para reduzir os privilégios dos mais ricos acabe
respingando sobre ele e passa, por precaução, a se opor a qualquer reforma. A
mesma coisa com o ensino gratuito na universidade, cujo fim pode ser
interpretado pelas famílias mais pobres como um risco à gratuidade do Ensino
Básico.
Associações e sindicatos que representam grupos de renda média e alta usam
essa confusão para embalar a defesa de seus interesses, colocando rótulos
genéricos, como o da “educação pública e gratuita para todos” ou a proteção
“dos velhinhos aposentados”. A demonização ideológica das privatizações
fala em “interesse nacional e defesa do capital nacional”, mas na realidade
busca preservar os privilégios dos empregados de estatais, que gozam de
remuneração acima da média de mercado e menor risco de demissão.
O próximo capítulo analisa quais as possíveis consequências do modelo de
baixo crescimento com redistribuição dissipativa no longo prazo.

228 Lei no 12.852, de 2013.


229 Art. 22, inciso II, da Lei no 12.852, de 2013.
230 A meia-entrada foi regulamentada pela Lei no 12.933, de 2013.
231 Art. 2o, inciso I, da Lei no 12.852, de 2013.
232 PLS 148, de 2008.
233 Brasil (2012a).
234 Ferreira et al. (2013).
235 Alston et al. (2012, p. 15).
236 Karabarbounis (2011, p. 624).
237 Robinson (2008).
238 Rajan (2006).
239 Fernandez e Rodrik (1991).
240 Lisboa e Latif (2013).
241 Os textos clássicos sobre o tema são Krueger (1974) e Olson (1999).
242 Lei no 12.842, de 2013.
243 Sadek (2013, p. 7-9).
244 Sadek (2013, p. 15-18).
245 Para mais detalhes sobre a judicialização da saúde, ver Sabino (2013), Machado (2010) e Romero
(2008).
246 Medici (2011, p. 64).
247 Pinheiro (2005, p. 246).
248 Pinheiro (2005).
249 Santos Filho e Timm (2010).
250 Robinson (2008).
251 Caetano (2006, p. 9).
252 Sobre problemas e propostas de reforma da previdência, ver Afonso (2005), Pinheiro e Giambiagi
(2006), Caetano (2006), Amaro (2011), Caetano (2011a), Caetano (2011b), Caetano (2008), Tafner e
Giambiagi (2011).
253 Sobre a introdução de Fundo de Previdência dos Servidores Públicos, ver Guerzoni Filho (2011) e
Rangel e Sabóia (2013).
254 Em 30 de abril de 2012 entrou em vigor a Lei no 12.618, que estabelece que o valor máximo a ser
pago pelo erário para aposentadorias de servidores públicos federais será igual ao teto das
aposentadorias dos trabalhadores do setor privado. Ao mesmo tempo, criou-se um fundo de previdência
para o qual os servidores submetidos à nova regra poderão contribuir, como forma de complementar
suas aposentadorias. Essa nova lei diminui significativamente a vantagem das regras de aposentadoria
do setor público em relação ao setor privado. Contudo, ela só é aplicável àqueles que entrarem no
serviço público a partir da data de promulgação da lei. Isso significa que ainda por muitos anos os
servidores públicos gozarão de aposentadorias mais elevadas. Somente quando se aposentarem os
servidores que agora começam suas carreiras é que haverá efetiva equiparação de condições. Reformas
anteriores da previdência do setor público, que também reduziram benefícios, como os de receber o
salário integral na aposentadoria e o de gozar de paridade salarial com os servidores da ativa também
foram submetidas a regras de transição. Todos os servidores que ingressaram até 31/12/2003 se
aposentarão com paridade e integralidade dos proventos.
255 Regulamentada pela Lei Complementar no 142, de 2013.
256 Velloso, Mendes e Caetano (2010).
257 Lei no 8.742, de 1993.
258 Lei no 9.720, de 1998.
259 Lei no 10.741, de 2003.
260 Barros et al. (2009, p. 71-2).
261 Ferreira et al. (2013, p. 148).
262 Vide Tabela 4.1 no Capítulo 4.
263 MDS (2012).
264 Fonte: http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/docs/downloads/2013/AgoTodos.pdf.
265 Birdsall e James (1990, p. 9-12).
266 Addison e Rahman (2001).
267 Veloso (2011).
268 OCDE – Education at a Glance. Em dólares corrigidos pela paridade do poder de compra.
269 Ver Barbosa e Barbosa Filho (2012), Belluzo, Neto e Pazello (2005), e Bender e Fernandes (2006).
270 Sobre as reformas da previdência realizadas entre 1998 e 2012, ver Afonso (2005), Pinheiro e
Giambiagi (2006), Caetano (2006), Amaro (2011), Caetano (2011a), Caetano (2011b), Caetano (2008),
Tafner e Giambiagi (2011).
271 Boletim Estatístico de Pessoal. Disponível em: http://www.servidor.gov.br/index.asp?index=
65&ler=s712.
272 The Economist, “How Science Goes Wrong”, 17/10/2013.
273 Ministério do Planejamento. Boletim Estatístico de Pessoal, abril de 2013.
274 Fonte para os PIB per capita: Penn World Table versão 7.1.
275 Brasil (2004).
276 Moriconi (2008).
277 http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/maior-concurso-do-pais-mpu-registra-800-mil-
inscritos/.
278 Robinson (2008).
279 Constituição Federal, art. 37, inciso VII.
280 Constituição Federal, art. 41.
281 Mandado de Injunção 670.
282 Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).
283 Folha de S. Paulo, 16/3/2007.
284 Sobre esse ponto, ver Mendes (2006).
285 A esse respeito, ver Guerzoni Filho (2006).
286 Na seção 5.9 serão feitas considerações acerca dos motivos para a rápida expansão das despesas de
pessoal nos estados e municípios.
287 Chama-se atenção para o fato de que não se podem somar os valores das Tabelas 4.2, 4.5 e 5.3 com
as mostradas na Tabela 5.6, pois as despesas em saúde e educação incluem as despesas de pessoal das
respectivas áreas.
288 A descrição a seguir baseia-se em Guerzoni Filho (2000).
289 Art. 39 da Constituição em sua versão original, antes da Emenda Constitucional no 19, de 1998. Na
verdade tanto a antiga quanto a nova redação desse artigo estão vigentes, dado que o STF suspendeu
liminarmente a revogação da redação original (ADI 2.135).
290 Art. 37, inciso II, da Constituição e art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
291 Brasil (2002).
292 ADIn 4.492.
293 Número de imóveis postos a venda obtido em Correio Braziliense, 10/11/1990.
294 Lei no 8.025, de 1990, art. 6o.
295 Decreto no 99.266, de 1990, art. 3o.
296 Jornal do Brasil, 24/12/1990.
297 Vide, por exemplo, matéria no Jornal da Tarde de 28/11/1990, que afirma que o então Senador
Maurício Correia solicitou à Comissão de Constituição e Justiça do Senado a convocação do Secretário
de Administração para explicar os critérios de avaliação dos imóveis que, no seu entender, havia levado
a preços altos.
298 Acórdão no 1.871, de 2003.
299 Essas leis foram: Lei no 9.624, de 1998, art. 3o, e Medida Provisória no 2.225-45, de 2001, art. 3o.
300 Folha de S. Paulo, 13/8/2002: “Reajuste disfarçado chega a R$ 500 mil”.
301 Acórdão no 2.248, de 2005 – TCU/Plenário.
302 Heckman e Pagés (2000, p. 1-2).
303 Di Tela e MacCulloch (2002, p. 1.225).
304 Amparada pelo art. 8o, inciso IV, da Constituição.
305 Lei no 11.648, de 2008.
306 Sobre o custo fiscal da justiça do trabalho e os incentivos institucionais a sua expansão, ver Mendes
(2006).
307 Orçamento Geral da União, Sistema Siga Brasil.
308 Justiça em Números (www.cnj.jus.br).
309 Siqueira, Nogueira e Souza (2012).
310 Estimativa apresentada em OIT (2013).
311 Por exemplo: PL 935, de 2011; PL 1.717, de 2011; PL 5.087, de 2013; PL 5.195, de 2013.
312 Por exemplo: PL 1.186, de 2011; PL 2.581, de 2011; PLS 266, de 2012.
313 PLS 445, de 2012, e do PL 6.167, de 2013.
314 PL 4.842, de 2012.
315 Vide arts. 14 a 17 da Lei Complementar no 101, de 2000.
316 Fonte: IBGE séries históricas.
317 Sobre o tema, ver Mendes, Miranda e Cosio (2008) e Gasparini e Cosio (2006).
318 Caselli e Michaels (2008).
319 Mendes (2002).
320 Samuels (2001 e 2002).
321 A última promovida pela Emenda Constitucional no 42, de 2003, que prorrogou os benefícios até
2023.
322 Miranda (2013).
323 Miranda (2012).
324 O autor agradece a Marcos Kohler por ter chamado atenção para esse ponto.
325 Sobre modelos de concessão no Brasil, ver Velloso et al. (2012).
326 Velloso e Hamilton (2013).
327 Pessôa (2013).
328 Siqueira (2013) mostra que a intervenção do governo reduz o Índice de Gini de forma muito mais
intensa nos países da OCDE do que no Brasil. Ou seja, as políticas públicas daqueles países são muito
mais redistributivas que as brasileiras.
CAPÍTULO 6

REDISTRIBUIÇÃO E CRESCIMENTO
DE LONGO PRAZO

6.1 Introdução
O argumento central desenvolvido nos capítulos anteriores é o de que a alta
desigualdade em um ambiente democrático gerou incentivos a uma disputa
com características rent-seeking que tem bloqueado o crescimento
econômico. Resta então questionar: o que aconteceria se a desigualdade
diminuísse sensivelmente? Haveria uma redução do conflito distributivo e
dos desestímulos ao crescimento? Poderia, então, o país crescer a taxas
mais elevadas?
Se a resposta a essa questão for afirmativa, então a redistribuição para os
pobres poderia ser “um bom negócio”: o mau desempenho econômico de
curto e médio prazo, decorrente em parte dessas políticas, poderia ser
considerado como um custo a ser pago para que, no longo prazo, a
sociedade fosse menos desigual e capaz de crescer a taxas mais elevadas.
Apesar da capacidade que têm os ricos e as classes de renda intermediária
para criar e preservar privilégios (Capítulos 3 e 5), a desigualdade no Brasil
caiu sistematicamente ao longo dos primeiros anos do Século XXI
(Capítulo 2).
Estaria o Brasil em um processo virtuoso de longo prazo? Teríamos
observado, nas três primeiras décadas de democracia, a “parte ruim” de uma
trajetória que, dentro de mais alguns anos ou décadas, desabrocharia em
uma sociedade mais igualitária e dinâmica?
Esta pode até ser uma trajetória possível para a economia brasileira, mas
não é a única. Não está escrito nas estrelas que o país será um sucesso.
Existe também a possibilidade de que a queda da desigualdade desacelere
ou se interrompa (como analisado no Capítulo 2) e de que o Brasil continue
por muitos anos a se caracterizar como uma sociedade desigual, debatendo-
se em uma disputa rent-seeking dos diferentes grupos sociais, presa ao
modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa.
A queda recente da desigualdade e a ampliação da classe média mostram
que o caminho virtuoso é uma possibilidade. Uma possibilidade, não uma
certeza! O futuro do país está em aberto, como um carro que precisa
escolher entre duas vias alternativas em uma autoestrada: o caminho da
redução persistente e sustentável da desigualdade, com aceleração do
crescimento; ou o caminho do acirramento do rent-seeking, da redução não
sustentável da desigualdade e do baixo crescimento crônico. Essas duas
perspectivas estão em aberto, ambas com razoável probabilidade de
acontecer, dependendo da ação dos governantes que dirigirão o Governo
nos próximos anos.

6.2 O que diz a teoria econômica?


Diversos autores chamam atenção para os efeitos da redistribuição sobre o
crescimento no longo prazo. Ao mesmo tempo em que políticas
redistributivas podem travar o crescimento no curto e médio prazo, elas
pode criar condições para maior crescimento no longo prazo, caso sejam
capazes de gerar significativa e permanente redução da desigualdade.
Dois dos principais acadêmicos da área de desenvolvimento na atualidade,
Abhijit Banerjee e Esther Duflo, autores do aclamado livro Poor
Economics, argumentam em um de seus artigos acadêmicos que:
a elevada desigualdade é ruim para o crescimento, pois cria incentivos
para bloqueios ao crescimento decorrentes de políticas voltadas para a
redução da desigualdades. Entretanto, a redução da desigualdade torna
menos provável que no período subsequente haja tais bloqueios e, por
conseguinte, a taxa de crescimento esperado no período seguinte será
maior do que o que teria sido na ausência de uma alteração dispendiosa da
desigualdade em relação ao período anterior (...) podemos ter claramente
choques de desigualdade que são caros no curto prazo, mas benéficos a
longo prazo.329
A economia começaria em um “mau equilíbrio” com alta desigualdade e
baixo crescimento, mas, ao longo do tempo, graças a políticas
governamentais redistributivas (e, eventualmente, uma dinâmica favorável
do mercado de trabalho), passaria a se mover para o “bom equilíbrio”, que
vai reduzindo a desigualdade. Chega-se a um momento de maior igualdade
em que as políticas redistributivas perdem apoio e o crescimento é
impulsionado. Quanto menos pessoas dependendo de assistência social e
quanto maior o contingente daqueles capazes de empreender e garantir sua
renda por meio de trabalho produtivo, menor o interesse da sociedade em
regras e programas redistributivos que imponham custos e restrições ao
funcionamento das empresas.
Os ex-pobres demandarão melhores escolas, redução do tempo gasto no
transporte urbano, condições mais favoráveis à abertura de pequenas
empresas, menor tributação de suas rendas etc. Passará a dar votos e a ser
interessante para os políticos desmontar parte das políticas de transferência
de renda (para os ricos e para os pobres) e se concentrar em um Estado que
esteja mais focado na provisão de serviços públicos, promovendo ganhos de
produtividade.
Essa é a ideia por trás do conceito de “consenso da classe média”,
formulado em influente artigo escrito por William Easterly. À medida que
as sociedades se tornam mais igualitárias, diminui o grau de conflito pela
distribuição da renda e torna-se mais fácil o consenso acerca de quais
políticas devem ser adotadas em favor da prosperidade da maioria:
(...) sociedades que não são polarizadas são capazes de chegar a um
consenso sobre os bens públicos e sobre o desenvolvimento econômico em
geral (...) as sociedades de classe média relativamente homogênea têm
mais renda e maior crescimento, elas têm mais infraestrutura e maior
acumulação de capital humano, possuem melhores políticas econômicas,
mais democracia, menos instabilidade política, desenvolvem setores mais
modernos, e exibem maior grau de urbanização.330
Gilles Saint-Paul e Thierry Verdier,331 por sua vez, chamam atenção para
uma política redistributiva em especial: a educação pública. O aumento do
capital humano dos pobres reduz a desigualdade e induz o ciclo virtuoso
descrito acima: redistribuição gerando maior crescimento. O aumento da
educação dos mais pobres representaria uma redistribuição de
oportunidades, um aumento da capacidade dos pobres para gerar renda e
não apenas uma redistribuição da renda já existente.332 O nivelamento da
educação dos mais pobres com a dos mais ricos diminui a persistência
temporal da desigualdade: a cada geração o nível de educação dos pais seria
menos importante na determinação do nível de educação a ser atingido
pelos filhos,333 o que aceleraria a mobilidade social e a queda da
desigualdade de uma geração para outra.
A literatura econômica tem avançado, também, na análise de argumentos
comportamentais para explicar a persistência da pobreza e justificar o uso
de políticas redistributivas que auxiliem os pobres a ter um comportamento
favorável à ascensão social e ao crescimento econômico.334 Parte-se da ideia
de que a condição de pobreza torna o indivíduo preso ao curto prazo. O
pobre é um sujeito que não consegue planejar seu futuro e tomar decisões
visando melhorar de vida nos próximos anos porque sua mente está
concentrada na sobrevivência cotidiana. O pobre não teria “espaço mental”
para lidar com o planejamento de médio e longo prazo. Uma ajuda
governamental, sob a forma de transferência condicional de renda no estilo
Bolsa Família ou da garantia da proteção básica em saúde, por exemplo,
seria o “empurrão necessário” para colocar o pobre em uma trajetória
positiva. Não precisando buscar a qualquer custo a sobrevivência diária e
ficando livres da incerteza e da volatilidade de renda e das condições de
saúde, as famílias pobres poderiam ter um mínimo de estabilidade para
pensar na educação dos filhos (inclusive abrindo mão do trabalho infantil) e
começar um processo de ascensão social.
Uma linha de raciocínio semelhante aponta para a incapacidade dos
indivíduos muito pobres para poupar e investir no futuro, calcada no
conceito de “aspiração”. Os pobres que sentem que terão a oportunidade de
realizar suas aspirações (melhorar a renda futura, educar os filhos, comprar
uma casa melhor etc.) terão fortes razões para trabalhar arduamente, elevar
sua taxa de poupança, selecionar criteriosamente os gastos cotidianos, evitar
desperdícios. Olhando para um futuro promissor, para si ou para os filhos,
essas pessoas terão capacidade de resistir às adversidades e tentações do
consumo presente, adotando atitudes no sentido de elevar o capital físico e
humano da família. Ao fazê-lo, contribuem para o crescimento econômico
da sociedade.
Por outro lado, os indivíduos muito pobres, mesmo que se esforcem para
poupar e investir adequadamente, não conseguirão ir muito longe, porque o
montante de suas poupanças será muito baixo. O esforço de trabalho extra,
de poupança e de sacrifício do consumo cotidiano, necessário para se
atingir uma vida melhor, será muito grande em comparação ao resultado
que se pode obter. Aqueles que sintam que não têm esperanças de atingir
uma vida melhor, não têm nada a perder. Por isso, tendem a tomar decisões
que refletem tal desespero, preocupando-se apenas com o presente.
Somente com um impulso inicial do governo, por meio de uma renda
mínima, os mais pobres podem ter os seus “hiatos de aspiração” reduzidos,
sendo estimulados a pensar em uma vida melhor no longo prazo.
Políticas públicas de redução da pobreza extrema e da desigualdade, de
garantia de acesso a serviços fundamentais, como a saúde e a educação,
cumpririam a importante função de reduzir o contingente de pobres
desalentados e aumentaria a parcela daqueles em condições de visualizar
um futuro melhor. A sociedade passaria a ter um hiato de aspiração de
dimensões adequadas a incentivar o comportamento orientado para o
futuro. Com isso as políticas redistributivas afetariam positivamente o
crescimento econômico, sendo mais um canal pelo qual se pode gerar um
ciclo virtuoso de inclusão social e expansão do crescimento de longo prazo.
Outro caminho pelo qual a redistribuição pode gerar tal efeito é a redução
da restrição ao crédito enfrentada pelos pobres.335 Uma questão
fundamental no mercado de crédito é que os devedores podem decidir não
pagar suas dívidas. Com o objetivo de reduzir a probabilidade desse evento,
os bancos e emprestadores em geral exigem que os mutuários ofereçam-
lhes um bem como garantia. Assim, em caso de inadimplência, o banco
vende o ativo, o que ajuda a recuperar parte da perda e, ao mesmo tempo, a
punir o devedor inadimplente. Os pobres em geral não têm ativos
suficientes para dar em garantia e, por isso, tendem a ser alijados do
mercado de crédito.
Uma política redistributiva que permita aos mais pobres acumular ativos
que possam ser dados em garantia a empréstimos (imóveis, propriedade
rural, ativos financeiros) os “libertará” da restrição de crédito. O crédito
abrirá portas para que invistam no próprio negócio, financiem a educação
privada dos seus filhos, superem os períodos críticos de queda substancial
de renda. Isso lhes permitirá programar suas vidas para um horizonte que
vai além da busca da sobrevivência imediata, passando a ter perspectivas de
ascensão social.336
Para a economia como um todo, isso significará um maior número de
empreendedores, elevação da escolaridade (maior capital humano) e maior
propensão a investir. Tudo isso, somado à redução das pressões
redistributivas, decorrente da redução da desigualdade, ajudará a elevar a
taxa de crescimento da economia.
Haverá, também, maior incentivo por parte dos empreendedores
financiados via crédito a trabalhar duro para prosperar e evitar o default de
suas dívidas, dado que um maior nível de patrimônio individual empenhado
como garantia de empréstimos significará que os tomadores de crédito
teriam mais a perder (o valor da garantia) em caso de insucesso.337 Assim, a
ampliação do crédito estimularia maior esforço produtivo, com impacto
benéfico no crescimento econômico.
Esse ciclo virtuoso de redistribuição gerando crescimento após a redução
da desigualdade não é, necessariamente, o único desdobramento possível de
uma política redistributiva. Se um país está em um ponto de extrema
desigualdade e a taxa de crescimento que resulta da redistribuição é muito
baixa ou negativa (devido ao impacto macroeconômico negativo das
políticas redistributivas), então essa economia pode estar em uma armadilha
de crescimento: o produto que o governo redistribui torna-se cada vez
menor ano após ano. Neste caso, “a desigualdade de renda é tão
pronunciada que desencoraja uma nova acumulação de crescimento”.338
Pode haver, também, uma situação intermediária, em que a redistribuição e
o conflito distributivo não sejam suficientemente intensos para criar uma
espiral de queda do produto, mas sejam fortes o suficiente para impedir uma
queda sustentada e permanente da desigualdade, o que bloquearia a entrada
da sociedade em um ciclo virtuoso de redistribuição e crescimento. A
redistribuição pró-pobres pode gerar instabilidade e inconsistência da
política macroeconômica (alta inflação, desequilíbrios crônicos nas contas
públicas e no balanço de pagamentos). Nesses casos, a política de
redistribuição para os pobres será um desperdício de recursos, pois
melhorará a qualidade de vida dos pobres apenas temporariamente ou não o
fará em intensidade suficiente para desencadear efeitos favoráveis ao
crescimento de longo prazo.
Portanto, a qualidade da política redistributiva pode ser decisiva neste
processo. Quanto mais eficazes as políticas de redistribuição para os pobres
e menores os seus custos, e quanto menor a existência de pressões para
redistribuir renda aos mais ricos (Capítulo 3) e às classes intermediárias
(Capítulo 5), maiores as chances de a sociedade embarcar em um ciclo
virtuoso.

6.3 Que trajetória esperar para o Brasil?


O já citado estudo de Lee Alston e coautores339 tem uma visão positiva do
processo redistributivo no Brasil, pois acredita que a sociedade brasileira já
teria atingindo consenso acerca de dois pontos fundamentais: (a) a
necessidade de reduzir a desigualdade, e (b) a importância fundamental do
equilíbrio fiscal e da estabilidade de preços. Assim, ainda que de forma
lenta, o país caminharia em direção ao ciclo virtuoso, tendendo a passar do
estágio de distribuição dissipativa (que chamam de “inclusão dissipativa”)
para um quadro de “inclusão eficiente”: redução da desigualdade e
crescimento acelerados.
Graças ao suposto consenso acerca da necessidade de estabilidade fiscal,
aqueles autores acreditam que a política macroeconômica manteria sua
consistência, não havendo risco de as pressões redistributivas levarem a
déficit público excessivo, retorno da inflação em níveis elevados, crise do
balanço de pagamentos ou crescimento descontrolado da dívida pública.
Seria, então, evitado um quadro negativo em que a redistribuição (para
ricos, pobres e classes intermediárias) ocorreria de forma tão intensa que
embotaria o crescimento.
Esse cenário indesejável, considerado menos provável por aqueles autores,
é por eles denominado “inclusão populista”. Em tal cenário a redistribuição
de renda seria apenas temporária, posteriormente corroída pela inflação e
pelo baixo crescimento.
A argumentação e os exemplos apresentados ao longo dos capítulos
anteriores não permitem que sejamos tão otimistas quanto os autores
citados. A sociedade brasileira não parece ter chegado a um consenso sobre
a necessidade de reduzir a desigualdade. O que existe, como mostrado nos
capítulos anteriores, é um intenso conflito distributivo, com baixa
capacidade dos diferentes grupos de coordenar suas ações e,
consequentemente, reduzir a pressão sobre o Estado.
Ademais, não está claro que a maioria da sociedade brasileira, ou a classe
política que toma decisões em seu nome, estejam convencidas de que a
estabilidade fiscal é condição necessária para o equilíbrio macroeconômico
e para o crescimento, e que, como tal, deva ser perseguida por qualquer
partido político que esteja no governo.
Existe alta repulsa (e receio dos políticos em tocar no assunto) a reformas
da Previdência Social e à alteração da política de reajustes do salário
mínimo acima da produtividade do trabalho, não obstante sejam essas as
principais fontes de instabilidade fiscal, no presente e no futuro. Não se
observa, além da crítica especializada, forte reação dos eleitores contra a
deterioração fiscal ocorrida no triênio 2010-2013 e que tem perspectivas de
se aprofundar nos anos seguintes.
Quanto menor a disciplina fiscal, maior o espaço de que dispõem os
grupos de pressão para obter mais gastos públicos a seu favor. Isso
realimenta o modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa.
Ademais, como analisado no Capítulo 2, nada garante que a desigualdade
continuará a cair nos próximos anos, havendo indícios de que muitos dos
componentes dessa redistribuição já perderam força. Há uma tendência à
estabilização da desigualdade em um nível ainda muito alto, distante do que
seria necessário para que a sociedade caminhasse em direção a um consenso
da classe média.
Ainda de acordo com o exposto no Capítulo 2, grande parte dos “ex-
pobres” pode ser considerada como população ainda vulnerável a voltar à
pobreza, não tendo atingido a segurança econômica típica da classe média.
Vários anos de frustrante desempenho do PIB, somados à estagnação da
queda da desigualdade, podem levar essa população de volta à pobreza ou
mantê-la em situação de vulnerabilidade e, portanto, dependente de
políticas assistenciais.
Nesse contexto, as pressões redistributivas e a motivação rent-seeking
permaneceriam mais vivas do que nunca e tenderiam a se intensificar caso o
país permanecesse em um quadro de baixo crescimento. Conforme o ditado
popular: “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Redução na demanda por
produtos industriais leva a pressões por mais proteção comercial; elevação
da inflação desencadeia demandas por reajustes salariais para grupos com
poder de pressão; menor perspectiva de redução da pobreza via mercado de
trabalho redunda em maior demanda por políticas sociais. Não pode ser
descartado um cenário de espiral de baixo crescimento, baixa
produtividade, expansão do déficit público e acirramento das pressões
políticas por rendas e preservação de privilégios. A “inclusão populista”,
para usar a terminologia de Lee Alston e coautores, não é um cenário pouco
provável para o Brasil.
Para agravar esse cenário, temos o fato de que a população brasileira está
envelhecendo rapidamente. Isso significa que, nas próximas décadas,
aumentará a pressão sobre a previdência social e o sobre o sistema público
de saúde. Em 2012 a Previdência e a Saúde representaram nada menos que
45% de toda despesa primária do Governo Federal.340 Será ainda mais
difícil sustentar financeiramente a opção pela “inclusão populista”,
principalmente se a economia continuar crescendo lentamente.
Há quem tenha uma opinião otimista e veja nos protestos de rua ocorridos
em junho de 2013 um sinal de que parcela significativa da população estaria
migrando da demanda por redistribuição e por rendas, para a demanda por
serviços públicos de qualidade. A entrada de milhões de pessoas na classe
média estaria mudando a percepção dessa parcela da população acerca do
papel do governo na economia. Segundo essa interpretação, ao demandar
melhores serviços públicos, a nova classe média, que agora paga impostos e
já pode planejar sua vida além da luta cotidiana pela sobrevivência, teria
adquirido expectativas mais altas acerca de serviços de transportes, saúde e
educação ofertados pelo governo. Essa é, por exemplo, a opinião de
Ricardo Paes e Barros, especialista em pobreza e desigualdade.341 A
persistência desse movimento ajudaria o país a ingressar no ciclo virtuoso
de crescimento e menor desigualdade.
No entanto, como lembra o economista do FMI especializado em questões
fiscais, Carlo Cottarelli,342 a experiência histórica dos países desenvolvidos,
que nos anos 1960 e 1970 vivenciaram protestos sociais similares aos hoje
vividos pelo Brasil, mostra que o resultado foi a expansão do gasto público
para financiar mais serviços públicos. Tais gastos foram, em boa medida,
financiados por meio do aumento da inflação, maior carga tributária, déficit
e dívida pública crescentes. O Brasil simplesmente não tem espaço fiscal
para essa saída. Como mostrado no Capítulo 1, a carga tributária já está no
teto, o déficit público já compromete parcela significativa da poupança
nacional, os gastos já são elevados e crescentes. E a nossa inflação também
já é muito alta.
Ademais, não está claro que os protestos de rua tenham sido apenas uma
demanda por melhores serviços públicos. Houve uma miríade de
reivindicações tipicamente rentistas de grupos organizados, sem qualquer
preocupação com a consistência fiscal do que se demandava, com ilustrado
pela citação de Samuel Pessôa ao final do Capítulo 5. O mote inicial dos
protestos, por exemplo, foi a demanda por acesso livre dos estudantes a
transporte coletivo. O custo deste subsídio a um grupo específico da
sociedade, se concedido, poderia atingir algo como R$ 16 bilhões por ano343
(0,35% do PIB estimado para 2013). Não apenas o gasto seria elevado,
como a adoção da medida não redundaria em melhores serviços públicos,
pois aumentaria a demanda por um sistema já congestionado e ineficiente,
reduzindo sua velocidade e capacidade de transporte.
Ou seja, os protestos também podem vir a ser lidos, por historiadores do
futuro, como um sintoma da falta de recursos para manter o atual sistema de
privilégios. Todos começaram a reclamar porque o cobertor está ficando
curto e não é possível manter o sistema de privilégios generalizados e
custos dispersos e ocultos. Começou a ficar grande o somatório dos
inúmeros pequenos custos gerados pelas políticas de criação de privilégios.
No limite, pode-se chegar a uma crise política, em que a própria democracia
passe a correr risco.
Não se pode esquecer que o país conta com importantes instituições
capazes de aparar privilégios e conter a gula de alguns grupos organizados,
reforçando a democracia. A imprensa livre e investigativa habitualmente
revela casos de corrupção e ineficiência, bem como pressiona as três esferas
de governo para que aumentem sua eficiência e transparência. O Ministério
Público autônomo e atuante é outra instituição que atua na mesma direção.
Órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) têm
melhorado sua organização e desempenho e passado de uma posição
passiva e burocrática para uma postura ativa e gerencial na avaliação de
programas públicos.
Isso, contudo, não parece ser suficiente. A sociedade brasileira ainda está
longe de demandar uma mudança de modelo de ação do governo, em
especial no que diz respeito à provisão de privilégios e subsídios a grupos
específicos. Como visto no Capítulo 5, até mesmo algumas das instituições
incumbidas de conter privilégios e ineficiência, como o TCU, não perdem a
oportunidade de garantir privilégios para seus próprios membros.

6.4 Conclusões
O argumento central deste livro é que a combinação de alta desigualdade
com democracia gera um modelo de baixo crescimento com redistribuição
dissipativa. No longo prazo, isso pode levar a um ciclo virtuoso de
crescimento com igualdade ou a um ciclo vicioso de baixo crescimento,
desigualdade e eventual crise política.
Se isso estiver correto, e a combinação de desigualdade e democracia for,
de fato, a causa profunda do baixo crescimento brasileiro, então de pouco
adianta fazer propostas de política que ataquem apenas as causas imediatas
do fraco desempenho econômico. De pouco adianta recomendar que o
governo controle o seu gasto corrente, se há forte motivação política para
continuar expandindo esses gastos, sob a forma de benefícios distribuídos
aos pobres (assistência social), aos ricos (subsídio creditício) ou à classe
média (altas remunerações no setor público). Também seria pouco
produtivo recomendar a redução da carga tributária, pois com o gasto alto e
crescente, surgiria um déficit fiscal insustentável. A maior eficiência da
justiça, a maior independência das agências reguladoras, a maior abertura
da economia, e tantas outras reformas que poderiam impulsionar o
crescimento têm poucas chances de prosperar por oposição política de seus
beneficiários, em um contexto de alta fragmentação de interesses,
decorrente da alta desigualdade.
O que fazer, então? Quais seriam as reformas factíveis? Como desatar o nó
da alta desigualdade e baixo crescimento?
O principal insight que decorre da análise feita neste livro é que o fio da
meada está naquelas reformas e políticas que, ao mesmo tempo, estimulem
o crescimento e reduzam a desigualdade. São elas que aumentarão a chance
de o Brasil entrar no ciclo virtuoso acima descrito.
Dado que a alta desigualdade aguça a resistência a qualquer tipo de
reforma que afete privilégios, é preciso escolher a dedo um conjunto
pequeno de reformas, e jogar todo peso político do governo na sua
realização. Quanto maior o número de reformas que se proponha, maior a
possibilidade de formação de coalizão dos diferentes grupos prejudicados
contra todas elas.
É fundamental, portanto, selecionar um número pequeno de reformas e
políticas públicas prioritárias, privilegiando-se aquelas que, ao mesmo
tempo, reduzam a desigualdade e estimulem o crescimento. À medida que
as primeiras reformas acelerem o crescimento e a queda da desigualdade, as
outras reformas se tornarão gradualmente mais fáceis de aprovar.
Nessa perspectiva, a prioridade número um deveria ser a reforma da
Previdência Social. Como mostrado no Capítulo 2, o sistema previdenciário
brasileiro é caro, insustentável no longo prazo e concentrador de renda. Por
consumir 11% do PIB, a dimensão do problema previdenciário é de
primeira grandeza e só tende a se agravar com o envelhecimento da
população brasileira.
Uma reforma previdenciária que apare os privilégios dos grupos de renda
média e alta e, ao mesmo tempo, dê suporte financeiro aos mais pobres,
bem como assegure o equilíbrio atuarial de longo prazo, certamente será
importante impulso para que o país caminhe na direção do ciclo virtuoso.
Certamente não será feita sem resistência, como não o foram as reformas
previdenciárias do passado recente. Mas uma política de transição suave, e
a preocupação de preservar os mais pobres de incorrer em perdas
certamente viabilizaria a mudança.
Em segundo lugar vem, obviamente, a educação, que, ao mesmo tempo
em que eleva a produtividade dos trabalhadores, cria perspectiva de redução
da desigualdade. Enfrentar o problema da baixa qualidade da educação
brasileira não parece tarefa fácil. Embora todos se digam a favor de uma
educação pública melhor, é preciso ter em mente que não é de todo
interessante aos grupos de renda média e alta que os mais pobres tenham
educação de qualidade. Embora isso pareça algo desumano, o que importa,
no fim das contas, é que, mantendo-se os pobres em um nível educacional
mais baixo, reduz-se a concorrência enfrentada pelos mais ricos na busca
por vagas em universidades públicas e na disputa por bons empregos no
mercado de trabalho.344 Basta ver, como contraexemplo, o grau de estresse
por que passam os jovens nas sociedades asiáticas que conseguiram criar
um sistema educacional eficiente e inclusivo: são muitas as horas de estudo
necessárias para se obter sucesso universitário e para se conseguir um
emprego em empresas de primeira linha.
No caso da inadiável expansão da infraestrutura (fato estilizado 5 do
Capítulo 1) também é preciso ter em mente o objetivo de redução da
desigualdade concomitantemente com o aumento das oportunidades de
investimento. Seria interessante dar prioridade a investimentos em
infraestrutura que tem impacto positivo na vida dos mais pobres. Não é
difícil encontrar: o saneamento básico; os sistemas de transporte coletivo
nos grandes centros; os investimentos em drenagem e prevenção de
desastres decorrentes da existência de habitações em áreas de risco. Seria
interessante uma mudança no perfil da política de inclusão social: menos
reajustes reais para o salário-mínimo, menos expansão da assistência social
e mais investimentos que têm impacto imediato na qualidade de vida dos
mais pobres.
Governantes interessados em colocar o país no ciclo virtuoso de redução
da desigualdade e de aumento do crescimento precisam escolher reformas
prioritárias e jogar todo seu peso político nelas. Em paralelo, é preciso
“jogar na defesa”, defendendo regras de controle fiscal que impeçam a
expansão populista de políticas a favor de grupos específicos. Quanto mais
rígida a restrição fiscal imposta ao Estado, mais difícil será para que grupos
de interesse aprovem benefícios a seu favor. Respeito à Lei de
Responsabilidade Fiscal, obediência a limites de endividamento, respeito às
regras contábeis e de transparência das contas públicas são essenciais.
“Jogar na defesa” também significa trabalhar para bloquear
“contrarreformas” que tenham por objetivo recuperar privilégios já cortados
ou expandir benefícios já existentes.
Em uma sociedade tão desigual quanto a brasileira, somente em momentos
de forte crise política e econômica há oportunidade para a implementação
de reformas de maior fôlego. Na história recente do país houve apenas dois
momentos de reforma mais intensa, ambos decorrentes de crises
econômicas agudas. O primeiro deles foi o triênio 1964-1967, quando
houve reformas modernizadoras que restabeleceram o equilíbrio fiscal,
controlaram a inflação e desregulamentaram o mercado de crédito.
Reformas de peso, como a criação do Banco Central e a reforma tributária,
modernizaram a economia e abriram espaço para um período posterior de
crescimento.345 O segundo período com características similares ocorreu no
final dos anos 1990, quando foi possível realizar ampla privatização, ajuste
das contas públicas, reforma nas relações financeiras entre União, estados e
municípios, e abertura da economia.
Em ambos os casos, passada a fase mais aguda da crise, os interesses de
grupos e as demandas sobre o governo levaram ao paulatino desmonte dos
avanços institucionais. No caso das reformas de 1964-1967, por exemplo, o
Banco Central, inicialmente criado como autoridade independente, foi posto
sob a tutela do Executivo; o ICMS, concebido como um moderno imposto
sobre valor adicionado, foi recebendo isenções e exceções, o que acumulou
distorções e gerou perda de eficiência; retomou-se o modelo de substituição
de importações e de forte intervenção estatal na economia. No período mais
recente, a história parece repetir-se: as instituições de controle fiscal foram
paulatinamente desmontadas, as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal
contornadas, as barreiras comerciais reerguidas, a estatização da economia
ampliada por meio da expansão das instituições financeiras públicas e dos
subsídios creditícios e tributários casuísticos.346
O que diferencia os dois momentos de reforma é que o primeiro se deu sob
uma ditadura e o segundo sob democracia. No primeiro caso, o desmonte
das reformas ocorreu para atender pleitos dos ricos e das classes
intermediárias com acesso ao poder. No segundo caso, também os pobres e
segmentos mais amplos das classes intermediárias tiveram voz para
reivindicar privilégios.
Se as crises abrem oportunidades para reforma, elas também trazem o
risco de ruptura da democracia (como ocorreu na crise de 1964), um valor
importante por si só e que tem sido mantida graças à capacidade do Estado
de contentar amplos grupos sociais por meio de privilégios. Por mais
disfuncional e prejudicial ao crescimento que seja o modelo de “privilégios
para todos” adotado na democracia brasileira, ele teve o mérito de garantir a
estabilidade democrática por quase 30 anos, um período longo para os
padrões brasileiros. Nada garante que esse modelo consiga se manter no
futuro, visto que está ameaçado pelo esgotamento fiscal, mas a sua reforma
precisa levar em conta que não se pode esticar demais a corda. É preciso
manter o equilíbrio político e evitar prejudicar excessivamente alguns
grupos sociais, o que geraria instabilidade política.
Esse é o desafio que se põe para os próximos governantes do país:
caminhar em direção ao ciclo virtuoso sem romper a sustentação da
democracia. É preciso fazer concessões em nome da manutenção da
democracia, reduzindo o ritmo das reformas desejadas sempre que isso for
necessário para manter a harmonia política. Como ensinam Acemoglu e
Robinson, em Por que as nações fracassam, a experiência histórica mostra
que a democracia é condição necessária (embora não suficiente) para que
sejam construídas instituições inclusivas, fundamentais para o
desenvolvimento econômico sustentável.347 É preciso, portanto, escolher as
reformas prioritárias, e jogar forte peso político na sua execução, para
caminharmos na direção do ciclo virtuoso e conseguirmos, paulatinamente,
avançar em outras reformas à medida que aumente o ritmo de crescimento
da economia e caia a desigualdade e o conflito distributivo que ela gera.

329 Banerjee e Duflo (2003, p. 76).


330 Easterly (2001, p. 318, 332).
331 Saint-Paul e Verdier (1993).
332 Banco Mundial (2006).
333 Ferrreira et al. (2013).
334 Uma síntese dessa literatura pode ser encontrada em Banerjee e Duflo (2011). Ray (2006) expõe
a ideia de “hiato de aspiração”.
335 Mendes (2013, seção 6) faz uma síntese da literatura acerca da relação entre pobreza,
desigualdade e acesso ao crédito.
336 Banerjee e Newman (1993), Galor e Zeira (1993), Ray (1998, p. 227) e Ghatak e Jiang (2002).
337 Aghion et al. (1999).
338 Persson e Tabellini (1994, p. 605).
339 Alston et al. (2012).
340 Siafi – Sistema Siga Brasil.
341 Vide entrevista publicada em Banco Mundial (2013).
342 Cottarelli (2013).
343 Balbim et al. (2013).
344 Rajan (2006).
345 Ver, a esse respeito, Veloso et al. (2013) e Cardoso (2013).
346 Sobre inconsistência temporal e mudanças de rumo nas políticas macroeconômicas na América
Latina, ver Dornbusch e Edwards (1991).
347 Acemoglu e Robinson (2012).
REFERÊNCIAS

Acemoglu, D. (2000) Introduction to Modern Economic Growth. Princeton University Press.


Acemoglu, D., Robinson, J. A. (2011) Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and
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