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Folha de rosto
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Dedicatória
Agradecimentos
O autor
Apresentação
Prefácio
Introdução
Capítulo 1
Baixo crescimento econômico e suas causas imediatas
1.1 Introdução
1.2 As fontes do crescimento econômico
1.3 A economia brasileira no governo militar (1964-1984)
1.4 Baixo crescimento
1.5 As causas imediatas do baixo crescimento em 10 fatos
estilizados
1.5.1 Fato estilizado 1: a despesa corrente primária
cresce de forma persistente
1.5.2 Fato estilizado 2: carga tributária elevada
1.5.3 Fato estilizado 3: a poupança do setor público é
negativa
1.5.4 Fato estilizado 4: altas taxas de juros
1.5.5 Fato estilizado 5: gargalos de infraestrutura
1.5.6 Fato estilizado 6: forte crescimento real do
salário mínimo
1.5.7 Fato estilizado 7: economia fechada ao comércio
internacional
1.5.8 Fato estilizado 8: incerteza jurídica e baixa
proteção aos direitos de propriedade
1.5.9 Fato estilizado 9: grande número de empresas
pequenas, informais e improdutivas
1.5.10 Fato estilizado 10: atraso educacional
1.6 A história por trás do baixo crescimento
Capítulo 2
Desigualdade
2.1 Introdução
2.2 A composição da desigualdade
2.3 A queda da desigualdade nos anos recentes
2.4 A desigualdade continuará a cair?
2.5 As políticas sociais são eficientes na redução da
desigualdade?
2.6 Por que a desigualdade só começou a cair com maior
intensidade a partir de 2001?
2.7 A estratificação social após uma década de redução da
pobreza e da desigualdade
2.8 Conclusões
Capítulo 3
Redistribuição para os ricos
3.1 Introdução
3.2 O que diz a teoria econômica?
3.3 Desigualdade, instituições extrativas e rent-seeking no
Brasil
3.4 Evidências da redistribuição para os ricos no Brasil
3.4.1 Judiciário lento e pouco eficiente
3.4.2 Fragilidade das agências reguladoras
3.4.3 Acesso privilegiado ao crédito público
BNDES
As conexões políticas e o acesso ao crédito
3.4.4 Proteção à indústria nacional
Os argumentos em favor da proteção industrial
Críticas aos argumentos a favor da proteção da
indústria
Capítulo 4
Redistribuição para os pobres
4.1 Introdução
4.2 O que diz a teoria econômica?
4.3 O impacto fiscal da transferência de renda para os
pobres
4.4 A expansão da educação pública para os pobres e seu
impacto fiscal
4.5 A expansão da saúde pública para os pobres e seu
impacto fiscal
4.6 Conclusões
Capítulo 5
As classes de renda média entram no jogo
5.1 Introdução
5.2 O que diz a teoria econômica?
5.3 Rent-Seeking em disputas judiciais
5.4 Os idosos como público preferencial dos políticos
5.5 A educação pública que não vai para os mais pobres
5.6. A força política dos servidores públicos
Garimpando ganhos nos meandros da lei
5.7 Os sindicatos e o bloqueio da reforma das leis
trabalhistas
5.8 As propostas de isenção do imposto de renda
5.9 O “vale-tudo” redistributivo
5.10 Conclusões
Capítulo 6
Redistribuição e crescimento de longo prazo
6.1 Introdução
6.2 O que diz a teoria econômica?
6.3 Que trajetória esperar para o Brasil?
6.4 Conclusões
Referências
INTRODUÇÃO
1.1 Introdução
O principal objetivo deste capítulo é mostrar que a taxa média de crescimento
do PIB no Brasil desde meados da década de 1980 é medíocre, apresentando
10 fatos estilizados da economia brasileira que constituem as causas imediatas
desse mau desempenho.
Faz-se inicialmente um pequeno sumário dos fundamentos teóricos do
crescimento econômico. Em seguida, apresenta-se uma breve retrospectiva da
política econômica brasileira durante a ditadura militar (1964-1984),
mostrando como tal política condicionou as escolhas feitas a partir da
democratização de 1985.
São, então, apresentados os 10 fatos estilizados que explicariam o baixo
crescimento e que têm suas raízes nas condições econômicas da transição para
a democracia, na alta desigualdade e no funcionamento das novas instituições
democráticas.
O capítulo encerra-se com a apresentação do argumento central deste livro,
qual seja: uma importante causa do baixo crescimento brasileiro é a aguda
desigualdade na distribuição de renda e de patrimônio em um contexto político
democrático. Os 10 fatos estilizados que aparentam ser os fatores que
bloqueiam o crescimento são, em grande medida, consequência ou sintomas
dessa causa mais profunda.
Fonte: Alan Heston, Robert Summers e Bettina Aten, Penn World Table Version 7.1, Center for International
Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, Nov 2012.
* O valor apresentado para a Rússia representa a média para o período 1991-2010.
Elaborado pelo autor.
Fonte: Alan Heston, Robert Summers e Bettina Aten, Penn World Table Version 7.1, Center for International
Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, Nov 2012. Elaborado pelo autor.
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional – Despesa da União por Grupo de Natureza de Despesa. Deflator: IGP-DI.
Elaborado pelo autor.
Á
GRÁFICO 1.13 Taxa real média de empréstimos bancários em países
selecionados (% ao ano): 2010-2011
País Ranking
Portugal 11
Espanha 18
Coreia do Sul 22
Taiwan 27
Malásia 29
Chile 31
Turquia 34
Austrália 36
Irlanda 37
África do Sul 58
Botsuana 64
México 65
China 69
Polônia 79
Equador 85
Índia 87
Egito 88
Costa Rica 95
Filipinas 98
Rússia 101
Brasil 107
Colômbia 108
Peru 111
Argentina 112
Bolívia 118
Vietnã 119
Venezuela 135
Paraguai 140
Fonte: The World Economic Forum. The Global Competitiveness Report. Elaborado pelo autor.
Fonte: www.ipeadata.gov.br.
Deflator: INPC. Elaborado pelo autor.
Á
GRÁFICO 1.17 Abertura comercial para países selecionados – 2010:
exportações mais importações (% do PIB)
Fonte: Alan Heston, Robert Summers e Bettina Aten, Penn World Table Version 7.1, Center for International
Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, Nov. 2012.
Nota: medido a preços de 2005. Elaborado pelo autor.
É interessante notar que o Brasil está nessa posição apesar de ter promovido
uma importante guinada na sua política de comércio exterior em 1990, quando
reduziu significativamente suas barreiras comerciais.55 De fato, o Gráfico 1.18
mostra uma tendência crescente no índice de abertura comercial do Brasil
depois do final da década de 1980. No entanto, houve um movimento
generalizado de abertura comercial ao redor do mundo nesse período e, apesar
de audacioso para os padrões nacionais, a liberalização brasileira manteve o
país entre os mais fechados do mundo.56
GRÁFICO 1.18 Abertura comercial no Brasil no período 1970-2010:
exportações mais importações (% do PIB)
Fonte: Alan Heston, Robert Summers e Bettina Aten, Penn World Table Version 7.1, Center for International
Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, Nov. 2012.
Nota: Medido a preços de 2005. Elaborado pelo autor.
Ranking Geral
País Ranking do Grupo de Comparação (28 países)
(180 países)
Malásia 4 1
Irlanda 6 2
Colômbia 6 2
África do Sul 10 4
Peru 13 5
Taiwan 32 6
Chile 32 6
Coreia do Sul 49 8
Portugal 49 8
México 49 8
Polônia 49 8
Botsuana 49 8
Índia 49 8
Austrália 70 14
Turquia 70 14
Paraguai 70 14
Egito 82 17
Brasil 82 17
Espanha 100 19
China 100 19
Rússia 117 21
Argentina 117 21
Filipinas 128 23
Equador 139 24
Bolívia 139 24
Vietnã 169 26
Costa Rica 169 27
Venezuela 181 28
Fonte: Banco Mundial – Doing Business http://www.doingbusiness.org/data.
Elaborado pelo autor.
Ranking no Taxa de
Rankin Tempo Custo
Grupo de Recuperação
g Geral
País Comparaçã % do Centavo
(171 Ano Rankin Rankin Rankin
o crédit s por
países) s g g g
(28 países) o dólar
Irlanda 9 1 0,4 1 9 6 87,5 1
Coreia do
14 2 1,5 4 4 1 81,8 2
Sul
Taiwan 15 3 1,9 11 4 1 81,8 2
Austrália 18 4 1,0 2 8 5 80,8 4
Espanha 20 5 1,5 4 11 11 76,5 5
Colômbia 21 6 1,3 3 6 3 76,2 6
Portugal 23 7 2,0 12 9 6 74,6 7
México 26 8 1,8 9 18 22 67,3 8
Botsuana 29 9 1,7 7 15 14 64,8 9
Polônia 37 10 3,0 16 15 14 54,5 10
Malásia 49 11 1,5 4 15 14 44,7 11
Rússia 53 12 2,0 12 9 6 43,4 12
Bolívia 68 13 1,8 9 15 14 39,0 13
China 82 14 1,7 7 22 25 35,7 14
África do
84 15 2,0 12 18 22 35,4 15
Sul
Argentina 94 16 2,8 15 12 12 30,8 16
Chile 98 17 3,2 18 15 14 30,0 17
Peru 106 18 3,1 17 7 4 28,1 18
Índia 116 19 4,3 25 9 6 26,0 19
Turquia 124 20 3,3 19 15 14 23,6 20
Costa
128 21 3,5 20 15 14 22,5 21
Rica
Equador 137 22 5,3 27 18 22 17,8 22
Egito 139 23 4,2 24 22 25 17,6 23
Brasil 143 24 4,0 22 12 12 15,9 24
Paraguai 144 25 3,9 21 9 6 15,3 25
Venezuel 163 27 4,0 22 38 27 6,4 27
a
Filipinas 165 28 5,7 28 38 27 4,9 28
Vietnã 149 26 5,0 26 15 14 13,9 26
Fonte: Banco Mundial – Doing Business http://www.doingbusiness.org/data. Elaborado pelo autor.
Ranking Geral
País Ranking do Grupo de Comparação (28 países)
(180 países)
Malásia 4 1
Irlanda 6 2
Colômbia 6 2
África do Sul 10 4
Peru 13 5
Taiwan 32 6
Chile 32 6
Coreia do Sul 49 8
Portugal 49 8
México 49 8
Polônia 49 8
Botsuana 49 8
Índia 49 8
Austrália 70 14
Turquia 70 14
Paraguai 70 14
Egito 82 17
Brasil 82 17
Espanha 100 19
China 100 19
Rússia 117 21
Argentina 117 21
Filipinas 128 23
Equador 139 24
Bolívia 139 24
Vietnã 169 26
Costa Rica 169 27
Venezuela 181 28
Fonte: Banco Mundial – Doing Business http://www.doingbusiness.org/data. Elaborado pelo autor.
O Brasil se sai um pouco melhor nesse índice, mas não passa de uma posição
intermediária: 82o entre 185 países (5o percentil). No grupo de comparação, o
Brasil fica em 17o entre 28 (7o percentil). Ou seja, há muito que melhorar. A
Tabela 1.10 mostra os números.
Todos os índices apresentados anteriormente estão relacionados com o grau
de incerteza legal ou jurídica. Eles medem o grau de proteção à propriedade.65
Tomando-se esses índices por base, o Brasil parece ser uma sociedade na qual
as regras do jogo não estimulam o fair play, são frequentemente desrespeitadas
ou levam muito tempo para serem impostas pela justiça. Isso aumenta a
incerteza quanto ao futuro e torna os investimentos mais arriscados: um
empreendedor pode, por exemplo, achar que o investimento na compra de uma
nova máquina seja um bom negócio, mas o risco de ter que lidar com
devedores inadimplentes ou o alto custo de crédito pode desencorajar o novo
investimento.66
Investimentos que envolvem um elevado percentual de ativos imobilizados
são especialmente afetados pela incerteza jurídica. Suponha-se, por exemplo, a
construção de uma ferrovia ou a perfuração de um poço de petróleo. O dono da
ferrovia não pode simplesmente arrancar os trilhos e mudá-los para outro país
caso algo dê errado depois que o investimento foi feito. De modo similar, o
explorador do poço de petróleo investe grande quantidade de dinheiro antes de
extrair os primeiros barris de óleo. Quem tem que investir muito dinheiro ou
imobilizar ativos fixos logo no começo do empreendimento fica sem margem
de manobra para o caso de algo de errado acontecer depois dos investimentos
iniciais. Uma grande quantidade de capital já está “afundada” no negócio e não
há como protegê-lo de expropriações. Por exemplo, se um governo decidir
estatizar a ferrovia ou cassar a concessão para exploração do poço de petróleo
sem pagar indenização, a empresa terá poucos instrumentos para se defender.
Portanto, a incerteza jurídica é mais uma barreira ao investimento privado em
infraestrutura, o que faz com que os gargalos de infraestrutura (fato estilizado
5) sejam um problema de difícil solução em um contexto de fragilidade
jurídica. Os investimentos privados em infraestrutura só serão atrativos se as
margens de lucro forem grandes o suficiente para compensar os riscos de
expropriação. Nesse caso, a incerteza jurídica gera custos de produção mais
altos, reduzindo a competitividade da economia.
O alto preço para serviços de grande importância para a economia (tais como
crédito e infraestrutura) dissemina pressões de custo por toda parte, reduzindo
a habilidade das empresas instaladas no país para competir em mercados
externos.
Ademais, ativos que não estão plenamente protegidos de expropriação ou
desvalorização não costumam ser aceitos por bancos como garantias de
empréstimos, o que reduz o espaço para o uso do financiamento bancário para
financiar novos investimentos.
Em um ambiente de instabilidade jurídica, as pessoas preferem alocar sua
poupança em ativos mais seguros, abrindo mão de rentabilidade. Comprar
participação minoritária em uma empresa promissora pode não ser um bom
negócio se houver risco de os diretores dessa empresa se comportarem fora dos
padrões esperados de respeito aos acionistas minoritários. Dado esse risco,
pode ser preferível comprar ativos reais (imóveis ou ouro, por exemplo),
deixando-os sem uso, como forma de proteção do patrimônio.
Imagine, por exemplo, o caso de um indivíduo que compra um imóvel e
decide alugá-lo. Se a legislação de locação de imóveis for frágil e se o
inquilino conseguir na justiça evitar os pagamentos do aluguel e não ser
despejado, o patrimônio do proprietário (e sua rentabilidade) fica em risco, o
que torna preferível manter o imóvel vazio.
O retorno médio dos investimentos cai e as pessoas vão preferir consumir
mais e investir menos. As perspectivas de crescimento de longo prazo caem
devido ao menor nível de investimentos.
Como mencionado anteriormente, as empresas tendem a restringir o conjunto
de parceiros comerciais, fazendo negócios apenas com aquelas pessoas e
firmas que conhecem bem e confiam, para evitar ter que recorrer à justiça para
resolver pendências comerciais. Com isso, perdem a oportunidade de encontrar
fornecedores mais eficientes ou clientes com grande potencial.
Outra estratégia comum em um contexto de fragilidade das instituições
judiciais é levar para dentro da empresa a produção de bens e serviços que
poderiam ser adquiridos no mercado (a chamada “verticalização” da
produção). Faz-se isso para minimizar a necessidade de contato comercial com
terceiros, o que reduz o risco de litígio comercial. Isso reduz a produtividade
da economia, porque as firmas deveriam se concentrar naquilo que melhor
produzem.
Em resumo, a incerteza jurídica e a fragilidade na proteção dos direitos de
propriedade prejudicam os investimentos, a produtividade e,
consequentemente, o crescimento da economia. Os dados mostrados nesta
seção são uma evidência de que o Brasil está longe de oferecer um ambiente
legal estável e confiável, o que afeta o crescimento de longo prazo da
economia.
1.5.9 FATO ESTILIZADO 9: grande número de empresas pequenas, informais
e improdutivas
As empresas brasileiras são tipicamente pequenas. A Tabela 1.11 mostra que
91% de todas as empresas formais têm nove ou menos empregados. O setor
manufatureiro possui empresas maiores, mas, mesmo nesse caso, as empresas
pequenas representam 78% do total de firmas. Considerando que esses dados
vêm de uma pesquisa que não cobre empresas no setor informal (usualmente
pequenas), o tamanho médio da empresa brasileira é, provavelmente, ainda
menor.
TABELA 1.11 Empresas formais por número de empregados pagos (%) –
2010
Comércio e
Tota Manufatur
reparação Alojamento e alimentação
l a
de veículos
Até 9 91 78 94 89
10 ou
9 22 6 11
mais
Fonte: IBGE (Demografia das Empresas – 2010). Elaborado pelo autor.
Infelizmente não há muita informação comparativa disponível para outros
países, como no caso dos fatos estilizados anteriores. A informação que é
possível obter na literatura foi extraída do estudo de David Lagakos,67 no qual
o autor busca entender porque países menos desenvolvidos têm baixa
produtividade no setor de comércio varejista. Lagakos mostra um quadro em
que países de renda baixa e média, como o Brasil, tipicamente têm firmas
pequenas, enquanto os mais desenvolvidos têm empresas maiores. A Tabela
1.12 compara o percentual de pessoal empregado em empresas pequenas
(menos de 20 empregados) e grandes no setor de vendas no varejo em seis
países. Enquanto nos EUA 67% dos empregados trabalham em empresas
grandes, nos países de renda média e baixa essa participação atinge não mais
que 23% (21% no Brasil). Lagakos afirma que Alemanha, França, Holanda e
Reino Unido têm distribuição do emprego similar à dos EUA.
TABELA 1.12 Distribuição do emprego entre pequenas e grandes empresas
no setor de varejo (%)
Fonte: Barro e Lee (2010). Dados disponíveis em: http://www.barrolee.com/data/dataexp.htm. Elaborado pelo autor.
Todavia, o país tem melhorado seu desempenho ao longo dos anos. Segundo
o economista especializado em educação, Naércio Menezes Filho, “entre 2000
e 2009 o desempenho dos alunos brasileiros [teve] um dos maiores aumentos
observados entre os participantes”. Como o país parte de um nível muito
baixo, porém, “essa melhora somente recupera parte do atraso”.84
TABELA 1.14 Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA):
classificação de países selecionados (2009)
9 Ray (1998) e Jones (2002) são livros-texto mais acessíveis sobre o tema. Acemoglu (2000) é uma
referência para nível mais avançado.
10 Ver, por exemplo, Caselli (2005).
11 Penn World Table 7.1.
12 Jones (2002).
13 Fonte: www.ipeadata.gov.br.
14 Barro e Lee (2010).
15 Fonte: www.ipeadata.gov.br.
16 Bacha (1974).
17 Robinson (2008, p. 2). Esta e todas as demais citações feitas no livro, de textos produzidos
originalmente em inglês, foram traduzidas livremente pelo autor, sendo de sua responsabilidade eventuais
erros ou interpretações equivocadas.
18 Para ser exato, uma emenda constitucional à carta de 1967, aprovada em 1985, deu direito de voto aos
analfabetos e aos jovens de 16 anos ou mais. Anteriormente, a idade mínima para o voto era de 18 anos.
19 Uma dessas constituições – a de 1967 – foi profundamente reformada apenas dois anos após o início
de sua vigência.
20 Veja, por exemplo: Easterly (2001) ou Rajan (2006).
21 Os planos de estabilização anteriores foram: Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor I
(1990) e Collor II (1991).
22 Os dados para 2011 e 2012 não estavam disponíveis nessa base de dados internacional.
23 Brasil, Rússia, Índia e China. Mais recentemente, a África do Sul tem sido incluída nesse grupo. O
termo BRIC foi criado por Jim O’Neil, executivo da Goldman Sachs, para denominar os países
considerados potências emergentes.
24 A Secretaria do Tesouro Nacional, que centraliza as contas da União, foi criada apenas em 1986.
Antes disso, as contas governamentais eram geridas pelo Banco do Brasil, cujo balanço tinha conexão
direta com o Banco Central. O controle de despesas e a transparência fiscal eram fortemente prejudicadas
naquele contexto.
25 O conceito de Governo Central inclui as despesas do orçamento do Governo Federal, da Previdência
Social e do Banco Central. Ao contrário da estatística mostrada no Gráfico 1.4, a despesa primária inclui
os gastos com investimentos. Porém, como será mostrado adiante, no fato estilizado 5, essa despesa além
de pouco significativa não evoluiu no período, de modo que a tendência crescente de gasto aqui
apresentada se deve ao impulso de crescimento do gasto corrente. Outra diferença em relação entre os
Gráficos 1.4 e 1.5 é que a despesa primária considerada neste último não inclui as transferências da
União para estados e municípios, considerada como uma redução nas receitas líquidas do Tesouro.
26 Para a crise fiscal e o ajuste nos estados e municípios, ver Pellegrini (2012), Salviano Jr. (2004),
Nascimento e Debus (2002).
27 Ver Pagés (2010, Capítulo 7) para uma revisão da literatura acerca da relação de causalidade entre alta
tributação e baixa produtividade.
28 Para uma revisão geral acerca da teoria da tributação e distorções econômicas, ver Stiglitz (2000).
Para uma análise específica do caso brasileiro, ver Biderman e Arvate (2005, Capítulos 9 a 16).
29 Para mais detalhes sobre as distorções causadas por tributos cumulativos e sobre a experiência
brasileira com esses tributos, ver Varsano et al. (2001), e Afonso e Araujo (2005).
30 Pinheiro e Giambiagi (2006, p. 155-164).
31 Afonso e Araujo (2005) e Receita Federal do Brasil – Estudos Tributários (Carga Tributária Brasileira
2011). Tributos considerados: COFINS, PIS-PASEP, CPMF, ISS, IOF e Impostos Únicos.
32 Banco Mundial (2013a).
33 Vide Brasil (2008).
34 Para uma descrição e análise das tentativas de reforma tributária, ver Varsano (1997), Varsano (2001),
Zouvi et al. (2008), Giambiagi (2008) e Friedmann (2011).
35 Ademais, deve-se enfatizar que, em todo o mundo, os investimentos são fortemente associados à
poupança doméstica, como mostrado no trabalho seminal de Feldstein and Horioka (1980).
36 Hausmann, Rodrik e Velasco (2005, p. 12-13).
37 Pastore (2013).
38 Ubiergo (2012).
39 Frischtak (2012). Fonte original: Agência Nacional de Águas (ANA).
40 Frischtak (2008).
41 Calderon e Servén (2010).
42 Frischtak (2012) faz um sumário da literatura que analisa a relação causal entre investimentos em
infraestrutura e crescimento econômico.
43 Rajaram et al. (2008).
44 Banco Mundial (2009).
45 Pagés (2010) faz uma abrangente apresentação dos mecanismos que associam infraestrutura com
produtividade econômica.
46 Pagés (2010, p. 132).
47 Mesquita, Volpe e Blyde (2008).
48 Távora (2008).
49 Pagés (2010, p. 131). Desde a data de publicação desse estudo, 14 anos atrás, as condições de tráfego
em Brasília se deterioraram bastante e, certamente, a repetição do levantamento revelaria maior impacto
dos congestionamentos sobre os custos de transporte também nessa cidade.
50 Pagés (2010, p. 130-31).
51 Ver, por exemplo, Neri, Gonzaga e Camargo (2001).
52 Banco Central do Brasil (2011, p. 23-25).
53 Banco Central do Brasil (2013, p. 94-102).
54 Constituição Federal, art. 201, § 2o.
55 Menezes Filho e Kannebley Jr. (2013), Giambiagi e Pinheiro (2005) e Corseuil e Kume (2003)
descrevem a liberalização comercial no Brasil.
56 Giambiagi e Pinheiro (2005).
57 Pagés (2010) e Menezes Filho e Kannebley Jr. (2013) resumem essas teorias.
58 Ferreira e Rossi (2003, p. 1.399).
59 Menezes Filho e Kannebley Jr. (2013).
60 As descrições de indicadores apresentadas nesta seção são transcrições do documento “data note”, que
constitui um capítulo do relatório principal do Doing Business 2013 – Banco Mundial (2013, p. 106-130)
61 Banco Mundial (2013a).
62 Banco Mundial (2013, p. 126).
63 Dos 185 países, 14 não têm índice de resolução de insolvência calculados.
64 Banco Mundial (2013, p. 116).
65 Banco Mundial (2013, p. 106).
66 Pinheiro e Giambiagi (2006, p. 192-198) e Pinheiro (2005) apresentam um sumário dos argumentos
que associam incerteza jurídica a problemas com o crescimento e com a estabilidade macroeconômica.
67 Lagakos (2009).
68 Pagés (2010, p. 182-3).
69 Soto (2003).
70 Lagakos (2009), por exemplo, argumenta que países em desenvolvimento preferem fazer compras em
mercados pequenos, de menor qualidade, porque as famílias não têm carro para ir a mercados maiores,
mais eficientes, normalmente localizados em áreas isoladas das cidades.
71 Por exemplo, a burocracia e os custos para abrir empresa no Brasil são altos. No ranking Doing
Business, a dimensão “iniciando um negócio” coloca o Brasil em 121o entre 185 países. Essa dimensão
do índice mede “todos os procedimentos oficiais requeridos, ou comumente feitos na prática, para que
um empreendedor comece um negócio e opere formalmente uma indústria ou empreendimento comercial,
bem como o tempo e o custo para completar tais procedimentos, além do capital mínimo requerido”
(Banco Mundial, 2013, p. 108).
72 Sobre esse ponto, ver Amadeo e Camargo (1993) e Barros e Corseiul (2001).
73 Vide: http://www.delphin.com.br/orientacao/66-encargos-sociais-sobre-a-folha-de-pagamento.
74 Vide: http://www.delphin.com.br/orientacao/66-encargos-sociais-sobre-a-folha-de-pagamento.
75 Pastore (2005).
76 Fonte: www.ipeadata.gov.br.
77 Gonzaga (2003) chama a atenção para um problema adicional: o mecanismo de proteção do
trabalhador por meio da poupança do FGTS induz alta rotatividade da mão de obra, desestimulando as
empresas a investir em treinamento. Isso resulta em menor produtividade, limitando o crescimento
econômico.
78 Segundo Pagés (2010, p. 184) o acesso ao crédito no Brasil está bastante correlacionado com a
formalização e o pagamento de impostos.
79 Busso et al. (2012). Os autores analisam 10 países latino-americanos. De acordo com seus cálculos, o
Brasil é o país onde a má alocação da produção entre firmas mais produtivas e menos produtivas é menos
aguda. Ainda assim, o valor absoluto de perda de produção causado por esse fator é alta.
80 Ferraz e Monteiro (2009).
81 Pagés (2010, 192).
82 de Vries (2009).
83 Veloso (2011, p. 216).
84 Menezes Filho (2011, p. 271).
85 Barbosa Filho e Pessôa (2013).
86 Gomes et al. (2003).
87 Banco Mundial (2002, p. 43).
CAPÍTULO 2
DESIGUALDADE
2.1 Introdução
No Brasil um engenheiro ganha 7 vezes mais que um carpinteiro. No Reino
Unido essa diferença é de apenas 2,1 vezes, nos EUA não passa de 1,8 e no
Canadá é 1,7 vezes. O curioso é que o emprego de alta renda no Brasil tem
remuneração similar ao dos países desenvolvidos. O engenheiro brasileiro
ganha, em média, US$ 3,7 mil por mês, mais do que o canadense (US$ 3,0
mil), quase igual ao britânico (US$ 3,8 mil) e um pouco menos que o norte-
americano (US$ 4,7 mil).
Os engenheiros brasileiros, portanto, podem ter um padrão de vida similar
ao dos seus colegas dos outros países. A situação do carpinteiro brasileiro é
muito diferente. Enquanto este ganha US$ 512 por mês, os seus colegas
acima do Equador recebem na faixa de US$ 1,8 mil (Reino Unido e Canadá)
a US$ 2,5 mil (EUA). Provavelmente o carpinteiro brasileiro terá um padrão
de vida bem mais pobre que os colegas estrangeiros.88 Esse grande fosso
remuneratório é um retrato da grande desigualdade brasileira.
Nos outros três países do exemplo, os dois tipos de profissional e suas
famílias com frequência estudam nas mesmas escolas, usam os mesmos
hospitais ou trafegam nos mesmos tipos de transportes. No Brasil, o filho do
engenheiro nascerá em um hospital privado, custeado por plano de saúde
privado, irá para escola particular e andará, a maior parte do tempo, de carro;
o filho do carpinteiro terá maior probabilidade de nascer em um hospital
público, de frequentar escola pública e de se deslocar em transporte público –
todos de menor qualidade que o privado. Vivem, portanto, em mundos
paralelos, e assim crescerão. O filho do engenheiro terá maior probabilidade
de sucesso na vida escolar e de ter um emprego de alta renda que o filho do
carpinteiro, com a desigualdade passando de uma geração a outra.
O argumento central deste livro é de que essa desigualdade extrema de
renda, patrimônio e capital humano é um importante fator causal para o baixo
crescimento econômico na história recente do Brasil. Antes de explorar essa
ideia em maior detalhe, é importante conhecer um pouco mais sobre a
desigualdade no mundo, o grau de desigualdade no Brasil e sua tendência nos
últimos anos.
O primeiro fato relevante é que a desigualdade é persistente no tempo.
Países que construíram um modelo econômico desigual no passado tendem a
perpetuar a desigualdade ao longo do tempo. Os motivos dessa inércia serão
analisados no Capítulo 3. O Gráfico 2.1 apresenta o índice de Gini de
desigualdade de renda para vários países, comparando a desigualdade no
passado (dado mais antigo disponível) com a desigualdade no presente (dado
mais recente disponível).89 A principal mensagem do gráfico é que, para esse
grupo de países, a desigualdade no passado explica 80% da desigualdade
atual: países que foram desiguais no passado tendem a permanecer desiguais
no presente. O gráfico também destaca o fato de que os países da América
Latina e do Caribe (representados por esferas) são, em geral, bem mais
desiguais que as outras nações. O Brasil (triângulo) está entre os mais
desiguais do mundo, no passado e no presente.
GRÁFICO 2.1 Desigualdade no passado versus desigualdade no presente
(Índice de Gini para renda familiar): diversos países
*São utilizados dados o mais próximo possível dos anos de 1995 e 2009. O ano inicial varia entre 1995 e 1997 e o
ano final varia entre 2007 e 2009. Como as taxas mostradas no gráfico são anuais, a diferença nas datas de
algumas pesquisas não gera distorção na comparação.
Á Í
GRÁFICO 2.4 Índice de Gini para renda familiar: países selecionados
(vários anos)
Fonte: IPEA (2012) para o Brasil, Banco Mundial (2011) para os demais países da América Latina e, para o restante,
World Inequality Database (WIID2C). Elaborado pelo autor.
Feita esta subdivisão, o estudo analisa como cada um dos subitens contribui
para a desigualdade de renda.
Tomando os dados relativos a 2011, o estudo mostra que as rendas obtidas
no mercado de trabalho eram responsáveis por 79% da desigualdade. Ou seja,
a grande diferença entre as maiores e menores remunerações no mercado de
trabalho constitui o principal componente da desigualdade no Brasil.
Em seguida vêm os benefícios pagos pela Previdência Social, que
respondem por 18% da concentração: ainda que seja um gasto governamental
na chamada “área social”, a Previdência é concentradora de renda, pagando
mais a pessoas de maior renda.
Já o Programa Bolsa Família é um gasto social que desconcentra a renda,
com um impacto de redução de 1% no índice de Gini. O BPC tem impacto
nulo sobre a concentração e as outras rendas elevam o Gini em 3%.
A grande importância da renda do trabalho na geração de um elevado índice
de Gini decorre do fato de que esta renda representa mais de 3/4 da renda
domiciliar, com os demais componentes representando o 1/4 restante. Sendo
distribuída de forma desigual e tendo grande peso na renda total, a renda do
trabalho torna-se determinante para a alta desigualdade brasileira.
De forma simétrica, o Programa Bolsa Família é fortemente focado nos
pobres e, portanto, redistribui renda. Como, porém, os rendimentos advindos
do programa representam, em média, apenas 0,9% da renda familiar per
capita, o impacto do Programa na distribuição total da renda é pequeno.
Ou seja, cada um dos componentes da renda domiciliar afeta a concentração
de renda a partir de dois elementos: (a) quão enviesado a favor dos mais ricos
ou do mais pobre é aquele componente de renda; (b) quão importante aquele
componente é na renda domiciliar total.
Nesse sentido, é relevante chamar atenção para o fato de que, em termos
líquidos, o setor público é concentrador de renda, pois o impacto da
Previdência é muito superior ao impacto oposto das políticas de assistência
social.
Os economistas Pedro de Souza e Marcelo Medeiros92 apresentam
conclusões similares às relatadas acima. Eles também investigam a
contribuição de cada subitem da renda domiciliar para a desigualdade.
Utilizam, contudo, outra fonte de dados, a Pesquisa de Orçamento Familiar
(POF), tomam 2009 como ano de referência e fazem um recorte mais
detalhado da renda, que é subdividida em:
Fontes: Índice de Gini: Barros et al. (2009) e IPEA (2012). Fonte primária: Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) 1977-2011. Participação dos 1% mais ricos na renda: www.ipeadata.gov.br . Elaborado pelo
autor.
2.8 Conclusões
As principais conclusões deste capítulo podem ser assim sumariadas:
1. a desigualdade é persistente no tempo, de modo que os países que
estabeleceram modelos econômicos geradores de desigualdade nos
primórdios de sua organização econômica tendem a carregar essa
desigualdade ao longo de sua história. No Capítulo 3 serão feitas
considerações sobre como isso teria ocorrido no Brasil e na América
Latina;
2. o modelo político pós-1985 associado a condições econômicas favoráveis
na economia internacional levaram à redução da desigualdade no Brasil a
partir de 1998. Apesar disso, o país segue entre os mais desiguais do
mundo;
3. a desigualdade de remunerações no mercado de trabalho é a principal
causa imediata da alta desigualdade de renda no Brasil, seguida por um
efeito concentrador dos pagamentos dos benefícios da Previdência Social.
A remuneração dos servidores públicos também tem significativo impacto
concentrador de renda;
4. os programas governamentais com maior efeito redistributivo são o Bolsa
Família e, mais recentemente, o Benefício de Prestação Continuada, sendo
que o primeiro é mais efetivo que o segundo em alcançar os mais pobres,
além de ser mais barato;
5. a queda da desigualdade observada entre 2001 e 2011 foi causada por uma
redução no hiato entre as maiores e menores remunerações no mercado de
trabalho e por redução no efeito concentrador de renda das transferências
de renda governamentais, em especial o pagamento de aposentadorias, que,
devido aos aumentos reais do salário mínimo, beneficiaram os aposentados
e pensionistas de menor renda;
6. não há garantias de que a queda de desigualdade acima referida seja
sustentável e se mantenha ao longo da segunda década do século XXI, seja
pelo esgotamento dos fatores que causaram a redução da desigualdade até
2011, seja pelo alto custo do modelo de política social adotado pelo
Governo Federal ou pela reversão de situação favorável no comércio
internacional de commodities;
7. a intensa queda da desigualdade não significa que a política
governamental voltada para essa finalidade seja eficiente. Na verdade,
mostra-se que o gasto social do Governo Federal é fortemente concentrado
em previdência social, que tem efeito regressivo, e dedica poucos recursos
aos programas de maior impacto redistributivo;
8. a trajetória da desigualdade durante o regime democrático iniciado em
1985 pode ser dividida em três fases: (1) hiperinflação e aumento da
desigualdade (1985-1995), (2) fim da hiperinflação como principal fator de
queda da desigualdade (1995-2001), (3) queda da desigualdade
determinada pelas transferências de renda governamentais, intensificação
dos aumentos reais do salário mínimo e por uma dinâmica do mercado de
trabalho favorável à redução do hiato de remuneração entre ricos e pobres
(de 2002 em diante);
9. apesar da significativa queda da pobreza que acompanhou a redução da
desigualdade, pelo menos 34% da população brasileira encontrava-se em
situação de pobreza ou vulnerabilidade ao final da primeira década do
século XXI. A classe média, por sua vez, passou a representar parcela
significativa da população, ficando entre 30% e 48%, dependendo dos
critérios utilizados na estratificação. Isso indica, por um lado, que ainda
existe um grande contingente de pobres e vulneráveis com demanda por
políticas assistenciais de curto prazo, voltadas a remediar a pobreza. Por
outro, já é significativo, também, o contingente populacional de classe
média capaz de se sentir economicamente seguro, a ponto de planejar
investimentos na melhoria da qualidade de vida a longo prazo, o que pode
gerar (mas não necessariamente o fará) mudança nas demandas
apresentadas ao governo e questionamentos ao modelo econômico de baixo
crescimento com redistribuição dissipativa.
O próximo capítulo entra no cerne do argumento central do livro, analisando
como os estratos mais ricos da sociedade conseguem obter gastos públicos e
regulação que os beneficiam, por meio da criação de instituições enviesadas.
3.1 Introdução
Em março de 2012, Eike Batista era a oitava pessoa mais rica do mundo, com
um patrimônio estimado em US$ 34,5 bilhões.132 Foi celebrado por uma
matéria de capa de uma das principais revistas semanais brasileiras: tratava-se
de um empresário que seria o ídolo dos novos milionários brasileiros, um
grupo que “trabalha muito, compete honestamente, orgulha-se de gerar
empregos e não se envergonha da riqueza”.133
Seu complexo empresarial consistia em um conglomerado chamado EBX,
voltados à exploração de commodities. A principal empresa, de exploração de
petróleo (OGX), prometia rivalizar com a Petrobras na quantidade de óleo
extraída. Para construir navios capazes de transportar essa produção
portentosa, a EBX criou o estaleiro OSX, que também seria utilizado para
transportar minérios explorados pela MMX. Como os navios da OSX
precisariam de um porto, Eike criou a LLX logística, cujo principal projeto
seria o “superporto” de Açu. Havia, ainda, empresas na área de geração de
energia (MPX) e de exploração de carvão (CCX), entre outras de menor
expressão.
Entre 2006 e 2010, o grupo EBX abriu o capital de suas empresas e fez
diversos lançamentos primários de ações (IPO) na Bolsa de Valores de São
Paulo. O da OGX foi a maior venda primária da história da Bovespa.
Filho de um ex-Ministro de Minas e Energia e ex-Presidente da então estatal
de exploração de minério de ferro, Vale do Rio Doce, durante o governo
militar, Eike sempre se esmerou no contato com lideranças políticas. Em
2009, doou R$ 10 milhões à campanha da cidade do Rio de Janeiro para
sediar as olimpíadas de 2016. Foi o maior doador individual da campanha
presidencial de Lula em 2006 e o maior patrocinador privado do filme Lula, o
filho do Brasil.134 Emprestava seu avião para viagens particulares do
Governador do Estado do Rio de Janeiro.135 Para o conselho de administração
de suas empresas convidou nada menos que um ex-Ministro da Fazenda, uma
ex-Ministra do Supremo Tribunal Federal e um ex-Senador e Ministro de
Minas e Energia.
Em primeiro de julho de 2013, o império de Eike Batista começou a
desmoronar, revelando uma história baseada em prejuízos para acionistas
minoritários, exploração da fragilidade das agências reguladoras,
financiamento junto a bancos públicos e capitalização com recursos de fundos
de pensão controlados por empresas estatais.
O ponto de partida da crise foi a declaração pela petroleira OGX de que seu
campo mais promissor (Tubarão Azul) era comercialmente inviável, o que
desencadeou uma crise de confiança na empresa e derrubou o preço de suas
ações. Como os negócios do grupo são todos interconectados, as demais
empresas também foram prejudicadas. Afinal, se não havia petróleo a ser
explorado, o que fazer com os navios que o transportaria e com o porto que
receberia tais navios? Ademais, dificuldades na produção de minério e no
andamento dos projetos da LLX e da OSX completariam o quadro negativo.
Interessante notar que os poços do campo considerados inviável haviam
sido, um ano antes, declarados viáveis pela empresa, que protocolou junto à
agência reguladora (Agência Nacional do Petróleo – ANP) a respectiva
“declaração de comercialidade”. Frente à inconsistência de informações e de
atos da OGX, a ANP não adotou qualquer procedimento punitivo, apenas
solicitando informações adicionais e aguardando o prazo regulamentar,
enquanto acionistas minoritários viam seus ativos virarem pó.136
A agência reguladora do mercado de capitais (Comissão de Valores
Mobiliários – CVM) e a Bovespa também apresentaram comportamento
passivo no episódio.137 As empresas de Eike Batista e o próprio empresário,
podem ter atuado de forma não condizente com as regras impostas a
sociedades de capital aberto. Os lançamentos primários de ações foram feitos
quando as empresas estavam em estágio pré-operacional, sem gerar receitas e
com lucros futuros baseados em projeções otimistas, não tendo sido impostas
restrições pelas regras da Bovespa ou pela CVM a esse tipo de venda, como
ocorre usualmente em outros países, como faz a Securities and Exchange
Comission (SEC), dos Estados Unidos.
Eike utilizou comunicados relevantes ao mercado para fazer propaganda
otimista acerca das perspectivas de produção, quando esse tipo de
comunicado deve se restringir a informações objetivas e comprovadas, para
evitar especulação e manipulação de preços na bolsa. De forma similar, o
empresário usou ativamente sua conta no Twitter para divulgar projeções
otimistas sobre a produção e rentabilidade de suas empresas. Esse tipo de
propaganda enganosa passou ao largo da vigilância da CVM, iludindo
investidores minoritários. A estrutura de remuneração dos executivos da
empresa, baseada no valor das ações na bolsa, induzia-os a produzir boas
notícias, que inflassem o valor das ações, com reflexo direto nos seus
patrimônios pessoais.
O empresário vendeu parte das suas ações da OGX 20 dias antes de anunciar
a inviabilidade comercial do campo de Tubarão Azul, negociando com base
em informação privilegiada. Meses após tal procedimento, não há evidências
de punição imposta pela CVM.
Em meio à crise, Eike decidiu transferir R$ 500 milhões do capital da OGX
para a OSX, em uma operação que prejudicava os acionistas da primeira em
favor dos da segunda, mais uma vez sem reação aparente da CVM.138
Exasperado com o que considerou inação da CVM, um investidor passou a
publicar, na internet, cartas abertas ao Presidente da CVM, anunciando quais
seriam as possíveis próximas manobras de Eike no sentido de contornar
regras e explorar lacunas legais:
Prezado Senhor Presidente:
Apesar de eu ter publicamente antecipado que o controlador da OGX, Sr.
Eike Batista, venderia ações OGXP3 na virada do mês de agosto para
setembro (...), essa Comissão de Valores Mobiliários nada fez. De acordo
com o art. 118[1] da Instrução CVM 461, esse órgão regulador deveria ter
cancelado todos os negócios realizados por Eike Batista nesses últimos
pregões, uma vez que as vendas foram feitas mediante a utilização de
informações não divulgadas ao mercado (...). Após perceber, no início deste
ano, que a maior parte dos campos de petróleo concedidos eram
economicamente inviáveis, o Sr. Eike Batista alienou 123 milhões de ações
da companhia; e, como todos já sabem, somente após essas vendas divulgou
ao mercado que a OGX desistiria da exploração de boa parte do que fora
projetado inicialmente.139
Fica clara a lentidão das agências reguladoras na situação em tela, CVM e
ANP em agir em caso de proporções extremas, capaz de abalar todo o
mercado acionário.
Bancos públicos têm capital emprestado (a juros subsidiados e com funding
provido pelos contribuintes) ao grupo EBX, com o BNDES exposto em R$
4,9 bilhões (de um total de empréstimos de R$ 10,4 bilhões) e a Caixa
Econômica Federal em R$ 1,4 bilhão.140 O braço de participações acionárias
do BNDES (BNDESpar) aplicou outros R$ 500 milhões em ações do grupo
EBX.141
Seguindo um padrão muito comum no mercado financeiro e de capitais
brasileiro, em que, além dos bancos públicos, os fundos de pensão de
empregados de empresas estatais são acionados para financiar projetos que
têm a benção governamental, os fundos dos funcionários do Banco do Brasil
e dos Correios também exibem créditos junto ao grupo EBX. O fundo dos
Correios concentrou 20% de sua carteira de ações nas ações do grupo.142 Ao
comentar o caso EBX, o jornal The New York Times observou que “as
estruturas de governo no Brasil continuaram as mesmas durante o longo
boom econômico, com as autoridades canalizando amplos recursos do
Estado para projetos controlados por magnatas”.143
No momento em que este livro estava sendo redigido, o episódio da queda
do “Império X” ainda estava em andamento, com novos capítulos por
acontecer: acionistas minoritários organizando-se para ir à justiça, CVM
iniciando procedimentos de apuração e o próprio empresário tomando
providências para vender empresas e reestruturar o grupo.
Os fatos ocorridos até esse momento, no entanto, são uma rica ilustração de
como o poder econômico e a influência política podem ser usados para
contornar as leis e permitir que indivíduos muito ricos apropriem-se de renda
dos contribuintes, dos acionistas minoritários de suas empresas ou de
participantes de fundos de pensão. Instituições judiciais e regulatórias fracas e
lentas, que propiciam espaço para tal comportamento, seriam, de acordo com
as teorias expostas na próxima seção, decorrência da formação histórica de
nações onde há elevada desigualdade. Tais instituições frágeis e enviesadas a
favor dos mais ricos teriam efeitos nocivos sobre o crescimento econômico de
longo prazo.
Á
GRÁFICO 3.1 Percentual de tempo em que as agências reguladoras
tiveram 3, 4 ou 5 diretores desde sua criação até 2009 (%)
Note-se, ainda, que a despesa total das agências só cresceu 35% porque as
agências mais novas tiveram grande expansão de gastos à medida que foram
se instalando. Aquelas criadas um pouco mais cedo e que lidam com setores
nos quais são maiores os volumes de investimentos e os interesses privados
(ANP, ANEEL e ANATEL) têm convivido com queda real ou crescimento
pífio de seus orçamentos.
Relatório do TCU sobre a ANTT, realizado em 2013, indica que a agência
carecia de meios básicos para fiscalizar o cumprimento dos contratos de
concessão de rodovias: faltavam veículos, notebooks com acesso à internet e
até equipamentos de segurança para os fiscais. Em consequência, a
fiscalização, na maioria das vezes, baseava-se em dados enviados pelas
próprias concessionárias, sem a devida checagem de sua veracidade. Mais de
80% dos investimentos que as concessionárias estavam obrigadas a fazer, por
força do contrato de concessão, estavam atrasados.167
Ou seja, uma empresa privada ganha um leilão de concessão, passando a ter
direito a cobrar pedágio dos usuários. Em contrapartida, deve fazer
investimentos na ampliação, manutenção e recuperação das estradas. Dado
que a agência de fiscalização não tem condições técnicas para checar se os
investimentos foram efetivamente realizados, a empresa concessionária pode
deixá-los de lado ou atrasá-los, continuar cobrando pedágio normalmente, não
ser multada e, com isso, obter lucros extraordinários.
Outra forma pela qual os governos podem influenciar as decisões das
agências é por meio da indicação de pessoas com forte conexão política com
o partido político no poder e sem a formação técnica exigida para lidar com
os complexos assuntos relativos à regulação de serviços de infraestrutura. A
princípio, caberia ao Senado Federal não aceitar a indicação de candidatos
sem adequada formação técnica ou experiência nos setores regulados.
Todavia, negociações políticas facilmente podem contornar esse filtro.
A Tabela 3.3 resume um levantamento feito com base nos currículos
apresentados ao Senado Federal pelos 67 indicados a cargos de diretores na
ANEEL, ANP, ANTT, ANTAQ, ANA, ANAC e ANATEL no período 2005-
2011. Partiu-se do princípio que, para exercer, com isenção e capacidade
técnica, o cargo de dirigente de uma dessas agências reguladoras, o candidato
deve preencher quatro requisitos básicos:
% do PIB Participação %
Privado 27,41 49,3
Público 28,14 51,7
TOTAL 55,55 100,0
Fonte: Banco Central do Brasil – Sistema de Séries Temporais.
Elaborado pelo autor.
DIRECIONADO % ao ano
Total 8,54
Pessoas jurídicas 8,98
Pessoas jurídicas – Crédito rural total 8,68
Pessoas jurídicas – Capital de giro com recursos do BNDES 9,82
Pessoas jurídicas – Financiamento de investimentos com recursos do BNDES 8,82
Pessoas físicas – Financiamento imobiliário 15,16
LIVRE % ao ano
Total 29,54
Pessoas jurídicas – Total 21,89
Pessoas jurídicas – Desconto de duplicatas 31,13
Pessoas jurídicas – Capital de giro total 19,04
Pessoas físicas – Total 38,07
Pessoas físicas – Crédito pessoal não consignado 73,45
Fonte: Banco Central do Brasil – Sistema de Séries Temporais.
Elaborado pelo autor.
BNDES
Dentro do segmento de crédito direcionado, cabe chamar a atenção para as
operações do BNDES. Esse banco foi criado em 1952 com o objetivo de
oferecer crédito de longo prazo à indústria, dentro do esforço do país para
desenvolver-se. Posteriormente, o banco ampliou suas linhas de créditos para
a agricultura e os serviços, mas o setor industrial continua predominante em
sua atuação. Desde a sua criação, o BNDES tornou-se praticamente
monopolista no crédito de longo prazo ao investimento no país. Ter acesso às
suas linhas de crédito aos baixos custos mostrados na Tabela 3.5 é o sonho de
todo empresário brasileiro. A demanda, todavia, é muito maior que a oferta e
não é qualquer um que consegue chegar até o “guichê” do BNDES.
O primeiro ponto que chama a atenção no BNDES é o seu tamanho. O
Banco, que opera basicamente dentro do Brasil, supera o volume de
desembolsos do Banco Mundial, que opera em mais de 100 países. Em 2012
o BNDES desembolsou o equivalente a US$ 68 bilhões, contra US$ 35,3
bilhões do Banco Mundial no ano fiscal de 2012.174
E quem recebe todo esse financiamento do BNDES? A Tabela 3.6 mostra
que a concessão de crédito pelo Banco é fortemente concentrada em grandes
empresas. Nada menos que 63% dos desembolsos em 2012 (equivalentes a
2,2% do PIB) foram para grandes empresas.
TABELA 3.6 Desembolsos do sistema BNDES por porte de empresa (2012)
Embora a concentração nos grandes tomadores não seja tão intensa como no
caso do BNDES, eles levam nada menos que 1/3 dos financiamentos dos
fundos. Por outro lado, ao contrário do BNDES, que tem uma razoável
política de controle da inadimplência de seus clientes, os fundos
constitucionais sofrem fortes perdas. Em estudo produzido em parceria com
Rogério Miranda e Fernando Cosio, assim descrevo a mecânica financeira
desses fundos:
Um problema central desses Fundos diz respeito às suas taxas internas de
retorno. Se o Governo Federal for considerado como investidor do fundo, se
os aportes anuais realizados pelo Tesouro forem considerados como
aplicações e se o montante aplicado pelos fundos, adicionados aos recursos
remanescentes em caixa, forem considerados como o patrimônio, é possível
construir um fluxo de caixa e, assim, calcular as suas taxas internas de
retorno.
(...) as taxas de retorno dos fundos são altamente negativas, indicando que
os fundos perdem recursos a cada período. No caso do FNO, por exemplo,
há uma perda de mais de 70% do capital empregado, o que praticamente
representa uma doação de recursos fiscais aos empreendedores privados que
tomaram crédito. Isso significa que, da maneira pela qual o sistema é gerido,
os fundos simplesmente se esgotariam, se não houvesse o permanente
reabastecimento de novas verbas por parte do erário.183
Ou seja, as empresas financiadas por tais fundos não recebem apenas
subsídios. Recebem “quase doações”. Outro fator que afeta o fluxo de caixa
dos fundos constitucionais são as altas taxas administrativas cobradas pelos
bancos públicos que os administram, o que representa uma espécie de captura
de recursos públicos pela burocracia dessas instituições, assunto que será
tratado no Capítulo 5, seção 5.9.
Os fundos de pensão de empregados de empresas estatais
Além da previdência gerenciada pelo Governo Federal, de participação
obrigatória para todos os trabalhadores do setor privado formalmente
registrados, existe a chamada previdência complementar, na qual os
trabalhadores contribuem para uma instituição que lhes pagará, durante a
aposentadoria, um valor adicional, que se somará benefício conferido pela
previdência social. As entidades fechadas de previdência complementar, mais
conhecidas por fundos de pensão, administram recursos oriundos não apenas
de contribuições dos empregados, mas também das empresas empregadoras,
chamadas de “patrocinadoras”. Um grupo relevante de fundos de pensão é
aquele patrocinado por empresas estatais.
A Tabela 3.9 mostra que os fundos patrocinados por estatais têm ativos que
atingem quase 10% do PIB. É uma montanha de dinheiro que precisa ser
aplicada em investimentos de longo prazo, para gerar rendimentos suficientes
para pagar as aposentadorias e pensões de seus associados.
Como as empresas patrocinadoras são estatais e seus dirigentes são
escolhidos politicamente, há grande espaço para se utilizar conexões políticas
para se obter acesso a empréstimos, financiamentos e capitalização mediante
a venda de ações a esses fundos. Acrescente-se a isso o fato, ressaltado por
Rafael Silveira e Silva, em sua tese de doutoramento em ciência política,184 de
que a representação dos empregados na direção dos fundos de pensão se dá,
com frequência, pela nomeação de representantes com carreira sindical e
aspirações políticas. Isso cria incentivos ao estreitamento de laços com
grandes empresas financiadoras de campanhas e tende a influenciar o voto
dos representantes dos trabalhadores nas decisões de investimentos dos
fundos.
TABELA 3.9 Ativos dos fundos de pensão patrocinados por entidades
estatais (posição em junho de 2013)
REDISTRIBUIÇÃO PARA OS
POBRES
4.1 Introdução
No dia 2 de abril de 2013, o Congresso Nacional promulgou a chamada “PEC
das Domésticas”. A Emenda Constitucional no 72 estendeu aos mais de 7
milhões de empregados domésticos do país207 os mesmos direitos trabalhistas
de empregados contratados por empresas formais.
Avaliada do ponto de vista dos direitos individuais, essa Emenda atende um
requisito básico de sociedades democráticas, que é o de dar tratamento legal
igualitário a todos os cidadãos. A aprovação da Emenda também significa,
porém, que o sistema político brasileiro não hesitou em aprovar uma
legislação que aprofunda distorções no mercado de trabalho e prejudica o
crescimento econômico.
Há muitos anos especialistas debatem os problemas gerados pela atual
legislação trabalhista, que restringe a criação de emprego e estimula a
informalidade e a alta rotatividade da mão de obra, bem como dificulta o
treinamento dos trabalhadores, conforme será analisado na seção 5.7 do
Capítulo 5. Em vez de buscar a modernização das regras trabalhistas para
todos os trabalhadores, o sistema político optou pelo aprofundamento de
regras ineficientes, com vistas a beneficiar um segmento específico, composto
por trabalhadores de baixa renda.
Desde a redemocratização, os Poderes Executivo e Legislativo da União não
se interessaram em formular e levar adiante um projeto de reforma das leis
trabalhistas com vistas a solucionar os problemas do mercado de trabalho;
uma reforma que buscasse equilíbrio entre direitos fundamentais e
flexibilidade dos contratos de trabalho, de forma a beneficiar os trabalhadores
formais e informais, e a aumentar a produtividade da economia.
No entanto, o Congresso aprovou, com tramitação acelerada e votação quase
unânime,208 um projeto que sinaliza com benefícios visíveis (e custos ocultos
pagos por toda a sociedade) para uma massa de eleitores de baixa renda.
Tal episódio reflete uma realidade oposta àquela analisada no Capítulo 3. Ali
se argumentou que os mais ricos conseguem desenhar instituições e políticas
que lhes são favoráveis, o que lhes garante políticas públicas que reproduzem
a concentração de renda e redistribuem renda a seu favor. A aprovação da
PEC das domésticas, por sua vez, ilustra como os mais pobres têm espaço, em
um sistema democrático, para serem beneficiados por políticas a eles
direcionadas.
Este é um exemplo típico do incentivo que têm os políticos em aprovar
legislação buscando popularidade junto a grandes contingentes de eleitores de
baixa renda. Em uma democracia, os políticos só mantêm suas carreiras em
ascensão se tiverem votos. Em uma sociedade desigual existe, tipicamente,
uma grande quantidade de eleitores pobres. Nada mais natural que a classe
política atenda aos anseios dos mais pobres em troca dos seus numerosos
votos. Não por outro motivo, o lema do regime militar, “fazer o bolo crescer
para depois redistribuir”, foi rapidamente trocado pelo lema criado pelo
Governo José Sarney, o primeiro da atual fase democrática: “tudo pelo
social”.
Há, todavia efeitos colaterais negativos dessas políticas redistributivas sobre
a eficiência e o crescimento da economia. Assim como a capacidade dos mais
ricos de manipular as regras a seu favor e de consolidar privilégios, a
redistribuição pró-pobres também desestimula o investimento e o crescimento
econômico, pelo menos no curto e médio prazos.
É possível que a redistribuição pró-pobres gere efeitos positivos sobre o
crescimento. Tais efeitos, porém, tendem a se manifestar no longo prazo e
serão analisados no Capítulo 6, onde se mostra que, sob certas condições, tal
redistribuição pode levar (mas não necessariamente levará) a um maior
potencial de crescimento.
O presente capítulo analisa o viés redistributivista pró-pobres existente em
sociedades desiguais e seu impacto adverso sobre o crescimento no curto e
médio prazo.
Variação
Real
% do PIB
2002-2012
(%)
Per
200 Tota
2012 capit
2 l
a
Bolsa Família (A)1 0,11 0,48 606 535
Benefícios aos idoso e aos deficientes de baixa renda (LOAS)2 0,23 0,66 382 334
Benefíicios previdênciarios urbanos = 1 SM 3 0,80 1,26 165 138
Benefícios previdenciários rurais = 1 SM 3 1,12 1,53 130 107
Subtotal de despesas com impacto redistributivo (A) 2,27 3,93 179 151
Abono e Seguro-Desemprego (B) 0,49 0,88 206 175
Total das despesas com impacto redistributivo e vinculadas
2,75 4,81 183 155
ao SM (C) = (A)+(B)
Total da despesa primária (D) 15,72 18,28 96 77
14,4
(A) / (D) 21,5%
%
17,5 26,3
(C) / (D)
% %
Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional – Resultado Primário do Governo Central, e Ministério do Desenvolvimento
Social.
1 Valor de 2002 corresponde ao somatório dos programas assistenciais incorporados pelo Bolsa Família em 2004.
2 Valor de 2002 informado pelo MDS (http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/indice.htm).
3 Calculado aplicando-se a participação percentual dos benefícios urbanos e rurais na despesa total de 2011 à
despesa total de 2012.
Deflator: IPCA. Elaborado pelo autor.
Esse elevado nível de gastos com transferências para os pobres fez com que
Kathy Lindert e coautores,213 do Banco Mundial, considerassem o Brasil
como um dos “grandes gastadores” em políticas sociais na América Latina,
em companhia de Argentina, Chile e Colômbia, em contraposição aos demais
países da região.
É inegável, portanto, o peso dessas políticas no tamanho e no ritmo de
crescimento da despesa pública. Conforme argumentado no Capítulo 1, essa
expansão da despesa pública desencadeia um movimento de aumento da
carga tributária, de redução da poupança pública e de aumento dos juros de
equilíbrio. Ademais, não se pode esquecer dos impactos adversos causados
pela forte elevação real do salário mínimo sobre o retorno esperado das
empresas e a consequente decisão de investir (fato estilizado 6), bem como
sobre a decisão das empresas de se manterem pequenas e informais, com
efeito negativo sobre a produtividade média da economia (fato estilizado 9).
O resultado é o modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa,
descrito no Capítulo 1.
Em suma, os gastos com transferências aos mais pobres, que ajudaram na
redução da desigualdade,214 têm como efeito colateral forte pressão fiscal e
distorções regulatórias e de preços relativos que prejudicam o crescimento
econômico.
Variação Real
% do PIB
2001-2011 (%)
201 Tota
2001 Per capita
1 l
Educação básica (educação infantil ao ensino médio) (A) 3,30 4,39 125 102
Carga Tributária (B) 31,87 33,51 78 60
10,4 13,1
(A)/(B)
% %
Fontes: INEP-MEC e Receita Federal do Brasil.
Deflator: IPCA.
Observa-se que a evolução dos gastos dos três níveis de governo é coerente
com a regra de despesa obrigatória mínima: a despesa do Governo Federal
sobe no mesmo ritmo do PIB, enquanto a dos estados e municípios sobe em
ritmo superior ao PIB, porque o gasto mínimo obrigatório desses entes é
fixado como percentual da arrecadação, que, no período, cresceu mais que a
economia.
É possível abrir os gastos do Governo Federal por tipo de despesa. Observa-
se, na Tabela 4.5, que houve um esforço em ampliar as despesas com ações de
atenção básica e prevenção, justamente as mais focadas em comunidades
pobres, que passaram de 0,35% para 0,43% do PIB. Em direção contrária, a
despesa com atenção hospitalar e ambulatorial caiu como proporção do PIB,
mas, em termos absolutos, ainda é o dobro do gasto com ações básicas e
preventivas.
TABELA 4.5 Despesa da União com a função saúde: 2002 versus 2011 (% do
PIB)
% da desp.
2002 2011
primária em 2011
Atenção básica e prevenção1 (A) 0,35 0,43 2,5%
Assist. Hospitalar e Ambulatorial (B) 0,96 0,88 5,0%
Outras (C) 0,41 0,43 2,5%
Total (D) = (A)+(B)+(C) 1,72 1,74 10,0%
Total da despesa primária (E) 15,72 17,48
(D)/(E) 10,9% 10,0%
Fonte: SIAFI – Sistema Siga Brasil.
1 Inclui: atenção básica a saúde, saneamento básico rural e urbano, vigilância epidemiológica e vigilância sanitária.
Elaborado pelo autor.
Por fim, a Tabela 4.5 revela que o gasto da União em saúde representa 10%
de toda a despesa primária. Trata-se, pois, de um montante de gastos
relevantes para uma única categoria de despesa. A saúde, assim como a
educação, tem dado contribuição relevante para a expansão do gasto público
(fato estilizado 1).
Certamente não se pode atribuir todos os benefícios dessa elevação de gastos
aos mais pobres. Com esse nível de agregação dos dados, não é possível aferir
qual parcela dos gastos com assistência hospitalar e ambulatorial corresponde
àqueles direcionados à população de renda mais alta, que recorre ao SUS em
busca de procedimentos mais caros e não cobertos pelos planos de saúde. De
fato, se mostrará no Capítulo 5 que o espaço para a ampliação dos gastos a
favor de indivíduos de renda mais alta é significativo.
É inegável, contudo, que parte da expansão da atenção pública à saúde foi
direcionada aos mais pobres. Mais importante ainda é o fato de que,
independentemente de os serviços de saúde chegarem ou não a esse grupo e
do nível de qualidade com que são prestados, a demanda política desse grupo
por maior atenção pública à saúde foi ouvida e deu cacife aos políticos que,
no parlamento, pressionam por mais despesas nessa área.
É importante notar que, embora tenha havido grande expansão da despesa
em saúde, os técnicos do setor alegam que as disponibilidades financeiras
ainda são pequenas frente à meta de se concretizar o atendimento universal,
integral e gratuito.226 E a demanda de grupos organizados por mais recursos
para o setor é forte. Em 2012, durante a tramitação do projeto de lei para
regulamentar a Emenda Constitucional no 29, tentou-se, com base em uma
proposta de iniciativa popular, aprovar a vinculação de 10% de toda a receita
bruta da União à área da saúde. Isso resultaria em um salto de R$ 46 bilhões
na despesa em apenas um ano, significando um aumento de 60% em relação à
despesa federal em 2012.
Tal dispositivo não foi aprovado, mas o movimento a favor de mais verbas
para o setor ganhou força dentro do Congresso Nacional e diversos projetos
passaram a propor alternativas menos custosas, mas que representam
aumentos de despesas entre R$ 6 bilhões e R$ 19 bilhões por ano.227 O Poder
Executivo federal, inicialmente contrário a qualquer aumento, curvou-se à
pressão política e aceitou ampliar a vinculação de suas verbas à saúde, com os
percentuais de vinculação ainda em negociação no momento da redação deste
livro.
4.6 Conclusões
A redemocratização leva a uma natural expansão de despesas em programas
que favorecem os mais pobres, assim como estimula a adoção de regras legais
que têm como alvo essa população. Em um ambiente em que grandes
contingentes de pobres têm direito a voto, os políticos passam a ficar
sensíveis às demandas desse grupo.
Há evidências quantitativas de que as políticas de transferência de renda, de
educação e de saúde representaram expansão do gasto público com políticas a
favor dos pobres em dimensões suficientes para gerar aumento relevante da
despesa agregada do setor público. Parece evidente, frente às estatísticas
mostradas, que políticas que favorecem os mais pobres ou que pelo menos
são utilizadas como ferramentas eleitorais pelos políticos, tendo rótulos de
políticas pró-pobres, tiveram papel fundamental na expansão do gasto público
corrente (fato estilizado 1). São, portanto, elemento central na geração do
modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa.
Por outro lado, políticas regulatórias, como a elevação do salário mínimo
acima da inflação (fato estilizado 6) e a regulação do mercado de trabalho
(como o exemplo da PEC das domésticas apresentado na introdução) ajudam
a alimentar o citado modelo.
Certamente melhorias na educação, na saúde e na estabilidade e garantia de
renda mínima aos trabalhadores contribuem para aumentar sua produtividade.
Isso pode contrabalançar os efeitos do modelo. Tais efeitos, contudo, tendem
a se manifestar no longo prazo, e serão tratados no Capítulo 6.
5.1 Introdução
Em agosto de 2013, foi promulgada a lei federal conhecida como “Estatuto da
Juventude”,228 que elenca os direitos dos jovens com idade entre 18 e 29 anos,
dentre os quais destaca-se a obrigatoriedade de se “propiciar ao jovem o
acesso aos locais e eventos culturais, mediante preços reduzidos, em âmbito
nacional”.229 Trata-se da chamada “meia-entrada”230. Esse tipo de dispositivo
foi aprovado sem que fosse discutido quem vai pagar mais caro para que o
jovem desfrute de preço reduzido. Ou, ainda, sem que ficasse claro porque
exatamente as pessoas entre 18 e 29 anos, independente de nível de renda,
devem ser as beneficiárias desse subsídio.
É curioso que um dos objetivos explícitos do Estatuto da Juventude é o de
promover a autonomia e a emancipação dos jovens.231 No entanto, outro
projeto em tramitação no Congresso (o mesmo Congresso que aprovou o
Estatuto) tem por objetivo ampliar a dependência dos jovens em relação aos
pais. Tal projeto,232 aprovado no Senado e pendente de avaliação pela Câmara
no momento da redação deste livro, propõe elevar para 28 anos a idade dos
filhos que podem ser considerados dependentes de seus pais para fins de
desconto no Imposto de Renda. Se o “jovem” estiver estudando, a idade é
ampliada para 32 anos. Um sujeito quase na meia-idade será considerado uma
criança para fins de desconto de Imposto de Renda! Por quê? Quem pagará
por isso? Quais os benefícios e os custos dessa regra? Será que é interessante
incentivar um indivíduo a se manter na condição de estudante até os 32 anos
de idade? Como políticas com objetivos contraditórios são aprovadas pelo
mesmo grupo de políticos? Os que são favoráveis a uma delas não deveriam
ser contrários à outra? Praticamente nada se debate a respeito. Aprova-se o
privilégio e pronto.
Como esses fatos se encaixam na argumentação feita nos capítulos
anteriores? Afinal, o que se disse até agora é que, na era democrática
inaugurada em 1985, os pobres e os ricos têm grande capacidade política de
extrair renda do restante da sociedade usando seu capital político junto ao
governo. Medidas como as recém-descritas, todavia, não são para atender
nem aos ricos nem aos pobres. Para os ricos pouca diferença fará o direito de
pagar meia-entrada em eventos culturais ou ter um desconto adicional no
Imposto de Renda. Esse tipo de benefício tampouco interessa aos pobres que,
mesmo com desconto, não têm condições financeiras para frequentar teatro
ou cinema e que também não são tributados pelo Imposto de Renda.
Como essas medidas, que beneficiam grupos situados em posição
intermediária da distribuição de renda, encontram terreno fértil para
prosperar?
Esse capítulo mostra como tais segmentos intermediários da distribuição de
renda participam do jogo redistributivo, também obtendo vantagens e
subsídios, em geral custeados pelos contribuintes ou o público em geral. A
participação de segmentos intermediários aumenta a intensidade da disputa
por rendas na sociedade e os seus efeitos adversos sobre o crescimento
econômico.
Em primeiro lugar, ao se falar em “segmentos intermediários da distribuição
de renda” é preciso reconhecer que não é simples dividir a sociedade em
grupos claramente definidos de “pobres”, “classe média” e “ricos”. Como
visto na seção 2.7 do Capítulo 2, a separação da sociedade em classes de
renda pode gerar resultados bastante díspares. Foram ali citadas duas
estimativas baseadas no mesmo conceito de “vulnerabilidade à pobreza” e
que resultam em agrupamentos de classes bastante distintos. Em uma delas,
decorrente da Comissão para Definição da Classe Média no Brasil,233 os
pobres e vulneráveis representariam 34% da população, a classe média 48% e
a classe alta 18%. Já a estimativa de Francisco Ferreira e coautores,234 no
estudo que avalia a expansão da classe média na América Latina, considera
que os pobres e vulneráveis somam 65% da população, enquanto a classe
média contém 30%, sendo considerados ricos ou de classe alta apenas 5%.
Se tomarmos a definição da Comissão, o grupo dos “ricos” abarcará um
amplo contingente de profissionais liberais, empregados de escalão
intermediário na hierarquia das empresas, servidores públicos de nível médio,
entre outros. Se adotarmos o conceito de Ferreira e coautores, os “ricos” serão
um grupo bem mais seleto, composto pelas famílias mais ricas do país, pelos
servidores públicos das carreiras mais bem remuneradas, pelos profissionais
liberais de maior destaque e por indivíduos no topo hierárquico das empresas.
Qual dos dois grupos representaria os “ricos” aos quais se refere o Capítulo 3,
capazes de moldar as instituições a seu favor, por meio de influência política
e poder econômico? De forma similar, quem seriam os “pobres e
vulneráveis”, cujo voto os políticos buscam ofertando políticas
redistributivas: os 34% da população apontados pela Comissão ou os 65%
indicados por Ferreira e coautores?
A discriminação das políticas para os ricos e para os pobres, feita nos
Capítulos 3 e 4, teve como objetivo mostrar, de forma didática, que os
mecanismos de redistribuição para os dois grupos têm distinções
fundamentais. A intensa redistribuição para os pobres é um evento novo na
história do país e decorre da instauração da democracia em 1985. A
redistribuição para os ricos é antiga, remonta aos primeiros anos da
colonização, e ocorre independentemente do regime político vigente: seja em
períodos autoritários, seja em períodos democráticos, grupos econômicos
fortes e indivíduos de alta renda têm acesso privilegiado ao poder e são
capazes de influenciar as instituições a seu favor.
Os dois tipos de redistribuição podem conviver e, de fato, têm convivido na
nova era democrática. Como afirmam Lee Alston e coautores: “a nova
Constituição brasileira teve como consequência crucial enviesar as políticas
em direção à inclusão, abertura e representação [em favor dos mais pobres].
Esse viés, todavia, não impediu os mais ricos de continuar a ter uma
influência desproporcional sobre as políticas”.235
Os dois tipos de redistribuição (para os ricos e para os pobres) ocorrem em
diferentes arenas políticas. A redistribuição para os pobres se dá, na maioria
dos casos, de forma transparente, por meio de políticas públicas que tramitam
pelo orçamento. A opinião pública pode conhecer, com facilidade, por
exemplo, quanto se gasta com o Programa Bolsa Família ou qual o impacto
do aumento do salário mínimo sobre as contas da Previdência Social. Os
programas para os pobres são amplamente debatidos durante as campanhas
eleitorais, porque interessa aos políticos alardear o que estão fazendo a favor
da massa de eleitores de menor renda.
Já a distribuição para os ricos se faz na sombra, de forma disfarçada. São
decisões tomadas em gabinetes fechados, que ocorrem dentro da
contabilidade de bancos públicos, protegida por sigilo bancário. Não há
interesse em se divulgar ao eleitorado o que se está fazendo a favor dos mais
ricos. Essas políticas tratam de temas de difícil compreensão para o público
(controle acionário de empresas, participação de órgãos estatais em
consórcios de investimento, instrumentos financeiros complexos, regras de
preços para serviços públicos concedidos a empresas privadas). Muitas vezes
os privilégios encontram justificativas com base em argumentos ideológicos
ou de teorias econômicas (proteção da indústria nacional contra a
concorrência estrangeira, defesa do patrimônio nacional) em que está
implícita a ideia (equivocada) de que tais políticas são favoráveis aos mais
pobres.
Neste capítulo, o que se pretende mostrar é que existe espaço político para
que se faça redistribuição também a favor de grupos de renda intermediária.
Tal redistribuição mescla características dos dois tipos extremos. Assim como
não é fácil caracterizar quem é de classe média ou é rico, não é simples
identificar um único tipo de mecanismo de implantação de políticas
redistributivas a favor de heterogêneos segmentos intermediários de renda.
Há, por exemplo, políticas que são transparentes, tramitam pelo orçamento,
mas são fortemente concentradoras de renda. Este é o caso de parte das
aposentadorias e pensões pagas pela Previdência Social, que, como mostrado
no Capítulo 2, geram concentração de renda. Por outro lado, há benefícios
outorgados a segmentos de renda intermediária que carecem de transparência
e cujos efeitos nocivos sobre o crescimento econômico não são simples de
desvendar: é o caso das isenções de Imposto de Renda a alguns grupos, das
complexas fórmulas de cálculo da remuneração de servidores públicos, do
subsídio implícito às famílias de alta renda contido no ensino universitário
gratuito.
Durante o governo militar, muitos mecanismos de privilégio às classes
intermediárias se desenvolveram. Surgiam em função da baixa transparência e
pouca accountability (por exemplo: órgãos públicos elevando os salários de
seus próprios funcionários), e da intenção do regime militar de aplacar
resistências e inconformismos de trabalhadores urbanos (por exemplo: FGTS,
PIS-PASEP), ou simplesmente foram subprodutos do modelo econômico e
suas disfunções (por exemplo: depreciação do valor real de financiamentos
imobiliários contratados junto a bancos públicos).
Contudo, após a redemocratização, ampliou-se sobremaneira o espaço para a
organização política e a reivindicação por grupos situados entre os ricos e os
pobres.
Variação Real
% do PIB
2002-2012 (%)
200 Tota Per
2012
2 l Capita
Benefícios ao Idoso (BPC – LOAS)1,2 0,08 0,29 479 421
Benefícios previdênciarios urbanos = 1 SM 3 0,80 1,26 165 138
Benefícios previdenciários rurais = 1 SM3 1,12 1,53 130 107
Demais benefícios previdenciários do RGPS 4,04 4,41 84 66
Aposentadorias e pensões dos servidores públicos
2,03 1,68 40 26
federais4
Total da despesa pró-idoso (A) 8,07 9,16 92 72
Total da despesa primária (B) 15,72 18,28 96 77
(A)/(B) 51,3 50,1
% %
Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional (resultado primário do Governo Central), Boletim Estatístico de Pessoal,
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e Anuário Estatístico da Previdência Social.
1 Exclui os benefícios pagos aos deficientes no âmbito da LOAS.
2 MDS (http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/indice.htm).
3 Calculado aplicando-se a participação percentual dos benefícios urbanos e rurais na despesa total de 2011 à
despesa total de 2012.
4 Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Boletim Estatístico de Pessoal.
Nota: Cálculos para a abertura dos dados em benefícios até um salário mínimo e demais benefícios são de autoria
de Marcelo Abi-Rama Caetano, gentilmente cedidos ao autor.
Deflator: IPCA.
Elaborado pelo autor.
Embora não esteja no escopo deste livro uma discussão detalhada dos
problemas da Previdência Social brasileira,252 a comparação acima deixa
evidente que é grande o peso previdenciário sobre a despesa total do setor
público. As consequências do desequilíbrio previdenciário para as finanças
públicas são pesadas. A expansão dessa modalidade de despesa tem papel
fundamental na dinâmica do modelo de baixo crescimento com redistribuição
dissipativa.
Foi esse peso econômico que levou três governos, de dois partidos distintos,
a propor reformas previdenciárias ao Congresso. Foram aprovadas reformas
em 1998, 2003 e 2012. Estas reformas instituíram mecanismos de controle da
despesa previdenciária e de redução de privilégios, ampliando a idade mínima
para aposentadoria e promovendo redução nos valores recebidos por aqueles
que se aposentam mais cedo (fator previdenciário). A última reforma, de
2012, instituiu um fundo de pensão para os servidores públicos para evitar
que o Governo Federal tenha que custear aposentadorias acima do valor
máximo pago aos trabalhadores do setor privado.253
A aprovação de tais reformas, contudo, ocorreu na contramão dos incentivos
políticos existentes, que induzem os políticos a tentar agradar ou não
desagradar grupos homogêneos e bem organizados. Por isso, as tentativas de
reforma sofreram forte resistência no Congresso: os textos finais aprovado
ficaram muito aquém da reforma inicialmente proposta.254
Ademais, diversos projetos apresentados e até aprovados no Congresso
Nacional constituem verdadeiras contrarreformas. Aprovou-se, em 2013, a
aposentadoria especial para deficientes físicos255 e há uma série de projetos,
com forte apoio de sindicatos de trabalhadores e associações de aposentados,
que propõem, por exemplo: a extinção do “fator previdenciário” (que
permitiria aposentadorias mais cedo com valores mais altos); aposentadoria
especial (com menor tempo de contribuição) para categorias profissionais
específicas; fim da contribuição previdenciária de aposentados que voltam a
trabalhar (há projetos no Congresso e ações na justiça); reajuste dos
benefícios acima de um salário mínimo pelo mesmo fator de reajuste desse
piso; cálculo do benefício com base no número de salários mínimos à época
da contribuição; cálculo dos benefícios com base em salários mais elevados
recebidos ao longo da vida laboral.256
As políticas pró-idoso não se restringem, contudo, aos benefícios
previdenciários. A Tabela 5.1 mostra que a despesa com os Benefícios de
Prestação Continuada (BPC) – também indexado ao salário mínimo – mais
que dobrou como proporção do PIB entre 2002 e 2010. Isso se deu não
apenas em função de reajustes reais do salário mínimo, mas também por
redução da idade mínima para que o idoso se tornasse elegível para o
programa. Quando aprovada a Lei Orgânica de Assistência Social,257 era
necessário ter 70 anos ou mais para receber o benefício. Tal idade foi reduzida
para 67 anos258 e, posteriormente, para 65 anos pelo chamado “Estatuto do
Idoso” .259
O Estatuto do Idoso representa um símbolo da preferência dos políticos pela
criação de benefícios para a terceira idade. Além reduzir a idade para
concessão do BPC, esse Estatuto criou diversos outros benefícios para o seu
público-alvo, tais como: direito a pagar meia-entrada em espetáculos
culturais; gratuidade no transporte público urbano e semiurbano; duas vagas
gratuitas em veículos de transporte interestadual e desconto de 50% nas
demais vagas (nesse caso, para idosos de baixa renda); prioridade no
recebimento de restituição do Imposto de Renda; fornecimento gratuito de
medicamentos, órteses e próteses; vedação a reajustes de planos de saúde
privados para clientes com 60 anos ou mais; proibição de fixação de idade
máxima para candidatos em concursos públicos; proibição de cobrança de
custas judiciais em causas que defendam direitos inscritos no Estatuto.
Todos esses benefícios geram custos a serem pagos por alguém. Tome-se,
como exemplo, a proibição de reajustes de planos de saúde para maiores de
60 anos. Na prática, acabam ocorrendo várias consequências: (a) os mais
jovens pagam mais caro do que deveriam, para compensar os planos de saúde
pela menor rentabilidade dos clientes idosos; (b) as mensalidades sofrem
fortes reajustes quando o cliente chega aos 59 anos; (c) os planos de saúde
criam resistências burocráticas e operacionais a aceitar pessoas de idade mais
avançada e deixaram de ofertar planos individuais para essa clientela. Ou
seja, tanto jovens quanto idosos arcam com os custos da restrição regulatória
e a sociedade como um todo perde em função das distorções de preços e da
burocracia decorrentes da norma. Alguns idosos que conseguem ter planos
mais baratos ganham, mas isso está longe de ser uma regulação sem custos
para a sociedade.
Além dos benefícios explícitos do Estatuto do Idoso, há uma série de
declarações genéricas naquele Estatuto que servem como embasamento
jurídico para eventuais ações judiciais contra o setor público, no espírito
descrito na seção anterior (rent-seeking em disputas judiciais), como, por
exemplo:
Art. 9o. É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à
saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um
envelhecimento saudável e em condições de dignidade.
Esse tipo de garantia genérica, associada à gratuidade do uso da justiça na
defesa de direitos inscritos no Estatuto, tem o poder de incentivar o
ajuizamento de causas de interesse coletivo.
Qual o problema em se dar tanta ênfase aos idosos? Eles não deveriam ser,
de fato, um grupo sob cuidados especiais do governo, tendo em vista as
vulnerabilidades trazidas pela idade? O problema é que recursos públicos são
escassos e, para gerar os melhores resultados possíveis, devem ser alocados
de forma eficiente. Se o objetivo do governo ao direcionar tantos gastos e
regulação a favor dos idosos é reduzir a desigualdade e a pobreza, então não
está mirando o alvo correto. Estudo já citado de Ricardo Paes e Barros e
coautores afirma, por exemplo, que:
(...) a pobreza ainda é dez vezes maior entre as crianças que entre os idosos,
mas a média das transferências públicas sem contrapartida de contribuição
feitas a um idoso são pelo menos 20 vezes maiores que a média das
transferências feitas para uma criança. (...) Há amplo espaço para se otimizar
a política social sem que isso requeira recursos fiscais adicionais.260
Armando Castelar Pinheiro e Fábio Giambiagi, em sua obra conjunta
Rompendo o marasmo: a retomada do desenvolvimento no Brasil, afirmam
que do total de indigentes no Brasil no ano 2000, 44,8% tinham até 15 anos,
enquanto apenas 1,9% tinham mais de 65 anos. Na mesma direção, o já citado
livro de Francisco Ferreira e coautores argumenta que:
(...) no Brasil metade das crianças vive em domicílios que estão abaixo da
linha de pobreza de US$ 4 por dia, e outros 30% vivem em famílias
vulneráveis; portanto 80% das crianças brasileiras estão crescendo em lares
que não são nem de classe média nem de classe alta.261
Ou seja, focar gastos sociais nos idosos significa errar grosseiramente o alvo
da pobreza no Brasil. De fato, como visto no Capítulo 2, as despesas da
Previdência Social, pública e privada, são concentradoras de renda.
Justamente porque a população idosa está mais concentrada nas faixas média
e alta de renda. Já o Programa Bolsa Família, que está parcialmente vinculado
à existência de crianças no lar, tem, como visto no Capítulo 2, elevado poder
de reduzir a pobreza e a desigualdade.
Consumir o grosso dos recursos disponíveis com os idosos e deixar as
crianças em segundo plano não é apenas um erro em termos de política de
redução da pobreza. Significa também minar as possibilidades de
desenvolvimento futuro, pois se está criando uma futura geração de adultos e
trabalhadores com deficiências de toda ordem, e, portanto, menos capazes e
produtivos. Há, também, custos de oportunidade em se preferir gastar com a
previdência e assistência do idoso em detrimento de investimentos em
infraestrutura, educação e saúde, que têm óbvios impactos positivos sobre a
produtividade e o crescimento econômico.
Ademais, nada impede que se busque uma sintonia fina nas políticas sociais
com vistas a atender os idosos pobres, juntamente com o restante de sua
família, a um custo menor para o erário. Há políticas que favorecem idosos
que não são pobres (aposentadorias e pensões do setor público e aquelas do
setor privado acima de 1 salário mínimo). Há, por outro lado, programas
relativamente bem focalizados em idosos pobres (BPC e aposentadorias e
pensões de um salário mínimo), mas que têm alto custo. Por fim, há políticas
pró-idoso que beneficiam pessoas da terceira idade independentemente de sua
renda (privilégios garantidos pelo Estatuto do Idoso). O ideal seria afunilar as
políticas na direção daquelas que atendam os idosos pobres, ao menor custo
possível.
No entanto, o que se percebe, em primeiro lugar, é que parcela substancial
da despesa a favor dos idosos não atinge os mais pobres. A soma dos gastos
com benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) acima de um
salário mínimo e com aposentadorias e pensões dos servidores públicos
atingiu, em 2012, nada menos que 6,09% do PIB ou 66% do gasto pró-idosos.
Essa parcela não deve ser tratada como política social ou de redução da
pobreza, simplesmente porque não está voltada para os pobres. Por isso,
devem-se buscar parâmetros de sustentabilidade financeira ao longo do
tempo, tais como a fixação de idade de aposentadoria adequada à expectativa
de vida, restrições a aposentadorias especiais e outros tratamentos
privilegiados. A tão demandada reforma da Previdência deve aplicar-se a esse
subconjunto de benefícios.
Em segundo lugar, é preciso questionar a lógica que sustenta os privilégios
contidos no Estatuto do Idoso, que atingem tanto os idosos pobres quanto os
que não são pobres. Um magnata de 60 anos tem direito a andar de ônibus
urbano ou interestadual de graça da mesma forma que um idoso pobre. Não
há qualquer justificativa ética ou moral que justifique a gratuidade a um idoso
que pode pagar pelo serviço, repassando-se os custos aos demais usuários.
Portanto, é preciso ajustar privilégios e concessões para que eles atendam a
clientelas pobres.
Em terceiro lugar, observa-se que há uma possível sobreposição de políticas
pró-pobres. Ao mesmo tempo em que o Bolsa Família cuida de famílias de
baixa renda, o BPC e as aposentadorias de um salário mínimo cuidam de
famílias de baixa renda com idosos. Certamente há espaço para racionalizar
essa sobreposição por meio, por exemplo, da substituição do BPC e das
aposentadorias obtidas sem a devida contribuição por uma política
assistencial integral à família. Uma espécie de Bolsa Família ampliado, que
levasse em conta a presença de idosos carentes no domicílio pobre atendido.
Isso deve ser feito, sobretudo, porque os benefícios aos idosos pobres
indexados ao salário mínimo custam muito caro. Como mostrado na Tabela
5.1, o BPC pago aos idosos tem um custo equivalente a 0,29% do PIB por
ano, equivalente a 60% do custo total do Programa Bolsa Família, que, em
2012, custou 0,48% do PIB.262 Quando olhamos o número de beneficiários,
porém, temos que o Bolsa Família atende 13,4 milhões de famílias,263
enquanto o BPC sustenta apenas 1,75 milhões de idosos.264 É forçoso concluir
que, embora redistribuidor de renda e redutor da pobreza (como visto no
Capítulo 2), o BPC tem custo fiscal mais alto. Torna-se, pois, necessário
buscar atingir o idoso pobre de forma que tenha maior amplitude e menor
custo.
Não é simples, contudo, implantar esse tipo de sintonia fina nas políticas
sociais. Esse tipo de separação não interessa aos grupos de idosos ou futuros
aposentados que não são pobres e que utilizam os idosos pobres como
argumento em seus pleitos políticos. Para quem deseja manter privilégios, o
ideal é estar misturado a aposentados rurais e urbanos pobres, que se tornam
símbolo de “injustiças” cometidas por aqueles que desejam reformar a
Previdência. É preciso manter, para fins de barganha política, a imagem
incorreta de que todos os idosos são pobres e carentes de políticas públicas
preferenciais.
Certamente o viés a favor dos idosos não é um caso de miopia política.
Como argumentado, trata-se de um cálculo político em busca de votos. As
crianças, que não votam, possivelmente serão as prejudicadas, a menos que
tenham um avô ou pai aposentado ou pensionista dentro de casa.
Um exemplo extremo do desejo da classe política em “ficar bem na foto”
com eleitores da terceira idade é o programa “Viaja Mais Terceira Idade”. Por
meio desse programa, o Ministério do Turismo promove acordos com
operadores de turismo para oferecer pacotes de viagem a pessoas idosas com
descontos, sob o pretexto de ajudar na sua “inclusão social”. É sabido que
pacotes de viagem são um bem de consumo típico das classes média e alta, e
estão longe de constituir bens essenciais. Portanto, cabe perguntar: que
inclusão social é essa? Pode-se até argumentar que não há subsídio público
envolvido no programa (o que não é algo claro, tendo em vista a presença de
bancos públicos financiando as compras das viagens, o que pode embutir
subsídio creditício). O simples fato, porém, de haver uma estrutura de serviço
público, consumindo horas de trabalho, material e espaço físico do Ministério
nesse tipo de programa já seria questionável. Se há um nicho de mercado para
se expandir o turismo entre os idosos, o mercado privado pode dar conta
disso, sem necessidade de envolvimento de meios e recursos públicos: não há
qualquer “falha de mercado” que justifique a intervenção governamental. Em
suma, os idosos parecem atrair a atenção dos políticos por serem um grupo
com demandas homogêneas (principalmente previdência), contarem com
organizações e sindicatos bem estruturados, possuírem uma imagem social de
vulnerabilidade e terem demandas que são fáceis de atender em termos
operacionais (basta transferir renda, não é necessário construir infraestrutura
ou prestar serviços que envolvam dificuldades logísticas). Não se trata de uma
simples questão técnica ou administrativa a remodelação dessa política e a
redução dos seus impactos adversos sobre a desigualdade, a pobreza e o
crescimento econômico. Há, por trás, a lógica política e a disputa rent-seeking
descrita na seção 5.2.
Tal prevalência do ensino superior pode ser considerada uma vitória dos
grupos por ele privilegiados: os estudantes de renda média e alta, que têm
maior capacidade de aprovação nos concorridos processos de seleção. O
método político de manutenção de tal privilégio é similar ao utilizado por
grupos de interesse com nível de renda similar dedicados a barrar reformas
previdenciárias (seção 5.4).
Naquele caso, trabalhadores e aposentados de renda média e alta misturam-
se aos aposentados pobres e apresentam a reforma previdenciária como um
atentado contra os “pobres velhinhos”. No caso universitário, é muito comum
o discurso da “universidade pública, gratuita e de qualidade para todos”. Tal
discurso universalista utiliza-se do falacioso argumento de que a introdução
de pagamento pelo ensino universitário barraria o acesso dos pobres,
incapazes de pagar por seus estudos. Na verdade, o acesso dos pobres já é
travado antes, pelo grau de dificuldade dos exames e pela sua frágil educação
fundamental e média.
Ademais, o argumento faz pouco caso da restrição orçamentária do setor
público e da necessidade de se fazer escolhas: simplesmente reivindica o
melhor para todos. Não considera, por exemplo, que a cobrança de anuidades
aos alunos universitários poderia cobrir parte dos custos de seu ensino,
liberando verbas a serem aplicados na educação básica, melhorando sua
qualidade e elevando o nível geral de ensino. Tampouco considera que um
sistema de bolsas de estudos aos alunos sem capacidade de pagamento
poderia solucionar o problema da inclusão social.
Não obstante seja frágil do ponto de vista racional, o discurso universalista
de ensino superior para todos tem forte apelo político. Ele reproduz o
fenômeno central retratado neste livro: a busca da inclusão dos mais pobres e
de grupos de renda média com peso eleitoral sem a quebra dos privilégios dos
mais ricos. É mais uma versão da contraditória ideia de universalização dos
privilégios.
E, de fato, a política de ensino superior do Governo Federal acabou
seguindo esse caminho universalista. Nas universidades públicas, houve
grande ampliação no número de vagas ofertadas, o que permitiu absorver
alunos com notas mais baixas nos processos seletivos. Além disso, têm sido
criadas diversas cotas, tanto para incluir os mais pobres, provenientes de
escolas públicas, como para incluir grupos étnicos (justamente uma categoria
típica de grupos de renda média que ganharam voz após a redemocratização).
As cotas raciais tendem a beneficiar desproporcionalmente os indivíduos
negros e pardos de renda média, que têm melhores condições de obter
preparação de qualidade para os exames vestibulares.
Adicionalmente, o Governo Federal vem comprando, por meio de isenções
tributárias, vagas em universidades privadas, oferecidas a alunos que
cursaram o Ensino Básico em escolas públicas, por meio do Programa Prouni.
Pouca exigência é feita acerca da qualidade dos cursos com vagas
subsidiadas, de modo que a ampliação de tais vagas tende a puxar para baixo
a qualidade média do ensino universitário.
Esse tipo de política reforça o peso do custo do ensino universitário na
despesa total com educação e tem duvidosos resultados do ponto de vista do
aprendizado.
Mas o alto peso do ensino superior no custo da educação não é reflexo
apenas da manutenção de privilégios históricos de camadas de renda média e
alta. Sobreposto a esse fenômeno, há outra camada de privilégios: a dos
professores e trabalhadores administrativos das universidades, que, na
condição de funcionários públicos, gozam de estabilidade no emprego e
diversos outros privilégios, a serem analisados na próxima seção, e que
ajudam a reduzir a produtividade e a qualidade do ensino.
Em suma, o alto custo fiscal e a baixa qualidade e produtividade do ensino
universitário brasileiro parecem decorrer da combinação de diversos
privilégios, tanto do lado dos demandantes dos serviços prestados (alunos)
quanto dos ofertantes (professores e funcionários). A política governamental
tenta manter os privilégios antigos (gratuidade, estabilidade de professores e
funcionários, remuneração e aposentadoria favorecidas), ao mesmo tempo em
que tenta ampliar o acesso aos eleitores pobres e/ou com capacidade de
reivindicação (grupos étnicos organizados).
Cai a qualidade e aumenta o custo fiscal. Mais uma vez aciona-se o ciclo da
pressão fiscal e da baixa produtividade que caracterizam o modelo de baixo
crescimento com redistribuição dissipativa.
Privado Público
Pobre 94,6 5,4
Vulnerável 90,1 9,9
Classe Média 81,4 18,6
Classe Alta 70,2 29,8
Fonte: Ferreira et al. (2013, p. 153).
Nota: Pobre = renda per capita diária inferior a US$ 4; Vulnerável = renda per capita diária entre US$ 4 e US$ 10;
Classe Média = renda per capita diária entre US$ 10 e US$ 50; Classe Alta = renda per capita maior que US$ 50.
Valores em dólares de 2005 pela paridade de poder de compra.
Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Boletim Estatístico de Pessoal. Vários números. Elaborado
pelo autor.
Variação Real
% do PIB
2001-2011 (%)
2001 2011
União 5,55 5,24 61
Estados 4,37 6,00 134
Municípios 2,49 3,99 173
Total (A) 12,40 15,37 109
Carga Tributária (B) 31,87 33,51
(A)/(B) 39% 46%
Fontes: Ministério do Planejamento. Boletim Estatístico de Pessoal (vários números) e Receita Federal do Brasil.
Deflator: IPCA. Elaborado pelo autor.
Quantidade % do Total
TOTAL 215 100%
Origem Executivo 4 2%
Origem Legislativo 211 98%
Grupos beneficiados
Pacientes 51 24%
Domésticos 22 10%
Idosos 19 9%
Fonte: Senado e Câmara dos Deputados. Elaborado pelo autor.
5.10 Conclusões
Por trás dos diversos exemplos mostrados neste capítulo há uma característica
comum: custos escondidos e dispersos para toda a sociedade, benefícios
bastante visíveis focados em grupos que dão retorno eleitoral ou escondidos
quando direcionados a grupos de interesse. Prejuízos coletivos e ganhos
privados. Os políticos, a burocracia e os grupos de interesse aprenderam bem
esse jogo e o praticam com maestria. Seja na distribuição da meia-entrada, na
aprovação de estatutos do idoso ou do jovem, ou na concessão de
financiamentos subsidiados, a regra é “fazer cortesia com o chapéu alheio” ou
“puxar a sardinha para a própria brasa”.
Grupos de renda média e alta são os principais beneficiários desses
mecanismos. Os ricos sempre tiveram acesso a benefícios financeiros e a
regras legais enviesadas a seu favor e continuaram a ter tal acesso
privilegiado após a redemocratização (Capítulo 3). Os pobres passaram a ter a
oportunidade de receber assistência social, saúde e educação a partir da
redemocratização (Capítulo 4). Os grupos de renda média, que tinham alguns
privilégios construídos antes da redemocratização, conseguiram não apenas
manter tais privilégios, como também se beneficiaram da abertura política
para ampliá-los.
Esses três movimentos redistributivos em conjunto (para os ricos, para os
pobres e para alguns grupos de renda média) geraram inúmeras políticas
públicas e regulações voltadas para criar privilégios e mecanismos de
proteção de mercado que são contraditórias entre si, têm elevado custo fiscal
e prejudicam fortemente os incentivos a investir, a produtividade da economia
e, portanto, o crescimento de longo prazo. O resultado é o modelo de baixo
crescimento com redistribuição dissipativa.
O Estado brasileiro não desenvolveu a sua capacidade de ser um provedor de
serviços públicos tradicionais (segurança pública; proteção da liberdade e dos
contratos; imposição da lei e da justiça; provisão de bens públicos como
transportes, saneamento ou urbanização), tendo se transformado,
prioritariamente, em um intermediador de transferências de renda: tributa uns
para dar a outros. De acordo com estatísticas apresentadas pelos economistas
Raul Velloso e Cláudio Hamilton à Comissão de Assuntos Econômicos do
Senado, nada menos que 49,2 milhões de pessoas recebem um contracheque
financiado por recursos públicos. Ou seja, um contingente equivalente a 26%
da população brasileira tem como fonte de renda recursos arrecadados pelo
governo e, posteriormente, transferidos sob a forma de pagamentos a
servidores públicos, aposentados, pensionistas e beneficiários de programas
sociais.326
Como isso precisa ser financiado por alguém, a carga tributária dispara e
toda a sociedade tem que pagar o custo. Todos lutam para receber mais e
pagar menos. A confusão é tal que torna-se difícil identificar claramente
quem são os ganhadores ou perdedores. Tomemos como exemplo um
trabalhador de baixa escolaridade, empregado no setor informal. Esse
indivíduo teria tudo para ser um perdedor. Afinal, não está coberto pela
legislação trabalhista, tem baixo salário e pouca perspectiva de ascensão
social. Mas se ele receber uma bolsa família ou se tiver um parente recebendo
aposentadoria rural (sem ter contribuído), a sua situação melhora bastante.
Ainda mais porque ele não paga Imposto de Renda nem contribuição
previdenciária. No outro extremo, temos um industrial que ganha com
créditos subsidiados em bancos públicos e proteção comercial. Mas por outro
lado paga muitos impostos, não dispõe de infraestrutura adequada e tem baixa
perspectiva de crescimento de vendas dado o baixo crescimento do PIB.
Em debate sobre as manifestações de rua que eclodiram em junho de 2013,
publicado no blog do cientista político Simon Schwartzman, Samuel Pessôa
descreve de forma vívida essa confusão redistributiva:
(...) provavelmente muitos dos que foram às ruas são filhos ou netos de
pessoas que recebem pensão vitalícia por morte, por exemplo, e outros que
recebem e acumulam benefícios. Vários eram funcionários da saúde cuja
demanda é que a carreira da saúde se transforme em uma carreira de Estado
como as do Judiciário (você pode imaginar a consequência desta medida
para o gasto público). Outras devem ser filhos de indivíduos com
aposentadoria por invalidez ou usufruindo auxílio doença ou seguro-
desemprego (vários fraudando o programa, isto é, forçando a demissão para
ficar algum tempo na informalidade acumulando salário com o benefício).
Outros, alguns poucos, devem ter pais que de alguma forma se beneficiam
da bolsa empresários do BNDES e alguns outros, também poucos, devem ter
pais ou avós que se beneficiam do programa de reparação dos excessos da
ditadura (sabemos que apesar da ditadura brasileira ter matado ou torturado
uma fração do que se matou ou torturou na Argentina ou no Chile gastamos
com reparação um múltiplo do que eles gastam, somente para termos mais
um exemplo de como nós mesmos distribuímos de forma pródiga benefícios
e vitaliciedades a indivíduos). (...) indivíduos que se beneficiam de
empréstimos direcionadas com taxas menores do que as de mercado, que são
custeados pelos empréstimos mais caros sobre outros ou por poupança
forçada (FGTS) sobre outros, pessoas que tiveram uma boa educação no
sistema S custeada por impostos sobre a folha de salários de outros ou de
pessoas que trabalham no sistema S etc. Ou seja nós criamos uma
infinidades de “meias-entradas”. (...) (...) O problema é que muita “meia-
entrada” introduz ineficiência no sistema e o crescimento se reduz. (...)
Cada um enxerga o benefício advindo pela sua “meia-entrada” como de
primeira ordem. (...) Todos querem manter a sua meia-entrada e eliminar as
dos demais.327
Pode-se dizer que, no computo final, apesar da grande dissipação de
recursos, os mais pobres estão ganhando alguma coisa. Afinal, como
mostrado no Capítulo 2, a pobreza e a desigualdade estão diminuindo. No
entanto, a queda da desigualdade e da pobreza poderia ser muito maior se não
houvesse tantos privilégios distribuídos aos ricos e aos grupos de renda
média.328 Assim, o custo pago pelo país para uma dada redistribuição de renda
e uma dada redução da pobreza é muito maior do que poderia ser. Os mais
pobres perdem oportunidades não apenas em função desses “vazamentos” na
política distributiva, como também porque a perda de potencial de
crescimento impede a abertura de novas oportunidades de trabalho.
Se o problema se aguçasse a ponto de todos sentirem que estavam perdendo
com o baixo crescimento, naturalmente deveria surgir um incentivo para um
novo acordo social, em que fossem zerados os benefícios e privilégios. Nesse
caso, reformas institucionais ganhariam apoio político. Infelizmente, como
mostrado na seção 5.2, esse é um problema de ação coletiva que, em ambiente
de alta desigualdade social, incerteza e aversão ao risco, pode levar ao
bloqueio de reformas mesmo em situações em que a sociedade como um todo
esteja perdendo.
Outro fator que dificulta o desmonte das inúmeras e conflitantes políticas
redistributivas é o entrelaçamento de interesses entre pobres e não pobres. Por
exemplo, o pensionista rural (pobre) tem medo de que uma reforma da
Previdência voltada para reduzir os privilégios dos mais ricos acabe
respingando sobre ele e passa, por precaução, a se opor a qualquer reforma. A
mesma coisa com o ensino gratuito na universidade, cujo fim pode ser
interpretado pelas famílias mais pobres como um risco à gratuidade do Ensino
Básico.
Associações e sindicatos que representam grupos de renda média e alta usam
essa confusão para embalar a defesa de seus interesses, colocando rótulos
genéricos, como o da “educação pública e gratuita para todos” ou a proteção
“dos velhinhos aposentados”. A demonização ideológica das privatizações
fala em “interesse nacional e defesa do capital nacional”, mas na realidade
busca preservar os privilégios dos empregados de estatais, que gozam de
remuneração acima da média de mercado e menor risco de demissão.
O próximo capítulo analisa quais as possíveis consequências do modelo de
baixo crescimento com redistribuição dissipativa no longo prazo.
REDISTRIBUIÇÃO E CRESCIMENTO
DE LONGO PRAZO
6.1 Introdução
O argumento central desenvolvido nos capítulos anteriores é o de que a alta
desigualdade em um ambiente democrático gerou incentivos a uma disputa
com características rent-seeking que tem bloqueado o crescimento
econômico. Resta então questionar: o que aconteceria se a desigualdade
diminuísse sensivelmente? Haveria uma redução do conflito distributivo e
dos desestímulos ao crescimento? Poderia, então, o país crescer a taxas
mais elevadas?
Se a resposta a essa questão for afirmativa, então a redistribuição para os
pobres poderia ser “um bom negócio”: o mau desempenho econômico de
curto e médio prazo, decorrente em parte dessas políticas, poderia ser
considerado como um custo a ser pago para que, no longo prazo, a
sociedade fosse menos desigual e capaz de crescer a taxas mais elevadas.
Apesar da capacidade que têm os ricos e as classes de renda intermediária
para criar e preservar privilégios (Capítulos 3 e 5), a desigualdade no Brasil
caiu sistematicamente ao longo dos primeiros anos do Século XXI
(Capítulo 2).
Estaria o Brasil em um processo virtuoso de longo prazo? Teríamos
observado, nas três primeiras décadas de democracia, a “parte ruim” de uma
trajetória que, dentro de mais alguns anos ou décadas, desabrocharia em
uma sociedade mais igualitária e dinâmica?
Esta pode até ser uma trajetória possível para a economia brasileira, mas
não é a única. Não está escrito nas estrelas que o país será um sucesso.
Existe também a possibilidade de que a queda da desigualdade desacelere
ou se interrompa (como analisado no Capítulo 2) e de que o Brasil continue
por muitos anos a se caracterizar como uma sociedade desigual, debatendo-
se em uma disputa rent-seeking dos diferentes grupos sociais, presa ao
modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa.
A queda recente da desigualdade e a ampliação da classe média mostram
que o caminho virtuoso é uma possibilidade. Uma possibilidade, não uma
certeza! O futuro do país está em aberto, como um carro que precisa
escolher entre duas vias alternativas em uma autoestrada: o caminho da
redução persistente e sustentável da desigualdade, com aceleração do
crescimento; ou o caminho do acirramento do rent-seeking, da redução não
sustentável da desigualdade e do baixo crescimento crônico. Essas duas
perspectivas estão em aberto, ambas com razoável probabilidade de
acontecer, dependendo da ação dos governantes que dirigirão o Governo
nos próximos anos.
6.4 Conclusões
O argumento central deste livro é que a combinação de alta desigualdade
com democracia gera um modelo de baixo crescimento com redistribuição
dissipativa. No longo prazo, isso pode levar a um ciclo virtuoso de
crescimento com igualdade ou a um ciclo vicioso de baixo crescimento,
desigualdade e eventual crise política.
Se isso estiver correto, e a combinação de desigualdade e democracia for,
de fato, a causa profunda do baixo crescimento brasileiro, então de pouco
adianta fazer propostas de política que ataquem apenas as causas imediatas
do fraco desempenho econômico. De pouco adianta recomendar que o
governo controle o seu gasto corrente, se há forte motivação política para
continuar expandindo esses gastos, sob a forma de benefícios distribuídos
aos pobres (assistência social), aos ricos (subsídio creditício) ou à classe
média (altas remunerações no setor público). Também seria pouco
produtivo recomendar a redução da carga tributária, pois com o gasto alto e
crescente, surgiria um déficit fiscal insustentável. A maior eficiência da
justiça, a maior independência das agências reguladoras, a maior abertura
da economia, e tantas outras reformas que poderiam impulsionar o
crescimento têm poucas chances de prosperar por oposição política de seus
beneficiários, em um contexto de alta fragmentação de interesses,
decorrente da alta desigualdade.
O que fazer, então? Quais seriam as reformas factíveis? Como desatar o nó
da alta desigualdade e baixo crescimento?
O principal insight que decorre da análise feita neste livro é que o fio da
meada está naquelas reformas e políticas que, ao mesmo tempo, estimulem
o crescimento e reduzam a desigualdade. São elas que aumentarão a chance
de o Brasil entrar no ciclo virtuoso acima descrito.
Dado que a alta desigualdade aguça a resistência a qualquer tipo de
reforma que afete privilégios, é preciso escolher a dedo um conjunto
pequeno de reformas, e jogar todo peso político do governo na sua
realização. Quanto maior o número de reformas que se proponha, maior a
possibilidade de formação de coalizão dos diferentes grupos prejudicados
contra todas elas.
É fundamental, portanto, selecionar um número pequeno de reformas e
políticas públicas prioritárias, privilegiando-se aquelas que, ao mesmo
tempo, reduzam a desigualdade e estimulem o crescimento. À medida que
as primeiras reformas acelerem o crescimento e a queda da desigualdade, as
outras reformas se tornarão gradualmente mais fáceis de aprovar.
Nessa perspectiva, a prioridade número um deveria ser a reforma da
Previdência Social. Como mostrado no Capítulo 2, o sistema previdenciário
brasileiro é caro, insustentável no longo prazo e concentrador de renda. Por
consumir 11% do PIB, a dimensão do problema previdenciário é de
primeira grandeza e só tende a se agravar com o envelhecimento da
população brasileira.
Uma reforma previdenciária que apare os privilégios dos grupos de renda
média e alta e, ao mesmo tempo, dê suporte financeiro aos mais pobres,
bem como assegure o equilíbrio atuarial de longo prazo, certamente será
importante impulso para que o país caminhe na direção do ciclo virtuoso.
Certamente não será feita sem resistência, como não o foram as reformas
previdenciárias do passado recente. Mas uma política de transição suave, e
a preocupação de preservar os mais pobres de incorrer em perdas
certamente viabilizaria a mudança.
Em segundo lugar vem, obviamente, a educação, que, ao mesmo tempo
em que eleva a produtividade dos trabalhadores, cria perspectiva de redução
da desigualdade. Enfrentar o problema da baixa qualidade da educação
brasileira não parece tarefa fácil. Embora todos se digam a favor de uma
educação pública melhor, é preciso ter em mente que não é de todo
interessante aos grupos de renda média e alta que os mais pobres tenham
educação de qualidade. Embora isso pareça algo desumano, o que importa,
no fim das contas, é que, mantendo-se os pobres em um nível educacional
mais baixo, reduz-se a concorrência enfrentada pelos mais ricos na busca
por vagas em universidades públicas e na disputa por bons empregos no
mercado de trabalho.344 Basta ver, como contraexemplo, o grau de estresse
por que passam os jovens nas sociedades asiáticas que conseguiram criar
um sistema educacional eficiente e inclusivo: são muitas as horas de estudo
necessárias para se obter sucesso universitário e para se conseguir um
emprego em empresas de primeira linha.
No caso da inadiável expansão da infraestrutura (fato estilizado 5 do
Capítulo 1) também é preciso ter em mente o objetivo de redução da
desigualdade concomitantemente com o aumento das oportunidades de
investimento. Seria interessante dar prioridade a investimentos em
infraestrutura que tem impacto positivo na vida dos mais pobres. Não é
difícil encontrar: o saneamento básico; os sistemas de transporte coletivo
nos grandes centros; os investimentos em drenagem e prevenção de
desastres decorrentes da existência de habitações em áreas de risco. Seria
interessante uma mudança no perfil da política de inclusão social: menos
reajustes reais para o salário-mínimo, menos expansão da assistência social
e mais investimentos que têm impacto imediato na qualidade de vida dos
mais pobres.
Governantes interessados em colocar o país no ciclo virtuoso de redução
da desigualdade e de aumento do crescimento precisam escolher reformas
prioritárias e jogar todo seu peso político nelas. Em paralelo, é preciso
“jogar na defesa”, defendendo regras de controle fiscal que impeçam a
expansão populista de políticas a favor de grupos específicos. Quanto mais
rígida a restrição fiscal imposta ao Estado, mais difícil será para que grupos
de interesse aprovem benefícios a seu favor. Respeito à Lei de
Responsabilidade Fiscal, obediência a limites de endividamento, respeito às
regras contábeis e de transparência das contas públicas são essenciais.
“Jogar na defesa” também significa trabalhar para bloquear
“contrarreformas” que tenham por objetivo recuperar privilégios já cortados
ou expandir benefícios já existentes.
Em uma sociedade tão desigual quanto a brasileira, somente em momentos
de forte crise política e econômica há oportunidade para a implementação
de reformas de maior fôlego. Na história recente do país houve apenas dois
momentos de reforma mais intensa, ambos decorrentes de crises
econômicas agudas. O primeiro deles foi o triênio 1964-1967, quando
houve reformas modernizadoras que restabeleceram o equilíbrio fiscal,
controlaram a inflação e desregulamentaram o mercado de crédito.
Reformas de peso, como a criação do Banco Central e a reforma tributária,
modernizaram a economia e abriram espaço para um período posterior de
crescimento.345 O segundo período com características similares ocorreu no
final dos anos 1990, quando foi possível realizar ampla privatização, ajuste
das contas públicas, reforma nas relações financeiras entre União, estados e
municípios, e abertura da economia.
Em ambos os casos, passada a fase mais aguda da crise, os interesses de
grupos e as demandas sobre o governo levaram ao paulatino desmonte dos
avanços institucionais. No caso das reformas de 1964-1967, por exemplo, o
Banco Central, inicialmente criado como autoridade independente, foi posto
sob a tutela do Executivo; o ICMS, concebido como um moderno imposto
sobre valor adicionado, foi recebendo isenções e exceções, o que acumulou
distorções e gerou perda de eficiência; retomou-se o modelo de substituição
de importações e de forte intervenção estatal na economia. No período mais
recente, a história parece repetir-se: as instituições de controle fiscal foram
paulatinamente desmontadas, as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal
contornadas, as barreiras comerciais reerguidas, a estatização da economia
ampliada por meio da expansão das instituições financeiras públicas e dos
subsídios creditícios e tributários casuísticos.346
O que diferencia os dois momentos de reforma é que o primeiro se deu sob
uma ditadura e o segundo sob democracia. No primeiro caso, o desmonte
das reformas ocorreu para atender pleitos dos ricos e das classes
intermediárias com acesso ao poder. No segundo caso, também os pobres e
segmentos mais amplos das classes intermediárias tiveram voz para
reivindicar privilégios.
Se as crises abrem oportunidades para reforma, elas também trazem o
risco de ruptura da democracia (como ocorreu na crise de 1964), um valor
importante por si só e que tem sido mantida graças à capacidade do Estado
de contentar amplos grupos sociais por meio de privilégios. Por mais
disfuncional e prejudicial ao crescimento que seja o modelo de “privilégios
para todos” adotado na democracia brasileira, ele teve o mérito de garantir a
estabilidade democrática por quase 30 anos, um período longo para os
padrões brasileiros. Nada garante que esse modelo consiga se manter no
futuro, visto que está ameaçado pelo esgotamento fiscal, mas a sua reforma
precisa levar em conta que não se pode esticar demais a corda. É preciso
manter o equilíbrio político e evitar prejudicar excessivamente alguns
grupos sociais, o que geraria instabilidade política.
Esse é o desafio que se põe para os próximos governantes do país:
caminhar em direção ao ciclo virtuoso sem romper a sustentação da
democracia. É preciso fazer concessões em nome da manutenção da
democracia, reduzindo o ritmo das reformas desejadas sempre que isso for
necessário para manter a harmonia política. Como ensinam Acemoglu e
Robinson, em Por que as nações fracassam, a experiência histórica mostra
que a democracia é condição necessária (embora não suficiente) para que
sejam construídas instituições inclusivas, fundamentais para o
desenvolvimento econômico sustentável.347 É preciso, portanto, escolher as
reformas prioritárias, e jogar forte peso político na sua execução, para
caminharmos na direção do ciclo virtuoso e conseguirmos, paulatinamente,
avançar em outras reformas à medida que aumente o ritmo de crescimento
da economia e caia a desigualdade e o conflito distributivo que ela gera.