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CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES: A

POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO EM DEBATE

Ana Paula Nunes


Pedro Henrique Girotto Ribeiro

Resumo: O presente estudo apresenta reflexões preliminares sobre a Política Nacional de


Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (PNEVCM) brasileira, diante da sociedade
patriarcal-racista -capitalista contemporânea. Nele almeja-se, através da revisão bibliográfica,
destacar os elementos que possibilitem responder a seguinte questão: Como a PNEVCM
contribui na luta pela desnaturalização as diversas opressões que estão submetidas as
mulheres no Brasil? A perspectiva teórica para este estudo, se baseia nas teorias marxista e
feminista, para então analisar a forma em que o modo de produção capitalista impacta a
divisão sexual do trabalho, as políticas sociais e, consequentemente, a (re)produção da
violência contra as mulheres. Conclui-se que para combater a violência contra a mulher-
doméstica/familiar, é necessária uma política estatal, com uma perspectiva política feminista
marxista/materialista, que possibilitará compreendermos que somente a emancipação humana
libertará as mulheres das múltiplas jornadas de trabalho.

Palavras-chave: Política Social. Divisão Sexual do Trabalho. Violência Contra a Mulher.

1 INTRODUÇÃO

Parte-se do pressuposto que a dominação patriarcal-capitalista-racial é estrutural e


estruturante da sociedade como um todo, e fissuras à essa dominação, são possíveis quando o
movimento feminista reivindica do Estado medidas de proteção à vida das mulheres. A
ampliação da consciência sobre os direitos conquistados pelo movimento feminista é
essencial, principalmente para a maioria da população brasileira, que é constituída por
mulheres.

Portanto, no presente estudo, será abordado o direito das mulheres a viverem sem
violência, conforme serão tecidas reflexões analíticas iniciais sobre a Política Nacional de
Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres.

Segundo o Painel de Monitoramento da Política Judiciário Nacional de Enfrentamento


à Violência Contra as Mulheres1, o Brasil terminou o ano de 2019 com mais de um milhão de

1
Disponível em : https://www.cnj.jus.br/processos-de-violencia-domestica-e-feminicidio-crescem-
em2019/#:~:text=O%20Brasil%20terminou%20o%20ano,563%2C7%20mil%20novos%20processos.

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processos de violência doméstica e 5, 1 mil processos de feminicídio em tramitação na Justiça
Brasileira.

O IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em estudo inédito, estimou o


efeito da participação da mulher no mercado de trabalho sobre a violência doméstica, e de
acordo com a pesquisa, o índice de violência contra mulheres que que integram a população
economicamente ativa (52,2%) é praticamente o dobro do registrado pelas que não compõem
o mercado de trabalho (24,9%) (IPEA, 2020).

Os dados evidenciam que em relações sociais que são históricas, é atribuído de


maneira desigual às mulheres, múltiplas jornadas de trabalho, seja na esfera econômica
privada e/ou pública, e por essa simples razão são violentas para com as mulheres.

Aqui também destaca-se a relação de exploração do capital sobre o trabalho,


destacando sua dimensão de classe, sexo, raça/etnia da classe trabalhadora, pois são distintos
e diversos os elementos que compõem as relações sociais de sexo (CISNE & SANTOS,
2018).

Assim, o presente artigo tem como objetivo problematizar a importância da Política


Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, para a luta pela desnaturalização
contra as diversas opressões que estão submetidas as mulheres, compreendendo seu aspecto
contraditório de proteção às mulheres numa estrutura social de organização patriarcal e
capitalista.

2 DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO

Considerando o destacado por Kergoat (2009), onde a autora enfatiza que existe o
pressuposto que as condições em que vivem mulheres e homens são produtos das construções
sociais, ou seja, não são produtos de um destino somente biológico.

Destaca-se que a produção da vida em sociedade é mediada pelo trabalho, assim como
todo sistema produtivo, com destaque ao sistema capitalista, que tem como referência a
divisão desigual e hierárquica do trabalho entre mulheres e homens. Desta forma, pode-se
afirmar que a divisão sexual do trabalho causa materialmente, a exploração dos homens sobre
as mulheres. (CISNE & SANTOS, 2018).

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Ao se considerar que historicamente, a divisão social do trabalho está intrinsecamente
ligada à divisão de tarefas e responsabilidade entre homens e mulheres. Tal divisão é,
portanto, baseada na discriminação dos sexos e na absoluta violência estrutural contra as
mulheres.

O estudo de Engels (2012, p.76), intitulado como A Origem da Família, da


Propriedade Privada e do Estado, demonstrou que “a primeira opressão de classe coincide
com a opressão do sexo feminino pelo masculino” (2012, p.76). A propriedade privada, de
acordo com a teoria marxista, teria na família o seu germe, onde a mulher e as crianças são
escravas do homem. A escravidão, ainda latente e muito rudimentar na família, é a primeira
propriedade privada. (ENGELS, 2012).

Sendo assim, a família, por sua vez, ocupará uma posição de importância essencial na
reprodução desta divisão sexual do trabalho, e do próprio sistema patriarcal capitalista: ela é
seu “microcosmo” insubstituível de reprodução e consumo. Na obra Para Além do Capital,
István Mészáros, revela que:

O aspecto mais importante da família na manutenção do domínio do capital


sobre a sociedade é a perpetuação- e a internalização- do sistema de valores
profundamente iníquo, que não permite contestar a autoridade do capital
(MÉSZÁROS, 2011, p.271).

É nesta direção que a família nuclear patriarcal-burguesa permitirá a manutenção da


opressão sobre as mulheres. A família terá como base a escravidão doméstica do sexo
feminino, deliberando papéis específicos a serem desempenhados por elas na divisão sexual
do trabalho. Ou seja, a mulher por meio do trabalho não remunerado saciará as necessidades
de todos os membros da família ao mesmo tempo em que dependerá economicamente desse
mesmo núcleo familiar para sobreviver (CISNE, 2014).

Desta maneira, considera-se que a divisão sexual do trabalho, em simbiose com o


sistema familiar patriarcal- burguês, é a base estruturante da exploração e da opressão das
mulheres.

A cientista política Flávia Biroli, em seu livro Gênero e Desigualdades: limites da


democracia no Brasil, nos recorda que “as hierarquias de gênero, classe e raça não são
explicáveis sem que se leve em conta a divisão sexual do trabalho” (BIROLI, 2018, p. 21).
Biroli alerta para a questão de que “a divisão sexual do trabalho doméstico incidirá nas
possibilidades de participação política das mulheres, porque corresponde à alocação desigual

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de recursos fundamentais para essa participação, em especial o tempo livre e a renda”
(BIROLI, 2018, p. 23). Assim a divisão dessas tarefas e responsabilidades, também ocorrerá
no espaço público, no qual a presença das mulheres será limitada, pois a mulher arcará com as
demandas domésticas e familiares.

Em conjunto com a família nuclear patriarcal- burguesa, o Estado também terá um


papel de grande relevância quando compõem o sistema patriarcal e busca legitimar o poder
para os homens em detrimento do acirramento das desigualdades entre os sexos.

O trabalho doméstico, ao ser colocado exclusivamente e gratuitamente sob os corpos e


vidas das mulheres, desresponsabiliza o Estado de promover serviços sociais como
restaurantes, lavanderias e escolas públicas de caráter integral, pois tais serviços demandam
custo e afetariam os lucros do capital. Parte-se então, do pressuposto que o Estado é
capitalista, assim “a subordinação da mulher encontra-se diretamente relacionada com a
manutenção e reprodução do capital (CISNE, 2012, p.115).

Dessa forma, o trabalho doméstico não remunerado, posto junto à família na sociedade
capitalista, sustenta a reprodução da força de trabalho sem ônus ao Estado e ao capital e torna
as mulheres subordinadas aos homens e oprimidas e exploradas pelo capital.

É, portanto, a partir da análise da divisão sexual do trabalho que poder-se-á


compreender a constituição do trabalho doméstico, que sustenta o núcleo familiar (patriarcal-
burguês), o qual está intimamente imbricado nas relações de produção capitalistas. Esse
sistema de opressão/exploração submeterá as mulheres trabalhadoras ao trabalho duplo, ou
seja, dentro e fora do ambiente doméstico, condições desiguais e violentas.

No artigo A Classe Operária tem dois Sexos, as autoras Helena Hirata e Daniele
Kergoat destacam que “na realidade relações de classe e de sexo organizaram a totalidade das
práticas sociais em qualquer lugar que se exerçam, em outras palavras não é só em casa que
se é oprimida nem só na fábrica que se é explorada” (1994, p.96). Portanto, a dinâmica do
modo de produção capitalista vai atribuir às mulheres múltiplas jornadas de trabalho e nesse
sentido, concordamos com Cisne quando afirma que “o incentivo à entrada da mulher no
mercado de trabalho vem assim, no sentido de corresponder às novas exigências advindas das
transformações no mundo do trabalho” (2012, p.124).

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Nessa perspectiva, observa-se que a força de trabalho das mulheres é indispensável
para o crescimento econômico do capital, também entende-se que, a cada ciclo de crise do
capitalismo, é renovado o sistema político e jurídico que mantém a divisão social e sexual do
trabalho, no sentido de intensificar a opressão-exploração das mulheres.

Em consequência disto, a permanente acentuação da desigualdade, bem como, o


agravamento da subordinação e do empobrecimento fez com que, principalmente as mulheres
trabalhadoras, entrassem na luta política em conjunto com a classe trabalhadora por melhores
condições de vida e por sua emancipação.

Tendo como base essa delimitação histórica e social sobre a condição da mulher na
sociedade capitalista, no item a seguir, buscou-se observar em que medida as políticas
públicas e sociais como expressões da contraditória relação capital versus trabalho, colocadas
na arena social democrata do Estado capitalista, possibilitaram (ou não) a diminuição da
violência contra as mulheres diante da libertação das múltiplas jornadas de trabalho que lhe
foram impostas.

3 POLÍTICA SOCIAL: DE ONDE PARTIMOS?

A fim de localizarmos a importância da inclusão de políticas voltadas para as


mulheres, primeiramente trataremos brevemente qual a nossa compreensão de política social.
Converge-se aqui, com o abordado pelas autoras Behring e Boschetti quando as mesmas
expõem que “políticas sociais e a formatação de proteção social são desdobramentos e até
mesmo respostas e formas de enfrentamento – em geral setorizadas e fragmentadas – às
expressões multifacetadas da questão social no capitalismo (2011, p.51).

Entende-se que a questão social se constitui do embate político, determinado pela


relação contraditória entre capital e trabalho, está indissociável do processo de acumulação e
dos efeitos que produz sobre o conjunto da classe trabalhadora. (IAMAMOTO, 2018) Desta
forma, compreendemos que a questão social é constitutiva do sistema capitalista devido a
relação capital X trabalho.

Vale destacar que o agravamento da questão social na contemporaneidade expressa as


disparidades econômicas, políticas e culturais. Sendo assim, as condições que as expressões
da questão social determinam para a classe trabalhadora é de desigualdade e pobreza, em
destaque para as mulheres. (ABRAMIDES, 2017).

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O autor José Paulo Netto (2007), quando escreve no seu artigo Desigualdade, Pobreza
e Serviço Social, que “não há nova questão social, o que ocorre é o agravamento das suas
expressões, devido às novas configurações mundiais do capital”. No sistema capitalista são
faces de uma mesma moeda a produção e riqueza e pobreza, quanto mais se concentra a
riqueza mais se expande a pobreza mundialmente.

Deve-se ressaltar o papel que cumpre o Estado para esse modo de produção capitalista,
ele (Estado) tem o papel-chave de sustentar a estrutura de classes e as relações desiguais de
produção. (BEHRING & BOSCHETTI, 2011).

Portanto, a política social, que atende as necessidades do capital também atenderá às


necessidades dos trabalhadores, para ambos de forma insuficiente. A partir da luta de classe,
da mediação do Estado como políticas sociais que será constituído os (frágeis) direitos sociais
a classe trabalhadora. (GUERRA, 2014). É na forma de serviços sociais que os direitos sociais
vão se tornar concretos na vida da classe trabalhadora.

Vale lembrar que que o regime capitalista vive crises estruturais e cíclicas em plano
internacional e no artigo Luta Sociais e desafio da Classe Trabalhadora: reafirmar o projeto
profissional do Serviço Social Brasileiro, a assistente social Maria Beatriz Costa Abramides,
pontua:

Que a partir de 1973, o capitalismo vive uma crise estrutural no plano


internacional advinda da queda tendencial da taxa de lucro e da crise de
superprodução, que o condiciona a estabelecer novas estratégias para retornar
e ampliar seu processo de acumulação (2017, p).

Fica evidente, assim, que o processo de reestruturação produtiva adotada para retomar
as taxas de lucro para o capital, produzem a ampliação da exploração da força de trabalho dos
trabalhadores, destacamos a condição das mulheres. (IAMAMOTO, 2018).

Diante disso, a ofensiva do capital delibera sobre a programática do neoliberalismo,


que possui uma proposta econômica de ajuste estrutural para os países periféricos, onde se
inclui o Brasil e os demais países da América Latina. (BEHRING & BOSCHETTI, 2011).

É de conhecimento que as primeiras medidas do neoliberalismo no Brasil iniciam no


final da década de 1980. Tal política de ajuste fiscal busca capturar o fundo público para
socorrer o grande capital. (SALVADOR, 2017).

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A política social deve ser compreendida como uma mediação entre economia e
política, como resultado de contradições estruturais engendradas pela luta de classes e
delimitadas pelos processos de valorização do capital. Compreendemos assim que o aumento
de serviços públicos via políticas sociais altera o grau de opressão-exploração das mulheres,
ou seja, a ampliação de sistema de proteção social públicos influenciará (não eliminará) nas
condições das múltiplas jornadas de trabalho das mulheres.

Desta maneira, toda ausência de uma proteção social pública ao conjunto da classe
trabalhadora colocará a mulher em patamares superiores de opressão exploração e violência,
tanto no espaço doméstico com no espaço público.

4 VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

Segundo Lisboa (2005, p.201), “o termo violência contra a mulher surge nos anos
1970, através do movimento feminista”. É o movimento feminista que tenciona esse debate
junto à agenda pública e aos Estados nacionais, no sentido de garantir a vida das mulheres.

Saffioti (2015, p.107) destaca que, a cada período histórico observa-se diferenças de
grau no domínio exercido por homens sobre mulheres, ou seja, o sistema patriarcal molda o
modo de viver das mulheres e dos homens em sociedade.

Dito de outra forma, o patriarcado é um sistema social no qual prevalece a dominação


do homem, tanto no âmbito institucional ou familiar, quanto no âmbito público ou privado.
Portanto, patriarcado é o regime da dominação-exploração das mulheres pelos homens
(SAFFIOTI, 2015, p.47).

Neste sentido, compreendemos que mulheres e homens constituem diferentes


categorias sociais e com distintos projetos societários. No texto Contribuições Feministas
para o Estudo da Violência de Gênero (2001), Saffioti, nos lembra que:

No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a


conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo
menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como
desvio. Ainda que não haja nenhuma tentativa, por parte das vítimas
potenciais, de trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a
execução do projeto de dominação exploração da categoria social homem
exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência.
(SAFFIOTI, 2001, p.01).

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A violência contra a mulher como uma das muitas expressões da questão social e,
como já discutido nesse artigo, sabemos que a vida das mulheres é fundamental para a
sustentação do modo de produção capitalista. Assim, a opressão contra as mulheres se
manifesta pelas inúmeras faces da violência, seja ela nas múltiplas jornadas de trabalho, nos
abusos, nas agressões, nas discriminações e das diversas outras formas, já conhecidas pelo
sexo feminino, no decorrer da existência do patriarcado e do capitalismo.

O pressuposto de que a opressão-exploração, experienciadas pelas mulheres, têm sua


origem atribuída ao surgimento da família, da propriedade privada e da divisão da sociedade
em classes (SAFFIOTI, 1987). Nesse sentido, é relevante destacar que a organização política
das mulheres trabalhadoras, além de contribuir para processos revolucionários, também
passou a disputar espaço junto às agendas públicas dos Estados Liberais, no sentido de
requisitar desses Estado respostas a melhores condições de vida ao conjunto das mulheres,
com destaque às mulheres trabalhadoras, ou seja, a garantia de direitos civis, políticos e
sociais. E faz parte desses direitos a defesa da vida digna, que compreendemos ser livre de
opressão-exploração à todas as mulheres.

Destaca-se que é só no século XX, que o sistema de proteção internacional de direitos


humanos encampou as demandas das mulheres quanto ao direito de viver sem violência e
exigiu dos Estados nacionais respostas a violação dos direitos humanos das mulheres. FONTE

Desde o final da década de 70 do século XX, uma série de pactos, protocolos,


declarações, planos de ação, tratados e convenções vão tencionar os Estados a implementar
seus sistemas de proteção onde haja a promoção da igualdade entre homens e mulheres na
família e em outros campos da vida pública e privada. (SENADO, 2017).

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi um marco na instituição dos direitos


humanos no Brasil, deu ênfase à dignidade da pessoa humana quando ratificou vários tratados
internacionais, inclusive os de garantia dos direitos das mulheres. Porém foi somente em 2006
que foi publicada a Lei nº 11.340/2006, denominada Maria da Penha. FONTE BRASIL XXX

A Lei Maria da Penha é considerada a terceira melhor Lei do mundo na questão de


violência doméstica e familiar contra as mulheres. Essa Lei salva vidas e atua na desigualdade
entre homens e mulheres, evidenciadas pela violência, nas relações afetivas, domésticas e
familiares, e está situada dentro do campo dos direitos humanos. (SENADO, 2017).

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Em 2015, temos a publicação da Lei do Feminicídio, nº 13.104; o feminicídio é o
assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Suas motivações mais usuais são o
ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres,
comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino,
como é o caso brasileiro.

Neste sentido, cabe aqui destacar que o sistema de proteção à mulher vítima de
violência no Brasil, contempla a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio e Política Nacional
de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, elaborado e publicado pela Secretaria de
Políticas para as Mulheres da Presidência da República em 2011, tal política estabelece
conceitos, princípios, diretrizes e ações de prevenção e combate à violência contra as
mulheres no âmbito doméstico.

Ademais, a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres está


estruturada a partir do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, o qual foi elaborado com
base na I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres em 2004. No II Plano Nacional
de Políticas para as Mulheres, publicado em 2008 e na II Conferência Nacional de Políticas
para as Mulheres, foi mantido como eixo temático a questão do enfrentamento à todas as
formas de violência contra as mulheres.

Vale destacar que a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as


Mulheres, também encontra-se em consonância com: a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), a Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher
(Convenção de Belém do Pará, 1994), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW, 1981) e a Convenção Internacional Contra o
Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de
Pessoas (Convenção de Palermo, 2000).

Assim, define-se aqui que o Estado Brasileiro incluiu na sua agenda pública o
problema da violência contra mulher, em destaque a violência desencadeada no espaço
doméstico e familiar, somente após a luta do movimento feminista e a imposição dos
organismos e órgão internacionais. Ou seja, não foi suficiente ao Estado brasileiro a violência
cometida contra apenas uma mulher para tomar ações de combate à violência via políticas
sociais.

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Segundo a descrição do ciclo da política pública apresentado por Souza (2006),
compreendemos que a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres o
experienciou, pois houve definição do problema em agenda, como exposto nos Planos e na
Conferência Nacional; a identificação de alternativa como está na Política Nacional; a
avaliação das opções e a seleção das opções consta nos encaminhamento da Conferência e
Planos Nacional e a implementação e a avaliação como pontuado na Política Nacional.

Uma Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres foi criada em 2003, com o
intuito de ser responsável por formular e coordenar políticas públicas para as mulheres.
Inicialmente compôs a estrutura da secretaria de Governo da Presidência durante a gestão do
Partido dos Trabalhadores. Porém, com a publicação do Decreto nº 9.417, de 20 de junho de
2018 foi transferida, junto com o Conselho Nacional dos Direito da Mulher, para o Ministério
dos Direitos Humanos, ação essa que foi alvo de críticas, por fragilizar a atuação da Secretaria
frente a execução de Políticas para as Mulheres, incluindo a de enfrentamento à violência.

Assim, compreendemos que a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra


as Mulheres trata-se de uma política regulamentadora, na qual, segundo Pereira (2009, p.100)
“o Estado obriga ou proíbe e a coerção é máxima. As liberdades individuais quedam-se
limitadas e os interesses pessoais se transformam por decreto”.

Desta maneira, o Estado busca regular somente a violência no âmbito da vida privada
das mulheres, pois a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres
garante assistência às mulheres vítimas de violência familiar e doméstica, e a Lei Maria da
Penha, mais a Lei do Feminicídio julga e condena os sujeitos homens agressores. No entanto,
esse mesmo Estado mantém toda a estrutura social que produz e reproduz a violência contra
as mulheres. Compreendemos que a real diminuição da violência contra as mulheres só
poderá ocorrer quando as mulheres forem libertas das múltiplas jornadas de trabalho impostas
pelo modelo patriarcal burguês ainda em vigência.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de séculos de reivindicações, resistência e lutas, temos conhecimento que os


diversos tratados e convenções sobre os direitos das mulheres a uma vida sem violência só
foram se estabelecer nos anos 1960 e 1970 do século XX. Por isso, reiteramos que é
importante compreender o patriarcado como uma possibilidade de explicação da origem e as
causas da subordinação das mulheres. A partir desse entendimento é possível demonstrar que

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a subordinação da mulher não é natural e que, portanto, é possível combatê-la (SAFFIOTI,
2015).

Sem dúvidas, a força e a luta constante do movimento feminista é responsável por uma
série serviços estatais que protegem a vida das mulheres, um exemplo é a Lei Maria da Penha,
a Lei do Feminicídio e a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres,
porém os dados referente às mortes das mulheres pela sua condição de gênero, demonstram
que essas Leis e a Política, executada por um Estado (neo)liberal burguês se mostra
insuficiente para garantir a vida das mulheres.

Como alternativa é pensar na transformação social, fugir da miséria ideológica,


identificamos que, o texto da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as
Mulheres, não define o conceito de família; não apresenta a compreensão de espaço público e
privado; não aborda a divisão sexual do trabalho; não demarca o modo de produção e
reprodução da vida que produz a violência contra as mulheres e fala da violência doméstica
sem discutir o trabalho da mulher no espaço doméstico e sua relevância para a reprodução
social da sociedade capitalista.

Conclui-se que combater a violência contra a mulher- doméstica/familiar- via uma


política estatal é essencial mesmo na agenda (neo)liberal, para garantir que as mulheres
possam lutar pela sua emancipação política, porém é só o debate e ação política em
perspectiva feminista marxista/materialista, que possibilitará compreendermos que somente a
emancipação humana libertará as mulheres da múltiplas jornadas de trabalho ao mesmo
tempo que libertará sua classe, a trabalhadora, da exploração.

REFERÊNCIAS
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