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CURSO DE PSICOLOGIA
FORTALEZA
2020
DAVI BARBOSA MACÊDO
FORTALEZA
2020
M141a Macêdo, Davi Barbosa.
Acompanhamento terapêutico (AT) e cidade: apontamentos sobre a relação entre sujeito e a
cena urbana. / Davi Barbosa Macêdo. – Fortaleza, 2020.
47 f. ; 30 cm.
CDD 150
DAVI BARBOSA MACÊDO
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof.ª Dra. Maria Zelfa de Souza Feitosa
Orientadora – Centro Universitário da FAMETRO
_______________________________________
Profª. Ma. Gardênia Holanda Marques
Centro Universitário da FAMETRO
_______________________________________
Prof.ª Dra. Lorena Brito da Silva
Centro Universitário da FAMETRO
À minha avó Marlene Soares Barbosa, que
sonhou comigo essa conquista desde meu
ensino fundamental, partindo desta vida nos
primeiros anos de meu ensino médio.
Dedico-lhe este trabalho como expressão de
meus afetos mais amorosos.
AGRADECIMENTOS
Sou grato, acima de tudo, aos meus pais, Marcilia Maria Soares Barbosa Macedo e
Francisco Carlos Saboia Macedo, e demais familiares que sempre priorizaram minha
boa educação e foram presentes da forma que conseguiram para me prestar apoio,
atenção, sustento e inspiração no meu percurso formativo, em toda a sua dimensão
e implicações.
Por fim, agradeço a todos os meus amigos, pessoas importantes que sempre
fizeram questão de acompanhar o meu progresso, estando presentes nos momentos
bons e ruins, para festejar e me apoiar sempre que preciso. Partilho com todos
vocês essa conquista e manifesto minha imensa gratidão nessas pequenas palavras
repletas de carinho e atenção.
Poeta, cantô da rua, Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua, Que eu canto o
sertão que é meu.
Patativa do Assaré
RESUMO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 3
2 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ENQUANTO DISPOSITIVO CLÍNICO-
POLÍTICO PARA SOFRIMENTOS ÉTICO-POLÍTICOS. ............................................ 6
2.1 Entre divergências e convergências: o que nos conta a história do AT? ...... 6
2.2 Por que um dispositivo clínico-político? ........................................................ 10
3 A CIDADE ENQUANTO ESPAÇO ATUANTE NA PRODUÇÃO DE CUIDADO. .. 14
3.1 Narrativas históricas sobre o surgimento da cidade: uma leitura ocidental.14
3.2 Sobre a relação do sujeito com a cidade: lugar possível para o cuidado? . 16
4 METODOLOGIA .................................................................................................... 21
4.1 Tipo de pesquisa ............................................................................................... 21
4.2 Coleta de dados ................................................................................................. 22
4.3 Análise de dados ............................................................................................... 25
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 28
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 33
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 34
1 INTRODUÇÃO
3
acompanhar os sujeitos nas vias do seu processo de construção de uma teia que se
organize no seu território de vida, permitindo ao psicótico, por exemplo, o enlace de
sua estrutura psíquica com o tecido social. A clínica do AT abandona os muros que
segregam e ocupam espaços de troca, marcando a reinserção da relação entre a
cidade e o sujeito (PALOMBINI, 2004a).
Esta mesma clínica encontra forças no Brasil, quando entra em contato com
os movimentos da Reforma Sanitária e Psiquiátrica, durante a implantação do
Sistema Único de Saúde (SUS). Aqui ocorre um redirecionamento marcante nos
rumos que esta prática tomava, possibilitando, na década de 1990, a integração aos
serviços do SUS, aliando forças aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e às
Residências Terapêuticas, na tentativa de reformular os cuidados em saúde mental
no território (SOUZA; PONTES, 2013).
Desta forma, de acordo com Palombini et al. (2004b), o AT se caracteriza
como um dispositivo clínico-político, articulador do processo de
desinstitucionalização, na medida em que sua atuação ocorre no campo da política
pública, como apoiador dos serviços substitutivos ao modelo manicomial, e
transformador da clínica clássica, quando questiona o paradigma da clínica
intramuros.
É nas brechas dessa tensão que o AT encontra lugar na rede de serviços da
saúde mental, fazendo fronteira entre o dentro e o fora, orientando o seu trabalho
para as relações vivas que constituem territórios de existências e, também, no árduo
trabalho de “furar” discursos e circuitos que organizam as práticas que se encontram
ali instituídas. Nas andanças entre os limites das unidades de saúde e a cidade, o
AT oferece novos encontros e experiências aos acompanhados, seja no quarto, na
casa e/ou na rua. O que está em jogo nesta dinâmica é a ampliação das relações
com o “fora”, abrindo margem para pensar a cidade e o cuidado em saúde a partir
de outra lógica (GONÇALVES; BARROS, 2013).
A partir dessa compreensão de um modelo de clínica que se faz em outro
paradigma, dentro de outro contexto, levando em consideração este modo
específico de se relacionar acompanhante, acompanhado e cidade, surge como
questão: como se pode pensar a relação da clínica do Acompanhamento
Terapêutico (AT) com a cidade?
4
O interesse por esse estudo surge a partir do contato com a temática,
durante as discussões propostas em um programa de monitoria e iniciação
científica, possuindo, como tema central, a itinerância dos cuidados em saúde,
apresentando o AT como mais um dispositivo dessa estratégia de operacionalizar os
cuidados.
A relevância deste estudo se dá pela necessidade de gerar questões para o
campo da saúde mental, em constante processo de Reforma, na tentativa de
possibilitar o encontro com outras estratégias que reconheçam modos de
experimentar o tempo e o espaço no campo das singularidades, como bem é
lembrado por Palombini et al. (2004b).
Esta pesquisa propõe, como objetivo geral, analisar a relação que se
estabelece entre a clínica do Acompanhamento Terapêutico (AT) e a cidade. Como
objetivos específicos, se propõe compreender como se configura o AT como um
dispositivo clínico-político; discutir a cidade em sua participação na produção de
cuidado do sujeito; e identificar a proposta da clínica do AT na cidade.
A partir disso, a discussão a seguir se orienta a partir da discussão sobre o
AT enquanto dispositivo clínico-político, articulador dos movimentos de Reforma e
desinstitucionalização, para, em seguida conjecturas sobre a cidade serem
elaboradas, como forma de compreendê-la conceitualmente enquanto categoria de
análise e espaço atuante da clínica do Acompanhamento Terapêutico. Na seção da
metodologia, o processo de feitura da pesquisa é expresso com seus detalhes,
acompanhado, logo mais, pelos dados e o seu devido tratamento.
5
2 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ENQUANTO DISPOSITIVO CLÍNICO-
POLÍTICO PARA SOFRIMENTOS ÉTICO-POLÍTICOS.
6
movimentos da Reforma Psiquiátrica, com maior ênfase naqueles referentes às
correntes da antipsiquiatria, psiquiatria democrática e psicoterapia institucional, se
localizando, principalmente, nas trajetórias referentes ao Brasil e Argentina
(METZGER, 2017).
Ainda sobre estes movimentos, Amarante (2007) reconhece a efervescência
na década de 1960, apontando para o momento em que psiquiatras como Ronald
Laing e David Cooper começam a adentrar o hospital com suas experiências de
Comunidades Terapêuticas e Psicoterapia Institucional, apresentando como
proposta a retirada do louco do lugar que o produziu, sugerindo que este fosse
tratado em outro ambiente. Após certo tempo, desinvestindo destas últimas
transformações que haviam proposto, passaram a se posicionar de maneira mais
crítica, direcionando questões ao saber psiquiátrico, reconhecendo aqueles que
eram nomeados de loucos como pessoas oprimidas e violentadas por todo um
sistema que se organizava para além das instituições psiquiátricas (GUATTARI,
1974/2004).
Esses movimentos são importantes catalizadores no direcionamento do
tratamento psiquiátrico do século XX, haja vista sua potencial articulação crítica que,
por via de suas contestações, abriu espaço para que novas possibilidades de
assistência pudessem emergir na contemporaneidade, como é o caso das
Comunidades Terapêuticas, Hospital-dia e AT. Antes que se inscreva como tal, o AT
passa por uma jornada de construção conceitual e ética, transitando entre
nomenclaturas e funções, até que se chegasse a uma amarração das atribuições do
que se conhece no cenário contemporâneo (SILVA; SILVA, 2006).
Por meio disso, deslocam a compreensão da experiência patológica do
indivíduo que possui corpo e/ou mente doente, para a dinâmica das relações que se
estabelecem entre sujeito e coletivo social, denunciando a responsabilidade da
sociedade com os processos de exclusão, ampliando a compreensão de sofrimento
psíquico e loucura para a esfera política (GUATTARI, 1974/2004).
Sob influência dos discursos produzidos pela articulação das comunidades
terapêuticas, o modelo de assistência à saúde do Brasil sofreu modificações em sua
estruturação na década de 1960. Neste recorte, em Porto Alegre, na Clínica Pinel,
houve uma tentativa de implementação da filosofia do que ficou conhecido como
“Hospital Dinâmico”, surgindo, com isso, a figura do atendente psiquiátrico,
7
responsável pelo acompanhamento da rotina de pacientes internos, passeios, visitas
de outros médicos, dentre outras solicitações. Tal atribuição não exigia uma
formação acadêmica para o auxílio no tratamento de internos (NOGUEIRA, 2009).
Após a fundação da Clínica Villa Pinheiros, com o apoio da Clínica Pinel, um
grupo de psicanalistas contou com o apoio de alguns atendentes psiquiátricos para
ajudar na estruturação deste outro dispositivo. Entretanto, em sua fundação, os
novos ajudantes passaram a ser reconhecidos como auxiliares psiquiátricos, sendo
esta atribuição um novo foco de interesse de estudantes de Psicologia e de
Medicina daquela época (NOGUEIRA, 2009).
Com isso, houve aumento do número de pessoas que exerciam esse papel,
havendo ou não uma formação acadêmica em questão. Estes mesmos passaram a
integrar a equipe e participar das reuniões que tratavam o direcionamento dos casos
acompanhados, sob a égide da teoria psicanalítica. Na tentativa de evitar
internações, psiquiatras passaram a indicar o acompanhamento proposto pelos
auxiliares psiquiátricos, incluindo casos que não estavam diretamente vinculados
com o espaço da instituição. O trabalho passou a ser realizado para além da
organização de rotina e auxílio na higiene pessoal de internos, tornando-se
recorrente o acompanhamento extra-muros, expresso em visitas à família, passeios,
consultas médicas, etc. (PARAVIDINI, ALVARENGA, 2008).
Já na década de 1970, a partir das fortes crises políticas referentes à
ditadura militar no Brasil, o que se observou, mesmo após o fechamento da Clínica
Villa Pinheiros, foi a continuidade do trabalho dos auxiliares psiquiátricos na
composição da equipe de acompanhamento de pacientes acometidos de
sofrimentos psíquicos. Entretanto, há um declínio em sua função quando, sob
influência da crise política vivida, se percebeu um retorno à antiga psiquiatrização,
colocando estes profissionais no lugar do exercício de controle sobre corpos, por via
da vigilância e contenção de pacientes (NOGUEIRA, 2009).
Com o passar do tempo, a experiência clínica passou a se sobrepor aos
novos preceitos encontrados na crise relatada. Ao ganhar corpo, os auxiliares
psiquiátricos retomaram sua função no tratamento das psicoses e passaram a
assistir pacientes que não se apresentam em estado de crise e integrar a equipe
terapêutica. Embora se encontrem fragmentos narrativos do que se nomeia como
AT no Brasil e na sua relação com os movimentos de Reforma, é na Argentina que
8
esta nomenclatura se apresenta como tal, marcando sua função (CHAUI-
BERLINCK, 2010).
Em Buenos Aires, por volta da década de 1960, sob influência de um grupo
multidisciplinar conhecido como Centro de Estudos e Tratamento de Abordagem
Múltipla em Psiquiatria (CETAMP), o termo amigo qualificado se apresenta como
uma opção para o trabalho realizado no acompanhamento de pacientes com
transtornos graves, se tratando de uma função presente em uma equipe de
profissionais que atuava sem haver vinculação com hospitais psiquiátricos, mas
associação com clínicas e comunidades terapêuticas, sendo os atendimentos
realizados tanto dentro como fora das instituições (NOGUEIRA, 2009).
O termo amigo qualificado passou a ser amplamente discutido, pois
aparentava se inscrever em outro lugar que não demarcava funções específicas,
neste caso, a dos papéis de quem acompanhava e de quem era acompanhado.
Entre as décadas de 1960 e 1970, na tentativa de deslocamento para um lugar que
marcasse o cenário e a função terapêutica desta clínica, a nomenclatura atendente
terapêutico passa a ser utilizada como substituta da anterior (GONÇALVES;
BARROS, 2013).
Por fim, na década de 1980, após demarcar o lugar de ação desta clínica
expresso pela terminação verbal presente em “acompanhar”, o AT se configura
como adequado para se referir a uma clínica que ocorre no cotidiano do
acompanhado, levando em consideração o seu setting variado e sua rede
terapêutica, se apoiando em um aparato teórico apropriado, em sua maioria,
sustentados pelo “saber-não-saber” psicanalítico (NOGUEIRA, 2009).
Conforme aponta Metzger (2017), esse ganho só é possível quando as
relações hierárquicas são postas em questão e os papéis assumidos e funções
exercidas são deslocados do modelo de linha de montagem para o entendimento de
que a função terapêutica não se centra na figura de apenas um profissional,
devendo ser reconhecida como atribuição do coletivo.
Não parando por aqui, sobre a relação desta clínica com o cenário brasileiro
na década de 1990, o que se observa é que a função do AT entrava em contato com
a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). Aqui ocorre um
redirecionamento marcante nos rumos que esta prática tomava, possibilitando a
integração desta aos serviços do SUS, aliando forças aos Centros de Atenção
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Psicossocial (CAPS) e as Residências Terapêuticas, na tentativa de reformular os
cuidados em saúde mental articulados pela rede pública (GONÇALVES; BARROS,
2013).
A partir disso, direitos são reconhecidos e o mito da periculosidade da
loucura cai por terra, surgindo a responsabilidade do Estado de restituir a cidadania
desses sujeitos excluídos por vias de uma lógica inclusiva. Isso abre margem para a
criação de uma lei que proíbe a novos leitos psiquiátricos, dando lugar para a
articulação com outros serviços da ordem pública (METZGER, 2017).
No que diz respeito a suas definições, embora existam várias, é possível
perceber uma convergência de sentidos que parecem direcionar as narrativas desta
clínica para um lugar comum. De acordo com o que expressam Paravidini e
Alvarenga (2008) em seu levantamento, as formas de dizer sobre o AT se repetem,
mudando a forma como sua tessitura é descrita.
Entretanto, é válido ressaltar, também, que nas definições encontradas por
Paravidini e Alvarenga (2008), há um marcador temporal que aponta para uma
mudança conceitual nessa definição clínica. Dito isso, em um dado momento os
autores apontam o AT como uma prática, resumidamente, de saídas, enquanto que
autores mais contemporâneos traçam esta narrativa a partir de uma relação
complexa entre sujeito e cidade, que não se expressa apenas no ato de sair, mas no
movimento cotidiano que se presentifica no deslocamento existencial, composto
tanto pelos fluxos e influxos da urbanidade que pulsa na cidade, como pela trama de
relações que se estabelecem com o sujeito acompanhado.
Embora possam parecer estáticas, as coisas possuem seu movimento, seus
ritmos. Saquet (2011) aponta para isso quando fala dos ritmos diferentes que
compõem um território, sendo necessário, muitas vezes, sincronizar para que possa
se perceber o campo em que atua, sabendo que este é invadido por diversas
informações, elementos, pessoas e relações que compõem este cenário vivo. Desta
forma, o plano espacial não se configura como o coração da prática, mas como
importância relativa de fator descritivo e de exploração.
10
Nos intercursos de sua pesquisa, Palombini (2006) se depara com os
meandros de um debate crítico que se direcionava para problematizações acerca do
AT em diferentes óticas, entre nuances e singularidades de quem experimentava
esta clínica. Dentre estas discussões, pontos comuns foram ancorados, indo desde
a sua potência enquanto clínica de intervenção com usuários, até o de sua
potencialidade analítica e articuladora do movimento da Reforma Psiquiátrica,
demarcando se “compromisso ético-político de intervenção de uma clínica pública,
singular e coletiva, clínica que se quer reinventora de si e do mundo” (PALOMBINI,
2006, p.116), marcando o AT como possível catalizador de mudanças.
Esta problematização se dá na medida em que embates discursivos,
proporcionados pela Reforma Psiquiátrica, se desgastam e resultam em críticas
tanto ao olhar que se lança sobre o objeto de suas práticas, como aos recortes
epistemológicos que fundamentam suas intervenções sobre os sujeitos afetados
(LEMKE; SILVA, 2011). Assim, quando se fala em “compromisso ético-político”,
entra em cena a necessidade de busca por raízes históricas dessa clínica e,
juntamente com as narrativas que a sustentam, um lugar para que vozes ecoem e
se conectem com as reinvidicações de reinvenção e acessibilidade do tratamento
clínico e da cidade (PALOMBINI, 2006).
A clínica do AT é mencionada como um disposto que, para Foucault
(1979/1984), se inscreve como um conjunto heterogêneo, constituído por elementos
ditos e não ditos, se tratando da “rede que se pode estabelecer entre estes
elementos” (FOUCAULT, 1979/1984, p.243). Além disso, pode ser pensada como
um contágio em que se mesclam as disciplinas “psi” com os tempos e espaços
existenciais proporcionados pela cidade, havendo, em seu exercício, reivindicações
que o movimento de Reforma coloca, constantemente, para os seus profissionais,
tratando-se de um dispositivo clínico-político que corrobore com os processos de
desinstitucionalização de subjetividades, da própria clínica e dos laços que se fazem
com a cidade (PALOMBINI; CABRAL; BELLOC, 2005).
Seguindo esta linha de raciocínio, entende-se que a subjetividade se
manifesta em um espaço de interação em que as afetações se manifestam na mente
como figuras na forma de imagens, emoções e ideias. Desta forma, pode se pensar
o campo subjetivo como um nódulo em que o social, o emocional e o político se
entrelaçam e interagem entre si, se categorizando, todos, como fenômenos éticos e
11
da ordem do valor. Justamente por se relacionar com essa ideia de manifestação
subjetiva que se faz nas trocas é que se fala em sofrimento, pois se trata de uma
categoria que transcende o lugar da particularidade, da pessoalidade e se refere à
dor mediada pelas injustiças sociais, também presentes na dificuldade de acesso da
cidade, daí o seu viés ético-político (SAWAIA, 2001).
Resumidamente, esse sofrimento ético-político se expressa nas amplas
facetas de afecções do corpo que agridem o modo de viver de diferentes formas.
Esse mesmo se expressa no espaço intersubjetivo entre o eu e o outro, englobados
nas camadas determinadas pela organização e funcionalidade social (BERTINI,
2014). Portanto, este se configura como retrato das vivências cotidianas, levando em
consideração as questões referentes de cada época histórica, especificamente
naquelas em que a dor pode ser encontrada nas entranhas. Ele expõe o espectro
ético das desigualdades sociais, da negação de apropriação do próprio espaço
público como ambiente de movimentação e expressão de desejos e afetos
(SAWAIA, 2001).
Dessa forma, o processo de desinstitucionalização deve possibilitar
mudanças no paradigma clínico, deslocando a ideia de “cura” para o
reconhecimento da diferença, dando lugar para o cuidado enquanto potencial
transformador dos modos de viver e se fazer vida (ROTELLI; LEONARDIS; MAURI,
1990). Além disso, faz-se necessário, também, a construção de novos horizontes
para uma política de saúde mental, que proponha a elaboração de estruturas
externas que sejam substitutivas à logica manicomial e, ao mesmo tempo, flexíveis
no seu modo de operacionalizar os serviços no território (LEMKE; SILVA, 2011).
Ressaltar essa peculiaridade do AT, na questão de alinhamento com o
movimento de Reforma, se faz necessário, pois, de acordo com Palombini (2006),
mesmo se configurando como essa clínica que se faz na cena urbana, não se isenta
das possibilidades de constituir a rua como um espaço nos conformes asilares,
trancafiada no absolutismo dos discursos do manicômio que extravasam das
paredes do hospital.
Isso aponta diretamente para o conflito presente neste campo de atuação,
abrindo espaço para que questões éticas sejam direcionadas para esta práxis,
possibilitando se perguntar até que ponto a inserção nos territórios, permeados por
modos de vidas e relações, pode, de fato, proporcionar uma mudança do paradigma
12
clínico com que se ocupam os cuidados em saúde. Assim, o mero deslocamento
espacial e burocratizado não garante esta ruptura com os discursos hegemônicos
que se apropriam das políticas de saúde e assistência, pelo contrário, se configuram
como uma atualização e aprimoramento de manutenção de práticas alienadoras das
quais se ocupa o Estado (LEMKE; SILVA, 2011).
Mesmo com esse risco, conforme pontuado por Palombini (2006), o que se
percebe, a partir das experiências narradas, é o caráter potente que o uso do AT
pode ter na possibilidade de traçar novas vias que substituam e se sobreponham à
lógica manicomial. Isso se dá pela sua própria forma de se fazer enquanto
dispositivo, já que, ao acompanhar o usuário nos serviços e na experimentação de
sua sociabilidade nos vários lugares afetivos da cidade, um novo desenho de
cuidado se faz, marcando o processo de implementação da Reforma Psiquiátrica.
Trata-se de uma clínica que permite chegada e aproximação potente junto
àqueles sujeitos desassistidos, impossibilitados de terem acesso à cidade e/ou que
não conseguem aderir ao tratamento, seja ele categorizado como mais tradicional ou
mesmo as mostras de oficinas e rodas de conversa propostas presentes nos
dispositivos que aderem serviços substitutivos. Dentro dessa afirmação, conforme
ainda aponta Palombini (2006), o AT pode ser considerado uma rede, enquanto
dispositivo, que engloba e articula elementos. Dentre estes, segundo a mesma, se
encontram:
13
3 A CIDADE ENQUANTO ESPAÇO ATUANTE NA PRODUÇÃO DE CUIDADO.
14
ocupados por atividades do ramo alimentício, se dedicassem a outras práticas,
demarcando a divisão entre campo e cidade.
Sobre estas duas categorias, Castro (2014) postula que a definição de
campo se concentra na ideia de lugar do desempenho da atividade primária,
expressa na manipulação de matérias-primas, enquanto que a cidade se configura
como berço do poder, posse de uma classe dominante que se apropria dos
excessos de produção que outrora marcaram a expansão das aldeias.
Entretanto, ainda segundo Battaus e Oliveira (2016), a diferenciação
espacial entre estas categorias levantadas não devem se dar apenas pelo modo de
divisão do trabalho, mas, principalmente, a partir da forma com que operaram as
instituições e como as relações sociais se organizaram nos direcionamentos durante
o processo complexo de transferência do trabalho do campo para a cidade, afetando
diretamente a produção e distribuição.
Assim, se configura enquanto modo de organização espacial facilitados do
exercício de maximização do excedente alimentar em favor da classe dominante,
transformando este em poder militar, consecutivamente em dominação, ao fornecer
proteção em troca da servidão. Segundo Castro (2014), estes são marcadores
importantes para o reconhecimento da “origem político-social da cidade, do Estado e
das classes sociais” (p.41).
Apresentando-se como um divisor de águas nas tramas dos modos de viver,
a industrialização e seus efeitos repercutem em transformações sociais que se
arrastam ao longo do tempo. Segundo Monteiro (2012), este é o ponto de partida
para se pensar o processo de urbanização, ao se propor uma releitura histórica da
cidade por este contexto, reconhecendo sua influência acerca das problemáticas
que se voltam para esta e a realidade urbana.
Embora se oriente a partir desse marco histórico, é importante ressaltar que
a ideia de cidade preexiste a este, sofrendo modificações a partir de suas induções.
Conforme aponta Lefebvre (1968/2001), houve cidades de distintos modos de
organização e caracterização cultural, ressaltando a cidade medieval, envolta de
complexas relações feudais, atravessada por um viés politico, mas, principalmente,
comercial, bancário e artesanal.
Com a intensificação do capitalismo concorrencial, novos traçados de rota
por mercadores ambulantes e os efeitos do sobreproduto da agricultura, as cidades
15
começaram a acumular riquezas. A partir daí, o que se observa é outro modo de
gestão, sendo a cidade reconhecida como centros urbanos em que há vida social e
política, bem como espaço em que há acúmulo de riquezas, conhecimentos e obras,
sendo que "a própria cidade é uma obra” (LEFEBVRE, 1968/2001, p.12).
3.2 Sobre a relação do sujeito com a cidade: lugar possível para o cuidado?
16
pobreza. Em sua próxima virada, no decorrer do século XX, a cidade se torna
morada de individualistas prisioneiros de si, cenário propício para a reprodução
automatizada de violências (SAWAIA, 1995).
Trata-se de um processo inicial em que a diferença é subjugada,
impossibilitando o reconhecimento de seres complexos, de subjetividades,
apoiando-se nas ideias reguladoras da razão científica universalizaste. Entretanto,
na contramão do tic-tac para a virada do século, como proposta contrária à
homogeneização disciplinadora que se estabeleciam, analistas urbanos emergem
como possibilidade de cultivo da polissemia de identidades (BERTINI, 2015).
De acordo com Bomfim e Souza (2018), esta só se permite ser vislumbrada
como um simbolismo, quando ressaltada a capacidade de percepção dos sujeitos
urbanos em captar, interpretar e construir sentidos a partir das estruturas físicas
aglomeradas que recebem o nome de “cidade”. Aqui se reconhece sua potencial
dimensão enquanto espaço de construção simbólica.
Assim, marca-se uma conduta territorial, expressa na relação que se faz
entre o sujeito e o espaço, presente no modo com que este se constrói como
identidade a partir do contato com o meio que habita, permitindo-se transformar e
ser transformado enquanto marca e é marcado simbolicamente pela representação
afetiva disso que adquire o patamar de lugar, podendo trazer, em suas noções de
representação, a ideia de segurança (BOMFIM; SOUZA, 2018).
Por meio da categoria de analítica da identidade, Sawaia (1995) propõe um
deslocamento a partir de óticas diversas, experimentadas em múltiplas
combinações. Trata-se de um eixo teórico que permite uma leitura das relações
“tanto na dimensão perverso-tirânica, quanto democrática-solidária” (SAWAIA, 1995,
p. 20), em oposição de dualismos que dividem em opostos incompatíveis, dando
lugar para a ambiguidade, fugindo da categorização de espaços em adjetivos como
bom/mau, libertador/aprisionador, permitindo o exercício questionador a respeito da
democratização do uso da cidade.
Para tal, faz-se necessário um deslocamento da compreensão da dimensão
humana pertencente à cidade, no sentido de reconhecer que esta não se trata de
uma categoria humana simplesmente por ser criação do homem e/ou contemplada
por subjetividades, mas, também, pelo processo de enlaço entre homem e espaço,
17
resultando no compartilhamento da mesma materialidade e subjetividade (BERTINI,
2015).
Assim, cabe reconhecer a cidade como uma complexidade que não se
resume em um aglomerado de ruas e praças, mas em um símbolo que se dota de
sentido a partir da interação da geografia com o emaranhado de existências, em
uma circulação contínua de significações. Esta interação possibilita um fluxo de
múltiplos destinos, permitindo uma experiência de transcendência dos limites das
coisas, (re)inventando articulações diversificadas, na medida em que a cidade, a
rua, prédios e edifícios dotam-se de subjetividade, no encontro de identidades,
manifestadas em sua história, desejos e conflitos (GUATTARI, 1985).
Segundo Bomfim e Souza (2018), justamente por haver uma relação de
afeto, há um apego com o lugar, fruto de avaliações referentes à qualidade e
segurança do local, suscitados a partir das necessidades do citadino. As mudanças
realizadas no espaço podem afetar os sujeitos, influenciando em sua relação com o
espaço e saúde mental, já que esta também se vincula com os laços nutridos pelo
ambiente.
Pode-se dizer que essa vinculação identitária se faz a partir da apropriação
do espaço de forma transformadora, semelhante ao que é definido na ideia de
Promoção da Saúde. De acordo com Bomfim e Souza (2018), esta atua no potencial
transformador de pessoas e comunidades, possibilitando, por via do protagonismo
destes atores, modificar determinantes de saúde em benefício individual e coletivo,
refletindo na qualidade de vida no presente território.
Neste caso, os espaços colaboram com a produção de um clima, podendo
ser sentido nas afecções do corpo (englobadas no trânsito de intersecções sociais,
políticas, culturais, etc.), contribuindo na produção de discursos que montam uma
realidade e narram percepções e modos de se afetar pelo lugar, explicando porque
nutrimos certos afetos (agradáveis ou não) por espacialidades (SAWAIA, 1995).
Isso coloca em cheque a ideia monocromática do que se constrói sobre o
conceito de segregação espacial, apontando para a sua ambiguidade, extrapolando
as barreiras da materialidade enquanto lugar de isolamento e inclusão, apontando
para a necessidade de reconhecê-la como um processo que está além da
expropriação do direito de acesso aos bens públicos, mas, também, nas redes de
18
relações e cartografias de desejos que se desenham no encontro com o lugar
(GUATTARI, 1985).
Segundo Sawaia (1995), para que se acompanhe o traçado engodado dessa
teia rizomática, é necessário lançar olhar para além dos fluxos vitais, reconhecendo
algo mais do que o lugar da intimidade na relação que se estabelece entre
moradores e território. Abre-se o espaço para a dialética presentificada na afetação
de agradabilidade pelo lugar e o não usufruto deste mesmo espaço, tratando-se de
uma cidade que não é experimentada em todas as suas possibilidades de
circulação.
Quando apropriado, o lugar pode ser utilizado como potencializador na
atuação de prevenção à saúde, como aliado no combate da segregação
socioespacial, impactando diretamente, de forma positiva, na promoção da saúde,
ao facilitar a inserção de ações combinadas educativas, políticas, legislativas e/ou
organizacionais nos modos de vida de indivíduos, grupos e coletividades, se
configurando a partir dos seguintes campos de ações:
19
impactando nas relações comunitárias e de participação popular, refletindo em
qualidade de vida, bem-estar e liberdade. Ao se tratar de um lugar permeado pelo
sentimento de insegurança, o lugar pode ser canal despotencializador da implicação
do sujeito, resultando nos processos de adoecimento, passividade e servidão
(BERTINI, 2015).
20
4 METODOLOGIA
21
encontra cristalizado em suas práticas de investigações. O conhecimento criativo
dos clássicos permite uma leitura que não é meramente passiva, apropriadora de
teorias, mas uma possibilidade de deixar sementes e propor pontos e contrapontos.
O segundo domínio possibilita que, por via de uma bibliografia, se tome
conhecimento de uma determinada produção, podendo, dentro disso, reconhecê-la,
ou não, e dialogar criticamente com o que é colocado (DEMO, 1985). Por fim, a
verve crítica é o domínio que possibilita que uma discussão aberta se faça presente
no processo de crescimento científico, reconhecendo que o bom cientista não é
aquele que replica teorias, mas quem se apropria e constitui posicionamento crítico
em sua pesquisa, pois “a teoria faz mal somente quando se encerra em si mesma e
passa a ser um castelo no ar” (DEMO, 1985, p.24). Em resumo, tal pesquisa, esta
que se nomeia teórica, diz respeito a um estudo que se propõe realizar uma análise
crítica a partir de uma teoria, apontando, por via deste caminho, para processos já
existentes e construção de novos paradigmas que circundam a compreensão ou
ideia do objeto escolhido.
Em consonância, o presente estudo se utilizou de um método de abordagem
qualitativa, sendo definido como um viés que não se direciona especificamente para
levantamentos estatísticos, medições e/ou enumeração de fatos estudados. Neste
caso, direciona-se para uma leitura da realidade a partir de produções de sujeitos,
alcançando subjetividades e narrativas, não se preocupando com elementos de
cunho estatístico para a interpretação de tais dados (ZANELLA, 2006). No que se
refere aos objetivos, a pesquisa assumiu caráter exploratório, na medida em que
tomou como proposta o conhecimento de maiores informações sobre um
determinado assunto, já que esta abordagem proporcionava um ponto de partida
para que se constituísse um trabalho preliminar (ANDRADE, 1999).
Foi realizada por via de uma pesquisa bibliográfica (ZANELLA, 2006). Dentro
desta categoria e, considerando a escassa produção teórica sobre o tema, foram
utilizadas produções científicas visitadas em bases de dados disponibilizadas no
Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), levando em consideração sua ampliação de busca. Para a
22
seleção dos artigos, foram utilizados descritores voltados para o tema, se
correlacionando em alguns momentos, sendo eles: “acompanhamento terapêutico” e
“cidade”. A seleção das publicações se baseou nos respectivos critérios: artigos em
português, sendo escolhidos os textos disponibilizados na íntegra.
Consecutivamente, foram excluídas as publicações em qualquer outro idioma que
não o português, que não estavam disponíveis para leitura na íntegra e/ou não
abarcaram como tema central os descritores “acompanhamento terapêutico” e
“cidade”.
Com base nisso, foram encontrados 192 resultados para a busca
“Acompanhamento Terapêutico”, reduzindo este acúmulo para 42 quando inserida a
categoria “Cidade”. Por fim, ao habilitar os filtros de “idioma” para português e “tipo
de material” para artigos, esse número chega a 155 (somente com AT) e em 24
(quando cruzadas as duas categorias), demonstrando um dado referente ao número
de produções. Depois de realizada a busca, os artigos foram selecionados a partir
de seus títulos, resumos, temas discutidos em seus capítulos teóricos e suas
conclusões, tudo isso levando em conta os objetivos que foram apontados para este
recorte de pesquisa. Ao fim do levantamento, 15 artigos foram selecionados e
encaminhados para leitura na íntegra. Os seguintes dados podem ser visualizados a
seguir, no Quadro 1.
Após inserção
Resultados Artigos
Descritor(es) de critérios
preliminares selecionados
inclusivos
Acompanhamento Terapêutico 192 155
Acompanhamento Terapêutico 15
42 24
e Cidade
Fonte: elaborado pelo autor.
23
informações que contemplavam os direcionamentos da pesquisa eram eleitos. Tais
informações podem ser visualizadas com maiores detalhes no Quadro 2.
25
FIGURA 1 - PRÉ-ANÁLISE.
Leitura
• Portal de Flutuante • Ver Quadro 2.
periódicos CAPES;
• Critérios de • Resumo;
inclusão. • Corpo do Texto;
• Considerações
Finais. Organização do
Seleção de
material
Artigos
Selecionado
FIGURA 2 – CODIFICAÇÃO.
Acompanhamento Terapêutico
Capítulos teóricos dos artigos
selecionados (Quadro 2)
Cidade
Fonte: elaborado pelo autor.
26
FIGURA 3 - CATEGORIZAÇÃO
27
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
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fluxos pertencentes aos territórios da cidade, possibilitando o contágio pela matéria
da cidade.
Em consonância, Meira (2013) afirma que o AT urge com a cobrança de
criação de novos espaços para deslocamentos, ao passo em que também
reconhece a cidade como lugar simbólico possível de revisitações sonoras e visuais,
dialogando com as vivencias que provoca na sua rede de relações, expressando os
seus múltiplos contornos que dão lugar para um mergulho de experimentações do
AT. No ato clínico do percorrer que é proporcionado por esta clínica, o contexto da
cidade, em sua ampla variação de complexidade, possibilita a tessitura de palavras,
gestos e laços sociais que constituem uma malha de existência. Ao flanar pelas
ruas, a bússola que orienta o acompanhante terapêutico perde o rumo, assim, o
novo se manifesta na quebra de automatismos, ao passo em que há o desenho de
um mapa que fala sobre outra cidade, essa permeada pela realidade do encontro de
dois (MEIRA, 2013).
Embora as produções toquem, de fato, na relação estabelecida entre os
enlaçamentos do AT com a cidade, o que se percebe é um afastamento de
entendimento sobre a cidade, ponto observado por Palombini (2009), quando esta
alerta para a necessidade de problematização da cidade, reconhecendo uma
ausência desta categorização em produções. Marca sua criticidade em palavras, ao
falar do lugar de possível encontro que cena a urbana proporciona, identificando um
mundo no fora das extensões dos muros da clínica e seu setting, se deparando com
o desconforto que a rua causa ao tensionar o fazer clínico, expressando a
necessidade de desprendimento do AT da cidade que reconhece, para que, então,
outra possa ser habitada a partir do encontro proporcionado entre acompanhante e
acompanhado.
Assim, ao adentrar o espaço da clínica, a cidade a coloca em questão,
batizando a emergência do AT como dispositivo potente de articulação entre os
saberes psi com o espaço-tempo particular da metrópole, sendo uma “clínica
transformada, porosa à política, à cidade, implicada numa prática que se quer
transdisciplinar, às voltas com os enigmas e desafios do tratamento da psicose fora
dos muros do internamento” (PALOMBINI; CABRAL; BELLOC, 2005, p. s/n).
29
5.2 A cidade como lugar possível para o encontro
30
É nas tramas que compõem a cidade que o AT opera como dispositivo
clínico, haja vista o reconhecimento desta como espeço propício de conflitos e
dramaturgias urbanas, possibilitadores de individualidades, mecanismos de
produção de subjetividades que se entrelaçam nos jogos de forças que se frutificam
na experiência de guerra de lugares, disputa de singularidades e de múltiplos
territórios que se estabelecem no espaço da metrópole, escancarando o seu viés
político (PALOMBINI; CABRAL; BELLOC, 2005).
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A rede de saúde mental deve, então, expandir-se para além de seus limites, isto é,
transformar-se em uma rede que já não é mais da saúde mental nem da saúde
como um todo, mas uma rede urbana em que estão contidos múltiplos discursos,
múltiplos territórios, múltiplos encontros, múltiplas ideias e múltiplos
agenciamentos. E o que procuramos mostrar é que a construção dessa rede, por
não dizer mais respeito apenas aos dispositivos de saúde mental, também pode
ser a construção de formas inéditas de convivência na cidade [...] (p.38).
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
34
______. Afetos em Espinosa e a cidade como civitas. Revista Conatus -
Filosofia de Spinoza, vol. 9, n. 18. dez., 2015. Disponível em
<http://seer.uece.br/?journal=Conatus&page=article&op=view&path%5B%5D=2089&
path%5B%5D=1789>. Acesso em 15 mai. 2020.
36
MEIRA, A. M. As crianças na cidade e o acompanhamento terapêutico. Psicol. Soc.,
Belo Horizonte, v. 25, n. spe2, p. 41-45, 2013. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
71822013000600006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 14 jun. 2020.
37
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
11382006000200012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 14 abr. 2020.
39
VELOZO, R. S.; SERPA JUNIOR, O. D. de. O Acompanhante Terapêutico “em ação”
no campo público da assistência em saúde mental. Rev. latinoam. psicopatol.
fundam., São Paulo, v. 9, n. 2, p. 318-338, jun. 2006. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
47142006000200318&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 16 jun. 2020.
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